TGDCII Sebenta Mota Pinto
TGDCII Sebenta Mota Pinto
TGDCII Sebenta Mota Pinto
O objecto é aquilo sobre que recaem os poderes do titular do direito (do sujeito activo da RJ). Logo, o
objecto da relação jurídica é o objecto de direitos subjectivos, é todo o quid, todo o ente, todo o bem sobre
que podem recair direitos subjectivos.
O objecto de um direito e o conteúdo de um direito são conceitos distintos.
O conteúdo é o conjunto dos poderes ou faculdades que o direito subjectivo comporta.
Ex.: Direito de propriedade sobre o carro A. Objecto: carro A. Conteúdo: poderes de usar, dispor, fruir.
Objecto imediato – está directamente submetido aos poderes que integram um direito subjectivo.
Objecto mediato – é aquilo que só através de um elemento mediador está submetido aos poderes que
integram um direito subjectivo. (só de uma forma mediata ou indirecta)
Ex.: Nos direitos reais não há intermediário entre o titular do direito e a coisa. (a coisa é o objecto
imediato). Nos direitos de crédito (nas obrigações), o credor só tem direito à coisa através da prestação do
devedor. Objecto imediato: prestação do devedor. Objecto mediato: a coisa.
3. OS POSSÍVEIS OBJECTOS DE RELAÇÕES JURÍDICAS
São possíveis objectos de RJ: as pessoas; certas manifestações ou modos de ser físicos ou morais das
pessoas; prestações; os direitos subjectivos e as coisas (corpóreas ou incorpóreas).
b) Certas manifestações ou modos de ser físicos ou morais das pessoas: trata-se de direitos sobre a
própria pessoa, sobre bens da personalidade. São irrenunciáveis e insusceptíveis de limitação voluntária
quando esta for contrária à ordem pública (art. 81º).
c) Prestações: resultam de uma obrigação e traduzem-se num comportamento do devedor. Pode haver:
obrigações de prestação de facto positivo (uma actividade), de facto negativo (uma abstenção – ver art.
829º) ou de coisas (nestes casos a coisa (res) é o objecto mediato, pois só através da prestação – objecto
imediato – é que o credor tem direito à res.
e) Direitos subjectivos: algumas soluções legais ajustam-se à figura dos direitos sobre direitos, pelo que
dizemos que um direito subjectivo pode constituir o objecto de outro direito subjectivo. Exs.: 679º e ss;
1439º; 1446º; 1463; 1464º; 1467º; 688º nº1 e); etc
- Incorpóreas ou bens imateriais: este objecto prende-se com as criações espirituais do homem, através
do qual surgem obras, invenções industriais, etc. Como são bens com valor patrimonial autónomo e
intimamente ligados à personalidade do seu autor o Direito tutela-os, atribuindo direitos ao(s) seu(s)
criador(es). Exemplos: direitos de autor e propriedade industrial (ver 1303º). Nota: o objecto do direito de
autor não é o livro, CD, filme, quadro… é a obra na sua forma ideal, por isso é que é uma coisa incorpórea.
Sentido corrente: tudo o que pode ser pensado; sentido físico: tudo o que tem existência corpórea.
Sentido jurídico: Ver art. 202º CC. Nota: Sendo certo que as coisas são a espécie mais corrente de
objectos de relações jurídicas, nem tudo o que é susceptível de ser objecto de relações jurídicas é uma
coisa em sentido jurídico. A definição correcta seria: coisa – bem de carácter estático (assim se excluem do
conceito as pretações) desprovido de personalidade jurídica (artigo 66º), susceptível de constituir objecto
de relações jurídicas. E para que as coisas possam ser objecto de RJ têm de apresentar as ss características:
- existência autónoma ou separada
- possibilidade de apropriação exclusiva por alguém (ao contrário da luz solar, atmosfera, etc)
- aptidão para satisfazer necessidades humanas (um grão de areia não é uma coisa)
Não é necessário:
- serem bens de natureza corpórea
- serem bens permutáveis (c/ valor de troca – podem ter apenas valor sentimental)
- serem bens efectivamente apropriados (os peixes não apropriados são res nullius)
Há várias categorias de coisas e, por vezes, a lei faz corresponder regimes jurídicos específicos a certas
categorias. (ver art. 204º e ss)
Vejam-se também as noções de frutos (cfr. arts.212º, 1270º e 1271º) e de benfeitorias (cfr. arts. 216º e
1273º - 1275º). As benfeitorias podem ser necessárias, úteis e voluptuárias.
5. NOÇÃO DE PATRIMÓNIO
[Escrever texto]
As qualidades do sujeito, tais como a força de trabalho, a competência técnica, etc não são património.
Todavia, a sua lesão ilícita e culposa, por terceiro, gera danos patrimoniais indemnizáveis (dever de cobrir
os lucros cessantes). A palavra património conhece várias acepções:
Património global: conj. de RJ activas e passivas (direitos + obrigações) avaliáveis em dinheiro (pelo valor
de troca qd o direito é alienável mediante contraprestação ou pelo valor de uso qd o gozo do bem só se
obtém mediante uma despesa) de que uma pessoa é titular.
Nota: trata-se de um conj. de RJ, não de um conj. de imóveis, móveis… o património é integrado por
direitos sobre as coisas – propriedade, usufruto, etc. (ver art. 2075º).
-» Património bruto ou ilíquido: conj. de direitos avaliáveis em dinheiro pertencentes a uma pessoa,
abstraindo, portanto, das obrigações. É neste sentido que o art. 817º fala no direito do credor de executar
o património do devedor (obviamente que não irá executar obrigações, mas apenas direitos). É este o
conceito relevante para efeitos de responsabilidade civil.
Património ≠ Esfera jurídica a totalidade de RJ de que uma pessoa é sujeito, abrangendo os dtos
e as obrigações não avaliáveis em dinheiro.
Normalmente, na esfera jurídica de uma pessoa só existe um património, porém, há situações em que
existe uma massa de relações patrimoniais, pertencentes ao mesmo sujeito do património geral com um
tratamento jurídico particular. Dá-se a este fenómeno o nome de património separado ou património
autónomo (embora a designação de património autónomo seja utilizada tb para os patrimónios
transitoriamente sem sujeito – ex.: herança jacente). Reconhece-se a existência de um património
separado pelo critério da responsabilidade por dívidas, pois o património tem como principal função
responder pelas dívidas do seu titular. Assim, o património separado responde por dívidas próprias – só
responde e responde só ele por certas dívidas.
Ex.: a herança é um património separado se os bens hereditários responderem apenas pelas dívidas do de
cujus, e não pelas dívidas pessoais do herdeiro, e se pelas dívidas do de cujus responder só o activo da
herança e não o património pessoal do herdeiro.
Património colectivo - Existe quando um património tem vários sujeitos e pertence no seu todo ao conj.
de pessoas correspondente. O direito sobre toda a massa patrimonial cabe ao grupo no seu conj. Nenhum
dos titulares pode alienar uma quota [parte] desse património nem requerer a sua divisão, enqt não
terminar a causa geradora do surgimento do património colectivo. Ex.: comunhão conjugal – ver artgs
1695º e 1696º.
[Escrever texto]
Compropriedade ou propriedade em comum – estamos perante uma comunhão por quotas ideais, cada
comproprietário ou consorte tem direito a uma quota ideal ou fracção do objecto comum. Ver arts. 1408º e
1412º.
Facto jurídico é todo o acto humano ou acontecimento natural juridicamente relevante (dado que produz
efeitos jurídicos). [Um convite para um passeio não é um facto jurídico, pois não produz efeitos jurídicos.]
Factos
Jurídicos
Factos Jurídicos Voluntários ou Actos jurídicos: são acções humanas tratadas pelo Direito como
manifestações de vontade.
Factos Jurídicos Involuntários ou Naturais: não resultam da vontade mas de causas de ordem natural
(ex.: decurso do tempo, nascimento, morte, a vizinhança). A sua eventual voluntariedade não tem
relevância jurídica.
Actos jurídicos Lícitos: são conformes à ordem jurídica e por ela consentidos.
Actos jurídicos Ilícitos: são contrários à ordem jurídica e por ela reprovados, pelo que importam uma
sanção para o infractor.
[Escrever texto]
Negócios Jurídicos: são actos jurídicos compostos por uma ou mais declarações de vontade com a
intenção de alcançar efeitos práticos sob a tutela da ordem jurídica que determina a produção de efeitos
jurídicos concordantes com a intenção dos sujeitos, i. e., com o conteúdo da vontade das partes, tal como o
conteúdo é objectivamente apercebido (de fora) Os efeitos dos negócios jurídicos produzem-se ex
voluntate e ex lege. (ex.: testamentos, contratos…)
Simples actos jurídicos ou actos jurídicos stricto sensu: (ver art. 295º) são factos voluntários cujos efeitos
se produzem ex lege (por força da lei) e não ex voluntate (por força da vontade), embora mtas vezes haja
concordância entre a vontade destes e os respectivos efeitos. (ex.: interpelação do devedor – art. 805º,
fixação de domicílio voluntário – art. 82º, descoberta de um tesouro – art. 1324º, homicídio voluntário…)
Quase negócios jurídicos ou Actos jurídicos quase negociais: traduzem-se na manifestação exterior de
uma vontade (exs.: 805º, fixação do prazo referido no 808º, gestão de negócios – 464º e ss,etc)
Operações jurídicas, acto material ou real: realização de um resultado material ou factual a que a lei liga
certos efeitos jurídicos (ex.: invenções industriais, criação artística, descoberta de um tesouro…)
Os factos jurídicos desencadeiam determinados efeitos, que consistem numa aquisição, modificação ou
extinção de RJ e, portanto, de direitos (considerando o lado activo da RJ).
11. CONCEITO E MODALIDADE DE AQUISIÇÃO DE DIREITOS. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA E AQUISIÇÃO DERIVADA. MODALIDADES
DESTA ÚLTIMA
II – Aquisição originária: neste caso o direito adquirido não depende da existência ou da extensão de um
direito anterior. Ou seja, pode haver aquisição de direitos originária quando se origina um direito devido a
[Escrever texto]
um qualquer acto jurídico (ver ex. 1) ou quando, apesar de [e não por causa de] existir um direito anterior,
se adquire um novo direito (ver ex. 2).
Ex. 1: Se eu crio uma obra literária adquiro direitos de autor. Neste exemplo não há direito anterior.
Ex. 2: Apesar da preexistência de um direito de propriedade, se eu faço uso de um terreno há mais de 20
anos, adquiro-o por usucapião (1287º e ss). Outro exemplo é o do art. 1318º e ss – ocupação de coisas
móveis.
Aquisição derivada translativa: é a forma + vulgar de aquisição derivada. O direito adquirido é o mesmo
que pertencia ao anterior titular. (ex.: Compra e venda, doação, sucessão, herança…)
Aquisição derivada constitutiva: o direito adquirido filia-se num direito (mais amplo) do anterior titular.
Não há uma perda completa, há uma limitação do direito preexistente. (ex.: o proprietário de um prédio
constitui [por venda, etc] uma servidão de passagem.)
Aquisição derivada restitutiva: Existe qd o titular de um dto real limitado se demite dele unilateral ou
contratualmente. (ex.: o titular de uma servidão de passagem renuncia a esse direito e o titular do direito
de propriedade recupera a plenitude dos seus poderes).
Nota: seria + rigoroso chamar de aquisição originária restitutiva a demissão de um direito por acto
unilateral (renúncia verdadeira).
Na aquisição originária a extensão do direito adquirido depende do facto ou título aquisitivo (por exemplo
a criação de uma obra musical que origina direitos de autor).
Na aquisição derivada, além de depender do facto aquisitivo, a extensão do direito depende da
amplitude do direito do transmitente e não pode, em regra, ser maior que esse direito: nemo plus juris
ad alium transferre potest quam ipse haberet.(tradução: Ninguém pode transmitir para outrem dtos q não
tem ou mais direitos do que aqueles que possui).
Nota: O princípio nemo plus juris tem, contudo, excepções: por vezes o adquirente obtém um direito que
não pertencia ao transmitente ou que é mais amplo do que aqueles que pertenciam ao transmitente.
As excepções à regra nemo plus juris funcionam como protecção do terceiro adquirente a non domino.
Excepções:
[Escrever texto]
Devem ser registados os actos inerentes a bens imóveis e a alguns bens móveis (ou por escritura pública
ou por documento particular autenticado). (O decreto-lei 116/2008 de 4 de Julho torna o registo
obrigatório, para dar publicidade a estes actos.)
O registo não é um meio de aquisição de direitos, nem precisa de o ser pois o acto é plenamente eficaz
inter partes, o que quer dizer que mesmo na falta de registo há aquisição de direitos.
A consequência da falta de registo é a ineficácia do acto em relação a terceiros.
O que são terceiros [adquirentes] para efeitos de registo?
Segundo Manuel de Andrade são as “pessoas que do mesmo autor ou transmitente adquiriram direitos
incompatíveis (total ou parcialmente) sobre o mesmo objecto”.
Vejamos alguns casos práticos:
A c/v de y (2005) B não registou.
Neste caso A celebra um contrato de compra e venda com B de um bem imóvel “y”, porém B não faz o
devido registo. Mais tarde, A que já não é proprietário (pois o negócio é válido e eficaz inter partes), e por
essa razão, violando o princípio nemo plus juris, vende o mesmo bem a C e C faz o registo do imóvel. Quid
juris?
R.: Apesar de o negócio celebrado entre A e B ter validade e eficácia inter partes (art. 4º Cód. Reg.
Predial) e de segundo o princípio nemo plus juris não se poder adquirir um direito se ele não existe na
titularidade do transmitente, não há eficácia em relação a terceiros se não houver registo (excepção ao
princípio nemo plus juris), pelo que prevalece a venda a C.
Contudo, A cometeu um acto ilícito – não tem legitimidade para vender o bem “y”, vendeu um bem
alheio – e pode ser condenado, nomeadamente através de uma indemnização a B – ver art. 892º CC. Como
vemos do art. 892º, a falta de legitimidade é um vício que tem como consequência a nulidade, porém, o
facto de C ter registado cobre esse vício.
Ratio: B teve hipótese de registar e era o que deveria ter feito, pois apesar de o registo não dar direitos,
conserva-os. A falta de legitimidade é o único vício que o registo cobre. Assim, C que é terceiro para efeitos
de registo (ver definição), beneficia desta excepção ao princípio nemo plus juris.
Nota importante: segundo o curso, que tem opinião contrária à escola de Lisboa, isto seria assim ainda
que C estivesse de má fé e tivesse adquirido a título gratuito, pois: 1 – “o Direito não protege os
preguiçosos”; 2 – com o registo pretende-se assegurar a segurança jurídica e a protecção contra a má fé de
terceiro seria um desincentivo ao registo; 3 – a lei não faz distinção entre haver ou não boa fé por parte de
terceiro; 4 – o que adquire a título gratuito tem tantas expectativas dignas de tutela como o adquirente a
título oneroso.
Outro caso:
A vende y a B.
C vende y a D e este regista primeiro que B. Quid juris?
