Peter May - Economia Do Meio Ambiente
Peter May - Economia Do Meio Ambiente
Peter May - Economia Do Meio Ambiente
Peter H. May
ORGANIZADOR
Teoria e Prática
Sumário
Capa
Folha de rosto
Cadastro
Copyright
Antecedentes
Referências bibliográficas
2.1 Introdução
2.3 Metabolismo
2.6 Otimismo
2.7 Ceticismo
2.8 Conclusão
Referências bibliográficas
3.1 Introdução
3.7 Conclusões
Referências bibliográficas
Referências bibliográficas
Anexo 1
Anexo 2
Anexo 3
Referências bibliográficas
6.1 Introdução
6.2 A fronteira de produção
6.5 Namea
6.6 Sicea
6.8 Conclusões
Referências bibliográficas
7.1 Introdução
7.7 Conclusões
Referências bibliográficas
8.1 Introdução
9.1 Introdução
9.6 Conclusões
Referências bibliográficas
10.1 Introdução
10.7 Conclusões
Referências bibliográficas
11.1 Introdução
Referências bibliográficas
12.1 Introdução
Referências bibliográficas
13.1 Introdução
13.9 Conclusão
Referências bibliográficas
14.4 Água
14.5 Biodiversidade
Bibliografia consultada
15.1 Introdução
15.7 “Cobrança pela água tratada”: limitações à recuperação integral dos custos no
setor de saneamento
15.8 Conclusões
Referências bibliográficas
16.1 Introdução
16.8 Conclusões
Referências bibliográficas
Cadastro
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ISBN: 978-85-352-3765-8
ISBN (versão eletrônica): 978-85-352-6653-5
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CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
E22 Economia do meio ambiente: teoria e prática / Peter H. May (org.). — 2. ed.
2. ed — Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
ISBN 978-85-352-3765-8
1. Economia ambiental. 2. Desenvolvimento sustentável — Brasil.
2. Desenvolvimento econômico — Aspectos ambientais — Brasil. I. May, Peter Herman, 1952-.
CDD: 333.70981
09-5858 CDU: 502.13(81)
Prefácio à primeira edição
Este livro é, antes de tudo, um manifesto. Acreditamos não ser mais possível que um economista se forme
sem compreender as complexas relações entre o ambiente e as sociedades modernas. Tampouco cremos que
um cientista ambiental possa ignorar a importância das múltiplas conexões das variáveis econômicas com o
meio natural. Acreditamos que nenhum dos dois lados, isoladamente, possa tratar de forma adequada as
questões ambientais do mundo moderno. Dentro desse espírito multidisciplinar, consolidou-se nas últimas
décadas a Economia Ecológica, e este livro-texto está organizado de modo a percorrer os seus principais
temas. Seus capítulos não pretendem esgotar tais temas, mas apresentam uma visão abrangente e
consistente do estado da arte dos debates atuais na área no Brasil e no exterior.
Uma das maiores riquezas no debate acadêmico sobre a relação economia e meio ambiente é a grande
diversidade de opinião entre aqueles que se dedicam a pensar o tema. É fundamental reconhecer a
importância da pluralidade e os benefícios da coexistência de diferentes correntes de conhecimento, e,
dentro delas, distintas abordagens. Por isso, o livro prima pelo reconhecimento da necessidade da
pluralidade metodológica e teórica. Não houve preocupação em aprofundar modelos formais, mas dar
recursos e apontar possíveis direções para o leitor que queira aprimorar seu conhecimento. Os capítulos não
se esgotam em si mesmos, mas servem como portais para expandir conhecimento e despertar a curiosidade
para os diversos olhares disciplinares sobre a questão da sustentabilidade: desde trabalhos nas linhas mais
tradicionais de economia ambiental e de recursos naturais até visões alternativas, como a ciência pós-
normal, a ecologia política e a história ambiental.
Não buscamos a pretensão de uma ciência “neutra”, pois sabemos ser inexistente tal neutralidade. Ao
mesmo tempo não flutua em nuvens da utopia. Pois entre esses dois extremos, caminha a Economia
Ecológica: fundamentada na importância da práxis, busca ser uma disciplina vinculada à prática social e sua
relação com o meio natural que a cerca. Tal travessia é perigosa, mas ainda mais perigoso é olhar para trás,
arrepiar-se e ficar parado nas análises convencionais fundamentadas na ilusão de agentes idealizados e
teorias “perfeitas”, mas que negam a realidade como “imperfeição”. Em suma, precisamos entender a
aplicabilidade da ciência à prática de tomada de decisões, reconhecendo que a produção de trabalhos
acadêmicos em si não é suficiente para motivar os atores econômicos a alterar suas ações.
Por fim, deve-se destacar que o livro se compõe pelas contribuições de autores cujo foco de ensino e
pesquisa é o Brasil. Não se trata de nacionalismo tolo, nem de negar a validade e importância de trabalhos
estrangeiros, mas da crença de que se deve contextualizar a economia do meio ambiente na realidade
brasileira. A produção acadêmica nacional tem sido grandemente reconhecida internacionalmente e merece
ser mais bem conhecida no próprio Brasil, onde por falta de um livro-texto desta natureza não tem sido
possível apreciar a amplitude e profundidade dos trabalhos existentes.
Rio de Janeiro, julho de 2003Carlos Eduardo Frickmann Young and Peter H. May
Prefácio à segunda edição *
Qual a relação entre a economia ecológica, a economia dos recursos naturais e a economia ambiental? A
diferença é que as últimas são subáreas da economia neoclássica e não consideram a escala macro relativa à
biosfera que as abriga como uma questão relevante: não tem nenhum conceito de throughput,** e se
focalizam na eficiência da alocação. A economia dos recursos naturais trata da eficiência da alocação do
trabalho e do capital dedicados às indústrias extrativas. Desenvolve muitos conceitos úteis, tais como renda
de escassez e custo de uso. Do mesmo modo, a economia ambiental também enfoca a eficiência alocativa,
desequilibrada por externalidades oriundas da poluição. Os conceitos de internalização de externalidades
por impostos pigouvianos ou direitos de propriedade coaseanos são certamente úteis e relevantes para a
formulação de políticas, mas seu alvo é a eficiência alocativa, por intermédio dos preços “corretos” e não
por meio de uma escala sustentável. A Economia Ecológica se conecta à economia dos recursos naturais e à
economia ambiental, unindo a depleção com a poluição pelo conceito do throughput. Também dá muito
mais atenção aos impactos provocados por atividades econômicas que causam a depleção, a poluição e a
degradação entrópica, bem como aos feedbacks do resto do ecossistema. Não negligencia o problema
tradicional de alocação eficiente, mas o considera dentro dos contextos maiores da escala sustentável e da
distribuição justa.
Devido ao fato de que o crescimento nos empurra de um mundo vazio para um mundo cheio, o fator
limitante da produção se transformará cada vez mais no capital natural, capital que não é elaborado pelo
homem. Por exemplo, a captura dos peixes é hoje limitada já não mais pelo capital investido em barcos de
pesca, mas pelo capital natural complementar de populações dos peixes no mar. Enquanto nós nos
embrenhamos em um mundo cheio, a lógica econômica permanece a mesma, a saber, economizar e investir
no fator limitante. Mas a identidade do fator limitante transforma capital fabricado em capital natural
remanescente, e nossos esforços e políticas para economizar devem mudar no mesmo sentido.
Consequentemente, torna-se mais importante estudar a natureza dos bens e serviços ambientais — sejam
rival ou não rival, exclusível ou não exclusível — a fim de saber se são bens do mercado ou bens de
propriedade comum.
A Economia Ecológica aceita a análise padrão da eficiência alocativa, dada a prévia escolha social das
questões de distribuição e da escala. Embora a diferença principal seja o foco na escala, essa diferença tem
envolvido mais atenção às frequentemente negligenciadas dimensões de distribuição: a saber, a distribuição
intergeneracional da base de recursos e a distribuição dos lugares no sol entre seres humanos e todas as
espécies restantes (biodiversidade). Também, enquanto recursos mais vitais terminam de ser bens de livre
acesso e são alocados pelo mercado, a justiça distributiva subjacente à alocação do mercado se torna mais
crítica. Outros aspectos do debate referem-se: à polêmica de o capital natural e o fabricado serem
principalmente substitutos ou complementares; o grau de acoplamento entre o throughput físico e o PIB; e o
grau de acoplamento entre o PIB e o bem-estar.
Comparado à Ásia, à Europa e mesmo aos EUA, o Brasil pode ser considerado relativamente vazio e,
consequentemente, ainda não estar necessitando de um direcionamento para uma “economia do mundo
cheio”. No entanto, os artigos deste livro apresentam evidências de que isso não é tão verdadeiro como se
poderia imaginar. O Brasil está enchendo-se rapidamente em consequência de seu próprio crescimento
interno, assim como pelas demandas sobre seus recursos naturais e seus ecossistemas, impostos pela
economia do resto do mundo globalizado. O momento para o Brasil se preocupar com a conservação e o
uso sábio de seu patrimônio ecológico é agora, antes que tudo esteja esgotado, poluído e degradado pelo
vício do crescimento a qualquer preço, desrespeitando os seus custos e comprometendo a integridade das
gerações futuras.
**Não há um termo preciso em português para esta palavra, mas ela pode ser traduzida como “transumo”, entendido como o fluxo metabólico de matéria e energia que entra e que sai da economia para o
ecossistema (M.A.E.).
Apresentação da segunda edição *
*Esta apresentação foi revisada do original, escrito conjuntamente por Maria Cecília Lustosa, Peter May e Valéria da Vinha, para a 1ª edição deste livro.
*Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, Universidade de Brasília — UnB, Centro de Desenvolvimento Sustentável — CDS, Gleba A, Bloco C, Av. L3 Norte, Asa Norte — Brasília — DF, CEP
70904-970, Tel.: (61) 3107-6001, E-mail: ecoeco@ecoeco.org.br, web: www.ecoeco.org.br.
Biografias resumidas dos autores
Ademar Romeiro é doutor em Economia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) em
Paris e professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Foi chefe
geral da EMBRAPA Monitoramento por Satélite e presidente da Sociedade Brasileira de Economia
Ecológica (ECOECO). É autor e organizador de vários livros e artigos sobre economia dos recursos naturais
e do meio ambiente, entre os quais Meio ambiente e dinâmica de inovações na agricultura
(Fapesp/Annablume, 2003 reimpressão).
Alexandre Louis de Almeida d’Avignon é doutor em Planejamento Energético, Concentração em
Meio Ambiente pela COPPE/UFRJ e mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1993). Tem
pós-graduação em Técnicas e Modalidades de Utilização de Gás Natural na Società Di Gestione Studi e
Tecnologie Avanzate, em Urbino, Itália. Hoje atua como professor colaborador do Programa de Políticas
Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de Economia da UFRJ e integra, como pesquisador, o
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento/INCT-
PPED. É pesquisador do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ, compondo o Centro de
Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima), o Laboratório
Interdisciplinar de Meio Ambiente (LIMA) e fornece apoio ao Laboratório de Sistemas Avançados de
Gestão (SAGE).
Alfredo Kingo Oyama Homma é doutor em Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa,
pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental e professor visitante da Universidade Federal Rural da
Amazônia onde ministra a disciplina Economia de Recursos Naturais. Desenvolve pesquisas sobre
extrativismo vegetal, desenvolvimento agrícola e a questão ambiental na Amazônia. Publicou seis livros,
entre os quais Amazônia: meio ambiente e desenvolvimento agrícola; História da agricultura na Amazônia:
da era pré-colombiana ao terceiro milênio. Imigração japonesa na Amazônia: sua contribuição ao
desenvolvimento agrícola é o seu livro mais recente.
Andrei Domingues Cechin, economista (USP), é mestre em Ciência Ambiental (PROCAM-USP) e
doutorando no Departamento de Management Studies na Universidade de Wageningen (NL). No mestrado
pesquisou a importância do pensamento de Nicholas Georgescu-Roegen para o debate sobre o
desenvolvimento sustentável e no doutorado pesquisa a governança em cooperativas agrícolas.
Carlos Eduardo Frickmann Young é doutor em Economia (University College, Londres), mestre em
Economia (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pós-graduado em Políticas Públicas (ILPES/CEPAL,
Santiago do Chile). Professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento/INCT-PPED, foi presidente da
ECOECO e também é membro da International Input-Output Association. Tem inúmeros trabalhos
publicados em temas relacionados a desenvolvimento e meio ambiente, tais como comércio internacional e
meio ambiente, contas nacionais ambientais, aspectos econômicos do desmatamento, valoração de recursos
ambientais e economia do aquecimento global.
Eugenio Miguel Cánepa, economista (UFRGS) e especialista em Economia Regional e Urbana (USP),
é pesquisador da Fundação de Ciência e Tecnologia — CIENTEC (RS). Atua na área de economia
ambiental, especialmente nas suas aplicações à gestão de recursos hídricos (cobrança pelo uso das águas,
legislação e desenvolvimento institucional). É também professor de Economia Ambiental e dos Recursos
Naturais em cursos de especialização e extensão.
Eduardo Ehlers tem doutorado em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo. É diretor de
graduação do Centro Universitário Senac, professor do MBA em Gestão da Sustentabilidade da Fundação
Getulio Vargas e membro do Conselho Deliberativo da Estação Ciência (USP). Publicou recentemente O
que é agricultura sustentável pela Editora Brasiliense.
Frederico Cavadas Barcellos é mestre em Sistemas de Gestão do Meio Ambiente pela Faculdade de
Engenharia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Geógrafo do Núcleo de Estatísticas Ambientais da
Diretoria de Pesquisas do IBGE onde está desde a sua criação, em 1997. Professor da rede estadual de
ensino do estado do Rio de Janeiro. Diretor do Núcleo Sudeste da Sociedade Brasileira de Economia
Ecológica — ECOECO. É autor de trabalhos sobre gestão ambiental municipal e da participação na
economia nacional dos setores industriais potencialmente mais poluidores e intensivos no uso de recursos
naturais e energia.
Fernando César da Veiga Neto é agrônomo, formado na ESALQ/USP, com mestrado e doutorado no
curso de pós-graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
(CPDA/UFRRJ). Atua como Gerente de Serviços Ambientais da ONG The Nature Conservancy do Brasil,
que foi pioneira na maioria das experiências em Pagamentos de Serviços Ambientais no país. Colaborou em
diversos estudos sobre certificação florestal, incentivos econômicos, valoração da biodiversidade e ICMS-
Ecológico, entre outros temas pertinentes.
José Aroudo Mota é doutor em Desenvolvimento Sustentável pelo Centro de Desenvolvimento
Sustentável — CDS/UnB (área de concentração Política e Gestão ambiental), mestre em Administração
Financeira pela Universidade de Brasília — UnB e Economista pela Universidade Católica de Brasília.
Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, foi diretor-adjunto e interino da
Diretoria de Estudos Regionais e Urbanos do IPEA. Professor associado de Economia Ambiental do
CDS/UnB, exerce ainda o cargo de professor visitante de Economia do Meio Ambiente do Centro de
Recursos Naturais da Universidade Federal do Amazonas — UFAM. Atualmente é coordenador de meio
ambiente do Fórum Ipea de Mudanças Climáticas. É autor do livro O valor da natureza: economia e
política dos recursos naturais e participou de outras obras sobre a problemática do meio ambiente no
Brasil.
José Eli da Veiga, professor titular da USP — Faculdade de Economia, FEA e Instituto de Relações
Internacionais, IRI — é colunista do jornal Valor econômico e da revista Página22. Suas publicações estão
disponíveis na página web: http://www.zeeli.pro.br.
José Oswaldo Cândido Júnior possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal
do Ceará (1992), mestrado em Economia pela Universidade Federal do Ceará (1998) e doutorado em
Economia pela Fundação Getulio Vargas — RJ (2008). É pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, onde exerceu a coordenação de finanças públicas. Atualmente exerce o cargo de assessor técnico
no Senado Federal. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Crescimento e Desenvolvimento
Econômico, atuando principalmente nos seguintes temas: Brasil, financiamento, crescimento econômico,
gastos públicos, produtividade, economia ambiental, valoração de ativos ambientais.
Luciana Togeiro de Almeida é doutora em Economia pela Universidade Estadual de Campinas —
UNICAMP e professora do Departamento de Economia da Universidade Estadual Paulista — UNESP. Tem
trabalhos publicados na área de Economia Internacional e Economia do Meio Ambiente, com foco em
Comércio Internacional e Desenvolvimento Sustentável. Foi presidente da Sociedade Brasileira de
Economia Ecológica.
Marcel Bursztyn, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro —
UFRJ (1973), possui mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ (1976), Diploma in
Planning Studies pela University of Edinburgh (1977), doutorado em Developpement Economique et Social
— Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne) (1982) e doutorado em Economie — Université de Picardie-
França (1988). Tem pós-doutorado em Políticas Públicas na Universidade de Paris XIII e na EHESS —
Paris (1989-1991). É professor adjunto da Universidade de Brasília, junto ao Departamento de Sociologia e
ao Centro de Desenvolvimento Sustentável. Tem atuado principalmente nas áreas de desenvolvimento
regional, políticas públicas, sustentabilidade, Amazônia, Nordeste e gestão ambiental. Senior Research
Fellow na Kennedy School of Government — Sustainability Science Program, Harvard University (2007-
2008) — com bolsas Harvard, Fulbright e Capes.
Maria Amélia Enríquez, membro do Painel Internacional sobre a Gestão de Recursos do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente — UNEP, é presidente da Sociedade Brasileira de Economia
Ecológica — ECOECO. Economista, doutora em Desenvolvimento Sustentável pelo Centro de
Desenvolvimento Sustentável — CDS da Universidade de Brasília — UnB. Professora e pesquisadora dos
Cursos de Economia Universidade Federal do Pará — UFPA e da Universidade da Amazônia — UNAMA,
com atividades voltadas para o ensino de Economia dos Recursos Naturais e do Meio Ambiente e pesquisas
direcionadas ao uso dos recursos naturais e desenvolvimento sustentável na Amazônia, com enfoque na área
dos recursos exauríveis. Atualmente está exercendo atividades de assessoramento ao Ministério das Minas e
Energias — MME.
Maria Cecília Junqueira Lustosa é doutora em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro — UFRJ, com área de concentração em Inovação e Meio Ambiente. Como
professora associada da Universidade Federal de Alagoas — UFAL, pesquisa e leciona no Mestrado
Acadêmico em Economia Aplicada — CMEA e na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
— FEAC. Participa do Grupo de Pesquisa Gestão Tecnológica em Regiões Periféricas da UFAL e dos
Grupos de Pesquisa de Economia do Meio Ambiente — GEMA e da Rede de Pesquisa em Sistemas e
Arranjos Produtivos e Inovativos Locais — RedeSist, ambos da UFRJ. Atua como diretora para a Região
Nordeste da ECOECO e integra o comitê científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Alagoas — FAPEAL.
Marilene de Oliveira Ramos, doutora pela COPPE/UFRJ em Engenharia do Meio Ambiente, é
professora da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas da Fundação Getulio Vargas —
EBAPE/FGV. Tendo atuado desde 2001 como Engenheira Consultora da Agência Nacional de Águas
(ANA), na estruturação do Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos e em projetos visando outorga
e cobrança pela água, foi posteriormente nomeada presidente da Superintendência Estadual de Rios e
Lagoas —SERLA, atual Instituto Estadual do Ambiente — INEA e Secretária Estadual do Ambiente —
SEA do Rio de Janeiro. Além das suas atividades de gestão ambiental governamental, é autora de vários
trabalhos e artigos sobre a gestão e valoração de recursos hídricos.
Paulo Gonzaga Mibielli de Carvalho é doutor em economia pelo Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ. Economista do Núcleo de Estatísticas Ambientais da
Diretoria de Pesquisas do IBGE. Professor do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais e da
especialização em Análise Ambiental e Gestão do Território da Escola Nacional de Ciências Estatísticas —
ENCE-IBGE. Professor da graduação da Universidade Estácio de Sá — UNESA. Vice-presidente da
Sociedade Brasileira de Economia Ecológica — ECOECO (biênio 2008-2009). Tem trabalhos publicados
sobre indicadores de conjuntura econômica, produtividade e desempenho industrial, indústrias
potencialmente poluidoras e gestão ambiental municipal.
Peter Herman May, doutor em Economia dos Recursos Naturais pela Universidade de Cornell (EUA),
é professor adjunto do curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade — CPDA/UFRRJ, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas
Públicas, Estratégias e Desenvolvimento — INCT-PPED e diretor adjunto da OSCIP Amigos da Terra-
Amazônia Brasileira. É atualmente presidente da International Society for Ecological Economics (gestão
2008-2009) e preside o Conselho Fiscal e Consultivo da Sociedade ECOECO. Organizador de Economia
ecológica: Aplicações no Brasil (Ed. Campus, 1995), e membro do Conselho Editorial da revista Ecological
Economics, contribui para a pesquisa e formulação de políticas públicas ambientais no Brasil e no mundo.
Ramon Arigoni Ortiz é doutor em economia ambiental pela Universidade de Bath, Inglaterra, mestre
em economia pela Universidade Santa Úrsula (RJ) com concentração em Economia do Meio Ambiente.
Atualmente é pesquisador do Basque Centre for Climate Change (BC3) em Bilbao, Espanha, e pesquisador
visitante do Departamento de Economia e Desenvolvimento Internacional da Universidade de Bath. Foi
pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, Coordenação de Estudos de Meio
Ambiente, onde realizou pesquisas sobre desflorestamento na Amazônia, custos de saúde associados à
poluição do ar e, principalmente, valoração econômica ambiental. Também realizou trabalhos de
consultoria para o BIRD, UNESCO e PNUD.
Rodrigo Daniel Feix, economista, graduado pela Universidade Federal do Rio Grande, com mestrado
em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade Horizontina — FAHOR e
pesquisador do Centro de Estudos em Economia e Meio Ambiente — CEEMA/FURG. Tem experiência no
desenvolvimento de projetos aportados pela iniciativa privada e instituições públicas de fomento à pesquisa.
Atua principalmente nas áreas de comércio internacional e economia agrícola e dos recursos naturais,
dedicando especial atenção aos temas comércio agrícola e ecoprotecionismo.
Sílvia Helena Galvão de Miranda, engenheira agrônoma (ESALQ/USP), com mestrado e doutorado
em Economia Aplicada pela ESALQ/USP. Professora doutora no Departamento de Economia,
Administração e Sociologia — ESALQ e pesquisadora no Centro de Estudos Avançados em Economia
Aplicada — CEPEA. Atua nas áreas de economia internacional, principalmente no tema de barreiras não
tarifárias, agronegócio e economia ambiental.
Valéria Gonçalves da Vinha, doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo
CPDA/UFRRJ, é professora adjunta do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisadora do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento — INCT-PPED e
foi Visiting Scholar do Centro para Estudos Latino-Americanos da Universidade da California-Berkeley.
Consultora em relacionamento empresa-comunidade, tem acompanhado a evolução das práticas de
Responsabilidade Social Empresarial no Brasil, EUA e Europa, com ênfase nos setores energia, papel e
celulose e financeira. Participa por meio do Grupo de Pesquisa de Economia do Meio Ambiente — GEMA
da UFRJ do diagnóstico social e caracterização de grupos de interesse (stakeholder appraisal) no processo
de licenciamento para exploração de petróleo nas Bacias de Campos, Santos e Amazonas.
Capítulo 1
Quadro 1.1
A origem teórica da economia política
Tradicionalmente, o adjetivo política associado ao substantivo economia indica uma visão teórica
que se distingue por incluir, em seu esquema analítico, considerações de ordem política em seu
sentido amplo. Isto é, inclui considerações morais e éticas em contraposição à economia sem adjetivo
(economics), cuja visão teórica subjacente (neoclássica) pressupunha ser uma exigência científica à
exclusão deste tipo de considerações.* Entretanto, a economia é sempre economia política na medida
em que todo ser humano pensa e age a partir de uma escala de valores.1 É ilusória a ideia positivista
de que as proposições podem ser divididas claramente entre positivas e normativas. Existe sempre
algum julgamento de valor ou aspecto ideológico em todos os conceitos, afirmações e teorias em
economia. Nesse sentido, o hábito da economia convencional de olhar exogenamente os valores e as
preferências como dados não é algo que decorre de uma posição cientificamente neutra.2
*
Em sua exortação pela volta à tradição ética em economia, Sen (1987) observa que desde
Adam Smith duas tradições em economia se firmaram: uma, preocupada com a moral e
a ética (que além dos autores clássicos, como Smith, Marx, Ricardo, Stuart Mill, inclui
autores como Veblen, Myrdal, entre outros, e toda a escola institucionalista
contemporânea); a outra (neoclássica), que ele classifica como uma espécie de
“engenharia econômica”, onde esta preocupação não existiu.
1
Myrdal, 1978.
2
Soderbaum, 1991.
A segunda seção apresenta uma breve digressão sobre a evolução histórica da capacidade das sociedades
humanas de transformar a natureza, marcada pelas revoluções agrícola e industrial. Busca-se deixar claro
que embora esta evolução tenha sido marcada cada vez mais por desequilíbrios ecológicos, isto não é
inevitável. É possível transformar radicalmente a natureza, como quando se pratica a agricultura sem, no
entanto, desrespeitar as regras ecológicas básicas. Outro ponto a notar refere-se à magnitude da escala atual
das atividades humanas o que, independentemente de estas atividades respeitarem ou não as regras
ecológicas básicas, levanta o problema do limite da capacidade de suporte do planeta Terra. Nesse sentido,
enfatiza-se a necessidade de não apenas buscar uma melhor eficiência na utilização dos recursos naturais,
reduzindo drasticamente e/ou eliminando a poluição, como também a necessidade de estabilizar os níveis de
consumo de recursos naturais per capita dentro dos limites da capacidade de suporte do planeta.
Na seção seguinte discute-se a questão do desenvolvimento sustentável de uma perspectiva teórica. São
apresentados os fundamentos das duas principais correntes teóricas em economia que tratam dos problemas
de sustentabilidade: a economia ambiental (neoclássica) e a economia ecológica. As diferenças entre as
duas abordagens são assinaladas não apenas do ponto de vista teórico, como também daquele das
implicações concretas destas duas visões analíticas em termos das políticas ambientais que inspiram e suas
consequências.
A seção 1.4 introduz o problema da valoração econômica de serviços ecossistêmicos. No esquema
analítico convencional os valores obtidos refletem, direta ou indiretamente, apenas a disposição a pagar dos
“consumidores” de meio ambiente. Além disso, escapa da valoração boa parte dos serviços ecossistêmicos
em jogo devido ao desconhecimento do ecossistema em questão e das funções que lhe são inerentes e que
dão origem a estes serviços. O conhecimento mais aprofundado dos ecossistemas mostra também aquilo
que não é passível de valoração econômica por não se traduzir diretamente em serviços ecossistêmicos, mas
que tem um papel importante na estabilidade do mesmo, bem como possivelmente de outros, no longo
prazo. A modelagem econômico-ecológica é a ferramenta que torna possível levar em conta, ainda que
imperfeitamente, a complexidade ecossistêmica no processo de valoração e na definição de políticas
ambientais.
Na quinta seção são analisados os limites à mudança decorrente das características próprias da dinâmica
de acumulação capitalista e do padrão de consumo correspondente, marcado pela criação incessante de
novas necessidades de consumo. Nesse sentido, a estabilização do consumo de recursos naturais per capita
dependerá de uma mudança de valores. São apresentadas também as condições objetivas que podem
contribuir para o sucesso de um movimento de educação ambiental visando esta mudança de valores com
base, em última instância, em considerações de ordem ética.
Na última seção são brevemente sumariadas as condições históricas que explicam o surgimento de um
instrumento jurídico, o princípio de precaução, que se configura como uma importante inovação
institucional aplicável em processos de tomada de decisões sob incerteza. Apresenta-se também uma
proposta metodológica de classificação e hierarquização dos problemas ambientais segundo os níveis de
incerteza sistêmica e de risco de perdas irreversíveis. Finalmente, na última seção, as principais conclusões
do capítulo são apresentadas e comentadas.
1.2 Desenvolvimento sustentável — perspectiva histórica
Em um passado distante, antes do controle do fogo pela espécie humana, a interação desta com a natureza
era semelhante àquela dos animais mais próximos na cadeia evolutiva, como os grandes primatas. O
controle do fogo abriu caminho para que esta interação assumisse características próprias cada vez mais
distintas. Sobrevivem, entretanto, ainda hoje, amostras de povos, como os yanomamis, vivendo no
neolítico, testemunhos vivos de que o controle do fogo por si só pode não levar a mudanças radicais e
progressivas no modo de inserção da espécie humana na natureza.
Do ponto de vista ecológico, o modo de vida de povos como os yanomamis, ou mesmo de outros povos
indígenas mais evoluídos no sentido de usar mais largamente o fogo como técnica agroflorestal e outros
instrumentos, não provoca nenhum desequilíbrio comprometedor do ecossistema, embora o modifique. Seu
modo de vida conduz a transformações na paisagem florestal que, embora não facilmente perceptíveis para
olhos não treinados, são reais e bastante marcadas em determinados locais. Mas são transformações de tal
modo integradas com o ambiente florestal que não se diferenciam muito do tipo de transformações que
certas espécies animais podem causar no ecossistema onde estão inseridas. Portanto, um ecossistema em
equilíbrio não quer dizer um ecossistema estático. É um sistema dinâmico, que se modifica, embora
lentamente, graças a interações entre as diversas espécies nele contidas, em um processo conhecido como
coevolução.
Com a invenção da agricultura há cerca de dez mil anos, a humanidade deu um passo decisivo na
diferenciação de seu modo de inserção na natureza em relação àquele das demais espécies animais. A
agricultura provoca uma modificação radical nos ecossistemas. A imensa variedade de espécies de um
ecossistema florestal, por exemplo, é substituída pelo cultivo/criação de umas poucas espécies, selecionadas
em função de seu valor seja como alimento, seja como fonte de outros tipos de matérias-primas que os seres
humanos considerem importantes.
Entretanto, apesar de modificar radicalmente o ecossistema original, a agricultura não é necessariamente
incompatível com a preservação do equilíbrio ambiental fundamental. É possível construir um ecossistema
agrícola baseado em sistemas de produção que preservem certos mecanismos básicos de regulação
ecológica. Por exemplo, pode-se reduzir a infestação de pragas nas culturas com a alternância do cultivo de
espécies distintas em uma mesma área (rotações de culturas). Este resultado é obtido na medida em que a
rotação de culturas é uma forma de garantir um mínimo de biodiversidade, que é o principal mecanismo da
natureza para manter o equilíbrio do ecossistema. Do mesmo modo, pode-se obter efeito semelhante através
da manutenção de uma paisagem agrícola diversificada, entremeada de bosques e matas, de áreas de
aguadas etc.
Em relação à manutenção da fertilidade do solo, para garantir a sustentabilidade é preciso não apenas
repor os nutrientes exportados com as culturas, mas fazê-lo de modo equilibrado, isto é, de acordo com os
processos naturais de reciclagem de nutrientes. Uma fertilização química desequilibrada tem impactos
negativos no próprio solo, bem como sobre os recursos hídricos do ecossistema. Enfim, é possível, em
princípio, transformar radicalmente um dado ecossistema natural, substituindo-o por outro, “artificial”, mas
também equilibrado do ponto de vista ecológico. A diferença fundamental neste último caso é que a
manutenção do equilíbrio terá que contar com a participação ativa dos seres humanos, agindo com base em
certos princípios básicos de regulação ecológica (diversidade biológica, reciclagem de nutrientes etc.).
Com a Revolução Industrial a capacidade da humanidade de intervir na natureza deu um novo salto
colossal e que continua a aumentar sem cessar. É interessante notar que esta enorme capacidade de
intervenção ao mesmo tempo que provocou grandes danos ambientais, também ofereceu em muitas
situações os meios para que a humanidade afastasse a ameaça imediata que estes danos pudessem
representar para sua sobrevivência e, com isso, retardasse a adoção de técnicas e procedimentos mais
sustentáveis. Um exemplo significativo neste sentido foi o uso intensivo de fertilizantes químicos baratos
que, em muitas regiões, mascarou o efeito da erosão dos solos sobre a produtividade agrícola.
Para além dos desequilíbrios ambientais decorrentes desta maior capacidade de intervenção, a
Revolução Industrial, baseada no uso intensivo de grandes reservas de combustíveis fósseis, abriu caminho
para uma expansão inédita da escala das atividades humanas, que pressiona fortemente a base de recursos
naturais do planeta. Ou seja, mesmo se todas as atividades produtivas humanas respeitassem princípios
ecológicos básicos, sua expansão não poderia ultrapassar os limites termodinâmicos que definem a
“capacidade de carga” (“carrying capacity”) do planeta. A magnitude da punção exercida pelas sociedades
humanas sobre o meio ambiente, sua “pegada ecológica” (“ecological footprint” — ver Quadro 1.2), resulta
do tamanho da população multiplicado pelo consumo per capita de recursos naturais, dada a tecnologia. O
progresso técnico pode atenuar relativamente esta pressão, mas não eliminá-la.
Quadro 1.2
“Pegada Ecológica” (Ecological Footprint)
O conceito de “pegada ecológica” é baseado na ideia de que, para a maioria dos tipos de consumo
material e energético, corresponde a uma área mensurável de terra e de água nos diversos
ecossistemas que deverá fornecer os fluxos de recursos naturais necessários para cada tipo de
consumo, bem como a capacidade de assimilação dos rejeitos gerados. Desse modo, para se estimar a
pegada ecológica de uma determinada sociedade é preciso considerar as implicações (coeficientes
técnicos) de cada tipo de consumo em termos de demanda por recursos naturais.
Atualmente existem estimativas com base em seis categorias de uso da terra: terra degradada ou
consumida (por exemplo, aquela sob áreas construídas), terra sob jardins, terra agrícola, pastagens,
florestas plantadas e terra de energia. As áreas sob águas, notadamente o oceano, ainda coloca
dificuldades importantes para sua avaliação.
A terra de energia pode ser definida de dois modos: a) como a área média necessária para
produzir um determinado fluxo de energia de biomassa equivalente ao fluxo atual obtido com a
queima de combustíveis fósseis; b) como a área média de florestas “sequestradoras de carbono”
necessária para absorver as emissões atuais de dióxido de carbono. A primeira seria a escolhida no
caso de abandono do uso de combustíveis fósseis. A segunda no caso de se continuar queimando
estes combustíveis fósseis.
É claro que estes são exercícios ainda bastante precários e que, provavelmente, não poderão
superar todos os obstáculos metodológicos para se obter uma medida acurada da punção exercida
pelas sociedades humanas sobre o meio ambiente. No entanto, apesar das controvérsias, são
exercícios úteis que, juntamente com outras medidas agregadas de impactos ambientais (indicadores
de sustentabilidade e contas ambientais), podem ter um papel importante tanto do ponto de vista
pedagógico, de conscientização ecológica, como também para orientar a definição de políticas
ambientais.
A “capacidade de carga” do planeta Terra não poderá ser ultrapassada sem que ocorram grandes
catástrofes ambientais. Entretanto, como não se conhece qual é esta capacidade de carga, e será muito difícil
conhecê-la com precisão, é necessário adotar uma postura precavida que implica agir sem esperar para ter
certeza. Nesse sentido, é preciso criar o quanto antes as condições socioeconômicas, institucionais e
culturais que estimulem não apenas um rápido progresso tecnológico poupador de recursos naturais como
também uma mudança em direção a padrões de consumo que não impliquem o crescimento contínuo e
ilimitado do uso de recursos naturais per capita.
Como veremos mais adiante, é mais fácil atingir boa parte do primeiro destes objetivos do que o
segundo. Em relação a este último, a grande dificuldade está em que a estabilização dos níveis de consumo
per capita pressupõe uma mudança de atitude, de valores, que contraria aquela prevalecente ligada à lógica
do processo de acumulação de capital em vigor desde a ascensão do capitalismo, e que se caracteriza pela
criação incessante de novas necessidades de consumo. Haveria, portanto, que se passar de uma “civilização
do ter” para uma “civilização do ser”.3
1.3 Desenvolvimento sustentável — perspectiva teórica
Desenvolvimento sustentável é um conceito normativo que surgiu com o nome de ecodesenvolvimento no
início da década de 1970.* Ele surgiu num contexto de controvérsia sobre as relações entre crescimento
econômico e meio ambiente, exacerbada principalmente pela publicação do relatório do Clube de Roma que
pregava o crescimento zero como forma de evitar a catástrofe ambiental. Ele emerge deste contexto como
uma proposição conciliadora, onde se reconhece que o progresso técnico efetivamente relativiza os limites
ambientais, mas não os elimina e que o crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente
para a eliminação da pobreza e disparidades sociais.
O tempo jogou a favor de uma ampla aceitação desta proposição, mas que, por esta ser basicamente
normativa, não foi capaz de eliminar as divergências quanto a sua interpretação. As dificuldades desse
entendimento revelam-se não apenas nas incontáveis definições de desenvolvimento sustentável como
também nas diferenças de interpretação de uma mesma definição. No Relatório Brundtland,4 por exemplo,
ele é definido basicamente como “aquele que satisfaz as necessidades atuais sem sacrificar a habilidade do
futuro satisfazer as suas”. Mas o que isso quer dizer exatamente? Como se traduz em termos de políticas
públicas?
No debate acadêmico em economia do meio ambiente as opiniões se dividem entre duas correntes
principais de interpretação:5
a) A primeira corrente é representada principalmente pela chamada Economia Ambiental (o
“mainstream” neoclássico) e considera que os recursos naturais (como fonte de insumos e como capacidade
de assimilação de impactos dos ecossistemas) não representam, a longo prazo, um limite absoluto à
expansão da economia. Pelo contrário, inicialmente estes recursos sequer apareciam em suas representações
analíticas da realidade econômica, como, por exemplo, na especificação de função de produção onde
entravam apenas o capital e o trabalho. A economia funcionava sem recursos naturais (Figura 1.1a). Esta
visão implícita de infinitude dos recursos naturais na análise neoclássica foi objeto de crítica pioneira e
sistemática por Nicolas Georgescu-Roegen (Quadro 1.3).
Quadro 1.3
Nicolas Georgescu-Roegen
Nicolas Georgescu-Roegen, matemático e economista de origem romena, ocupa uma posição
singular na história do pensamento econômico. Economista reconhecido por suas contribuições ao
“mainstream”, publicou em 1971 a obra seminal intitulada “The Entropy Law and the Economic
Process” que, embora tenha sido saudada por Paul Samuelson como uma obra revolucionária, passou
todos esses anos sob o silêncio da maioria dos economistas convencionais, incluindo os trabalhos
posteriores do próprio Samuelson!
A razão deste silêncio na verdade não é difícil de entender. A consideração da Lei da Entropia no
raciocínio econômico forçaria revisões profundas no corpo teórico convencional. A começar pela
representação básica do funcionamento da economia por meio do diagrama do fluxo circular entre
firmas e unidades de consumo onde não há lugar para os recursos naturais como insumos e como
rejeitos lançados ao meio ambiente.
Aparentemente seria fácil incluir o meio ambiente nesta representação analítica. No entanto,
como observa Daly (1996), esta representação de fluxo circular é inerente à epistemologia
mecanicista do paradigma teórico neoclássico, onde existem apenas movimentos reversíveis e
qualitativamente neutros.
O que é importante ressaltar da obra de Georgescu é a introdução da ideia de irreversibilidade e
de limites na teoria econômica, que decorre da segunda lei da termodinâmica (lei da entropia) em
contraposição à primeira (sobre a transformação da matéria), na qual essa ideia não faz sentido e
sobre a qual se baseia implicitamente a teoria econômica convencional.
Figura 1.1a
Com o tempo, os recursos naturais passaram a ser incluídos nas representações de função de produção,
mas mantendo a sua forma multiplicativa, o que significa a substitubilidade perfeita entre capital, trabalho
e recursos naturais* e, portanto, a suposição de que os limites impostos pela disponibilidade de recursos
naturais podem ser indefinidamente superados pelo progresso técnico que os substitui por capital (ou
trabalho). Em outras palavras, o sistema econômico é visto como suficientemente grande para que a
indisponibilidade de recursos naturais (RN) se torne uma restrição à sua expansão, mas uma restrição
apenas relativa, superável indefinidamente pelo progresso científico e tecnológico (Figura 1.1b). Tudo se
passa como se o sistema econômico fosse capaz de se mover suavemente de uma base de recursos para
outra à medida que cada uma é esgotada, sendo o progresso científico e tecnológico a variável-chave para
garantir que esse processo de substituição não limite o crescimento econômico a longo prazo.
Figura 1.1b
Na literatura, essa concepção ficou conhecida por meio do conceito de sustentabilidade fraca. Uma
economia é considerada “não sustentável” se a poupança total fica abaixo da depreciação combinada dos
ativos produzidos e não produzidos, os últimos usualmente restritos a recursos naturais.6 A ideia subjacente
é a de que o investimento compensa as gerações futuras pelas perdas de ativos causadas pelo consumo e
produção correntes (formalmente apresentada pela “regra de Hartwick”). Ela tem sido criticada tanto em
termos das hipóteses assumidas (crítica externa) como da sua inconsistência metodológica (crítica interna).
Em relação às hipóteses assumidas, assinala-se a impossibilidade de o capital produzido pelo homem
substituir os serviços vitais fornecidos por algumas categorias de recursos naturais. Na abordagem da
sustentabilidade fraca não se reconhecem, portanto, as características únicas de certos recursos naturais que,
por não serem produzidos, não podem ser substituídos pela ação humana. Como consequência do
argumento prévio, o consumo de capital natural pode ser irreversível, e a agregação simples com o capital
produzido pode não ter sentido.*
No que concerne à inconsistência metodológica, esta ficaria patente na valoração do capital. Dado que
esta abordagem propõe uma agregação combinando capital produzido e natural, isso requer um numerário
comum, uma atribuída ao sistema de preços correntes: para serem valorados, os recursos naturais devem se
referir aos preços existentes (o capital produzido é estimado pelos preços de mercado observados).
Entretanto, argumenta-se que o numerário não deveria basear-se no sistema de preços vigente porque ele
não capta inúmeros aspectos ecossistêmicos — que é exatamente o problema original motivador da
valoração dos recursos naturais. Um sistema de preços apropriado deveria considerar como cada bem seria
afetado se todas as funções ecossistêmicas fossem monetizadas, mas estas funções somente poderiam ser
monetizadas se o sistema de preços for conhecido. Esse problema de circularidade tornaria o uso de preços
de mercado um procedimento bastante questionável para determinar se uma economia é ou não sustentável.7
Para esta corrente, os mecanismos por meio dos quais se dá esta ampliação indefinida dos limites
ambientais ao crescimento econômico devem ser principalmente mecanismos de mercado. No caso dos
bens ambientais transacionados no mercado (insumos materiais e energéticos), a escassez crescente de um
determinado bem se traduziria facilmente na elevação de seu preço, o que induz a introdução de inovações
que permitem poupá-lo e, no limite, substituí-lo por outro recurso mais abundante. Em se tratando dos
serviços ambientais em geral não transacionados no mercado devido a sua natureza de bens públicos (ar,
água, ciclos bioquímicos globais de sustentação da vida, capacidade de assimilação de rejeitos etc.), este
mecanismo de mercado falha. Para corrigir esta falha é necessário intervir para que a disposição a pagar por
esses serviços ambientais possa se expressar à medida em que sua escassez aumenta.
Empiricamente teria sido observado que a evolução natural das preferências dos indivíduos em função
do próprio processo de crescimento econômico seria no sentido de uma menor tolerância à escassez
crescente desses serviços devido à poluição, configurando o que pode ser expresso como uma curva de
Kuznets** ambiental: na medida em que a renda per capita se eleva com o crescimento econômico, a
degradação ambiental aumenta até um certo ponto, a partir do qual a qualidade ambiental começa a
melhorar. A explicação para este fato estaria em que nos estágios iniciais do processo de desenvolvimento
econômico a crescente degradação do meio ambiente é aceita como um efeito colateral ruim, mas
inevitável. Entretanto, a partir de certo nível de bem-estar econômico a população torna-se mais sensível e
disposta a pagar pela melhoria da qualidade do meio ambiente, o que teria induzido a introdução de
inovações institucionais e organizacionais necessárias para corrigir as falhas de mercado decorrentes do
caráter público da maior parte dos serviços ambientais.
As soluções ideais seriam aquelas que de algum modo criassem as condições para o livre funcionamento
dos mecanismos de mercado: seja diretamente, eliminando o caráter público desses bens e serviços por
meio da definição de direitos de propriedade sobre eles (negociação coaseana); seja indiretamente, por meio
da valoração econômica da degradação destes bens e da imposição desses valores pelo Estado por meio de
taxas (taxação pigouviana). A primeira implicaria a privatização de recursos como a água, o ar etc., o que,
entre outros obstáculos, esbarraria no elevado custo de transação decorrente de processos de barganha que
envolveriam centenas ou mesmo milhares de agentes.
A segunda pressupõe ser possível calcular estes valores a partir de uma curva marginal de degradação
ambiental. Desse modo, criar-se-ia para o agente econômico um trade-off entre seus custos (marginais) de
controle da poluição e os custos (marginais) dos impactos ambientais (externalidades) provocados por suas
atividades produtivas, que ele seria forçado a “internalizar” por meio do pagamento das taxas
correspondentes (Figura 1.3): o agente econômico vai procurar minimizar seu custo total que resulta da
soma do quanto vai gastar para controlar a poluição (custo de controle) com a quantia a ser gasta com o
pagamento de taxas por poluir (custo da degradação). O ponto de equilíbrio é chamado de “poluição ótima”.
Figura 1.2
Quadro 1.4
Eficiência ecológica
Atualmente, em uma economia como a americana, apenas 6% de todo o fluxo de materiais que
consome resulta em produtos. Em termos de bens duráveis, esta relação cai para 1%. Estima-se que
científica e tecnologicamente se poderia hoje reduzir imensamente essa ineficiência ecológica por
meio de uma elevação radical da produtividade no uso dos recursos naturais, bem como na redução
não menos radical da geração de resíduos.
Em relação à primeira, a perspectiva é de que essa elevação poderia ser de no mínimo um fator 4
podendo atingir um fator 10 (HAWKEN et al., 1999). Não seria impossível, por exemplo, construir
um motor de automóvel capaz de fazê-lo rodar até 200 km com um litro de gasolina. Em relação à
segunda, existe a perspectiva de construção de sistemas produtivos alternativos que mimetizam os
processos biológicos (biomimicry) pelos quais a natureza produz uma grande diversidade de produtos
altamente resistentes, maleáveis etc. Além disso, engenheiros “metaindustriais” estão criando
parques industriais com emissão quase zero através da integração das indústrias em um complexo
onde cada empresa usa como insumo os resíduos de outra.
Os investimentos necessários para esta revolução de produtividade seriam não apenas pagos com
o tempo pela economia de recursos que propiciam como também, em muitos casos, poderiam reduzir
os investimentos iniciais de capital. A enorme ineficiência que está causando degradação ambiental
quase sempre custa mais do que as medidas que iriam reverter a situação.
O grande obstáculo a sua implementação está no fato de que os governos não só não acabaram,
como continuam a criar e administrar leis, políticas, taxas e subsídios que tornam estas medidas
antieconômicas. Entretanto, em alguns países esse quadro começa a ser revertido através, por
exemplo, de reformas tributárias que aliviam a tributação sobre a renda das pessoas aumentando, em
contrapartida, a taxação sobre o uso de recursos naturais.
Em relação aos recursos naturais, só muito recentemente os agentes econômicos passaram a sofrer
restrições em relação à forma como os vinham usando. Ainda assim, como foi visto, estas restrições
regulatórias se concentraram fundamentalmente sobre aquelas atividades cujos efeitos degradantes atingiam
a qualidade de vida das populações em seus locais de origem. A aceitação, por parte destas populações
(concentrada nos países afluentes), de restrições ambientais que envolvam algum tipo de sacrifício em
benefício de populações de outros países e/ou de um futuro longínquo implica, forçosamente, uma certa
dose de altruísmo.17
No esquema analítico convencional, este tipo de altruísmo não existe, dado seu postulado sobre o
comportamento humano (como egoísta e maximizador de utilidade). Nesse contexto analítico, a atitude da
presente geração em relação ao futuro é vista fundamentalmente como um problema de alocação
intertemporal de recursos entre gerações, a qual é regulada pelo que Howarth e Norgaard (1995) chamam de
“laissez-faire” altruísta, onde cada geração busca deixar uma herança para a geração seguinte. Os modelos
de “gerações entrelaçadas” (“overlapping generations”), por exemplo (Figura 1.4), consideram que a
convivência em cada momento de várias gerações (pais, filhos e netos) permitiria o estabelecimento de uma
“cadeia altruísta” entre gerações, por meio da qual as gerações futuras poderiam ter seu padrão de vida
preservado das consequências da degradação ambiental provocada por seus antepassados.
Quadro 1.5
Tecnologia e civilização ocidental
O dinamismo tecnológico do Ocidente, embora tenha se amplificado imensamente com a ascensão
do sistema capitalista baseado na propriedade privada dos meios de produção, decorre de certos
valores e instituições peculiares à civilização ocidental, presentes também desde o início do
feudalismo.
De um lado encontra-se sua visão antropocêntrica sobre o sentido da presença humana na Terra
derivada da cosmologia judaico-cristã, na qual os seres humanos foram criados por Deus à sua
imagem e semelhança e aos quais toda a Terra e seus recursos estão submetidos. Como assinalam
vários historiadores, esta visão representou uma extraordinária mudança de mentalidade na história
da humanidade e contribuiu para uma atitude fortemente proativa no sentido de manipular e
transformar a natureza, inventando novos métodos e procedimentos.
De outro lado situa-se a fragmentação territorial e, dentro das regiões, a divisão de poder entre o
centro (a coroa) e o senhor feudal local, implicando a existência de múltiplos centros de decisão. Este
fato representou um estímulo à inovação na medida em que tornou possível para os agentes
inovadores barganhar suas ideias com dirigentes em competição mútua.
Essas especificidades da civilização ocidental explicam o fato de que já durante o feudalismo
havia uma estrutura singular de incentivos para realizar o potencial de ganhos do progresso técnico
quando comparada com as civilizações contemporâneas, que não apenas estimulava a criatividade
tecnológica (invenções) como também o tipo de criatividade que tinha expressão econômica
(inovações), reduzindo o desgaste do trabalho e elevando o bem-estar material da população em
geral.
Na Antiguidade clássica, as estruturas institucionais e organizacionais foram suficientes para
promover as condições para a expansão comercial. Mas o crescimento econômico resultante foi
relativamente limitado e beneficiou apenas uma pequena elite. As evidências provam que esta
civilização possuía potencial intelectual para criar aparelhos e instrumentos complicados, mas apenas
uma fração deste potencial se traduziu em progresso econômico. A civilização islâmica, por sua vez,
absorveu e aplicou as realizações culturais de outras civilizações, mas não foi capaz desenvolvê-las,
transformando-as em fonte de dinamismo tecnológico com expressão econômica. Ou ainda a
civilização chinesa, onde a sofisticação intelectual e a estrutura institucional foram eficientes em
prover os incentivos para uma expansão econômica regular por meio do crescimento populacional,
mas que também beneficiou apenas uma pequena minoria. Sua grande inventividade também não
teve muita expressão econômica.
No que concerne ao primeiro desses fatores, o caso recente da “vaca louca” é um dos mais emblemáticos
problemas que resultam da dinâmica de funcionamento das sociedades industriais modernas. A lógica
econômica prevalecente induziu as firmas do agronegócio a uma busca por inovações na área de nutrição
animal que reduzissem custos, inovações estas que foram aprovadas pelos orgãos reguladores com base em
critérios científicos estabelecidos para a determinação de padrões de segurança. Esse caso mostrou de modo
claro e espetacular um tipo de relação de causa e efeito (entre a forma de produzir o alimento e a doença)
que até então tinha sido muito difícil de provar.* O que é importante ressaltar em casos como este é que eles
mostram a existência de graves riscos que não são previsíveis pela ciência e, portanto, não mensuráveis
probabilisticamente. Nas sociedades pós-industriais existem, desse modo, vários tipos de risco que deixam
os agentes econômicos em uma nuvem de incerteza, e isso exige um processo peculiar de tomada de
decisão.
Em relação ao segundo fator, o questionamento da ideia de que “mais é sempre melhor” começou nos
EUA quando repetidos “surveys” (Gallup e National Opinion Research Center) mostraram que o
crescimento da renda não foi acompanhado de um aumento da felicidade das pessoas tal como elas
percebiam isto. Os resultados destas pesquisas foram analisados por Richard Easterlin, que descobriu a
seguinte situação: uma correlação positiva, no mesmo período de tempo, entre nível de renda e grau de
felicidade declarada na medida em que se sobe na escala de renda (ou seja, uma maior proporção de pessoas
se declaram felizes nos extratos superiores de renda); entretanto, em séries temporais essa correlação não
existe: a proporção de pessoas se declarando felizes permanece constante.
O primeiro caso não surpreende, até certo ponto, na medida que sair da pobreza e ampliar a capacidade
de acesso a bens e serviços é sempre um motivo de alívio e satisfação. O segundo resultado é algo
paradoxal (o “paradoxo de Easterlin”), mas pode ser explicado, segundo Abramovitz (1993), por um
conjunto de fatos psicoculturais. Um dos mais importantes seria o fato de que a satisfação que cada
indivíduo obtém com o aumento de sua capacidade de consumo é relativa à capacidade de consumo dos
demais concidadãos; ou seja, se a renda aumenta para a sociedade como um todo, a percepção do aumento
da capacidade de consumo se esvanece. Assim, o cidadão americano dos anos 1990, embora tenha uma
capacidade de consumo muito superior à de seu avô ou bisavô, não percebe isso como algo para fazê-lo
mais feliz.
Outro fato apontado refere-se à teoria psicológica contemporânea, segundo a qual tanto animais como
seres humanos encontram prazer na ação ou experiência nova e não na rotina. Para os humanos a aquisição
de um novo bem pode produzir também essa sensação. O problema está, então, quando essa sensação
desaparece com o uso rotineiro do bem adquirido. A implicação perturbadora desta teoria é que ela diz que
o nível de satisfação não depende (ou pelo menos não depende somente) do nível de renda, mas do seu
crescimento. Tudo o mais constante, nós teremos que crescer cada vez mais rapidamente se quisermos ser
mais felizes ou manter-nos crescendo para ficarmos no mesmo lugar.
É preciso considerar também, como um fato importante, que o aumento geral do nível de renda eleva os
preços do espaço e do tempo, de modo que a família média com a renda se elevando não poderá nunca
consumir muito mais de espaço-tempo do que ela consumia antes ou que imaginava poder consumir.
Provavelmente consumirá menos. A pessoa média, não importa quão rica ela se torne, não poderá nunca
comandar mais serviços de outra pessoa média. Finalmente, cabe notar que o aumento do preço do tempo
em relação ao dos bens direciona as pessoas para o consumo que, além de não as satisfazer por muito
tempo, diminui a disponibilidade de tempo para as atividades que, estas sim, seriam verdadeiramente
estimulantes e realizadoras, de relacionamentos pessoais e sociais, desenvolvimento intelectual, artístico,
cultural etc.
No que se refere ao terceiro fator, os protestos cada vez mais intensos contra a globalização em cada
encontro entre chefes de Estado e/ou seus representantes para discutir temas correlatos vêm se tornando
emblemáticos do sentimento de que o sistema pode ser eficiente, mas não produz justiça. O crescimento da
afluência, a amplificação mediática e, sobretudo, o acesso à informação séria e a possibilidade de interação
proporcionados pela internet aumentaram em muito a proporção da população que pode participar do que
antes era uma espécie de “alta cultura” de contestação. Para muitos analistas isto mudou o papel da cultura
adversária na sociedade contemporânea, provocando a uma disjunção inédita entre economia e cultura.
Esse quadro geral já deu origem a uma mudança importante no funcionamento das instituições com o
crescimento do peso do que se convencionou chamar de terceiro setor (“social empowerment”) no processo
de tomada de decisões.* Sua atuação, por sua vez, tem sido extremamente importante também para o
aprofundamento do processo de conscientização ecológica e da consequente mudança de valores culturais
que esta conscientização tende a estimular. Nesse sentido, estão sendo criadas as condições objetivas que
vão permitir o surgimento de novas instituições capazes de impor restrições ambientais que atinjam mais
profundamente a racionalidade econômica atual. Um exemplo disso é a possibilidade de aplicação do
chamado “princípio de precaução”, que será discutido na próxima seção.
1.6 Dinâmica da tomada de decisões sob incerteza
Como mostra Ewald (1997), as circunstâncias históricas que explicam a emergência do princípio da
precaução começam com a mudança da percepção de risco da população decorrente da crescente
complexidade da civilização industrial. Durante o século XIX, a obrigação moral de cada cidadão em
relação a si próprio e aos demais concidadãos era vista como mais importante do que as obrigações
jurídicas. O cidadão virtuoso era responsável e prudente no uso de sua liberdade o que implicava, para
começar, tomar as necessárias providências para proteger a ele e a sua família. Em relação aos demais
concidadãos, ele devia o respeito e o sentimento de responsabilidade moral de ajudar em caso de
necessidade. Estava claro, de qualquer modo, que se uma pessoa se desse mal na vida ela não poderia culpar
ninguém nem a sociedade por sua desgraça. As vítimas de infortúnios, independentemente dos sentimentos
de compaixão que pudessem despertar, eram sempre consideradas como os únicos atores de seu destino,
devendo agir consequentemente com prudência.
Durante o século XX, com o sistema de seguridade social, as obrigações legais tenderam a se tornar
mais importantes que as obrigações morais. Um conjunto de novos direitos sociais emergiu do sentimento
crescente de que cada cidadão possuía uma espécie de direito geral de ser compensado pelos danos
resultantes de quase todo tipo de evento em sua vida. Essa nova maneira de pensar resultou em grande
medida de um sentimento utópico em relação à capacidade da ciência e da tecnologia de prever e controlar
todos os riscos. Foi o que permitiu a estruturação de sistemas de proteção social, que se baseiam na
presunção de que todos os riscos são mensuráveis. Desse modo, um sentimento de solidariedade social
baseado em riscos mensuráveis substituiu o sentimento individual de obrigação moral.
Os acidentes de trabalho, por exemplo, passaram a ser considerados fatores de risco mensuráveis e não
eventos singulares que resultam de erros individuais. Foi esta noção que induziu a uma nova visão jurídica
que estabeleceu o direito de ser indenização pelo fato em si mesmo, independentemente de suas causas; ou
seja, a responsabilidade pessoal do indivíduo não é questionada. Nesse sentido, o problema da igualdade foi
reformulado em termos econômicos e não mais morais.
No último quartel do século XX, entretanto, essa estrutura institucional se tornou progressivamente
inadequada diante dos novos riscos decorrentes do funcionamento das sociedades industriais complexas, os
quais, especialmente os relacionados ao meio ambiente, são impossíveis de serem mensurados pela ciência.
A noção de incerteza substituiu a noção de probabilidade, o que significa uma admissão da incapacidade da
sociedade de prever perdas catastróficas irreversíveis. A ciência se tornou crescentemente questionada pelo
fato de levantar, nesses casos, mais dúvidas do que propor soluções. Foi isto que levou a sociedade a buscar
segurança em meio à incerteza por meio do princípio da precaução.
A aplicação desse princípio tem por objetivo precisamente tratar de situações onde é necessário
considerar legítima a adoção por antecipação de medidas relativas a uma fonte potencial de danos sem
esperar que se disponha de certezas científicas quanto às relações de causalidade entre a atividade em
questão e o dano temido.* Essa postura representa efetivamente uma ruptura com as práticas anteriores de
prevenção que tinham o conhecimento racional por fundamento (o arsenal científico e tecnológico da
ciência normal). A precaução, ao contrário, implica tomar uma certa distância em relação à ciência e à
tecnologia. Reflete efetivamente a constatação de que não se pode ter o controle total (ou quase) de
acidentes e problemas que não são decorrências estatísticas regulares do próprio funcionamento do sistema,
tratáveis via sistemas de seguros, mas representam situações e problemas onde predomina o sentimento da
singularidade e irreparabilidade.
Para um melhor entendimento das dificuldades e hesitações sobre como interpretar o princípio de
precaução, Godard (1997) assinala que é preciso considerar que a mutação, ainda não plenamente assumida,
da compreensão do status dos conhecimentos científicos (mutação essa da qual esse princípio é uma das
causas), implica o abandono da crença positivista em uma ciência que reflete o mundo objetivo e sua
substituição por concepções que fazem da ciência antes de mais nada uma componente da cultura humana,
marcada de escolhas e compromissos de natureza ético-social no próprio cerne da constituição dos
conhecimentos. Nesse sentido, uma concepção positivista da precaução conduziria a um impasse prático.
Mas ao mesmo tempo ficam claros os erros que são cometidos quando o projeto da racionalidade positiva é
totalmente afastado.
Portanto, esse princípio se situa na articulação de duas lógicas opostas: de um lado, se encontra
reafirmada a busca do enraizamento da inovação tecnológica e da ação econômica no conhecimento
científico dos riscos de modo que as decisões públicas sejam tomadas em todo conhecimento de causa; por
outro lado, se reconhece a incapacidade frequente do conhecimento científico em fornecer em tempo hábil
as bases adequadas para uma decisão pública positiva ou substantivamente racional, fundada sobre provas
científicas. Por esta razão a precaução é frequentemente interpretada como um meio de restaurar a primazia
do político na definição dos problemas e na oportunidade de engajar uma ação pública.
A primeira das duas lógicas leva ao aumento da necessidade de informações científicas para as decisões
coletivas e, por conseguinte, a uma maior responsabilidade e capacidade de influência dos cientistas. A
segunda, à necessidade de maior ingerência da sociedade nos assuntos científicos (a intrusão do judiciário
nos assuntos científicos, uma maior importância dos trabalhos de sociologia da ciência etc.), tornando a
ciência submetida de modo mais intenso às estratégias de influência ou de cooptação. A única maneira de
evitar um impasse entre essas duas lógicas opostas é, portanto, buscar soluções de compromisso que
envolvam todas a partes interessadas.
As circunstâncias que justificam a adoção do princípio da precaução podem ser mais bem
compreendidas por meio de uma analogia, proposta por J. C. Hourcade (1997), que compara o
comportamento de dois motoristas em situações distintas: o do piloto de Fórmula 1 diante de uma série de
curvas na pista de corrida com aquele do motorista em uma estrada de montanha no inverno. A “função
objetiva” do piloto de Fórmula 1 é maximizar a velocidade em um contexto de incertezas não desprezíveis
em relação, por exemplo, à presença ou não de óleo ou areia na curva, à aderência dos pneus ou ao
comportamento do piloto da frente. Mas sua decisão depende de sua experiência acumulada, a qual lhe
confere um tipo de conhecimento estatístico e, nesse sentido, seu comportamento seria similar a um cálculo
de otimização: ele opta desde logo por uma dada trajetória que ele considera ótima tendo em conta,
implicitamente, a distribuição de probabilidades sobre parâmetros incertos, confiando na própria
experiência para permanecer no limite das possibilidades de adaptação permitidas por seus reflexos. Esse
comportamento equivale à aplicação de uma análise custo-benefício para decidir por uma dada política
ambiental.
No caso do motorista diante de curvas em uma estrada de montanha no inverno, seu comportamento de
maximização será completamente diferente em relação ao que teria em uma pista de corrida. Ele não irá
escolher desde logo uma dada trajetória que ele considere ótima e ir em frente: os riscos são muito grandes,
pois ele não sabe se o que vai limitar suas possibilidades de adaptação em uma curva sobre um precipício
será uma pista escorregadia ou a vinda de outro carro no sentido contrário; a distribuição de probabilidades
é desconhecida e a informação útil (existência ou não de problemas na pista ou vinda de veículo em sentido
contrário) pode chegar tarde demais devido à inércia do veículo. Sua opção, portanto, será um processo
sequencial no qual as primeiras decisões visam a aumentar o tempo disponível para adquirir mais
informações e ter tempo para adaptar seu comportamento em função da informação obtida: tirar o pé do
acelerador, frear ligeiramente e ficar preparado para frear mais fortemente ou acelerar em caso de
necessidade. Ou seja, ele age de modo a harmonizar a velocidade do carro com a melhoria da informação
em uma perspectiva de aprendizagem. Esta é a analogia correta para definir um comportamento precavido
em face de problemas ambientais como aquele do “efeito estufa”, sobre cuja evolução a ciência deixa os
tomadores de decisão em uma nuvem de incertezas, sem respostas para a questão central: se é verdade que o
aquecimento global tem origem antropogênica e que este aquecimento não pode ser naturalmente revertido
(a controvérsia sobre estes dois pontos está longe de acabar), qual o ritmo de redução das emissões de
carbono necessário para evitar uma catástrofe?
Do ponto de vista da redução do risco, o ideal seria mudar imediatamente a matriz energética, de modo a
eliminar rapidamente a emissão de gases geradores do efeito estufa. Do ponto de vista político/econômico,
entretanto, esta opção teria um custo insuperável. A atitude precavida é, portanto, aquela de reduzir o
máximo possível as emissões ao mesmo tempo que se aceleram as pesquisas científicas destinadas a avaliar
melhor os riscos envolvidos e encontrar alternativas de energia limpa. Entretanto, a definição de qual seria
esse máximo possível é controvertida, opondo considerações de ordem político-econômica a considerações
de ordem tecnocientífica, em meio a conflitos de interesses entre grupos e países.
Em última instância, a decisão sobre o quanto se irá pagar pela redução das emissões dependerá da
solidariedade das gerações presentes concentradas nos países afluentes em relação às gerações futuras e às
populações dos países pobres. A relutância dos governos americanos em relação ao Protocolo de Quioto,
por exemplo, reflete em última análise o sentimento de que a opinião pública americana não aceitaria pagar
este preço — que implicaria, entre outras coisas, o aumento no preço da gasolina.
