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Filosofia Moderna e

Política
Rosana de Oliveira
Filosofia Moderna e Política

Introdução
O estudo da filosofia moderna nos permite diferentes pontos de vista, entre eles o
da filosofia política. Isso não significa que a filosofia política surja neste momento
histórico, pelo contrário, ela já estava presente desde as concepções da filosofia grega
clássica, mas com a filosofia moderna, adquire outro tipo de tratamento, mais relevante
para nós. Ao tratar da filosofia política, o enfoque aqui será um elemento tão presente
na nossa vida que, por vezes, nos esquecemos até de que não é um dado natural: o
Estado. Mas se o Estado não é natural, o que há – se é que há algo – de natural na
vida política dos homens? Com Hobbes, Locke e Rousseau veremos algumas teorias
sobre o direito natural, a origem, o papel e a necessidade do Estado, bem como certas
relações que ele estabelece, como no liberalismo.

Objetivos da Aprendizagem
• compreender a formação e a legitimação do Estado nas teorias contratualistas.
• contrastar as diferentes concepções de estado de natureza das teorias
contratualistas.
• distinguir as teorias contratualistas de Hobbes, Locke e Rousseau.
• contextualizar o liberalismo nas teorias contratualistas.

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Hobbes
A filosofia política não surge na filosofia moderna. O que ocorre aqui é que a discussão
toma um caráter mais determinado, que só é possível pelos desenvolvimentos
anteriores a ela. A política tinha espaço nos escritos desde os gregos clássicos, mas
tanto nestes como nos medievais, com os grandes tratados, a questão se concentrava
mais em como efetivar a felicidade em comunidade, isto é, em um ideal e em formas
de organização para a boa vida em sociedade. O grande marco para a filosofia política
ocorre um pouco antes de Hobbes, o pensador de nosso conteúdo, mas o influencia,
bem como a todo o estudo posterior da filosofia política. Trata-se da obra “O Príncipe”,
de Maquiavel (1469-1527), surgida como um presente de Maquiavel a Lourenço II de
Médici.

Figura 1 - Estátua de Maquiavel em uma galeria em Florença


Fonte: Plataforma Deduca (2018).

Assim, antes de iniciarmos nosso tratamento proposto, temos de retroceder um


pouco, até ao século XV, para entender o diferencial de Maquiavel e o porquê de sua
importância. “O Príncipe” surge num período de fragmentação da Itália, dividida em
pequenos estados nacionais e principados. Ali, Maquiavel não só acompanha como
observador e cidadão, mas toma parte ativamente deste período desorganizado, pois
assume várias funções na política de Florença com cargos internos e externos, de
relações exteriores e conflitos de guerra. Com isso, ganha a experiência que o ajuda a
formular uma obra que, agregando a prática observada, vai além dos escritos teóricos
sobre filosofia política de até então.

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Nesse sentido, a novidade de “O Príncipe” é ser um escrito que se concentra nas formas
de organização da sociedade, nas origens e fundamentos desta organização e do
poder que lhe constitui. Com atenção principal a áreas paralelas, como a filosofia da
história e a psicologia, esta obra de Maquiavel não se constitui como uma preceptiva
e ultrapassa o campo normativo. Basta ver que, em lugar de propor um tipo ideal
de Estado, ela recomenda que se considere a configuração da própria sociedade
em questão e as condições que ela oferece, de modo que, numa sociedade onde há
relativa igualdade, pode-se implantar uma república. E onde não há, deve imperar o
principado, que conseguiria controlar os possíveis conflitos da população. Também
no que toca à pessoa do estadista, em vez de ideais prontos, Maquiavel explica que
este deve ser o homem virtuoso, capaz de decidir sabiamente, mas também de atentar
às circunstâncias, à ação da fortuna, do destino.

O que permaneceu da obra de Maquiavel, no senso comum, além do aspecto


pragmático, foi o princípio, até mesmo inescrupuloso, de que “os fins justificam os
meios”, o que caracterizou inclusive a formação do adjetivo maquiavélico. Não há,
contudo, na obra do florentino, tal formulação. É preciso reconhecer que esta visão
não é unívoca. Maquiavel foi alvo de interpretações controversas, ora tomado como
defensor de tiranias e do despotismo, ora interpretado como republicano, como ocorre
a Rousseau e a Diderot. O que fica, porém, é seu importante papel na produção de
uma obra que alia teoria e prática e que dá os primeiros passos em direção à ideia da
configuração de um Estado central.

