Admin,+6+ +Tutela+Adm+e+Relações+de+Consumo
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ALVARO LAZZARINI ..
1. Introdução
O tema proposto para esta exposição diz respeito à tutela administrativa nas re-
lações de consumo, o que, em princípio, não exige o controle prévio do Poder Judi-
ciário dada a auto-executoriedade do ato de polícia administrativa, em que se con-
substancia o previsto, em especial, nos artigos 55 a 60, que integram o Capítulo VII
do Titulo I do Codigo de Defesa do Consumidor, ou seja, da Lei n~ 8.078, de 11 de
outubro de 1990, com vigência no Brasil desde 11 de março de 1991.
A filosofia do Código do Consumidor é a da inarredável proteção e defesa do
consumidor, com normas declaradamente de ordem pública e de interesse social, e
assim cogentes, tudo em atendimento ao comando maior imposto pelo artigo 5~, in-
ciso XXXII, combinado com o artigo 170, inciso V, da Constituição de 1988, bem
como com o artigo 48 de suas Disposições Transitórias, como previsto no artigo I?
do Código.
Em outras palavras, o Estado deve promover, na forma do Código do Consumi-
dor, a defesa deste, o consumidor, porque, a ordem econômica, fundada na valoriza-
ção do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existên-
cia digna, conforme os dítames da justiça social.
Na defesa do consumidor, importante se apresenta o papel do Ministério Públi-
co, porque deve instituir Promotorias de Justiça de Defesa de Consumidor para a
1 FILOMENO, José Geraldo Brito, et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor; Forense Univer·
sitária, Rio de Janeiro, I ~ ed., 1991, p. 53.
2 ARRUDA ALVIM, José Manoel de, et alii. Código do Consumidor Comentado; Editora Revista dos
ltibunais, São Paulo, I ~ ed., 1991, p. 25.
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Em outras palavras, como vinha lembrando Hely Lopes Meirelles, 3 a Constitui-
ção de 1988 restringiu a possibilidade de interferência do Estado na ordem econômi-
ca, mas, "mantendo a orientação da Constituição anterior, a atual assegurou à ini-
ciativa privada a preferência para exploração da atividade econômica, atribuindo ao
Estado somente as funções de 'fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este de-
terminante para o setor público e indicativo para o setor privado' (art. 174)".
É esse mesmo publicista que, também, ensina que "Atuar é interferir na iniciati-
va privada. Por isso mesmo, a atuação estadual só se justifica como exceção à liber-
dade individual, nos casos expressamente permitidos pela Constituição e na forma
que a lei estabelecer", 4 sendo que: "O modo de atuação pode variar segundo o ob-
jeto, o motivo e o interesse público a amparar", 5 tudo com medidas interventivas pre-
vistas em lei e executadas pela União ou por seus delegados legalmente autorizados.
A propósito, ainda no dizer autorizado de Hely Lopes Meirelles: 6 "Aos Esta-
dos e Municípios só cabem as medidas de polícia administrativa, de condicionamen-
to do uso da propriedade ao bem-estar social e de ordenamento das atividades eco-
nômicas, nos limites das normas federais", razão de bem presente estar o Poder de
Polícia que é inerente a todas as entidades estatais, para a regulamentação das ativi-
dades que se realizam em seus territórios e sob sua fiscalização.
3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro; Malheiros Editores, São Paulo, 1992, 17~
ed., atualizada por ANDRADE AZEVEDO, Eurico de, et ali;' p. 545.
4 MEIRELLES, Hely Lopes. Obra e ed. cits., p. 546.
5 MEIRELLES, Hely Lopes. Obra e ed. cits., p. 546.
6 MEIRELLES, Hely Lopes. Obra e ed. cits., p. 504.
7 LAZZARINI, Alvaro, et alii. Direito Administrativo da Ordem Pública; 2~ ed., 1987, Forense, Rio de
Janeiro, p. 27.
8 CRETELLA JÚNIOR, José. Conceituação do Poder de Polícia; Revista do Advogado, Associação dos
Advogados de São Paulo, n~ 17, abril de 1985, p. 53.
