Herdeiro Do Caos - Julia Menezes
Herdeiro Do Caos - Julia Menezes
Herdeiro Do Caos - Julia Menezes
“Ele me olha como se eu fosse dele e nesse momento não parece tão
ruim.”
FUTURO
SERAPHINA
Ele está me alcançando; pior do que isso, sinto meus pés diminuindo
a velocidade, esperando que ele me embrenhasse como um predador. Que
me devorasse até que não sobrasse nada, até que eu não fosse nada. Eu
queria isso, eu merecia isso.
Meus pés cederam e um alívio me escapou quando senti seu corpo
sobre o meu. Sua mão agarrando meu cabelo num aperto firme, enquanto
sua voz rouca arrepiava até minha alma.
— Não é uma caçada se a caça quer ser devorada, Kiska [1] .
— Não me chame assim. — Eu me debati, sentindo as pedras e
cascalhos contra meus jeans.
— Se você achou que esse era o fim do jogo, está enganada.
Ele se levanta e eu me contorço, chocada que simplesmente se
afastou. Isso não deveria acontecer assim. Ele não me puxa do chão,
levando seu tempo me observando. Eu também não me mexo, por que dessa
vez o medo me toma. Ele realmente era um predador, não uma brincadeira.
Não quando ele saca a sua arma e aponta direto para mim.
Perco a respiração e mal percebo que levanto do chão, meus pés
escorregando no cascalho enquanto tento correr, mesmo quando minhas
pernas falham. Consigo me afastar só mais uns metros antes que ele me
derrube e monte em cima da minha barriga; consigo sentir sua ereção dura
contra meu ventre, mas qualquer excitação vai embora quando a arma é
colocada na minha cabeça. Uma lágrima escorre do meu olho e ele observa
sem emoção. Vazio.
— Não era isso que você queria?
Tento falar, mas a minha voz não sai. Tinha certeza que se ele me
matasse não haveria corpo para ser enterrado, provavelmente seria jogada
em alguma vala nessa clareira. Ninguém sentiria minha falta, ninguém
ligaria para meu sumiço.
— Implore.
Sua voz me arrepia, mas uma força dentro de mim me impede de
fazer isso. Eu não imploraria pela minha vida como muitos outros fizeram.
— Não.
Aproximo mais minha cabeça do gatilho e um sorriso sádico toma
seu rosto. É tão assustador quanto bonito, uma bela besta.
— Ah, amor. Você não sabe o que acabou de fazer.
— O quê? — pergunto receosa.
Ele se abaixa, até seus lábios quase encontrarem os meus.
— Mostrou que você é perfeita para mim.
Então ele puxa o gatilho e eu não fecho os olhos, esperando que o
ódio em meu olhar o assombre pelo resto da sua vida.
1
Isso não me machuca
Você quer sentir como eu me sinto?
Você quer saber que não me machuca?
Você quer escutar sobre o trato que eu estou fazendo?
Running Up That Hill — Placebo
ANTES
YURIO
Nem tento esconder os olhos roxos e os hematomas enquanto
caminho pelos corredores da escola, todos sabem que é melhor não se
meterem comigo. Tenho faltado às aulas há dias para ficar de olho em
Sophia Hoffman, a princesa da máfia Hoffman que foi sequestrada por meu
tio Nikolai, mas pelo que tenho visto eles estão apaixonados e é aí que mora
o perigo.
Meu avô, o Pakhan da Bratva, Leoncio Leonov, é um homem mau,
que se delicia ao ver o medo nas pessoas. Ele afastou meu tio de Sophia,
provavelmente suspeitando e eu precisava ficar de olho nela, devia muito a
Nikolai e sabia que proteger algo que ele se importava, talvez a única coisa,
era importante.
Meu estômago embrulhava toda vez que eu passava pelo corredor
onde seu quarto estava e o encontrava rondando; só de imaginar o que ele
poderia fazer com Sophia fazia meu corpo contrair e eu me ressentia de ter
o mesmo sangue que ele.
Ser o Pakhan da Bratva era um cargo importante, mas meu avô
usava isso para causar terror e medo onde quer que ele fosse. Uma família
devia ser unida, mas ele nos via como fantoches. Eu queria acabar com isso,
mas toda vez que alguém tentava se rebelar a consequência era pior.
O meu próprio tio Nikolai era conhecido como monstro por tudo
que meu avô fez com ele, o tratando como um animal. Ele passou toda a
minha infância vivendo no porão dentro de uma cela e não havia nada que
eu pudesse ter feito para ajudá-lo, porque na verdade todos nós estávamos
presos em sua tirania.
Lembro do alívio quando lhe foi permitido ir para um apartamento
na cidade, mas ao mesmo tempo desejei que ele se virasse contra meu avô e
o matasse para acabar com esse tormento de uma vez por todas. Não
aguentava mais ir para a escola sem saber se alguém que eu amo estaria
morto quando voltasse.
Ter Nikolai vivendo sob o mesmo teto novamente era um sinal claro
que as coisas estavam mudando. Leoncio até trouxe minha tia Tania dos
Estados Unidos para cá, ele a havia vendido como um objeto a um mafioso
em São Francisco e se eu não fosse homem, acho que teria o mesmo
destino. Meu avô sempre desprezou as mulheres, mas traz Tania de vez em
quando para mostrar que ainda tem poder sobre ela.
Algo realmente estava acontecendo, parecia tangível para todos e
esse jantar era a prova disso. Normalmente deixávamos Leoncio falar o que
quiser e ficávamos quietos para aplacar sua raiva, mas ouvi-lo falando da
minha mãe no jantar foi como puxar um gatilho.
O jantar em família sempre era tenso, mas hoje ele parecia querer
provocar, ainda mais que Nikolai não estava aqui para representar nenhuma
ameaça e meu pai nunca faria nada que nos colocasse em risco.
— Veja, Tania, você devia aprender com Sophia e a família dela.
Basta abrir as pernas e ficam grávidas. Você já está velha e não vou culpar
Ruslan se nem quiser vir lhe buscar. — Ele alfineta.
Lágrimas escorrem dos olhos da minha tia, ela nunca teve um filho e
eu suspeito fortemente que era para não o colocar em risco.
Ninguém na mesa diz uma palavra. Satisfeito com isso meu avô
continua:
— Veja Lara, engravidou antes mesmo de casar com Krigor. Se não
tivesse certeza que o filho é dele, eu mesmo teria tirado o bastardo de sua
barriga. — O sorriso enquanto fala me dá nojo.
Vejo minha mãe se encolher e mesmo sabendo que é um erro saio da
sala, sem aguentar ficar ali mais um minuto. Me tranco em meu quarto e
penso em ligar para alguém, mas ninguém poderia me salvar. Eu não tinha
ninguém.
Acendo um baseado, tentando ficar mais calmo sabendo que minhas
ações não ficarão impunes, mas eu nem ligo. Estive morando no inferno
toda a minha vida. Não há nada que ele possa fazer que vá ser pior do que
estar em sua presença.
Não demora muito até que dois de seus homens entrem no meu
quarto. Esses guardas estiveram aqui por boa parte da minha vida e ambos
eram gentis comigo, mas agora sabia exatamente o que eles queriam e
estava pronto para receber as consequências.
***
***
Está acontecendo.
Quando fui arrastado até o escritório de Leoncio sabia que ele estava
planejando algo grande. Já fazia meses desde que Sophia fora sequestrada e
apesar de ter me apegado a ela, sabia que era questão de tempo até que a
garota fosse morta ou libertada.
Leoncio tinha um olhar louco quando fui empurrado na cadeira,
lançando um comando com a cabeça para os seguranças saírem. Ele passa o
olhar sobre mim antes de acender um charuto e sorrir. Sua pele cheia de
rugas só mostrava que ele era tão podre por fora como por dentro. Não sou
uma pessoa religiosa, mas rezei várias vezes para que ele morresse logo.
— Sabe, Yurio, estive esperando por essa conversa há muito tempo.
Esperei que Krigor lhe criasse com ódio, o moldando assim como fiz com
Nikolai, tendo outro filho para ser o seu herdeiro, mas de alguma forma ele
criou afeição por você. — Sua expressão de desgosto não faz nada comigo,
afinal não espero nada dele. — Tenho planos para hoje. — Ele traga antes
de soltar a fumaça na minha cara. — Estou ficando velho, é questão de
tempo antes que eu vá para o inferno, mas por garantia quero deixar um
segredinho com você.
Seu sorriso é tenebroso e eu sei que o que ele disser é para causar
mal, discórdia, instalar o caos. Mas também vejo algo nele, uma pitada de
medo, como se soubesse que não viveria muito mais.
— Eu não fui a favor do casamento de Krigor, Lara nunca foi boa o
suficiente para ele, mas meu filho estava apaixonado e deixou claro que não
viveria sem ela. — Ele apaga o charuto e tosse mais um pouco. Ele aponta
para a jarra de água e eu me levanto e o sirvo. Ele leva o tempo dele
bebendo, gostando de ver o meu receio do que está por vim. — Eu permiti a
união, mas não podia deixá-lo achar que está no comando, então decidi que
iria testar Lara para ver se ela era digna, saber se aquela boceta valia tanto.
— Ele lambe o lábio.
Meu ouvido começa a zumbir com a revelação. Não. Meus olhos
marejam imediatamente e eu não consigo esconder as minhas emoções. Me
levanto pronto para acabar com ele, acabar com tudo isso mesmo que
signifique morrer. Ele estuprou minha mãe!
— Não, não. Não tente fazer nada. Os guardas foram buscar Lara
agora mesmo, se algo me acontecer eles têm ordem para quebrar seu fino
pescocinho.
Ele se levanta com certa dificuldade, mas eu estou parado. Como
meu pai pode deixar esse homem vivo depois do que ele fez? Vivendo sobre
o mesmo teto, trazendo lembranças a minha mãe cada vez que ela o visse.
Pela primeira vez na minha vida eu odeio meu pai.
— Não seja assim, Yurio. — Ele reclama, como se não fosse nada
demais. — Só estou te contando por que quero que você saiba que não
importa o quanto Krigor e Lara o façam fraco, você é meu sangue.
— Eu não sou nada como você. — Consigo dizer.
Ele ri.
— Mas vai ser, porque eu sou seu pai e você sabe o ditado: a maçã
não cai longe da árvore. Pode esconder, mas existe um monstro dentro de
você, ansioso para sair e mostrar do que é capaz.
Pai?
Vômito sobe na minha garganta e penso que vou desmaiar. Minhas
unhas cravam na madeira da cadeira. Eu sou filho de Leoncio Leonov?
— Seria divertido no futuro ver você lutando pelo poder contra
Krigor, já que Nikolai não foi feito para isso. — Ele se aproxima e toca meu
rosto e leva tudo de mim não me afastar. — Decidi usar os anos que me
restam para acordar o caos em você e fazê-lo reinar.
A porta se abre e mamãe entra. Ela olha entre Leoncio e eu.
— O que está acontecendo?
O medo é claro e eu me aproximo para defendê-la se for preciso. E
essa é a hora de tomar a decisão.
— Nada, mamãe.
O sorriso de Leoncio antes de sair da sala revela que é isso que ele
esperava de mim, que eu guardasse toda a dor, toda a mágoa e raiva e me
tornasse o monstro que ele deseja.
Não podia olhar nos olhos da minha mãe, que me protegeu durante
toda a vida e falar que eu sabia o que ela sofreu. Que mesmo eu tendo sido
feito de um ato hediondo ela ainda me amou e cuidou de mim. Jamais
poderia partir seu coração com essa revelação e com isso estava nas mãos
de Leoncio de uma vez por todas.
Eu achava que essa vida me quebraria um dia, que o sangue e as
mortes destruiriam minha alma, mas foram os segredos que o fizeram. Eu
era um herdeiro do caos, um caos que eu guardaria dentro de mim para não
machucar as pessoas que eu mais amo e soltaria em quem entrasse no meu
caminho.
Leoncio ter morrido naquela noite não ajudou a melhorar esse
sentimento. Minha família estava em perigo, pois com Leoncio morto
poderiam achar que estávamos fracos e a violência nesse caso falava mais
alto.