Atenção
Você sabe a diferença entre Estado e Governo? Conforme o
significado moderno, Estado caracteriza uma organização soberana
territorial, diferenciada do Governo, que é o exercício do poder.
Neste âmbito, surgem ainda as palavras soberania e soberano, que
se referem ao poder absoluto e último de uma organização política.

Enquanto Maquiavel colocava no centro de sua investigação a necessidade de um


estado forte e centralizado, Étienne de la Boétie (1530-1563) escreveu o “Discurso
sobre a servidão voluntária”, em que se questionava os motivos de os homens
voluntariamente se submeterem ao poder de um só. A partir de La Boétie, podemos
então pensar a questão do seguinte ponto de vista: por que os homens escolhem se
unir sob um poder unitário como o do Estado, isto é, como legitimar este poder ao qual
todos se submetem voluntariamente?

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Esta será uma questão observada por Thomas Hobbes (1588-1679) na obra “Leviatã”
ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil”. Em “Leviatã”, Hobbes
analisa as causas e a instituição do Estado tomando como ponto de partida uma
situação não propriamente empírica, em contraste com a experiência de Maquiavel
em Florença. Hobbes afirma que o Estado surgiria da necessidade de mediar os
conflitos de quando os homens se encontram no seu estado natural, um estado natural
hipotético.

Hobbes concebe este estado de natureza a partir da própria constituição humana:


os homens eram todos dotados de considerável igualdade de espírito, de força e de
esperança para alcançar seus bens, de modo que, quando mais de um desejava o
mesmo bem, podiam entrar em conflito. Nesse sentido, para Hobbes, o estado de
natureza era preponderantemente um estado de guerra de todos contra todos. Neste
estado natural, não há ainda um poder centralizado ou algo como um Estado ou
governo, de modo que também não há leis estabelecidas. Reina apenas o direito
natural, conforme o qual cada homem age guiado por sua razão e tem direito a tudo
que sua força alcançar.

Temos de atentar para a ideia de um direito natural, que é de extrema importância aqui.
Também conhecida pelo nome de jusnaturalismo, refere-se à uma corrente jurídico-
filosófica que afirma que os homens possuem direitos naturais fundamentados na
razão. Esta doutrina foi iniciada com Hugo Grócio e corresponde, por um lado, ao
ultrapassamento do ideal medieval que remetia a ordem do mundo a uma ordem
transcendente; com o Renascimento o foco recai sobre o indivíduo, inclusive no campo
jurídico. Nesse sentido, é possível afirmar que “é da autoconsciência do indivíduo que
vai resultar a lei” (REALE, 2002, p. 616). Como veremos a seguir, o jusnaturalismo ou
doutrina do direito natural se estende até início do século XIX e dele participaram
tanto Hobbes quanto Locke e Rousseau.

No caso de Hobbes, reina o tal direito natural em que não há ainda leis civis, e nesta
ausência de leis, há também a ausência da nossa ideia comum de justiça ou injustiça.
Também não há propriedade, pois os homens detêm apenas o que conseguem por
meio dos conflitos e do uso da força, e somente pelo tempo que conseguem preservar
este bem. Neste estado de natureza, os homens devem obedecer somente a uma lei
natural, aquela que prega a proibição de destruição da vida ou de obstrução dos meios
para preservá-la. Aqui, é crucial notar a diferenciação hobbesiana entre direito e lei: ao
direito natural, que garante a liberdade de uso da força para obtenção dos meios para
a própria vida, impõe-se a lei natural, regra que impede a destruição da vida de outro.
Disso resulta que, para sua preservação, os homens devem se direcionar para a paz
seguindo a lei natural, mas esta lei acarreta consequências: para alcançar a paz deve-

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se renunciar, quando necessário, aos próprios direitos. A tal transferência mútua entre
os direitos se chama contrato (BONJOUR, L.; BAKER, A., 2010).

Dessa forma, há um equilíbrio entre o direito natural do homem – que lhe assegura
o direito a tudo o que puder obter e enquanto puder conservar – e a lei natural – que
impede a destruição da vida alheia. Dessa lei natural surge como derivação o fato de
que, para a conservação da vida, os homens devem cessar o estado de guerra, o que
o fazem com a transferência de direitos num pacto que dá origem ao corpo político.
Surge aqui, pela primeira vez, a ideia de um contrato social.

Figura 2 - Gravura de Thomas Hobbes


Fonte: Plataforma Deduca (2018).

