Moody - Penelope Ward

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Copyright © 2022.

MOODY by Penelope Ward


Direitos autorais de tradução© 2022 Editora Charme.
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mecânicos ou eletrônicos, sem a permissão prévia por escrito da editora, exceto no caso de
breves citações consubstanciadas em resenhas críticas e outros usos não comerciais
permitido pela lei de direitos autorais.
Os direitos morais do autor foram afirmados.
Este livro é um trabalho de ficção.
Todos os nomes, personagens, locais e incidentes são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com pessoas reais, coisas, vivas ou mortas, locais ou
eventos é mera coincidência.
1ª Impressão 2022
Produção Editorial e adaptação de capa - Verônica Goes
Modelo de capa - Philippe Leblond
Fotografo da capa - Leda & St. Jacques
Imagens do miolo - AdobeStock
Tradução - Laís Medeiros
Preparação e Revisão - Equipe Charme
Esta obra foi negociada por Brower Literary & Management, Inc.
Eu trabalho fazendo as pessoas se sentirem melhor, sem ter que abri-las
com um bisturi ou prescrever medicações. Isso é muito legal, na minha
opinião. Atuando como massoterapeuta itinerante, movo-me de lugar para
lugar, fazendo atendimentos em domicílio. Esse é outro aspecto que amo no
meu trabalho: nunca tenho que fazê-lo em apenas um lugar. A empresa para
a qual trabalho, Elite Massagens, tem uma sede no centro da cidade, onde
compareço uma vez por mês para abastecer meu estoque de materiais e fazer
uma conferência rápida. Naquela tarde, quando fui fazer minha visita
mensal, minha chefe, Trina, tinha uma atualização para mim.
— Então, eu acrescentei algo novo ao seu cronograma, se você puder
encaixar amanhã — ela disse.
— Onde é? — perguntei, guardando uma variedade de óleos na minha
mochila.
— Brookline. Na verdade, você foi especificamente solicitada.
Parei por um momento.
— Por quem?
— O nome dele é Dax Moody. Já ouviu falar?
Balancei a cabeça.
— Não. Nunca.
— Bem, ele tem a ficha limpa.
Trina sempre fazia uma pesquisa de antecedentes criminais nos novos
clientes, o que eu agradecia, já que ia a suas casas e frequentemente ficava
sozinha com esses estranhos.
— Também pesquisei sobre ele no Google e encontrei sua página
profissional — ela continuou. — Ele é dono de uma empresa de
investimento de capital.
Dax Moody. Hã… nada.
— Acho que alguém deve ter me recomendado para ele.
Trina gesticulou para a tela de seu celular.
— Dê uma olhada na propriedade dele. É aqui que ele mora. — Ela abriu
o Google Earth e deu zoom em uma casa. Era uma estrutura grande de
tijolos, com uma cerca preta de ferro forjado em volta.
— Uau — eu disse.
— É. Talvez você queira usar algo um pouco melhor do que a camiseta e
a calça jeans de sempre. — Ela piscou. — Sabe, caso ele seja solteiro.
— Tenho certeza de que, se ele mora em uma casa daquelas em
Brookline, não é. De qualquer forma, não importa. Não existe uma regra
sobre misturar negócios com prazer?
Ela deu de ombros e deu ainda mais zoom na casa.
— Você sabe o que dizem sobre regras.

No dia seguinte, estacionei em frente à extensa propriedade, incerta


quanto à origem das borboletas em meu estômago. Já atendera clientes
ricaços antes. Mas algo nesse trabalho parecia diferente, embora eu não
conseguisse pontuar o que era.
Brookline era uma área um pouco afastada de Boston, com uma linha de
bonde passando bem pelo centro. Por ser próxima às universidades de
Boston, a vizinhança era uma mistura de estudantes universitários e
profissionais ricos, dependendo da zona. A rua onde eu estava, em particular,
era uma das mais tranquilas, delineada por casas grandes e lindas, e não
muito longe de onde eu sabia que alguns dos jogadores de futebol americano
da National Football League de Nova Inglaterra moravam.
As folhas das árvores que rodeavam a propriedade eram de cores
variadas, evidência de que a época da folhagem de outono havia chegado
com força total. Olhando para a casa de tijolos de dois andares, notei um
Camry aparentemente antigo que parecia deslocado estacionado na entrada
de carros.
Com meus materiais dentro da bolsa pendurada no ombro, carreguei
minha maca de massagem portátil ao caminhar em direção à porta preta
enorme com uma guirlanda vibrante de folhas de outono pendurada. Toquei
a campainha e esperei ansiosamente.
Uma mulher que parecia ter quarenta e poucos anos, usando uma calça
cáqui e um suéter de gola alta bem bonito, abriu a porta. Esta deve ser a sra.
Moody.
Ela baixou o olhar para a maca que eu segurava e, em seguida, voltou a
fitar meu rosto.
— Posso ajudá-la?
Pigarreei.
— Hã, sim. Estou aqui para ver Dax Moody. Ele marcou uma massagem
ao meio-dia comigo.
Ela estreitou os olhos e deu uma pequena risada.
Isso é engraçado?
— Hã… ok. — Ela gesticulou para que eu entrasse. — Espere aqui na
antessala, por favor.
— Obrigada.
Apoiei a maca pesada no chão e me aproximei de uma grande foto
emoldurada na parede. Era uma mulher usando um vestido de noiva. O
cenário parecia ser em Las Vegas. Isso me fez perceber que a mulher que
atendeu à porta não era esposa dele; ela devia trabalhar ali. A mulher na foto
estava olhando por cima do ombro, com seus cabelos loiros e compridos
caindo em cascata por suas costas. Ela segurava um pequeno buquê de rosas
cor de lavanda. Ela era linda.
A mulher retornou, interrompendo meus pensamentos.
— Parece que você veio no horário errado. O sr. Moody disse que
marcou para uma da tarde.
Meu estômago gelou.
— Ai, nossa. Deixe-me ver. — Conferi novamente o cronograma no
celular. Ela estava certa. Como eu pude confundir? Enfiei meu celular de
volta no bolso. — Parece que confundi mesmo os horários. Mil desculpas.
Voltarei depois.
No instante em que me virei e peguei minha maca, uma voz profunda
veio por trás de mim:
— Espere.
Virei novamente e me deparei com um homem alto, lindo e sem camisa,
limpando suor da testa com uma pequena toalha branca. Ele tinha um
abdômen de tanquinho e seu corpo era espetacular.
Este é o Dax? Eu estava esperando uma pessoa mais velha. Esse cara
parecia ter saído da capa da revista GQ. Ele devia ter trinta e poucos anos,
no máximo, era bem torneado e tinha cabelos castanho-claros. Estava usando
uma calça social preta, o que era uma escolha estranha para vestir para fazer
exercícios. Sua pele bronzeada brilhava de suor.
— Podemos fazer agora — ele disse.
Engoli em seco. Pensar em passar as mãos nesse cara me deixou nervosa,
de repente. Como eu era alguém cujo trabalho consistia em tocar nas
pessoas, tentava separar as coisas. Mas, nossa, ele era sexy pra cacete. Um
aviso sobre sua aparência teria sido bom.
— Tem certeza? Eu não me importo de voltar depois. Foi culpa minha.
— Sim, eu sei. Mas você está aqui, então é melhor acabarmos logo com
isso.
Acabarmos logo com isso? Uma massagem deveria ser uma experiência
prazerosa e relaxante.
— Ok, então. Apenas me diga onde me quer.
Dax me encarou por alguns segundos antes de dizer:
— Meu escritório.
Engolindo em seco, assenti.
— Tudo bem, então.
— Deixe-me pegar isso. — Ele estendeu a mão para pegar minha maca e
seguiu pelo corredor.
Sua empregada me lançou um olhar divertido. Eu ainda não sabia por
que ela estava vendo tanta graça nisso.
Ao segui-lo, senti o cheiro de seu perfume flutuar até mim e, sem poder
evitar, admirei a definição de suas costas. Esse homem claramente se
exercitava bastante. O que me fez pensar… ele esperava que eu o
massageasse todo suado assim?
Entramos no escritório e ele disse:
— Você pode montar a sua maca aqui.
— A sua empregada parece achar a minha presença muito engraçada.
— Bom, não é muito do meu feitio pedir uma massagem. E não
mencionei a ela que você viria. Ela está sempre me dizendo que eu preciso
tentar relaxar. Então, provavelmente acha que teve influência nisso.
— Entendi. — Fiz uma pausa. — A propósito, sou Wren McCallister.
Mas você provavelmente já sabe disso, já que me solicitou.
Ignorando meu comentário, ele falou:
— Vou tomar um banho rápido enquanto você monta a sua maca.
— Ok. — Sorri.
Grata por ficar sozinha por um momento, e por não ter que massagear
uma pessoa suada, soltei uma respiração pela boca e olhei em volta. Puta
merda. Um lado do cômodo continha uma estante de livros com prateleiras
que preenchiam quase toda a extensão da parede. Sua mesa de madeira
estava coberta de pilhas de papéis. As janelas largas permitiam a entrada de
muita luz do sol e forneciam uma linda vista das folhas coloridas do lado de
fora. Um tapete vibrante, que parecia persa, cobria a maior parte do piso.
Esse escritório tinha praticamente o mesmo tamanho de metade da minha
casa.
Após desdobrar minha maca e posicioná-la em um canto, remexi em
minha seleção de óleos, contemplando qual seria mais adequado para ele.
Qual desses aromas significava sombriamente intimidante? Decidi pelo de
baunilha ― suave e misterioso.
Cerca de dez minutos depois, Dax retornou. Ele não disse nada, ficou
apenas olhando para mim. Seu cabelo estava úmido, e ele agora usava uma
camiseta branca que delineava seu peito musculoso como uma luva.
Também estava usando a mesma calça preta de antes, ou talvez fosse outra
parecida.
O som da partida de um carro chamou minha atenção para a janela. O
veículo que estava estacionado em frente à casa estava dando ré. Era a
empregada indo embora? Se esse fosse mesmo o caso, significava que Dax e
eu provavelmente estávamos sozinhos agora. Não ouvi mais ninguém pela
casa. Sua esposa devia estar no trabalho, ou talvez estivesse fazendo alguma
coisa na rua. Eles tinham filhos? Comecei a me perguntar se teria que me
preocupar com essa tarefa, considerando seu temperamento estranho. Ele
não parecia feliz com a minha presença.
— Podemos começar? — forcei as palavras a saírem.
Ele deu alguns passos em minha direção e cruzou os braços
impressionantes.
— Não sei.
— Não sabe?
— Estou com dúvidas quanto a isso — ele disse.
Pisquei.
— Quanto à minha presença?
— Sim, quanto à massagem. Acho que pode ter sido um erro.
Qualquer apreensão que senti quanto a estar sozinha com ele se dissipou
ao me dar conta de que ele estava hesitante.
Estou tão confusa.
— Você já recebeu uma massagem antes?
— Não. — Ele desviou o olhar para a janela e, em seguida, voltou a
atenção para mim. — Nunca recebi.
Engoli em seco.
— Bom, é bem simples. Você só tem que deitar de bruços e eu assumo a
partir daí. Você não tem que fazer nada.
— Bom, eu tenho que abrir mão do controle.
— Mas essa é a ideia.
— Não sou bom nisso. — Ele inclinou a cabeça para o lado. — O que
você faz, exatamente?
— Eu… fico de pé ao seu lado e massageio a sua pele com as mãos para
relaxar alguns dos nós de tensão nos seus músculos.
Ele balançou a cabeça.
— Não. Quis perguntar o que você faz. Esse é o seu trabalho em tempo
integral?
Isso é um insulto?
— Sim. Fiz curso de massoterapia depois da faculdade, e ganho bem. Ser
massoterapeuta não é somente um trabalho extra. É uma carreira incrível e
satisfatória por si só — eu disse, na defensiva.
— Não quis insinuar que não era. — Ele ficou remexendo em seu
relógio, que parecia ser mais caro que o meu carro.
Soltei uma respiração pela boca.
— Eu tenho outras aspirações, mas isso paga as contas e me permite
guardar dinheiro. Atualmente, estou economizando para uma viagem para a
Europa.
— Entendo. — Ele ficou olhando pela janela, quase como se quisesse
fugir.
Qual é o problema desse cara?
— Olha… eu posso ir embora, se você não estiver confortável.
— Não. — Ele caminhou até um armário e retirou de lá uma garrafa
contendo algum tipo de bebida alcoólica. — Eu só preciso aliviar um pouco
a tensão. — Ele serviu um copo do líquido de cor âmbar para si.
Fitei suas mãos grandes e masculinas.
— Bom, é a primeira vez que isso acontece.
— Isso o quê? — ele perguntou.
— É a primeira vez que um cliente precisa relaxar antes de uma
massagem relaxante. — Quando dei risada, acabei emitindo um ronco pelo
nariz.
Ele estreitou os olhos.
— Que droga foi essa?
— Desculpe. Não quis fazer esse barulho. Isso acontece, às vezes,
quando estou nervosa. Simplesmente sai.
— Por que você está nervosa?
— Talvez a sua atitude esteja me contagiando.
Ele bebeu o líquido de uma vez e bateu o copo sobre a mesa em seguida.
— Desculpe. Eu não sei como relaxar. É a minha natureza. Até mesmo
quando eu deveria estar relaxando… pensar em relaxar me deixa estressado.
Assenti.
— Isso é real. Chama-se ansiedade induzida por relaxamento.
Ele deu risada.
— Obrigado pelo diagnóstico.
— Eu costumava ser como você. Tinha ataques de pânico com a quietude
quando tentava meditar.
Ele lambeu a lateral da boca.
— Acho que isso cancela o propósito.
— Exatamente. E ter que me sentar e ficar parada, como na cadeira do
salão de beleza ou do dentista, também me dava pânico quando eu era mais
nova.
— Mais nova? Você é bem jovem. Há quanto tempo trabalha com
massagem? — ele perguntou.
— Alguns anos.
— O que te fez querer seguir esse caminho?
— Eu queria fazer as pessoas se sentirem bem. E esse trabalho nunca me
deixa entediada. Nunca tenho que estar em um lugar só.
— O pagamento é bom? Você fica com quanto do valor do serviço?
Estreitei os olhos.
— Você faz muitas perguntas.
— Bom, talvez eu precise me sentir confortável com você antes de deixá-
la colocar as mãos em mim.
Por alguma razão, aquele comentário me pareceu errado. Me deixar
colocar as mãos nele? Como se fosse um privilégio? (Como se ele pudesse
ler a minha mente e sentir a minha atração? Aff.)
Aumentei meu tom de voz.
— Achei que tivesse dito à empresa que alguém me recomendou. Por
que está tão apreensivo?
— Ok. — Ele suspirou, esfregando o rosto com uma das mãos. — Vamos
acabar logo com isso. O que devo fazer?
Jesus. Ele é tenso demais.
— Tire a camiseta e deite-se de bruços sobre a maca. Você pode ficar de
calça ou tirá-la, como preferir.
Ele soltou uma risada gutural.
— Tirar a minha calça?
— Sim. Esse é o costume, na verdade. Mas a escolha é sempre do
cliente. Posso sair do escritório, se quiser, enquanto você tira a roupa. Há
uma toalha para você se cobrir. Mas também pode permanecer de calça.
— Vou permanecer de calça, obrigado.
— Ok. Contanto que se certifique de retirar essa vara que tem enfiada na
bunda, de um jeito ou de outro.
Ele me lançou um olhar irritado, mas, por fim, abriu um sorriso pequeno.
Dei risada.
— Falando sério, apenas respire. Isso é tudo com que precisa se
preocupar agora. — Inspirei fundo, seguindo meu próprio conselho.
Dax puxou sua camiseta pela cabeça lentamente, oferecendo-me uma
visão de seus músculos sarados mais uma vez. Seu corpo parecia não ter
nenhuma parte flácida. Desviei o olhar de repente quando percebi que estava
admirando-o demais.
Em seguida, ele se deitou de bruços sobre a maca e, segundos depois,
ouvi o barulho dos passos de patas no piso e o tilintar de uma coleira de
metal vindo do corredor.
Um sheepdog inglês enorme empurrou a porta e entrou no escritório,
começando a latir sem parar ao me ver. E então, ele pulou sobre a maca e
pousou nas costas de Dax.
— Que droga, Winston! — Dax gritou.
Eu nem sabia que um cachorro tão grande conseguia pular tão alto assim.
O animal me lançou um olhar zangado. Essa casa está cheia de pessoas
acolhedoras.
— Olá — eu disse, sem jeito.
Ele rosnou. Parecia que o cachorrinho era tão estranho quanto seu dono.
— Saia de cima de mim, sua bola de pelos! — Dax grunhiu.
O cachorro continuou rosnando para mim enquanto eu cobria minha boca
para segurar a risada.
— Por que ele está tão bravo? — perguntei, tentando abafar minha
diversão.
— Ele é extremamente protetor. Estava tirando uma soneca lá em cima
quando você chegou. Achei que continuaria dormindo. Não pensei que ele
poderia descer, mas deveria ter imaginado.
Dax sentou-se e, de algum jeito, tirou o cachorro enorme de cima dele.
Ele desceu da maca.
— Volto já — ele disse, guiando Winston para fora do escritório e
levando-o pelo corredor. O som da coleira desapareceu ao longe.
Ficando sozinha por um momento, soltei o ar e perambulei até uma
prateleira que continha coisas variadas, incluindo uma concha do mar branca
grande que parecia completamente deslocada, diante da vibe masculina de
todo o cômodo. Era linda. Lembrando-me do que a minha mãe me dissera
quando eu era pequena, peguei a concha e a coloquei contra a orelha na
tentativa de ouvir “o mar”. Ao me deparar com o barulho que ressoava de
dentro dela, fechei os olhos e sorri.
— Por favor, não toque nisso — Dax falou por trás de mim.
Sobressaltada por seu tom abrupto, agitei-me, e a concha escorregou dos
meus dedos e se estilhaçou no chão.
Ele soltou um grito estridente.
Minhas mãos tremeram.
— Eu sinto muito… eu… — Abaixei-me para recolher os pedaços, mas
ele correu até mim para me impedir.
— Não toque em nada! — Seu tom era áspero.
— Por quê? A culpa foi minha — insisti.
— Levante-se, por favor — ele comandou em um tom ainda mais severo.
Com o rosto queimando de constrangimento, encarei a bagunça. Foi aí
que percebi que havia caído algo de dentro da concha. Era um saco plástico
cheio de… cinzas.
Levantei-me devagar e apontei para o chão.
— O que é aquilo?
Ele ergueu o olhar para encontrar o meu, e, após vários segundos,
finalmente respondeu:
— Minha esposa.
Trina ficou balançando a cabeça.
— Nem sei o que dizer.
— Não há o que dizer. Não há palavras para isso. Faz uma semana, e
ainda não sei como descrever direito o que aconteceu.
Eu havia acabado de contar à minha chefe a minha experiência estranha
com Dax Moody, começando por sua relutância em me deixar chegar perto
dele e terminando com o horror de ter derrubado a concha que guardava as
cinzas de sua esposa. Felizmente, embora a concha tivesse quebrado, as
cinzas permaneceram seguras dentro do saco plástico fechado ― diferente
das minhas entranhas, que pareciam ter saltado de mim e se espatifado por
toda parte. Eu não conseguia imaginar como me sentiria se aquelas cinzas
não estivessem protegidas, se, Deus me livre, elas tivessem se espalhado
pelo chão. Talvez eu fosse precisar de terapia.
— Então, como ficaram as coisas antes de você sair de lá?
— Depois que ele recolheu os pedaços da concha, sem me deixar tocar
em nada, disse que sua esposa falecera de repente há cerca de um ano e
meio. Ele não me deu mais detalhes sobre o que acontecera. Nós dois
concordamos que seria melhor eu ir embora, então foi o que fiz logo depois
de usar o banheiro rapidamente, já que tinha quase feito xixi nas calças.
Trina franziu a testa.
— Nossa. Isso é tão triste.
— Eu quase ter feito xixi nas calças?
— Bom, isso também, mas principalmente a esposa dele ter morrido. E
isso explica o comportamento territorial do cachorro.
— Aham. Winston provavelmente pensou “Quem diabos é essa vadia
tocando o marido da minha dona?”. — Balancei a cabeça. — Quando entrei
lá, pensei que Dax fosse apenas um babaca ranzinza. Mas, cara, até o
momento em que fui embora, pude entender por que ele agiu tão retraído.
Quer dizer, perder a esposa tão jovem assim…
O tempo que passei na casa de Dax estava me assombrando. Mal pensava
em outra coisa além do que acontecera naquele dia. Eu ainda tinha tantas
perguntas, para as quais eu nem ao menos tinha o direito de obter respostas.
Como ela morrera? Ele se sentia solitário? Eu queria que ele tivesse me
deixado massageá-lo, para que pudesse escapar da realidade por um
tempinho. No entanto, eu estava aliviada por não ter tido a oportunidade de
estragar isso também.

Naquela noite, eu estava na cozinha com o meu pai. Costumávamos


sentar à mesa abrindo pistaches e assistindo ao programa Jeopardy! quando
ele não tinha que trabalhar no turno da noite na fábrica.
Eu não tinha vergonha alguma de ainda morar na casa do meu pai aos 24
anos. Havia bastante espaço em nossa casa, e nos dávamos muito bem. Não
fazia sentido gastar minhas economias em um aluguel. Meu pai não queria
ficar sozinho, e eu o ajudava cozinhando, limpando e fazendo compras no
mercado. Então, era vantajoso para nós dois. Eu ganhava o suficiente para
ter meu próprio apartamento, mas isso me ajudava a economizar para uma
viagem que eu pretendia fazer para fora do país. Tinha quase certeza de que
seria para a Europa. Ainda não havia decidido o local exato, mas sabia que
queria explorar novos territórios em algum momento antes dos trinta anos.
Ainda tinha um tempo para decidir.
— Acho que isso pode te interessar. — Meu pai me entregou um
panfleto. — Chegou pelo correio hoje.
Era da faculdade onde estudei, a Faculdade de Música de Boston,
anunciando um programa feito para ex-alunos para dar aulas de música na
França. Na parte da frente, havia uma foto de uma mulher segurando um
trombone, rodeada por crianças no que parecia ser um campo. O panfleto
incluía as informações sobre como acessar a inscrição on-line.
— Hum… — Meus olhos se iluminaram. — Eu com certeza vou dar
uma olhada.
— Imaginei que faria isso. — Ele sorriu. — Só terei que descobrir como
lidar com a minha preocupação com você tão longe.
— Eu não ficaria tão confiante assim, se fosse você.
Ele quebrou e abriu um pistache.
— Pense positivo.
Meu celular apitou com uma notificação do aplicativo de agendamento
da Elite Massagens. Um trabalho havia sido adicionado à minha lista. Meu
coração quase parou quando conferi a atualização.
— O que houve? — meu pai perguntou.
Uma onda de calor me percorreu.
— Eu… acabei de receber uma mensagem do trabalho marcando uma
nova massagem para amanhã à noite.
— Está tudo bem?
Eu compartilhava quase tudo com o meu pai, mas ainda não tinha lhe
contado essa história e não queria ter que explicá-la agora. Então, eu
simplesmente disse:
— Sim.
É claro que o que me surpreendeu não foi o trabalho. Foi a pessoa que
agendou a massagem.
Dax Moody.

