Primeiro Pergunte Porque Simon Sinek
Primeiro Pergunte Porque Simon Sinek
Primeiro Pergunte Porque Simon Sinek
LUA DE PAPEL
[Uma chancela do grupo Leya]
Rua Cidade de Córdova, n.º 2
2610-038 Alfragide – Portugal
Tel. (+351) 21 427 22 00
Fax. (+351) 21 427 22 01
PORQUÊ COMEÇAR
PELO PORQUÊ?
1.
A meta era ambiciosa. O interesse público era elevado. Os especialistas
estavam desejosos de contribuir. O dinheiro estava prontamente disponível.
Munido de todos os ingredientes para o sucesso, Samuel Pierpont
Langley determinou, em inícios da década de 1900, que seria o primeiro
homem a pilotar um avião. Altamente conceituado, era um responsável de
topo no Instituto Smithsonian, um professor de Matemática que também
tinha lecionado em Harvard. Entre os seus amigos incluíam-se alguns dos
mais poderosos homens a nível governamental e empresarial, incluindo
Andrew Carnegie e Alexander Graham Bell. Langley recebeu uma dotação
de 50.000 dólares do Departamento de Guerra dos EUA para financiar o seu
projeto, uma avultada quantia de dinheiro para a época. Reuniu os melhores
cérebros da época, uma verdadeira equipa de sonho em matéria de talento e
conhecimentos. Langley e a sua equipa recorreram aos melhores materiais e
a imprensa acompanhava-o para todo o lado. As pessoas em todo o país
estavam de olhos postos na história, à espera de lerem que ele tinha
alcançado o seu objetivo. Com a equipa que reuniu, e dispondo de amplos
recursos, o seu sucesso estava garantido.
Estava mesmo?
A algumas centenas de quilómetros de distância, Wilbur e Orville Wright
estavam a trabalhar na sua própria máquina voadora. A paixão de ambos
por voar era de tal modo intensa que inspirou o entusiasmo e empenho de
um grupo extremamente dedicado da sua terra natal, em Dayton, Ohio. Não
havia financiamento para o empreendimento dos dois irmãos. Não
dispunham de qualquer dotação governamental. Não possuíam contactos de
alto nível. Nem uma só pessoa da equipa possuía habilitações académicas
superiores, nem tão pouco Wilbur ou Orville Wright as tinham. Mas a
equipa uniu-se numa humilde loja de venda de bicicletas e conseguiu tornar
a sua visão numa realidade. No dia 17 de dezembro de 1903, um pequeno
grupo testemunhou um homem a voar pela primeira vez na História.
Como é que os irmãos Wright conseguiram ser bem-sucedidos numa área
onde uma equipa com melhores equipamentos, mais bem financiada e com
um nível de instrução superior não conseguiu?
Não foi sorte. Tanto os irmãos Wright como Langley estavam altamente
motivados. Ambos os lados tinham uma forte ética profissional. Ambos os
lados dispunham de mentes científicas aguçadas. Eles estavam atrás do
mesmo objetivo, mas apenas os irmãos Wright foram capazes de inspirar
quem os rodeava e de liderarem verdadeiramente a sua equipa no sentido de
desenvolverem uma tecnologia que mudaria o mundo. Só os irmãos Wright
começaram pelo porquê.
2.
Em 1965, os alunos do campus da Universidade da Califórnia, Berkeley,
foram os primeiros a queimar publicamente as suas cédulas militares em
protesto contra o envolvimento dos EUA na Guerra do Vietname. O norte
da Califórnia era um foco de sentimento antigoverno e anticlasses
dirigentes; imagens de confrontos e motins em Berkeley e Oakland foram
difundidas por todo o mundo, fomentando movimentos de apoio por todo o
território dos EUA e Europa. Mas só em 1976, praticamente três anos
depois do fim do envolvimento militar norte-americano no conflito do
Vietname, é que despertou uma revolução diferente.
Eles queriam ter impacto, um impacto muito grande, até mesmo
desafiando a forma como as pessoas percecionam o modo de
funcionamento do mundo. Mas estes jovens revolucionários não atiraram
pedras nem agarraram em armas para combater um regime autoritário. Em
vez disso, decidiram vencer o sistema no seu próprio jogo. Para Steve
Wozniak e Steve Jobs, cofundadores da Apple Computer, o campo de
batalha era empresarial e a arma de eleição foi o computador pessoal (PC).
A revolução do computador pessoal estava a começar a ser preparada
quando Wozniak criou o Apple I. A tecnologia, que estava a começar a
captar as atenções, era sobretudo vista como uma ferramenta de trabalho
para as empresas. Os computadores eram demasiado complexos e o seu
preço não estava ao alcance do cidadão comum. Mas Wozniak, um homem
que não era motivado pelo dinheiro, almejava um propósito mais nobre para
a tecnologia. Ele viu o computador pessoal como uma forma de o cidadão
comum competir com as empresas. Ele achava que se conseguisse
descortinar uma maneira de o fazer chegar às mãos dos particulares, o
computador daria a praticamente toda a gente a capacidade de desempenhar
muitas das mesmas funções que uma empresa muito mais bem equipada em
matéria de recursos. O computador pessoal poderia nivelar o campo de jogo
e mudar a forma como o mundo funcionava. Woz concebeu o Apple I e
melhorou a tecnologia com o Apple II, para ser financeiramente acessível e
fácil de usar.
Independentemente do quão visionários ou brilhantes possam ser, uma
grande ideia ou um grande produto não valem de muito se ninguém os
comprar. O melhor amigo de então de Wozniak, o jovem de 21 anos
chamado Steve Jobs, sabia exatamente o que fazer. Apesar de a sua
experiência se cingir à venda de componentes eletrónicos, Jobs provaria ser
muito mais do que um bom vendedor. Ele queria fazer algo de significativo
no mundo e criar uma empresa seria a forma de lá chegar. A Apple foi a
ferramenta que ele usou para desencadear a sua revolução.
No seu primeiro ano de atividade, com apenas um produto, a Apple
registou receitas de um milhão de dólares. No segundo ano, as vendas
ascenderam a 10 milhões de dólares. No seu quarto ano, venderam
computadores no valor de 100 milhões de dólares. E em apenas seis anos a
Apple Computer tornou-se uma empresa avaliada em mil milhões de
dólares, com mais de 3.000 funcionários.
Jobs e Woz não eram os únicos participantes na revolução do computador
pessoal. Não eram os únicos indivíduos inteligentes naquele ramo de
negócio; com efeito, eles nem sequer percebiam muito do negócio. O que
tornou a Apple especial não foi a capacidade de eles construírem uma
empresa com um crescimento tão notável. Não foi a capacidade de eles
idealizarem de forma diferente os computadores pessoais. O que tornou a
Apple especial foi o facto de eles terem sido capazes de replicar o padrão
vezes sem conta. Ao contrário de muitos dos seus concorrentes, a Apple
desafiou com êxito o pensamento convencional da indústria dos
computadores, da indústria da pequena eletrónica de consumo, da indústria
musical, da indústria dos telemóveis e da indústria mais alargada do
entretenimento. E a razão é simples. A Apple inspira. A Apple começa pelo
porquê.
3.
Ele não era perfeito. Ele tinha as suas complexidades. Ele não era a única
pessoa que tinha sofrido numa América que não defendia os direitos civis
dos negros e havia muitos outros oradores carismáticos. Mas Martin Luther
King Jr. tinha um dom. Ele sabia como inspirar as pessoas.
King sabia que se o movimento dos direitos civis fosse bem-sucedido, se
queriam que houvesse uma mudança real e permanente, seria preciso mais
do que ele e os seus aliados mais chegados. Seria preciso mais do que
palavras estimulantes e discursos eloquentes. Seriam precisas pessoas,
dezenas de milhares de pessoas comuns, unidas por uma visão única, para
mudar o país. Às 11:00 da manhã do dia 28 de agosto de 1963, enviariam a
Washington a mensagem de que era altura de a América seguir um novo
rumo.
Os organizadores do movimento dos direitos civis dos negros não
enviaram milhares de convites nem sequer havia um site para verificar a
data. Mas as pessoas acorreram ao evento. E continuaram a chegar e a
chegar. Ao todo, 250.000 pessoas desceram à capital da nação a tempo de
ouvirem as palavras imortalizadas na História, proferidas por um homem
que acabaria por liderar um movimento que mudaria a América para
sempre: “Eu tenho um sonho”.
A capacidade para atrair tantas pessoas em todo o país, de todas as cores e
raças, para se juntarem no dia certo, na hora certa, exigiu algo especial.
Apesar de outros saberem que a América tinha de mudar para que os
direitos civis chegassem a todos, foi Martin Luther King que inspirou um
país a mudar não só em prol de uma minoria, mas em prol de todos. Martin
Luther King começou pelo porquê.
::::
Há os líderes e há os que lideram. Com uma quota de mercado de apenas
6% nos Estados Unidos e de cerca de 3% a nível mundial, a Apple não é um
fabricante líder de computadores pessoais. No entanto, a empresa lidera a
indústria dos computadores e é agora também líder noutros setores. As
experiências de Martin Luther King não eram inéditas, mas ele inspirou
toda uma nação a mudar. Os irmãos Wright não eram os participantes mais
fortes na corrida ao primeiro voo a motor tripulado, mas conduziram-nos a
uma nova era da aviação e, ao fazerem-no, mudaram por completo o mundo
em que vivemos.
Os seus objetivos não eram diferentes dos objetivos das outras pessoas e
os seus sistemas e processos eram facilmente replicados. Ainda assim, os
irmãos Wright, a Apple e Martin Luther King destacaram-se entre os seus
pares. Eles fogem à norma e o seu impacto não é facilmente copiado. Eles
são membros de um grupo muito seleto de líderes que fazem algo muito,
muito especial. Eles inspiram-nos.
Praticamente todos os indivíduos ou organizações precisam de motivar os
outros no sentido de agirem em prol de algo ou de outrem. Alguns desejam
motivar uma decisão de compra. Outros procuram apoio ou votos. Mas há
outros interessados em motivar as pessoas que os rodeiam para trabalharem
mais arduamente ou de forma mais inteligente ou apenas para seguirem as
regras. A capacidade de motivar as pessoas não é, por si só, difícil. Está
normalmente associada a algum fator externo. Incentivos tentadores ou a
ameaça de uma punição irão frequentemente suscitar o comportamento
desejado. A General Motors, por exemplo, motivou de forma tão bem-
sucedida as pessoas a comprarem os seus produtos que vendeu mais carros
do que qualquer outro fabricante automóvel do mundo durante mais de 70
anos. Mas, apesar de ser líder na indústria onde operava, a empresa não
liderava.
Em contraste, os grandes líderes são capazes de inspirar as pessoas no
sentido de agirem. Aqueles que conseguem inspirar, dão às pessoas um
sentimento de propósito ou pertença que tem pouco a ver com qualquer
incentivo ou benefício externo que possam obter. Aqueles que
verdadeiramente lideram são capazes de criar um séquito de pessoas que
agem não porque foram influenciadas mas porque foram inspiradas. Para
aqueles que se sentem inspirados, a motivação para agir é profundamente
pessoal. Eles são menos propensos a serem convencidos através de
incentivos. Os que se sentem inspirados estão dispostos a pagar mais ou a
enfrentarem transtornos, mesmo que isso implique sofrimento pessoal. Os
que são capazes de inspirar irão criar um séquito de seguidores – apoiantes,
eleitores, clientes e funcionários – que agem em prol do bem comum, não
por serem obrigados a fazê-lo, mas porque o querem fazer.
Apesar de serem relativamente pouco numerosos, as organizações e
líderes com capacidade natural para nos inspirarem surgem sob todas as
formas e dimensões. Podem ser encontrados tanto no setor público como
privado. Estão presentes em todos os tipos de indústrias – a venderem a
consumidores ou a outras empresas. Independentemente de onde existem,
todos eles têm uma vasta influência nas suas indústrias. Têm os clientes
mais leais e os empregados mais leais. Tendem a ser mais rentáveis do que
os outros que operam no mesmo setor. São mais inovadores e, mais
importante ainda, são capazes de sustentar todas estas coisas no longo
prazo. Muitos deles mudam indústrias. Alguns deles mudam até mesmo o
mundo.
Os irmãos Wright, a Apple e Martin Luther King são apenas três
exemplos A Harley-Davidson, a Disney e a Southwest Airlines são mais
três exemplos. John F. Kennedy e Ronald Reagan também foram capazes de
inspirar. Independentemente do que advogam, todos eles têm algo em
comum. Todos os líderes e empresas inspiradores, independentemente da
sua dimensão ou indústria, pensam, agem e comunicam exatamente da
mesma forma.
E são o preciso oposto de todos os restantes.
E se todos nós pudéssemos aprender a pensar, agir e comunicar como
aqueles que sabem inspirar? Imagino um mundo em que a capacidade de
inspirar é praticada não apenas por uns quantos eleitos, mas pela maioria.
Há estudos que demonstram que mais de 80% dos norte-americanos não
têm o seu emprego de sonho. As pessoas que adoram ir para o trabalho são
mais produtivas e mais criativas. Elas vão para casa mais felizes e têm
famílias mais felizes. Elas tratam melhor os seus colegas e clientes. Os
funcionários inspirados proporcionam empresas mais fortes e economias
mais sólidas. É por isso que escrevo este livro. Espero inspirar outros a
fazerem as coisas que os inspiram, de modo a que, juntos, possamos
construir as empresas, a economia e um mundo nos quais confiamos e onde
a lealdade seja a regra e não a exceção. Este livro não se destina a dizer-lhe
o que fazer ou como o fazer. O seu objetivo não é fornecer-lhe um plano de
ação. O seu objetivo é oferecer-lhe a causa da ação.
A todos aqueles que têm a mente aberta a novas ideias, que procuram
criar um sucesso duradouro e que acreditam que o seu sucesso requer a
ajuda de outros, lanço-lhes um desafio. A partir de agora, comecem pelo
porquê.