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o Poder de Policia que, como focalizado, está a legitimar o ordenamento das
atividades econômicas, é um poder indelegável, sendo exclusivo da Administração
Pública, como Poder Público. Temos, assim, a premissa que não pode ser descartada
em relação à pretendida tutela administrativa nas relações de consumo: O Poder de
Polfcia só pode ser exercido pela Administração Pública, enquanto Poder Público.
O eminente Professor José Cretella Júnior 9 explica, com maior alcance, que "O
primeiro elemento, de obrigat6ria presença na definição de polfcia, é o da fonte de
que provém, o Estado, ficando, pois, de lado qualquer proteção de natureza particu-
lar. Isso porque o exercfcio do poder de policia é indelegável, sob pena de falência
virtual do Estado."
A atuação do Poder de Policia será sempre de ordem administrativa, seja qual
for o órgão público que o exerça, isto é, os de qualquer dos Poderes Estatais. É, pois,
um pleonasmo dizer-se polfcia administrativa, porque, mesmo a denominada policia
judicidria é exercida por órgão administrativo, que auxilia a Justiça Criminal na re-
pressão criminal. lO
Maria Sylvia Zanella di Pietro, no entanto, deixa bem certo que "A principal
diferença que se costuma apontar entre as duas está no caráter preventivo da polícia
administrativa e no repressivo da polícia judiciária. A primeira terá por objetivo im-
pedir as ações anti-sociais e, a segunda, punir os infratores da lei penal", regendo-se
a primeira pelo direito administrativo, incidindo sobre bens, direitos ou atividades,
enquanto que a segunda, a polícia judiciária, rege-se pelo direito processual penal,
incidindo sobre pessoas. 11
Lembra, também, que a linha de diferenciação mais precisa - no que me honra
com citação - está na ocorrência ou não de ilícito penal, certo que, quando atua
na área do ilícito puramente administrativo (preventiva ou repressivamente), a polícia
é administrativa, certo que, quando o ilícito é penal, é a polícia judiciária que age. 12
A ilustre publicista, após esclarecer que a polícia judiciária é privativa de corpo-
rações especializadas (polícia civil e militar), ressalta que "a polícia administrativa
se reparte entre diversos 6rgãos de fIScalização aos quais a lei atribua esse mister, co-
mo os que atuam nas áreas de saúde, educação, trabalho, previdência e assistência
social". 13
Cuidando-se da polícia administrativa, aliás, já o disse anteriormente, "A com-
petência, via de regra, é da entidade estatal- União, Estado-Membro e Município
- que dispõe do poder de regular a matéria. E, dentro da entidade - estatal, natu-
ralmente, dependerá do que a lei estabelecer como sendo da atribuição do 6rgão pú-
blico seu".14
Como a policia administrativa reparte-se entre diversos 6rgãos de fiscalização
9 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentdrios à Constituição de 1988. v. lI, I! ed., 1989, Forense Univer-
sitária, Rio de Janeiro, p. 733.
lO FOLCIERI, Carlo Consonni. Nuovissimo Digesto Italiano. v. XIII, verbete Pof(cia Judicidria, tradu-
ção do Desembargador Geraldo Arruda, Revista de Jurisprudência do 1Hbunal de Justiça do Estado de
São Paulo, I..ex Editora, São Paulo, v. 89, p. 34-37.
11 DI PlETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo; Editora Atlas, São Paulo, I! ed., 1990, p. 89.
12 DI PlETRO, Maria Sylvia Zanella. Obra e ed. cits., p. 90.
13 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Obra e ed. cits., p. 90.
14 LAZZARINI, Alvaro. Do Poder de Pof(cio,· Julgados dos lHbunais de Alçada Civil de São Paulo, I..ex
Editora, v. 63, p. 20.
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e a competência deles é dependente do que a lei dispuser, cumpre observar, com Caio
Tácito, que "A primeira condição de legalidade é a competência do agente. Não há,
em direito administrativo, competência geral ou universal: a lei preceitua, em relação
a cada função pública, a forma e o momento do exercício das atribuições do cargo.