[Escrever texto]
R.: Prevalece a primeira venda – ver 892º CC. D poderia ter verificado se o bem estava registado em nome
de C, se o tivesse feito veria que não estava, quando muito estaria em nome de A, visto que B ainda não
tinha registado.
A X B
C está de boa fé
A vende um prédio a B que regista e pouco depois vende a C que também regista. A venda de A a B é
declarada nula ou então é anulada. Quid juris?
R.: Dado o efeito retroactivo da invalidade da primeira compra (art. 892ºCC), provoca-se uma
invalidade derivada ou consequencial da segunda. Apesar de C ter registado, o registo estabelece apenas
uma presunção tantum iuris (que é elidível, que admite prova em contrário – está no art. 7º Cód. Reg.
Predial) da existência de propriedade da pessoa a favor de quem o prédio está registado e, tendo sido
declarado nulo ou anulada, provou-se que B não era proprietário apesar de ter o registo do bem em seu
nome, logo não pode vender a C e C não tem direito ao prédio.
Mas não há uma protecção da confiança de C, que é terceiro adquirente de boa fé?
O ordenamento jurídico premeia a boa fé de C, mas para que C tivesse direito teriam de se verificar os 5
requisitos (cumulativamente) previstos no art. 291º do CC (1- tratar-se de bens imóveis ou móveis
sujeitos a registo; 2- boa fé sem culpa; 3- onerosidade da aquisição por C; 4- registo da aquisição por C; 5-
decurso de um prazo de três anos sobre o negócio), o que implicaria outra excepção ao princípio nemo
plus juris – ver definição acima. Nota bem que o 291º surge para tutelar terceiros de boa fé, mas este
terceiro não é terceiro para efeitos de registo (ver o sublinhado da definição acima mencionada).
Estes terceiros (de um esquema linear e não triangular) são aqueles que estando inseridos na mesma
cadeia de transmissões vêm a sua posição jurídica posta em causa por uma invalidade que atinge o
negócio anterior.
A X B
C está de boa fé
A vende um prédio a B que regista e pouco depois o doa a C que também regista.
A pretende arguir a nulidade do primeiro negócio, por motivo de simulação. Quid juris?
R.: Neste caso já não se verifica o pressuposto no art. 291º previsto para a generalidade dos casos, mas
sim o artigo 243º, previsto especialmente para as situações de simulação. Estamos pois, perante um regime
especial.
O art. 243º é muito menos rigoroso do que o artigo 291º, desde logo porque apenas exige a boa fé do
terceiro, mesmo que seja uma boa fé negligente (há boa fé negligente se C não conhecia a existência do
vício, mas devia conhecer dadas as circunstâncias). [Manuel de Andrade diz mesmo que não basta para
haver má fé, a cognoscibilidade da simulação ou a suspeita da sua existência (contrariando em parte o nº 2
do 243º) por considerar que estas são «pecados veniais» em face da má fé dos simuladores]. Essa boa fé de
[Escrever texto]
C deve ser tutelada. Lembremos Orlando de Carvalho, que nos ensina que são terceiros para fins de tutela
da boa fé aqueles que “integrando-se numa e mesma cadeia de transmissões, vêem a sua posição afectada
por uma ou várias causas de invalidade anteriores ao acto em que foram intervenientes.” É o caso. Além
disso, a expressão quaisquer terceiros de boa fé, permite-nos concluir que as disposições do art. 243º são
válidas quer os seus direitos derivem de um acto gratuito ou oneroso. Já as anulabilidades ou as nulidades
provenientes de causa diversa de simulação, são, como já vimos, inoponíveis a terceiros de boa fé mas só
se estiverem verificados certos requisitos, não só o da onerosidade do negócio, como outros (art. 291º) e
que este art. 243º não exige.
Nota bem: Neste caso foi um simulador a arguir a nulidade do negócio (ver 243º/1). Segundo a posição do
curso, aconteceria o mesmo se fosse arguida por alguém a ocupar a sua posição (os herdeiros, salvo se
intervirem para proteger as suas “legítimas” – a herança). Mas se for um credor de A a arguir a nulidade do
negócio simulado, tem toda a legitimidade para pedir a declaração de nulidade visto que o seu património
está a ser ameaçado e sendo assim pode não haver inoponibilidade da simulação em relação a terceiros de
boa fé (ver tb 605º), aplicando-se o regime geral do artigo 291º CC.
Ocorre uma modificação de direitos sempre que há uma alteração de um elemento de um direito,
embora o direito seja o mesmo e não um direito novo, pois não se altera o seu núcleo. O direito muda mas
não se extingue.
Modificação subjectiva: qd tem lugar uma substituição do titular do direito, ou uma multiplicação dos
sujeitos por adjunção. Ex.: cessão de créditos (art. 577º); assunção da dívida (art. 595º) ou co-assunção da
dívida.
Modificação objectiva: qd há uma modificação do conteúdo ou do objecto do direito.
Ex.: modificação do conteúdo: o credor concede ao devedor uma prorrogação do prazo para o
cumprimento. Ex.: modificação do objecto: o devedor não cumpre culposamente a obrigação. O dever de
prestar muda para um dever de indemnizar.
Como já sabemos, os negócios jurídicos são actos jurídicos compostos por uma ou mais declarações de
vontade com a intenção de alcançar efeitos práticos sob a tutela da ordem jurídica que determina a
produção de efeitos jurídicos concordantes com a intenção dos sujeitos, i. e., com o conteúdo da vontade
das partes, tal como o conteúdo é objectivamente apercebido (de fora). O comportamento que,
exteriormente observado, aparece como manifestação de uma vontade chama-se comportamento
declarativo e é esse comportamento que é verdadeiramente constitutivo do negócio. Nem sempre, mas
por norma, esta aparência corresponde a uma vontade real, daí que o negócio jurídico seja o instrumento
principal de realização do princípio da autonomia privada. E por isso se diz que os efeitos dos negócios
jurídicos produzem-se ex voluntate e ex lege.
17. RELAÇÃO ENTRE A VONTADE EXTERIORIZADA NA DECLARAÇÃO NEGOCIAL E OS EFEITOS JURÍDICOS DO NEGÓCIO
Para esta doutrina os efeitos jurídicos produzidos, tal como a lei os determina, são totalmente
correspondentes ao conteúdo da vontade das partes. Logo, afirma-se que a vontade das partes se dirige à
produção de certos e precisos efeitos jurídicos. E mesmo os efeitos que derivam de normas supletivas (que
podem ser afastadas pela vontade das partes, mas que vigoram se as partes nada disserem a esse respeito)
resultam de uma vontade tácita das partes.
Crítica: se assim fosse, só os juristas completamente informados sobre o ordenamento poderiam celebrar
negócios, visto que as restantes pessoas não têm uma noção exacta de todos os efeitos que o
ordenamento jurídico atribui às suas declarações de vontade e quanto às normas supletivas, nem todas
correspondem à vontade normal das partes, embora isso possa acontecer.
Segundo esta teoria, as partes apenas querem ver realizados certos efeitos práticos, em via de regra de
carácter económico ou social, sem carácter ilícito.
Crítica: Os negócio jurídicos distinguem-se de outros acordos de vontade sem enquadramento jurídico,
tais como de cortesia, praxes sociais, moral, etc)
É o ponto de vista correcto: as partes, ou seja, os autores dos neg. jur., visam certos resultados práticos,
mas também há uma vontade de efeitos jurídicos, na medida em que se pretende alcançar efeitos práticos
sob a alçada da ordem jurídica, de forma a poderem fazer valer os seus direitos caso não vejam satisfeitas
as suas legítimas exigências.
Negócios unilaterais: há uma declaração de vontade ou várias declarações, mas paralelas formando um
só grupo. (ex.: testamento, procuração)
Contratos ou NJ bilaterais: há duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas
convergentes, ajustando-se na sua comum pretensão de produzir um resultado jurídico unitário, embora
com um significado para cada parte. (ex.: compra e venda)
Negócios unilaterais receptícios: a declaração só é eficaz, se for e quando for dirigida e levada ao
conhecimento de certa pessoa (ex.: renúncia à hipoteca – 731ºCC);
Negócios unilaterais não receptícios: basta a emissão da declaração, sem ser necessário comunicá-la a
quem quer que seja (testamento, acto de instituição das fundações).
Os negócios formais ou solenes, são aqueles para os quais a lei prescreve a necessidade da observância
de determinada forma, o acatamento de determinado formalismo ou de determinadas solenidades
(imposto por lei).
Os negócios não solenes (consensuais, tratando-se de contratos), são os que podem ser celebrados por
quaisquer meios declarativos aptos a exteriorizar a vontade negocial.
Nota: o princípio geral do Código Civil em matéria de formalismo negocial é o princípio da liberdade
declarativa ou liberdade de forma ou consensualidade (art. 219º CC).
Quando, nos casos excepcionas em que a lei prescrever uma certa forma, esta não for observada, a
declaração negocial é nula.
Os negócios reais são aqueles negócios em que se exige, além das declarações de vontade das partes,
formalizadas ou não, a prática anterior ou simultânea de um certo acto material.
O negócio é real, obrigacional, familiar ou sucessório, consoante dele resulte a constituição, a modificação
ou a extinção de uma RJ real, obrigacional, familiar ou sucessória. A importância desta classificação resulta
da diversa extensão que o princípio da liberdade contratual (art. 405º ) reveste em cada uma das
categorias:
Negócios sucessórios: o princípio da liberdade contratual sofre várias restrições neste domínio – sucessão
legitimaria, proibição dos pactos sucessórios, etc.
Negócios familiares pessoais: a liberdade contratual está praticamente excluída, podendo apenas os
interessados celebrar ou deixar de celebrar o negócio, mas não podendo fixar-lhe livremente o conteúdo,
nem podendo celebrar contratos diferentes dos previstos na lei.
Negócios familiares patrimoniais: existe, com alguma largueza, a liberdade de convenção (art. 1698º CC),
sofrendo embora restrições (arts. 1699º 1714º CC).
Negócios reais: o princípio da liberdade contratual sofre considerável limitação derivada do princípio da
tipicidade ou do “numerus clausus”, visto que “não é permitida a constituição, com carácter real, de
restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei”
(art. 1306º). Só podem constituir-se direitos reais típicos, embora essa constituição possa resultar de um
negócio inominado ou atípico.
Negócios obrigacionais: vigora o princípio da liberdade negocial, todavia quanto aos negócios unilaterais
vigora o princípio da tipicidade (art. 457º CC).
Também aqui temos um contrato patrimonial ou pessoal consoante dele resulte a constituição, a
modificação ou a extinção de uma RJ patrimonial ou pessoal.
É de salientar que os negócios pessoais tb são “fora do comércio jurídico”, pelo que quanto a problemas
como o da interpretação do negócio jurídico e o da falta da vontade ou vícios da vontade, não têm que
atender às expectativas dos declaratários nem aos interesses gerais da contratação, mas apenas à
vontade real, psicológica do declarante. Ou seja, há uma prevalência da vontade real sobre a sua
manifestação exterior.
Na disciplina dos negócios patrimoniais, por exigência da tutela da confiança do declaratário e dos
interesses do tráfico jurídico, a vontade manifestada ou declarada triunfa sobre a vontade real.
Negócios concretos: o seu conteúdo relaciona-se com a função económica ou social ou a RJ que
constituiu a sua causa (é a regra).
Negócios abstractos: negócios cujos efeitos estão separados da sua causa ou que podem preencher
várias funções.
Negócios gratuitos ou a título gratuito: caracterizam-se ao invés, pela intervenção de uma intenção
liberal, por um espírito de liberalidade. Uma parte tem a intenção devidamente manifestada, de efectuar
uma atribuição patrimonial a favor de outra, sem contrapartida ou correspectivo. A outra parte procede
com a consequência e vontade de receber essa vantagem sem um sacrifício correspondente.
(Nota: tb há contratos unilaterais onerosos: ex.: mútuo oneroso art. 1145º.)
São uma subespécie dos negócios onerosos. Caracterizam-se pelo facto de uma pessoa prometer certa
prestação em troca de uma qualquer participação nos proventos que a contraparte obtenha por força
daquela prestação (ex. art. 1121º CC).
A utilidade da distinção está relacionada com a restrição por força da lei ou sentença, dos poderes de
gestão patrimonial, seja de bens alheios, de bens próprios e alheios (casos de prodigalidade), ou apenas de
bens próprios (inabilitação).
Negócios de mera administração ou de ordinária administração: são os correspondentes a uma gestão
comedida e limitada, donde estão afastados os actos arriscados, susceptíveis de proporcionar grandes
lucros, mas também de causar prejuízos elevados. São os actos correspondentes a uma actuação prudente,
dirigida a manter o património e aproveitar as suas virtualidades normais de desenvolvimento, “mas alheia
à tentação dos grandes voos que comportam risco de grandes quedas”.
Negócios de disposição: são os que, dizendo respeito à gestão do património administrado, afectam a sua
substância, alteram a forma ou a composição do capital administrados, atingem o fundo, a raiz, o casco dos
bens. São actos que ultrapassam aqueles parâmetros de actuação correspondente a uma gestão de
prudência e comedimento sem riscos.
_______________________________________________________________________________
(É nos arts. 217º a 333º do Código que se encontra o fundamento do regime dos negócios jurídicos.)
I – ESSENCIAIS: estes elementos são os requisitos ou condições gerais de validade de qualquer negócio.
CAPACIDADE DAS PARTES (ou legitimidade, quando a sua falta implica invalidade)
DECLARAÇÃO DE VONTADE SEM ANOMALIAS
IDONEIDADE DO OBJECTO (os requisitos de idoneidade do objecto negocial são três e estão formulados
no art. 280º CC: Licitude; Possibilidade física; Determinabilidade.
(De notar que há elementos essenciais dos NJ em geral e elementos essenciais de um certo tipo de NJ.)
II – NATURAIS: são os efeitos negociais que derivam de normas supletivas (qd as partes nada decidem
acerca de certo aspecto, como local, etc), embora possam ser excluídos por estipulação expressamente
formulada pelas partes.
III – ACIDENTAIS: o NJ é válido sem estes elementos, mas existem para a realização plena da autonomia
privada das partes. São as cláusulas acessórias dos NJ.
Capacidade: traduz-se num modo de ser ou qualidade do sujeito em si. No domínio dos negócios jurídicos
fala-se de capacidade negocial de gozo e da capacidade negocial de exercício.
O Código Civil regula a declaração negocial nos arts. 217º e ss. Trata-se de uma realidade componente ou
constitutiva da estrutura do negócio.
A capacidade de gozo ou de exercício e a legitimidade são requisitos de validade, importando a sua falta
uma invalidade. A idoneidade do objecto negocial também, pois a sua falta implica a nulidade do negócio.
Diversamente, a declaração negocial é um elemento verdadeiramente integrante do negócio jurídico,
conduzindo a sua falta à inexistência material do negócio.
Quanto ao conteúdo dos NJ, vigora o princípio da liberdade negocial (art. 405º CC). Quanto à forma (“lato
sensu”) é igualmente reconhecido pelo ordenamento jurídico um critério de liberdade: o princípio da
liberdade declarativa (arts. 217º e 219º CC).