Já estava escurecendo quando estacionei em frente à casa de Dax na


quarta-feira. Ouvi Winston latindo antes mesmo da porta se abrir. Para
minha surpresa, foi o próprio Dax que me recebeu, não a empregada, como
na outra vez.
Dax me ofereceu um aceno de cabeça.
— Olá, Wren. — Ele afastou-se para o lado. — Entre. Está frio.
— Onde está Winston? — perguntei. Estava esperando que ele viesse
correndo me atacar.
— Eu o coloquei em outro cômodo por enquanto, para que não a
incomode. Tenho uma área fechada por uma grade.
— Tudo bem. Posso lidar com a antipatia dele.
— Deixe-me pegar isso. — Ele estendeu a mão para minha maca.
Dei mais alguns passos para dentro da casa.
— Tenho que admitir que não estava esperando que você fosse me
chamar de novo.
Os lábios de Dax se contorceram.
— Senti que precisava me desculpar.
— Você precisa se desculpar? O que eu fiz foi imperdoável.
Ele balançou a cabeça.
— Você não sabia. E foi um acidente. Mas senti que você estava
chateada quando foi embora. Então, eu queria me desculpar pela minha
reação ríspida.
Olhei em volta.
— Por que marcar outra massagem para me pedir desculpas? Você
poderia ter me mandado uma mensagem através da empresa.
— Bom, eu ainda preciso de uma massagem. Então, pensei em matar
dois coelhos com uma cajadada só. — Ele fez uma pausa. — Infelizmente, a
massagem também não poderá acontecer esta noite, como eu havia
planejado. Surgiu uma coisa de última hora, e não tive a chance de cancelar
antes de você chegar.
— O que aconteceu?
— Shannon, minha governanta, teve que ir embora cedo, e Rafe não está
se sentindo bem.
— Rafe? — Inclinei a cabeça, fingindo não saber quem era. Depois da
última vez em que estive ali, li o obituário de sua esposa, que dizia que ela
havia deixado um filho.
Antes que Dax pudesse responder, um garoto desceu as escadas. Ele
parou no último degrau e olhou para mim. Parecia ter uns doze ou treze
anos.
Ergui a mão em um aceno.
— Olá.
— Rafe, esta é Wren — Dax disse.
Em vez de me cumprimentar, o garoto passou direto por nós,
atravessando a antessala.
Dax pigarreou.
— Ele é… tímido.
— Eu não sabia que você tinha um filho — menti.
Ele baixou o tom de voz.
— Tecnicamente, Rafe não é meu filho.
Aquilo me pegou de surpresa e despertou minha curiosidade ao mesmo
tempo.
Dax olhou para a direção pela qual Rafe desaparecera.
— Minha falecida esposa o adotou quando ele tinha oito anos, antes de
ficarmos juntos. Quando Maren morreu, ele ficou sob meus cuidados. Dia
após dia, ainda estou tentando descobrir como ser um guardião adequado
para ele. Estamos em uma situação que nenhum de nós escolheu. Eu não sei
o que faria sem a ajuda de Shannon.
— Shannon é a mulher que conheci na última vez em que estive aqui?
— Sim. Ela vem todos os dias úteis e fica até as oito da noite. Ela
basicamente administra a casa enquanto saio para trabalhar. Seus dois filhos
já são adultos, então ela tem essa flexibilidade. — Ele suspirou. — Enfim,
ela não estava se sentindo bem esta noite e foi embora há uns dez minutos.
Então, como eu disse, não tive tempo de cancelar antes de você chegar. Rafe
normalmente não precisa de babá, mas não está se sentindo bem hoje, com
um problema no ouvido. Por isso, não estou disponível para a massagem.
Me desculpe. — Ele me olhou de cima a baixo. — Você gostaria de uma
xícara de chá ou algo assim? Já que veio até aqui.
Enquanto eu ponderava a oferta, Rafe reapareceu brevemente antes de
passar direto por nós e tornar a subir as escadas. Fiquei observando-o até
desaparecer. Meus olhos ainda estavam grudados à escadaria quando eu
disse:
— Não quero impor nada.
Com o cancelamento atrasado, a sessão de massagem já estava paga e
sem direito a reembolso. Enquanto meu lado curioso queria ficar, senti-me
estranha por me intrometer quando Dax parecia ter tantas coisas para lidar
esta noite.
— Eu vou preparar um chá, de qualquer forma — ele revelou. — Não
seria imposição alguma. Eu insisto.
— Ok, então. — Assenti. — Seria ótimo tomar um chá.
Um arrepio percorreu minha espinha conforme o segui até a cozinha, que
era o sonho de qualquer cozinheiro: uma ilha central rústica enorme, com
uma bancada feita de madeira. Havia uma tigela de mamões sobre ela. Por
trás do fogão Viking de última geração, tinha uma parede de tijolos expostos.
Ao lado, um forno à lenha. Imaginei momentos mais felizes naquela casa,
nos quais talvez Dax e sua esposa faziam pizza juntos enquanto tomavam
um vinho. Meu coração apertou.
Sentei-me à mesa e fiquei observando Dax abrir o armário e remexer em
algumas coisas, retirando, por fim, duas canecas.
— Tenho chá preto, chá verde… — Ele ergueu uma lata e estreitou os
olhos para ler o rótulo. — E este de canela com casca de laranja. Acho que é
da Shannon.
— O de canela parece ótimo. Obrigada.
— Você toma com leite?
— Só um pouquinho. — Sorri.
As coisas ficaram quietas até o momento em que a chaleira apitou. Após
preparar duas canecas de chá fumegante, Dax as carregou até a mesa e
pousou uma diante de mim.
— Obrigada. — Tomei um gole rápido demais, queimando a língua.
Encolhi-me. O sabor da canela era mais doce do que eu esperava.
— Quente demais? — ele perguntou.
Soprei o líquido.
— Ficará perfeito já, já.
Havia uma tigela com doces variados sobre a mesa. Ele devia ter notado
que eu a estava olhando, porque a empurrou em minha direção.
— Fique à vontade. Aparentemente, Shannon comprou alguns dos doces
de Halloween que já estão começando a vender.
Ergui minha palma para ele.
— Não, obrigada.
Ele colocou a mão na tigela e retirou de lá uma das mini barras de
chocolate, pousando-a diante de mim.
— Acho que essa combina com você.
Ai, meu Deus. Butterfinger. Dedos de manteiga. Isso era uma insinuação
ao fato de eu ter quebrado a concha. Suspirei.
— Sr. Moody, isso foi uma tentativa de fazer piada? Não é muito a sua
cara.
— Sim, uma péssima tentativa. — Ele deu risada. — Desculpe. Não
pude evitar.
— Você não plantou esses doces aqui só para poder dizer isso, não foi?
— Não. Foi sorte.
Após alguns instantes de silêncio desconfortável, fiz uma pergunta
importuna.
— Você… conseguiu substituir a concha?
Ele parou em meio a um gole de chá e pousou sua caneca.
— Encomendei outra pela internet. Deve chegar essa semana.
— Que bom. — Eu deveria me oferecer para pagar por ela, como fizera
antes de ir embora naquele dia, mas sabia que ele não aceitaria. Ao invés de
me oferecer pela segunda vez, fitei minha caneca. — Me desculpe mais uma
vez.
Ele assentiu.
— Por que você estava com a concha contra a orelha, quando a
interrompi naquele dia?
Dei uma risada nervosa.
— O mar.
Ele estreitou os olhos.
— O mar?
— Sim. Nunca ouviu falar disso? Que se você coloca uma concha contra
a orelha, pode ouvir o barulho do mar dentro dela?
— Nunca ouvi falar. — Ele continuou a me encarar como se eu fosse
louca.
— Foi uma coisa que a minha mãe me disse quando eu era criança…
antes de morrer. Ela faleceu quando eu tinha cinco anos.
Ele franziu as sobrancelhas.
— Lamento, Wren. Que terrível.
Assenti e olhei em volta da cozinha.
— Posso perguntar o que aconteceu com a sua esposa?
Ele hesitou por um momento.
— Aneurisma cerebral. Ninguém pôde prever.
— Ela era tão jovem.
Ele engoliu em seco.
— Quarenta e dois anos.
— Mais velha que você…
Suas sobrancelhas se ergueram.
— Como sabe a minha idade?
Eu não queria admitir as pesquisas que tinha feito no Google. O obituário
no The Boston Globe sobre a morte de Maren não especificou como ela
havia morrido. Mas notei que ela não tinha mudado seu sobrenome para o
dele. Seu nome ainda era Maren Wade.
— É só uma suposição — respondi finalmente. — Você parece mais
jovem que isso.
— Ela era doze anos mais velha que eu. Tenho 32. — Ele fez uma pausa.
— Quantos anos você tem?
— Vinte e quatro.
Ele começou a balançar as pernas, parecendo mais tenso do que nunca.
Aquela massagem definitivamente teria feito bem a ele.
De repente, Rafe apareceu na entrada da cozinha.
— O que houve? — Dax perguntou.
O garoto não disse nada, apenas apontou para o ouvido.
— Merda. O seu ouvido está pior?
Ele confirmou com a cabeça.
Rafe tinha cabelos castanho-claros cheios e desordenados, e lindos olhos
grandes cor de avelã que carregavam um toque de tristeza.
— Deixe-me ver onde Shannon colocou aquele remédio. — Ele virou-se
para mim. — Volto já.
Dax se levantou, emanando uma onda de seu cheiro masculino com o
movimento, e seguiu Rafe para fora da cozinha. Senti-me um pouco culpada
por dar uma conferida na bunda de Dax conforme ele se afastou. Mas sua
calça jeans escura abraçava muito bem aquela curva.
Pude ouvir os dois subirem as escadas juntos.
Após ficar sentada sozinha por um tempo, ouvi o som da coleira de um
cachorro. Quando dei por mim, Winston havia entrado na cozinha.
— De onde você escapuliu? Você derrubou a grade?
Ele rosnou e latiu antes de acomodar-se no chão da cozinha.
Peguei minha caneca e caminhei até o local onde ele estava, próximo à
ilha central. Sentei-me em um banco e coloquei meu chá sobre a bancada.
— Sabe, Winston, você é muito fofo e bonitinho para um cachorro tão
malvado. Normalmente, não sinto vontade de enfiar meu nariz nos pelos de
quem me odeia.
Ele rosnou novamente.
— Au!
— Olha, não estou aqui para causar problemas, ok? Eu sei que você
passou por momentos difíceis. Claramente, todos nessa casa passaram.
— Winston é, provavelmente, a criatura mais equilibrada que vive sob
esse teto.
Assustada pelo som da voz de Dax, virei-me para ele tão de repente que
meu braço atingiu a caneca, fazendo-a se estilhaçar no chão.
De novo, não.
Cobri minha boca.
— Ai, não.
Dax estendeu as mãos.
— Para trás, Winston. — Ele conduziu o cachorro para fora do cômodo.
Abaixei-me para recolher os cacos.
Um minuto depois, ele retornou, encontrando-me de quatro no chão.
— Levante-se, Wren.
Recusando-me a obedecer, continuei catando os pedaços.
— Estou tão mortificada.
Ele falou mais alto:
— Levante-se. Estou com a vassoura e a pá. Vou cuidar disso.
Ainda relutante, levantei-me e observei Dax ajoelhar-se para recolher os
cacos.
Andei de um lado para outro.
— Isso é um déjà vu. Como pode ter acontecido pela segunda vez?
— Tudo bem. — Ele olhou para mim. — Ninguém morreu.
Sua escolha de palavras me fez pausar.
— Ninguém morreu? Está tentando ser engraçado de novo?
— Na verdade, eu não estava. Mas agora que você mencionou, poderia
ter sido uma insinuação à última vez em que isso aconteceu, hein?
Ah, que ótimo. Agora sou eu que estou fazendo piadas sobre as cinzas de
sua esposa morta.
Dax jogou os cacos de cerâmica no lixo. Ele passou um pequeno
aspirador de pó pelo local antes de enxugar o restante de chá com um
esfregão. Depois, guardou os materiais de limpeza em um armário de serviço
que ficava depois da cozinha.
— Prontinho — ele disse. Examinando meu rosto, continuou: — Você
não parece estar muito bem.
Eu queria me enfiar em um buraco.
— E não estou. Acho que estou com transtorno de estresse pós-
traumático ou algo assim por causa da primeira vez que quebrei uma coisa
aqui. — Soltei uma respiração trêmula.
Ele se aproximou de mim e pousou suas mãos em meus ombros.
— Relaxe.
Oh. Meu pulso reagiu ao peso de suas mãos em mim. Seu toque era tão
bom, mas eu só podia estar louca por ficar um pouco excitada em um
momento como aquele.
— Está me mandando relaxar? Isso não é meio irônico, vindo de você?
Ele sorriu, retirando as mãos dos meus ombros ― para meu desânimo.
— Venha sentar. Vou fazer outro chá para você.
Eu estava prestes a dizer que não era necessário, mas ele já tinha
colocado a água na chaleira para ferver, então deixei-o continuar.
Fiquei sentada em silêncio e o observei preparar o chá, percorrendo-o
com o olhar. Dax tinha ombros largos, e dava para ver cada músculo de suas
costas através de camisa cor de creme. Era estranho me sentir tão intimidada
por alguém que estava fazendo algo para mim. Não era todo dia que um
homem lindo me servia desse jeito.
Depois que a chaleira apitou, ele serviu meu chá e aproximou-se para me
entregar. Em seguida, colocou o restante da água quente em sua caneca.
— Obrigada. — Pigarreei. — Como está Rafe?
Dax voltou a sentar-se de frente para mim.
— Ele tem infecções crônicas no ouvido. Consegui encontrar onde
Shannon tinha colocado o Ibuprofeno que comprou hoje. Terei que levá-lo
ao médico amanhã. — Ele soltou uma longa respiração. — Rafe está em
um… estágio silencioso no momento. Ele prefere não falar, então é difícil
saber a extensão da dor que sente.
— Ah, então ele está escolhendo não falar. Eu não tinha certeza.
Dax assentiu.
— O médico disse que é uma forma de mutismo.
— Pensei que talvez ele tivesse algum tipo de atraso no
desenvolvimento.
— Não. Ele falava perfeitamente bem antes do falecimento da mãe. Tudo
isso aconteceu depois.
Nossa.
— Quantos anos ele tem?
— Treze.
— É uma idade difícil. Não consigo imaginar o quanto deve ter sido
difícil, para ele, perder a mãe.
— É. Ele tinha onze anos quando aconteceu. E agora, está preso com um
cara de quem nunca gostou, para começo de conversa, e que certamente não
serve para ser pai.
— Tenho certeza de que você está fazendo o melhor que pode.
— Como sabe disso? — ele perguntou, quase de forma defensiva.
— Bom, eu fui criada pelo meu pai. Como mencionei, minha mãe,
Eileen, morreu em um acidente de carro quando eu tinha cinco anos. Meu
pai e eu somos muito próximos. Mas compreendo o quanto é complicado,
porque sei as dificuldades que o meu pai teve quando se viu pai solo. Ainda
assim, ele fez um ótimo trabalho.
— Então, você está presumindo que devo ser como ele? Digno da
responsabilidade por um garoto? Não sou. Não escolhi adotar Rafe. Foi
Maren que fez isso, muito antes de eu aparecer em sua vida. Quando nos
casamos, deixei claro que não estava pronto para ser um pai para seu filho. E
ela disse que não importava, porque Rafe era dela. Ela disse que eu poderia
escolher o papel que desempenharia na vida dele. O problema é que nunca
decidimos isso, nem discutimos o que diabos aconteceria caso ela não
estivesse mais aqui. — Sua voz estava tensa. — Posso administrar a minha
empresa e dar consultoria em investimentos até morrer. Mas quando se trata
daquele garoto? Eu não sei de merda alguma. E para completar, ele se recusa
a falar comigo. Então, isso dificulta tudo ainda mais. — Ele soltou uma
longa respiração.
O estresse emanava dele. Eu podia sentir. Não sabia o que dizer. O que
saiu foi:
— Ele provavelmente só precisa de tempo.
— Já faz um ano meio. — Dax deu uma risada brava.
— Mais tempo? — Dei de ombros e fiz uma expressão compreensiva.
Ele me encarou por vários segundos e, então, mudou de assunto.
— Wren é um nome interessante.
— Significa passarinho. Minha mãe que escolheu.
— Passarinho. — Ele assentiu. — Combina com você.
Minhas bochechas queimaram. Seus olhos demoraram-se nos meus,
fazendo-me brincar inquietamente com os botões do meu suéter. Sentia
como se estivesse em uma entrevista de emprego infinita com ele. Ao
mesmo tempo, ele era tão atraente que chegava a quase doer. Eu não estava
acostumada a me sentir assim, tão obviamente afetada que tinha certeza de
que isso devia estar estampado em meu rosto. Eu queria nunca mais parar de
olhar para ele e, ao mesmo tempo, queria sair correndo. Era uma contradição
estranha. E parecia errado estar cobiçando o marido de uma pobre mulher
morta.
— Então… — ele disse. — Na primeira vez em que esteve aqui, você
disse que estava economizando para uma viagem para a Europa, certo?
— Sim. Esse é o plano.
— Que bom para você. Eu queria ter viajado mais por prazer antes de me
prender.
Quando ele desviou o olhar, examinei seu perfil. Ele tinha um nariz
perfeito e a quantidade certa de barba no queixo. Mas, assim como Rafe,
carregava uma tristeza que me fazia ter uma vontade imensa de tirá-la.
— Você está bem, Dax?
Ele virou para mim de repente, estreitando os olhos.
— Por que está perguntando?
— Ninguém te pergunta isso?
Ele suspirou, passando o dedo pela borda de sua caneca.
— Não tenho do que reclamar. Estou vivo. Sou rico. Tenho meios de
contratar ajuda. Há muitas pessoas que perderam seus cônjuges e não têm
esse privilégio.
— Isso é verdade, mas dinheiro não pode comprar felicidade. Não pode
trazer a sua esposa de volta. — Fiz uma pausa. — Às vezes, conversar ajuda.
Tenho a impressão de que você não se abre sobre tudo isso com muita
frequência. Você apenas empurra com a barriga.
Sua boca curvou-se em um pequeno sorriso.
— Você tem essa impressão… porque sou muito tenso?
— Francamente? — Arqueei uma sobrancelha. — Sim. Você tem que
aprender a relaxar, de alguma forma, aprender a encontrar um pouco de
alegria em cada dia para si mesmo, sem pensar tanto nos outros. Não
importa o quanto seja bem-sucedido se não há alegria na sua vida. Senão,
qual é o sentido? Você poderia ter todo o dinheiro do mundo, mas não
importa se estiver infeliz.
— Qual é o sentido… — ele murmurou. — Ultimamente, tenho me feito
essa pergunta com frequência. — Ele baixou o olhar para sua caneca por um
momento. — O que você faz por alegria, Wren?
— Não precisa ser nada elaborado. Às vezes, basta respirar o ar lá fora
em um dia de outono e estar sozinho com seus pensamentos. Ou curtir uma
xícara de chá com uma quase estranha que te acha intrigante e um pouco
assustador ao mesmo tempo.
Ele arregalou os olhos.
— Eu te assusto?
— É melhor eu esclarecer. Estou mais assustada por parecer estar sempre
fazendo papel de idiota na sua frente. — Pigarreei. — Enfim, quanto a trazer
alegria para a sua vida, não importa o que você faça, contanto que esteja
plenamente atento no processo, sem deixar que a sua mente vá para um lugar
que te bombardeie com coisas tóxicas que te desviem do momento presente.
— Você tem uma boa perspectiva. Pode guardar um pouco para mim em
um potinho bonito?
— Eu até poderia, mas talvez eu o quebre. — Pisquei.
Ele jogou a cabeça para trás com uma risada.
— Ah, sim. Isso é verdade.
Nossos olhares se prenderam, e senti meus joelhos estremecerem. É.
Essa é a sua deixa para ir embora. Levantei-me e coloquei a caneca sobre a
bancada ― delicadamente.
— Bem, esse chá estava muito bom. Mas é melhor eu deixá-lo voltar
para a sua noite.
Ele se levantou.
— Você não precisa ir embora.
— É melhor eu ir.
Dax assentiu e seguiu-me para a antessala. Sentindo-o atrás de mim, os
cabelos em minha nuca se arrepiaram. Peguei minha maca portátil e coloquei
a bolsa de materiais no ombro antes de seguir para a porta. Eu tinha acabado
de virar a maçaneta quando ele chamou meu nome.
— Wren…
Virei-me.
— Sim?
— Obrigado por ter perguntado se eu estava bem. Obrigado por se
importar o suficiente para perguntar. A maioria das pessoas não se importa.
E obrigado pela perspectiva que me ofereceu também. Sinto muito pela
massagem não ter dado certo… de novo.
— É. — Dei de ombros. — Acho que não era para ser.
— Talvez eu tente novamente, algum dia — ele disse.
— Talvez na terceira vez dê certo. — Sorri. — Quem sabe o que mais eu
vou quebrar.
Ele deu risada.
— Terei que envolver todas as coisas de vidro em plástico-bolha antes de
você chegar.
A possibilidade de vê-lo novamente me deu arrepios. Torci e pedi a Deus
que ele marcasse outra massagem, porque eu nunca teria coragem de
contatá-lo se ele não o fizesse. E então, podia nunca mais voltar a vê-lo.
Mesmo que eu mal o conhecesse, essa ideia me deixou inquieta.
Antes de sair pela porta, olhei para o topo das escadas e encontrei Rafe
olhando para mim. Acenei, mas, novamente, ele não retribuiu.
Adriana rolou por sua cama e se levantou, vestindo suas roupas com
pressa. Nós dois estávamos atrasados para o trabalho. Depois que Rafe saiu
para a escola na manhã de segunda-feira, em vez de ir direto para o
escritório, decidi me dar um pouco de “alegria”. Ou, pelo menos, tentei.
Estar com Adriana não era lá tão alegre ― só uma rapidinha insignificante
com uma mulher que era uma amiga com benefícios ocasional havia alguns
meses. Se sentimentos estivessem envolvidos, cancelaria o propósito, que
era não sentir nada.
Adriana era a ex-mulher de um adversário de negócios. Um dia, ela me
mandou uma mensagem do nada para me contar sobre seu divórcio e, então,
perguntou se eu queria sair com ela para beber alguma coisa.
O que mais me perturbou foi que, no meio do sexo com Adriana naquela
manhã, eu estava pensando em… Wren. Incrivelmente problemático, não
era? Seu lindo rosto. Seus cabelos curtos cor de cobre e seu pescoço
delicado. Seus olhos azuis gigantescos. O jeito como sua respiração pareceu
acelerar quando a toquei depois que ela derrubou a caneca de chá. Dadas as
circunstâncias da minha vida ― sem contar o fato de que ela era oito anos
mais nova ―, a reação do meu pau àquilo foi completamente fodida. Pensei
muito em Wren durante os cinco dias desde que a última vez em que ela fora
à minha casa, e isso precisava parar.
Mas a nossa conversa naquela noite também tivera um tipo de efeito
sobre mim, fazendo-me perceber que eu não estava realmente vivendo. Por
que esses pensamentos sobre ela eram tão penetrantes? Foi por isso que
liguei para Adriana e fiz a única coisa em que pude pensar para tirar Wren da
cabeça. Infelizmente, meu plano parecia ter saído pela culatra.
— Fiquei surpresa com a sua ligação — Adriana disse ao abotoar a
blusa. — Geralmente, sou eu que ligo para você. Nós deveríamos repetir a
dose em breve. Já fazia um tempo. Pensei que você tivesse me esquecido.
Vesti a calça e afivelei o cinto.
— Estive ocupado. Muito estresse no trabalho.
Ela afofou seus cabelos castanhos compridos.
— Bom, fico feliz em te distrair um pouco sempre que quiser.
— Eu sei. E obrigado. Foi… divertido.
— Dia cheio hoje? — ela perguntou.
Fiz o nó da minha gravata.
— Sim. Meu dia está completamente ocupado a partir das dez.
— Bem, boa sorte.
— Obrigado. — Dei um beijo casto em sua bochecha antes de seguir
para a porta. Nossos encontros sempre me lembravam de uma transação de
negócios.
Assim que o ar atingiu meu rosto quando saí de seu prédio, senti um
alívio. Sempre me sentia culpado quando transávamos. Eu não tinha
dormido com ninguém desde a morte de Maren antes do meu primeiro
encontro com Adriana, há alguns meses. E só me permitia estar com ela
porque ela deixou claro que havia acabado de terminar seu processo de
divórcio e não queria nada sério. Isso era perfeito, porque eu não tinha
absolutamente mais nada a oferecer a ela além do meu pau. Nós até mesmo
mal nos beijávamos. Era somente puro sexo. Sem intimidade. O único jeito
possível.
Assim que cheguei ao trabalho, participei de algumas reuniões seguidas
antes de voltar ao meu escritório. Quase no mesmo instante em que me
sentei na cadeira, minha assistente me ligou.
— Estou com Serena Kravitz, da Phillipson Academy, na linha.
A escola de Rafe. Merda.
— Obrigado — eu disse antes de atender à ligação. — Dax Moody
falando.
— Sr. Moody. Está tudo bem com Rafe, então, por favor, não se
preocupe. Mas o senhor tem um momento para discutir algumas coisas
comigo?
Minha pulsação desacelerou um pouco.
— Sim, claro.
— Como o senhor já sabe, Rafe tem se recusado a falar. Temos feito o
melhor possível para acolhê-lo. Mas em breve teremos um programa de
declamação do qual ele não poderá participar. As notas dele vão acabar
caindo se não encontrarmos uma maneira de fazê-lo falar.
— Você tem uma varinha mágica, srta. Kravitz? Porque não sei mais que
fazer.
— Sei que a morte da mãe dele foi traumática.
— Traumática não é o suficiente para descrever. Ele teve somente alguns
anos com ela, mas ela era tudo para ele, a única pessoa em sua vida que se
importou com ele. — Eu não tive a intenção de gritar isso, mas estava tão
frustrado.
— Eu compreendo.
— A terapeuta dele não consegue fazê-lo falar, nem a mulher que toma
conta dele durante a maior parte do dia. A última pessoa que vai conseguir
fazê-lo falar sou eu. Nós dois estávamos construindo o nosso relacionamento
antes de sua mãe falecer, mas tudo parou depois isso. O mundo parou. Não
fizemos progresso algum. — Cocei minha cabeça. — Acho que ele não
confia em mim.
— Talvez devamos planejar uma reunião em breve, com o psicólogo da
escola e a terapeuta dele. Formar um time de ajuda. — Ela fez uma pausa. —
O senhor já considerou medicação?
— Eu não vou fazê-lo usar medicação quando não sei o que está
causando o problema dele, porra. — Parei para me recompor e baixei meu
tom de voz. — Perdão pelo linguajar. Mas não vou tratá-lo cegamente
quando ele nem ao menos me diz o que está passando em sua cabeça. É
depressão? Ansiedade? Um misto das duas? — Puxei meus cabelos. —
Enfim, uma reunião seria uma boa ideia. Farei o que for preciso.
— Sr. Moody, eu lamento mesmo pela sua situação.
Se eu ganhasse um centavo toda vez que alguém me dizia que sentia
muito pela minha situação, eu seria muito mais rico do que já sou.
— Obrigado — eu disse.
Depois que desliguei a ligação, decidi encerrar o expediente cedo.
A única coisa que me tirava do desânimo constante da minha vida era ir à
academia. Eu tinha uma sala de exercícios no porão da minha casa, mas
também era matriculado em uma academia de luxo que ficava no último
andar do prédio do meu escritório no centro de Boston.
Enquanto levantava peso, minha energia aumentou exponencialmente.
Eu sabia que era raiva se manifestando como força. Ao soltar o peso de
trinta quilos, desejei poder me livrar do peso que carregava nos ombros ― o
único que eu não podia soltar.

Naquela noite, Rafe e eu nos sentamos de frente um para o outro à mesa


de jantar. Shannon sempre preparava a refeição noturna nos dias da semana.
Ela tirava folga aos fins de semana, e eu geralmente pedia comida nesses
dias. Mas, esta noite, ela havia feito um prato delicioso de massa com frango
e brócolis.
Remexi o macarrão penne em meu prato.
— O seu ouvido está melhor?
Rafe deu de ombros, olhando para seu prato.
— O que isso significa? Sim ou não?
Ele deu um puxão na orelha e negou com a cabeça.
— Merda — murmurei.
Eu havia adiado levá-lo ao médico por um dia ― ou pedir a Shannon que
o levasse ―, porque tudo parecia irritá-lo, ultimamente. Pensei que talvez
sua infecção no ouvido fosse embora magicamente. Mas uma visita ao
médico seria inevitável agora.
— Você vai ao médico amanhã. Provavelmente precisa tomar
antibióticos de novo.
Eu odiava o fato de que ele já havia tomado antibióticos demais no
último ano. Isso não devia ser bom para seu organismo.
Quando ele continuou com o olhar baixo, eu disse:
— Olhe para mim, por favor.
Ele fez o que pedi. O telefonema que tinha recebido de sua escola mais
cedo me fizera perceber que eu já havia deixado essa situação se estender
demais.
— Rafe, em algum momento, você vai ter que voltar a falar. Não pode
viver assim. Ficar em silêncio não vai trazê-la de volta, entende? Você
precisa desabafar, e está fazendo exatamente o contrário. Isso está
começando a se tornar um grande problema na escola. — Soltei o ar pelo
nariz. — Eles me ligaram hoje.
Suas orelhas ficaram vermelhas quando ele ergueu o olhar.
— Eles querem formar uma equipe para tentar te ajudar. Mas, Rafe, nós
não vamos conseguir te ajudar se você não nos permitir. Eu sei que não se
sente completamente confortável comigo, mas a sua mãe queria que eu
cuidasse de você. E é isso que estou tentando fazer. Você e eu estamos no
mesmo barco. Nós dois sentimos falta dela. Nós dois queríamos que as
coisas fossem diferentes. Então, precisamos trabalhar juntos para tentarmos
ser felizes. Era o que ela queria, sabe? Ela odiaria que as coisas fossem como
estão.
Suas orelhas ficaram mais vermelhas, e suspeitei de que não era devido à
infecção no ouvido. Era raiva e frustração. Ele não queria se envolver nessa
conversa unilateral.
— Tudo bem, vou parar de te incomodar… por enquanto. Mas espero
que você tenha ouvido o que eu disse.
Depois que Rafe lavou as mãos e voltou para seu quarto, Shannon me
lançou um olhar compreensivo. Ela esteve o tempo todo do outro lado da
cozinha, ouvindo. Agora, estava com sua bolsa no ombro e preparando-se
para ir embora.
Jogando meu guardanapo de pano sobre a mesa, soltei uma longa
respiração.
— Eu não sirvo para isso.
Ela caminhou em minha direção.
— E, ainda assim, de algum jeito, você foi escolhido para a missão. Acho
que há alguém lá em cima que discorda.
— Quem está lá em cima deve ter um péssimo senso de humor se achou
que eu daria conta de criar um adolescente que me odeia.
Ela sentou-se de frente para mim e apoiou os cotovelos sobre a mesa.
— Olha, não é você. Você não é o motivo pelo qual ele está calado. Eu
sei que acha que se ele estivesse sob os cuidados de outra pessoa, isso não
estaria acontecendo.
Esfreguei meus olhos.
— Eu sei que o problema não sou eu, diretamente, mas não consigo
deixar de achar que, se um homem melhor para esse papel estivesse no meu
lugar, as coisas seriam, sim, diferentes. Se eu tivesse me esforçado mais para
me conectar com ele antes de Maren morrer, talvez não estivéssemos assim.
— Você sabe que ficar remoendo o passado é um desperdício de energia,
não é? Remoer o passado é arrependimento. Remoer o futuro é ansiedade. O
único lugar de paz é o que está no meio: o momento presente.
Aquilo me lembrou de algo que Wren me dissera naquele dia sobre
atenção ao momento presente.
— Quando você se tornou tão zen, Shannon?
— Tenho quinze anos a mais de experiência do que você. A sabedoria
vem com a idade. — Shannon abriu um sorriso sugestivo. — Por falar em
zen, como foi a sua massagem naquele dia?
Lá vamos nós. Estava esperando que ela me perguntasse sobre isso. Eu
havia notado sua expressão quando olhara para Wren, e provavelmente ficara
imaginando se havia algo a mais naquele compromisso. Mas eu não fazia
ideia de que a garota seria tão atraente. Diante da forma como Shannon saíra
de casa pouco tempo depois da chegada de Wren, tive a impressão de que ela
estava tentando me dar privacidade caso eu tivesse pedido mais do que uma
massagem. Ela entendera tudo errado.
— Não deu certo — eu disse.
— Como assim?
— A massagem. Não aconteceu. É uma longa história.
— Você a mandou embora?
— Mudei de ideia.
Eu não estava com energia para contar a ela a história sobre a concha ou
lidar com sua reação. E ela nem mesmo sabia sobre a segunda visita de
Wren. Mas eu estava exausto naquele momento.
— Fiquei surpresa por você ter ao menos marcado uma massagem — ela
disse. — Mas achei uma ótima ideia. Fiquei orgulhosa por você estar
finalmente reconhecendo a importância do autocuidado. Você trabalha
demais, na minha opinião. Como eu sempre digo, você deveria tirar mais
tempo para si. Não vai conseguir cuidar de Rafe se estiver esgotado.
Esfreguei minhas têmporas.
— Anotado.
Eu não sabia o que faria sem Shannon. A antiga babá de Rafe se mudara
pouco tempo depois da morte de Maren. Procurei uma agência de babás e
tive muita sorte no dia em que Shannon apareceu à minha porta. Ela também
se oferecera para cuidar da maioria das coisas em relação à casa, então
conseguimos um pacote completo. Eu a pagava bem, mas ainda me sentia
abençoado por tê-la encontrado.
Ela levantou-se e procurou suas chaves dentro da bolsa.
— Ei, Shannon?
— Sim?
— Nunca nos deixe, ok?
Ela sorriu.
— Vocês vão ter que me aturar.
— Graças a Deus. — Retribuí o sorriso.
— Bom, até eu me aposentar e ir morar em Nova Orleans.
Ela era obcecada por tudo relacionado a Nova Orleans e estava decidida
a se mudar para lá quando se aposentasse. No ano anterior, eu lhe dera de
presente uma viagem para ela e seu marido irem para lá na primavera. Eles
renovaram os votos de casamento sob uma árvore. A semana durante a qual
ela esteve fora foi a mais longa da minha vida. Mas ela merecia aquele
descanso.
— É melhor eu começar a procurar propriedades em Nova Orleans para
mim e Rafe, se está planejando se mudar para lá. Você não acha que vai
conseguir se livrar de nós, acha? — brinquei.
— NOLA1, aqui vamos nós! — Ela riu.
Depois que Shannon foi embora, fiquei à mesa por um tempo, pensando.
Rafe também era sortudo por ter Shannon, mas ele precisava de muito mais
para preencher o vazio deixado pela morte de Maren. Ele precisava de um
pai de verdade, não de um impostor como eu, para criá-lo. Ele precisava
sentir que tinha uma família. Acima de tudo, precisava de sua mãe de volta,
e essa era a única coisa que eu não podia lhe dar.
Mais tarde, naquela noite, quando já estava na cama, pesquisei Wren
McCallister no Google. O primeiro resultado que apareceu foi a última coisa
que eu esperava: um link para uma audição on-line, postada pela Sinfonia da
Cidade.
É ela. Wren estava sentada, e, após uma breve introdução, começou a
tocar um violoncelo, que era quase maior do que ela. Ela o abraçava
enquanto seus dedos se moviam pelo braço do instrumento e o arco em sua
outra mão deslizava pelas cordas. A música era melancólica, e sua
expressão, mais ainda. Ela era… muito boa. Uau. Fiquei ouvindo por um

tempo, fitando seu lindo rosto. Os cabelos curtos de Wren combinavam com
ela. Ela certamente possuía a estrutura óssea perfeita para usá-lo assim. No
vídeo, seu cabelo estava preso atrás de uma das orelhas, e ela usava uma
camisa branca com colarinho, com todos os botões fechados. Era um visual
mais formal do que a calça jeans rasgada e a camiseta que ela usara na
última vez em que estivera na minha casa. Contudo, mais proeminente do
que sua beleza era seu talento. Fiquei embasbacado.
Não sei dizer quantas vezes assisti ao vídeo, afogando-me na tristeza
hipnotizante de sua música, uma expressão das emoções presas dentro de
mim.
Quando finalmente o fechei, fui ao site da Elite Massagens e agendei
outro horário para a sexta-feira.