Não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito. A com-
petência é, sempre, um elemento vinculado, objetivamente fIxado pelo legislador". 15
O ato do órgão público fIscalizador, assim competente para o exercício do Poder
de Polícia, na atividade de polícia administrativa, tem atributos próprios, isto é, tem
os atributos do discricionarismo, da auto-executoriedade e o da coercibilidade.
A discricionariedade é o uso da liberdade legal de valoração das atividades poli-
ciadas, sendo que esse atributo diz, também, respeito à gradação das sanções admi-
nistrativas aplicáveis aos infratores. Lembro, porém, que o discricionarismo de que
falo não se confunde com arbítrio, com arbitrariedade. O Poder de Polícia há de ser
exercido dentro dos limites impostos pela lei, pela realidade e pela razoabilidade, sob
pena de resvalar para a arbitrariedade a autoridade que não observe a tais limites,
com as conseqüências jurídicas decorrentes do seu abuso de poder, por excesso ou
desvio de poder.
A auto-executoriedade do ato de polícia administrativa importa em ele produzir
todos os seus efeitos de imediato, isto é, ser colocado em execução desde logo, inde-
pendente de prévia autorização do Poder Judiciário, que só será chamado a intervir
a posteriori, se o administrado entender que foi prejudicado. Lembro, novamente,
que o Poder de Polícia objetiva conter os excessos, a atividade anti-social, razão de
não ser possível condicionar os atos de polícia à prévia aprovação de qualquer outro
órgão, que não o competente, ou Poder estranho à Administração Pública.
Quanto à coercibilidade, lembro que todo ato de polícia é imperativo, isto é, obri-
gatório ao seu destinatário, que, se resistir, ensejará, até mesmo, o emprego de força
pública para o seu cumprimento. O ato de polícia administrativa, bem por isso, não
é facultativo para o administrado, de vez que todo ato de polícia tem coercibilidade
estatal para torná-lo efetivo. E, como visto, essa coerção, dado o atributo da auto-
executoriedade, independe de autorização do Poder Judiciário, porque é a própria
Administração Pública que decide e toma as providências cabíveis para a realização
do que decidiu, removendo os eventuais obstáculos que o administrado oponha, in-
clusive, para isso, aplicando as medidas punitivas que a lei de regência, expressamen-
te, indique.
De todo esse contexto, posso, portanto, dizer, com Diogo de Figueiredo Moreira
Neto,16 um dos grandes publicistas brasileiros e estudioso da temática da ordem pú-
blica, que "O Poder de Polícia atua de quatro modos: pela ordem de polícia, pelo
consentimento de polícia, pela fiscalização de polícia e pela sanção de polícia': es-
clarecendo, em seguida, que "A limitação é o instrumento básico do Poder de Polícia
e aqui se apresenta como ordem de polícia, que vem a ser um preceito para que se
15 TÁCIro, Caio. o Abuso de Poder Administrativo no Brasil- Conceito e Remédios; edição do De-
partamento Administrativo do Serviço Público e Instituto Brasileiro de Ciências Administrativas, Rio de
Janeiro, 1959, p. 27.
16 MOREIRA NEro, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo; Forense, Rio de Janeiro,
8~ ed., 1989, p. 340 a 343.
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não faça aquilo que pode prejudicar o interesse coletivo ou para que não se deixe
de fazer alguma coisa que poderá evitar ulterior prejuízo público".
Quanto ao consentimento de polícia, o publicista em exame, em lição que adoto,
diz ser' 'o ato administrativo de anuência para que alguém possa utilizar a proprieda-
de particular ou exercer atividade privada, naqueles casos em que se entenda que de-
va ser feito um controle prévio da compatibilização do uso do bem ou do exercício
da atividade com o interesse coletivo".