Declaração expressa: quando feita por palavras, escrito ou quaisquer outros meios directos, frontais e
imediatos de expressão da vontade. (por vezes a lei estabelece que a declaração negocial seja expressa –
413º nº1, 587º nº 2)
[Escrever texto]
Tácita: quando do seu conteúdo directo se infere um outro, “quando se deduz de factos que, com toda a
probabilidade, a revelam” – bastando que conforme os usos do ambiente social a dedução tenha lugar com
toda a probabilidade. (por vezes a lei frisa a possibilidade de declaração tácita: ver artgs. 288º nº3, 302º
nº2).
Em conformidade com o critério de interpretação dos negócios jurídicos consagrado no Código Civil (art.
236º), deve entender-se que a concludência dum comportamento, no sentido de permitir concluir um certo
sentido negocial, não exige a consciência subjectiva por parte do seu autor desse significado implícito,
bastando que, objectivamente, de fora, ele possa ser deduzido do comportamento do declarante.
Trata-se, principalmente de saber se o silêncio (nada dizer ou nada fazer) pode considerar-se um facto
concludente (declaração tácita) no sentido da aceitação de propostas negociais.
O CC diz no art. 218º que o silêncio não vale como declaração negocial, a não ser que esse valor lhe seja
atribuído por lei, convenção ou uso.
O silêncio é, em si mesmo, insignificativo pelo que deve considerar-se irrelevante um comportamento
omissivo. De outro modo, ao enviar a outrem uma proposta de contrato estaria a criar-se-lhe o ónus de
responder, a fim de evitar a conclusão do negócio, o que viola a ideia de autonomia das pessoas.
Afasta-se igualmente a ideia de que o silêncio vale como declaração quando o silenciante podia e devia
falar.
Não seria isento de dúvidas quando é que alguém podia e devia falar.
É necessário que resulte da lei, de convenção ou de uso que a ausência de resposta tem um certo sentido.
A declaração negocial presumida (presunção tantum juris) tem lugar quando a lei liga a determinado
comportamento o significado de exprimir uma vontade negocial, podendo ilidir-se tal presunção mediante
prova em contrário (art. 350º/1/2 CC).
A declaração negocial ficta tem lugar sempre que a um comportamento seja atribuído um significado
legal tipicizado, sem admissão de prova em contrário (presunção absoluta ou irredutível, art. 350º/2 CC).
O regime regra é o de as presunções legais poderem ser ilididas mediante prova em contrário, só
deixando de ser assim quando a lei o proibir (art. 350º/2 CC). Quer dizer: salvo os casos excepcionais
consagrados na lei, as presunções legais são presunções “tantum juris”.
Emitido certo comportamento declarativo, pode o seu autor recear que lhe seja imputado, por
interpretação, um certo sentido. Para o impedir, o declarante afirma abertamente não ser esse o seu
intuito.
A esta contradeclaração dá-se o nome de protesto. O protesto tem o nome de reserva, quando consiste
na declaração de que um certo comportamento não significa renúncia a um direito próprio, ou
reconhecimento de um direito alheio (uma vítima de um acidente recebe do causador uma soma
pecuniária mas afirma que não renuncia ao pagamento total dos danos).
Inconvenientes:
a) Redução da fluência e celeridade do comércio jurídico;
b) Eventuais injustiças, derivadas de uma desvinculação posterior de uma parte do negócio, com
fundamento em nulidade por vício de forma, apesar de essa parte ter querido efectivamente o acto jurídico
negociável.
As declarações receptícias ganham eficácia logo que são conhecidas do destinatário, as restantes tornam-
se eficazes logo que a vontade se manifesta na forma adequada.
(Ver artgs. 224º e ss) Vigora a doutrina da recepção qt ao momento da sua conclusão: o contrato está
perfeito quando a resposta, contendo a aceitação, chega à esfera de acção do proponente (destinatário),
isto é, quando o proponente passa a estar em condição de a conhecer (local de negócios, casa…). O risco de
uma enfermidade, ausência transitória de casa, etc corre por conta do destinatário. Ver tb 224º nº2; 225º.
Os problemas a que a hermenêutica (interpretação) dos NJ deve dar resposta, surgem em paralelo com o
problema da interpretação da lei (art. 9º CC) e são principalmente dois:
1 – Quais os subsídios (meios) que o intérprete deve tomar em consideração na busca do sentido negocial
relevante?
Notas:
Se o declaratário estava em condições de saber que a vontade real do declarante era outra (seja
qual for a causa da descoberta da real intenção do declarante), e isso é provado, o sentido da declaração
negocial que vale é o correspondente à vontade real, de forma a proteger as expectativas do declaratário
(236º nº 2).
O sentido querido realmente pelo declarante releva mesmo qd a formulação é ambígua ou inexacta
se o declaratário conhecer esse sentido. Para os negócios formais ver o art. 238º nº 1 e nº 2. [Caso prático:
A faz um testamento em que escreve: deixo a minha biblioteca ao meu amigo João Cruz. Na verdade
[Escrever texto]
referia-se à garrafeira e os amigos e família sabem que ele se referia assim à garrafeira. Segundo o 2187º
nº1/2 e o 238º, o intérprete deve preocupar-se em saber o que quis o testador]
Quando a interpretação leva a um resultado duvidoso, o juiz socorre-se do art. 237º, mas se a
dúvida resultar de um contrato de adesão interpreta-se a cláusula contra o pré-disponente, a parte mais
forte, a empresa (in dubio contra stipulatorem).
No caso de haver lacunas devem ser integradas, aplicando o art. 239º. Recorre-se: 1º – disposições
supletivas da lei; 2º – vontade hipotética das partes; 3º – boa fé - sendo que nem as disposições supletivas
da lei nem a vontade hipotética das partes pode contrariar os ditames da boa fé). Contudo, a integração
não pode ter lugar se o resultado conduz a uma ampliação do objecto negocial que foi pretendido pelas
partes (ex.. A vende a B 100 pastilhas por um preço unitário, não se pode pretender a entrega de 150 ao
mesmo preço p/ unidade, ainda que se prove que no momento do contrato A teria vendido e B teria
comprado mais 50, se o ponto tem sido tratado).
Há divergência intencional:
Na simulação: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, por
força de um conluio com o declaratário, com a intenção de enganar terceiros. (ex: venda fantástica - A
finge vender um prédio a B para criar uma aparência danosa para os seus credores)
Na reserva mental: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real,
sem qualquer conluio com o declaratário, visando precisamente enganar este. (ex: A declara fazer uma
doação a B que está cheio de dívidas, sem que tenha essa intenção, é somente para que B não se suicide)
Nas declarações não sérias: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade
real, mas sem intuito de enganar qualquer pessoa (declaratário ou terceiro). O autor da declaração está
convencido que o declaratário se apercebe do carácter não sério da declaração. (ex: declarações jocosas,
didácticas, cénicas, publicitárias…)
Na falta de consciência da declaração: o declarante emite uma declaração sem sequer ter
consciência (a vontade) de fazer uma declaração negocial, podendo até faltar completamente a vontade de
agir.
Coacção física ou violência absoluta: o declarante é transformado num autómato, sendo forçado a
fazer, dizer ou escrever o que não quer, não através de uma mera ameaça (coacção moral ou psicológica)
mas por força do emprego de uma força física irresistível que o instrumentaliza e leva a adoptar o
comportamento.
46. TEORIAS QUE VISAM RESOLVER O PROBLEMA DA DIVERGÊNCIA ENTRE A VONTADE E A DECLARAÇÃO
São expostas por ordem cronológica, segundo a progressiva atenção dada ao lado do declaratário e do
comércio jurídico:
a) Teoria da vontade: defende a invalidade do negócio (não vale nem a vontade real nem a
declarada), desde que se verifique uma divergência entre a vontade e a declaração e sem necessidade de
mais requisitos.
b) Teoria da culpa “in cotrahendo”: parte da teoria da vontade, mas acrescenta-lhe a obrigação de
indemnizar a cargo do declarante, uma vez anulado o negócio com fundamento na divergência, se houve
dolo ou culpa deste no dissídio entre a vontade e a declaração e houve boa fé por parte do declaratário; a
indemnização visa cobrar o interesse da confiança, isto é, visa repor o declaratário, lesado com a
invalidade, na situação em que estaria se não tivesse chegado a concluir o negócio.
c) Teoria da responsabilidade: dá-se mais atenção à protecção da confiança: e houve dolo ou culpa
do declaratário e houve boa fé por parte do declaratário o negócio é válido.
1) Modalidade primitiva e externa: característica dos direitos formalistas – se a forma ritual foi
observada, produzem-se certos efeitos, mesmo que não tenham sido queridos.
2) Modalidades modernas e atenuadas: doutrina da confiança – a divergência entre a vontade real e
o sentido objectivo da declaração, isto é, só produz a invalidade do negócio se for conhecida ou cognoscível
do declaratário (razoável). Doutrina da aparência eficaz – subscreve a anterior, acrescentando que se o
declaratário não tiver percebido a vontade real do declarante nem o sentido objectivo, mas antes confiado
num terceiro sentido, deve o negócio ser inválido.
Não é possível adoptar uma opção rígida por um dos lados da dicotomia (teoria da vontade, teoria da
declaração), isso seria um regresso ao conceitualismo. Deve-se apenas formular uma directriz, uma
tendência, que permita excepções de forma a possibilitar soluções razoáveis e adequadas. Posto isto,
damos preferência à teoria da confiança com a limitação da doutrina da aparência eficaz. Vejam-se as
soluções dadas pelo CC a cada uma das formas que esta divergência reveste – arts. 244º a 247º.
§ 2.º – A SIMULAÇÃO
Simulação inocente: há o mero intuito de enganar terceiros, sem os prejudicar. Ex: doação simulada com
fim de ostentação.
Simulação fraudulenta: há o intuito de prejudicar terceiros ilicitamente ou de contornar qualquer norma
da lei. Esta distinção é aludida no art. 242º/1. É a mais frequente. Exs.: venda fantástica, venda que disfarça
uma doação (por ex. para contornar o 953º)
Simulação absoluta: as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum
negócio jurídico, há apenas o negócio simulado e, por detrás dele, nada mais
Simulação relativa: as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro
negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. – problema solucionado pelo art. 241º/2 CC - enquanto que o
negócio simulado é nulo, na simulação relativa surge o problema do tratamento a dar ao negócio
dissimulado ou real que fica a descoberto com a nulidade do negócio simulado.
A simulação relativa manifesta-se em, espécies diversas consoante o elemento do negócio dissimulado a
que se refere: simulação dos sujeitos ou do conteúdo do negócio.
Nota: A interposição fictícia de pessoas não se deve confundir com a interposição real. Na interposição
fictícia há um conluio entre os dois sujeitos reais da operação e o interposto. Neste último, não há conluio
entre os três sujeitos. (ex.: A sabe que B não lhe venderia o bem “x”, então manda C comprar o bem para
depois lho dar, mesmo que B saiba que C contrata por conta de outrem, embora em nome próprio – 1180º)
I – Doutrina geral: Tal como na simulação absoluta, o negócio simulado está ferido de nulidade. Mas o
negócio dissimulado terá o mesmo tratamento jurídico que lhe caberia se não tivesse sido dissimulado.
Ver art. 241º. Neste caso, pode ser válido e eficaz ou inválido.
II – Simulação em prejuízo da Fazenda Nacional: actualmente há que ter em conta o disposto no art.
38º/2 da Lei Geral Tributária segundo o qual se prevê a ineficácia no «âmbito tributário» dos actos ou
negócios jurídicos fraudulentos e o art. 39º da mesma lei segundo o qual, em caso de simulação, a
tributação recai sobre o negócio real (dissimulado).
III – Efeitos da simulação quanto aos negócios formais: ver o art. 241/2. Se não foram cumpridos os
requisitos de forma exigidos para o neg. dissimulado este será nulo por vício de forma (mesmo que se
tenham verificado as formalidades para o negócio aparente/simulado).
O art. 242º/1 atribui legitimidade aos próprios simuladores para a arguição da nulidade do negócio
simulado, ainda que a simulação seja fraudulenta, porém esta possibilidade sofre uma apreciável restrição
indirecta por força do art. 394º/2, que não permite a prova testemunhal do acordo simulatório nem do
negócio dissimulado. Em conformidade com o art. 351º tb não se admite prova por presunções. Assim, a
prova só pode ser feita ou por prova documental ou por confissão.
Conforme o art. 286º ressalvado no art. 242º/1, a nulidade do negócio simulado pode, como em todas as
invalidades, ser invocada por qualquer interessado e declarada ex officio pelo tribunal.
Conceito de terceiros para efeitos de invocação da simulação: quaisquer pessoas, titulares de uma relação
(jurídica ou não) afectada pelo negócio simulado e que não sejam os próprios simuladores ou os seus
herdeiros (depois da morte do de cujus). Por ex.: a Fazenda Nacional, os credores e os preferentes.
Os simuladores tb podem invocar a nulidade do negócio, como já vimos, não como terceiros, mas como
simuladores, com as naturais restrições que daí advêm (ver ponto anterior).
Os herdeiros também o podem fazer, mas como sucessores do simulador (com as mesmas restrições que
os simuladores conhecem em vida). A não ser que seja para defender as suas legítimas (heranças), neste
caso intervêm na qualidade de terceiros.
Ver ainda 242º/2.
58. ARGUIÇÃO DA SIMULAÇÃO CONTRA TERCEIROS INTERESSADOS NA VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – VER PÁGINA 8 –
“Inoponibilidade da simulação em relação a terceiros de boa fé” (IMPORTANTE)
Além do que se refere na resposta ao caso prático e que nos esclarece neste ponto, vejamos com atenção
o seguinte caso:
A na realidade vendeu a B o prédio “x” por 100 mil €, mas declarou-se simuladamente um preço de 30 mil
€ para se obterem benefícios fiscais. A vem a arrepender-se da venda e pretende arguir a nulidade por
[Escrever texto]
simulação e tem provas documentais dessa simulação (contradeclarações). Porém, porque C era
arrendatário do prédio que A vendeu, era preferente e pretende ser protegido pela inoponibilidade da
simulação em relação a terceiros, pois dessa forma irá preferir pelo preço declarado – 30 mil €. (lucrando
assim em 70 mil € com a validade do negócio). Quid juris?
R.: Defendemos que quando se lê na epígrafe do art. 243º: “inoponibilidade da simulação em relação a
terceiros de boa fé”, consideramos terceiros para este efeito aquelas pessoas cujos direitos seriam
prejudicados pela invalidação do negócio simulado, mas já não consideramos para este efeito aqueles que
apenas lucrariam com a validade do mesmo negócio. Seguindo também Orlando de Carvalho, que define
serem terceiros para fins de tutela da boa fé aqueles que “integrando-se numa e mesma cadeia de
transmissões, vêem a sua posição afectada por uma ou várias causas de invalidade anteriores ao acto em
que foram intervenientes.”, percebemos que C não é terceiro para fins de tutela da boa fé.