Meu pai... Krigor, não gostava que eu participasse de matanças e
assisti poucas mortes, mas era nesse momento que eu deixava de ser um
garoto e me tornava um homem. Nesse momento em que eu tinha que
ajudar a proteger a minha família e a manter os segredos enterrados. Meus
pais e meu tio tentaram me proteger das maldades de meu avô, mas mesmo
assim fui tocado pela escuridão e uma vez que se está afundando nela, às
vezes é melhor parar de lutar contra.
2
Não é adorável, ficar sozinho?
Coração feito de vidro, minha mente de pedra
Rasgue-me em pedaços, pele e osso
Olá, seja bem-vindo ao lar
Lovely - Billie Eilish, Khalid
SERAPHINA
PASSADO
SERAPHINA
YURIO
PRESENTE
***
SERAPHINA
Eu não sou parte das Kitsunes, mas continuo a estar com elas por
causa de Tory. A encontrei para jantarmos juntas e antes que percebesse a
mesa estava cheia de meninas animadas da fraternidade dividindo suas
saladas e discutindo a nova tendência de deixar as cutículas crescerem.
Tory me lança um olhar de desculpas, mas antes que eu pudesse
arranjar uma maneira de sair dali Irina chegou, desfilando como se estivesse
numa passarela e não numa lanchonete de universidade. As meninas
rapidamente mudaram de posição, se ajeitando para estarem perfeitas para
sua abelha rainha. Se ainda fosse como o ensino médio a maioria das
meninas odiaria Irina, mas não tinham forças para impor suas opiniões.
Irina se senta e me lança um olhar condescendente.
— Seraphina, querida. Sinta-se à vontade para jantar conosco.
Como se eu não tivesse chegado primeiro aqui . Sorri em
agradecimento, porque eu não estava com paciência para lutar com ela por
um lugar. Queria terminar meu jantar e tomar meu remédio para dormir.
— Sabe, Tory me falou que você se ofereceu para a ação de amanhã.
— Ela leva a mão ao coração. — Fico muito feliz por você estar se
enturmando depois de tudo que aconteceu, sabe?
— Irina! — Tory geme.
Irina finge estar arrependida, mas é tão falso que poderia rolar os
olhos se eu realmente me importasse.
— Não lembro de ter visto seu pedido para a irmandade, mas pode
deixar que vou pensar com carinho num cargo para você.
Chega. Me levanto.
— Isso, continua procurando, querida . — Me viro para Tory, que
está vermelha de vergonha. — Preciso ir, amanhã tenho aula cedo.
Não me despeço do restante da mesa e caminho rapidamente antes
que Tory tente me compensar me chamando para algum lugar ou querendo
me acompanhar até meu quarto.
Enquanto caminho sozinha percebo como as ruas estão vazias e de
como tudo parece mais sombrio no escuro. Os pelos da minha nuca se
arrepiam e eu olho em volta, sentindo olhares sobre mim, mas talvez
fossem os medicamentos me deixando paranoica. Aumento o passo até
chegar a meu quarto e me tranco lá dentro com o coração saltando no peito.
É sua imaginação, repito mentalmente até que acredito e quase me
bato por minha tolice. Depois de tomar um banho e alimentar meu peixe,
tomo os últimos medicamentos da noite e imediatamente desligo o telefone
e me deito. Os remédios me deixam bem tonta e se tentasse me levantar ia
acabar caindo, se eu tentasse permanecer acordada seria um perigo então
me envolvo em meu cobertor antes de fechar os olhos, esperando acordar na
manhã seguinte.
***
SERAPHINA
SERAPHINA
YURIO
PASSADO
***
Pela manhã seguinte acordo na poltrona com meu celular vibrando e
vejo que é uma mensagem do meu pai exigindo que eu vá até sua casa.
Seraphina continua a dormir na mesma posição que estava ontem à noite,
parecendo doce e inocente.
Seus lábios cheios e suaves ficariam muito bons contra o meu pau.
Será que ela o chuparia enquanto ainda dormia? Balanço a cabeça tentando
eliminar esses pensamentos e é difícil me afastar dela. Vou a meu banheiro
e escovo meus dentes antes de pular no chuveiro.
Pego minha moto, apesar da garoa fina, e vou para os arredores de
Moscou, onde a mansão da minha família se encontra. Sempre odiei aquela
casa, meus pais podem ter mudado a decoração e ter tentado transformar em
um lar, mas ainda lembro do medo de ser torturado pelo meu próprio avô, o
medo de Sophia Hoffmann, a princesa da máfia rival, ser abusada me
davam nojo só de estar aqui dentro.
Mamãe me recebe na porta, ajeitando meu cabelo e tirando a minha
jaqueta de couro úmida. Mamãe pareceu rejuvenescer depois que Leoncio
Leonov morreu, todos nós estávamos aliviados, mas ainda assim ele deixou
cicatrizes que jamais serão curadas.
— Oi mãe. — Beijo sua testa. Há muito tempo já havia passado de
altura e agora estava mais próximo a meu tio Nikolai na quantidade de
músculos.
Entro na sala de jantar onde o café da manhã estava servido e vejo
não só meu pai, como meu tio Nikolai e sua esposa Sophia Hoffmann,
agora Leonov. Ela se levanta e vem me abraçar.
— Faz tanto tempo que não te vejo, já falei com Nikolai que
estaremos em seu próximo jogo!
Ela é pouco mais de dois anos mais velha que eu, mas ainda assim
sempre pareceu mais velha por já ser casada. Eles ainda não tinham filhos,
mas isso era só questão de tempo; Nikolai é possessivo e provavelmente a
queria só para ele por mais alguns anos.
Sophia era um exemplo de força, usando as cartas que estavam
disponíveis para ela e conseguindo se tornar mais que um peão. Só por
conquistar Nikolai ela já merecia um prêmio, muitos podem achar que ele a
dominou, mas Sophia tinha o poder.
— Vou adorar.
Nikolai aperta minha mão, me lança um olhar de aviso e sei que
essa não é uma reunião em família normal. Nikolai para muitos pode ser um
monstro, mas ele me salvou tantas vezes que eu nem sabia, cuidou de mim
e sofreu para que eu não sofresse. Eu tinha uma dívida com ele que nunca
seria paga e estava ciente disso.
Krigor abre os braços e eu o abraço. Meu pai sempre foi meu herói,
apesar de tudo que meu avô era, ele me ensinou a ser justo, leal e batalhar
pelo que eu acreditava. Ele me amou mesmo eu sendo quem sou.
Nós nos sentamos na mesa e a lembrança da menina que eu nem
conhecia vem, o jeito como meu avô usava as pessoas como se fossem
descartáveis me enojava, ainda podia ver o olhar vazio do corpo dela no
chão da sala. A noite em que Leonov fez sua última maldade e agora está
queimando no fogo do inferno.
— Sua mãe e eu conversamos muito sobre seu futuro, filho. —
Krigor começou. — Você é jovem, mas ainda assim precisa de uma esposa.
— Eu ainda estou na universidade e pretendo fazer uma pós. — Não
estava disposto a perder meu domínio para pegar um cargo qualquer.
Minha mãe acenou com a cabeça, eu já havia conversado com ela
sobre isso e ela disse que convenceria meu pai.
— Eu entendo, estudos são importantes, mas ter uma família
também. — Ele me lançou um olhar frio. — É hora de parar com as
brincadeiras. Ninguém respeita um homem sem família. Você sequer tem
uma namorada!
— Um homem sem família é capaz de tudo. — Nikolai completa.
Minha mãe e Sophia se mantém em silêncio. Elas tinham voz para
muitas coisas, mas havia outras que não poderiam opinar e parece que eu
me casar estava entre elas.
— Tudo bem, eu posso começar a pensar em uma esposa.
Mamãe limpou a garganta.
— Não é pensar, querido. Você tem até o final do ano ou então
escolheremos uma noiva.
Me levantei, derrubando a cadeira.
— Está brincando comigo, certo?
Mamãe não desviou o olhar.
— Você precisa fazer o que é certo por sua família. Seu pai está
sendo pressionado pelos seus homens, nós temos que demonstrar uma força
sólida.
— E o que eu me casar tem demais...
Então percebi. A porra dos homens de meus pais queria que eu me
casasse com uma de suas filhas para terem força. Porra, eu odiava aquelas
meninas, sempre se jogando em cima de mim ao longo dos anos,
desesperadas para serem escolhidas. Tatiana era uma delas, mesmo depois
de formada continuava a ir ao ensino médio para tentar marcar território e
eu permiti porque ela era uma boa foda e fazia tudo que eu mandava.
— Eu estou vendo alguém. — Solto antes que eles continuassem a
falar.
Os olhos da minha mãe brilharam em interesse.
— Quem?
Se caralhos eu soubesse.
— Não estou pronto para mostrá-la ainda. É novo.
— Mas ela é de dentro? — Meu pai pergunta.
— Claro que sim.
Pego um pãozinho e beijo a testa da minha mãe.
— Preciso ir, deixei ela na minha cama — brinco.
Mamãe me dá um tapinha.
— Não fale assim. Espero que a traga no baile.
— Claro.
Saio dali o mais rápido possível e não sei o que é pior, ter mentido
que tinha alguém ou que realmente tinha uma garota dentro do meu quarto.
13
SERAPHINA
***
***
Sigo Seraphina a uma distância enquanto ela entra numa floricultura
da cidade, levando seu tempo escolhendo flores para sua irmã. Quando ela
finalmente saca seu celular e começa a tirar fotos de algumas árvores sem
folhas ou de uma simples poça d’água eu me pergunto como ela pode ver
beleza em algo tão mundano?
Ela pega um carro de aplicativo que a deixa no cemitério, deixo
minha moto perto do Monastério e a sigo e observo enquanto ela troca as
flores e limpa o espaço. Sendo bem idiota eu não me lembro da sua irmã,
era jovem demais para ir aos eventos, muito pequena para ir até mesmo
para a escola.
Provavelmente ela estava junto com seus pais nas competições de
Seraphina, mas meus olhos nunca se desviaram para nada além dela no
gelo. Acho que foi a primeira vez que vi algo tão delicado.
Eu estava acostumado no gelo, treinava, lutava e jogava lá, poderia
derrubar homens e espancá-los, mas de jeito nenhum conseguiria fazer as
manobras que ela fazia. Certa vez prometi a ela que a veria em todas as suas
competições e me pergunto se enquanto ela esteve fora ela participou de
mais.
Meu celular vibra em meu bolso com mensagem do grupo.
Anton: Os Beserker roubaram a flâmula dos Cárpatos!
Porra, eu amava a universidade, mas a guerra fria com as outras
fraternidades não eram tão divertidas como no primeiro ano. A cada ano
havia o desafio de conseguir roubar algo de outra fraternidade para
demonstrar força, era uma lei de começo de semestre. Meu pai passou por
isso e ele queria que eu passasse também. Era proibido usar minha
vantagem por ser da Bratva dentro da universidade. As outras fraternidades
consistiam em herdeiros da elite e atletas e bolsistas.
Kaz: Vou ficar guardando o Monastério hoje.
Mik: Vou ver se consigo tentar algo.
Eu: Não. Eu tenho uma ideia.
Deixo Seraphina sozinha e volto para casa, os caras chegam pouco
depois. Levo meu tempo me servindo com vodca, trabalhando no meu
plano.
— Acho que é uma chance dos novos sentinelas se mostrarem úteis.
Os caras riem achando que estou brincando, mas ao verem minha
reação se entreolham.
— Cara, sem querer cortar seu barato, mas Seraphina não é de
seguir ordens. — Matvei comenta, levantando a cabeça do seu celular. —
Consegui acesso a seu advogado e a herança de seus pais, parece que ela só
vai conseguir o dinheiro depois de formada.
— Isso é útil para mandar nela, podemos ameaçar expulsá-la da
universidade. — Grigory sugere passando a mão na barba que estava
deixando crescer há meses.
— Fale a verdade homem, você riu à beça do lance do peixe. — Kaz
jogou uma almofada em mim.
— Ela quis mostrar que tem garra, uma tentativa triste, mas
divertida. — Dou de ombros.
Os caras explodem em gargalhadas e o bom de ser temido é que não
há fotos ou vídeos do ocorrido. Logo seria esquecido, mas meus
companheiros de equipe ainda irão rir bastante disso.
— Vou mandar mensagem para Seraphina vir, vocês mandam para
os últimos sentinelas.
Saco meu celular e em vez de enviar a mensagem, decido ligar. Ela
desliga na primeira vez, mas quando volto a ligar ela atende.