PARTE 1
UM MUNDO
QUE NÃO COMEÇA
PELO PORQUÊ
CAPÍTULO 1
Num dia frio de janeiro, um homem de 43 anos foi nomeado dirigente máximo do seu país.
Ao seu lado estava o seu antecessor, um famoso general que, 15 anos antes, havia
comandado as forças armadas da sua nação numa guerra que resultou na derrota da
Alemanha. O jovem líder foi criado na fé católica romana. Passou as cinco horas seguintes a
assistir a desfiles em sua homenagem e ficou a comemorar até às três da manhã.
INCENTIVOS E PENALIZAÇÕES
Preço
Promoções
Medo
Aspirações
“Deixar de fumar é a coisa mais fácil que alguma vez fiz”, disse Mark
Twain (5). “Fi-lo centenas de vezes”.
Se o medo nos motiva a afastarmo-nos de algo horrível, as mensagens
aspiracionais tentam-nos em direção a algo desejável. Os especialistas de
marketing falam frequentemente sobre a importância de se ser inspirador,
oferecendo às pessoas algo que desejam alcançar e a capacidade de mais
facilmente chegarem lá com um produto ou serviço específico. “Seis passos
para uma vida mais feliz”. “Trabalhe esses abdominais para vestir o número
de sonho do seu vestido!” “Em apenas seis semanas pode ficar rico”. Todas
essas mensagens manipulam. Elas tentam-nos com as coisas que queremos
ter ou seduzem-nos para sermos a pessoa que gostaríamos de ser.
Embora de natureza positiva, as mensagens aspiracionais são mais
eficazes junto de quem tem falta de disciplina ou sofre do persistente medo
ou insegurança de não conseguir atingir os seus sonhos por si (o que, em
vários momentos, por várias razões, abarca toda a gente). Digo sempre a
brincar que, com uma mensagem motivacional, é possível levar uma pessoa
a tornar-se sócia de um ginásio, mas fazer com que a pessoa vá treinar três
dias por semana requer um pouco de inspiração. Alguém que tenha um
estilo de vida saudável e o hábito de fazer exercício não responde a “seis
passos fáceis para perder peso”. Os mais suscetíveis são aqueles que não
têm esse estilo de vida. Não é novidade que muitas pessoas experimentam
dietas atrás de dietas, na tentativa de alcançarem o corpo dos seus sonhos. E
seja qual for o regime escolhido, todos eles sustentam que o exercício
regular e uma dieta equilibrada ajudarão a reforçar os resultados. Por outras
palavras, disciplina. As inscrições nos ginásios tendem a aumentar cerca de
12% em janeiro, com as pessoas a tentarem cumprir a resolução de Ano
Novo de viverem uma vida mais saudável. No entanto, apenas uma parte
desses aspirantes ao gosto pelo fitness ainda está no ginásio no final do ano.
As mensagens aspiracionais podem estimular determinados
comportamentos, mas, para a maioria, não duram muito.
As mensagens aspiracionais não são eficazes apenas no mercado de
consumo. Também funcionam muito bem nas transações entre empresas. Os
gestores de empresas, grandes e pequenas, querem sair-se todos bem, pelo
que tomam decisões, contratam consultores e implementam sistemas para
os ajudar a alcançar esse resultado desejado. Mas, muitas vezes, não são os
sistemas que falham, mas a capacidade de os manter. Posso falar por
experiência própria. Implementei muitos sistemas ou práticas ao longo dos
anos com o objetivo de me ajudar a “alcançar o sucesso a que aspiro”, mas
voltei sempre aos meus velhos hábitos duas semanas depois. Aspiro a um
sistema que me ajude a evitar implementar sistemas para responder a todas
as minhas aspirações. Mas, provavelmente, não seria capaz de o seguir por
muito tempo.
Esta resposta de curto prazo para desejos de longo prazo também está
bem patente no mundo empresarial. Uma amiga minha, que é consultora de
gestão, foi contratada por uma empresa avaliada em milhares de milhões de
dólares para a ajudar a cumprir os seus objetivos e aspirações. O problema é
que, independentemente da dificuldade em questão, os gestores da empresa
eram sempre atraídos para a opção mais rápida e mais barata em vez de
optarem pela melhor solução a longo prazo, explicou ela. Tal como os
adeptos das dietas, “eles nunca tinham tempo ou dinheiro para fazer bem à
primeira”, disse ela sobre o cliente, “mas tinham sempre tempo e dinheiro
para o fazer novamente”.
Não posso contestar que as manipulações funcionam. Cada uma delas pode
realmente ajudar a influenciar o comportamento e cada uma delas pode
ajudar uma empresa a tornar-se bem-sucedida. Mas há um preço a pagar.
Nenhuma delas gera lealdade. Com o passar do tempo, custam mais e mais.
Os ganhos são apenas de curto prazo. E aumentam o nível de stresse tanto
para o comprador como para o vendedor. Se temos muito dinheiro ou
estamos a tentar obter apenas um ganho de curto prazo, sem consideração
pelo longo prazo, então essas estratégias e táticas são perfeitas.
Além do mundo dos negócios, as manipulações também são a norma na
política de hoje. Assim como as manipulações podem gerar uma venda, mas
não criar lealdade, também podem ajudar um candidato a ser eleito, mas
não criam uma base para a liderança. A liderança exige que as pessoas
fiquem connosco nos bons e maus momentos. Liderança é a capacidade de
mobilizar pessoas não para um único evento, mas durante anos. Nos
negócios, a liderança significa que os clientes continuarão a apoiar a nossa
empresa, mesmo quando deslizarmos. Se a manipulação for a única
estratégia, o que é que acontece na próxima vez que for necessária uma
decisão de compra? O que é que acontece depois de a eleição estar ganha?
Há uma grande diferença entre recorrência nos negócios e lealdade. A
recorrência é quando as pessoas fazem negócios connosco várias vezes. A
lealdade é quando as pessoas estão dispostas a recusar um produto melhor
ou um preço melhor para continuarem a fazer negócios connosco. Os
clientes leais muitas vezes nem se preocupam em pesquisar a concorrência
ou em sondar outras opções. A lealdade não é facilmente vencida. A
recorrência é. Tudo o que é preciso é mais manipulação.
As técnicas de manipulação tornaram-se um sustentáculo tão importante
para o mundo americano dos negócios que se tornou praticamente
impossível para alguns largar o hábito. Como em qualquer vício, o objetivo
não é ficar sóbrio, mas sim encontrar o próximo remédio mais depressa e
mais frequentemente. E, por mais espetacular que seja o êxtase no curto
prazo, esses remédios têm um impacto prejudicial sobre a saúde de uma
organização no longo prazo. Viciadas nos resultados a curto prazo, as
empresas realizam atualmente os negócios como uma série de soluções
rápidas e sucessivas. As táticas de curto prazo tornaram-se tão sofisticadas
que se desenvolveu toda uma economia, munida de estatísticas e quase-
ciência, para servir as manipulações. As empresas de marketing direto, por
exemplo, disponibilizam cálculos sobre quais as palavras que geram os
melhores resultados em cada publicidade endereçada que enviam.
Aqueles que oferecem descontos por correio sabem que os incentivos
funcionam e sabem que, quanto maior o desconto, mais eficaz ele é.
Também estão cientes do custo que acompanha esses descontos. Para os
tornarem rentáveis, os fabricantes confiam que os números de breakage e
slippage se manterão acima de um determinado limite. Tal como sucede
com um toxicodependente, cujo comportamento é reforçado pelo nível de
satisfação a curto prazo, a tentação de tornar a habilitação ao desconto mais
complexa ou demorada, de modo a reduzir o número de candidatos
qualificados, pode ser irresistível para alguns.
A Samsung, a gigante da eletrónica, dominou a arte das letras pequenas
que torna os descontos tão lucrativos para as empresas (11). No início dos
anos 2000, a empresa ofereceu descontos até 150 dólares numa variedade
de produtos eletrónicos, estipulando nas letras minúsculas que o desconto
estava limitado a um por endereço – um requisito que teria soado razoável o
suficiente para qualquer pessoa na altura. No entanto, na prática,
desclassificava efetivamente todos os clientes que viviam em blocos de
apartamentos onde mais do que um residente havia pedido o mesmo
desconto. Mais de 4.000 clientes da Samsung atraídos pela devolução de
parte do dinheiro receberam avisos a negar-lhes os descontos por esses
motivos. O caso foi levado à Procuradoria-Geral de Nova Iorque e, em
2004, a Samsung foi condenada a pagar 200.000 dólares em reivindicações
de descontos de moradores de blocos de apartamentos. Este é um caso
extremo de uma empresa que foi apanhada. Mas o jogo dos descontos, de
cortar códigos de barras, preencher formulários e fazer tudo antes do prazo
limite está vivo e bem de saúde. Como é que uma empresa pode dizer que é
focada no cliente quando está tão confortavelmente a medir o número de
clientes que não conseguirão efetivar qualquer promessa de poupança?
UMA PERSPETIVA
ALTERNATIVA
CAPÍTULO 3
O CÍRCULO DOURADO
Tudo aquilo que fazemos é com a convicção de que estamos a desafiar o status quo. Nós
acreditamos em pensar de forma diferente.
A forma como desafiamos o status quo é criando produtos com um design belíssimo,
simples de usar e amigos do utilizador.
E acontece que fazemos excelentes computadores.
Quer comprar um?
“Torna o seu branco mais branco e os seus brilhos mais brilhantes”, dizia o
anúncio de televisão sobre o mais recente detergente para a roupa. Esta foi a
proposta de valor durante muitos anos no negócio dos detergentes para a
roupa. Um argumento perfeitamente legítimo. Foi o que o estudo de
mercado revelou que os clientes desejavam. Os dados eram verdadeiros,
mas a verdade sobre o que as pessoas queriam era diferente.
Os fabricantes de detergente para a roupa perguntaram aos consumidores
o QUE queriam do detergente, e os consumidores responderam brancos
mais brancos e brilhos mais brilhantes. Se pensarmos sobre isso, não é uma
descoberta assim tão notável que as pessoas queiram que o seu detergente
as ajude a ter as suas roupas não apenas limpas, mas muito limpas. Então,
as marcas tentaram diferenciar a forma COMO deixavam os brancos mais
brancos e os brilhos mais brilhantes, tentando convencer os consumidores
de que um aditivo era mais eficaz do que outro. Proteína, disse uma marca.
Melhoradores de cor, disse outra. Ninguém perguntou aos clientes o
PORQUÊ de quererem as suas roupas limpas. Esse pormenor só foi
revelado muitos anos depois, quando um grupo de antropólogos contratado
por uma dessas empresas de bens de consumo embalados revelou que, na
verdade, não eram todos aqueles aditivos que estavam a dirigir o
comportamento. Eles observaram que, quando as pessoas tiravam as suas
roupas da máquina, ninguém as examinava à luz para ver quão brancas
estavam nem as comparava com peças novas para ver quão brilhantes
estavam. A primeira coisa que as pessoas faziam quando tiravam a roupa da
máquina era sentir o cheiro. Esta foi uma descoberta incrível. Parecer limpo
era mais importante para as pessoas do que estar limpo. Havia a presunção
de que todos os detergentes lavam a roupa. É o que os detergentes
supostamente fazem. Mas ter as suas roupas com um cheiro fresco e limpo
importava muito mais do que as ligeiras diferenças entre detergentes e qual
lavava efetivamente melhor a roupa.
O facto de um falso pressuposto ter levado toda uma indústria na direção
errada não é exclusivo dos detergentes. As empresas de telemóveis
acreditavam que as pessoas queriam mais opções e botões até a Apple
apresentar o seu iPhone com menos opções e apenas um botão. As
fabricantes de automóveis alemãs acreditavam que a sua engenharia, por si
só, era importante para os compradores de carros americanos. Ficaram
surpresas e perplexas quando perceberam que a grande engenharia não era
suficiente. Uma por uma, as fabricantes alemãs de automóveis de luxo
passaram a incorporar suportes para copos nos seus carros. Era uma
característica muito valorizada pelos americanos que faziam percursos
maiores nas suas deslocações, mas que raramente era mencionada em
qualquer pesquisa sobre os fatores que influenciavam as decisões de
compra. Não estou, de forma nenhuma, a sugerir que os suportes para copos
tornam as pessoas leais aos BMWs. Tudo o que estou a sugerir é que,
mesmo para os compradores de carros de mentalidade racional, há mais
fatores a influenciar a tomada de decisões do que aquilo que salta à vista.
Literalmente.
O poder do cérebro límbico é surpreendente. Não só controla as nossas
decisões intuitivas, como pode influenciar-nos a fazer coisas que parecem
ilógicas ou irracionais. Deixar a segurança do lar para explorar lugares
distantes. Atravessar oceanos para ver o que está do outro lado. Deixar um
emprego estável para começar um negócio na cave de casa, sem dinheiro no
banco. Muitos olham para essas decisões e dizem: “Isso é estúpido, és
louco. Podes perder tudo. Podes morrer. O que é que te passou pela
cabeça?” Não é a lógica ou os factos, mas as nossas esperanças e sonhos, os
nossos corações e o nosso instinto, que nos levam a tentar coisas novas.
Se fôssemos todos racionais, não haveria pequenas empresas, não haveria
atividade exploratória, haveria pouca inovação e não existiriam grandes
líderes para inspirar todas essas coisas. É a crença eterna em algo maior e
melhor que impulsiona esse tipo de comportamento. Mas também pode
controlar o comportamento nascido de outras emoções, como o ódio ou o
medo. Por que outro motivo uma pessoa planearia magoar alguém que
nunca conheceu?
É surpreendente a quantidade de estudos de mercado que revelam que as
pessoas querem fazer negócios com a empresa que lhes oferece produtos de
melhor qualidade, com a maior quantidade de funcionalidades, o melhor
serviço e tudo a um bom preço. Mas consideremos as empresas que
usufruem de maiores taxas de lealdade – raramente têm todas essas coisas.
