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Política
Rosana de Oliveira
Filosofia Moderna e Política
Introdução
O estudo da filosofia moderna nos permite diferentes pontos de vista, entre eles o
da filosofia política. Isso não significa que a filosofia política surja neste momento
histórico, pelo contrário, ela já estava presente desde as concepções da filosofia grega
clássica, mas com a filosofia moderna, adquire outro tipo de tratamento, mais relevante
para nós. Ao tratar da filosofia política, o enfoque aqui será um elemento tão presente
na nossa vida que, por vezes, nos esquecemos até de que não é um dado natural: o
Estado. Mas se o Estado não é natural, o que há – se é que há algo – de natural na
vida política dos homens? Com Hobbes, Locke e Rousseau veremos algumas teorias
sobre o direito natural, a origem, o papel e a necessidade do Estado, bem como certas
relações que ele estabelece, como no liberalismo.
Objetivos da Aprendizagem
• compreender a formação e a legitimação do Estado nas teorias contratualistas.
• contrastar as diferentes concepções de estado de natureza das teorias
contratualistas.
• distinguir as teorias contratualistas de Hobbes, Locke e Rousseau.
• contextualizar o liberalismo nas teorias contratualistas.
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Hobbes
A filosofia política não surge na filosofia moderna. O que ocorre aqui é que a discussão
toma um caráter mais determinado, que só é possível pelos desenvolvimentos
anteriores a ela. A política tinha espaço nos escritos desde os gregos clássicos, mas
tanto nestes como nos medievais, com os grandes tratados, a questão se concentrava
mais em como efetivar a felicidade em comunidade, isto é, em um ideal e em formas
de organização para a boa vida em sociedade. O grande marco para a filosofia política
ocorre um pouco antes de Hobbes, o pensador de nosso conteúdo, mas o influencia,
bem como a todo o estudo posterior da filosofia política. Trata-se da obra “O Príncipe”,
de Maquiavel (1469-1527), surgida como um presente de Maquiavel a Lourenço II de
Médici.
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Nesse sentido, a novidade de “O Príncipe” é ser um escrito que se concentra nas formas
de organização da sociedade, nas origens e fundamentos desta organização e do
poder que lhe constitui. Com atenção principal a áreas paralelas, como a filosofia da
história e a psicologia, esta obra de Maquiavel não se constitui como uma preceptiva
e ultrapassa o campo normativo. Basta ver que, em lugar de propor um tipo ideal
de Estado, ela recomenda que se considere a configuração da própria sociedade
em questão e as condições que ela oferece, de modo que, numa sociedade onde há
relativa igualdade, pode-se implantar uma república. E onde não há, deve imperar o
principado, que conseguiria controlar os possíveis conflitos da população. Também
no que toca à pessoa do estadista, em vez de ideais prontos, Maquiavel explica que
este deve ser o homem virtuoso, capaz de decidir sabiamente, mas também de atentar
às circunstâncias, à ação da fortuna, do destino.
Atenção
Você sabe a diferença entre Estado e Governo? Conforme o
significado moderno, Estado caracteriza uma organização soberana
territorial, diferenciada do Governo, que é o exercício do poder.
Neste âmbito, surgem ainda as palavras soberania e soberano, que
se referem ao poder absoluto e último de uma organização política.
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Esta será uma questão observada por Thomas Hobbes (1588-1679) na obra “Leviatã”
ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil”. Em “Leviatã”, Hobbes
analisa as causas e a instituição do Estado tomando como ponto de partida uma
situação não propriamente empírica, em contraste com a experiência de Maquiavel
em Florença. Hobbes afirma que o Estado surgiria da necessidade de mediar os
conflitos de quando os homens se encontram no seu estado natural, um estado natural
hipotético.
Temos de atentar para a ideia de um direito natural, que é de extrema importância aqui.