Portanto, o processo de tomada de decisões sobre a aplicação do princípio de precaução não é simples,
exige certos tipos de procedimentos. Funtowicz e Ravetz (1991) propõem uma classificação e
hierarquização destes procedimentos de acordo com a importância do que está em jogo e com o nível de
incerteza sistêmica (Figura 1.5). O caso do “efeito estufa” apresenta níveis “epistemológicos” de incerteza
(algo próximo da ignorância), no sentido de que essa incerteza decorre da incapacidade da ciência de
eliminá-la ou reduzi-la a níveis razoáveis. Além disso, o que está em jogo é algo muito importante, que
representa perdas catastróficas. Neste caso, o procedimento de tomada de decisão adequado deve ser
baseado no que eles chamam de ciência “pós-normal”.
3Sachs, 1993.
*A autoria do termo não é bem estabelecida, mas existe concordância geral em atribuir a Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, uma preeminência nas suas qualificações
conceituais.
4CMMAD, 1988.
5Uma primeira versão desta visão crítica foi publicada em Romeiro, A.R. (1999).
*Y= f(K,L,R), o que significa que a quantidade de recursos naturais (R) requerida pode ser tão pequena quanto se deseja desde que a quantidade de capital (K) seja suficientemente grande. Georgescu-
Roegen criticou essa nova versão da função de produção neoclássica (que batizou de variante Solow-Stiglitz) chamando-a de “passe de mágica”.
*Ver capítulo 6 para um detalhamento maior da aplicação dos conceitos de sustentabilidade fraca e forte em relação à extração de recursos naturais exauríveis.
**A expressão curva de Kuznets ambiental tem sua origem em um trabalho de Kuznets onde este mostrava empiricamente a existência de uma curva com a forma de U invertido correlacionando
crescimento econômico e distribuição de renda.
*DASGUPTA e MÄLER (1995: 2.378) observam que os ecossistemas evoluem constantemente mudando também sua “capacidade de carga” e de modo essencialmente imprevisível.
8Arrow et al.,1995.
*Para uma análise mais aprofundada ver Andrade e Romeiro (2009a e 2009b).
9Levin, 1998.
10Tansley, 1935.
*Um dos principais componentes da estrutura dos ecossistemas é a chamada biodiversidade, a qual pode ser definida como a variabilidade entre os organismos vivos, incluindo, entre outros, ecossistemas
terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos, além de todos os processos ecológicos dos quais tais organismos fazem parte (Convenção da Diversidade Biológica, artigo 2o). A perda da
biodiversidade representa a maior ameaça aos ecossistemas e à sua capacidade em sustentar processos ecológicos básicos que suportam a vida no planeta (NAEEM et al., 1999).
14MA, 2003.
*Ver Romeiro (2004) para uma avaliação crítica da importância da valoração econômica de impactos ambientais.
*Um exemplo de aplicação de modelos econômico-ecológicos para a valoração de serviços ecossistêmicos pode ser extraído de Boumans et al. (2002). Os autores utilizaram o Global Unified
Metalmodel of the Biosphere (GUMBO) para estimar o valor global dos serviços ecossistêmicos, cujo total mostrou ser 4,5 vezes maior que o Produto Bruto Global para o ano 2000. O GUMBO deu
origem ao MIMES (Multiscale Integrated Models of Ecosystem Services).
*Daly e Cobb (1988) observam que em cinco gerações cada membro da última será um descendente de 16 pessoas de diferentes origens. Desse modo, não faz muito sentido alguém se preocupar e tomar
alguma atitude em relação a deixar uma herança para descendentes longínquos (contendo apenas 1/16 de sua herança genética).
*Opschoor (1992) propõe substituir a dicotomia mercado-governo pela tricotomia: transações (que inclui o mercado) — força social (empowerment) — governo. Somente desse modo seria possível criar
estruturas institucionais eficientes, isto é, capazes de redirecionar o crescimento econômico no sentido da sustentabilidade.
*Ou como coloca Perrings (1991), o tipo de decisão à qual se aplica o princípio da precaução é aquele em que a distribuição de probabilidades dos resultados futuros não pode ser conhecida com
confiança.
Capítulo 2
Guia de leitura
Uma excelente fonte atual sobre o conceito de entropia é o livro Into the Cool: Energy Flow,
Thermodynamics and Life, de Eric SCHNEIDER & Dorion SAGAN. No entanto, para começar, vale ler
primeiro os artigos de Sean CARROLL na Scientific American Brasil, 74, junho de 2008, e de Miguel
RUBI na mesma revista, mas no número 70, dezembro de 2008. O livro do Nobel Ilya PRIGOGINE, O fim
das certezas: tempo, caos e as leis da natureza, é importante referência sobre as implicações filosóficas
mais gerais da entropia.
Apesar de o enfoque desse capítulo ter sido teórico e não histórico, leituras fundamentais sobre a íntima
relação histórica entre o ambiente natural e o desenvolvimento das sociedades humanas são os livros
Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, de Jared DIAMOND, além de A Green
History of the World, de Clive PONTING.
O tema da desmaterialização da economia, ou seja, a redução absoluta ou relativa na quantidade de
materiais necessários para prover serviços econômicos para a sociedade — a ideia de fazer mais com menos
— tem sido pesquisado pelo Instituto Wuppertal. O instituto tem focado especialmente nas inovações que
possam descolar o crescimento econômico do uso de recursos naturais. Tais pesquisas podem ser
encontradas no site http://www.wupperinst.org/en/home/index.html. Uma importante base científica para
esse tipo de estudo está na ideia de Metabolismo Industrial, proposta por Robert AYRES e SIMONIS em
1994. Seu livro Industrial Metabolism: Restructuring for Sustainable Development está disponível em
http://www.unu.edu/unupress/unupbooks/80841e/80841E00.htm.
A expressão “decrescimento” tem ganhado cada vez mais espaço no debate acadêmico e político,
principalmente na Europa. De 2004 para cá, o termo se tornou um verdadeiro slogan político de crítica ao
desenvolvimento e à ideologia do crescimento. Os principais porta-vozes do movimento insistem em que
não se trata de crescimento negativo do PIB. Trata-se de um movimento que pretende libertar o imaginário
coletivo da esfera do econômico. É um projeto positivo de sociedade baseado em uma crítica radical, não só
ecológica, mas principalmente cultural do estado de coisas atual. Para mais informações sobre o movimento
ver os seguintes sites da rede www.decroissance.org e www.degrowth.net. Para desdobramentos científicos
e aplicações recentes de algumas ideias aqui expostas, como “estado estacionário”, “desmaterialização”,
além de “decrescimento”, ver as atas do I Congresso Internacional sobre Decrescimento ocorrido em Paris,
no ano de 2008, Proceedings of the First International Conference on Economic De-Growth for Ecological
Sustainability and Social Equity (disponível no site www.decrescita.it/modules/wfdownloads/visit.php?
cid=2&lid=26).
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8Stiglitz (1997).
9Schelling (1997).
13Ayres (1997).
*Exercer o pessimismo da razão com o otimismo da vontade é máxima de Romain Rolland (1866–1944), Nobel de Literatura em 1915, adotada por de Antonio Gramsci (1891–1937), fundador do
partido comunista italiano.
Capítulo 3
Quadro 3.1
Exemplos de alguns recursos naturais no Brasil: esgotamento dos
recursos renováveis, ampliação das reservas minerais
Biomas
Estudos da ONG ambientalista Conservação Internacional Brasil (CI-Brasil) indicam que o
cerrado deverá desaparecer até 2030. Dos 204 milhões de hectares originais, 57% já foram
completamente destruídos e a metade das áreas remanescentes estão bastante alteradas, podendo não
mais servir à conservação da biodiversidade. A taxa anual de desmatamento no bioma é alarmante,
chegando a 1,5%, ou 3 milhões de ha/ano. As principais pressões sobre o cerrado são a expansão da
fronteira agrícola, as queimadas e o crescimento não planejado das áreas urbanas. A degradação é
maior em Mato Grosso do Sul, Goiás e Mato Grosso, no Triângulo Mineiro e no Oeste da Bahia.
Solos
No Nordeste brasileiro o uso dos solos está sendo comprometido pela ampliação da taxa de
desertificação que a cada ano se amplia mais. O estado do Ceará representa 9,6% da área do Nordeste
[...] e sua economia é baseada em modelo inadequado e predatório dos recursos naturais, de modo
que tal exploração, sem consciência de preservação, põe em torno de 25.483 km2, correspondentes a
17,7% da superfície total do estado sob um perigoso processo de desertificação.
Recursos florestais madeireiros
De acordo com a Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO, sigla em
inglês), o Brasil possui o pior balanço florestal do planeta. Entre 2000 e 2005, graças à alta taxa de
desmatamento que temos na Amazônia, o país atingiu um déficit de 3,1 milhões de hectares de
florestas, área que representa um estado e meio de Sergipe. Por balanço florestal, entende-se a
diferença entre o tanto de florestas que são plantadas e o quanto está sendo perdido em um país. Isso
não leva em conta, por exemplo, que uma floresta de eucalipto não se compara em biodiversidade
com as matas da Amazônia ou da Mata Atlântica, mas indica que um país ainda tem como opção
primária de desenvolvimento a destruição de áreas virgens.
Água
De acordo com informações divulgadas pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) “o
total de água globalmente retirada de rios, aquíferos e outras fontes aumentou nove vezes, enquanto o
uso por pessoa dobrou e a população cresceu três vezes. Em 1950, as reservas mundiais
representavam 16,8 mil metros cúbicos por pessoa, atualmente esta reserva reduziu-se para 7,3 mil
metros cúbicos por pessoa e espera-se que venha a se reduzir para 4,8 mil metros cúbicos por pessoa
nos próximos 25 anos”.
Recursos exauríveis
Até o início dos anos 1970, o conhecimento das reservas de petróleo no Brasil era incipiente.
Investimentos maciços em C&T, mudanças no modelo de gestão e nos métodos de concessão de
áreas para a pesquisa de petróleo têm resultado no desenvolvimento de novas tecnologias que têm
contribuído para sucessivas descobertas de novas reservas. Tupi, descoberta em 2007, tem entre
quatro a oito bilhões de barris, Iara, também em 2007, tem entre dois a quatro bilhões de barris, além
dos recursos do pré-sal, descobertos em 2008, que embora ainda não se constituam em reservas
comprovadas, há expectativas de que levarão o Brasil a ser uma das dez maiores reservas mundiais,
passado de dez billhões, no inícios dos anos 2000, para algo em torno de 60 bilhões no final da
década de 2010 (MME).
Recursos não renováveis reutilizados — a reciclagem
Quando o aço é produzido inteiramente a partir da sucata, a economia de energia chega a 70% do
que se gasta com a produção à base do minério de origem. Além disso, há uma redução da poluição
do ar (menos 85%) e do consumo de água (menos 76%), eliminando-se, ainda, todos os impactos
decorrentes da atividade de mineração. Na reciclagem do vidro é possível economizar,
aproximadamente, 70% de energia incorporada ao produto original e 50% de água. Com a
reciclagem de plásticos economiza-se até 88% de energia em comparação à produção a partir do
petróleo e preserva-se esta fonte esgotável de matéria-prima. Israel é líder mundial em reciclagem de
água para a agricultura — 75% da água de esgoto é reutilizada na produção.
Reciclagem do alumínio
A reciclabilidade é um dos atributos mais importantes do alumínio. Pode gerar qualquer produto
infinitas vezes, sem perder suas qualidades no processo de reaproveitamento, ao contrário de outros
materiais. O exemplo mais comum é o da lata de alumínio para bebidas, cuja sucata transforma-se
novamente em lata após a coleta e refusão, sem que haja limites para seu retorno ao ciclo de
produção. A reciclagem economiza 95% da energia elétrica que seria utilizada na produção do metal
a partir da bauxita. Só o volume de latas de alumínio para bebidas reciclada no Brasil em 2007, cerca
de 160,6 mil toneladas, proporcionou uma economia de 2.329 GWh/ano de energia elétrica ao país, o
suficiente para abastecer, por um ano inteiro, uma cidade com mais de um milhão de habitantes,
como Campinas (SP). Além disso, poupou 800 mil toneladas de bauxita (minério do qual se obtém o
alumínio), que seriam extraídas das reservas naturais brasileiras. Em 2007, o Brasil bateu novamente
o recorde mundial de reciclagem de latas de alumínio para bebidas, com o índice de 96,5%. Somente
a etapa de coleta (compra de latas usadas) injetou cerca de R$ 523 milhões na economia nacional, o
equivalente à geração de emprego e renda para 180 mil pessoas.
Embora na teoria neoclássica o estudo do direcionamento dos recursos para a produção esteja
analiticamente dissociado da distribuição da produção em distintas categorias sociais, na economia
ecológica esses dois aspectos são enfocados conjuntamente. Além disso, na economia ecológica
‘distribuição’ não significa somente distribuição econômica, pois igualmente diz respeito à
distribuição ecológica. Por essa razão, as considerações sobre equidade não são apresentadas como
feito pelos economistas, ou seja, como um pensamento caridoso que aparece no último momento,
mas sim se considera que os aspectos distributivos são centrais para que sejam entendidas as
valorizações e os aportes dos recursos naturais e serviços ambientais.8
Portanto, a análise da economia convencional que será apresentada enfoca apenas uma perna do tripé
escala-distribuição-eficiência alocativa embora ela considere que as duas primeiras são uma decorrência
natural da última, ou seja, com uma alocação eficiente dos recursos a escala e a distribuição também serão
ótimas.
Antes de apresentar o clássico modelo de gestão de recursos exauríveis, que é baseado no artigo de
Hotelling escrito na década de 1930, convém esclarecer que, por ser finito, o uso desses recursos envolve
decisões intertemporais. Decisões intertemporais implicam opções feitas no presente, mas que terão
consequências no futuro. No caso dos recursos exauríveis, envolvem decisões sobre a época adequada de
sua extração: é melhor consumir os minérios de Carajás agora ou deixá-los para as gerações futuras?
Devido ao esgotamento de um recurso finito, a dimensão intertemporal também implica um “custo de uso”,
que representa o valor que as gerações presentes devem pagar, ou reduzir de sua renda, de forma a
compensar as gerações futuras pelo esgotamento destes recursos.
As variáveis críticas para análise de decisões intertemporais são:
• Taxa de juros (δ)
• Valor presente líquido (VPL)
“Taxa de retorno”, “taxa de desconto” e “taxa de atualização” são usados indistintamente para se referir
à taxa de juros, aqui representada pelo símbolo “δ”. Conceitualmente, significa as condições pelas quais o
dinheiro ou determinados bens podem ser trocados, no presente, por dinheiro ou bens em uma data futura.
Taxas de juros muito altas traduzem risco e incerteza quanto ao futuro e favorecem ações de curto prazo.
O valor presente líquido (VPL) é o montante do futuro descontado (ou atualizado) para o presente. É o
valor atual. Por exemplo, quanto vale hoje R$ 1.000 que será recebido daqui a dois anos, se δ for igual a
10%?
Considerando-se a expressão dos juros compostos VF = VP(1+δ)n, onde:
VP = valor presente
VF = valor futuro
δ = taxa de juros
n = período de tempo
E que o fluxo de renda futuro equivale ao somatório do fluxo anual de rendimento (Y) até “n” períodos:
VF = $Y1 + $Y2 + $Y3.............$Yn
Assim o valor presente líquido equivale ao fluxo de renda futuro descontado a taxa δ, por “n” períodos,
sendo expresso por:
VPL = VF/(1+δ) + VF/(1+δ)2 + VF/(1+δ)3 + VF/(1+δ)n (ver exemplo no Quadro 3.2).
Assim R$1.000 daqui a dois anos valerá R$846,45 que corresponde ao VPL.
VPL = 1.000/(1+0,1)2
Definidas as principais variáveis que afetam as decisões intertemporais, a questão que emerge é saber de
que forma a dimensão intertemporal é incorporada em uma estratégia eficiente de “uso ótimo”?
Em uma estratégia de esgotamento ótimo, há que se considerar dois aspectos relevantes:
1) Existência de custo de oportunidade (royalty);
2) Evolução dos preços e o valor do royalty no tempo.
O custo de oportunidade, também conhecido como custo alternativo de um bem “x” qualquer, é o
montante dos bens “y”, “z”, “w” etc. que tiveram de ser sacrificados, a fim de que os recursos fossem
alocados para produzir “x”. É também conhecido como o “custo social da produção”* de “x”.
É necessário que se resgate também a visão da teoria microeconômica quanto às condições necessárias
para o alcance da eficiência econômica. A base da teoria é estruturada a partir de um mercado competitivo
(concorrência perfeita), embora se saiba dos pressupostos pouco realistas desse modelo, é importante
destacar que é a partir dele que se derivam as análises mais concretas. Nesse caso, a eficiência econômica
no mercado concorrencial é obtida quando o preço do produto final se iguala aos custos marginais de
produção.
A Figura 3.2 ilustra a condição de eficiência demonstrando que os próprios mecanismos automáticos de
mercado se encarregam dessa tarefa. Se o empresário produz a quantidade Q1, ele será estimulado a
produzir mais, porque nesse ponto ele terá lucro já que o preço unitário (representado pela reta horizontal) é
superior aos custos marginais de produção. No entanto, como ele não sabe qual a quantidade ideal, ele passa
a produzir Q2, porém nesse ponto ocorre o inverso, ou seja, os custos marginais ultrapassam o preço do
produto, logo, o empresário terá prejuízo e será obrigado a reduzir o nível de produção até o ponto em que
os custos se igualam ao preço — no ponto Qe — alcançando, dessa forma, eficiência econômica.
Figura 3.2 Condição de eficiência em um mercado competitivo.
Pela demonstração analítica, chega-se ao mesmo resultado, onde:
Preço p = f(q)
Receita total qf(q)
Custo total A + g(q) (custo fixo + custo variável)
π (lucro) qf(q) – [A + g(q)]
A condição de máximo é obtida quando a primeira derivada da função π é igual a zero:
∂πI/∂q=0, logo:
f(q) – g’(q), que é igual a:
Equação = f(q) = g’(q)
Definidos os conceitos de taxa de juros, custo de oportunidade e eficiência econômica em um mercado
concorrencial, pode-se partir para a discussão sobre a condição de eficiência de um recurso exaurível, ou o
caminho ótimo para exaustão e utilização de um recurso não renovável. É para este ponto que a
contribuição de Hotelling converge.
3.5 A regra de Hotelling
A análise econômica dos recursos exauríveis está estruturada no clássico artigo de Hotelling, de 1931, The
Economics of Exhaustible Resources, que indica que, para seguir uma trajetória “ótima”, os preços dos
recursos exauríveis devem evoluir ao ritmo da taxa de desconto que é igual à taxa de juros de mercado.
O modelo proposto por Hotelling apresenta os seguintes pressupostos:9
• O detentor da reserva é um proprietário privado atuando em um mercado concorrencial;
• A procura acumulada esgota o estoque do recurso D(q) é decrescente em relação ao preço do
recurso que, por sua vez, se esgota na data t;
• O volume (estoque) inicial da reserva é conhecido;
• O custo marginal é nulo ou constante;
• A informação é perfeita ao longo de toda a extração;
• A taxa de preferência do produtor (taxa de atualização ou de desconto) é constante e igual à taxa de
juros (δ).
Realizada modelagem,10 o resultado final da “regra de Hotelling” indica que, para explotar uma jazida de
modo “ótimo”, o preço líquido do minério deve evoluir ao ritmo da taxa de desconto. As implicações do
modelo são:
• Os recursos guardados em estoque devem ser tão atrativos quanto quaisquer outros ativos. Assim, o
ganho de capital (μ) deve ser igual ao custo de oportunidade (δμ), ou seja, ao rendimento que
outra aplicação proporcionaria, que é o equivalente à taxa de juros de mercado;
• A existência do fenômeno de esgotamento da reserva se reflete na escassez da oferta ao longo do
tempo, resultando na redução da procura, visto que o preço do recurso cresce no ritmo da taxa de
juros. No ponto de esgotamento, o preço do recurso é máximo e a procura cessa totalmente.
Em síntese, a conservação da jazida é uma forma de investimento em estoque. Este tipo de aplicação tem
como única fonte de retorno os ganhos de capital, uma vez que não produz dividendos. Assim, o
proprietário da jazida (na ausência de risco) apenas será estimulado a conservá-la na medida em que seu
valor cresça à taxa igual ou superior à taxa de juros de mercado, que vem a ser o custo de oportunidade da
aplicação. Caso contrário, ele será compelido a intensificar o ritmo da extração.
A explicação é a seguinte: “os mercados de bens só podem estar em equilíbrio quando todos os bens, de
uma determinada classe de risco, alcançam a mesma taxa de retorno, tanto como dividendos correntes
quanto como ganhos de capital. A taxa de retorno comum é a taxa de juros para aquela classe de risco.
Como os depósitos de recursos naturais possuem a propriedade peculiar de não gerar dividendos enquanto
estiverem no solo, na situação de equilíbrio, o valor do depósito tem que crescer a uma taxa igual à taxa de
juros”.11
Para a determinação do critério ótimo do esgotamento é necessário que antes se defina (μ) o custo de
oportunidade, também denominado de royalty, e em seguida se compare as trajetórias dos preços dos
recursos exauríveis e o valor dos royalties no tempo. O valor de uma jazida, por seu turno, equivale ao valor
presente das vendas futuras (royalty); assim, os proprietários devem esperar que o preço líquido dos
minérios, descontados os custos de extração, cresça a uma taxa equivalente à taxa de juros. Se a indústria
mineradora é competitiva, o preço líquido é o preço de mercado menos o custo marginal de extração de uma
tonelada de minério. Essa diferença é justamente o royalty.
Nesse caso, a eficiência econômica é obtida quando o preço do produto final se iguala aos custos
marginais de produção acrescido do custo de oportunidade (royalty):
Pela Figura 3.3, a existência do custo de oportunidade (royalty) resulta em um aumento dos preços de Pe
para P1 e em uma redução da quantidade de Qe para Q1.
Figura 3.3 Condição de eficiência no mercado de um recurso natural não renovável.
Todavia, é importante destacar que o preço de um recurso não renovável pode se desmembrar em
diferentes componentes, tais como: renda de monopólio, renda diferencial ou renda de escassez,12 resultando
em uma dissociação entre o preço e o custo marginal. Portanto, nada pode ser dito, a priori, a respeito do
comportamento do custo marginal, pois ele pode ser constante, crescente ou decrescente. Nesse caso é
preciso considerar as distintas hipóteses.
Na hipótese de um custo marginal nulo ou constante, a taxa de crescimento do preço acompanha a taxa
de royalty que, por sua vez, deve ser igual à taxa de juros, conforme determina o “lema de Hotelling” (ver
implicações no Quadro 3.2).
Quadro 3.2
Exemplos numéricos da relação entre o valor dos royalties e a taxa
de desconto
Se VF = VP (1 + δ)n, logo VP = VF/(1+δ)n, onde:
VF = valor futuro
δ = taxa de juros de mercado = taxa de desconto
N = tempo de vida útil da jazida
VPL = valor presente líquido
Exemplo 1:
n = 10 anos
δ= 6% ao ano
VF = 1.000
VPL = 1.000/(1+0,06)10 = 558,4
Exemplo 2:
n = 10 anos
δ= 15% ao ano
VF = 1.000
VPL = 1.000/(1+0,15)10 = 247,2
Dos exemplos 1 e 2 deduz-se que quanto maior a taxa de desconto, menor o royalty e maior a taxa
de extração, portanto, a taxa de utilização do recurso é diretamente proporcional à taxa de juros.
Exemplo 3:
n = 20 anos
δ = 6% ao ano
VF = 1.000
VPL = 1.000/(1+0,06)20 = 311,8
Exemplo 4:
n = 20 anos
δ = 15% ao ano
VF = 1.000
VPL = 1.000/(1+0,15)20 = 61,1
Dos exemplos 3 e 4 deduz-se que quanto maior a vida útil do bem mineral, menor o royalty,
maior, portanto, será a taxa de extração.
Figura 3.4 Limitação imposta pelas tecnologias de fundo à expansão dos royalties.
Finalmente, a análise desconsidera os serviços ambientais que necessariamente são impactados ao se
acessar as jazidas minerais, reforçando a visão convencional de que, como esses recursos pertencem à
categoria de bens livres que não se sujeitam às leis da oferta e da demanda, não têm preço e, portanto, não
são passíveis de transação nos mercados.
Este último aspecto, juntamente com as questões distributivas, é muito caro à economia ecológica.
Embora não apresente um modelo formal de gestão dos recursos, a economia ecológica alerta para a
necessidade de se incorporar essas questões, principalmente em função do crescente custo de oportunidade
que o uso dos recursos não renováveis adquire na atualidade; ou seja, o custo associado com o seu
adiamento para usos futuros, no caso da extração dos minérios no presente ou ao sacrifício que as gerações
futuras terão de incorrer em função do esgotamento atual.
Praticamente todos os países impõem um sistema de cobrança (royalties) sobre a extração de recursos
minerais com a justificativa de ser uma contraprestação pelo usufruto de um recurso natural não renovável
que é de propriedade da nação, do estado/província/departamento ou dos municípios. Via de regra, há uma
clara distinção entre royalties provenientes da extração de petróleo e gás e de outros minerais. Os valores
dos primeiros são bem mais elevados, possivelmente pelo fato de a maioria das companhias petrolíferas ser
de propriedade estatal.
No que se refere aos minerais (não petróleo e gás), há grandes divergências entre as taxas, a base de
incidência e os critérios para o uso dos recursos financeiros provenientes dessa cobrança por parte dos
beneficiários, conforme ilustra a Tabela 3.1. Esses aspectos são da maior relevância para a economia
ecológica, pois estão associados com questões distributivas** e de equidade intergeracionais. Para isso é
crucial incorporar na formulação de uma política de bens minerais o conceito de renda de John Hicks
(1909-1989), para o qual renda é o máximo que pode ser consumido em um dado ano sem reduzir a
capacidade de produzir e de consumir no ano seguinte. Portanto é imperativo: 1) separar uma parcela das
receitas da mineração que não são rendas; 2) reinvestir essa parcela a partir de uma perspectiva de
sustentabilidade.
Nesse sentido, Daly (2007) propõe uma espécie de reforma tributária ecológica: taxar progressivamente
atividades intensivas em emissões de carbono (como a produção de petróleo, por exemplo) e aliviar os
impostos sobre o trabalho (que são impostos regressivos). Isso contribuirá para reduzir as emissões de
carbono e dará um incentivo adicional para o desenvolvimento de tecnologias menos intensivas em
carbono, além de redistribuir a renda progressivamente.
Distintamente do foco central da teoria neoclássica, em determinar uma taxa ótima para a economia
ecológica esse objetivo deve ser precedido pela determinação da escala (que é uma escolha social) de uso
dos recursos e pelos critérios de distribuição dos benefícios da extração desses recursos, que não deve ser
apenas econômico, mas também é ecológico.
“Dada a necessidade de elevar a receita pública de algum modo, é melhor taxar a ‘coisa’ certa, em
primeiro lugar, e somente depois se preocupar com a ‘taxa ótima’”, afirma Daly (2007). Então por que não
taxar fortemente a extração de carbono e compensar as baixas rendas? Ou, dito de uma forma mais geral,
taxar a base material, sobre a qual o valor será adicionado, e parar de taxar o valor adicionado. Daly diz ser
preferível taxar o input porque a depleção é espacialmente mais concentrada do que a poluição (output).
Além disso, altos preços dos inputs induzem ao uso eficiente dos recursos em todos os estágios
subsequentes do processo produtivo. Assim, limitando-se a depleção, via taxação, está se limitando também
a poluição.
Essa ideia foi encaminhada por Daly à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em
2001, mas apenas foi considerada em 2007, quando o presidente do Equador, Rafael Correa, encaminhou a
proposta para o debate junto à OPEP, o que está sendo denominado de “ecoimposto Daly-Correa”. Esse é
um exemplo concreto de como os princípios da economia ecológica podem ser usados para formulação de
políticas. O ecoimposto é uma taxa que incide sobre as exportações de petróleo associada às emissões de
dióxido de carbono geradas pela queima do combustível, que visa incorporar o custo do carbono desde as
fontes. O recurso obtido a partir desse eco-imposto iria para um Fundo Mundial de Desenvolvimento
Sustentável.
De acordo com Gallard et al. (2008), um barril de petróleo padrão contém 120 kg de carbono (que,
multiplicados por 3,7, dão 444 kg de CO2). Um imposto de US$5 por barril supõe um custo de pouco mais
de US$10 por tonelada de CO2, que está aquém dos limites internacionalmente aceitos. Instituindo
proativamente um imposto com base em seu conteúdo de carbono, a OPEP poderia estimular a definição de
impostos similares sobre exportações de carvão mineral e de gás. O carvão produz mais emissões de CO2
que o petróleo e o gás, por unidade de energia.
3.6 Teoria dos recursos naturais renováveis
A particularidade dos recursos renováveis é que eles são governados por fenômenos biológicos:
crescimento de árvores, multiplicação dos animais e das plantas, desenvolvimento das populações de
peixes, que são de essência dinâmica. No entanto, os recursos renováveis podem se esgotar e se tornar não
renováveis, principalmente quando localizados em espaços de uso comum, sujeitos ao livre acesso e,
portanto, suscetíveis de apropriação privada.15
O aspecto crucial que responde em grande parte pelo desaparecimento dos recursos renováveis é a
incompatibilidade entre as dinâmicas biológica (que determina sua evolução) e econômica (que determina o
ritmo da exploração do recurso). Pela dinâmica biológica o estoque de recurso renovável não é fixo; ele
cresce na medida em que apresenta condições de se expandir, porém sua expansão está submetida a um
limite máximo que é definido pela capacidade de suporte* do seu ecossistema. A dinâmica econômica, por
sua vez, pressiona para o declínio de um recurso na medida em que sua taxa de extração exceder, de modo
persistente, a taxa de crescimento do recurso.
Dessa forma, o principal desafio de teoria econômica convencional dos recursos renováveis é identificar
qual a trajetória de exploração de uma população animal ou vegetal, submetida a um dado nível de extração.
Os modelos econômicos para os recursos renováveis apresentam evidentes semelhanças com a teoria dos
recursos não renováveis desenvolvida por Hotelling. As particularidades dos problemas dos recursos vivos
é o que confere especificidade à teoria dos recursos renováveis. Além do “modelo geral de exploração”, a
teoria econômica dos recursos renováveis apresenta enfoques especiais para a gestão dos recursos
pesqueiros (modelo de Gordon-Schafer e Beverton-Holt), dos recursos florestais (modelos de Fischer e
Faustman) e dos recursos da biodiversidade (modelos de Gordon-Schafer-Clark),16 conforme descrito nas
seções subsequentes.
Guia de leitura
Há pouca literatura disponível em português a respeito da economia dos recursos naturais. Este guia é
apenas uma indicação preliminar de leituras que necessitam ser complementadas por textos mais
específicos.
Para uma discussão a respeito da importância dos recursos naturais na constituição das teorias
econômicas, ver Campolina Diniz (1987), e Faucheux & Nöel (1995).
Para saber mais sobre os estoques terrestres de recursos exauríveis, ler Brown (1994), Machado (1989),
além de consultar o site do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) (www.dnpm.gov.br),
pois lá há links interessantes sobre estatísticas de reserva, produção, consumo, exportação de bens minerais,
dentre outros, especialmente nas publicações: Anuário Mineral Brasileiro e Sumário Mineral.
Para mais detalhes sobre a teoria dos recursos exauríveis, ver (em inglês) o clássico artigo de Solow
(1978) e a Regra de Hotelling, veja: Hotelling (1931); em português: Faucheux & Nöel (1995) e Margulis
(1996). Para a decomposição do modelo matemático veja Cunha (1992).
Para uma análise detalhada dos modelos de uso ótimo de recurso renováveis, ver Faucheux & Nöel
(1995) e Margulis (1996).
Uma discussão sobre a política de uso das rendas da mineração no Brasil, com ênfase no uso da
Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) por parte de municípios mineradores, pode ser
encontrada em Enríquez (2008). Para uma síntese sobre os fundos ligados ao petróleo, ver Enríquez (2006).
O Boletim da ECOECO n. 19 apresenta um panorama geral das ideias de Herman Daly sobre os recursos
não renováveis (www.ecoeco.org.br).
Para o acesso a informações sobre fauna e flora, consultar o site do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) (www.ibama.gov.br).
Referências bibliográficas
1. Brasil Mineral, ano XX, n. 213, 2003.
2. Brown G, et al. Os recursos físicos da Terra. Campinas: Unicamp; 1994.
3. Campolina Diniz C. Capitalismo, recursos naturais e espaço. Campinas: IE/Unicamp; 1987; Tese
de doutourado.
4. Correio dos Estados e Municípios, dez./2002.
5. Cunha AS. Economia dos recursos naturais: o caso do desmatamento da Amazônia. In: Os
principais problemas da agricultura brasileira: análise e sugestões. 2 Rio de Janeiro: IPEA;
1992.
6. Daly, H. Sustentabilidade em um mundo lotado. Scientific American Brasil, out. 2005. Pode ser
encontrado em: <http://www2.uol.com.br/sciam/>.
7. Enríquez MARS. Equidade intergeracional na partilha dos benefícios dos recursos minerais: a
alternativa dos fundos mineiros. Revista Iberoamerica de Economia Ecológica. 2006;5:61–73.
8. Enríquez MARS. Mineração: Maldição ou dádiva? Os dilemas do desenvolvimento sustentável a
partir de uma base mineira. São Paulo: Signus Editora; 2008;.
9. Faucheux S, Nöel J-F. Economia dos recursos naturais e do meio ambiente. Lisboa: Instituto
Piaget; 1995.
10. Gallardo, L.; Koenig, K., Christian, M.; Alier, J. M. Impuesto Daly-Correa (esboço, 1/3/08).
11. Hotelling H. The Economics of Exhaustible Resources. Journal of Political Economy. 1931;39(n.
1):137–175.
12. Machado IF. Recursos minerais — Política e sociedade. São Paulo: Edgard Blucher; 1898.
13. Margulis S. Introdução à economia dos recursos naturais. In: Margulis Sérgio, ed. Meio ambiente
— Aspectos técnicos e econômicos. 2 Brasília: IPEA; 1996.
14. Martínez-Alier J. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto; 2007.
15. Solow RM. Intergenerational Equity and Exhaustible Resources. Review of Economic Studies.
1978;41:28–45.
16. Viana MO de L, Rodrigues MIV. Um índice interdisciplinar de propensão à desertificação (IPD):
instrumento de planejamento. In: Revista Econômica do Nordeste. Fortaleza: BNB; 1999;264–
294. v. 30, n. 3.
*Em uma classificação ampla, os minerais podem ser metálicos (chumbo, ferro, níquel, cobre, mercúrio, ouro etc.), não metálicos (caulim, gipsita, calcário, argilas etc.) e energéticos (carvão, gás e os
combustíveis fósseis).
7Daly (2007).
*“Custo Social de Produção” é o custo que a sociedade suporta quando seus recursos são usados para produzir uma determinada mercadoria. Aqueles recursos usados na produção de X não podem ser
usados para produzir Y, ou outro bem qualquer. Pode-se exemplificar com o clássico da produção de canhões (para uma economia que opta investir seus recursos na guerra) versus a produção de
manteiga (para uma economia que prioriza o problema da fome), nesse caso, o custo social dos canhões adicionais é o montante de manteiga que foi deixado de produzir.
10Idem.
13Cunha (1992).
*Neste artigo não trataremos da política mineral que trata das externalidades, pois há um amplo sistema de normas legais que disciplinam o licenciamento ambiental de empreendimentos mineiros com a
previsão de Planos de Controle Ambientais, para os casos de prevenção e mitigação, além do pagamento da compensação ambiental, para os casos da ocorrência de externalidades, entre outros
(www.mma.gov.br e www.dnpm.gov.br).
15Gerrett Hardin mostra isso de forma lapidar no clássico artigo “Tragédia dos Comuns”, de 1968.
16Para uma análise detalhada dos modelos em português ver Faucheux e Noel (1995).
17Idem.
19Idem.
20Idem, p. 168.
21Margulis (1996).
24Para uma análise mais detalhada em português ver Faucheux & Nöel (1995).
27Cunha (1992).
Economia da poluição
Eugenio Miguel Cánepa,
Fundação de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul — Cientec
4.1 Introdução 1
No capítulo anterior foi examinada a economia dos recursos naturais, focalizando o meio ambiente como
supridor da infraestrutura física das atividades humanas, bem como dos materiais e da energia necessários
para tais atividades. À medida que o meio ambiente vai se tornando escasso, relativamente às necessidades
de desempenho de tais funções, ele precisa ser “economizado”. De maneira análoga, voltamo-nos neste
capítulo à função “fossa de resíduos” desempenhada pelo meio ambiente. Aqui também, pari passu com o
processo de desenvolvimento, o entorno natural vai se tornando escasso relativamente às necessidades de
dispersão e assimilação (reciclagem natural) dos resíduos gerados pelas atividades humanas de produção e
consumo.
Neste capítulo examinaremos três abordagens de política pública referente à questão da poluição.
Primeiramente, a solução pigouviana da internalização dos danos. A seguir, a abordagem denominada de
Análise de Custo-Efetividade (ACE) que, como se verá no início do capítulo 7, constitui atualmente a
abordagem predominante no que tange ao combate à poluição do ar e das águas nos países desenvolvidos,
deslocando gradativamente a chamada política de comando-e-controle (command and control policy).
Depois, será examinada a proposta da chamada Análise de Custo-Benefício (ACB), aplicação direta da
Teoria Microeconômica Neoclássica e da Economia do Bem-Estar. No exame destas três abordagens serão
examinados, também, os instrumentos econômicos de indução com que o Estado conta para a
implementação destas duas últimas políticas — Princípio Poluidor Pagador e Certificados Negociáveis de
Poluição — dando especial ênfase aos requisitos informacionais das políticas e instrumentos. A seguir, é
feito um exame do caráter “tributo ou preço” do PPP e dos CNPs, bem como um cotejo entre a Análise de
Custo-Efetividade e a Análise Custo-Benefício. O capítulo finaliza com alguns tópicos de fronteira, tais
como o dos bens ambientais transnacionais e o da relação entre as políticas ambientais analisadas e o
candente tema da sustentabilidade.
4.2 A internalização do dano: a solução de Pigou
A primeira abordagem na teoria econômica relativamente ao tema da poluição remonta ao estudo pioneiro
de Arthur Cecil Pigou, no início do século XX. Segundo a abordagem pigouviana, o dano causado pela
poluição é um custo social, uma externalidade negativa, resultante do fato de um agente econômico, pela
sua atividade, gerar um custo pelo qual outro agente tem que pagar. Assim, por exemplo, temos o caso de
uma fábrica de cimento que, por meio da fumaça emitida pela sua chaminé (que contém material
particulado e dióxido de enxofre), acaba gerando custos adicionais a outros empreendimentos (lavanderia,
p. ex.) e aos moradores circundantes. Ou, então, um curtume à beira de um rio que, ao lançar seus efluentes
no curso d’água, aumenta os custos de tratamento de água de um município a jusante.
Segundo Pigou, a correção dessa externalidade negativa pode ser feita mediante a imposição, pelo
Estado, de um tributo, incidente sobre cada unidade produzida, igual à diferença entre o custo marginal
privado e o custo marginal social. Convém, rapidamente, abordar a argumentação pigouviana.
A Figura 4.1 representa, em análise de equilíbrio parcial, o caso de um setor produtivo constituído por
empresas atuando em concorrência perfeita. A curva de demanda (soma lateral de todas as demandas
individuais dos consumidores) intercepta a curva de oferta de mercado (soma lateral de todas as curvas de
custo marginal privado das empresas que compõem o mercado, sendo por conseguinte uma curva de custo
marginal privado global) no ponto C = (x’, p’).
4.3.1 Os fundamentos
A análise de custo-efetividade (Cost-Effectiveness Analysis), ACE, constitui uma segunda abordagem para
o problema do combate à degradação ambiental resultante da poluição. Trata-se, aqui, da busca e análise de
alternativas de abatimento da poluição que atinjam metas socialmente estabelecidas ao menor custo
possível. Essa abordagem vem substituindo, gradativamente e onde possível, nos países desenvolvidos, a
“velha” política de comando-e-controle (Command and Control Policy).
Em conjunto, e de maneira estilizada, o processo pode ser visualizado da seguinte maneira:
• O Estado, seja pela constituição, seja por meio de leis ordinárias, assume efetivamente o domínio, a
propriedade, dos bens ambientais (tais como o ar e as águas) aos quais é impossível alocar direitos
de propriedade privada;
• A sociedade, de forma mais ou menos descentralizada, fixa objetivos (padrões) de qualidade para
os diversos corpos receptores a serem atingidos a longo prazo e que corporificam usos desejados
desses corpos, exigindo sua melhoria ou, ao menos, a manutenção da qualidade atual.* Através
dos chamados modelos de dispersão, é possível, então, determinar as quantidades dos diversos
poluentes que devem ser abatidas para se alcançar os respectivos padrões estabelecidos. Como a
quantidade de cada poluente a ser abatida, em geral, implica uma meta bastante ambiciosa,
estabelecem-se metas parciais (p. ex., a serem atingidas a cada cinco ou dez anos) e crescentes de
abatimento e que possibilitem a consecução progressiva dos objetivos colimados;
Quadro 4.1
A legislação brasileira sobre recursos hídricos
Embora em matéria de combate à poluição do ar estejamos no Brasil ainda exclusivamente na fase de
comando-e-controle, no que tange aos recursos hídricos, está em andamento — ainda que
timidamente — a implantação de um ambicioso marco legal que coloca nosso país no caminho da
adoção de uma política custo-efetiva.
De fato, a partir da promulgação da Constituição de 1988 — pela qual, em um claro alinhamento
à tendência mundial de publicização das águas, estabeleceu-se o domínio estatal das mesmas (rios
que banham vários estados ou de fronteira internacional são águas da União, os demais cursos d’água
e as águas subterrâneas são águas dos estados federados) —, foram promulgadas diversas leis
estaduais (como a 7.763/1992, de São Paulo, e a 10.350/1994, do Rio Grande do Sul), bem como as
leis federais 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos e 9.984/2000 [Agência Nacional de
Águas — ANA]. Todas inspiradas, em maior ou menor grau, na experiência alemã das Companhias
de Águas, do início do século XX, e na do sistema francês de comitês/agências de bacia, estabelecido
nacionalmente a partir de 1964. O modelo francês de gestão de recursos hídricos é um modelo
descentralizado e participativo operando por meio dos comitês de bacias hidrográficas, verdadeiros
“parlamentos das águas” encarregados de gerir as águas das respectivas bacias em uma perspectiva
condominial, com o suporte técnico das agências de bacia (uma para cada comitê).
Nesse corpo de leis em processo de implantação, distinguimos claramente, por meio do
dispositivo relativo ao Enquadramento, o estabelecimento dos padrões de qualidade dos corpos
d’água como metas estabelecidas pelas autoridades ambientais, ouvida a sociedade, e que deverão ser
atingidas gradualmente pelos respectivos comitês de bacia. Para tanto, os comitês deverão utilizar
vários instrumentos de gestão, onde se destacam: i) Planos de Bacia — instrumentos de
planejamento das intervenções necessárias à consecução das metas; ii) Diretrizes de Outorga —
visando à compatibilização dos diversos usos das águas na bacia; iii) Cobrança pelo Uso dos
Recursos Hídricos (o chamado Princípio Usuário Pagador — PUP*) — instrumento econômico por
excelência visando à indução de um uso mais moderado dos recursos hídricos e ao financiamento das
intervenções necessárias e previstas no plano de bacia.
Em 2002, iniciou-se a cobrança pelo uso da água no país. Essa primeira aplicação do Princípio
Usuário Pagador deu-se na bacia do rio Paraíba do Sul (cujo rio principal, que dá nome à bacia, é
federal) por meio do Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Em 2006,
foi iniciada a cobrança nas bacias dos rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari, através do Comitê PCJ. No
capítulo final deste livro há um exame mais aprofundado dessas experiências. Há de se ressaltar que,
na experiência brasileira, no que tange à poluição — e diferentemente do sistema francês que serviu
de inspiração — a cobrança é prevista relativamente aos componentes da carga orgânica, tão somente
(DBO, DQO, Nitrogênio, Fósforo e material em suspensão). A chamada “carga tóxica” (metais
pesados etc.) provavelmente será tratada, ainda por um longo tempo, por meio dos padrões de
emissão (Política de comando-e-controle).
*
O PUP é uma extensão do Princípio Poluidor Pagador (PPP), pois, além de abranger a
cobrança pelo despejo de efluentes (característica definidora do PPP), inclui também a
cobrança pela retirada de água bruta.
• O Estado, tendo em vista as metas estabelecidas, passa a exercer outorga de uso dos mencionados
bens ambientais no sentido de racionar e racionalizar sua utilização;
• O Estado, na maioria dos casos, e em complementação ao item anterior, passa a usar instrumentos
econômicos de indução dos agentes ao uso mais moderado dos recursos ambientais. Os dois
instrumentos mais difundidos são: O Princípio Poluidor Pagador e os Certificados Negociáveis de
Poluição (e que, mais corretamente, deveriam se chamar Certificados Negociáveis de Emissão);
• O Estado tem o dever de monitorar permanentemente a qualidade dos corpos receptores, bem como
controlar as emissões dos agentes poluidores, a fim de verificar (ou não) o alcance progressivo
dos padrões de qualidade estabelecidos, promovendo a correção de rumos, quando necessário, e
mantendo os cidadãos informados sobre o andamento da política (Relatórios Periódicos sobre o
Estado do Meio Ambiente).
4.3.2 A operacionalização
Umapolíticaambiental custo-efetiva de combate à poluição é implementada, fundamentalmente, por meio de
dois instrumentos econômicos de incentivo aos agentes econômicos: a cobrança pelo despejo de efluentes
no bem ambiental objeto da política (Princípio Poluidor Pagador), ou, equivalentemente, o estabelecimento
de Certificados Negociáveis de Poluição. No que tange à poluição das águas, o primeiro instrumento (PPP)
é o mais utilizado. No que se refere à poluição do ar, o segundo (CNPs) tem crescente aplicação. Vejamo-
los em sequência.
Figura 4.2 O PPP no contexto de uma política custo-efetiva de combate à poluição.
A Figura 4.3 mostra o caso da DBO5 em um estudo feito para uma bacia típica do Rio Grande do Sul.* A
carga atual e prevista para os próximos anos é da ordem de 86.000 ton/ano. A curva de custo marginal de
abatimento mostra o custo anual de abatimento para os diversos setores, calculado da seguinte maneira:
adotando-se tecnologias comercialmente disponíveis, com uma determinada eficiência de abatimento (no
caso, foi adotada a média de 80% da carga gerada), calcula-se, para cada setor, o investimento necessário
para tal abatimento, converte-se em custo anual equivalente (mediante uma taxa de juros de mercado e
adotando a vida útil prevista da planta), soma-se o custo de operação/manutenção e divide-se pelo total
abatido; finalmente, ordena-se por ordem crescente de custo. Isto nos dá, tipicamente, o perfil
extraordinariamente exponencial da Figura 4.2: o primeiro setor (criação de animais — suínos e aves) pode
abater 30.000 ton/ano a um custo de US$4/ton/ano; o segundo (resíduos sólidos domésticos — lixões
estabelecidos nas margens dos rios) pode abater 16.000 ton/ano a um custo de US$11/ton/ano, e assim por
diante. Em último lugar aparece o setor industrial, com “apenas” 3.000 ton/ano de carga poluidora e um
custo de tratamento de US$23.400! Esses valores se devem ao simples fato de que, ao longo do tempo, o
setor industrial é o único que experimentou a pressão das autoridades ambientais — por meio da política de
comando-e-controle e seus padrões de emissão associados — tendo hoje uma carga residual e que exigiria,
para o seu abatimento, um tratamento terciário.
Figura 4.3 Custo marginal de abatimento da DBO5 na bacia do Rio dos Sinos — RS.
Assim sendo, se o comitê de bacia, no bojo de seu Primeiro Plano Quadrienal quiser, por exemplo,
abater algo em torno de 40% da carga de DBO5, pode adotar, digamos, uma tarifa de US$8/ton/ano. Diante
desse valor, o primeiro setor será induzido a abater 80% (as 30.000 ton/ano do gráfico) de sua carga
original. Pelos restantes 20% pagará a tarifa. Já os demais setores preferirão pagar a tarifa pela totalidade de
seus efluentes (aspecto incitativo). O total arrecadado anualmente, US$8/ton/ano × 56.000 ton/ano,
permitirá ao comitê financiar os investimentos do setor “abatedor” e, ainda, capitalizar-se para futuras
intervenções (aspecto de financiamento). Como se vê, estamos repetindo, com alguns números mais
concretos, o que foi exposto na seção anterior.
O caso em pauta enseja os seguintes comentários:
• A aplicação da tarifa mostra que todos pagam pelo despejo do efluente: alguns pagam de maneira
mista — custo de tratamento + tarifa pelo efluente residual — e os restantes pagam integralmente
por meio da tarifa. E, mediante a tarifa, contribuem com os recursos financeiros para o suporte
aos investimentos dos “tratadores”. O financiamento a estes pode ser com juros de mercado, com
juros subsidiados ou, no limite, com subsídio total de principal e juros, tudo na dependência da
negociação feita no comitê de bacia (no caso de decisão descentralizada) ou da decisão da
autoridade ambiental (no caso de política ambiental centralizada);
• No caso de decisão descentralizada, por meio de comitês de bacia, a discussão do nível tarifário x
metas de abatimento é um item crucial da interação comitê/agência de bacia. De fato, a
explicitação das várias alternativas de abatimento, os respectivos níveis tarifários incitativos, as
repercussões financeiras sobre os agentes, as repercussões ambientais sobre os níveis de qualidade
do corpo d’água e sua aproximação mais ou menos rápida aos objetivos estabelecidos no
enquadramento, os possíveis subsídios intersetoriais etc., fazem parte dos deveres da agência no
sentido de embasar a discussão e a decisão por parte do comitê, que é um verdadeiro “parlamento
das águas”, mas que não pode decidir sem essa base técnica propiciada pela respectiva agência;
no caso de administração centralizada, por autoridade ambiental diretamente, todos esses itens
também devem ser abordados, mas por um colégio menor de decisores;
• Curvas como a da Figura 4.3 têm uma primeira característica, um fato tecnológico relevante, que o
leitor deve ter em mente: o caráter acentuadamente exponencial, especialmente nos níveis de
abatimento que se aproximam de 100%. Esse fato serve para explicar uma consequência muito
importante em termos de política pública de combate à poluição. Em geral, uma comunidade
poderá empreender um programa de despoluição a custos relativamente baixos durante os
primeiros 10-15 anos e, assim, usar a tarifa incitativa. Não obstante, à medida que nos vamos
aproximando de níveis altos de abatimento, exigidos pela escassez crescente do meio receptor e
pelos objetivos de qualidade estabelecidos no enquadramento original, as tarifas, para serem
incitativas, terão também que ser reajustadas exponencialmente. Isto, naturalmente, pode colidir,
por exemplo, com políticas anti-inflacionárias conduzidas pelo governo central, bem como
enfrentar forte resistência dentro do próprio comitê. Todavia, a realidade inescapável de curvas de
custo marginal desse tipo é que, com base na tecnologia correntemente conhecida, o preço
relativo do meio ambiente recuperado aumenta desmesuradamente. Para lidar com esse
fenômeno, há dois caminhos complementares: em primeiro lugar, usar crescentemente tarifas
puras de financiamento das intervenções, mantendo seus valores assimiláveis pelos agentes
poluidores, embora, é claro, retardando o processo de alcance das metas do Enquadramento;* em
segundo lugar, estimular a inovação tecnológica, assunto do qual trataremos no item a seguir;
• Curvas como a da Figura 4.3 que, como foi dito, incorporam os conhecimentos tecnológicos atuais,
têm uma segunda característica importante, visto que são construídas tendo por base, em geral,
técnicas end-of-pipe de abatimento, comercialmente disponíveis. De fato, calculada a tarifa da
forma como mostramos, há um poderoso estímulo para que os agentes façam “girar” no sentido
horário a curva de custo marginal de abatimento por meio de inovações de processo, de matérias-
primas, insumos energéticos, mix de produtos etc., fazendo com que, uma vez fixada a tarifa, mais
setores do que os previstos “fujam” da tarifa procedendo ao abatimento. Tudo isto é não só mais
eficiente do ponto de vista econômico (menor custo para o alcance de uma meta), como permite
encurtar o tempo de alcance dos objetivos de qualidade. Isto levanta, por sua vez, a questão do
estímulo à P&D, que poderia ser implementado pela autoridade/comitê por meio de aplicações
explícitas com fundos arrecadados pela tarifação. Temos aqui, pois, uma vantagem decisiva da
tarifação sobre as políticas regulatórias tradicionais;
• Dada a importância dessa questão da inovação tecnológica, vamos explorar o nosso exemplo mais
acuradamente. 1) Em primeiro lugar, estabelecida a tarifa de US$8/ton/ano, o próprio setor
induzido ao abatimento (o setor de criação de animais) tem interesse em qualquer inovação de
processo que lhe permita “fugir” da tarifa por menos de US$4/ton/ano, que é o custo da
tecnologia comercialmente disponível, geralmente end-of-pipe. Note-se que isto é do interesse
não só do setor induzido ao abatimento, mas de toda a sociedade. De fato, no marco de referência
da Análise de Custo-Efetividade, o que se procura é a consecução de um objetivo — no caso, uma
certa quantidade de abatimento — ao menor custo possível. Neste caso, há uma clara confluência
dos interesses privado e social. 2) Em segundo lugar, e mais importante ainda, em uma
perspectiva proativa, o exame de curvas como as da Figura 4.3, cobrindo os diversos poluentes
que o comitê decide contemplar em seu Plano de Bacia, permite uma visão à frente e com anos de
antecedência. No presente caso, enquanto se ataca a carga poluidora do primeiro setor, pode-se
alocar recursos financeiros em P&D no sentido de, quando se iniciar a segunda etapa, dispor de
uma tecnologia mais barata que a da curva original, possibilitando que a tarifa incitativa não
precise ser tão alta. Isto pode não parecer altamente relevante nos primeiros anos de
funcionamento do sistema, quando tarifas relativamente baixas, induzem grandes quantidades de
abatimentos. Mas, à medida que, com o passar dos anos, vai se subindo a “escada” da Figura 4.3,
encurtar a altura dos degraus (fazer “girar” a curva de CMg das Figuras 4.1 e 4.2 no sentido
horário) passa a ser uma prioridade absoluta, dado o caráter fantasticamente exponencial do
crescimento dos custos de abatimento. A inovação tecnológica passa a ser uma das armas mais
importantes para fazer frente ao fantasma malthusiano (melhor seria dizer, ricardiano) que ronda a
questão do controle da poluição supondo um crescimento contínuo em um planeta finito: se não
houver inovações de porte contínuas, o custo do controle se torna proibitivo e o crescimento é
freado.* E, sem dúvida, essa inovação tecnológica deve ser do tipo “desmaterializador”, vale
dizer, deve cada vez mais se afastar de tecnologias end-of-pipe e se encaminhar no sentido de
inovações nos próprios processos produtivos, de tal modo que tenhamos maior eficiência em tais
processos — menos quantidade de insumos e menos efluentes por unidade de produto — tal como
propugnado pelos Centros de Produção mais Limpa, por exemplo, 7;**
• Em qualquer caso concreto de gestão de bacia hidrográfica, evidentemente, nunca é “atacado” um
único poluente. Assim sendo, quase sempre temos um combate em várias frentes: DBO, material
em suspensão, carga tóxica, nitrogênio etc. Neste caso, então, devemos construir, para cada
poluente, curvas análogas às da Figura 4.3. No entanto, aqui, duas coisas podem acontecer: de um
lado, as tecnologias de abatimento e seus custos são independentes entre todos os poluentes; neste
caso, constroemse curvas como as da Figura 3 para cada poluente (podendo, inclusive, haver
reordenação da “escada” dos diversos setores); de outro lado, as tecnologias de abatimento, com
seus custos associados, podem ser conjuntas para dois ou mais poluentes (por exemplo, a
tecnologia que abate DBO5 também abate material em suspensão). Nesse caso, é preciso fazer
uma alocação proporcional do custo total entre os dois ou mais poluentes interrelacionados, a fim
de não incidir em dupla contagem nos custos e inflar as tarifas desnecessariamente.***
• O exercício retratado na Figura 4.3 possibilita uma compreensão mais clara e profunda do que
significa uma solução custo-efetiva, vale dizer, uma solução conduzida dentro do marco analítico
da chamada Análise de Custo-Efetividade e que implica a consecução de determinado resultado a
custo mínimo. De fato, experimente o leitor comparar a alternativa exposta acima (abatimento de
40%) com a alternativa de abater os mesmos 40% repartindo “equitativamente” os custos de
abatimento, vale dizer, fazendo com que cada setor abata “seus” 40%. (Cálculos explícitos podem
ser feitos a partir das áreas correspondentes aos custos totais na curva de custo marginal da Figura
4.3). Chegar-se-á facilmente à conclusão padrão dos livros-texto: o abatimento proporcional,
fonte por fonte (característico, por exemplo, da política de comandos-e-controle e seus padrões de
emissão), é ineficiente em termos alocativos, tanto do ponto de vista estático, quanto do dinâmico
(neste caso, em virtude da existência do juro e da possibilidade de inovações tecnológicas). Já o
deslocamento ao longo da curva de custo marginal global nos assegura que a sociedade está
atingindo as metas acordadas ao menor custo possível;
• Comparativamente à solução pigouviana, os requisitos informacionais de todo este sistema são
bastante amigáveis. O comitê/agência ou a autoridade ambiental precisa, basicamente, de três
conjuntos de dados: estimativas (e, depois, cadastro) de fontes poluidoras e respectivos níveis de
lançamento, custos de investimento e operacionais das alternativas de abatimento comercialmente
disponíveis e modelos de dispersão/assimilação de poluentes no meio receptor. Diversos estudos
feitos no Brasil mostram que já podemos contar com tais conjuntos para a maioria de nossos
cursos d’água.
Como foi visto anteriormente, o PPP — cobrança pelo despejo de efluentes —, além de sua função
incitativa, pode ter uma função complementar de financiamento, pela reaplicação dos recursos financeiros
arrecadados por meio da cobranças na própria gestão das águas. Essa abordagem da tarifa como
instrumento de financiamento tem duas características essenciais. Em primeiro lugar, ela desempenha um
papel complementar em relação ao seu papel incitativo, em nada alterando-o Em segundo lugar, nada
assegura que os recursos arrecadados pela cobrança coincidam, instantânea ou intertemporalmente, com os
recursos necessários aos investimentos programados. O que se sabe é que, se os recursos arrecadados
excederem os dos investimentos, poderá haver uma capitalização do fundo financiador (agência de bacia ou
autoridade ambiental); se, por outro lado, eles forem insuficientes, os investimentos requererão recursos
adicionais provenientes do mercado de capitais (evidentemente, se a tarifa for corretamente calculada, os
agentes terão o incentivo financeiro para buscar esses recursos).
Entretanto, ainda no contexto da ACE, existe uma concepção mais radical da tarifa como instrumento de
financiamento. A ideia básica é a de ratear os custos de investimento, em cada período, entre todos os
agentes poluidores, de modo que o total arrecadado em cada período coincida integralmente com esse valor.
No caso de uma gestão de bacia descentralizada e participativa, pelo esquema comitê/agência, tal enfoque
— que é denominado “enfoque de rateio de custos” — torna-se muito atraente pelo caráter de total
autofinanciamento das intervenções e pelo fato de se associar muito intuitivamente à ideia de os
participantes de um comitê de bacia serem como que “condôminos”, que devem repartir entre si os encargos
de proteção/recuperação das águas da bacia. Todo esse raciocínio, tendo em vista o PPP, vale também para
o PUP em que, além da cobrança pelo despejo de efluentes, temos a cobrança pela retirada de água bruta.
O enfoque de rateio de custos merece algumas observações. Ainda que modelos matemáticos resultantes
desse enfoque (às vezes, até modelos de otimização) sejam suficientemente sofisticados e flexíveis para
levar em conta várias características dos usuários e, dentro de seus pressupostos iniciais, sejam logicamente
inatacáveis e operacionalmente factíveis, é preciso ressaltar alguns problemas concretos de implementação.
Embora, no que tange ao despejo de efluentes, leve ao abatimento, primeiramente, pelos que têm menor
custo de abatimento, o requisito de autofinanciamento total pelos usuários coloca em questão os temas de
como induzir determinados usuários a tratar (já que não há, necessariamente, incitatividade na tarifa), bem
como da repercussão financeira, para os usuários que pagam e não tratam, pelo fato de ter que arcar com o
total dos investimentos (e não com o custo anual equivalente, na margem, do tratamento).
Essa longa digressão nos coloca em posição de fazer uma avaliação crítica da experiência brasileira,
atualmente em andamento, de aplicação do PUP (PPP + cobrança pela retirada de água bruta) na gestão dos
recursos hídricos. Como foi delineado no Quadro 4.1, a legislação brasileira, tanto em nível constitucional
(da União e dos Estados Federados) como em nível infraconstitucional, permite vislumbrar um alinhamento
perfeito da legislação aos aspectos teóricos e operacionais da ACE. Porém, infelizmente, na experiência
concreta, até agora, ainda estamos muito longe de tal alinhamento. Aparentemente, ao se examinar a
experiência do comitê do Rio Paraíba do Sul e do comitê dos Rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari, a
tarifação pelo uso dos recursos hídricos (PUP) está se dando dentro do marco do rateio de custos, deixando
de lado a questão da incitatividade da tarifa, sob o argumento de que é preciso fazer “deslanchar” o sistema
e começar com tarifas bem baixas, negociadas em nível de comitê, e que permitam, então, repartir os custos
das intervenções. Contudo, se examinarmos mais de perto a sistemática que está sendo aplicada, podemos
ver que tal rateio de custos não corresponde ao que foi exposto, dentro do marco de referência da ACE. De
fato, o que está acontecendo nas experiências em curso é a negociação de uma tarifa para retirada de água e
outra para DBO e, depois, a determinação — via seleção de projetos de intervenção que se candidatam aos
recursos — dos investimentos que serão realizados,* não havendo necessariamente um casamento entre as
intervenções e a curva escalonada da Figura 4.3, que ordena as intervenções por custo marginal crescente.
Em outras palavras: não há como assegurar que a experiência em curso seja custo-efetiva. Em meu
entender, isto torna o sistema muito vulnerável e o afasta do objetivo principal da legislação vigente que
pretende, explicitamente, realçar o valor econômico da água. O preço da água assim determinado, quer para
retirada, quer para despejo de efluentes, não sinaliza nada em matéria de sua escassez relativa, ficando
apenas como uma transação entre usuários para ratear os custos de ações que poderão, talvez, ter alguma
eficácia em termos de proteção/recuperação, mas que, certamente, não terão nem eficiência nem velocidade
no alcance de objetivos de qualidade.
Na operacionalização de uma política custo-efetiva de combate à poluição, além do PPP, existe uma
segunda alternativa de se proceder ao racionamento do bem ambiental no sentido de alcançar
gradativamente os objetivos do Enquadramento. Trata-se dos chamados Certificados Negociáveis de
Poluição (embora, talvez mais corretamente, devessem ser chamados Certificados Negociáveis de
Emissão).
Nessa sistemática, parte-se de uma situação em que a sociedade, via Estado, faz a apropriação de um
recurso ambiental que se tornou escasso relativamente aos seus múltiplos usos (por exemplo, a calota de ar
de uma região metropolitana) e que, por conseguinte, não comporta mais o status de bem comum de livre
acesso. Tendo determinado qual a quantidade máxima de poluente compatível com a meta de qualidade
estabelecida (meta parcial ou final), a autoridade ambiental emite a quantidade correspondente de
Certificados Negociáveis de Poluição e os distribui entre os agentes poluidores, ou por leilão ou por
alocação proporcional às respectivas emissões. A partir daí, cada agente poluidor só poderá emitir
quantidade de poluente igual ao total estipulado nos certificados em seu poder. Se ele quiser emitir
quantidade maior de poluente, terá que se habilitar à compra de certificados de agentes que queiram vendê-
los. As enormes diferenças de custo de abatimento geram as possibilidades de mercado correspondentes.
O caso do Rio dos Sinos, que nos serviu para detalhar o funcionamento do PPP, também nos servirá para
ilustrar o caso dos CNPs: Suponhamos que, como no caso anterior, a autoridade ambiental* deseje abater,
em um período de 5 anos, algo em torno 40% da carga poluidora (DBO5). Para tanto, emite CNPs no total
de 54.000 ton/ano,** distribuindo-os entre os agentes poluidores proporcionalmente às suas emissões.
Se cada agente se limitar à emissão correpondente aos CNPs recebidos, cada um abaterá 40% de sua
própria carga. Entretanto, havendo liberdade de negociação (e isto está implícito no sistema, daí o seu
nome) haverá transações no mercado de CNPs. Os agentes poluidores do primeiro setor, cujo custo de
abatimento é de US$8/ton desejarão vender o maior número de CNPs se puderem obter por eles mais do
que esses US$8/ton — comprometendo-se, por conseguinte, a tratar mais do que os 40% que lhes
correspondem pela alocação inicial. Os agentes do segundo setor serão candidatos a comprar, caso possam
obter certificados por menos do que US$11/ton; os do terceiro, caso possam obter por menos do que
US$500/ton; etc. Desde que haja um número bastante elevado de possíveis compradores e possíveis
vendedores, estabelece-se um mercado de CNPs que leva ao mesmo resultado que o PPP: abatem-se os 40%
almejados ao menor custo para a sociedade. A solução é custo-efetiva.
Quanto aos requisitos informacionais para a implementação desse tipo de política, o leitor já terá
percebido que eles são praticamente equivalentes aos do caso do PPP.
A sistemática de gestão ambiental por meio de CNPs, na consecução mais eficiente de metas
socialmente acordadas (ACE), deve ser creditada ao economista canadense John Dales que — ao postular,
como base, a propriedade estatal do bem ambiental e, a partir daí, utilizar amplamente os mecanismos de
mercado — equacionou e resolveu a grave questão dos custos de transação que seria revelada caso se
adotasse um esquema puramente baseado no “seminal paper” de Ronald Coase.