1 Acrônimo para Nova Orleans, Louisiana. (N.E.)


Minha pele formigava enquanto eu esperava alguém abrir a porta. Dax
Moody havia marcado uma terceira massagem. Bom, tecnicamente, seria sua
primeira massagem, se chegasse a acontecer. Dessa vez, era início da noite
de uma sexta-feira. Sem ideia alguma do que esperar, eu estava tanto
nervosa quanto animada para vê-lo.
Quando a porta se abriu, Dax estava do outro lado.
— Olá, Wren. Que bom vê-la. — Ele gesticulou para que eu entrasse.
Uma onda do cheiro de seu perfume me atingiu.
— Igualmente, Moody. — Limpei meus pés antes de entrar, já que estava
chovendo um pouco.
— Esse é o meu novo nome?
— Como já é o seu sobrenome e você foi um pouco temperamental
quando te conheci, acho que combina perfeitamente.
— Bom, você disse que na terceira vez podia dar certo, não foi?
— Sim, eu disse.
— Deixe-me pegar isso para você. — Ele pegou minha maca e a apoiou
no canto da antessala.
— Obrigada. — Coloquei minha bolsa no mesmo lugar e olhei na
direção da escadaria. — Rafe está aqui?
— Não. Ele foi passar o fim de semana com a mãe de Maren. Ela mora
em Palm Beach, mas está na cidade e hospedada no Ritz. Ela está sempre
viajando pelo mundo e queria passar tempo com ele enquanto está aqui. Ela
insistiu que ele fosse ficar com ela.
— Ah. Que amor.
— Avisei a ela que não deveria esperar muita coisa quanto a conversas.
Assenti compreensivamente, mas meu pulso acelerou quando percebi que
estávamos sozinhos. Exceto por, talvez, o cachorro.
— E Winston? — perguntei. — Onde está o meu amiguinho?
— Ele está confinado na sala dos fundos por enquanto. Não queria que te
incomodasse.
— Ele não me incomoda. — Esfreguei as mãos uma na outra e olhei em
volta. — Rafe está melhor?
— Você quer saber se ele continua sem falar?
— Eu estava me referindo mais à infecção no ouvido. Mas, é, isso
também.
— O ouvido dele está melhor. Obrigado por perguntar. Mas,
infelizmente, ele ainda não está falando.
— Ok. — Franzi a testa. — Bom, fico feliz com a notícia sobre o ouvido
dele.
Conforme eu o seguia até a cozinha, ele perguntou:
— Gostaria de algo para beber? Uma taça de vinho?
— Não posso beber vinho. Estou trabalhando.
— Bom, eu vou abrir uma garrafa para mim. Você sabe, todo aquele
lance de “preciso relaxar antes da massagem relaxante”. Se você quiser uma
taça, não vou contar nada a ninguém.
Deus, como eu estava precisando relaxar. Parecia o momento perfeito
para quebrar as regras…
— Talvez só uma — falei de uma vez, antes que pudesse mudar de ideia.
— Branco ou tinto?
— Qualquer um.
— Tinto, então.
Fiquei observando-o retirar a rolha da garrafa de vinho. Ele tinha mãos
tão bonitas, grandes, de aparência áspera. Imaginei qual seria a sensação de
seus dedos calejados contra minha pele nua, e em seguida balancei a cabeça
para me livrar desse pensamento. Você está aqui para trabalhar, Wren, não
para cobiçá-lo.
Ele serviu uma taça de cabernet e me entregou.
— Se você tiver que ir a outro lugar depois, me avise. Não vou tomar
muito o seu tempo. Podemos partir direto para a massagem. Imagino que
você deva ter planos em uma noite de sexta-feira.
— Na verdade, não tenho. Então, sem pressa. — Tomando um gole de
vinho, percorri a cozinha com o olhar. Imediatamente notei algo em cima da
mesa. Era um livro preto com uma capa dura e uma flor-de-lis dourada na
frente. — Isso é um diário?
— Sim. — Ele estendeu a mão e o pegou. — São criações de Shannon,
na verdade.
— Qual é o significado da flor-de-lis?
— Ela é obcecada com tudo relacionado a Nova Orleans. E tem uma loja
on-line de lembrancinhas e bugigangas de Nova Orleans que ela mesma cria
e produz. Ela deixou esse diário para mim. Ela acha que preciso me
expressar mais e sugeriu que eu começasse a escrever meus sentimentos
nele. — Ele revirou os olhos.
— Como ela se atreve? — provoquei.
— Não é a minha praia.
Dei de ombros.
— Ainda assim, ela tem razão. Escrever em um diário é a melhor coisa.
É a única maneira com que me expresso por completo. É muito terapêutico.
Ele tomou um gole de vinho.
— Parece mais trabalho para mim, algo para o qual não tenho tempo.
— Não é para ser trabalho. Deve ser uma expurgação dos seus
pensamentos, frustrações… qualquer coisa, na verdade. Não precisa ser algo
bem-articulado.
— Então, o meu seria cheio de palavrões.
— Isso seria melhor do que nada. Provavelmente ainda mais terapêutico,
na verdade. Recomendo muito.
— Bom, já que você recomenda muito escrever em um diário, eu devo
tentar.
Estreitei os olhos.
— Você está zombando de mim?
— Não. — Ele riu atrás de sua taça. — Juro. Não estou.
Era bom ver que ele estava mais jovial esta noite.
— Tenho que confessar uma coisa, Wren.
— Ok. O quê?
Ele pousou sua taça.
— Eu pesquisei você no Google.
Tomei um longo gole de vinho.
— Encontrou alguma coisa interessante?
— Há quanto tempo você toca violoncelo?
Minha pálpebra espasmou, coisa que acontecia com frequência quando
eu estava nervosa. Não sabia bem por que saber que ele me vira tocar me
deixou apreensiva.
— Comecei a fazer aulas quando tinha oito anos.
— Você é incrível. A música que tocou durante a sua audição para a
Sinfonia da Cidade era assombrosamente linda. Foi esse o vídeo a que
assisti. Eu já tinha ouvido aquela música várias vezes antes, mas nunca soou
daquele jeito.
— Suíte para Violoncelo nº Um, de Bach. Não sei dizer quantas vezes já
a toquei. É como se fosse o alfabeto, para mim.
— Ouvi-la me deixou triste, mas não em um mau sentido… e sim por ter
trazido à tona algumas coisas que talvez precisassem sair.
— O violoncelo é bom para isso. Ele tem a reputação de ser um dos
instrumentos mais tristes.
— Tenho que concordar. — Ele recostou-se em sua cadeira. — No que
resultou aquela audição? Por que está massageando as pessoas quando
deveria estar viajando com algum tipo de orquestra? Você é certamente
talentosa para isso.
— A audição foi há dois anos, e era para uma vaga de violoncelista
reserva, alguém que possa tocar de última hora se um dos violoncelistas
titulares não puder. — Puxei alguns fios soltos da minha calça. — Mas não
consegui o emprego.
— Que pena. Você é muito boa.
— Posso parecer boa para você, mas não sou boa o suficiente para a
sinfonia.
— Eu quis ouvir mais do que só aquela música. Mas não consegui
encontrar mais nada.
— Você claramente não pesquisou o suficiente na internet. — Pisquei.
Ele me lançou um olhar.
— O que estou deixando passar?
— Eu tenho meu próprio canal de vídeos.
Ele arregalou os olhos.
— É mesmo?
— É umas das únicas maneiras de mostrar o que faço, de continuar
praticando e tocando para não desperdiçar tudo que aprendi. Isso me mantém
ativa e profissional, e consigo ganhar um dinheirinho extra, dependendo no
número de visualizações. — Peguei meu celular e abri meu canal no site de
transmissão. — Não está no meu nome, por isso você não encontrou —
expliquei ao mostrar para ele.
— RenCello. Sem o W. — Ele sorriu. — Dez mil seguidores. Muito
legal. Vou dar uma olhada. Eu admiro a sua perseverança. Imagino que esse
canal não é algo fácil de continuar fazendo quando você tem outro emprego.
— Bom, com a música, a paixão vem em primeiro lugar. Você tem que
arranjar tempo. Quero dizer, foi o meu pai que escolheu me matricular nas
aulas anos atrás, mas, no fim das contas, eu decidi continuar porque amo
tocar.
Ele me encarou por um momento.
— Estou curioso sobre você. Se importa se eu fizer algumas perguntas?
— O que te fez pedir permissão, de repente? — provoquei, tentando
manter o clima leve. — As suas massagens definitivamente não são normais.
— Você acha que é estranho eu querer saber mais sobre você?
— Não. Só tenho dificuldade para te compreender, no geral. Você foi tão
distante quando te conheci. E ainda é reservado quando se trata de si mesmo,
mas tem curiosidade sobre mim, ao mesmo tempo. — Dei risada. — Sabe do
que você me lembra?
— O quê?
— Um cervo.
Dax massageou a barba em seu queixo.
— É a primeira vez que ouço isso. Já fui chamado de muitas coisas, mas
cervo nunca foi uma delas. Gostaria de explicar?
— A mãe do meu pai mora em Nova Hampshire. Quando era criança, eu
brincava pela floresta perto da casa dela. De tempos em tempos, aparecia um
cervo que me olhava com curiosidade. Mas sempre que eu tentava me
aproximar, ele saía correndo. Ele queria me olhar, mas, assim que eu
retribuía a atenção, ele fugia.
— Ah. — Ele assentiu. — Acho que você tem razão. Não quero
compartilhar coisas sobre mim ou abrir mão do controle, mas gosto de
aprender coisas sobre outras pessoas.
— Bem, você está com sorte, porque não tenho nada a esconder. O que
você quer saber? — Endireitei as costas na cadeira.
Ele tomou um pouco de vinho e pousou a taça sobre a mesa em seguida.
— Você disse que foi criada somente pelo seu pai. Obviamente, fiquei
com bastante interesse em saber mais sobre isso, por causa da minha
situação. Como foi, para você, não ter a sua mãe por perto desde tão
pequena?
Girei um pouco minha taça entre os dedos.
— Eu ganhei na loteria com meus pais. Mesmo que a minha mãe só
tenha ficado comigo até os meus cinco anos de idade, tenho boas lembranças
dela. E o meu pai ajuda a garantir que eu nunca a esqueça. Sempre havia
fotos dela pela casa, e ele nunca passou um dia sem compartilhar comigo
alguma história sobre ela. Ele também se esforçou bastante para se certificar
de que eu nunca me sentisse diferente porque não tinha uma mãe por perto.
É claro que senti a perda, mas o meu pai desempenhou os dois papéis da
melhor maneira que pôde. Meu pai sempre foi o meu porto seguro. Somos
sortudos por termos um ao outro. Não consigo imaginar minha vida sem ele.
— Os seus pais não tiveram outros filhos?
— Não. Minha mãe não podia ter filhos, e o meu pai nunca se casou de
novo. Assim como Rafe, eu fui adotada. Só que eu era bebê quando meus
pais me receberam.
Ele coçou o queixo.
— Entendo.
— Aparentemente, minha mãe biológica era muito jovem e tomou a
decisão que muitas mulheres em sua situação precisam tomar. Ela escolheu
não ter contato comigo, mas eu nunca me senti indesejada, porque os meus
pais me deram todo o amor do mundo. Depois que a minha mãe morreu,
meu pai me ensinou que é possível encontrar razões para sorrir mesmo nos
momentos mais sombrios. Ele é definitivamente meu herói.
— Ele parece ser um cara incrível.
— Ele é. — Sorri.
— Suponho que, se você se envolveu com a música desde os oito anos,
foi o tipo de adolescente que não se metia em muita encrenca, certo?
— Ha-ha. — Dei risada. — Não tenha tanta certeza disso. Eu dei muitas
noites mal dormidas ao meu pai, entrando em carros com garotos, saindo
escondida de casa, e tal.
Ele abriu um sorriso malicioso.
— Estou curioso quanto a esse “e tal”.
Balancei a cabeça.
— Por que sinto que estou sendo entrevistada para o privilégio de
massageá-lo?
— Não é por isso. Só estou interessado.
Inclinei a cabeça para o lado.
— Então, seria justo os papéis se inverterem um pouco, Bambi.
Ele cruzou os braços.
— Depende do que você quer saber.
Fui direto ao ponto.
— Quero saber sobre a sua esposa.
Daria para ouvir um alfinete cair no chão.
Dax engoliu em seco.
— Ok…
— Eu sei que ela era mais velha que você. Acho que estou curiosa sobre
como você a conheceu.
— Só está curiosa sobre isso?
— Não. Sinto curiosidade sobre muitas coisas quando se trata de você,
mas não tive coragem de perguntar sobre a maioria delas. Mas, já que você
está sendo tão intrusivo…
Ele baixou o olhar por um momento.
— Quando conheci Maren, ela era minha chefe, na verdade. Eu já era
bem-sucedido na minha área naquela época, mas ela estava um pouco acima
de mim. Ela só demonstrou interesse depois que eu saí da empresa e aceitei
outro emprego.
Ele serviu um pouco mais de vinho para si e ergueu a garrafa em minha
direção, mas recusei, gesticulando com a mão. Eu não ia mais beber.
— Tive muito respeito e admiração por ela desde o momento em que a
conheci. Não foi amor à primeira vista para mim, mas foi um gostar muito
forte. Ela não escondeu o fato de que estava interessada em mim assim que
se tornou apropriado expressar isso, e senti-me lisonjeado por ser o objeto de
sua afeição. Com o tempo, nosso relacionamento tornou-se romântico. Mas
eu sempre nos vi mais como uma parceria de respeito mútuo do que uma
história de amor típica de contos de fadas. Nós tínhamos nossos problemas.
Muitos problemas, a maioria deles relacionados ao fato de que eu não estava
completamente pronto para entrar em um casamento quando fugimos para
nos casarmos em um fim de semana muito louco. Mas eu estava determinado
a não fracassar e me convenci de que a conexão que tínhamos era forte o
suficiente para fazer um casamento funcionar. Eu tenho problema com
fracasso, então jurei me esforçar para fazer dar certo. Ainda éramos um
trabalho em andamento quando ela morreu. — Ele expirou. — Ela era uma
mulher maravilhosa, e sua morte foi uma perda tremenda para este mundo.
Ela se importava de verdade com as pessoas, incluindo a mim. Eu não a
merecia. E ela certamente não merecia morrer. — Ele fechou os olhos e
murmurou: — Esta é a versão bem resumida da história.
Por mais breve que aquilo tivesse sido, era muita coisa para absorver.
— Eu sinto muito — sussurrei.
— Obrigado — ele respondeu, a voz quase inaudível.
— O fato de que ela adotou Rafe prova o quanto era uma pessoa
maravilhosa. Você disse que ele tinha oito anos quando ela o adotou, certo?
Ele assentiu.
— Quando ela decidiu adotar, insistiu que fosse uma criança mais velha,
alguém que talvez não fosse escolhido com mais facilidade. Ela realmente o
amava. E ele a amava. Acho que foi por isso que o relacionamento dele
comigo começou tão conturbado. Quando fui morar com eles, ele me viu
como uma ameaça. Essa certamente não era a minha intenção, mas ele era
muito protetor com ela.
— Ah, mas isso é um amor.
Dax fitou sua taça.
— Por mais triste que seja, isso foi o máximo que já me abri sobre esse
assunto. — Ele ergueu o olhar para mim. — Não sei o que tem em você que
me faz querer fazer isso. Talvez tenha sido o violoncelo, algum tipo estranho
de hipnotismo musical. — Ele balançou a cabeça. — Você parece boa
demais para ser verdade, Wren.
— Como assim?
— Você é muito equilibrada para alguém que perdeu a mãe tão jovem.
Isso me dá esperança em relação a Rafe, eu acho. O talento musical. Boa
garota que ama o pai. Você parece ter uma cabeça bem-resolvida. O que
estou deixando passar?
Dei risada.
— Não tenho corpos escondidos nem nada disso, mas boa garota não é
exatamente uma descrição adequada.
Seus olhos encheram-se de diversão.
— Estou intrigado.
— É, mas você não vai conseguir toda a minha história de vida só com
uma taça de vinho, Moody.
— Você pode me contar mais durante a massagem, então?
— Não. Eu não converso com os clientes durante a massagem. Isso
prejudicaria a sua habilidade de esquecer o mundo e relaxar.
— E se eu quiser conversar porque não gosto de silêncio?
— Então, você está sem sorte. — Sentindo-me ansiosa para começar, de
repente, chequei meu celular. — É melhor eu montar a maca. Onde você
quer que eu faça isso?
Uma expressão desapontada surgiu em seu rosto. Acho que ele queria
continuar conversando.
— Pode ser no meu escritório, como na sua primeira tentativa. Mas você
não tem permissão para tocar em mais nada além de mim — ele brincou.
Meus mamilos enrijeceram, seu comentário me lembrando de que eu
estava prestes a tocá-lo pela primeira vez. Sentindo-me agitada, pigarreei.
— Muito engraçado. E não se preocupe. Nunca mais tocarei em
absolutamente nada no seu escritório.
— Ok. — Ele se levantou, levando minha taça vazia para a bancada. Em
seguida, buscou minha maca e bolsa da antessala e eu o segui para o
escritório.
— Esqueci o que tenho que fazer — ele disse. — Você vai ter que me
instruir.
— Bom, você é quem escolhe se quer ficar de calça ou não.
— Jesus — ele murmurou. — Você realmente massageia homens que
ficam pelados sob uma toalha?
— Sim. Às vezes. Em outras, eles ficam de cueca. E nem ao menos pense
na outra pergunta que está na sua cabeça, porque a resposta é não, eu nunca
dei um final feliz a ninguém, e nunca faria isso.
Ele arregalou os olhos.
— Eu não estava pensando nisso, de jeito nenhum.
— Você pode não ter pensado que já fiz, mas pensou sobre isso. Porque
todo mundo parece erroneamente associar todas as massagens, até mesmo as
legítimas, com as que terminam com a massagista dando um orgasmo para o
cliente. Temos uma má reputação.
— Talvez eu tenha pensado nisso por um rápido segundo, lá no fundo da
minha mente, mas somente por saber que homens tendem a ser uns idiotas, e
imagino que você já tenha se deparado com algumas maçãs podres que
devem ter tentado alguma coisa. Não deve ser seguro ir à casa de estranhos.
— Tive muita sorte até hoje, só me deparei com uma ou duas maçãs
podres. Todos os nossos clientes passam por uma pesquisa de antecedentes e
são cuidadosamente analisados. Então, pessoas suspeitas são bem raras. E se
alguém me passar um ar estranho, eu simplesmente paro a massagem.
Também ando com spray de pimenta como precaução.
— Ah. Então, estou esse tempo todo sob a ameaça de levar spray de
pimenta na cara. Eu não deveria ter feito tantas perguntas.
— Você está a uma pergunta intrusiva de levar spray de pimenta na cara.
— Pisquei para ele. — Que nada. Você está seguro.
Ele fingiu limpar suor da testa em alívio. Dei risada.
— Sabe o que eu acho?
— O quê?
— Você está enrolando de novo porque ainda não se sente confortável
com a ideia dessa massagem, por algum motivo.
— Tem razão.
— Eu sei que tenho.
Ele juntou as mãos.
— Ok. Vamos dar início, então. Como posso facilitar isso para você?
— Você pediu uma massagem no corpo inteiro. É mais fácil se tirar a
calça, já que massagearei as suas pernas. Você pode ficar de cueca. Vou
colocar uma toalha sobre o seu traseiro, de qualquer forma.
Ele engoliu em seco.
— Ok.
— Mas, sério, faça o que te deixar mais confortável.
— O que me deixa mais confortável é não dificultar o seu trabalho — ele
disse.
— Vou sair para que você possa… ficar confortável.
— Confortável. Já usamos muito essa palavra, não é? Então, é irônico o
quanto estou desconfortável nesse momento. — Dax riu.
— Falta pouco para você não se sentir mais assim — respondi com
naturalidade. Se tinha algo que eu sabia era que eu era boa no meu trabalho,
e ele se sentiria bem e relaxado rapidinho.
Retirei-me do escritório. Apesar de demonstrar estar calma, eu estava
nervosa por saber que ia tocá-lo. Mas recusei-me a exteriorizar isso. Se ele
percebesse e perguntasse, eu teria que admitir que ele me deixava nervosa.
Esse era o meu trabalho. Deveria ser moleza. Eu só estava inquieta porque
me sentia atraída por ele. Mas não ia admitir isso de jeito nenhum.
Após alguns minutos, bati à porta.
— Tudo pronto?
— Sim. Entre.
Dax estava deitado de bruços, com o rosto virado para mim. Ele colocou
a toalha branca sobre seu traseiro, embora isso não ajudasse em nada a
esconder os contornos esculpidos de sua bunda. O cós elástico de sua cueca
boxer cinza estava aparecendo.
Seu corpo era incrível, lindamente bronzeado e rijo. Respirei fundo
forcei-me a me recompor. Assim que eu pegasse o ritmo, seria mais fácil.
Pensei que ele ainda pareceria ansioso, mas, aparentemente, deitar já o
tinha feito relaxar um pouco.
— Vou passar um pouco de óleo nas suas costas. Está aquecido, então a
sensação vai ser boa.
— Ok — ele sussurrou.
Para minha consternação, quando apertei o frasco, ele fez um som
engraçado de pum.
Dax pôs mais lenha na fogueira.
— Peça licença primeiro, srta. McCallister. — Suas costas sacudiram
com uma risada silenciosa.
— A única pessoa correndo o risco de soltar gases aqui é você —
retruquei.
O corpo de Dax congelou.
— Não me diga que isso acontece com frequência.
— É basicamente a coisa mais comum que vejo.
— Isso não vai acontecer comigo.
— Às vezes, quando as pessoas alcançam um certo nível de relaxamento,
perdem um pouco do controle de algumas funções corporais.
— Logo quando estou começando a relaxar, você me diz que corro o
risco de soltar um pum sem querer?
— Não necessariamente. Só estou dizendo que não tem problema se
acontecer.
Ele virou-se para olhar para mim.
— Olha, eu posso não saber de nada sobre massagem, mas se tem uma
coisa que sei é que tem problema, sim, isso acontecer.
— Ok. — Dei risada. — Chega de falar.
— Sim, senhora. — Ele reposicionou a cabeça na abertura para o rosto
na extremidade da maca.
Respirei fundo e comecei a esfregar o óleo nas costas dele. Sua pele
estava quente, seus músculos, retesados ― tão cheios de nós e tensos. Fiquei
de pé ao lado dele, usando o peso do meu corpo para pressionar as palmas
em suas costas, movendo-as levemente em uma linha reta da parte baixa das
costas até o topo. Ele soltou uma respiração profunda e gutural pela boca que
fez meu corpo vibrar. Enquanto um desejo inapropriado percorreu meu
corpo, pude sentir um pouco da tensão saindo dele. Então, pelo menos um de
nós estava tendo uma reação apropriada.
Após alguns minutos, apliquei um pouco mais do peso do meu corpo ao
mover agora meus antebraços pelo comprimento de suas costas, pousando
ainda mais para baixo, dessa vez, mais perto do topo de sua bunda. Sua
respiração ficou um pouco mais pesada, e embora eu estivesse consciente da
mudança, meus próprios nervos já haviam se acalmado. Eu estava mais
confortável, apesar de talvez estar gostando disso até demais. Mas,
sinceramente, eu teria que estar morta para não gostar disso. Ele não
precisava saber que, depois daquilo, eu iria para casa e ficaria repassando
todos esses momentos na minha mente.
Quando comecei a usar meus cotovelos para pressionar bem suas costas,
ele soltou um gemido e murmurou:
— Porra, como isso é bom.
Aquelas palavras pareceram vibrar por todo o meu corpo até pousarem
em meu clitóris. Ainda assim, comprometi-me a focar na função de fazê-lo
se sentir bem, e não no fato de que ele também estava me fazendo sentir
bem.
Passei para a extremidade da maca, para poder trabalhar melhor em seus
ombros e nuca. Meu abdômen roçou seus cabelos. Não foi intencional;
simplesmente não tinha como alcançar seus ombros evitando esse contato.
Normalmente, eu nem ligava para isso, mas, com Dax, até mesmo as
mínimas coisas me afetavam. Ele me surpreendeu, em determinado
momento, ao erguer a cabeça para me olhar. Seus olhos prenderam-se aos
meus, e eu quase paralisei, porque não queria que ele visse minha expressão.
Temi não estar escondendo o quão excitada estava por tocá-lo. Achei que ele
ia dizer alguma coisa, mas apenas me fitou por um momento antes de voltar
a baixar a cabeça e posicionar o rosto na abertura da maca.
Eventualmente, passei para suas pernas, usando as duas mãos para
massagear firmemente a linha da panturrilha esquerda até a parte de trás da
coxa.
— O nível de pressão está bom? — perguntei. — Ou você quer mais
forte?
— Assim está perfeito.
Seus pés eram tão grandes quanto eu imaginava, dada sua altura, e notei
que seus dedos estavam se contorcendo. Ele com certeza estava curtindo
isso. Fiquei satisfeita por saber que pude ajudar um homem tão tenso a
relaxar.
Quando passei para a outra perna, ele parecia estar tão relaxado que
pensei que havia caído no sono. Somente quando ele emitiu mais um gemido
baixinho de prazer foi que percebi que estava acordado.
Após terminar a parte de trás de seu corpo, dei um puxão leve em sua
toalha e disse:
— Você pode virar agora.
Ele ficou tenso e não se mexeu. Por fim, falou:
— Não. Me desculpe. Não posso.
Senti uma onda de adrenalina me percorrer no instante em que ela me pediu
para virar. Não sei no que eu estava pensando, mas com certeza não tinha me
dado conta de que essa massagem também envolvia a parte frontal do meu corpo.
Que porra eu achei que corpo inteiro significava? Isso não ia dar certo. Eu tinha
um plano. Ia enrolar a toalha em volta do meu corpo e sair do escritório antes de
deixar que ela visse que me deu uma ereção. Mas, e agora?
Agora, eu não tinha outra escolha além de encerrar aquilo imediatamente ou
virar-me e saudá-la ― ou talvez oferecer-lhe a oportunidade de pendurar seu
casaco no meu pau.
Virei minha cabeça para olhar para ela.
— Eu… não posso virar agora.
— Por que não? — ela perguntou. Lancei um olhar irritado para ela, que
entendeu rapidinho. — Oh.
— Mais cedo, quando você disse que pessoas nessa situação perdem o
controle de suas funções corporais, não imaginei que eu poderia ficar com uma…
— Você sabe que isso também acontece o tempo todo, não é?
— Bem, que merda.
— É involuntário. Durante uma massagem, são liberados altos níveis de
ocitocina, e pode resultar nisso.
— Você faz soar tão científico.
— Não precisa virar. Vou massagear suas costas novamente para compensar o
tempo. Não tem problema. Você estava bem relaxado. Então, tente voltar a isso.
Grato pela oportunidade de permanecer de bruços, fiz o melhor que pude para
fechar os olhos novamente e esquecer a porra desse constrangimento. Eu teria
adorado sentir suas mãos em meu peito também, se pudesse fazer isso sem meu
pau apontado para seu rosto. Mas isso não ia rolar. O nível de controle do qual eu
havia aparentemente desistido excedeu o que eu havia imaginado. Talvez fosse
bom eu não poder olhar para ela desse ângulo. Sem dúvidas, isso deixaria a
situação muito pior.
Suas mãos eram como seda, e a força em seus movimentos era
impressionante. Senti como se ela tivesse desfeito nós e tensão das minhas costas
que estavam acumulados havia anos. Ela merecia o triplo do que paguei por essa
sessão; na verdade, aquilo não tinha preço. Mas eu sabia que não era somente por
seu toque físico. Era ela. Ela me fez sentir à vontade para relaxar muito antes de
colocar as mãos em mim.
O que acabava comigo, e provavelmente fez com que meu pau despertasse,
eram as pequenas respirações pesadas que ela soltava vez ou outra quando
aplicava pressão. Eu podia senti-las na minha pele. E isso me fez querer sentir
mais do que somente o ar que escapava dela. Isso era um problema. Mas eu não
podia permitir-me sentir culpado agora, porque a massagem estava boa demais. A
melhor coisa que sentia desde muito tempo. Eu precisava disso.
Quando finalmente terminou, senti-me quase bêbado de tão relaxado que
estava. Quando Wren se virou para limpar as mãos, falei para ela que iria para o
andar de cima me vestir e a encontraria ali em alguns instantes. Envolvendo-me
cuidadosamente com a toalha, recolhi minhas roupas do chão e saí com pressa do
escritório.
Eu ainda estava completamente ereto, e precisava dar um jeito nisso antes de
ir me despedir dela. Então, entrei no chuveiro e, em menos de um minuto, tive um
dos orgasmos mais intensos dos últimos tempos. Após jorrar meu gozo na
banheira, senti um pouco de vergonha por ter me masturbado pensando nela. Mas
eu nunca tinha vivenciado uma experiência tão sensual quanto ser tocado por ela.
Wren já tinha guardado tudo e estava esperando na antessala quando voltei
para o andar de baixo. Eu queria pedir que ela ficasse mais um pouco, mas,
considerando tudo, não seria apropriado.
— Que rápida. Já vai embora? — perguntei.
— Sim.
Fiquei diante dela.
— Wren…
— Se vai se desculpar por você-sabe-o-quê, por favor, não faça isso, ok?
Baixei o olhar para meus pés e dei risada. Sua escolha de palavras foi melhor
do que festinha na sua calça, eu acho.
— Não vou — respondi.
— Como se sente? — ela indagou.
— Incrível. De verdade. Como um novo homem. Espero que você saiba o
quanto é boa no que faz.
— Bom, você me aplaudiu de pé mais cedo, então… — Seu rosto ficou
vermelho como um tomate.
Jesus.
— Porra, essa foi boa. Tenho que admitir.
— Falando sério, fico feliz por saber que a massagem ajudou. — Ela sorriu e
virou-se para a porta.
Eu ainda estava muito perto de pedir a ela que ficasse para mais uma bebida.
Não queria que ela fosse embora. Talvez eu pudesse fazer isso sem problemas se
não tivesse armado a barraca mais cedo. Mas, pensando de modo realista, ela
tinha que ir embora ― por muitas razões.
— O que você vai fazer esta noite? — perguntei. — Ainda está cedo.
— Não sei. Tenho que ver em que tipo de encrenca posso me meter. — Ela
piscou. — Você deveria fazer o mesmo. Aproveitar o fato de que Rafe não está
em casa.
— Meu corpo está tão relaxado agora que acho que minhas pernas estão
molengas demais para sair de casa. — Dei risada.
— Isso vai diminuir dentro de uma hora, mais ou menos. Então você poderá
dar uma volta pela cidade.
— Dar uma volta pela cidade não é mais algo que eu goste de fazer.
— Eu imaginaria que tudo que você tem que fazer é entrar em um lugar cheio
de pessoas e elas se aproximariam de você sem esforço algum.
Dei de ombros.
— Geralmente, esses não são os tipos certos de pessoas.
Ela assentiu.
— Entendo.
Eu preferia estar perto de pessoas para as quais eu me atraía naturalmente. E
essa garota era como um ímã para mim.
Fiquei ali parado, sem dizer nada, claramente enrolando. Eu não queria me
despedir dela, porque gostava de como ela me fazia sentir. Vivo. Era a única forma
de descrever.
— Boa noite, Moody — ela finalmente disse, encerrando a minha
procrastinação embaraçosa.
— Boa noite, Wren.
Sem mais delongas, ela saiu. Fiquei no vão da porta, vendo-a guardar suas
coisas em seu pequeno SUV e ir embora.
No instante em que a porta se fechou, senti-me mais solitário do que nunca na
casa enorme e vazia.
Uma hora depois, eu ainda não tinha feito nada de produtivo com a minha
noite. A massagem havia não somente relaxado meu corpo, mas pareceu ter
trazido à tona muitas das emoções que estavam presas dentro de mim. Agora que
elas estavam liberadas, eu precisava colocá-las em algum lugar. Então, decidi
fazer algo que nunca havia feito antes.
Peguei aquele diário da mesa da cozinha e o levei comigo para o quarto.
Deitado na cama, acomodei-me no travesseiro e abri o caderno em branco. O
papel era grosso. Peguei uma caneta da gaveta da mesa de cabeceira e comecei a
escrever meus pensamentos.
Fechei o diário e o guardei dentro da gaveta.
Foi a primeira noite, em um ano, em que realmente dormi.