Nesse sentido, o cumprimento do contrato se encontra em relação com a lei natural: o


que garante o cumprimento do pacto é a efetivação da lei natural em que os homens
buscam a paz. Este ponto também marca o início da noção de justiça, ausente no
estado natural de guerra. Mas sendo o contrato uma convenção firmada entre duas
partes, a lei natural é capaz, por si só, de garantir o cumprimento do acordo?

Para Hobbes, é preciso também a participação de um poder coercitivo que deve


demonstrar, por um lado, que o não cumprimento do acordo acarreta penas que são
maiores que as possíveis vantagens obtidas pela quebra do pacto, e, por outro, que
mostre também que as vantagens de aderir ao pacto são maiores do que negá-lo. Este
poder surge com o Estado, que é, para Hobbes, o Leviatã, também definido como o
Deus mortal, resultante da união dos homens no corpo político.

Podemos então estabelecer o Estado como o elemento que assegura, pelo seu poder,
o cumprimento do pacto, sendo este que marca o surgimento da justiça, da injustiça e

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até mesmo da propriedade – antes os homens possuíam bens mediante uso da força
e enquanto conseguissem preservá-los, mas agora possuem uma garantia efetiva.
Dito de outra forma, o Estado tem como causa e fim a preservação da vida mediante à
cessão mútua de direitos no pacto, que soluciona a desordem do estado de natureza
e instaura, mediante leis, as ideias de justiça, injustiça e da propriedade.

O pacto, enquanto transferência mútua de direitos, é a concentração das diferentes


vontades em uma pessoa ou na figura da assembleia de pessoas, de modo que a
instituição do Estado é mais do que o consentimento, é a unidade real, mesmo que o
Estado se personifique em uma só pessoa, como pode ocorrer. Seja no caso da união
da multidão em uma só pessoa, seja no de uma assembleia de pessoas, o portador do
poder é chamado soberano, e os demais, súditos.

Hobbes estabelece vários aspectos da essência da soberania, como o fato de que


esta deve determinar as regras para a propriedade, as leis civis e jurídicas, e ainda
os assuntos exteriores, como guerras com outras nações. Também pela soberania
explica a diferença de governos: quando há soberania de uma só pessoa, temos uma
monarquia; na soberania de uma assembleia de todos, há uma democracia ou governo
popular. No caso da soberania de uma assembleia de poucos, trata-se da aristocracia;
já a oligarquia e a tirania seriam nomes pejorativos para estas formas descritas. Em
todos os casos, porém, vemos um mesmo poder agindo a partir daquela transferência
de direitos que ocorre no momento do contrato.

Locke
No conteúdo anterior tratamos da teoria empirista de John Locke (1632-1704) a
propósito da teoria do conhecimento. Vimos como Locke, contrário ao inatismo,
considera a experiência o ponto de partida fundamental para o conhecimento, e
brevemente indicamos que esta concepção tinha também implicações no campo
da filosofia política, ao firmar oposição ao inatismo significava também opor-se ao
absolutismo e às doutrinas que pregavam um poder soberano de atribuição divina.
Locke expressou tais pensamentos, sobretudo, em “Dois tratados sobre o governo
civil”.

Para Locke, o poder não seria uma dádiva divina eterna, transmitido entre gerações, e
sim surgiria de um pacto entre os homens, tal como Hobbes já afirmava. Entretanto,
enquanto Hobbes afirmava que o pacto ocorreria no momento em que os homens
se encontravam no estado natural de guerra, Locke pensava num estado de natureza
caracterizado pelo direito natural à vida, à liberdade e aos bens, um estado que não

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se caracterizava por guerras permanentes. O conflito poderia ocorrer quando havia
não observância destes direitos naturais e, por isso, foi necessário que os homens se
unissem no contrato social, aqui considerado como um pacto entre indivíduos, entre
partes iguais, e não entre um soberano e os súditos, sem cessão de direitos a um
soberano. Com isso, a configuração do poder do Estado não é absoluta, mas limitada,
como se mostra na divisão dos poderes.

Locke defendeu que o poder derivava do contrato social estabelecido entre o homem
e o Estado e neste sentido, os poderes dividiam-se em:

• Executivo: destinado a garantir o cumprir da lei;


• Legislativo: seria o poder supremo do Estado e responsável pela elaboração
das leis;
• Federativo: responsável por estabelecer alianças com outros países e pes-
soas, além de cuidar de decisões estratégicas como relativas à paz e à guerra.