— O que é?
— Venha ao Monastério agora e não teste a minha paciência, amor.
Desligo o telefone e escuto o bufo de um dos caras.
— Amor. — Kaz caçoa.
Eu o ignoro, me sentando no meu trono.
— Nós vamos precisar ajudá-los? — Anton pergunta carrancudo.
Nego com a cabeça.
— Deixe-os trabalhar.
Todos os oito últimos Sentinelas escolhidos chegam praticamente
juntos, cinco ostentando os anéis de bravura que receberam. Jamal
Alekseeva está sério, puto por ter sido abatido por uma garota, mas
precisava superar se quisesse continuar no Monastério. Aqui não só
músculos e força garantiam o seu lugar e já estava na hora dele perceber
isso.
Eles aguardam ansiosos por suas ordens; graças a seus postos que
eles estavam nadando em bocetas, dinheiro e poder e agarrariam com unhas
e dentes qualquer coisa para continuar.
A porta da frente volta a se abrir e Seraphina entra olhando
desconfiada, decido ser um pouco misericordioso e caminho até ao
escritório, abrindo a porta para ela entrar junto comigo.
— Do que se trata isso? — Ela cruza os braços.
— Tive uma conversa interessante com seu advogado e parece que
você precisa terminar a universidade para ter acesso a sua herança.
A rondo e ela fica tensa.
— Isso é informação privada!
Eu sorrio.
— Não há muito que não passe por mim, faço questão de saber da
vida das minhas posses. — Paro a sua frente.
Ela estende a mão para me dar um tapa, mas eu a seguro.
— Eu não sou sua posse.
— A partir do momento em que você não se inscreveu em uma
fraternidade você se colocou nisso. — Me aproximo até nosso rosto estar
próximo. — Gostaria de saber se você tem tesão no perigo, se está fazendo
isso para chamar minha atenção.
A olho com completa atenção. Sua expressão enojada é revigorante
para mim.
— Prefiro andar descalça em brasa.
Me afasto, sorrindo.
— A não participação da fraternidade leva à expulsão, você
entende?
Ela morde o interior da bochecha, mas acena relutante.
— Você não usará mais Tory como alvo?
— Não — prometo. — Então estamos conversados?
— O que você quer?
Abro a porta e faço sinal para ela passar primeiro. A conversa
murmurada na sala para quando eu entro. Seraphina está realmente com
medo, toda hora olhando para Jamal, mas se mantém firme tentando não
demonstrar.
E só para provocá-la digo em voz alta:
— Seraphina e Jamal, vocês são uma dupla.
— Porra. — Ela resmunga e Jamal mesmo não parece nem um
pouco feliz.
Defino as outras duplas e aponto para o homem que sobrou, ele foi
um dos primeiros e mais do que todos já demonstrou seu valor.
— Você ficará responsável pela segurança do Monastério, comande
a equipe de sentinelas e crie um cronograma. Não foda com isso.
— Sim, senhor!
— E o que temos que fazer? — Seraphina pergunta.
— Vocês devem pegar algum item dos Beserkers, Rapinas, Cárpatos
e Kitsunes. Cada dupla tem uma hora. Quer escolher qual irmandade você
vai roubar, amor?
Seraphina levanta o queixo.
— Deixo isso para você.
— Cárpatos — declaro sabendo que seria mais difícil deles
conseguirem entrar. Os Cárpatos são espertos, provavelmente já esperando
uma ação das outras fraternidades para dar uma surra em quem ousasse
entrar em seu território.
Aperto o relógio só para vê-los nervosos. Jamal agarra o braço de
Seraphina e a puxa, não querendo perder tempo. Quando eles saem Kaz
pula, roçando as mãos.
— Daria tudo para ver como a princesinha vai conseguir.
Os outros riem, mas depois de vê-la na outra prova, duvido que
Seraphina não dará seu máximo.
15
SERAPHINA
***
***
***
YURIO
Minha cabeça está a mil com os últimos acontecimentos. Seraphina
foi esperta e salvou sua pele e mesmo sem querer admitir me tirou de
alguns problemas também. O que me chateia é que eu podia ter feito esse
plano, agora ela vai se achar mais por isso, tenho certeza.
Não consigo sair do estacionamento de seu prédio, olhando a janela
fechada de seu dormitório. Como será que ela dormia em seu quarto? Será
que já estava na cama? Fazia uma hora desde que ela entrou, talvez
estivesse tão pensativa quanto eu.
Uma luz se ilumina de seu quarto e me sento mais reto no banco. Só
que a luz parece estranha, aperto meus olhos para ver melhor e até saio do
carro. O cheiro leve de fumaça invade meu nariz ao mesmo tempo que
percebo ser sua cortina em chamas o que estou vendo.
— Caralho.
Uma garota está saindo do dormitório e, antes que a porta se feche,
eu invado subindo os andares o mais rápido que consigo, encontro a porta
de seu quarto e chuto com toda a força, arrombando-a. Escuto o grito de
várias meninas e ao entrar no quarto fito Seraphina dormindo enquanto não
só sua janela, como sua escrivaninha e a estante de livros, pegam fogo.
— Seraphina. — Eu grito, mas ela nem se mexe.
O aviso de incêndio começa a apitar alto por todo o prédio e água
cai sobre o teto do quarto, uma das meninas do corredor entra com um
extintor e joga para mim. Por sorte o fogo é contido rapidamente.
Seraphina, entretanto, mesmo com toda a gritaria, a fumaça e a água
não acorda. Uma sensação estranha vem quando a sacudo, mas ela não
acorda.
— Ela está viva? — Uma garota pergunta da porta.
— Seraphina. — A sacudo novamente e até dou tapinhas em seu
rosto. Ela tenta abrir os olhos, mas volta a fechá-los, completamente mole.
Abro a sua escrivaninha e encontro uma série de remédios pesados,
todos prescritos para ela.
— Ela está viva? — A menina pergunta de novo e ao longe escuto as
sirenes.
— Ela está dopada! — repondo, não querendo que perguntasse
novamente.
A ergo em meus braços e saio, assim que chegamos ao térreo já tem
um caminhão de bombeiro na porta.
— Foi um princípio de incêndio, já foi contido. — Aviso sem
diminuir a minha passada até o carro.
— Senhor, precisamos ver a mulher.
Continuo a andar e abro a porta traseira do meu carro com alguma
dificuldade. Dois bombeiros estão ali parados.
— Ela está bem, eu cheguei a tempo.
— Não é assim que funciona!
Um dos bombeiros me reconhece e muda de abordagem, lançando
um olhar de aviso a seu parceiro.
— Senhor Leonov, parabéns por ter salvado a garota. Podemos
verificá-la rapidamente?
Aceno, impaciente para sair dali logo.
— Ela está dopada, achei vários remédios prescritos para ela.
Um deles vai buscar os medicamentos e volta pouco depois com
eles em uma sacola e um pequeno aquário com um peixe vermelho e
branco.
— Parece que o incêndio foi causado por uma vela aromática.
— Eu vou ficar com isso. — Pego o saco da sua mão; assim que
tiver tempo vou ver o que ela tem tomado.
Será que Seraphina é uma viciada? O que aconteceu nesse um ano
que ela ficou fora?
Depois de conferir que ela está bem, na medida do possível, eles
sugerem que quando ela acordasse, eu a levasse ao hospital para dar uma
outra checada, mas a liberam. O peixe é colocado no chão do banco do
carona. Volto ao Monastério e os caras que estavam resenhando na sala se
levantam ao me ver com Seraphina nos braços.
— Amanhã eu conto. Peguem o peixe no meu carro.
Nunca pensei que essas palavras sairiam da minha boca.
Subo as escadas devagar e a coloco na cama, ainda assim ela nem se
mexe. Se eu não estivesse ali e não tivesse visto, só Deus sabe o que teria
acontecido com ela. Quantas vezes ela se colocou em perigo dessa maneira?
Onde ela esteve nesse tempo que ficou longe? São tantas perguntas que me
tiram o sono e passo o resto da noite velando o sono dela.
18
SERAPHINA
PASSADO
São tantas coisas na minha cabeça que esqueço que hoje é dia das
fotos de formatura para o anuário escolar. Como de costume, Tory me
salvou me maquiando e ajeitando para que meus cabelos ficassem
completamente lisos como eu gostava.
Depois de tirar fotos sozinhas somos levados à quadra de Educação
Física para a foto da turma; Irina como sempre quer aparecer ficando no
centro, mas eu me pego olhando em volta à procura de Yurio. Depois que
ele me deixou em casa eu havia dormido tranquilamente a noite inteira, ele
foi tão altruísta, não sabia que havia isso nele. E sem que eu perceba estou
caminhando até parar do seu lado.
— Oi — digo envergonhada por ter vindo até ele.
Yurio coloca o pompom do chapéu de formatura longe do meu
rosto.
— Oi.
O fotógrafo e sua equipe pedem atenção e tiramos uma foto
comportados, em seguida ele fala que é uma foto livre e é aí que fica
engraçado. Há atletas tirando a beca para mostrar seu tanquinho. Algumas
meninas pulam nos braços dos garotos e outros até puxam as meninas para
beijá-las, uma verdadeira loucura. Me viro para Yurio e ele já estava me
olhando. Nenhum de nós tenta nada, mas também não desviamos o olhar.
— Ótimo! Por hoje é só, pessoal. — O pessoal da equipe fala e aos
poucos as pessoas vão saindo.
— Eu queria agradecer por ontem.
— Você já o fez. — Ele olha para minha boca, como se quisesse
devorá-la.
— E seu pagasse seu almoço...
— Ei pessoal, o que está rolando? — Tatiana interrompe colocando
as mãos no peito de Yurio, que não parece ligar.
Por que ela não pode largar Yurio um pouco? Ela nem estuda mais
aqui!
Olho para ele, esperando alguma ação, mas ele sequer liga para meu
desconforto. Ele está diferente do Yurio que achei que conhecia, parece oco.
Vazio.
— Nada.
Me viro saindo dali e encontro Tory no banheiro ajeitando a sua
maquiagem.
— Não sabe quem me parou para perguntar de você.
— Quem?
— Eduard Flertew.
Eu estremeço.
— Ele me assusta, tipo, eu não o trato mal e nem nada, mas ficar
perto dele me dá arrepios e não do tipo bom. Ele tem uma vibe de psicopata
que vai me matar e me transformar numa boneca.
— Isso foi mal. — Minha amiga briga, mas ri em seguida. — E o
que eu falo para ele?
— Diz que já estou interessada em outro.
Isso faz minha amiga virar para mim.
— Quem?
— Eu estou gostando de Yurio, nós tivemos um momento no baile e
ele tem sido legal para mim. Não sei se vai rolar mais que amizade, mas
estou feliz.
Dou a Tory um voto, porque mesmo surpresa e chocada ela ainda
acena em concordância. Apesar de Tatiana, mas não digo, afinal até agora
não temos nada sério e não posso controlar suas amizades. Mesmo que
Yurio possa ser um idiota às vezes.
— Ele tem um belo tanquinho.
Nós duas explodimos em gargalhadas antes de deixar o banheiro. Eu
só tenho mais duas aulas hoje e depois delas acabo indo para casa, não
querendo abusar no treino hoje, já que depois de amanhã é a competição.
Tory me manda mensagem perguntando se quero ir à lanchonete à
noite com o pessoal, mas eu recuso. Provavelmente vou fazer uma noite de
cinema e doces com Lily, ela merece um pouco de diversão em família. Ela
passa mais tempo com a babá Elain Mironova, desde que nasceu.
Ao chegar em casa vou procurar meus pais e escuto suas vozes no
escritório, quando escuto meu nome ser falado eu paro antes de bater.
— Não é muito o que te peço. Seraphina tem um talento enorme,
estudar em Julliard como eu seria a realização de um sonho.
— Querida, ela nem gosta tanto de balé, sempre preferiu a
patinação. — Papai responde com a voz calma.
— Ela se encontrará lá. Nova York é uma cidade incrível, ela
adorará.
— Já falamos sobre isso, ela precisa de um bom casamento e se
casando com alguém da escória de lá não vai fazer bem.
Papai sempre escondeu bem a sua raiva por não ter filho homem,
mas agora podia ouvir claramente a frustração em suas palavras. Eu só
servia como uma troca. Mesmo com minhas medalhas e títulos de
patinação, eu não valia nada.