Também conhecida pelo nome de jusnaturalismo, refere-se à uma corrente jurídico-
filosófica que afirma que os homens possuem direitos naturais fundamentados na
razão. Esta doutrina foi iniciada com Hugo Grócio e corresponde, por um lado, ao
ultrapassamento do ideal medieval que remetia a ordem do mundo a uma ordem
transcendente; com o Renascimento o foco recai sobre o indivíduo, inclusive no campo
jurídico. Nesse sentido, é possível afirmar que “é da autoconsciência do indivíduo que
vai resultar a lei” (REALE, 2002, p. 616). Como veremos a seguir, o jusnaturalismo ou
doutrina do direito natural se estende até início do século XIX e dele participaram
tanto Hobbes quanto Locke e Rousseau.
No caso de Hobbes, reina o tal direito natural em que não há ainda leis civis, e nesta
ausência de leis, há também a ausência da nossa ideia comum de justiça ou injustiça.
Também não há propriedade, pois os homens detêm apenas o que conseguem por
meio dos conflitos e do uso da força, e somente pelo tempo que conseguem preservar
este bem. Neste estado de natureza, os homens devem obedecer somente a uma lei
natural, aquela que prega a proibição de destruição da vida ou de obstrução dos meios
para preservá-la. Aqui, é crucial notar a diferenciação hobbesiana entre direito e lei: ao
direito natural, que garante a liberdade de uso da força para obtenção dos meios para
a própria vida, impõe-se a lei natural, regra que impede a destruição da vida de outro.
Disso resulta que, para sua preservação, os homens devem se direcionar para a paz
seguindo a lei natural, mas esta lei acarreta consequências: para alcançar a paz deve-
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se renunciar, quando necessário, aos próprios direitos. A tal transferência mútua entre
os direitos se chama contrato (BONJOUR, L.; BAKER, A., 2010).
Dessa forma, há um equilíbrio entre o direito natural do homem – que lhe assegura
o direito a tudo o que puder obter e enquanto puder conservar – e a lei natural – que
impede a destruição da vida alheia. Dessa lei natural surge como derivação o fato de
que, para a conservação da vida, os homens devem cessar o estado de guerra, o que
o fazem com a transferência de direitos num pacto que dá origem ao corpo político.
Surge aqui, pela primeira vez, a ideia de um contrato social.
Podemos então estabelecer o Estado como o elemento que assegura, pelo seu poder,
o cumprimento do pacto, sendo este que marca o surgimento da justiça, da injustiça e
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até mesmo da propriedade – antes os homens possuíam bens mediante uso da força
e enquanto conseguissem preservá-los, mas agora possuem uma garantia efetiva.
Dito de outra forma, o Estado tem como causa e fim a preservação da vida mediante à
cessão mútua de direitos no pacto, que soluciona a desordem do estado de natureza
e instaura, mediante leis, as ideias de justiça, injustiça e da propriedade.
Locke
No conteúdo anterior tratamos da teoria empirista de John Locke (1632-1704) a
propósito da teoria do conhecimento. Vimos como Locke, contrário ao inatismo,
considera a experiência o ponto de partida fundamental para o conhecimento, e
brevemente indicamos que esta concepção tinha também implicações no campo
da filosofia política, ao firmar oposição ao inatismo significava também opor-se ao
absolutismo e às doutrinas que pregavam um poder soberano de atribuição divina.
Locke expressou tais pensamentos, sobretudo, em “Dois tratados sobre o governo
civil”.
Para Locke, o poder não seria uma dádiva divina eterna, transmitido entre gerações, e
sim surgiria de um pacto entre os homens, tal como Hobbes já afirmava. Entretanto,
enquanto Hobbes afirmava que o pacto ocorreria no momento em que os homens
se encontravam no estado natural de guerra, Locke pensava num estado de natureza
caracterizado pelo direito natural à vida, à liberdade e aos bens, um estado que não
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se caracterizava por guerras permanentes. O conflito poderia ocorrer quando havia
não observância destes direitos naturais e, por isso, foi necessário que os homens se
unissem no contrato social, aqui considerado como um pacto entre indivíduos, entre
partes iguais, e não entre um soberano e os súditos, sem cessão de direitos a um
soberano. Com isso, a configuração do poder do Estado não é absoluta, mas limitada,
como se mostra na divisão dos poderes.