Se você quisesse comprar uma Harley-Davidson personalizada, teria de
esperar seis meses pela entrega (mas reconheço-lhes o mérito de já terem
conseguido reduzir o prazo, pois antes era um ano). Isso é um mau serviço!
Os computadores da Apple são pelo menos 25% mais caros do que um PC
comparável. Há menos software disponível para o seu sistema operativo.
Têm menos periféricos. As máquinas em si são por vezes mais lentas do
que um PC comparável. Se as pessoas tomassem apenas decisões racionais
e fizessem todas as pesquisas antes de procederem a uma compra, ninguém
iria comprar um Mac. Mas é claro que as pessoas compram Macs. E
algumas não os compram simplesmente – amam-nos, um sentimento que
vem diretamente do coração. Ou do cérebro límbico.
Todos conhecemos alguém que é louco por Macs. Pergunte-lhes o
PORQUÊ de amarem os seus Macs. Não lhe vão dizer: “Bem, vejo-me
como alguém que gosta de desafiar o status quo, e é importante para mim
cercar-me de pessoas, produtos e marcas que provem ao mundo exterior
quem é que eu acredito ser”. Biologicamente, foi o que aconteceu. Mas essa
decisão foi tomada na parte do cérebro que controla o comportamento, mas
não a linguagem. Assim, o que vão fazer é apresentar uma racionalização:
“É a interface do utilizador. É a simplicidade. É o design. É a alta
qualidade. São os melhores computadores. Eu sou uma pessoa criativa”. Na
verdade, a sua decisão de compra e a sua lealdade são profundamente
pessoais. Essas pessoas não querem propriamente saber da Apple; tem tudo
a ver com elas.
O mesmo se pode dizer das pessoas que adoram trabalhar na Apple. Nem
os funcionários conseguem descrevê-lo em palavras. No caso deles, o
trabalho que fazem é um dos QUÊs do seu PORQUÊ. Eles também estão
convencidos de que é apenas a qualidade dos produtos que está por detrás
do sucesso da Apple. Mas, no fundo, todos adoram fazer parte de algo
maior do que eles próprios. Os funcionários mais leais da Apple, como os
clientes mais leais da marca, adoram uma boa revolução. Nem um grande
aumento salarial ou mais benefícios conseguem convencer um empregado
leal da Apple a trabalhar para a Dell, tal como nenhum desconto ou
promoção consegue convencer um utilizador fiel do Mac a mudar para um
PC (muitos já estão a pagar o dobro do preço). Isto vai além do racional. É
uma crença. Não é por acaso que a cultura da Apple é frequentemente
descrita como um culto. É mais do que apenas produtos, é uma causa a
apoiar. É uma questão de fé.
Lembra-se da Honda e da Ferrari? Os produtos não são apenas símbolos
daquilo em que a empresa acredita, também funcionam como símbolos
daquilo em que os compradores leais acreditam. Pessoas com computadores
portáteis da Apple, por exemplo, gostam de os abrir quando estão sentadas
no aeroporto. Gostam que todos saibam que estão a usar um Mac. É um
emblema, um símbolo de quem são. Aquele logotipo brilhante da Apple diz
algo sobre elas e sobre a forma como veem o mundo. Alguém repara
quando uma pessoa abre um computador HP ou Dell? Não! Nem mesmo as
pessoas que usam esses computadores. A HP e a Dell têm um sentido
difuso do PORQUÊ, e por isso os seus produtos e as suas marcas em nada
simbolizam os utilizadores. Para o utilizador da Dell ou da HP, o seu
computador, por mais rápido ou elegante que seja, não é um símbolo de um
propósito maior, causa ou crença. É apenas um computador. Na verdade,
durante muito tempo, o logotipo na tampa de um computador Dell estava na
posição correta para o utilizador, o que significa que quando o abriam
ficava virado ao contrário para todos os outros. Produtos com um sentido
claro do PORQUÊ dão às pessoas uma forma de dizer ao mundo exterior
quem são e aquilo em que acreditam. Lembre-se, as pessoas não compram o
QUE faz, compram o PORQUÊ de o fazer. Se uma empresa não tem um
sentido claro do PORQUÊ, então é impossível para o mundo exterior
perceber alguma coisa além do QUE a empresa faz. E quando isso
acontece, as manipulações que dependem de preços, funcionalidades,
serviços ou qualidade, tornam-se a principal moeda de diferenciação.
18 “Os Star-Belly Sneetches tinham estrelas na barriga”: Dr. Seuss, The Sneetches and Other Stories.
Nova Iorque: Random House, 1961.
19 “Os U2 e a Apple encaixam”: “Apple Introduces the U2 iPod”,
http://www.apple.com/pr/library/2004/oct/26u2ipod.html.
20 “Eu sou um Mac e eu sou um PC”: “Get a Mac,” http://www.apple.com/getamac/ads/.
21 “Richard Restak, um neurocientista muito conhecido”: Richard Restak, MD, The Naked Brain:
How the Emerging Neurosociety Is Changing How We Live, Work and Love. Nova Iorque: Harmony,
2006.
CAPÍTULO 5
CLAREZA, DISCIPLINA
E CONSISTÊNCIA
Clareza do PORQUÊ
Tudo começa com a clareza. Tem de saber o PORQUÊ de fazer o QUE faz.
Se as pessoas não compram o QUE faz, compram o PORQUÊ de o fazer,
então se não sabe POR QUE faz o QUE faz, quem é que saberá? Se o líder
da organização não consegue articular claramente POR QUE é que a
organização existe em termos que vão além dos seus produtos ou serviços,
como é que espera que os funcionários saibam POR QUE é que devem ir
trabalhar? Se um político não consegue articular POR QUE é que pretende
ocupar um cargo público além do típico “para servir as pessoas” (o padrão
mínimo racional para todos os políticos), como é que os eleitores vão saber
quem apoiar? As manipulações podem motivar o resultado de uma eleição,
mas não ajudam a escolher quem deve liderar. Liderar requer ter quem o
apoie voluntariamente. Requer aqueles que acreditam em algo maior do que
uma única questão. Inspirar começa com a clareza do PORQUÊ.
Disciplina do COMO
Assim que saiba o PORQUÊ de fazer o que faz, a questão é: como é que o
fará? COMO são os seus valores ou princípios que orientam a forma
COMO pode dar vida à sua causa. A forma COMO fazemos as coisas
manifesta-se nos sistemas e processos de uma organização e na sua cultura.
Compreender COMO faz as coisas e, mais importante ainda, ter a disciplina
necessária para manter a organização e todos os seus funcionários
responsáveis por esses princípios orientadores, aumenta a capacidade de
uma organização poder trabalhar com as suas forças naturais. Compreender
o COMO é algo que confere uma maior capacidade, por exemplo, para
contratar pessoas ou encontrar parceiros que, naturalmente, prosperarão
quando trabalharem consigo.
Ironicamente, a pergunta mais importante é a que recebe a resposta mais
evasiva – POR QUE razão faz o que faz? –, quando a resposta, na verdade,
é bastante simples e nos torna mais eficientes ao ser identificada (falarei
sobre este assunto em capítulos posteriores). A parte mais difícil está na
disciplina, para nunca se desviar da sua causa, para se responsabilizar pela
forma COMO faz as coisas. Tornando as coisas ainda mais difíceis para nós
próprios, fazemos por nos lembrar dos nossos valores, escrevendo-os na
parede... sob a forma de substantivos. Integridade. Honestidade. Inovação.
Comunicação, por exemplo. Mas os substantivos não são acionáveis. São
coisas. Não pode criar sistemas ou desenvolver incentivos em torno dessas
coisas. É quase impossível responsabilizar as pessoas perante substantivos.
“Um pouco mais de inovação hoje, se não se importa, Bob”. E se tiver que
escrever “honestidade” na sua parede para se lembrar de o fazer, então
provavelmente tem problemas maiores do que esse.
Para que os valores ou princípios orientadores sejam verdadeiramente
eficazes, têm de assumir a forma de verbos. Não é “integridade”, é “fazer
sempre a coisa certa”. Não é “inovação”, é “olhar para o problema de um
ângulo diferente”. Articular os nossos valores como verbos dá-nos uma
ideia clara... Temos uma ideia clara de como agir em qualquer situação.
Podemos responsabilizar-nos no sentido de os medir ou até mesmo de criar
incentivos em torno deles. Pedir às pessoas para terem integridade não
garante que as suas decisões terão sempre em consideração os melhores
interesses dos clientes ou utilizadores; mas pedir-lhes que façam sempre o
que está certo, sim. Pergunto-me que valores teria a Samsung escrito na
parede quando desenvolveu aquele desconto que não era aplicável a pessoas
que viviam em blocos de apartamentos.
O Círculo Dourado oferece uma explicação para o sucesso a longo prazo,
mas a natureza inerente de fazer coisas tendo em vista o longo prazo
geralmente inclui investimentos ou custos de curto prazo. Esta é a razão
pela qual é tão importante a disciplina para se manter focado no PORQUÊ e
permanecer fiel aos seus valores.
Consistência do QUÊ
Tudo o que diz e tudo o que faz tem de comprovar aquilo em que acredita.
Um PORQUÊ é apenas uma crença. Não é mais do que isso. O COMO tem
a ver com as ações que leva a cabo para concretizar essa crença. E o QUÊ é
o resultado dessas ações – tudo o que diz e faz: os seus produtos, serviços,
marketing, relações públicas, cultura e quem contrata. Se as pessoas não
compram o QUE faz, mas o PORQUÊ de o fazer, então todas essas coisas
devem ser consistentes. Com consistência, as pessoas vão ver e ouvir, sem
sombra de dúvida, aquilo em que acredita. Afinal, vivemos num mundo
palpável. A única forma de as pessoas saberem aquilo em que você acredita
é através das coisas que diz e faz. E se não for consistente nas coisas que
diz e faz, ninguém saberá em que é que acredita.
É no nível do QUÊ que a autenticidade acontece. “Autenticidade” é
aquela palavra muitas vezes propagandeada no mundo empresarial e
político. Todos falam sobre a importância de se ser autêntico. “Você deve
ser autêntico”, dizem os especialistas. “Todos os dados de tendências
mostram que as pessoas preferem fazer negócios com marcas autênticas”.
“As pessoas votam no candidato autêntico”. O problema é que essa
instrução não é acionável.
Como é que entra no escritório de alguém e diz: “Daqui para a frente, por
favor, use um pouco mais de autenticidade”. “Relativamente a esse material
de marketing no qual está a trabalhar, por favor, torne-o um pouco mais
autêntico”, pode instruir um CEO. O que é que as empresas fazem para
tornar autêntico o seu marketing, ou as suas vendas, ou o que quer que
estejam a fazer?
Considero hilariante a solução mais comum. As empresas saem à rua para
fazer estudos de mercado e perguntam aos clientes o que é que têm de lhes
dizer para serem autênticas. Isto está totalmente errado. Não podemos
perguntar aos outros o que temos de fazer para sermos autênticos. Sermos
autênticos significa que já sabemos isso. O que é que um político diz
quando lhe pedem para ser “mais autêntico”? Como é que um líder age “de
forma mais autêntica”? Sem uma compreensão clara do PORQUÊ, a
instrução é completamente inútil.
O que a autenticidade significa é que o seu Círculo Dourado está em
equilíbrio. Significa que acredita realmente em tudo o que diz e em tudo o
que faz. Isso é válido tanto para a administração da empresa como para os
seus funcionários. Só quando isso acontece é que as coisas que diz e faz
podem ser vistas como autênticas. A Apple acreditou que o seu computador
Apple original e o seu Macintosh desafiavam as plataformas IBM DOS
dominantes. A Apple acredita que os seus produtos iPod e iTunes estão a
desafiar o status quo na indústria da música. E todos entendemos o
PORQUÊ de a Apple fazer o que faz. É por causa desse entendimento
mútuo que vemos esses produtos da Apple como autênticos. A Dell lançou
leitores de mp3 e PDAs numa tentativa de entrar no negócio dos produtos
da pequena eletrónica de consumo. Não sabemos qual é o PORQUÊ da
Dell, não estamos certos daquilo em que a empresa acredita nem o
PORQUÊ de ter produzido esses produtos para lá dos ganhos próprios e do
desejo de capitalizar um novo segmento de mercado. Esses produtos não
são autênticos. Não é que a Dell não pudesse ter entrado noutros mercados
– tem certamente o conhecimento e capacidade necessários para fazer bons
produtos –, mas o que torna tudo muito mais difícil e dispendioso é a sua
capacidade de o fazer sem uma compreensão clara do PORQUÊ. O simples
facto de produzir produtos de alta qualidade e de os comercializar não
garante o sucesso. A autenticidade não pode ser alcançada sem uma clareza
do PORQUÊ. E a autenticidade é importante.
Pergunte aos melhores vendedores o que é preciso para se ser um ótimo
vendedor. Vão sempre dizer-lhe que acreditar no produto que está a vender
é algo que ajuda. O que é que a crença tem a ver com o trabalho de um
vendedor? Simples. Quando os vendedores acreditam realmente naquilo
que estão a vender, as palavras que saem das suas bocas são autênticas.
Quando a crença entra na equação, a paixão emana do vendedor. É essa
autenticidade que produz os relacionamentos nos quais se baseiam as
melhores organizações de vendas. Os relacionamentos também criam
confiança. E com a confiança vem a lealdade. Sem um Círculo Dourado
equilibrado não há autenticidade, o que significa que não há relações fortes,
o que significa que não há confiança. E está de volta à estaca zero,
vendendo com base no preço, serviço, qualidade ou características. Está de
volta ao patamar onde é igual a todos os outros. Pior ainda, sem essa
autenticidade, as empresas recorrem à manipulação: preços, promoções,
pressão dos pares, medo, escolha. Eficaz? Claro, mas só no curto prazo.