— Sabe, muitas jovens da sua turma vão para a Brave no ano que
vem. Seraphina poderia fazer um ano em Julliard e depois estudar aqui. —
Ela tenta.
Eu não quero ir para Julliard em Nova York e muito menos me
casar, mas sabia que isso era esperado de mim. Agora fica claro que não
seria algo aos poucos colocado na minha vida, que haveria escolha. Pela
conversa que ouvi, papai queria que eu me casasse assim que atingisse
dezoito anos.
Saio dali antes que seja pega e bato na porta do quarto de Lily. Ela e
Elain estão brincando de chá no chão.
— Vim tomar chá também, tem uma xícara para mim?
Minha irmãzinha solta uma risadinha, tira o urso de um dos lugares
e me chama. Ali com a minha irmã eu me distraio e relaxo um pouco. Mais
tarde, depois de ver três filmes, me preparo para descansar quando percebo
que tinha uma mensagem de Tory, é uma foto e quando abro é como se meu
mundo terminasse de desmoronar. É uma foto de Yurio com Tatiana em seu
colo enquanto os dois se beijam na lanchonete.
Tory: Sinto muito.
É a mensagem que minha amiga manda em seguida. Ainda estou
chorando quando minha mãe entra no quarto com um sorriso de louca.
— Venha dançar, querida.
Ela nem percebe as lágrimas no meu rosto enquanto me puxa até seu
estúdio, passo por Elain, que me lança um olhar preocupado e triste, mas
sabe que não é bom contestar minha mãe ou ela fica agressiva.
Coloco minhas sapatilhas e tento fazer uns passos, era divertido isso
anos atrás, mas agora era uma sessão de tortura. Minha mãe não usa sapatos
e nem tento fazê-la colocá-los, suas unhas se quebram e começam a sangrar,
mas ela não para de dançar, cantarolando uma música que só existe na sua
cabeça.
— Não fique triste, querida. — Ela sussurra como se tivesse alguém
escutando.
Odiava quando ela ficava assim, dizia que havia fantasmas a
vigiando, dizendo coisas ruins. Quando disse isso a primeira vez, ainda
parecendo estar realmente assustada, eu acreditei, mas quando isso se
tornou frequente meu pai sentou comigo e disse que o pós-parto de Lily
cobrou um preço alto da minha mãe.
Perguntei por que ele não a levou no médico, mas meu pai agiu
como se não fosse nada demais e só depois percebi que ele tinha vergonha
dela. Ele a amava, eu não tinha dúvidas disso, mas sua vergonha era maior
do que tentar curar sua esposa louca.
Ela seca algumas lágrimas e eu nem lembrava de ainda estar
chorando.
— Seu pai permitiu você estudar em Julliard. — Sua voz mal sai
enquanto ela olha em volta. — Você não pode voltar, os fantasmas agora
querem você também.
— Mamãe...
Sua mão agarra meu pulso com força.
— Não há mais salvação para mim. — Ela fala com tanta convicção
e parece ser ela novamente por um momento. — Leve Lily. — As palavras
saem sem som, como se tivesse medo de que o mísero sussurro fosse
ouvido.
— Mamãe...
Ela volta a apertar meu pulso com tanta força que dói.
— Seu pai não entende, ele não entende.
Ela me solta e começa a puxar os cabelos, tento controlá-la, mas ela
começa a gritar. Papai chega e a abraça, tentando acalmá-la, dizendo
palavras doces, mas ainda assim minha mãe continua a gritar.
Um choro baixo chama minha atenção e vejo Lily na porta com seu
ursinho em sua mão, seu choro fica mais alto e eu vejo que ela se mijou de
medo. Uma mãe não deveria dar medo em sua própria filha.
— Venha, amor, vou te dar um banho quentinho e fazer chocolate
quente.
Quando finalmente acalmo minha irmã, ela sussurra.
— Os fantasmas da mamãe querem me pegar. Eu ouvi.
Me arrepio com suas palavras.
— O quê?
Ela fecha a boca, mas há um medo real em seu olhar. Minha
garganta se fecha, será que era um gene essa loucura da minha mãe e está
passando para minha irmã?
Me deito ao seu lado e nos cubro.
— Não vou deixar nada acontecer com você — prometo enquanto a
seguro contra mim, tentando lutar contra o medo de perder minha irmã para
a loucura também. — Nada vai acontecer com você — repito minha
promessa até que ela pegue no sono, mas eu mesma não consigo pregar
meus olhos.
19
SERAPHINA
***
SERAPHINA
PASSADO
Estou esperando ser atendida por uma hora inteira até que a
secretária autorize minha entrada no escritório de Krigor Leonov, ele era um
homem ocupado e eu nem acreditava que aceitou me receber. Minhas
pernas estavam trêmulas, mas tentei manter meu rosto calmo para passar
credibilidade. Em minhas mãos havia uma maleta com todo meu histórico
estudantil, exames de inteligência e tudo mais que consegui recolher.
Não esperava muita coisa dessa reunião que provavelmente teria
quinze minutos, mas era alguma coisa. Engoli meu orgulho e tentei falar
com Yurio, mas foi só chegar perto que ele me olhou como se eu tivesse
uma doença contagiosa e me afastou.
Meus pais nem imaginam que eu estava aqui, papai teria um
derrame e mamãe reclamaria com as flores. Me levanto quando a secretária
acena para mim. É minha chance, não posso deixar escapar.
Bato na porta e quase corro dali quando vejo não só Krigor, como
também o Monstro da Bratva, Nikolai. Se entrar na sala com um dos
homens já era assustador, com os dois era uma versão de inferno.
— Pode se sentar, senhorita Petrova. — Krigor acena para a cadeira
disponível. Nikolai está em pé perto da janela, olhando para mim como uma
águia. — Fiquei surpreso com o seu pedido de reunião, seu pai sabe?
— Não. — Limpo a garganta. — Eu... eu... — penso em como essa
reunião vai guiar meu futuro e ajeito minha postura, talvez se eu agisse
como se fosse uma apresentação eu conseguisse me controlar. — Eu estou
aqui para me oferecer como a próxima contadora dos Petrova. — Engulo
seco. — Como sabe, meu pai não teve um filho homem para continuar o
legado da minha família, mas eu estou apta para o fazer.
Krigor só olha para minha cara, mas quando faço menção de abrir a
maleta Nikolai surge e pega da minha mão, abrindo com cuidado... como se
fosse uma...
— Não é uma bomba! — Eu exclamo antes de tampar minha boca.
Os irmãos Leonov explodem em gargalhadas, me deixando mais
assustada e envergonhada pela minha escolha de bolsa.
— Nós precisávamos verificar. — Krigor fala tentando ficar sério.
— Prossiga.
Nikolai abre a bolsa e coloca em cima da mesa, a contragosto
começo a mostrar minhas notas e me sinto cada vez mais idiota.
— Eu tenho sido a melhor aluna em anos, até mesmo que seu filho
— falo quando ele observa as notas e não fala nada. Ele levanta seu olhar
frio, mas eu o seguro. Não vou me envergonhar por ser melhor que Yurio
nas aulas.
— Estou ciente disso.
Cada minuto estou suando mais e mais.
— Eu também sou destaque em patinação, já competi com outras
máfias e venci todas. É uma vitória para nós, certo?
Ambos trocam um olhar como se tivessem pena de mim. Krigor
olha seu relógio e eu sei que meu tempo está acabando.
— Eu só queria um acordo. Ir para a universidade daqui, me formar
em contabilidade e trabalhar ao lado do meu pai e assumir quando ele se
aposentar. Eu juro que vou dar meu máximo e nunca vou trair vocês ou algo
assim.
Ele entrelaça os dedos, vendo meu desespero, mas não
demonstrando emoção.
— E o que você ganharia com isso?
É uma resposta capciosa, se eu respondesse que não queria me casar
ele poderia tomar isso como uma ofensa, mas se eu não falasse ele não
interromperia os contatos do meu pai.
— Eu gostaria de estudar sem o peso de um casamento, estou
disposta, mas prezo muito minha educação. Gostaria de tempo, até que me
formasse, para me casar com alguém de dentro, claro. Também gostaria de
continuar competindo na patinação.
Ninguém responde por um longo tempo.
— E se patinar não for possível, você ainda vai querer esse acordo?
— É Nikolai falando.
Meus olhos marejam, mas eu respiro fundo. Perder algo que se ama
para ganhar algo.
— Sim, eu aceitaria.
Krigor recolhe os papéis, bate-os na mesa e coloca dentro da minha
maleta.
— Nós entraremos em contato com você, Senhorita Petrova.
Me levanto trêmula e uma lágrima cai para meu horror, não quero
ser vista como fraca. Pego minha maleta, mas quando chego à porta me viro
para eles.
— Com todo o respeito, seria um erro não aceitar o acordo, estamos
no século vinte e um e as mulheres já se mostraram melhores que os
homens muitas vezes. Posso não ter muito músculo ou tamanho, mas eu sou
leal, inteligente e determinada.
Me viro e consigo não bater à porta, quando saio dali meu pai está a
alguns metros, me olhando decepcionado.
***
YURIO
***
***
***
***
***
Bem, não foi minha melhor ideia ir do jeito que eu estava. Percebo
isso assim que estacionamos num prédio velho de aparência abandonada,
mas cheio de pessoas. As meninas estão com roupas tão curtas que eu
duvido por um momento estarmos no inverno.
Olho para minha roupa, all-star, jeans e camisa rosa. Eu estou
completamente fora da moda. Tory sempre disse que a confiança pode fazer
qualquer roupa simples se tornar sensual.
— Vocês podiam ter me avisado como as mulheres se vestem aqui,
né?
Tiro a camisa de manga, ficando com uma regata branca simples,
mas pelo menos deixa meus seios bonitos, tento mexer um pouco no cabelo,
mas não há realmente nada que eu possa fazer para me ajudar nesse
momento.
Desço do carro já estremecendo do frio, nós passamos direto pela
fila quilométrica para entrar e lá dentro está quente o suficiente. Tem um
ringue montado no centro da sala, com luzes apontadas para ele enquanto
dois lutadores estão sangrando lá em cima.
— Agora são as lutas dos calouros. É um bom jeito para subir de
patamar. Os que você vir usando algo vermelho pertencem às Bestas. —
Jamal fala no meu ouvido pelo barulho alto.
Olhando em volta reparo que as meninas usam lenços enrolados no
pulso ou braços, assim como os homens. Há muitas cores espalhadas aqui e
me sinto no meio de uma reunião de gangues, e talvez fosse realmente isso.
Procuro Yurio pela multidão, mas não consigo encontrá-lo ou
qualquer outra Besta conhecida. A luta acaba e uma mulher com um short
minúsculo e top sobe no ringue para beijar o vencedor, ele é uma das Bestas
e recebe o prêmio com paixão, quase transando com a mulher ali mesmo.
— Essas são as damas do ringue, cada lutador tem a sua para
prepará-lo e torcer por ele. — Donard dá um sorrisinho. — Se eu não fosse
péssimo de luta, encararia só para ter uma.
Homens são homens, sempre.
— Onde está Yurio?
— Yurio está se preparando para a luta dele.
Isso me faz virar a cabeça lentamente para Jamal, que engole seco.
— Ele vai lutar, é? E ele tem uma dama do ringue?
Não espero sua resposta, caminho diretamente até onde vejo os
lutadores entrando e saindo das lutas. Tem um segurança gigante lá, mas
não estou receosa quando paro na sua frente.
— Estou aqui por Yurio, sou a mulher dele — falo claro para que ele
não me confunda. O homem me olha dos pés à cabeça, mas antes que possa
falar vejo Anton vestindo só uma bermuda preta e vermelha. — Anton. —
Aceno com a mão.
Ao me ver o gigante fica pálido, ele olha para os lados em busca de
ajuda, mas não tem ninguém que possa lhe ajudar. Ele faz sinal para que o
segurança me deixe passar e eu paro na sua frente.
— Então Yurio está aqui? — Olho em volta, mas as salas estão com
as portas fechadas.
Anton finalmente encontra sua voz.
— Yurio não pode se preocupar agora, Seraphina. Quer que ele
perca?
Quero muitas coisas, principalmente saber se meu namorado está
me traindo por aí. Uma porta se abre e vejo uma “dama de ringue”
ajoelhada no chão chupando o lutador e vacilo um pouco.