O programa norte-americano de combate à chuva ácida, conduzido em escala nacional pela
Environmental Protection Agency (EPA) atualmente, é o maior exemplo de aplicação da sistemática
exposta. O esquema de MDLs, no contexto do Protocolo de Quioto, é uma extrapolação, para uma escala
mundial, do mecanismo de CNPs. A destacar, por fim, que no caso brasileiro de poluição do ar, os
instrumentos utilizados ainda estão totalmente na era da política de comando-e-controle e seus padrões de
emissão.
4.4 A internalização dos custos de controle: a análise de
custo-benefício (ACB)
A Figura 4.4 a seguir ilustra a aplicação do PPP no contexto da Análise de Custo-Benefício (ACB). Como
se pode ver, o gráfico se assemelha muito ao da Figura 4.2, que trata da aplicação PPP no contexto da ACE.
Ele foi assim construído para mostrar justamente a semelhança e a diferença entre a ACB e a ACE.
Se, agora, considerarmos o PUP, que, no caso das águas, engloba a cobrança pelo despejo de efluentes e
a cobrança pela retirada de água bruta do manancial, a característica de um preço é ainda mais acentuada. E,
se nos detivermos sobre o mecanismo dos CNPs no caso da calota de ar em uma região metropolitana, a
característica de renda transparece nitidamente. De fato, uma vez que o Estado, em nome da sociedade, se
apropria do bem ambiental (no caso, a camada de ar) e permite o seu uso de forma racionada, bem como a
negociação dos direitos de uso entre os usuários, temos algo como um “aluguel de um espaço ambiental”,
uma renda de escassez.
Assim sendo, a assimilação da gestão ambiental ao racionamento de um bem natural escasso, cujos
serviços são “arrendados” pelos usuários, possibilitando assim um uso ótimo (ou, ao menos, razoável) no
curto prazo e sustentável no longo, tem, do ponto de vista teórico, um valor explicativo e unificador difícil
de ser superestimado. Efetivamente, considerando o trabalho clássico de H. Scott Gordon (1954) sobre
recursos pesqueiros, passando pela análise intertemporal dos royalties de explorações mineiras, feita por
Gray (1914) e Hotelling (1931), e culminando com a análise de John Dales (1968) sobre poluição,
propriedade estatal e mecanismos de mercado, a noção de “renda de escassez” pelo uso de um bem
ambiental perpassa todo o território da economia ambiental e a economia dos recursos naturais, permitindo
uma unificação teórica verdadeiramente iluminadora e fértil.
4.6 ACE x ACB no combate à poluição: um cotejo
Como já foi apontado anteriormente, a aplicação da ACB na determinação da meta final de abatimento
enfrenta um sério problema de operacionalização devido às dificuldades de mensuração dos benefícios.
Entretanto, esta é uma dificuldade geral da ACB em qualquer das suas aplicações e não chega a constituir
uma objeção fatal: o conhecimento evolui e em futuro talvez não tão distante tal mensuração possa vir a ser
feita de forma expedita.
Entretanto, o que temos a tratar aqui são as objeções específicas à aplicação da ACB em políticas de
combate à poluição. A crítica se centra no fato de que a curva de benefício marginal pode ser muito “baixa”
levando a um ponto de interseção com a curva de custo marginal que implique um nível ótimo de
abatimento desprezível. No limite, a curva de benefício marginal pode, inclusive, ficar abaixo da curva de
custo marginal, significando isto que nenhuma medida de abatimento deve ser tomada: os custos não
compensam os benefícios.
Mas, qual ou quais as razões pelas quais a curva de benefício marginal pode se situar em nível tão baixo
em relação à curva de custo marginal? Uma primeira razão é a de que, embora os custos sejam atuais e
devidamente medidos, os benefícios constituem um fluxo que se estende no futuro bastante longo e que, ao
serem descontados a fim de poderem ser comparados com os custos incidentes no momento zero, assumem
um valor atual muito reduzido (a taxa social de retorno é desprezível). E isto é particularmente agravado no
caso de países subdesenvolvidos onde a taxa de juros de desconto (refletindo a preferência temporal da
sociedade) é muito alta. Uma segunda razão foi explicitada pelo economista alemão Wilhelm Kapp — um
dos fundadores da economia do meio ambiente, ainda nos anos 1950 — em sua polêmica com o economista
britânico Wilfred Beckermann: a curva de benefício marginal é, na realidade, uma curva de demanda (curva
de disposição a pagar) que depende da renda dos consumidores e do nível de informações que esses
consumidores têm sobre os efeitos da poluição na saúde, no bem-estar e sobre o entorno (materiais, seres
vivos e amenidades ambientais). Assim sendo, em países de baixa renda per capita e/ou distribuição de
renda muito desigual, mesmo que se consiga eficazmente a revelação de preferências, as curvas de
benefício marginal se revelam muito aquém do adequado para provocar intervenções de
proteção/recuperação ambiental.
Além de tudo isso, estudo de David Pearce — um dos pioneiros da área — mostrou que existem casos
em que, mesmo que se possam determinar os custos e os benefícios do abatimento, o ponto ótimo,
correspondente à igualdade BMg = CMg, embora seja eficiente do ponto de vista estático, pode, ainda
assim, ser inadequado do ponto de vista dinâmico. Isto pode acontecer quando o ponto eficiente, sob o
ângulo ACB, é superior à capacidade assimilativa do corpo receptor, desencadeando processos dinâmicos
de comprometimento crescente dessa capacidade e afetando esta ou gerações vindouras. Em terminologia
mais atual, um ponto eficiente, no curto prazo, pode levar a uma insustentabilidade, no longo.
Por todas essas razões, W. Kapp propôs, desde seus primeiros escritos, a sistemática da ACE: a
consecução ao menor custo para a sociedade de metas socialmente acordadas. Coube a W. J. Baumol e W.
E. Oates formalizar esta abordagem na década de 1970.
4.7 Bens ambientais transnacionais
Por mais sofisticados que sejam os sistemas de utilização de instrumentos econômicos (PPP e CNPs),
dentro de marcos de referência custo-efetivos, implementados por diversos países no sentido de combater a
poluição do ar e da água, o fato incontestável é que tudo isso só é possível dentro dos limites de um Estado
nacional, que é capaz de assumir o domínio do bem ambiental e passa a geri-lo, em nome da sociedade,
mediante metas explícitas e instrumentos de indução adequados. Não importa quão imperfeita seja a política
ambiental resultante, sempre é possível, ao menos conceitualmente, aperfeiçoá-la.
Entretanto, quando passamos a temas como o do comprometimento da camada de ozônio, das chuvas
ácidas intercontinentais, do aquecimento global e do efeito estufa, do perigo de extinção de cardumes
marítimos e das baleias etc., nos defrontamos com uma absoluta impossibilidade de um sistema semelhante.
Como terá sido percebido, falta-nos o elemento essencial: o Estado. De fato, a inexistência de um Estado
supranacional coloca a economia ambiental, na melhor das hipóteses, em uma posição analítica, nunca
prescritiva.
Assim sendo, quaisquer ações antipoluição que envolvam mais de um país — como é o caso,
atualmente, do tema relativo ao aquecimento global e às negociações pós-Quioto — devem ser executadas
dentro do marco de tratados internacionais, cuja possibilidade concreta de implementação só pode ser
examinada com referenciais analíticos que ultrapassam o âmbito deste capítulo. Por outro lado,
infelizmente, pelo próprio enunciado das questões, vemos que o tema da sustentabilidade se desloca para
questões de abrangência planetária. Assim sendo, faz-se necessário um balanço do que pudemos aprender
até aqui. Isto nos encaminha para a última seção do capítulo.
4.8 As políticas ambientais e a sustentabilidade
Encerramos este capítulo discutindo, de maneira mais ampla, o alcance e os limites da aplicação de toda
essa parafernália de instrumentos econômicos, padrões de qualidade etc., na formulação e execução de
políticas ambientais (veja também o capítulo 7). Tal discussão parece-nos de todo conveniente, dada a
ampla faixa de contestações que se fazem à aplicação do PPP (ou dos CNPs). Essas objeções vão desde a
rasteira “Pagar pelo uso dos nosso rios? Mas a água já é tão cara...” até a necessidade de “...urgentemente
redefinir um novo paradigma de sociedade e bem-estar social, de padrões de consumo e a distribuição
equitativa dos benefícios do desenvolvimento econômico que justifiquem nossas relações com o meio
ambiente”, passando pelo “Cobrar? Tudo bem. Mas em que é que isso contribui na luta pela
sustentabilidade?”.
Quanto à primeira objeção, praticamente não há o que acrescentar ao que foi exposto: com o processo de
desenvolvimento, a natureza, antes um “bem livre”, torna-se escassa em relação às necessidades. Como
tudo o que se torna escasso, adquire um preço... Bem, o leitor já viu a resposta consubstanciadamente.
Quanto às duas outras objeções, intimamente correlacionadas, temos que proceder a algumas rápidas
considerações.
Quanto à necessidade de um novo paradigma, é nossa opinião que a melhor resposta ainda pode ser
achada em um dos textos “seminais” da economia ambiental. Trata-se do artigo de K. E. Boulding, The
economics of the coming spaceship earth, apresentado no Seminário Environmental Quality in a Growing
Economy promovido pela Resources for the Future, em 1966. Neste artigo clássico, verdadeira certidão de
batismo da economia ambiental, Boulding, um pouco ao estilo weberiano dos “tipos ideais”, nos fala da
transição que o planeta Terra está enfrentando ao passar da “economia do cowboy” para a “economia da
espaçonave”. Naquela — a economia da grande planície, dos poucos habitantes por quilômetro quadrado,
da baixa produção per capita e da tecnologia geradora de resíduos biodegradáveis — a produção e o
consumo são perfeitamente compatíveis com a capacidade de suporte e assimilação do meio ambiente. A
natureza é, pois, um “bem livre”.
No mundo de hoje, entretanto, via crescimento contínuo, aproximamo-nos celeremente do outro
extremo, a “economia da espaçonave”. Aqui, a alta densidade demográfica, a alta produção per capita, a
elevada utilização de insumos naturais (inclusive os não renováveis), a geração em grande escala de
resíduos, tanto degradáveis quanto não degradáveis pela natureza, tudo isto faz com que o meio ambiente
não seja mais um bem livre. Precisamos “economizá-lo”. Mas, ressalta Boulding, a verdadeira solução para
o problema exige duas posturas complementares.
Em primeiro lugar, uma mudança de longo prazo nos padrões de consumo — o ótimo social não
resultará da maximização, mas sim da minimização do consumo. Em segundo lugar, uma minimização de
input físico por unidade de utilidade para o consumidor, implicando pois uma minimização da utilização do
meio ambiente como provedor de insumos e como fossa de resíduos (no limite, ciclos fechados de
materiais).
Que a Academia e os governos tenham desenvolvido preferencialmente a segunda linha, não surpreende,
pois ela está evidentemente mais ao alcance de nossa cultura e instituições atuais (do Ocidente e da
Revolução Industrial). Já a primeira linha, com a verdadeira revolução social, cultural e até religiosa, que
ela exige, não será feita pela Academia ou pelos governos no seu dia a dia. O que é preciso compreender —
daí a complementaridade das duas posturas — é que, na medida em que formos capazes de operar
competentemente a segunda, no dia a dia, mais tempo a Humanidade ganhará para fazer a transformação —
necessária, aliás — da sociedade, transformação essa inerente à primeira postura. Em síntese: uma postura
economizadora, hoje, tem sentido tático perfeitamente coerente com uma estratégia de longo prazo.
Já a questão da contribuição de instrumentos econômicos, como o PPP e os CNPs, no contexto de uma
política de sustentabilidade, está intimamente correlacionada com a anterior, mas exige comentários
específicos. Sem entrar na discussão do conceito de desenvolvimento sustentável, adotaremos a noção de
“sustentabilidade forte”, que vem sendo trabalhada pela economia ecológica, e que implica a adoção do
princípio da precaução (dada a incerteza quanto ao futuro) na utilização do meio ambiente e no legado, às
gerações futuras, de um capital natural mantido, utilizável e, no caso dos recursos exauríveis, devidamente
substituído. A pergunta que cabe, então, é: em que medida um instrumento como o PPP aplicado ao caso
dos recursos hídricos, por exemplo (o raciocínio para os CNPs é idêntico), contribui no contexto de uma
política desse tipo? A resposta, segundo nos parece, é dupla. De um lado, o PPP, aplicado dentro do marco
legal esboçado no Quadro 4.1, em escala regional ou nacional, faz parte, na verdade, de um sistema que
aprende na medida em que, tendo este um subsistema de monitoramento e de transparência pública, pode
permanentemente cotejar resultados de ações com metas e, assim, eventualmente corrigir rumos. Com base
nisso pode-se postular perfeitamente um legado, às gerações seguintes, de cursos d’água que não estarão
extintos nem serão cloacas, simples condutoras de dejetos. O mesmo raciocínio se aplica, evidentemente, à
gestão de nossas calotas de ar em regiões metropolitanas. Neste sentido, há uma clara vinculação do
esquema de aplicação do PPP com a perspectiva da sustentabilidade forte. De outro lado, entretanto, deve
também ficar claro que esta vinculação, embora clara, não é uma identidade. De fato, sustentabilidade forte
diz respeito aos bens naturais e ambientais na sua totalidade, i. e., ao meio ambiente como um todo. Ora,
como vimos, a aplicação do PPP isoladamente aos recursos hídricos (ou ao ar metropolitano) diz respeito à
gestão apenas de um desses bens naturais: os corpos d’água (ou o ar). Assim sendo, ela não garante, per se,
nenhuma sustentabilidade efetiva se políticas paralelas e compatíveis não forem executadas no que tange
aos demais corpos receptores e demais bens naturais. E, na medida em que se passa a discutir a
sustentabilidade global do planeta Terra, em subsistemas cada vez mais abrangentes, compreende-se que
temos ainda muito (tudo?) que avançar em termos de conhecimento econômico-ambiental relevante. A
presente obra foi pensada, justamente, para, sob diversos ângulos explorar possíveis respostas.
De qualquer modo, parece-nos fundamental que nosso país — bem como o conjunto dos países em
desenvolvimento — ingressem de uma vez na etapa de utilização de instrumentos econômicos, em um
contexto de ACE, superando definitivamente a fase de Command and Control Policy na gestão das águas e
do ar. Em nossa opinião, o processo de colocar um preço nos ativos ambientais e em seus serviços é de
primordial e urgente importância, ao reconhecer a mensagem de D. Ricardo e J. Dales: um bem natural que
se torna escasso, relativamente às suas necessidades, precisa ser apropriado (no limite, pelo Estado) e faz
jus a uma renda de escassez. Seria uma pretensão e arrogância típicas de economista dizer que tal medida
constituiria uma condição suficiente para a correção de rumos no que tange ao meio ambiente. Mas, por
outro lado, reputamos como um erro provavelmente fatal não considerá-la como condição necessária.
Sugestões de leitura
Uma leitura fundamental é a do “seminal paper” de Boulding (1966).
Para um aprofundamento da abordagem de ACE, é importante examinar a polêmica Kapp-Beckermann
(ver Sachs, 1972) e o texto de Baumol & Oates (1978).
O estudante da economia do meio ambiente não pode prescindir dos conhecimentos mínimos das
ciências “duras” (física, química, biologia, geologia etc.) que estão na base das questões, e soluções,
ambientais. Dois excelentes textos são Braga et al. (2002) e McKinney et al. (2007). O de Vesilind e Peirce
(1983) também é muito bom.
Dois textos de economia do meio ambiente adequados para estudo e consulta são o de Tietenberg (1992)
e o de Kolstad (2000).
Para quem quiser informações adicionais e relevantes sobre as questões relativas aos recursos hídricos,
duas referências se impõem: Tundisi (2003) e Hartmann (2008). O livro do prof. Tundisi traça um
panorama amplo, mundial e nacional, da problemática das águas e é muito rico em informações. O livro do
dr. Hartmann é a tradução de sua tese de doutoramento, na Alemanha, e trata detalhadamente das propostas
e das práticas, no Brasil, referentes à aplicação do princípio usuário pagador na gestão dos recursos
hídricos.
Referências bibliográficas
1. Agência Nacional de Águas (Brasil). A implementação da cobrança pelo uso de recursos hídricos
e agência de água das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Brasília: ANA, SAG;
2007.
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Alegre: EDIPUCRS; 2000.
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Management — A Case Study of the Ljubljana Area of Yugoslavia. Washington: Resources for the
Future; 1978.
5. Baumol WJ, Oates WE. The Use of Standards and Prices for Protection of Environment. Swedish J
Econ 1971;42–54 mar.
6. Baumol WJ, Oates WEW. Economics, Environmental Policy and the Quality of Life. Englewoods
Cliffs: Prentice-Hall; 1979;.
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Quality in a Growing Economy. Johns Hopkins Un. Press: Baltimore; 1966.
9. Braga B, et al. Introdução à engenharia ambiental. São Paulo: Prentice-Hall; 2002.
10. Cánepa, E.M. O sistema estadual de recursos hídricos do RS e a indução à inovação. Trabalho
apresentado no Congresso Internacional das Instituições de Pesquisa Tecnológica (Biennial
Congress WAITRO), realizado em Porto Alegre, RS, set/2002.
11. Cánepa EM, Pereira JS, Lanna AEL. A política de recursos hídricos e o princípio usuário
pagador. Revista Brasileira de Recursos Hídricos (RBRH). 1999;4 (Trabalho originalmente
apresentado ao II Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, SP, 1997).
12. Cánepa, E. M.; Pereira, J. S. O princípio poluidor pagador: uma aplicação de tarifas incitativas
múltiplas à bacia do Rio dos Sinos, RS. Trabalho apresentado no IV Encontro da Sociedade
Brasileira de Economia Ecológica, realizado em Belém, PA, nov./2001.
13. Conselho de Recursos Hídricos/RS. Simulação de uma proposta de gerenciamento dos recursos
hídricos na bacia do Rio dos Sinos. Relatório final. Trabalho elaborado por Magna
Engenharia, com a colaboração do Instituo de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, Porto Alegre,
RS, 1996.
14. Crabbé PJ. The Contribution of L C Gray to the Economic Theory of Exhaustible Natural
Resources and its Roots in the History of Economic Thought. Journal of Environmental
Economics and Management 1986.
15. Dales JH. Pollution, Property and Prices. Toronto: University of Toronto Press; 1968.
16. Dias FM, Ramos FS. Mercados artificiais e controle da poluição: alguns aspectos teóricos e
empíricos. In: Análise econômica. Porto Alegre: FCE/UFRGS; 2001.
17. Faucheux S, Noël JF. Economia dos recursos naturais e do meio ambiente. Lisboa: Instituto
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18. Franke, A E. Questionamento da cobrança como instrumento de gestão dos recursos hídricos.
Trabalho apresentado ao Singreh, em Gramado, RS, 1998.
19. Gordon HS. The Economic Theory of Common-Property Resource: the Fishery. Journal of
Political Economy 1954.
20. Granziera MLM. Direito das águas — disciplina jurídica das águas doces. São Paulo: Atlas;
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21. Gray LC. Rent Under the Assumption of Exhaustibility. Quarterly Journal of Economics 1914.
22. Hardin G. The Tragedy of Commons. Science. 1968;162.
23. Hartmann, P. A cobrança pelo uso da água como instrumento na política ambiental: estudo
comparativo e avaliação econômica dos modelos de cobrança pelo uso de água bruta
propostos e implementados no Brasil. Este livro será brevemente lançado, editado pela
Assembleia Legislativa do RS com a colaboração (na tradução do original alemão) da
Fundação Konrad Adenauer.
24. Hotelling H. The Economics of Exhaustible Resources. Journal of Political Economy 1931.
25. Kolstad CD. Environmental Economics. Nova York: Oxford University Press; 2000.
26. McKinney ML, Schoch RM, Yonavjak L. Environmental Science: Systems and Solutions. 4
Sudbury, MA: Jones and Bartlett Publishers; 2007.
27. Mendes Thame AC(org). A cobrança pelo uso da água. São Paulo: Iqual; 2000.
28. Mishan EJ. Introduction to Normative Economics. New York: Oxford University Press; 1981.
29. Motta RSda, Young CEF. Projeto instrumentos econômicos para a gestão ambiental — Relatório
final. Rio de Janeiro: Ipea; 1997.
30. Nicolazo JL. Les Agences de l’Eau. Paris: Ed. Johanet; 1989.
31. Pearce DW. Environmental Economics. London: Longman; 1976.
32. Pereira JS, Lanna AEL, Cánepa EM. Desenvolvimento de um sistema de apoio à cobrança pelo
uso da água: aplicação à bacia do Rio dos Sinos, RS. Revista Brasileira de Recursos Hídricos
(RBRH). 1999;4.
33. Rhin-Meuse Informations (jornal do Comitê e da Agência Rhin-Meuse): número especial de set.-
out./89.
34. Rhin-Meuse Informations. Número especial de dez./89-jan./90.
35. Ricardo D. Princípios de economia política e tributação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian;
1983.
36. Sachs I(org). Political Economy of Environment — Problems of Method. Paris: Mouton; 1972;
Nesta obra estão os três artigos que compõem a polêmica Kapp-Beckermann.
37. Tietenberg T. Environmental and Natural Resource Economics. 3 Nova York: Harper Collins;
1992.
38. Tundisi JG. Água no século XXI — enfrentando a escassez. São Carlos, SP: RiMA, IIE; 2003.
39. Vesilind PA, Peirce JJ. Environmental Pollution and Control. 2 Ann Arbor: Ann Arbor Science
Publishers; 1983.
1O autor agradece a Daniela Loguercio Cánepa pelo auxílio em várias etapas do trabalho.
*Padrão de qualidade de um corpo receptor indica a concentração máxima que um poluente pode atingir nesse corpo, sendo ela especificada em função de um período médio de tempo (p. ex., média
aritmética anual não superior a 80 microgramas/m3 de dióxido de enxofre na calota de ar de uma região metropolitana).
*Tal curva é construída pela agência de bacia tendo por base informações sobre as tecnologias de abatimento disponíveis comercialmente (em geral, end-of-pipe).
*Ver Cánepa et al. (1999). O estudo é uma tentativa de comprovar a possibilidade de aplicação de uma abordagem custo-efetiva no contexto da Constituição estadual do RS e da Lei no 10.350/1994 (Lei
das Águas do RS).
*Evidentemente, é possível iniciar o processo de abatimento da poluição utilizando, desde logo, tarifas puras de financiamento. Isso implica acordos específicos com os segmentos produtivos que
receberão os recursos arrecadados e farão o tratamento. Para uma aplicação à mesma bacia do Rio dos Sinos, ver Pereira et al. (1999).
*“At the heart of the Ricardian system is the notion that economic growth must sooner or later peter out owing to scarcity of natural resources”. (BLAUG, 1978).
**Para um exemplo de possível política complementar de estímulo à P&D e Inovação Tecnológica, ver Cánepa, 2002.
***O caso da bacia do Rio dos Sinos é ampliado para contemplar essa possibilidade em Cánepa & Pereira, 2002
*Isto fica particularmente claro no texto da ANA sobre a experiência do comitê e da agência dos Rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari (ver Agência Nacional de Águas, 2007).
*No caso de gestão do bem ambiental por meio de CNPs, a administração centralizada se impõe. Como veremos, o mercado assim criado se encarrega do resto.
Mensurando a sustentabilidade 1
W. E. DEMING
Pretendemos neste capítulo apresentar diversas maneiras de mensurar a sustentabilidade por meio de
indicadores e índices, mesmo sabendo que, pelo atual estado da arte, a sustentabilidade é imensurável.
Portanto, o que vamos mostrar são medidas parciais e aproximativas da sustentabilidade, mas que mesmo
assim são úteis tanto para estudo e pesquisa quanto para o planejamento e implementação de políticas e
ainda para a tomada de decisões concernentes ao desenvolvimento sustentável nas esferas pública e privada.
Não abordaremos aqui as Contas Econômico-Ambientais, que são objeto de um capítulo específico neste
livro (veja Young, neste volume).
Mas por que a sustentabilidade é imensurável? Em primeiro lugar porque não existe uma definição
universalmente aceita sobre sustentabilidade que possa ser aplicada a todas as situações e que não seja
excessivamente genérica e pouco precisa. Em segundo lugar, as estatísticas disponíveis sobre esse tema
ainda são insuficientes para dar conta desse objeto, mesmo adotando-se definições mais restritas do que seja
sustentabilidade. Um bom exemplo disso são as estatísticas sobre desmatamento no Brasil. Só existem
séries estatísticas sobre esse tema no país, e mesmo assim com problemas,* para a Amazônia. Para o resto
do país pouco existe a respeito.
Este texto se divide em seis partes. Na primeira temos uma discussão sobre o que é sustentabilidade. Em
seguida discutimos o que é desenvolvimento sustentável, e depois o que são estatísticas e indicadores,
destacando as propriedades desejáveis dos indicadores. Na quarta parte é discutido o que é um índice e
serão apresentados os principais índices usados para mensurar a sustentabilidade. Na quinta parte
apresentamos os principais marcos ordenadores utilizados para apresentação dos indicadores, destacando o
modelo “Pressão-Estado-Resposta” (PER). À guisa de conclusão, apresentamos uma curta nota sobre
indicadores que estão sendo ou serão desenvolvidos.
5.1 O que é sustentabilidade
O que não é bem definido certamente não será bem mensurado.
OECD
Sustentável é o que pode ser mantido. Em ecologia pode-se dizer que todo ecossistema tem algum grau
de sustentabilidade ou resiliência, que grosso modo pode ser entendido como a capacidade do ecossistema
de enfrentar perturbações externas sem comprometer suas funções.*
Pelo lado da economia, sem voltar muito atrás, a preocupação com a sustentabilidade surge da discussão
de como sustentar o crescimento no longo prazo, dado que a função de produção além do capital incorpora
agora também os recursos naturais.2 Nessa abordagem é adotada a hipótese usual de substituição perfeita
entre os fatores produtivos. Para Solow, um economista neoclássico, para haver justiça e equidade entre as
gerações, o consumo per capita deveria ser constante ou crescente ao longo prazo** — premissa que ficou
conhecida como o “critério de Solow”. Para isso ser possível é necessário que o estoque de capital total seja
mantido constante.3 O conceito de capital abrangeria tanto o capital natural exaurível quanto o capital
reprodutível.4***
Os textos de Solow iniciaram o que pode ser considerado a “controvérsia do capital” da economia
ecológica. De um lado ficaram os defensores da “sustentabilidade fraca”, segundo a qual não interessava
como era feita a distribuição entre capital natural exaurível e o reprodutível, o importante era que o capital
total permanecesse constante. Ou seja, substituir uma floresta por uma indústria não seria um problema,
desde que ambos tivessem o mesmo valor, pois, a princípio, se estaria substituindo um tipo de capital por
outro. Está implícito aqui que não haveria maiores dificuldades em mensurar monetariamente o estoque dos
diferentes tipos de capital.
Do outro lado ficaram os defensores da “sustentabilidade forte”, como Daly, que defendem que o capital
natural é complementar e não substituível pelo capital reprodutível. O capital natural, para se assegurar a
sustentabilidade, deveria ser mantido constante, no todo ou em pelo menos uma parte do mesmo, o
chamado capital natural crítico.
Antes de prosseguirmos é importante esclarecer alguns conceitos. Comumente os recursos naturais são
apresentados como sendo de dois tipos, os renováveis e os não renováveis. Essa divisão, embora correta,
nos induz a pensar que nossa preocupação deva ser apenas com os recursos não-renováveis, o que é
incorreto, pois ambos são exauríveis. Tanto o petróleo vai um dia ser exaurido, pois não é produzido na
nossa escala de tempo e sim apenas extraído da natureza, quanto a água doce pode acabar, se seu consumo
se der a taxas maiores que a da sua reposição pela natureza. Para ambos os casos é fundamental saber
quanto o volume do fluxo (extração de petróleo e de água) compromete o nível dos estoques e também
saber qual seria o estoque mínimo desejável ou imprescindível (ver Rodrigues, neste volume).
Segundo Ekins (1992) e Ekins et al. (2002) existem quatro tipos de capital: manufaturado, humano,
social/organizacional e natural. O estoque de cada um gera um fluxo de “serviços” que serve de insumo
para o processo produtivo e está associado a algum tipo de sustentabilidade. Capital reprodutível pode ser
considerado genericamente como “todas as formas de capital, manufaturado, humano ou natural, passíveis
de reprodução”.*
Segundo Berkes e Folke (1994), citado em England (2006), o capital natural abrangeria recursos não
renováveis extraídos de ecossistemas, recursos renováveis produzidos e mantidos por ecossistemas e
serviços ambientais. Segundo Ekins et al. (2002) são quatro as funções do capital natural: prover matérias-
primas para a produção, absorver os resíduos gerados pela produção e pelo consumo; prover as funções
básicas que tornam possível a vida na terra (ex.: estabilidade do clima e produção de oxigênio) e geração de
serviços de amenidades (ex.: beleza das paisagens). O capital natural crítico pode ser definido como a parte
do ambiente natural que desempenha funções importantes e insubstituíveis (ex.: função de regulação do
clima).5
Para a economia ecológica, a sustentabilidade do capital natural é de especial importância, pois é ela que
garante a existência de vida humana na Terra. Portanto, o desdobramento natural dessa discussão seria
definir os níveis de capital natural crítico (ex.: níveis de qualidade do ar e da água, ou do acúmulo de gases
na atmosfera) e a partir daí os fluxos necessários a sua manutenção (ex.: emissões de CO2). Dessa forma, os
indicadores mostrariam se estamos ou não nos aproximando desse nível crítico. Mas, antes de entrarmos na
discussão sobre indicadores, iremos discutir o conceito de desenvolvimento sustentável, dado que o mesmo
serve de base para a construção de muitos indicadores.
5.2 O que é desenvolvimento sustentável
“Desenvolvimento sustentável” é um enigma à espera de seu Édipo.
MARK TWAIN
Figura 5.1 Pirâmide de Informações. Fonte: Adaptado de Hammond et al. (1995) apud
Bellen (2001).
Vamos explicar os níveis da pirâmide por meio de um exemplo. Suponha que uma pessoa seja assaltada.
Dificilmente ela vai guardar essa informação para si, pois todo mundo gosta de contar uma história de
assalto. Se ela só contar para os amigos, pouca gente ficará sabendo. Já se sair no jornal, a informação
atingirá um público maior, mas continuará sendo apenas uma informação. Para essa informação se tornar
uma estatística, a pessoa terá de registrar seu assalto em uma delegacia. Como os governos estaduais têm
atualmente órgãos dedicados à produção de estatísticas na área de segurança pública, esse registro
administrativo será coletado, criticado, com vistas a verificar inconsistências, depois agregado a outras
informações do gênero, e só então se tornará uma estatística. Essa metamorfose, da informação bruta para a
estatística, não ocorre espontaneamente, existem pessoas trabalhando nisso e um sistema montado para tal.
O que significa, por exemplo, ter um formulário padrão para todas as delegacias, treinamento dos policiais
para o preenchimento do formulário, o que envolve a redação de um manual de instruções onde os delitos
estão claramente definidos, a partir da literatura técnica pertinente. Além disso, necessita-se de uma equipe
de especialistas que faça a crítica e agregue essas informações e depois analise seus resultados, construindo
assim uma série estatística. A lógica será a mesma se a informação for coletada diretamente pelo órgão de
estatística junto às empresas (ex.: produção industrial) ou em domicílios (ex.: emprego e renda).
O grande funil da pirâmide e o grande desafio da sociedade e dos órgãos produtores de estatística é a
transformação de informações dispersas em questionários e registros administrativos. Por isso, é importante
lembrar, que nem todo número com o nome de estatística — o que lhe dá um “status científico” — é de fato
uma estatística e, em sendo, que seja útil para o propósito do usuário. Por exemplo, essa “estatística” pode
ter uma metodologia falha.* Outro erro comum, dessa vez do usuário, é a estatística ser útil, mas não se
saber utilizá-la.**
Um indicador é sempre uma estatística, pelo menos para efeito do que estamos tratando aqui, mas
existem indicadores que não são estatísticas. Daremos dois exemplos. Certo som do apito de um guarda de
trânsito é um indicador, para o motorista, de que deve parar seu carro (e provavelmente isso vai lhe custar
caro...). Um cientista faz um estudo em uma região específica e descobre que determinado poluente na
água, quando acima de certo nível, indica uma elevação da mortandade de peixes. Note que, nesse último
exemplo, o indicador pode se tornar uma estatística se duas condições forem atendidas: o experimento for
repetido em outros locais e períodos de tempo e se chegarem aos mesmos resultados e, em função disso,
passarem a ser coletados sistematicamente, com todos os devidos cuidados estatísticos, a informação ao
longo do tempo. Assim ela deixará de ser um dado pontual e se tornará uma série estatística.
Feita essa ressalva seguem algumas definições usuais de indicadores tirados do livro de Bellen (2005).*
O termo indicador é originário do latim indicare, que significa descobrir, apontar, anunciar,
estimar.8
A definição de McQueen e Noak (1988) trata um indicador como uma medida que resume
informações relevantes de um fenômeno particular ou um substituto dessa medida.
Para a OECD (1993), um indicador deve ser entendido como um parâmetro, ou valor derivado
de parâmetros, que apontam e fornecem informações sobre o estado de um fenômeno com uma
extensão significativa.9
A definição de indicador social por Jannuzzi é bem interessante e se diferencia das existentes no livro de
Bellen. Basta substituir social por sustentabilidade na qualificação do indicador que teremos uma boa
definição de um indicador de sustentabilidade. Portanto, a definição seria a seguinte: um indicador de
sustentabilidade é uma medida em geral quantitativa dotada de significado substantivo, usada para
substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito teórico (para pesquisa acadêmica) ou programática
(para formulação de políticas).10
Na prática, no entanto, a melhor definição de indicador, em nossa opinião, não é nenhuma dessas, e sim
a de autoria de Rayen Quiroga, consultora da Cepal, que ela utiliza com frequência em suas palestras e
cursos, mas não consta de seus textos. A definição é simples, “um indicador é a estatística que tem mais
apelo”. Existem várias estatísticas sobre um determinado tema, aquela que for a mais importante — por isso
é a que tem mais apelo — será promovida a indicador. Claro que podem haver “empates” e nesse caso mais
de um indicador será escolhido. Por exemplo, se o tema for pobreza, os indicadores serão a percentagem da
população abaixo da linha de pobreza e abaixo da linha de miséria. Se o tema for as mudanças climáticas, a
principal estatística será a emissão de gases de efeito estufa.** Se o tema é mercado de trabalho, o indicador
é a taxa de desemprego. E assim por diante.
O indicador é a estatística que melhor avalia as condições e tendências relativas a um determinado tema.
Dito assim, parece simples. Mas como identificar um bom indicador? Um bom caminho é saber das
propriedades desse indicador. A literatura apresenta várias propriedades desejáveis de um indicador e todas
são mais ou menos as mesmas. Vamos utilizar aqui como base as do livro de Jannuzzi (Tabela 5.1).
Tabela 5.1
Propriedades desejáveis de um indicador
Relevância Inteligibilidade de sua construção
Validade Comunicabilidade
Confiabilidade Factibilidade para obtenção
Cobertura Periodicidade na atualização
Sensibilidade Desagregabilidade
Especificidade Historicidade
Custo-efetivo Comparabilidade
Resumidamente, um bom indicador é aquele em que você pode confiar, é útil e não é muito caro. Um
indicador precisa tratar de um tema relevante, ter base na teoria (validade), ter uma boa cobertura estatística
(em termos regionais, em termos de seus componentes etc.), ser sensível às mudanças do objeto que está
sendo mensurado, ser específico para esse objeto, ser de fácil entendimento para o público especializado
(inteligibilidade de sua construção) e para o público em geral (comunicação), ser periodicamente
atualizável, ser desagregável nas suas partes e ter uma série histórica.* Vamos mostrar a seguir, por meio de
um exemplo, a importância de dessas propriedades.
A taxa de analfabetismo no Brasil** era 10,4% em 2006. Analfabetismo sem dúvida é um tema relevante
e sua estatística também. Mas o que esse número significa? A taxa é alta ou baixa? O que nos leva a outra
pergunta. Alta ou baixa em relação a quê? Tendo apenas esse número nada podemos afirmar. Porém se
tivermos uma série histórica podemos afirmar que o Brasil nunca teve uma taxa de analfabetismo tão baixa
e, além disso, a cada ano que passa ela fica menor. Portanto, não há dúvida de que a tendência é declinante.
Esse, por sinal, era o resultado esperado já que a oferta de vagas no ensino básico tem sido grande e quem é
analfabeto está praticamente excluído do mercado de trabalho. Nesse contexto, o analfabetismo não poderia
ser crescente. São boas notícias que só podemos descobrir porque esse indicador tem historicidade, é
atualizado periodicamente, no caso anualmente, e é sensível à realidade.
Se a taxa de analfabetismo é a menor em relação à série histórica, então a situação do Brasil é muito boa
nesse quesito. Doce ilusão, pois quando comparada às taxas de países vizinhos, o que se percebe é que
estamos muito mal. Nossa taxa é mais do que o dobro da do Chile e mais de quatro vezes a da Argentina. E
qual é a taxa que desejamos? Qual a nossa meta? É 0% sem dúvida. Portanto, estamos mal, pois não
alcançamos nossa meta e, no ritmo em que vamos, iremos demorar a chegar lá. Só podemos afirmar tudo
isso porque a série tem comparabilidade com a de outros países e, além disso, temos uma meta ou um
padrão de comparação.
Quem quer combater o analfabetismo certamente irá colocar a seguinte pergunta. Quem são esses
analfabetos? São, principalmente, pessoas idosas e/ou que moram no Nordeste rural. Portanto, será difícil
diminuir rapidamente essa taxa... Só podemos afirmar isso porque a série tem desagregabilidade e boa
cobertura regional e por faixa etária.
Essa estatística é levantada pelo IBGE que é uma instituição reconhecida pela qualidade de seu trabalho
e, portanto, tem confiabilidade e que disponibiliza sistematicamente a metodologia de suas pesquisas no seu
site na internet. Portanto, não há dúvidas, em princípio, sobre a inteligibilidade da construção dessa
estatística e da factibilidade de sua obtenção. É também um indicador de custo efetivo. É uma informação
levantada com cobertura nacional no Censo Demográfico e na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD). Esses levantamentos são caros, mas é um custo que vale a pena, pois suas informações
são muito utilizadas. Tanto que, apesar dos altos e baixos da economia e do orçamento público federal,
esses levantamentos nunca deixaram de ser realizados por falta de recursos (mas já houve um adiamento).
Todos sabem que analfabeto é o indivíduo que não sabe ler e escrever; portanto, todos entendem a taxa
que tem comunicabilidade. O conceito de analfabetismo também é bem estabelecido na literatura
acadêmica; assim, em princípio, não há dúvida sobre sua validade conceitual, sendo uma boa aproximação
da realidade.
Em sendo assim, podemos afirmar que não há nenhum problema com a taxa de analfabetismo? Toda
estatística tem algum problema ou limitação, pois, por definição, a estatística não é a realidade e sim uma
aproximação da realidade. Quanto melhor a aproximação, melhor é a estatística. A PNAD é uma pesquisa
por amostragem, portanto, tem uma margem de erro. O Censo Demográfico nunca consegue ter acesso a
100% dos residentes no país (e há os brasileiros que moram no exterior que são contabilizados nos censos
de outros países). Mas o maior problema é que o analfabetismo é uma variável levantada por autodeclaração
do informante. Ele é quem informa se sabe ler e escrever e qual é a sua escolaridade. Mas se ele diz que
sabe ler e escrever e tem uma escolaridade muito baixa, será que sabe mesmo ler e escrever? A “prova dos
nove” é, por exemplo, fazê-lo ler e escrever um pequeno bilhete e analisar o resultado. O problema é que
realizar esse teste é muito trabalhoso e, portanto, caro, pois exigiria a participação de profissionais da área
de educação ou um treinamento muito específico para o entrevistador. Por isso a maioria dos países,
inclusive o Brasil, utiliza o conceito de analfabetismo funcional, considerando analfabeto todos os que têm
mais de 15 anos de idade e menos de três anos de escolaridade no ensino fundamental. Não há nada de
errado com as taxas de analfabetismo, mas para se entender corretamente o que significam é preciso, no
mínimo, consultar o glossário, por exemplo, da publicação Síntese dos Indicadores Sociais e consultar o
questionário da PNAD, disponível no site do IBGE.11 Portanto, a comunicabilidade e a validade de um
indicador dependem também do usuário. Se ele não consultar a metodologia, pode fazer uma avaliação
equivocada sobre o conteúdo do indicador.
No caso de indicadores de sustentabilidade, uma referência importante são os “Princípios de Bellagio”,*
que apresentam normas, definidas por grupo de especialistas, que devem nortear a construção desses
indicadores e que estão na Tabela 5.2.12 Há muito em comum entre os Princípios de Bellagio e as
propriedades de um bom indicador, definidas por Jannuzzi, mas há também diferenças importantes já que os
enfoques são distintos. Por isso, pode-se considerar que as duas relações, uma de propriedades e outra de
princípios, se complementam. Destacamos em Bellagio a importância da existência de normas/parâmetros
para se avaliar a sustentabilidade, a perspectiva holística (ver definição adiante) e a importância de ampla
participação na construção dos indicadores.
Tabela 5.2
Princípios de Bellagio
1) Existência de um guia de visão e normas para avaliar o progresso rumo à sustentabilidade
2) Perspectiva holística
4) Escopo adequado
5) Foco prático
6) Transparência
7) Comunicação efetiva
8) Ampla participação
9) Avaliação constante
Gallopin (1997) destaca que os indicadores devem ser holísticos representando diretamente atributos
críticos relativos à sustentabilidade do sistema como um todo e não apenas elementos e interrelações desse
sistema. Mas o que seriam exatamente esses indicadores? Gallopin reconhece que é necessário mais
pesquisa, tanto no campo empírico quanto teórico, para serem formulados corretamente e apresenta algumas
indicações. Seriam os indicadores de vulnerabilidade sistêmica e resiliência, de saúde do ecossistema e de
segurança socioambiental. Sem dúvida há muito o que pesquisar e debater nessa área. O enfoque do capital,
tema que será visto mais adiante neste capítulo, já é um avanço na direção de indicadores holísticos.
Existem diferentes tipos de indicadores (Tabela 5.3). Resumidamente13 um indicador pode ter um valor
absoluto (ex.: número de desempregados) ou relativo (ex.: taxa de desemprego), pode ser uma média de
vários indicadores (indicador composto, também chamado de índice), pode ser objetivo e quantitativo (ex.:
população residente no país) ou qualitativo e subjetivo (ex.: avaliação da população sobre serviços
públicos); pode ser insumo/fluxo/produto (ex.: maior número de fiscais do IBAMA, portanto, aumento de
autuações levando a redução no desmatamento), pode ser de esforço/resultado (ex.: gastos com vacinas
contra gripe para idosos/menor incidência de gripe entre idosos); fluxo/estoque (ex.: desmatamento levando
a diminuição da cobertura vegetal), eficiência/eficácia/efetividade social (ex.: atingiu-se o objetivo
otimizando recursos, apenas atingiu-se o objetivo, atingiu-se um objetivo social mais amplo,
respectivamente).
Tabela 5.3
Classificações usuais de indicadores
Absoluto/relativo
Simples/composto
Quantitativo/qualitativo
Objetivo/subjetivo
Insumo/fluxo/produto
Esforço/resultado
Fluxo/estoque
Eficiência/eficácia/efetividade social
Descritivo/normativo
Deixamos por último os indicadores descritivo/normativo, pois, para esses, Jannuzzi dá duas definições.
Os descritivos “apenas descrevem” características e aspectos da realidade empírica, não são “fortemente”
dotados de significados valorativos, como a taxa de mortalidade infantil ou a taxa de evasão escolar.14 Já os
normativos incorporam de forma explícita juízos de valor ou critérios normativos como, por exemplo, a
proporção de pobres e a taxa de desemprego.
Na segunda definição, Jannuzzi coloca que “a normatividade de um indicador é uma questão de grau,
reservando-se o termo normativo àqueles indicadores de construção metodologicamente mais complexos e
dependentes de definições conceituais mais específicas”.15 As duas definições são complementares. Quanto
mais complexo conceitualmente for o indicador, mais valorativo ele será e, portanto, mais normativo. Mas
como, desse ponto de vista, é uma questão de grau, a diferenciação de um indicador descritivo de um
normativo nem sempre é muito fácil de ser feita.
Já Gallopin (1997) considera que, em última instância, todos os indicadores são normativos, pois foram
selecionados para serem utilizados na tomada de decisões e nas políticas públicas. Portanto, todos estão
embutidos de um juízo de valor de forma direta como, por exemplo, os indicadores qualitativos — ou não,
como no caso de índices de concentração de poluentes, estatística que só ganha sentido ao ser comparada a
um padrão/norma de qualidade do ar.
É possível também entendermos um indicador normativo de uma outra forma, como sendo aquele que
faz referência a alguma norma/padrão. Por exemplo, o número de vezes que o ar em uma determinada
região ultrapassou o padrão de poluição do ar fixado pela legislação ambiental, seria um indicador
normativo, segundo essa definição.
5.4 O que são índices
Vivemos numa era de números. Em muitas áreas a tomada de decisões é crescentemente
impulsionada por estatísticas. (tradução dos autores)
Também não há consenso na literatura sobre a definição do que seja um índice e, para complicar, no
senso comum, inclusive de pesquisadores, índice e indicador seriam sinônimos.16 Esse último entendimento,
por exemplo, é muito comum entre os economistas, em especial os que trabalham em conjuntura
econômica. O índice frequentemente é definido como um indicador composto, portanto, construído a partir
de uma média de indicadores17 ou como um indicador sintético18 ou ainda de alto nível de agregação e
complexidade.19 Para efeito desse texto, vamos considerar que essas definições são equivalentes, dado que
não há uma grande distância entre elas. Embora seja, até certo ponto, uma redundância, usaremos aqui a
expressão índice sintético como sinônimo de índice.
Existem prós e contras no que se refere à construção de índices. Se a realidade é complexa, envolvendo
múltiplas variáveis e dimensões, é necessário algum tipo de “sintetização” ou simplificação para tornar o
problema inteligível para a população, para os políticos e para os fazedores de políticas públicas. Já dizia o
Velho Guerreiro “Quem não se comunica se trumbica”. Por isso, mesmo índices sintéticos são muito
populares, exceto para uma parte da comunidade acadêmica que prefere trabalhar com dados desagregados.
Mas esse último grupo tem um bom argumento, pois corre-se o risco de se simplificar demais caindo no
simplismo, o que pode levar a entendimentos e políticas equivocadas. Eles dizem que “de nada adianta a
mensagem ser clara se ela for equivocada”. A resposta, do outro lado, viria de pronto “de que adianta esses
pesquisadores serem rigorosos e precisos se ninguém entende o que dizem seus números?” Em suma, essa é
uma discussão que vai durar muito tempo.* Nardo et al. (2005) resume esse debate (Tabela 5.4).
Tabela 5.4
Prós e contras dos indicadores compostos
Prós Contras
Resumem temas complexos ou multidi-mencionais Podem passar mensagens equivocadas se o índice
dando suporte aos tomadores de decisão for mal construído ou mal interpretado
Mais fáceis de interpretar do que tentar encontrar as
Podem ser um convite a conclusões simplistas
tendências de cada indicador separadamente
Podem ser usados erradamente como apoio a
Facilitam a feitura de rankings de países em temas
complexos onde um ponto de referência é importante políticas públicas se o processo de construção do
índice não for transparente
Permitem acompanhar o progresso dos países ao longo A seleção de indicadores e seus pesos podem ser
do tempo em relação a temas complexos objeto de questionamento político
Podem encobrir sérias falhas em algumas
Reduzem o conjunto de indicadores ou incluem mais
dimensões e aumentar a dificuldade de identificar a
informação a um conjunto limitado já existente
ação reparadora apropriada
Podem levar a políticas públicas inapropriadas se
Colocam no centro das discussões temas relativos ao
ignoradas as dimensões da performance que são
progresso e performance do país
difíceis de mensurar
Facilitam a comunicação com o público em geral
(cidadãos, mídia etc.), sendo uma forma de se prestar
contas do trabalho realizado
No campo da economia ecológica, Simon (2003) defende que indicadores isolados e/ou parciais dão
uma visão muito fragmentada da realidade ao menosprezarem as ligações entre as diferentes dimensões da
sustentabilidade. Além disso, indicadores parciais tendem a gerar políticas parciais, que se preocupam com
a parte e não com o todo. Por outro lado, índices sintéticos (dependendo do índice, é claro) tenderiam a ser
mais holísticos. Os marcos ordenadores, que serão apresentados mais adiante neste capítulo, são uma
tentativa de organizar esses indicadores parciais, minimizando a fragmentação.
Há críticas fundamentadas a alguns dos mais populares índices. Ryten (2000) e Guimarães e Jannuzzi
(2004) criticam o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que consideram simplista demais, sem
fundamento teórico, com ponderação arbitrária, combinando variáveis de naturezas distintas. Sobre esse
último ponto verifica-se que o PIB é variável fluxo* e pode variar muito de ano para ano enquanto o número
de alfabetizados e a população, que compõem a taxa de alfabetização, são variáveis estoque e tendem a ter
pequena variação anual. Além disso, as variáveis são correlacionadas e nesse sentido com certa
redundância, pois renda (PIB) tende a andar junto com escolaridade e expectativa de vida ao nascer.
O IDH foi elaborado pelo programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) inspirado nas
ideias do economista Amartya Sen, ganhador do prêmio Nobel. Esse pesquisador inicialmente rejeitou o
índice por considerá-lo muito simplista, mas depois reviu sua posição reconhecendo ser necessária uma
medida sucinta de desenvolvimento, que não fosse unicamente o PIB per capita.20 O IDH é um índice
produzido pelo PNUD/ONU e consiste basicamente** em uma média de três indicadores: Renda (PIB per
capita), Longevidade (esperança de vida ao nascer) e Educação (média ponderada entre taxa de
alfabetização [peso 2] e taxa de matrícula bruta [peso 1]), os quais são normatizados para ficarem numa
escala de 0 a 1.*** Em um certo sentido o IDH sofre do mesmo problema do PIB. Ambas são medidas muito
agregadas† e toda medida agregada, parafraseando Levenstein,†† mostra o principal, mas esconde o
essencial.
Bohringer e Jochen (2007) são muito críticos ao fazerem uma avaliação dos 11 índices de
sustentabilidade mais utilizados.††† Com relação aos procedimentos de normalização,‡ ponderação e
agregação nenhum dos índices “passa pelo teste”. Segundo esses autores “A normalização e ponderação dos
indicadores, [...], revela alto grau de arbitrariedade, [...]. Quanto à agregação não há regras científicas que
garantam a consistência e significância dos índices compostos”.21 Não concordamos com o pessimismo
desses autores pois o pesquisador cuidadoso sabe que dados agregados e indicadores síntese são um bom
ponto de partida, mas nunca um ponto de chegada. É importante ser pragmático, é melhor um índice
imperfeito (e que conheçamos as limitações) que seja útil do que um índice perfeito que não existe.‡‡
Entre os índices de sustentabilidade mais conhecidos estão a Pegada Ecológica (PE), o Índice de
Sustentabilidade Ambiental (Environmental Sustainability Index — ESI) e o Índice de Progresso Genuíno
(IPG),22 selecionamos esses índices e o IDH para apresentarmos neste capítulo, pois consideramos que esses
são os mais conhecidos (IDH e Índice de Sustentabilidade Ambiental) e/ou com maior afinidade com a
economia ecológica (Pegada Ecológica e Índice de Progresso Genuíno). O IDH não é estritamente um
índice de sustentabilidade ambiental, pois não inclui a dimensão ambiental, entretanto, frequentemente na
literatura é apresentado em conjunto com outros índices mais claramente ambientais. A PE e o IPG, de
forma aproximada, procuram mensurar a sustentabilidade forte. A PE por considerar a capacidade de
suporte e o IPG por levar em conta a degradação e a depleção dos recursos naturais.
A Pegada Ecológica, desenvolvida pelos pesquisadores Wackernagel e Rees (1996), é muito conhecida
entre ambientalistas e em menor medida entre pesquisadores — na Ecological Economics saíram, até 2008,
18 artigos diretamente ligados ao tema* — e organismos internacionais. A PE popularizou o “conceito de
pegada”, pois hoje já se fala em “Pegada de Carbono”, “Pegada de Energia” e “Pegada de Água”. A PE
pode ser considerada um índice pelo alto nível de agregação, não sendo uma média de indicadores. A PE
mensura o consumo da população** que vive numa determinada região e o transforma na unidade de medida
“terra bioprodutiva”. Esse total é confrontado com a oferta disponível nessa mesma região de terra
bioprodutiva. Se a demanda por terras (consumo da população) for superior a oferta, que é a situação mais
comum, isso caracterizaria uma situação de desequilíbrio, pois a população estaria consumindo acima da
capacidade de suporte da região. Isso significa que se está utilizando terras de outras regiões ou que se está
sobreutilizando a terra existente; isso é constatado, por exemplo, quando se faz essa conta levando-se em
consideração toda a área do planeta Terra. O desejável é que a oferta de terras bioprodutivas seja superior à
demanda.
A transformação do consumo em terras bioprodutivas é feita de várias formas. Exemplificaremos com o
consumo de alimentos. Uma população consome uma determinada quantidade de carne bovina por ano e
que corresponde a uma determinada quantidade de bovinos. Esse montante por sua vez requer a uma
determinada área bioprodutiva que é necessária à criação desses bovinos, que varia em função da
produtividade da pecuária (quilos de carne por km2). Portanto, transformamos quilos de carne em área
bioprodutiva (km2). No caso de produtos industriais essa transformação é feita via consumo de energia. Por
exemplo, um automóvel requer determinada quantidade de energia para ser produzido,*** que resulta em
uma determinada quantidade de emissões de CO2 e que, por sua vez, para serem neutralizadas, precisam de
uma determinada área de florestas. A principal crítica à PE é que se limita a abordar uma dimensão
ambiental (terras bioprodutivas) que é um aspecto da sustentabilidade.†
O Índice de Sustentabilidade Ambiental (Environmental Sustainability Index — ESI) foi desenvolvido
pela Yale Center of Environmental Law and Policy para o Fórum Econômico Mundial, que reúne todo ano
em Davos, Suíça, as principais lideranças da política e da economia mundiais. O índice (versão de 2005)
partiu de 76 variáveis* que foram agregadas em 21 indicadores,** cuja média constitui o ESI.23 Todas as
agregações são médias simples, não sendo utilizadas ponderações. Os indicadores são também agregados
em cinco componentes: sistemas ambientais, redução da pressão ambiental, redução da vulnerabilidade
humana, capacitação social e institucional e responsabilidade ambiental global. As estatísticas, no caso do
último ESI, abrangiam informações de 145 países. Portanto, trabalha-se com muitas variáveis, com
informações nem sempre de boa qualidade ou disponível para todos os países. Para minimizar esses
problemas e viabilizar a agregação de variáveis e indicadores são realizadas imputações e transformações
nos dados. Essas últimas permitem colocar todas as variáveis na mesma escala.***
O grande apelo desse índice é que produz um ranking para 145 países, no qual a Finlândia fica em
primeiro lugar, Noruega em segundo, Uruguai em terceiro, Argentina em nono e Brasil em décimo
primeiro. Difícil acreditar que nosso país esteja praticamente empatado com Áustria (décimo) e Gabão
(décimo segundo) e bem acima da Alemanha (trigésimo primeiro), França (trigésimo sexto), EUA
(quadragésimo quinto) e Reino Unido (sexagésimo quinto). Nossos vizinhos Paraguai (décimo sétimo) e
Bolívia (vigésimo) também ficaram relativamente bem no ranking.
O Índice de Progresso Genuíno (IPG) parte da crítica do uso do Produto Interno Bruto (PIB) como
indicador de progresso e desenvolvimento. O PIB quando utilizado com esse propósito teria três limitações
básicas, segundo Talberth, Cobb e Slattery (2007): só leva em conta as transações ocorridas no mercado e
que, portanto, têm valor monetário omitindo, por exemplo, o trabalho doméstico não remunerado e o
trabalho voluntário. Considera como agregação ao PIB algumas transações que efetivamente diminuem o
bem-estar da sociedade, como os gastos da sociedade com acidentes de trânsito e crimes, e ignora os custos
ambientais tanto da degradação ambiental quanto da depleção de recursos naturais.†
O IPG é um aprimoramento do Índice de Bem-estar Econômico Sustentável desenvolvido por Herman
Daly e John Cobb Jr.,24 que por sua vez parte de toda uma literatura sobre medidas de bem-estar, que tem
como uma de suas mais importantes referências a contribuição de Hicks e seu conceito de “renda
sustentável”.†† O IPG teve mudanças metodológicas ao longo dos anos na direção de melhorar sua
mensuração. O IPG pode ser considerado um “PIB verde” na medida em que parte do mais importante
componente do PIB — o consumo das famílias — fazendo ajustes, adicionando componentes e subtraindo
outros para chegar ao seu resultado final. O que se procura mostrar é que o “PIB verde” (IPG) é
frequentemente menor que o PIB e pode ocorrer do PIB estar crescendo e o IPG permanecer no mesmo
nível. Por exemplo, segundo Talberth, Cobb e Slatery (2006) a partir dos anos 1980 o IPG per capita dos
EUA ficou estagnado, enquanto o PIB per capita cresceu. Esse é um índice comensuralista, pois todos os
seus componentes estão na mesma unidade de medida, no caso, o dólar. A Pegada Ecológica também é
comensuralista, pois tudo está mensurado na unidade “terras bioprodutivas”.
Apresentaremos a metodologia da mais importante estimativa do IPG, aquela que é feita para a
economia dos EUA* pela ONG Redefining Progress.25 Inicialmente, o consumo das famílias é ajustado pela
distribuição de renda, de forma a dar mais peso aos acréscimos de rendimento das camadas mais pobres da
população. Em seguida, esse valor recebe acréscimos e deduções até chegar ao resultado final (ver Tabela
5.5).
Tabela 5.5
Acréscimos e deduções feitas ao Consumo Familiar ajustado pela distribuição
de renda para se chegar ao Índice de Progresso Genuíno
Acréscimos (+)
Educação universitária
Trabalho voluntário
Deduções (–)
Valor das perdas de cobertura florestal primária e dos danos causados pela construção das vias
de acesso à floresta
(*)Dependendo do resultado líquido (saldo), essas variáveis podem assumir valores negativos.
Algumas deduções e acréscimos parecem estranhos à primeira vista, mas fazem sentido dentro da lógica
de construção do índice. Esclarecendo alguns pontos: o IPG considera que o governo faz basicamente
gastos defensivos,** por isso o ponto de partida é o consumo das famílias e não consumo das famílias +
gastos do governo. Mas nem todo gasto do governo é defensivo, por isso se incluem como acréscimos os
serviços prestados das estradas e ruas. Como a educação superior tem impacto multiplicador sobre a renda
da sociedade, seus benefícios sociais são incluídos no índice.*** Os bens duráveis são contabilizados pelos
serviços que prestam (que entram como acréscimo) e não pelo seu valor de compra (que entra como
dedução). Portanto, quanto maior a vida útil de um bem, maior será seu valor para efeito do cálculo do
índice. Logo, bens descartáveis têm pouco peso no cálculo. Os empréstimos líquidos são contabilizados,
pois uma situação de endividamento (empréstimos líquidos negativos) contribuiria para diminuir a
sustentabilidade.
Esse é o tipo de índice que permite infindáveis discussões sobre o que deveria ser incluído ou excluído e
por quê. Os próprios autores reconhecem isso e na publicação do IPG 2006 há uma pequena resenha sobre
as críticas e limitações do índice. Por sinal esse mesmo tipo de questão pode ser colocado em relação ao
ESI.
5.5 O que é um marco ordenador?
Estou afogado em números.
PESQUISADOR DESESPERADO
O pesquisador pode preferir não utilizar um índice síntese, pelos vários problemas já levantados,
optando por trabalhar com um conjunto de indicadores, o que, sem dúvida, é muito mais rico em termos de
informações, porém esse caminho leva inevitavelmente a duas questões: Que indicadores selecionar? Como
não ficar perdido (“afogado em números”) com essa quantidade de informações? Para isso existem os
marcos ordenadores/estruturas* (frameworks) que organizam esses indicadores e que procuram destacar
como esses se integram e/ou se interrelacionam. Essas estruturas também orientam a coleta de informações,
ajudam na interpretação e na comunicação. Um marco ordenador pode ser entendido como uma proposta de
se organizar um conjunto de indicadores em categorias, ou pode estar relacionado a uma concepção teórica,
específica ao tema estudado, facilitando desse modo a interpretação dos resultados apresentados.27
Essas estruturas organizam sempre com um determinado propósito, portanto, induzindo uma
determinada leitura. Isso ajuda muito o pesquisador, mas também enviesa o olhar e, por isso mesmo, é
importante conhecer diferentes marcos ordenadores. Nesse sentido, pode-se fazer analogia com um filme.
As mesmas cenas filmadas dadas a editores de imagens (montadores) diferentes podem gerar dois filmes
diferentes, às vezes, muito diferentes. Por exemplo, digamos que o filme seja sobre uma eleição para
prefeito em que o candidato CHF perde a eleição. Se a cena do candidato CHF sentando na cadeira de
prefeito aparece antes da votação significa uma coisa (certeza da vitória), se essa cena aparece depois da
eleição a interpretação é outra (um sonho, um delírio).
Veremos agora como surgiram na esfera pública os indicadores ambientais/de desenvolvimento
sustentável e como, nesse movimento, apareceram também os marcos ordenadores. As Contas Econômico-
ecológicas (contabilidade ambiental) são também um marco ordenador, mas não será visto aqui pois, como
já foi dito, é tema de outro capítulo. Existem basicamente quatro tipo de marcos ordenadores sobre meio
ambiente e desenvolvimento sustentável:28 marco ordenador simples de componentes ambientais (ex.:
indicadores de recursos hídricos, do solo, da ar etc.) organizados segundo o modelo Pressão — Estado —
Resposta (PER), marco ordenador de desenvolvimento sustentável (ex.: modelo temático), marco ordenador
do capital natural (ex.: contabilidade ambiental) e marco ordenador sistêmico da relação natureza-sociedade
(ex.: modelo do grupo Balaton).*
Os indicadores ambientais começaram a ser desenvolvidos por vários países europeus, pelo Canadá e
pela Nova Zelândia nos anos 1980, fruto da preocupação ambiental crescente por parte desses países. O
grande marco, no entanto, foi a assinatura pelos representantes de 179 países, da Agenda 21, um dos
principais documentos da segunda conferência da ONU sobre meio ambiente — Conferência sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento — realizada no Rio de Janeiro em 1992, também conhecida como ECO-92.
Nesse documento, no capítulo 40, afirma-se a necessidade de se desenvolver indicadores de
desenvolvimento sustentável por parte dos países signatários. Como consequência da ECO-92 foi criada, na
ONU, a Comissão de Desenvolvimento Sustentável, que tem entre suas atribuições desenvolver os
Indicadores de Desenvolvimento Sustentável. Inicialmente, no chamado “livro azul” (UN 1996) foram
definidos 134 indicadores apresentados no marco ordenador/modelo Pressão — Estado — Resposta (PER).
Posteriormente,29 o número de indicadores foi reduzido para 59 e passou-se a utilizar o marco
ordenador/modelo temático.
O Modelo PER30 é o marco ordenador** mais utilizado para apresentação de estatísticas e indicadores das
áreas ambiental e de desenvolvimento sustentável. Esse modelo foi formulado pelo Statistics Canada31 e
posteriormente adotado pela OECD,*** que regularmente publica seus indicadores nesse formato.32 Está
fundamentado em um marco conceitual que aborda os problemas ambientais segundo uma relação de
causalidade. Os indicadores ambientais desenvolvidos pelo modelo PER buscam responder a três questões
básicas: O que está acontecendo com o ambiente? (Estado) Por que isso ocorre? (Pressão) O que a
sociedade está fazendo a respeito? (Resposta).
Para se entender o modelo PER basta se colocar na posição de um médico que examina uma pessoa
doente e acompanhar seus procedimentos. A primeira iniciativa do médico é tirar a temperatura do paciente,
para saber seu estado. Com base nessa e em outras informações, o médico faz um diagnóstico acerca do que
levou a pessoa ao atual estado (pressão). Em função disso, prescreve uma terapia (resposta). Note que o
ponto de partida é o estado.
O modelo PER é o mais utilizado na América Latina e tem como referência a Divisão de Estatísticas das
Nações Unidas. Nesse marco “o meio ambiente está constituído por uma série de componentes que podem
ser organizados e distinguidos segundo critérios distintos”.33*
Segundo o modelo PER, as estatísticas e indicadores relativos a cada tema são divididos em três
categorias:34
ESTADO: São os indicadores que expressam as condições do meio ambiente, que resultam das
pressões tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. O objetivo final da política é melhorar
esses indicadores. Ex.: Índices de qualidade do ar.
Existem três variantes dos modelos PER que são: FER, PEIR e FPIER. A FER substitui a pressão pela
força motriz (F). Força motriz representa o que está por trás das pressões; são as atividades humanas que
provocam impacto sobre o meio ambiente. Ex.: A atividade industrial produz a emissão de poluentes.
Podem também expressar processos mais amplos como crescimento demográfico e urbanização.
O modelo PEIR inclui o impacto (I) no PER e é utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente — PNUMA (ex: relatório GeoBrasil). O modelo FPIER nada mais é do que a inclusão da força
motriz (F) e do impacto (I) no PER. Impacto são os indicadores que medem as consequências da
degradação ambiental sobre o homem e em seu entorno. Ex.: Incidência de doenças respiratórias associadas
à poluição do ar.
A grande vantagem do modelo PER e suas variantes é apresentar uma visão conjunta dos vários
componentes de um problema ambiental, o que facilita o diagnóstico do problema e a elaboração da
respectiva política pública, pois vai além da mera constatação da degradação ambiental, revelando seu
impacto, suas causas, o que está por trás dessas causas e as ações que estão sendo tomadas para melhorar
esse quadro. A moldura apresentada na Figura 5.2 apresenta os três principais componentes do modelo.