Ser autêntico não é um requisito para o sucesso, mas é um requisito a ter
em conta se desejar que esse sucesso seja duradouro. Uma vez mais,
voltamos ao PORQUÊ. A autenticidade é quando diz e faz as coisas em que
realmente acredita. Mas se não sabe POR QUE é que a organização ou os
produtos existem num nível além do QUE faz, então é impossível saber se
as coisas que diz ou faz são consistentes com o seu PORQUÊ. Sem o
PORQUÊ, qualquer tentativa de autenticidade será quase sempre
inautêntica.
A ordem correta
Depois de ter a clareza do PORQUÊ, ser disciplinado e responsável pelos
seus próprios valores e princípios orientadores, e consistente em tudo o que
diz e faz, o último passo é manter tudo na ordem correta. Tal como aquele
pequeno exemplo de marketing da Apple que usei anteriormente, alterar
apenas a ordem das informações, começando pelo PORQUÊ, mudou o
impacto da mensagem. O QUÊ é importante – oferece a prova tangível do
PORQUÊ – mas o PORQUÊ tem de vir primeiro. O PORQUÊ fornece o
contexto para tudo o resto. Como verá repetidamente em todos os casos e
exemplos deste livro, seja em liderança, tomada de decisões ou
comunicação, começar pelo PORQUÊ tem um impacto profundo e
duradouro no resultado. Começar pelo PORQUÊ é o que inspira as pessoas
a agir.
Nos negócios, tal como num mau encontro, muitas empresas trabalham
arduamente para provar o seu valor sem começarem por dizer o PORQUÊ
de existirem. É necessário fazer mais do que apenas mostrar o seu currículo
para alguém o achar atrativo. Mas é precisamente isso que as empresas
fazem. Fornecem uma longa lista da sua experiência – o QUE fizeram,
quem conhecem –, com a convicção de que as achará tão desejáveis que irá
descartar tudo o resto para fazer negócios com elas.
As pessoas são pessoas e a biologia da tomada de decisões é a mesma,
independentemente de ser uma decisão pessoal ou uma decisão de negócios.
É óbvio que no cenário do encontro foi um mau encontro, então por que
motivo esperamos que seja diferente no cenário dos negócios?
Tal como num encontro, é extremamente difícil começar a construir um
relacionamento de confiança com um potencial utilizador ou cliente
tentando convencê-los de todas as características e benefícios racionais.
Essas coisas são importantes, mas servem apenas para dar credibilidade a
um discurso de vendas e permitir que os compradores racionalizem a sua
decisão de compra. Como acontece com todas as decisões, as pessoas não
compram o QUE você faz, compram o PORQUÊ de o fazer. E o QUE faz,
funciona como a prova tangível do PORQUÊ. Mas, a menos que comece
pelo PORQUÊ, tudo o que as pessoas terão são os benefícios racionais. E o
mais provável é que não consiga um segundo encontro.
Aqui está a alternativa:
“Sabe o que adoro na nossa empresa? Todos nós vimos trabalhar
diariamente para fazer algo que adoramos. Inspiramos as pessoas a fazerem
coisas que as inspiram. É a coisa mais maravilhosa do mundo. Na verdade,
a parte divertida está em tentar descobrir todas as diferentes formas de o
fazermos. É realmente incrível. A melhor parte é que também é bom para os
negócios. Saímo-nos muito bem. Temos escritórios bonitos, devia vê-los
um dia destes. Trabalhamos com algumas das maiores empresas. Tenho a
certeza que viu os nossos anúncios. Estamos a sair-nos muito bem”.
Agora, quão certo está de que o segundo discurso foi melhor do que o
primeiro?
OS LÍDERES
PRECISAM DE
SEGUIDORES
CAPÍTULO 6
O SURGIMENTO DA CONFIANÇA
A razão pela qual a raça humana tem sido tão bem-sucedida não se prende
com o facto de ser o animal mais forte – longe disso. O tamanho e a força,
só por si, não garantem o sucesso. Temos sido bem-sucedidos enquanto
espécie devido à nossa capacidade para criar culturas. As culturas são
grupos de pessoas que se juntam em torno de um conjunto comum de
valores e crenças. Quando partilhamos valores e crenças com outros,
criamos confiança. A confiança de outros permite-nos contar com os outros
para ajudarem a proteger os nossos filhos e a assegurar a nossa
sobrevivência pessoal. A capacidade de sair da toca para ir caçar ou
explorar, convicto de que a comunidade protegerá a nossa família e os
nossos bens até regressarmos é um dos mais importantes fatores na
sobrevivência de um indivíduo e na evolução da nossa espécie.
O facto de confiarmos em pessoas com valores e crenças comuns não é,
em si, uma asserção profunda. Há uma razão para não sermos amigos de
todas as pessoas que conhecemos. Somos amigos das pessoas que veem o
mundo da mesma maneira que nós, que partilham as nossas visões e o
nosso conjunto de crenças. Por mais compatível que uma pessoa possa
parecer, isso não lhe garante uma amizade. Pode pensar nisto também numa
escala macro. O mundo está repleto de culturas diferentes. Ser americano
não é melhor do que ser francês. São apenas culturas diferentes – nem
melhores, nem piores, apenas diferentes. A cultura americana valoriza
fortemente os ideais de empreendedorismo, independência e autonomia. O
nome que damos ao nosso PORQUÊ é Sonho Americano. A cultura
francesa valoriza fortemente os ideais da identidade unificada, a confiança
coletiva e a joie de vivre [alegria de viver]. (Repare que preferimos usar a
expressão em francês para descrever o estilo de vida refletido na alegria de
viver. Coincidência? Talvez). Algumas pessoas encaixam bem na cultura
francesa e outras pessoas na cultura americana. Não é uma questão de
serem melhores ou piores, elas são simplesmente diferentes.
A maioria das pessoas que nasceu e cresceu numa determinada cultura
irá, por razões óbvias, acabar por se encaixar razoavelmente bem nessa
cultura, mas nem sempre. Há pessoas que cresceram em França e nunca
sentiram verdadeiramente que ali pertenciam; sentiam-se deslocadas na sua
própria cultura. Por isso foram embora, talvez para a América. Atraídas
pelos sentimentos que nutriam pelo PORQUÊ da América, seguiram o
sonho americano e emigraram.
Sempre se disse que a América é alimentada, em grande parte, pelos
imigrantes. Mas é totalmente falso que todos os imigrantes se tornem
membros produtivos de uma sociedade. Não é verdade que todos os
imigrantes têm um espírito empreendedor – só aqueles que se sentem
visceralmente atraídos pela América. É isso que um PORQUÊ faz. Quando
é claramente compreendido, atrai as pessoas que acreditam na mesma coisa.
E partindo do princípio de que encaixam bem naquilo que os americanos
acreditam e na forma como eles fazem as coisas, esses imigrantes dirão da
América: “Adoro isto” ou “Adoro este país”. Esta reação visceral tem
menos a ver com a América e mais a ver com eles. É a forma como eles se
sentem perante a sua própria oportunidade e a sua própria capacidade de
prosperar numa cultura à qual sentem que pertencem, por oposição àquela
de onde vêm.
E dentro do grande PORQUÊ que é a América, podemos decompor as
coisas ainda mais. Algumas pessoas encaixam-se bem em Nova Iorque e
outras encaixam-se melhor em Minneapolis. Uma cultura não é melhor ou
pior do que a outra, elas são apenas diferentes. Muitas pessoas sonham em
mudar-se para Nova Iorque, por exemplo, atraídas pelo glamour ou pela
perceção de oportunidade. Elas chegam com aspirações de grandes feitos,
mas não são capazes de ponderar se irão encaixar-se numa cultura antes de
darem esse passo. Algumas fazem-no. Mas muitas não. Tenho visto
continuamente pessoas a chegar a Nova Iorque com grandes esperanças e
sonhos, mas depois não conseguem encontrar o emprego que desejam ou
descobrem esse emprego mas não conseguem aguentar a pressão. Não são
palermas nem são trabalhadores maus ou medíocres. Simplesmente não se
encaixam bem. E ou ficam em Nova Iorque e esforçam-se mais do que
precisam, detestando os seus empregos e as suas vidas, ou mudam-se. Se se
mudarem para uma cidade na qual se encaixam melhor – Chicago ou São
Francisco, ou outro local qualquer – acabam normalmente por ser muito
mais felizes e mais bem-sucedidas. Nova Iorque não é racionalmente
melhor do que outras cidades, simplesmente não é a cidade certa para toda a
gente. Tal como todas as cidades, só é a cidade certa para aqueles que se
encaixam bem nela.
O mesmo se pode dizer de um lugar que tenha uma forte cultura ou
personalidade reconhecível. Damo-nos melhor em culturas nas quais nos
encaixamos bem. Damo-nos melhor em lugares que refletem os nossos
próprios valores e crenças. Tal como o objetivo não é fazer negócios com
qualquer pessoa que simplesmente queira o que nós temos, mas sim fazer
negócios com pessoas que acreditam naquilo em que nós acreditamos,
também é benéfico viver e trabalhar num lugar onde prosperaremos
naturalmente porque os nossos valores e crenças estão alinhados com os
valores e crenças daquela cultura.
Agora pensemos no que uma empresa é. Uma empresa é uma cultura. Um
grupo de pessoas reunidas em torno de um conjunto comum de valores e
crenças. Não são os produtos ou serviços que unem uma empresa. Não é a
dimensão e força que tornam uma empresa robusta, é a cultura – o forte
sentido de crenças e valores que todos, desde a presidência executiva até à
receção, partilham. Assim, logicamente, o objetivo não é contratar pessoas
que simplesmente possuem um conjunto de competências de que
precisamos, o objetivo é contratar pessoas que acreditam no mesmo que
nós.
Encontrar as pessoas que acreditam
naquilo em que nós acreditamos
As equipas de sonho nem sempre são assim tão de sonho. Quando uma
equipa de especialistas se junta, normalmente trabalham para eles mesmos e
não para o bem comum. É isso que acontece quando as empresas sentem
necessidade de pagar mega-salários para “obterem os melhores talentos”.
Essas pessoas não vão trabalhar necessariamente porque acreditam no vosso
PORQUÊ, mas sim pelo dinheiro. Uma manipulação clássica. Pagar a
alguém imenso dinheiro e pedir-lhe que apresente ideias fantásticas garante
muito pouco. No entanto, formar uma equipa de pessoas que pensam da
mesma forma e dar-lhes uma causa para seguirem garante um maior sentido
de trabalho de equipa e camaradagem. Langley criou uma equipa de sonho
e prometeu torná-los ricos. Os irmãos Wright inspiraram um grupo de
pessoas que quiseram juntar-se-lhes em busca de algo maior do que
qualquer membro da equipa. As empresas tradicionais dão aos seus
funcionários algo com que trabalharem. Em contrapartida, as organizações
mais inovadoras dão aos seus funcionários algo pelo qual trabalharem.
O papel de um líder não é ter todas as ideias estupendas. O papel de um
líder é criar um ambiente em que possam surgir ideias estupendas. São as
pessoas de dentro da empresa, aquelas que estão na linha da frente, que
estão mais bem qualificadas para descobrirem novas formas de fazer as
coisas. As pessoas que atendem os telefones e falam com os clientes, por
exemplo, podem dizer-lhe mais sobre o tipo de perguntas que recebem do
que qualquer pessoa sentada num escritório executivo a quilómetros de
distância. Se for dito aos funcionários da empresa que simplesmente
apareçam e façam o seu trabalho, será isso que eles farão. Mas se lhes for
constantemente lembrado o PORQUÊ de a empresa ter sido fundada e lhes
for dito para procurarem constantemente formas de dar vida a essa causa,
enquanto desempenham as suas funções, então eles farão mais do que
simplesmente o seu trabalho.
A título de exemplo, não foi Steve Jobs que inventou o iPod ou o iTunes
ou o iPhone. Foram outros elementos da empresa que o fizeram. Jobs deu às
pessoas um filtro, um contexto, um propósito mais elevado em torno do
qual se inovava: descobrir setores onde reinava o status quo, aquelas
empresas onde se lutava para proteger os seus antiquados modelos de
negócio, e desafiá-lo. Foi esse o PORQUÊ da criação da Apple, foi isso que
Jobs e Wozniak fizeram quando fundaram a empresa, e é isso que as
pessoas e os produtos da Apple têm feito desde sempre. É um padrão que se
repete. Os funcionários da Apple simplesmente procuram formas de dar
vida à causa da empresa no máximo de setores que conseguirem. E
funciona.
Não é isso que sucede em muitas outras empresas. As empresas que se
definem pelo QUÊ, em vez de pelo PORQUÊ de fazerem o que fazem,
instruem os seus funcionários a serem inovadores em torno de um produto
ou serviço. “Melhorem-no”, é o que lhes pedem. Aqueles que trabalham
para os concorrentes da Apple, empresas que se definiram a si mesmas
como “fabricantes de computadores”, trabalham para desenvolver
computadores “mais inovadores”. O melhor que conseguem fazer é
acrescentar mais memória RAM, acrescentar uma ou duas funcionalidades,
ou, tal como qualquer fabricante de computadores tem feito, dar às pessoas
a opção de personalizarem a cor da caixa do seu computador. Isto
dificilmente se pode qualificar como uma ideia com potencial para mudar o
rumo de uma indústria. É uma simpática funcionalidade, sim, mas não
inovação. Se está curioso sobre como a Colgate deu por si com 32 pastas
dentífricas diferentes hoje em dia, é porque todos os dias os seus
funcionários vão trabalhar para desenvolverem uma pasta de dentes melhor
e não, por exemplo, para procurarem formas de ajudar as pessoas a sentirem
mais confiança nelas próprias.