É irrazoável defender a desonestidade dos simuladores, mas tb o é defender a torpeza do preferente,
seria mesmo uma situação de abuso de direito (ver art. 334º).
59. CONFLITOS DE INTERESSES ENTRE TERCEIROS INTERESSADOS NA NULIDADE E TERCEIROS INTERESSADOS NA VALIDADE DO
NEGÓCIO JURÍDICO
Se não se entender que o art. 243º é aplicável apenas à arguição da nulidade pelos simuladores, tornam-
se possíveis conflitos entre terceiros que querem a validade ou a nulidade do negócio simulado:
A prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado por terceiros é livre, podendo ser feita por
qualquer dos meios admitidos por lei: confissão, documentos, testemunhas, presunções etc., dado que lei
não estabelece quaisquer restrições.
Quanto à prova da simulação pelos próprios simuladores, a lei estabelece, quando o negócio simulado
conste de documento autêntico ou particular, a importante restrição constante do art. 394º/2: não é
admissível o recurso à prova testemunhal e, consequentemente, estão também excluídas as presunções
judiciais (art. 351º CC).
Segundo o art. 244º/1 CC, são duas as notas que definem o conceito de reserva mental:
(1) emissão de uma declaração contrária à vontade real;
(2) intuito de enganar o declaratário.
[Escrever texto]
Os efeitos desta figura são determinados pelo art. 244º/2 CC, onde se estatui a irrelevância da reserva
mental, excepto se for conhecida do declaratário. (por razões de justiça e segurança) Por consequência, a
declaração negocial emitida pelo declarante, com a reserva de não querer o que declara (ocultada ao
declaratário), não é em princípio nula, a não ser que o negócio seja nulo como na simulação, nesse caso, se
o declaratário conheceu a reserva, não há confiança que mereça tutela.
Não basta para a relevância da reserva, a sua cognoscibilidade (que seja possível ser conhecida), sendo
necessário o seu efectivo conhecimento.
Ao contrário da reserva fraudulenta, a reserva inocente tem como propósito trazer vantagem para o
declaratário (para o dissuadir do suicídio, tranquilizar um moribundo…), por isso pergunta-se se nestes
casos não bastará a sua cognoscibilidade. Cremos que a rigidez do art. pode ser atenuada, nalguns casos,
com o art. 334º, para que a intenção do declaratário no sentido da validade não exceda os limites da boa fé
ou dos bons costumes.
Não se admite a sua oponibilidade pelo declarante a terceiros de boa fé (art. 243º/1 CC).
Ver art. 245º. Exs.: declarações jocosas, cénicas ou didácticas. Nelas não há o intuito de enganar e há
mesmo a expectativa do declarante de que não sejam tomadas a sério. Se faltam estes requisitos, como no
caso da graça malévola feita para enganar, com a convicção de que o destinatário se convencerá da
seriedade da declaração, a figura é a da reserva mental.
O disposto no art. 245º/2 CC é somente aplicável quando, não obstante a expectativa do declarante, o
declaratário acreditou na declaração e essa crença é justificável, dadas as circunstâncias em que o caso
ocorreu. Três condições são portanto, necessárias para que o declarante seja obrigado a indemnizar a
contraparte: 1 - que o declaratário tenha tomado a sério a declaração;
2 - que a convicção do declaratário tenha sido provocada pelas circunstâncias em que a declaração foi
emitida;
3 - que seja justificado e aceitável o erro em que o declaratário caiu.
Na coacção física ou absoluta o coagido tem a liberdade de acção totalmente excluída, enquanto que na
coacção moral ou relativa está coibida, mas não excluída.
O Código Civil prevê, sob a epígrafe “coacção física” (art. 246º), a hipótese de o declarante ser “coagido
pela força física a emitir” a declaração. Têm-se em vista as hipóteses em que o declarante é reduzido à
condição de puro autómato (coacção absoluta) e não aquelas em que o emprego da força física não chega
aos extremos da “vis absoluta” – se há um uso de meios físicos e ameaça da sua perduração, o que gera o
negócio é o receio da persistência de um mal físico já em começo de execução, então o caso integra-se na
hipótese do art. 255º. A coacção física ou absoluta importa, nos termos do art. 246º, a ineficácia da
declaração negocial – não produz qualquer efeito. O declarante, vítima da coacção, não tem qualquer
dever de indemnização para com o declaratário.
A hipótese está referida no art. 246º: “se o declarante não tiver consciência de fazer uma declaração
negocial”. Estatui-se que o negócio não produz qualquer efeito, mesmo que a falta de consciência da
declaração não seja conhecida ou cognoscível da declaratário. Trata-se de um caso de nulidade, salvo na
hipótese de falta de vontade de acção em que parece estar-se, antes, perante um caso de verdadeira
inexistência da declaração. Com efeito, quando falta a vontade de acção não há um comportamento
consciente, voluntário, é um acto reflexo ou, na hipótese de coacção física, absolutamente forçado, embora
exteriormente pareça estar-se perante uma declaração.
[Escrever texto]
Se o declarante for, porém, culpado da falta de consciência da declaração, o declaratário tem direito a ser
indemnizado do dano coberto pela chamada responsabilidade pré-contratual ou por culpa in contrahendo.
Erro sobre o conteúdo da declaração - Nestas hipóteses o declarante tem a consciência de emitir uma
declaração negocial, mas, por lapso da actividade (erro mecânico) ou por “error in judicando” (atribuição às
palavras de um significado diverso do seu sentido objectivo), não se apercebe de que a declaração tem um
conteúdo divergente da sua vontade real.
O princípio geral regulador destas hipóteses consta do art. 247º, exigindo-se para a anulação do negócio
que “o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento
sobre que incidiu o erro”.
A lei não exige o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro, admitindo a anulabilidade em termos
excessivamente fáceis e gravosos para a confiança do declaratário e para a segurança do tráfico jurídico.
Contenta-se com o conhecimento ou a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o
erro, embora este conhecimento possa não ter suscitado ao declaratário qualquer suspeita ou dúvida
acerca da correspondência entre vontade real e a declarada. Nesses casos, só recorrendo ao art. 334º (há
abuso do direito de anular).
Certas hipóteses merecem tratamento especial, assim:
1. Se o declaratário se apercebeu do dissídio entre a vontade real e a declarada e conheceu a
vontade real (art. 236º/2 CC);
2. Se o declaratário conheceu ou devia ter conhecido o erro, o regime aplicável continua a ser a
anulabilidade (tal como se o declaratário conhecesse ou devesse conhecer a essencialidade do elemento
sobre que incidiu o erro) e não a nulidade.
3. Se o declaratário aceitar o negócio como o declarante queria, a anulabilidade fundada em erro
não procede (art. 248º CC).
4. O erro de cálculo e o erro de escrita, ostensivamente relevados no contexto da declaração ou nas
circunstâncias que a acompanham, não dão lugar à anulabilidade do negócio mas apenas à sua rectificação
(art. 249º CC).
5. Se o declaratário compreendeu um terceiro sentido que não coincide nem com o querido pelo
declarante, nem com o declarado o negócio deve ser anulado, pois não deve valer com um sentido em que
nenhuma das partes confiou (em coerência com a teoria da aparência eficaz que já abordamos).
Ver art. 250º. O erro na transmissão da declaração não tem relevância autónoma, desencadeará o efeito
anulatório, apenas nos termos do art. 247º CC.
Excepção a este regime geral: no art. 250º/2, admite-se a anulação, sempre que o intermediário emita
intencionalmente (com dolo) uma declaração diversa da vontade do dominus negotti (“do dono do
negócio”). Compreende-se que o declarante suporte o risco de transmissão defeituosa, de uma deturpação
ocorrida enquanto a declaração não chega à esfera de declaratário, uma adulteração dolosa deve, porém,
considerar-se como extravasando o cálculo normal de risco a cargo do declarante.
Ver tb arts. 251º, 252º/2 CC);
[Escrever texto]
Vícios da vontade: perturbações do processo formativo da vontade, de tal modo que esta, embora
concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e ilegítimos para o Direito. A vontade
não se formulou de um “modo julgado normal e são”.
A consequência destes vícios traduz-se na invalidação do negócio, tendo para isso os vícios de revestir-se
de certos requisitos. Quando esses vícios são relevantes, geram a anulabilidade do respectivo negócio.
68. ENUMERAÇÃO DOS VÍCIOS DA VONTADE A QUE O NOSSO DIREITO ATRIBUI EM GERAL RELEVÂNCIA AUTÓNOMA
70. MODALIDADES
a) Erro sobre a pessoa do declaratário: Estão apenas em causa as pessoas do declaratário, se se referir a
outras pessoas declarantes já se aplica o art. 252º/1 CC. O erro pode referir-se à sua entidade, a qualquer
qualidade jurídica ou que ao facto de não concorrerem na pessoa do declaratário, quaisquer outras
circunstâncias.
b) Erro sobre o objecto do negócio: pode incidir sobre o objecto mediato (erro sobre a identidade ou
sobre as qualidades) ou sobre o objecto imediato (sobre a natureza do negócio).
Ex: A compra um terreno pq julga que tem água, mas não tem. – erro sobre o objecto mediato do tipo
erro sobre as qualidades) / B faz um contrato julgando que tem os efeitos da locação, mas tem os efeitos da
venda a prestações (erro sobre a natureza do negócio)
c) Erro sobre os motivos não é referente à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (art. 252º
CC).
Essencialidade
É corrente na doutrina a afirmação de que só é relevante o erro essencial. O erro é essencial, se sem ele,
não se celebraria qualquer negócio ou se celebraria um negócio com outro objecto ou de outro tipo ou com
outra pessoa.
[Escrever texto]
Já o erro indiferente não pode relevar pois é um erro tal, que mesmo sem ele o negócio teria sido
concluído nos mesmos termos e o erro, para relevar deve atingir os motivos determinantes da vontade (art.
251º e 252º CC).
. E quanto ao erro incidental? Concordamos que também não releva. O erro incidental é aquele que
influiu apenas nos termos do negócio, pois o errante sempre contrataria embora noutras condições.
Ex. de erro essencial: A compra um objecto de prata por 1000€, pensando que é ouro branco. Se
soubesse a verdade, não o teria comprado.
Ex.: de erro incidental: A, se soubesse a verdade teria comprado o objecto de prata, mas apenas por 200€
Propriedade
Além de essencial, exige-se propriedade, isto é, o erro tem de ser próprio. É próprio quando incide sobre
uma circunstância que não seja a verificação de qualquer elemento legal da validade do negócio. Por
exemplo, se o erro versar sobre os requisitos da forma, então o fundamento da invalidade será o requisito
legal cuja deficiência, ignorada pelo errante, vicia o negócio, daí que o tipo de invalidade e o respectivo
regime não sejam os correspondentes ao erro-vício (anulabilidade), mas antes os correspondentes ao vício
de forma.
Escusabilidade
A doutrina tradicional portuguesa considerava a ausência de culpa da parte do errante condição sine
qua non da sua relevância no sentido da anulabilidade, apoiando-se, fundamentalmente, para tal no art.
695º. O erro indesculpável ou grosseiro não anularia o negócio.
Em face do CC actual não se formula qualquer exigência da desculpabilidade ou escusabilidade do erro,
pelo que se deve reputar consagrada a solução segundo a qual este requisito é dispensável. Deve entender-
se que no caso de erro culposo, os interesses da outra parte, não obstante a anulação, não são
desprotegidos, pois, com fundamento no art. 227º, o errante, admitido a invocar a anulabilidade, incorrerá
em responsabilidade pré-negocial, devendo indemnizar o chamado interesse contratual negativo.
Aos requisitos gerais de relevância do erro devem acrescer certos requisitos especiais, que variam com as
diversas modalidades do erro-vício.
Erro sobre os motivos – inserem-se nesta categoria os casos em que o erro não se refere à pessoa do
declaratário nem ao objecto de negócio. Uma noção que corresponde ao erro acerca da causa.
Nos casos deste tipo o art. 252º/1 permite a anulação, desde que:
- haja uma cláusula, expressa ou tácita, no sentido de a validade do negócio ficar dependente da
existência da circunstância sobre que versou o erro.
Seria irrazoável permitir a anulação, apenas porque foi provado o conhecimento pela contraparte da
essencialidade do motivo que levou o errante ao negócio, pois a estabilidade dos neg. seria atingida e isso
repercutir-se-ia na celeridade e segurança da contratação.
Ou seja, o erro sobre os motivos é irrelevante, a não ser naquela condição. No art. 252º/2 estabelece-se
um regime especial para certos casos de erro sobre os motivos: se o erro incidir sobre as circunstâncias que
constituem a chamada base negocial, haverá lugar à anulabilidade do contrato, nos mesmos termos em
que, nos art. 437º a 439º.
Afirma-se que o erro incide sobre a base negocial nos casos em que a contraparte aceitaria ou, segundo a
boa fé, deveria aceitar um condicionamento do negócio à verificação da circunstância sobre que incidiu o
erro, se esse condicionamento lhe tivesse sido proposto pelo errante.
Erro sobre o objecto do negócio – está previsto no art. 251º, quer na hipótese do erro sobre a identidade,
quer na do erro sobre as qualidades. O negócio será anulável nos mesmos termos que os previstos no art.
247º para o erro-obstáculo, isto é, “desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a
essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.
[Escrever texto]
Erro sobre a pessoa do declaratário – art. 251º. Cabe-lhe o regime correspondente ao erro na declaração.
Uma hipótese muito interessante a considerar ocorre quando, num contrato de compra e venda, se
declara o destino a dar à coisa vendida mas o comprador vem mais tarde a dar-lhe um destino diferente do
declarado.
O destino que o comprador disse que daria à coisa pode ter sido decisivo para o vendedor, pode ter sido
determinante da decisão de contratar. O vendedor, contudo, não incorreu em erro – o comprador é que
não agiu de acordo com aquilo que o vendedor esperava dele. Ora, como as coisas se passaram, poderá
dizer-se que se erra, sim, quanto ao futuro, mas isso não é um erro em sentido próprio, é uma falha na
previsão, é uma falsa ou deficiente previsão, cujo enquadramento adequado é o art. 437º.
O erro-vício consiste no desconhecimento ou numa falsa representação da realidade, mas se, pelo
contrário, a falsa representação se reportar ao futuro, é a previsão que falha ou o quadro de
acontecimentos pressuposto que não se verifica ou evolui em termos diferentes do previsto, caso em que
será de recorrer ao instituto da alteração das circunstâncias. Domina a opinião segundo a qual o erro se
reporta ao presente ou ao passado enquanto a pressuposição ao futuro.
O problema da aplicação do bem a fim diferente do declarado é um problema complexo. Pode dizer-se
que se o comprador, após a celebração do negócio, der ao prédio um destino diferente do que se declarara
e correspondia à sua intenção, o problema não será de erro do vendedor. Poderá, isso sim, haver dolo do
comprador se este procedeu com intenção de enganar a outra parte quando emitiu aquela declaração.
A situação poderá ser de enquadrar no âmbito do não cumprimento do contrato se o destino declarado
constituir uma obrigação do comprador, o que, no entanto, além de provavelmente ser raro, retirará ao
problema a sua especificidade, pois deixará de ser um problema respeitante ao fim do contrato para passar
a ser, pura e simplesmente, uma questão relativa ao não cumprimento.