Figura 5.2 Moldura Conceitual para Indicadores Ambientais (Modelo Pressão-Estado-
Resposta). Fonte: Modificado de OCDE, 1993.
Críticas de duas naturezas são feitas ao modelo PER. Uma é conceitual e a outra é relativa ao seu uso na
política pública. No primeiro grupo estão as colocações de Quiroga (2001), Gallopin (1997) e Bossel (1999)
de que o modelo induz a leitura da existência de uma relação de causalidade linear, simplificando
excessivamente uma situação complexa que envolve causalidades múltiplas e interação de fenômenos
sociais, econômicos e ambientais, negligenciando a natureza sistêmica e a dinâmica do sistema com seus
feedbacks. A adoção do modelo PER acabaria, portanto, estimulando a adoção de políticas corretivas, de
curto prazo. Esse modelo também não estabelece metas de sustentabilidade a serem alcançadas e, como foi
concebido originalmente para tratar de indicadores ambientais, nem sempre seria adaptável para indicadores
de desenvolvimento sustentável (IDS) onde a complexidade é maior. No IDS, dependendo do tema
estudado, um indicador pode ser ao mesmo tempo de pressão, estado ou resposta. Por exemplo, o
desemprego é uma pressão quando o tema é pobreza, mas é estado se o tema é emprego.
Mas a crítica que acabou tendo mais peso foi a da própria Comissão de Desenvolvimento Sustentável
(CDS) da ONU que abandonou o modelo PER em 1999 com o argumento de que o mesmo não enfatizava
os temas centrais das políticas públicas.35 A opção da ONU foi adotada, em grande medida, por motivos de
ordem prática. Os órgãos públicos dos diferentes países não se organizam em torno de “pressão”, “estado”
ou “resposta” e sim em função de áreas ou temas como educação, trabalho, meio ambiente etc.
A CDS passou então a adotar o enfoque temático em que as quatro grandes dimensões do
desenvolvimento sustentável (econômica, social, ambiental e institucional) são divididas em temas,
subtemas e esses últimos em indicadores. Essa abordagem é a utilizada no Brasil pelo IBGE na
apresentação dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável.36* Portanto, garantido-se a sustentabilidade
econômica, social, ambiental e institucional automaticamente estaria garantido o desenvolvimento
sustentável.
Essa abordagem, que remete ao relatório Brundtland,37 é uma extensão do enfoque dos “três pilares” —
econômico, social e ambiental — que seriam a base do desenvolvimento sustentável. Essa abordagem é
muito utilizada em trabalhos sobre responsabilidade socioambiental das empresas (ver a respeito, VINHA,
neste volume). O desenvolvimento sustentável seria a interseção das dimensões econômica, social e
ambiental. Um problema desse enfoque é que fica implícito que haveria áreas fora da área de interseção.
Portanto, existiria, por exemplo, uma área da dimensão econômica que seria independente da social e da
ambiental. Nada mais distante da economia ecológica...
O modelo PER, no entanto, continua sendo adotado pela OECD e entendemos que, apesar das críticas
feitas ao mesmo, ele tem mais qualidades do que restrições. Causalidade linear é um bom ponto de partida
para se analisar um problema ambiental. Metas de sustentabilidade podem ser incorporadas ao modelo sem
nenhum problema. Não concordamos que o modelo necessariamente induza a adoção de ações corretivas.
Ações de caráter preventivo podem ser incluídas. Consideramos que o modelo PER é adequado e
abrangente para uma abordagem inicial de problemas ambientais. Sua adoção não impede que em um
segundo momento sejam incorporadas outras variáveis e se trabalhe com um modelo mais complexo. Não
há dúvida de que para um pesquisador o modelo PER é muito mais útil que o modelo temático, que não
sugere nenhuma relação de causalidade entre os indicadores. Consideramos o modelo PER mais adequado
do que o temático inclusive para formulação de políticas públicas, exatamente por explicitar causalidades.
Em 2005, a ONU iniciou um processo de revisão dos indicadores de desenvolvimento sustentável. Esse
processo culminou em 2007 com uma nova edição dos Guidelines.38 Manteve-se o modelo temático, mas
com outra divisão de temas e os indicadores, seguindo uma prática já adotada por países europeus, foram
divididos em dois grupos: um conjunto maior de 96 indicadores e um subconjunto de 50, considerados os
mais importantes (core set). Os temas escolhidos foram: pobreza; governança; saúde; educação;
demografia; desastres naturais; ar; terra; oceanos, rios e costas; água doce; biodiversidade; desenvolvimento
econômico; parcerias econômicas globais e padrões de produção e consumo.
Alguns exemplos de indicadores, segundo suas respectivas dimensões. Social: taxa de crescimento da
população, índice Gini de distribuição da renda, expectativa de vida ao nascer, taxa de alfabetização e
coeficiente de mortalidade por homicídios. Ambiental: consumo industrial de substâncias destruidoras da
camada de ozônio, queimadas, espécies ameaçadas de extinção e destinação final do lixo. Econômica: PIB
per capita, participação de fontes renováveis na oferta de energia e reciclagem; Institucional: ratificação de
acordos internacionais e gasto público com proteção ao meio ambiente.
Essa divisão temática é uma das inúmeras possíveis.* Segundo um levantamento feito pela ONU39 os três
temas mais frequentes entre os países que produzem indicadores de desenvolvimento sustentável
(principalmente da OECD) são: gestão dos recursos naturais, energia e mudanças climáticas e produção e
consumo sustentáveis. A escolha dos temas está muito associada às necessidades de cada país e, mais
especificamente, à sua política de desenvolvimento sustentável. Portanto, os temas e indicadores tendem a
estar fortemente associados à política pública e não a algum referencial teórico/conceitual. Uma das
desvantagens desse enfoque é que, mudando a política pública, mudam os indicadores, o que já ocorreu, por
exemplo, três vezes na Inglaterra. No Brasil, paradoxalmente, os indicadores surgiram de forma
independente de uma política pública sobre desenvolvimento sustentável. Nesse caso, até certo ponto, a
oferta de estatísticas foi à frente da demanda.
Um novo marco ordenador que está muito em evidência atualmente é o modelo do capital, que é adotado
por alguns países para apresentação dos indicadores de desenvolvimento sustentável, com destaque para o
Canadá.40 Esse enfoque adota a seguinte definição de desenvolvimento sustentável:
Desenvolvimento sustentável é aquele que assegura que a riqueza nacional per capita seja não
declinante por meio de reposição ou conservação das fontes dessa riqueza, que são o capital
produzido, humano, social e natural.
SANDRINE SIMON
Em termos de marcos ordenadores, muito em função da difusão das Contas Ambientais, pode-se dizer
que vamos em direção ao enfoque do capital, que tende a ganhar cada vez mais peso no futuro. Em termos
de indicadores, vários estão sendo desenvolvidos e outros serão desenvolvidos. Segundo o relatório da
Eurostat 2007, no primeiro grupo estariam, por exemplo: geração de resíduos perigosos por setor de
atividade, desempenho dos alunos com baixa capacidade de ler e escrever, qualificação em tecnologias da
informação, população residente em domicílios afetados por poluição sonora e população acima do peso por
faixa etária. No segundo grupo estariam dentre outros: indicador de ecoinovações, consumo de produtos
com selo verde, bem-estar infantil, lixo radioativo, índice de biodiversidade, proporção dos subsídios que
são nocivos ao meio ambiente e contribuição dos mecanismos de desenvolvimento limpo à redução de
emissões dos países em desenvolvimento.
É um desafio mensurar a sustentabilidade. Mas muitos pesquisadores já aceitaram esse desafio e por
conta disso hoje temos grande oferta de estatísticas, indicadores, índices, marcos ordenadores e também as
Contas Ambientais. Infelizmente, nem tudo está disponível para o Brasil. Portanto, pesquisadores e os
órgãos produtores de estatística terão muito trabalho pela frente tanto na produção de novas estatísticas
quanto no uso criterioso das informações já existentes, muitas das quais pouco conhecidas.
Cabe ainda registrar que recentemente, por encomenda do governo francês, foram publicadas as
conclusões com as recomendações da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi propondo que o desenvolvimento
sustentável seja monitorado pelo uso de um conjunto de indicadores que inclua, além do PIB, qualidade de
vida dos habitantes (incluindo medidas subjetivas de felicidade), influência política e governança,
insegurança, insegurança econômica e condições ambientais. Essa, provavelmente, passará ser uma
importante referência na elaboração de indicadores de desenvolvimento sustentável.
Quadro 5.1
Indicadores na prática — dois exemplos
Na prática a teoria é outra. (AUTOR DESCONHECIDO)
Um pesquisador precisa de indicadores de sustentabilidade, mas por onde ele deve começar? A
primeira coisa a fazer é ler a respeito. Damos nossa contribuição, nesse sentido, mais adiante nesse
capítulo onde apresentamos uma bibliografia comentada. O segundo passo é definir o objeto em
termos de tema, recorte geográfico e temporal. Em seguida, o pesquisador deve procurar onde estão
disponíveis os dados de que necessita.
Vamos aqui trabalhar com duas situações: indicadores de sustentabilidade no recorte municipal
utilizando o modelo PER e indicadores de sustentabilidade no recorte de unidades da federação
utilizando o modelo temático. Nos dois casos não há restrições de temas.
Começaremos pelo trabalho do Modelo PER no recorte municipal. O primeiro problema aqui é
onde encontrar estatísticas municipais. Há grande oferta de estatísticas nacionais e para unidades da
federação, mas é comparativamente pequena a disponibilidade de estatísticas municipais. Entretanto,
elas existem e vamos mencionar algumas delas: PIB, Produção Agrícola Municipal, Pesquisa de
Gestão Municipal (MUNIC), informações cadastrais de empresas, saneamento básico (segundo a
empresa fornecedora do serviço), todas as estatísticas do IBGE, saúde (Datasus) e emprego (sistema
RAIS/Caged do Ministério do Trabalho). O Censo Demográfico e a Contagem da População do
IBGE têm muitas informações para o âmbito municipal; as principais estão no portal cidades@ do
IBGE (http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1). Além disso, há muitos registros
administrativos locais que, dependendo da sua qualidade, podem ser utilizados como estatísticas,
como, por exemplo, multas aplicadas pela prefeitura.
No caso, utilizaremos as informações do Suplemento de Meio Ambiente da Pesquisa de
Informações Básicas Municipais (MUNIC) de 2002 do IBGE — disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/meio ambiente 2002/default.shtm. A
MUNIC é uma pesquisa anual que levanta informações junto às prefeituras quanto a sua estruturação,
políticas e também dados sobre o município (ex.: número de cinemas, de clubes). O Suplemento de
Meio Ambiente levantou informações sobre como as prefeituras se estruturavam na área de meio
ambiente (ex.: se existe secretaria de meio ambiente), legislação ambiental municipal, origem dos
recursos para a área ambiental. Mas o que é extremamente útil para o modelo PER é o levantamento
feito dos problemas ambientais do município, suas causas e das ações da prefeitura. Por exemplo,
com os dados da pesquisa pode-se verificar, dentre os municípios que registraram poluição do ar,
(Estado) aqueles cuja causa apontada foi queimadas (Pressão), quais adotam políticas de combate a
queimadas (Resposta). No recorte Brasil, dos municípios que assinalaram poluição do ar provocada
por queimadas, apenas 33,1% adotam políticas de combate a queimadas (Carvalho et al., 2008). No
caso de contaminação do solo causado por fertilizantes e agrotóxicos apenas 6,1% das prefeituras que
têm esse problema fazem alguma coisa a respeito. Se o pesquisador desejar informações específicas
da pesquisa para um número restrito de municípios é mais fácil consultar direto a base de dados
disponível em http://www.ibge.gov.br/munic_meio_ambiente_2002/index.htm. Nesse caso, a
consulta será de um município por vez.
No caso do uso do modelo temático com dados por unidade da federação, o trabalho fica muito
facilitado, pois pode-se facilmente fazer tabulações das informações dos Indicadores de
Desenvolvimento Sustentável (IDS) do IBGE via site dessa instituição, no SIDRA. Vejamos os
principais passos: Vá para o local do IDS no SIDRA
http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/pesquisas/ids/default.asp?o=10&i=P. Digamos que o tema seja
terra e o subtema desflorestamento da Amazônia Legal. Basta clicar nesse tema que chegamos a
http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?z=p&o=10&i=P&c=896. Quatro opções serão
apresentadas no topo da página: montar quadro (opção default), obter ranking, gerar gráfico e gerar
cartograma. As demais etapas são autoexplicativas, ou seja: você chega onde quer chegar, sem errar
muito. Atenção para um detalhe, os quadros e séries são salvas no formato CSV (opção default) não
existindo a opção XLS. Portanto, se você deseja trabalhar em Excel, terá que abrir esse arquivo pelo
Excel e depois salvá-lo como Excel.
5.7 Guia de leitura
Para uma introdução ao tema indicadores temos dois bons livros em português — Jannuzzi (2001) e Bellen
(2005) — sendo o primeiro sobre indicadores sociais e o segundo sobre indicadores de sustentabilidade. A
primeira, e mais importante, parte do livro de Jannuzzi pode ser encontrada também em Jannuzzi (2005).
Quem desejar uma introdução sucinta ao tema deve ler o artigo Siche et al. (2007) ou de Stevens (2005),
que abrange também o tema dos marcos ordenadores. Em português uma boa referência de utilização do
Modelo PER é o Manual do GEO Cidades — PNUMA 2004. Em espanhol temos os trabalhos de Rayen
Quiroga (2001 e 2005) para a Cepal. Os dois últimos trabalhos citados de Quiroga fazem um balanço da
produção de estatísticas ambientais e indicadores de desenvolvimento sustentável na América Latina, mas
na primeira parte é feita uma boa introdução a esses temas. Sobre sustentabilidade e desenvolvimento
sustentável a literatura é quase infinita. Recomenda-se Nobre e Amazonas (2002), Mueller (2007) e Veiga
(2005).
Em termos da experiência de diferentes países e organizações na produção de indicadores de
sustentabilidade, o passo inicial é conhecer o caso brasileiro, através do último IDS (IBGE, 2008). O
segundo passo é conhecer a experiência da ONU, da OECD e do ILAC.* No caso da ONU há muito
material, com destaque para as metodologias, no site da Divisão de Desenvolvimento Sustentável
http://www.un.org/esa/dsd/dsd_aofw_ind/ind_index.shtml. Há também informações interessantes na divisão
de estatísticas em http://unstats.un.org/unsd/environment/default.htm. O site da OECD é muito rico em
informações sobre desenvolvimento sustentável; ver a respeito
http://www.oecd.org/topic/0,2686,en_2649_37425_1_1_1_1_37425,00.html. Para os que não dominam a
língua inglesa, uma boa notícia. Está disponível em português a edição de 1998 dos indicadores ambientais
da OECD (OECD, 2002), que é uma boa introdução ao modelo PER. Ver
http://browse.oecdbookshop.org/oecd/pdfs/browseit/979803UE.PDF. A publicação do ILAC MMA (2008)
está disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001595/159541POR.pdf. Uma publicação
recente sobre o assunto é o “Compêndio de Indicadores de Sustentabilidade de Nações” organizado por
Anne Louette, disponível em www.compendiosustentabilidade.com.br.
Outra referência importante é o International Institute for Sustainable Development (IISD)
http://www.iisd.org que tem um portal sobre desenvolvimento sustentável, com muita informação, por
exemplo, sobre indicadores locais (comunitários) de desenvolvimento sustentável. Sobre esse último tema,
que infelizmente não teremos como abordar aqui, duas referências importantes são as ONGs Sustainable
Seattle, http://www.sustainableseattle.org, e Redefining Progress, www.redefiningprogress.org.
Sobre o IDH, o indicador sintético mais conhecido, há muito material na internet por exemplo, em
publicações do site da Cepal www.eclac.org e principalmente no site da UNDP — Brasil, onde se pode
baixar o programa Atlas de Desenvolvimento Humano Municipal com dados do IDH por município
brasileiro — www.pnud.org.br/idh
Os interessados em discussões conceituais no campo da economia ecológica têm uma boa e didática
introdução nos verbetes sobre indicadores ambientais de Jokobsen et al. e indicadores de desenvolvimento
sustentável de Bartelmus na Encyclopedia of Earth, http://www.eoearth.org/by/topic, e sobre indicadores de
sustentabilidade de Simon na Internet Encyclopedia of Ecological Economics,
http://www.ecoeco.org/education encyclopedia.php. Esses temas podem ser aprofundados no livro
Sustainable Development Indicators in Ecological Economics (Current Issues in Ecological Economics
Series) — Philip Lawn (editor) e Edward Elgar Publishing (2006). Há vários artigos sobre indicadores na
revista Ecological Economics, muitos estão citados na bibliografia deste artigo. Para os interessados em
discussões conceituais, mas sem vinculação específica com a economia ecológica, uma boa introdução é
Moldan e Belharz (1997). O livro precisa ser atualizado, mas ainda é bem abrangente e, o melhor de tudo,
pode ser acessado pela internet em http://www.icsu-scope.org/downloadpubs/scope58/contents.html.
Anexo 1
Indicadores de Desenvolvimento Sustentável
IDS - IBGE-2008
Dimensões e Temas
Dimensão Ambiental
Atmosfera
Terra
Água Doce
Oceanos, mares e áreas costeiras
Biodiversidade
Saneamento
Dimensão Social
População
Trabalho e Rendimento
Saúde
Educação
Habitação
Segurança
Dimensão Econômica
Quadro Econômico
Padrões de produção e Consumo
Dimensão Institucional
Quadro institucional
Capacidade Institucional
Anexo 2
Pequeno conjunto de indicadores de desenvolvimento sustentável segundo marco
ordenador capital
Fonte: UN 2009.
Anexo 3
Material suplementar para aprendizagem
Termos utilizados neste capítulo:
Sustentabilidade
Sustentabilidade Forte
Sustentabilidade Fraca
Desenvolvimento Sustentável
Estatísticas
Indicadores
Índices
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Pegada Ecológica
Índice de Sustentabilidade Ambiental
Índice de Progresso Genuíno
Marco Ordenador
Modelo PER
Modelo Temático
Modelo do Capital
Indicadores de Desenvolvimento Sustentável
Exercícios
1) Vá no site do IBGE, no Sidra, em Indicadores de Desenvolvimento Sustentável e baixe a série de
desflorestamento na Amazônia. Responda então às seguintes perguntas: a) O desmatamento no
Brasil está nos últimos anos aumentando ou diminuindo? b) A tendência dos últimos anos é a
mesma desde o início da série? c) A tendência recente é a mesma em todas as unidades da
federação?
2) Baixe a publicação Indicadores de Desenvolvimento Sustentável do site do IBGE e coloque um
sinal (vermelho, amarelo, verde ou branco) indicando o sentido da evolução de cada indicador do
IDS — Brasil ao longo de toda a sua série. Quantos sinais vermelhos você assinalou? Repita a
operação levando em conta apenas os últimos cinco anos de cada série. O número de sinais
vermelhos aumentou ou diminuiu? Note que esse exercício só pode ser realizado usando-se
indicadores para os quais existam séries temporais de mais de cinco anos.
3) Vá na base de dados do Suplemento de Meio Ambiente da Munic no Estado do Rio de Janeiro,
selecione os municípios de Petrópolis (região serrana) e Angra dos Reis (costeiro). Responda às
seguintes perguntas: a) Existe recurso hídrico poluído nesses municípios? Em caso afirmativo
quais as causas? Dica: a resposta está na base de dados no item condições do meio
ambiente/recursos naturais (ar, água e solo) foram afetados. b) A prefeitura tem algum tipo de
estrutura ambiental? (ex.: secretaria de meio ambiente) Dica: a resposta está em quadro
institucional/estrutura administrativa de meio ambiente. c) A prefeitura tem algum instrumento de
gestão ambiental, programa ou ação de combate às causas desse problema? Dica: a resposta está
em instrumentos de gestão ambiental. O trabalho de Carvalho et al., 2008 será útil, pois tem um
quadro que associa, na Munic, as causas dos problemas ambientais às políticas específicas para
combatê-las. d) Levando em conta as condições ambientais para o recurso água e a estrutura e
ação da prefeitura, qual dos municípios você considera que está em pior situação?
4) Vá no site do PNUD e baixe o Atlas de Desenvolvimento Humano Municipal, instale no seu
computador e responda às seguintes questões: a) Faça o ranking dos cinco municípios com maior
IDH em 1990 e 2001. Os municípios são os mesmos nos dois anos? Se houve mudança no
ranking, qual foi a causa em termos dos indicadores que compõem o índice? b) Faça o mesmo
para os cinco municípios com pior IDH; c) Faça um gráfico de dispersão com as variáveis IDH —
renda e IDH — educação em 1990 e 2001 por unidade da federação. Interpole uma reta e calcule
o coeficiente de correlação em cada um dos dois gráficos. O coeficiente de correlação aumentou
ou diminuiu de 1990 para 2001? Quais unidades da federação estão em 1990 e 2001 muito
distantes da reta (outliners)? Não se preocupe que o programa é amigável e calcula ranking,
correlação etc.
1Agradecemos as críticas e sugestões de Peter May, Paulo Jannuzzi e Eloisa Castro e a Pedro Gonzaga pela ajuda na pesquisa bibliográfica.
*Há descontinuidade na série de desmatamento. Ver a respeito IBGE (2008) cuja fonte é o INPE.
*Segundo Brand (2009) p. 606, “resiliência ecológica é definida como a capacidade de um ecossistema resistir às perturbações e mesmo assim manter seu estado específico”.
2Solow, 1973.
**Utilizando um pouco de “economês” a preocupação de Solow era com a otimização da acumulação de capital levando em conta a equidade entre gerações.
***O livro de Nobre e Amazonas Desenvolvimento sustentável: a institucionalização de um conceito faz uma discussão abrangente sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, incluindo a
discussão sobre o capital natural. Esse tema também é abordado por Mueller (2007).
*A definição aqui utilizada é a tradicional, que é mais restrita à dimensão ecológica. Para uma discussão sobre o conceito de capital natural crítico ver Brand (2009).
7Ryten, 2000.
*A expressão “índice sintético”, dependendo da forma como se defina índice, pode ser considerado uma redundância. Pois, se é índice, necessariamente será sintético. Essa redundância, no entanto, deixa
claro a que tipo de índice estamos nos referindo.
*Quantos usuários de estatísticas se dão ao trabalho de ler as metodologias das mesmas? Acreditamos que muito poucos. Mas isso nem sempre é culpa do usuário. Muitas vezes a metodologia não está
disponível (mau sinal) ou está, mas é muito difícil entendê-la, pois é recheada de termos técnicos.
**No caso das estatísticas econômicas de conjuntura há livros que procuram sanar essa lacuna como Feijó et al., 2008.
*Gallopin (1997) faz um interessante apanhado de definições sobre o que seja um indicador. Segundo diferentes autores, indicador pode ser definido como uma variável, uma medida, uma medida
estatística, uma proxy de uma medida, um valor, um instrumento de mensuração, um índice, um sinal.
**Se o estudo for de longo prazo, o mais relevante serão as mudanças de temperatura na Terra e a concentração na atmosfera de gases de efeito estufa.
*Estamos aqui, por questões de espaço, apresentando as propriedades de forma resumida. Maior detalhamento pode ser obtido em Jannuzzi (2001).
**Percentual de pessoas com 15 anos ou mais de idade que não sabem ler e escrever pelo menos um bilhete simples, no idioma que conhecem, na população total residente da mesma faixa etária.
11www.ibge.gov.br.
*Bellagio é o nome de uma cidade na Itália onde ocorreu a reunião de especialistas em indicadores ambientais.
12Para mais informações sobre os Princípios de Bellagio e estudos de caso referenciados a esses princípios ver Hardi e Zdan (1997).
13Novamente não detalharemos esse ponto aqui e remetemos o leitor a Jannuzzi (2001).
14Jannuzzi, 2001, p. 21.
15Jannuzzi, p. 21.
17OECD, 2003.
18Khanna, 2000.
19Gallopin, 1997.
*Vale aqui, mais uma vez, a velha regra. Muitos erros no entendimento e utilização de índices seriam sanados com a simples leitura atenta da metodologia de construção dos mesmos.
*As variáveis fluxo têm dimensão temporal, as variáveis estoque não. Por exemplo, pode-se dizer nesse instante qual é o volume de água existente em uma caixa de água sem precisar relacionar com
alguma unidade de medida temporal. Mas o fluxo de água (entradas e saídas) só é possível ser mensurado associado a uma dimensão temporal: minuto, hora, mês. Outro exemplo: patrimônio é uma
variável estoque e renda uma variável fluxo. Renda e patrimônio estão relacionados, mas são de dimensões diferentes.
**Por já ser um tema muito explorado não iremos nos alongar sobre o IDH além do mínimo necessário. Para maiores informações ver http://www.pnud.org.br/idh. Para um histórico crítico do IDH ver
Mancero (2001).
***O PIB per capita, que é medido em dólares ppc (paridade de poder de compra), sofre uma transformação logarítmica antes de ser convertido na escala entre 0 e 1. Com o uso da transformação
logarítmica, o acréscimo de renda em um país pobre tem proporcionalmente maior impacto no indicador que o mesmo aumento em um país rico.
†Um dos autores desse artigo teve aula com Mário Possas na pós-graduação do Instituto de Economia (UFRJ) e esse professor, em quase toda aula, repetia, como um mantra, “todo número agregado é
mentiroso”.
††Segundo Aaron Levenstein, economista norte-americano, as estatísticas são como os biquínis, o que eles revelam é sugestivo, mas o que eles escondem é vital.
†††Esses índices são: Living Planet Index, Ecological Footprint (Pegada Ecológica), City Development Index, Human Development Index (Índice de Desenvolvimento Humano — IDH), Environmental
Sustainable Index, Environmental Performance Index, Environmental Vulnerability Index, Index of Sustainable Economic Welfare — Genuine Progress Indicator (Índice de Progresso Genuíno), Well-
being Assessment, Genuine Saving, Green Net National Product e SEEA. A título de comparação, as ferramentas mais importantes para avaliação da sustentabilidade, segundo levantamento feito por
Bellen (2005) entre pesquisadores, foram: Ecological Footprint, Dashboard of Sustainability, Barometer of Sustainability, Human Development Index e modelo PER e suas variantes.
‡Normalização de grandezas é colocá-las na mesma unidade de medida de modo a tornar possível sua comparação bem como sua utilização em procedimentos matemáticos. No IDH, por exemplo, os três
indicadores são normalizados (transformados) para uma escala de 0 a 1. Dessa forma é possível compará-los e calcular a média.
22Para uma introdução a outros índices de sustentabilidade ver além de Bellen (2005), UN (2001) e Scandar Neto (2006).
*Há muitos artigos pró e contra a PE na Ecological Economics. As referências básicas são: Wackernagel e Rees (1996), Chamber, N. et al. (2007) e www.footprintstandards.org. Para uma amostra
recente desse debate ver Fiala (2008) e Kitzes et al. (2008).
**O consumo é dividido em várias categorias: produtos da agricultura, da pecuária, da pesca, de madeira, construções e demais produtos (medidos pelo consumo de energia).
***A pegada ecológica, nesse caso, leva em conta a energia utilizada durante todas as fases do ciclo de vida do produto, incluindo produção, transporte, uso e disposição final.
†Para uma introdução às questões metodológicas que envolvem o cálculo da Pegada Ecológica ver Kitzes et al. 2008, para uma aplicação da PE no Brasil ver Cervi (2008).
*Alguns exemplos de variáveis incluídas: Pegada Ecológica per capita; oferta de água subterrânea, crescimento da população e empresas com ISO 14001. Portanto, é constituído por um conjunto bem
heterogêneo de variáveis.
**Os 21 indicadores são: qualidade do ar, biodiversidade, terra, qualidade da água, quantidade de água, redução da poluição do ar, redução da pressão sobre os ecossistemas, redução da pressão da
população, redução da pressão do lixo e do consumo, redução da pressão sobre a água, gestão dos recursos naturais, saúde ambiental, sustentabilidade humana básica, redução da vulnerabilidade a
desastres naturais/ambientais, governança ambiental, ecoeficiência, responsabilidade do setor privado, ciência e tecnologia, participação em esforços de colaboração internacional, emissão de gases de
efeito estufa, redução da pressão ambiental transfronteiriços.
***As variáveis são inicialmente padronizadas de forma a tornarem simétricas suas distribuições, depois são convertidas em z-scores, que consistem na substituição dos valores observados pela distância
entre a observação e a média das observações, medidas em unidades de desvio padrão (Scandar Neto, 2006). Para tratar os efeitos de valores extremos são utilizadas técnicas de truncamento. Dessa
forma, todas as variáveis passam a ter a mesma escala. Para mais informações ver Apêndice A do 2005 Environmental Sustainable Index.
†Há uma vasta literatura sobre as limitações do PIB como indicador de bem-estar. Bergh (2007) apresenta uma boa resenha sobre esse tema. A Comissão Européia, o Parlamento Europeu, a OECD e
outras entidades já discutem alternativas ao PIB. Ver http://www.beyond-gdp.eu. Uma referência recente, e muito importante, sobre esse tema são as conclusões do Relatório da Comissão sobre
Mensuração da Performance Econômica e do Progresso Social, criada por iniciativa do presidente da França (Nicolas Sarkozy). Ver www.stiglitz-sen-fitoussi.fr.
††Hicks não usou o conceito de sustentabilidade, que viria depois, somente descreveu a “renda” como qualquer valor adicional que implique manter capital intacto. Sobre a contribuição de Hicks, bem
como de Nordhaus, Tobin e Zolotas, que influenciaram mais diretamente a construção de IPG, ver Daly e Cobb (1994), onde se discute também as limitações do PIB como medida de bem-estar.
*Existem IPG para outros países (ex.: Chile e Austrália) e para regiões (ex.: Alberta, uma província/estado do Canadá).
**Note que o cálculo é para os EUA onde os gastos militares são grandes e o sistema de saúde é privado. Gastos com água e esgoto já estão contabilizados no consumo das famílias.
***Esse é um dos pontos polêmicos do índice, como os próprios autores reconhecem. Por exemplo, Daly e Cobb (1994) dão um tratamento diferente à educação superior no ISEW. A questão da
educação fundamental e básica não é explicada. Entendemos que está implícito em Daly e Cobb que esses itens ficam de fora do índice devido a problemas de mensuração, o que nos parece estranho.
*Quiroga (2005) faz distinção entre marcos ordenadores e marcos referenciais. Como nem sempre é claro a diferença entre ambos, optamos por utilizar a apenas a denominação marco ordenador.
28Quiroga, 2004.
*Esse modelo, apesar de bem interessante, não é muito difundido, e por esse motivo não será abordado aqui. Para mais informações, ver Bossel (1999).
29UN, 2001.
30Essa parte do texto (modelo PER) é baseada num artigo que escrevemos com Green e Oliveira (Carvalho, Barcellos, Green e Oliveira 2008).
**A denominação “modelo PER” é a mais utilizada na literatura e, portanto, é a utilizada nesse trabalho. Entretanto, o mais preciso seria “marco ordenador PER” ou “estrutura/esquema PER”.
***A Organization for Economic Co-operation and Development (OECD) é uma organização internacional de grande prestígio, composta basicamente por países desenvolvidos cujo principal objetivo é
a realização de estudos sobre políticas públicas, sobretudo de seus países-membros.
*Não cabe aqui aprofundar essa discussão conceitual, mas cabe assinalar que o Modelo PER tem como ponto de partida um marco referencial de componentes ambientais, mas não se restringe a ele pois
incorpora dimensões, por exemplo, econômicas, sociais e institucionais. Nesse sentido pode ser considerado também como inserido no marco referencial de desenvolvimento sustentável.
35UN, 2001.
36IBGE, 2002.
*Vale ressaltar que na edição de 2004 do IDS, embora o modelo temático continue sendo adotado, é apresentada uma tabela, no anexo, em que cada indicador é classificado segundo a tipologia do
modelo PER.
37CMNAD, 1988.
38UN, 2007.
*Por exemplo, no Brasil, entre os gestores ambientais, é muito comum a adoção de uma classificação que utiliza cores segundo a temática ambiental: a agenda azul, se refere a recursos hídricos (oceanos,
mares, rios e zonas costeiras); a verde é a relativa a florestas, a marrom se restringe aos problemas urbanos (ex.: poluição industrial, esgoto lixo etc.).
39UN, 2009.
40NRTEE, 2003.
**O SEEA adota o enfoque de capital na prática, mas não formalmente. Oficialmente é dito que o SEEA é “particularmente útil” para os que adotam o enfoque do capital ou “têm muito a contribuir”
com respeito à mensuração do capital natural.
***O capital produzido é incluído no SICEA na conta da ativos como recursos naturais cultivados e na conta de gestão de recursos e proteção ambiental como investimento ambiental.
41UN, 2009.
42UN, 2009.
44UN, 2009.
*Está previsto para 2012 uma nova versão do manual das Contas Ambientais, que irá incorporar o feedback dos países que somente agora estão trabalhando nessa área.
45Para uma introdução a outros marcos ordenadores que não serão aqui abordados, ver Quiroga (2005) e Scandar Neto (2006).
**Scandar Neto (2006) faz uma abordagem interessante a esse “dilema clássico”, como diz Gallopin, de índice síntese versus sistema de indicadores. Apresenta suas informações em uma figura em
forma de pirâmide, ficando no topo o índice síntese, situando-se abaixo os indicadores segundo seu nível de agregação. Portanto, olhando-se a pirâmide se tem uma visão do todo e não só do índice
sintético.
46Eurostat, 2007.
*A Iniciativa Latino-Americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável (ILAC) da UNESCO, PNUMA e MMA reúne, em sua publicação, 42 indicadores, 12 dos quais também fazem parte do
conjunto de indicadores das Metas do Milênio.
Capítulo 6
Em suma, todos os procedimentos sugeridos apresentam problemas metodológicos que são ainda
agravados pela precária disponibilidade de informações estatísticas e conhecimento da extensão dos
impactos ambientais. Ainda há muito que avançar tanto na melhor forma de se proceder o ajuste nas Contas
Nacionais quanto na elaboração de técnicas de valoração dos recursos. Mesmo as metodologias adotadas
como modelo para os escritórios estatísticos nacionais, apresentadas a seguir, não são isentas de problemas
e vieses, dada a necessidade de adotar hipóteses apriorísticas de como funcionam as relações entre
economia e meio ambiente.
6.5 Namea
A Matriz de Contas Nacionais incluindo Contas Ambientais (NAMEA, a partir de sua denominação em
inglês) é um sistema que integra informações estatísticas de recursos ambientais, associando fluxos de
emissões e outros impactos ambientais com as atividades econômicas que os geraram. A origem da
NAMEA está ligada ao trabalho desenvolvido pelo órgão estatístico oficial holandês (CBS), cujo trabalho-
piloto foi concluído em 1993, e a partir de então é produzida uma nova compilação anualmente.10
A estrutura é relativamente complexa, partindo de uma matriz de Contas Nacionais e criando novas
contas para o meio ambiente. Essas novas contas apresentam informações sobre questões relacionadas ao
meio ambiente e são expressas em unidades físicas, não sendo, por isso, passíveis de agregação às variáveis
econômicas normalmente expressas em valores monetários. Além disso, são destacadas as transações
econômicas que são parte das Contas Nacionais convencionais e que têm importância ambiental (como, por
exemplo, serviços de limpeza urbana, produção de catalisadores e filtros, coleta e incineração de lixo etc.).
É criada uma conta para identificar a geração por setor produtivo de cada tipo de efluente selecionado.
No caso da NAMEA holandesa foram destacados 11 tipos de resíduos diferentes, denominados
“substâncias”: dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso (N2O), metano (CH4), clorofluorcarbonetos (CFCs)
e halions, óxidos de nitrogênio (NOx), dióxido de enxofre (SO2), amônia (NH3), fósforo (P), nitrogênio (N),
resíduos sólidos e efluentes líquidos, além da extração de gás natural e petróleo — nesse caso, a
preocupação é com o esgotamento das reservas naturais desses recursos, que são importantes fontes de
receita para a economia holandesa.
Por outro lado, é apresentada a contribuição de cada atividade para o agravamento de problemas
ambientais selecionados, denominados “temas ambientais”. No caso holandês foram escolhidos como temas
ambientais a geração de gases de efeito estufa, a depleção da camada de ozônio, a acidificação do solo, a
eutrificação da água, geração de lixo e esgoto, e consumo de combustíveis fósseis. São também explicitadas
a cobrança de impostos e as taxas associadas às questões ambientais, como o imposto sobre o consumo de
combustíveis fósseis, introduzido para reduzir emissões de CO2.
As informações são consolidadas seguindo-se a convenção das Contas Nacionais que considera nas
colunas a oferta de bens e serviços, e seu impacto para a geração de poluentes, agravamento dos temas
ambientais selecionados e depleção das reservas de recursos naturais. Nas linhas os mesmos impactos são
examinados pela perspectiva do uso dos bens e serviços (como consumo intermediário ou final,
investimento e exportação). Porém, a ausência de um denominador comum impede a agregação das
variáveis ambientais presentes entre si com as variáveis econômicas. O Quadro 6.2 apresenta um esquema
simplificado que resume os principais aspectos do modelo.11
Quadro 6.2
Esquema simplificado de Matriz de Contas Nacionais incluindo Contas Ambientais
6.6 Sicea
O Sistema Integrado de Contas Econômicas e Ambientais (SICEA), trabalho do UNSO, foi elaborado com
o intuito de compatibilizar as contas ambientais com a nova versão do SNA.12 O SICEA é baseado em
contas satélites, isto é, busca expandir a capacidade informativa das Contas Nacionais sem alterar a
coerência básica da estimativa do PIB e demais agregrados macroeconômicos. Os objetivos do SICEA são:
1. identificar as transações econômicas relacionadas com recursos naturais que já estão presentes na
estrutura convencional das Contas Nacionais, em particular as despesas defensivas;
2. relacionar as variáveis ambientais, expressas em unidades físicas, com as variáveis econômicas,
expressas em valores monetários; e
3. apresentar indicadores de produto, renda e riqueza que contabilizem as perdas resultantes da
degradação ou exaustão dos recursos naturais, a partir da valoração monetária desses recursos.
Os objetivos 1 e 2 são perfeitamente compatíveis com a proposta da NAMEA, que por isso pode ser
considerada uma etapa intermediária para a elaboração do SICEA. A grande diferença é que este último
avança na proposição de atribuir valores monetários às perdas ambientais. O Quadro 6.3 apresenta a
estrutura básica proposta.
Quadro 6.3
Esquema simplificado do Sistema Integrado de Contas Econômicas e Ambientais
(SICEA)
Fonte: Adaptado de Bartelmus (1994) e Serôa da Motta (1995).
O SICEA também está baseado na matriz de Contas Nacionais convencionais (representada pela área
sombreada do Quadro 6.3), mas incorporando a degradação e exaustão dos recursos naturais por meio da
inclusão das variações de duas novas categorias de ativos no conceito de formação de capital. A primeira
dessas novas categorias é denominada ativos econômicos não produzidos e refere-se aos recursos naturais
exauríveis que são usualmente comercializáveis e, portanto, estão diretamente relacionados à atividade
econômica. Este seria o caso dos recursos minerais, da madeira obtida das florestas nativas e os recursos
pesqueiros.
O segundo grupo são os ativos ambientais não produzidos, que se caracterizam por não serem
normalmente comercializáveis, embora tenham papel crucial para o bem-estar da sociedade e para o nível
de atividade econômica. Engloba recursos exauríveis que não são diretamente comercializáveis, como a
qualidade do ar e da água, que pode ser afetada consideravelmente pela emissão de poluentes.
Essa diferenciação permite a obtenção de duas medidas ambientalmente ajustadas de produto. A
primeira dessas medidas é obtida subtraindo do Produto Interno Líquido (PIL) da perda de valor dos ativos
não produzidos econômicos por causa da extração corrente, representando assim a mudança na capacidade
produtiva total durante o período considerado. A variação dos ativos produzidos já é captada pelo PIL, pois
nessa medida subtrai-se do investimento bruto a depreciação do capital fixo produzido por atividades
humanas.
A novidade aqui refere-se à variação dos ativos não produzidos, que é obtida pela diferença entre o
aumento do valor desses recursos por causas naturais, denominado por I.pe — por exemplo, a capacidade
natural de crescimento de uma floresta ou de um cardume pesqueiro —, e o consumo das reservas naturais
desses recursos (depleção) representado por Dpl.pe. Dessa forma, caso haja uma extração maior do que a
capacidade natural de recomposição do recurso, haverá uma perda no total dos ativos econômicos (I Eco),
através da seguinte expressão:*
I Eco = (I - Depr) + (I.pe - Dpl.pe)
A variável síntese do produto é denominada PIL Ambientalmente Ajustado 1 (Yn1) e corresponde à
seguinte expressão:
Yn1 = C + I Eco + (X - M)
Observe que o valor dos ativos é obtido pela multiplicação de unidades físicas pelo preço médio do ativo
durante o período (representado por pe). Por isso, o estoque final do recurso (K1.pe) pode ser obtido
subtraindo-se a depleção (Dpl.pe) e adicionando-se o “investimento natural” (I.pe) ao estoque inicial do
recurso (K0.pe), mais um termo de ajuste que considera as variações de preço dos recursos entre os períodos
e reavaliações de suas quantidades físicas (Revpe). Esse último termo é introduzido porque o valor das
reservas pode variar por problemas técnicos de medição ou mudança de preços, mas ambas as situações não
são resultado direto de maior ou menor pressão causada por extração.
Existe ainda grande controvérsia sobre a forma mais adequada de valorar as reservas de recursos
exauríveis, em particular, em relação à expectativa de preços futuros e taxa de desconto mais adequada (ver
seção 6.6.1). O objetivo dos autores do SICEA foi de tornar sua estrutura contábil compatível com diversas
formas de valorar os recursos. Por isso, os estudos-piloto feitos usando o SICEA (para México e Papua-
Nova Guiné) apresentam resultados de acordo com distintos procedimentos de valoração, como no estudo
de caso feito para o México.
Onde:
Vt é o valor presente do ativo no tempo inicial t;
nt é o período de extração esperado no tempo t;
d é a taxa de desconto;
pτé o rent unitário esperado (diferença entre receitas e custos por unidade de recurso, já incluído o lucro)
no período futuro τ; e
qτ é a quantidade de recurso que se espera extrair no período τ.
Nessa equação percebe-se a necessidade de lidar com a incerteza sobre os valores futuros de custos e
preços dos recursos naturais e essa questão é pouco frequente nos modelos teóricos que tratam do tema.
Dois métodos se destacaram como propostas de valoração de recursos exauríveis: o método do preço
líquido e o método do custo de uso.
O método do preço líquido foi originalmente empregado por Repetto et al. (1989) para valorar a perda
de recursos naturais na Indonésia. Sua abordagem considera que a variação do valor do recurso natural em
um determinado período contábil deve ser obtida multiplicando-se o preço do recurso, líquido dos custos de
extração, pela variação do seu estoque, obtida pela diferença entre os estoques inicial e final,13 conforme a
equação a seguir:
St é o estoque inicial do recurso (em unidades físicas), que deverá estar completamente exaurido ao final
do último período. A perda ambiental é então estimada pela diferença no valor dos estoques entre os dois
períodos:
DEPt = -ΔV = St-1 · pt-1 - t · pt
Essa metodologia foi alvo de várias críticas, das quais duas se destacam. Em primeiro lugar, esse método
pressupõe que o rent deva crescer de acordo com a regra de Hotelling, ou seja, quanto maior a escassez
maior o seu valor. Contudo, não há nenhum elemento teórico que garanta que essa regra seja cumprida no
mundo real, e diversos estudos empíricos mostram que os preços dos recursos minerais estão longe de
obedecer tal comportamento. A outra crítica refere-se ao tratamento de descobertas e reavaliações das
reservas, que são bastante frequentes no setor mineral. Como a dimensão dessas reavaliações pode ser
muitas vezes superior à quantidade de minério extraída em um ano, tanto em termos positivos quanto
negativos, a medida ajustada de produto é suscetível a enormes oscilações, muito maiores que o produto
convencionalmente medido pelo setor, mas que não têm nada a ver com ritmo efetivo de extração do
recurso.
A segunda abordagem para a valoração de recursos exauríveis, a do custo de uso, foi proposta por El
Serafy (1989). Ele critica o método do preço líquido porque este considera como consumo de capital todo o
rent obtido a partir da extração de recursos exauríveis, eliminando qualquer vantagem para um país, ou
região, que tenha vastos depósitos naturais.
A ideia subjacente é de que o esgotamento do recurso, considerado uma perda de ativo natural, pode ser
compensado se parte do rendimento obtido com a extração se destinar à aquisição de outros ativos, tais
como bens de capital novos que aumentem o estoque de capital fixo da economia; assim, o investimento na
economia compensa a perda de ativos naturais. Em vez de tentar manter intacto o estoque de recursos
naturais, o que esta abordagem propõe é manter constante o valor total dos ativos produzidos e não
produzidos, por intermédio da formação de capital fixo capaz de gerar um fluxo constante de renda mesmo
após a exaustão das reservas. Essa é a tese da chamada “sustentabilidade fraca”, em que um ativo natural
pode ser substituído por outro com o objetivo de manter o mesmo nível de bem-estar econômico.
A parcela da receita obtida pela venda do minério que deve ser reinvestida para garantir a constância do
estoque de capital é o “custo de uso” — resgatando o conceito proposto por Keynes na Teoria Geral. Como
os valores que o custo de uso pode assumir oscilam entre zero (quando se considera que as reservas são
muito superiores ao nível corrente de extração) ou o rent na sua totalidade (quando a extração resulta no
imediato esgotamento das reservas), o ajuste é sempre no sentido de diminuir ou, no máximo, manter o
mesmo nível do produto convencional, nunca podendo excedê-lo.
Em termos formais, a proposta de El Serafy equivale a assumir que os níveis de extração rent
permanecem constantes na equação a seguir:
(equaçáo 6.1)
O custo da depleção é dado pelo valor descontado da perda esperada de receitas líquidas quando o
recurso estiver exaurido (após nt períodos de tempo):
Percebe-se que o método do custo de uso é bastante sensível à taxa de desconto adotada (d) e ao tempo
estimado para a exaustão do recurso (n). Quanto maiores os valores para essas variáveis, menor será o custo
de uso. A metodologia assim proposta reflete a escassez do recurso, uma vez que a redução do produto só
passa a ser significativa caso as atuais taxas de extração criem o risco de exaustão. Essa é uma vantagem
sobre o método do preço líquido, que reduz todo o rent obtido pela extração de um recurso exaurível,
independente da disponibilidade do recurso.
Além disso, o método do preço líquido pode ser considerado um caso particular do método do custo de
uso se o período de exaustão ou a taxa de desconto for zero. O primeiro caso (n=0) indica que a extração
representa a imediata exaustão do recurso. O segundo caso (d=0) é consistente com o argumento da
“equidade intergeracional”, que questiona o uso de taxas de desconto que reduzem os valores presentes de
custos e benefícios futuros.
6.7 Contas Ambientais para o Brasil
O objetivo desta seção é exemplificar os conceitos apresentados anteriormente por meio de algumas
estimativas preliminares para um sistema de Contas Ambientais no Brasil. Várias são as dificuldades para a
elaboração de exercícios nesse tema.
Em primeiro lugar, o Brasil ainda não dispõe de um sistema de estatísticas ambientais organizado. Na
ausência de dados obtidos a partir de coleta de campo, aproximações são utilizadas combinando
informações sociais e econômicas com parâmetros técnicos de emissão obtidos a partir da literatura
internacional. Por fim, cabe dizer que a depreciação do capital fixo (ou seja, dos ativos produzidos) também
não é calculada para o Brasil, inexistindo medidas de produto e renda líquidos. Por isso, os resultados que
são apresentados nesta seção são resultado de um trabalho acadêmico de pesquisa e não de estatísticas
oficiais. Como esse estudos não cobrem todos os recursos naturais e uma enorme quantidade de hipóteses
simplificadoras e aproximações são adotadas, apenas três tipos de recurso serão aqui analisados:
• a depleção de recursos minerais;
• a emissão de poluentes industriais; e
• a perda de recursos madeireiros por causa do desmatamento na Amazônia.
Tabela 6.2
Períodos de exaustão dos minérios selecionados (reserva/quantidade extraída),
1975/1995
Note que a maioria das reservas entre 1990 e 1995 cresceu, apesar de a extração ter aumentado para
quase todos os minérios, refletindo o esforço contínuo de prospecção de novas jazidas. Essas descobertas
fazem com que o período de exaustão aumente (caso do chumbo no período 1990/1995), mas se o aumento
da extração for proporcionalmente maior, o período de exaustão acaba sendo reduzido (caso do minério do
ferro, o principal produto mineral brasileiro, que tem seu período de exaustão reduzido sistematicamente
desde a década de 1970). Existe ainda a possibilidade de o período de exaustão aumentar mesmo que a
reserva diminua, desde que a extração caia ainda mais (caso recente do tungstênio).
O valor adicionado da extração mineral é convencionalmente calculado pela diferença entre a receita da
venda do minério e o consumo intermediário necessário à sua extração. Contudo, como já discutido antes,
parte desse valor mascara uma perda de ativos que não é captada pelas Contas Nacionais. Para se calcular o
custo de uso correspondente a essa perda, deve-se primeiro estimar o rent subtraindo-se do valor adicionado
o pagamento aos fatores de produção envolvidos na extração: salários e encargos sociais, e o retorno
“normal” do capital. Esse retorno normal do capital representa o custo de oportunidade dos ativos
produzidos investidos na extração (qual seria o retorno anual do investimento em capital fixo necessário
para a extração caso fosse realizado em outro setor que não o minerador).
No capítulo sobre valoração econômica ambiental, comentamos que há divergências quanto ao melhor
método para estimar o custo de uso. Por isso a Tabela 6.3 apresenta as estimativas de produto ajustado para
valores distintos de taxa de desconto: 0% (que é equivalente a considerar que o rent unitário cresce de
acordo com a taxa de desconto, ou seja, método do preço líquido corrigido pelo SICEA), 5% e 10%. No
primeiro caso, todo o rent deveria ser subtraído do produto ambientalmente ajustado, enquanto que nos
outros casos apenas a parcela calculada.
Tabela 6.3
Produto ajustado da extração dos oito minérios selecionados, 1990/1995 (R$ de 1995)
Percebe-se claramente o efeito da taxa de desconto: quanto maior, menor é a diferença entre o produto
convencionalmente medido e o ajustado. Assim, o produto ajustado pelo método do preço líquido corrigido
(taxa de desconto 0%) é o que apresenta menores valores, enquanto os valores estimados com a taxa de
desconto de 10% são bastante próximos dos valores convencionalmente estimados.
Caso seja necessário optar-se por apenas uma dessas séries, é inevitável que ocorra uma escolha
arbitrária em função da taxa de desconto e do comportamento futuro de preços que forem considerados
mais adequados para a economia. Essa necessidade muito maior de decisões arbitrárias é uma diferença
profunda entre as Contas Ambientais e as Contas Nacionais, e que tem levado os órgãos estatísticos oficiais
a agir com extrema cautela sobre o assunto, limitando-se a apresentar apenas séries em unidades físicas
mesmo quando os recursos naturais analisados têm preço de mercado (como no caso dos recursos minerais).
O IPPS apresenta coeficientes de custos de controle para apenas um conjunto limitado de parâmetros:
carga orgânica, para poluentes da água; e SO2, NO2, compostos orgânicos voláteis e material particulado
para emissões aéreas. Os resultados são apresentados na Tabela 6.5
Tabela 6.5
Custos de controle das emissão de poluentes industriais (R$ mil de 1995), Brasil
1985/1996*
.
De acordo com a proposta do SICEA, para se alcançar o produto ambientalmente ajustado 2 (Yn2), o
valor adicionado das atividades industriais deveria ser reduzido dos custos de degradação, que são
estimados pelos gastos necessários para controle da emissão (abordagem das despesas ambientais). A
Tabela 6.5 apresenta os valores do produto das atividades industriais antes e depois de eliminados os custos
de degradação para o ano de 1995.
Como já foi dito, nesse cálculo não é subtraída a depreciação do capital fixo pois não existem
estimativas oficiais para o Brasil. Observe que a diferença entre o produto convencional e o ambientalmente
ajustado varia muito de setor para setor: os custos de degradação estão fortemente concentrados em poucos
setores (siderurgia, minerais não metálicos, petroquímica, têxtil e alguns ramos da indústria alimentar).
Deve-se lembrar que os quase R$600 milhões de custos anuais de degradação que deveriam ser deduzidos
do produto industrial são uma subestimativa, pois nem todos os parâmetros de poluição foram considerados,
e os gastos de capital necessários para a remoção dos poluentes também estão excluídos.
Fonte: INPE.
O valor adicionado da produção agropecuária considerada na Tabela 6.8 é calculado para todo o Brasil,
enquanto a depleção de recursos madeireiros foi estimada apenas para a Amazônia. Se a depleção for
comparada com o PIB da agropecuária apenas para os estados nos quais foi levantada a perda de recursos
madeireiros (pouco mais de 8% do PIB agropecuário brasileiro), a perda de ativos madeireiros representa
cerca de 11% do PIB convencionalmente calculado, um ajuste de dimensões consideráveis.
Também tentou-se estimar a depleção pelo método do uso de custo, mas esbarrou-se em um sério
problema: a escassez de espécies madeireiras de maior valor comercial não pode ser medida pelo período de
exaustão considerando a floresta como um todo (ou seja, a área anualmente perdida comparada com a área
total de floresta).*** Isso deriva da característica mais marcante das florestas tropicais brasileiras: sua rica
biodiversidade. A quantidade de espécies é enorme, com grande variação de densidade por região. Assim,
ao contrário das florestas temperadas que são bastante homogêneas, é difícil encontrar uma representação
média da composição das áreas de floresta que a cada ano vão sendo convertidas em pastagens ou cultivos.
Como usualmente apenas algumas espécies de valor comercial mais elevado são efetivamente retiradas,
a escassez dessas espécies é bem maior do que o restante das espécies florestais. Por isso, agregar os
estoques remanescentes de espécies madeireiras distintas em uma unidade física comum (por exemplo, por
meio de medidas de área de floresta) faz tanto sentido quanto medir a escassez mineral somando as
toneladas das reservas de ouro com as de minério de ferro. Como não se dispunha de dados sobre o período
de exaustão de cada espécie, o resultado obtido para as estimativas do custo de uso total perdeu significado,
como ressaltado pelos próprios autores.
Guia de leitura
Contabilidade Ambiental no Brasil: para se aprofundar nos exercícios de contabilidade ambiental nacional
realizados no Brasil, deve-se procurar Serôa da Motta (1995) e Young et al. (2000).
Contabilidade Ambiental em outros países em desenvolvimento: o estudo de caso do World Resources
Institute na Indonésia representa um clássico no método de preço líquido: Repetto et al., 1989. O trabalho
de Tongeren et al. (1991) sobre o México representa a primeira aplicação empírica da metodologia de SNA
com contas satélites, elaborada pelo Escritório de Estatística da ONU.
Contas ambientais no Norte: uma experiência interessante é a aplicação do conceito de produto nacional
sustentável aos EUA por Daly e Cobb (1990).
Referências bibliográficas
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Sustainable Development: Macroeconomics and the Environment. Cheltenham: Edward Elgar;
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Framework for SNA Satellite System. Review of Income and Wealth. 1991;37(n. 2):111–148.
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Environment and a Sustainable Future. Boston: Beacon Press; 1990.
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of Sustainability. New York: Columbia University Press; 1991.
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10. Margulis S. Economia dos recursos naturais. In: Margulis S, ed. Meio ambiente — Aspectos
técnicos e econômicos. Rio de Janeiro: PEA/Inpes; 1990.
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20. Tongeren JV, et al. Integrated Environmental and Economic Accounting: a Case Study for
Mexico. Washington, DC: World Bank; 1991; Environment Working Paper n. 50.
21. Victor, P.; Hanna, H. E.; A. Kubusi, How Strong is Weak Sustainability? International
Symposium on Models of Sustainable Development. Paris, 1994.
22. Young CEF. Economic Adjustment Policies and the Environment: a Case Study for Brazil Tese
de Doutorado. Londres: Department of Economics/University College London; 1997.
23. Young CEF. Renda, recursos naturais e contabilidade nacional. In: Contabilidade social. Rio de
Janeiro: Editora Campus; 2000.
24. Young CEF, Serôa da Motta R. Measuring Sustainable Income from Mineral Extraction in
Brazil. Resources Policy. 1995;21(n. 2):113–125.
25. Young CEF, Pereira AA, Hartje BCR. Contas ambientais para o Brasil. Rio de Janeiro: Instituto
de Economia/UFRJ; 2000.
*Reserva base é a soma das reservas medida e indicada, segundo os conceitos do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM).
*A análise microeconômica de recursos naturais exauríveis destaca-se com o trabalho de Harold Hotelling (1895-1973), economista norte-americano que, nas décadas de 1920 e 1930, analisou os
impactos que a escassez crescente de recursos minerais — notadamente petróleo — traria para o lucro da indústria como um todo. Os resultados do seu trabalho sugeriram uma trajetória de extração de
tais recursos que incorporasse informação sobre as reservas conhecidas e a taxa de remuneração de capital no mercado. Esses resultados enquanto fundamento para um dos conceitos de contabilidade
ambiental serão discutidos mais adiante.
4Margulis (1990).
*Unidades de energia constituem uma alternativa de denominador comum, coerente com as premissas de entropia termodinâmica como resultado do fluxo de matéria e energia no processo econômico,
elaborado por Nicholas Georgescu-Roegen e seus seguidores, tais como Herman Daly. O ecólogo Howard Odum desenvolveu todo um sistema de contabilidade macroenergético, fundamentado na
conversabilidade de unidades de energia ao PIB convencional, ao nível de um país. Contudo, persistem os problemas de “valorar” recursos ambientais em unidades de energia, com a desvantagem
adicional de que perde-se a conexão direta por meio do sistema de preços com a unidade síntese da economia, o PIB.
5Leipert (1989).
*A disponibilidade de trabalhos nessa linha é maior e aplicações foram feitas por Daly e Cobb (1989) para os EUA e por Tongeren et al. (1991) para o México. Este último foi um dos estudos de caso
realizado com assistência técnica do Escritório de Estatísticas das Nações Unidas (UNSO, na sigla em inglês) que constituíram a base da proposta metodológica do SICEA, detalhada mais adiante.
7Hueting (1991).
8Peskin (1989).
*Os problemas inerentes à estimação de uma Função Social de Bem-estar, que leva à incoerência entre as análises micro e macroeconômica, são analisados por Arrow, cujo “Teorema de
Impossibilidade” demonstra as dificuldades conceituais associadas à agregação de preferências individuais para bens públicos.
9Mueller (1991).
11Uma visão mais completa e elaborada pode ser obtida a partir de Keuning et al. (1999).
12Bartelmus (1994).
*A estrutura original do SICEA também exclui dessa medida a depleção das reservas de recursos exauríveis que não encontram preços de mercado. Para efeito de simplificação, essa situação não foi
considerada neste exercício.
*Esses coeficientes também estão disponíveis para estimativas de emissão calculadas a partir do valor adicionado ou pessoal ocupado de cada setor econômico. A metodologia do IPPS é descrita em
Hettige et al. (1994).
*May (1999).
Política ambiental 1
Quadro 7.1
Gastos com saúde devido à poluição atmosférica e hídrica no Brasil 2
A poluição do ar é um dos grandes problemas atuais dos centros urbanos e industriais devido ao
rápido processo de urbanização e industrialização no Brasil. A excessiva concentração de poluentes
no ar causa graves problemas para a saúde humana, sendo o principal responsável por doenças
respiratórias como bronquite e bronquiolite agudas, gripe, alergias, bronquites crônicas, enfisema,
asma, bronquiectasia, entre outras. As crianças e os idosos são as principais vítimas.
Tal como o ar, a água é um dos recursos naturais mais usados pelo homem, seja para
dessedentação humana ou animal, irrigação, geração de energia, insumo industrial, higiene pessoal,
transporte, lazer e outros usos. A poluição hídrica é prejudicial à saúde humana, gerando várias
doenças como cólera, infecções gastrintestinais, febre tifoide, poliomielite, amebíase,
esquistossomose e shiguelose.
Segundo estudo realizado pelo IPEA/RJ, os gastos médicos (realizados pelo antigo sistema
INAMPS) associados à poluição hídrica doméstica no Brasil no ano de 1989 foram de US$ 40,2
milhões e os gastos hospitalares na cidade de São Paulo com doenças causadas por poluição
atmosférica para o mesmo ano foram de US$785 mil. Os custos médios de saúde per capita
associados à poluição hídrica foram de US$2,97 e US$0,84 associados à poluição atmosférica (para
as populações de São Paulo, Rio de Janeiro e Cubatão).
É importante lembrar que esses são gastos com tratamento de doenças, sem contar as perdas
econômicas que ocorrem devido à morbidade e à mortalidade causadas pela poluição. Ou seja,
pessoas doentes perdem dias de trabalho e a produtividade cai, além da produção que foi sacrificada
devido à morte de trabalhadores e da mão de obra futura.
Você já imaginou o quanto poderá ser economizado com a redução da poluição?
2
Serôa da Motta (1995), caps. 8 e 9.
Como vimos na seção anterior, a sistematização da política ambiental é recente. Isso não significa que
não havia problemas ambientais no início da Revolução Industrial, pois a base energética da atividade
econômica era a queima de carvão mineral, uma importante fonte de poluição do ar. Além do mais, o rápido
processo de urbanização sem a infraestrutura adequada trouxe problemas ambientais, como poluição da
água e geração de volumes crescentes de lixo sem disposição adequada.
A acumulação de poluentes e resíduos, juntamente com o aumento da atividade industrial e da
concentração da população nos centros urbanos, começou a tomar proporções alarmantes. Surgiu, portanto,
a necessidade de sistematizar as normas de conduta em relação ao meio ambiente.
7.4 Instrumentos de política ambiental
Os instrumentos de política ambiental têm a função de internalizar o custo externo ambiental e podem ser
divididos em três grupos: instrumentos de comando-e-controle (ou regulação direta), instrumentos
econômicos (ou de mercado) e instrumentos de comunicação (Quadro 7.2). Todos eles possuem vantagens e
desvantagens, razão pela qual a análise da experiência de diversos países evidencia uma combinação desses
diversos tipos de instrumentos em suas políticas ambientais (veja também uma análise teórica dos
instrumentos de política ambiental no capítulo sobre economia da poluição).
Quadro 7.2
Tipologia e instrumentos de política ambiental4
Instrumentos de
Comando-e-controle Instrumentos econômicos
comunicação
-Controle ou proibição de produto
-Taxas e tarifas -Fornecimento de informação
-Controle de processo
-Subsídios -Acordos
-Proibição ou restrição de atividades
-Certificados de emissão -Criação de redes
-Especificações tecnológicas
transacionáveis -Sistema de gestão ambiental
-Controle do uso de recursos naturais
-Sistemas de devolução de -Selos ambientais
-Padrões de poluição para fontes
depósitos -Marketing ambiental
específicas
• Instrumentos de comando-e-controle. São também chamados de instrumentos de regulação
direta, pois implicam o controle direto sobre os locais que estão emitindo poluentes. O órgão
regulador estabelece uma série de normas, controles, procedimentos, regras e padrões a serem
seguidos pelos agentes poluidores e também diversas penalidades (multas, cancelamento de
licença, entre outras) caso eles não cumpram o estabelecido.
Esse procedimento requer uma fiscalização contínua e efetiva por parte dos órgãos reguladores,
implicando altos custos de implementação. Os instrumentos de comando-e-controle são eficazes
no controle dos danos ambientais, mas podem ser injustos por tratar todos os poluidores da
mesma maneira, sem levar em conta diferenças de tamanho da empresa e a quantidade de
poluentes que lança no meio ambiente. São exemplos de instrumentos de comando-e-controle:
exigência de utilização de filtros em chaminés das unidades produtivas, fixação de cotas para
extração de recursos naturais (madeira, pesca e minérios), concessão de licenças para
funcionamento de fábricas e obrigatoriedade de substituição da fonte energética da unidade
industrial — substituição de lenha por energia hidroelétrica em siderurgias, por exemplo.
• Instrumentos econômicos. São também denominados de instrumentos de mercado e visam a
internalização das externalidades ou de custos que não seriam normalmente incorridos pelo
poluidor ou usuário.
As principais vantagens da utilização dos instrumentos econômicos em relação aos de comando-
e-controle são:
(i) Permitir a geração de receitas fiscais e tarifárias — por meio da cobrança de taxas, tarifas ou
emissão de certificados — para garantir os recursos para pagamento dos incentivos e prêmios ou
capacitar os órgãos ambientais. É considerado um duplo-dividendo, pois além da melhoria
ambiental, gera receitas para os órgãos reguladores.
(ii) Considerar as diferenças de custo de controle entre os agentes e, portanto, alocar de forma
mais eficiente os recursos econômicos à disposição da sociedade, permitindo que aqueles com
custos menores tenham incentivos para expandir as ações de controle. Portanto, com os
instrumentos econômicos a sociedade incorre em custos de controle inferiores àqueles que seriam
incorridos se todos os poluidores ou usuários fossem obrigados a atingir os mesmos padrões
individuais
(iii) Possibilitar que tecnologias menos intensivas em bens e serviços ambientais sejam
estimuladas pela redução da despesa fiscal que será obtida em função da redução da carga
poluente ou da taxa de extração.
(iv) Atuar no início do processo de uso dos bens e serviços ambientais.
(v) Evitar os dispêndios em pendências judiciais para aplicação de penalidades.
(vi) Implementar um sistema de taxação progressiva ou de alocação inicial de certificados
segundo critérios distributivos em que a capacidade de pagamento de cada agente econômico seja
considerada.
A adoção de instrumentos econômicos permite que um agente emita acima de um padrão médio
estabelecido, desde que outros agentes decidam reduzir seu nível de emissão por meio de
compensações financeiras, diretas (venda de certificados de emissão) ou indiretas (redução do
imposto a pagar). Dentro do sistema vigente, o fato de um agente emitir a um nível muito abaixo
do padrão legal não lhe garante vantagem adicional em relação à situação onde está apenas
ligeiramente abaixo do padrão.