A Apple não tem o exclusivo das boas ideias; existem pensadores
inteligentes e inovadores na maioria das empresas. Mas as empresas de
excelência dão aos seus funcionários um propósito ou desafio em torno do
qual podem desenvolver ideias, em vez de simplesmente os instruírem no
sentido de fabricarem uma ratoeira melhor. As empresas que estudam os
seus concorrentes na esperança de acrescentarem as características e
benefícios que tornarão os seus próprios produtos “melhores” estão apenas
a trabalhar para consolidar a empresa dentro do QUE faz. As companhias
com um claro sentido do PORQUÊ tendem a ignorar a concorrência, ao
passo que aquelas que têm apenas uma vaga noção do PORQUÊ são
obcecadas pelo que as outras estão a fazer.
A capacidade de uma empresa para inovar não só é útil para desenvolver
novas ideias, é inestimável para superar dificuldades. Quando as pessoas
vão trabalhar com um maior sentido de propósito têm mais facilidade em
atravessar tempos difíceis ou mesmo em descobrir oportunidades nesses
tempos difíceis. As pessoas que vão trabalhar com um claro sentido do
PORQUÊ são menos propensas a desistir após uns quantos fracassos
porque compreendem qual é a causa maior. Thomas Edison, um homem
decididamente motivado por uma causa maior, disse: “eu não descobri uma
forma de fazer uma lâmpada, eu descobri milhentas formas de não fazer
uma lâmpada”.
A Southwest Airlines é famosa por ter sido pioneira no tempo de resposta
de 10 minutos – a capacidade de fazer desembarcar os passageiros, preparar
e fazer embarcar um avião em 10 minutos (39). Esta capacidade ajuda uma
companhia aérea a fazer mais dinheiro, porque quanto mais os aviões
estiverem no ar, melhor a empresa se está a sair. O que poucas pessoas
sabem é que esta inovação nasceu da dificuldade. Em 1971, a Southwest
estava com pouco dinheiro e precisou de vender um dos seus aviões para se
manter em atividade. Isto deixou-a com três aviões para cumprirem uma
agenda que exigia quatro. A empresa tinha duas escolhas: reduzir as suas
operações ou descortinar uma forma de ter os seus aviões prontos a arrancar
de novo em apenas 10 minutos. E foi assim que nasceu o tempo de resposta
de 10 minutos.
Ao passo que a maioria dos funcionários das outras companhias aéreas
teria simplesmente dito que isso não poderia ser feito, o pessoal da
Southwest apressou-se a tentar descobrir uma forma de realizar aquela
tarefa sem precedentes e aparentemente impossível. Atualmente, a sua
inovação ainda dá frutos. Devido ao crescente congestionamento nos
aeroportos e aos maiores volumes de carga e aviões, a Southwest demora
agora cerca de 25 minutos a ter os seus aviões prontos a descolarem de
novo. No entanto, se quisesse tentar manter os mesmos voos mas aumentar
em cinco minutos esse tempo de resposta, precisaria de mais 18 aviões na
sua frota, a um custo de quase mil milhões de dólares.
A notável capacidade da Southwest para resolver problemas, a
impressionante capacidade da Apple para inovar e a capacidade dos irmãos
Wright para desenvolver uma tecnologia com a equipa de que dispunha só
foram possíveis por uma mesma razão: eles acreditaram que conseguiriam e
confiaram nas suas equipas para o fazerem.
A definição de confiança
Fundado por Sir Francis Baring em 1762, o Barings Bank era o mais antigo
banco comercial de Inglaterra. O banco, que sobreviveu às guerras
napoleónicas, à Primeira Guerra Mundial e à Segunda Guerra Mundial, não
conseguiu sobreviver à predileção pelo risco por parte de um
autoproclamado operador desonesto. Nick Leeson derrubou sozinho o
Barings Bank em 1995, ao realizar transações bolsistas não autorizadas e de
risco extremamente elevado. Se os ventos tivessem continuado a soprar na
direção certa, Leeson teria ficado muito rico, e teria também enriquecido o
banco, pelo que teria sido aclamado como um herói.
Mas há coisas imprevisíveis, como o tempo e os mercados financeiros.
Poucos contestam que aquilo que Leeson estava a fazer era simplesmente
jogar. E o jogo é muito diferente do risco calculado. O risco calculado
aceita que pode haver grandes perdas, mas são tomadas medidas de
salvaguarda contra essas perdas ou para responder a um desfecho
improvável mas possível. Apesar de uma aterragem de emergência ser
“improvável”, como nos dizem as companhias aéreas, continuam a
fornecer-nos coletes salva-vidas. E nem que seja pela paz de espírito,
gostamos que o façam. Não o fazer seria um jogo no qual poucas
companhias aéreas estariam dispostas a entrar, mesmo que a tábua atuarial
penda fortemente para o lado delas.
Leeson ocupava, estranhamente, duas posições no Barings, atuando
ostensivamente como operador bolsista e como seu próprio supervisor [em
Singapura], mas o facto não é interessante tendo em conta o assunto. Que
um homem tenha uma tal tolerância ao risco a ponto de poder criar tanto
dano também não é muito interessante. Ambos são fatores de curto prazo.
Ambos teriam terminado se Leeson tivesse deixado a empresa ou mudado
de funções, ou se o Barings lhe tivesse atribuído um novo supervisor para
monitorizar as suas operações. O que é mais interessante é a cultura do
banco, que permitiu que estas condições existissem. O Barings tinha
perdido o seu PORQUÊ.
A cultura do Barings já não era uma cultura na qual as pessoas iam
trabalhar inspiradas. Motivadas, sim, mas não inspiradas. Manipuladas pela
promessa de elevados prémios pelo desempenho, é certo, mas não
inspiradas para trabalharem no melhor interesse comum. Tal como Leeson
referiu no seu próprio relato de como saiu impune durante tanto tempo pelo
seu comportamento de risco, ele disse que não era uma questão de os outros
não reconhecerem que aquilo que ele estava a fazer era potencialmente
perigoso. Era pior do que isso. Havia um estigma contra as perguntas. “As
pessoas na sucursal londrina do Barings eram tão sábias que ninguém se
atrevia a fazer uma pergunta estúpida para o caso de poderem parecer
patetas em frente a todos os outros”, explicou Leeson (40). A ausência de um
conjunto claro de valores e crenças, a par com a débil cultura daí resultante,
criaram as condições para um ambiente em que cada um sabia de si, cujo
impacto de longo prazo só poderia resultar num desastre. É assim desde o
homem das cavernas. Se as pessoas não tomam conta da comunidade, então
os benefícios da comunidade desaparecem. Muitas empresas têm
funcionários ilustres e vendedores estrelas, e por aí fora, mas poucas têm
uma cultura que produza excelentes pessoas como regra e não como
exceção.
A confiança é uma coisa notável. A confiança permite-nos contar com os
outros. Contamos com aqueles em quem confiamos para nos aconselharem
no sentido de tomarmos decisões. A confiança é o alicerce para a evolução
das nossas próprias vidas, das nossas famílias, das nossas empresas, das
nossas sociedades e da nossa espécie. Confiamos em quem pertence à nossa
comunidade para olhar pelos nossos filhos de modo a podermos ir jantar
fora. Se nos for dado a escolher entre duas amas, temos mais tendência para
confiar naquela que conhece a zona do que naquela com muita experiência,
mas que vive mais longe. Não confiaríamos em alguém de fora porque não
sabemos nada sobre essas pessoas, dizemos. A realidade é que também não
sabemos nada sobre a ama local para lá do facto de ser dali da zona. Neste
caso, damos primazia à familiaridade em detrimento da experiência no que
diz respeito a algo muito importante – a segurança dos nossos filhos.
Confiamos que alguém que vive na nossa comunidade, e com maior
probabilidade de partilhar os nossos valores e crenças, está mais bem
qualificada para cuidar da coisa mais preciosa das nossas vidas, em
detrimento de uma pessoa com um longo currículo mas que seja de fora. É
impressionante. É caso para refletirmos quando pensamos na forma como
contratamos pessoas: o que é mais importante, o seu CV e experiência ou o
seu bom enquadramento na nossa comunidade? Os nossos filhos são
provavelmente mais importantes do que o cargo que queremos ocupar numa
organização, mas parece que aplicamos critérios muito diferentes. Estará
aqui em jogo um falso pressuposto no que respeita a quem é o melhor
funcionário?
Historicamente, a confiança tem desempenhado um papel mais
preponderante na evolução das empresas e sociedades do que somente no
conjunto de competências. Tal como o casal que deixa os seus filhos para
uma saída à noite, os grupos dentro de uma mesma sociedade sairiam com
confiança, sabendo que as suas casas e famílias estariam seguras até ao seu
regresso. Se não houvesse confiança, então ninguém correria riscos. Não
correr quaisquer riscos significaria que não haveria qualquer atividade
exploratória, nenhuma experimentação e nenhum avanço da sociedade
como um todo. É um conceito notável: só quando os indivíduos conseguem
confiar na cultura ou organização é que assumirão riscos pessoais de modo
a fazer avançar essa cultura ou organização como um todo. Nem que seja
porque, no final de contas, isso é bom para a sua própria saúde e
sobrevivência.
Independentemente da sua experiência e das suas competências, nenhum
trapezista tentará um novo salto de desafio da morte sem primeiro tentar
com uma rede por baixo. E dependendo de quão perigoso o número for, ele
poderá insistir em ter sempre a rede quando o executa. Além da sua óbvia
vantagem de o apanhar se cair, a rede também traz um benefício
psicológico. Saber que ela está lá dá ao trapezista a confiança necessária
para tentar algo que nunca fez antes, ou para o fazer sucessivamente.
Retire-se a rede e ele só executará números seguros, aqueles em que sabe
que pode terminar em segurança. Quanto mais ele confiar na qualidade da
rede, mais riscos pessoais assumirá para tornar a sua atuação melhor. A
confiança que a administração do circo lhe dá ao fornecer-lhe uma rede é
provavelmente concedida também a outros artistas. Rapidamente todos os
artistas se sentirão confiantes para tentarem novas coisas e irem mais além.
Esse acervo de confiança pessoal e de risco pessoal faz com que todo o
circo tente apresentar um melhor espetáculo. Um espetáculo global melhor
significa mais clientes. E o sistema prospera. Mas não sem confiança.
Quem está inserido numa comunidade, ou numa organização, tem de
confiar que os seus líderes lhe fornecem uma rede – prática ou emocional.
Com esse sentimento de suporte, quem está na organização é mais provável
que envide esforços adicionais que acabarão por beneficiar o grupo como
um todo.
Posso admitir que há sempre quem assuma o risco, pela primeira vez ou
repetidamente, sem a rede. Haverá sempre quem se aventure a explorar,
independentemente de quem esteja em casa a segurar o forte. Estas pessoas
por vezes conquistam o seus legítimos lugares como inovadores. Os que
foram em frente, os que fizeram coisas que mais ninguém faria. Alguns
deles poderão fazer avançar uma empresa ou mesmo uma sociedade. E
alguns deles acabaram por morrer antes de alcançarem o que quer que seja.
Existe uma grande diferença entre saltar de um avião munido de
paraquedas e saltar sem paraquedas. Ambos produzem experiências
extraordinárias, mas só um aumenta a probabilidade de ser capaz de tentar
mais uma vez. Um trapezista com uma personalidade propensa a assumir
riscos extraordinários, sem rede, poderá ser a estrela num espetáculo que,
de outra forma, seria medíocre. Mas se morrer ou se mudar para outra
companhia circense, o que acontece? Este é o paradigma em que alguém é
motivado pelo benefício próprio, independentemente das consequências ou
benefícios para a organização para a qual trabalha. Nesse caso, o esforço
poderá ser bom para o indivíduo e poderá ser bom para o grupo, mas os
benefícios, especialmente para o grupo, são limitados no tempo. Com o
passar do tempo, este sistema irá desmoronar-se, muitas vezes em
detrimento da organização. Incutir confiança de modo a encorajar as
pessoas que não têm predileção pelo risco, como Nick Leeson, é uma
melhor estratégia de longo prazo.
As organizações de excelência tornam-se excelentes porque as pessoas
que dela fazem parte se sentem protegidas. O forte sentido de cultura cria
um sentimento de pertença e funciona como uma rede. As pessoas vão para
o trabalho sabendo que as suas casas, colegas e a organização como um
todo irão olhar por elas. Isto resulta num comportamento recíproco.
Decisões, esforços e comportamentos individuais que suportam, beneficiam
e protegem o interesse de longo prazo da organização como um todo.
A Southwest Airlines, uma companhia reconhecida por se focar nos seus
clientes, não considera, por uma questão de política, que o cliente tem
sempre razão. A Southwest não tolerará clientes que abusam dos seus
funcionários (41). A empresa preferirá que esses clientes voem através de
outra companhia. É uma ironia subtil o facto de uma das companhias com
melhor serviço ao cliente nos EUA tentar focar-se primeiro nos seus
funcionários e só depois nos clientes. É a confiança entre a administração
da empresa e os funcionários, não o dogma, que produz o excelente serviço
ao cliente. Assim, o pré-requisito para que alguém confie na cultura na qual
trabalha, é que se partilhem os valores e crenças dessa cultura. Sem isso,
esse funcionário, por exemplo, simplesmente não se encaixará bem e o mais
provável é que trabalhe apenas para benefício próprio sem ter em
consideração o bem maior. Mas se quem estiver na organização se encaixar
bem, a oportunidade de se esforçar mais, de explorar, de inventar, de inovar
e de avançar e, mais importante ainda, de o fazer vezes sem conta, aumenta
exponencialmente. Só com confiança mútua é que uma organização se pode
tornar excelente.
COMO CONSEGUIR
O PONTO DE VIRAGEM
Se eu lhe dissesse que conhecia uma empresa que inventou uma nova e
incrível tecnologia que mudará a maneira como consumimos TV, isso
despertaria o seu interesse? Talvez estivesse interessado em comprar-lhes o
produto ou em investir na empresa. E isto melhora. Eles têm o melhor
produto disponível. A qualidade é espetacular, muito melhor do que
qualquer outra coisa no mercado. E os esforços em matéria de publicidade
foram tão notáveis que até se tornaram num nome familiar. Interessado?