Locke defendeu que o poder derivava do contrato social estabelecido entre o homem
e o Estado e neste sentido, os poderes dividiam-se em:
Rousseau
A exemplo de Hobbes e Locke, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) também
compartilha do pensamento jusnaturalista e contratualista, mas para entendermos a
especificidade de suas teses, temos de mencionar outras obras de sua autoria.
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Em 1749, Rousseau participa do concurso da Academia de Dijon sobre o tema “o
progresso das ciências e das artes contribui para corromper ou apurar os costumes”.
Podemos dizer que este foi o despertar de sua carreira intelectual pública, que escreve
como resposta o “Discurso sobre as Ciências e as Artes” e, para um segundo concurso,
outra obra de grande importância, o “Discurso sobre a Origem da Desigualdade”.
Embora nosso foco em relação a Rousseau seja a obra “Do Contrato Social”, os dois
Discursos supracitados são importantes, pois ali, sobretudo no que trata da origem
da desigualdade, Rousseau explana outros pressupostos presentes em “Do Contrato
social”, como a relação entre a humanidade e a natureza e a bondade natural do
homem, que veremos com mais detalhes a seguir.
A obra “Do Contrato Social” parte da ideia do estado de natureza que já havíamos
visto com Hobbes e Locke. Ao contrário de Hobbes, Rousseau considera o estado de
natureza como um estado pacífico de plena liberdade entre os homens, que seguiam o
domínio dos sentimentos e das necessidades naturais. Assim, suas ações se guiavam
pelas necessidades naturais como as de comida e de sexo, sem, entretanto, gerar
conflitos, pois se por um lado os homens seguiam o instinto de preservação, por outro
eram acompanhados de um sentimento inato de piedade, que os impedia de atentar
contra a vida ou de causar mal aos outros. Este estado de natureza é rompido com
o surgimento da propriedade, ponto em que se inicia a civilização, que representa a
corrupção e o declínio da bondade natural.
Curiosidade
A concepção de Rousseau do estado natural como um estado
de liberdade, abordada também no “Discurso sobre a origem da
desigualdade”, caracterizou a tese do bom selvagem, do homem
primitivo como bondoso, que se corrompe pela sociedade.
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A liberdade à qual se refere esta passagem não diz respeito à liberdade
perfeita ou natural (ausência de entraves externos), mas sim à liberdade
como autonomia moral e política, recém-conquistada mediante o ingresso
do homem em sociedade (QUINTANA, 2014, p. 142).
Note aqui a importância deste termo para Rousseau – a liberdade é inalienável, é mais
que um direito, é um dever dos homens preservá-la, pois é na liberdade que consiste
a sua humanidade. O contrato é a forma de preservar a liberdade quando todos os
homens decidem de comum acordo abrir mão de seus direitos em prol do coletivo.
Tem lugar aqui a teoria rousseauniana da vontade geral: com o contrato, os homens
transferem suas vontades particulares para a vontade geral, mediante a alienação
total que é pressuposta para o contrato funcionar.
Há ainda um ponto a ser mencionado que contribui para a comparação dos três
contratualistas aqui abordados: a relação com a religião. No contrato social de
Rousseau, há espaço garantido para a religião, entendida como uma religião civil.
Hobbes também considera uma ligação entre religião, sob a forma da Igreja, e o
Estado. Locke, por sua vez, ficou conhecido por abordar a tolerância religiosa.
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Figura 4 - Revolução Francesa
Fonte: Plataforma Deduca (2018).
Liberalismo e os contratualistas
Vamos tratar aqui do contratualismo, enquanto resposta à legitimação da autoridade
do Estado, como um tipo de pensamento inovador na história da filosofia. Até então,
as discussões filosóficas do período medieval concentravam o estudo principalmente
sobre temas envolvendo Deus, Universo e o homem. No entanto, durante esse período,
as teorias desenvolvidas serviram também para sedimentar e fortificar a separação
entre a Igreja e o Estado. Desse modo, toda a estrutura interna do Estado passou a
ser contemplada progressivamente pelo ponto de vista da sua racionalidade, ou seja,
examinava-se sua capacidade como entidade soberana em comparação com o ideal
jusnaturalista.