No que se refere à fIScalização de polícia, ainda no dizer didático de Diogo de
Figueiredo Moreira Neto na lição que estou seguindo, "Ela se fará tanto para a veri-
ficação do cumprimento das ordens de polícia quanto para observar se não estão ocor-
rendo abusos nas utilizações de bens e nas atividades privadas que receberam consen-
timento de polícia. Sua utilidade é dupla: primeiramente, realiza a prevenção das in-
frações pela observação do comportamento dos administrados, relativamente às or-
dens e aos consentimentos de polícia; em segundo lugar, prepara a repressão das in-
frações pela constatação formal dos atos infringentes. AflSca/ização pode ser defla-
grada ex-officio ou provocada por quem tenha interesse no cumprimento da ordem
ou em manter, prorrogar ou remover certo consentimento de polícia."
Para finalizar, é ainda Diogo de Figueiredo Moreira Neto que lembra: "Final-
mente, falhando todo o mecanismo de fiscalização, e verificada a ocorrência de vio-
lação das ordens de polícia, surge a fase de aplicação da sanção de polícia" que, "em
suma, é unilateral, externa e interventiva, visando a assegurar, pela sua aplicação,
a repressão da infração e a restabelecer o atendimento do interesse público, compe-
lindo o infrator à prática de ato corretivo, ou dissuadindo-o de persistir no cometi-
mento do ilícito administrativo; é, assim, suasiva e compulsiva."
No tocante à sanção de polícia, aliás, alinho-me com o grande publicista ale-
mão, Qtto Mayer, separando a pena de polícia do constrangimento de polícia, que
se caracteriza no obrigar outrem a fazer ou deixar de fazer o que era de seu desejo,
subordinando-o compulsoriamente, de maneira pessoal, imediata e direta, ao interes-
se público. Por sua vez, a pena de polícia, limitada à esfera administrativa, tem senti-
do de castigo, ainda que por imposição pecuniária, revelando-se como intervenção
punitiva do Estado sobre as atividades e as propriedades particulares dos administra-
dos, aplicada unilateralmente e imperativamente, quer na área externa da Adminis-
tração, aos administrados em geral, quer na área interna, incidindo sobre os próprios
servidores públicos. 17
17 LAZZARINI, Alvaro. o Esforço Legal no Contexto do Trânsito. Exposição em 23.09.1992, no III CI-
CLO NACIONAL DE TRÂNSIlO URBANO, organizado pelo Comando de Policiamento de 1rânsito
da Polícia Militar do Estado de São Paulo; trabalho ainda não publicado.
18 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor; Editora Atlas, São Paulo, 1991,
p. 69 a 72.
91
são órgãos policiais ou de fiscalização, sendo antes verdadeiras caixas de ressonância
dos reclamos dos consumidores individual, coletiva ou difusamente considerados"
(grifos do autor), certo que "no aspecto puramente administrativo, a atividade dos
órgãos ou entidades de proteção ou defesa do consumidor deve ser encarada sob três
aspectos fundamentais: 1. de orientação aos consumidores... 2. de encaminhamento...
o':
3. de estudos e pesquisas .. para, logo em seguida, acrescentar outro aspecto, ou
melhor, outra atividade que é a de fIScalização.
É então que ele esclarece que, "embora entendamos que a rigor as entidades es-
pecíficas de proteção ou defesa do consumidor devem ter precipuamente aquelas ou-
tras atribuições de irradiação de conhecimento especializado, orientação, educação,
encaminhamento de representações para que outros órgãos fiscalizem e adotem ou-
tras medidas dentro do âmbito de suas atribuições legais, o que se tem observado
sobretudo a partir dos chamados 'planos de estabilização econômica', é que cada vez
mais têm sido solicitados outros órgãos como de prefeituras municipais e Estados
da federação, e particularmente os de proteção e defesa do consumidor no sentido
de que elaborem convênios com a SUNAB, por exemplo, e passem a impor medidas
punitivas no âmbito administrativo' '.