São exemplos de instrumentos econômicos: empréstimos subsidiados para agentes poluidores que
melhorarem seu desempenho ambiental, taxas sobre produtos poluentes, depósitos reembolsáveis
na devolução de produtos poluidores — o antigo depósito sobre vasilhames de vidro — e licenças
de poluição negociáveis — a fábrica tem um patamar máximo de emissões e caso não o utilize,
pode negociar sua licença “para poluir” com terceiros.
• Instrumentos de comunicação. São utilizados para conscientizar e informar os agentes poluidores
e as populações atingidas sobre diversos temas ambientais, como os danos ambientais causados,
atitudes preventivas, mercados de produtos ambientais, tecnologias menos agressivas ao meio
ambiente, e facilitar a cooperação entre os agentes poluidores para buscar soluções ambientais.
São exemplos de instrumentos de comunicação: a educação ambiental, a divulgação de benefícios
para as empresas que respeitam o meio ambiente e os selos ambientais.
7.5 Política ambiental e comércio internacional
A política ambiental de diferentes países pode influenciar nos fluxos de comércio internacional. Quando o
produto e/ou seu método de produção causam problemas ambientais, o país importador pode colocar
barreiras ao comércio internacional. Estas são barreiras não tarifárias, também chamadas de barreiras
verdes, pois restringem o comércio internacional com a finalidade de proteger o meio ambiente.
Quais são os principais problemas ambientais causados pelo comércio internacional?
(i) Danos ambientais causados pelo transporte de mercadorias de um país para outro, ou seja, as
emissões atmosféricas provenientes do transporte internacional de mercadorias e os possíveis
acidentes podem contaminar o meio ambiente. Os transportes marítimos e ferroviários são, em
geral, menos poluentes que o rodoviário e o aeroviário em relação aos gases do efeito estufa. O
efeito ambiental líquido do aumento dos fluxos de comércio internacional depende, por um lado,
das mudanças do padrão desse comércio — isto é, os parceiros comerciais e o tipo de mercadoria
exportada — e, por outro, de políticas que estimulem determinados tipos de transporte segundo
seus potenciais poluidores.
(ii) Danos ambientais causados pelo uso de um produto: o país importador teria problemas
ambientais por causa do consumo do produto importado. Nesse caso, o país produtor estaria
exportando o produto juntamente com problemas ambientais. Por exemplo, o uso de produtos
importados que contenham gases tipo CFC causa danos ao meio ambiente, visto que contribui
para a destruição da camada de ozônio.
(iii) Danos ambientais causados por processos e métodos de produção (PPMs):*a maneira pela qual o
produto foi produzido causa danos ambientais no próprio país produtor ou em outros países. Esses
danos podem ser:
• Poluição transfronteiriça ocorre quando determinados PPMs afetam negativamente o meio
ambiente de outros países vizinhos ou da mesma região. Ocorre com frequência quando há
poluição do ar ou dos recursos hídricos comuns. Por exemplo, a emissão de dióxido de enxofre
(SO2) em um país pode provocar chuva ácida em outro.
• Espécies migratórias e recursos vivos comuns são ameaçados de extinção quando são praticados
PPMs agressivos ao meio ambiente. Um exemplo é a extinção de espécies aquáticas devido a
métodos de pesca nocivos, geralmente com redes de malha de tamanho impróprio, capturando
indiscriminadamente diversas espécies. As tartarugas marinhas foram ameaçadas de extinção por
causa do método de pesca inadequado de camarões.
• Preocupações com o meio ambiente global surgem quando os PPMs afetam recursos comuns a
todos os países. Por exemplo, os impactos negativos causados na camada de ozônio pela
utilização de gases tipo clorofluorcarbono (CFC); as mudanças climáticas causadas pela
derrubada de florestas tropicais nativas, resultado da extração irracional de madeiras e sem
reposição da biomassa; ou o aquecimento global resultante, entre outras causas, da alta
concentração de dióxido de carbono — CO2 — na atmosfera, provocado pela queima de
combustíveis fósseis em processos produtivos, além de outras fontes emissoras.
• Preocupações com o meio ambiente local ocorrem quando os PPMs levam a danos ambientais
nos limites geográficos do país. A poluição da água, terra ou ar que não cause efeitos
transfronteiriços são exemplos desse tipo de problema.
Assim, por causa desses problemas ambientais que podem surgir, os países que importam mercadorias
do Brasil podem impor “barreiras verdes”, reduzindo as exportações e, consequentemente, a produção
industrial, diminuindo a renda e o emprego gerados pela indústria (Quadro 7.3).
Quadro 7.3
A proibição da importação de gasolina brasileira pelos EUA
Um exemplo de restrição comercial baseada em regulamentação ambiental foi o caso das gasolinas
brasileira e venezuelana exportadas para os EUA. Em 1995, para complementar o Clean Air Act, a
agência ambiental norte-americana (EPA) estabeleceu a Regra da Gasolina (Gasoline Rule), ou seja,
impôs padrões de qualidade para a gasolina utilizada pelos consumidores norte-americanos. A
exigência era de que somente gasolina de determinada especificação (reformulated gasoline) poderia
ser vendida nas áreas mais poluídas e, no restante do país, somente a gasolina convencional
(conventional gasoline), cujo padrão não poderia ser mais sujo do que do ano base de 1990.
Entretanto, para as refinarias norte-americanas que já operavam em 1990, foi estabelecido um
patamar mínimo individual com base no padrão de qualidade da gasolina que produzia em 1990. Ou
seja, os padrões individuais para as refinarias domésticas poderiam ser inferiores aos estabelecidos
para a gasolina importada, o que impôs ao Brasil e à Venezuela processos mais onerosos que os
domésticos. Esses países reivindicaram que a Regra da Gasolina era inconsistente, com artigo III*do
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), e não estava coberta pelo artigo XX.**Os EUA
argumentaram que a Regra da Gasolina era consistente com o artigo III e estava justificada nas
exceções contidas no artigo XX do GATT, parágrafos (b), (g) e (d). Os EUA perderam em todas as
instâncias julgadas no GATT/OMC, pois os paineis não aceitaram os argumentos apresentados e os
EUA foram forçados a voltar atrás e retirar a restrição às gasolinas estrangeiras.
*
O artigo III do GATT que estabelece que não se pode tratar o produto estrangeiro
diferentemente do nacional.
**
Este artigo do GATT estabelece exceções às regras, as quais incluem as questões ambientais.
7.6 Política ambiental no Brasil
Quadro 7.4
O ambiente institucional da política ambiental no Brasil
O ambiente institucional é regulamentado em três esferas de poder — federal, estadual e municipal.
São três órgãos reguladores no âmbito federal:
• Ministério do Meio Ambiente (MMA) — é o responsável pelo planejamento da política
nacional de meio ambiente. Tanto o IBAMA quanto o CONAMA estão vinculados ao
MMA, sendo o ministro também presidente do CONAMA.
• Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) — é o órgão consultivo e deliberativo do
Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). O CONAMA é um órgão colegiado
cujos membros são representantes do Governo e da sociedade civil que têm envolvimento
com as questões ambientais e que têm a finalidade de assessorar, estudar e propor as
diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais. É
composto por dez câmaras técnicas permanentes e oito temporárias, que discutem questões
relativas a gerenciamento costeiro, energia, controle ambiental, ecossistemas, recursos
hídricos, recursos naturais e outros temas relevantes. A determinação dos padrões de
qualidade ambiental é de competência do CONAMA. Esses parâmetros são normalmente
baseados na experiência internacional, como no caso dos padrões de qualidade do ar
(determinados a partir de padrões internacionais, como os da Environment Protection
Agency — EPA — a agência de proteção ambiental norte-americana).
• Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) — foi
criado em 1989 e assumiu os direitos, créditos, obrigações e receitas dos órgãos
reguladores extintos.* Cabe ao IBAMA (no nível federal) a responsabilidade pelo controle
e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental. A exigência de
estudos de impacto ambiental (EIA) e relatórios de impactos ambientais (RIMA) constitui
a base de avaliação para o licenciamento das atividades efetiva ou potencialmente
poluidoras, sendo este o principal instrumento disponível para a gestão ambiental. As
licenças são de três naturezas (planejamento, instalação e operação), e a elaboração dos
estudos de impactos ambientais fica a cargo de consultor independente contratado pelo
proponente do pedido de licença.
Nos âmbitos estadual e municipal, o controle e a fiscalização de atividades que têm impactos
negativos sobre o meio ambiente é de responsabilidade dos órgãos ou entidades estaduais e
municipais — como a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA) no Rio de
Janeiro e a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) em São Paulo. As
multas e outras penalidades aos agentes que violam os padrões estabelecidos são determinadas de
forma diferenciada pelas agências estaduais de controle. Não há hierarquia entre as agências federais,
estaduais e municipais, sendo umas independentes das outras.
*
Foram extintos a SUDEHVEA (Superintendência da Borracha), o IBDF (Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento Florestal), a SEMA (Secretaria Especial do Meio Ambiente) e a
SUDEPE (Superintendência do Desenvolvimento da Pesca) pelas leis nos 7.732 e 7.735.
Em 1997, foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei no 9.433) e criou-se o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Em 1998,
as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente passam a sofrer sanções penais e administrativas
estabelecidas pela Lei no 9.605 — a Lei de Crimes Ambientais —, que dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
Posteriormente, o Decreto Federal no 3.179, de 1999, regulamentou a Lei no 9.605/1998, no que tange a
infrações, penalidades, procedimento administrativo e outras providências. O Quadro 7.5 mostra exemplos
da legislação ambiental brasileira.
Quadro 7.5
Exemplos da legislação ambiental brasileira
Legislação sobre licenciamento ambiental:
— Resolução CONAMA no 237/1997 — Dispõe sobre revisão do Sistema de Licenciamento
Ambiental.
Licenciamento:
LP — Licença Prévia: concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou
atividade, aprovando a localização, a concepção e a viabilidade ambiental. Estabelece os requisitos
básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases.
LI — Licença de Instalação: autoriza a instalação do empreendimento ou atividade, de acordo
com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas
de controle ambiental e demais condicionantes.
LO — Licença de Operação: autoriza a operação da atividade ou empreendimento após a
verificação do cumprimento do que consta nas licenças anteriores, com as medidas de controle
ambiental e condicionantes determinados para a operação.
— Portaria IBAMA no 113/1997 — Dispõe sobre o funcionamento do Cadastro Técnico Federal
de Atividades Potencialmente Poluidoras.
São obrigadas ao registro: Pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a atividades potencialmente
poluidoras e/ou a extração, produção, transporte e comercialização de produtos potencialmente
perigosos ao meio ambiente, assim como de minerais, produtos e subprodutos da fauna, flora e pesca.
Legislação sobre poluição e uso das águas:
— Lei no 9.433/1997 — Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Legislação sobre poluição do solo e resíduos sólidos:
A atual legislação confere à fonte geradora de resíduos a responsabilidade pela coleta, transporte,
tratamento, processamento e destinação final dos mesmos, independentemente da contratação de
serviços de terceiros para execução de qualquer uma das etapas. Somente os casos em que o resíduo
possa ser empregado como matéria-prima em outro processo industrial é que cessará a
responsabilidade do gerador.
Normas mais importantes em relação a resíduos sólidos, líquidos e emissões:
— Resolução CONAMA no 258/1999 — Legislação sobre pneumáticos
— Resolução CONAMA no 257/1999 e no 263/1999 — Legislação sobre pilhas e baterias
— Portaria Interministerial no 19/1981 e Instrução Normativa SEMA no 01/1983 — Legislação
sobre ascarel
— Resolução CONAMA no 09/1993 — Legislação sobre óleo solúvel e lubrificante
— Resolução CONAMA no 267/2000 — Legislação sobre uso de CFCs
7.6.2 Principais características da política ambiental
brasileira
A questão ambiental não foi prioridade no processo de industrialização brasileiro. Desde o estabelecimento
de indústrias intensivas em emissões, vindas dos países desenvolvidos na década de 1970 para produzir
bens intermediários, até os vazamentos de óleo do setor petrolífero ocorridos no ano 2000, são vários os
exemplos de descaso do setor industrial brasileiro com a questão ambiental. Uma das consequências desse
relativo descaso com a questão ambiental é a presença cada vez mais importante de indústrias intensivas em
recursos naturais e energia, ou que apresentam um alto potencial poluidor.
Uma série de razões pode ser apontada para explicar essa intensificação das atividades poluentes na
composição setorial do produto industrial. Em primeiro lugar, o atraso no estabelecimento de normas
ambientais e agências especializadas no controle da poluição industrial demonstra que, de fato, a questão
ambiental não configurava entre as prioridades de política pública — apenas na segunda metade da década
de 1970 foi criado o primeiro órgão especificamente para esse fim (FEEMA/RJ).
Em segundo lugar, a estratégia de crescimento associada à industrialização por substituição de
importações no Brasil privilegiou setores intensivos em emissão. A motivação inicial do processo de
industrialização por substituição de importações era baseada na percepção de que o crescimento de uma
economia periférica não poderia ser apenas sustentada em produtos diretamente baseados em recursos
naturais (extração mineral, agricultura ou outras formas de aproveitamento de vantagens comparativas
absolutas definidas a partir da dotação de recursos naturais). Contudo, embora o Brasil tenha avançado na
consolidação de uma base industrial diversificada, esse avanço esteve calcado no uso indireto de recursos
naturais (energia e matérias-primas baratas), em vez de expandir-se por meio do incremento na capacidade
de gerar ou absorver progresso técnico — chave para o crescimento sustentado, mas que ficou limitado a
algumas áreas de excelência.
Essa concentração em atividades intensivas em emissão aumentou ainda mais a partir da consolidação
dos investimentos do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que resultou em forte expansão de
indústrias de grande potencial poluidor — especialmente dos complexos metalúrgico e
químico/petroquímico — sem o devido acompanhamento de tratamento dessas emissões. Outro fator que
contribuiu para o incremento de atividades industriais poluidoras foi a tendência de especialização do setor
exportador em atividades potencialmente poluentes.
De acordo com essas especificidades da industrialização brasileira em relação ao meio ambiente, a
política ambiental vai adquirir contornos específicos, com ampla utilização dos instrumentos de comando-e-
controle. O modelo de licenciamento concentrou a maior parte dos avanços em poucos estados onde as
agências de meio ambiente desenvolveram-se de forma mais efetiva, como a FEEMA e a CETESB.
Contudo, existe grande heterogeneidade entre essas agências e na maioria dos estados existem enormes
carências técnica, financeira e de pessoal que impedem uma ação efetiva. Vários desses problemas foram
agravados pela crise fiscal vivenciada por diversas administrações estaduais e falta de apoio político,
resultando no declínio da qualidade da ação das agências ambientais. As lacunas deixadas por essa
crescente paralisia estadual têm sido parcialmente preenchidas pela maior atuação de agências municipais,
principalmente nas regiões metropolitanas. Essa multiplicidade de níveis administrativos pode levar a
conflitos de competência, com prejuízo às populações envolvidas.
Mesmo onde houve fortalecimento das agências ambientais, a qualidade ambiental não necessariamente
melhorou, como em São Paulo. Isso se deve, além de às dificuldades internas do setor ambiental, à falta de
investimento em infraestrutura e serviços urbanos que são de outras competências administrativas
(saneamento, transporte público, coleta de lixo, habitação popular); à persistência de grandes bolsões de
pobreza (proliferação de favelas e outros ambientes degradados); e a padrões de consumo que resultam em
agravamento das condições ambientais (o rápido crescimento da frota de automóveis particulares é o
exemplo mais gritante).
Aspectos ambientais ainda estão pouco integrados na formulação de políticas públicas. O problema é
agravado pela falta de informações sobre a extensão e relevância dos problemas resultantes da degradação
ambiental. A criação de um sistema de indicadores ambientais que compile dados obtidos pelas agências de
controle poderia facilitar essa integração, definindo áreas de prioridade de ação.
Essa série de problemas levou a questionar-se o atual sistema de gestão, baseado nos instrumentos de
comanado-e-controle. Em primeiro lugar, a ação desses órgãos é reativa, sendo que a expansão de suas
atividades é normalmente resultado do agravamento de problemas não resolvidos. Os procedimentos atuais
de estudos de impacto ambiental (EIA) e relatório de impacto ambiental (RIMA) são passíveis de várias
críticas, pois existe pouca clareza quanto aos critérios adotados no seu enquadramento como instrumentos
de avaliação de impactos ambientais. Na prática, não se observa a apresentação de alternativas tecnológicas
e locacionais, e as áreas de influência consideradas são bastante restritas. Além disso, o princípio de
independência da equipe responsável pela elaboração dos estudos entra em contradição com a prática de
permitir-se ao proponente do projeto a indicação e contratação dessa equipe.
A fiscalização também apresenta sérios problemas. Os principais referem-se à já mencionada escassez
de recursos humanos e financeiros, em virtude da crise do estado brasileiro em seus diversos níveis e à fraca
integração entre esses distintos níveis de governo. Além disso, a rigidez do sistema de normas atualmente
vigente retira flexibilidade dos gestores ambientais, tornando-os muito pouco efetivos no sentido de criar
estímulos aos agentes sociais para que adotem práticas mais adequadas ao ambiente.
Uma vez atendidos os padrões de emissão, há pouco interesse do agente para que melhore ainda mais
seu desempenho. Por outro lado, no caso de indústrias estabelecidas sob um padrão tecnológico prévio à
definição dos padrões ambientais, os custos de readaptação podem ser significativos, o que levaria em
alguns casos ao fechamento da indústria, com enorme custo social.
A saída apontada por grande parte da literatura para esse problema é a incorporação de instrumentos
econômicos baseados no princípio do poluidor-pagador (veja o capítulo sobre economia da poluição), no
qual emissões passam a ser cobradas mesmo estando em conformidade com os padrões máximos, mas ao
mesmo tempo permitindo que os agentes emissores negociem entre si seus próprios limites de emissão, de
modo a minimizar os custos sociais de ajuste.* Indústrias mais antigas, cujo custo de readaptação seja mais
alto, poderiam se beneficiar por meio da negociação com outros agentes mais eficientes no controle
ambiental. Além disso, ao contrário de um único padrão, haveria a possibilidade de impor um “preço” mais
elevado nas emissões que resultem em maior poluição e valores mais baixos onde o problema não é
relevante, pois a concentração de poluentes resultante de emissões pode variar consideravelmente devido às
circunstâncias do local afetado.
7.7 Conclusões
Neste capítulo vimos como se deu a evolução da política ambiental no mundo — da disputa nos tribunais à
política mista de comando-e-controle. Nessa evolução, os padrões de qualidade tornaram-se importantes
para a definição de metas de política, além da crescente adoção dos instrumentos econômicos.
Assim, a política ambiental busca induzir ou forçar os agentes econômicos a adotarem ações que
provoquem menos danos ao meio ambiente, seja reduzindo a quantidade de emissões ou a velocidade de
exploração dos recursos naturais. Os instrumentos de política ambiental podem ser divididos em três
grandes grupos: instrumentos de comando-e-controle (ou regulação direta), instrumentos econômicos (ou de
mercado) e instrumentos de comunicação. Em geral, eles são utilizados conjuntamente, fazendo com que
sejam distintas as políticas ambientais de diferentes localidades.
A política ambiental adotada pelos países pode afetar diretamente o comércio internacional. Com a
finalidade de proteger o meio ambiente, seja local ou globalmente, os países importadores impõem barreiras
não tarifárias com fins de proteção ambiental, também chamadas de barreiras verdes. Entretanto, o próprio
comércio de mercadorias também afeta negativamente o meio ambiente, seja pelas emissões atmosféricas
do transporte, pelo consumo ou pelo processo e método de produção de mercadorias.
Após uma breve exposição da política ambiental no Brasil, podemos concluir que, embora a experiência
brasileira, especialmente em alguns estados do Sudeste e Sul, possa ser considerada como avançada se
comparada com outros países latino-americanos, o modelo de gestão resultou em avanços limitados no
controle da poluição e outras formas de degradação.
Problemas importantes permanecem sem solução e, se comparados com padrões de países
desenvolvidos, os indicadores de qualidade ambiental no Brasil ainda estão bastante abaixo do satisfatório.
Se por um lado a dinâmica errática de crescimento econômico, a acelerada urbanização e a crise do Estado
ocorridas a partir dos anos 1980 podem ser apontadas como parte da questão, por outro lado, o modelo de
gestão adotado mostrou-se inadequado para tratar de diversos problemas. Sendo assim, os próprios gestores
ambientais reconhecem a necessidade de se buscar formas mais eficientes de controle.
Guia de leitura
Ainda há muito mais para se aprofundar no estudo sobre política ambiental. Para que você possa saber mais
sobre:
• Os diferentes enfoques teóricos dos instrumentos de política ambiental e as experiências de política
ambiental de vários países, ver Almeida (1988).
• As consequências ambientais dos programas de ajustamento para a crise da dívida externa dos
países em desenvolvimento no início dos anos 1980, por meio do exame das relações entre as
políticas de ajustamento e o uso dos recursos naturais, concentrando-se no caso brasileiro, ver
Young (1996).
• Os principais instrumentos de política ambiental e a experiência de diversos países no assunto, ver
Margulis (1996).
• Diversos assuntos relacionados com o meio ambiente, como poluição do ar e da água, avaliação de
impactos ambientais, análise de custo-benefício e introdução à economia dos recursos naturais e à
economia do meio ambiente, abordando questões relativas à política ambiental, ver Margulis
(1996).
• Economia ambiental, relacionando temas como crescimento demográfico, crescimento econômico e
economia do bem-estar social ao meio ambiente, ver Perman et al. (1996).
Referências bibliográficas
1. Almeida LT. Política ambiental: uma análise econômica. São Paulo: Papirus; 1998.
2. Kemp, R.; Smith, K.; Becher, G. How Should we Study the Relationship between Environmental
Regulation and Innovation? Relatório final do programa de pesquisa DGIII IPTS. 2000.
3. Lustosa MC, Young CEF. Política ambiental. In: Kupfer D, Hasenclever L, eds. Economia
industrial: fundamentos teóricos e práticas no Brasil. Campus: Rio de Janeiro; 2002.
4. Margulis S. A regulamentação ambiental: instrumentos e implementação. Rio de Janeiro: IPEA;
1996; Texto para Discussão no 437.
5. Margulis S. Meio ambiente: aspectos técnicos e econômicos. Brasília: IPEA; 1996.
6. Perman R, Ma Y, Mcgilvray J. Natural Resources and Environmental Economics. Londres:
Longman; 1996.
7. Serôa da Motta R. Contabilidade ambiental: teoria, metodologia e estudos de caso no Brasil. Rio
de Janeiro: IPEA; 1995; (coord.).
8. Young CEF. Economic Adjustment Policies and the Environment: a Case Study of Brazil. Tese de
doutorado da University of London 1996.
9. Young CEF, Pereira AA. Controle ambiental, competitividade e inserção internacional: uma
análise da indústria brasileira. In: XXVIII Encontro Nacional de Economia. Campinas: ANPEC;
2000.
*Os recursos naturais podem ser classificados em três tipos: os renováveis — fauna e flora —, os não renováveis — minerais e fósseis — e os livres — água, ar, luz solar e outros que existem em
abundância.
*O desenvolvimento sustentável é definido no estudo da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, intitulado Nosso Futuro Comum, editado em 1991 pela Fundação Getulio Vargas,
como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (p. 46). Centra-se em três eixos principais:
crescimento econômico, equidade social e equilíbrio ecológico.
*A adoção de instrumentos econômicos permite que um agente emita acima de um padrão médio estabelecido, desde que outros agentes decidam reduzir seu nível de emissão em troca de compensações
financeiras, diretas (venda de certificados de emissão) ou indiretas (redução do imposto a pagar). Dentro do sistema vigente, o fato de um agente emitir a um nível muito abaixo do padrão legal não lhe
garante vantagem adicional em relação à situação onde está apenas ligeiramente abaixo do padrão.
Capítulo 8
A questão ecológica é uma questão social; e hoje a questão social só pode ser elaborada
adequadamente como uma questão ecológica.1
8.1 Introdução
Ao longo do processo de constituição do capitalismo ocorreu uma aparente emancipação da esfera
econômica em relação à sociedade, acompanhada da ascensão de uma classe social nova: a burguesia, em
suas distintas facetas (mercantil, industrial e financeira). Sabemos, no entanto, que no mundo real economia
e sociedade estão entrelaçadas, e que o mercado não é uma instituição independente e perfeita. Entre as suas
falhas, uma vem ganhando evidência crescente: a incapacidade de dar respostas concretas, justas e
duradouras aos conflitos de natureza socioambiental. Como resultado, paralelamente ao agravamento da
degradação dos ecossistemas impulsionado pela industrialização, intensificaram-se as disputas pelo acesso e
uso dos recursos naturais e dos territórios.
Nas duas últimas décadas, este processo assumiu proporções alarmantes, impondo seu enfrentamento a
governos e sociedades. Dessas circunstâncias e preocupações comuns a organizações e nações de todo o
mundo emergiu uma nova convenção popularizada no termo “Desenvolvimento Sustentável” (ou
simplesmente, Sustentabilidade). Esta convenção demonstrou ser capaz de alterar as regras da concorrência
capitalista, obrigando as empresas (sobretudo, as multinacionais) a adquirirem competência para
administrar conflitos e demandas sociais de maneira a se manterem competitivas. O ambientalismo
empresarial e, mais recentemente, o movimento da Responsabilidade Social Empresarial (ou Corporativa)
nascem, assim, organicamente vinculados às contradições do capitalismo.
Este texto se propõe a descrever e analisar as principais motivações, características e estratégias que
pontuaram este processo, destacando a transformação do papel e da atuação das empresas na interface entre
o social e o ambiental, embora sem nos determos no debate em torno da problemática do crescimento,
apesar de esta representar um dos temas centrais da Economia Ecológica. A ausência desta temática no
debate sobre o ambientalismo de tipo empresarial reflete o próprio estado das artes no âmbito do segmento
e de sua interface acadêmica. Muito embora vozes persistentes defendam a necessidade não só de repensar
o modelo de desenvolvimento, mas, principalmente, de reavaliar seu crescimento econômico contínuo,*
encontramo-nos no estágio no qual, após acordar-se para a magnitude do problema, reúnem-se esforços e
poder decisório para enfrentá-lo.
Finalmente, procuramos avaliar ao longo do texto como a convenção da sustentabilidade acarreta
mudanças na cultura organizacional da firma, redirecionando o foco dos negócios para a construção de
ativos intangíveis; e se, ao fazer isso, representa um diferencial de competitividade e uma nova fonte de
heterogeneidade entre as firmas.
8.2 Breve histórico do ambientalismo empresarial
Não estamos muito distante do tempo em que poluição era sinal de progresso. Há pouco mais de três
décadas, durante a histórica Conferência de Estocolmo (1972) — evento científico que alertou o mundo
para os graves riscos ambientais causados pelo modelo de desenvolvimento vigente —, o representante do
governo brasileiro defendeu a tese de que o controle da poluição era um entrave ao progresso e articulou a
vinda de indústrias altamente poluidoras, que estavam sendo expulsas de vários países, para a cidade de
Cubatão. Cerca de dez anos depois, Cubatão entrou para o mapa das cidades mais poluídas do mundo e, até
hoje, carrega este estigma.**
Hoje, cada vez mais empresas compreendem que o custo financeiro e reputacional associado ao passivo
ambiental é mais alto do que os investimentos em meio ambiente, pois influenciam a percepção da opinião
pública sobre a companhia, dificultando a implementação de novos projetos e a renovação de contratos.
Esta mudança de comportamento foi resultado da pressão da sociedade, que se organizou para combater o
desmatamento e a poluição, e das restrições legais e ação regulatória e fiscal do Estado. Se o atendimento às
normas ambientais representa um custo alto, os acidentes e os crimes ambientais provocam escândalos
corporativos que abalam a confiança dos investidores, consumidores e acionistas, refletindo-se em queda de
vendas e no valor das ações da empresa. Este conjunto de fatores influenciou o mercado, impondo a
sustentabilidade como nova referência no horizonte da concorrência.
A crença generalizada no risco iminente de uma crise ambiental sem precedentes, alimentada pelos
impactos das mudanças climáticas, atesta esta mudança. Muitos autores consideram que em um futuro
próximo o mais importante impulsionador do desenvolvimento tecnológico será o estoque de reservas
naturais. Stuart Hart, por exemplo, sugere que a alocação dos recursos se orientará por sua disponibilidade
física, não havendo espaço nem mesmo para a legislação ambiental e para as políticas públicas se imporem
como marco regulatório. Com isso, a definição e o rigor na implementação de uma política de
sustentabilidade ambiental recairiam, inevitavelmente, sobre os agentes econômicos, em particular, as
empresas privadas.2
Este cenário preocupou, inicialmente, as grandes empresas multinacionais, sobretudo as de natureza
extrativista e, neste segmento, as indústrias de petróleo & gás. Além de consumirem fontes não renováveis e
de suas operações off-shore provocarem uma série de impactos nos ecossistemas marinhos, são
responsáveis por elevadas taxas de emissão de poluentes e por acidentes ambientais de grandes proporções.
Para citar um caso emblemático: o derramamento, em 1989, de 11 milhões de óleo bruto do petroleiro
Exxon Valdez, no Alasca — o maior da história americana —, representou um divisor de águas na história
da regulação ambiental pois levou o governo norte-americano a aplicar o método de valoração contingente
com o objetivo de avaliar a extensão dos danos e obrigar a Exxon Corporation a indenizar suas vítimas.*
Atualmente, as gigantes do petróleo anunciam investimento vultosos em energia renovável e metas
ambiciosas na redução de emissões na tentativa de mudar sua imagem pública, desgastada por décadas na
liderança da emissão de CO2. A Shell, por exemplo, se reposicionou estrategicamente para responder ao
dilema da mudança climática, reforçando áreas nas quais podia emergir como líder de mercado. Seu plano
de negócios do ano de 2000 projetou conquistar pelo menos 10% do crescente mercado mundial de
tecnologia de energia renovável até 2005 e para isso a empresa anunciou um investimento de US$1 bilhão.
Já a empresa BP optou por assumir a liderança mundial em tecnologia de energia solar, cuja trajetória
remonta há 30 anos. Raro é encontrar, hoje, uma empresa deste setor disposta a ostentar o estigmatizado
nome de sua principal atividade (seja exploração de petróleo, seja de gás). Todas querem ser reconhecidas,
principalmente, como empresas de energia.
Porém, não é apenas neste segmento que a pressão social aliada a eventos traumáticos influenciou
mudanças estratégicas em direção à sustentabilidade. Ao menos no plano da retórica, representantes dos
mais diversos setores empresariais esforçam-se em demonstrar que os custos ambientais deixaram de ser
vistos como um “mal necessário” para serem encarados como “parte integrante do negócio”. Na linguagem
corrente, este custo é um investimento porque abre caminho para a obtenção da chamada “licença social
para operar”, que representa o consentimento da sociedade local para que a empresa se instale e explore os
recursos de uma determinada região.
Finalmente, na chamada economia do conhecimento, os ativos intangíveis adquirem importância
estratégica nos negócios.3 Para a empresa, ter sua reputação abalada, pode significar um prejuízo financeiro
incalculável. Em pesquisa realizada no Reino Unido, 847 executivos apontaram a reputação como o mais
importante ativo intangível no sucesso da firma e, também, o mais difícil de ser substituído ou recuperado,
levando em média dez anos e oito meses para gerar retorno. E, no decorrer de uma década, muitas empresas
não resistem e abrem falência.4
Este conjunto de fatores conduziu a uma inevitável revisão dos valores empresariais, muito embora sem
questionar o modelo capitalista de produção, uma vez que na visão do empresariado, desenvolvimento
sustentável é um projeto em construção de longa duração e deve ser implementado sob a coordenação do
setor privado.
Trataremos a seguir das características e dos momentos marcantes da trajetória de mais de uma década
percorrida pelo que se convencionou chamar de ambientalismo empresarial.
A convenção de mercado
Segundo a noção sugerida por Keynes (1930), convenção constitui mais uma pressuposição do que
experiência historicamente comprovada. Os atores sociais estabelecem convenções para enfrentrar um
ambiente caracterizado por um alto grau de incerteza e risco, as quais, uma vez generalizadas, funcionam
como parâmetros relativamente flexíveis que sinalizam o provável cenário do futuro, novo ambiente no qual
as ações econômicas se moverão.
A convenção do desenvolvimento sustentável, assim como outras convenções, nasceu a partir de uma
crença difundida na sociedade de que a sustentabilidade ambiental é um imperativo para a sobrevivência do
atual padrão de desenvolvimento econômico. Contudo, sua viabilização tem sido gradativa e irregular. Se,
por um lado, nos setores extrativistas e nas multinacionais avança mais rapidamente devido a maior
influência das forças de pressão anteriormente citadas e à magnitude dos custos associados ao passivo
ambiental, por outro lado, é mais difícil implementar e replicar mudanças em empresas de grande porte,
cuja localização e natureza das operações variam significativamente. Assim, as trajetórias em direção à
adoção de estratégias ambientalmente sustentáveis diferem significativamente entre setores, entre empresas
de um mesmo setor e entre empresas de diferentes tamanhos.
A literatura aponta, com uma certa frequência, a existência de uma fronteira diferenciando os setores
industriais mais comprometidos com a causa ambiental. São eles: químico, siderúrgico, minerador, papel e
celulose e hidrocarbonetos.* A escolha desses setores não se deve apenas ao fato de serem grandes
poluidores, mas, também, à pressão social que os atinge mais intensamente. Esta pressão fez emergir
precocemente preocupações ambientais, fazendo com que, em apenas um ano, 1992, os projetos ambientais
consumissem 10% do orçamento dos setores de petróleo e química, por exemplo.**
A despeito da quase obviedade deste recorte e de um generalizado posicionamento crítico e vigilante
sobre esses setores por parte das ONGs e órgãos reguladores, são raros os estudos acadêmicos que
realizaram análises profundas e independentes sobre sua performance ambiental. Em geral, o que se
conhece sobre os processos de internalização dos princípios de DS nas empresas desses segmentos foi, e
ainda é, produzido internamente.
Em pioneiro estudo sobre o processo de “esverdeamento” das empresas americanas dos setores de
petróleo e químico, Andrew Hoffman (1997) constatou que a resposta do segmento empresarial aos ditames
do DS foram, inicialmente, de natureza cosmética, correspondendo ao que o autor denomina de a “fase
herética” da internalização do conceito. Contudo, segundo este mesmo autor, esta fase teria dado lugar a um
novo “dogma”, definitivamente incorporado no plano cognitivo, isto é, integrado ao planejamento
estratégico e expresso na missão corporativa das empresas desses setores.9 Aqui, cabe a pergunta: seriam
esses instrumentos de governança as principais evidências da conversão desses setores aos princípios e
métodos de DS?
Apesar de concordarmos com a ênfase imputada por Hoffman ao alcance deste processo de
transformação, preferimos tratá-lo como convenção e não como dogma, pois representa uma mudança do
discurso, mas não da prática, enquanto dogma deve ser entendido como quebra de paradigma. Ademais,
convenção pressupõe acordos de natureza corporativista entre grupos específicos acerca do uso de certas
práticas, procedimentos e atitudes, destinados a atender a legislação e a facilitar a interação social, não
sendo generalizável para o conjunto da economia.* Nos tópicos seguintes, aprofundaremos esta abordagem,
começando por analisar a efetividade e a real extensão dos processos de ecoeficiência nesses setores
precursores.
O que é fator?
A maior parte das previsões estima um aumento de 4 a 10 vezes da demanda por bens e serviços nos
próximos 50 anos como consequência do aumento populacional e do consumo per capita. Decorre
daí o estabelecimento de fatores de 1 a 10, que correspondem à redução de capital natural por
unidade de produto. A discussão sobre o grau de aumento da eficiência material foi iniciada por F.
Schmidt-Bleek e seus colegas do Wuppertal Institut na Alemanha. As opções variam do Fator 4, que
corresponde a uma redução do consumo de recursos naturais e energia por unidade de produção para
um quarto do consumo atual dentro de um prazo de 20 até 30 anos, ao Fator 10, que prevê uma
diminuição para um décimo do consumo atual dentro de um prazo de 30 até 50 anos. Os criadores
deste indicador afirmam que é necessário diminuir significativamente o uso líquido de recursos por
um Fator 10, no geral, e por um Fator 4, como meta de curto prazo.10 Estes pesquisadores afirmam
que a ecoeficiência precisa se tornar muito mais ampla em sua abrangência, e sua aplicação, mais
agressiva. Esta discussão é de vital relevância para os países em desenvolvimento, uma vez que seu
crescimento e aumento do bem-estar de suas populações dependem de uma redução significativa do
consumo de matéria e energia nos países do primeiro mundo.
10
Schmidt-Bleek (1994); von Weizäcker et al. (1997).
Finalmente, a abordagem que defende a responsabilidade ambiental no uso dos recursos contraria a
excessiva substituição de produtos e ciclos de vida cada vez mais curtos, os quais alimentam o consumismo
e o reforçam como estratégia comercial. Aqui, outras variáveis, como o comportamento do consumidor e
um sistema de regulação ambiental mais rigoroso, acompanhado de políticas de estímulo a mudanças nas
opções de investimento tecnológico, sinalizariam com mais objetividade aos agentes econômicos o cenário
futuro do consumo sustentável, no qual o meio ambiente é fator condicional em todas as fases do processo
de fabricação de produtos.
O papel da certificação
Como vimos no tópico anterior, ao reconhecerem que a maturação de novos produtos e processos é lenta e
dispendiosa, a maior parte das empresas optou por implementar alterações pontuais nos processos
produtivos. Por esta razão, a fase inicial do ambientalismo empresarial foi marcada por reformas simbólicas
e medidas cosméticas, usadas principalmente como propaganda institucional (“lavagem verde”). Hoje,
contudo, a tecnologia ambiental representa uma das principais estratégias de diferenciação, levando as
empresas líderes em seus segmentos a optarem por investimentos do tipo “berço ao berço”.11 Evidência
disto é a corrida à certificação que agrega valor ao produto pois representa um selo de confiança no sistema
de gestão implementado pela empresa.*
Os certificados mais procurados são os da série ISO 9000 e ISO 14000.** Lançada no final do ano de
1996, a Norma ISO 14001 avalia o Sistema de Gestão Ambiental (SGA) adotado pela organização. Como
trata-se de uma norma internacional, as empresas exportadoras foram as primeiras a adotá-la. Não são
apresentados critérios específicos de desempenho ambiental, exige-se, porém, que a organização elabore
sua política e tenha objetivos que levem em consideração os requerimentos legais e as informações
referentes aos impactos ambientais significativos. Por outro lado, o nível de aplicação dependerá de fatores
como a política ambiental da organização, a natureza de suas atividades e a existência de requisitos para o
Sistema de Gestão da Qualidade, não significando, necessariamente, conformidade do produto às suas
respectivas especificações. A ISO 14001 permite certificação do SGA por terceiros, sendo a única cujo
conteúdo é auditado na forma de requisitos obrigatórios, o que representa um diferencial a mais no contexto
de concorrência. Administrado pelo Council on Economic Priorities Accreditation Agency (CEPAA), o
Social Accountability 8000 (SA 8000) foi o primeiro certificado social com reconhecimento internacional.
Verifica, entre outros aspectos, as condições de trabalho em toda a cadeia produtiva, tendo sido motivado
pelo crescente clamor popular contra o trabalho infantil. No Brasil, muitas empresas possuem a ISO 14001,
mas poucas conquistaram o SA 8000, entre elas, a Bahia Sul Celulose e a empresa de cosméticos Avon.
Desde então, outros certificados sociais surgiram, sendo o mais recente e polêmico a Norma ISO 26000 de
Responsabilidade Social.
I. Primeiro estágio: é a busca por um produto livre de substâncias reconhecidas pelo grande
público como perigosas ou mesmo práticas malvistas.
II. Segundo estágio: quando a empresa pode e faz questão de deixar claro aos clientes as
propriedades e os processos envolvidos na produção de seus produtos.
III. Terceiro estágio: é trabalhar na criação de uma lista das substâncias saudáveis a serem
adotadas, tomando uma postura realmente proativa, e realizando assim uma lista positiva.
As análises realizadas neste estágio podem envolver conceitos abordados pelo Sistema de
Gerenciamento Ambiental (SGA) estabelecido na norma britânica BS 7750 e pela
Avaliação de Desempenho Ambiental (ADA). Partir da análise destes critérios para guiar
etapas de projeto e produção preconiza uma transformação real.
IV. Quarto estágio: buscar ciclos tecnológico e biológico mais salutares, pondo em prática a
lista positiva. Faz parte desta busca um maior contato com grupos de pesquisa e para isto se
faz necessário uma aproximação de pesquisadores e profissionais que atuam no
desenvolvimento de produtos. A partir, deste estágio pode-se relacionar práticas de eco-
design, ou green design, no qual o processo de projeto trata atributos ambientais como
objetivos e não restrições, buscando incorporar estes objetivos com o menor custo ao
desempenho do produto, sua vida útil ou sua funcionalidade.
V. Quinto estágio: prevê reinventar conceitos, fazer produtos que, além de não serem
prejudiciais ao meio ambiente, contribuam e melhorem o meio durante e após sua vida útil,
que limpem o ar ou fertilizem o solo, isto associado à reflexão sobre a infraestrutura
necessária ao uso do produto.12
12
Jacques e Carésio de Paula. Desenvolvimento sustetável de produtos. IX ENGEMA, Curitiba,
nov. 2007.
Convém observar, porém, que o contingente de empresas certificadas só não é maior porque muitas
delas não têm como arcar com os custos da certificação, particularmente as pequenas e médias. Um estudo
recente comparou a performance de companhias abertas que informaram em seus Relatórios de Informação
Anual de 2006 (ano-base 2005) certificação da ISO 14001 com as empresas que possuíam algum sistema de
monitoramento ambiental e com as empresas que não apresentaram informação relacionada às questões
ambientais. As empresas que possuíam certificação ambiental tiveram rentabilidade do ativo, rentabilidade
operacional e rentabilidade do patrimônio líquido superiores às demais.13
Como salienta Schmidheiny (1996), a crença de que maximizar retorno aos acionistas impõe ao
executivo a adoção de estratégias pontuais e imediatistas, negligenciando investimentos de maturação
longa, não é de todo verdadeira, uma vez que os acionistas procuram obter retorno futuro de seus
investimentos na mesma proporção em que anseiam por rendimentos no presente. Por esta razão, foram eles
os principais responsáveis pela adoção dos sistemas de gestão ambiental, bem como das certificações, a
partir do momento no qual a performance ambiental transformou-se em diferencial de competitividade. Em
pesquisa realizada nos EUA, em 2001, com 120 empresas das áreas de papel & celulose, química e
borracha, identificaram nos acionistas 27% da motivação na implementação de SGAs nas empresas, seguida
da pressão legal (18,2%).14
Acima de tudo, a internalização do conceito de desenvolvimento sustentável no segmento produtivo
ajudou a reabilitar uma visão de futuro, relativamente negligenciada durante a última década, marcada por
altas expectativas de lucros econômicos. Quando estas expectativas foram frustradas, este conceito emergiu
como um horizonte novo para a seleção de opções de mercado, transformando-se, então, em uma estratégia
de negócio.
Neste ponto, chegamos a um novo estágio da trajetória: a incorporação da visão dos stakeholders nas
estratégias e processos decisórios empresariais em oposição à centralidade dos shareholders (acionistas).
Esta inovação foi decisiva para a disseminação da consciência ambiental no interior das empresas,
cobrando-lhes transparência e resultados sociais.
Hoje, este relacionamento está mais maduro. As ONGs são encaradas pelo setor produtivo com mais
seriedade, sua função social é respeitada e suas habilidades específicas são reconhecidas. Por conseguinte,
observa-se uma tendência cada vez mais acentuada de flexibilização do discurso anticorporativo por parte
das organizações do Terceiro Setor. As empresas respondem criando departamentos especialmente voltados
às relações com as comunidades e com o Terceiro Setor, apoiando diretamente as ONGs, e até criando suas
próprias organizações sem fins lucrativos e fundações, destinadas a gerenciar seus investimentos em
projetos sociais.
As análises correntes sobre firmas e estratégias mostram que, historicamente, somente quando ameaçava
os negócios ou sua reputação, a empresa procurava incorporar os stakeholders no processo de tomada de
decisões e, mesmo assim, de forma limitada, envolvendo apenas consumidores e representantes dos órgãos
reguladores. Contudo, o aprendizado sob pressão social fez com que a empresa procurasse identificar os
anseios e os interesses dos stakeholders mais influentes previamente ao início das operações de maneira a
evitar surpresas que pudessem pôr o empreendimento em risco. Certamente esta atitude está informada por
uma análise dos prejuízos financeiros gerados no passado pelo comportamento tradicional, mas, por outro
lado, também, é resultado de uma mudança de visão de como fazer negócio em tempos de globalização da
informação. O resultado é que a forma tradicional de fazer negócio está sofrendo uma profunda revisão.
“Virtualmente toda empresa causa algum tipo de dano ambiental”, admite, corajosamente, a empresa
inglesa de cosméticos The Body Shop, reconhecendo que não basta ser ambientalmente amigável, é preciso
ir além e “limpar sua bagunça enquanto procura por formas de reduzir seu impacto sobre o meio
ambiente”.23 Sua proprietária, Anita Roddick, simboliza um tipo incomum de empresário. Em seu livro,
Meu jeito de fazer negócio, conta como a postura ética de sua empresa não foi imposta pelo mercado, nem
pela regulação estatal ou por consumidores mais exigentes, mas surgiu espontaneamente, como sua marca
comercial, seu diferencial de mercado. Por esta razão, ela é uma pioneira e líder no segmento que tem como
característica principal trabalhar com produtos ambientalmente sustentáveis e socialmente justos. O
exemplo de Anita vem conquistando adeptos em todo o mundo (hoje, são cerca de 2.000 lojas). No Brasil, a
The Body Shop não tem representação, mas sua filosofia se identifica com a marca Natura.
Maior empresa de cosméticos naturais do país, a Natura abraçou uma estratégia de crescimento ousada.
No desenvolvimento de sua mais popular linha, a Natura Ekos, a empresa optou por criar riqueza de forma
sustentável, comprando das populações tradicionais matérias-primas vegetais e óleos naturais, extraídos de
modo a não destruir a natureza. Desta forma, contribui para a preservação dos recursos naturais das regiões,
ao mesmo tempo que recompensa o trabalhador economicamente. Além disso, a empresa se comprometeu
com um padrão de sustentabilidade bastante rigoroso, constituído dos seguintes critérios:24
• todos os ativos dos produtos são extraídos de forma sustentável, permitindo a renovação das fontes
de onde provêm;
• vários destes ativos vêm de reservas extrativistas, áreas naturais demarcadas e protegidas pelo
CNPT/Ibama (Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Populações Tradicionais) e
por seus moradores. Os produtos originários das reservas extrativistas recebem também o
certificado de origem do Ibama;
• as fórmulas são comprovadamente biodegradáveis, ou seja, se decompõem na natureza em até 28
dias;
• a linha prevê o uso de embalagens de papel e resinas plásticas recicláveis e entre essas várias são
recicladas; e
• todos os produtos da linha trazem a possibilidade do refil, o que ajuda a preservar o meio ambiente,
pelo menor uso de matéria-prima.
A Natura é uma das poucas empresas brasileiras que venceu todos os estágios em direção ao
desenvolvimento sustentável propostos por Stuart Hart (1995). Inicialmente, implementou a “prevenção da
poluição”, que corresponde à fase da ecoeficiência; em seguida, passou para a fase de “gerenciamento de
produto” — design e desenvolvimento — até alcançar a estratégia superior, que Hart denomina de
“desenvolvimento sustentável”. Em todas as etapas, os stakeholders desempenharam um papel crucial. Sem
seu engajamento, não ocorreria o salto qualitativo que permitiu à empresa realizar investimentos de longa
maturação.
Na primeira fase, observa Hart, a estratégia não pode ficar restrita à firma. Ela tem que ser divulgada e
aperfeiçoada junto aos stakeholders interessados. Com isso, a informação e a transparência das práticas
adotadas funcionariam como resposta à pressão dos stakeholders externos, que passariam a contribuir no
próprio processo operacional. Implementar códigos de conduta voluntários e submeter-se a processos de
auditoria externa e de certificação reforçariam o compromisso da empresa com a transparência e a abertura.
O papel dos stakeholders na segunda etapa é ainda maior. Integrando os stakeholders externos
(ambientalistas, líderes comunitários, a mídia e os órgãos regulatórios entre outros) no processo de decisão
sobre design e desenvolvimento do produto, a empresa estará acumulando recursos socialmente complexos,
envolvendo fluidez de comunicação entre os departamentos, comunicando-se, desta forma, para além das
fronteiras da organização. Um dos benefícios desta superação é o de antecipar-se aos concorrentes que não
construíram a competência específica em gerenciar ativos sociais e engajar seus stakeholders nos processos
internos. A fim de criar novos standards e normas ambientais, Hart sugere que a firma procure a
colaboração com os responsáveis pela regulação governamental.25 Em resumo, a postura proativa da
empresa passa a ser capaz de desencadear um processo em cadeia no qual todos os elos são corresponsáveis
pela geração de novos produtos e processos, permitindo que um passo superior seja dado em direção ao
desenvolvimento sustentável, última e mais desafiante estratégia.
Finalmente, a última estratégia é superior como fonte de vantagem competitiva, pois pressupõe não
apenas a mudança de cultura empresarial, traduzida em valores e missão voltados para o desenvolvimento
sustentável, bem como a consolidação das estratégias anteriores. No entanto, o autor reconhece que, devido
à dificuldade em gerar consenso em torno de propósitos comuns, poucas companhias têm sido capazes de
estabelecer e manter o sentido da missão empresarial. Apesar desta nova postura ter sido, previamente,
imposta por elementos externos à empresa, o conceito de desenvolvimento sustentável passou a ser visto
com seriedade por um número significativo de companhias por iniciativa do seu corpo executivo (diretores
e gerentes) e, em vários casos, estimulado pelos próprios acionistas temendo a desvalorização das ações
motivadas por escândalos corporativos.
Um dos indicadores da efetiva mudança comportamental pode ser observado na forma como a empresa
encara seu papel social e como implementa suas ações junto às comunidades afetadas por suas operações.
Esta decisão implica, necessariamente, um esforço de adaptação da estrutura da empresa a uma mudança na
estratégia,26 resultando na criação de novas rotinas operacionais internas, com a diferença de que estas
passam a ser orientadas pela comunicação sistemática da empresa com seus stakeholders, e não somente
por demandas estritamente técnicas ou mercadológicas.
O conhecimento e as competências gerados na operacionalização do stakeholder approach representam
um poderoso diferencial de competitividade no setores que analisamos. Além disso, corresponde a um dos
trade-offs da tipologia proposta por Porter, segundo a qual inconsistência em imagem e em reputação
demanda esforços gigantescos para criar uma nova imagem, processo que, em geral, representa dezenas de
milhões de dólares para uma grande indústria. De acordo com Porter, a “efetividade operacional”, isto é,
desempenhar atividades similares melhor do que seus rivais, é uma meta distinta de estratégia (que significa
desempenhar atividades similares por caminhos diferentes dos seus concorrentes), sendo sua existência
necessária, mas não suficiente, para garantir vantagem competitiva à firma.* A firma deve mudar sua
estratégia se existem mudanças estruturais profundas no setor ao qual pertencem, mas a escolha em assumir
uma nova posição deve ser guiada pela habilidade de encontrar diferenciais (trade-offs) e alavancar um
novo sistema de atividades complementares que sustentem vantagem competitiva. Porter cita como
exemplo o TQM (Total Quality Management) e o benchmarking, que mudaram a forma como as firmas
desempenham suas atividades, ao eliminar ineficiências, proporcionar mais satisfação aos consumidores e
realizar best practice.
Responsabilidade social pode ser definida como o compromisso que uma organização deve ter
para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo
amplo, ou a alguma comunidade, de modo específico, agindo proativa e coerentemente no que tange
a seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela.27
No Brasil, um dos países onde mais cresce este movimento, o principal responsável pela rápida
disseminação do conceito é o Instituto Ethos de Responsabilidade Social. Criado em 1998 por um grupo de
empresários liderado por Oded Grajew, ex-diretor-executivo da Fundação Abrinq (Associação Brasileira
dos Fabricantes de Brinquedos), a entidade possui, hoje, mais de 1.300 empresas associadas.
O Instituto Ethos se apresenta como uma associação de empresas, sem fins lucrativos, que tem como
missão mobilizar, sensibilizar e apoiar as empresas para que elas incorporem políticas e práticas de
responsabilidade social na gestão de seus negócios. A entidade faz questão de frisar que não desenvolve
atividade de consultoria, não cobra pelo serviço de orientação, não fornece “selo” ou certificado nem
autoriza as empresas-membros a usarem a associação ao Ethos como tal.
Segundo o Instituto Ethos, para conquistar o atributo de uma empresa socialmente responsável é
necessário manter um diálogo constante com seus stakeholders (funcionários, fornecedores, clientes,
comunidades), prestar contas à sociedade e procurar sempre ir além da legislação e das normas
internacionais, a exemplo dos direitos trabalhistas definidos pela OIT (Organização Internacional do
Trabalho). Ou seja, a empresa deve ser proativa e investir no desenvolvimento pessoal e profissional de
seus empregados e na melhoria das condições de trabalho.
As mudanças institucionais
Para acompanhar esta nova realidade, o índice americano Dow Jones, que mede a performance financeira
das empresas, criou, em 1999, um grupo de indicadores paralelo chamado de Índice Dow Jones de
Sustentabilidade (Dow Jones Sustainability World Indexes). Destinado a ajudar investidores internacionais
que estivessem buscando aplicações diferenciadas no mercado e a premiar as empresas que procuram aliar
desenvolvimento com ecoeficiência e responsabilidade social, o índice exclui empresas de tabaco, de álcool
e jogo, mas não impõe restrições à indústria química e petroquímica e não faz nenhuma menção aos
fabricantes de armas...
Fazem parte da lista quatro empresas brasileiras: o Banco Itaú, o Unibanco, a Embraer e a Cemig
(Companhia Energética de Minas Gerais), classificada pelo terceiro ano consecutivo como a terceira melhor
empresa de energia elétrica do mundo. Apesar do pouco rigor nos critérios estritamente ambientais, o Dow
Jones de Sustentabilidade cresceu cerca de 180% de 1993 até 2003, enquanto o índice tradicional (Dow
Jones Global Index) cresceu 125% no mesmo período.
No Brasil, ao constatar que as administrações mais fechadas apresentaram um retorno muito menor do
que aquelas com boa governança corporativa (14% contra 23%), a Bolsa de Valores de São Paulo
(Bovespa) criou, em 2002, o chamado Novo Mercado, composto por empresas comprometidas com a
transparência nos negócios. Em relação ao Índice Bovespa, as transações nesse mercado apresentaram uma
evolução mais positiva: variou 1,5% em 2002, enquanto o Ibovespa apresentou queda de –17% no mesmo
período.30
A significativa adesão do segmento produtivo brasileiro à ecoeficiência conduziu a uma revisão nos
critérios de financiamento dos bancos. Um dos fatores que condicionam a liberação de financiamentos do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, é o alcance dos impactos
ambientais do projeto, além da divulgação do Balanço Social da empresa.31
Naturalmente, os fundos de investimento adaptaram-se rapidamente a esta nova realidade. Para atender
ao investidor ambientalmente ético, foram criados novos fundos de investimentos, onde os critérios sociais,
ambientais e de governança corporativa são aplicados no processo de seleção dos melhores papéis.* Os
chamados Fundos de Investimentos Socialmente Responsáveis (SRI — Socially Responsible Investments,
em inglês) não são uma novidade no mercado financeiro internacional, existem desde a década de 1960,
mas tiveram seu prestígio ampliado com o recente boom da responsabilidade social corporativa.
Em agosto de 2001, a Comissão Técnica de Balanço Social da Abamec (Associação Brasileira de
Mercado de Capitais) São Paulo realizou uma pesquisas junto à comunidade de analistas e investidores com
o objetivo de diagnosticar a posição dos agentes do mercado em relação às informações de natureza social
utilizada para análise das companhias, e chegou a resultados aparentemente animadores: a) 41% dos
analistas levam em consideração as informações de natureza social em todas as suas análises e 84% as
levam em consideração pelo menos em metade de suas análises; b) educação e meio ambiente são
considerados muito importantes por 62% e 47% dos entrevistados, respectivamente; e c) 85% consideram
que as ações sociais internas são levadas em conta em suas análises, devendo ser reportadas ao mercado.32
Entretanto, nem toda boa intenção traduz-se em prática. A III Pesquisa de Responsabilidade Social da
Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil — ADVB, realizada no mesmo ano, revelou
uma profunda contradição: 97% das empresas entrevistadas afirmaram que a responsabilidade social faz
parte da visão estratégica nas suas decisões, mas 77% não publicam nem mesmo o Balanço Social,
considerado um modelo de prestação de contas essencial.
A Financial Institutions Initiative (FII), fundada em 1992, ligada ao Programa das Nações Unidas para o
Ambiente (UNEP) lançou uma Declaração Internacional sobre o compromisso com o desenvolvimento
sustentável que contava em 1998 com mais de 100 adesões por parte de instituições financeiras, chegando
em março de 2001 a 171 instituições de 46 países. Mas, segundo pesquisa realizada pelo Finance Institute
for Global Sustainability (FIGS), apesar de três quartos dos fundos que favoreceram empresas social e
ambientalmente responsáveis terem tido um desempenho superior à média, no ano de 2000 ainda não
existia uma série histórica que comprovasse definitivamente a correlação entre ética e lucro.33
Percebe-se que os bancos estão, paulatinamente, incorporando o conceito de responsabilidade social,
procurando redefinir seu papel na sociedade, mas o fato é que não é possível apostar, no momento, que esta
tendência será irreversível e profunda o suficiente para mudar a atual lógica de acumulação.
Leituras recomendadas
Para saber mais sobre:
Evolução histórica do ambientalismo empresarial: Hoffman (1997 e 2007)
Reputação corporativa: Hall (1992); Hastings (1998)
Processo de ecoeficiência: Schmidheiny (1992 e 1996); Hawken (1999); Hart e Milstein (2005)
Foco no stakeholder: Freeman (1984); Elkington (1997); Vinha (2000)
Gestão empresarial e desenvolvimento sustentável: Hart (1995); McDonough e Baungart (2002)
Responsabilidade social corporativa: Ashley (2002)
A natureza política da transição: Gladwin (1995); Korten (2001); Schmidheiny (1992)
Sites de interesse
Instituto Ethos: www.ethos.org.br
Balanço Social do IBASE: www.ibase.org.br
Conselho Empresarial Brasileiro para Desenvolvimento Sustentável: mwww.cebds.co
World Business Council for Sustainable Development: www.wbcsd.ch
Dow Jones Sustainability Index: www.sustainability-index.com
Greenpeace Brasil: www.greenpeace.org.br
Projeto Eco-Finanças da Amigos da Terra: www.amazonia.org.br/ef
Empresa Natura: www.natura.net
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Capstone Publishing; 1997.
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39. __________. A convenção do desenvolvimento sustentável e as empresas eco-comprometidas.
Tese de Doutorado. CPDA/UFRRJ, 2000.
40. Vinha VGda. O Estado e as empresas “ecologicamente comprometidas” sob a ótica do
neocorporativismo e do State-Society Synergy Approach: o caso do setor de papel e celulose.
In: ARCHÉ Interdisciplinar. Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes; 1999; Ano VIII,
no 25,.
1Altvater (1992).
*Ver capítulo 2.
**Em 1984, duas explosões e o incêndio provocado por vazamento de gás causaram a morte de 150 pessoas em Vila Socó, Cubatão (São Paulo).
2Hart (1997).
3Vinha (2003).
4Hall (1992).
5Veiga (1993).
*Hoffman (1997); Hawken (1993); Hart (1995); Gladwin (1995, 1998); Hastings (1998), Henriques & Sandorsky (1996).
**Hoffman (1997).
9Hoffman (1997).
*No verbete “convenção” constam as seguintes definições: 1. Ajuste, acordo ou determinação sobre um assunto, fato etc.; convênio, pacto. 2. Aquilo que só tem valor, sentido ou realidade mediante
acordo recíproco ou explicação prévia. 3. Tudo aquilo que é tacitamente aceito, por uso ou geral consentimento, como norma de proceder, de agir, no convívio social; costume; convenção social. No
verbete “dogma” temos: Caráter teológico. Uma doutrina ou corpo de doutrinas relacionada a temas tais como moral, fé, imposta de forma autoritária por uma igreja. Um princípio autoritário, crença, ou
declaração de ideias e opiniões considerada como absolutamente verdadeira. (Dicionário Aurélio)
**A ISO, cuja sigla significa International Organization for Standardization (Organização Internacional de Estandardização), é uma entidade não governamental criada na Suíça, em 1947, com o
objetivo de promover o desenvolvimento da normalização e atividades relacionadas com a intenção de facilitar o intercâmbio internacional de bens e de serviços e para desenvolver a cooperação
científica, tecnológica e econômica. Os membros da ISO (cerca de 90) são os representantes das entidades máximas de normalização nos respectivos países como, por exemplo, ANSI (American
National Standard Institute), BSI (British Standard Institute), DIN (Deutsches Institut für Normung) e o INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia).
13Campos (2009).
14Idem.
15Korten (2001).
16Altvater (1992).
*Optamos por utilizar o termo stakeholder em vez de “grupos de interesses” ou “partes interessadas” por ser mais abrangente, incorporando, além de todos os membros da cadeia produtiva, as
comunidades, as ONGs, o setor público e outras firmas e indivíduos formadores de opinião. Além disso, o termo está consagrado na literatura especializada. Mantivemos a versão em inglês, portanto, na
falta de um correspondente à altura em português, lembrando que outros termos em inglês constam como verbete nos melhores dicionários brasileiros, como é o caso do Dicionário Aurélio.
17Hastings (1998).
20Ethos (2002).
21Greenpeace (2003).
22Freeman (1984).
23Roddick (2002).
26Chandler (1962).
*Na definição de Porter (1996: 75-78): Strategy is creating fit among a company’s activities. The success of a strategy depends on doing many things well — not just a few — and integrating among
them. If there is no fit among activities, there is no distinctive strategy and little sustainability. Adverte que existem limites ao alcance da “efetividade operacional” enquanto estratégia competitiva, entre
eles, o fato da imitação ocorrer muito rapidamente.
**O programa de consulta adotado pela Shell em Camisea, Peru, entre 1996 e 1999 foi um dos mais consistentes (Vinha, 2000).
*Segundo Porter, “the more benchmarking companies do, the more they look alike. The more that rivals outsource activities to efficient third parties, often the same ones, the more generic those activities
become. As rivals imitate one another’s improvements in quality, cycle times, or supplier partnerships, strategies converge and competition become a series of races down identical paths that no one can
win.” PORTER, op. cit., p. 64.
29PNUD (2005).
30“Investimento Socialmente Responsável: uma outra Economia É Possível”. Instituto Ethos. São Paulo, 2002.
*Governança Corporativa é o sistema que permite aos acionistas ou cotistas o governo estratégico de sua empresa e a efetiva monitoração da direção executiva. As ferramentas que garantem o controle
da propriedade sobre a gestão são o Conselho de Administração, a Auditoria Independente e o Conselho Fiscal.
36Entre eles: Capra (1996; 2002); Gladwin e Krause (1995); Elkington (1997); Korten (2001); Hawken (1993).
38Hawken (1993).
41Gladwin et al.(1995).
Capítulo 9
Quadro 9.1
Dinâmica tecnológica e impactos ambientais
Em uma perspectiva histórica, percebe-se que o aparecimento de problemas ambientais pode levar a
soluções por meio da adoção de novas tecnologias ou mudanças em tecnologias já existentes.
Entretanto, as soluções do passado podem tornar-se problemas no futuro. Um exemplo, citado por
Kemp e Soete (1990), é bastante ilustrativo. No final do século XIX, o uso de cavalos como meio de
transporte trouxe grandes problemas ambientais para a cidade de Londres. Dado que cada cavalo
produz em média 15 kg de estrume por dia, o uso intensivo desse meio de transporte causou diversos
transtornos à cidade, fazendo com que houvesse cerca de 6 mil varredores de ruas para limpar a
passagem para os pedestres. Apesar de já estarem disponíveis outros meios de transporte, eles não
eram adotados em função das regulamentações que limitavam a velocidade em oito milhas/hora, pela
pequena escala de produção e pela falta de infraestrutura de suporte (postos de gasolina,
estacionamentos etc.). Na época, entretanto, constatou-se que os carros emitiam 200 vezes menos
resíduos que os cavalos, quando as emissões eram medidas em gramas por milha.
Um século mais tarde, o problema ambiental do passado não mais existia, dada a substituição de
cavalos por meios de transporte com motores que utilizavam derivados do petróleo como
combustível. Mas surgiram outros problemas — resultado da utilização generalizada destes
combustíveis —, como as emissões de diversos poluentes atmosféricos, inclusive de dióxido de
carbono (CO2) um dos principais gases responsáveis pelo aquecimento global — o efeito estufa.
Atualmente, existem tecnologias alternativas para a transformação da energia química em mecânica
para o transporte, mas o problema do passado se repete: escala de produção reduzida, ausência de
aparato institucional e ausência de infraestrutura de suporte.
Assim, um país cuja produção industrial esteja concentrada em setores que geram poucos impactos
ambientais, mas que usem tecnologias que não são benéficas ao meio ambiente e que produzam em grande
escala, pode ser considerado um degradador do meio ambiente. De outra forma, um país que possui uma
composição industrial intensiva em setores de alto potencial poluidor, mas que adote tecnologias
ambientalmente saudáveis, mesmo produzindo em larga escala, pode não ser um “vilão” ambiental.
Portanto, os três efeitos acima citados devem ser analisados conjuntamente para fazer um diagnóstico
ambiental da indústria de um determinado país ou região (Quadro 9.2).
Por outro lado, o processo concorrencial das empresas nas economias capitalistas gera uma necessidade
de diferenciação permanente em relação aos seus concorrentes. A busca desta diferenciação passa pelo
processo de inovação — ao ter o domínio de uma nova técnica de produção ou de um novo produto, a
empresa passa a auferir vantagens econômicas, sejam lucros extraordinários ou manutenção de sua parcela
de mercado.