Em todos os casos aqui estudados há uma mesma estrutura: o contrato social opera
a passagem de um estado de natureza ao estado civil, de modo que o contrato é
o momento de criação da sociedade civil. A diferença reside em como os autores
concebem o estado de natureza e as possibilidades de ação deste estado de natureza,
isto é, o que ao homem era permitido fazer: o direito natural.
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Para Hobbes, o estado de natureza é um período hipotético em que os homens viviam
isolados, mas estabeleciam relações de guerra no desfrute de seus direitos naturais,
como o de manutenção da própria vida, usando para tanto os meios que fossem
necessários, como a força. Oposto a isto, para Rousseau, o estado de natureza
também seria uma suposição no qual os homens também viviam isolados, mas em
liberdade até o momento em que alguns tomam para si a propriedade. Sendo este o
ponto em que se origina a necessidade do contrato social, de modo que a história da
humanidade não é a saída do estado natural de guerra para a entrada na vida civil e
sim o declínio do estado natural e a queda na humanidade degenerada.
Como uma espécie de meio termo entre estas duas concepções, para Locke o estado
de natureza caracterizava um período pacífico, em que os homens gozavam dos
direitos naturais da liberdade e da propriedade, esta última, adquirida pelos homens
com o trabalho. Desta forma, vale observar quais são os direitos originários para cada
um. Em Hobbes e Rousseau, o homem tem naturalmente direito à vida e à liberdade,
mas não à propriedade, pois o direito à propriedade é um direito civil, assegurado
com a existência das leis. Já com Locke, ao lado do direito à vida e à liberdade, a
propriedade também seria um direito natural, que se caracterizaria pelo trabalho.
Ora, mas como defender que a propriedade seja um direito natural? Segundo a
argumentação de Locke, inicialmente o mundo foi dado aos homens e tudo o que
vinha da natureza a eles pertencia em comum. Entretanto, como a natureza em seus
produtos estava ao dispor de todos os homens, ela podia pertencer também a algum
homem em particular na medida em que o indivíduo se aplicasse ao trabalho para
obtenção do bem almejado. Neste ato de obtenção, o homem exerceria seus direitos
naturais à liberdade e à vida, o que, engloba, por exemplo, a alimentação, assim, ao
se apropriar de um alimento para se nutrir, o homem age de acordo com seu direito
natural e para tanto emprega um trabalho, o que caracteriza o bem como seu.
Com isso, a partir dos direitos naturais, é possível pensar a caracterização do próprio
Estado: com Locke, o Estado não é um poder absoluto e, inclusive, pode ser revogado
pelos indivíduos que compõem a sociedade política, de modo que o pensador concebe
a possibilidade de dissolução do governo em determinados casos. Ao Estado fica,
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dentre suas funções, a de defender a propriedade burguesa, que já era direito dos
homens, mas sem intervir na economia, que seria regulada pelos próprios homens na
sociedade civil. Aqui está a origem da doutrina liberal que prega o individualismo e o
mínimo de intervenção do Estado na economia.
Reflita
Você consegue imaginar o estado de natureza? Para você, como
se caracterizaria tal estado? Seria um estado hipotético ou factual,
de guerra ou pacífico? Viveriam os homens isoladamente ou em
grupos?
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Conclusão
Neste conteúdo, ampliamos nosso conhecimento relacionado à filosofia moderna, no
qual os principais pontos estudados foram:
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Saiba mais
Na coletânea de artigos “A sociedade contra o Estado”, o antropólogo
Pierre Clastres relata outro tipo de organização social, distinta do
Estado, a partir da pesquisa de tribos indígenas sul-americanas.
Clastres relata que tais sociedades “sem estado” possuem um
poder, como o dos pajés, mas tanto o significado deste poder,
com suas consequências, quanto o modo pelo qual este poder
é atribuído são muito característicos. Sobre as implicações da
investigação de Clastres para a filosofia, você pode conferir o artigo
“Filosofando com a chefia indígena”, de André Magnelli, disponível
em:
https://www.academia.edu/31965553/_3_Pierre_Clastres_
Filosofando_com_a_Chefia_Ind%C3%ADgena.
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Referências
BONJOUR, L; BAKER, A. Filosofia: textos fundamentais comentados. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
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