Tal divisão de poderes também foi, posteriormente, objeto de investigação de


Montesquieu (1689-1755), mas com Locke adquire características que resultarão na
fundação do liberalismo, como veremos mais à frente.

Rousseau
A exemplo de Hobbes e Locke, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) também
compartilha do pensamento jusnaturalista e contratualista, mas para entendermos a
especificidade de suas teses, temos de mencionar outras obras de sua autoria.

Figura 3 - Gravura de Rousseau


Fonte: Plataforma Deduca (2018).

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Em 1749, Rousseau participa do concurso da Academia de Dijon sobre o tema “o
progresso das ciências e das artes contribui para corromper ou apurar os costumes”.
Podemos dizer que este foi o despertar de sua carreira intelectual pública, que escreve
como resposta o “Discurso sobre as Ciências e as Artes” e, para um segundo concurso,
outra obra de grande importância, o “Discurso sobre a Origem da Desigualdade”.
Embora nosso foco em relação a Rousseau seja a obra “Do Contrato Social”, os dois
Discursos supracitados são importantes, pois ali, sobretudo no que trata da origem
da desigualdade, Rousseau explana outros pressupostos presentes em “Do Contrato
social”, como a relação entre a humanidade e a natureza e a bondade natural do
homem, que veremos com mais detalhes a seguir.

A obra “Do Contrato Social” parte da ideia do estado de natureza que já havíamos
visto com Hobbes e Locke. Ao contrário de Hobbes, Rousseau considera o estado de
natureza como um estado pacífico de plena liberdade entre os homens, que seguiam o
domínio dos sentimentos e das necessidades naturais. Assim, suas ações se guiavam
pelas necessidades naturais como as de comida e de sexo, sem, entretanto, gerar
conflitos, pois se por um lado os homens seguiam o instinto de preservação, por outro
eram acompanhados de um sentimento inato de piedade, que os impedia de atentar
contra a vida ou de causar mal aos outros. Este estado de natureza é rompido com
o surgimento da propriedade, ponto em que se inicia a civilização, que representa a
corrupção e o declínio da bondade natural.

Curiosidade
A concepção de Rousseau do estado natural como um estado
de liberdade, abordada também no “Discurso sobre a origem da
desigualdade”, caracterizou a tese do bom selvagem, do homem
primitivo como bondoso, que se corrompe pela sociedade.

Com a propriedade e a iminência da perda da liberdade originária, o contrato social


surge como a forma de manutenção da liberdade, tornada agora de outro tipo: a
civil. Trata-se de um momento essencial dada a relevância do termo liberdade para
Rousseau:

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A liberdade à qual se refere esta passagem não diz respeito à liberdade
perfeita ou natural (ausência de entraves externos), mas sim à liberdade
como autonomia moral e política, recém-conquistada mediante o ingresso
do homem em sociedade (QUINTANA, 2014, p. 142).

Note aqui a importância deste termo para Rousseau – a liberdade é inalienável, é mais
que um direito, é um dever dos homens preservá-la, pois é na liberdade que consiste
a sua humanidade. O contrato é a forma de preservar a liberdade quando todos os
homens decidem de comum acordo abrir mão de seus direitos em prol do coletivo.
Tem lugar aqui a teoria rousseauniana da vontade geral: com o contrato, os homens
transferem suas vontades particulares para a vontade geral, mediante a alienação
total que é pressuposta para o contrato funcionar.

A vontade geral não é, portanto, uma autoridade transcendente ou um poder exterior


aos homens que os obriga a obedecer às leis, mas sim fruto da vontade dos próprios
homens, de modo que, quando eles obedecem às leis, obedecem a eles mesmos, pois
são eles que integram a vontade geral. As leis têm, portanto, papel central uma vez
que são a expressão da vontade geral.

De acordo com a concepção do contrato social, o tipo de governo pensado por


Rousseau é uma democracia, pois a soberania do povo é inalienável. As outras formas
possíveis, como a monarquia ou a aristocracia, são meras funções executivas que o
soberano transfere.

Há ainda um ponto a ser mencionado que contribui para a comparação dos três
contratualistas aqui abordados: a relação com a religião. No contrato social de
Rousseau, há espaço garantido para a religião, entendida como uma religião civil.
Hobbes também considera uma ligação entre religião, sob a forma da Igreja, e o
Estado. Locke, por sua vez, ficou conhecido por abordar a tolerância religiosa.