E, para o que me interessa neste estudo, linhas seguintes, José Geraldo Brito Fi-
lomeno acrescenta que' 'o verdadeiro cipoal de normas e também órgãos envolvendo
direta ou indiretamente aspectos da defesa ou proteção do consumidor torna difícil
uma sistematização de como e em que sentido são aquelas aplicadas - ou em muitos
casos deveriam sê-lo - e sobretudo como atuam os referidos órgãos. Thnto assim
que o código de defesa do consumidor, embora tenha conglobado no Capítulo VII,
de seu TItulo I, as sanções administrativas, fê-lo de modo geral, mesmo porque não
passou despercebido de seus redatores a vasta rede de órgãos incumbidos de 'tutela
administrativa do consumidor' quer no plano da União, quer dos Estados, Distrito
Federal e Municípios, mormente se tendo em vista a competência concorrente em ma-
téria de produção e consumo. De qualquer, modo, entretanto, finaliza Filomeno, poder-
se-ia dizer que a defesa ou proteção do consumidor - parece-nos indiferente tanto
um termo como outro, embora reconheçamos que o termo 'proteção' sugira mais ca-
ráter preventivo - no que concerne ao âmbito administrativo, dá-se quando um de-
terminado órgão da administração pública desenvolve certa atividade com vistas a
amparar um interesse do consumidor e, claro, sob o amparo de uma norma que a
embase sobremodo nas atribuições ligadas à polícia administrativa, atividade tal en-
carada no seu mais amplo sentido".
Entendo, com a devida vênia, que há órgãos integrantes do Sistema Nacional
de Defesa do Consumidor - SNDC previsto no artigo 105, combinado com o artigo
5?, ambos do Código de Defesa do Consumidor, que, efetivamente, são órgãos poli-
ciais ou de fiscalização, pois, ligados à Administração Pública, exercem Poder de Po-
lícia na 'lUtela Administrativa nas Relações de Consumo.
A referida tutela administrativa, por exemplo, vejo presente na previsão do arti-
go 5?, inciso m, do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, a de criação de dele-
gacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infra-
ções penais de consumo. Diriam, no entanto, que essa previsão não diz respeito à
«tutela administrativa" e sim à «tutela penal'~ Não podemos, porém, esquecer o
que anteriormente foi focalizado, isto é, não existe polícia que não seja manifestação
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administrativa, mesmo que voltada à apuração de infrações penais. E delegacia de
polícia, mesmo que especializada, é órgão público administrativo.
Embora não prevista, expressamente, no citado artigo 5~ do Código, não posso,
como não podemos, descartar, também, a Polícia Militar, que exerce, na preservação
da ordem pública, a polícia ostensiva, que é preventiva, vale dizer polícia administra-
tiva. Ela, também, é órgão da Administração Pública e cuja presença, igualmente,
é fator de dissuasão da prática não só de infrações penais, como também, bem orien-
tada que seja, de ilícitos administrativos, podendo, pois, contribuir em muito, órgão
administrativo que é, na tutela administrativa nas relações de consumo.
Não são órgãos policiais e de fiscalização, de fato, os órgãos de assistência jurí-
dica, do Ministério Público e do Poder Judiciário, previstos no aludido artigo 5~, in-
cisos 1,11 e IV, do Código de Defesa do Consumidor, menos ainda, por não serem
órgãos públicos e, pois, não poderem exercer Poder de Polícia, as Associações de De-
fesa do Consumidor, previstas no mesmo artigo 5~, inciso V, como também no artigo
105 do mesmo Código como sendo entidades privadas de defesa do consumidor.
Todos os demais órgãos públicos da Administração direta ou autárquica, fede-
rais, estaduais, do Distrito Federal e dos Municípios, que integrem o Sistema Nacio-
nal de Defesa do Consumidor - SNDC, embora não sejam órgãos policiais como
as referidas Polícias, Civil e Militar, na esfera de suas competências, que são vincu-
lantes como já focalizado, têm o necessário Poder de Polícia, tem capacidade de jlS-
caliZllção, em menor ou maior grau, pois, a Política Nacional de Relações de Consu-
mo, também, lhes exige o princípio da coibição e repressão eficientes de todos os abusos
praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização in-
devida de inventos e criação industriais das marcas e nomes comerciais e signos dis-
tintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores (artigo 4~, inciso VI, do Có-
digo de Defesa de Consumidor).
A denominada ordem de polícia, por exemplo, vejo presente na regra de compe-
tência administrativa prevista no artigo 55, caput, do Código de Defesa do Consumi-
dor, ao prever que "A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente
e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à
produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços."