Este é o caso da marca TiVo. Uma empresa que parecia ter tudo a seu
favor, mas que acabou por ser um falhanço comercial e financeiro. Já que
parecia ter a receita para o sucesso, o fracasso da TiVo desafiou a sabedoria
convencional. No entanto, as dificuldades são facilmente compreendidas se
considerar que ela achava que O QUE fazia era mais importante do que o
PORQUÊ de o fazer. A empresa ignorou também a Teoria da Difusão das
Inovações.
Em 2000, Malcolm Gladwell criou o seu próprio ponto de viragem
quando compartilhou connosco a forma como os pontos de inflexão
ocorrem nos negócios e na sociedade (45). No seu livro pertinentemente
intitulado The Tipping Point, Gladwell identifica grupos de populações
necessários a que chama de conectores e influenciadores. Sem dúvida que
as ideias de Gladwell são acertadas. Mas ainda se levanta a questão: por que
razão deve um influenciador falar com alguém sobre si? Os comerciantes
estão sempre a tentar influenciar os influenciadores, mas poucos sabem
realmente como. Não podemos contestar que os pontos de viragem
acontecem e que as condições de que Gladwell fala estão corretas, mas um
ponto de viragem pode acontecer intencionalmente? Eles não podem ser
apenas um fenómeno acidental. Se existem, então devemos ser capazes de
conceber um, e se pudermos conceber um, devemos ser capazes de
conceber um que permaneça para lá do fenómeno inicial. É a diferença
entre uma moda e uma ideia que muda uma indústria ou uma sociedade
para sempre.
Na sua obra de 1962, Diffusion of Innovations, Everett M. Rogers foi o
primeiro a descrever formalmente as inovações na sociedade (46). Trinta
anos depois, no seu livro Crossing the Chasm, Geoffrey Moore expandiu as
ideias de Rogers para aplicar o princípio ao marketing de produtos de alta
tecnologia (47). Mas a Teoria da Difusão das Inovações explica muito mais
do que apenas a propagação da inovação ou tecnologia. Explica a
propagação de ideias.
Se não conhece esta teoria, pelo menos já deve estar familiarizado com
alguma da sua terminologia. A nossa população está dividida em cinco
segmentos que atravessam uma curva em sino: inovadores, primeiros a
aderir, maioria inicial, maioria tardia e retardatários [últimos a aderir].
“Eu acredito”
“Eu acredito”
“Eu acredito”
“Há dois tipos de leis. As que são justas e as que são injustas”, declarou
( ). “Uma lei justa”, explicou King, “é um código criado pelo homem que
52
se enquadra na lei moral. Uma lei injusta é um código que não está em
harmonia com a lei moral. (…) Qualquer lei que eleva a personalidade
humana é justa. Qualquer lei que degrada a personalidade humana é injusta.
Todos os estatutos de segregação são injustos porque a segregação distorce
a alma e prejudica a personalidade”. A sua crença era maior do que o
movimento pelos direitos civis. Tinha a ver com toda a humanidade e com a
forma como nos tratamos. É evidente que o seu PORQUÊ se desenvolveu
em resultado da época e do lugar em que nasceu e da cor da sua pele, mas o
movimento dos direitos civis foi a plataforma ideal para King dar vida ao
seu PORQUÊ, a sua crença na igualdade.
As pessoas ouviram as suas crenças e as suas palavras tocaram-nas
profundamente. Aqueles que acreditavam no que ele acreditava assumiram
essa causa como sua. E diziam às pessoas aquilo em que acreditavam. E
essas pessoas disseram a outras aquilo em que acreditavam. Algumas
organizaram-se de forma a espalhar essa crença de forma mais eficiente.
E, no verão de 1963, um quarto de milhão de pessoas apareceu para ouvir
King proferir o seu discurso “Eu tenho um sonho” na escadaria do Lincoln
Memorial.
Mas quantas pessoas apareceram por causa de King?
Zero.
Elas apareceram por si próprias. Era aquilo em que elas acreditavam. Foi
isso que elas viram como uma oportunidade para ajudar a América a tornar-
se uma versão melhor de si mesma. Foram aqueles que queriam viver num
país que refletisse os seus próprios valores e crenças que as inspiraram a
entrar num autocarro e viajar durante oito horas para ficar sob o sol de
Washington em meados de agosto para ouvir Martin Luther King falar.
Estar em Washington foi simplesmente uma das coisas que fizeram para
provar aquilo em que acreditavam. Aparecer nesse dia foi um dos QUÊs
para o seu próprio PORQUÊ. Tratava-se de uma causa e era a causa delas.
O discurso de King funcionou como um lembrete visceral da crença
partilhada por todos os que lá estavam a ouvir. E esse discurso era sobre o
que ele acreditava, e não sobre como isso iria ser feito. Ele proferiu o
discurso “Eu tenho um sonho”, não o “Eu tenho um plano”. Foi uma
declaração com propósito e não um plano abrangente de 12 pontos para
alcançar os direitos civis na América. King ofereceu à América um lugar
para onde ir, não um plano a seguir. O plano tinha um lugar, mas não na
escadaria do Lincoln Memorial.
A declaração de King sobre sua crença era algo suficientemente poderoso
para reunir aqueles que partilhavam dessa crença, mesmo que não fossem
afetados pessoalmente pelas desigualdades. Perto de 25% das pessoas que
foram à marcha naquele dia eram brancas. Tratava-se de uma crença não
sobre a América negra, mas uma crença sobre uma América compartilhada.
King foi o líder de uma causa. Uma causa para todos aqueles que
acreditavam no que ele acreditava, independentemente da cor da pele.
Não foram os detalhes dos seus planos que lhe renderam o direito de
liderar. Era aquilo em que acreditava, e a sua capacidade de comunicar
claramente, que as pessoas seguiam. No fundo, ele, como todos os grandes
líderes, tornou-se o símbolo dessa crença. King veio a personificar a causa.
Ainda hoje fazemos estátuas dele para manter essa crença viva e palpável.
As pessoas seguiam-no por causa da sua ideia de uma América diferente. A
parte do cérebro que influencia o nosso comportamento e as decisões não
tem capacidade de linguagem. Temos dificuldade em dizer claramente, em
termos emocionais, porque fazemos o que fazemos e oferecemos
racionalizações que, embora válidas e verdadeiras, não são suficientemente
poderosas para inspirar outras pessoas. Por isso, quando questionadas sobre
o porquê de lá estarem naquele dia, as pessoas apontaram para King e
disseram simplesmente: “Porque eu acredito”.
Mais do que qualquer outra coisa, o que Martin Luther King Jr. nos deu
foi a clareza, uma maneira de explicar como nos sentimos. Ele deu-nos as
palavras que nos inspiraram. Ele deu-nos algo em que acreditar, algo que
poderíamos facilmente compartilhar com os nossos amigos. Todas as
pessoas presentes no National Mall naquele dia partilhavam de um conjunto
de valores e crenças. E todos os presentes naquele dia, independentemente
da cor da pele, raça ou sexo, confiaram uns nos outros. Foi essa confiança,
esse vínculo comum, essa crença compartilhada que alimentou um
movimento que mudaria uma nação.
Nós acreditámos.
Nós acreditámos.
Nós acreditámos.
45 “Em 2000, Malcolm Gladwell criou o seu próprio ponto de viragem”: Malcolm Gladwell, The
Tipping Point: How Little Things Can Make a Big Difference. Nova Iorque: Back Bay Books, 2002.
46 “Everett M. Rogers foi o primeiro a descrever formalmente as inovações na sociedade: Everett M.
Rogers, Diffusion of Innovations. Nova Iorque: Free Press, 2003.
47 “Geoffrey Moore expandiu as ideias de Rogers para aplicar o princípio ao marketing de produtos
de alta tecnologia”: Geoffrey A. Moore, Crossing the Chasm. Nova Iorque: Collins, 2002.
48 “Em 1997, a marca TiVo acorreu ao mercado com um novo dispositivo notável: John Markoff,
“Netscape Pioneer to Invest in Smart VCR”, New York Times, 9 de novembro de 1998,
http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9F0DE0D6133EF93AA35752C1A96E958260.
49 “A TiVo arrancou, finalmente, em 1999”:
http://www.tivo.com/abouttivo/aboutushome/index.html.
50 “A TiVo vendeu cerca de 48.000 unidades no primeiro ano”: Roy Furchgott, “Don’t People Want
to Control Their TV’s?”, New York Times, 24 de agosto de 2000,
http://www.nytimes.com/2000/08/24/technology/don-t-people-want-to-control-their-tv-s.html.
51 “Há mais anexos do que TiVos nas casas americanas”: Bradley Johnson, “Analysts Mull Future
Potential of PVR Ad-Zapping Technology”. Advertising Age, 4 de novembro de 2002,
http://people.ischool.berkeley.edu/~hal/Courses/StratTech09/Lectures/Networks/Articles/tivo-losing-
money.html.
52 “Há dois tipos de leis”: Martin Luther King Jr., “Letter from a Birmingham Jail”,
http://www.thekingcenter.org/prog/non/Letter.pdf.
PARTE 4
COMO CONVOCAR
AQUELES
QUE ACREDITAM
CAPÍTULO 8
O caminho escolhido
Martin Luther King Jr. disse que tinha um sonho e inspirou muitas pessoas
a fazerem desse sonho também o delas. O que Ralph Abernathy deu ao
movimento foi algo diferente: ele sabia o que seria preciso para concretizar
esse sonho e mostrou às pessoas COMO o fazer (56). Ele deu estrutura ao
sonho. King falava sobre as implicações filosóficas do movimento,
enquanto Abernathy, amigo de longa data e mentor de King e secretário
financeiro e tesoureiro da Southern Christian Leadership Conference,
ajudava as pessoas a compreender os passos específicos que necessitavam
de dar. “Agora”, diria Abernathy ao público depois de um discurso
entusiasmado de King, “deixem-me dizer-vos o que isto significa amanhã
de manhã”.
Martin Luther King Jr. era o líder, mas não mudou a América sozinho.
Ainda que King tenha inspirado o movimento, é preciso organização se
quisermos que, de facto, as pessoas se mexam. Como é o caso da maior
parte dos grandes líderes, existiam outros à volta de King que sabiam a
melhor forma de COMO o fazer. Por cada grande líder, por cada indivíduo
do tipo PORQUÊ, existe um ou mais indivíduos inspirados, do tipo COMO,
capazes de assumir a causa intangível e criar a infraestrutura que lhe pode
dar vida. Essa infraestrutura é o que torna efetivamente possível qualquer
sucesso ou mudança mensurável.
O líder está no topo do cone – no começo, que é onde está o PORQUÊ –,
ao passo que os indivíduos de tipo COMO estão imediatamente abaixo e
são responsáveis por fazer com que as coisas de facto aconteçam. O líder
idealiza o ponto de destino e aqueles que são do tipo COMO encontram o
caminho para lá chegar. Um destino sem um caminho leva à ineficácia, algo
que muitos indivíduos de tipo PORQUÊ experienciarão sem a ajuda de
outros para os fundamentar. Um caminho sem destino, no entanto, pode ser
eficiente, mas com que propósito? É tudo simples quando se sabe guiar,
mas é muito mais gratificante quando se tem um sítio para onde ir. Ralph
Abernathy era uma das pessoas que se sentia inspirada por King e que sabia
COMO fazer da causa algo concretizável e tangível. “A função de King era
interpretar a ideologia e a teologia da não-violência”, explicou Abernathy.
“A minha função era mais simples e terra-à-terra. Eu dizia [às pessoas]:
‘Não andem nesses autocarros’”. [N.T.: alusão ao boicote aos autocarros de
Montgomery, que decorreu em 1955 e 1956, e que visava denunciar a
política de segregação racial vigente nos transportes públicos daquela
cidade do Estado do Alabama].
Sempre que um grande e carismático líder atingiu algo de significativo,
teve sempre na retaguarda uma pessoa ou um pequeno grupo que sabia
COMO agarrar na visão e torná-la realidade. King tinha um sonho. Mas,
independentemente de quão inspirador um sonho possa ser, um sonho que
não se torna realidade continua a ser apenas um sonho. King sonhou com
muitas das mesmas coisas que inúmeros outros afro-americanos nascidos
num sul anterior aos direitos civis. Falou dos mesmos temas. Viveu as
mesmas atrocidades cometidas por um sistema injusto. Mas foi o seu
imperturbável otimismo e as suas palavras que inspiraram toda uma
população.
King não mudou sozinho a América. A título de exemplo, ele não era um
legislador, mas inspirou a criação de legislação no sentido de todas as
pessoas dos Estados Unidos terem direitos iguais, independentemente da
cor da pele. Não foi King a mudar a América; foi o movimento de milhões
de outros, inspirados por ele, que mudou o rumo da História. Mas como é
que se organizam milhões de pessoas? Esqueça milhões, como é que
organizam centenas ou dezenas de pessoas? A visão e carisma do líder são
suficientes para atrair os inovadores e os primeiros a aderir. Confiando nos
seus instintos e intuição, estas pessoas farão os maiores sacrifícios para que
a visão se torne realidade. A cada sucesso, a cada demonstração tangível de
que a visão pode, efetivamente, tornar-se realidade, a maioria mais prática
começa a interessar-se. O que anteriormente era apenas um sonho torna-se
uma realidade palpável. E quando isso acontece, pode chegar-se a um ponto
de viragem e então as coisas começam realmente a avançar.
King usou o seu megafone para juntar multidões na sua busca de justiça
social. Os irmãos Wright usaram o seu megafone para conseguirem o apoio
da comunidade local na construção da tecnologia que poderia mudar o
mundo. Milhares de pessoas ouviram a crença de John F. Kennedy no
serviço à nação e uniram-se para levar o homem à Lua em menos de uma
década. A capacidade de empolgar e inspirar as pessoas para saírem da sua
zona de conforto e contribuírem para algo maior do que elas próprias não é
exclusiva das causas sociais. Qualquer organização é capaz de construir um
megafone capaz de ter um impacto tremendo. Com efeito, esse é um dos
fatores que define uma organização de excelência. As organizações de
excelência não geram apenas lucros; elas encaminham pessoas, mudam o
rumo de indústrias e, por vezes, também as nossas vidas.