Nas semanas subsequentes à massagem, fiquei pensando sobre contatar Wren


novamente. Sentado à minha mesa no trabalho, certa tarde, abri o site da empresa
de massagens, na parte dos agendamentos. Finalmente cedi, somente para
descobrir que não havia mais uma opção para solicitar Wren como
massoterapeuta.
Confuso, peguei o telefone e disquei o número da empresa.
Uma mulher atendeu.
— Elite Massagens. Como posso ajudá-lo?
Brincando com minha caneta entre os dedos, respondi:
— Eu tentei marcar uma massagem on-line, e não consegui selecionar Wren
McCallister para a sessão. Pode me ajudar com isso?
— Sinto muito. Wren não trabalha mais conosco.
O quê?
Apertei os dedos em volta da caneta e levei alguns segundos para responder.
— Não trabalha mais com vocês…
— Isso.
— Eu sei que não é da minha conta, mas posso perguntar o que aconteceu?
— Ela decidiu não continuar conosco.
Apertei a caneta com ainda mais força, quase quebrando-a no meio.
— Ela está trabalhando em outro lugar?
— Se está, não posso dar essa informação.
— Ah, cara — murmurei.
— Está tudo bem, senhor? — a mulher perguntou.
— Hã, sim. — Balancei a cabeça. — Obrigado pela informação.
— Será um prazer marcar uma massagem para o senhor com algum dos
nossos outros massoterapeutas qualificados.
— Não, obrigado. — Desliguei antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa.
Puxando os cabelos, soltei uma respiração longa e frustrada.
Talvez isso fosse um sinal de que contatá-la era a decisão errada.
Talvez eu tivesse me livrado de uma enrascada.
Eu quase nunca checava as mensagens que recebia pela minha conta do
RenCello. Na maioria das vezes, eram pedidos de músicas que eu não podia
tocar ou mensagens obscenas de homens. Mas, por alguma razão, cliquei na
caixa de entrada em uma noite de terça-feira, só para conferir se não estava
perdendo nada importante, como uma oportunidade de emprego. A última
coisa que eu esperava ver era uma mensagem de Dax Moody. Tinha sido
enviada havia algumas semanas.
Oi, Wren,
É Dax Moody. Me desculpe se ultrapassei um limite ao mandar
mensagem por aqui. Não sabia mais como contatá-la. Quando fui
marcar outra massagem com você na Elite, fiquei surpreso ao saber
que você não está mais trabalhando lá. Acho que estou escrevendo
para saber se está tudo bem. Você foi bem marcante para mim, e
quero desejar tudo de bom. Espero que consiga uma oportunidade
melhor. Também quero que saiba o quanto gostei de conversar com
você durante a nossa última sessão, e obrigado mais uma vez pela
massagem. Foi a primeira vez, em uma eternidade, que dormi sem
acordar várias vezes durante a noite. Isso foi algo mágico, e graças a
você. Se possível, me mande uma mensagem para dizer se está tudo
bem com você.
Atenciosamente,
Dax Moody
P.S.: Tenho curtido muito os arquivos dessa conta. Minha
apresentação favorita é O Cisne, mas há outras ótimas. Você é muito
talentosa.
Fiquei ali parada, em choque. Nunca pensei que teria notícias dele
novamente. Sair da Elite foi algo inesperado. No dia seguinte à massagem de
Dax, fui contatada por outra empresa que precisava de uma massoterapeuta
depois que uma de suas funcionárias demitiu-se inesperadamente. Descobri
que o proprietário dessa empresa era um cliente antigo meu, e eu havia sido
selecionada para o cargo sem o meu conhecimento. A nova empresa ficava
com uma porcentagem menor dos meus ganhos, então nem precisei pensar
muito antes de aceitar. Por mais que eu gostasse de Trina, sabia que ela se
recusava a ser flexível financeiramente, a partir de experiências anteriores
com outros funcionários que saíram da Elite. Então, dei a ela meu aviso-
prévio e aceitei o novo emprego. Infelizmente, no segundo dia de trabalho,
as coisas ficaram ruins. A nova empresa me mandou para a casa de um
homem que me assediou. Aparentemente, ele era um cliente assíduo e
importante, e, quando reclamei, a mensagem que recebi foi basicamente
“aguente a barra”. Pedi demissão no mesmo dia. Depois, soube que Trina
não estava interessada em me contratar novamente depois da minha
“traição”, então, atualmente, eu estava procurando um novo emprego.
Eu pensava em Dax com frequência, mas não imaginava que ele entraria
em contato novamente. Ele pareceu ter ficado constrangido por se excitar
durante a massagem, então fiquei surpresa por saber que ele tinha tentado
agendar outra sessão. Eu não entendia direito a nossa conexão. Mas havia
uma conexão. Vínhamos de mundos completamente diferentes, e, ainda
assim, de alguma maneira, pelo menos na minha mente, quando
conversávamos, o tempo parava. Considerei contatá-lo para avisar que tinha
saído da Elite, mas decidi não ser presunçosa. Lá no fundo, eu sabia que, se
ele realmente quisesse entrar em contato comigo, encontraria um jeito. E
parecia que ele havia encontrado.
Fiquei sentada em frente ao meu computador por uns quinze minutos
antes de responder.
Oi, Moody,
Que bom receber a sua mensagem. Fico feliz por saber que a
massagem surtiu o efeito pretendido e você conseguiu relaxar
naquela noite. Está tudo bem comigo, embora eu não esteja
trabalhando, no momento. Para resumir, saí da Elite para um cargo
em outra empresa de massagens. Mas, no fim das contas, eles eram
péssimos. Então, estou procurando um novo emprego. Acredito que
tudo acontece por uma razão, então estou tentando ver esse tempo
como uma dádiva, passando mais horas fazendo música e meditando.
Sei que encontrarei um novo trabalho em breve. Espero que você
esteja bem. Como está Rafe? E meu amiguinho Winston?
Wren
P.S.: O Cisne, de Saint-Saens, também é uma das minhas favoritas.
Tentei loucamente evitar checar o site para ver se havia chegado alguma
resposta. Então, fechei-o e jurei não olhar por pelo menos uma hora.
Às dez em ponto, abri o site novamente e vi que Dax havia respondido.
Meu Deus, Wren. Sinto muito por essa situação com os empregos.
Você está trabalhando de maneira independente? Em caso positivo,
eu adoraria marcar outra sessão.
Meu coração acelerou. Normalmente, eu não trabalhava de maneira
independente, porque era trabalho demais buscar clientes sozinha. Na
verdade, eu nunca trabalhara como freelancer. Mas já que eu “conhecia”
Dax, isso seria diferente. Significaria um dinheirinho no bolso, e a quem eu
estava querendo enganar? Eu poderia vê-lo novamente. Esse era o real
motivo pelo qual eu diria sim. Ele poderia ter me chamado para limpar seu
chão de graça, e eu provavelmente teria dito sim.
Normalmente, não trabalho de forma independente, mas já que
conheço você, seria um prazer marcarmos outra sessão. Você pode
me pagar o que pagou à Elite pelos meus serviços. Me avise para
quando poderemos agendar.
Sua resposta veio em cinco minutos.
Isso parece ótimo. Agradeço por abrir uma exceção para mim. Você
estaria disponível nesta sexta-feira, por volta do meio-dia? Terei
folga nesse dia e preferiria fazer a massagem antes de Rafe chegar
em casa da escola. Não tem problema se você não puder. Podemos
combinar outro dia.
Arrepios cobriram minha pele quando respondi:
Sexta-feira ao meio-dia está perfeito. Até lá.
Não consegui me concentrar em mais nada a semana inteira. Quando a
sexta-feira chegou, eu já havia passado tempo demais debatendo sobre o que
vestir. Lá no fundo, eu sabia que isso era muito mais do que uma sessão de
massagem, para mim. Fiquei me perguntando se era impressão minha ou se a
vibe que senti em Dax desde o nosso último encontro era real. Ele gostava de
mim ou só queria mais uma massagem?
Ele era um homem complexo. E sua vida estava compreensivamente
complicada demais para lidar com um relacionamento de qualquer tipo,
então eu não sabia por que estava alimentando esperanças. O que eu queria
dele? Tudo que eu sabia era que sempre que estava prestes a vê-lo, uma
animação inexplicável me preenchia.
Assim que cheguei a sua casa em Brookline, borboletas se agitaram em
minha barriga quando bati à porta e esperei.
Cerca de um minuto depois, a porta se abriu. Dax estava lindo usando
uma calça jeans escura e um suéter bege justo que exibia seus músculos de
uma maneira incrível. Seus cabelos estavam úmidos do banho. Ele estava
mais deslumbrante do que nunca.
— Oi, Wren. Que bom vê-la. — Ele gesticulou. — Entre.
— É bom vê-lo também. — Entrei na casa.
Ele pegou minha maca e a carregou até o canto da antessala.
Ouvi o som de patinhas arranhando o piso e, então, Winston apareceu.
Ele começou a latir imediatamente.
— Desculpe por ele — Dax disse. — Eu ia colocá-lo atrás da grade, mas
o tosador está vindo buscá-lo.
— O seu tosador vem buscá-lo?
— Sim, por uma taxa extra.
— Nossa. Que legal.
— Ele ligará para Shannon para que ela vá buscá-lo quando estiver
pronto. Ela está fazendo algumas tarefas na rua.
Virei-me para a fera enorme e felpuda.
— Sabe, Winston, eu li na internet que sheepdogs ingleses são
conhecidos por gostarem de abraços. Queria que você me deixasse abraçá-lo.
Mas tenho medo de chateá-lo.
Ele rosnou.
— Winston era o cachorro de Maren. Ele demorou um tempo até se
acostumar comigo, mas agora somos unha e carne. Ele é bem territorial.
— Não me diga…
Dax deu risada.
— Enfim, estou vendo que o tosador acabou de chegar. Vou levá-lo até
ele. Com licença. — Ele prendeu a coleira de Winston. — Vamos, bola de
pelos.
Au!
— Tchau para você também, Winston.
Olhei pela janela e vi Dax falar com o tosador e ajudar a colocar Winston
no carro.
Alguns minutos depois, ele retornou.
— Desculpe por isso.
— Sem problemas. Estou determinada a fazê-lo acabar gostando de mim.
Pretendo enchê-lo com a minha gentileza. Mesmo que eu ainda não tenha
reunido coragem para acariciá-lo. — Dei risada.
— Obrigado mais uma vez por concordar em vir hoje — ele disse.
— Não há de quê. Obrigada por me contratar. Já que não estou
trabalhando atualmente.
— Eu estava indo fazer um café espresso. Quer um?
— Sim. Seria ótimo um pouco mais de energia. — Sorri ao seguir Dax
para a cozinha.
Ele me serviu enquanto lhe contei a história completa sobre o que havia
acontecido com a empresa de massagem.
Ele franziu as sobrancelhas.
— Mas o cara não encostou a mãos em você, não é?
— Não.
— Lamento que isso tenha acontecido.
— É um risco que se corre nesse trabalho. — Dei de ombros.
— O que é péssimo. Esse risco não deveria existir.
— Na verdade, como eu disse, tudo acontece por uma razão. Perder o
emprego me incentivou a procurar outras oportunidades. Inscrevi-me para
uma oportunidade para ensinar música fora do país. Se eu conseguir, irei
nesse verão. É provavelmente o único jeito de poder pagar para ir à Europa
tão logo.
Ele pareceu ponderar minha notícia.
— Então… talvez você vá embora?
— Se eu tiver sorte, sim. — Analisei sua expressão, buscando sinais de
decepção, mas não pude interpretá-lo.
— Isso é maravilhoso.
— Obrigada. Dedos cruzados.
— Esse é o momento para aventuras, não é? Enquanto você é jovem.
— Acho que sim. Quero dizer, se tivesse um motivo forte para não ir, eu
ficaria. Mas não tenho nada me prendendo aqui.
— É. — Ele olhou em meus olhos.
— Você não respondeu quando perguntei na minha mensagem como
Rafe estava.
Ele assentiu.
— Desculpe. Obrigado por perguntar. Ele continua na mesma. Teremos
outra reunião com professoras na escola na próxima semana. Ele faz terapia
regularmente, mas a terapeuta também não consegue fazê-lo falar. Ela tem
ido a essas reuniões, e juntos pensamos em ideias para os próximos passos.
— Tenho lido algumas coisas sobre mutismo. O dele não é exatamente
seletivo, não é? Porque pessoas com mutismo seletivo falam
confortavelmente em certas situações, mas não em outras…
— Exato. Rafe não fala de jeito nenhum. Mas ele tem a capacidade de
falar. Ele só está escolhendo não falar, ou talvez sinta que não pode. A
terapeuta pediu que ele ilustrasse suas emoções no papel, mas tipicamente
sai algo abstrato que nem sempre é fácil de interpretar. Ele é um artista
incrível, na verdade. Antes de sua mãe morrer, ele costumava desenhar com
mais frequência.
— Você disse que o mutismo começou depois que Maren morreu?
Ele confirmou com a cabeça.
— Pontualmente. Elas vinculam o estado dele ao trauma de tê-la perdido.
Mas a situação exata de Rafe não é algo que seu médico já tenha visto antes.
Em geral, não dura tanto tempo assim. Aparentemente, há um nome para
isso: mutismo traumático.
— Lamento que estejam passando por isso. A mente é muito complexa,
não é? Espero que, de alguma forma, isso acabe passando sozinho.
— Eu também — ele sussurrou.
Olhei para seus dedos compridos envolvendo a pequena xícara de café
espresso. Eu tinha um fraco por mãos sensuais, e Dax tinha um par de mãos
lindíssimas.
Ele me fez despertar do meu transe quando disse:
— Tenho ouvido as suas músicas.
Ergui o olhar e encontrei o seu.
— Isso meio que me deixa nervosa, mas estou lisonjeada.
— Você é muito boa. Não tem motivo para ficar nervosa.
Senti meu rosto aquecer, como sempre acontecia quando alguém
elogiava minha música.
— Obrigada.
— Você está vermelha.
— É. Não sei lidar muito bem com elogios.
— Bom, então vou insultá-la. Sou bem melhor nisso mesmo. — Ele
piscou.
Compartilhamos um sorriso.
— Mas, sério, isso apenas significa que você é humilde — ele disse.
— Quem é você, Dax? — perguntei.
Ele tamborilou os dedos sobre a mesa.
— Como assim?
— Melhor ainda, quem você era antes de se tornar esse homem bem-
sucedido? O que te trouxe ao lugar onde está hoje?
— Não foi um mar de rosas. — Ele me ofereceu um sorriso triste. —
Cresci no estado de Nova York. Em Catskills. Minha mãe era uma mulher
maravilhosa, mas o meu pai era verbalmente abusivo. Ele é dono de uma
grande empresa de cimento, e a expectativa sempre foi de que meus irmãos e
eu assumiríamos o negócio. Desviei-me disso e decidi seguir meu próprio
rumo, construir o meu sucesso do zero. Isso era importante para mim. Além
disso, eu não tinha paixão alguma pelo negócio de cimento. Meu pai não
ficou feliz, então me deserdou há mais ou menos sete anos. Não fala comigo
até hoje. Minha mãe e eu temos um relacionamento cordial, mas mantemos
discrição para que ela possa manter a paz com o meu pai. Meus dois irmãos
também não falam comigo, porque ficaram do lado do meu pai. Essa
situação toda é uma droga, por falta de uma palavra melhor.
Quase me senti mal por ter feito aquela pergunta.
— Isso deve ser tão difícil para você.
Ele assentiu.
— Então, naturalmente, sempre coloquei uma pressão enorme em mim
mesmo para ser bem-sucedido. Porque eu queria provar a eles que
conseguiria. — Ele passou a mão pelos cabelos. — Mas, no fim das contas, o
que eu conquistei? Se ainda não estamos nos falando, se meu pai vê tudo
isso como um abandono ao invés de sentir orgulho de mim? Mas a parte
mais difícil foi perder o contato com os meus irmãos.
Aquilo me partiu o coração.
— Sempre me perguntei como seria ter irmãos. Mas, honestamente,
quem precisa de irmãos assim? A sua família deveria ter apoiado os seus
sonhos. Ninguém deveria fazer com a própria vida o que outra pessoa manda
para atender expectativas alheias. Os seus irmãos provavelmente sentem
desgosto porque queriam ter coragem de fazer o que você fez. As pessoas
não costumam agir assim a menos que tenham um problema consigo
mesmas. Eles têm inveja do seu sucesso.
— Como sempre, você é muito perspicaz, Wren. — Ele suspirou. — Mas
é o que é. Como você disse, não é o sucesso que determina a alegria da vida,
não é?
— Você se lembrou. — Sorri.
— Tentei absorver um pouco isso. Acho que foi um dos motivos que me
fez te contatar novamente. A última vez que senti alegria… foi com você.
Ai, Deus. Um arrepio desceu pela minha espinha. Ouvi-lo dizer aquilo foi
tão lindo quanto devastador. E o sentimento era mútuo. Eu tinha uma boa
vida, nada do que reclamar, mas nada nos últimos anos havia acendido uma
chama dentro de mim ― até conhecer Dax. Eu queria tanto dizer isso a ele,
mas não consegui encontrar as palavras certas.
Ele baixou o olhar para sua xícara.
— Espero que isso não tenha sido inapropriado. Eu só quis dizer que,
para vivenciar alegria, é preciso baixar a guarda. E a primeira vez que fiz
isso, depois de muito tempo, foi durante aquela massagem com você.
— Isso me deixa muito feliz. — Quis estender minha mão e tocar a sua,
mas me impedi. — E obrigada por compartilhar um pouco da sua história
comigo. Espero que a sua família caia em si, um dia.
Ele respirou fundo.
— Quando conheci Maren, parte do que me fez sentir atraído por ela foi
a maneira como ela me enxergava e como me fazia sentir. Ela via o sucesso
que consegui por meu próprio esforço, minhas esperanças, meus sonhos e
meus defeitos da maneira como eu esperava que a minha família visse. E ela
preencheu o vazio que eles deixaram… de certo modo. Nosso casamento não
era perfeito. Mas ela era basicamente a única família que eu tinha e minha
melhor amiga. — Ele balançou a cabeça. — Já se arrependeu de ter
perguntado?
— Nem um pouco — eu disse, lisonjeada por sua franqueza.
Ele delineou a borda da xícara com a ponta do dedo indicador.
— Segui o seu conselho e comecei a escrever no diário.
— Sério? Fico tão feliz por saber disso.
— É um trabalho em andamento.
— A vida é um trabalho em andamento, uma série de altos e baixos. O
que importa é levantarmos após cairmos e seguirmos em frente. Você teve
muita prática nisso, ultimamente.
— Bem, isso é verdade. Como é que se diz, mesmo? Deus não nos dá um
fardo maior do que podemos carregar? Estou quase me rendendo para que
Ele saiba que já cansei. — Ele deu risada. — Enfim, acho que agora é minha
vez de perguntar alguma coisa, não é? — Ele abriu um sorriso malicioso. —
Ainda estou curioso sobre o seu histórico de garota má, que você comentou
na última vez. Acho que está na hora de você eliminar a minha teoria de que
é toda comportada.
Dei risada.
— Acho que tenho histórias demais para conseguir contar tudo em tão
pouco tempo.
Dax me encarou.
— Conte apenas uma, então.
Revirei minha mente. Havia várias histórias para escolher.
— Ok… — Escolhi uma aleatória. — Por um breve período, eu fui ladra
de sucata.
— Como é? — Seus olhos se encheram de diversão. — Tenho que ouvir
isso.
Suspirei.
— Há cerca de dez anos, meu pai ficou desempregado. Estávamos
correndo o risco de perder a casa. Ele já tinha passado por tantas coisas e se
esforçado tanto para nos sustentar que senti que deveria fazer alguma coisa,
mesmo que fosse por desespero. Um garoto do meu bairro ficou sabendo
sobre a minha situação e me mostrou todos os melhores lugares de onde
roubar sucata. Eu vendia o que juntava e depois colocava o dinheiro de
forma anônima em um envelope na nossa caixa de correio. Meu pai não
sabia de onde o dinheiro estava vindo.
— Nossa. — Ele riu. — De onde você roubava a sucata?
— De vários lugares. Bares que deixavam seus barris abertos do lado de
fora, canteiros de obras… mas eu me recusava a roubar qualquer coisa de
cemitérios ou parques.
— Você foi flagrada, alguma vez?
— Aham. Fiquei morrendo de medo. Uma mulher me flagrou pegando
uma estátua de bronze de seu jardim. Tive sorte por ela não ter me mandado
para a cadeia. Quando expliquei por que estava recorrendo ao roubo, ela me
deixou levar a estátua e concordou em não dar queixa na polícia. Mas com a
condição de que eu prometesse não roubar mais. Ela também me fez contar
ao meu pai o que estava fazendo. Ela o conhecia, porque morávamos na
mesma vizinhança. Quando meu pai descobriu, ficou furioso. Então, ele e eu
limpamos a neve da casa dela naquele inverno.
— Mas vocês não perderam a casa? — ele perguntou.
— Não. Graças a Deus, meu pai conseguiu um emprego antes que isso
acontecesse. Mas não posso dizer que me arrependo de tê-lo ajudado a
manter nosso teto. Se eu for para o inferno por isso, que seja. Mas eu nunca
teria coragem de fazer algo assim hoje em dia. E tenho noção, é claro, do
quanto foi errado. Então, não se preocupe, seus objetos de metal estão a
salvo.
— Obrigado por esclarecer isso. Já estava com medo de perder a minha
cerca de ferro fundido. — Seu sorriso se manteve inabalável. — Ok, até
mesmo a sua história de garota má tem uma conotação do bem por trás. Você
faz o roubo de sucata parecer heroico. Aprecio o que fez, mesmo que tenha
sido errado. Acho que não há nada que não faríamos para proteger aqueles
que amamos. Admiro o vínculo que você tem com o seu pai.
Isso me fez sentir pena dele. Família deveria sempre apoiar uns aos
outros. A família de Dax claramente não oferecia isso a ele.
Houve um longo momento de silêncio. Não sei o que me compeliu a
proferir exatamente como estava me sentindo naquele instante, mas o fiz.
— Senti sua falta — eu disse.
Dax estava olhando para sua xícara e, nesse momento, ergueu o olhar
para mim de repente. Ele não disse nada.
Aff. Por que eu fiz isso? Minha boca abriu e fechou algumas vezes.
— Desculpe se isso soou esquisito, mas pensei que nunca mais o veria
novamente. — Balancei minha cabeça e baixei o olhar. — Quer saber?
Esqueça que eu disse isso, por favor.
— Não — ele falou finalmente. — Eu adoro a sua honestidade. E
também estou feliz em te ver. Estaria mentindo se dissesse que a única coisa
que eu queria hoje era uma massagem. Gosto da sua companhia. É bom ver
o seu rosto novamente e conversar com você. Me sinto muito bem com isso.
Por falar em se sentir bem, eu não deveria estar fazendo uma massagem
nesse cara? Devia estar ficando tarde.
Olhei para a hora.
— É melhor começarmos, já que Rafe estará em casa logo, não é?
Ele olhou para o relógio na parede da cozinha.
— Sim, daqui a uma hora e meia.
— Vou montar a maca. — Levantei-me tão rápido que tropecei. Minha
bolsa voou da minha mão, assim como o conteúdo dela.
Merda! Por que sou sempre um desastre nessa casa?
— Dedos de manteiga ataca novamente. — Balancei a cabeça. — Será
que eu morreria se não derrubasse ou quebrasse alguma coisa toda vez que
venho aqui?
Parecia que tudo havia caído de dentro da bolsa: minha carteira, moedas,
recibos, barrinhas de cereais e, infelizmente, absorventes internos. Pelo
menos uns dez. Sim, dez.
Dax aproximou-se com pressa para me ajudar a recolher a bagunça.
— Sempre ajuda estar preparada — ele brincou, colocando alguns dos
absorventes de volta na minha bolsa.
Pigarreando, expliquei:
— Tive uma experiência ruim uma vez, em que precisei de um e não
tinha, então me certifico de que isso nunca aconteça novamente.
— Acho que você está segura pelos próximos cinco anos. — Ele pegou
minha agenda do chão. Estava aberta na data de hoje.
— Você teve uma manhã bem cheia — ele disse. — Reiki às nove horas?
— Sim. Você não é o único praticando autocuidado. — Sorri.
— O que é BDE? É o que está escrito no nosso horário.
Ai, não. Quase fiz xixi nas calças. BDE foi o que escrevi para representar
esse compromisso.
— Você não sabe o que isso significa? — perguntei, pegando a agenda e
guardando-a de volta na minha bolsa.
— Não.
— Sério?
— Sério.
— Então, não vou te dizer.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— É algo ruim?
— Não.
— Me diga, ou terei que adivinhar. — Ele me entregou o último item que
estava no chão. — Babaca de Elite?
Dei risada.
— Não.
— Burro Desatento Enervante?
Balancei a cabeça e suspirei. Ele ia acabar pesquisando no Google
depois, e eu não estaria por perto para explicar.
— Significa big dick energy.
— Ah… sim. Já ouvi falar nisso. Não fiz a conexão com o acrônimo.
— Embora signifique “energia de pau grande”, não tem nada a ver
com… o pau em si. O termo não é exclusivo para homens. Mulheres
também podem ter big dick energy. É quando alguém exala confiança, mas
sem ser arrogante. É a vibe que você emana. Você não enxerga isso em si
mesmo porque está ocupado demais fazendo as suas coisas, como
administrar a sua empresa, cuidar de Rafe. Você não está tentando ter BDE.
Você simplesmente tem.
— Bem, isso é bem melhor do que ter energia de pau pequeno, eu acho.
— Com certeza. É uma coisa boa.
— Já fui chamado de coisas piores na vida, então vou aceitar.
Pigarreei.
— Agora que estou completamente mortificada, que tal prosseguirmos
para a massagem?
— Claro. — Ele sorriu.
Fiquei aliviada.
Dax levou meu equipamento para seu escritório, ajudou-me com a maca
e deixou-me sozinha ali por um tempinho enquanto eu arrumava o restante.
Estava mais nervosa para tocá-lo dessa vez do que na anterior. E sabia por
quê. Eu concordara em vir não somente para fazer uma massagem nele, mas
porque gostava dele. Ao mesmo tempo, ele me intimidava, e eu sentia que
ele era muita areia para o meu caminhãozinho. Eu tinha medo de que um
homem como Dax Moody nunca se interessasse de verdade em ter algo
comigo. Era possível que ele me achasse atraente e simpática. Mas, nesse
estágio de sua vida, ele provavelmente estava procurando uma pessoa mais
estabilizada. Afinal, ele se relacionava com mulheres mais velhas.
Ainda assim, mesmo sabendo a dura verdade, e comprometendo-me a
não misturar trabalho com prazer, senti-me nervosa com essa massagem ―
como se fosse algum tipo de encontro. Será que estou delirando?
— Está tudo bem?
Sobressaltei-me diante do som de sua voz. Felizmente, não havia nada
por perto que eu pudesse quebrar, desta vez. Virei-me para olhá-lo.
— Sim. Por que pergunta?
— Você estava murmurando para si mesma.
— Oh… — Dei uma risada nervosa. — Eu faço isso, às vezes.
Sem que eu precisasse pedir, Dax retirou a camisa pela cabeça. Ok,
então.
Ele estava claramente mais confiante, dessa vez. Engoli em seco diante
da visão de seu peito nu, que despertou a área entre minhas pernas. Eu o
queria como nunca quisera outro homem antes. Mas tinha que manter o
profissionalismo. Eu não estava ali para comer seu corpo com os olhos ou
ficar excitada com essa atração implacável e inapropriada. Eu estava ali para
fazer uma simples tarefa, e precisava manter o foco.
Recomponha-se, Wren. Você tem apenas um trabalho a fazer. E não é
nada sexual. Pare essa mente imunda.
Como da última vez, ele ficou apenas de cueca e cobriu-se com uma
toalha. Depois que se deitou, tive uma sensação de déjà vu ao colocar óleo e
pressionar as mãos em suas costas. Eventualmente, consegui superar minha
apreensão ao me perder no processo. Como esperado, ele também relaxou.
Quando terminei de massagear toda a parte de trás de seu corpo, fiz a
pergunta crucial:
— Você quer virar?
Seu corpo ficou tenso e ele não disse nada, então eu sabia que ele estava
duro novamente. Talvez ele precisasse de um pouco de encorajamento.
— Eu acho que você deveria virar. Não ligo nem um pouco se estiver
com uma ereção.
Suas costas simplesmente ficaram subindo e descendo.
Pigarreei e decidi me arriscar.
— Ajudaria se eu te dissesse que também fico excitada? Você só não
consegue ver.
— Porra — ele murmurou.
Ok, talvez isso tenha sido demais. Mas era verdade.
Para minha surpresa, Dax virou-se devagar, ajustando rapidamente a
toalha sobre seu corpo. Ele estava mesmo ereto, baseado no volume
proeminente que pude ver. Era como se ele estivesse escondendo uma cobra
grande sob a toalha.
Energia de pau grande.
Uau.
Ok.
Foco.
Pressionei minhas palmas em seu peito rígido e deslizei-as para baixo
lentamente, aplicando a quantidade certa de pressão. Agora, eu podia ver seu
lindo rosto, o que era com certeza uma distração. Tentei não olhar para ele,
mas falhava toda vez. Seus olhos estavam fechados e seu pescoço, um pouco
arqueado. Seu pomo de adão se movia, e seu peito subia e descia. Em
determinado momento, ele passou a língua pelo lábio inferior, e isso foi tão
sensual que senti como se minha calcinha fosse derreter. O fato de que ele
parecia estar com tesão não facilitava muito a minha situação. Era sexy pra
caralho.
Ali de pé ao lado dele, forcei-me mais uma vez a focar em fazer o meu
trabalho. Em seguida, continuei a deslizar as mãos pela extensão de seu peito
até o torso, eventualmente chegando às suas pernas. Tocá-lo desse ângulo
era uma experiência gloriosa, mesmo que as coisas nunca fossem além disso.
De uma coisa, eu sabia: eu nunca me esqueceria desse momento. E mesmo
que ele nunca mais me chamasse, eu certamente nunca o esqueceria.
Pouco tempo depois, posicionei-me acima de sua cabeça para poder
massagear seus ombros e descer por seu peito desse ângulo. Meus seios
acabaram posicionados bem acima de seu rosto, e pude sentir o calor de sua
respiração irregular contra eles. Meus mamilos ficaram bem duros, ansiando
por cada sopro de ar vindo dele. Ao esfregar minhas mãos em sua pele,
fiquei consumida por um desejo intenso muito maior do que antes. Minha
imaginação entrou em ação. Pensei em como seria me deitar sobre ele,
esfregar-me em seu pau rijo. Minha calcinha estava molhada por meramente
tocá-lo. Eu mal podia imaginar qual seria a sensação de estar, de fato, com
ele.
Além disso, eu estava confusa quanto ao que isso realmente era. Ele
realmente só queria uma massagem? Porque desde o momento em que entrei
nesta casa, ele me fez sentir que me queria. Eu esperava que isso fosse
verdade. O sentimento era mútuo.
Seus olhos se abriram, e ele me fitou. Eles estavam enevoados, e pude
ver com ainda mais clareza que ele estava tão excitado quanto eu. Na
verdade, sua expressão parecia um convite. Aquele olhar me convenceu a
dar um salto de fé, e eu abaixei minha boca ― não para beijá-lo, mas na
esperança de que ele ergueria a cabeça para me beijar.
Mas ele não o fez. Em vez disso, agarrou meus pulsos, deixando-me
chocada com sua força repentina.
— Não — ele disse com a voz rouca.
Ele está falando comigo ou consigo mesmo?
Sua expressão relaxada e excitada transformou-se em uma de puro
tormento.
Meu estômago gelou, e tudo que consegui proferir foi:
— Eu… hã…
— Não posso — ele murmurou. — Eu sinto muito.
Dei um passo para trás e ele ergueu o tronco para ficar sentado,
segurando a toalha sobre sua virilha como se sua vida dependesse disso.
— Merda. — Seus olhos estavam cheios de arrependimento. — Eu sinto
muito, Wren — ele repetiu.
O que foi que eu fiz?
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ouvi uma porta bater.
Dax desceu da maca e correu para pegar sua calça. Ele a vestiu como se
tivéssemos sido pegos no flagra fazendo algo inapropriado.
Fomos mesmo?
— É a sua empregada?
— Acho que sim.
Houve uma batida na porta, mas ela a abriu antes que Dax pudesse dizer
alguma coisa.
Ela começou a falar antes de entrar.
— Eles me disseram que… — Ela parou ao me ver e, em seguida, olhou
para ele.
Seus cabelos estavam desalinhados. Sua calça ainda estava aberta. E
diante das nossas expressões, tive certeza de que ela presumiu que tinha nos
interrompido no meio de alguma coisa.
— Oh… eu… sinto muito por interromper.
Winston entrou com tudo no escritório, latindo loucamente ao correr em
círculos em volta de Dax.
— O tosador ligou e disse que Winston ficou pronto mais cedo, então
pensei em trazê-lo para casa antes de ir buscar Rafe. Eu não fazia ideia de
que você tinha… um compromisso.
Winston estava lindamente fofo e limpinho. Sua língua estava pendurada
para fora, e ele parecia estar sem fôlego. Pude sentir o cheiro do xampu
usado nele do outro lado do cômodo. Por mais que ele me odiasse, eu
adoraria enterrar o nariz em seus pelos brilhantes ― sabe, se não
estivéssemos no meio do momento mais mortificante da minha vida.
Ela olhou para mim.
— Você é a mesma massoterapeuta que esteve aqui há um tempo.
— Sim. — Pigarreei. — Já terminamos, e eu estava de saída.
Dax virou-se para mim.
— Você não precisa ir embora, Wren. É melhor conversarmos primeiro.
De jeito nenhum eu me submeteria a ouvi-lo me explicar de forma mais
elaborada por que me rejeitou. Às vezes, era melhor manter o mistério em
relação a certas coisas. Pensando melhor, às vezes era melhor nunca mais
falar sobre ou ao menos pensar em certas coisas.
— Sim, eu tenho que ir embora. Não é preciso conversarmos. De
verdade.
Completamente humilhada, joguei todos os óleos na bolsa o mais rápido
possível e comecei a dobrar a maca. Dax tentou me ajudar, mas ergui uma
mão para detê-lo. Ele parecia ter entendido o recado, porque deu um passo
para trás ― infelizmente, ainda dolorosamente sexy com sua calça
desabotoada.
A empregada continuou ali, observando tudo.
Finalmente terminei de guardar tudo e segui para a porta.
Ele me chamou conforme segui pelo corredor.
— Wren, espere…
— Eu preciso mesmo ir — eu disse ao sair pela porta da frente.
Dax ficou no vão da porta, sem camisa. Percebi que não peguei minha
toalha de volta. Fazer o quê? Que ela vivesse uma vida longa e feliz sob a
posse de Dax, porque eu com certeza não voltaria para buscá-la.
Ele ficou me observando enquanto eu guardava tudo no meu SUV.
Coloquei a maca no banco de trás e joguei a bolsa ao lado dela antes de
fechar a porta. Ainda sentia sua presença no vão da porta ao dar partida o
mais rápido possível.
Antes de sair, olhei uma última vez para o homem esplendidamente lindo
que permanecia na porta, certa de que eu nunca mais o veria.
A pior parte? Durante todo o caminho para casa, meus mamilos
continuaram duros.
Estava sentado à mesa de jantar, fitando inexpressivamente minha taça de
vinho. Rafe tinha acabado de ir para seu quarto, deixando-me sozinho com
meus pensamentos. Meus olhos pousaram na tigela de doces que Shannon
vinha colocando sobre a mesa, e a mini barra de Butterfinger imediatamente
me fez pensar em Wren ― não que eu precisasse de um lembrete para
pensar nela. Eu pensava nela todo santo dia.
Um mês havia se passado desde a tarde em que ela foi embora da minha
casa. O Natal passou, e agora estávamos no começo de janeiro ― o começo
de um ano novinho em folha, no qual jurei parar de fazer merda. Decidir não
contatar Wren novamente foi parte dessa resolução. Estava sendo difícil,
mas me convenci de que era o melhor a fazer. Qualquer ação que eu tomasse
só deixaria a situação ainda pior.
Quando ela abaixou a boca em direção à minha naquele dia, tudo que eu
mais queria era beijá-la. A decisão estava nas minhas mãos. Wren havia me
entregado a iniciativa. Mas ao invés de tomá-la e fazer o que queríamos, eu
surtei. Eu sabia que se deixasse as coisas seguirem por essa direção, não
haveria mais volta ― mesmo que beijá-la teria sido a coisa mais natural que
eu faria em muito tempo. Fiquei a um fio de me inserir em lugares aos quais
não pertencia, tanto literal quanto figurativamente. De modo direto, minha
atração por Wren era egoísta. Eu não era o homem certo para ela, em
nenhum sentido, forma ou modo. Então, fiz a difícil escolha de encerrar o
que estava acontecendo antes que saísse do controle.
Eu tinha certeza de que ela havia tirado a conclusão errada ao sair
correndo da minha casa. Esperava que ela não se sentisse envergonhada por
tentar tomar a iniciativa, especialmente quando a iludi. Eu deveria estar
envergonhado ― envergonhado por contatá-la depois que ela pediu
demissão de seu emprego na Elite, quando deveria ter deixado as coisas
como estavam. Envergonhado por não ter conseguido esconder a droga da
minha excitação ― nas duas vezes em que ela me massageou, mas
especialmente na última vez. Envergonhado pelo fato de que eu ainda
assistia aos seus malditos vídeos de música todas as noites e por essa ser a
única forma de eu conseguir dormir. Essa era a parte mais difícil ― eu ainda
a via. Todas as noites. Só não em carne e osso.
A voz de Shannon veio por trás de mim, interrompendo minhas
ruminações.
— Você tem andado preocupado. Bom, mais preocupado do que de
costume.
— Que bom que você esclareceu essa última parte, porque eu
basicamente estou sempre preocupado mesmo.
Shannon era minha funcionária, mas estabelecemos uma amizade havia
muito tempo. Não era incomum ela se intrometer quando sentia que algo
estava estranho.
Como se tivesse lido a minha mente, ela disse:
— Talvez esteja na hora de você marcar outra massagem.
Minha mandíbula tensionou. Era a primeira vez que ela tocava nesse
assunto desde a saída desconfortável de Wren. Fiquei surpreso por ela ter
demorado todo esse tempo para pegar no meu pé por isso, mas,
aparentemente, meu período de paz havia acabado. Pigarreei.
— Isso não vai mais acontecer.
— Por que não?
— Não é muito a minha praia.
— Aquela massoterapeuta era muito bonita.
— O que isso tem a ver? — vociferei.
— Não sei. Apenas senti algo naquele dia quando voltei mais cedo.
Pensei que podia estar acontecendo algo a mais.
— Bem, você pensou errado.
— Não é da minha conta, Dax. Mas você sabe que seria perfeitamente
aceitável se estivesse acontecendo alguma coisa, não é? Faz quase dois anos
desde que Maren morreu. Ela gostaria que você seguisse em frente.
— Como você sabe do que Maren gostaria?
— Bem, presumo que ela gostaria que você fosse feliz. Não há motivo
para ter vergonha de se permitir o contato humano que todos nós
precisamos.
Arqueei uma sobrancelha.
— Quem disse que não tenho contato humano? Talvez eu tenha e você
não saiba.
— Estou ciente da mulher que veio aqui te procurando, uma vez.
Adriana, ou algo assim? Não tive a impressão de que ela era alguém
importante. Diferente da impressão que aquela massagista me passou. Você
pareceu muito afetado quando ela saiu daqui de repente, como se ela fosse
importante para você. Mais uma vez, não é da minha conta, mas não acho
que deva se sentir culpado por qualquer coisa que possa ou não ter
acontecido.
— Pelo amor de Deus, eu não dormi com ela — bradei. Respirei fundo e
baixei meu tom de voz. — Mas houve… algo entre nós. Uma atração.
Admito. Mas foi só isso.
— Então, suponhamos que você decidisse marcar outra massagem…
Arqueei as sobrancelhas.
— E o quê?
— Nós deveríamos criar um código. Tipo, se eu vir uma camiseta
pendurada na maçaneta, significa que não devo entrar no seu escritório.
Revirei os olhos.
— Shannon…
— O quê?
— Eu sei que você só está cuidando de mim. E fico grato por isso. Mas
prefiro não discutir mais esse assunto.
— Tudo bem. — Ela abriu um sorriso compreensivo. — Você é quem
manda.