As ideias de Rousseau foram perpetuadas em diversos sentidos, seu ideal de


liberdade teve influência decisiva na Revolução Francesa (QUINTANA, 2014), embora
“Do Contrato Social” não tivesse sido pensado por Rousseau como um programa a ser
aplicado, mas antes como uma escala. Já a visão da natureza e a oposição à visão
de mundo racional mediante a defesa da sensibilidade, da interioridade e da moral do
coração tiveram efeitos no espírito romântico, sendo Rousseau por vezes considerado
um precursor do Romantismo.

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Figura 4 - Revolução Francesa
Fonte: Plataforma Deduca (2018).

Liberalismo e os contratualistas
Vamos tratar aqui do contratualismo, enquanto resposta à legitimação da autoridade
do Estado, como um tipo de pensamento inovador na história da filosofia. Até então,
as discussões filosóficas do período medieval concentravam o estudo principalmente
sobre temas envolvendo Deus, Universo e o homem. No entanto, durante esse período,
as teorias desenvolvidas serviram também para sedimentar e fortificar a separação
entre a Igreja e o Estado. Desse modo, toda a estrutura interna do Estado passou a
ser contemplada progressivamente pelo ponto de vista da sua racionalidade, ou seja,
examinava-se sua capacidade como entidade soberana em comparação com o ideal
jusnaturalista.

Em todos os casos aqui estudados há uma mesma estrutura: o contrato social opera
a passagem de um estado de natureza ao estado civil, de modo que o contrato é
o momento de criação da sociedade civil. A diferença reside em como os autores
concebem o estado de natureza e as possibilidades de ação deste estado de natureza,
isto é, o que ao homem era permitido fazer: o direito natural.

Estado Contrato Estado


de natureza social civil

Figura 5 - Processo de passagem do estado de natureza à sociedade civil.


Fonte: Elaborada pela autora (2018).

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Para Hobbes, o estado de natureza é um período hipotético em que os homens viviam
isolados, mas estabeleciam relações de guerra no desfrute de seus direitos naturais,
como o de manutenção da própria vida, usando para tanto os meios que fossem
necessários, como a força. Oposto a isto, para Rousseau, o estado de natureza
também seria uma suposição no qual os homens também viviam isolados, mas em
liberdade até o momento em que alguns tomam para si a propriedade. Sendo este o
ponto em que se origina a necessidade do contrato social, de modo que a história da
humanidade não é a saída do estado natural de guerra para a entrada na vida civil e
sim o declínio do estado natural e a queda na humanidade degenerada.

Como uma espécie de meio termo entre estas duas concepções, para Locke o estado
de natureza caracterizava um período pacífico, em que os homens gozavam dos
direitos naturais da liberdade e da propriedade, esta última, adquirida pelos homens
com o trabalho. Desta forma, vale observar quais são os direitos originários para cada
um. Em Hobbes e Rousseau, o homem tem naturalmente direito à vida e à liberdade,
mas não à propriedade, pois o direito à propriedade é um direito civil, assegurado
com a existência das leis. Já com Locke, ao lado do direito à vida e à liberdade, a
propriedade também seria um direito natural, que se caracterizaria pelo trabalho.

Ora, mas como defender que a propriedade seja um direito natural? Segundo a
argumentação de Locke, inicialmente o mundo foi dado aos homens e tudo o que
vinha da natureza a eles pertencia em comum. Entretanto, como a natureza em seus
produtos estava ao dispor de todos os homens, ela podia pertencer também a algum
homem em particular na medida em que o indivíduo se aplicasse ao trabalho para
obtenção do bem almejado. Neste ato de obtenção, o homem exerceria seus direitos
naturais à liberdade e à vida, o que, engloba, por exemplo, a alimentação, assim, ao
se apropriar de um alimento para se nutrir, o homem age de acordo com seu direito
natural e para tanto emprega um trabalho, o que caracteriza o bem como seu.

A propriedade como direito natural, mediante o trabalho, é de vital importância para a


burguesia inglesa da época de Locke. Devemos considerar que Locke viveu no período
de fortalecimento da burguesia frente ao absolutismo, que na Inglaterra reinava com a
dinastia dos Stuart. A doutrina liberal vai ao encontro dos interesses da burguesia, pois
com este pensamento foi possível legitimar seu poder econômico e se fazer frente à
nobreza, cujos bens eram garantidos pelas relações familiares hereditariamente.