Dependendo de tais normas é que se torna possível saber qual o órgão adminis-
trativo capacitado a expedir o denominado consentimento de polícia, naqueles casos
em que deva haver um controle prévio da compatibilização do uso do bem ou do
exercício da atividade com o interesse coletivo.
E, como regra, a esse órgão administrativo, se o contrário não dispuser a norma
de regência, caberá a denominadajlScaliZllção, que nada mais é do que o policiamen-
to administrativo, ou seja, a verificação do cumprimento das ordens de polícia ou,
então, a observação se não estão ocorrendo abusos nas utilizações de bens e nas ati-
vidades privadas, o que equivale dizer que, mesmo nas relações de consumo, tais ór-
gãos administrativos exercem dupla atividade, pois, realizam a prevenção das infra-
ções em geral, pela observação do comportamento dos envolvidos em relações de con-
sumo, em especial do fornecedor, preparando, se caso, a repressão das infrações, de
ofício ou por provocação do consumidor ou outros interessados, repressão essa no
campo administrativo, além, é óbvio, do civil e do penal.
Lembro, a propósito, que o Código de Defesa do Consumidor, no seu artigo 55,
93
§ 1~, exige que "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípiosfiscalizarão
e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos
e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde,
da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando normas que
se fizerem necessárias". Afiscalização de polícia dos órgãos dessas entidades estatais
tem previsão no Código de Defesa do Consumidor.
Falhando todo o mecanismo de fiscalização, e verificada a ocorrência de viola-
ção das ordens de polícia, como diz Diogo de Figueiredo Moreira Neto em lição re-
tro-transcrita, surge a fase de aplicação da sanção de polícia, que será oportunamen-
te examinada.
Entendo, portanto, certo que todo órgão administrativo envolvido no Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC deve ter reconhecido o correspondente
Poder de Polícia, exercendo típicas atividades da denominada polícia administrativa,
embora não possam ser considerados órgãos policiais, estes elencados taxativamente
no artigo 144 da Constituição de 1988.
Relembro aquilo que Maria Sylvia Zanella di Pietro bem sintetizou da doutrina
e da jurisprudência e já foi transcrito anteriormente: "a polícia administrativa se re-
parte entre diversos órgãos da Administração, incluindo, além da própria polícia mi-
litar, os vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribua esse mister".
Pode-se, assim, afirmar que essa competência de tais órgãos administrativos "terá
sempre presente a União, de um lado, e, de outro, os Estados e o Distrito Federal.
O Município, conquanto possa exercer atividadeflScalizadora e controladora do mer-
cado de consumo (parágrafo terceiro, do artigo 55), carece de competência legislativa
para assunto diretamente referente a consumo, sequer concorrente. Dependerá, o en-
foque correto e concreto de qualquer problema, da consideração de legislação que
venha a ser editada, ou que já o tenha sido, para a qual servirá o Código do Consu-
midor como elemento catalisador ou aglutinador' '. 19
O Poder de Polícia, destarte, está bem presente nas relações de consumo, pois,
conforme Zelmo Denari,20 "Ninguém ignora que, tanto na esfera federal como na
estadual e municipal, inúmeros textos normativos - em grande parte expressivos do
poder de polícia - regulam toda sorte de atividade do poder público, concernentes
à saúde, à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à tranqüilidade pública, ao
urbanismo, à edificação e parcelamento do solo urbano, à fiscalização de gêneros
alimentícios, inclusive à disciplina da produção e do mercado de consumo. Esse mi-
crossistema normativo é que introduz no ordenamento jurídico pátrio os 'deveres ad-
ministrativos', vale dizer, os deveres dos administrados para com as entidades públi-
cas federais, estaduais e municipais, os quais violados, ensejam a aplicação das cor-
respondentes sanções administrativas."
94
mente, procedimento de polícia, onde presente estará a jurisdicionalização hoje exi-
gida, de modo insofismável, pelo artigo 5~, inciso LV, da Constituição de 1988, ou
seja, aos litigantes em processo administrativo e aos acusados em geral são assegura-
dos o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, como
também pelo artigo 4~ da Constituição Paulista de 1989, mais detalhista, ao exigir
que "Nos procedimentos administrativos, qualquer que seja o objeto, observar-se-
ão, entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o devido
processo legal, especialmente quanto à exigência da publicidade, do contraditório,
da ampla defesa e do despacho ou decisão motivados."