— Yurio está com a dama de ringue dele?
Estou com tanto ódio que chego a tremer, mas não vou chorar aqui.
Não vou dar esse gostinho a ele. Rice estava debochando de mim,
provavelmente todo mundo sabia que Yurio me traía e riam nas minhas
costas.
Uma menina passa, suas roupas pretas e vermelhas e eu a seguro
pelo braço.
— Ei, pode me emprestar sua roupa rapidinho?
Ela olha entre eu e Anton antes de assentir com medo.
— Sim, claro. Meu lutador já lutou hoje e perdeu.
Nós vamos ao banheiro e suas roupas pequenas ficam ainda
menores em mim, mas tenho que admitir que estou gostosa. O top deixa
meus seios parecendo maiores do que realmente são e o short deixa parte da
minha bunda de fora. Decido ficar com meu all-star, mas eles não quebram
o estilo de garota gostosa.
— Ei, você sabe quem é a dama de ringue de Yurio? — pergunto
enquanto Cindy passa um pouco de sombra em meus olhos.
Ela ri.
— É sua primeira vez aqui? — Ela pergunta e eu aceno. — A dama
dele é Tatiana Fedorova. Ela tem sido desde o começo. Irina só cuida de
Mik, é claro. — Ela rola os olhos, mas ao ver que não entendi ela suspira.
— Ser uma dama de ringue não quer dizer que vamos sempre foder os
lutadores ou algo assim. Nós cuidamos deles, ajudamos com as suas talas
nos dedos, hidratamos e incentivamos. Anton mesmo é o mais tranquilo de
todos, só não gosta que o toquemos.
— Sem querer ofender, mas por que fazem isso?
Ela ri como se eu fosse idiota.
— Nós ganhamos para isso, querida. Seja em dinheiro ou favores.
Eu mesma não preciso me matar de trabalhar em uma lanchonete por 40
horas semanais por uma mixaria. Está pronta!
Agradeço e quando saio do banheiro vejo Anton ali parado.
— Você avisou ele?
Ele nega com a cabeça.
— Vai me mostrar onde ele está?
Um pequeno sorriso puxa em seus lábios enquanto ele me guia pelo
extenso corredor. Quando ele para em uma porta eu respiro fundo antes de
entrar.
— Estava esperando por mim, querido?
29
YURIO
Depois da luta de Anton, que claro que ele ganhou com bem menos
machucados que Yurio, todos decidiram comemorar numa boate, eu nunca
tinha ido em uma então estava animada. Yurio, entretanto, claramente
precisava de pontos.
— Eu estou bem. — Ele disse saindo do banheiro com uma toalha
na cintura perigosamente baixa.
— Não para de sangrar. — Engolindo o ódio eu tento falar com uma
voz plana. — Devíamos chamar Tatiana, já que era o trabalho dela.
Ele me lança um olhar curioso.
— Você realmente a odeia, não é?
Não posso falar que tenho ciúmes, seria patético. Principalmente
não posso falar que já sentia ciúmes dela desde o tempo da escola.
— Nós não podemos sair com você assim. — Aceno para seu rosto.
Sua sobrancelha está com um pequeno corte que não para de sangrar e um
de seus olhos já está roxo.
Ele bufa, mas acena.
— Tem certeza?
Dou de ombros.
— Esse é o trabalho de uma dama do ringue.
Ele morde o lábio me olhando dos pés à cabeça, eu já tinha tomado
banho e estava de roupão, porque estava na dúvida que que roupa usar. Eu
não tinha na verdade roupas para boate porque realmente nunca fui a uma,
então a ideia de estar fora do dress code na mesma noite fazia meu
estômago embrulhar.
Perco qualquer raciocínio quando sua toalha cai no chão e eu estou
olhando diretamente para seu pau duro apontando para mim, o piercing
atravessado parece assustador e se eu já não tivesse sentido ele antes dentro
de mim, definitivamente estaria recuando, mas agora mal posso me manter
em pé, sem querer cair a seus pés.
Ele agarra sua ereção, um sorriso safado em seu rosto, que mesmo
machucado ainda é bonito demais para minha saúde mental.
— Eu já lutei e agora quero minha recompensa, sua boceta por todo
meu rosto.
Ele se aproxima e me empurra para a cama, eu solto um gritinho e
ele abre minhas pernas, jogando minha toalha por cima do ombro.
— Você está todo machucado! — Consigo falar.
— Não tire de um homem o seu prêmio, kiska.
Então ele mergulha, sua língua passeando por toda a minha
intimidade, degustando de mim como se eu fosse um sorvete e se afasta um
pouco para soprar, me fazendo gemer. Ele foca sua atenção nas minhas
cicatrizes nas partes interiores e exteriores das coxas, elas estão desbotadas
e mal aparecem, mas quando ele olha assim tão de perto pode ver
claramente o que escondi do mundo.
Tento tampar, mas sua mão me impede.
— Não se esconda de mim, eu vejo você, Seraphina. — Ele se
abaixa e beija cada uma das minhas cicatrizes, trazendo lágrimas a meus
olhos e mais que isso, me fazendo sentir a única mulher no mundo.
Me surpreendo quando o sinto beijando meu clitóris e gemo
agarrando seus cabelos quando ele chupa suavemente, trazendo o desejo de
volta. Ele me chupa como se eu fosse a fruta mais gostosa que ele já comeu,
sua língua me beija lá embaixo como beija minha língua, e eu tremo,
agarrando seus cabelos com força quando ele fica mais ousado.
A esse ponto não posso segurar mais os sons que saem de mim, eu
pressiono seu rosto contra o meu centro, perdida no prazer que ele me
proporciona. Suas mãos agarram minha bunda, me puxando ainda para mais
perto.
Tenho que colocar uma das minhas mãos na boca para não gritar
quando sua língua mergulha na minha entrada, me deixando louca. Yurio
precisa me segurar para eu não fugir quando a sensação se torna intensa
demais.
— Olhe para mim. — Ele exigiu. Sua boca e mandíbula estavam
molhadas de mim, o corte na sua sobrancelha estava sangrando, escorrendo
e caindo sobre mim, mas sabia, olhando em seus olhos, que nada o pararia.
— Você é minha!
Ele mergulha a cabeça e eu cheguei ao orgasmo mais intenso da
minha vida gritando, minhas mãos tentando agarrar qualquer coisa para me
manter na terra. Remexendo meus quadris sem dó contra seu rosto, sem
qualquer vergonha ou timidez. Yurio soltou um som baixo apreciativo e
ainda brincou mais um pouco comigo, me fazendo tentar fugir dele pela
sensibilidade.
Ele se levantou, sangue escorria por nós dois. Seu pau estava
babando de tão duro e em um simples movimento ele entrou em mim, me
fazendo jogar a cabeça para trás. Um novo prazer avassalador tomou conta
de mim e sem que eu tivesse escolha estava gozando novamente.
Seu pau encontrava todos os lugares certos dentro de mim e seu
piercing só tornava tudo melhor. Estava mole, só olhando a concentração no
seu rosto enquanto ele buscava seu prazer. Uma de suas mãos agarrou meu
seio e ele parecia um anjo caído. Havia tanta adoração em seu olhar que me
senti sobrecarregada quando ele gemeu uma última vez. Senti quando ele
veio antes de cair em cima de mim e tomar meus lábios.
— Entenda. Eu não quero ninguém mais. Você me arruinou e eu
espero ter te arruinado também.
***
***
Tudo parecia dar tão errado para mim, papai estava decepcionado
comigo por ter falado com o Pakhan, mas eu estava devastada, ele nunca
me bateu antes. Era assustadora a ideia que ele pudesse fazer isso e que se
eu me casasse meu marido faria o mesmo. Talvez a doença da minha mãe
foi a forma que ela encontrou de se libertar um pouco.
O pior de tudo é que eu não tinha com quem conversar, Tory estava
ocupada aprendendo novas coreografias para a equipe de torcida e eu não
tinha ninguém mais tão próximo, então descontei minhas frustrações no
gelo.
Não atendi suas ligações, não ligava para o que eles pensavam nesse
momento. Treinei até a exaustão, até meus pés cederem e minha respiração
se tornar ofegante. Quando retirei os patins minhas unhas dos pés estavam
quebradas e sabia que só um banho quente iria me aquecer de todo frio.
Mesmo odiando voltar para casa não havia outro lugar que eu
pudesse ir no momento, mas não fui saudada por meus pais quando
cheguei. Havia alguns carros do lado de fora, entre eles reconheci o Pakhan
ali, conversando com meu pai em voz baixa.
— Papai. — O chamei me aproximando. — Mamãe...
Não consegui completar a frase, tinha que ter acontecido algo com
ela. Ele estava devastado e chorando, homens não choravam, ainda mais na
frente do Pakhan, mas até ele parecia abalado.
— Eu sinto muito, querida.
Ele me puxa para ele, chorando como criança, mas eu precisava
saber o que houve.
— O que aconteceu com a mamãe?
Com cuidado ele levantou minha cabeça.
— Não foi com sua mãe, querida. — Ele diz com a voz embargada.
— Lily e sua mãe saíram e sua mãe a levou para patinar no rio.
— Mas é quase verão...
Rios começaram a derreter e todo mundo sabe o quão perigoso é
patinar sobre eles, o gelo fica extremamente fino. Em Moscou existem
várias pistas de patinação justamente para as pessoas não usarem rios, que
podem colocar as pessoas em risco. Eu amava patinar nos rios congelados,
mas sempre com cuidado. Cheguei até a levar Lily comigo uns meses atrás.
— Parece que Lily insistiu muito para sua mãe a levar ao rio
congelado e sua mãe não percebeu que o gelo estava fino.
— Lily está bem? — pergunto, com certeza foi um susto enorme
para ela. — Ela nunca mais está autorizada a patinar em rios congelados.
Entro dentro de casa tirando meus sapatos sujos.
— Querida...
— Não pai, ela precisa tomar cuidado. Mamãe também não deve
sair com ela sozinha.
— Querida, você não entendeu...
Ele me segue enquanto começo a subir as escadas, querendo chegar
o mais rápido a Lily para abraçá-la apertado e depois fazê-la me prometer
nunca fazer isso novamente. Me viro para ele.
— Ela está no hospital?
— Lily morreu.
Ele fala as palavras, mas não as absorvo. Continuo subindo as
escadas e vou até seu quarto. Mamãe está sentada no chão junto aos
ursinhos e o conjunto de chá de Lily.
— Mamãe?
Ela se vira para mim e vejo como seus olhos estão vermelhos de
tanto chorar.
— Está tudo bem. — Eu a consolo. — Lily vai voltar do hospital e
nós vamos ensinar a ela sobre como o gelo pode ser perigoso.
Mamãe aperta o meu braço.
— Uma já foi. — Ela sussurra, suas unhas cravando em meu braço
com força.
Meu pai entra no quarto e tenta acalmar minha mãe, mas ela está
perdida na loucura, gritando e se batendo. Alguém me tira dali, mas consigo
ver minha mãe gritando que as vozes a avisaram, que ela avisou.
— Lily, eu preciso ir ver Lily. Ela deve estar tão assustada.
Alguém levanta minha cabeça e eu vejo Krigor.
— Seraphina, você precisa ser forte para você e sua família, sua
irmã se foi.
Eu nego.
— Não, ela só está brincando. É um engano.
Seu olhar de tristeza me faz perceber que não é um engano, não
realmente. Lily não vai voltar, ela se foi para sempre. Escuto gritos e mais
gritos, mal percebendo que sou eu a gritar. Minha irmãzinha. Ela não pode
morrer. Ela devia viver, ser feliz. Ela não merecia a família que tinha. Uma
mãe maluca, um pai relapso e uma irmã que não pude salvar. Ela não
merecia isso.
32
YURIO
***
Acordo primeiro que Seraphina e levo meu tempo admirando sua
beleza, seus cílios grossos e longos, seus traços delicados e sua boca rosada
entreaberta. É bem cedo e sei que assim que ela acordar sentirá o peso do
mundo sobre seus ombros depois de ontem.
Eu realmente não acho que Seraphina é louca, tem algo acontecendo
e eu descobriria, passamos um tempo juntos e nada aconteceu, por que
agora que estávamos na presença de outras pessoas aconteceria?