Um sentido claro do PORQUÊ estabelece expectativas. Quando não
sabemos o PORQUÊ de uma organização, não sabemos o que esperar, por
isso esperamos o mínimo – preço, qualidade, serviço, funcionalidades –, o
básico. Mas quando temos um sentido do PORQUÊ, esperamos mais. Para
aqueles que não se sentem confortáveis perante um padrão mais elevado,
sugiro que deixem de tentar compreender o vosso PORQUÊ ou de tentar
equilibrar o vosso Círculo Dourado. Padrões mais elevados são difíceis de
manter. Requerem a necessária disciplina para falar constantemente sobre o
PORQUÊ e para lembrar a toda a gente o PORQUÊ de a organização
existir. Requerem que todos os elementos da organização sejam
responsabilizada pelo COMO fazer as coisas – pelos valores e princípios. E
requerem tempo e esforço para garantir que tudo o que diz é consistente
com o seu PORQUÊ. Quem estiver disposto a fazer esse esforço terá
benefícios incríveis.
Richard Branson começou por criar a Virgin Records, tornando-a uma
marca de música avaliada em milhares de milhões de dólares. Depois criou
uma editora discográfica muito bem-sucedida. Mais tarde, uma companhia
aérea que é hoje considerada uma das melhores do mundo. Depois uma
marca de refrigerantes, uma empresa de planeamento de casamentos, uma
seguradora e uma operadora de serviços móveis. E a lista continua.
Paralelamente, a Apple vende-nos computadores, telemóveis, DVRs e
leitores de mp3, e replicou a sua capacidade de inovação uma e outra vez. A
capacidade de algumas empresas não apenas para serem bem-sucedidas mas
para repetirem esse sucesso deve-se aos seguidores leais que comandam, às
multidões que torcem pelo seu sucesso. No mundo dos negócios, dirão que
a Apple é uma marca de lifestyle. Eles subestimam o poder da Apple. A
Gucci é uma marca de lifestyle – a Apple muda o curso da indústria. Seja
qual for a definição, estas escassas empresas não funcionam como entidades
corporativas. Elas existem como movimentos sociais.
Repetir a grandeza
Ron Bruder não é um nome familiar, mas é um grande líder. Em 1985,
parou junto a uma passadeira com as duas filhas, à espera que o sinal
mudasse para poderem atravessar a rua. Uma oportunidade perfeita, pensou
ele, para ensinar às miúdas uma lição valiosa. Apontou para o outro lado da
rua, para o sinal vermelho que dizia “Pare” e perguntou-lhes o que é que
elas pensavam ser o significado daquele sinal. “Quer dizer que temos de
ficar aqui”, responderam elas. “Têm a certeza?”, perguntou retoricamente.
“Como é que sabem que não nos está a dizer para correr?”
Com uma voz pausada e envergando quase sempre um fato feito à medida
quando vai trabalhar, Bruder é a imagem que nos vem à cabeça quando
imaginamos um executivo conservador. Mas não parta do princípio que
sabe como as coisas funcionam com base naquilo que vê. Bruder é tudo
menos um estereótipo. Apesar de gostar dos adornos do sucesso, não é
motivado por eles. Foram sempre subprodutos involuntários do seu
trabalho. Bruder é movido por um sentido claro do PORQUÊ. Ele vê um
mundo em que as pessoas aceitam as vidas que vivem e fazem o que fazem
não porque tenham de o fazer, mas porque nunca ninguém lhes mostrou
uma alternativa. Foi essa a lição que ele ensinou às filhas naquele dia, na
passadeira – há sempre outra perspetiva a considerar. Começar pelo
PORQUÊ permitiu-lhe alcançar grandes feitos. Mas, mais importante ainda,
é a capacidade que tem de partilhar o seu PORQUÊ, através das coisas que
faz, que inspira aqueles que o rodeiam no sentido de conseguirem grandes
feitos por si próprios.
Tal como a maior parte de nós, o caminho que Bruder tem seguido é
fortuito. Mas o PORQUÊ de ele fazer as coisas nunca mudou. Tudo o que
Bruder fez até hoje começa com o seu PORQUÊ, a sua inolvidável crença
de que se pudermos mostrar a alguém um caminho alternativo, pode abrir-
se a possibilidade de esse ser o caminho seguido. Ainda que o trabalho que
ele hoje desenvolve seja passível de mudar o mundo, Bruder não esteve
sempre no ramo da paz mundial. À semelhança de outros líderes
inspiradores, ele mudou o rumo de uma indústria. Mas Ron Bruder não é
um homem de um só feito. Ele conseguiu repetir o sucesso e mudar o curso
de múltiplas indústrias, múltiplas vezes.
Um executivo sénior de um grande conglomerado alimentar que vendia
vegetais, produtos enlatados e carnes, decidiu comprar uma agência de
viagens para o seu sobrinho. Pediu a Bruder, na qualidade de diretor
financeiro de então na empresa, para dar uma vista de olhos às finanças da
agência de viagens antes de finalizar a compra. Percebendo a oportunidade
que outros não percecionaram, Bruder decidiu juntar-se à pequena agência
para ajudar a liderá-la. Ali, percebeu como funcionavam as outras agências
de viagens e escolheu um caminho alternativo. A Greenwell tornou-se a
primeira agência de viagens na costa leste dos EUA a aproveitar as novas
tecnologias e a informatizar totalmente as suas operações. Não só se tornou
uma das mais bem-sucedidas empresas da região como, depois de apenas
um ano, o seu modelo de negócio se tornou um padrão para toda a indústria.
Bruder tinha conseguido, uma vez mais.
Um antigo cliente de Bruder, Sam Rosengarten, trabalhava em negócios
de energias sujas – carvão, petróleo, gás; todas elas indústrias que
contaminavam terras através da sua operação. Pouco se podia fazer
relativamente a esses terrenos degradados. Estavam demasiado poluídos
para ali se desenvolver alguma coisa e a responsabilidade de os limpar era
de tal ordem que os prémios de seguro, por si só, tornavam proibitiva
qualquer tentativa. Mas Bruder não encara os desafios como a maior parte
das pessoas. A maioria evitava investir em terrenos degradados porque só
conseguia ver o custo de os limpar. Em vez disso, Bruder focou-se na
limpeza em si. A sua perspetiva alternativa trouxe a solução perfeita.
Bruder já tinha criado a sua empresa de promoção imobiliária, a
Brookhill, e, com 18 funcionários, estava a sair-se bastante bem.
Percebendo o que tinha de fazer para aproveitar a oportunidade, abordou a
Dames & Moore, uma das maiores empresas de engenharia ambiental do
mundo, e partilhou a sua perspetiva com eles. Adoraram a ideia e formaram
uma parceria para a executar. Com uma empresa de engenharia com 18.000
pessoas a bordo, o risco percecionado foi grandemente minimizado e as
seguradoras disponibilizaram de bom grado um seguro acessível. Já com o
seguro garantido, o Credit Suisse First Boston avançou com o
financiamento que permitiu à Brookhill comprar, sanar, remodelar e vender
propriedades anteriormente contaminadas por quase 200 milhões de
dólares. A Brookhill – assim denominada porque Bruder é proveniente de
Brooklin e, como ele diz, “é um longo caminho a subir para sair de
Brooklin” –, foi uma das pioneiras na indústria da reconstrução de terrenos
degradados. Uma indústria que prospera até hoje. O PORQUÊ de Bruder
não só conduziu a um caminho que era bom para o negócio como, no
processo, ajudou a limpar o ambiente.
Não importa O QUE Ron Bruder faz. As indústrias e os desafios são
fortuitos. O que nunca muda é o PORQUÊ de fazer as coisas. Bruder sabe
que, independentemente de quão boa uma oportunidade possa ser no papel,
independentemente de quão inteligente ele seja, independentemente do seu
historial, ele nunca conseguiria alcançar o que quer que fosse se não
contasse com outros para o ajudar. Ele sabe que o sucesso é um desporto de
equipa. Ele tem o dom de atrair aqueles que acreditam no que ele acredita.
Pessoas talentosas que se sentem atraídas por ele e que só têm uma
pergunta: “Como é que posso ser útil?” Tendo desafiado as perspetivas
convencionais e revolucionado mais do que uma indústria, Bruder propôs-
se agora a um desafio maior: a paz mundial. Ele fundou a Education for
Employment Foundation, o megafone capaz de o ajudar a conseguir
alcançar o seu propósito.
A fundação EFE está a fazer progressos consideráveis no que diz respeito
a ajudar jovens do Médio Oriente a mudarem de forma substancial o curso
das suas vidas e, certamente, da sua região. Tal como ensinou às suas filhas,
naquela passadeira, que existe sempre uma via alternativa, ele traz uma
perspetiva alternativa para os problemas do Médio Oriente. Como todos os
sucessos de Bruder, a fundação EFE irá impulsionar os negócios e, pelo
caminho, poderá realizar um bem enorme. Bruder não gere empresas, ele
lidera movimentos.
Eles entraram, numa fila única. Nem uma palavra foi dita. Ninguém fez
contacto visual com ninguém. Todos pareciam o mesmo. De cabeças
rapadas, as roupas cinza e esfarrapadas. De botas empoeiradas. Um a um,
foram enchendo uma grande sala cavernosa, como um hangar de um filme
de ficção científica. A única cor era o cinzento. As paredes eram cinzentas.
Poeira e fumo preenchiam o espaço fazendo com que o ar parecesse
cinzento.
Centenas, talvez até milhares, dessas pessoas-drone sentaram-se em
bancos ordenadamente organizados. Fila após fila, após fila. Um mar de
conformidade cinzenta. Todos assistiram à projeção de uma enorme cabeça
falante na tela que estava à sua frente na sala e que enchia toda a parede.
Este líder aparente recitava dogmas e propaganda, declarando
orgulhosamente que eles tinham tudo sob controlo. Eles tinham alcançado a
perfeição. Eles estavam livres de pragas. Ou assim pensavam.
Deslizando por um dos túneis que dava acesso ao cavernoso hangar, uma
mulher loira solitária. Usava calções de um vermelho vivo e uma t-shirt
branca. Como um farol, a sua aparência e a cor das suas roupas pareciam
brilhar através do ar cinzento. Perseguida pelos seguranças, ela correu com
uma marreta na mão. Isto não iria acabar bem para o status quo.
A 22 de janeiro de 1984, a Apple lançou o seu computador Macintosh
com um anúncio agora famoso, representando uma cena orwelliana de um
regime totalitário que controla uma população, e prometeu que “1984 não
será como 1984”. Mas essa publicidade foi muito mais do que apenas
publicidade. Não se tratava dos recursos e benefícios de um novo produto.
Não se tratava de uma “proposta de valor diferenciadora”. Foi, para todos
os efeitos, um manifesto. Uma ode poética ao PORQUÊ da Apple, a versão
cinematográfica de uma rebelião individual contra o status quo, provocando
uma revolução. E embora os seus produtos tenham mudado e as modas
também, este anúncio é tão relevante hoje como quando surgiu pela
primeira vez, há 25 anos. E essa é a razão de um PORQUÊ nunca mudar. O
QUE você faz pode mudar com o tempo, mas o PORQUÊ de o fazer nunca
muda.
O anúncio é uma das muitas coisas que a empresa fez ou disse ao longo
dos anos para mostrar ou dizer ao mundo exterior aquilo em que acredita.
Toda a publicidade e comunicações da Apple, os seus produtos, parcerias,
embalagens, o design das suas lojas, são Os QUÊs para o PORQUÊ da
Apple, prova de que a empresa desafia ativamente a ideia do status quo de
modo a autonomizar o indivíduo. Já alguma vez se apercebeu que a
publicidade da Apple nunca mostra grupos a apreciarem os seus produtos?
São sempre pessoas. A campanha “Think Different” mostrava pessoas que
pensavam de forma diferente, nunca grupos. Sempre indivíduos. E quando a
Apple nos diz “Pensa Diferente”, não está unicamente a descrever-se. Os
anúncios na imprensa mostravam imagens de Pablo Picasso, Martha
Graham, Jim Henson, Alfred Hitchcock, para citar alguns, com a frase
“Pensa Diferente“ no canto superior direito da página. A Apple não
incorpora o espírito rebelde porque se associa, ela própria, a rebeldes
conhecidos. A empresa escolheu rebeldes conhecidos porque incorpora o
mesmo espírito rebelde. O PORQUÊ veio antes da solução criativa na
publicidade. Nenhum dos anúncios mostrou um grupo. Isto não é por acaso.
Capacitar o espírito individual é o PORQUÊ da existência da Apple. A
Apple sabe o seu PORQUÊ e nós também. Concordando com ela ou não,
sabemos aquilo em que acredita porque nos conta isso mesmo.
Fale com clareza e será claramente compreendido
O teste do aipo
Mark Rubin é um bom pai. Passa muito tempo com as suas duas filhas,
Lucy e Sophie. Um certo sábado à tarde, a sua mulher, Claudine, levou
Lucy a casa de uma amiga para brincar e Mark ficou em casa a tomar conta
de Sophie, de cinco anos. Sentindo-se um pouco cansado, Mark queria
apenas um bocadinho de tempo para descansar no sofá e não ter de brincar
às casas na árvore pela nona vez nesse dia. Para manter Sophie ocupada,
optou por usar a televisão como babysitter. Mark tinha à escolha dois DVD,
novinhos em folha. Não tinha visto nenhum, nem tinha ouvido falar deles
nos jornais ou através de amigos com crianças pequenas. Não lhe apetecia
ver os desenhos animados – o plano era deixar Sophie desfrutar do filme
numa sala enquanto via outra coisa, na outra divisão. Um dos DVD era de
uma empresa da qual nunca tinha ouvido falar e o outro era da Disney. Qual
é que Mark colocou no leitor de DVD? Qual é que você poria?