Não há pois como fugir da amplitude da defesa, isto é, do direito de defesa que
é o cerne de todo procedimento administrativo.
1àl exigência não passou despercebida do legislador de relações de consumo que,
ao cuidar da tutela administrativa nas relações de consumo, foi categórico em exigir
a instauração de procedimento administrativo, assegurada a ampla defesa, pelo me-
nos nos artigos 58 e 59 do Código de Defesa do Consumidor.
Lembro que procedimento administrativo é a sucessão ordenada de operações
que propiciam a formação de um ato final objetivado pela Administração. É o iter
legal a ser percorrido pelos agentes públicos para a obtenção dos efeitos regulares
de um ato administrativo principal, na lição consagrada de Hely Lopes Meirelles. 21
E quanto ao direito defesa, não é demais dizer, ele se consubstancia na faculdade de
o acusado ter vista, ter conhecimento da acusação, podendo rebatê-la, produzindo
prova pertinente. Em outras palavras, o fornecedor acusado de infração administra-
tiva tem o direito público subjetivo de, diante da acusação, apresentar, no prazo que
a lei dispuser e em querendo, defesa ampla, na qual poderá valer-se dos meios e pro-
vas pertinentes, isto é, que sejam aptas a demonstrar aquilo que venha a alegar em
prol de seus direitos e interesses, inclusive, com os meios e recursos a ela inerentes.
O procedimento administrativo, nas relações de consumo de que trato, possibilita
à autoridade administrativa competente, nos termos do parágrafo único do artigo 56
do Código de Defesa de Consumidor, a concessão de medida cautelar antecedente ou
incidente, "desde que entenda seja hipótese de ser desencadeada ou utilizada medida
cautelar, dentro do âmbito do procedimento administrativo. Não se refere o Código do
Consumidor, neste passo, a processo judicial, o que, todavia, não inibe seja este o utili-
zado, inclusive com medidas cautelares, a esse relacionadas. A referência a 'procedimento
administrativo' indica, apenas, que tais sanções poderão estar instrumentadas de exe-
cutoriedade, a qual seja antecedida da respectiva medida cautelar".22
A medida cautelar administrativa de que trato, em verdade, está dotada de forte
carga de discricionarismo, porque implica em um juízo de valor, diante de circuns-
tâncias de momento, em que deve ser avaliada a conveniência e oportunidade de me-
dida, medida essa que, pelo óbvio, não deverá ultrapassar os limites da sanção defini-
tiva que a hipótese comportar.
No ponto 'que trato, das medidas cautelares administrativas. analogicamente, pode
ser considerada toda a doutrina processual civil a respeito. Lembro que a analogia
tem seu uso permitido no Direito Administrativo.
95
A cautelar administrativa que, no procedimento administrativo, seja concedida,
ato de polícia que é, tem o atributo da auto-executoriedade, isto é, independe de au-
torização do Poder Judiciário. Ela produz os seus efeitos de imediato. Entendo que
em hipótese alguma, com a devida vênia de entendimentos em contrário como o aci-
ma transcrito, o órgão administrativo, competente para a medida cautelar de que tra-
to, deverá socorrer-se do Poder Judiciário para impô-la coativamente. Os Poderes da
República são independentes e harmônicos entre si (artigo 2~ da Constituição de 1988),
de modo que não pode haver delegação de atividade de um para outro Poder, caben-
do, isto sim, ao Poder Judiciário o controle a posteriori da medida cautelar adminis-
trativa, como de qualquer outro ato administrativo de polícia. Lembro, a propósito,
que ato administrativo tem presunção de legitimidade, cabendo ao seu destinatário
demonstrar cabalmente a sua ilegitimidade e não à Administração Pública compro-
var a legitimidade de seu ato. Bem por isso não se pode presumir que do ato adminis-
trativo ocorrerá "lesão ou ameça a direito" a exigir a intervenção do Poder Judiciá-
rio a teor do artigo 5~, XXXV, da Constituição de 1988. Será, então, sempre aquele
que entenda que sofreu ou sofre "lesão ou ameaça a direito" que deverá demandar
a Administração Pública em juízo, provando cabalmente a alegação em relação ao
seu direito público subjetivo.