Mando uma mensagem para os caras que me xingam pelo horário,
mas prometem cuidar do que eu pedi. Talvez seja demais, mas quero que
ela se sinta feliz e segura no Monastério, eles caçoam de mim, mas
prometem que tudo estará pronto quando eu voltar.
Decido lhe preparar um café na cama como já vi meu pai fazendo
para minha mãe várias vezes enquanto crescia. Desço para a cozinha e
aproveito que estou sozinho, apesar de não saber cozinhar muito bem eu
consigo fazer uma omelete e fritar salsichas, além de usar a máquina de
café e até mesmo pego morangos na geladeira e coloco chocolate derretido,
acho que com um café desses mereço um boquete.
Estou terminando de ajeitar a bandeja quando mamãe entra na
cozinha. Ela levanta uma sobrancelha ao ver a bagunça que eu fiz, mas me
dá um pequeno sorriso ao ver a bandeja.
— Faltou pano de prato. — Ela vai até o armário e pega um junto
com um suporte e coloca na bandeja, também troca os talheres pelos mais
chiques e olha em volta pegando uma flor de um vaso.
— Não acho que precisa disso tudo — resmungo.
Mamãe ajeita meus cabelos e tenta tirar remela dos meus olhos
como se eu fosse um bebê.
— Você está em um relacionamento, deve saber agradar a sua
namorada para que ela nunca pense que outro pode fazer melhor.
Isso me faz parar, pensando em como tirei a virgindade dela no meio
da floresta, de como a tratei e uma sensação de mal-estar vem, apesar de
Seraphina ter falado que tinha gostado.
Mamãe limpa a garganta me tirando dos pensamentos.
— Izma me contou que o que aconteceu ontem é recorrente, será
que Seraphina está se tratando?
Aperto minha mandíbula, então Izma está contando o que acontece
no Monastério? Filha da puta. Eu havia avisado que se ela quisesse
trabalhar lá deveria manter o que vê em silêncio, não preciso dos meus pais
sabendo cada passo que eu dou.
— Sim, ela está fazendo tratamento. Acabou de mudar os
medicamentos, sua crise foi por cansaço.
Mamãe acena e então limpa a garganta, seu rosto e colo ficando
vermelhos.
— Sei que não deveria perguntar sobre isso, mas vocês estão se
cuidando? Eu adoraria ser avó, mas penso que Seraphina e você gostariam
de terminar a faculdade sem ter que se desdobrarem para cuidar de um
bebê.
Poderia dizer que não era da sua conta, mas ao ver a sua
preocupação sei que ela só quer o melhor para a gente. A ideia de ser pai
agora nem passou pela minha cabeça, mas nunca me preveni, sei que não
tenho doenças venéreas, mas fui irresponsável de não perguntar se ela
estava se prevenindo.
— Nós vamos cuidar disso, mamãe.
Pego a bandeja, mas ela barra o caminho.
— Seraphina não tem mais uma figura materna e eu gostaria de
estar lá para ela, caso ela queira.
— Não acho que ela precise de uma conversa de onde vem os bebês.
Mamãe rola os olhos.
— Só me deixe marcar de sair e aí posso ver o que ela precisa.
— Tá bom.
Mamãe beija minha bochecha e ajeita meus cabelos mais uma vez
antes de me deixar ir. Quando volto ao quarto vou rapidamente escovar os
dentes e lavar o rosto antes de ir acordar Seraphina. Ela é tão linda. Passo a
mão por seu cabelo e beijo seu pescoço, ela abre os olhos sorrindo.
— Bom dia! — Ela se senta na cama e arregala os olhos ao ver a
bandeja de café da manhã. — Isso é tão... você fez isso?
Dou de ombros, ficando sem graça com sua atenção. Ela estica a
mão e pega um morango, dando uma mordida antes de se esticar e beijar
meus lábios.
— Isso é incrível, nunca tive nada como isso.
Ver o brilho em seu olhar me faz querer lhe dar o mundo inteiro. O
café da manhã é divertido, mas posso ver o cérebro dela trabalhando sobre
os acontecimentos de ontem.
— É verdade o que você me falou ontem, sobre os seus
sentimentos?
Seguro sua mão.
— Já te avisei que não a deixarei ir. Eu nunca amei antes, mas acho
que o que sinto por você é o que deve ser o amor. — Coloco sua mão sobre
meu peito.
***
***
— Você irá aprender por bem ou por mal o que ser um Leonov
significa. — Escuto a voz do meu avô, mas não consigo sequer levantar a
cabeça.
Não lembro bem do que aconteceu, mas quando acordei estava
preso na parede, sendo agredido por homens que juraram cuidar da minha
família a mando do meu avô. Homens que me viram crescer e que eu
achava que podia contar.
A lembrança de ter hesitado ao ver meu avô atirar em um traidor
vem, o asco me subiu e levou tudo de mim para não vomitar, pensei ter
escondido a reação a tempo, mas ele viu a fraqueza e aproveitou.
Tento falar, mas todo meu corpo dói. Eu me mantinha na linha,
guardando meu ódio e ressentimento do meu avô para mim, não por
lealdade, mas por medo do que poderia acontecer. Ele nunca escondeu que
éramos somente uma peça em seu tabuleiro e poderíamos ser descartáveis,
mas ele precisava do meu pai para manter a Bratva em nossa família e
consequentemente a mim.
Ele levanta a minha cabeça, mas meu olho está quase fechado, mal o
vendo. Sei que alguém virá me salvar, mas também sei que é questão de
tempo até ele me pegar novamente.
— Você é patético, assim como Krigor.
Outra rodada de socos vêm e vão, meus pés cedem, mas meu corpo
continua suspenso, com meus pés se arrastando no chão enquanto sangue
escorre pelos meus braços.
— Por quê? — Consigo perguntar quando o vejo indo até a porta.
— Porque eu posso.
***
***
***
***
***
***
Quando Yurio citou acordar cedo, não esperava ser às seis horas da
manhã. O tempo estava frio demais, mas isso não o abalou, ele acordou
todos nós e nos levou até um campo aberto.
— Bem, os jogos são depois de amanhã e não teremos esse ano
briga de meninas na piscina de gelatina.
O quê?
Os caras fingem enxugar lágrimas enquanto Tory revira os olhos.
Ela me lança um sorriso doce, nunca havia falado sobre isso antes e
definitivamente eu não estaria fazendo isso por nada.
— Então precisamos nos preparar para o pior. Como a maioria de
nós vem de famílias influentes não acho que as provas serão até a morte,
mas tem uma pequena chance disso então preciso que vocês estejam
preparadas.
Gostaria de dizer que é sexismo da parte dele, mas eu mesma nunca
toquei numa arma e nem saberia o que fazer e pelo olhar das meninas aqui
muitas delas também parecem não saber.
Como um passo coreografado os meninos vão a cada menina ajudá-
las. Yurio é um bom professor, me ensinando a montar e desmontar a pistola
e como funciona uma semiautomática. Depois de várias tentativas ele
finalmente passa para me ensinar a atirar em latas de cerveja à distância. O
barulho do tiro é ensurdecedor. Eu erro a maioria dos tiros, mas quando
acerto um no galho perto Yurio parece ter um pouco de esperança.
— Se fosse uma pessoa teria atingido na perna, se pegasse na veia
ele morreria em minutos.
Ele fala isso com tanta calma que tenho que engolir o enjoo que me
toma ao pensar em matar alguém, só para lembrar que eu já fiz isso. Não
uma vez. Primeiro meus pais e depois Miroslav. As consultas com o
psicólogo me ajudaram a perceber que eu estou criando uma realidade
paralela para tentar me safar do que eu fiz, seja apagando da minha mente
ou criando uma personalidade para assumir meus erros.
— Ei, você vai melhorar. — Yurio toca meu ombro como se
pensasse que estou ansiosa porque não acertei o alvo, mas ao me virar para
ele percebo que ele está se referindo a outra coisa. — Isso não faz de você
um monstro, serve para você não morrer nas mãos de um.
Um pequeno suspiro entrecortado sai de mim enquanto ele me
abraça. Mal percebo o quanto estou tremendo.
— Podemos encerrar por hoje. — Ele sugere.
Me afasto, negando com a cabeça. Não é só sobre mim agora.
Somos todos um time, um depende do outro e não quero decepcionar
ninguém.
— Vou tentar de novo.
Quando atiro dessa vez o som não parece mais tão horrível e tenho
um controle melhor na arma. Atirar por um dia não me faria ser uma
atiradora profissional, mas pelo menos eu saberia como fazer algum dano.
Um tapa acerta minha bunda e eu me viro para Yurio, que levanta as
mãos em paz.
— Só vendo seus reflexos.
***
Olhando para Seraphina no outro lado da mesa, rindo, sei que não
posso deixá-la se machucar por causa de mim. As lutas de mais cedo foram
brutais e temia imaginar o que viria a seguir, não foi preciso muita
investigação para saber que Balashov tinha muitos aliados que já não
concordavam de eu ter criado uma fraternidade e agora ter uma noiva que
matou um dos seus só piorou tudo; agora queriam o sangue de Seraphina,
mas sabiam o suficiente para não tentar.
Meu celular toca e é meu pai, nos falamos há poucos dias então fico
tenso com a nova ligação. Há uns dias ele ligou enquanto corríamos para
perguntar se Seraphina estava bem e quando perguntei o porquê ele disse
que foi informado que ela foi a um banco sem documentos tentar sacar
dinheiro, mas fora negado. Imaginei que fosse para comprar algo para casa
ou para os jogos, já que eram as meninas a organizar ou algo que ela
precisasse, mas realmente não achei nada demais.
Me levanto e sorrio tranquilizador quando Seraphina me lança um
olhar preocupado.
— É meu pai, já volto.
Me afasto e ao atender já sei que tem algo de errado só pela sua
respiração.
— Yurio, você está com Seraphina?
— Sim.
Um novo silêncio vem antes de meu pai suspirar.
— Acabo de ser informado que sua tia foi morta em Nova Iorque,
acharam seu corpo sem cabeça.
Sangue se paga com sangue . Sempre me gabei de ser esperto, mas
não imaginava que eles iriam atrás da tia de Seraphina, uma vez que ela
estava protegida comigo. Olhei para minha menina no outro lado da sala,
ela tinha sido muito doce em cuidar dos ferimentos de Alexandra e tentar
tranquilizar o resto das meninas.
Ela havia me dito que não era tão próxima da sua tia, mas ainda
assim era sua única parente viva. Seraphina vivia numa linha fina e temia
que a notícia pudesse romper sua sanidade.
— Vou contar a ela, mas sem detalhes.
— Não seria melhor deixar o psicólogo o fazer? — Sua pergunta era
válida, mas ainda assim sabia que seria melhor receber a notícia por alguém
que a ama do que um estranho. Nem mesmo a ele ela contou a verdade
sobre aa morte de seus pais.
— Amanhã pela manhã a levarei para uma consulta.
Desligo a ligação e depois de raciocinar um pouco de como contar
eu me aproximo da minha menina e só de me olhar, seu sorriso some e ela
se levanta.
— Aconteceu algo?
— Venha comigo um momento.
Nós subimos as escadas até nosso quarto e fecho a porta atrás de
nós.
— Yurio, o que aconteceu? — Ela pergunta, trêmula.
Decidindo ser direto eu a levo até a cama e nos sento.
— Meu pai acabou de ligar, sua tia acabou falecendo.
Ela ofega, seu rosto branco, pálido antes das primeiras lágrimas
caírem, mas é a falta de expressão que me assusta. Bem diante de meus
olhos posso vê-la se perdendo em sua mente, é assustador.
— Ei. — Seguro seu rosto. — Eu estou aqui com você. Eu não vou
te deixar.
A seguro em meus braços, como uma criança de colo, enquanto digo
palavras suaves. Suas unhas se cravam em meus braços, enquanto ela tenta
conter seus soluços. Me sinto novamente aquele menino indefeso, que não
posso fazer nada para ajudá-la então ofereço meu conforto.
Quando o choro finalmente cessa, eu enxugo suas lágrimas.
— Como aconteceu?
Eu hesito e isso a faz arregalar os olhos.
— Foi por minha causa? — Sua voz sai trêmula e pequena.
Penso em mentir, mas não gosto dessa ideia.
— Não temos provas, mas sangue se paga com sangue. Eles não
tocariam em você.