Quadro 9.2
A indústria brasileira e o meio ambiente
A industrialização brasileira foi marcada por um relativo descaso com a questão ambiental,
resultando na participação elevada de setores potencialmente poluidores na composição do produto
industrial. Entre 1981 e 1999, o crescimento das indústrias de alto potencial poluidor foi superior ao
da média geral da indústria.
Figura 9.1 Produção física, produto industrial com alto potencial poluidor e total,
Brasil, 1981/1999 (1981 = 100). Fonte: IBGE, retirado de Young; Lustosa (2001).
Essa constatação encontra explicações no processo de industrialização brasileiro, que foi “[…]
resultado do atraso no estabelecimento de normas ambientais e agências especializadas no controle
da poluição; da estratégia de crescimento associada à industrialização por substituição de
importações, privilegiando setores intensivos em emissão; e da tendência de especialização do setor
exportador em atividades potencialmente poluentes”1 (veja mais sobre a política ambiental brasileira
no capítulo 7).
O II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) veio complementar o processo de
industrialização com setores de elevado potencial poluidor, incentivando a instalação de polos
petroquímicos, indústrias metalúrgicas, de produtoras de celulose, de usinas nucleares, entre outros.
O esforço exportador do início da década de 1980 baseou-se nos setores implantados no II PND,
aumentando a produção industrial de alto potencial poluidor. Esse perfil não foi alterado com a
abertura comercial do final daquela década.
1
Young; Lustosa (2001).
Quadro 9.3
Passivo ambiental como elemento prejudicial às empresas
O passivo ambiental pode representar prejuízos às empresas, seja em suas operações normais ou na
hora da compra, quando o comprador herda e torna-se responsável por esse passivo. Um estudo
encomendado pela Associação Brasileira de Tratamento de Resíduos Industriais (Abetre) revela que
as empresas brasileiras gastam cerca de R$ 400 milhões anuais para corrigir seus passivos
ambientais. Este montante refere-se somente aos gastos com a contração de serviços especializados
para corrigi-los, não incluindo custos internos, despesas judiciais, multas e indenizações.6 Os casos
da Rhodia e da Parmalat ilustram uma situação em que o passivo ambiental herdado trouxe prejuízos
às empresas. Em 1976, quando a Rhodia, subsidiária da Rhône Poulenc, adquiriu a planta da Clorogil
para produção de substâncias para tratamento de madeiras, viu-se diante de um passivo ambiental
que lhe foi cobrado 18 anos mais tarde: uma decisão judicial impôs à Rhodia a descontaminação de
quatro áreas em São Vicente (SP), o que lhe custou cerca de US$8 milhões.7 A Parmalat assumiu um
passivo ambiental de US$2 milhões quando comprou duas unidades da Etti, cujo principal problema
era emissão irregular de resíduos.8
6
Martoni (2008).
7
Gazeta Mercantil (21/08/1998 e 24/02/2000).
8
Gazeta Mercantil (21/08/1998).
Além dos quatro fatores de pressão para as empresas adotarem inovações ambientais, há outros fatores
internos à empresa que induzem o investimento ambiental. As reduções potenciais de custos, associadas à
utilização de insumos — água, energia e outros — mais eficientemente, seja pela sua redução, reuso ou
reciclagem. Outro fator é a existência de novas oportunidades tecnológicas.
9.5 Comportamento ambiental das empresas industriais
brasileiras
A partir da década 1990, observou-se que as empresas industriais brasileiras, sejam nacionais ou
estrangeiras, tomaram uma posição mais proativa em relação ao meio ambiente. A questão ambiental
ganhou espaço nas preocupações sociais das empresas. Ao perceberem o crescente interesse e preocupação
da sociedade com o meio ambiente, as empresas buscaram se inserir no contexto dos agentes participantes
das mudanças em resposta aos anseios da sociedade. Um dos fatores que contribuiu para as empresas
tornarem-se mais proativas foi a diminuição da capacidade financeira do Estado e do descrédito na sua
agilidade para solucionar problemas sociais relevantes. A reboque do vazio deixado pelo Estado,
aproveitando para melhorar sua imagem e ter o reconhecimento da sociedade de ser um ator-chave no
processo de transformação, as empresas passaram a investir em programas ambientais de cunho social
(capítulo 8).
A redução de custos também exerceu um papel importante na minimização dos impactos ambientais das
empresas. Apesar de o meio ambiente não ser o foco principal, os programas de conservação de energia, de
otimização de processos com objetivos de reduzir os custos com matérias-primas, os processos de controle
automatizados que reduzem desperdícios, entre outros, tiveram um rebate positivo na utilização mais
racional dos recursos naturais.
Quadro 9.4
Investimentos ambientais na indústria brasileira
Os investimentos ambientais da indústria brasileira foram analisados por Barcellos et al. (2007), que
constataram que somente as grandes organizações realizaram investimento em controle ambiental no
período 1997-2002. Podemos comparar, no gráfico abaixo, a evolução do investimento em controle
ambiental dos setores mais potencialmente poluentes da indústria brasileira.
Quadro 9.5
Diferenças regionais e setoriais do investimento ambiental na
indústria brasileira
Além da diferença setorial no investimento ambiental na indústria brasileira, foi observado por
Araújo (2007) uma diferença regional. Utilizando os resultados da Pesquisa Industrial de Inovação
Tecnológica (PINTEC), comparou-se o processo de inovação tecnológica nas empresas das regiões
Nordeste e Sudeste, excluindo-se São Paulo, segundo as atividades das indústrias extrativas e de
transformação no período de 1998 a 2000. Foram consideradas somente as inovações cujo tipo de
impacto fosse positivo para o meio ambiente, a saber: redução do consumo de matéria-prima,
redução do consumo de energia e redução do impacto ambiental e em aspectos ligados a saúde e
segurança. Esta última foi relevante para as duas regiões, entretanto, em diferentes setores
industriais: indústrias extrativas, fabricação de produtos químicos (Sudeste) e fabricação de produtos
minerais não metálicos (Nordeste). A Figura 9.3, resume os resultados da pesquisa.
Figura 9.3 Tipos de impactos do processo de inovação tecnológica nas
empresas do Nordeste e Sudeste, segundo as atividades da indústria brasileira.
Fonte: Freitas (2007).
Das empresas dos seis setores industriais de maior potencial poluidor analisados, foram as de
fabricação de produtos químicos que mais investiram em inovações tecnológicas cujos impactos
ambientais foram positivos. Ao comparar as duas regiões, as empresas nordestinas realizaram os três
tipos de impactos estudados, com significativos resultados na fabricação de produtos minerais não
metálicos, fabricação de produtos químicos, fabricação de máquinas para escritório e equipamentos
de informática, e confecções de artigos do vestuário e acessórios. As empresas do Sudeste que
implementaram inovações não obtiveram resultados relevantes para a redução do consumo de
matéria-prima nem para a redução do consumo de energia.
9.6 Conclusões
Neste capítulo vimos que o processo de industrialização das economias capitalistas gerou impactos
ambientais negativos, evidenciando um possível trade-off entre crescimento econômico e preservação do
meio ambiente. O padrão tecnológico adotado pela indústria é intensivo em energia e matérias-primas,
gerando pressão sobre os recursos naturais. Logo, a intensidade de poluição e do uso de recursos naturais é
altamente afetada pelos efeitos escala, composição e tecnologia.
Entretanto, esta oposição entre crescimento econômico e preservação ambiental está sendo flexibilizada
na medida em que as empresas passam a perceber que podem gerar mais lucros e ficar mais competitivas ao
incluírem preocupações ambientais em suas estratégias empresariais, por meio de práticas ecologicamente
mais adequadas — adoção de tecnologias ambientais, implantação de sistema de gestão ambiental,
racionalização do uso dos recursos naturais, entre outros.
Quando as empresas não conseguem perceber que podem melhorar sua competitividade ao preservar o
meio ambiente, são necessárias regulamentações ambientais para que elas possam adotar ações menos
degradantes. Para alguns autores, tais regulamentações elevam os custos das empresas e, portanto, as
tornam menos competitivas. Para outros autores, as empresas respondem às regulamentações com
inovações, melhorando a competitividade — “hipótese de Porter” — pois, na maioria dos casos, a poluição
é um desperdício econômico.
Assim, as empresas realizam investimentos ambientais que são induzidos por basicamente quatro
fatores, a saber: as pressões das regulamentações ambientais, as pressões dos consumidores finais e
intermediários, as pressões dos stakeholders e as pressões dos investidores.
As evidências empíricas sobre o comportamento ambiental das empresas industriais brasileiras revelam
que a preservação ambiental como estratégia empresarial está presente nas maiores empresas e naquelas de
inserção internacional. Além do mais, as empresas que se apresentam inovativas são também as mais aptas
à adoção de inovações ambientais. Por fim, a análise setorial não é conclusiva, pois os setores de maior
potencial poluidor nem sempre se mostram mais atentos aos problemas ambientais. Porém, no total da
indústria, foram eles que mais realizaram investimentos ambientais, com destaque para a indústria de refino
de petróleo e álcool.
Desta forma, a preocupação em relação ao desenvolvimento sustentável está aos poucos resultando em
ações concretas para preservar de forma mais efetiva os preciosos recursos naturais, deixando-os
disponíveis para as gerações futuras.
Guia de leitura
A literatura sobre industrialização, meio ambiente, inovação e competitividade encontra-se em sua maioria
em forma de artigos. Para mais detalhes sobre:
• As relações entre inovação e meio ambiente, ver Kemp (1992); Kemp e Soete (1990) e Lustosa
(2002); Podcameni (2007).
• A indústria brasileira e meio ambiente, ver Young e Lustosa (2001); Barcellos et al. (2007).
• Regulamentação ambiental e competitividade, ver Lustosa (2002); Palmer et al. (1995); Porter e
Van der Linde (1995a); Porter e Van der Linde (1995b); Abreu et al. (2004).
• Determinantes do investimento ambiental, ver Howes et al. (1997) e Ferraz e Serôa da Motta
(2001).
• Comportamento ambiental das empresas brasileiras, ver CNI et al. (2001); Lustosa (2002); FIRJAN
(2002).
Referências bibliográficas
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eletrônica. 2004;3.
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3. Barcellos FC, Oliveira JC, Gonzaga PGM. Investimento ambiental em indústrias sujas e intensivas
em recursos naturais e energia. In: VII Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica.
Fortaleza: ECOECO; 2007.
4. CNI, SEBRAE, BNDES. Relatório da competitividade da indústria brasileira. Brasília:
CNI/SEBRAE; 2001; Rio de Janeiro: BNDES.
5. Ferraz C, Serôa da Motta R. Regulação, mercado ou pressão social? Os determinantes do
investimento ambiental na indústria. In: XIX Encontro Nacional de Economia. Salvador — BA:
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6. FIRJAN. A gestão ambiental nas indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Súmula ambiental.
Edição especial, 2002. Disponível em www.firjan.org.br. Arquivo consultado em maio de 2002.
7. Freitas DA. Inovações ambientais na indústria: um estudo comparativo das regiões Nordeste e
Sudeste. Maceió: FEAC/UFAL; 2007; Monografia de graduação.
8. Howes R, Skea J, Whelan B. Clean and Competitive? Motivating Environmental Performance in
Industry. Londres: Earthscan; 1997.
9. Kemp R.; Smith K.; Becher, G. How Should We Study the Relationship Between Environmental
Regulation and Innovation?. Relatório final do DGIII-IPTS research programme, 2000.
10. Kemp R, Soete L. Inside the “Green Box”: on the Economics of Technological Change and the
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11. Kemp R. The Greening of Technological Progress: an Evolutionary Perspective. Futures.
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12. Lustosa MCJ. Meio ambiente, inovação e competitividade na indústria brasileira: a cadeia
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www.ie.ufrj.br/gema/index.html.
13. Martoni, L. Passivo ambiental gera altas perdas para as empresas brasileiras. 2008. Disponível
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14. Medhurst J. Macro-Economic Aspects of Environmental Policies and Competitiveness:
Environmental Costs and Industry Competitiveness. In: OCDE, ed. Environmental Policies
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15. Palmer KN, Oates WE, Portney PR. Tightening Environmental Standards: the Benefit-Cost or the
No-Cost Paradigm?. Journal of Economic Perspectives. 1995;9(n. 4):119–132.
16. Podcameni MGB. Meio ambiente, inovação e competitividade: uma análise da indústria de
transformação brasileira com ênfase no setor de combustível Dissertação de mestrado. Rio de
Janeiro: IE/UFRJ; 2007.
17. Porter ME, Linde CVanDer. Toward a New Conception of the Environment-Competitiveness
Relationship. Journal of Economic Perspectives. 1995a;9(n. 4):97–118.
18. Porter ME. Green and Competitive: Ending the Stalemate. Harvard Business Review.
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19. Preston JT. Technology Innovation and Environmental Progress. In: Chertow MR, Esty DC, eds.
Thinking Ecologically — the Next Generation of Environmental Policy. Yale Univ. Pres.:
Londres; 1997.
20. Young CEF, Lustosa MCJ. Meio ambiente e competitividade na indústria brasileira. In: Revista
de economia contemporânea. Rio de Janeiro: IE/UFRJ; 2001;231–259. v. 5, edição especial.
Disponível em www.ie.ufrj.br/gema/index.html.
2Kemp; Soete (1992) colocam com propriedade que o termo “tecnologia limpa”, apesar de ser amplamente usado, não é linguisticamente o mais correto. Primeiro, porque nenhuma tecnologia é
totalmente limpa e, segundo, porque deve-se distinguir tecnologia limpa (clean) e tecnologias que limpam o ambiente (cleaning). O termo correto seria “tecnologia mais limpa” (cleaner) ou “poupadora
de recursos naturais” (environment-saving).
3As tecnologias ambientais são classificadas de maneira distinta, mas a abrangência é a mesma. Para mais detalhes sobre classificações de tecnologias ambientais ver Preston (1997) e Medhurst (1993).
5O ciclo de vida do produto refere-se à análise de seus impactos ambientais desde a extração da matéria-prima até a sua disposição final, quando não é mais útil, ou seja, analisa o produto do “berço ao
túmulo”.
9Lustosa (2002).
Capítulo 10
Figura 10.2 Participação das atividades no PIB, energia final e emissões de carbono.
Fonte: ECEN (2007).
Vale ressaltar que as emissões de carbono na indústria estão concentradas em algumas atividades que
agregam relativamente pouco valor ao PIB. A comparação da participação das atividades industriais no
produto, na energia e nas emissões de carbono está apontada na Figura 10.2. A estrutura industrial, muito
voltada para produtos metalúrgicos, é responsável por grande parte do crescimento das emissões verificado
a partir de 1986 nas atividades industriais. A atividade “outros”, que reúne principalmente as manufaturas,
agrega muito valor e quase não é responsável por emissões. Em compensação, a atividade “metalurgia”,
responsável por 10% do PIB, responde por mais da metade das emissões de carbono.
Mesmo mantendo-se uma distribuição precária no uso dos recursos naturais e energéticos no planeta, a
intensificação do uso de fontes alternativas renováveis de energia pode contribuir em muito na diminuição
da emissão de carbono por unidade de produto. O Brasil é um exemplo bastante expressivo, pois os setores
energo-intesivos voltados para o mercado internacional são bastante significativos.
10.6 As fontes alternativas renováveis de energia como
opção de redução de emissões
A inserção de fontes energéticas alternativas renováveis no setor elétrico brasileiro, por exemplo, pode ser
considerada um caso muito especial entre as experiências mundiais. Diferentemente de outros países no
mundo, o caso brasileiro é singular considerando-se que a nossa principal característica é o fato de, além de
termos uma matriz de base predominantemente hídrica, o sistema apresenta uma reserva partilhada de porte
equivalente à metade da energia consumida em um ano. Se os reservatórios brasileiros estiverem cheios e os
rios afluentes secarem, a energia armazenada equivale a aproximadamente 6 meses de carga do Sistema
Interligado Nacional (SIN). O único sistema de grande porte que apresenta características parecidas é o de
Quebec, no Canadá, em proporções reduzidas.8
A arquitetura do sistema brasileiro altera as condições de análise da inserção de qualquer fonte
alternativa renovável a ele, pois a coerência do mesmo está voltada para gestão da energia de reserva que
fica nos grandes reservatórios. No Brasil optou-se pela adoção de certificados energéticos. A grande
maioria das fontes não é contratada pela energia produzida, mas sim por um atestado a priori a partir de
uma simulação da operação em uma configuração futura com a presença das pretensas fontes alternativas
renováveis complementares ou não. Assim, a “energia assegurada” de cada usina é calculada não como a
energia efetivamente produzida, mas sim como o efeito da presença dessa energia na gestão da operação de
um sistema único de geração-transmissão. Portanto, a maioria das usinas comercializa uma parcela da
energia total do sistema que lhe é atribuída (D’Araújo, 2009).
Em princípio, quanto mais complementar puder ser a fonte analisada em relação às variações das
afluências hídricas, mais energia agrega ao sistema. Esse efeito é tal que a energia assegurada de uma usina
pode ser maior do que a efetivamente gerada por ela. Isso se dá porque, além dos MWh gerados na usina, é
considerado também o aumento de energia advindo do refinamento da gestão da reserva a partir da presença
daquela unidade. As fontes térmicas flexíveis representam esse caso, pois funcionam como seguradoras e
proporcionam uma operação na qual melhor se aproveita as afluências em período de grande hidraulicidade,
tornando possíveis volumes de espera mais eficientes.9 A Figura 10.3 mostra a matriz energética brasileira,
no que diz respeito apenas à geração elétrica.
Figura 10.3 Matriz energética brasileira — Geração de energia elétrica. Fonte: BIG —
Banco de Informações de Geração, ANEEL (03/2009).
Essa arquitetura do sistema energético brasileiro parece ser uma distorção em relação às necessidades de
mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) hoje no mundo. A metodologia de cálculo passa a
ser um estímulo à energia térmica com base fóssil por ser esta a que assegura uma maior confiabilidade ao
sistema. Mesmo sendo uma tecnologia madura, ela apresenta custos de manutenção muito variáveis em
razão da variação dos preços dos combustíveis fósseis. Certamente este é um nicho no qual a regulação
pode estimular tecnologias para uso de fontes energéticas alternativas renováveis.
Outra particularidade no caso brasileiro é que quando se analisam fontes alternativas renováveis
complementares e a associação sistêmica destas com as convencionais, a questão da relação entre elas passa
a ser fundamental. É necessária a ampliação da participação de outras fontes alternativas renováveis
complementares nas metodologias para a alocação de fontes de energia, especialmente no Brasil, pois essa
medida aprofundaria ainda mais os benefícios proporcionados pelas características peculiares do sistema
nacional de geração e operação.
As fontes alternativas complementares de energia dependem inicialmente de subsídios, na grande parte
das vezes. O mercado de energia eólica, aquele que teve maior expressão entre todas as renováveis, cresceu
27% em 2007. Mesmo tendo ainda uma base pequena de geração, a potência instalada mais do que dobra a
cada 3 anos no mundo. Na China, ele triplicou de 2007 para 2008. Nos EUA, dobrou no mesmo período,
assim como na Espanha, onde cresceu 30%, com adição de 3.500 MW à rede. Na Alemanha, cresceu 8%,
mesmo sob desaquecimento do mercado de energia no país. Ainda assim, foram adicionados 1.700 MW ao
parque eólico, que totalizou quase 22.500 MW no período.
As experiências mundiais na implantação de energias complementares alternativas apresentaram
resultados porque, ao contrário da situação brasileira, esses países são dependentes de combustíveis fósseis
em sua matriz elétrica, tornando-se a opção também uma questão de segurança energética. No caso
brasileiro, a base hídrica determina um padrão de preços menor do que os sistemas de base térmica
transformando a substituição por fontes alternativas renováveis menos competitivas. Além disso, dentro do
contexto de substituição de fontes emissoras de gases de efeito estufa (GEE), essas ganham outra dimensão,
fato que, por enquanto, não é prioritário no setor hidroelétrico brasileiro já que as térmicas estão
funcionando como reserva e ainda ingressam no sistema na base do sistema, e porque o Protocolo de Quioto
não estabelece limitações nas emissões de GEE dos países não Anexo I. Nos países que implementaram a
política de substituição das fontes intensivas em carbono, necessariamente foi adotado algum programa de
subsídio que viabilizou a expansão das fontes alternativas complementares.
Entretanto, mesmo dispondo o Brasil de uma matriz elétrica majoritariamente renovável, isso não
invalida que programas de energias alternativas complementares sejam implantados. Há limitações
ambientais para a construção de hidroelétricas, que, certamente, não poderão mais contar com reservatórios
cobrindo grandes áreas, característica singular do sistema brasileiro já implantado. Essa mudança contribui
também para qualquer emissão de GEE gerada por grandes reservatórios, que, apesar de serem pequenas,
representam alguma emissão. A participação, portanto, de fontes alternativas complementares será
imperiosa em curto prazo. O que se pode realçar é que existem aspectos ainda não considerados que
alterariam as condições de viabilidade de fontes renováveis alternativas. Aprimorando-se a relação de
complementaridade das várias fontes, seria possível o reconhecimento das vantagens sem a configuração de
uma política de subsídio.
Segundo o último relatório do Fórum Econômico Mundial sobre investimentos verdes,10 estes deixaram
de ser um luxo de alguns países que dispunham de financiamento para se tornar uma questão estratégica em
relação à insegurança energética e às mudanças climáticas. Mais do que uma opção, o investimento em
fontes complementares alternativas renováveis de energia passou a ser uma opção estratégica dos
empreendedores em razão das mudanças climáticas. Os volumes de investimento no setor energético são
expressivos para combater os impactos das mudanças climáticas e o sucesso destas medidas depende da
mobilização coordenada de setores-chave da economia. A crise econômica global traz uma oportunidade
única para investimentos em energias alternativas renováveis e de baixa emissão de GEE. Torna-se crucial,
portanto, que os desafios ambientais não sejam deixados de lado na futura estabilização do sistema
econômico mundial e a retomada do crescimento, promovendo-se o diálogo entre setores privados-chave e
entre estes e os setores públicos. A Figura 10.4 mostra os investimentos em energia renovável por tipologia
em 2007.
Figura 10.4 Investimentos em energia renovável por tipologia em 2007: Mundo. Fonte:
UNEP and New Energy Finance, 2007.
A geração de energia é responsável hoje por cerca de 60% das emissões de GEE no mundo. De acordo
com o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (AR4-IPCC, 2007) para se estabilizar a
concentração de CO2eq* em um patamar de 450ppm em 2030 será necessária uma redução também da
ordem de 60% nas emissões de GEE em relação às emissões de 1990. Esse desafio significa que em poucas
décadas será necessária uma completa reestruturação da infraestrutura energética no planeta. Essas
mudanças, ainda não precisamente estimadas, giram em torno, segundo o Relatório Stern11 em 1% do PIB
mundial, o que significaria US$54 trilhões, em 2007, US$540 bilhões nos próximos 20 anos. Já a Agência
Internacional de Energia12 sinaliza nas perspectivas de 2008 um investimento de US$550 bilhões em
energias alternativas renováveis por ano de hoje até 2030 para que se estabilizem as concentrações em
450ppm de CO2eq. No caso da New Energy Finance’s Global Futures, estima-se uma média anual de
investimentos de US$515 bilhões.13
Essa discussão também é produto dos desdobramentos do Protocolo de Quioto e os mecanismos de
flexibilização regulamentados por Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas (CQNUMC). Apesar das medidas de mitigação de emissão de gases de efeito estufa
(GEE) por meio desses mecanismos ainda serem pouco expressivos, essas atividades mostraram caminhos
inovadores para viabilização de projetos que não tinham atratividade sem a contribuição das Reduções
Certificadas de Emissões geradas pelos Projetos de Mecanismo Limpo. De fato, as perspectivas para o
segundo período de compromisso resultante das negociações da ampliação do Protocolo de Quioto parecem
ser muito mais rígidas do que a mitigação em 5,2%, em média, em relação a 1990, dos países do Anexo I,
pois o Relatório AR4 do IPCC-2007 indica com muito mais veemência as mudanças climáticas em curso.
Até a eclosão da crise econômica, os investimentos em energias renováveis e eficiência energética
vinham crescendo, excluindo-se fontes nucleares e grandes centrais hidroelétricas. Em 2004, atingiram
US$33 bilhões e foram multiplicados quase por 5 vezes em 2007, chegando a US$148 bilhões, praticamente
10% dos investimentos com infraestrutura energética no mundo de acordo com a New Energy Finance,
como mostra a Figura 10.5. Somente em geração de energia elétrica atingiu-se 42 GW de potência
instalada, praticamente um quarto do total daquele ano, 190 GW.
Figura 10.5 Investimentos totais em energias complementares alternativas de 2004–
2008: Global. Fonte: Baseado em World Economic Forum — 2009.
Segundo o relatório “Renewables Global Status Report: Energy”,14 os investimentos em energias
renováveis, incluindo biocombustíveis, são oriundos de diversas instituições públicas e privadas. Os
chamados capitais de risco (venture capital) tiveram uma forte presença nas energias renováveis em
2006/2007, destinando US$3 bilhões particularmente em biocombustíveis e energia solar. Outro grupo de
grandes financiadores foram as instituições multilaterais que destinaram cerca de US$700 milhões anuais
entre 2005 e 2007.
Um exemplo interessante de benchmark, ou seja, referência no tratamento das energias renováveis
devido a investimentos específicos, foi a BP. Os investimentos em biocombustíveis feitos pela empresa
fazem parte de sua estratégia de entrada em outros segmentos de energia e mudanças climáticas. Sua
posição vanguardista criou uma pressão significativa sobre outras grandes petrolíferas fazendo com que
algumas companhias, como a Shell e Texaco, incorporassem as preocupações com as mudanças climáticas
em sua estratégia para não perder vantagem competitiva.15 Dentre os investimentos em biocombustíveis da
BP, destaca-se o aumento do envolvimento da empresa na produção, distribuição e P&D para
biocombustíveis de segunda geração.* Em 2007, a BP foi responsável pela mistura de 2,8 bilhões de litros
de etanol para o mercado americano de combustíveis. Considerando as operações na Europa, ela foi
responsável pela comercialização de 3,7 bilhões de litros, aproximadamente 10% do mercado mundial de
biocombustíveis.16
Apesar desse esforço alardeado, somando-se todos os volumes planejados para a área de energia
renováveis para os próximos 10 anos (US$8 bilhões) e os comparando com os volumes totais de
investimentos pela empresa em E&P (Exploração e Produção), em 2007, US$13,7 bilhões, a BP ainda é
uma empresa predominantemente petrolífera. O importante a destacar nesse exemplo é como o
envolvimento de uma empresa de grande porte em energias renováveis pode alterar os parâmetros de
competição de mercado.
A Petrobras pode ser outro importante exemplo de investimentos em energias renováveis, uma empresa
nacional com carteira agressiva de investimentos. Historicamente, ela sempre deu apoio à logística de
distribuição e venda de biocombustíveis no Brasil, comprando o produto, misturando em seus centros de
armazenagem, distribuindo pelo Brasil a mistura ou o álcool hidratado por meio de sua malha intermodal e
vendendo em sua rede de varejo. De acordo com seus investimentos atuais, a empresa está no caminho da
verticalização de sua participação em biocombustíveis, atuando na fase de produção de primeira geração,
distribuição, venda e em P&D de segunda geração.
Buscando situar a parcela de investimentos em biocombustíveis, quando comparamos tais investimentos
com os outros negócios da empresa, percebe-se que o montante é bem inferior a seu orçamento. Em 2007, a
Petrobras investiu um total de R$45,3 bilhões, distribuídos em: R$20,8 bilhões (46%) em E&P; R$10,5
bilhões (23,3%) em abastecimento e refino; R$4,8 bilhões (10,6%) para a área de gás e energia,
principalmente para a expansão da malha de gasodutos. Nesse contexto, o orçamento para o ano de 2008 na
área de biocombustíveis corresponderia a 3% do orçamento total da empresa.17
Apesar desses sinais de inclusão das fontes alternativas renováveis de energia na carteira de
investimentos de grandes empresas, ainda não há nenhuma mudança expressiva no montante de
investimentos derivado do capital acumulado com fontes não renováveis de energia.
10.7 Conclusões
O planeta passa por um momento que pode representar um divisor de águas nas opções tecnológicas dos
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Enquanto os primeiros associavam valor aos seus produtos por
meio da intensificação da adoção de elementos de informação, os países em desenvolvimento permanecem
em uma rota energo-intensiva. Nos países desenvolvidos a expansão das tecnologias energo-intensivas
passava a ser limitada pelos custos ambientais associados às mesmas. Essas empresas passavam a
internalizar parcialmente esses custos com sistemas por meio de mecanismos como cotas de emissão e
maior rigidez regulatória. A expansão destas se dava, portanto, nos países em desenvolvimento em razão de
dispor de abundância de energia e recursos naturais e uma pressão regulatória menor.
As questões globais conseguiram unificar os problemas ambientais relacionados à sustentabilidade das
atividades humanas. O conflito claro entre sistema econômico-produtivo e biosfera, especialmente o
sistema climático, aparece como uma referência a ser considerada. As inovações radicais recorrentes às
tecnologias abandonadas no passado tornam-se essencias para a mudança de paradigmas. Se, em vez de
relegadas ao papel de coadjuvantes, tivesse havido o desenvolvimento paralelo de tecnologias de fontes
energéticas alternativas renováveis, como o uso de biomassa, biocombustíveis, gaseificação, geração
distribuída, solar térmica e fotovoltaica, eólica, marés e correntes, entre outras, o planeta não estaria diante
de problemas globais tão graves. Esses tipos de fontes emitiriam pouco GEE e promoveriam a remoção do
principal gás, o dióxido de carbono, no caso da biomassa, antecipadamente, como é o caso da cana-de-
açúcar, que para seu desenvolvimento absorve CO2eq para depois derivar em álcool combustível que será
utilizado, criando um balanço positivo em razão da parcela de emissões associada à produção desse
biocombustível. Para se atingir os patamares de concentração de 450 ppm de CO2 na atmosfera, o que
corresponderia a um aumento de 2ºC, o uso de fontes alternativas renováveis de energia parece essencial.
Nos países em desenvolvimento em geral as políticas de eficiência energética foram retardadas devido
ao grande endividamento externo e à falta de capacidade do Estado de investir em alternativas tecnológicas
para maior eficiência do parque industrial. O corte nos investimentos induziu a um alongamento da vida útil
dos equipamentos antigos de baixa eficiência concorrendo, conjuntamente com a expansão de tecnologias
energo-intensivas, para um aumento significativo do consumo energético. Esse quadro comprometeu
sobremaneira o desenvolvimento sustentável dessas nações. Somente na segunda metade da década de 1990
alguns desses países começaram a introduzir novas tecnologias de uso eficiente da energia, algumas vezes
resultantes ou intensificados por “apagões”, como aquele que houve no Brasil em 2001. Para manter estável
a relação emissões de carbono/ PIB, o Brasil teria que compensar em outros setores o provável aumento da
emissão que se espera na geração de eletricidade. Medidas de eficiência energética, substituição de
combustíveis fósseis por biomassa e mudanças na estrutura industrial parecem ser eficazes para essa
redução. A alteração da estrutura industrial em benefício de produtos de maior valor agregado (e conteúdo
tecnológico/informação) surge da análise como um caminho para a redução das emissões de carbono por
produto.
De maior importador de petróleo dos países em desenvolvimeno,18 em 1973, o Brasil passa à
autossuficiência em petróleo em um contexto internacional no qual seu papel é de aumento progressivo de
exportações e consumo de energia para seu parque industrial cada vez mais energo-intensivo. O esforço
exportador baseou-se em bens intermediários, tornando a economia brasileira vulnerável à nova divisão
internacional entre produtos energo-intensivos e informação intesivos.
A ampliação do uso de tecnologias energo-intesivas, por outro lado, agrava os problemas ambientais do
planeta por meio do aquecimento global. É necessário, portanto, uma ruptura com as trajetórias energo-
intensivas e uma generalização de trajetórias intensivas em informação. Essa mudança se constituiria em
uma mudança qualitativa dos sistemas energéticos e econômicos para harmonizá-los com a biosfera.
A busca por tecnologias mais limpas se caracteriza por investimentos consideráveis em inovações, tanto
por ser este um foco diferente do desenvolvimento com novos paradigmas como pela necessidade de as
inovações solucionarem problemas ambientais ainda não resolvidos. Neste contexto, surge um aspecto
interessante, pois a conservação do meio ambiente estimula inovação e paradigmas ou trajetórias
alternativas que por sua vez estimulam outras inovações e assim sucessivamente, criando um círculo
virtuoso entre meio ambiente e progresso técnico. Mas como induzir a adoção de tecnologias cada vez mais
limpas? Estas são soluções cujo desenvolvimento e difusão dependem de fatores políticos, econômicos,
tecnológicos e organizacionais.
A regulação, sem dúvida, é um dos fatores mais importantes para a indução de tecnologias cada vez
mais limpas. Neste caso, o desenvolvimento do aparato legal de regulamentação ambiental nos últimos 30
anos tem gerado pressão intensa no sentido da adoção de tecnologias ambientalmente mais adequadas. Por
sua vez, os incentivos por meio de um sistema nacional de inovações voltado para solução dos problemas
têm sido ainda muito modestos. Ou ainda, incentivos por meio de taxas, subsídios ou políticas têm tido
pouca expressão, especialmente no Brasil.
O país poderia desenvolver sistemas nacionais de inovação conectados em rede com outros países nos
quais o centro das atenções estaria no desenvolvimento de paradigmas tecnológicos, ou mesmo de sistemas
energéticos alternativos àqueles convencionais que se ampliam no mundo. Romper-se-ia com as estruturas
de proteção de tecnologias para aferição de lucros extraordinários quando se tratasse daquelas que
beneficiam o meio ambiente e se estimularia a transferência/difusão das mesmas para harmonização das
atividades humanas ao meio ambiente. O aperfeiçoamento de tecnologias para o uso de energias renováveis
baseadas em biocombustíveis, intensivas em trabalho, ou seja, associadas à agricultura familiar, pode ser
uma saída. Certamente essa opção tem que ser vista com cautela em razão da concorrência que pode haver
com a agricultura de conversores biológicos para alimentação. A ampliação de uso da energia hidráulica
também pode ser uma alternativa, se vista como substituição dos hidrocarbonetos. O financiamento de
pesquisa para o desenvolvimento desses sistemas energéticos é fundamental. Caso o estímulo econômico
fosse o mesmo daqueles utilizados nas fontes convencionais ou para o socorro aos sistemas financeiros
internacionais possivelmente teríamos rotas tecnológicas para sistemas energéticos renováveis e todos os
equipamentos deles decorrentes muito mais harmônicos com a biosfera. A consciência e maior
conhecimento dos problemas ambientais globais muitas vezes trazem a solução, induzindo inovações não
obsoletas no ponto de vista climático.
A opção, portanto, está no uso racional dos recursos energéticos não renováveis convencionais para que
se tenha tempo de desenvolvimento competitivo das tecnologias de uso de fontes alternativas renováveis de
energia. Os mecanismos regulatórios e de incentivos devem estar voltados para o desenvolvimento dessas
tecnologias, além dos sistemas nacionais de inovação integrados em um grande esforço de inovações
radicais para o setor energético.
10.8 Guia de leitura
Esta é uma discussão nascente sobre a inovação, sistemas energéticos e sua relação com as sociedades.
Uma publicação que pode ser bastante interessante e de leitura instigante sobre a relação das sociedades
e energia é Uma história da energia, da Editora Universidade de Brasília, reeditado recentemente (Debier et
al., 1993). Ainda sobre o tema pode-se encontrar uma maneira bastante peculiar de tratamento do assunto
no livro Pensando a energia, de Aluísio Campos Machado, editado pela Eletrobrás (Rio de Janeiro, 1998).
Sobre sistemas energéticos e inovação, o artigo “O processo de inovação tecnológica como elemento
destacado no desenvolvimento dos sistemas energéticos e seus impactos ambientais”, encontrado nos Anais
do XI CBE (Davignon, 2007), pode mostrar de uma forma compacta a relação de gestão do sistemas
energéticos, inovação e sociedades.
No que diz respeito à eficiência energética e aos programas de investimento nesta área no mundo e no
Brasil, a publicação Crise energética e trajetórias de desenvolvimento tecnológico (Furtado, 2003) pode ser
muito útil. Além deste, o artigo intitulado “Estão as emissões de carbono brasileiras crescendo mais que o
PIB?”, encontrado na revista Economia e Energia, n. 64, 2007, pode ser bastante esclarecedora
(http://www.ecen.com/).
O capítulo 18 do livro The Economics of Industrial Innovation, de Chris Freeman e Luc Soete, editado
por The MIT Press (Cambridge, Massachusetts, 1999), pode ser uma referência interessante para
compreender a relação de meio ambiente e a microeconomia da inovação.
Referências bibliográficas
1. BP. Annual Report and Accounts, 2008.
2. BP. Sustainability Review, 2008.
3. D’Araújo RP. O setor elétrico brasileiro — Uma aventura mercantil. Brasília: Confea; 2009; Série
Pensar o Brasil, n. 5, Ed.
4. Davignon A. O processo de inovação tecnológica como elemento destacado no desenvolvimento
dos sistemas energéticos e seus impactos ambientais. Anais do XI CBE 2007.
5. Davignon A. O processo de inovação tecnológica como elemento destacado no desenvolvimento
industrial e seus impactos ambientais. In: Anais do XXII Simpósio de Gestão da Inovação
Tecnológica. São Paulo: FEA/USP; 2002.
6. Debier, et al. Uma história da energia. Editora Universidade de Brasília 1993.
7. Dosi G. The Nature of The Innovative Process. In: Dosi G, ed. Technical Change and Economic
Theory. Londres: Pinter Publishers; 1988.
8. Freeman C, Soete L. The Economics of Industrial Innovation. Cambridge, Massachusetts: The
MIT Press; 1999.
9. Furtado C. O mito do desenvolvimento e o futuro do terceiro mundo. Argumento 1973;(n. 1):46–
53.
10. Furtado A. Crise energética e trajetórias de desenvolvimento tecnológico. Ciclo de Seminários
Brasil em desenvolvimento — texto preliminar 2003.
11. Kemp R, Soute L. The Greening of Technological Progress. Futures. 1992;24(n. 5):437–457.
12. Kolk; Levy. Multinationals and Global Climate Change: Issues for the Automotive and Oil
Industries, 2003.
13. Lundvall B-A. Innovation as an Interactive Process from User-Producer Interaction to the
National System Innovation. In: Dosi G, ed. Technical Change and Economic Theory.
Londres: Pinter Publishers; 1988.
14. Nelson R, Winter S. An Evolutionary Theory of Economic Change. Harvard University Press
1982.
15. Odum EP. Ecologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 1988.
16. Passet R. L’Economique et le Vivant. Paris: Traces, Payot; 1979.
17. Petrobras. Relatório Anual de Atividades. 2008.
18. REN21. Renewables 2007 Global Status Report. Paris, Washington, DC: REN21 Secretariat and
Worldwatch Institute; 2008.
19. Schumpeter Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. 1 Rio de Janeiro: Zahar Editores;
1984.
20. Williamson OE. Markets and Hierarchies: Analysis and Antitrust Implications. Nova York: Free
Press; 1975.
21. World Economic Forum. Green Investing: Towards a Clean Energy Infrastructure Report. World
Economic Forum 2009.
1Odum (1988).
**Estes elementos explicariam em linhas gerais a relação entre expansão e acumulação dos grupos sociais antes da Revolução Industrial.
*As comunidades feudais, por exemplo, que se desenvolveram a partir de então, também, se mostraram capazes no ponto de vista da acumulação, já que, apesar de mais fechadas, eram capazes de manter
pequeno exército, provisões, castelos e cidades.
*O valor de uso do bem começava a se distanciar do valor econômico e passava-se a se relacionar ao status ou à diferenciação/distinção dele pela novidade, ou seja, pela inovação.
4Marx (1857).
5Schumpeter (1988).
6Dosi (1988).
*Como cada animal produzia cerca de 15kg de resíduos (fezes) por dia, eram necessários, aproximadamente, seis mil varredores para recolhê-los. O odor, a obstrução da passagem de pedestres e
possivelmente o entupimento das galerias de águas pluviais tornaram-se problemas graves, funcionando como limitadores do trânsito deste tipo transporte.
7Furtado (2003).
*Os valores do PIB foram modificados em 2007 pelo IBGE. Para uma comparação, o valor do PIB para 2005 passou de US$883 bilhões para US$796 bilhões e é coerente com a variação nominal do PIB
nas duas apurações, que foi de cerca de 11% em valores nominais. Existe ainda uma diferença nas emissões que se referem ao consumo final e não incluem as emissões referentes ao usos não energéticos
e ao GN não aproveitado.
8D’Araujo (2008).
9D’Araujo, 2008).
*CO eq corresponde a unidade de equivalência entre os outros GEE. O dióxido de carbono é considerado como unidade e o Potencial de Aquecimento Global (GWP) de cada gás é utilizado para
2
correspondência com este gás. Por exemplo, o metano (CH4) tem 21 vezes o GWP do CO2 pelo SAR-IPCC 1996, logo uma tonelada de metano corresponde a 21 tonCO2eq.
*Considera-se como segunda geração de biocombustíveis os de origem celulósica: alga, Biomass-To-Liquid (BTL), gaseificação da biomassa.
16BP (2008).
17Petrobras (2008).
18Furtado (2003).
Capítulo 11
Dois temas se destacam nesse mandato negociador sobre comércio e meio ambiente (parágrafos 31 a 33
da DMD):
• “a relação entre as regras da OMC e obrigações comerciais específicas prescritas em Acordos
Ambientais Multilaterais” — parágrafo 31(i);
• “a redução ou, quando apropriada, a eliminação de barreiras tarifárias e não tarifárias para bens e
serviços ambientais” — parágrafo 31(iii).
As negociações sobre esses dois temas são brevemente relatadas a seguir. Cabe lembrar, entretanto, que
outras questões sob o mandato de Doha têm interfaces com as ambientais, tais como: as negociações sobre
agricultura (parágrafos 13 e 14); o conflito entre prescrições do Acordo sobre Direitos de Propriedade
Intelectual (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights — TRIPS) e a Convenção sobre
Diversidade Biológica — CDB (parágrafos 17–19) (ver Quadro 11.1); a relação entre comércio e
investimento (parágrafos 20–21); e subsídios à pesca (parágrafo 28).
Quadro 11.1
Conflito TRIPS-CDB na Rodada Doha *
Embora o TRIPS e a CDB sejam muito diferentes quanto a seus objetivos e provisões, muitos países
levantam dúvidas quanto à compatibilidade entre os dois acordos. O Parágrafo 19 da Declaração
Ministerial de Doha instrui o Conselho do TRIPS a levar em consideração a relação entre o TRIPS e
a CDB durante seu programa de trabalho, tendo em mente os artigos 7 e 8 do acordo do TRIPS
(objetivos e princípios, respectivamente) e a dimensão de desenvolvimento.
Para muitos países em desenvolvimento, a atual redação do TRIPS não leva em consideração os
princípios da CDB, principalmente o de repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da
utilização dos recursos genéticos (art. 1) e o reconhecimento dos direitos soberanos dos Estados
sobre seus próprios recursos genéticos (art. 15). Assim, o TRIPS permite que sejam concedidas
patentes a produtos desenvolvidos com os recursos genéticos e/ou conhecimento tradicional de um
país, sem que seja de seu conhecimento e sem a garantia de que haja a distribuição justa e equitativa
dos benefícios. A proposta dos países em desenvolvimento para compatibilizar o TRIPS e a CDB e,
portanto, diminuir casos de patentes indevidas para invenções baseadas em recursos genéticos e/ou
conhecimento tradicional é reformar o TRIPS, incluindo as chamadas “exigências de declaração”.
Essas exigências seriam de (i) declaração da fonte e do país de origem do recurso genético e/ou do
conhecimento tradicional usado em uma invenção; (ii) declaração de evidência de consentimento
prévio informado; (iii) declaração de evidência de repartição justa e equitativa dos benefícios
oriundos da utilização do recurso genético e/ou conhecimento tradicional.
As três exigências são combatidas pelos países desenvolvidos, que levantam dúvidas quanto a sua
eficácia para coibir patentes indevidas e apontam problemas quanto à operacionalidade das
exigências dentro do sistema de patentes, alegando que são exageradamente trabalhosas e custosas e
que se distanciam demais dos critérios tradicionais para a expedição de patentes.
*
Uma síntese do conflito baseada em Dutra (2007).
O significativo ganho de faturamento do setor de defensivos reflete, entre outras coisas, o intenso
crescimento do consumo de agrotóxicos no Brasil. Enquanto, em 1990, a quantidade média comercializada
de defensivos agrícolas era de apenas 1,13 kg de princípio ativo por hectare cultivado, as estimativas para o
ano de 2003 apontam que a comercialização média aproximou-se dos 3 kg por hectare, o que equivale a
uma variação aproximada de 147%. De acordo com Velasco e Capanema (2006), em 2003 o Brasil ocupou
a oitava posição no ranking mundial dos países com maior consumo de defensivos por área cultivada.
Outro possível fator agravante da intensificação do consumo de agrotóxicos e fertilizantes na agricultura
brasileira foi a abrupta abertura comercial a partir de 1989, que levou à redução dos preços reais de
fertilizantes e defensivos agrícolas.13
De qualquer forma, sejam quais forem os agentes envolvidos no conjunto desse processo, o que se
observa é que a expansão da agricultura moderna no Brasil vem consolidando a tendência de processos
produtivos com potencial mais degradante ao meio ambiente. Em vista disto, é natural que nos próximos
anos se intensifique o conflito de interesses entre os produtores rurais e outros integrantes da sociedade
civil, que apresentam demandas ambientais cada vez mais exigentes. Além do potencial de problemas
ambientais associado a esse modelo agroexportador, é evidente a sua vulnerabilidade econômica, uma vez
que o uso mais intensivo de fertilizantes e defensivos agrícolas ocorre justamente nas principais regiões
exportadoras (e produtoras) de produtos agrícolas (Centro-Oeste, Sudeste e Sul) (Figura 11.3).
Figura 11.3 Utilização de fertilizantes e defensivos agrícolas por unidade de área
cultivada (kg/ha), nas grandes regiões brasileiras no ano 2000.
Nota: Todos os dados referentes ao consumo de fertilizantes e defensivos agrícolas estão
expressos, respectivamente, segundo a quantidade de nutrientes da composição (N, P2O5
e K2O) e quantidade de ingrediente ativo. Fontes: Brasil (2006) e IBGE (2002).
Embora, conforme ressalva do próprio IBGE, a simples agregação territorial da informação das vendas
dos insumos (segundo Unidades da Federação), sem associá-las às características das culturas, dos
agroecossistemas ou, ainda, das técnicas de manejo, possa mascarar a real carga de utilização dos mesmos,
as variáveis acima descritas permitem concluir que há evidências da existência de um padrão de
especialização diferenciado. Este seria mais intensivo na utilização de agrotóxicos e fertilizantes nas
principais regiões produtoras de commodities agrícolas destinadas ao mercado internacional. Trata-se de
regiões onde o efeito composição agrava a degradação dos recursos naturais, tornando-as vulneráveis às
normas e regulamentações ambientais mais estritas que os empresários e governos dos PDs vêm adotando.
Desta forma, diante da atual tendência brasileira de intensificação do uso de insumos agrícolas
degradantes ao meio ambiente e de um cenário externo que caminha em direção à imposição de rigorosos
padrões ambientais na produção agrícola, é inevitável que os produtos brasileiros passem a encontrar
barreiras não tarifárias cada vez maiores. Conforme alerta Abramovay:14
**Ao menos enquanto não existir uma organização ambiental multilateral com enforcement power semelhante.
***Jagdish Bhagwati é inquestionavelmente a principal referência para a visão aqui identificada como de “defensores do livre comércio”. Entre outras contribuições, ver Bhagwati e Srinivasan (1996).
†A Curva de Kuznets Ambiental, derivada da Curva de Kuznets original que prevê uma relação entre crescimento econômico e distribuição de renda, foi formulada por Grossman e Krueger (1991).
*Duas contribuições de acordo com esta visão são: Esty (2001) e Panayotou (2000).
**Esta Rodada de negociações de liberalização comercial no âmbito do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (General Agreement on Trade and Tariffs — GATT) se estendeu de 1986 a 1994 e teve
como um dos principais resultados a criação da Organização Mundial do Comércio. Aspectos ambientais foram considerados nesta Rodada, por exemplo, vinculados aos Acordos sobre Barreiras
Técnicas e Medidas Sanitárias e Fitossanitárias.
*Nesse Painel do GATT, que ocorreu em paralelo à Rodada Uruguai, a disputa foi entre EUA e México, este como parte reclamante das restrições às importações de atum impostas pelo primeiro sob a
alegação de proteção ambiental (para evitar o aprisionamento e morte acidental de golfinhos). Para mais detalhes, ver Charnovitz (1993).
1May, 2003.
**A Rodada Doha foi instaurada em novembro de 2001 com previsão de término em janeiro de 2005, mas, devido à falta de consenso entre as partes negociadoras, ainda não foi concluída.
***Para uma descrição aprofundada das medidas comerciais d Acordos Ambientais Multilaterais, ver o documento WTO (2003).
2WTO, 2004.
**Para mais detalhes sobre a negociação em serviços ambientais, ver Almeida e Presser (2005).
3OECD, 2005.
*A assimetria do mercado mundial de bens e serviços ambientais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é abordada em Almeida e Presser (2005), com base em diversas fontes estatísticas.
4WTO, 2005.
7FAO, 2003.
8IISD, 2005.
*O Relatório Bruntland é o documento oficial da Comissão Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, publicado em 1987, que sistematizou e divulgou o conceito de Desenvolvimento
Sustentável.
11Silva, 2004.
12Mapa, 2008.
142001, p. A-3.
Capítulo 12
Marcel Burstzyn,
Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB)
Entre os métodos de bens substitutos, o método de custo de reposição, como o nome sugere, consiste em se
estimar o custo de repor ou restaurar o recurso ambiental danificado de maneira a restabelecer a qualidade
ambiental inicial. Esse método usa o custo de reposição ou restauração como uma aproximação da variação
da medida de bem-estar relacionada ao recurso ambiental. Como exemplo, o gasto na recuperação da
qualidade ambiental da baía de Guanabara, que foi alterada a partir do derramamento de óleo da Petrobras
ocorrido em janeiro de 2000. O valor gasto com o tratamento da água e o monitoramento das características
ecológicas da baía pode ser encarado como uma aproximação, em termos monetários, de uma parcela do
custo social imposto pelo acidente. Além disso, outros custos podem ser considerados, tais como custos
sociais decorrentes do acidente, como a produção pesqueira perdida, a limitação das atividades recreativas
nas praias da região, o mal-estar provocado pelas imagens e notícias do acidente envolvendo a morte de
animais e peixes, entre outros. O método de custos de reposição é de fácil aplicação, pois necessita de
poucos dados e recursos financeiros, por não envolver pesquisa de campo.
Outro método envolvendo valores substitutos é aquele que utiliza o custo de controle ou do custo evitado,
referindo-se ao custo incorrido pelos usuários, a priori, para evitar a perda de capital natural. É o custo de
investimento, cuja finalidade é melhorar a capacidade de resposta dos ativos naturais em decorrência dos
efeitos da degradação, refletindo o investimento que deve ser feito no presente de modo a garantir o bem-
estar das próximas gerações.
Este método vem sendo aplicado nas análises de tomada de decisão sobre problemas globais associados
com a mudança climática.10 Em vez de analisar quanto custa uma perda ambiental diretamente, pergunta-se
o quanto pode custar no futuro, evitar no presente o investimento necessário para não incorrer no problema
futuro. Estabelece-se desta maneira uma forma mais contundente para a tomada de decisão sobre quanto
investir.
O método do custo de oportunidade refere-se ao custo do uso alternativo do ativo natural, sinalizando que o
preço do recurso natural pode ser estimado a partir do uso da área não degradada para um outro fim,
econômico, social ou ambiental. A base de cálculo para o preço do dano é usada como a melhor alternativa
para o uso do recurso natural, pois além da perda de renda econômica, há também a restrição ao consumo e
à privação de que outras espécies possam usufruir o recurso natural. Este método tem sido aplicado no
contexto da floresta amazônica11 usou o custo de oportunidade para estimar a captura de carbono e
conservação da biodiversidade em sistemas de produção da agricultura familiar no nordeste do estado do
Pará.
O método do custo irreversível é útil para se estimar o custo do recurso natural quando há um entendimento
de que a despesa realizada no meio ambiente é irrecuperável. Do ponto de vista econômico um custo
irreversível não pode ser considerado no processo de decisão empresarial, pois a atividade empresarial tem
como pressuposto a geração de lucro e a cobertura tempestiva de custos, mas com o advento da causa
ambiental esses custos têm sido considerados no processo de gestão, já que em muitos casos o mais
importante é investir no ambiente degradado, independentemente se o ativo natural irá proporcionar retorno
econômico. Este método é usado por agentes públicos quando o interesse de governo é o de recompor o
ambiente degradado ou no caso de iniciativas proporcionadas por agentes privados em sinal de
benevolência ou compromisso com a causa ambiental.
O método de custo evitado é útil para se estimar os gastos que seriam incorridos em bens substitutos para
não alterar a quantidade consumida ou a qualidade do recurso ambiental analisado. O bem de mercado,
substituto do recurso ambiental, não deve gerar outros benefícios aos indivíduos além de substituir o
recurso ambiental analisado e deve ser um substituto perfeito do recurso ambiental, por exemplo, o custo
com a compra de água potável quando o consumo da água de estuário é prejudicado por poluição. No caso
da biodiversidade, poderia valorar o uso de uma erva medicinal para curar uma dor de cabeça, baseado no
preço de um medicamento alopático (tylenol, aspirina), que não seria necessário comprar se tivesse acesso a
um recurso da biodiversidade local. Este método não estabelece uma preferência, mas uma simples
metáfora que pode suprir a necessidade de caracterizar o valor de bens ambientais que pode ser utilizada
para auxiliar a tomada de decisões.
O método da produtividade marginal é aplicável quando o recurso natural analisado é fator de produção ou
insumo na produção de algum bem ou serviço comercializado no mercado, ou seja, este método visa achar
uma ligação entre uma mudança no provimento de um recurso natural e a variação na produção de um bem
ou serviço de mercado. Por exemplo, os custos e os níveis de produção de alguns produtos agrícolas podem
ser afetados pela redução da qualidade do solo — propriedades físicas e químicas — afetado pelo aumento
da poluição atmosférica. Os efeitos dessa mudança nos custos e na quantidade da produção agrícola serão
observados pelo mercado. Uma vez identificada variação na produção provocada pela variação na qualidade
ambiental do solo — que por sua vez foi afetada pelo recurso ambiental poluição atmosférica —, pode-se
utilizar o preço de mercado do produto agrícola em análise e a quantidade que deixou de ser produzida para
obter uma parcela do dano ambiental causado pela poluição atmosférica.
A teoria do capital humano supõe que uma vida perdida representa um custo de oportunidade para a
sociedade equivalente ao valor presente da capacidade de gerar renda deste indivíduo. Logo, no caso de
morte prematura, este valor presente representaria a renda ou a produção perdida. Esta abordagem também
pode ser utilizada em casos onde há riscos ambientais associados à saúde humana que não necessariamente
levem à morte de indivíduos da população afetada. Por exemplo, quando indivíduos afetados pela poluição
do ar ou da água ficam doentes estima-se uma aproximação de preços desses danos à saúde (morbidade) por
meio da produção sacrificada desses indivíduos no mercado de trabalho. Este método é criticado, pois além
da elevada sensibilidade a taxas de desconto, em geral é aplicado com dados demográficos,
consequentemente usa valores médios e não considera as preferências das pessoas e suas percepções de
risco ambiental. Um outro exemplo é o caso da produção sacrificada dos motoristas que trafegam nas
rodovias federais brasileiras12 conduzindo cargas com produtos químicos. Os acidentes de trânsito
envolvendo cargas químicas perigosas têm sido mais frequentes e conduzido a óbito muitos motoristas, os
quais deixam de contribuir em termos econômicos para a formação do Produto Interno Bruto do Brasil.
12.4.2 Métodos de preferência revelada
Os métodos de preferência revelada baseiam-se na teoria do comportamento do consumidor, a qual
fundamenta as escolhas dos consumidores nos mercados econômicos. Podem ser classificados em dois
métodos distintos: o método do custo de viagem (o qual avalia o comportamento do consumidor por
recreação em ativos naturais) e o método de preço hedônico (que se refere a uma curva de demanda por
residências ou salários em decorrência de atributos ambientais e/ou socioeconômicos).
Em 1949, o economista americano Harold Hotelling escreveu uma carta ao diretor do Serviço Nacional de
Parques dos Estados Unidos, sugerindo que os custos incorridos pelos visitantes dos parques poderiam ser
usados como uma medida de valor de uso recreativo dos parques visitados. Esta foi à ideia original do
método de custo de viagem.
O método de custo de viagem estima o preço de uso de um ativo ambiental por meio da análise dos
gastos incorridos pelos visitantes ao local de visita. É um método de pesquisa que, em geral, utiliza
questionários aplicados a uma amostra de visitantes do lugar para coletar dados sobre a origem do visitante,
seus hábitos e gastos associados à viagem. Cada visita ao lugar de recreação envolve uma transação
implícita, na qual o custo total de viajar a esse lugar é o preço que se paga para utilização dos serviços
recreativos do parque, praia, lago etc. Por hipótese, para usar os serviços recreativos de um lugar, os
indivíduos têm que se deslocar de diferentes pontos de origem ou zona até esse lugar de recreação e os
custos envolvidos nesse deslocamento são parte significativa do preço pago pelo indivíduo para visitar o
local. Em geral, o método de custo de viagem é utilizado na abordagem por zona ou na abordagem
individual. A abordagem por zona do método de custo de viagem caracteriza-se pela hipótese de
homogeneidade entre os indivíduos moradores de uma mesma região ou zona, ou seja, os visitantes de um
lugar de recreação têm as mesmas características socioeconômicas que um visitante padrão ou médio
oriundo da mesma zona. Com os dados disponíveis, estima-se uma curva de demanda por visitas recreativas
relacionando-se os custos médios de viagem por zona e as variáveis socioeconômicas com as taxas de
visitas por zona. Uma vez estimada a curva de demanda por visitas recreativas, calcula-se o excedente do
consumidor obtido no período estudado. Algumas hipóteses implícitas ao modelo de custo de viagem por
zona devem ser discutidas. Admite-se que os indivíduos residentes em zonas mais distantes do sítio
recreativo visitam menos este local, não havendo a possibilidade de troca entre número de visitas e estadias
mais prolongadas no local de recreação.
Na abordagem individual do método de custo de viagem estima-se uma curva de demanda por visitas ao
recurso analisado a partir do custo de viagem de cada indivíduo — variável preço — e do número de visitas
que cada indivíduo realizou no período analisado — variável quantidade.
Existem vários problemas associados com a aplicação do método de custo de viagem, por exemplo,
merecem atenção a questão do destino múltiplo na mesma viagem; o tratamento do custo de oportunidade
do tempo gasto para uma visita recreativa; a escolha de sítios substitutos ao local analisado; o tratamento do
congestionamento como atributo de qualidade do sítio estudado e a forma funcional da curva de demanda
por visita recreativa.
Por outro lado, o método de custo de viagem é uma ferramenta útil para produzir estimativas do valor de
uso recreativo associado a lugares de recreação, sendo metodologicamente consistente com a teoria de
ciências ambientais; é de fácil aplicação para produzir curvas de demanda por visitas recreativas ao sítio
analisado. A partir da demanda, é possível estimar a elasticidade-preço da demanda por visitas recreativas.
Com isso, o gestor de um recurso ambiental — unidades de conservação, por exemplo — pode aprimorar
suas ações de gestão simulando variações desses custos e prevendo os impactos no fluxo de visitas e na
geração de receitas. Com aplicação em recreação, Strong (1983) usou este método para estimar os
benefícios proporcionados por locais de pesca desportiva no estado americano do Oregon. No Brasil,
Grasso et al. (1995) utilizaram o custo de viagem para avaliar os benefícios de visitantes aos manguezais
das cidades paulistas de Cananeia e Bertioga.
O método de preço hedônico* estima um preço implícito com base em atributos ambientais característicos
de bens comercializados em mercado, por meio da observação desses mercados reais nos quais os bens são
efetivamente comercializados. Os dois principais mercados hedônicos são o mercado imobiliário (método
de valor de propriedade) e o mercado de trabalho (método de salário de compensação). Primeiramente,
estima-se uma função de preço hedônico, onde o valor do bem de mercado é a variável dependente e as
variáveis explicativas são as características que determinam este preço, incluindo-se a característica
ambiental a ser analisada. Em seguida calculam-se preços implícitos para a variável ambiental de interesse,
finalmente estimamos a curva de demanda pelo recurso ambiental empregando-se os preços marginais
calculados a partir da função hedônica, em uma estimativa da função de disposição marginal a pagar.
Algumas hipóteses são implícitas ao método de preço hedônico, destacando-se que os indivíduos podem
perceber mudanças na qualidade ou quantidade ofertada do atributo ambiental e que o mercado analisado é
competitivo, está em equilíbrio e existe informação perfeita. A fim de avaliar o efeito da poluição do ar em
cidades selecionadas dos EUA, Pearce e Markandya13 usaram este método para estimar os preços de
residências em função do aumento dos níveis de enxofre.
1Wood (1996).
2Randall (1997).
3Hanemann (1997).
4Hanemann (1997).
6Darwin (1859).
7Norton (1987).
8Wilson (1997).
9Mota (2006).
10Stern (2007).
12Ipea (2006).
*Este nome é uma referência ao Hedonismo, corrente filosófica ou doutrina que considera que o prazer individual e imediato é o único bem possível e princípio e fim da vida moral.
**Após o derramamento de óleo bruto do petroleiro Exxon Valdez, no Alasca, o governo norte-americano aplicou o método de valoração contingente com o objetivo de avaliar os danos e obrigar a
Exxon Corporation a indenizar suas vítimas.
*Os autores apresentam uma revisão de estudos empíricos sobre regulação e comércio internacional, nos quais foram usados o enfoque de Leontief.
*A polinização pode ser realizada por agentes abióticos, vento e água, ou agentes bióticos, tais como aves, morcegos, abelhas, besouros, vespas, dentre outros. As abelhas se destacam pela capacidade de
realizar a polinização cruzada, porque coletam pólen e néctar para alimentar sua prole (Pereira, et all, 2007).
17Coase (1960).
Capítulo 13
Eduardo Ehlers,
Centro Universitário SENAC
13.1 Introdução
Quando a primeira edição deste livro foi publicada, em 2003, a degradação da biodiversidade e o
aquecimento global estavam praticamente empatados na liderança das principais preocupações ambientais.
Mas, nos anos recentes, o aquecimento global disparou na dianteira desse ranking. Provavelmente porque
seus efeitos podem ser mais facilmente compreendidos e sentidos pela sociedade em geral, levando muito
mais gente a questionar os alicerces e os rumos do industrialismo. Além disso, as previsões sobre os graves
impactos provocados pelo aquecimento global, inclusive o desaparecimento da biodiversidade, ajudaram a
estabelecer essa hierarquia. É claro que os esforços para solucionar os principais problemas ambientais não
podem ser tratados de modo excludente, caso contrário, de que adiantaria conter o aquecimento do planeta
se até lá a diversidade de espécies já estiver praticamente extinta?
Este capítulo aborda a importância econômica da diversidade biológica, buscando identificar
mecanismos que permitam conciliar sua conservação e a criação de empresas e empregos. Inicialmente,
mostra-se que a valorização da biodiversidade é um fenômeno recente. No passado predominava a crença
de que, nos trópicos, a natureza diversificada e hostil dificultava ou mesmo impedia qualquer tentativa de
civilizar os povos e os países dessas regiões. A eliminação das florestas tornaria o ambiente tropical mais
semelhante ao europeu, ampliando, assim, as chances de prosperidade. Foi só após a publicação das
descobertas de Charles Darwin que as teses sobre a natureza tropical perderam o sentido. Nas últimas
décadas do século XX a diversidade biológica já era aceita como um trunfo e não como um obstáculo ao
crescimento econômico. Todavia, a estratégia convencional de conservação, baseada na manutenção e
expansão de áreas protegidas, é insuficiente para manter a diversidade da vida. A “saída” é a ampliação das
atividades econômicas que conservem ou mesmo ampliem a biodiversidade, tais como: o aproveitamento
das amenidades no meio rural e a diversificação dos sistemas produtivos agrícolas. Por fim, conclui-se que
para avançar nessa direção é necessário taxar muitas das atividades que contribuem para degradação da
natureza e investir os recursos arrecadados no pagamento de serviços ambientais e na promoção de
empreendimentos voltados à conservação da biodiversidade.
13.2 A visão da biodiversidade na história
Qual é a dimensão da diversidade da vida? Quantas espécies de fato existem no planeta? Não se tem
respostas exatas a estas perguntas. As estimativas apontam variações entre 5 e 100 milhões, mas muitos
especialistas acreditam que o número de espécies vivas é de aproximadamente 12,5 milhões. Dentre essas,
cerca de 1,7 milhão são conhecidas, sendo: 750 mil insetos, 41 mil vertebrados, 250 mil plantas, além de
milhares de invertebrados, fungos, algas e microorganismos.1 Estimativas ainda “rudimentares” mostram
que em 2006 o número de espécies de insetos conhecidos já chegava a 900 mil. Só os insetos somam
aproximadamente um milhão de trilhões de seres vivos e as 10 mil trilhões de formigas vivas pesam tanto
quanto toda a população humana.2
Mesmo desconhecendo-se a totalidade de espécies, ampliam-se as evidências científicas sobre a sua
importância para a manutenção da vida em todo o planeta. Se os insetos desaparecessem, em pouco tempo
morreria a maioria das plantas e dos animais.3 Dentre os argumentos que justificam a importância biológica
e econômica da biodiversidade destacam-se os seguintes:4
• A biodiversidade facilita o funcionamento dos ecossistemas, permitindo que o planeta se mantenha
habitável (por exemplo: trocas de carbono, manutenção das fontes de água superficial e
subterrânea, proteção e fertilização dos solos, regulação da temperatura e do clima, dentre outras
funções).