A resposta é tão clara que torna a pergunta quase pateta, mas vamos
analisar os factos só por graça. Ambos os DVD eram de desenhos
animados. Ambos eram apropriados para crianças. Ambos tinham uma série
de boas críticas na embalagem. A única diferença é que confiamos no DVD
da Disney. A Disney não é uma empresa perfeita. Por vezes tem problemas
de gestão e liderança. O preço das suas ações por vezes cai em bolsa. Têm
processos contra eles a toda a hora. Alguns até a colocariam no mesmo
grupo que todas as outras empresas péssimas que trabalham apenas para
satisfazer os investidores em Wall Street. Então, por que razão confiamos
nela?
A Disney opera com uma clara perceção do PORQUÊ – existe para
promover o bem, a pura diversão em família, e tudo aquilo que faz e diz
tem sido, há décadas, uma prova disso mesmo. A razão pela qual confiamos
na Disney é simples: sabemos aquilo em que acreditam. Passaram no teste
do aipo. Ao longo do tempo, têm sido tão consistentes em tudo o que dizem
e fazem que os pais confiam neles o suficiente para exporem os seus filhos
a conteúdos Disney sem os verificarem primeiro. Isto nada tem a ver com
produtos de qualidade. Isto não é racional.
A Southwest Airlines também passou no teste do aipo. A empresa tem
sido tão consistente ao longo do tempo que quase sabemos o que esperar
dela. Por exemplo, a companhia aérea não tem lugares marcados nos seus
voos. É uma das coisas que faz para provar que acredita na liberdade. Faz
sentido. Uma empresa que serve pessoas comuns e valoriza tanto a
igualdade para todos nunca poderia ter uma estrutura de classes. Se a Delta,
a United ou a Continental tentassem fazer o mesmo, isso não faria sentido,
pois os lugares sem marcação não se adequam à sua filosofia.
O MAIOR DESAFIO
É O SUCESSO
CAPÍTULO 11
QUANDO O PORQUÊ
SE TORNA DIFUSO
Recuo de Golias
AS DIVISÕES ACONTECEM
DESCOBRIR
O PORQUÊ
CAPÍTULO 13
AS ORIGENS DE UM PORQUÊ
Sou um fracasso
Henry Ford disse: “Se pensa que pode ou se pensa que não pode, de
qualquer modo está certo”. Ele era um homem brilhante em termos de
PORQUÊ, tendo transformado a forma como a indústria funciona. Foi um
homem que encarnou todas as características de um grande líder, que
compreendeu a importância da perspetiva. Eu não estava mais burro do que
quando criei a minha empresa – na verdade, muito provavelmente, estava
mais inteligente. O que perdi foi a perspetiva. Sabia o que estava a fazer,
mas esqueci-me do PORQUÊ de o fazer. Há uma diferença entre correr com
todas as suas forças e com os olhos fechados, ou correr com todas as suas
forças e com os olhos abertos. Durante três anos, o meu coração quase
saltava, mas os meus olhos estavam fechados. Tinha paixão e energia, mas
não tinha foco ou direção. Tinha de me lembrar o que motivava a minha
paixão.
Tornei-me obcecado com o conceito do PORQUÊ. Era consumido pela
ideia. Só falava disso. Quando olhei para trás, para o meu crescimento,
descobri um aspeto extraordinário. Fosse entre amigos, na escola ou
profissionalmente, era sempre o eterno otimista. Era aquele que motivava
todos a acreditarem que poderiam fazer tudo o que quisessem. Este padrão é
o meu PORQUÊ. Motivar. Não interessava se o estava a fazer no marketing
ou na consultoria. Não interessava qual o tipo de empresas com que
trabalhava ou em que indústrias. Motivar as pessoas a fazerem as coisas que
as inspiram de modo a que, em conjunto, possamos mudar o mundo. É esse
o rumo ao qual devotei agora toda a minha vida e o meu trabalho. Henry
Ford teria ficado orgulhoso de mim. Depois de meses a pensar que não
podia, agora sabia que podia.
Fiz de cobaia para o conceito. Se a razão pela qual bati no fundo foi
porque o meu Círculo Dourado estava desequilibrado, então tinha de voltar
a equilibrá-lo. Se era importante começar pelo PORQUÊ, então iria
começar pelo PORQUÊ em tudo o que fazia. Não há um único conceito
neste livro que não tenha praticado. Segurava o meu megafone e falava
sobre o PORQUÊ a todos os que quisessem ouvir. Aqueles que faziam parte
do grupo dos primeiros a aderir e que prestaram atenção à minha causa
veem-me como uma ferramenta no seu arsenal para atingirem o seu próprio
PORQUÊ. E apresentaram-me a outros que pensavam poder ser inspirados
por mim. E assim a Teoria da Difusão começou a funcionar.
Apesar de o Círculo Dourado e o conceito do PORQUÊ estarem a
funcionar para mim, queria mostrá-lo a outros. Tinha de tomar uma decisão:
devia tentar patenteá-lo, protegê-lo e usá-lo para fazer muito dinheiro, ou
devia dá-lo? Esta decisão foi o meu primeiro teste do aipo. O meu
PORQUÊ é motivar as pessoas a fazerem coisas que as inspiram e se queria
ser fiel a essa causa só havia uma decisão a tomar – oferecê-lo, falar sobre
ele, partilhá-lo. Nunca haveria um molho secreto, uma fórmula especial da
qual apenas eu conhecia os ingredientes. O objetivo é que todas as pessoas
e organizações estejam conscientes do seu PORQUÊ e que o usem para
melhorar tudo o que fazem. Portanto, é o que estou a fazer, estou a confiar
totalmente no conceito do PORQUÊ e no padrão que naturalmente surge,
que é o Círculo Dourado, para me ajudar a chegar a esse patamar.
A experiência começou a funcionar. Antes de começar com o PORQUÊ,
tinha sido convidado uma única vez na vida para fazer uma apresentação
pública. Agora tenho entre 30 a 40 convites por ano, de todo o tipo de
audiências, em todo o mundo, para falar sobre o Círculo Dourado. Falo
perante plateias de empresários, grandes empresas, empresas sem fins
lucrativos, para políticos e governos. Dei uma palestra no Pentágono para o
chefe de gabinete e o secretário para a Força Aérea. Antes do Círculo
Dourado, nem sequer conhecia ninguém nas Forças Armadas. Antes de
começar com o PORQUÊ, nunca tinha estado na televisão; em menos de
dois anos, comecei a ter convites frequentes para falar na MSNBC.
Trabalhei com membros do Congresso, mas antes de começar pelo
PORQUÊ nunca tido feito qualquer trabalho junto dos meios políticos ou
partidários.
Sou a mesma pessoa. Sei as mesmas coisas que sabia antes. A única
diferença é que agora começo com o PORQUÊ. Tal como Gordon Bethune,
que deu a volta à Continental, com as mesmas pessoas e o mesmo
equipamento, também eu fui capaz de mudar o rumo das coisas com aquilo
que já sabia e fazia.
Não tenho mais contactos do que as outras pessoas. Não tenho mais ética
profissional. Não tenho uma educação da Ivy League e as minhas notas na
universidade era medianas. A parte mais engraçada é que ainda não sei
como criar uma empresa. A única coisa que faço, que a maior parte das
pessoas não faz, é que aprendi a começar pelo PORQUÊ.
102 “A Apple deu aos indivíduos o poder de fazerem as mesmas coisas que qualquer empresa”:
Steve Wozniak, entrevista pessoal, novembro de 2008.
103 “os dois Steves criaram algo a que chamaram a Caixa Azul [Blue Box]”: “Biography: Stephen
Wozniak”, Museu da Apple, http://www.theapplemuseum.com/index.php?id=50.
104 “famoso anúncio “1984” que foi transmitido durante o Super Bowl”:
http://www.youtube.com/watch?v=OYecfV3ubP8.
CAPÍTULO 14
A NOVA CONCORRÊNCIA
O bloco toma cada vez mais a dianteira, enquanto Ben fica cada vez mais
para trás. Ele escorrega na relva molhada e cai de frente, sobre a terra fofa.
Lentamente, levanta-se e continua. E volta a cair. Desta vez dói. Põe-se de
novo em pé e continua a correr. Ben não desiste. O bloco já não se avista e
Ben corre sozinho. É silencioso. Ele consegue ouvir a sua própria
respiração ofegante. Sente-se sozinho. Volta a tropeçar nos próprios pés e
uma vez mais cai. Independentemente da sua força mental, não há forma de
esconder a dor e frustração espelhadas na sua cara. Faz caretas enquanto usa
toda a sua energia para se erguer novamente e continuar a correr. Para Ben,
esta é parte da rotina. Todos os outros terminam a corrida em cerca de 25
minutos. Ben, normalmente, leva mais de 45 minutos.
Quando Ben finalmente acaba por cruzar a linha da meta tem dores e está
exausto. Teve de usar toda a réstia de energia que tinha para o conseguir. O
seu corpo tem hematomas e está ensanguentado. Está coberto de lama. Ben,
de facto, motiva-nos. Mas esta não é uma história sobre como “nos
momentos de fraqueza é que os fortes emergem”. Esta não é uma história
sobre “quando cair, levante-se”. Essas são grandes lições a reter, sem
dúvida, mas não precisamos que Ben Comen nos ensine essas lições. Há
dezenas de outras pessoas para quem podemos olhar para as aprender, como
por exemplo, um atleta olímpico que sofreu uma lesão apenas alguns meses
antes dos jogos, mas que regressa e conquista a medalha. A lição de Ben é
mais profunda.
Algo de extraordinário acontece após cerca de 25 minutos. Quando todos
os outros já acabaram a corrida, voltam para correr juntamente com Ben.
Ben é o único corredor que, quando cai, outra pessoa o ajuda a levantar-se.
Ben é o único atleta que, quando acaba, tem cerca de 100 pessoas atrás de
si.
O que Ben nos ensina é especial. Quando concorremos contra todos os
outros, ninguém nos quer ajudar. Mas quando concorremos contra nós
próprios, todos nos querem ajudar. Os atletas olímpicos não se ajudam entre
si. São adversários. Ben começa todas as corridas com uma noção muito
clara do PORQUÊ de correr. Não está lá para vencer ninguém, senão ele
próprio. Ben nunca se esquece disso. A noção da razão pela qual corre dá-
lhe força para continuar. Para continuar a insistir, a levantar-se. Para
prosseguir. E fazê-lo uma e outra vez. E, sempre que corre, o único tempo
que Ben quer bater é o seu.
Agora pense na forma como fazemos negócios. Estamos sempre a
concorrer contra outra pessoa. Estamos sempre a tentar ser melhores do que
outra pessoa. Ter mais qualidade. Ter um serviço melhor. Estamos
sistematicamente a comparar-nos com outros. E ninguém nos quer ajudar. E
se todos os dias aparecêssemos no trabalho simplesmente para sermos
melhores do que nós próprios? E se o objetivo fosse fazer esta semana um
trabalho melhor do que aquele que fizemos na semana anterior? Fazer
melhor este mês do que no mês passado? Por nenhuma outra razão senão
porque queremos deixar a organização em melhores condições do que
aquelas em que a encontrámos?
Todas as organizações começam pelo PORQUÊ, mas apenas as grandes
mantêm claro o seu PORQUÊ, ano após ano. As que esquecem a razão pela
qual foram criadas aparecem na corrida, todos os dias, para superar alguém,
em vez de se superarem a elas mesmas. O objetivo, para aquelas que
esquecem a razão pela qual participam na corrida, é conseguir a medalha ou
superar outra pessoa.
E se da próxima vez que alguém nos perguntar “qual é o teu adversário?”,
respondêssemos: “Não faço ideia”. E se da próxima vez que alguém nos
pressionar, perguntando “então, o que faz de ti melhor do que a tua
concorrência?”, respondêssemos: “De um modo geral, não somos melhores
do que eles”. E se da próxima vez que alguém perguntar “então por que
razão devo fazer negócio consigo?”, respondêssemos com confiança:
“Porque o trabalho que estamos a fazer agora é melhor do que aquilo que
fazíamos há seis meses. E o trabalho que faremos daqui a seis meses será
melhor do que aquele que fazemos hoje. Porque acordamos todos os dias
com uma noção do PORQUÊ de irmos trabalhar. Vamos para motivar as
pessoas a fazerem coisas que as inspirem. Somos melhores do que a nossa
concorrência? Se acreditar naquilo em que acreditamos e acreditar que as
coisas que fazemos o podem ajudar, então somos melhores. Se não acreditar
no mesmo que nós nem que as coisas que fazemos o podem ajudar, então
não somos melhores. O nosso objetivo é encontrar clientes que acreditam
no mesmo que nós e trabalham em conjunto de modo a que todos possamos
ter sucesso. Procuramos pessoas que nos apoiem inteiramente na busca do
mesmo objetivo. Não estamos interessados em sentar-nos à mesa, frente a
frente, à procura de um acordo melhor. E eis o que estamos a fazer para
promover a nossa causa...” E depois seguem-se os detalhes sobre COMO e
O QUE a sua empresa. Mas, desta vez, começou pelo PORQUÊ.
Imagine se todas as organizações começassem pelo PORQUÊ. As
decisões seriam mais simples. A lealdade seria maior. A confiança seria
uma moeda comum. Se os nossos líderes fossem diligentes em começar
pelo PORQUÊ, reinaria o otimismo e a inovação prosperaria. Tal como este
livro ilustra, há prioridades para este padrão. Independentemente da
dimensão da organização, seja qual for a indústria, seja qual for o produto
ou o serviço, se todos assumirmos alguma responsabilidade em começar
pelo PORQUÊ e motivarmos os outros a fazerem o mesmo, então, em
conjunto, podemos mudar o mundo.
E isso é bastante inspirador.
...