Com isso, a partir dos direitos naturais, é possível pensar a caracterização do próprio
Estado: com Locke, o Estado não é um poder absoluto e, inclusive, pode ser revogado
pelos indivíduos que compõem a sociedade política, de modo que o pensador concebe
a possibilidade de dissolução do governo em determinados casos. Ao Estado fica,

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dentre suas funções, a de defender a propriedade burguesa, que já era direito dos
homens, mas sem intervir na economia, que seria regulada pelos próprios homens na
sociedade civil. Aqui está a origem da doutrina liberal que prega o individualismo e o
mínimo de intervenção do Estado na economia.

Reflita
Você consegue imaginar o estado de natureza? Para você, como
se caracterizaria tal estado? Seria um estado hipotético ou factual,
de guerra ou pacífico? Viveriam os homens isoladamente ou em
grupos?

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Conclusão
Neste conteúdo, ampliamos nosso conhecimento relacionado à filosofia moderna, no
qual os principais pontos estudados foram:

• Com Maquiavel, a experiência política aliada ao contexto de fragmentação da


Itália, separada em pequenos e fracos estados nacionais, engendra o desen-
volvimento da necessidade de um poder centralizado, apresentado na obra “O
Príncipe”.
• Com Hugo Grócio, inicia-se uma vertente jurídico-filosófica denominada jus-
naturalismo, que afirma a existência de certos direitos, fundamentados na ra-
zão, que seriam naturais aos homens.
• Dentre os jusnaturalistas está Hobbes, para o qual os homens possuíam o
direito natural à vida usando para isso da força de que dispusessem, mas no
exercício desse direito, viviam em estado de conflito uns com os outros. A
partir disso, Hobbes formula pela primeira vez a ideia de um pacto entre os
homens que viviam até em constante estado de guerra. Este pacto de trans-
ferência mútua de direitos em prol da autopreservação se chama contrato
social e instaura um poder, o Estado.
• Com Locke, também jusnaturalista, se repete a ideia de um contrato social,
mas desta vez entre homens que não viviam em estado de guerra e sim go-
zando dos direitos naturais à vida, à liberdade e aos bens. O direito aos bens
diferencia o jusnaturalismo de Locke e estabelece que a passagem do que é
de direito comum à propriedade privada se dá pelo trabalho. Com o pacto so-
cial, o papel do Estado se delimita, na divisão dos poderes, à sua relação com
a preservação da propriedade, e as relações econômicas devem ser resguar-
dadas de seu alcance e deixadas a cargo dos próprios homens na sociedade
civil, o que estará na base da doutrina liberal.
• Com Rousseau, novamente se repete a ideia de um contrato social e de base
jusnaturalista, mas o pacto pelo qual se cria o estado civil representa um declí-
nio na vida dos homens, que no estado natural gozavam apenas da satisfação
das necessidades naturais. O conflito se instala com o surgimento da proprie-
dade e engendra a união dos homens em uma vontade geral, resultante das
vontades particulares, que dá corpo ao Estado.

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Saiba mais
Na coletânea de artigos “A sociedade contra o Estado”, o antropólogo
Pierre Clastres relata outro tipo de organização social, distinta do
Estado, a partir da pesquisa de tribos indígenas sul-americanas.
Clastres relata que tais sociedades “sem estado” possuem um
poder, como o dos pajés, mas tanto o significado deste poder,
com suas consequências, quanto o modo pelo qual este poder
é atribuído são muito característicos. Sobre as implicações da
investigação de Clastres para a filosofia, você pode conferir o artigo
“Filosofando com a chefia indígena”, de André Magnelli, disponível
em:

https://www.academia.edu/31965553/_3_Pierre_Clastres_
Filosofando_com_a_Chefia_Ind%C3%ADgena.

15
Referências
BONJOUR, L; BAKER, A. Filosofia: textos fundamentais comentados. Porto Alegre:
Artmed, 2010.

MAGNELLI. A. Pierre Clastres: Filosofando com a Chefia Indígena. Sociofilo (Co)


Laboratório de Teoria Social. 16 mar. 2017. Disponível em: https://www.academia.
edu/31965553/_3_Pierre_Clastres_Filosofando_com_a_Chefia_Ind%C3%ADgena.
Acesso em: 4 mar. 2018.

QUINTANA, F. Ética e política: da antiguidade clássica à contemporaneidade. São


Paulo: Atlas, 2014.

REALE, M. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002.

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