• Oferece valores estéticos, científicos, culturais, dentre outros valores universalmente reconhecidos,
mesmo sendo intangíveis e não monetários.
• A biodiversidade é a fonte de muitos produtos utilizados pelas sociedades contemporâneas:
alimentos, fibras, produtos farmacêuticos, químicos etc., além de ser a principal fonte de
informações para o desenvolvimento da biotecnologia.
• A biodiversidade é a base para as culturas agrícolas e para o melhoramento e desenvolvimento de
novas variedades.*
• A beleza e a singularidade de diversos ecossistemas têm valor para uma série de atividades
recreativas e de ecoturismo.
O uso do termo biodiversidade é bastante recente. Começou a ser usado em artigos do biólogo Edward
O. Wilson no final dos anos 1980. Em linhas gerais, é definido como a diversidade de todas as formas de
vida na Terra. Na perspectiva científica, trata-se de toda a variedade de vida estudada em três níveis: os
ecossistemas; as espécies que os compõem; e os genes que compõem essas espécies.5 Soa agora como um
termo comum, amplamente utilizado nas escolas e nos jornais, mas nem por isso seu significado tornou-se
claro e certeiro. Empregamos indistintamente o termo biodiversidade para expressar a diversidade de seres
vivos presentes em um pomar de macieiras, no interior da Floresta Amazônica, ou quando nos referimos à
relação de florestas e às mudanças climáticas. Essa abrupta mudança da escala obscurece a noção de
biodiversidade.6 É como se usássemos a mesma palavra para fazer referência aos milímetros, aos metros e
aos quilômetros.
Se o uso do termo é recente, a noção de variedade da vida já estava presente em várias civilizações
antigas. Gregos, romanos, chineses e vários outros povos esboçaram sistemas de classificação e se
preocuparam em relacionar os diferentes organismos vivos conhecidos em suas épocas.7 Na Europa, entre
os séculos XVI e XVII, os naturalistas criaram 25 sistemas para classificar as espécies botânicas. Mas foi
em 1750 que o sueco Carl Lineu lançou uma proposta de classificação do mundo natural que se sobrepôs às
demais e que permanece vigente até hoje: o Systema Naturae. A relação publicada em 1758 já continha
cerca de 9.000 espécies de plantas e de animais classificadas por Lineu e seus assistentes. Esse número
cresceu muito rapidamente nos anos seguintes, não apenas devido à invenção do microscópio — cujas
lentes revelaram um novo universo de organismos até então desconhecido —, como também devido ao
crescimento das viagens exploratórias dos naturalistas europeus.8
A atração pelo exótico, a vontade de estudar a flora e a fauna dos trópicos e o interesse em descobrir
novas espécies comercialmente exploráveis foram os principais fatores que motivaram os viajantes a
conhecer o novo mundo. “O Brasil, particularmente, por deixar suas fronteiras fechadas até 1808, revelava-
se como terra prometida para os interesses dos naturalistas”. E a revogação da proibição à entrada dos
estrangeiros possibilitou a vinda de dezenas de naturalistas europeus — como Langsdorf, Wied-Neuwied,
Saint Hilaire, Spix, Martius — e de pintores — como Taunay, Rugendas, Debret — que retratavam as
imagens pitorescas das expedições. Nos relatos desses viajantes naturalistas fica evidente o fascínio diante
da exuberância e da diversidade das formas de vida encontradas no novo continente.9
Entretanto, é interessante notar que o deslumbramento desses viajantes diante da natureza dos trópicos
contrastava com os preceitos teóricos que traziam em suas bagagens. Afinal, no início do século XIX, ainda
predominava a crença nas teses “decadentistas” formuladas pelo naturalista francês, Conde de Buffon. Em
1749, Buffon publicava os três primeiros volumes — de um total de 36 — de sua Histoire Narturelle, na
qual tentou comprovar a “inferioridade” da natureza no continente americano. A ausência de animais de
grande porte — camelos, dromedários, elefantes, girafas — era uma prova irrefutável de suas teorias. Para
ele, a desprezível onça dos trópicos jamais poderia ser comparada a um leão das savanas e o tapir brasileiro
não passava de um “elefantinho ridículo” que não conseguiu se desenvolver. O estado bruto da natureza, o
aspecto pantanoso da paisagem, a constante umidade das florestas e a intolerável presença dos mais
variados tipos de insetos tornavam o ambiente insalubre para o desenvolvimento de qualquer animal de
grande porte.10
Mesmo sem nunca ter pisado na América, Buffon estendeu suas teorias sobre os animais de grande porte
aos homens do novo mundo, tentando provar que a natureza era um enorme obstáculo ao desenvolvimento
desses povos. O homem americano é marcado pela debilidade física, pelo tamanho insignificante, pela
insensibilidade e pela carência de vivacidade. Ao contrário, nas regiões de clima temperado podiam ser
encontrados homens mais “belos” e “bem feitos”. A explicação de Buffon parecia bastante convincente: nas
regiões de clima temperado a natureza era muito mais “organizada” e, portanto, mais propícia à civilização.
Ao adentrar um bosque, qualquer um poderia facilmente identificar as diferentes espécies de plantas e de
animais ali presentes. Nas florestas tropicais, a natureza não havia atingido este estágio de maturidade e de
“organização”; as plantas e os animais se misturavam de tal forma que era praticamente impossível
identificá-los. Este ambiente “hostil” dificultava o desenvolvimento dos povos selvagens e inviabilizava
qualquer tentativa de civilização.11
Por quase um século, essas ideias foram amplamente aceitas no insipiente meio científico europeu.
Todavia, a aproximação ao desconhecido mundo dos trópicos levou muitos naturalistas a questionar as
consagradas teses de Buffon. Ao cruzar as temidas águas do mar do Caribe, em 1799, Alexander von
Humboldt relata seu encantamento diante da natureza do novo mundo, contribuindo para reverter a imagem
depreciativa do continente americano.12 Mas o cheque-mate nas teorias de Buffon seria dado em 1859 com a
publicação da teoria evolucionista de Charles Darwin. Em Origem das espécies, Darwin mostra que, ao
contrário do que se pensava, os seres vivos estão em constante processo evolutivo e a diversidade genética é
fundamental aos mecanismos de seleção natural das espécies.
Obviamente as ideias de Darwin e de outros pesquisadores sobre a importância da diversidade das
espécies não convenceram a comunidade científica e, muito menos, o restante da sociedade. Tanto que o
século XX foi marcado pela crescente degradação dos ecossistemas e pela extinção de milhares de espécies
de plantas e de animais. Mesmo assim, essas ideias deram início a um processo de transição no qual a
diversidade biológica passa a ser considerada — ainda que em círculos muito restritos — uma vantagem
competitiva do meio rural e não um obstáculo ao seu crescimento econômico.
13.3 Impactos econômicos da perda de biodiversidade
Com a acelerada degradação dos ecossistemas tropicais, particularmente no último quarto do século XX,
proliferaram, desde meados dos anos 1980, os trabalhos científicos sobre a dilapidação da biodiversidade.
Além de decifrar a variedade de seres vivos, seus estudiosos ocupam-se do estudo das interações e
processos que fazem os organismos, as populações e os ecossistemas preservarem sua estrutura e
funcionarem em conjunto.
A necessidade de criar instituições que regulamentassem tanto a proteção como o uso da biodiversidade
levou 157 países a assinaram a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) durante a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Os signatários deste documento se
comprometeram a respeitar a soberania dos países sobre seu patrimônio genético, bem como possibilitar o
acesso a esses recursos desde que em condições previamente estabelecidas entre as partes interessadas.
Não é a primeira vez na história do planeta que a biodiversidade corre riscos de extinção. Desde a
emergência da vida, há 4 bilhões de anos, pelo menos cinco grandes episódios naturais provocaram
drásticas reduções no número de espécies. Alguns especialistas consideram que a atual pressão antrópica
sobre os ecossistemas seria o sexto grande evento de extinção em massa. E é bem provável que eles tenham
razão. Em condições naturais uma espécie é extinta a cada ano,14 mas hoje se estima que 10.000 espécies
desapareçam anualmente.15
É muito difícil estabelecer com segurança a importância relativa dos seis fenômenos que mais provocam
a perda de biodiversidade: (i) destruição e alteração de hábitats; (ii) exploração de espécies “selvagens”;
(iii) introdução de espécies exóticas; (iv) homogeneização; (v) poluição; (vi) mudanças ambientais globais.
Quanto à extinção global de animais, estima-se que um terço seja provocada pela destruição/alteração de
hábitats, outro terço venha da introdução de espécies e o terceiro decorra de formas insustentáveis de caça e
de pesca. Mas cerca de dois terços dos “estoques” de peixes marinhos estão sendo ultraexplorados, ou já
foram extintos. E três quartos dos desaparecimentos de pássaros decorrem diretamente de mudanças de uso
dos solos, exatamente como acontece com a extinção de plantas.16
As formas mais visíveis dessas mudanças de uso dos solos são as derrubadas de florestas, a drenagem de
áreas úmidas, a construção de estradas, a expansão e criação de aglomerações urbanas etc. Todavia, o pior
parece ser a resultante fragmentação de formações naturais que antes eram contínuas. Muitas espécies
desaparecem; muitas vezes diminui a população das que subsistem; movimentos passam a ser restritos; e
torna-se mais frequente à presença de predadores e competidores que perderam seus hábitats naturais.17
Comparáveis aos impactos das mudanças de uso dos solos são os estragos causados pela
homogeneização, isto é, as perdas de diversidade provocadas pela padronização dos sistemas de produção
agropecuários. Além da diminuição do número de espécies e da variedade genética das plantas utilizadas,
também ocorre uma dramática redução do número de outras espécies, como as bactérias fixadoras de
nitrogênio, os fungos que facilitam a absorção de nutrientes, predadores de pragas, polinizadores etc. Enfim,
míngua a base genética de inúmeras espécies que coevoluiram durante séculos ou milênios.18
Simultaneamente, águas superficiais e subterrâneas são contaminadas, tanto pelo uso crescente dos insumos
básicos dessa conversão (fertilizantes químicos e agrotóxicos) quanto pela excessiva concentração da
pecuária. Além dos problemas de saúde, essa falta de diversidade funcional compromete a resistência e a
resiliência dos agroecossistemas, aumentando a sua vulnerabilidade às pragas, secas e outras mudanças
climáticas.19
Assim, apesar de ser impossível hierarquizar as seis principais manifestações da perda de
biodiversidade, talvez não seja abusivo destacar a brutal artificialização agropecuária (que ironicamente
ficou conhecida como “modernização” ou “revolução verde”), desde que devidamente inserida no contexto
espacial do processo de desenvolvimento.20 É justamente esta artificialização agropecuária, aliada à
expansão da fronteira agrícola, que vem dilapidando a diversidade biológica da Floresta Tropical Atlântica,
dos Cerrados, da Caatinga e, mais recentemente, da Floresta Amazônica. Contudo, esse destaque à
agropecuária não deve fazer esquecer os efeitos nefastos de outras atividades primárias, como as diversas
formas de extração florestal, mineral e pesqueira.
A degradação da Mata Atlântica não é um fenômeno recente. Em uma das obras mais completas já
escritas sobre a história da ocupação de um ecossistema brasileiro, Warren Dean discorre sobre os vários
ciclos de degradação, desde a exploração do pau-brasil até os nossos dias. Dean mostra que o ciclo do café
sucedido pelo crescimento das indústrias e da malha ferroviária — que tinham a lenha e o carvão vegetal
como matriz energética — foram os principais responsáveis pela derrubada da floresta. A partir da década
de 1960, o plantio da cana-de-açúcar devastou grande parte do que restava em São Paulo e em Minas
Gerais. No Espírito Santo e na Bahia, a ocupação dos solos com reflorestamentos para produção de celulose
e a exploração ilegal de madeira vêm destruindo o que restou dessa mata nos dois estados.21
A Floresta Amazônica, considerada a maior reserva de diversidade biológica no mundo também tem
sido alvo de intensa dilapidação. A ausência de uma política de desenvolvimento rural aliada ao fluxo
migratório para a região são incompatíveis com a necessidade de preservação e conservação dos recursos
florestais. Em Rondônia, por exemplo, a população saltou de 110.000 habitantes em 1975 para mais de um
milhão em 1986, provocando a destruição de quase um terço das florestas daquele estado.22
Os Cerrados, que ocupam um quarto do nosso território, são o segundo maior bioma brasileiro (após a
Amazônia) e concentram nada menos que um terço da biodiversidade nacional e 5% da flora e da fauna
mundiais. A flora dos Cerrados é considerada a mais rica do mundo dentre as savanas.23 A adaptação destas
plantas aos solos, ao clima e aos predadores característicos dos ambientes dos Cerrados faz delas “bancos
gênicos de muito maior valor do que o atribuído e que merecem ter importância muito maior do que apenas
a de produzir carvão e enormes áreas de cultivo (...)”.24
A diminuição da biodiversidade na Mata Atlântica, na Floresta Amazônica e nos Cerrados traz graves
consequências para a agricultura, para a silvicultura, para a pesca, para o turismo, dentre outras atividades.
No caso da agricultura são pouco estudados os impactos da redução da biodiversidade, mas é óbvio que ela
compromete a identificação de novas espécies de plantas e de variedades potencialmente cultiváveis, para
fins medicinais, alimentícios, industriais etc.
A dilapidação florestal também acarreta diminuição da estabilidade dos agroecossistemas, devido a
desequilíbrios provocados pela eliminação de inimigos naturais de pragas.25 Isso aumenta os gastos com
agrotóxicos e a contaminação do ambiente. Outro problema, mais imediato, é a diminuição dos recursos
hídricos; bilhões de metros cúbicos de água deixam de infiltrar naturalmente nos solos em decorrência da
redução da cobertura vegetal, acarretando a redução dos estoques disponíveis com graves consequências
para o abastecimento das cidades, da agricultura e dos reservatórios de usinas hidroelétricas. O somatório
desses problemas provoca impactos incalculáveis na economia do país.
13.4 Desenvolvimento e conservação da biodiversidade
O conveniente compromisso com “desenvolvimento sustentável”, que se firmou a partir de meados dos
anos 1980, é uma manifestação inequívoca de que se tornou imprescindível encontrar um modo menos
destrutivo e mais duradouro de crescimento. Mas, para conquistar mais sustentabilidade (já que o processo
de desenvolvimento não poderá atingi-la em termos absolutos), é preciso definir o conjunto de operações
necessárias a uma completa reorientação do processo de crescimento econômico.
Todavia, qualquer arranjo institucional é prisioneiro do caminho que foi seguido no passado (path-
dependence), pois toda trajetória prévia tende a ser consolidada pelo processo de aprendizado das
organizações, pela modelização subjetiva das questões, por externalidades de rede etc. Ou seja, a economia
tende a engendrar políticas que reforçam as incitações e as organizações existentes.26 Só poderia ser ilusória,
portanto, a ideia de uma brusca virada na estrutura institucional de incitações que foi sendo sedimentada
durante os três séculos que multiplicaram a produtividade por 40 ou 45 vezes, sendo que ela sequer havia
dobrado durante os sete séculos anteriores.27 Uma situação que se torna ainda mais grave em um momento
histórico em que a luta contra o desemprego tende a impor uma busca desenfreada de qualquer fórmula que
possa favorecer o crescimento das economias nacionais. Em tais circunstâncias, a mudança de rumo ditada
por preocupações ambientais só se legitimará se puder simultaneamente incentivar um crescimento rico em
empregos (em vez de restringi-lo). Isto é, se a precaução ecológica puder impulsionar o
“empreendedorismo”.28
Mas é possível conciliar a conservação da biodiversidade com a criação de novos negócios e de novos
empregos? É óbvio que isso só acontecerá se houver simultânea retração de atividades que degradam os
hábitats e crescimento das que os conservam ou recuperam. Para que isso aconteça, é necessário que as
últimas sejam mais vantajosas que as primeiras, o que requer a combinação de vários tipos de intervenção
pública (em geral, estatais) de estímulo e dissuasão. O problema é que, tradicionalmente, as intervenções
públicas são limitadas à criação e manutenção, muitas vezes deficitária, de unidades de conservação
(parques, reservas, estações etc.). Só excepcionalmente essa intervenção tem como estratégia o
financiamento de outras ações conservacionistas ou de iniciativas que estimulem o desenvolvimento
sustentável.
Em termos mundiais, estima-se que o gasto anual com a conservação dos atuais 13,1 milhões de km2 de
áreas protegidas atinja US$6 bilhões. Uma conservação mais adequada dessas unidades exigiria um
suplemento de US$2,3 bilhões. A inclusão de mais 7,4 milhões de km2 nessas reservas globais (90% dos
quais em países subdesenvolvidos) exigiria 11 bilhões de dólares para a obtenção e mais 3,3 bilhões anuais
para a sua manutenção. Segundo os autores dessas estimativas, trata-se de quantias irrisórias se comparadas
ao valor de nocivos subsídios (sobretudo, agroalimentares), estimados em US$1 trilhão por ano.29
Como denúncia, o raciocínio é até aceitável. Mas a ideia de que recursos atualmente usados para
subsidiar atividades do agribusiness no mundo desenvolvido possam ser transferidos para a manutenção e
expansão das áreas protegidas (principalmente, em países periféricos) só pode ser considerada quixotesca.
Os atuais esquemas de regulação das atividades agropecuárias do primeiro mundo resultam de instituições
sedimentadas por muitas décadas de pragmatismo socioeconômico. No início estavam exclusivamente
voltados à sustentação de preços internos, para que fosse garantida estabilidade de renda mínima a
multidões de agricultores. Mas aos poucos foram adquirindo muitas outras dimensões, à medida que os
agricultores se tornavam minoria no próprio meio rural.30
Predomina nas organizações voltadas à conservação da biodiversidade a ideia de utilizar recursos fiscais
dos mais tradicionais para manter e expandir reservas controladas pelo poder público, ou criar fundos que
compensem custos assumidos por empresários rurais esclarecidos (isto é, proprietários de florestas,
fazendeiros e agricultores familiares dispostos a adotar práticas ecologicamente mais corretas que as
convencionais, mas quase sempre menos rentáveis). Pior, nunca se recolhe dos agentes que mais se
beneficiam da existência de unidades de conservação os recursos necessários para a sua própria
manutenção. O mais comum é que os proprietários fundiários das imediações fiquem com as novas rendas
de localização e outros tipos de quase-renda engendrados pela existência de parques, reservas ou estações,
sem qualquer tipo de contrapartida. Quase não são penalizadas as atividades mais prejudiciais à
biodiversidade, e muito menos se maneja as atividades menos agressivas mediante instrumentos
econômicos que também permitam uma arrecadação de recursos a serem usados na incitação de atividades
benéficas.31
Neste sentido, a integração entre políticas ambientais e políticas econômicas está muito mais “atrasada”
no âmbito da conservação da diversidade biológica do que, por exemplo, no domínio energético, no qual os
recursos arrecadados por “ecotaxas” têm sido cada vez mais usados, por exemplo, para reduzir impostos
que inibem a criação de empregos.32 No fundo, a criação e a manutenção de áreas protegidas deveria ser
acompanhada por um conjunto de intervenções de recuperação e conservação capazes de dissuadir a
degradação e gerar excedentes monetários (pelo menos durante o tempo em que essa degradação continuar
existindo). Mas onde esses excedentes seriam aplicados? Existem atividades capazes de, ao mesmo tempo,
estimular a conservação e a criação de empregos?
Pelo menos duas ações já acumulam resultados suficientemente convincentes podendo ser apontadas
como possíveis “saídas” para a criação de uma espécie de “empreendedorismo verde”. São estas: o
aproveitamento das amenidades no meio rural, particularmente nas áreas que ainda dispõem de heranças
naturais, e a diversificação dos sistemas produtivos agrícolas.
13.5 Ganhando com a conservação dos ecossistemas
Ganharam muita importância nas últimas décadas as políticas públicas que visam oferecer perspectivas de
um futuro mais promissor às áreas rurais. Particularmente às mais periféricas, onde o dinamismo econômico
tende a se esvair, ou sequer chega a ocorrer. Em um passado longínquo, o essencial era poder expedir para
as cidades um volume crescente das mercadorias primárias que elas mais demandavam: alimentos, fibras,
madeira, minérios e energia. Também era condição necessária dispor da exploração racional de riquezas
naturais raramente abundantes e nem sempre renováveis. Mas não demorou para que se tornasse bem mais
decisiva a transformação local dos bens primários antes de exportá-los às cidades, pois tal agregação de
valor logo passa a gerar mais renda e emprego do que as atividades agropecuárias, florestais, pesqueiras ou
minerais. O dinamismo passou a depender muito do tino empresarial dos que obtinham o capital necessário
ao emprego da mão de obra liberada pelas outras atividades. O sucesso na industrialização de produtos
primários ajudava a atrair os demais empreendimentos cruciais para o desenvolvimento regional.33
Acontece que ultimamente a dinamização econômica de uma região rural começou a ser muito mais
determinada pela captação das rendas urbanas que se transferem pela frequente estada de famílias que
constroem segundas residências (chácaras e sítios de recreio, casas de veraneio ou chalés de montanha),
pela presença sazonal de famílias em férias, pelas visitas dos mais diversos tipos de turistas, esportistas,
congressistas, ou, ainda, pela significativa imigração de aposentados. O que há em comum entre esses
grupos é a busca de um contato mais próximo com a natureza, definida pelo biólogo Edward Wilson como:
[...] é aquela parte do ambiente original e de suas formas de vida que permanece depois do
impacto humano. Natureza é tudo aquilo no planeta Terra que não necessita de nós e pode existir
por si só.34
O dinamismo econômico de certas áreas rurais está, portanto, cada vez mais atrelado à capacidade de
explorar as “amenidades” presentes em territórios que puderam evitar ou impedir a degradação de seus
patrimônios natural e cultural.35 A necessidade de atribuir a mais alta prioridade à capitalização do valor das
amenidades rurais foi, justamente, a principal conclusão da oficina de trabalho que a OCDE promoveu no
Japão em setembro de 1997, na qual foram discutidas as dinâmicas rurais de uma dúzia de países. E dela
resultou a recomendação de dois tipos básicos de políticas: as que estimulam a direta coordenação entre os
provedores e os beneficiários das amenidades (apoio à ação coletiva e à valorização comercial); e as que
ajudam a mudar certas regras econômicas (regulamentações e incentivos financeiros). O mais curioso,
entretanto, é que os oito estudos de caso citados são experiências que articulam o aproveitamento
econômico de amenidades à conservação da biodiversidade.36
A ideia geral é que a preservação das amenidades não deve paralisar o desenvolvimento local, mas
também não pode permitir que o dinamismo econômico venha justamente a destruir as características da
região. Trata-se de encontrar o caminho do meio entre a manutenção ou o aumento da oferta de amenidades
e a promoção do crescimento econômico.37
As amenidades rurais estão muito frequentemente ligadas ao manejo de importantes fontes de
biodiversidade, desde as unidades de conservação de fragmentos naturais pouco alterados (como os parques
nacionais) até paisagens bem artificializadas. Obviamente, o manejo dessas áreas não se presta apenas à
exploração das amenidades. Os ecossistemas conservados ou preservados também são a principal fonte de
“matéria-prima” para o emergente mercado da “bioprospecção”.
A Convenção da Biodiversidade — hoje ratificada por 174 países com a ilustre exceção dos EUA —
estabeleceu os modos de exploração dos recursos biológicos pela engenharia genética. Institucionalizando
direitos de propriedade física e intelectual, ela facilitou a negociação direta entre o poder público e as
empresas privadas de biotecnologia, o que tende a resultar em contratos de bioprospecção prevendo uma
exploração econômica não destrutiva dos recursos genéticos e uma divisão “justa e equânime” dos lucros. A
fonte de inspiração foi o contrato que já havia sido estabelecido entre o laboratório americano Merck & Co.
e o Instituto Nacional da Biodiversidade da Costa Rica (INBio), organismo privado sem fins lucrativos que
depende do Ministério dos Recursos Naturais daquele país. Em troca de mil amostras, o INBio recebeu em
dois anos mais de US$1 milhão, sendo que a empresa ainda se comprometeu a pagar royalties sobre
medicamentos que vierem a ser desenvolvidos a partir dessa base genética.38
Muitas críticas têm sido dirigidas a esse modelo. Pequenos países subdesenvolvidos poderiam estar
sendo colocados em forte concorrência, diante da emergente regulamentação do mercado de recursos
genéticos. Estando em condições naturais semelhantes, poderiam ser levados a praticar um verdadeiro
“dumping ecológico”. Os que, ao contrário, não têm riquezas biológicas comparáveis, não poderiam
encontrar nessa fórmula qualquer tipo de solução para seus problemas de degradação ambiental. Além
disso, a distribuição “justa e equânime” dos resultados financeiros dessas operações (prevista na
Convenção) só poderia ser ensaiada mediante avaliações públicas internacionais realizadas no âmbito de
uma negociação multilateral, em vez de dependerem de acordos bilaterais feitos entre uma multinacional e
um país com ínfimo poder de barganha. De resto, os termos desses contratos nem precisam ser divulgados
ou submetidos a qualquer organismo de controle e de arbitragem.39
Também há muita incerteza sobre a possibilidade de se fazer uma estimativa razoável da parte do preço
final de um medicamento que deve ser atribuída a uma sequência de DNA retirada de um organismo. Até
porque esse preço depende muito mais do poder de mercado da empresa, do que de seu custo de produção.
É muito comum que sua margem de lucro seja composta essencialmente de rendas de monopólio. Em tais
circunstâncias, é pouco provável que a comunidade local ou regional possa realmente tirar bom proveito
desse tipo de contrato com uma multinacional. E é justamente por isso que muitas ONGs denunciam tais
acordos como formas “politicamente corretas” de legalizar a biopirataria, ao mesmo tempo que grandes
firmas farmacêuticas parecem se desinteressar pela bioprospecção. Podem vir a considerar mais vantajoso
um acerto com empresas especializadas no acesso aos bancos de dados de sequências de genes ou ainda um
simples recurso a firmas de corretagem de recursos genéticos, como Biotics ou Shaman Pharmaceuticals,
atual Botanical Pharmaceuticals.40
E ainda há outros inconvenientes. Os interesses específicos da demanda de recursos genéticos podem vir
a determinar a orientação da pesquisa, favorecendo o estudo de determinadas famílias em vez de estimular o
conhecimento do conjunto da biodiversidade local (inclusive da fauna, que não costuma interessar a essas
empresas, apesar de sua crucial influência sobre a reprodução vegetal). Também costuma ser necessária
uma boa dúzia de anos e mais de US$200 milhões para que uma molécula dotada de qualidades especiais dê
origem a um novo medicamento. E parte das contrapartidas financeiras que precedem os eventuais royalties
pode ser, inclusive, usada pelos governos para fins que pouco ou nada têm a ver com os objetivos da CDB.
No caso emblemático da Costa Rica, metade do que foi pago pela Merck foi para os cofres do governo sem
qualquer obrigação de utilização em políticas previamente determinadas.41
Essas e muitas outras críticas só mostram a insipiência institucional do emergente mercado internacional
de recursos genéticos, problema que está intimamente relacionado à fragilidade das legislações nacionais,
particularmente entre os exportadores. Mas indicam, também, que a superação dessa fragilidade poderá
resultar em oportunidades de captação de recursos. Esses arranjos institucionais podem evoluir em uma
direção mais favorável às exigências de uma efetiva conservação da biodiversidade acoplada a uma
perspectiva de desenvolvimento. Nada impede, por exemplo, o lançamento de “títulos” ou “contratos de
risco” para incentivar uma responsável bioprospecção em unidades de conservação. Se tais oportunidades
forem bem aproveitadas, certamente poderão contribuir tanto para reforçar e expandir a proteção de
ecossistemas quanto para financiar outras iniciativas de desenvolvimento sustentável.42
Além de fonte de amenidades e de biodiversidade, os ecossistemas protegidos também podem ser
viveiros das mais importantes vantagens competitivas que o processo de desenvolvimento reserva às regiões
rurais. Mas a sinergia que pode existir entre a conservação da biodiversidade e a exploração dessas
vantagens competitivas dificilmente se manifesta de forma espontânea, pois esbarra em enormes obstáculos
culturais e institucionais. Se tais obstáculos não forem vencidos, será muito mais difícil garantir, por
exemplo, a preservação do que restou da Mata Atlântica e dos Cerrados brasileiros, onde a oferta dos
pacotes de turismo de massa parece superar o amadurecimento de pactos territoriais que possam aliar a
conservação da biodiversidade com dinamismo econômico.
13.6 Agricultura e biodiversidade
A conservação da biodiversidade de um agroecossistema está associada à manutenção dos recursos
genéticos, tanto das espécies nativas como das variedades de plantas cultivadas e das raças de animais
criados. Antes das sementes se tornarem um insumo de origem industrial, os próprios agricultores faziam
suas seleções e misturavam espécies de interesse comercial com outras que não eram cultivadas. Em muitos
casos, contribuíam para o aumento da diversidade genética, adaptando diferentes variedades de plantas para
microambientes distintos. É o que alguns especialistas chamam de “mosaicos coevolutivos”.43
Na agricultura moderna a diversificação dos sistemas produtivos foi substituída pela especialização.
Muitos agrônomos e economistas acreditaram que a lógica da produção em escala, que fizera sucesso no
setor industrial, poderia ser facilmente aplicada na agricultura. As monoculturas, altamente mecanizadas e
baseadas no emprego intensivo de insumos químicos e genéticos, funcionariam como verdadeiras fábricas a
céu aberto, capazes de produzir alimentos em quantidades suficientes para abastecer toda a humanidade.
Mas logo se percebeu que, ao contrário da indústria, a agricultura é totalmente dependente de limites
naturais, os quais não podem ser facilmente controlados. A substituição de ecossistemas complexos e
diversificados — particularmente nas regiões tropicais — por sistemas produtivos extremamente
simplificados — como são as monoculturas — provocou uma série de impactos econômicos e ambientais.
Hoje se sabe que quanto maior o número de espécies presentes em um determinado ecossistema, maior
será o número de interações tróficas entre os seus componentes e, consequentemente, a estabilidade tenderá
a aumentar, ou seja, a estabilidade é função direta da diversidade. Os agroecossistemas estáveis tendem a
absorver mais facilmente as perturbações externas, pois os impactos são dissipados entre seus vários
componentes.44 Nos sistemas agrícolas muito simplificados, sobretudo nas monoculturas de grãos, os fatores
desestabilizadores são amplificados, obrigando os agricultores a recorrer a técnicas intensivas para manter
as condições necessárias ao desenvolvimento vegetal. De certo modo, nos sistemas agrícolas convencionais
o potencial regulador que era exercido pelo próprio ecossistema foi substituído por fontes exógenas de
nutrientes e de energia, geralmente originárias de combustíveis fósseis.45
Existem diferentes meios de se promover a diversificação de um agroecossistema, desde uma simples
consorciação entre duas culturas até os complexos sistemas agroflorestais, que visam à convivência de
espécies florestais nativas com as culturas de interesse comercial. O desafio, portanto, é conhecer não
apenas as características dos agroecossistemas como também as formas mais apropriadas de diversificá-los.
Nas consorciações e nas rotações de culturas, os recursos disponíveis — água, nutrientes, luz, dentre
outros — são utilizados de forma mais eficiente. Aliadas ao retorno de matéria orgânica ao solo, esses
sistemas contribuem para manter sua estrutura física, ajudam a reduzir a erosão e, consequentemente,
melhoram a fertilidade dos solos. A combinação desses fatores leva, invariavelmente, a aumentos de
produtividade das lavouras. Ao mesmo tempo, os sistemas diversificados diminuem muito a necessidade de
insumos externos, como os agrotóxicos e os fertilizantes nitrogenados. Possibilitam, desse modo, a
eliminação de uma parte significativa dos gastos de investimento e de custeio necessários à manutenção do
padrão tecnológico “moderno”. Além disso, nas propriedades diversificadas os ingressos de renda agrícola
são distribuídos de forma mais homogênea durante o ano. A quebra de uma safra ou a queda de preço de
uma determinada cultura não causa tantos estragos quanto nas propriedades monoculturais e os riscos de
falência são muito menores.46
Outra forma de diversificar os sistemas produtivos é a agrossilvicultura ou “agroflorestação”. Consiste
em um sistema de manejo florestal que visa conciliar a produção agrícola e a manutenção das espécies
nativas por meio de “capinas seletivas” das espécies que já cumpriram seu papel fisiológico na sucessão e
“podas de rejuvenescimento” para revigorar e acelerar o sistema produtivo. Em várias partes do país a
adoção desses sistemas tem demonstrado vantagens econômicas e ambientais em relação aos sistemas de
cultivo convencionais, cuja longevidade depende do emprego elevado de insumos industriais47. Em quase
todas as experiências observa-se o aumento de matéria orgânica nos solos, a redução da erosão laminar e
em sulcos e o aumento da diversidade de espécies. Nos casos em que as matas ciliares são recuperadas,
verifica-se, também, a diminuição da turbidez da água e o aumento da disponibilidade de recursos hídricos.
Uma característica comum entre os sistemas diversificados é que todos são mais exigentes em mão de
obra. Os custos de se empregar mais trabalho são geralmente compensados pela redução, ou mesmo
eliminação, do uso de insumos agroquímicos. Isso fica bem claro quando se compara o número de pessoas
empregadas em uma propriedade diversificada a outra altamente especializada. As regiões cobertas pelas
monoculturas, geralmente apontadas como “modernas”, são extremamente pobres em geração de
oportunidades de trabalho, tanto na propriedade agrícola como nas suas circunvizinhanças. Além disso,
essas regiões acabam com o solo, com a água e com a biodiversidade que poderia ser um dos principais
trunfos de dinamismo econômico.
13.7 Biocombustíveis e biodiversidade
Desde que a queima do petróleo consagrou-se como um dos principais vilões do aquecimento global, só
aumentou a convicção de que essa matriz energética precisa ser rapidamente superada. Depois do domínio
do fogo, da agricultura e da máquina a vapor, a adoção de novas fontes de energia que não sejam fósseis
deverá ser o quarto grande salto tecnológico da humanidade.48 A energia do século XXI tem que ser limpa e
renovável, reduzindo ou mesmo eliminando a emissão de gás carbônico para a atmosfera.
O hidrogênio poderá ser o combustível do futuro,49 ou, então, ampliaremos o uso da energia que pode ser
obtida a partir das marés, dos ventos ou do calor da Terra. Mas enquanto esse futuro não chega o uso da
biomassa é a alternativa mais viável de que dispomos. Em 2006, apenas 1% do transporte terrestre mundial
era movido por etanol ou biodiesel, porém as preocupações ambientais e o elevado custo do petróleo devem
aumentar a ebulição desse mercado nas próximas décadas. Além disso, nos EUA, principal consumidor
mundial, a substituição de George Bush por Barack Obama pode marcar, também, a transição da matriz
fóssil para a renovável. O primeiro passo foi a nomeação de um especialista em fontes alternativas, Nobel
em física, como secretário de energia, e de um entusiasta dos biocombustíveis como secretário de
agricultura.
Transições como essa são geralmente permeadas por dúvidas e incertezas. Não se sabe, ainda, se o
avanço dos biocombustíveis contribuirá para a conservação da biodiversidade ou, ao contrário, acelerará sua
dilapidação. Em um “país das maravilhas”, poder público e setor produtivo empenhariam mais esforços
para conservar as áreas com rica diversidade biológica, nas quais se poderia, com regras muito bem
definidas, ampliar a bioprospecção de plantas com potencial para produção de combustíveis, mesmo que os
resultados dessas pesquisas só servissem para beneficiar gerações futuras.
Fora deste “país” esse desejável arranjo é quase uma ilusão. Nos biomas brasileiros certamente existem
espécies com potencial para suprir a indústria de biocombustíveis, mas não há evidências de que o avanço
desse setor esteja favorecendo a conservação das áreas naturais. Mas o mais preocupante é que quase toda a
produção de etanol e de biodiesel concentra-se no cultivo de duas espécies: a cana-de-açúcar e a soja,
respectivamente. É claro que esses sistemas monoculturais são muito mais aptos a atender a demanda em
larga escala da indústria dos biocombustíveis, por outro lado, são bastante conhecidos os seus impactos
ambientais, particularmente a erosão dos solos e a contaminação das águas. Além disso, são sistemas
altamente dependentes do petróleo como matriz energética. Ora, se a desejável geração de combustível
renovável continuar dependendo da queima de combustível fóssil como fica esse balanço?
Para se gerar biocombustíveis por processos mais limpos será necessário definir normas sociais e
ambientais de produção e estabelecer mecanismos para o cumprimento dessas regras. Algumas usinas de
etanol, atentas aos padrões estabelecidos pelo mercado internacional, já seguem esse caminho. E, se
quisermos que a produção de biocombustíveis contribua para a geração de postos de trabalho e para o
desenvolvimento rural, será preciso implantar políticas públicas que possibilitem a participação da
agricultura familiar. Por enquanto, esse é um mercado restrito à agricultura patronal.50
Outra questão decisiva que relaciona o crescimento dos biocombustíveis à conservação da
biodiversidade é a crescente pressão sobre os remanescentes florestais e demais áreas naturais, como é o
caso da soja que não para de avançar sobre a Amazônia. O problema é que qualquer suposição sobre os
desdobramentos desse embate esbarra em outra questão igualmente complexa, que vem atraindo a atenção
de pesquisadores e da mídia em geral: será que a ocupação das terras com lavouras para suprir a crescente
indústria dos biocombustíveis reduzirá as áreas disponíveis para o plantio de alimentos?
Com uma população mundial que só deve parar de crescer quando atingir aproximadamente 9 bilhões de
habitantes, em 2050 ou mais, a segurança alimentar continua sendo um dos mais importantes desafios
sociais a ser enfrentado. No começo de 2008, Jean Ziegler, representante da FAO, chegou a declarar que a
expansão das lavouras para a produção de biodiesel é um “crime contra a humanidade”, pois, além de
ocupar as terras, eleva os preços dos alimentos dificultando o acesso das populações mais pobres. O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva rebateu prontamente as críticas ao etanol brasileiro afirmando que o
verdadeiro crime contra a humanidade é descartar o uso dos biocombustíveis.
Pela “lei do mercado”, o aumento da demanda por soja, milho e outros grãos utilizados para a produção
de biocombustíveis tende a elevar os preços dessas commodities, com reflexos diretos nos custos da
produção animal. Mas a indústria de biocombustíveis não pode ser considerada a única responsável pela
elevação dos preços dos alimentos nos últimos anos. Pelo menos foi esta a conclusão a que chegou um
estudo elaborado pela Fundação Getulio Vargas, segundo o qual a recente elevação dos preços decorre de
uma confluência de fatores, tais como: o aumento de demanda, os baixos estoques internacionais e a
especulação nos mercados futuros de commodities.51 O aumento da demanda se explica pelo crescimento
demográfico e pela recente elevação do poder aquisitivo em países como a Índia e a China. Também não se
pode ignorar que a alta do petróleo eleva os custos dos fertilizantes, dos combustíveis usados no maquinário
agrícola e no transporte, tendo efeito direto sobre os preços dos alimentos.
Estima-se que, em 2007, 4,5% da safra mundial de grãos foi transformada em etanol. Nos EUA o
combustível é produzido à base de milho e nos países europeus as principais plantas utilizadas são o trigo e
o sorgo. Além de mais caras, a produtividade dessas culturas é bem inferior à da cana-de-açúcar utilizada na
produção do etanol brasileiro. Talvez seja por isso que nesses países as críticas são bem mais severas. O
balanço energético do etanol brasileiro é 4,5 vezes melhor do que o etanol de açúcar de beterraba ou trigo,
e quase 7 vezes melhor do que o etanol de milho, afirma Eduardo Leão de Souza, diretor da União da
Indústria da Cana-de-Açúcar.52 No Brasil, o etanol abastece 50% do consumo de combustíveis para
automóveis, ocupando 1% das terras aráveis. Uma alternativa que pode até duplicar a produção sem ocupar
mais terras é a obtenção do etanol a partir da celulose da palha da cana-de-açúcar ou de outras gramíneas. O
que falta é conhecimento científico e tecnológico e, nesse ponto, os EUA já estão bem à frente.53
Se a produção brasileira de etanol já tem índices mais satisfatórios de rendimento, o mesmo não se pode
afirmar sobre a produção de biodiesel. A soja é a única oleaginosa que consegue abastecer essa indústria
sendo responsável por 80% da produção. Cerca de 7% da safra anual é destinada às usinas de
biocombustíveis, o que corresponde a aproximadamente 1,5 milhão de hectares plantados. O girassol, a
mamona, a palma, a canola, o pinhão manso, o dendê ou o amendoim têm teores de óleo bem mais elevados
do que a soja e seu emprego em maior escala permitiria melhorar o rendimento das terras ocupadas para
produção de biodiesel.54 Além disso, o cultivo dessas oleaginosas é muito mais compatível com a produção
familiar, abrindo um amplo mercado para esses agricultores.
Os defensores dos biocombustíveis também argumentam que as terras usadas para a produção de etanol
e de biodiesel são ínfimas se comparadas às áreas ocupadas pelos cultivos destinados à alimentação animal.
De fato, para se obter uma tonelada de carne são necessárias 10 toneladas de grãos, como a soja, o milho
etc. Então, uma mudança para hábitos alimentares mais saudáveis, com menor ingestão de proteína animal,
já provocaria uma enorme transformação no uso das terras. Mas ainda estamos longe do dia em que a
consciência ambiental possa gerar mudanças significativas nos hábitos alimentares. Quando esse dia chegar,
andar em um automóvel para quatro ou cinco passageiros será considerado um hábito do passado.
No Brasil, ao contrário dos EUA, há terra suficiente para se produzir cana-de-açúcar e as oleaginosas
usadas na produção de biodiesel, sem competir com as áreas destinadas à produção de alimentos, foi o que
concluiu Dora Isabel Hernández em uma dissertação de mestrado recentemente defendida na UNB.55 Mas a
disputa pelas terras cultiváveis não se limita aos biocombustíveis, aos alimentos e aos cultivos destinados à
nutrição animal, pois as áreas destinadas à conservação ambiental também devem entrar nessa equação. De
acordo com Eduardo Evaristo de Miranda, se somarmos todas as áreas protegidas pela legislação ambiental,
apenas 7% da Amazônia e 33% do país estão disponíveis para a ocupação habitacional, industrial e
agrícola.56 Isso equivale a 2.841.000 km2, mas só a pecuária já ocupa quase toda essa área. Se a legislação
ambiental for integralmente cumprida, a disputa pelo uso da terra será bem mais acirrada. Se continuar
sendo desrespeitada, ou se for alterada, como querem os ruralistas que defendem o afrouxamento do Código
Florestal, haverá mais área para a agricultura, mas aí não sabemos até que ponto os serviços ambientais
prestados pelas florestas serão comprometidos. Haverá água para tanta agricultura?
Por enquanto, o acúmulo científico é insipiente e não é nada fácil prever os impactos dos
biocombustíveis sobre a biodiversidade ou sobre a dinâmica de ocupação das terras. O certo é que para
atender a demanda mundial de alimentos, fibras, biocombustíveis e, ao mesmo tempo, respeitar a legislação
ambiental será imprescindível aumentar a produtividade nas áreas já ocupadas. Mas para isso não podemos
correr o risco de iniciar uma nova “Revolução Verde”, cujos impactos ambientais podem ser devastadores.
Será necessário gerar muito mais conhecimento científico e tecnológico que permita aliar produtividade e
durabilidade dos sistemas produtivos. Também será necessário refletir sobre os aspectos estratégicos
relacionados à produção dos biocombustíveis. Se, em algumas décadas, a água se tornar um recurso ainda
mais escasso, será que ainda valerá a pena exportar esses combustíveis, cujo processo produtivo requer
enormes quantidades de água?
13.8 Empreendedorismo e biodiversidade
É imenso o leque de amenidades disponíveis nos espaços rurais. Podem variar tanto de fragmentos de
natureza intocada a paisagens minuciosamente manejadas, quanto das mais antigas relíquias históricas às
mais vivas tradições culturais. Também são imensas as possibilidades de diversificação dos sistemas
produtivos agrícolas. O aumento da demanda pelas amenidades do meio rural e por produtos mais “limpos”
— livres de resíduos de agroquímicos — acompanha a evolução do tempo livre e da renda e dos habitantes
urbanos, gerando novos negócios e empregos.
A “saída”, portanto, seria estimular um tipo de empreendedorismo capaz de gerar empregos e,
simultaneamente, conservar a biodiversidade. Os empreendedores são os principais agentes da mudança
econômica, pois são eles que geram, disseminam e aplicam as inovações. Ao procurarem identificar as
potenciais oportunidades de negócios e assumirem os riscos de suas apostas, eles expandem as fronteiras da
atividade econômica. Mesmo que muitos não tenham sucesso, é sua existência que faz com que uma
sociedade tenha constante geração de novos produtos e serviços.57
Infelizmente, não se sabe muito bem quais são os determinantes do “empreendedorismo”, apesar de sua
crucial influência sobre o crescimento econômico. Sequer existe acordo sobre os indicadores que melhor
revelariam os graus relativos em que o fenômeno se manifesta, apesar de existir tanta convicção de que ele
é a essência do dinamismo econômico e a certeza de que sua promoção é uma ótima maneira de expandir o
emprego. Obviamente são maiores as possibilidades de surgirem novas empresas em regiões rurais que já
são (ou já foram) prósperas e nas que atraem “refugiados” das aglomerações urbanas, do que em zonas
rurais que sempre estiveram entre as mais periféricas ou que há muito tempo deixaram de ser dinâmicas.
Muitas das dificuldades para qualquer esforço de dinamização econômica decorrem da baixa densidade
demográfica que está no cerne da própria definição da ruralidade: distância dos centros de decisão e das
redes de informação; falta de redes de transporte e de telecomunicações; raras oportunidades de valorização
dos recursos humanos; dificuldade de estreitar relações que geram parcerias.58
Questões cruciais como a dos efeitos da educação sobre a dinâmica empreendedora continuam sem
respostas convincentes, embora se saiba que os sistemas educacionais foram concebidos para formar bons
assalariados, em vez de preparar os jovens para a perspectiva do autoemprego. E tudo indica que o
conhecimento científico sobre o assunto só avançará quando for possível realizar uma avaliação sistemática
e comparativa das recentes políticas públicas de estímulo à criação de pequenas e médias empresas.
Principalmente dos programas mais inteligentes, que amadureceram nos âmbitos local e regional para
melhor aproveitar os trunfos territoriais na formação de ambientes inovadores. Afinal, o empreendedorismo
nunca ocorre de forma homogênea entre as regiões de uma mesma nação. E é bem provável que tais
divergências espaciais da criatividade empreendedora correspondam ao fenômeno de “clustering”
(formação de “feixes” ou “cachos”).59
Segundo uma das definições mais aceitas, “cluster” é uma concentração geograficamente delimitada de
negócios independentes que se comunicam, dialogam e transacionam para partilhar coletivamente tanto
oportunidades quanto ameaças, gerando novos conhecimentos, concorrência inovadora, chances de
cooperação, adequada infraestrutura, além de frequentemente também atraírem os correspondentes serviços
especializados e outros negócios correlacionados. Alguns estudos revelam que a confluência de muitas
firmas para um determinado ponto pode corresponder muito mais a certas características específicas do
local — como prestígio e amenidades — do que à necessidade de contatos com outras firmas que
supostamente fariam parte de um desses feixes ou cachos. Outros enfatizam que a verdadeira base do
clustering é o conhecimento, o que não significa necessariamente “alta tecnologia”.60 Mas a maioria dos que
abordaram a relação existente entre a formação desses feixes e o “empreendedorismo” acabam quase
sempre enfatizando os fatores culturais que às vezes são compactados na sedutora noção de “capital social”:
um complexo de instituições, costumes e relações de confiança que estimulam três dobradinhas
fundamentais: a da concorrência com a cooperação, a do conflito com a participação e a do conhecimento
local e prático com o conhecimento científico.61
As políticas governamentais voltadas à promoção do empreendedorismo mal começam a incorporar
essas dimensões territoriais, institucionais e culturais. Até há pouco, tais políticas voltavam-se quase que
exclusivamente ao fomento de alta tecnologia e de grandes indústrias capazes de “polarizar” as economias
regionais e/ou nacionais. Foi somente a partir de meados da década de 1980 que o papel das chamadas
“PMEs” começou a ser (re)valorizado, principalmente por sua superior capacidade de gerar empregos. Mas
essa mudança de atitude ainda não gerou resultados persuasivos sobre a melhor maneira de se promover
esse empreendedorismo mais “difuso”, que possa atingir todos os ramos econômicos e todos os tipos de
regiões. Muito menos sobre as maneiras de se promover um “empreendedorismo verde”, baseado na
conservação e recuperação da biodiversidade. Entretanto, recentes avanços no entendimento de suas
dimensões rurais permitem pensar que a conservação da biodiversidade pode ser um fator estratégico para a
criação, consolidação e crescimento de novas empresas.
Além de mudanças culturais e institucionais, é obvio que o incentivo a um empreendedorismo
compatível com a conservação da biodiversidade também requer investimentos governamentais. A fonte
destes recursos pode ser a taxação das atividades que mais degradam a biodiversidade. Esses recursos
poderão viabilizar investimentos que, se forem bem escolhidos, poderão estimular simultaneamente a
conservação da biodiversidade e a criação de empresas e empregos. E, se isso acontecer, tais investimentos
ajudarão a abrir um dos caminhos para o tão falado desenvolvimento sustentável.
13.9 Conclusão
A promoção da diversidade biológica tende a ser um fator crucial na dinamização das regiões rurais.
Particularmente daquelas onde o crescimento econômico não chegou a destruir as fontes de amenidades.
Nestas é perfeitamente possível incentivar simultaneamente a conservação da biodiversidade e a criação de
empresas e empregos. A experiência internacional nesses dois domínios confirma que as restrições
ambientais podem alavancar o crescimento econômico em vez de prejudicá-lo.
O que é muito menos evidente é a linha estratégica e as formas de ação que deveriam ser adotadas para
que essa sinergia entre biodiversidade e empreendedorismo seja mais intensamente promovida. Os
argumentos apresentados neste texto parecem indicar a necessidade de profundas mudanças na visão que
prevalece entre as principais organizações nacionais e internacionais voltadas à conservação da
biodiversidade. Em vez de insistir na necessidade de aplicar recursos fiscais tradicionais (acrescidos de
receitas obtidas com a bioprospecção) na manutenção e expansão das unidades de conservação, é necessário
taxar e investir. Taxar as atividades que contribuem para a erosão da biodiversidade e investir os recursos
assim arrecadados na promoção de um empreendedorismo dirigido ao melhor aproveitamento das
amenidades rurais e à diversificação dos sistemas produtivos.
As formas de ação que correspondem a essa mudança de linha estratégica dependerão de muitas
variáveis políticas que, neste momento, só poderiam ser abordadas de forma impressionista e especulativa.
Mas duas coisas parecem claras quando se considera o caso brasileiro: a) a necessidade de que uma reforma
tributária venha a contemplar ecotaxas não apenas no domínio energético (e nas formas de poluição a ele
associadas), mas também no combate à erosão da biodiversidade; b) a necessidade de que o “segundo
dividendo” dessas ecotaxas seja utilizado em novos programas de fomento do empreendedorismo,
principalmente em regiões rurais onde as amenidades poderão favorecer uma simbiose entre conservação da
biodiversidade e dinamização econômica.
Por enquanto, a sociedade brasileira não parece propensa a aceitar ecotaxas ou se dotar das instituições
necessárias à promoção de um empreendedorismo rural que permita aproveitar as inúmeras vantagens da
conservação da biodiversidade. Mas, para que essas coisas possam um dia acontecer, é absolutamente
necessário que se comece a superar a insipiência do pensamento estratégico sobre o desenvolvimento
sustentável, seja na escolha de objetivos como na definição dos meios de atingi-los.
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3Wilson (2008:44).
4OCDE (1996-a:7).
*Dentre esses argumentos, talvez o mais perceptível seja o aproveitamento da biodiversidade para a alimentação humana. Ainda que a nossa dieta se concentre atualmente em aproximadamente 150
espécies — com forte predominância de quatro: trigo, arroz, milho e batata — no curso da história estima-se que humanidade tenha utilizado cerca de 7.000 espécies de plantas comestíveis. Não obstante,
existem aproximadamente 75.000 espécies que poderiam ser incluídas nos nossos cardápios, muitas delas com vantagens sobre as que usamos atualmente (Myers, 1984 apud: Wilson, 1997:19; Witt,
1985 apud: Plotkin, 1997: 139).
5Wilson (1997).
7Lewinsohn (2001:1).
9Lisboa (1997:69).
12Lisboa (1997:81).
13SMA (1997:16).
14Myers (1997:36).
18Norgaard (1988).
19Hazell (1989).
20Veiga (1999).
23WWF (1995).
24Castro (1997:49).
26North (1990:99).
27Bairoch (1997).
28Veiga (1999).
2Wilson (2008:42).
30Veiga (1999).
31Veiga (1999).
34Wilson (2008:23).
35Veiga (1999).
36OCDE (1999-a).
37OCDE (1999-a:100).
38Veiga (1999).
39Hermitte (1992 apud: Aubertin e Vivien, 1998); Pistorius e Wijk (1993 apud: Aubetin e Vivien, 1998).
41Hermitte (1992 apud: Aubertin e Vivien, 1998); Pistorius e Wijk (1993 apud: Aubertin e Vivien, 1998).
42Veiga (1999).
43Norgaard (1997:263).
44Paschoal (1979).
45Romeiro (1992).
49Veiga (2008).
50Bravo (2007).
51FGV (2008).
52Souza (2008).
55Hernández (2008).
56Miranda (2008).
57Veiga (1999).
58Veiga (1999).
59Veiga (1999).
60OCDE (1999-b).
61OCDE (1998).
Capítulo 14
Peter H. May,
Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade — DDAS/UFRRJ
14.1 Introdução
Este capítulo* discute a construção institucional dos chamados “mercados de serviços ambientais” com
enfoque principal em experiências em curso no Brasil. O movimento de criação e construção desses
mercados representa um dos avanços mais inovadores nas políticas ambientais nos anos recentes,
particularmente no que diz respeito à compensação de esforços de conservação de recursos naturais.
Ao longo do capítulo, é realizado um mapeamento desses mercados, seu estágio de desenvolvimento, as
principais barreiras encontradas para seu estabelecimento e os seus potenciais benefícios para o
desenvolvimento sustentável no Brasil. Esse mapeamento é realizado sem perder de vista as limitações
implícitas na tentativa de criação de mercados ou mecanismos compensatórios onde estes inexistem. Há um
foco mais específico nas três grandes questões ambientais que preocupam a humanidade na virada do
milênio e seus mercados correspondentes. A primeira delas, considerada global por excelência, diz respeito
às mudanças climáticas; a segunda, considerada de caráter mais regional, refere-se à quantidade e qualidade
de água; e a terceira, também considerada de importância global, mas com implicações e respostas regionais
e locais, a perda de biodiversidade.
No primeiro caso, serão abordados os temas da construção do mercado de carbono a partir do Protocolo
de Quioto e do crescente boom do mercado voluntário do carbono, por conta da percepção crescente do
problema do aquecimento global. Serão também abordados os primeiros projetos em curso no país com o
objetivo de geração de créditos de carbono, sob a ótica de ocupação e uso do solo, com um foco específico
nos benefícios reais e potenciais para o desenvolvimento sustentável local.
No segundo caso, o mercado criado com base em demanda pela qualidade e quantidade de água, a
discussão envolverá a relação entre floresta e água e como isso pode virar um elemento de remuneração
para os produtores rurais que protegem os mananciais. Essa seção se remete à experiência internacional de
cobrança pelo uso dos recursos hídricos discutido em Ramos (neste livro). Neste capítulo, focamos na
crescente discussão interna sobre o tema, com ênfase na gestão das bacias hidrográficas e a cobrança pelo
uso das águas, determinada na Lei no 9.433/1997, cujo fundamento econômico é apresentado em Cánepa
(neste volume). Serão apresentadas aqui as primeiras iniciativas concretas em relação ao estabelecimento
desse mercado no país, focado no binômio floresta-água.
Em relação aos mercados relacionados à biodiversidade, o trabalho aborda resumidamente alguns dos
principais mecanismos econômicos que vêm sendo utilizados para a remuneração da biodiversidade no
âmbito internacional. No cenário nacional, a experiência do ICMS Ecológico continua sendo uma referência
global da eficácia de transferências fiscais intergovernamentais visando reforçar a ação local de
conservação da natureza.1 A seguir, soma-se à potencialmente enorme possibilidade de remuneração à
floresta em pé, trazida pelo mercado da servidão florestal, em estágio inicial de desenvolvimento em alguns
estados no país. Evidentemente, essa perspectiva também gera benefícios no sentido de redução de
emissões do desmatamento,2 de crescente interesse nos acordos de clima global.
Em suma, este capítulo mostra como instrumentos de mercado podem ser adaptados à realidade
encontrada em determinado contexto, para complementar outros mecanismos visando limitar o
comportamento humano em prol da qualidade ambiental. Os pagamentos para serviços ambientais podem
exercer esse papel, indo além da evidência de importância da proteção dos ecossistemas naturais, expressa
por meio da valoração econômica do meio ambiente.
14.2 Fundamentação teórica
Apesar da ênfase maior nas medidas de mitigação às fontes energéticas e transportes, não se pode perder
de vista o papel crucial que o uso do solo joga neste quadro, particularmente no Brasil e outros países de
vocação florestal. Emissões provocadas pelo desmatamento, principalmente nos trópicos, representam em
torno de 18% das emissões totais, uma fatia maior do que o setor de transporte global.18 Dessa fatia, quase
metade ocorreu unicamente na Amazônia brasileira entre 2000 e 2005.19 Ações para preservar as áreas
remanescentes de florestas tropicais são particularmente importantes para uma política de atenuação das
mudanças climáticas. Análises econômicas sobre a reversão do desmatamento, baseada na compensação
(total ou parcialmente) dos custos de oportunidade dos usos alternativos das áreas ocupadas por florestas,
sugerem que redução de desmatamento poderia ser alcançado por meio dos mercados de carbono, por um
custo relativamente baixo.20
Mesmo assim, deve ser lembrado que o PK somente permitiu atividades associadas com florestas e
mudança no uso do solo que implicassem reflorestamento ou aflorestamento onde não havia floresta antes.
Devido ao custo relativamente alto e riscos associados à manutenção de florestas plantadas, além de outras
preocupações, o apoio do mercado regulado de carbono (via PK, em cumprimento com metas de redução de
emissões oficiais) para essa modalidade de mitigação foi irrisório até esta edição.
Para além dos mercados regulados, os mercados voluntários de carbono assumiram um papel
importante, movidos pela crescente percepção de organizações, empresas e indivíduos de todo o mundo de
que é preciso participar de alguma forma no esforço de mitigação das mudanças climáticas, seja por
convicção, por pressões de mercado ou pela busca da imagem socioambientalmente correta junto ao seu
público consumidor (veja mais detalhes sobre o fenômeno de responsabilidade socioambiental corporativa
em Vinha, neste volume). Por qualquer uma destas e outras razões apontadas, o mercado voluntário cresce a
uma velocidade superior ao mercado de carbono como um todo, tendo registrado no ano de 2007 um
volume de negócios de US$331 milhões e triplicado o valor desde o ano anterior.21 Esses mercados, de
maior flexibilidade e de maior proximidade do público em geral, também apresentam menores custos de
transação e são mais receptivos aos projetos de caráter florestal (36% do volume de CO2 comercializado
neste mercado foi destinado para projetos florestais em 2006, enquanto nos mercados formais esse volume
foi irrisório). Todavia, exatamente graças ao seu crescimento e a sua grande variedade, seus compradores
cada vez mais demandam certificados que garantam padrões e critérios de qualidade, que possam assegurar
não somente os reais efeitos em termos de reduções de emissões ou geração de offsets, mas também os
cobenefícios sociais e/ou ambientais propalados pelos projetos.
14.4 Água
Nada pode ser mais palpável ao desenvolvimento humano do que a necessidade de água tanto para “matar”
a sede humana quanto para uso na cozinha, higiene pessoal, e até o consumo animal, abastecimento
industrial e irrigação. A crescente redução da qualidade e da quantidade de água para servir estas
necessidades básicas das populações humanas representa um caso sintomático das limitações do capital
natural crítico para o desenvolvimento.
Frequentemente, se associa limitações nos recursos hídricos às deficiências no uso do solo e de florestas.
A perspectiva de vincular estes aspectos à disponibilidade de serviços de água depende da gestão de
recursos hídricos nas unidades geográficas apropriadas, onde se alojam as redes de drenagem. Neste
sentido, o caso da construção de mercados ambientais ligados à água difere dos mercados de carbono,
porque, neste primeiro, a elaboração dos esquemas de pagamentos não demanda a construção de arranjos
institucionais internacionais, devendo ser realizado com atores na escala de uma bacia hidrográfica.
Quadro 14.2
PSA em microbacias hidrográficas piloto no Brasil
Os primeiros casos brasileiros de PSA estão fortemente baseados no conceito do “Produtor de Água”,
desenvolvido pela Agência Nacional de Águas.27 Os recursos destinados aos pagamentos dos
produtores rurais se originam da cobrança dos recursos hídricos, fazendo a ligação direta entre os
provedores dos serviços e os usuários; ou ainda de orçamentos municipais e/ou estaduais.
No caso da Bacia PCJ, o processo de restauração florestal das Áreas de Preservação Permanente
(APPs) do Sistema Cantareira, o maior sistema de abastecimento urbano do país, serviu de foco
geográfico, por meio de projetos piloto em microbacias nos estados de São Paulo e Minas Gerais. As
principais atividades referentes à construção da proposta foram: a definição dos valores e das práticas
agrícolas e florestais que seriam elegíveis para serem pagas a título de serviços providos, a definição
das formas de contratação dos serviços e a garantia do amparo jurídico das operações a serem
realizadas com os recursos da cobrança. Os pagamentos foram definidos em uma faixa que vai de
R$25,00 a R$75,00/ha/ano por um período de três anos por práticas de conservação de solo e de
R$42,00 a R$125,00/ha/ano, também por período de três anos, por práticas de conservação e
restauração florestal. A variação dentro das faixas reflete diferentes graus de engajamento dos
produtores rurais às ações de restauração e conservação florestal propostas pelo projeto. Os serviços
serão contratados via edital público, ganhando aquelas propriedades que gerarem maiores benefícios
ambientais, de acordo com critérios técnicos definidos no edital. Os recursos para iniciar o processo-
piloto foram oriundos do Comitê PCJ, que designou R$550 mil da Cobrança Federal pelo uso da
água para os primeiros pilotos como contrapartida aos recursos assegurados pelas instituições
parceiras (a Agência Nacional de Águas-ANA, as Secretarias de Meio Ambiente e de Agricultura do
estado de São Paulo e a ONG ambiental The Nature Conservancy-TNC).
Na mesma bacia PCJ, o projeto piloto em microbacia do município de Extrema-MG representa
situação distinta. Neste caso, a iniciativa pioneira da Prefeitura Municipal de promulgar uma Lei
Municipal de Serviços Ambientais permitiu que a mesma apoiasse financeiramente os produtores
rurais que cumprirem com metas determinadas de controle de erosão, saneamento rural e
restabelecimento das Reservas Legais e Áreas de Proteção Permanente-APP. No caso de Extrema, os
parceiros institucionais, além da Prefeitura, são a ANA, TNC e o Instituto Estadual de Florestas de
Minas Gerais (IEF-MG), além da mesma também receber apoio do Comitê PCJ para ações de
implementação do projeto. Os produtores rurais habilitados a fazer parte do esquema de PSA
recebem anualmente 100 Unidades Fiscais do município por hectare de área total da propriedade por
um período de quatro anos. O valor da UF municipal em 2009 estava em R$1,69, fazendo com que o
pagamento constituísse um valor superior ao custo de oportunidade para a atividade econômica
predominante, a pecuária de leite, mas significativamente menor que a outra atividade que vem
crescendo de forma expressiva na região: a conversão para usos residenciais (loteamentos rurais). Os
pagamentos aos produtores rurais de Extrema já vêm sendo realizados desde abril de 2007, apenas
em uma microbacia piloto. Como resultado, aponta-se uma adesão significativa de produtores rurais.
Este projeto tem servido até o momento desta edição como principal referência de iniciativas
municipais de PSA no Brasil, servindo como inspiração às outras iniciativas já em desenvolvimento.
27
ANA (2003).
14.5 Biodiversidade
A destruição de hábitats e a degradação e fragmentação associadas ao desmatamento são consideradas as
principais ameaças à extinção de espécies terrestres. O Brasil, país cuja megadiversidade ocupa local de
destaque, é também um dos países com as maiores perdas, em consequência do processo de ocupação do
solo, assim como Austrália, China, Indonésia e México.
A estabilidade, a funcionalidade e a sustentabilidade dos ecossistemas dependem em grande medida da
sua biodiversidade. E não somente os produtos e serviços diretamente derivados da biodiversidade per se
ficam ameaçados com sua redução, mas também os outros bens e serviços ambientais de importância para o
bem-estar humano.28
No estabelecimento de mercados para serviços ambientais associados à biodiversidade, uma questão de
difícil equacionamento tem sido o estabelecimento de uma unidade da mensuração do serviço a ser
comercializado: neste caso, a própria vida e sua diversidade natural. Não é uma tarefa fácil, pois os
organismos são por natureza heterogêneos e dispersos, diferente do carbono ou “CO2-equivalente”, usado
para medir os benefícios de redução de emissões de GEE. Há uma busca por surrogates (indicadores
substitutos). A mais comum é a medida de área conservada em locais associados com alta biodiversidade.