Naturalmente que a via mais adequada para proteger o interesse do vendedor será a inclusão de uma
condição ou de uma cláusula resolutiva, que lhe permitam rever o prédio caso o comprador não lhe dê o
destino acordado.
As partes estão vinculadas não apenas às obrigações que expressa ou tacitamente hajam assumido, mas
também a todas aquelas que sejam de incluir na relação obrigacional emergente do concreto contrato
celebrado, à luz da boa fé e do fim contratual. Revestem-se de particular importância os deveres laterais ou
deveres acessórios de conduta. É é de grande importância o sentido da declaração sobre o destino do bem,
o que assume relevo em sede de interpretação e integração do negócio (art. 236º e 239º).
§ 3.º – O DOLO
76. CONCEITO
A noção de dolo consta do art. 253º/1. Trata-se de um erro determinado por um certo comportamento da
outra parte. Só existe dolo quando se verifique o emprego de qualquer sugestão ou artifício com a intenção
ou consciência de induzir ou manter um erro o autor da declaração (dolo positivo) ou quando tenha lugar a
dissimulação, pelo declaratário ou por terceiro, do erro do declarante (dolo negativo).
77. MODALIDADES
a) Dolo positivo e dolo negativo: ver art. 253º/1 CC; A omissão de esclarecimento só constituirá
dolo ilícito quando existia um dever de elucidar, por força da lei, de estipulação negocial ou das concepções
dominantes no comércio jurídico.
negocial. A lei declara não constituírem dolo ilícito sendo, portanto, “dolus bonus”, as sugestões ou
artifícios usuais, considerandos legítimos, segundo as concepções dominantes no comércio jurídico (art.
253º/2 CC);
c) Dolo inocente: há mero intuito enganatório. Dolo fraudulento: há o intuito ou a consciência de
prejudicar.
d) Dolo proveniente do declaratário e dolo proveniente de terceiro: para a relevância do dolo de
terceiro, são exigidas certas condições suplementares que devem acrescer às do dolo do declaratário e o
seu efeito é mais restrito. Existirá, não apenas dolo de terceiro, mas também dolo do declaratário, se este
for cúmplice daquele, conhecer ou dever conhecer a actuação de terceiros (art. 254º/2 CC).
e) Dolo essencial ou determinante: o enganado (“deceptus”) foi induzido pelo dolo a concluir o
negócio em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído, sem dolo não se teria concluído
qualquer negócio; Dolo incidental: o “deceptus” apenas foi influenciado, quanto aos termos do negócio,
pois sempre, contrataria, embora noutras condições. A importância da distinção estará em que o dolo
incidental não conduz, desde logo, necessariamente, à anulação, nos termos já indicados a propósito do
erro.
O principal efeito do dolo é a anulabilidade do negócio (art. 254º/1), mas acresce a responsabilidade pré-
negocial do autor do dolo, por ter dado origem à invalidade, com o seu comportamento contrário às regras
da boa fé, durante os preliminares e a formação do negócio (art. 227º). Não há, no dolo, responsabilidade
do declarante, pois este é vítima. O enganado tem o direito de repristinação da situação anterior ao
negócio e a cobertura dos danos que sofreu por ter confiado no negócio e que não teria sofrido sem essa
confiança. Ao invés, não pode pretender ser colocado na situação em que estaria se fossem verdadeiros os
factos fingidos perante ele.
O fundamento da anulabilidade por dolo não consiste numa ideia de reparação do prejuízo sofrido pelo
enganado mas na adulteração da vontade do declarante, tal como sucede com o erro simples. A reparação
do prejuízo causado é visada com a responsabilidade civil que impende sobre o declarante, e não com a
anulabilidade.
[Escrever texto]
As condições de relevância do dolo são menos apertadas que as do erro sobre os motivos, visto não se
exigir para o dolo o estreito condicionamento importo pelo art. 252º.
O dolo é um facto ilícito que origina uma responsabilidade pré-negocial do declarante a favor do
enganado, enquanto que o errante, pelo menos se o erro não é causado culposamente pela outra parte
(art. 227º), não pode senão anular o negócio, verificados os respectivos requisitos de relevância. Pode até
verificar-se uma responsabilidade pela lesão do dano da confiança, não a favor, mas a cargo do errante,
admitido a invocar a anulabilidade, em caso de erro indesculpável.
A anulabilidade por erro pode estar sanada, subsistindo todavia a anulabilidade por dolo, por se ter tido
conhecimento, em primeiro lugar, do erro e só posteriormente da sua provocação dolosa.
Do exposto se infere que o errante está mais protegido no caso do dolo do que no do erro simples.
(art. 1631º e 1636º) – no casamento, o dolo não tem relevância específica em relação ao erro.
§ 4.º – A COACÇÃO
82. CONCEITO
Consta do art. 255º/1, e consiste no “receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com
o fim de obter dele a declaração”. É, portanto, a perturbação da vontade, traduzida no medo resultante de
ameaça ilícita de um dano (de um mal), cominada com o intuito de extorquir a declaração negocial.
Só há vício da vontade, quando a liberdade do coacto não foi totalmente excluída, quando lhe foram
deixadas possibilidade de escolha, embora a submissão á ameaça fosse a única escolha normal.
Só se cairá no âmbito da coacção física (absoluta ou ablativa), quando a liberdade exterior do coacto é
totalmente excluída e este é utilizado como puro autómato ou instrumento.
Não basta um simples medo ou receio; a lei exclui, desde logo, o chamado temor reverencial (art.
255º/2). Torna-se necessário que o receio provenha de uma ameaça ilícita.
83. MODALIDADES
Coacção física e coacção moral – a coacção física reduz o coagido à situação de mero instrumento ou
autómato; a coacção moral ou relativa ou compulsiva reduz a liberdade do coagido mas não a elimina,
sendo o coagido ameaçado de um mal se não emitir a declaração; a liberdade do coacto é cerceada, mas
não excluída, na coacção moral, pois existe sempre uma opção entre padecer o mal cominado ou expor-se
à sua consumação e celebrar o negócio.
Coacção essencial ou principal e coacção incidental – se sem ela não se realizaria o negócio ou se apenas
não se concretizaria o negócio naqueles termos.
Coacção dirigida à pessoa ou à honra ou à fazenda do declarante ou de terceiro –A ameaça pode dizer
respeito à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro (art. 255º/2).
Coacção exercida pelo declaratário e coacção exercida por terceiro (art. 256º/2).
A coacção moral origina a anulabilidade do negócio (art. 256º CC) e dá lugar igualmente á
responsabilidade pré-negocial do coactor (art. 227º CC). Verifica-se a anulabilidade, e não a nulidade,
mesmo que o coacto tenha procedido com reserva mental, ao emitir a declaração.
se trate de uma coacção essencial ou principal; (mas a coacção incidental pode, igualmente, conduzir à
anulação nos mesmos termos do dolus incidens).
Intenção de extorquir a declaração.
Ilicitude da ameaça, que pode resultar:
o Da ilegitimidade dos meios empregues
o Da ilegitimidade da prossecução daquele fim com aquele meio.
Nota: Não há coacção, se há apenas a ameaça do uso de um direito para conseguir a satisfação ou
garantia de um direito existente.
Temor reverencial consiste no receito de desagradar a certa pessoa de quem se é psicológica, social ou
economicamente dependente. O art. 255º/3 consagra expressamente o princípio, segundo o qual, o temor
reverencial não constitui coacção, sendo, assim, irrelevante como motivo determinante da vontade.
Estado de necessidade: situação de receio ou temor gerada por um grave perigo que determinará o
necessitado a celebrar um negócio para superar o perigo em que se encontra.
A confusão só pode surgir quando o estado de necessidade for ocasionado por um facto humano. Neste
caso, estaremos perante a figura do estado de necessidade quando a situação de perigo não for criada com
o desígnio de extorquir um negócio.
Se o contraente não presta o auxílio a que estava obrigado, a não ser depois de exigir uma retribuição a
que não tinha direito, não há dúvida de que a situação de perigo em que se encontra o necessitado é
casualmente imputável à recusa de actuação daquele, e pode, assim, dizer-se provocada a partir da
omissão do agir, com o intuito de extorquir o negócio. À coacção moral corresponde a anulabilidade (art.
256º) e os negócios referidos devem ter-se por nulos, com fundamento em contrariedade à lei ou ofensa
dos bons costumes (art. 280º).
A hipótese dos negócios em estado de necessitado deve subsumir-se na previsão do art. 282º, onde se
estatui a anulabilidade dos chamados negócios usurários.
Devem, portanto, verificar-se requisitos objectivos: benefícios excessivos ou injustificados. Tem de haver
uma desproporção clara entre as prestações. Só haverá benefícios excessivos ou injustificados quando,
segundo todas as circunstâncias, a desproporção ultrapassa os limites do que pode ter alguma justificação.
Devem igualmente verificar-se certos requisitos subjectivos:
[Escrever texto]
A exploração de situações tipificadas, que não é excluída pelo facto de a iniciativa do negócio provir do
lesado;
Uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza
carácter.
Nota: A anulabilidade, prescrita no art. 282º pode, porém, a requerimento do necessitado ou da parte
contrária, ser substituída (art. 283º) pela modificação do negócio, segundo juízos de equidade. O prazo
para requerer a anulabilidade começa a contar desde a cessação da situação de inferioridade (art. 284º).
O regime dos art. 282º e 283º não se aplicará, havendo antes lugar à nulidade quando a pessoa que se
aproveita conscientemente da situação de necessidade tinha o dever de auxiliar o necessitado. (ex. 1: Um
nadador salvador vê alguém a afogar-se – dever de auxílio. Ex.2: Um médico, o único numa certa zona
capaz de curar um indivíduo é chamado para o efeito – dever de auxílio. Nestes exs. Não se podem fazer
valer da sua posição para imporem um neg. injusto.)
A hipótese está prevista no art. 257º CC, onde se prescreve a anulabilidade, desde que se verifique o
requisito (além da incapacidade acidental) destinado à tutela da confiança do declaratário: a notoriedade
ou o conhecimento da perturbação psíquica.
Não se trata de uma situação permanente do indivíduo, mas antes de um desvio no processo formativo
da sua vontade em relação às circunstâncias normais do seu processo deliberativo (art. 257º).
Representação: traduz-se na prática de um acto jurídico em nome de outrem, para na esfera desse
outrem se produzirem os respectivos efeitos. Para que a representação seja eficaz torna-se necessário que
o representante actue nos limites dos poderes que lhe competem (art. 258º) ou que o representado
realize, supervenientemente, uma ratificação.
Os poderes de representação podem ser atribuídos, por um acto voluntário, pelo representado ao
representante: fala-se, então, de representação voluntária e o acto voluntário que atribui poderes
representativos chama-se procuração.
Para existir a representação basta que o negócio seja concluído em nome do representado, não sendo já
necessário, contrariamente ao que por vezes se supõe, que o seja no interesse do representado.
A representação legal tem lugar sempre no interesse do representado, mas a representação voluntária
não, mas no caso da chamada procuração in rem suam, os poderes representativos são conferidos no
interesse do próprio procurador.
Representação ≠ mandato.
O mandato é um contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por
conta da outra (art. 1157º), trata-se de uma modalidade particular do contrato de prestação de serviço.
Pode haver mandato sem haver representação, quando o mandatário não recebeu poderes para agir em
nome do mandante; age por conta do mandante, mas em nome próprio.
Pode haver representação sem haver mandato, não só hipótese da representação legal, mas também no
que toca à representação voluntária.
Representante ≠ simples núncio – o representante, ao contrário do núncio, nunca recebe, nem mesmo
quando a procuração é especialíssima, um mandato absolutamente especificado e imperativo. Decide, pelo
[Escrever texto]
A representação própria ≠ representação imprópria – na última não existe a chamada actuação em nome
de outrem, embora se actue no interesse ou por conta de outrem; na representação própria existe a
actuação em nome de outrem. A representação imprópria é uma forma de mera representação de
interesses, que não torna o dono do negócio parte ou sujeito do acto jurídico praticado pelo representante.
Quem contrata com pessoa a nomear assume os riscos da incerteza sobre a pessoa de sua contraparte.
Pressuposto de eficácia da representação: o acto deve estar integrado nos limites dos poderes que
competem ao representante. O negócio vale em relação ao representado. Não vale em relação ao
representante; este não é parte negocial.
Deve existir, por parte do representante, legitimação representativa, que pode ser originária, isto é, já
existente ao tempo do negócio representativo, ou conferida, posteriormente, através de uma ratificação do
negócio.
Representação sem poderes e abuso de representação: os actos praticados por um representante sem
poderes ou falsus procurator são ineficazes em relação à pessoa em nome da qual se celebrou o negócio,
salvo se tiver lugar a ratificação (art. 268º/1). O falso procurador responde pelo interesse contratual
negativo, ou interesse da confiança, se desconhecia, com culpa, a falta de poderes. Se o representante sem
poderes desconhecia a falta de legitimidade representativa a contraparte pode optar pela indemnização
pelo não cumprimento do contrato.
Verificada uma situação de responsabilidade pré-negocial, por culpa in contrahendo, responde o
representado, seja na representação legal, seja na representação voluntária (art. 800º/1).
Haverá abuso de representação quando o representante actuar dentro dos limites formais dos poderes
conferidos, mas de modo substancialmente contrário aos fins da representação (art. 269º, 268º/2 e
262º/2).
Aparência de poderes de representação: nos casos em que o representante actuou sem poderes de
representação, há que perguntar se o terceiro que contratou com ele é protegido pela atribuição de efeitos
ao negócio em relação ao representado. Em princípio, a resposta a dar à questão posta é negativa, sendo
antes ao terceiro que incumbe exigir ao representante a justificação dos seus poderes representativos (art.
260º).
Mas a protecção do terceiro pode justificar-se nalguns casos. Assim, pode existir uma “procuração
tolerada”, porque o representado “tolera a conduta do representante, e essa tolerância, segundo a boa fé e
considerando os usos do tráfico, pode ser interpretada pela contraparte no negócio no sentido de que o
representante recebeu procuração do representado para agir por ele”. Já é mais difícil aceitar a vinculação
do representado em casos de mera procuração aparente, em que o representado de facto não conhecia a
conduta do representante, mas com o devido cuidado teria podido conhecer e impedir, e a contraparte
podia de acordo com a boa fé compreender a conduta do representante no sentido de que ela não teria
podido ficar escondida do representado com a diligência devida, e que este, portanto, a tolera. O negócio
[Escrever texto]
celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido
razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem
a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente
contribuído para fundar a confiança do terceiro.
O negócio consigo mesmo – ex: A, procurador (representante) de B, compra em nome próprio um objecto
que vende em nome de B. É uma manifestação particular da representação sem poderes, o negócio está
ferido de anulabilidade (art. 261º) e não de ineficácia, como, prima facie, se poderia pensar e se teria de
concluir se o caso não estive expressamente previsto em norma especial. A razão de ser é impedir, dada a
colisão de interesses, um prejuízo para o representado ou para um dos representados.