Ela fecha os olhos, parecendo perdida.
— Não vou deixar nada acontecer com você. Eu prometo.
— E se eles fizerem algo com você? Eu não vou me perdoar. — Ela
se levanta e começa a andar pelo quarto. — Eu nem fiz isso! Por que
ninguém acredita que não fui eu?!
Ela chuta uma cadeira e puxa seus cabelos. Temendo que ela entre
em uma crise me levanto e a coloco em meus braços.
— Se quiser podemos voar até Nova Iorque para o enterro.
Ela pensa por alguns segundos antes de negar.
— Estamos no meio dos jogos, não vai adiantar de nada estar lá.
— Meu pai cuidará do enterro, tudo será perfeito. Eu prometo.
A força parece sair de seu corpo quando suas pernas cedem e eu a
seguro. A coloco na cama, ajeitando seus cabelos vendo seu rosto sereno
completamente apagado.
***
***
SERAPHINA
Caminho sem saber para onde ir, me sinto perdida e mais que isso
traída por minha própria mente. É como se eu fosse uma outra pessoa e não
posso colocar a culpa em uma outra personalidade. Eu era o que todos
achavam, uma assassina, uma traidora, maluca e sozinha.
Quando dou por mim estou em frente ao túmulo de Lily, a estátua de
bailarina em sua lápide parece zombar de mim, do que era esperado de nós
por nossa mãe e a negligência de nosso pai. Eu era nova e Lily mais ainda,
devíamos ter sido protegidas, devíamos ter sido amadas. Não éramos mais
um dos prêmios da minha mãe ou uma moeda de troca de papai.
Vejo um pedaço de madeira e o pego, acertando com força a lápide
de meus pais. Amados pais , dizia e só podia ser brincadeira. Leva algumas
tentativas até que o mármore trinque, mas ainda não é suficiente. Pego uma
pedra grande e jogo contra ela algumas vezes até que se rache. Subo na
estátua e uso toda a minha força para derrubá-la, cai em cima do mármore
de meus pais e eu rio quando ele se quebra.
Está escuro e eu deveria estar assustada, mas agora parece que os
vivos me assustam mais que os mortos. Volto a andar mesmo quando minha
respiração sai com vapor e meus dentes batendo pelo frio seriam ouvidos à
distância.
Parece que estou em um loop eterno de dor e solidão, que nunca vai
acabar. Uma buzina alta me faz perceber que eu estava no meio da estrada.
— Menina, precisa de uma carona? Você está congelando! — O
motorista do caminhão grita.
Espero o medo, mas ele não vem porque se eu já cortei a garganta
de alguém, já matei meus pais queimados, acabar com a vida do motorista
se ele tentasse algo não seria tão diferente.
— Obrigada. — Minha voz sai estranha, sem emoção e eu gosto.
YURIO
SERAPHINA
Acordar deveria ser uma alegria, mas tudo devia ter acabado agora.
Estar em um hospital não era o que eu tinha em mente, não imaginava que o
purgatório seria como um hospital. Minha última lembrança era acordar no
meio da noite no antigo quarto de meus pais e ouvir a voz da minha mãe me
chamando para o sótão onde se localizava seu estúdio de balé.
Como ela sempre exigia me vesti com o collant, meias e sapatilhas.
Meu cabelo preso num coque perfeito e mesmo na escuridão eu podia
lembrar claramente do espaço à minha volta e as coreografias que ela me
mandava executar. Dancei até o sol nascer e depois disso dancei até minhas
unhas do pé quebrarem e meus joelhos sangrarem, dancei até o ar me faltar
e eu cair. Tentei dançar até morrer, mas nem isso foi o suficiente.
Então ali, no chão, tive uma síncope. Não poderia morrer dançando,
meu corpo nunca seria encontrado e eu me tornaria só mais um fantasma
nessa casa. Lily morreu afogada, mas antes disso ela foi feliz fazendo o que
amava.
Parecia uma experiência fora do corpo enquanto eu descia os
degraus e saía pela porta da cozinha caminhando, ignorando o frio do
inverno, sendo guiada pela lembrança dos risos entre Lily e eu e que logo
estaria com ela.
Entrei no lago congelado e a sapatilha fina me fazia sentir o gelo
realmente fino embaixo de mim. Escutei vozes chamando o meu nome e
imaginei que seria mais uma confirmação que estava maluca demais para
esse mundo, que as vozes voltaram a me chamar.
Mesmo sabendo que era minha mente me pregando peças mais uma
vez me virei, vendo Yurio a uns metros de mim. Sua expressão preocupada
me fez pensar que minhas alucinações estavam piores do que eu imaginava
e se ele fosse o último rosto que eu visse, seria uma misericórdia que eu não
merecia depois de tudo que eu fiz.
Duvido que alguém iria sentir minha falta e quando o gelo cedeu
embaixo de mim eu acolhi o vazio que já habitava em mim.
***
SERAPHINA
O tempo parece tão não linear que não tenho mais ideia de dias,
horário ou sequer mês, talvez já estejamos em janeiro e eu não sei, mas às
vezes parece que não se passou um dia desde que acordei.
Os médicos falaram comigo e tenho tentado melhorar, mas é tão
mais fácil desistir de tudo. Não tinha ideia de quanto tempo passou, mas as
amarras no meu braço eram um constante lembrete de onde eu cheguei.
Eu não tinha muitas escolhas nesse momento, mas a única coisa que
vinha a minha cabeça é que eu não quero ver Yurio, não quero estar com ele
e ver a decepção em seu olhar, pensar que ele só estar comigo por pena é
pior do que essas amarras.
Foi uma surpresa para mim acordar em uma manhã e ver Krigor
Leonov ali, não tinha ideia do porquê ele veio. Quando neguei visitas achei
que se aplicaria a todos, mas parece que ser o Pakhan o torna acima de tudo.
Espero ele começar a me humilhar por trair seu filho, mas em vez
disso ele segura minha mão.
— Eu tenho muitos arrependimentos nessa vida, Seraphina. — Ele
começa. — Como Pakhan eu tenho que tomar decisões difíceis, sempre
olhando por cima do ombro e tentando pensar à frente. O que eu quero dizer
é que falhei com você mais de uma vez.
— Você não o fez. — Minha voz sai rouca e ele pega o copo d’água
na mesa ao lado com canudinho e oferece para mim.
— Sim, eu fiz. Não sei se você sabe, mas eu e seu pai éramos
próximos, amigos. Nossa relação não era conhecida por ambos temerem
represálias de Leoncio, mas quando Arseny morreu eu devia estar lá para
você. Quando você voltou eu também devia estar lá para você. — Ele limpa
a garganta. — Seu pai confiou você a mim e eu falhei.
— Você é meu tutor. — As peças finalmente se encaixam.
Ele sorri tristemente.
— Achei que fazia melhor em deixá-la afastada desse meio, achei
que você estaria melhor sem mim, mas eu estou aqui agora para você.
— Yurio me odeia. — Eu solto e sinto lágrimas quentes caindo de
meus olhos. — Você é o pai dele.
Ele acena com a cabeça.
— Sim, mas eu também estou aqui para você e não vou deixá-la
novamente, então trate de melhorar.
Ele dá uns tapinhas na minha mão, ele não é um homem de
demonstrar sentimentos.
— Eu não quero vê-lo. — Solto, sentindo que posso confiar nele
para manter Yurio longe.
— Eu entendo. O farei se você melhorar.
Aceno, sentindo meus olhos pesarem.
— Obrigada por me falar.
Não escuto sua resposta, mas tenho meu primeiro sono tranquilo.
Entre receber a visita de enfermeiras que me ajudam a tomar banho
e caminhar pelo quarto, quando tudo que eu quero fazer é dormir é
frustrante, mas não tanto quanto ficar falando com o psicólogo todos os
dias, parecendo colocar o dedo na ferida aberta, remoendo tudo que eu
devia ter feito, me perguntando onde errei e o que poderia ter sido diferente.
Alguém bate na porta para minha surpresa e é Sophia a entrar, ela
carrega consigo uma pequena mala.
— Oi, Seraphina. Trouxe algumas roupas novas para você, acho que
um pouco de cor pode alegrar.
Ela mostra algumas peças de pijamas coloridos realmente bonitos e
até roupas de sair.
— Sabe, eu entendo um pouco do que você está passando. — Ela se
senta ao meu lado.
— Acho difícil — resmungo e me arrependo de ser grossa, mas ao
mesmo tempo não me importo o suficiente.
— Eu sei, mas cresci com um irmão com muitos transtornos
mentais. Ele entrava em crises pesadas de depressão que eu achava que não
sobreviveria, junto a isso eu também temia pelas crises de mania porque ele
se colocava em perigo e podia acabar morto.
Ela limpa algumas lágrimas de seus olhos antes que caiam.
— O que quero dizer é que ele não desistiu. Ele luta tanto para ser
sua melhor versão e eu estou orgulhosa dele, assim como estou de você.
Não consigo encontrar seus olhos de tanta vergonha.
— Eu não sou corajosa. Eu tentei me matar, Sophia. Duas vezes.
Ela segura minha mão.
— Eu sei, mas você teve uma nova chance e deve se agarrar à vida.
Ela pode ser difícil, mas ainda é sua. — Ela então limpa a garganta. — Os
médicos falaram do seu estado e tem algo que pode ajudar.
Um pouco de esperança começa a brotar enquanto Sophia fala sobre
a terapia de eletrochoque, mas só quando ela coloca seu irmão na
vídeochamada que eu consigo ver uma luz.
— Não é fácil ou linear, você vai cair, mas tem que levantar. — Ele
diz simplesmente. Eric Hoffmann é um homem tão bonito por fora, que não
parece ter tantos demônios em sua vida. — Eu demorei a entender isso, mas
só você pode se salvar, só você pode vencer as batalhas contra si mesmo.
Então eu quebrei, chorei toda a dor.
— Eu quero melhorar. — Consegui dizer, minha voz rouca de tanto
choro.
Sophia tira as amarras dos meus braços e se deita ao meu lado, me
abraçando. Lara entra depois, com um lindo buquê de rosas e beija minha
testa. Ela não precisa falar nada enquanto se senta ali ao meu lado e segura
minha mão enquanto o médico dá detalhes sobre o tratamento.
— Eu aceito. — Parece até uma experiência fora do corpo, porque
depois disso sinto que vejo um futuro bom à minha frente e eu estou nele.
A terapia de choque não era fácil, toda manhã durante cinco dias eu
tomava esses choques e era como se cada um deles me fizesse sentir mais
viva. Lara e Sophia vieram me visitar todos os dias e não insistiram quando
falei que não queria receber outras visitas.
O quarto estava cada dia mais cheio de flores e balões, mas só
ontem tive coragem de ver os cartões de quem mandou. O único que não
abri eram as peônias brancas que recebi com um cartão vermelho porque
sabia que era dele .
Os cartões em sua maioria eram simples desejando melhoras, os de
Tory sempre continham desculpas e fotos nossas desde pequenas e eu não
queria nada mais que abraçar minha amiga, mas ainda era difícil pensar fora
desse quarto.
O médico falou que era normal, mas eu devia enfrentar meus medos,
então quando ele falou que finalmente era a última sessão eu comentei que
aceitaria as visitas. Se é que havia alguém que quisesse me ver realmente.
No entanto, quando entrei na sala fui recebida por várias pessoas.
— Surpresa! — Eles gritaram e eu me senti como se fosse meu
aniversário.
Estava um pouco fraca da terapia e a enfermeira me ajudou a me
acomodar na cama, então recebi vários abraços e logo minha cama estava
cheia de doces que eu gostava.
Não queria procurá-lo, mas nossos olhos se encontram
imediatamente. Ele estava no outro lado da sala, encostado na parede
enquanto me olhava parecendo atordoado. Sim, eu estava abatida, mas a
minha maior surpresa foi vê-lo aqui depois de tudo, não imaginava que ele
viria. Rapidamente desviei o olhar, não querendo vê-lo se transformar em
desgosto ou nojo como da outra vez.
— Obrigada, gente. É demais. — Aceno para todos os doces e
mimos.
— Era para ter mais, mas esses caras comeram. — Tory aponta para
os meninos.
Eu rio e é divertido vê-los se justificando. Eles falam assuntos leves
como as últimas festas e de como ganhamos os jogos.