96
dor, artigo 56, assim, é legítima, como também é legítima a apenação nas esferas ci-
vil e criminal, dada a autonomia que o Direito reconhece para elas.
Entendo, porém, que no campo da responsabilidade administrativa é de duvido-
sa juridicidade apenar-se o fornecedor infrator com as penas previstas no Código de
Defesa do Consumidor e, ainda, com as definidas em normas específicas, como pre-
visto no final do artigo 56, caput, do aludido Código. Entendo que essa faculdade
deve ser utilizada com certo cuidado, evitando o denominado bis in idem, ou seja,
uma apenação, duas ou mais vezes, pela mesma conduta do fornecedor, pela mesma
ou diversa autoridade. No caso, como sabido, o bis in idem será a repetição (bis) de
punição sobre a mesma conduta ilícita (in idem), o que violenta a consciência jurídica.
De qualquer modo, saliento com Zelmo Denari23 que o Código de Defesa do
Consumidor, basicamente, distinguiu três modalidades de sanções administrativas,
que concretizam a tutela administrativa nas relações de consumo. ou seja, "a) sanção
pecuniária - representada ~las multas (item I) aplicadas em razão do inadimple-
mento dos deveres de consumo; b) sanções objetivas - são aquelas que envolvem
bens ou serviços colocados no mercado de consumo e compreendem a apreensão (item
11), inutilização (item I1I), cassação do registro (item IV), proibição de fabricação
(item V) ou suspensão do fornecimento de produtos ou serviços (item VI); c) sanções
subjetivas - referidas à atividade empresarial ou estatal dos fornecedores de bens
ou serviços, compreendem a suspensão temporária da atividade (item VII), cassação
de licença do estabelecimento ou de atividade (item IX) interdição total ou parcial
de estabelecimento, obra ou atividade (item X), intervenção administrativa (item XI),
inclusive a imposição de contrapropaganda (item XII)".
Essas sanções, repito, estão cominadas exemplificativamente. Não é taxativa a
resenha legal, como focalizado anteriormente. Só podem ser aplicadas nos moldes
do procedimento administrativo de regência, como previsto para as suas diversas hi-
póteses nos artigos 57 a 60 do Código de Defesa do Consumidor, todos eles indican-
do a necessidade de observância do requisito da ampla defesa. certo que o artigo 59,
§ 3~, também, dispõe sobre reincidência, prevendo que, "Pendendo ação judicial na
qual se discuta a imposição de penalidade administrativa, não haverá reincidência
até o trânsito em julgado da sentença."
7. Conclusões
97
da no artigo 4~ da Lei Federal n~ 8.078, de 11 de setembro de 1990, ou seja, do Códi-
go de Defesa do Consumidor. É certo que uma Delegacia de Polícia de Defesa do
Consumidor (artigo 5~, inciso lU, do referido Código) é órgão administrativo desti-
nado à atividade de polícia judiciária, auxiliar do Poder Judiciário. Esse órgão, po-
rém, é administrativo e não judiciário, devendo, pois, ser considerado como integrante
do aparelhamento administrativo.
O Poder de Polícia se encontra bem presente nas atividades de todos esses ór-
gãos administrativos, que só poderão operar nos estritos limites de sua competência
legal, certo que, quando competentes para aplicar as sanções administrativas, deve-
rão fazê-lo através de regular procedimento administrativo, onde se observará o di-
reito à ampla defesa.
As sanções administrativas previstas no artigo 56 do Código de Defesa do Con-
sumidor não são taxativas, pois, outras podem existir por definidas em normas legais
específicas.
Com essas conclusões, espero ter examinado sistemicamente o que entendo por
Tutela Administrativa e Relações de Consumo, dentro do limite de tempo para esta
exposição.
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