O art. 280º utiliza a expressão objecto negocial neste sentido complexivo, abrangendo quer o conteúdo
ou efeitos jurídicos do negócio, quer o objecto propriamente dito ou em sentido estrito.
Possibilidade física – significa que há qualquer impossibilidade material ou natural do objecto do negócio.
O art. 401º/3 permite concluir que só a impossibilidade objectiva (para toda a gente) invalida o negócio e
não já a simples impossibilidade subjectiva, isto é, a que se verifica apenas em relação à pessoa do devedor.
Possibilidade legal e não contrariedade à lei – será impossível legalmente o objecto de um negócio,
quando a lei ergue a esse objecto um obstáculo tão insuperável como o que as leis da natureza põem aos
fenómenos fisicamente impossíveis. Podem, portanto, ter um objecto legalmente impossível, negócios
jurídicos cujo objecto seja constituído por um outro negócio jurídico. Será contrário à lei o objecto de um
negócio, quando viola uma disposição da lei, isto é, quando a lei não permite uma combinação negocial
com aqueles efeitos ou sobre aquele objecto mediato. Note-se que devem ser considerados contrários à
lei, não só os negócios que frontalmente a ofendem, mas também, quando se constate, por interpretação,
que a lei quis impedir de todo em todo, um certo resultado, os negócios que procuram contornar uma
proibição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei expressamente
previu e proibiu.
Não contrariedade à ordem pública e ausência de ofensa aos bons costumes – o objecto dos negócios
jurídicos deve ainda ser conforme à ordem pública e aos bons costumes. A ordem pública para estes efeitos
é o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o estado e a sociedade
estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem
prevalecer sobre as convenções privadas. Quando é que se pode considerar um acto como ofensivo dos
bons costumes? Os bons costumes são uma noção variável, com os tempos e os lugares, abrangendo o
[Escrever texto]
conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num
certo momento.
99. CONSEQUÊNCIAS DA INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS A QUE DEVE OBEDECER O OBJECTO NEGOCIAL
Implica a nulidade do negócio jurídico. Esta consequência terá lugar, independentemente de as partes
conhecerem ou deverem conhecer o vício de que padece o objecto negocial. Também poderá ter lugar,
verificados os requisitos do art. 227º a responsabilidade civil pré-negocial da parte culpada.
SUBTÍTULO III – ELEMENTOS ACIDENTAIS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS (CLÁUSULAS ACESSÓRIAS TÍPICAS GERAIS)
CAPÍTULO I – CONDIÇÃO
100. CONCEITO, NATUREZA E IMPORTÂNCIA DA ESTIPULAÇÃO CONDICIONAL
As noções de condição suspensiva e condição resolutiva constam do art. 270º: subordinação pelas partes
a um acontecimento futuro e incerto, ou da produção dos efeitos do negócio jurídico (suspensiva) ou da
resolução dos mesmos efeitos (resolutiva).
Natureza da estipulação condicional – trata-se de uma vontade hipotética, embora actual e efectiva,
exteriorizada numa declaração única e incidível.
Condições impróprias: Não reúnem todas as qualidades que caracterizam a condição verdadeira e
própria: 1º - evento futuro, ao qual está subordinada a eficácia do negócio; 2º - carácter incerto do evento;
3º - subordinação resultante da vontade das partes e não directamente ex lege.
Princípio geral
A cláusula condicional é um elemento acidental, susceptível de ser inserido na generalidade dos negócios,
por força do princípio da liberdade negocial. Certos negócios são, porém, incondicionáveis, por razões
ligadas ao teor qualitativo dos interesses respectivos ou por motivos de certeza e segurança jurídica.
[Escrever texto]
Regime geral – (art. 271º) o negócio subordinado a uma condição ilícita é nulo, a nulidade inquina todo
o negócio e não somente a cláusula condicional ilícita. Quanto à condição impossível, física ou legalmente,
quid iuris? A aposição de uma condição suspensiva impossível produz a nulidade total do negócio e a
aposição de uma condição resolutiva impossível produz apenas a nulidade da cláusula condicional.
Regime especial para as doações e testamentos – (testamentos – art. 2230º; doações – 967º) a condição
impossível ou ilícita considera-se não escrita, mantendo-se válida e eficaz a liberalidade testamentária ou
[Escrever texto]
inter vivos a que estava aposta. A validade do testamento ou da doação, sem a condição, pode ser excluída
pelo disponente, se a condição for impossível, tendo lugar então a nulidade.
Porquê essa diferença e porque razão não é totalmente idêntico o regime das condições impossíveis e o
das ilícitas nas liberalidades?
Para o comum dos negócios deve ter-se entendido que a solução da nulidade corresponde à vontade
presumível das partes, e, quando assim não tenha acontecido, estas podem fazer um novo negócio;
Para as liberalidades;
Quanto às condições impossíveis, deve ter-se considerado que, talvez, a vontade presumível do
disponente, nas doações e testamentos, seja no sentido da manutenção do negócio sem a condição e, daí,
ter-se estabelecido esse regime com carácter supletivo.
Quanto às condições ilícitas sancionou-se o mesmo regime com carácter imperativo, para, deste
modo, afastar a possibilidade de o beneficiário do negócio ser impelido à prática de um acto em si ilícito ou
que, embora lícito, se entende dever ser deliberado no foro da consciência livre dos indivíduos, pelo desejo
de beneficiar da liberalidade.
Condições perplexas e não perplexas – as primeiras são as condições contraditórias, em que o evento
condicionante é incompatível com o efeito jurídico querido (A doa o prédio x a B, sob condição suspensiva
de o ter vendido primeiro a C): o negócio é nulo.
Determinado, por interpretação da vontade das partes, qual seja o facto condicionante, verificar-se-á a
condição se tal acontecimento tiver lugar; nos termos do art. 275º/1, a certeza de que a condição se não
pode verificar equivale à sua não verificação.
O CC estabelece uma limitação a esta doutrina geral, nos casos de sabotagem da condição, isto é, quando
a parte a quem a condição prejudicaria impede a sua verificação contra as regras da boa fé, ou quando a
parte a quem ela beneficiaria a faz produzir contra as referidas regras. Comporta-se contra a boa fé quem
não se comporta como se pode esperar, segundo o sentido do contrato, de um contraente que pense com
lealdade.
Na pendência da condição – enquanto o evento condicionante não se verificou, nem deixou de se poder
verificar. Neste período, o credor condicional não tem ainda um direito exercitável em relação ao devedor,
embora as parte estejam já vinculadas, de tal modo que estão sujeitas à produção dos efeitos do negócio,
uma vez verificado o evento condicionante. A aquisição de um direito à custa de outrem não pode ser já
impedida por esse outrem. A posição subjectiva do credor sub conditione consiste numa mera expectativa
de aquisição eventual de um direito, com a correspondente obrigação da outra parte. Daí que, se o devedor
cumpriu, durante o período da pendência da condição, por supor que o negócio é puro e simples, ou que a
condição já se verificou, possa repetir o indevidamente prestado (art. 476º).
Quanto aos requisitos pessoais de eficácia do negócio é relevante apenas o momento da celebração do
negócio e não o da verificação da condição. Assim, a coisa comprada sob condição suspensiva poderá ser
alienada pelo comprador, mas a alienação só surtirá efeito se se verificar o evento condicionante. O credor
condicional pode igualmente praticar actos conservatórios, pendente conditione (art. 273º).
Igualmente se obriga o devedor sob condição suspensiva a abster-se de quaisquer comportamentos que
prejudiquem a integridade do direito que o credor virá a adquirir se se verificar a condição (art. 272º).
[Escrever texto]
Constata-se, portanto, que, pendente conditione, os efeitos do negócio sob condição suspensiva estão em
suspenso, não tendo existência actual. O negócio produz, todavia, dados efeitos provisórios e
preparatórios, na expectativa da produção dos efeitos definitivos.
Verificada a condição – os efeitos do negócio que estavam suspensos tornam-se efectivos ipso jure e
desde a data da conclusão do negócio, sem mais requisitos. O princípio da retroactividade da condição é
afirmado no art. 276º e considerado como efeito natural da cláusula condicional, pois os efeitos do
preenchimento da condição podem ser, pela vontade das partes ou pela natureza do acto, reportados a
outro momento. Há excepções ao efeito retroactivo da condição suspensiva (art. 277º).
Não verificada a condição – neste caso não se produzem os efeitos definitivos a que o negócio tendia e
desaparecem os próprios efeitos provisórios ou preparatórios que tiveram lugar médio tempore.
A situação do devedor no negócio sob condição resolutiva é idêntica à do credor no negócio sob condição
suspensiva, pois a condição resolutiva é suspensiva da dissolução do negócio condicionado.
Condição pendente– o negócio produz os seus efeitos normais, mas está suspensa sobre a sua eficácia a
possibilidade de verificação do evento condicionante. O dever condicional é titular de uma expectativa com
certa tutela jurídica. Por esse motivo, o credor condicional deve proceder segundo a boa fé (art. 272º), o
devedor ou alienante condicional pode praticar actos conservatórios (art. 273º) e pode até praticar actos
de disposição, cuja eficácia fica sujeita à verificação da condição resolutiva.
CAPÍTULO II – TERMO
107. CONCEITO
Cláusula acessória típica pela qual a existência ou a exercitabilidade dos efeitos de um negócio são postas
na dependência de um acontecimento futuro mas certo, de tal modo que os efeitos só começam ou se
tornam exercitáveis a partir de certo momento (termo suspensivo ou inicial) ou começam desde logo, mas
cessam a partir de certo momento (termo resolutivo ou final).
108. EFEITOS
Não se verifica qualquer retroactividade. Haverá, também aqui, uma obrigação de proceder segundo a
boa fé, a cargo de uma das partes, a fim de não comprometer a integridade do direito da outra, bem como
poderá a parte interessada praticar actos conservatórios do seu direito tal como sucedia na pendência da
condição (art. 278º).
Em obediência ao princípio da liberdade contratual, as partes gozam da faculdade de inserir esta cláusula
na generalidade dos negócios. O termo pode ser aposto, em princípio, a qualquer negócio jurídico. Esta
regra tem excepções visto que há negócios que não admitem termo, os negócios inaprazáveis, os quais
coincidem com os negócios incondicionáveis. As disposições legais que excluem a aponibilidade da
[Escrever texto]
condição excluem também a aponibilidade do termo. Se a lei for omissa quanto à sanção a aplicar, parece
impor-se a nulidade de todo o negócio, com base no art. 294º.
110. MODALIDADES
Termo inicial, suspensivo ou dilatório e termo final, resolutivo ou peremptório – assenta a distinção num
critério baseado na influência que a verificação do facto futuro (mas certo) tem sobre a existência ou a
exercibilidade dos efeitos do negócio. Se os efeitos do negócio só começam ou só se tornam exercitáveis a
partir de certo momento, o termo diz-se suspensivo ou inicial; se começam desde logo, mas cessam a partir
de certo momento, o temo diz-se resolutivo ou final.
Termo certo e termo incerto – o termo refere-se a um acontecimento futuro mas certo, pelo que o
critério da distinção entre termo certo e incerto não tem a ver com a verificação do facto, mas com o
momento da sua verificação. O termo é certo quando se sabe antecipadamente o momento exacto em que
se verificará e incerto quando esse momento é desconhecido. Chama-se prazo ao período de tempo que
decorre entre a realização do negócio e a ocorrência do termo, embora se possam atribuir outros sentidos
àquela expressão.
Termo expresso e termo tácito – o termo, cláusula acessória do negócio jurídico, existe por vontade das
partes. Quando assim sucede, estamos perante o termo expresso ou próprio. Pode acontecer, porém, que
o termo exista, não por vontade das partes, mas por imposição da li – termo tácito ou impróprio.
Termo essencial e termo não essencial – o termo é essencial quando a prestação deve ser efectuada até à
data estipulada pelas partes ou até um certo momento, tendo em conta a natureza do negócio e/ou a lei.
Ultrapassada essa data o não cumprimento é equiparado à impossibilidade da prestação (art. 801º e ss).
Diz-se não essencial o termo que depois de ultrapassado, não acarreta logo a impossibilidade da prestação,
apenas gerando uma situação de mora do devedor (art. 804º e ss). O credor pode então, nos termos da lei
(art. 808º), fixar um termo essencial. O termo essencial resultante de vontade das partes, da lei ou da
natureza do negócio, determina, pois, que a prestação, não sendo cumprida no momento devido, já se não
pode cumprir, importando o atraso da prestação desde lgo a impossibilidade definitiva.
Cláusula acessória típica, pela qual, nas doações e liberalidades testamentárias, o disponente impõe ao
beneficiário da liberalidade um encargo, isto é, a obrigação de adoptar um certo comportamento no
interesse do disponente, de terceiro ou do próprio beneficiário (art. 963º e 2244º).
O modo só pode ser aposto às liberalidades, enquanto a cláusula condicional é aponível, salvas as
excepções constantes da lei, a todos os negócios. Enquanto a cláusula modal se traduz na imposição, ao
beneficiário da liberalidade, do dever de adoptar uma certa conduta, a condição pode ter como evento
condicionante um facto de qualquer das partes, um facto natural ou de terceiro ou um evento de carácter
misto.
[Escrever texto]
A possibilidade de confusão entre as duas figuras circunscreve-se assim à cláusula modal e à condição
potestativa em que o evento condicionante é um acto do credor condicional.
Se a condição é suspensiva não se produzem imediatamente os efeitos do negócio, mantendo-se o
período da pendência até à verificação ou não verificação do evento condicionante. Por outro lado,
enquanto o beneficiário, onerado com o encargo modal, pode ser obrigado ao seu cumprimento, nenhuma
obrigação resulta da cláusula condicional. Daí que se possa dizer que a condição suspensiva suspende mas
não se obriga e o modo obriga mas não suspende.
A cláusula condicional, cujo evento se traduz em o credor condicional não dar ou não fazer alguma coisa,
é, porém, normalmente uma condição resolutiva (art. 2234º). Nesta os efeitos do negócio produzem-se
imediatamente, tal como no negócio a que foi aposta uma cláusula modal. Por outra via, enquanto o
preenchimento da condição resolutiva produz a automática resolução do negócio jurídico com eficácia
retroactiva, mesmo em relação a terceiros, salvas as regras do registo, o não cumprimento culposo do
modo dá, e só em certas circunstâncias adiante explicitadas, ao disponente ou aos seus herdeiros a
possibilidade de pedir a resolução da liberalidade e sem eficácia retroactiva para com terceiros. Quer dizer:
a condição resolutiva resolver automaticamente, mas não obriga e o modo obriga, mas dá apenas o direito
de pedir a resolução.
Saber se, num caso concreto, estamos perante uma cláusula modal ou uma cláusula condicional é um
problema de interpretação dos negócios jurídicos. Em nome do princípio da conservação dos negócios
jurídicos, é sustentada pela doutrina a solução segundo a qual, em caso de dúvida, a estipulação deve ser
qualificada antes como modo do que como condição.