No sábado seguinte, arrastei Rafe para fora de casa. Sair seria bom não
somente para ele, mas para mim também. Nós dois passávamos tempo
demais em nossos dispositivos eletrônicos, desperdiçando fins de semana
porque não sabíamos bem como interagir um com o outro. Eu precisava
melhorar esse aspecto, e isso começaria hoje. Mesmo que ele ainda não
quisesse falar comigo, eu forçaria um tempinho juntos.
Decidi que iríamos ao centro da cidade para almoçar, e escolhi um
restaurante de ramen. Ele tomou o seu bem rápido, então eu pelo menos
soube que ele gostou.
Em seguida, fomos a uma livraria. Rafe gostava de revistas em
quadrinhos japonesas, então eu disse a ele que escolhesse algumas. Ele se
separou de mim para explorar as prateleiras, e fiquei de olho nele de longe
enquanto examinava a seção de livros de ficção.
Em determinado momento, ergui o olhar e encontrei alguém ao lado dele.
Estreitei os olhos para ver melhor.
Não pode ser.
Mas era.
Era ela.
Senti como se meu coração fosse saltar do peito.
Wren disse algo para ele. Quando me aproximei, ela olhou para mim.
Sua pele ruborizou imediatamente.
— Oi, Dax. — Ela colocou um livro de volta na prateleira. — Eu…
reconheci Rafe. Não sabia que ele gostava de mangás. Eu estava contando a
ele sobre a vez em que fui a uma convenção de animes que aconteceu em
Boston há alguns anos.
Rafe sorriu.
Porra, ele sorriu.
Era o primeiro sorriso genuíno que eu via em seu rosto em… bem, uma
eternidade.
— Sério? — Engoli em seco. — Que legal.
— Como você está? — ela perguntou.
— Bem. Nós, hã, decidimos vir dar uma volta no centro da cidade hoje.
— Então, tivemos a mesma ideia. Eu amo essa livraria. Acho que Rafe
ficou surpreso ao ver que sei tudo sobre Death Note. — Ela virou-se para
ele. — Foi muito bom ver você, Rafe. Espero que escolha um dos bons.
Meu corpo voltou à vida ao vê-la. Eu tinha quase me esquecido do
quanto ela era linda pessoalmente. Seus cabelos curtos tinham crescido um
pouco. Seu joelho delicado estava aparecendo pelo buraco da calça jeans
rasgada. Sua camiseta listrada em preto e branco caía por um de seus ombros
e tinha um nó amarrado logo acima de sua cintura. Podia fazer apenas um
mês, mas parecia uma eternidade.
Rafe ergueu a mão e acenou para se despedir dela antes de voltar sua
atenção para os livros.
Ela expirou.
— Bem… é melhor eu ir.
“Não a deixe ir”, uma voz dentro de mim disse.
— Você precisa ir a algum lugar? — Apontei com o polegar para a
cafeteria que havia atrás de mim. — Podemos tomar um café ali?
— Na verdade, eu preciso ir a um lugar. — Ela mordeu o lábio inferior,
parecendo tensa. Tive a impressão de que era somente uma desculpa, mas
não ia forçar. Ela tinha todo direito de fugir de mim depois do jeito como
lidei com as coisas.
— Ok. Bem, foi muito bom te encontrar — eu disse.
— Igualmente. — Ela forçou um último sorriso antes de passar por mim.
Inspirando os resquícios de seu cheiro floral, fiquei olhando-a até
desaparecer de vista.
Durante o resto do nosso tempo na livraria, não consegui parar de pensar
nela, olhando para a entrada de vez em quando, como se ela fosse voltar.
Mas o que realmente me impressionou foi a conexão que ela pareceu ter com
Rafe. Fazia quase dois anos que ninguém conseguia fazê-lo sorrir daquele
jeito. Eu já estava questionando minha decisão de não tê-la contatado
durante todo esse tempo. E o que mais me perturbava era quão revigorado eu
me senti durante aqueles poucos minutos em sua presença novamente.
Rafe e eu voltamos para casa não muito tempo depois que ela foi
embora. Passei a noite toda em um tipo de transe. Após o jantar, Rafe foi
para seu quarto com os três livros que comprei para ele, deixando-me
novamente sozinho com meus pensamentos.
Mais tarde, naquela noite, eu estava deitado na cama quando recebi uma
mensagem.
Meu coração acelerou quando vi que era de Wren.
Eu tinha esquecido que havia mandado meu número para ela por
mensagem antes da última sessão de massagem, para que ela o tivesse caso
precisasse me contatar.
Oi, Dax. É a Wren. Desculpe se agi estranho durante o nosso
encontro hoje. Foi bom ver você. E Rafe é maravilhoso. Eu estava
pensando no quanto ele prestou atenção quando eu estava contando
sobre a convenção de animes. Percebi que, às vezes, nos esforçamos
demais para fazer as pessoas se identificarem com a nossa versão de
mundo. Descubra do que ele gosta, o que desperta seu interesse, e use
isso para se conectar com ele. Enfim, pensei em compartilhar isso
com você.
Meu peito apertou. Eu queria ouvir sua voz.
Dax: Posso te ligar?
Os pontinhos saltaram conforme ela digitou.
Wren: Claro.
Pressionei a tecla de ligar em seu nome nos meus contatos. Ela atendeu
após dois toques.
— Oi.
— Oi. — Expirei, agarrando meus lençóis. — Como você está?
— Bem.
Após um momento de silêncio, eu disse:
— Tive a impressão de que te espantei hoje mais cedo. O jeito como
você saiu de lá com pressa…
— Acho que ver você mexeu comigo.
Fechei os olhos.
— Estou me sentindo um merda desde que você foi embora da minha
casa naquele dia, Wren. Tenho pensado muito em você.
— Bom, poderia ter ligado. Você tem o meu número. E escolheu não me
ligar.
Ela tinha razão.
— Não foi por não querer. Por favor, saiba disso.
— Essa é a questão. De algum jeito, eu sei que você gostou de conversar
comigo, que gostou de passar um tempo comigo. E também suspeitei que,
quando me contatou naquele dia para marcar mais uma massagem, não foi
somente pela massagem. Acho que é por isso que estou confusa. Você
nunca… gostou de mim dessa forma? Eu interpretei tudo errado? Porque
você definitivamente me passou a vibe de que estava interessado em mim,
Dax.
Como diabos eu deveria me explicar?
— Wren… eu gosto de você, sim. Muito. Mas não há nada que eu possa
fazer a respeito.
— Você não se sente pronto?
Era uma pergunta justa.
— Não é isso…
— O que é, então?
— Eu não sou… certo para você. E eu gosto demais de você para não
levar as coisas a sério. Então, isso significa que tenho que controlar as
minhas ações.
— Você acha que é velho demais para mim? Porque eu já estive com
homens mais velhos do que você.
Bem, que merda.
— Não, também não é isso.
— Você não se sente atraído por mim?
Se ao menos fosse assim…
— Acho que você sabe, diante da maneira como meu corpo reagiu, que
me sinto muito atraído. Você é absolutamente linda. Em todos os sentidos.
Nunca duvide disso.
— Então, o que é?
Meu estômago se contorceu.
— É… complicado.
Ela fez uma pausa.
— Você já transou com alguém desde que a sua esposa morreu?
Hesitei, mas lhe disse a verdade.
— Sim.
— Uau, ok. Então, não é uma necessidade de se manter fiel. Não tinha
certeza sobre isso.
— Só estive com uma pessoa. E não significa nada. É só alguém que eu
sei que não espera nada além disso de mim.
— Então, é algo que está rolando atualmente?
Puxei meus cabelos.
— Não sei se vai acontecer de novo. Não sou eu que costumo procurá-la.
Como eu disse, não significa nada. Não estou em um momento que me
permita ter nada sério.
— Hum… — Ela pausou. — Pensei que, talvez, diante do quanto você
foi… reativo a mim, fizesse algum tempo desde que esteve com alguém.
Presumi erroneamente que fui a primeira mulher a te tocar em muito tempo.
Ela foi a primeira mulher que me fez sentir qualquer coisa. Eu queria
dizer isso a ela, mas precisava ser cuidadoso com minhas palavras.
— Minha resistência não teve nada a ver com meus sentimentos ou a
falta deles em relação a você, fisicamente… ou em outro sentido.
A frustração em seu tom era aparente.
— Você não me deve uma explicação. Mas por que pediu para me ligar
agora? Eu só mandei mensagem para te falar aquilo sobre Rafe, porque
passei o dia todo pensando nele. Você não quer algo a mais comigo, então
talvez tivesse sido melhor deixar as coisas como estavam, se acha que tudo é
tão complicado. Essa conversa só está bagunçando ainda mais a minha
cabeça.
Ela estava furiosa. E estava certa. Eu não deveria ter ligado.
Ficamos apena respirando ao telefone por alguns instantes.
— Me desculpe — ela disse finalmente. — É só que… eu nunca fui tão
ousada daquela maneira antes, como fiz naquele dia no seu escritório. E eu
certamente nunca fiz algo assim enquanto estava trabalhando. É que, com
você, não parecia ser trabalho. Parecia ser algo completamente diferente,
como se estivéssemos realmente nos conectando. Eu interpretei errado o
rumo das coisas entre nós, o que você queria. Foi um erro da minha parte.
Preciso melhorar em como interpretar as pessoas para não me constranger
novamente no futuro.
Suspirei.
— Você me interpretou corretamente. Nós temos, sim, uma conexão. Isso
é inegável. E eu queria muito que as coisas continuassem naquele dia. Eu…
— Minhas palavras sumiram enquanto eu esfregava minha têmpora.
Cuidado com o que vai dizer, Dax. Eu queria explicar mais, mas não podia.
— Vou me despedir de você, Dax. Ok? Espero que tenha uma boa vida.
De coração. Nunca vou me esquecer de você, ou de Rafe… nem mesmo da
bola de pelos do Winston, que me odeia. Rezarei para que tudo dê certo para
vocês. Fique bem.
Meu pulso acelerou.
— Wren…
Antes que eu pudesse colocar qualquer outra palavra para fora, ela
desligou.
Eu tinha finalmente conseguido um novo emprego em uma empresa de
massagens que ficava em Wellesley. Até então, estava indo tudo bem,
embora o pagamento fosse um pouco menor que o da Elite. Na verdade, as
coisas estavam indo muito bem na minha vida, no geral. Além do novo
emprego, eu tinha começado a sair com um cara que conheci através de uma
amiga.
Sam Benson trabalhava para a rede de restaurantes de sua família e havia
crescido na mesma área que eu, mas nossos caminhos nunca tinham se
cruzado quando éramos mais novos. Ele agora morava na parte norte da
cidade. Nosso relacionamento era casual, mas eu gostava de passar tempo
com ele.
Por fora, eu parecia ter superado a minha obsessão pelo temperamental
Dax Moody. Fazia um mês desde que havíamos nos falado por telefone pela
última vez. Então, por que eu ainda pensava nele o tempo todo? Isso, eu não
sabia dizer. Mas, apesar de ele surgir na minha mente quase todos os dias, eu
estava começando a me conformar com esse pequeno capítulo da minha vida
― e com o desejo não satisfeito e a confusão que provavelmente existiriam
para sempre.
Dessa vez, acreditei realmente que nunca mais veria Dax, especialmente
depois da maneira como desligara na cara dele. Mas sabe o que dizem sobre
presumir coisas, não é? Descobri isso da maneira mais difícil certa noite,
após o trabalho.
Eu tinha acabado de sair do banho quando meu pai bateu à porta do meu
quarto.
— Wren, tem um homem aqui querendo falar com você. Tem algo que
queira me contar?
Um homem?
— Quem é?
— O nome dele é Dax Moody. Ele está esperando lá embaixo.
Meu coração quase saltou do peito.
— O quê? Dax está aqui?
— Sim. Quem é ele?
Falei através da porta.
— Ele é… um ex-cliente.
— Ele parece ser rico… tem um carro chique, pelo que pude ver lá fora.
Está acontecendo algo entre você e esse cara? Pensei que estivesse saindo
com aquele Sam.
— Dax e eu não estamos saindo. Faz mais de um mês que não o vejo.
Não faço ideia do que ele quer.
— Quer que eu o mande embora?
Meu pulso acelerou enquanto eu procurava freneticamente minhas
roupas.
— Não! Eu só preciso terminar de me vestir. Diga a ele que descerei em
um minuto.
— Ok… como quiser.
Vesti uma calça jeans e uma camiseta e passei o secador em meus
cabelos algumas vezes antes de aplicar um pouquinho de maquiagem.
Um bolo formou-se em minha garganta conforme desci as escadas. Ao
vê-lo, senti meus joelhos enfraquecerem. Eu sempre soube que Dax era alto
― devia ter quase um metro e noventa ―, mas comparado ao meu pai, que
tinha apenas um e setenta e dois, ele parecia ainda mais alto. Ele estava
usando um casaco preto de lã com um cachecol no pescoço.
— Oi, Wren.
— O que você está fazendo aqui?
— Eu sei que você deve estar chocada por me ver agora. Peço desculpas
por não ter ligado primeiro. Mas queria saber se podemos conversar.
— Oh… ok. — Engoli em seco, lançando um olhar rápido para o meu
pai.
Senti meu cérebro inundar com as teorias sobre o que ele teria a dizer.
Ele tinha mudado de ideia quanto a querer namorar comigo? Tinha passado
todo esse tempo pensando em mim e se sentia mal pelo modo como as coisas
terminaram entre nós? Até mesmo me perguntei se ele estaria com pena de
mim e me ofereceria um emprego.
Ele me despertou dos pensamentos.
— Será que podemos ir dar uma volta? Ou podemos conversar aqui, se
preferir. — Dax ficou mexendo em seu relógio. Ele definitivamente estava
nervoso de uma maneira que eu nunca vira antes.
Olhei para o meu pai novamente, que parecia tão confuso quanto eu.
Provavelmente faria mais sentido se fôssemos a algum outro lugar para
termos privacidade. A casa era pequena, então meu pai poderia ouvir tudo,
não importava em qual cômodo estivéssemos.
— Vou pegar meu casaco — eu disse. — Podemos ir dar uma volta.
Meu pai me seguiu até o armário de casacos nos fundos da casa.
— Tem certeza de que esse cara não é perigoso? — ele sussurrou.
— Sim. Ele é uma boa pessoa. Não estou correndo perigo algum. Você
não precisa se preocupar.
Acredite, eu poderia me jogar nele e, ainda assim, nada aconteceria.
— Tudo bem. — Ele suspirou. — Me mande uma mensagem em meia
hora, se ainda não tiver voltado.
— Pode deixar.
Estremeci diante do ar frio da noite de fevereiro conforme Dax e eu
seguimos para seu Porsche, que estava estacionado em frente à minha casa.
Não havia muitas vagas na rua montanhosa onde morávamos na parte de
Boston chamada Roslindale, então fiquei surpresa por ele ter conseguido um
espaço a essa hora da noite, quando todo mundo estava em casa após o
trabalho.
Ele destravou o carro e eu entrei. O couro sob mim era frio.
Dax ligou o aquecedor ao se acomodar no banco do motorista.
— Se você quiser ligar o aquecedor de assento, o botão fica à sua
esquerda.
— O que está acontecendo, Dax? — perguntei, ignorando sua sugestão.
— Por que não me ligou antes?
— Foi uma decisão impulsiva. Eu não queria me dar tempo para mudar
de ideia, porque essa conversa é necessária.
— Como você conseguiu meu endereço?
Ele deu partida no carro e saímos.
— Apareceu rapidinho no Google.
— Aonde vamos? — indaguei ao seguirmos pela minha rua.
— Me diga você. Não podemos ir para minha casa, porque Rafe está lá, e
não teremos privacidade.
— Vamos apenas estacionar em algum lugar — eu disse. — Há um
campo a cerca de um quilômetro daqui. Siga até o fim da rua e vire à direita.
Cinco minutos depois, Dax estacionou em um local com vista para um
campo de beisebol. Ele deixou o motor ligado para manter o aquecedor.
Ele fitou o campo por um breve momento antes de virar para mim.
— Wren, você merece muito mais do que esse tratamento morde e
assopra que venho te dando durante o curto tempo em que nos conhecemos.
Só espero que você possa me perdoar por tudo isso.
— O que está acontecendo, Dax?
Ele fechou as mãos em punhos, inspirando profundamente.
— Quando decidi encontrá-la, nunca imaginei que me conectaria com
você dessa forma, a ponto de sentir como se eu fosse uma pessoa
completamente diferente quando estou com você, uma versão melhor de
mim mesmo. Isso foi muito inesperado.
Meu estômago gelou enquanto eu absorvia suas palavras.
— Como assim… você decidiu me encontrar?
— Quando te chamei pela primeira vez para ir à minha casa me fazer
uma massagem, tive um motivo por trás disso. Não foi pela massagem. Foi
por você, Wren.
Senti uma onda de adrenalina me percorrer.
— Você precisa falar mais rápido, Dax. Porque está me assustando.
— Desculpe. Por favor, não se assuste. Tudo fará sentido. — Ele expirou
e reposicionou-se para ficar de frente para mim. — Ok… — Ele respirou
fundo. — Você sabe como venho me sentindo completamente perdido
quando se trata de Rafe. Nunca senti como se ele pertencesse aos meus
cuidados, mas ainda assim me comprometi a dar o meu melhor… em nome
de Maren. — Ele pausou. — Ele não tem mais ninguém além de mim. A
mãe de Maren é muito idosa e nunca para em apenas um lugar. Era minha
responsabilidade, como marido de Maren, cuidar de seu filho.
Engoli o caroço na garganta.
— Fale mais rápido, por favor…
— Há um ano, cheguei à conclusão de que ele precisava de mais do que
somente eu. Senti que devia a ele descobrir se havia mais alguém que
poderia amá-lo como Maren fez, da maneira que ele merece. Não parecia
justo essa mulher que o amou com todo seu coração e alma ter sido
arrancada desse mundo tão repentinamente e ele sobrar comigo. Alguém que
nem ao menos queria ter filhos.
Balancei minha cabeça lentamente e sussurrei:
— Não estou entendendo…
— Eu contratei um investigador particular para encontrar os parentes
biológicos de Rafe. Não para aliviar minha responsabilidade, mas na
esperança de encontrar alguém que pudesse trazer luz para a vida dele,
alguém que o amaria naturalmente. Minha intenção não foi me livrar dele.
Pretendo realmente cuidar dele.
Meu coração martelou no peito.
— O que isso tem a ver comigo?
— O investigador localizou a mãe biológica dele, que revelou ter
entregado uma filha para adoção mais de uma década antes do nascimento de
Rafe. — Ele olhou em meus olhos. — Wren, você é irmã biológica dele.
Minha visão ficou borrada, e tudo começou a girar.
Dax continuou falando, mas tudo parecia confuso agora.
— Foi verificado e confirmado várias vezes. Vou te mostrar todas as
evidências que tenho. Eu nunca te diria isso sem ter absoluta certeza.
Minhas mãos tremiam, e uma lágrima desceu conforme a ficha caía.
— Eu não entendo… — Enxuguei meus olhos. — Por que você não me
contou isso desde o início?
— Esta é uma pergunta muito justa, e espero que me deixe explicar. —
Ele engoliu em seco. — Foi por inúmeras razões. No começo, senti que eu
precisava conhecer você melhor. Quando nos encontramos pela primeira
vez, eu queria analisá-la, ver se havia qualquer razão pela qual eu poderia
não querê-la perto dele. Obviamente, me dei conta rapidamente de que você
era um ser humano lindo que ele seria sortudo por ter em sua vida. Ainda
assim, eu não sabia se seria justo jogar isso em cima de você, perturbar a sua
vida. Eu sequer sabia se você iria querer saber. Então, debatia
constantemente se te contar seria a coisa certa. Mas então, vi a maneira
como você interagiu com Rafe naquele dia na livraria, e a minha culpa só
cresceu a partir de então.
Massageei minhas têmporas.
— Volte a fita, Dax. Então, a massagem nunca foi pela massagem…
— Exato. Eu não tinha outra forma de me conectar com você além de
pedir uma massagem. Quando descobri onde você trabalhava, foi o que fez
sentido.
Soltei uma longa respiração pela boca e fechei os olhos.
— O que eu não estava esperando… — ele continuou. — Era
desenvolver sentimentos por você. Apesar das minhas razões para procurar
você, a conexão que você sentiu entre nós foi real. Não teve nada a ver com
qualquer outra coisa. — Dax fez uma pausa. — Eu te procurei por causa de
Rafe, mas comecei a querê-la por perto… por mim. Porque você me fez
sentir coisas que eu não sentia há muito tempo. E isso não é justo. Eu estava
brincando com fogo, porque nada pode acontecer entre nós.
Virei o rosto para ele de uma vez.
— Por que não pode acontecer?
— Porque eu estava escondendo algo extremamente importante de você,
e mesmo que eu tivesse te contado a verdade antes, sabia que não poderia
me envolver com a irmã de Rafe. Essa é a dura verdade. Não seria justo com
nenhum de vocês. Se as coisas dessem errado entre nós, isso o afetaria.
Então, está fora de questão nós dois sermos mais que amigos, apesar dos
meus fortes sentimentos por você. Meus sentimentos não podem importar.
Apoiei a cabeça nas mãos.
— Desculpe. Eu preciso de um momento.
— Leve o tempo que quiser — ele sussurrou. — Entendo o choque que
isso deve ser.
Pensei nos olhos tristes de Rafe. Tentei me lembrar de todos os seus
traços, agora que eu sabia que ele era meu irmão. Desde o momento em que
o conheci, senti-me inexplicavelmente cativada por ele. Talvez tivesse sido
uma sensação inata.
— Você também conheceu a minha mãe? — perguntei.
— Só o investigador. Pelo que ele disse, ela parecia não estar em
condições muito boas. Não quis se envolver de maneira alguma. Mas ela
disse que os dois bebês aos quais deu à luz tinham pais diferentes.
Isso foi meio decepcionante. Mas eu não podia focar na minha mãe
biológica no momento, especialmente se ela não queria me conhecer. O que
importava agora era Rafe.
Finalmente virei-me para Dax.
— Você quer que eu faça parte da vida dele?
— Contanto que isso seja o que você quer. Não há obrigação. Mas eu
precisava te contar a verdade, porque estava me corroendo. Comecei a
debater se te contar a verdade seria a melhor decisão, tanto para você quanto
para ele, desde o instante em que nos conhecemos. Percebi que você é o tipo
de pessoa que gostaria de saber que tem um irmão. — Ele olhou em meus
olhos. — Desculpe por colocá-la nessa situação. Eu realmente tinha a
melhor das intenções.
Balancei a cabeça, ainda incrédula.
— Eu só queria que você tivesse me contado desde o início. Assim, eu
não teria interpretado as suas intenções erroneamente e desenvolvido
sentimentos por você.
Ele fechou os olhos e assentiu.
— Em retrospecto, eu também queria ter contado do começo. Mas eu
precisava de tempo para decidir, e no processo, acabei gostando de você de
uma maneira que não esperava. É o maior dilema da minha vida. E, porra, eu
lamento tanto por ter lidado com tudo de uma péssima maneira.
Pensei em tudo que havia acontecido, como a retrospectiva de um filme.
— Isso explica tantas coisas… como por que passar tempo com você, às
vezes, parecia uma entrevista de emprego.
Sua voz estava tensa.
— Você me odeia?
Eu sabia, bem no fundo do meu coração, que ele nunca tivera a intenção
de me magoar. E agora eu acreditava que ele tinha sentimentos verdadeiros
por mim. Só não iria agir de acordo.
— Eu quero te odiar. Mas não consigo. Não mesmo. Entendo por que fez
isso.
Ele estendeu a mão para segurar a minha e soltou um longo suspiro.
— Obrigado.
Ficamos de mãos dadas em silêncio por vários segundos.
— O que vamos fazer agora?
Ele apertou minha mão e a soltou em seguida.
— A decisão é toda sua. Você não tem que fazer nada com essa
informação, Wren. Ele nunca terá que saber, se você não quiser que ele
saiba. Você tem direito à sua privacidade, que eu violei.
— Eu não posso simplesmente… ignorar essa informação.
Dax assentiu e olhou para o campo.
— Acho que, de um jeito ou de outro, agora não é um bom momento
para ele descobrir. Ele está muito instável, ainda não fala nem se abre com
ninguém. Acredito que ele não saberia lidar.
— Acho que você tem razão — concordei.
Ele tornou a olhar para mim.
— Mas se você quiser estar na vida dele, podemos pensar em alguma
coisa. Você pode ir a nossa casa sob outro pretexto, conhecê-lo naturalmente.
Então, poderemos descobrir como contar a ele quando chegar o momento
certo. Mas, mais uma vez, você não tem obrigação alguma, Wren. Faço
questão de enfatizar isso.
— Ele é meu irmão! — Isso saiu mais alto do que eu pretendia. Dizer
essas palavras me levou às lágrimas. Minha voz tremia. — Não posso só
fazer de conta de não sei disso. Não há dúvidas sobre o que eu quero.
— Tudo bem — ele sussurrou. Dax estendeu a mão para limpar minhas
lágrimas. Fechei os olhos, deleitando-me na sensação de seus dedos quentes
em meu rosto.
Por fim, abri os olhos e dei um pequeno sorriso.
— Puta merda… eu tenho um irmão.
— Sim. — Ele sorriu.
Fungando, limpei o restante das minhas lágrimas.
— Você pode me levar para casa? Preciso falar com o meu pai.
— Claro.
O caminho de volta para minha casa foi quieto. Eu ainda estava em
choque, e provavelmente ficaria assim por um tempo. Antes de entrar, Dax e
eu concordamos em nos encontrarmos para tomar um café em algum
momento da semana seguinte para discutirmos os próximos passos.
Minha vida nunca mais seria a mesma.
Enquanto tomávamos um café, mostrei a Wren a pasta onde eu guardava
todas as informações que o investigador me fornecera sobre as duas adoções.
Eu não queria que ela tivesse dúvida alguma sobre a situação. Também
decidimos que ela passaria tempo na minha casa sob o disfarce de ser minha
amiga. Como Rafe já a tinha visto antes, essa história funcionava bem. Ele
provavelmente já havia deduzido que ela era uma amiga minha. Fazia
sentido continuar com esse pretexto.
Ela visitara duas vezes nas duas semanas após a conversa que tivemos
em meu carro. Em cada vez, tentou se conectar com Rafe falando sobre
animes e mangás, trazendo algumas novas revistas em quadrinhos que eu
confirmara que ele ainda não tinha. Ela também mostrou a ele fotos da vez
em que fora à convenção de animes quando estava na faculdade. Fiquei
aliviado por vê-la lidando tão bem com tudo, e ainda mais aliviado por não
ter mais que esconder algo tão importante assim dela.
Mesmo que ainda se recusasse a falar, Rafe parecia estar com um humor
melhor, aparentemente mais engajado e passando mais tempo à mesa de
jantar antes de voltar com pressa para seu quarto.
Decidi contar a Shannon a verdade sobre tudo, sabendo que ela veria
Wren em casa e poderia tirar uma conclusão errada sobre nós mais uma vez.
Ela ficou chocada, para dizer o mínimo, mas apoiou a ideia de Wren
conhecer Rafe melhor antes de darmos a notícia a ele.
Em uma noite de sexta-feira, Wren juntou-se a nós para o jantar, sua
terceira visita desde que soube da verdade. Shannon havia feito frango e
couve-de-bruxelas assada. Insisti que ela se sentasse conosco, o que ela fazia
ocasionalmente quando não tinha planos com Bob. Eu sabia que ela aceitaria
a minha oferta naquela noite, porque estava muito curiosa sobre Wren desde
que descobrira quem ela era.
Shannon e Wren conduziram a conversa durante a maior parte do jantar,
enquanto Rafe e eu permanecemos quietos, embora eu tenha notado que ele
estava prestando atenção ao que elas estavam dizendo. Shannon falou sobre
sua última viagem a Nova Orleans, e Wren parecia particularmente
interessada em suas histórias sobre os locais que visitara.
Então, de alguma maneira, a conversa mudou para um novo assunto,
sobre traços físicos incomuns. Shannon percebeu que ela tinha os olhos de
cores diferentes, coisa que eu não havia notado. Era uma diferença bem sutil,
mas, quando ela apontou, pude ver bem.
— Ganhei de você, eu acho — Wren disse. — Tenho dedos siameses no
pé.
— O que são dedos siameses? — perguntei.
— É quando dois dos seus dedos dos pés são grudados um no outro. Me
incomodava quando eu era mais nova, mas aprendi a gostar.
— Acho que o termo para isso é sindactilia — Shannon disse.
Sorri.
— Eu tenho que ver isso.
— Bem, eu tiraria o meu sapato, mas não é algo exatamente apropriado
para se fazer à mesa de jantar — Wren falou.
— Eu tenho dedos siameses.
Soltei meu garfo. Quem disse isso?
Nós três viramos para Rafe ao mesmo tempo.
Foi como se o próprio Deus tivesse falado conosco.
Wren olhou para mim, depois de volta para ele.
— É mesmo? Nunca conheci mais ninguém que tivesse.
Ele assentiu.
— Isso é tão legal — ela respondeu, parecendo tão agitada quanto eu me
sentia.
Ficamos ali, paralisados. Eu sabia que, se comentasse, Rafe poderia
recuar, então tentei agir indiferente. Mas, por dentro, eu estava em êxtase.
— Eu não sabia disso sobre você, Rafe — eu disse. — Acho que não
olhei com muita atenção para os seus pés.
— Eu estava pensando a mesma coisa. — Shannon olhou para mim e
sorriu.
Esperamos em silêncio, mas ele não disse mais nada.
Rafe não proferiu mais palavra alguma durante o restante do jantar,
mesmo quando nos dirigíamos a ele. Mas tudo bem, porque tínhamos
ouvido. Eu tenho dedos siameses. As melhores quatro palavras já ditas. Elas
nos deram esperança.
Após o jantar, Rafe foi para seu quarto. Shannon começou a limpar a
mesa, mas eu a impedi.
— Vá para casa ficar com Bob. Eu cuido disso.
Wren levou alguns pratos para a pia e disse:
— Aham. Pode deixar com a gente.
— Tem certeza, Dax? — Shannon perguntou.
— Sim. Dê logo o fora daqui.
Shannon abriu um sorriso enorme.
— Foi uma boa noite, não foi?
— Com certeza — eu falei. — Não consigo superar.
— Acho que Wren o está fazendo sair de sua casca — ela declarou.
Wren balançou a cabeça.
— Eu não fiz nada.
Shannon pendurou sua bolsa no ombro.
— Bom, você claramente deu a ele algo com que se identificar o
suficiente para falar. Nenhum de nós conseguiu fazer isso.
Depois que Shannon foi embora, eu disse a Wren que cuidaria da
limpeza, mas ela insistiu em ajudar. Ela terminou de retirar a mesa enquanto
comecei a lavar os pratos.
— No que está pensando? — ela me perguntou.
— Estou em choque — respondi, colocando uma bandeja no escorredor
de louças.
— Eu também, mas de um jeito bom — ela falou.
Desliguei a torneira e enxuguei minhas mãos.
— Esse tempo todo, tudo que tínhamos que fazer era falar sobre dedos
siameses?
Wren riu.
— Aparentemente.
— Mas não foi exatamente sobre os dedos. Foi o fato de que ele se sente
confortável perto de você. E você acabou conseguindo tocar em um assunto
que importava para ele, assim como fez com os animes. Talvez o problema
esse tempo todo tenha sido Shannon e eu não termos nada com que ele
pudesse se identificar em um nível pessoal. Tentei implementar o conselho
que você me deu sobre encontrar coisas pelas quais ele se interessa, mas
nada que eu faça parece ressoar com ele. Com a sua energia vibrante por
perto, a ansiedade dele diminuiu o suficiente para fazê-lo querer falar alguma
coisa.
As bochechas de Wren ficaram rosadas.
— Seja qual tenha sido a causa, é maravilhoso. E um bom sinal.
Quando não havia mais pratos para lavar, Wren e eu ficamos na cozinha,
de frente um para o outro. Apesar da minha declaração de que ser irmã de
Rafe a fazia proibida para mim, a tensão sexual entre nós nunca desvaneceu,
nem um pouco. Dava para cortá-la com uma faca. Em momentos tranquilos
como aquele, eu realmente percebia. Eu sabia que Wren estava saindo com
alguém agora, e isso tanto facilitava quanto dificultava a situação. Contanto
que ele a fizesse feliz, eu estava conformado. Não tinha que adorar essa
ideia. Mas era uma parte da nossa dinâmica que eu tinha que aceitar.
— Você vai sair esta noite? — perguntei.
— Sam tem que trabalhar, então eu pretendo ir para casa assistir alguma
coisa na Netflix.
— Que empolgante — brinquei.
— Você tem alguma ideia melhor?
— Estou brincando. Assistir TV pode não ser empolgante, mas, às vezes,
é o que você precisa. Tenho certeza de que você teve uma semana longa. —
Inclinei a cabeça para o lado. — Está tudo bem no trabalho?
— Sim. Eles me mantêm bem ocupada, um cliente de massagem após o
outro. Acabo ganhando mais dinheiro por causa do volume, mesmo que a
porcentagem por sessão seja menor.
— Bem, acho que isso é bom, contanto que você não se importe em ter
mais trabalho.
— Não me importo. Eu preciso me manter ocupada.
Wren estava linda naquela noite. Não que ela não fosse nada menos do
que deslumbrante normalmente, mas, naquela noite em particular, estava
usando um vestido floral curto com uma jaqueta jeans. Esforcei-me muito
para não deixar meus olhos encontrarem seu pequeno decote ou suas
pintinhas espalhadas por ali. Ela nunca havia mostrado tanta pele assim
antes. Mas o que estava me matando eram seus mamilos cutucando o tecido
fino do vestido. Eles pareciam estar duros, e isso fez meu pau querer brincar
de “siga o mestre”.
Contudo, eu gostava de estar perto dela por muitos motivos além de sua
beleza. Ela era genuinamente engraçada e sempre iluminava o ambiente no
qual estivesse presente. Eu amava ouvi-la falar. Isso me deixava de bom
humor. Apesar de saber que não poderia agir de acordo com meus
sentimentos, eu não queria que ela fosse embora tão cedo.
— Quer uma taça de vinho antes de ir? Eu ia abrir uma garrafa.
Seus olhos se moveram para o lado por um momento, e então, ela deu de
ombros.
— Claro. Por que não? Acho que temos uma boa desculpa para
comemorar esta noite.
— A maior desculpa para mim em quase dois anos.
— Fico feliz por ter feito parte disso.
— Eu também, Wren.
Nossos olhares se prenderam. Eu poderia me perder em seus olhos.
Assim que percebi que estava fitando-a por tempo demais, forcei-me a
desviar o olhar.
Ela sorriu.
— Sempre ouvi falar que sindactilia era genética. Acho que agora tenho
provas.
— Posso vê-los? — perguntei.
Ela baixou o olhar, tímida.
— Meus pés?
— Sim. Estou curioso. A menos que você não queira me mostrar.