— Nossa! Parabéns, pessoal.
Parece que os jogos aconteceram mil anos atrás, mas fico feliz em
ver a alegria deles.
— E você não sabe a melhor parte. Estávamos empatados com os
Kitsunes e sabe o que desempatou? — Jamal pergunta animado, mas antes
que eu pudesse responder ele mesmo o faz. — O troféu que você roubou,
ele ganhou pontos extras pela audácia. Foi unânime.
— Foi um trabalho em equipe. — Ergo minha mão para batermos.
Eles falam mais um pouco e tento ao máximo não desviar minha
atenção para Yurio, mas aos poucos meus olhos vão ficando pesados e
quando estou quase dormindo sinto um beijo na minha testa antes de
adormecer sorrindo.
***
***
Já devia ter percebido que a minha sorte estava por acabar quando
entrei no refeitório e vi uma mesa com toalha rosa claro, cheia de todas as
minhas coisas favoritas. Quase dei meia volta e saí, mas o olhar de
esperança de Tory completamente sem maquiagem, o que por si só já era
inédito para ela, me paralisou.
Suspirando, caminho até ela e me sento ao seu lado.
— Oi. — Ela começa timidamente. — Eu sei que sou uma péssima
amiga, sei que te magoei e...
Eu seguro sua mão.
— Eu entendo, você ficou decepcionada. Havia provas.
— Mas você é minha melhor amiga, eu devia ter te dado pelo menos
o benefício da dúvida, podia ter sido armado, havia milhões de
possibilidades e eu escolhi acreditar no pior em você.
Não sei o que dizer então pego uma rosquinha rosa e dou uma
mordida, saboreando o gosto açucarado. O silêncio entre nós é confortável e
eu paro para me perguntar o que faria se estivesse em seu no lugar. Mesmo
se Tory fosse culpada eu ainda lutaria por ela, faria de tudo para ela ficar
bem, mas não posso esperar que façam por mim o que eu faria por eles.
Entendo que ela ficou chateada e estava brava naquele momento,
então quando vou para a próxima aula abro as mensagens, as primeiras
eram com raiva, perguntando porque estraguei tudo e porque escondi dela.
Então vieram as preocupadas, perguntando se Yurio era tóxico comigo e me
machucava de alguma forma, então as perguntando onde eu estava e muita
preocupação, e por último era uma mensagem para o dia que eu estava
internada.
“Sei que você não vai ler isso, eu te conheço. Ou só lerá quando sua
raiva por mim passar pelo menos um pouco, mas de toda forma queria dizer
que sinto muito por não ter ficado ao seu lado como sei que você teria feito
se fosse ao contrário. Você é minha melhor amiga e eu não tenho sido a
melhor, te excluindo, escondendo coisas e ainda assim você me perdoou. Eu
sou uma péssima amiga e sei disso, mas juro que se você me der outra
chance eu serei a melhor.”
Para amolecer mais meu coração as próximas mensagens eram fotos
nossas ao longo dos anos e a última era uma montagem de nós duas
velhinhas, de cabelos brancos.
“Quero estar assim com você.”
Não percebi que estava chorando até alguém perguntar se eu estava
bem. Não consegui prestar atenção no restante da aula, eu queria minha
amiga de volta, queria perdoar Tory, perdoar Yurio, mas precisava pensar
em mim, no que eu merecia. Não seria um almoço e umas fotos que fariam
isso.
Saí da sala de cabeça baixa, mas parei quando ouvi alguém gritar
meu nome. Era Tory.
— Eu preciso que você venha a um lugar comigo.
Acenei sem querer lutar mais, talvez um café que ela me pagasse
selaria o acordo. Em vez de me levar a um café como esperado ela me leva
até a pista de patinação.
— Tory, ainda não voltei a treinar.
Ela me puxa para dentro e vejo o Monastério inteiro ali dentro,
sentados.
— Eu não vou fazer isso — resmungo para ela, chateada de estar
sendo forçada assim.
Ela arregala os olhos.
— Não! Não é você que vai fazer o show!
Então ela me acomoda na primeira fileira e vai se ajeitar. Fico
paralisada olhando-a colocar a calça de enchimento que normalmente as
crianças usam quando começam a patinar. Ela calça os patins e sorri para
mim.
— Você está prestes a ver a pior apresentação de sua vida.
Então minha melhor amiga, que sempre foi péssima no gelo entra na
pista, escorregando algumas vezes antes de ir para o centro. Eu já estou
chorando vendo-a se humilhar na frente de todos. Seu pior medo.
A Thousand Miles começa a tocar e eu gargalho antes mesmo dela
começar a coreografia. Quando convencemos nossos pais a nos deixar
aprender a dirigir com dezesseis anos colocávamos essa música para irritar
o guarda designado a nos ensinar. Nós sempre cantávamos alto e ele, apesar
de não reclamar, sempre dava olhares raivosos.
Tory se vira e rebola com a bunda de espuma e é impossível não rir,
mas ela dá o seu melhor e percebo que ela está tentando fazer uma das
minhas primeiras apresentações. Ela está falhando copiosamente, mas é
muito divertido assistir. Ela não consegue fazer a maioria das acrobacias e
as pessoas vão à loucura quando ela consegue dar um pulo simples sem
cair, quando a música acaba Tory está ofegante, mas sorrindo para mim.
Ela patina até mim ainda arfando.
— Eu sei que isso não apaga nada, mas...
A puxo para meus braços.
— Eu também quero ficar velhinha ao seu lado.
***
YURIO
***
***
O sol mal surgiu quando parei o carro em frente à casa de meus pais,
sabia que meu pai já estava acordado e na sala de musculação, quando
morava aqui gostava de acordar cedo com ele e treinar, era um momento
normal que tínhamos de pai e filho.
Ele estava secando o rosto com a toalha quando me viu e abriu um
sorriso.
— Que bom ver você, filho. Caiu da cama?
Olho para o homem que me criou com todo amor, nunca me senti
deixado de lado ou um estorvo. O homem que me ensinou tudo que não foi
ensinado, que foi para mim o pai que ele queria ter tido. O homem que
criou o fruto do estupro da sua esposa.
— Eu sei de tudo... pai.
Ele franze a testa antes da realização.
— Como?
Ele vai até o banco e se senta, parecendo esgotado de repente.
— Naquela noite que mamãe e eu ficamos presos no escritório, ele
queria que eu soubesse.
Seus ombros caem em derrota.
— Quando eu descobri que sua mãe estava grávida de você, eu
fiquei muito emocionado, mas também com muito medo. Meu objetivo
naquele momento era ser o pai que eu não tive, que te protegeria a todo
custo e que seria alguém que você podia contar. — Ele vai até o bar e nos
serve uma dose de uísque. — Eu falhei em proteger sua mãe.
— Pai — começo, a voz embargada.
— Eu falhei e me arrependo todos os dias disso, mas não me
arrependo de ter criado você. Quando você chutou dentro da barriga da sua
mãe, quando peguei você em meus braços você foi meu filho. Você é meu
maior orgulho. Sei que não falamos sobre isso, nunca queria que você
descobrisse na verdade, porque para mim isso não importa. Eu sou seu pai e
Leoncio não tirou isso de mim. Nunca quis falhar com você, Yurio.
Vou até meu pai, nunca fomos muito de contato físico para
demonstrar sentimentos, mas o abraço forte. Temos agora a mesma altura,
temos o mesmo cabelo e os mesmos olhos, ele sempre será a única figura
paterna que eu tenho.
— Eu te amo, filho.
Nós nos afastamos e eu enxugo uma lágrima que cai. Ele suspira.
— Eu devia ter percebido, achei que morte de Leoncio tinha a ver, o
que fizemos depois, toda aquela tortura, aquele derramamento de sangue
havia mudado você. Achei que eu fosse culpado e esse foi meu peso a
carregar.
— Não é sua culpa. Eu passei um longo tempo pensando que não
era digno.
Isso o faz levantar a cabeça e balançar.
— Nunca. Você é meu filho, meu maior orgulho. Leoncio pode ter
tentado, mas ele nunca conseguiu destruir nossa família. — Então ele
suspira. — Por isso você escolheu criar o Monastério em vez de ser um
Cárpato?
Vergonha me toma.
— Eu não queria manchar o seu legado.
Ele toca meu ombro.
— O meu legado é saber que eu criei meu filho para ser um homem
justo e digno que nunca será parecido com Leoncio. Eu queria ter te
protegido mais, Yurio. Queria que você nunca soubesse.
— A mamãe...
Minha voz falha e ele mesmo olha para o chão.
— Você é nosso bem mais precioso, nosso milagre. Mas como pai
eu tenho que te pedir que nunca fale com a sua mãe sobre isso, partiria seu
coração.
Aceno.
— Ele tentou novame...
— Nunca mais. Eu queria matá-lo, mas naquela época ele era muito
poderoso, eu não conseguiria sobreviver ao confronto e nem vocês. Me
matou ter que dividir o mesmo teto com ele, vê-lo te cercando, querendo
torná-lo como ele, por isso obedecia as suas ordens, assim o mantinha longe
de vocês.
— Até... — Fecho a boca e ele concorda.
Sophia Hoffmann era para ser só uma cativa e ainda assim salvou
todos nós ao matar Leoncio. Esse, entretanto é um segredo que jamais
deveria ser revelado ou poderia matar todos nós. Alguns segredos
precisavam ficar enterrados para a nossa segurança.
— Não falarei para mamãe.
Me levanto querendo sair dali, mas sou surpreendido por um abraço.
— Eu te amo, filho.
— Eu também te amo, pai.
53
SERAPHINA
Quase não dormi a noite pensando em tudo, Yurio estava certo, não
estávamos no mundo normal. Não era normal achar certo alguém matar por
você, mas me trazia conforto de saber que sempre seria cuidada. Yurio
esteve lá para mim em todos os momentos, seus gostos se entrelaçando com
os meus como se tivéssemos nascido um para o outro.
Havia cometido alguns erros na minha vida e perder Yurio por medo
seria sem dúvidas o pior deles, não que eu considerasse que ele pararia de
lutar por mim e isso só o tornava ainda mais perfeito para mim. Ele confiou
em mim um segredo que podia arruinar toda sua família. Ele enfrentou o
fogo e a água por mim, me amou e despertou sentimentos em mim tão
fortes que jamais imaginei existirem. Como podia duvidar se meu lugar era
ao seu lado?
O sol já havia surgido quando me levantei, mas ao sair do quarto
não encontrei Yurio em lugar nenhum. Bati em seu quarto, mas estava
vazio. A nossa conversa de ontem foi esclarecedora e eu vi um lado novo
em Yurio que não conhecia, o medo de não ser amado. Quero que ele
entenda que mesmo depois disso tudo que aconteceu ele é amado por mim e
não acho que esse sentimento vai diminuir ou desaparecer.
— Ah, oi — digo quando vejo Aurora no corredor. — Quer vir a um
lugar comigo?
Ela hesita por um momento.
— Claro, deixa só eu pegar um casaco.
Nós vamos até a floricultura e Aurora até ajuda a escolher as flores.
— Então, você já pensou no que vai estudar e em qual fraternidade
vai estar?
Ela sorri se inclinando para cheirar uma flor.
— Na verdade estou com umas ideias.
Ela não fala e eu não aguento de curiosidade.
— Fala logo, está me matando!
Aurora ri.
— Você é a rainha das Bestas do Monastério e eu acho que é meu
momento de mandar também.
Eu franzo a testa para isso.
— Mas aí você teria que namorar algum líder de fraternidade.
— Ou conquistar meu lugar lá.
— Bem, conte com meu apoio. — Então falo basicamente o que eu
sei das outras fraternidades, o que não é muito, mas pelo brilho nos olhos da
minha irmã, ela já fez sua escolha.
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OUTROS LIVROS DA AUTORA
Além de escrever livros únicos a autora tem um juliaverso acontecendo em seus livros
de máfia, inclusive alguns personagens que apareceram aqui faz parte disso.
O monstro da Bratva
TRILOGIA OS KING
Meu Querido Consigliere
Meu Amado Consigliere
Meu Devasso Consigliere
TRILOGIA NÚMEROS
CORROMPIDO
IMPLACAVEL
DESTRUTIVO
LIVROS UNICOS
O LUTADOR
CEO: COMPLICADO E SENSUAL
[1]
Gatinha em russo.