No CC o art. 967º manda aplicar aos encargos modais, física ou legalmente impossíveis, contrários à lei ou
à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes, apostos às doações, as regras estabelecidas em matéria
testamentária.
Qual é esse regime? O art. 2245º manda aplicar aos encargos impossíveis ou ilícitos o regime estatuído,
para as condições com as mesmas características, no art. 2230º. Assim, a cláusula modal impossível tem-se
por não escrita e não prejudica o donatário, herdeiro ou legatário, salvo declaração do doador ou do
testador em contrário. Os encargos ilícitos têm-se igualmente por não escritos, ainda que o disponente
disponha o contrário. A nulidade é, portanto, parcial, isto é, mantêm-se o restante conteúdo da
liberalidade, que assim resulta ampliada, sendo tal regime supletivo no que toca ao modo impossível, e
imperativo para o modo ilícito.
A doação com encargos é um contrato em que por força da sua declaração negocial de aceitação, o
donatário assume a obrigação de adoptar o comportamento a que se refere a cláusula modal.
Quid juris em caso de inadimplemento imputável ao onerado? Neste caso, pode ser judicialmente
reclamado o cumprimento dos encargos pelo doador, pelos seus herdeiros ou por quaisquer interessados.
Quanto à doação modal, do art. 965º e quanto aos encargos impostos a herdeiros ou legatários, do art.
2247º. A obrigação de cumprir os encargos é, quanto ao donatário, limitada pelo valor do objecto doado
(art. 963º); para o testamento, a mesma solução parece fundamentar-se, quanto ao herdeiro onerado, no
art. 2071º, e resulta claramente, no que toca a encargos impostos aos legatários, do art. 2276º.
Estabelecerá o actual CC outras consequências, quando o encargo modal não seja cumprido
culposamente?
Para as doações, tenha o encargo valor patrimonial ou moral, parece interferir-se do art. 966º, que o
doador ou os seus herdeiros poderão pedir a resolução de toda a doação, apenas quando, por
interpretação do contrato, esse direito lhes seja conferido. É necessário que o direito de resolução lhe seja
conferido pelo contrato e, portanto, corresponda a uma vontade real susceptível de destranhar a sua
eficácia em sede interpretativa. Para os testamentos, resulta do art. 2248º. O direito de resolução não pode
[Escrever texto]
ser exercido a todo o tempo, pois caduca passados cinco anos sobre a mora no cumprimento do encargo
ou vinte sobre a abertura da sucessão.
Cláusula de fixação antecipada da indemnização – é aquela em que as partes, ao estipulá-la, visam, tão-
só, liquidar antecipadamente, de modo ne varietur, o dano futuro. Pretendem as partes, desta forma,
evitar os litígios, as despesas e demoras. Acordando-se num montante indemnizatório pré-determinado, as
vantagens e os inconvenientes que daí poderão advir são partilhados pelos dois contraentes: ambos
conhecem, de antemão, as consequências de um eventual inadimplemento, e um e outro se submetem ao
risco de o prejuízo efectivo ser consideravelmente menor ou maior do que a soma prevista. Daí que o
credor não possa, em princípio, optar pela indemnização nos termos gerais (art. 811º), em vez da soma
prefixada, pois isso implicaria violar o acordo anterior, onde se estabeleceu a indemnização. A pena é
estipulada como substituto da indemnização, pelo que o acordo vincula ambas as partes ao montante
predeterminado, sendo este o único exigível a título de indemnização. Uma vez que esta cláusula se destina
a liquidar o dano, o devedor só terá de pagar a soma preestabelecida caso seja responsável, o que não
sucederá provando ele a sua falta de culpa. Assim como a mesma também não será devida provando o
devedor a inexistência de qualquer dano.
Cláusula penal exclusivamente compulsivo-sancionatória – traduz-se no facto de ela ser acordada como
um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não
cumprimento. A pena estritamente compulsória não visa reparar o credor, o dano do incumprimento não é
considerado pelas partes ao ser estabelecido o seu montante. A finalidade da mesma é de ordem
exclusivamente compulsória: destina-se, tão-só, a pressionar o devedor ao cumprimento, não a substituir a
indemnização a que houver direito, nos termos gerais. Não cabendo na hipótese do art. 810º, a sua
legitimidade decorre do princípio da liberdade contratual, funda-se no acordo das partes e destina-se a
tutelar a própria confiança de que cada contraente honrará os seus compromissos.
[Escrever texto]
Cláusula penal em sentido estrito – a pena visa compelir o devedor ao cumprimento. Substitui a
indemnização, quer dizer, não acresce a esta nem à execução específica da prestação. Ao ser celebrado o
acordo, a fim de pressionar o devedor a cumprir, o credor estipula uma sanção, que o primeiro aceita, nos
termos da qual fica legitimado a exigir uma prestação mais gravosa, em alternativa à prestação inicialmente
uma vez não satisfeita esta. Trata-se de uma ameaça exercida através de uma forma de satisfação
alternativa do interesse do credor, sem que a mesma passe pela via indemnizatória. Em vez de continuar a
reclamar a prestação devida, uma vez que esta não esteja prontamente satisfeita, o credor passa a poder
exigir outra prestação, que substitui a primeira.
O art. 811º pressupõe a cláusula de fixação antecipada da indemnização. E só neste caso é que a pena,
objecto da cláusula, será uma indemnização predeterminada. Nos restantes casos, a pena é uma sanção de
índole compulsória, podendo acrescer à indemnização ou, ao invés, substituí-la, em conformidade com o
escopo visado. O que não impedirá, em todo o caso, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o
recurso ao art. 812º, ainda que por analogia. Este art. pressupõe que a possibilidade de reduzir a pena
depende de o seu montante se mostrar manifestamente excessivo, e não apenas de ser superior ao dano.
Por outro lado, este artigo enquanto expressão de um princípio geral, é de aplicar a todas as espécies de
penas convencionais, directamente ou por analogia.
E se o montante fixado pelas partes se revelar muito inferior aos danos efectivamente sofridos pelo
credor? Na falta de convenção sobre a ressarcibilidade do dano excedente, a lei impede o credor de obter a
reparação desses prejuízos, não permitindo ao tribunal o reforço de cláusula penal manifestamente baixa,
diversamente do que dispõe a respeito de cláusulas penais manifestamente excessivas. Solução que não
parece a melhor, pois em ambos os casos se justificaria, por razões de equidade, uma intervenção judicial
fiscalizadora de cláusula penal.
O credor não fica, no caso de o devedor se recusar a cumprir, estritamente vinculado à pena estabelecida,
podendo optar pelo cumprimento forçado da obrigação, através da execução específica. Não podendo o
credor exigir cumulativamente o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula
penal, excepto se a mesma se reportar ao atraso da prestação.
O art. 811º/3 impede em caso algum o credor de exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo
resultante do incumprimento da obrigação principal.
119. REGIME
O CC não trata da disciplina das cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade em termos claros
e sistemáticos referindo-se a elas apenas no art. 800º/2. Aí se permite que a responsabilidade do devedor
por actos dos representantes legais ou auxiliares possa ser convencionalmente excluída ou limitada,
[Escrever texto]
mediante acordo prévio, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a
violação de deveres impostos por normas de ordem pública.
Quanto à cláusula limitativa de responsabilidade, pensamos não ser abrangida pela proibição constante
do art. 809º, norma que impede o credor de renunciar antecipadamente a certos direitos, entre eles, o de
indemnização. Admite a lei no art. 810º a possibilidade de as partes fixarem por acordo o montante da
indemnização exigível.
Mais duvidoso e problemático é saber se serão admitidas, no sistema jurídico português, cláusulas de
exclusão de responsabilidade, fora do quadro do art. 800º/2, respeitante à responsabilidade do devedor
por actos dos representantes legais e dos auxiliares.
Nos termos do actual art. 809º é nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer
dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do
devedor, salvo o disposto no art. 800º/2. Justificando-se uma interpretação restritiva do art. 809º, por
forma a subtrair do seu alcance uma cláusula que condicione a responsabilidade do devedor ao dolo e
culpa grave, exonerando-o assim por comportamentos que só lhe podem ser imputados por mera culpa
leve.
Uma solução diferente, impedindo radicalmente, os contraentes de estipular cláusulas deste tipo, não se
figura realista, compreendendo-se a inadmissibilidade pura e simples de cláusulas exoneratórias apenas
quando razões de ordem pública ou de protecção do consumidor, sobretudo quando inseridas em contrato
de adesão.
Quanto à exclusão da responsabilidade do devedor por actos dos seus auxiliares (art. 800º/2) cremos que
a mesma só poderá valer, em princípio, nos mesmo termos em que é de admitir a cláusula de
irresponsabilidade por actos directamente praticados pelo devedor, ou seja, apenas em caso de
incumprimentos imputáveis a título de simples culpa leve. Porém, se os auxiliares de que o devedor se
serve, na circunstância concreta, forem pessoas autónomas e independentes da sua organização, poderá
admitir-se uma exclusão da responsabilidade do devedor em termos mais amplos, desde que haja acordo
prévio do credor nesse sentido.
A cláusula de exclusão de responsabilidade, se for válida, afasta apenas um dos direitos do credor, o
direito à indemnização.
Tratando-se de uma situação geradora de um concurso de responsabilidades, a cláusula de exclusão
afastará em princípio a obrigação de indemnização seja qual for o fundamento invocado, desde que se
apure que se trata de um facto ilícito coberto pela mesma cláusula de exclusão. Mas obviamente que isso
não leva a que o devedor/lesante fique isento da responsabilidade extracontratual em que incorra perante
terceiros, aos quais essa cláusula, a que não deram o seu consentimento, é inoponível.
Sendo a cláusula nula, impor-se-á a redução obrigatória do contrato e até da própria cláusula.
A alteração das circunstâncias do negócio implica a não verificação de uma circunstância pressuposta ou
de uma pressuposição, sempre que a evolução do circunstancialismo não foi considerada pelo declarante.
A noção de pressuposição consiste na convicção, consciente ou subconsciente, da verificação no futuro de
uma dada circunstância ou estado de coisas, convicção determinante da realização de um contrato, pois, de
outro modo, não se teria celebrado o negócio ou só teria tido lugar a sua realização noutros termos. (A
arrenda uma casa numa praia para o mês de Agosto, pensando ter férias nesse mês, o que afinal se não
vem a verificar)
Parece que é de inteira justiça abandonar o rígido principio da estabilidade dos contratos, quando dentro
de certos limites, caiu a base, constituída pelas representações das partes, sobre que assentava o negócio.
A tutela das expectativas e a protecção exigem que se assegure o cumprimento do que tiver sido
previamente acordado.
Quais serão então os requisitos a exigir, em nome da estabilidade contratual, para que a alteração
anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar por um ou ambos os contratantes possa
levar à resolubilidade ou à modificação do negócio e, assim, o possa reconduzir à justiça contratual?
O art. 437º/1 concede como remédio para obviar a uma situação injusta a possibilidade de resolução ou
modificação do contrato. Os pressupostos de aplicação desse remédio são definidos através das seguintes
exigências, destinadas a limitar o arbítrio do julgador e a servir de critério auxiliar da sua apreciação
valorativa.
Alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;
Manutenção do conteúdo contratual afectando gravemente os princípios da boa fé e não estando
abrangida pela álea própria do contrato.
122. CONSEQUÊNCIAS.
Verificados os requisitos do art. 437º a parte lesada tem direito à resolução do contrato ou à sua
modificação segundo juízos de equidade. A parte contrária pode também, requerida a resolução, opor-se
ao pedido, desde que aceite a recondução do conteúdo contratual aos termos correspondentes àqueles
juízos de equidade.
O art. 437º não limita a resolução dos contratos por alteração das circunstâncias aos contratos bilaterais,
podendo lançar-se mão dessa providência, desde que se verifiquem os requisitos respectivos, nos contratos
unilaterais ou bilaterais imperfeitos.
A não verificação da pressuposição só deverá afectar os contratos ainda não completamente cumpridos?
A resposta afirmativa é a corrente na doutrina. Mas, excepcionalmente pode ser de atender depois do
cumprimento das prestações quando o fim contratual só no futuro deve realizar-se e doravante se torna
inatingível.
A ineficácia em sentido amplo tem lugar sempre que um negócio não produz, por impedimento
decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo o
teor das declarações respectivas.
A invalidade é uma espécie do género da ineficácia: enquanto a ineficácia lato sensu compreende todas
as hipóteses em que, por causas intrínsecas ou extrínsecas, o negócio não deve produzir os efeitos a que
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tendia, a invalidade é apenas a ineficácia que provém de uma falta ou irregularidades dos elementos
internos do negócio.
A ineficácia em sentido estrito é definida pela cirscunstância de depender, não de uma falta ou
irregularidade dos elementos internos do negócio, integra a situação complexa produtiva de efeitos
jurídicos.
Na invalidade, a ausência de produção dos efeitos negociais resulta de vícios ou de deficiências do
negócio, contemporâneos da sua formação.
Há, porém, casos de cessação dos efeitos negociais por força de eventos posteriores ao momento da sua
celebração.
Ineficácia absoluta e ineficácia relativa – a ineficácia é absoluta quando actua automaticamente, erga
omnes, podendo ser invocada por qualquer interessado (art. 274º). A ineficácia será relativa se se verificar
apenas em relação a certas pessoas, só por elas podendo ser invocada.
Os negócios feridos de ineficácia relativa produzem, pois, efeitos, mas não estão dotados de eficácia
relativamente a certas pessoas. Daí que sejam, por vezes, apelidados de negócios bifrontes ou negócios
com cabeça de Jano.
A ineficácia relativa surge-nos em situações caracterizadas pela existência de um direito, de uma
expectativa ou de um interesse legítimo de um terceiro, que seriam prejudicados pelo negócio de
disposição ou de vinculação em causa. O negócio é relativamente ineficaz, por força do impedimento,
resultante daquela posição legítima do terceiro acerca do conteúdo do acto. É necessário proteger o
terceiro na medida apropriada à não frustação do seu direito, mas não se deve limitar o poder de
disposição do titular mais do que for necessário a essa protecção. Logo, o negócio só é ineficaz em face do
terceiro, mas não é entre as partes ou em face de outras pessoas.
Ineficácia total e ineficácia parcial – a distinção refere-se à circunstância de o vício impedir a produção de
quaisquer efeitos ou só afectar parte dos efeitos negociais.
Estamos perante a inexistência quando nem sequer aparentemente se verifica o corpus de certo negócio
jurídico, ou, existindo embora essa aparência material, a realidade não corresponde a tal noção. A
valoração de um negócio como nulo ou anulável pressupõe, pelo menos, que o negócio exista.
Manuel de Andrade admitia a autonomia da figura da inexistência jurídica, assinalando-lhe, como
interesse prático, a possibilidade de os negócios nulos poderem produzir certos efeitos laterais ou
secundários, como que seus filhos ilegítimos apenas, mas filhos em todo o caso.
O CC de 1966 consagrou a figura de inexistência jurídica dentro das invalidades do casamento (art. 1628º
e 1630º).