— Não. Não tenho vergonha deles.
Ela estava usando um vestido, mas calçava um par de tênis All Star. Ela
desamarrou o cadarço e retirou sua meia, exibindo seus dedinhos fofos do pé
com as unhas pintadas de rosa-claro.
Ela ergueu os dois dedos adjacentes ao seu mindinho.
— Está vendo? É só no pé esquerdo.
Eles eram fundidos, exceto pelas pontinhas.
— Que maneiro. Agora terei que prestar bastante atenção aos de Rafe
para poder comparar.
Ela colocou a meia de volta e deslizou o pé novamente no tênis. Em
seguida, olhou para mim.
Do jeito que ela sempre olha para mim. Bem no fundo dos meus olhos.
Isso era um problema, principalmente porque eu gostava demais. Era fodido
eu sentir prazer pelo fato de saber que eu tinha um efeito sobre ela. A
química silenciosa entre nós era tão viciante quanto excitante. E eu havia
convencido a mim mesmo de que, contanto que não me animasse com isso
de nenhuma forma, era aceitável curtir quieto a sensação de querer alguém e
ter aquele sentimento retribuído.
Jesus Cristo. Eu não ia abrir um vinho? Pigarreei.
— Deixe-me pegar o vinho.
Fui até o outro lado da cozinha. Esta noite era especial, então abri uma
garrafa do cabernet caro que eu vinha guardando para o momento certo.
Após servir uma taça para cada um, levei-as até Wren.
— Obrigada. — Ela tomou um gole do seu. — A propósito, como vai
Adriana?
Congelei. Eu nunca dissera o nome da minha amiga com benefícios para
Wren, e não fazia ideia de por que ela tinha me feito aquela pergunta.
Estreitei os olhos.
— Como você sabia o nome dela?
— Tenho meus meios.
— Não há nada acontecendo entre mim e ela. É insignificante. — Meu
lábio retorceu.
Suas bochechas ruborizaram.
— Mas você está transando com ela…
Pequenas gotas de suor começaram a se formar em minha testa.
— Na verdade, faz um tempo que não.
A última vez que eu tinha me encontrado com Adriana foi logo depois de
Wren vir à minha casa pela primeira vez e tomarmos chá juntos. E, desde
então, nunca mais a vira.
Coloquei minha taça sobre a bancada e cruzei os braços.
— Mas, sério, como você sabia o nome dela?
— Relaxe. Chegou uma mensagem no seu celular enquanto você estava
pegando o vinho do outro lado da cozinha. A tela acendeu, e eu acabei
olhando. Por isso sei o nome dela. Desculpe, eu estava sendo xereta.
Meu pulso se acalmou um pouco.
— Você me assustou por um momento. Pensei que tinha mandado
alguém me seguir, ou algo assim. — Pisquei.
— Ah, como você fez comigo? — ela mandou de volta.
Dei risada.
— Essa foi boa, tenho que admitir.
Peguei meu celular e chequei a mensagem.
Adriana: Estou com saudades. O que também significa que estou
com saudades do seu pau delicioso. Já faz muito tempo.
Porra. Encolhi-me.
— Sinto muito por você ter visto isso.
— Por quê? Eu sou adulta. Por que isso importa?
Ela tinha razão. Por que importava?
— É grosseiro. — Balancei a cabeça. — É só… a personalidade dela.
— Então, esse lance com a Adriana… é bom? Quero dizer… o sexo? —
Suas bochechas ficaram ainda mais vermelhas.
— Por que estamos discutindo isso, mesmo? — perguntei.
Ela passou a pontinha do dedo pela borda de sua taça.
— Nós deveríamos ser amigos. Amigos discutem essas coisas.
— Eu não pergunto sobre a sua vida sexual.
— Eu te diria o que quisesse saber, se perguntasse. Eu te diria qualquer
coisa que quisesse saber.
Engoli em seco.
— Por que você quer saber?
— Acho que é curiosidade mórbida.
— Mórbida. Por quê?
— Porque eu não quero realmente saber. Mas ainda quero saber. — Ela
riu. — Sabe?
Eu não queria saber que porra ela andava fazendo com aquele tal de
Sam. Disso, eu tinha certeza. De repente, senti vontade de arrancar a cabeça
dele, e sequer o conhecia. Meus sentimentos eram um cruzamento entre
proteção e um ciúme latente, o que me surpreendeu um pouco. Pensei que já
tivesse aceitado o fato de que ela estava saindo com alguém, mas,
aparentemente, não tinha.
— Relaxe — ela disse. — Vou parar de me intrometer.
Um silêncio tenso preencheu o ar. Ela mudou de assunto.
— Você ainda assiste aos meus vídeos no canal?
Toda noite, porra.
— Às vezes.
— O seu favorito ainda é O Cisne?
— Sim, acho que sim.
— Sempre fico emotiva quando toco essa.
— Posso ver por quê. Sempre que ouço você tocar, sinto como se cada
vez mais emoções presas dentro de mim se libertassem.
— Uau — ela sussurrou. — Vou considerar isso um elogio. A propósito,
você ainda está escrevendo no diário?
— Escrevi algumas vezes, mas parei.
— Você deveria voltar.
— Você é mandona.
— Eu me importo com você, Moody. É só isso.
Inclinei a cabeça para o lado.
— Faz um tempo que não me chama de Moody.
— É, bem, acho que conseguimos voltar a esse ponto. — Ela sorriu.
Eu também sorri.
Eu queria beijá-la. E isso era uma droga.
Ela tomou um gole de vinho e pousou sua taça.
— Ah, tem uma coisa que eu queria te dizer. Me deparei com um artigo
que talvez possa ser útil em relação a Rafe.
— Ok…
— Eu sigo um terapeuta on-line. Ele pede que seus clientes contem suas
histórias em terceira pessoa, tipo um resumo de suas histórias de vida. Ele
não quer que eles pensem muito profundamente sobre o que vão contar.
Então, é tipo escrever em um diário, despejar tudo que está na mente. Mas
ele quer que os clientes façam isso em terceira pessoa porque acha que, se
eles ouvirem suas histórias como se fosse a vida de outra pessoa, ajuda a
construir autocompaixão. E isso é uma coisa com a qual todos temos
dificuldade. Pelo menos, eu tenho.
— Concordo que as pessoas podem ser muito rígidas consigo mesmas.
Perdoar pessoas que te fizeram mal é difícil, mas não se compara à
dificuldade que é perdoar a si mesmo. Acho que tenho bastante experiência
pessoal quando se trata desse problema.
— Pelo que você está tendo dificuldade em se perdoar?
Você tem a noite toda? Eu certamente não queria abrir essa caixa de
Pandora naquele momento. Balancei a cabeça.
— Hoje, não. Estou de muito bom humor para isso.
Ela assentiu em compreensão e não insistiu.
— Então, Wren… — eu disse, ansioso para mudar de assunto.
— Sim?
— Que tal você me contar a sua história em terceira pessoa?
— Ah. Entendi. Tudo bem você se intrometer, mas eu não. Algumas
coisas nunca mudam.
Sorri e acenei com a cabeça para a sala de estar.
— Venha. Vamos sentar.
Carreguei a garrafa de vinho para a mesinha de centro antes de acender a
lareira. Wren acomodou-se no sofá.
— Volto já — falei, querendo ir ver como Rafe estava.
Fui até seu quarto para dar uma olhada nele. Ele estava jogando
videogame e retirou os fones de ouvido quando me viu na porta.
— Você está bem? Quer sobremesa? Você saiu da mesa antes disso.
Ele negou com a cabeça.
— Quer vir ficar na sala comigo e Wren? Podemos assistir a um filme.
Ele balançou a cabeça negativamente mais uma vez.
— Tudo bem. — Suspirei.
Retornei para a sala de estar e sentei-me no sofá com Wren, certificando-
me de não ficar perto demais.
— Ele está bem? — ela perguntou.
— Sim. Está jogando videogame. Eu disse a ele que você ainda estava
aqui, caso quisesse descer e ficar conosco.
— Tenho certeza de que ele prefere o videogame, como a maioria dos
adolescentes.
Assenti.
— Mesmo que ele não se junte a nós, ainda acho que é bom para ele
sentir que essa casa tem um pouco mais de vida. Tipo, se ele descesse agora,
veria mais do que somente eu sentado naquela poltrona lendo livros de
ficção de guerra histórica.
— Guerra histórica? Não sabia que você curtia isso.
— Sim. É basicamente o que costumo fazer à noite. Ler. — E assisti-la
tocando violoncelo. — Tenho até óculos de leitura — acrescentei. — Isso
me deixa velho?
— Não, homens de óculos são sexy. — Ela deu risada. — E homens que
leem? Mais sexy ainda.
Dei de ombros.
— O que uma pessoa acha velho e tedioso, outra acha sexy. Interessante.
— Você é a prova de que alguém pode ser as três coisas: velho, tedioso e
sexy. — Ela piscou.
— Espertinha.
— Quais são seus livros favoritos? — ela perguntou.
— Está querendo recomendações?
— Não curto ficção de guerra histórica, então, não. Mas estou curiosa
sobre o que você gosta.
— Você não ficou de me contar a sua história?
Ela soltou um longo suspiro.
— Não me lembro de concordar com isso.
Parecendo hesitante, ela prendeu uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Posso me servir de mais vinho primeiro?
— Permita-me. — Peguei a garrafa e servi mais vinho em nossas taças.
Wren pigarreou.
— Muito bem…
Acomodei-me melhor e dei a ela minha total atenção.
Mordiscando o lábio, ela fechou os olhos. Em seguida, abriu-os e
começou.
— Wren McCallister… não fazia ideia de onde realmente veio, e não
ligava para isso. Porque onde ela estava, segura no lar de Chuck e Eileen
McCallister, era exatamente onde ela deveria estar. Até seus cinco anos, a
mãe amorosa de Wren certificou-se de que sua filha vivesse uma vida
encantada. Eileen dava a Wren sua total atenção, fosse acompanhando-a para
brincar, assar biscoitos ou fazer artesanato. A vida perfeita de Wren foi
abruptamente interrompida, certo dia, quando sua mãe, a caminho de casa do
mercado, teve o carro atingido por um motorista que vinha na contramão e
morreu. — Ela fechou os olhos por um momento.
Ah, cara. Eu sabia que sua mãe morrera em um acidente de carro, mas
não sabia que tinha sido por um motorista na contramão. De repente,
arrependi-me de pedir que me contasse sua história. Eu estava prestes a dizer
que não precisava continuar quando ela começou a falar novamente.
— A vida que Wren conhecia terminou naquele dia. Ela não confiava
mais que o Universo a apoiava. Não era mais um lugar seguro. Daquele dia
em diante, ela passou a viver apreensiva, esperando a próxima coisa a dar
errado, a próxima tragédia. Wren tornou-se particularmente paranoica,
acreditando que alguma coisa aconteceria a seu pai. Ela se recusou a dormir
em qualquer lugar além da cama dele à noite até completar dez anos de idade
e sentia uma ansiedade extrema se ele chegasse em casa tarde do trabalho.
Mesmo assim, ainda se sentia grata por ter Chuck McCallister como pai. Ele
era seu mundo inteiro.
Percebi o quanto sua situação e a de Rafe eram similares. Os dois
perderam as mães prematuramente. A diferença era que ela tinha Chuck, um
ótimo pai. Rafe tinha sobrado comigo.
Wren tomou um longo gole de vinho antes de continuar.
— Alguns anos após a morte de Eileen, Wren começou a aprender a
tocar violoncelo, e aí começou seu amor pela música. Mas nem mesmo seu
talento musical foi capaz de salvá-la da temida adolescência. Como a
maioria dos pais, Chuck só podia controlar sua filha até certo ponto. Talvez
devido a uma raiva inconsciente, Wren se rebelou, saindo escondida de casa
à noite e desafiando as regras de seu pai. Chuck não merecia a preocupação
que as ações de Wren causavam a ele, mas tudo estava fora de seu controle.
Não importava o que ele fizesse, Wren encontrava uma maneira de ir contra
ele. Um dia, quando estivesse adulta, ela iria querer voltar no tempo e
estrangular sua versão adolescente.
Ela fez uma pausa, e sua respiração ficou um pouco mais pesada.
— Você está bem? — perguntei. — É melhor parar, se estiver sendo
demais para você.
— Não — ela sussurrou. — Tudo bem.
No entanto, parecia que ela estava se preparando para a próxima parte.
Não demorei muito a entender por quê.
— Como um exemplo triste de como a história pode se repetir… assim
como a mulher que a entregou para adoção, Wren engravidou aos dezesseis
anos.
Merda. Sentindo meu coração na boca, ofereci-lhe um aceno de cabeça
para encorajá-la, incentivando-a a continuar, embora estivesse com um
pouco de medo de ouvir o que aconteceu em seguida.
— Diferente de sua mãe biológica, que escolheu abrir mão do bebê,
Wren decidiu que criaria o seu. Mas… — Wren engoliu em seco. — Ela
sofreu um aborto espontâneo aos três meses de gestação. Ela não sabia como
se sentir… devastada ou aliviada. Se sentia culpada com frequência pelo
alívio. Mas a experiência foi como um despertar, um que levou Wren a uma
vida solitária. Ela imergiu ainda mais nas aulas de violoncelo e parou de sair
escondida. Por mais que Chuck não tivesse mais que se preocupar com ela
nesse aspecto, passou a se preocupar de outra maneira. Porque Wren estava
depressiva. Tudo, a gravidez fracassada, o trauma pela morte prematura de
sua mãe, parecia tê-la bombardeado ao mesmo tempo, de uma vez.
Novamente sentindo-me péssimo por tê-la incentivado a falar sobre isso,
ofereci-lhe minha mão para lhe dar apoio. Ela a aceitou e apertou ao
continuar.
— Wren saiu de sua fase ruim aos dezoito anos, fazendo amizade com o
garoto da casa ao lado, a quem ela aprendeu a amar e confiar implicitamente.
Benjamin acabou indo embora para fazer faculdade, deixando Wren para trás
e terminando com ela quando voltou para casa naquele primeiro Natal.
Depois disso, Wren passou a sempre temer os Natais, porque a data a
lembrava de ter sido pega de surpresa. — Ela encarou o vazio por um
momento. — Wren entrou em um período de autorreflexão depois disso, um
tempo durante o qual percebeu que era mais importante amar a si mesma do
que ser amada por outra pessoa. Isso não significava que ela esperava nunca
mais amar outra pessoa, apenas que entendia que essa não era a coisa mais
importante para a sobrevivência. As fases de sua vida podiam ter sido muito
diferentes, mas seu amor por violoncelo e o apoio de seu pai permaneceram
constantes. Apesar das dificuldades, ela sempre soube o quanto era sortuda
por ter Chuck e sua música.
Ela olhou para mim, e ofereci-lhe um sorriso, sem saber se a história
tinha acabado. Mas, então, ela continuou.
— Em seus vinte e poucos anos, após terminar a faculdade, Wren quis
um novo desafio. Então, decidiu fazer curso de massoterapia para aprender
algo que faria as pessoas se sentirem bem. Embarcou em uma nova carreira e
a amava de verdade. — Sua boca abriu-se em um sorriso. — Um dia, seu
trabalho a levou à casa de um homem misterioso: o lindo e notável Dax
Moody. Ele foi mais do que apenas um cliente. Tornou-se um amigo, e,
eventualmente, Wren se deu conta de que aquele encontro significava muito
mais. — Ela baixou o tom de voz. — Foi através de Dax que Wren
descobriu que tinha um irmão, cuja vida, sem o conhecimento dela, era
muito parecida com a sua. Rafe também perdeu a mãe adotiva que o amava.
Ele também perdeu seu mundo inteiro jovem demais. E como resultado,
perdeu sua voz da mesma maneira que Wren perdera a sua, figurativamente,
após a perda de seu bebê.
Uau. É mesmo.
— Pela primeira vez em sua vida, havia outro ser humano cujo bem-estar
era mais importante para Wren do que o seu próprio. Ela finalmente
compreendeu o que seu pai devia sentir em relação a ela ou o que sentiria em
relação ao filho que nunca teve. Tudo que ela sabia era que, de repente, um
estranho havia se tornado mais importante para ela do que qualquer coisa. —
Wren suspirou. — E ele nem sabe disso. — Ela pausou para me olhar. — O
resto ainda não foi escrito.
Com isso, ela recostou-se para trás e soltou uma forte respiração pela
boca, como se contar sua história tivesse exigido bastante de si.
— Isso foi lindo. Obrigado por compartilhar comigo.
Ela endireitou as costas.
— Obrigada por ouvir.
Embora eu não quisesse, puxei minha mão da sua.
— O melhor ainda está por vir para você. Eu sei disso.
— Esse foi realmente o resumo de toda a minha vida. Todos os pontos
importantes. — Ela enxugou os olhos. — Deus, eu não esperava ficar tão
emotiva.
— É compreensível.
Ficamos bebendo mais vinho por um tempo, e acabei abrindo uma
segunda garrafa. Ainda podia sentir emoções borbulhando em meu peito ao
tentar compreender e apreciar tudo pelo que ela havia passado. Havia muita
coisa que eu não sabia sobre ela ― coisas que ajudaram a explicar por que
ela era uma pessoa tão forte. Eu queria dizer alguma coisa, mas as palavras
não vinham.
— Estou com um problema — ela disse.
— O que houve?
— Estou alterada demais para dirigir para casa.
Dei risada.
— Eu nunca te deixaria dirigir para casa assim. Eu mesmo te levaria, mas
também não estou sóbrio. Vou chamar um carro de aplicativo para você.
Ela balançou a cabeça.
— Você não pode fazer isso.
— Por que não?
— Eu… tenho medo de entrar em carros com estranhos. Não pego Uber
ou táxis por esse motivo.
Meu corpo enrijeceu.
— Aconteceu alguma coisa que te fez sentir assim?
— Um motorista deu em cima de mim, uma vez. E me dei conta de que
eu não tinha poder algum enquanto estava dentro do veículo dele. Aquilo me
assustou pra caramba. Nunca consegui esquecer. Então, escolhi não entrar
mais no carro de ninguém sozinha, a menos que eu conheça a pessoa, é
claro. Sei que isso é estranho, já que vou à casa de pessoas que não conheço.
Mas estar no carro de um desconhecido me assusta bem mais. — Ela mordeu
o lábio inferior. — Você acha isso estranho?
— Não. Faz total sentido.
Seu rosto corou de vergonha.
— Será que eu posso passar a noite aqui?
O que eu deveria dizer?
— Claro que sim.
— Tem certeza de que não tem problema?
Não, eu não sei se não tem problema, não mesmo. Mas não posso dizer
não.
— Você é sempre bem-vinda aqui. Espaço é o que não falta.
— Obrigada. — Wren soltou um suspiro de alívio.
— Vou dormir em um dos quartos de hóspedes — eu disse a ela. — Você
pode ficar com o meu quarto, assim terá privacidade. É o único quarto que
tem banheiro.
— Não posso ficar com o seu quarto, Dax.
— Eu insisto. É o mínimo que posso fazer depois de você fazer Rafe
falar hoje.
— Eu não fiz nada.
— Sim, você fez. Você é uma luz na vida dele, mesmo que ele ainda não
saiba quem você é.
— Bem… fico feliz que você ache isso.
Já que ela não ia embora, Wren e eu escolhemos um filme. Foi bom ter
alguém com quem assistir televisão novamente. Depois que Maren morreu,
parei de assistir televisão completamente; isso sempre me lembrava de que
ela não estava mais ali para assistir comigo. Era uma das poucas coisas que
curtíamos juntos quando estava perto do fim ― uma das poucas coisas que
nos faziam parar de discutir. Por que resolver um debate quando podia
simplesmente encerrá-lo maratonando um documentário de oito episódios?
Nunca nos dávamos tão bem quanto quando assistíamos TV juntos.
Era quase uma da manhã quando levei Wren para meu quarto e dei a ela
uma das minhas camisetas para usar para dormir. Em seguida, fui até a
cozinha e peguei uma garrafa de água e um analgésico, caso ela precisasse
pela manhã. Rafe, que dormia profundamente, não fazia ideia de que ela ia
passar a noite em nossa casa. Eu teria que explicar pela manhã por que ela
estava ali.
Quando fui para o quarto onde dormiria, notei que a casa parecia
diferente só por saber que ela ia dormir ali. Diferente de um jeito bom. Viva.
Tive que, mais uma vez, me lembrar dos limites que impus.
Acordar no quarto de Dax foi como estar no paraíso. Além daquela ser a
cama mais macia em que eu já dormira, tudo tinha o cheiro dele. Cada
centímetro do meu corpo estava sensível.
Surpreendentemente, eu não estava com dor de cabeça, como costumava
acontecer quando eu bebia. Ao invés disso, sentia-me descansada,
confortável e segura.
Nem acreditava que contara tudo a ele na noite anterior. Eu não tinha
vergonha da minha gravidez ― era jovem e ingênua ―, mas ainda era algo
que havia contado a poucas pessoas. Agora, Dax era uma delas. Estava com
medo de que ele me visse com outros olhos agora, mas ele não me passou
essa impressão.
Meu celular tocou, despertando-me dos pensamentos. Era Sam.
Merda. Por que me sinto tão culpada?
Não havia acontecido nada entre mim e Dax na noite anterior. Mas acho
que meus pensamentos em relação a ele me fizeram sentir como se eu tivesse
traído o cara com o qual estava saindo, mesmo que Sam não fosse,
tecnicamente, meu namorado. Nunca concordamos em sermos exclusivos.
Minha voz estava grogue quando atendi.
— Oi.
— O que está havendo? Acabei de passar na sua casa para ver se você
queria ir tomar café da manhã comigo, e o seu pai disse que você não estava.
Sam sabia sobre o meu relacionamento com Rafe, mesmo que o pobre
Rafe não soubesse. Tive que contar a Sam para explicar por que estava
passando tempo na casa de Dax.
Passei uma mão pelos cabelos.
— É, eu, hã… acabei exagerando um pouco no vinho ontem à noite no
jantar, então decidi dormir na casa do Rafe.
— Por que não me ligou para que eu fosse te buscar?
Era uma pergunta justa. Embora Sam estivesse trabalhando no
restaurante quando tomei a decisão de ficar ali, eu poderia tê-lo esperado
terminar seu turno.
— Eu não queria incomodar você, e já tinha dormido na hora em que
você terminou o seu turno. Meu pai estava trabalhando e só poderia vir me
buscar depois da meia-noite. Então, acabei dormindo aqui.
— Quer ir tomar café da manhã? Posso passar aí e te buscar agora.
Eu não estava com muita pressa para ir embora.
— Talvez possamos ir jantar mais tarde, que tal? Ainda não tomei banho
e tenho que fazer algumas coisas hoje.
— Tudo bem, pode ser. Estarei de folga esta noite. — Ele suspirou. —
Onde você dormiu?
Hesitei, incerta sobre como responder àquela pergunta.
— Dax me deu o quarto dele, porque é uma suíte.
— Ah, ele te deu, é?
Franzi a testa.
— Por que falou desse jeito?
— Eu não confio nesse sujeito.
É em mim que você não deveria confiar.
— Eu o conheço há um tempo, Sam. Não há motivos para não confiar
nele. Ele é um cara que está fazendo o melhor que pode. E não deu em cima
de mim, se é isso que está querendo insinuar.
Acredite, eu tentei.
— É melhor mesmo que ele não faça isso.
Mesmo que eu não pudesse culpar Sam por ficar um pouco desconfiado,
sua atitude também foi irritante.
— Então… te vejo hoje à noite, ok?
— Ok — ele disse, soando ainda um pouco zangado.
Depois que desligamos, aninhei-me novamente nos lençóis de Dax e
enterrei-me em seu cheiro sob as cobertas. Nem conseguia me sentir culpada
naquele momento, porque era bom demais. Eu não sabia se teria essa
oportunidade de novo, então decidi deslizar minha mão para dentro da
calcinha e me fazer sentir ainda melhor do que já me sentia.
Por alguma razão, meus pensamentos foram para a mensagem que Dax
recebera na noite passada. Só que fiz de conta que eu a havia enviado,
dizendo a ele que “sentia saudades de seu pau”. Aquilo era tão brega, mas
foi o que me veio à mente.
Imaginei-o aparecendo no meu quarto depois de receber a mensagem.
Arranquei suas roupas antes de me ajoelhar e tomá-lo em minha boca. De
repente, houve uma batida na porta. Minha mão congelou.
— Oi, Wren. Tudo bem aí?
Pigarreei e me sentei.
— Estava, sim.
— Eu te acordei?
— Não.
— Eu queria saber se você gostaria de descer e tomar café conosco.
— Adoraria. Pode me dar, tipo, dez minutos? Só tenho que terminar…
hã, tomar um banho rápido.
E terminar o seu boquete imaginário para poder gozar.
— Sim. Sem pressa. Deixarei tudo pronto em vinte minutos.
Dei risada sozinha. Se Dax soubesse o que havia interrompido…
Após terminar o que comecei e tomar um banho, envolvi-me em umas
das toalhas luxuosas de Dax e voltei para o quarto para me vestir. No
caminho, cedi ao meu lado bisbilhoteiro e abri a gaveta da mesa de
cabeceira. Aquilo era totalmente intrusivo e errado, mas não pude evitar.
Essa podia ser minha única oportunidade de xeretar. Dentro dela, havia
algumas balas de limão, o que supus serem seus óculos de leitura de velho
dentro de uma caixinha e uma caixa de camisinhas. Que vaca sortuda aquela
Adriana. Também notei o diário preto com a flor-de-lis na frente. Eu podia
ser bisbilhoteira, mas não era uma filha da puta. Por mais que eu soubesse
que daria qualquer coisa para descobrir os pensamentos mais profundos e
sombrios desse homem misterioso, eu não ia me apossar dessa informação
roubando-a.
Naquela tarde, já em casa, meu pai tinha perguntas para mim.
— Então… por que você passou a noite na casa de Rafe, mesmo? — ele
perguntou ao mexer seu café da tarde. Meu pai sempre tinha café fresco à
mão e tomava o dia todo.
— Eu já te disse. Acabei bebendo um pouco além da conta e não queria
dirigir. Você estava trabalhando, então eu não podia te ligar.
— Deduzo que você não estava bebendo sozinha.
— É, Dax e eu dividimos um vinho.
— Imaginei. — Ele abriu um sorriso sugestivo.
Sentindo meu rosto esquentar, eu disse:
— Nós nos damos bem. Ficamos apenas conversando. Contei a ele sobre
a minha adolescência e todas as coisas que aconteceram naquele tempo, as
lições que aprendi. Foi bem terapêutico. Eu gosto muito de conversar com
ele. Sempre gostei. Mas não há nada acontecendo entre nós, se é por isso que
está sorrindo assim.
— Isso não significa que você não quer.
— Dax não tem intenção alguma comigo. Ele deixou isso muito claro.
Meu pai soltou uma risada de escárnio.
— Ele deseja você. Só acha que não deveria.
— Por que está dizendo isso?
Meu pai não sabia nada sobre a vergonhosa última massagem, nem sobre
o que Dax já havia dito reconhecendo a química entre nós.
— Senti uma energia entre vocês dois na noite em que ele veio te contar
sobre Rafe. Você estava agitada. Está claro que ele exerce um efeito sobre
você. E vi como ele te olha. Por que ele não estaria encantado?
— Bem, qualquer atração que haja entre nós não importa. Ele se recusa a
até mesmo chegar perto de mim porque sou irmã de Rafe. Ele tem muito
medo de medo de magoá-lo, ou a mim, magoando meu irmão no processo.
Dax e eu teremos que continuar somente amigos, pelo bem de Rafe. —
Baixinho, acrescentei: — Ele anda traçando outra mulher, de qualquer
forma.
Meu pai tomou um gole de café.
— Sam sabe que você passou a noite lá?
Aff.
— Sim. Ele não ficou muito animado. Não confia em Dax, o que é
ridículo porque nem foi ideia dele. Eu meio que não dei a ele outra escolha a
não ser me oferecer um quarto, porque me recusei a deixá-lo chamar um
carro de aplicativo para mim.
Meu pai deu risada.
— Seja honesta, Wren. Você sabe que não pode mentir para mim.
Ele era perceptivo demais.
— Como assim?
— Você sabia muito bem que, se bebesse, não poderia dirigir. Sabia que
eu ia fazer um segundo turno no trabalho e não poderia ir te buscar. Se bem
que você até que poderia ter me ligado mais tarde, mas escolheu não fazer
isso. Você queria passar a noite lá.
Meu pai me conhecia melhor do que ninguém.
— O que você quer que eu diga?
— Não precisa dizer nada, porque, repetindo… eu conheço você.
— Qualquer sentimento que eu tiver por Dax é inútil.
— Você está subestimando a fraqueza dos homens se acha que esse cara
não tem a capacidade de quebrar essa determinação. Quanto mais fizer
coisas tipo passar a noite na casa dele, quanto mais tempo passarem juntos,
mais provável será isso acontecer. Acho que você também precisa decidir se
quer colocá-lo nessa posição.
Belo jeito de me fazer sentir culpada. Mas ele tinha razão.
— Eu não sei o que pensar, pai. Ok? Sim, eu sinto algo por Dax. Sinto
desde o instante em que o conheci, antes de saber quem Rafe era. Mas
também concordo que nada deveria acontecer entre nós. Eu só não consigo
evitar querer ficar perto dele. — Desviei o olhar. — Ele tem um… misto de
força e vulnerabilidade. E quando estou com ele, sempre quero compartilhar
mais coisas do que de costume. E, obviamente, também me sinto atraída por
ele.
— Eu nem tinha notado. — Meu pai riu.
Nas duas semanas seguintes à noite que passei na casa de Dax, Rafe
passou a falar mais. Ele fazia somente pequenos comentários aqui e ali ou
respondia perguntas simples, mas isso era um passo enorme na direção certa.
Dax estava cautelosamente otimista quanto às coisas estarem finalmente
melhorando. Nem preciso dizer que a terapeuta de Rafe e suas professoras
estavam animadíssimas, embora continuassem sem saber a que atribuir essa
mudança. Elas falavam muito a palavra espontâneo.
Rafe passou a me ver como uma amiga da família. Certa tarde, passei na
casa deles em Brookline para buscá-lo enquanto Dax estava no trabalho. A
escola de Rafe estava fechada para reuniões, então ofereci-me para levá-lo a
uma livraria que havia acabado de abrir em Cambridge. Notei que eles
tinham uma vasta seção de histórias em quadrinhos e eu sabia que Rafe ia
adorar.
Pegamos o trem Red Line para a estação Harvard Square e caminhamos
a curta distância até a livraria. Ele escolheu dois livros, pelos quais insisti em
pagar, e comprei um livro de não-ficção para mim. Compramos dois
chocolates quentes em uma cafeteria e levamos nossos novos livros para um
parque ali perto. O tempo estava um pouco frio, mas parecia um dia perfeito
para leitura.
Eu queria aproveitar nosso tempo sozinhos para tentar fazê-lo falar
comigo, então, em determinado momento, enquanto estávamos sentados em
um banco do parque, interrompi sua leitura.
— Não sei se você sabe disso, Rafe, mas perdi minha mãe quando era
criança. Eu tinha cinco anos. Então, entendo o que você está passando.
Queria que soubesse disso. Nós temos muitos interesses em comum, mas eu
não tinha certeza se você sabia que também temos isso em comum.
Ele pareceu pensativo. No entanto, após um longo momento de silêncio,
me chocou completamente.
— Mas você a matou?
O quê? Pisquei.
— Não. Claro que não. Ela morreu em um acidente de carro. Por que
você perguntaria isso?
Ele continuou a olhar para frente.
— Porque eu matei a minha.
Senti-me perdendo o fôlego.
— Do que você está falando?
Maren tinha morrido devido a um aneurisma cerebral, então eu não
conseguia nem ao menos imaginar por que Rafe diria uma coisa daquelas.
Ele começou a tremer.
Pousei a mão em seu joelho.
— Rafe, você pode me contar qualquer coisa. Por que disse isso?
Ele virou para me olhar.
— Na manhã em que ela morreu, eu disse que a odiava. Eu estava sendo
bem cruel porque estava bravo por ela ter me colocado de castigo por uma
coisa que fiz. A última coisa que eu disse para ela foi “Eu te odeio”. Depois,
ela foi para o trabalho e morreu. — Ele escondeu o rosto nas mãos. — Não
falei de coração. Mas quando eu disse que a odiava, isso causou alguma
coisa. Eu sei que sim.
Ele começou a chorar copiosamente. Senti uma tristeza profunda ao
abraçá-lo. Como eu poderia fazê-lo entender que estava errado? No fim das
contas, eu sabia que seria preciso mais do que somente eu para fazer isso
acontecer.
— Rafe, não é assim que funciona. Você não pode matar alguém com
palavras. Nem ao menos disse aquilo de coração.
Ele afastou-se de mim.
— Mas e se ela tiver acreditado?
— As pessoas dizem coisas o tempo todo quando estão bravas. Adultos
sabem que crianças não falam de coração quando dizem essas coisas. Nós
sabemos disso.
Ficamos em silêncio por um momento.
— Foi por isso que você ficou calado esse tempo todo? — perguntei. —
Porque acreditava que as suas palavras poderiam fazer mal às pessoas?
Ele enxugou os olhos ao assentir. Meu coração doeu por ele.
— Compreendo por que chegou a essa conclusão, Rafe. Foi uma péssima
coincidência. Mas não é verdade.
— Como vou saber se você tem razão?
— Não tem como saber. Mas precisa ter fé. E talvez leve um tempo até
que você aprenda a acreditar. Já conversou com a sua terapeuta sobre isso?
Ele negou com a cabeça.
— Não. Só contei a você.
Suspirei.
— Obrigada por se abrir comigo. Mas você também precisa contar à sua
terapeuta, ok? Precisa ouvir a verdade de mais pessoas, além de mim. Eu
juro que você não fez nada de errado. Além disso, a sua mãe não ia querer
que você se sentisse culpado por isso pelo resto da vida. A sua terapeuta vai
poder te explicar isso melhor do que eu.
Seus olhos cor de avelã cintilaram à luz do sol conforme ele passou uma
das mãos por seus cabelos cacheados.
— E se eu nunca conseguir acreditar no que você está dizendo? E se eu
sempre acreditar que a culpa foi minha? Não importa o que você ou a minha
terapeuta digam?
— Acreditar é uma escolha. Você pode escolher acreditar que não fez
mal à sua mãe. Você pode construir a confiança nessa escolha, até que
acreditar se torne saber. É com isso que a sua terapeuta pode ajudar. Mas ela
não vai poder te ajudar se não souber dessa informação vital.
Ele ficou assentindo.
— Ok. Eu vou contar a ela.
Pousei a mão delicadamente em seu braço.
— Posso contar ao Dax sobre isso? Eu sei que você não se abre muito
com ele. Seria mais fácil se eu contasse isso a ele, para que ele possa se
certificar de que você receba a ajuda de que precisa.
Rafe fez uma pausa.
— É. Seria mais fácil. Eu não quero repetir isso, não para ele.
— Ok. — Baguncei seus cabelos. — Você vai ficar bem. Prometo.
Respirei fundo, sentindo-me grata por ele ter se sentido confortável o
suficiente para admitir aquilo.
Cada vez mais, eu sentia que estava chegando a hora de contar a ele a
verdade sobre mim. Mas ainda faltava um pouco.