Instrumentos econômicos para a conservação da biodiversidade vêm surgindo, devido às limitações de
outras medidas adotadas e à precariedade das áreas protegidas. Uma destas se deve à incapacidade das
instituições públicas de assegurar os recursos necessários para a sua proteção adequada, considerando a
existência de bens públicos associados à sua provisão. Embora o sistema global de áreas protegidas tenha
crescido bastante, há o agravante de que alguns parques e reservas, quando criados em países em
desenvolvimento, não sejam implementadas a contento, virando “parques de papel”. Além disso, há
crescente evidência científica de que a biodiversidade não pode ser conservada unicamente por meio da
criação de tais áreas, mesmo se forem integralmente protegidas. É preciso ir “além das fronteiras” de tais
áreas e desenvolver ações que permitam a conservação da biodiversidade em uma escala de paisagem e com
uma forte integração com as práticas daqueles que ocupam o solo. Para que isto aconteça, é necessário que
os ecossistemas naturais e sua biodiversidade incorporada passem a fazer parte dos valores incorporados na
terra e seu uso para fins produtivos, para transmitir aos tomadores de decisão sobre o uso do solo o valor
dado pela sociedade à biodiversidade.
Os instrumentos econômicos para a conservação da biodiversidade ainda incluem a aquisição de áreas
prioritárias para a conservação, hoje uma solução em franco declínio devido ao alto custo que este implica.
Outros mecanismos são associados à compra de direitos de acesso, relacionados à bioprospecção, assim
como para caça, pesca e ecoturismo. Nesta categoria cabem instrumentos de compensação desenhados de
acordo com a proteção aos recursos naturais realizada pelo proprietário, como no caso dos conservation
easements (servidão), leases (aluguel) ou concessions (concessão). Mais recentemente, novos instrumentos
têm evoluído envolvendo pagamentos realizados em resposta à performance de conservação em respeito aos
componentes específicos de biodiversidade desejados, tais como proteção de uma ou mais espécies-alvo (p.
ex., o mico-leão dourado) ou hábitats como áreas úmidas em propriedades particulares. Há ainda a criação
de mercados por meio de sistemas cap and trade, nos quais a demanda pela biodiversidade é artificialmente
criada através da regulação de atividades do setor produtivo, tanto agrícola quanto urbano ou de
infraestrutura. Nesta categoria se incluem os wetland mitigation banks (bancos de mitigação de áreas
úmidas) e os tradable development rights (permuta de direitos de uso), além dos créditos voluntários de
biodiversidade (biodiversity offsets). Por fim, abriga-se nesta categorização a certificação de produtos pelo
benefício que suas práticas produtivas garantem à conservação da biodiversidade, reconhecida no mercado
na forma de um prêmio comercial, ou acesso preferencial a mercados diferenciais.
Das opções para instrumentos econômicos em desenvolvimento no país, uma diz respeito ao retorno aos
proprietários de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), de parte dos recursos do ICMS-
Ecológico que suas propriedades arrecadam aos municípios onde estão localizados. Uma segunda
possibilidade envolve o desenvolvimento do mercado de servidão florestal; as duas surgem a partir de
experiências em andamento no estado do Paraná.
O ICMS-Ecológico atua como mecanismo de compensação fiscal aos municípios que abrigam Unidades
de Conservação em seus territórios, tendo sido adotado em 11 estados no país. A fórmula de alocação dos
recursos onde tem sido adotado é ajustada para refletir a proporção da área total dos municípios que fica
dentro de tais unidades. Estes recursos têm sido, em alguns casos, utilizados pelas prefeituras para
atividades de gestão ambiental no município, embora os recursos não sejam assim carimbados, podendo ser
aplicados em despesas gerais. No caso dos produtores rurais que abrigam RPPNs em suas propriedades, as
quais também constituem Unidades de Conservação, alguns proprietários, escorados pela legislação de
RPPNs do estado do Paraná, iniciaram processos de negociação, com o apoio da Associação de RPPNs do
estado, do Instituto Ambiental do Paraná-IAP e do Tribunal de Contas, para receberem uma parcela dos
recursos que geram para os seus municípios. Este processo teve início no ano de 2003 e, desde então, um
número ainda pequeno de proprietários vem recebendo estes repasses das prefeituras para o financiamento
de despesas de gestão e manutenção de suas áreas. Em 2005, sete RPPNs, totalizando 3.158 hectares,
receberam aproximadamente R$210 mil, por meio de repasses municipais desta fonte.29 Se espera que as
experiências positivas destes proprietários incentivem outros a dedicar parte da sua área à conservação da
biodiversidade.
O mercado da servidão florestal nasce a partir do Código Florestal que cria a figura da Reserva Legal,
estabelecendo um teto (cap) mínimo a ser conservado em todas as propriedades rurais do Brasil. A
regulamentação da Reserva Legal permite a sua compensação extrapropriedade (trade), de maneira
semelhante ao mercado de carbono, com seus mecanismos de flexibilização. Do ponto de vista do produtor
rural que possui um passivo ambiental em relação à observação da Reserva Legal (abaixo do teto), a lei
permite que este produtor adquira os direitos de servidão florestal, de forma a atingir sua meta, ao menor
custo possível e sem precisar encarar os custos de perda de renda da sua atividade atual e os custos de
reconversão de sua área agrícola para um ecossistema florestal novamente. Do ponto de vista do produtor
rural que manteve sua propriedade rural com excedente florestal, o mercado de servidão florestal permite
que ele tenha uma nova fonte de renda. Este tipo de troca pode valer tanto para aqueles que são
superavitários em área de Reserva Legal devido à manutenção de florestas intactas ou ainda para aqueles
que decidirem restaurar parte ou toda a sua propriedade.
14.6 Síntese e conclusões
Baseados nos casos analisados para este trabalho, chega-se a algumas conclusões relacionadas aos passos
fundamentais na construção de novos mercados para bens e serviços ambientais. Para iniciar, podemos
inferir que à exceção dos mercados voluntários de carbono, que se apoiam em standards e diferentes
processos de certificação igualmente voluntários, nos demais casos há amparo legal subjacente aos
esquemas de pagamentos propostos. Também ficou claro que a construção do arcabouço legal e regulatório
não é absolutamente trivial. Esta construção envolve a discussão e elaboração de novas leis e regulamentos;
a operacionalização da regulamentação nos órgãos ambientais ou instituições pertinentes; a criação, muitas
vezes, de novas instituições para operá-las; e a capacitação de agentes públicos e privados para fazê-las
funcionar.
Chama a atenção o grande número de instituições participantes, tanto privadas quanto públicas, e da
variedade dos arranjos entre atores, fundamentais para que as experiências deslanchem e que os alicerces
institucionais dos esquemas PSA sejam construídos. Há diversos papéis a serem exercidos pelos agentes
privados, pelas instituições governamentais, pelas ONGs e pelos produtores rurais e seus representantes,
necessários para a expansão e consolidação dos mercados de serviços ambientais.
Em relação aos instrumentos econômicos utilizados verifica-se a aplicação prática de alguns conceitos
teóricos de formulação de mercados, como a criação de sistemas cap and trade, no caso do carbono e da
servidão florestal, e o uso de esquemas “poluidor-pagador” para viabilizar esquemas “provedor-recebedor”,
como no caso do “produtor de água”. Vimos também a combinação interessante de dois ou mais
instrumentos. Este ocorre, por exemplo, no caso da servidão florestal, onde ao cap and trade, se soma a
delimitação de uma área protegida pelo proprietário (easement), seja perpétuo ou temporário, perfazendo o
lado da oferta. E confirmamos o importante papel dos instrumentos de compensação fiscal (ICMS-
Ecológico), agora com desdobramentos para o proprietário privado, que recebe compensação para a criação
da RPPN, no caso do Paraná.
Em relação à demanda, reforça-se o caráter global do mercado de carbono, enquanto salienta-se o
mercado regional para a água. Apesar do caráter também global da biodiversidade, este mercado é gerado a
partir de demandas induzidas por legislações nacionais, estaduais e municipais. Há ainda importante papel
para mercados de serviços conjuntos (chamados de serviços bundled, ou enfeixados), quando se trata de
recursos florestais, que fornecem benefícios tanto para a retenção de estoques de carbono quanto para
provisão de serviços hídricos e proteção da biodiversidade. Neste sentido, o papel do mercado voluntário
para carbono vem sendo estimulado, com especial referência para projetos com claros cobenefícios sociais e
ambientais, muito além da mensuração das toneladas de carbono capturadas ou retidas.
No caso da água, chama a atenção a postura inovadora dos compradores de serviços ambientais, que
atuam às vezes de forma proativa, como no caso da Prefeitura Municipal de Extrema ou do Comitê PCJ,
exercendo um papel de “romper a inércia”, aprovando recursos para colocar em marcha esquemas PSA com
potencial para replicação em outras partes da mesma bacia. No caso da biodiversidade, salta aos olhos o que
um mercado de cap and trade bem aplicado pode fazer para a conservação da biodiversidade no país,
criando uma demanda antes não existente por áreas florestais. Esta demanda, se corretamente alocada em
áreas prioritárias para a conservação, pode fazer o papel de dezenas de unidades de conservação, ao mesmo
tempo que reduz os custos de adequação ambiental, com todos os benefícios de mercado, e outros que a
legalidade traz para o produtor rural ligado ao agronegócio.
No que diz respeito à oferta, a presença de altos custos de transação associados à elaboração de projetos
no mercado regulado internacional de carbono e à certificação dos mesmos, tornou-se uma barreira à
entrada de produtores rurais de qualquer escala. Mesmo no mercado voluntário, a participação de
instituições de apoio, como ONGs, é fundamental para que projetos de pequena escala ou compostos por
vários produtores rurais pequenos e médios tenham acesso aos compradores e aos standards de qualidade,
cada vez mais exigidos por estes mercados. Em relação à água, a principal motivação dos produtores a
participar dos esquemas de PSA tem sido a sua própria percepção da escassez de água, associada a
compensações que remunerem total ou parcialmente seus custos de oportunidade. Para alguns produtores, a
motivação também está baseada na redução dos custos de cumprimento da adequação ambiental, evidência
que um fator essencial no êxito de tais esquemas se deve ao casamento entre instrumentos de comando e
controle e incentivos econômicos. No caso da biodiversidade, a maior motivação surge da perspectiva de
gerar renda oriunda da manutenção de florestas nas propriedades privadas, que para produtores rurais não
tem sido economicamente atraente.
Para se retratar a evolução de mercados em formação, recorremos a uma avaliação das suas
características fundamentais, com respeito aos mecanismos de transferência de valores, nas unidades de
pagamento, e aos próprios valores pagos em relação à formação de preço num mercado tradicional. Com
respeito aos mecanismos de transferência, os contratos diretos entre compradores e vendedores ainda
constituem o mecanismo predominante, característica dos mercados ainda não maduros. No que diz respeito
às unidades de pagamento, ou às “moedas” negociadas, no caso do carbono, é a própria unidade do serviço
ambiental fornecida (toneladas de carbono ou equivalente cuja emissão é reduzida), ao passo que para a
água e para a biodiversidade são as unidades de área (p. ex., hectares de floresta protegida ou solos tratados
com práticas conservacionistas) que assumem o papel de proxy do serviço ambiental. Este indica que, no
caso da água, há uma necessidade de maiores estudos nas bacias de interesse, que vinculam as práticas de
uso do solo, da proteção de mananciais ou nascentes com os serviços ambientais pagos (volume ou
qualidade de água provida para os demandantes). Em relação aos valores pagos em cada caso analisado,
pode-se observar uma grande variação entre estes, decorrentes dos diferentes serviços e distintas formas de
contratação dos mesmos. Vale ressaltar que — ainda que de forma embrionária — já se observam os
primeiros sinais de preços em formação em todos os três principais mercados de serviços ambientais.
Ao longo do trabalho, foi possível identificar as principais barreiras se constituindo igualmente em
custos de transação, na implantação, desenvolvimento, expansão e consolidação de todos os esquemas
estudados. Há um grande caminho a percorrer para a consolidação destes mercados em uma escala
relevante. No caso do carbono, a aprovação apenas recente pelo Conselho do MDL das metodologias
exigidas para a elaboração e comprovação de adicionalidade dos projetos florestais e o seu alto custo de
desenvolvimento ainda representam barreiras de acesso aos mercados regulados. Nos mercados voluntários,
as principais barreiras a serem superadas serão as crescentes exigências dos padrões de certificação, pois
embora não regidos pela regulamentação de limitações de emissões de GEE, tentam se aproximar às
mesmas normas para gerar ativos de qualidade aceitáveis no mercado. No caso da água, o lento processo de
implantação dos instrumentos da gestão de recursos hídricos nos Comitês de Bacia limita a replicação do
modelo do produtor de água por meio dos Comitês para aqueles poucos que já fazem a gestão completa,
incluindo a cobrança pelo uso de água. Por outro lado, embora a replicação do PSA municipal seja
potencialmente muito grande, requer todavia o engajamento dos Poderes Legislativo e Executivo
municipais, o que nem sempre é trivial. Para a servidão florestal, há incerteza da manutenção das regras do
jogo em nível federal devido ao debate em curso sobre o Código Florestal. Além disso, a operacionalização
dos esquemas de compensação em cada estado requer a elaboração e verificação em campo de bases de
dados cadastrais, o que é dificultado ainda em determinados estados e regiões pela fragilidade dos títulos de
terra. No caso do ICMS-E, a ausência do instrumento em alguns estados e a não regulamentação da relação
da RPPN com o município, nas leis estaduais de RPPN, impossibilitam que o repasse parcial desta receita
seja adotado como instrumento em apoio à conservação particular.
Apesar das barreiras apontadas, vale pensar que da mesma forma que o país possui enormes vantagens
comparativas que o faz ser um dos maiores exportadores de produtos agrícolas do mundo, o Brasil também
ocupa um lugar ímpar na produção de serviços ambientais regionais e globais. Desta forma, com a crescente
conscientização global sobre as questões ambientais, a consolidação destes mercados de serviços ambientais
pode significar para o país, e para seus produtores rurais, a mesma importância que hoje é dada aos
mercados agrícolas tradicionais.
*Capítulo baseado na tese de doutorado do primeiro autor (Veiga, 2008), sob a orientação do segundo.
1Ring (2008).
2Redd.
3MEA (2005).
*Essas autoras realizaram trabalho sobre desenvolvimento dos mercados de serviços ambientais analisando 287 esquemas PSA em todo o mundo.
7Daly (1992).
*A definição dos percentuais de Reserva Legal dos biomas no Código Florestal brasileiro e os percentuais de níveis de abatimento de Gases de Efeito Estufa para cada país no Protocolo de Quioto são
um bom exemplo desta afirmativa.
21Hamilton et al (2008).
23Aylward (2002).
*Vale mencionar que metade deste valor vem da compensação apenas do sistema Itaipu, que embora principalmente dedicada aos municípios mais próximos da usina, também compensa grande parte dos
municípios da bacia do Paraná.
**Lei no 8.995, de 22 de setembro de 2008, regulamentada pelo Decreto no 2168-R, de 9 de dezembro de 2008.
28MEA (2005).
FINANCIAL TIMES*
Não é por acaso que um jornal de economia tratava da questão da água em um artigo de página inteira.
O crescimento populacional, a expansão agrícola e a forte industrialização registrados no último século vêm
acarretando graves problemas de escassez e degradação dos recursos hídricos em todo o planeta. Diante da
possibilidade de uma crise na disponibilidade de água em várias partes do mundo faz-se necessária uma
mudança de comportamento no uso que hoje fazemos deste recurso natural. Entre essas mudanças, uma será
certamente tratá-la como um bem que tem valor econômico.
Para conferir valor econômico à água bruta, alguns países do mundo e também o Brasil têm adotado a
cobrança pelo uso da água bruta. Este é um dos instrumentos econômicos aplicados à gestão ambiental mais
disseminados mundialmente.
A cobrança pelo uso da água é um instrumento de gestão e um instrumento econômico a ser aplicado
tanto para os usos quantitativos quanto para os usos qualitativos dos recursos hídricos. Neste capítulo é
analisada a capacidade do instrumento da cobrança de atuar como instrumento econômico, modificando o
comportamento do usuário, e de conferir sustentabilidade financeira aos sistemas de gestão de recursos
hídricos.
15.2 Água, o problema global *
Tabela 15.2
Cobrança por poluição em alguns países europeus
1Valores deduzidos por Ramos (2002) com base em Buckland & Zabel (1998).
2Jantzen (1992).
3Nitrogênio Kjedal.
4Nitrogênio reduzido.
Tabela 15.3
Tarifas e cobrança pelo uso da água no Brasil — principais experiências
Taxa de câmbio: US$1 = R$2,50
1Bacias que iniciaram a cobrança em rios estaduais em 2007: Para ba do Sul e PCJ.
Tabela 15.4
Tarifas pelo fornecimento de água tratada e pela remoção/tratamento de esgotos
2Fonte para valores das tarifas: SNIS, 2000, referentes aos valores médios praticados pelas companhias estaduais, adotando-se taxa de câmbio de US$1 = R$2,50.
3Tarifa média praticada pelas companhias estaduais (SABESP, CEDAE e COPASA), idem 2.
Nos países europeus, a cobrança por captação varia entre US$0,01 a US$0,05/m3, podendo, no limite,
para fontes subterrâneas na Holanda e parte da Alemanha, atingir US$0,18/m3. Esses valores representam
entre 1% a 10% das tarifas de água praticadas naqueles países. No setor doméstico, as análises demonstram
que nos países mais ricos, o uso doméstico só se reduz substancialmente quando as tarifas de água e esgoto
saem do patamar de US$1 a 2/m3 para US$3 a 4/m3.10 Ou seja, supondo-se que, mesmo que a cobrança por
captação seja totalmente repassada para as tarifas, os aumentos introduzidos nestas, de até 10%, tendem a
não sensibilizar o consumidor doméstico.
Essa tendência se observa também na recente experiência de cobrança brasileira. Na bacia do Paraíba do
Sul, estimou-se que a cobrança pelo uso da água representaria um acréscimo aos consumidores domésticos
de cerca de R$18/família/ano (US$6/família/ano),* um aumento de apenas 2% a 3% da conta.
Para o setor industrial minoritário que se abastece na rede pública pode valer o mesmo raciocínio, já que
as tarifas variam entre US$0,3 a US$1,5/m3.11 Porém, a análise é mais difícil para a majoritária parcela do
setor que faz captação direta porque não se conhece o impacto da cobrança pelo uso da água nos custos de
produção. A Coreia é exceção à tendência internacional do setor industrial, de fazer captação nos rios e
lagos. Lá 85% do abastecimento industrial é feito pela rede pública, a qual oferece água com diversos
padrões de qualidade com tarifas entre US$0,15 a US$0,25/m3.12 Estes podem ser tomados como valores
indicativos de tarifas que tornam o abastecimento público mais atrativo que a captação direta. Para custos
de abastecimento desta magnitude, a cobrança por captação, entre US$0,01 a US$0,05/m3, já começa a
pesar sobre o comportamento, tendendo a levar esse tipo de usuário a tomar medidas de redução de uso.
Da mesma forma que a cobrança por captação, a cobrança por poluição por si só também não seria
suficiente para induzir níveis elevados de tratamento de efluentes. Analisando-se a cobrança por emissão de
carga orgânica, por exemplo, verifica-se que, para o setor industrial, os valores cobrados — entre US$0,5 a
US$1,3/kg de DQO — são baixos comparativamente aos custos de remoção — até US$2,8/kg para níveis
de remoção de até 80%, podendo alcançar US$4,7/kg para níveis de remoção até 95%. No setor doméstico,
os custos de remoção de carga orgânica ficam em torno de US$0,9/kg para níveis de remoção até 90%, sem
incluir os custos de coleta que são muito variáveis dificultando tentativas de comparação. Além disso, uma
análise desse tipo pode não fazer sentido para o setor doméstico. Como exposto anteriormente, a decisão
sobre poluir ou tratar não é tomada por quem paga a conta, o usuário final, mas sim pelo prestador do
serviço. Este pode optar por apenas repassar para as tarifas o valor da cobrança por poluição.
Para melhor avaliar o efeito da cobrança sobre o usuário doméstico individual e sobre os prestadores de
serviço é ilustrativo analisar o sistema francês. Neste país a cobrança atinge valores bastante elevados,
comparativamente aos demais países analisados. A Tabela 15.5 mostra os fatores de custos que compõem
uma fatura típica de serviços de água e esgoto urbanos na França. Os valores apresentados são baseados em
uma estimativa de tarifas médias de água e esgoto praticadas no país em 1990.13
Tabela 15.5
Cobrança pelo uso da água e tarifas de água e esgoto na França (1990) — Valores
médios1
Serviço US$/m3 Observações
1 – Abastecimento de água 1,01
1.1 – Cobrança pelo serviço (Concessionária) 0,93
1.2 – Cobrança por uso da água (Agência) 0,01 ≅ 1 % da tarifa de água
1.3 – FNDAE 0,02
1.4 – IVA 0,05
2 – Coleta e tratamento de esgotos 0,64
2.1 – Cobrança pelo serviço (Concessionária) 0,52
2.2 – Cobrança por poluição (Agência) 0,09 ≅ 14% da tarifa de esgoto
2
2.3 – FNDAE -
2.4 – IVA3 0,02
Tarifa total média 1,65
Cobrança total média 0,11 ≅ 6% da tarifa de água e esgoto
Notas:
1As tarifas apresentadas se referem ao ano de 1990, as tarifas atuais são maiores (US$3,11/m3 para água e esgoto referente ao ano de 1999), mas a incidência da cobrança
permanece a mesma em termos percentuais.
Observa-se que a cobrança por uso da água relativa à captação e consumo representava cerca de 1% da
tarifa média de abastecimento. Já a cobrança por poluição tem um maior impacto sobre as tarifas de esgoto,
representando cerca de 14% da tarifa média nacional. O impacto total da cobrança pelo uso da água na
tarifa paga pelo consumidor doméstico era de cerca de 6%, o que tende a não induzir mudanças fortes no
comportamento do usuário individual. Por outro lado, para estimular o tratamento de efluentes, o sistema
francês adota um sistema de prêmio por despoluição (prime). Por este sistema, o prestador do serviço
repassa para a tarifa a cobrança por poluição relativa à carga poluente bruta produzida por cada habitante,
mas as agências de água devolvem a ele a parcela da cobrança relativa à carga poluente removida. Os
prestadores não precisam necessariamente repassar o “desconto” para as tarifas de esgotos.
Quanto à aceitabilidade política, apesar de a cobrança ser bem aceita e compreendida em muitos setores,
existem ainda alguns importantes focos de resistência. A resistência dos industriais deriva do temor à perda
de competitividade nos mercados internacionais e estes pedem que seja feita uma harmonização
internacional na aplicação destes instrumentos.* Na Europa, os usuários agrícolas, que são fortemente
subsidiados,** oferecem forte resistência à implantação da cobrança pelo uso da água.
Em todas as experiências de aplicação de cobrança, o setor agrícola ou não participa ou tem sido o
último setor a ser incorporado. Durante as negociações sobre o valor da cobrança, em sua fase inicial (2003
a 2006) para o setor agrícola na bacia do Paraíba do Sul, os representantes deste setor exigiram que o valor
cobrado não implicasse aumentos superiores a 0,5% nos custos de produção. O valor estabelecido para
captação para uso agrícola naquela bacia ficou sendo 40 vezes menor do que o estabelecido para a indústria
e o saneamento durante a vigência da metodologia inicial.
Apesar de a cobrança pelo uso do recurso hídrico não ser ainda capaz, por si só, de induzir radicais
transformações de comportamento por parte dos usuários, verifica-se, nos países e bacias hidrográficas em
que foi implementada, uma indução a uso mais racional e sustentável dos recursos hídricos. Isto porque, a
aplicação dos recursos financeiros gerados pela cobrança nos próprios sistemas de gestão* propicia o
planejamento das ações de recuperação e o gerenciamento e fiscalização dos usos, levando os usuários, o
poder público e parcelas da sociedade civil interessada para um processo de negociação. A cobrança gera
excedentes financeiros que permitem oferecer, aos usuários, subsídios para investimento em ações de
controle da poluição, melhoria da eficiência dos sistemas de abastecimento e de irrigação, entre outros.
Esses subsídios, na forma de empréstimos a juros baixos ou a fundo perdido, reduzem os custos relativos à
implantação de medidas de redução do uso a serem arcados pelos usuários, tornando mais atrativos os
investimentos em tecnologias mais limpas ou eficientes.
15.6 A sustentabilidade financeira dos sistemas de gestão:
a cobrança como instrumento arrecadador
A cobrança, além de induzir mudanças no comportamento do usuário, deve também ser capaz de aportar
sustentabilidade ao sistema de gestão. Para isso deve atender aos seguintes critérios relativos a sua
aplicabilidade, eficiência e efetividade:14
• Eficiência financeira: é relativa aos custos de transação decorrentes dos encargos gerados para as
autoridades responsáveis por sua aplicação e para os usuários, ou seja, depende de quanto
representam os custos administrativos e operacionais do sistema de gestão em relação à receita
total gerada pela cobrança.
• Efetividade financeira: é função da capacidade do instrumento de cobrança gerar receitas para
financiamento das atividades necessárias ao alcance dos objetivos para os quais o sistema de
gestão foi montado, ou seja, depende da capacidade de gerar recursos para financiar o sistema de
monitoramento, fiscalização, licenciamento e até atividades de recuperação e preservação
ambiental;
• Praticabilidade: é relativa a quão direto é o instrumento para atingir seus objetivos. Clareza e
simplicidade são considerados fatores cruciais que afetam a eficiência administrativa da política.
A cobrança pelo uso da água pode ser modelada com diferentes objetivos no âmbito dos sistemas de
gestão de recursos hídricos. Os casos citados anteriormente da França, Holanda e Inglaterra e País de Gales
mostram uma variedade de modelos em aplicação. Uma forma possível de se avaliar a efetividade e
eficiência financeira da cobrança pelo uso da água inserida nos sistemas de gestão de recursos hídricos é por
meio da análise da capacidade deste instrumento de gerar recursos para suprir os custos administrativos e de
investimento destes sistemas.
Na Tabela 15.6 é apresentada a arrecadação total da cobrança e também a cobrança média per capita* na
Inglaterra e País de Gales, na França, na Alemanha e na Holanda, sendo que, nestes dois últimos, somente
cobrança por poluição. Na Tabela 15.7 são apresentadas estimativas semelhantes para os casos brasileiros
citados anteriormente, inclusive a estimativa global da arrecadação para o Brasil.
Tabela 15.6
Arrecadação da cobrança pelo uso da água — experiências europeias
1Valores deduzidos por Ramos (2002) com base em Buckland e Zabel (1998) e OCDE (1999a), referentes ao início da década de 1990.OCDE (1999b).
3Referente a 11 estados.
4Apenas cobrança por poluição.
Tabela 15.7
Tarifas e cobrança pelo uso da água no Brasil — principais experiências
Notas:
Os montantes arrecadados em cada um dos países europeus estudados têm aplicação diferenciada:
• Na Inglaterra e País de Gales, a arrecadação total era de cerca de US$100 milhões/ano, relativos a
1993, o que representava um valor médio de US$1,5/habitante/ano. O valor da cobrança era
fixado de forma que a arrecadação fosse suficiente para cobrir apenas os custos administrativos e
de monitoramento da National River Authority (NRA), entidade responsável pelo sistema de
gestão e controle de recursos hídricos. Na época, a NRA cumpria com praticamente a totalidade
das funções de controle e gestão relativas aos recursos hídricos, desde o licenciamento até o
monitoramento, ou seja, os seus custos abarcavam na totalidade os custos de um sistema de gestão
e controle sem responsabilidade sobre investimentos em infraestrutura hídrica. Em 1992/1993, a
cobrança por captação permitiu cobrir 97% dos custos do sistema regulatório de recursos
hídricos.15
• Na Alemanha, a arrecadação da cobrança por poluição em 1991, relativa à taxa de esgotos cobrada
nacionalmente, era de cerca de US$215 milhões/ano, representando um valor médio de
US$3,5/habitante/ano. Do valor total arrecadado pela cobrança por poluição, cerca de 10% a 15%
se destinam a cobrir custos administrativos do sistema e o restante é aplicado em monitoramento e
apoio a projetos de melhoria ambiental.
• Na França, a arrecadação atingia US$1.500 milhão/ano, em 1993, o que representava um valor
médio de US$27/habitante/ano. Do total arrecadado por cada agência de bacia, de 5% a 10% é
usado para cobrir seus custos administrativos, o restante é investido em monitoramento e no
financiamento das obras de proteção ambiental.
• Na Holanda, a arrecadação relativa à cobrança por poluição perfazia cerca de US$650 milhões/ano,
relativos a 1992, o que representava um valor médio de US$43/habitante/ano. O total arrecadado
se destinava a cobrir os custos dos sistemas de tratamento de efluentes e do sistema de gestão.
Além disso, a cobrança federal era utilizada para prover financiamentos às indústrias para
instalação de sistemas próprios de tratamento.
A comparação entre os custos por habitante/ano incorridos pelos quatro diferentes sistemas analisados
mostra que todos apresentam alta efetividade financeira porque conseguem gerar praticamente a totalidade
dos recursos necessários ao seu funcionamento. Nos quatro sistemas analisados os custos de transação
decorrentes dos custos administrativos são inferiores à receita gerada, sendo que nos casos francês e alemão
existe geração de receita para investimento. Com uma cobrança de US$1,5/hab/ano, o sistema inglês
consegue cobrir os custos de gestão e monitoramento. Com US$3,5/hab/ano, o sistema alemão já cobre os
custos de gestão e gera algum excedente para investimento. Com US$27/hab/ano, as agências francesas
conseguem financiar cerca de 30% dos investimentos em intervenções de preservação e controle dos
recursos hídricos. A cobrança de US$43/hab/ano na Holanda permite cobrir os custos dos sistemas públicos
de tratamento, além dos custos do sistema de gestão.
Comparativamente aos valores cobrados na França, modelo de gestão em que se inspirou, a cobrança no
Brasil está atingindo valores bem mais modestos, ainda que se leve em conta a diferença de renda da
população e, portanto, dos custos do próprio sistema. Assim como na França, o sistema de gestão brasileiro
pretende que a cobrança gere recursos não só para cobrir os custos administrativos, mas também para
investimentos em recuperação e preservação dos recursos hídricos. A cobrança no Ceará gera uma receita
equivalente a US$0,5/habitante/ano e se destina exclusivamente a suprir os custos administrativos da
agência estadual de águas — COGERH — e de manutenção rotineira das estruturas e equipamentos
hidráulicos sob responsabilidade desta entidade.
Os valores aprovados para a bacia do Paraíba do Sul para o período 2003-2006 levam a uma estimativa
de arrecadação da ordem de US$0,9/habitante/ano, o que seria suficiente para dar sustentabilidade ao
sistema de gestão e de monitoramento, como na Inglaterra e no País de Gales, mas não suficiente para
financiar investimentos de recuperação ambiental da bacia, como pretendido. No entanto, os resultados
práticos resultantes da implantação do sistema de gestão, aliados a recursos fiscais aplicados na bacia,
devem criar o ambiente de confiança entre os usuários que induza à elevação dos valores. A cobrança
proposta no estado de São Paulo, que equivaleria à cerca de US$4,6/habitante/ano, já seria suficiente para
viabilizar obras de despoluição. As resistências políticas em São Paulo estão fazendo com que a cobrança
seja implantada lentamente, tendo sido iniciada para usos estaduais em duas bacias (Paraíba do Sul e PCJ).
Estas limitações de arrecadação recomendam extrema cautela na estruturação e dimensionamento do
sistema de gestão e de seus órgãos executivos — agências de bacia, com o objetivo de evitar que os custos
administrativos diretos e indiretos comprometam a efetividade e a eficiência financeiras da cobrança. Deve-
se considerar também que o sistema de gerenciamento de recursos hídricos deverá ser fortemente
subsidiado na sua fase inicial, fato registrado em outros países que implantaram a cobrança. Conforme
anteriormente visto, a cobrança deve ser implantada gradualmente, para que se logre eficiência política.
Outro fator a se considerar é que, no Brasil, um dos principais fatores de degradação dos recursos
hídricos é a poluição oriunda dos efluentes urbanos sem tratamento. Apenas 12% dos efluentes gerados
recebem algum tipo de tratamento. Algumas simulações permitem estimar uma arrecadação da cobrança no
médio prazo da ordem de US$340 milhões/ano, podendo atingir cerca de US$630 milhões/ano no longo
prazo.16 O governo brasileiro prevê a necessidade de investimentos da ordem de R$40 bilhões, até 2010,
para universalização dos serviços de água e esgotos, sendo que R$2,5 bilhões/ano somente em coleta e
tratamento de efluentes. Quando muito os recursos da “cobrança pela água bruta” poderiam cobrir cerca de
10% das necessidades de investimento em despoluição no médio prazo. O custo remanescente deverá ser
dividido entre o consumidor e o contribuinte. A seguir vamos analisar as consequências do repasse deste
custo para as tarifas de saneamento.
15.7 “Cobrança pela água tratada”: limitações à
recuperação integral dos custos no setor de saneamento
Outro tipo de cobrança são as tarifas de água e esgoto relativas à provisão dos serviços de abastecimento e
coleta e tratamento de efluentes, a qual vamos convencionar chamar aqui de “cobrança pela água tratada”.
Esta é a cobrança que afeta diretamente o comportamento do usuário doméstico, podendo induzir a redução
do uso. Também é esta cobrança que efetivamente pode dar sustentabilidade ao setor de saneamento, no
sentido não só de prover recursos para operação e manutenção dos serviços nos níveis atuais, mas também
para expansão e melhoria da eficiência dos sistemas de coleta e tratamento dos efluentes e de
abastecimento.
A aplicação de tarifas de água e esgoto que permitam a recuperação dos custos de investimento e de
operação e manutenção dos sistemas tende a ser a principal fonte de recursos para investimento em sistemas
de coleta e tratamento de efluentes urbanos e de melhorias nos sistemas de abastecimento de água. Esta foi
a política aplicada por diversos países que permitiu atingir níveis satisfatórios de coleta e tratamento de
efluentes. Os mesmos países que aplicam a “cobrança pela água bruta” aqui analisados (Inglaterra,
Alemanha, França e Holanda), praticam tarifas de água e esgoto que somadas atingem valores entre
US$3,00 e 4,00/m3.
No Brasil a tarifa média de água e esgoto praticada é, em média, de US$1,00/m3. Aqui, da mesma forma
que na “cobrança pela água bruta”, os baixos níveis de renda da população brasileira tendem também a
limitar as possibilidades de repasse integral dos custos de coleta e tratamento dos efluentes para as tarifas de
saneamento. O comprometimento de renda com a conta de água e esgoto, no Brasil, já representa cerca de
1% da renda, considerando-se as tarifas e os níveis de atendimento atuais. Supondo-se a extensão a toda a
população do serviço de coleta de esgotos e mantendo-se as tarifas atuais,* a conta de água e esgoto
chegaria a 2% da renda per capita.
Nos países da OCDE, o comprometimento de renda com a conta de água e esgoto varia entre 0,3% a
0,8%** da renda. Isto demonstra que viabilizar os investimentos necessários à universalização dos serviços
de saneamento por meio do repasse dos custos para as tarifas é na prática muito difícil e até mesmo
indesejável, diante dos impactos econômicos gerados.
No Gráfico 15.1 foram plotados dados de consumo doméstico médio faturado e tarifas* de água somadas
às tarifas de esgoto de 21 países da OCDE e também do Brasil, estado de São Paulo, bacia do Paraíba do
Sul e Ceará. A comparação com os países da OCDE mostra que, em valores absolutos, as tarifas brasileiras
são baixas.
Gráfico 15.1 Impacto das tarifas de água e esgoto sobre o consumo doméstico —
países da OCDE e Brasil
Entretanto, no Gráfico 15.2, foram plotadas as “tarifas relativas”, onde os valores absolutos das tarifas
foram ponderados pela renda per capita. Ainda que pesem as imprecisões de se trabalhar com valores
médios de tarifas e renda, da análise do gráfico pode-se extrair algumas evidências:
• Analisando-se os dados relativos aos países da OCDE, verifica-se que, à medida que as tarifas
relativas crescem, a dispersão dos padrões de consumo se reduz. Nos níveis mais baixos das
tarifas relativas, observa-se consumo entre 150 a 330 l/habitante/dia. Ou seja, nestes níveis o fator
custo tende a não influenciar fortemente o nível de consumo, o qual é dominado por outros fatores
— cultura, clima, estrutura tarifária, nível de urbanização ou de uso de equipamentos domésticos
etc. Mas é inquestionável que, quando as tarifas relativas ultrapassam 0,01% da renda per capita,
o consumo tende a baixar e se situar entre 100 a 150 l/habitante/dia.
• Ao contrário das tarifas analisadas pelos seus valores absolutos, as tarifas relativas praticadas no
Brasil são extremamente elevadas comparativamente aos países da OCDE. Na verdade, a
população não chega a arcar com tarifas tão elevadas porque grande parte da população não está
“formalmente” conectada à rede pública, e apenas 34% da população é servida por sistemas de
coleta de esgotos, ou seja, daqueles que efetivamente pagam pelo serviço, uma parcela expressiva
arca apenas com tarifas de água.
• Outro aspecto importante na minimização do impacto sobre as tarifas é projetar sistemas de
tratamento de efluentes de acordo com objetivos realistas de qualidade de água nos corpos
hídricos, ou seja, utilizando a capacidade de autodepuração dos corpos hídricos, empregando-se
também tecnologias que apresentem menores custos marginais para atingir aqueles objetivos. O
atendimento de padrões uniformes de emissão ditados pelo licenciamento ambiental, que recai,
em alguns estados brasileiros, na exigência de aplicar tratamento biológico a todos os efluentes,
não é uma tarefa para curto e médio prazo, já que o país não possui renda para arcar com os
elevados custos daí derivados.
Gráfico 15.2 Impacto das tarifas relativas de água e esgoto sobre o consumo
doméstico — países da OCDE e Brasil
15.8 Conclusões
A cobrança pelo uso da água é o instrumento econômico que melhor se adequa às particularidades da gestão
de recursos hídricos de uma bacia. A cobrança tanto pode ser aplicada aos usos quantitativos como
qualitativos. Tanto em bacias em que já se caracteriza o déficit hídrico, e que carecem de medidas de
racionalização dos usos, como naquelas que ainda apresentam disponibilidade hídrica positiva, mas onde é
necessário implantar um sistema de gestão de forma a prevenir a degradação.
Apesar de se observar, nas experiências analisadas, que a cobrança ainda é estabelecida em níveis baixos
em relação aos custos de redução do uso, tem ocorrido, de fato, uma indução a um uso mais racional e
sustentável dos recursos hídricos. Isto se deve a vários fatores, tais como:
(i) Os investimentos em redução do uso da água podem ter outros efeitos colaterais não captados
pelas análises, os quais aumentam a relação custo-benefício dos mesmos em relação à cobrança.
Um mesmo processo de tratamento, por exemplo, remove diversas substâncias poluentes, que, se
não removidas, poderiam também ser cobradas pela carga total lançada. Outro efeito positivo não
quantificável seria a melhoria da imagem pública da empresa;
(ii) A aplicação dos recursos financeiros gerados pela cobrança nos próprios sistemas de gestão, fato
registrado em praticamente todos os países analisados e determinado na lei brasileira, diferencia
substancialmente a cobrança de um imposto. Essa aplicação propicia a organização do sistema de
gestão para fins de planejamento, gerenciamento e fiscalização dos usos, o que leva os usuários, o
poder público e parcelas da sociedade civil interessada para um processo de negociação. Com
isso, vêm à luz os problemas que afetam os recursos hídricos e suas respectivas causas e soluções,
passando-se a coibir os usos não racionais ou mesmo a induzir usos racionais. Em diversas bacias
observa-se um aumento do nível de mobilização quando se iniciam as negociações finais para
aprovação da cobrança;
(iii) Quando aplicada em níveis mais elevados, a cobrança consegue gerar excedentes financeiros que
permitem oferecer aos usuários recursos subsidiados para investimento em ações de controle dos
usos mais impactantes — controle da poluição, melhoria da eficiência dos sistemas de
abastecimento e de irrigação, entre outros. Esses subsídios, repassados aos usuários sob a forma
de empréstimos a juros baixos ou mesmo doações, reduzem os custos de racionalização do uso
incorridos pelos usuários, tornando o investimento mais atrativo;
(iv) Um aspecto comum a todos os sistemas de gestão é a implementação gradativa da cobrança de
forma a amortecer o impacto econômico sobre os usuários. Este fator é considerado essencial para
melhor aceitação do instrumento. Aliado a isto, alguns sistemas previam ainda, por exemplo,
descontos substanciais durante a fase de implantação dos sistemas de tratamento de efluentes. A
expectativa de aumentos futuros e a atratividade destes descontos são fatores indutores
considerados importantes pelo usuário e que levam à adoção de medidas de redução do uso
qualitativo e quantitativo.
Pelas análises feitas, ainda que a cobrança seja delineada para apenas cobrir os custos administrativos e
de monitoramento, esta pode ser encarada como um instrumento de gestão com forte poder de mobilização
e de indução de uso mais racional. Deve-se cuidar para que a arrecadação seja suficiente para cobrir os
custos parciais de transação derivados dos custos de implantação do próprio sistema de gestão.* A cobrança
é também um instrumento fiscal mais transparente, onde pelo menos os custos incorridos pelo poder
público para fazer funcionar o sistema podem ser quantificados e arcados diretamente pelos usuários, sem
se diluir na massa dos recursos fiscais.
Guia de leitura
Para aprofundar a literatura sobre a gestão de bacias hidrográficas, recomenda-se a literatura citada no final
do Thame (2000) citado a seguir, e demais fontes citadas neste capítulo.
Referências bibliográficas
1. Barraqué B, Berland JM, Cambon S. Country Reports: France. In: Correa FN, ed. Selected Issues
in Water Resources Management in Europe 1. Balkema: A. A. Roterdã; 1998;85–182.
2. Barth FT. A Cobrança como suporte financeiro à política estadual de recursos hídricos. In: Thame
ACM(org), ed. A cobrança pelo uso da água. São Paulo: Iqual; 2000;135–152.
3. Buckland J, Zabel T. Economic and Financial Aspects of Water Management Policies. In: Correa
FN, ed. Selected Issues in Water Resources Management in Europe 1. Balkema: A. A. Roterdã;
1998;261–352.
4. Jantzen J. Cost-Effective Pollution Control in Brazil. Washington, DC: The World Bank; 1992;
Draft Report.
5. Macedo HP. A experiência do estado do Ceará. In: Thame ACM(org), ed. A cobrança pelo uso da
água. Iqual: São Paulo; 2000;29–34.
6. Mendes F. Uma avaliação dos custos de controle da poluição hídrica de origem industrial no
Brasil. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ; 1994; Dissertação de mestrado.
7. OCDE. La Fiscalidad y El Medio Ambiente — Políticas Complementarias. Madrid: Ediciones
Mundi-Prensa; 1994.
8. OCDE. Household Water Pricing in OECD Countries. Paris: OCDE; 1999a;
Env/Epoc/Geei(98)12/Final.
9. OCDE. Industrial Water Pricing in OECD Countries. Paris: OCDE; 1999b;
Env/Epoc/Geei(98)10/Final.
10. PROAGUA. Cobrança pelo uso da água bruta: experiências europeias e propostas brasileiras.
GPS — RE — 011 — R0. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 2001.
11. Serôa da Mota R. Utilização de critérios econômicos para a valorização da água no Brasil. Rio
de Janeiro: SERLA/GTZ; 1998.
12. Ramos M. O impacto da cobrança pelo uso da água no comportamento do usuário. Rio de
Janeiro: COPPE/UFRJ; 2002; Tese de doutorado.
13. Viliers M. Água. Rio de Janeiro: Ediouro; 2002.
*Um detalhamento dos graves problemas da água no mundo pode ser encontrada em Villiers (1999).
*World Commission on Water, suportada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelo Banco Mundial.
3GTZ (1998).
4Baltar (1997).
*A Constituição Brasileira fixou o duplo domínio da águas: águas de domínio da União e dos estados, daí a existência de legislações específicas em cada ente federado.
**Estação de Tratamento de Água usada no abastecimento de mais de 8 milhões de habitantes da região metropolitana do Rio de Janeiro.
9OCDE (1999b).
*Considerando-se famílias de quatro pessoas, com consumo per capita de 220 l/dia, perdas físicas de 50% e efluentes despejados sem tratamento.
11OCDE (1999b).
12Idem.
*OCDE (1994).
*Essa característica é registrada em praticamente todos os países analisados e determinada na lei brasileira, e diferencia substancialmente a cobrança pelo uso da água bruta de um imposto.
16Ramos (2002).
*A defasagem entre custos de provisão dos serviços de água e esgoto e tarifas vem se reduzindo e, no ano 2000, em termos globais, a diferença entre o preço médio de água e esgoto cobrado
nacionalmente e as despesas com o serviço foi de apenas 6% (SNIS, 2000).
*Os custos “privados” de transação (custos das empresas e outros interessados) podem ser cobertos pelas próprias entidades, não necessitando serem repassados diretamente para a cobrança.
Capítulo 16
Extrativismo de coleta
No caso de coleta, a integridade da planta-matriz geradora do recurso é mantida intacta. Como exemplos,
podem ser mencionados o extrativismo da seringueira e da castanha-do-pará. Desde que a taxa de
recuperação cubra a taxa de degradação, essa forma de extrativismo asseguraria uma extração ad infinitum.
Mesmo para o extrativismo de coleta, esses recursos não deixam de ser aniquilados, uma vez que esses não
fazem parte de uma extração racional, por depredação, aumento de uma produtividade imediata ou a sua
substituição por outras atividades mais competitivas.
Extrativismo de aniquilamento
Outro tipo de extração é o de aniquilamento, em que há destruição da planta-matriz objeto de interesse
econômico. A extração madeireira do pau-rosa e do palmito de açaizeiro constituem exemplos dessa
categoria. Quando essa extração supera a velocidade de recuperação, o caminho natural é a sua gradativa
escassez até tornar antieconômica essa atividade. Normalmente, quando atinge esse nível, os estragos
causados colocam em risco a sobrevivência da espécie, levando-a a extinção. Os estoques de açaizeiros na
foz do rio Amazonas, a partir da década de 1970, sofreram fortes derrubadas para extração do palmito, o
que levou o presidente Ernesto Geisel (1907-1996) a assinar a Lei nº 6.576/1978, proibindo a sua
derrubada, mas não obteve êxito. A valorização do fruto a partir da década de 1990 teve efeito positivo
sobre a conservação de açaizais. Os açaizeiros, nas áreas próximas aos grandes mercados consumidores de
açaí da Amazônia, deixaram de ser derrubados para a extração de palmito e passaram a ser mantidos na área
para produção de frutos.6 O mercado induziu a conservação dos açaizeiros pela valorização dos frutos que a
legislação não conseguiu proteger com a sua derrubada para palmito.
16.3 Início da atividade extrativa
A atividade extrativa depende da disponibilidade de recursos naturais fornecidos pela natureza. Quando
estes recursos naturais ganharam utilidade e, posteriormente, importância econômica, teve início a atividade
extrativa. Quando esta disponibilidade é muito grande, como acontece com as reservas de petróleo, chegam
a influenciar os destinos de uma civilização. Este aspecto fez com que os economistas, a partir das
descobertas de reservas de petróleo no Mar do Norte, na década de 1970, batizassem este fenômeno de
Dutch Disease, pois provocam grandes alterações na inflação, no nível de emprego, nos preços de insumos
e produtos, entre outros.7 Outro aspecto está relacionado com o desenvolvimento de uma região tendo como
base um produto principal (staple thesis), como ocorreu como o extrativismo da seringueira.8
As atividades extrativas se caracterizam pela oferta fixa determinada pela natureza. O início da extração
pode ser entendido como tendo uma oferta potencial (S) de determinado recurso natural como se fosse um
bem livre (Figura 16.1). As curvas de oferta e demanda não têm interseção, uma vez que a extração do
recurso se destina essencialmente à utilização direta dos próprios extratores.9
Quadro 16.1
Quanto vale a floresta em pé?
É possível estabelecer as condições de comportamento dos agricultores que induzem a derrubada das
castanheiras, a despeito do potencial de lucro decorrente da extração.13 Para o desenvolvimento do
modelo enfocou-se a escolha entre a agricultura e o extrativismo da castanha e/ou cupuaçu nativo,
como prevalecente na Mesorregião Sudeste Paraense. Para um colono com um lote padrão de 50 ha
com disponibilidade de castanheiras e/ou cupuaçuzeiros, existem duas alternativas com relação à
utilização da sua área:
1 – Extração de castanha-do-pará e/ou de cupuaçu. Nessa alternativa pressupõe-se a manutenção
da cobertura florestal original.
É possível analisar a decisão do desmatamento considerando o valor presente da extração de
castanha e/ou cupuaçu em comparação com a derruba total de castanheiras para venda como madeira.
Considerou-se para essa situação que a sequência de pagamentos inicia-se no tempo 0, uma vez que
todas as castanheiras e cupuaçuzeiros nativos estão produzindo, com duração infinita para facilidade
de cálculo e um fluxo de pagamento constante, tem-se VPL(cast.)(r) = β(1+r)/r, onde VPL(cast.)(r)
representa o valor presente líquido do fluxo de benefícios líquidos da extração de amêndoas de
castanha-do-pará e frutos de cupuaçu (β). Não foram considerados os possíveis benefícios ambientais
decorrentes da manutenção da floresta.
2 – Venda total de castanheiras do lote, derrubada gradativa da área, plantio de culturas anuais e,
posteriormente, pastagem visando a atividade pecuária.
Neste tópico não foram considerados os prováveis custos ambientais concernentes à destruição
dos recursos florestais.
Nesse caso ter-se-ia então:
Y = Vm + VPL(pec.)(r)
onde Y é o valor presente de benefícios líquidos da venda de árvores de castanheiras como
madeira (Vm) e VPL(pec.)(r) é o valor presente dos fluxos de benefícios líquidos das atividades de
plantio de culturas anuais e pecuária (α), como função da taxa de desconto. O fluxo de benefícios
líquidos das atividades de culturas anuais e pecuária começaria no tempo k e encerraria no tempo
k+p, isto é, teria a duração de p anos.
Y = Vm + VPL(pec.)(r) (1)
se Vm + VPL(pec.)(r) > VPL(cast.)(r) é mais lucrativo para o colono proceder a venda das
castanheiras como madeira, proceder a derrubada da área, efetuar o plantio de cultivos anuais e
posteriormente a criação de gado.
Sabe-se que:
Vm + VPL(pec.)(r) = Vm + αp
Se r = ∞, obtém-se:
Vm + VPL(pec.)(r) = Vm
Procura-se determinar a inclinação da curva Y=Vm + VPL(pec.)(r) e sua comparação com a
curva do VPL(cast.)(r).
Tem-se:
ou , que é sempre
negativa.
Se , indica que o fluxo líquido de benefícios da atividade agrícola
(culturas anuais e pecuária) é superior ao fluxo líquido decorrente da extração de castanha-do-pará.
Ressalta-se que essa igualdade prevalece quando:
Isto demonstra que deve existir uma determinada taxa de desconto para alguns valores de α e β e
que para valores inferiores não seria racional derrubar as castanheiras e implantar atividades
agrícolas; e o inverso para valores superiores.
Nos lotes onde não ocorrem cupuaçuzeiros nativos, mas apenas castanheiras, o que é mais
comum, a taxa de desconto no qual iguala estes dois fluxos é de 33%, o que explica em parte a razão
da destruição dos castanhais e o interesse dos colonos no plantio de cupuaçuzeiros, do que a
depender da coleta extrativa desse fruto. Esse resultado está ilustrado na Figura 16.5a.
Figura 16.5 Interpretação hipotética das curvas de VPLs para as diversas
alternativas e taxas de desconto, considerando a opção da extração de castanha-do-
pará e/ou cupuaçu e agricultura ou pecuária.
Se o fluxo de benefícios líquidos anuais decorrente da extração de castanha-do-pará e/ou cupuaçu
for superior ao da venda das árvores de castanheiras, nesse caso a conservação seria possível, para
diversas situações específicas (Figuras 16.5b, 16.5d e 16.5e). A situação ilustrada na Figura 16.5e
seria a ideal para a conservação das castanheiras. Nesse caso, o fluxo de benefícios líquidos anuais da
extração de castanha e/ou cupuaçu é superior ao fluxo de benefícios líquidos anuais das atividades
agrícolas e pecuária e da venda de castanheira como madeira, independente das taxas de juros. Para
as condições atuais, isso implicaria quadruplicar a atual receita líquida obtida com a coleta de
castanha-do-pará, em um lote intacto de 50 hectares. A Figura 16.5c mostra a hipótese de quando o
fluxo de benefício líquido anual da extração de castanha-do-pará e/ou cupuaçu for igual ao valor das
árvores castanheiras, indica que, a uma taxa de juros elevada, tanto a conservação dos castanhais ou a
atividade agrícola e pecuária seriam equivalentes.
Estudos semelhantes para a extração da borracha nos seringais extrativos do Acre mostram que a
subvenção teria que ser quase cinco vezes o preço pago pelo látex para que o extrativista tivesse uma
remuneração mínima que desestimulasse as atividades agrícola e pecuária, e evitando novos
desmatamentos.14
13
Homma et al. (1996).
14
Santos et al. (2003).
16.6 Efeitos da domesticação dos recursos extrativos
A análise do efeito da domesticação dos recursos extrativos vegetais pode abordar seus efeitos distributivos.
Como essa mudança nem sempre é rápida, formam-se dois grupos distintos: um dedicado ao setor extrativo
e outro dedicado ao plantio domesticado, conforme a tecnologia disponível para a domesticação.
A Figura 16.6 mostra os dois grupos que ofertam o mesmo produto. Essa ilustração gráfica consiste na
adaptação do modelo de Evenson (1983) para analisar os benefícios da difusão de tecnologia agropecuária
entre duas regiões.
Quadro 16.2
O processo de domesticação
A análise do processo histórico da humanidade evidencia que a economia extrativa apresenta grandes
limitações. Desde quando Adão e Eva provaram a primeira maçã extrativa no Paraíso, o Homem
verificou que não poderia depender exclusivamente da caça, da pesca e da coleta de produtos
vegetais da floresta. Dessa forma, há cerca de dez mil anos, quando se iniciou a agricultura, o
Homem domesticou cerca de três mil plantas e centenas de animais, o que constitui a base da
agricultura mundial. É este mesmo fenômeno que ocorreu e está ocorrendo na Amazônia para vários
produtos de sua biodiversidade. Uma grande questão é: vale a pena domesticar plantas extrativas com
mercado local?
A Figura 16.7 mostra uma curva típica da produção domesticada superando a produção extrativa.
No exemplo, tem-se o crescimento da produção de borracha vegetal proveniente de plantios
superando a produção extrativa que ocorreu em 1990 no Brasil. Em nível mundial a produção de
borracha plantada superou a produção extrativa em 1913.
15
Silva et al. (2006).
16
Santana & Khan (1992).
16.7 O manejo de recursos extrativos
A importância das técnicas de manejo seria a possibilidade de aumentar a capacidade de suporte dos
recursos extrativos. É o que está ocorrendo no manejo de açaizais nativos no estuário do rio Amazonas,
onde os extratores procuram aumentar o estoque de açaizeiros, promovendo o desbaste de outras espécies
vegetais concorrentes, permitindo, com isso, o aumento da produtividade dos frutos e de palmito,
transformando em uma floresta oligárquica, como se fosse um plantio domesticado (Figura 16.8). Este
mesmo fenômeno está ocorrendo com o manejo de rebrotamento de bacurizeiros no nordeste paraense e no
estado do Maranhão, induzido pelo crescimento do mercado urbano dessa fruta.
Quadro 16.3
Avaliação de sistemas de manejo de açaizeiros
Analisou-se o Valor Presente Líquido dos benefícios (VPL) da coleta anual de frutos, em
comparação com a extração de palmito com intervalos de um ano e três anos para açaizais manejados
e não manejados. Foi considerado o horizonte de tempo infinito em função da regeneração natural
dos açaizeiros e procedeu-se a análise de sensibilidade quanto aos limites extremos das taxas de juros
(0, ∞). Foram considerados cinco casos de exploração dos açaizais nativos, manejados e não
manejados, objetivando a exploração de frutos e palmito.18
Considerando o preço obtido pelos frutos e palmito de açaizeiros e as despesas com mão de obra
para estabelecimento dos açaizais manejados, extração, processamento parcial e transporte dos
produtos, foi elaborada a planilha de custos e receitas para os diferentes sistemas de manejo, levando-
se em conta as fases de preparação (A, B, C) e de exploração (R) dos açaizais.
Os VPLs observados para os diferentes sistemas de manejo e exploração de açaizais nativos de
várzea, considerando taxas de juros anuais de 10% e os valores extremos (0, ∞), estão na Tabela
16.1.
Tabela 16.1
Valor presente dos benefícios líquidos (VPL) para diferentes sistemas de manejo
e exploração de açaizais nativos destinados à extração de frutos e palmito (R$1,00)
O açaizal manejado para a produção de frutos é o que apresenta maior vantagem econômica pelo
critério do VPL, seguindo-se do açaizal não manejado e de outros sistemas de extração de palmito.
Quanto à extração de frutos, a partir de uma taxa de juros maior que 15,2%, o açaizal não
manejado passa a ser superior ao sistema manejado, evidenciando que, com taxas de juros elevadas,
não compensa para o extrator efetuar programa de manejo. Quanto à extração de palmito,
independente das taxas de juros, mostra a vantagem da exploração dos açaizais manejados em
relação aos não manejados, desde que não ocorra a incorporação de novas áreas.
Os resultados dos VPLs evidenciam que a exploração dos açaizais nativos, manejados ou não
manejados, visando a produção de frutos é mais vantajosa que os destinados à produção de palmito
(Tabela 16.1). Isto significa dizer que a exploração dos açaizais nativos para a produção de frutos
como atividade principal, em áreas de fácil comercialização e transporte do produto, é mais rentável
em pelo menos três vezes do que para a extração de palmito. A extração de frutos em açaizais
manejados, apesar de apresentar o maior VPL e a receita líquida estabilizada, tem a menor
remuneração da mão de obra. A sua adoção se justifica pelo incremento da produtividade do açaizal
para atender ao mercado.
A análise da receita líquida estabilizada permite verificar que a vantagem do açaizal manejado
para a produção de frutos chega a ser quase o dobro do açaizal não manejado. No que se refere à
extração de palmito, o fluxo de receita líquida aponta a preferência para a exploração manejada com
corte anual.
Comparando-se os diferentes tipos de açaizais, os dados mostram que, tanto para a exploração de
frutos como de palmito, os açaizais manejados apresentam-se superiores, levando-se em conta o VPL
para as duas situações estudadas, em uma perspectiva de longo prazo.
Este procedimento seria útil, também, para calcular a rotação econômica para uma floresta
regulada ou para analisar o ciclo contínuo de derrubada, seguida de cultivos anuais e pastagens e
repouso para a região amazônica.19
18
Nogueira & Homma (1998).
19
Silva & Ribeiro (2006).
16.8 Conclusões
O estudo da economia extrativa constitui um campo aberto para diversos temas de teses. Entre os principais
tópicos poderiam ser mencionados o resgate da história econômica de produtos extrativos que já foram
extintos, como a do pau-brasil, que, apesar da sua importância para o Brasil colonial, as análises disponíveis
não apresentam a profundidade necessária. Na outra vertente encontram-se dezenas de produtos extrativos
em todos os ecossistemas do país, alguns com alto peso na economia local até aqueles invisíveis nas
estatísticas do IBGE, mas importantes na estratégia de sobrevivência dos coletores inseridos em outras
atividades econômicas. São economias dinâmicas, em que os reflexos do progresso científico, mesmo
efetuado em locais distantes, provocam a desintegração da economia extrativa. O exemplo mais
contundente foi o que ocorreu com os plantios de seringueira antípodas da Amazônia, provocando um
imenso colapso econômico, social e político na época, como se subitamente alguém tivesse desligado a luz
de uma sala.
Além da história econômica outros desafios teóricos estão relacionados na avaliação dos benefícios da
domesticação, dos sistemas de manejo e dos custos da destruição dos recursos extrativos que apresentam
mercados definidos. Mas o maior desafio está relacionado com os produtos sem uso definido, como a
valoração dos serviços ambientais e da retenção de CO2 proporcionado pela manutenção da floresta, do qual
vários capítulos deste livro tratam. Para isso é necessário criar estatísticas sobre a absorção ou emissão de
CO2, sobre as principais atividades produtivas e sobre o tipo de cobertura vegetal dos diferentes
ecossistemas. O fim do extrativismo não significa necessariamente o fim da floresta.
Outro tópico não tratado neste capítulo refere-se a direitos de propriedade versus a conservação dos
recursos naturais. Quais as modalidades de propriedade (privada, pública, comum e livre acesso)
assegurariam a melhor forma de conservação e de preservação para a Amazônia? As reservas extrativistas
poderiam ser consideradas um modelo híbrido entre a privada e a comum, regido por um conjunto de regras
coletivas estabelecidas pelas comunidades e as de cunho legal. Em conexão com outros capítulos que tratam
do comércio e meio ambiente, o crescimento do mercado global para os produtos extrativos da Amazônia,
que obedecem a regras biológicas e de oferta limitada, podem trazer consequências imprevisíveis quanto a
sustentabilidade a longo prazo. Estes aspectos, portanto, abrem um vasto campo de estudo, no qual a
economia extrativa está inserida, seja na área jurídica, comércio e meio ambiente, gestão dos recursos
naturais, biologia, aquecimento global, entre outros temas abrangidos neste livro, que esperamos que sejam
motivação para futuras teses.
As possibilidades do extrativismo na Amazônia vão depender da descoberta de novos produtos e
mercados e da maior atenção aos problemas agrícolas nas comunidades em que o extrativismo é apenas um
dos componentes. A profissionalização das agroindústrias constitui importante mecanismo para a
verticalização de diversos produtos extrativos, como madeira, castanha-do-pará e pesca. Há necessidade de
especular quanto a inserção do extrativismo em um cenário futuro de supressão integral dos desmatamentos
e queimadas na Amazônia.
A exploração dos recursos naturais, como uma dádiva da natureza, já proporcionou a riqueza de muitos
povos e países. Aconteceu também na Amazônia, onde os estoques de seringueiras tiveram um
comportamento semelhante a Dutch Disease, válida também para a extração do pau-rosa, da castanha-do-
pará e da madeira. Mas não conseguiram garantir um modelo de desenvolvimento baseado na extração de
um produto principal, pelo desconhecimento das revoluções tecnológicas que poderiam ter sido construídas,
insistindo na permanência do extrativismo primitivo. Uma grande questão empírica estaria relacionada com
os tipos de mercado e a exploração mais sustentável dos recursos naturais. Por exemplo, na exploração dos
recursos minerais predominam grandes empresas, como a Companhia Vale, e milhares de garimpeiros.
Teoricamente, o monopólio asseguraria uma extração mais sustentável do que a concorrência perfeita.
É interessante mencionar que os recursos extrativos levados da Amazônia, como o cacau e a seringueira,
se transformaram em principais riquezas agrícolas para onde foram levados. O Brasil produz menos de 5%
do total mundial de cacau (4 milhões de toneladas) e menos de 1% de borracha vegetal (10 milhões de
toneladas). As exportações de amêndoas de cacau representaram US$9,4 bilhões e US$1,7 bilhão para a
borracha, que depois de transformadas em chocolates e/ou pneumáticos representam uma gigantesca cadeia
produtiva mundial. Daí a importância de programas de pesquisa visando a domesticação, a identificação de
novos produtos e de novas plantas, nos quais as reservas extrativistas devem ser inseridas, sem medo de se
transformarem em reservas extrativistas sem extrativismo.
A tendência da produção em larga escala e da adoção de tecnologias poupadoras de mão de obra, como
consequência da legislação trabalhista e da redução absoluta da população rural, está criando bolsões de
desempregados desqualificados, que constitui o grande dilema das políticas sociais do país.
O desafio que se apresenta é que há um grande nicho para as atividades intensivas em mão de obra, no
qual a mecanização em alguma parte do processo produtivo apresenta dificuldades mecânicas, mesmo com
o progresso da cibernética ou da robótica. Refere-se à impossibilidade do desenvolvimento de máquinas
para efetuar a sangria da seringueira, a colheita do cacau, do dendê, do açaí, do tucumã, do coqueiro, do
cupuaçu, da pupunha, entre outras plantas, que constituem o espaço para a agricultura familiar.
Tanto aqueles que adotam práticas agrícolas mais sustentáveis como aqueles menos sustentáveis, todos
estão lutando pela sua sobrevivência. O atual estágio de desenvolvimento local ou regional é fruto dessa
evolução, em que o risco da insustentabilidade está sempre presente. A despeito do conflito do mercado
com o desenvolvimento social, os produtores precisam se adaptar às mudanças, coevolucionando com elas
de forma organizada e preparada.
Sugestões de leitura
A literatura que aborda a teoria do extrativismo vegetal e animal é bastante ampla. Para você saber mais
consulte: May (1986), Yu (1988), Feeny et al. (1990), Nepstad & Schwartzman (1992), Peters (1992),
Santana & Khan (1992), Pérez. & Arnold (1996) e Homma (2007).
Sites de interesse
Os leitores interessados poderão aprofundar seus conhecimentos sobre temas correlatos deste capítulo
acessando diversos sites disponíveis e contatos com instituições como:
Ministério do Meio Ambiente/Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável:
www.mma.gov.br.
Food and Agriculture Organization of United Nations (FAO)/Forest Products and Industries
Division/Promotion and Development of Non-wood Forest Products: www.fao.org/forestry/nwfp/en.
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon): www.imazon.org.br.
Center for International Forestry Research (CIFOR): www.cifor.cgiar.org.
International Tropical Timber Organization (ITTO): www.itto.or.jp.
Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS): www.extrativismo.org.br.
Embrapa: www.cpatu.embrapa.br, www.cpaa.embrapa.br, www.cpafac.embrapa.br.
Museu Paraense Emílio Goeldi: www.museu-goeldi.br.
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia: www.inpa.gov.br.
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPa): www2.ufpa.br/naea.
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá: www.mamiraua.org.br.
Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural (UFPa): www.cultura.ufpa.br/cagro/aa.html.
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