O negócio anulável é, em princípio, apesar do vício, tratado como válido. Se não for anulado, no prazo
legal e pelas pessoas com legitimidade, passa a ser definitivamente válido. Se for anulado, no tempo e
forma devidos, considera-se que os efeitos visados não se produziram desde o inicio, como nunca tendo
tido lugar.
Têm de ser invocadas pela pessoa dotada de legitimidade. Não podem ser declaradas ex officio pelo juiz.
Só podem ser invocadas por determinadas pessoas e não por quaisquer interessados.
São sanáveis pelo decurso do tempo (art. 125º, 1687º/2). Quanto ao momento a partir do qual se conta
o prazo, a lei fixa-o, a expressamente, para certas hipóteses (art. 125º, 1687º, 287º). A arguição da
anulabilidade não está sujeita a qualquer prazo se o negócio não está cumprido.
São sanáveis mediante confirmação. Sé é eficaz se for posterior á cessação do vício que fundamenta a
anulabilidade. (Ex: se A vende a B um objecto, por negócio anulável e, antes da confirmação, vende o
mesmo objecto a C, a confirmação da primeira venda torna a segunda viciada por ilegitimidade do
vendedor).
São nulos os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo, salvo nos casos em que
outra solução resulte da lei (art. 294º).
A regra catoniana (a invalidade não deixa de existir, se posteriormente desaparecer o motivo que a
originou), por força da qual se admite a chamada revalidação formal dos negócios jurídicos, parece não
estar expressamente consagrada na lei, mas deve ter-se por implícita.
Enquanto a invalidade importa a destruição dos efeitos negociais, a irregularidade, embora provenha de
um vício interno negocial, tem consequências menos graves, não afectando a eficácia do negócio, mas
dando apenas lugar a sanções especiais.
131. A INVALIDADE E OUTRAS FORMAS DE CESSAÇÃO DOS EFEITOS NEGOCIAIS (RESOLUÇÃO, REVOGAÇÃO, CADUCIDADE E
DENÚNCIA)
Resolução – (art. 270º, 437º, 801º, 966º, 1150º, 1140º, 432º) não resulta de um vício da formação do
contrato, mas de um facto posterior à sua celebração, normalmente um facto que vem iludir a legítima
expectativa de uma parte contratante, seja um facto da contraparte, seja um facto natural ou social. Os
seus efeitos estão regulados nos art. 433º e ss., onde determina a equiparação da resolução à nulidade ou a
anulabilidade do negócio. Porém a resolução distingue-se da invalidade:
A resolução pode fazer-se mediante declaração à outra parte (art. 436º), a invalidade, ou actua
automaticamente (nulidade), ou implica uma acção judicial.
A resolução tem, em princípio, efeito retroactivo entre as partes, mas tal efeito não se verifica se
contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução, bem como, em princípio, nos contratos de
execução continuada ou periódica; a invalidade tem efeito retroactivo inter partes, sem estas limitações.
A resolução nunca prejudica os direitos adquiridos por terceiro (art. 435º), salvo se o terceiro adquiriu o
seu direito posteriormente ao registo da acção de resolução; a invalidade opera os seus efeitos em relação
a terceiros, ressalvada a hipótese contemplada no art. 291º.
Revogação – tem apenas a consequência de extinguir os efeitos do negócio para o futuro (ex nunc). Pode
ter lugar, igualmente, uma revogação dos contratos por comum acordo, eventualmente com eficácia
retroactiva inter partes – contrato extintivo ou abolitivo (art. 406º).
Caducidade – este conceito abrange uma série numerosa de situações em que as relações jurídicas
duradouras de tipo obrigacional criadas pelo contrato ou pelo negócio se extinguem para futuro por força
do decurso do prazo estipulado, da consecução do fim visado ou de qualquer outro facto ou evento
superveniente a que a lei atribui o efeito extintivo ex nunc, da relação contratual.
A sua causa é algo de objectivo.
Actua automaticamente ou de pleno direito.
Não tem carácter retroactivo.
Pode verificar-se em actos de eficácia duradoura já em execução e actos de eficácia suspensa.
Denúncia – faculdade existente na titularidade de um contratante de, em diante mera declaração, fazer
cessar uma relação contratual ou obrigacional em sentido amplo, a que está vinculado, emergente de um
contrato bilateral ou plurilateral.
Posição do problema – trata-se de saber se, no caso de um fundamento de invalidade ser relativo apenas
a uma parte do conteúdo negocial, o negócio deve valer na parte restante ou deve ser nulo ou anulável na
sua totalidade. (Ex: A vende a B um terreno, verifica-se mais tarde que o terreno vendido não pertencia a A
na sua totalidade, pois compreende uma faixa determinada, correspondente a um terço da superfície total,
pertencente a C, a venda desta faixa é nula, por se tratar nesta parte, de uma venda de bens alheias; será
nulo o negócio ou permanecerá válida a venda do terreno efectivamente pertencente a A com a redução
proporcional do preço?)
Solução do problema – na doutrina propõe-se o critério da vontade hipotética ou conjectural das partes,
não uma vontade real, mas uma vontade como que fingida ou construída pelo juiz. Trata-se de averiguar
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aquilo que as partes teriam querido provavelmente, se soubessem que o negócio se opunha parcialmente a
alguma disposição legal e não pudessem realizá-lo em termos de ser válido na sua integridade. Se é de
admitir que as partes, nessa hipótese, prefeririam não realizar qualquer negócio, deve concluir-se pela
invalidade total. Se se concluir que as partes, provavelmente, sempre o teriam realizado na parte não
directamente atingida pela invalidade, deve ter lugar a redução do negócio.
O problema em face do CC – art. 292º determina-se em princípio, a redução dos negócios jurídicos
parcialmente nulos ou anuláveis. A invalidade total só poderá ter lugar, se se provar que o negócio não
teria sido concluído sem a parte viciada. Tal solução corresponde à ideia de proporcionalidade entre o vício
e a sanção: sendo a nulidade parcial, deve igualmente a sanção, em princípio, afectar apenas a parte
viciada. O contraente que pretender a declaração da invalidade total tem o ónus de provar que a vontade
hipotética das partes ou de uma delas, no momento do negócio, era nesse sentido.
Porém, por vezes, a redução deve ter lugar, mesmo que a vontade hipotética fosse no sentido da
invalidade total.
Quando a invalidade parcial resultar da infracção de uma norma destinada a proteger uma parte contra
a outra, haverá redução, mesmo que haja vontade, hipotética ou real, em contrário.
Quando, verificada a invalidade parcial, seja conforme à boa fé, numa apreciação actual, que o restante
conteúdo do negócio se mantenha, ainda que a vontade hipotética, reportada ao momento da conclusão
do negócio, fosse diversa. Trata-se de apurar se é justo que, uma vez concluído o negócio, se mantenha o
seu restante conteúdo, independentemente se der nesse sentido a vontade hipotética das partes.
Nos contratos de adesão verificada a nulidade de certas clásulas por violarem proibições legais existe
um regime especial que visa proteger o interesse do aderente: este pode optar pela manutenção dos
contratos singulares, mesmo que algumas das suas cláusulas sejam nulas, vigorando, na parte afectada, as
normas supletivas aplicáveis.
O consumidor por optar pela manutenção do contrato que celebrou quando algumas das cláusulas
sejam nulas por excluir ou restringir direitos reconhecidos pela lei do consumidor.
Os termos do problema – trata-se de saber se, declarado nulo ou anulado totalmente um negócio, este
não produzirá quaisquer efeitos negociais ou se, dados certos requisitos, não poderá reconstituir-se, com
os materiais do negócio totalmente inválido, um outro negócio, cujo resultado final económico-jurídico,
embora mais precário, se aproxime do tido em vista pelas partes com a celebração do contrato totalmente
inválido. (Ex: será possível a conversão de uma venda de imóveis feita por escrito particular, portanto nula
por vício de forma, numa promessa de compra e venda, com o resultado prático de levar à perda ou à
restituição em dobro do preço pago?)
Admissibilidade da conversão no nosso direito – (art. 293º) a conversão exige a prova da vontade
hipotética ou conjectural das partes, não tendo lugar em caso de dúvida. Com fundamento nsoart. 239º e
334º a conversão poderá ter lugar, independentemente da vontade hipotética das partes, se a voa fé assim
o exigir.
O contrato é formado por duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto mas convergente,
que se ajustam na sua comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário, embora com um
significado para cada parte.
Para o contrato estar concluído, este consenso tem de incluir todas as cláusulas sobre as quais qualquer
delas tenha julgado necessário o acordo (art. 227º a 235º).
Na formação do contrato podem discernir-se duas declarações negociais: proposta e aceitação, que se
conciliam num consenso. Sendo o contrato integrado por duas declarações, põe-se o problema de saber
qual o momento da sua perfeição.
Doutrina da aceitação – o contrato está perfeito quando o destinatário da proposta declarou aceitar a
oferta que lhe foi feita, admitindo-se, portanto, que o contrato estivesse formado ainda antes de o
proponente ter sequer a possibilidade de conhecimento da aceitação.
Doutrina da percepção – situa-se no extremo temporal oposto à anterior, pois o contrato só está
perfeito quando o proponente tomou conhecimento efectivo da aceitação.
Doutrina da expedição – o contrato está perfeito quando o destinatário expediu, por qualquer meio,
como telegrama, carta, etc., a sua aceitação.
Doutrina da recepção – o contrato está perfeito quando a resposta contendo a aceitação chega à esfera
de acção do proponente passa a estar em condições de a conhecer.
O legislador de 1966 adoptou a última posição no art. 224º, do qual resulta consagrar o nosso direito a
doutrina da recepção, que parece, aliás, a preferível de jure condendo. Não será todavia necessário que a
declaração chegue ao poder ou à esfera de acção do proponente, se, por qualquer meio, foi dele
conhecida. Quer dizer: o contrato está perfeito quando a resposta, contendo a aceitação, chega à esfera de
acção do proponente, isto é, quando o proponente passa a estar em condições de a conhecer, ou quando a
conhecer efectivamente, se este momento foi anterior.
Quanto à proposta de contrato, é irrevogável depois de recebida pelo destinatário ou de ser dele
conhecida (art. 230º). A proposta só fica sem efeito se o destinatário receber uma retractação do
proponente ou dela tiver conhecimento antes de receber a proposta ou ao mesmo tempo que esta.
E coerência com a irrevogabilidade, a morte ou a incapacidade do proponente não obstam à conclusão do
contrato, salvo se outra tivesse sido a sua vontade presumível (art. 231º).
A aceitação tardia não leva à formação do contrato. Em caso de aceitação chegada tardiamente, mas
aparentemente enviada a tempo, a falta de aviso ao aceitante, por parte do proponente, da chegada tardia
da aceitação, apenas leva à responsabilidade do aceitante pelo prejuízo causado por tal falta de aviso (art.
229º), mas não à formação do contrato. O proponente pode, todavia, considerar eficaz a resposta tardia,
desde que ela tenha sido expedida em tempo oportuno.
Uma proposta contratual só existirá se for suficientemente precisa, dela resultar a vontade de o seu autor
se vincular e houver consciência de se estar a emitir uma verdadeira declaração negocial.
[Escrever texto]
As informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço
ou direito se consideram integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua
emissão, tendo-se por não escrita as cláusulas contratuais em contrário.
Os contratos de adesão são celebrados através da aceitação das condições gerais da empresa, prévia e
unilateralmente formuladas, com generalidade e indeterminação.
Os problemas que os contratos de adesão levantam são de três ordens:
No plano de formação do contrato, aumentam consideravelmente o risco de o aderente desconhecer
cláusulas que vão fazer parte do contrato;
No plano do conteúdo, favorecem a inserção de cláusulas abusivas;
No plano processual, mostram a inadequação e insuficiência do normal controlo judiciário, que actua a
posteriori, depende da iniciativa processual do lesado e tem os seus efeitos circunscritos ao caso concreto.
Um controlo eficaz terá de actuar em três direcções:
Pela consagração de medidas destinadas a obter, em cada contrato que se venha a concluir, um efectivo
e real acordo sobre todos os aspectos da regulamentação contratual.
Pela proibição de cláusulas abusivas.
Pela atribuição de legitimidade processual activa a certas instituições para desencadearem um controlo
preventivo, isto é, um controlo sobre as condições gerais antes e independentemente de já haver sido
celebrado um qualquer contrato.
-» Ver DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.
A fim de combater o risco de desconhecimento de aspectos significativos do contrato impõe-se o dever
de comunicação prévia e a prestação de todos os esclarecimentos razoáveis que tenham sido solicitados.
Não se consideram integradas no contrato as cláusulas contratuais gerais que não respeitaram os requisitos
da sua inclusão.
O legislador teve consciência de que havia que fiscalizar directamente o conteúdo das próprias cláusulas
contratuais gerais. Fê-lo de duas formas: por um lado, impondo a sanção da nulidade para certo tipo de
cláusulas, que expressamente proíbe, nulidade essa invocável nos termos gerais; e por outro lado,
consagrando uma acção inibitória, com finalidades preventivas.
As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, desde que interditas por lei, podem,
desde logo, ser proibidas por decisão judicial.
O tempo é um facto jurídico não negocial, susceptível de influir, em muitos domínios do direito civil, em
relações jurídicas do mais diverso tipo.
As obrigações que se esgotam num momento determinado extinguem-se pelo cumprimento através de
um só acto do devedor e são designadas obrigações de execução instantânea. As obrigações que se
prolonga no tempo e que este não influi no montante da prestação são as obrigações duradouras.
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A garantia é o conjunto de providências coercitivas, postas à disposição do titular activo dessa relação, em
ordem a obter satisfação do seu direito, lesado por um obrigado que o infringiu ou ameaça infringir.
Consiste na possibilidade, própria das relações jurídicas, de o seu titular activo pôr em movimento o
aparelho estadual, sancionatório e preventivo, para, em caso de infracção, repor a situação correspondente
ao seu direito, ou para impedir uma violação receada.
A forma mais frequente de garantia é a indemnização dos danos, patrimoniais ou não patrimoniais,
causados ao titular do direito (ver providências cautelares no art. 70º/2).
A garantia não protege o titular do direito apenas na hipótese de violação já consumada do seu direito.
Protege-o também contra ameaças de violação ou receios legítimos de infracção do dever jurídico. A
garantia dá igualmente ao titular de uma relação jurídica a possibilidade de, mediante acção de simples
apreciação pôr termo em juízo à situação de dúvida sobre a existência do seu direito, dúvida que poderia
acarretar prejuízos para ele.
A sanção civil, na forma de reconstituição natural ou de indemnização por equivalente, processa-se
mediante a apreensão pelo estado, no património do obrigado, e a entrega dos bens necessários à
satisfação do lesado. O que está excluído é o recurso à força própria para obter satisfação.
O art. 336º permite o recurso à acção directa, com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, desde
que seja impossível recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais e desde que a actuação directa
não exceda o necessário para evitar o prejuízo. A acção directa distingue-se da legítima defesa (art. 337º), a
qual é um meio preventivo dirigido a afastar uma agressão actual, quer dizer, iminente ou em inicio de
execução, mas não consumada.