No dia seguinte, eu estava sentada de frente para Dax em seu escritório.


A vista da cidade de sua janela era espetacular. Mas meus olhos estavam
bem mais focados em Dax enquanto ele puxava os cabelos depois que lhe
dei a notícia.
— Ah, meu Deus. Isso explica tanta coisa, Wren.
Decidi vir encontrá-lo no meio de seu expediente para poder contar sobre
a minha conversa com Rafe. Dax tivera que trabalhar até mais tarde no dia
anterior, depois que Rafe e eu retornamos do passeio. Então, mandei uma
mensagem para ele pela manhã para perguntar se poderia encontrá-lo hoje,
porque era uma conversa que não podia esperar mais e precisava acontecer
pessoalmente.
— Pensamentos mágicos podem ser perigosos — eu disse. — Todo esse
tempo, você presumiu que ele não estava falando com você porque te
odiava, quando, na verdade, ele provavelmente estava com medo das
próprias palavras, incerto sobre o que elas seriam capazes.
Dax ficou girando seu relógio no pulso enquanto olhava pela janela.
— É assustador pensar que ele acreditava ter dito algo que causou a
morte da mãe. — Ele virou para mim. — Nem sei como te agradecer por tê-
lo feito falar sobre isso.
Dei de ombros.
— Não fiz basicamente nada. Apenas contei a ele que também perdi a
minha mãe quando era muito nova. Isso meio que abriu a porta. Fui pega de
surpresa.
— Já faz um tempo que ele se sente confortável com você. Você tem esse
efeito sobre as pessoas. Se não fosse por você, não sei se ele me contaria
isso, algum dia. Ele tem uma conexão com você que provavelmente não
consegue entender, porque não há explicação para isso. É inato.
Aquilo aqueceu meu coração.
— Bem, seja lá qual tenha sido a razão, fico feliz pela verdade ter sido
revelada.
— Ele te disse que você podia me contar?
— Sim. Perguntei a ele primeiro.
Dax retornou para sua mesa e deu umas batidinhas com uma caneta na
superfície.
— Vou ligar para a terapeuta dele agora mesmo e contar isso a ela.
— Boa ideia. — Assenti. — Enfim, é melhor eu ir embora e deixá-lo
fazer isso. Sei que você também precisa voltar ao trabalho.
— Infelizmente, preciso. — Ele olhou para as pilhas de papéis em sua
mesa. — Tenho um prazo chegando, e terei que passar a noite quase toda
aqui. Shannon vai ficar em casa até mais tarde para fazer companhia ao Rafe
até eu chegar. Ele tecnicamente já tem idade suficiente para ficar em casa
sozinho, mas não gosto de deixá-lo por longos períodos de tempo, sabe?
— Não te culpo.
Ele bateu a caneta mais uma vez.
— O que você vai fazer pelo resto da tarde?
— Estou de folga hoje. Vou encontrar Sam para jantar no centro da
cidade. Não tenho quase nada para fazer antes disso.
Dax abriu a boca como se fosse dizer alguma coisa, mas deteve-se. Ele
pareceu pensar melhor.
Em vez disso, ele assentiu e disse:
— Divirta-se.

Sam e eu estávamos terminando o jantar no Beantown Beerworks quando


meu celular apitou. Olhei para a tela e vi que era uma mensagem de Dax.
Dax: Obrigado mais uma vez por ter vindo me ver hoje. Tive uma
longa conversa com a terapeuta de Rafe, que agora está trabalhando
em uma nova estratégia cognitivo-comportamental. Ah, e você
deixou o seu cachecol na cadeira do meu escritório. Posso levá-lo
para casa esta noite, se quiser. Você pode buscá-lo na próxima vez
que for lá em casa. Me avise.
— Quem é? — Sam perguntou.
Ergui o olhar.
— Dax.
Ele parou de mastigar.
— O que ele quer?
Soltei meu celular.
— Eu deixei o meu cachecol no escritório dele hoje.
— O que você estava fazendo no escritório dele?
— Nós precisávamos falar sobre Rafe.
Ele limpou a boca.
— Está tudo bem?
— Sim. Eu só precisava contar a ele sobre uma conversa que tive com
Rafe sobre sua mãe, algo que ajudou a explicar por que ele permaneceu
calado por tanto tempo.
— E então você foi ao escritório dele no meio do expediente? Não podia
esperar?
Meu tom ficou um pouco abrasivo.
— Não, não podia esperar. Era importante. Ele podia tirar um tempinho
para me encontrar, então eu fui.
Sam ficou quieto depois disso, e pareceu preocupado durante o restante
da refeição. Cada vez mais, eu sabia que estava apenas preenchendo meu
tempo com ele, e não deveria continuar prendendo-o assim. Eu precisava
terminar as coisas entre nós. Não era justo mantê-lo por perto como uma
distração do meu desejo por outra pessoa. O único consolo era que eu nunca
ter prometido exclusividade a Sam. Meu coração certamente não era
exclusivamente dele.
Já que Sam havia pegado o metrô para ir me encontrar, fomos embora
separados após o jantar. Fui em direção ao metrô Orange Line enquanto ele
pegou o Blue Line para voltar para sua casa em Winthrop.
Finalmente respondi à mensagem de Dax, enquanto esperava pelo metrô.
Wren: Você ainda está no escritório?
Dax: Sim. Ficarei por mais uma hora.
Wren: Você se importa se eu for buscar o meu cachecol antes de você
ir embora?
Dax: Claro que não. Estarei aqui.
Wren: Ótimo. Valeu. O seu escritório fica no meu caminho para casa.
Duas paradas depois, desci na estação que ficava mais próxima ao prédio
onde Dax trabalhava e caminhei por dois quarteirões até lá.
Após pegar o elevador para o vigésimo andar, notei que as luzes estavam
apagadas na maioria dos escritórios no andar de Dax.
Sua porta estava levemente entreaberta.
— Toc, toc — eu disse antes de abri-la.
Dax jogou seus óculos de lado.
— Oi.
— Quase consegui um vislumbre dos seus óculos de velho?
— Merda, sim. — Ele sorriu. — Precisei dos meus óculos de leitura para
dar conta de toda essa porcaria de papelada.
Mesmo com os olhos vermelhos, ele ainda estava mais lindo do que
nunca.
— Você parece cansado.
— Isso é outro jeito de dizer que estou um lixo?
— Você nunca está um lixo — respondi.
— Estou tão exausto, Wren. E, para completar, não consigo parar de
pensar em Rafe.
— É compreensível. Mas ele está no caminho certo para melhorar. Isso
deveria te dar um alívio.
Ele esfregou os olhos. Seu estresse era palpável. Não pude evitar querer
fazer o que eu fazia de melhor: aliviar um pouco disso.
— Feche os olhos e respire fundo — sugeri.
Ele fez o que pedi. Posicionei-me atrás dele e comecei a massagear seus
ombros.
— Você não precisa fazer isso — ele disse baixinho.
— É por conta da casa.
Mesmo que essa não fosse nada como minhas massagens típicas, ainda
pude sentir seu corpo se acalmar em resposta às minhas mãos massageando a
parte superior de suas costas. Uma longa respiração escapou por seus lábios
quando ele se rendeu.
Dax baixou a cabeça e relaxou por completo.
— Tinha me esquecido do quanto é bom pra caralho ser massageado por
você — ele murmurou.
— Você deveria ter mantido a farsa por mais tempo, então — provoquei.
— Pense em quantas massagens poderia ter recebido.
Seu corpo tensionou.
Apertei seus ombros com mais força.
— Só estou brincando, Moody. Relaxe.
Ele expirou e, mais uma vez, deixou-me continuar a massagem. É claro
que nós dois estávamos tirando vantagem disso. Eu estava com saudades de
tocá-lo, e esta era a única desculpa apropriada que eu tinha. Seu cheiro
excitante era avassalador.
Após vários minutos massageando seus ombros e costas, forcei-me a
parar. Por mais que não quisesse cessar o contato, não dava para fazer muita
coisa enquanto ele estava sentado e vestido. E, sinceramente, eu estava
pegando fogo. Ao que parecia, eu era incapaz de manter qualquer semblante
de profissionalismo quando se tratava desse homem.
— Obrigado — ele disse. — Isso foi maravilhoso.
Pigarreei e voltei para o outro lado da mesa.
— Você disse que está quase acabando o trabalho?
— Por hoje, acho que sim.
Pegando meu cachecol da cadeira, eu falei:
— Vou pegar isso aqui e parar de te atrapalhar.
— Fique mais um pouco — ele pediu. — Não se apresse.
Era o que eu estava esperando ouvir.
— Tudo bem. — Sorri, acomodando-me na cadeira de frente para ele.
— Você teve um jantar agradável? — ele perguntou.
— Sim. A comida estava muito boa.
Ele lambeu o canto da boca.
— Estou faminto.
— Quer que eu vá comprar alguma coisa para você?
— É muita gentileza da sua parte, mas tudo bem. Vou comprar alguma
coisa a caminho de casa. Onde você comeu?
— Sam e eu fomos ao Beantown Beerworks.
Ele mexeu no relógio.
— As coisas entre você e o Sam… estão ficando sérias?
Foi essa pergunta que ele quis fazer mais cedo? Mesmo sabendo que as
coisas com Sam não iam durar, eu não queria simplesmente dizer isso, já que
ver que Dax parecia interessado, talvez até com ciúmes, estava me deixando
satisfeita.
— Não somos exclusivos. Então, não.
— É mesmo? Isso é escolha dele ou sua?
— Não estou procurando um relacionamento sério agora.
— Você só quer algo casual?
— Também não estou transando com ele, se é isso que quer dizer com
casual.
Aff. Não sei bem por que acabei dizendo isso.
— Eu não estava insinuando isso. Mas é certamente… interessante.
— Por quê?
— Por quê? — Ele coçou o queixo. — Talvez eu tenha presumido
erroneamente que se você estava passando tempo com alguém…
— Você presumiu que eu sou fácil? — provoquei.
Ele estreitou os olhos.
— De jeito nenhum. Não foi isso que eu quis dizer.
— Se não tenho certeza de que quero alguma coisa, não faço somente
para agradar outra pessoa. Quando você realmente quer algo, simplesmente
sabe. Não precisa se questionar.
Ele recostou-se na cadeira e examinou meu rosto.
— Você não se sente atraída por ele…
Decidi parar de me fazer de recatada e ser honesta.
— Com Sam… sinceramente, tenho gostado da companhia dele. Mas
está faltando alguma coisa, tanto física quanto emocionalmente. E preciso
considerar isso.
— Você merece ter tudo. Nunca se conforme com menos.
Sem conseguir evitar, inclinei minha cabeça para o lado e perguntei:
— Por que você se conforma com menos?
Ele começou a mexer com seu relógio novamente.
— Está falando de Adriana?
— Sim, a menos que haja mais mulheres.
— Não. — Ele fingiu estar limpando algumas linhas soltas de sua
camisa. Em seguida, olhou para mim. — Não há mais ninguém. E como eu
te disse, faz tempo que não vejo Adriana.
— Que bom.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Isso te deixa feliz?
Meu pulso acelerou.
— Eu nem a conheço, mas, de algum jeito, sei que ela não te merece. Ela
não deveria andar atrás de você como faz. Ela soou desesperada naquela
mensagem. Você deveria querê-la tanto que ela não tivesse que fazer isso.
Tenho certeza de que ela é muito bonita e tudo mais.
Ele pausou por um momento.
— Ela não é melhor do que você.
Arrepiei-me. Aquilo me deu confiança para dizer:
— Ela não é melhor do que eu? Ela conseguiu te ter de uma maneira que
eu não posso. Nisso, ela é bem melhor do que eu.
Ele fechou os olhos por um momento e grunhiu.
— Porra, Wren.
— Enfim, você não me respondeu. Por que se conforma com menos?
— Porque… — Ele suspirou. — Às vezes, você só precisa de um alívio
sem complicações. Mas concordo que é mais atraente quando algo não é
fácil. Quando é inalcançável. — Ele olhou bem nos meus olhos. — Essa é a
porra do meu problema nesse momento.
Senti a energia mudar em seu escritório escuro.
— Acho que estamos com o mesmo problema — sussurrei.
Ele me fitou, e pude sentir suas barreiras começarem a desmoronar. O
que ele disse em seguida confirmou isso.
— Eu te disse que tenho andado preocupado por causa de Rafe e do
trabalho. Isso é verdade. Mas também não consigo parar de pensar em
você… desde aquela noite. Também é por isso que não consigo ter foco.
Meu coração saltou.
— Por causa da minha história?
— Ouvir tudo que você passou realmente me afetou, mas é mais que
isso.
— Tipo… — insisti.
— Tipo sentir o seu cheiro por toda a minha cama durante os últimos
dias. Isso tem mexido com a minha cabeça. Está finalmente sumindo.
— Estou finalmente sumindo dos seus pensamentos?
— Não. O seu cheiro na minha cama. Quem me dera você estar sumindo
dos meus pensamentos. — Ele suspirou profundamente. — Não sei por que
estou te contando isso. É inapropriado. Devo estar perdendo o juízo.
Minha temperatura aumentou.
— Bem, já que estamos sendo honestos… vou admitir que deixei meu
cachecol aqui de propósito. Eu queria uma desculpa para ver você de novo.
Se você não tivesse mandado aquela mensagem, eu ia te contatar para poder
vir buscá-lo.
— Merda. — Ele olhou para o teto e soltou uma risada irritada. — Isso
tem que parar.
— É, acho que sim. Porque nada pode acontecer entre nós. Mesmo
assim, você ainda pensa em mim. O que isso te diz?
Seus olhos encontraram os meus novamente.
— Que eu sou um egoísta do caralho.
— Não. Isso deveria te dizer que só temos controle até certo ponto.
Podemos controlar ações, mas não sentimentos ou desejos. Não dá para
evitar o que se quer.
— Minha prioridade precisa ser Rafe. Independentemente do que eu
queira.
— Você sabe o que eu quero?
Ele engoliu em seco.
— O quê?
Tomei um momento para recuperar o fôlego.
— Não sabe? Pensei que já tivesse deixado dolorosamente óbvio… a
ponto de fazer papel de otária várias e várias vezes.
Ele se inclinou para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, e não
disse nada por um bom tempo, apenas massageando as têmporas. Então, ele
se levantou, caminhou até a porta e a fechou, trancando-a. Depois disso,
seguiu até a janela e ficou olhando para o lado de fora.
— O que você está fazendo? — perguntei.
Ele virou o rosto para mim.
— Tentando com todas as forças não te comer em cima da minha mesa
agora mesmo.
Meu coração martelou conforme ele voltou para sua cadeira. Senti como
se estivesse prestes a explodir por dentro. Decidindo dar um salto de fé,
aproximei-me dele e sentei em seu colo, envolvendo-o com minhas pernas.
Sua respiração acelerou, e senti o calor de seu pau despertando em sua calça
ao pulsar sob mim.
— Porra, eu vou para o inferno — ele sussurrou.
— Te encontro lá.
Esperei. De jeito nenhum eu ia me aproximar para beijá-lo, desta vez. Eu
nunca mais cometeria esse erro. Se ele quisesse, teria que pegar. Fiquei
apenas fitando seus olhos, em um convite aberto.
Seus olhos queimaram nos meus.
— Você disse que sente ciúmes porque Adriana me teve e você não. —
Ele engoliu em seco. — Porra, você me teve desde o instante em que me
tocou pela primeira vez. Nunca mais sequer pensei em outra pessoa. Não sei
como fazer isso parar.
Ele segurou meu rosto, pousando as mãos em minhas bochechas, e puxou
minha boca para a sua. Um gemido escapou dele, e vi estrelas ao sentir a
fome extrema com a qual vinha lidando há tanto tempo finalmente acabar.
Seu beijo era diferente de qualquer outro. A firmeza. A voracidade
úmida. O jeito dominante como ele segurava meu rosto, a intensidade de
nossas respirações, o jeito como sua língua circulava a minha ritmicamente.
Nada mais importava no mundo além de ter sua boca na minha, inspirando
cada pedacinho, afogando-me em seu sabor. E quando ele empurrou a língua
ainda mais fundo em minha boca, não foi de uma maneira gentil. Se o
movimento de sua língua era algum indicativo, sexo com Dax seria de outro
nível.
— Você é perfeita pra caralho — ele murmurou contra meus lábios.
Comecei a me esfregar nele, a sensação tão intensa que eu poderia gozar
a qualquer momento, se me permitisse.
— Eu não posso te foder, Wren. Não vou — disse, afastando a boca da
minha. Ele me retirou de seu colo antes de se levantar da cadeira.
— O que está fazendo? — Meu tom era urgente.
— Você não pode mais fazer isso comigo. Se esfregar em mim. — Ele
passou uma das mãos pelos cabelos.
— Por quê?
— Por quê? — Ele passou os dedos pelos lábios. — Porque estou prestes
a perder o controle.
— É isso que eu quero — ofeguei.
Ele veio em minha direção e me empurrou contra a mesa.
— Você não estaria pronta para mim se eu realmente perdesse o controle
agora.
Dax afastou um monte de coisas para o lado antes de eu sentir minha
bunda encostar em sua mesa. Ele me ergueu, pousando-me sobre ela, e abriu
minhas pernas, fazendo-me deitar. Deslizou minha calcinha para baixo,
quase rasgando-a, e posicionou sua cabeça entre minhas pernas. Quando
percebi, sua boca estava em mim, sua língua lambendo meu clitóris. O
contato enviou ondas de choque por todo o meu corpo, o êxtase mais quente
e molhado que já senti. Adrenalina pura e inebriante.
— Quando eu disse mais cedo que estava faminto, era a isso que estava
me referindo — ele grunhiu.
Tudo ficou enevoado enquanto eu me contorcia sob ele. Fui transportada
para outro lugar enquanto sua língua explorava minha carne, aplicando a
quantidade perfeita de pressão. Seus gemidos baixinhos vibravam por todo o
meu corpo conforme eu me pressionava contra ele.
Isso é um sonho? Porque não podia ser real. Dax Moody não estava com
a boca entre minhas pernas. Ele não estava gemendo enquanto sua língua me
explorava, devorando-me como se eu fosse sua última refeição.
Meu corpo ficou completamente deitado sobre a mesa quando ele me
puxou para ainda mais perto, abrindo ainda mais minhas pernas e enterrando
ainda mais seu rosto entre elas. Para um homem que estava hesitante em me
deixar tocá-lo, ele certamente não estava se segurando nem um pouco agora.
E fiquei grata por isso.
Tudo girou quando comecei a alcançar o clímax. Nunca tinha gozado tão
rápido na vida. Enquanto os músculos entre minhas pernas se contraíam,
agarrei seus cabelos e pressionei sua boca com ainda mais força contra mim.
Foi quase como dois orgasmos seguidos.
Enquanto eu começava a me recuperar, ele deslizou a língua para cima e
para baixo em meu clitóris, como se quisesse lamber os resquícios do que
tinha acabado de fazer. Ele distribuiu beijos por minha pele, subindo até
parar em meu abdômen. Fiquei sentindo sua respiração ali, deitada e
molenga, por um bom tempo.
Eventualmente, levantei-me e desci da mesa, ficando de joelhos para
abrir seu cinto. Sua calça mal podia conter sua ereção. Eu queria prová-lo
também ― dar a ele ao menos metade do prazer que ele havia me dado.
Mas ele segurou meu pulso, detendo-me. Senti uma realidade fria me
percorrer. Isso me lembrou de quando ele agarrou meu pulso naquele dia,
quando eu quis beijá-lo. Mais uma vez, ele provou que estava no controle ao
encerrar as coisas de maneira abrupta.
Dax limpou a boca com o dorso da mão.
— É melhor você ir embora.
Nos dias seguintes ao encontro com Wren no meu escritório, fiquei
mudando entre me punir por minhas ações e sentir prazer ao repassá-las em
minha mente.
Eu fiz sexo oral na irmã de Rafe.
Eu fiz sexo oral na irmã de Rafe e amei cada segundo.
De todas as mulheres no mundo, fui escolher logo essa.
Eu era um doente.
Mas ela foi a única mulher que eu quis praticamente desde o instante em
que a conheci.
Essa loucura precisava parar.
Sempre que eu estava tentando seguir normalmente os meus dias, me
lembrava da sensação de sua carne contra minha boca, de seu sabor. Ficava
tentando justificar, porque eu que tinha dado prazer a ela, como se isso
significasse que eu não havia tomado algo que não tinha direito. Mas dar, e
não receber, de algum jeito, deixava o que fiz um pouco menos imperdoável.
E então, praticamente a expulsei do meu escritório. Foi tão fácil me
imaginar fodendo-a contra a parede ou sobre a minha mesa. Estava prestes a
explodir, a segundos de me enterrar nela. Suspeitei de que ela me deixaria
fazer o que eu quisesse. Porque era o que ela queria. Isso me assustou pra
cacete. Pode ter parecido que perdi o controle quando a chupei, mas eu
estava absolutamente ciente das minhas limitações durante cada segundo.
Tomei uma decisão clara no momento em que a coloquei sobre minha mesa
e cedi à tentação, mas também não permiti que as coisas fossem além de
sexo oral.
Ela provavelmente interpretou meu pedido de que fosse embora como
uma rejeição. Mas ela mal podia imaginar o quanto eu a queria, todas as
coisas que eu queria fazer com ela, as coisas que eu queria que ela fizesse
comigo. No entanto, eu estava mais determinado do que nunca a impedir que
qualquer outra coisa acontecesse antes que fosse tarde demais.
Eu precisava fazer algo drástico. E isso começaria hoje.

Uma semana após aquele encontro, Wren ainda não havia entrado em
contato. E eu também não havia tomado essa iniciativa. Eu sabia que ela
viria em algum momento, já que iria querer ver Rafe. Mas, por enquanto,
apreciei o espaço que sua ausência me trouxe.
Pela primeira vez em um bom tempo, eu tinha planos para sair esta noite.
Minha missão era fazer o meu melhor para esquecer Wren e esse dilema por
uma noite. Todo ano, Shannon dava uma enorme festa com o tema Nova
Orleans para comemorar seu aniversário. Era o lugar perfeito para levar
Keely, uma mulher que eu tinha conhecido em um aplicativo de
relacionamentos. Decidi que precisava me forçar a começar a sair com
alguém novamente. Foi a única coisa em que consegui pensar para me
distrair do que havia acontecido com Wren.
Embora meio que parecesse uma penitência, sair com alguém parecia
uma ideia lógica. Assim como convidar Keely para me encontrar na festa de
Shannon na sexta-feira à noite, para que as coisas permanecessem casuais,
caso eu não curtisse. O lugar estaria cheio de pessoas, então parecia
perfeitamente sem compromisso.
Ao encontrar Keely, fiquei o tempo todo na dúvida. Ela era atraente,
simpática. Mas, como eu já estava esperando, tudo parecia forçado. Apesar
de estar naquela festa, eu não conseguia tirar Wren da cabeça. Pelo menos,
Keely e eu nos divertiríamos na festa de Shannon, não importava o que
acontecesse, mesmo que a química entre nós não existisse. Rafe também
estava ali, na sala de TV de Shannon, jogando videogame com o filho dela,
Bobby Jr., que viera da faculdade para a ocasião.
A ruiva Keely e eu nos conhecemos um pouco melhor perto da mesa de
bufê, que continha gumbo1, carolinas e um misto de outras comidas típicas
de Nova Orleans.
Enquanto comíamos, Keely me contou sobre seu trabalho como terapeuta
ocupacional em escolas de Boston, enquanto falei um pouco sobre o meu
trabalho e minha apreciação por Shannon e tudo que ela fez por mim e Rafe.
Em determinado momento, meus olhos percorreram o ambiente, e pensei
que estava vendo coisas. Infelizmente, esse não era o caso.
Ela está aqui?
Logo depois dos olhos de Wren encontrarem os meus, perceberam Keely
ao meu lado.
— O que diabos Wren está fazendo aqui?
Eu não havia percebido que tinha dito aquilo em voz alta até Shannon
responder atrás de mim.
— Eu a convidei.
— Por que não me disse que ela viria?
Compreensivelmente confusa, Shannon deu de ombros.
— Não achei que você teria problema com isso.
— Desculpe. — Balancei a cabeça. — Você está certa. Eu não tenho.
— Quem é Wren? — Keely perguntou.
— Ela… — Está bem na minha frente.
A expressão de Wren estava séria quando ela parou diante de mim.
Forçando um sorriso que provavelmente me fez parecer ter sido forçado
a chupar um limão, eu disse:
— Oi.
Ela soltou uma respiração tensa.
— Que surpresa te encontrar aqui.
— É. Eu não sabia que você viria. — Engoli em seco.
— Onde está aquele rapaz com quem você está saindo? — Shannon
indagou. — Eu te disse que podia ficar à vontade para trazer um convidado.
— Sam e eu não estamos mais saindo.
— Sério? — perguntei.
— Sim. — Ela se virou para mim. — Comecei a gostar de outra pessoa.
E não achei que seria justo desperdiçar o tempo dele.
Engoli em seco com dificuldade.
Ela virou-se para Keely.
— Você está com o Dax?
— Sim.
Wren assentiu.
— Você deve ser a Adriana.
Porra.
— Não, sou a Keely. — Ela olhou para mim. — Quem é Adriana?
— Desculpe. Acho que não consigo acompanhar — Wren disse.
Abruptamente, ela se afastou.
Merda. O que foi que eu fiz?
— Quem é aquela garota? — Keely perguntou.
— É uma amiga — respondi, meus olhos ainda fixos nas costas de Wren
conforme ela seguia para a cozinha. — Pode me dar licença por um
momento?
Quando entrei na cozinha, Wren estava encostada na bancada com a mão
no peito, como se precisasse conter seu coração. Senti-me um merda.
— Wren…
— Não diga nada. — Ela caminhou até o cooler de água e pegou um
copo descartável. — Você não me deve explicação.
— Devo, sim. Eu nunca teria trazido uma pessoa se soubesse que você
estaria aqui.
— Você está saindo com outras mulheres agora? Pensei que só as
fodesse. Bom, qualquer mulher além de mim, aparentemente… Quando sou
eu, você só me fode com a sua língua — ela disse, fervendo. — Agora, uma
semana depois, está saindo com uma nova pessoa? Você parece ter superado
rapidinho o que aconteceu entre nós.
— Eu a trouxe justamente por causa do que aconteceu entre nós.
Ela balançou a cabeça devagar.
— Eu estava ansiosa para te ver aqui esta noite. Porra, me sinto uma
idiota.
Meu estômago estava cheio de nós.
— Não tenho orgulho da decisão que tomei com você naquela noite.
Então, me forcei a encontrar uma distração porque precisava demais de uma.
Eu não… — Tomei um momento para recuperar o fôlego. — Não quero te
magoar.
— Bem, você acabou de fazer isso.
Nós dois viramos os rostos para encontrar Shannon na cozinha. Ela
provavelmente tinha ouvido tudo.
— Desculpe, Shannon — Wren pediu. — Tenho que ir embora.
— Sem problemas, querida. — Shannon me lançou um olhar irritado,
parecendo tanto confusa quanto decepcionada.
Ficamos olhando Wren sair bruscamente da cozinha. Shannon me seguiu
de volta para a sala de estar. Keely havia desaparecido de onde estava perto
da mesa do bufê.
— Onde está Keely? — perguntei, embora não estivesse realmente
preocupado com isso.
— Ela foi embora. Por isso fui atrás de você, para te dizer isso. Quer me
contar o que raios está acontecendo?
Graças a Deus, Rafe ainda estava na sala de TV e não havia
testemunhado esse desconforto. Isso poderia ter sido desastroso.
— Você não deduziu ainda? — questionei.
— Já, sim. Só quero que você saiba que pode conversar comigo. E sinto
muito se causei algum problema ao convidar Wren.
— Você não causou problema algum. — Olhei para a porta. — Preciso ir
encontrá-la.
— Acredito que não esteja se referindo a Keely.
— Não.
— Vá. — Ela me incentivou. — Rafe está bem aqui conosco.
— Tem certeza?
— Sim, tenho certeza.
— Eu te devo uma — eu disse ao seguir para a porta.
— Depois eu mando a conta — Shannon brincou.
Saí com pressa e, assim que cheguei ao ar frio do lado de fora, peguei
meu celular e mandei uma mensagem para Wren.
Dax: Onde você está? Precisamos conversar.
Alguns minutos se passaram, e comecei a duvidar de que ela ia
responder. Mas, então, uma mensagem finalmente chegou.
Wren: Estou indo para casa.
Dax: Você pode me encontrar na minha casa? Ou eu posso ir aonde
você estiver. O que preferir.
Quando ela não respondeu após um longo minuto, digitei novamente.
Dax: Você não me deve nada, mas eu realmente agradeceria a
oportunidade de explicar melhor as minhas ações.
Os pontinhos saltaram por um tempinho antes de ela finalmente
responder.
Wren: Ok.
Seu carro estava estacionado em frente à minha casa quando cheguei. Ela
desceu do veículo e esfregou as mãos nos braços.
— Está frio — eu disse. — Vamos entrar. — Contudo, meu coração
quase parou quando notei que ela estava fungando. — Você está chorando?
— Estou muito emotiva esta noite, e antes que comece a se achar, não é
pelo motivo que você pensa.
Apressando-me até a porta, eu a abri.
— O que está havendo, Wren?
Ela me seguiu para dentro de casa.
— Eu fui à festa para te contar uma coisa importante. E ver você lá com
aquela mulher me desestabilizou.
Fiquei tão chocado mais cedo que não havia apreciado de verdade quão
absolutamente deslumbrante Wren estava no vestido verde-esmeralda que
usava. Tinha alguns brilhos sutis e delineava seu corpo perfeito como uma
luva. Seus olhos azuis cintilavam diante das luzes na minha antessala. Ela
me tirava o fôlego.
— Venha cá. — Puxei-a para meus braços, a única coisa que parecia
certa naquele momento. Inspirando profundamente seu cheiro, falei contra
seus cabelos: — Me desculpe. Tenho feito todo o possível para esquecer o
que aconteceu entre nós. Não consigo me perdoar por minha fraqueza.
Pensei que, se eu me forçasse a levar aquela mulher para sair esta noite,
talvez eu pudesse mudar a direção da minha vida e fingir que não tinha
fodido tudo com você. Nunca imaginei que você estaria lá. — Eu queria
ficar ali, segurando-a em meus braços, mas ela se afastou.
— Não foi como se você tivesse olhado para mim e feito as minhas
pernas se abrirem magicamente, Dax. Eu também quis. Eu queria mais…
mas você me mandou embora antes que isso pudesse acontecer. Então, pare
de se culpar pelo que fizemos. Está feito e pronto.
Suas palavras me fizeram sentir um pouco melhor, mas eu não merecia
um pingo da paz de espírito que ela havia oferecido.
— O que você precisa me contar? — perguntei.
Seu peito subiu e desceu com a respiração pesada.
— Descobri hoje que consegui o cargo para dar aulas de música na
França.
Talvez animação devesse ter sido a minha primeira reação. Em vez disso,
meu estômago gelou.
— O quê? — Forcei felicidade. — Conseguiu? Isso… isso é ótimo, não
é?
— É um contrato de dois anos.
Dois anos?
— Você é obrigada a se comprometer com isso?
— Bom, ninguém vai me mandar para a cadeia se eu me sentir infeliz e
quiser vir embora. Mas, ao aceitar, vou assinar um contrato por um período
de dois anos, durante o qual não devo sair ou ir trabalhar em outra escola.
Isso está mesmo acontecendo. Ela vai embora. Um misto de pânico e
alívio me bombardeou. Abri e fechei a boca algumas vezes.
— Eu nem sei o que dizer. Acho que sabíamos que isso poderia
acontecer, mas ainda parece um pouco surreal. É isso que você quer, não é?
Ela limpou o canto do olho.
— É engraçado… eu pensei que sim. Até realmente conseguir. Agora,
estou meio que surtando.
— Por quê?
— Estou empolgada com a possibilidade de viajar, mas não quero deixar
o meu pai. Não quero deixar Rafe — ela sussurrou. — Ou você.
Meu peito doeu.
— Mas você vai aceitar, não é?
Ela olhou para os pés por um momento.
— É, acho que sim.
Que bom. Isso era bom, certo? Eu deveria estar aliviado por saber que ela
não ia deixar nada entre nós influenciar sua decisão. Contudo, o sentimento
em meu peito certamente não era alívio. Senti como se tivesse sido
eviscerado.
Mas eu não ia impedi-la de fazer algo que sempre sonhou ― viajar para
a Europa. E agora ela teria a chance de morar lá por um tempo, algo que eu
mesmo não havia feito. Essa não somente era uma oportunidade que surgia
uma vez na vida, como também lhe concederia um espaço muito necessário
longe de mim. Aquilo parecia mais imperativo do que nunca.
— Estou me sentindo perdida, dividida entre dois sentimentos
diferentes… felicidade e tristeza — ela disse.
É, eu me identifico.
— Bom, fico feliz que você saiba que recusar não é uma opção. Você vai
sentir medo. Deixar o que conhece vai ser estranho. Mas você não vai se
arrepender.
O que ela disse em seguida me surpreendeu.
— Eu quero contar a ele, Dax.
Levei um segundo para entender.
— Você quer contar a verdade ao Rafe?
Ela confirmou com a cabeça.
— Não nesse exato momento, mas antes de ir. Tenho pensado bastante
sobre isso. Quando eu voltar, ele vai ter quase dezesseis anos. Não quero que
passe todo esse tempo sem saber. Isso dará mais contexto a ele quanto à
minha vontade de manter contato enquanto estiver longe. Sinto que ele está
melhor agora e poderá lidar com isso. O que você acha?
Esfreguei a barba em meu queixo ao processar aquilo. Não pude pensar
em um motivo para não contar a ele, especialmente diante do fato de que ele
estava muito melhor desde o último mês.
— Acho que você tem razão. Se a sua intuição está te dizendo que esse é
o momento certo, acho que devemos contar a ele.
— Que bom que você concorda.
Assenti. Eu não fazia ideia de como ele reagiria. Inspirei um pouco de ar.
— Quando você vai?
— Querem que eu esteja lá no dia 1º de junho. Provavelmente irei no
final de maio, para começar a me adaptar. Vou dar aulas em um programa de
verão, inicialmente, e, logo em seguida, começarei a lecionar no semestre
regular que inicia no outono.
Menos de três meses. Aquilo me atingiu como um soco no estômago.
— Vou deixar você decidir quando sentir que está na hora de ter essa
conversa — eu disse.
— Eu pretendia contar a ele algumas semanas antes de viajar. Assim,
ainda estarei por aqui durante um tempinho, caso ele tenha perguntas.
— Apoiarei qualquer decisão que você tomar. E Shannon e eu estaremos
ao lado dele, caso ele demore um pouco a processar.
Wren me fitou nos olhos.
— Também precisamos conversar sobre nós.
Senti uma rocha se alojar em meu estômago.
— Faz uma semana e meia que não consigo pensar em outra coisa além
de você — ela confessou.
Em vez de admitir que eu estava com o mesmo problema, perguntei:
— Quando você terminou com o Sam?
— Nem sei se existia algo para terminar, porque não éramos exclusivos.
Mas fui vê-lo logo depois de sair do seu escritório naquela noite.
Assenti, odiando-me pelo rastro de orgulho doentio que senti ao ouvir
aquilo ― como se eu fosse o Rei da Chupada, arruinando-a para todos os
outros homens.
— Depois do que experienciei com você, eu soube que precisava agir —
ela continuou. — Não fazia sentido continuar enrolando-o. Se teve uma
coisa que aprendi depois do que aconteceu entre nós foi que mereço sentir
aquele tipo de fogo ardente com alguém. Mesmo que você e eu não
possamos ficar juntos, você me mostrou como é. E eu definitivamente não
tive uma experiência dessas com Sam. — Ela olhou em meus olhos. — Não
foi somente o que você fez comigo na sua mesa. É como me sinto cada
minuto que passo com você, Dax. Mesmo quando estamos apenas
conversando. Eu…
Suas palavras sumiram, mas ela não precisou explicar mais. Eu sabia
exatamente o que ela queria dizer. Dei alguns passos em sua direção, ficando
mais perto.
— Eu sei que, por ter me visto com uma mulher esta noite, você acha que
não ligo para o que aconteceu entre nós. Mas é totalmente o contrário. Sinto
exatamente tudo que você sente, se não mais.
— Então, transar com outra pessoa seria a solução para saber lidar?
— Eu juro que não tinha a menor intenção de dormir com ela. Não foi
por isso. Foi para fugir feito louco do que vem acontecendo entre nós. —
Passei os dedos pelos cabelos. — Eu sou errado para você por tantas razões,
Wren. Mesmo que não fosse irmã de Rafe, eu não seria certo para você. É
importante que também saiba disso. Tenho muitas merdas mal resolvidas.
Você merece alguém que possa abrir o coração para você sem bagagens e
problemas que precisam ser trabalhados e superados. — Suspirei. — Minha
atração sexual e minha admiração por você não são uma desculpa para fazer
vista grossa para a dura verdade. Eu sou o homem errado para você. Acho
que você precisa muito dessa sua nova aventura, e isso colocará um espaço
entre nós.
— Você acha que estou tão viciada em você que a única coisa que pode
me impedir é um oceano entre nós?
— Não. Sou eu que preciso de um oceano entre nós, porque sou eu que
estou viciado em você. — Dizer aquelas palavras foi como retirar um peso
do meu peito. — Estou viciado pra caralho em você — repeti. — Não
consigo parar de sentir o seu sabor na minha língua. Mas se esse fosse o
único problema, talvez eu pudesse aguentar. Não é somente físico. Não
consigo parar de ver os seus vídeos de música; faço isso desde o momento
em que os descobri. Quase todas as noites. Você sabia disso? E não consigo
parar de pensar nas nossas conversas, porque elas me fazem refletir sobre a
vida. Elas me fazem querer escrever na porra daquele diário e fazer coisas
que nunca me imaginei fazendo. Você tem um jeito de me fazer sentir
melhor comigo mesmo, até quando não mereço. Não consigo parar de pensar
em você. — Baixei o tom da minha voz. — E isso realmente precisa parar.
Porque eu não quero arruinar a sua vida… ou a de Rafe. O garoto já está
traumatizado o suficiente. É isso que faço. Eu magoo as pessoas. —
Sentindo minhas barreiras cederem, senti um caroço na garganta. — Eu fui
um marido terrível, Wren.
— Como assim? — Ela piscou. — Você foi infiel?
— Não. Mas não dei à minha esposa o tipo de afeição que ela merecia.
Eu amava Maren, mas… — Pausei. Isso era muito difícil de admitir. — Não
acho que estava apaixonado quando tomei a decisão de me casar com ela. O
maior pecado da minha existência sempre será o fato de tê-la feito
desperdiçar os dois anos de sua vida em que esteve casada comigo. Ela
poderia ter ficado com alguém que realmente a merecia. Pensei que eu
poderia me tornar esse homem. Eu queria amá-la daquele jeito profundo, de
sufocar a alma.
Eu pensava que não era capaz disso, até esse sentimento surgir em mim
por Wren. Mas eu não ia admitir isso para ela esta noite.
— Então, por isso… — eu disse. — Eu com certeza não mereço uma
segunda chance, se ela não poderá ter uma. Isso seria fodido demais até para
colocar em palavras. Eu sou fodido demais para colocar em palavras. E isso
me faria perigoso para você.
Ela balançou a cabeça.
— Você não me assusta, Moody.
Soltei uma longa e frustrada respiração pela boca.
— Você está me chamando de Moody de novo. Acho que não me odeia
mais.
— Eu queria te odiar. Queria não… — Ela hesitou.
Eu também, Wren. Eu também. Eu senti o resto daquela sentença. Havia
infinitas maneiras de terminar aquela frase.
Eu queria não…
Eu queria não querer te prender contra a parede agora mesmo.
Queria não gostar tanto assim de você.
Meu celular apitou.
Shannon: Rafe é mais que bem-vindo para passar a noite aqui. Ele
pode dormir no quarto antigo de Mikey. Também temos várias
roupas que servirão nele. Ele ainda está se divertindo jogando
videogame. Devo levá-lo de volta somente pela manhã?
Merda. Rafe voltar para casa esta noite teria sido a única coisa capaz de
evitar que eu me enfiasse em encrenca. No entanto, eu não ia impedi-lo de se
divertir só porque não podia confiar em mim mesmo com Wren.
Dax: Seria ótimo. Obrigado. Que bom que ele está se divertindo. Te
devo mais uma.
Shannon: Não vou perguntar o que você vai fazer com esse tempo
livre.
Suspirei. Era melhor nem comentar isso.
— É a Keely? — Wren revirou os olhos.
— Não. É Shannon. Rafe vai passar a noite na casa dela. Ele está se
divertindo jogando videogame.
Nossos olhares se prenderam.
— Você quer que eu vá embora?
— Se eu acho que você deveria ir embora? Sim. Se eu quero que você vá
embora? — Balancei a cabeça. — Não.
Sua boca curvou-se em um sorriso.
— Posso te pedir um favor?
— Sim.
— Você pode me dar esta noite?
Meu coração acelerou.
— Te dar o quê, exatamente?
— Uma noite inteira com você. Apenas passar tempo juntos. Nada mais.
Agora que sei que vou embora, tempo com você é muito importante para
mim.
— Você acha mesmo que passarmos uma noite juntos é uma ideia
inteligente?
— Isso não tem a ver com sexo. Porque, acredite ou não, e especialmente
agora que vou embora, acho que seria uma má ideia. Não quero que se sinta
culpado. Você já tem coisas o suficiente para se preocupar. — Ela suspirou.
— Mas esta é provavelmente a única vez em que Rafe não estará em casa até
eu ir embora. Não quero te deixar esta noite.
— Tempo sozinho com você nessa casa me soa perigoso pra caralho.
Wren deu de ombros.
— Então, talvez eu queira flertar um pouco com o perigo. Mas não vou
nos deixar ultrapassar esse limite. — Ela abriu um sorriso perverso. —
Talvez chegar bem perto dele, mas não ultrapassá-lo.
O sorriso iluminou seu rosto e aqueceu minha alma fria.
Deixando minhas inibições um pouco de lado, estendi a mão e entrelacei
meus dedos aos dela.
— Eu quero você aqui comigo esta noite.
— Vou ficar no quarto de hóspedes, desta vez. Eu insisto. Mas faremos
uma festa do pijama primeiro. — Ela riu. — Ah, e tenho um pedido estranho
para te fazer.
Ergui as sobrancelhas.
— Tudo bem…
— Quero te ver lendo um livro na sua poltrona com os seus óculos de
velho.
Joguei a cabeça para trás com uma risada.
— Por quê?
— Porque já imaginei isso, e quero ver só uma vez. Quero ver você
lendo.
— O que você vai fazer enquanto eu estiver lendo?
— Apenas observar você. — Ela começou a se afastar.
— Aonde vai?
— Ao seu quarto, para vestir algo mais confortável.
Enquanto ela estava no andar de cima, encostei-me contra a bancada,
puxando os cabelos. Eu precisava ir ao psiquiatra por concordar com essa
festinha do pijama. Tinha quase certeza de que estava me enganando se
acreditava mesmo que nada ia acontecer esta noite. Mas também me sentia
revigorado. Eu amava tê-la ali.
Ela voltou para o andar de baixo usando uma das minhas camisetas azul
e laranja da Universidade de Syracuse, cujo comprimento quase chegava aos
seus joelhos. Meu pau ficou atento diante da visão de seus seios
pressionando o tecido. Vê-la usando a minha camiseta era tão sexy.
— Eu não sabia que você tinha feito faculdade em Syracuse — ela disse.
— Fiz. — Sorri. — Você fica muito melhor do que eu nessa camiseta.
— Sua vez — ela falou. — Vá colocar as suas roupas confortáveis para a
noite. Vou fazer chá e alguns lanches para nós.
Eu precisava não pensar demais esta noite e aproveitá-la em sua essência:
uma noite com uma das minhas pessoas favoritas. Autocuidado e tal.
Após me trocar, voltei para a cozinha e encontrei Wren explorando os
armários, pegando algumas coisas e fazendo o tipo de bagunça que essa casa
precisava desesperadamente. Isso era vida. Ela era vida. Eu amava seu caos,
e, por um breve momento, desejei que essa fosse a minha realidade, que eu
pudesse tê-la ali todos os dias assim. Esse pensamento foi imediatamente
seguido pelo alívio de saber que ela ia embora do país, então eu não teria a
chance de estragá-la.
— Cadê os seus fundos de garrafa? — ela perguntou.
— Como assim? De vinho?
— Não. Os seus óculos, coroa.
Dei risada.
— Não se preocupe. Eles estão na minha pasta, que está na mesa da
cozinha.
Ela me olhou de cima a baixo.
— Gostei do seu traje.
Baixei a cabeça e olhei para minha roupa. Eu havia vestido uma camiseta
branca e uma calça de moletom cinza.
— Você me disse para ficar confortável. É isso que costumo usar quando
estou em casa.
— Viu? Eu nunca saberia disso se não passássemos a noite juntos. — Ela
piscou para mim. — Estou juntando algumas besteiras para comermos. Não
sei cozinhar. Já falamos sobre isso?
— Não. Mas eu também não sei. Acho que podemos descobrir como
esquentar as coisas no forno juntos.
Wren preparou um misto de coisas, a maioria retirada do freezer: mini
pizzas, nuggets de frango e batata doce frita. Ela fez dois pratos.
Levamos a comida para a sala de estar e comemos juntos no chão perto
da lareira. Era incrível como essa noite, que começara como um primeiro
encontro desajeitado com uma estranha, havia se transformado em uma
surpresa agradável.
Colocamos música para tocar, e Wren me contou algumas histórias sobre
sua infância em Boston. Ela ouviu com muito interesse quando falei sobre o
meu negócio, e expliquei como investia milhões de dólares do dinheiro de
outras pessoas todos os dias, como um constante jogo de Monopoly.
Deleitei-me com cada risada, cada sorriso. Senti como se tivesse vinte anos
novamente, como se estar perto dela tivesse feito com que eu me conectasse
com o meu eu mais jovem e despreocupado ― a pessoa que eu era antes de
perder a minha família, perder a minha esposa, perder a mim mesmo. Pela
primeira vez em muito tempo, mesmo que somente por uma noite, meus
problemas pareceram estar a anos-luz de distância.

1 É um guisado ou uma sopa grossa, geralmente com vários tipos de carne ou mariscos, que se come
com arroz branco. (N.T.)
Ver Dax usando seus óculos era ainda melhor do que eu esperava.
Enquanto ele estava em sua poltrona, fazendo a minha vontade, lendo seu
livro, eu estava no chão próximo a seus pés com as pernas cruzadas. Peguei
uma manta enquanto o fogo crepitava e abri um livro que tinha escolhido em
sua estante: As Coisas Que Não Podemos Dizer. Embora ficção histórica não
fosse a minha praia, eu queria passar esse tempo tranquilo com ele,
juntando-me a ele em um de seus hobbies favoritos. Sempre fantasiei sobre
esse momento.
Estava ficando tarde. Eu sabia que essa noite acabaria rapidinho, mas
queria aproveitar cada segundo dela.
— Você pode me contar a sua história, Dax?
Ele retirou os óculos.
— Minha história…
— Sim. Lembra que te contei a minha? Você pode me contar a sua em
terceira pessoa?
Eu sabia que era um pedido difícil. Mas, se não fosse esta noite, quando
eu teria a chance de ouvi-la? Meu peito apertou diante daquele pensamento.
Ele fechou seu livro.
— Pensei que esta noite deveria ser divertida…
Balancei a cabeça.
— Você não precisa contar, se não quiser. Não quero te chatear nem
estragar o seu humor. Mas eu adoraria saber mais sobre o Moody. Você só
me contou alguns pedaços, e eu quero saber de tudo.
Para minha surpresa, ele deixou o livro de lado e se levantou da poltrona.
— Acho que vou precisar de vinho, então.
Minhas esperanças aumentaram. Ele acabou de concordar?
— Francamente, estou surpresa por termos chegado até aqui sem vinho
— provoquei.
Ele foi até a cozinha, retornando com uma garrafa de vinho tinto e duas
taças.
— Você é a única pessoa capaz de me convencer a isso, sabia? — Ele
suspirou. — Vai ter que me dar um desconto, porque não sei se consigo
contar a minha história com a mesma desenvoltura que você contou a sua.
Talvez eu faça muito mais pausas.
— Por mim, está perfeitamente bem. — Sorri. — Não há regras.
Ele acomodou-se na poltrona, e, mais uma vez, sentei-me aos seus pés.
— Ok… — Ele tomou um longo gole de vinho antes de começar. —
Então… Dax Moody era o filho mais velho de três meninos, nascidos de
Alexander e Mona Moody. Sua infância foi bem tranquila. Não houve nada
particularmente ruim ou traumático, coisa pela qual ele é grato. Sua vida em
Catskills (New Paltz, Nova York, para ser exato) foi bem privilegiada. Sua
família era rica, e Dax nunca precisou pedir por mais nada. Mas seu pai não
era amoroso e trabalhava constantemente. E mesmo que sua mãe tenha feito
o melhor que pôde para manter a família unida, ela parecia viver com medo
de seu marido. Mona sempre fazia tudo que Alexander queria, mesmo algo
que fosse contra seu bom senso. Ela não parecia ter uma mente própria ou
força de vontade. Dax era próximo de seus irmãos, Mitch e Stephen. Os três
sempre se apoiavam, ou, pelo menos, era o que Dax pensava na época.
Ele pausou por um momento, parecendo ponderar o que dizer em
seguida. Esperei até ele finalmente continuar.
— Dax teve uma namorada durante o ensino médio, mas ele partiu seu
coração ao terminar o relacionamento pouco tempo antes dos dois irem para
faculdades diferentes. Ele queria um novo começo em Syracuse e não queria
que nenhum dos dois se sentisse preso. Foi provavelmente a decisão mais
madura que ele já havia tomado na vida, embora ela nunca o tenha perdoado
por isso. Kayla entrou em depressão e, eventualmente, começou a tomar
remédios. Ela ligava para Dax de sua faculdade na Pensilvânia em um transe
induzido por drogas, xingando bastante e culpando-o por sua depressão.
Graças a Deus, ela acabou se recuperando após a faculdade. Mas Dax
sempre se culparia pelos anos em que ela ficou viciada em drogas. Se algo
tivesse acontecido com ela, ele nunca teria se perdoado.
Ele virou-se para mim, e vi a vergonha estampada em seu rosto. Estendi
minha mão para segurar a sua, oferecendo-lhe apoio.
— Parecia que sempre que Dax tomava uma decisão que lhe favorecia,
acontecia algo que o fazia se sentir culpado. Depois de Syracuse, seu pai
esperou que ele voltasse para casa para trabalhar no negócio da família. A
Moody Cimentos era a maior empresa de cimento de toda Catskills. Mas, em
vez disso, Dax decidiu ir para a Universidade de Boston fazer seu MBA.
Buscou por qualquer coisa que pudesse fazer para adiar a inevitabilidade de
ficar cimentado, por falta de uma palavra melhor, no negócio da família. O
pai de Dax sempre presumiu que seus três filhos administrariam a empresa
juntos. Enquanto estava na pós-graduação, Dax informou que não queria
administrar a Moody Cimentos com os irmãos, então seu pai o deserdou. —
Dax balançou a cabeça lentamente, parecendo perdido em suas lembranças.
Então, seus olhos escureceram.
— Surpreendentemente, Alexander também conseguiu colocar seus
outros dois filhos contra Dax. Essa foi a parte que Dax não previra. De certa
forma, ele sabia que perderia seu pai, e sua mãe, por tabela, se escolhesse
seguir seus sonhos. Mas nunca pensou que também perderia seus irmãos. —
Ele fez uma pausa. — Enquanto Dax lutava para ser excelente na pós-
graduação e poder, um dia, fazer seu nome no setor financeiro, entrou em
uma depressão profunda, e provavelmente pela primeira vez, pôde se
identificar com a traição que Kayla sentira depois que ele terminou o
relacionamento com ela. — Ele apoiou a cabeça nas mãos. — A pressão foi
demais para Dax, e ele começou a experimentar drogas recreativas. — Ele
olhou para mim. — Mas, pela graça de Deus, ele se recompôs antes de ir
parar no fundo do poço. Na verdade, seu colega de quarto, um cara incrível
chamado Tyler Brinkman, teve uma imensa participação ao ajudá-lo a
enxergar que as coisas estavam saindo do controle. Dax pediu uma licença
da faculdade e entrou em uma clínica de reabilitação, conseguindo se
reconstruir antes que se destruísse por completo.
Soltei a respiração que estava prendendo.
— Dax voltou para a pós-graduação com força total, conseguiu um ótimo
emprego após se formar, e, aos quase trinta anos, tornou-se um dos melhores
capitalistas de risco da cidade, trabalhando, em determinando momento, sob
a supervisão de Maren Wade, na Stryker Investimentos. — Dax sorriu. —
Sua chefe era uma mulher notável. Além de administrar uma empresa, era
mãe de um garoto que adotou quando ele tinha oito anos. Quando,
eventualmente, Dax saiu daquele emprego para assumir um cargo em outra
firma, ele e Maren tornaram-se próximos em um nível pessoal. Ela parecia
apaixonada por ele, e ele sentiu-se sortudo por receber essa admiração. —
Seu olhar se desviou para a lareira. — Maren lhe deu o tipo de amor que ele
não recebia mais de sua família. Ela respeitava suas ambições, o fazia se
sentir querido e protegido. Lá no fundo, Dax sabia que não estava
apaixonado por Maren da maneira que é preciso estar para se comprometer a
passar o resto da vida com alguém. Mas ele queria tanto retribuir aqueles
sentimentos. Ele não queria perdê-la. Então, quando ela sugeriu que eles
fossem para Las Vegas em um fim de semana e se casassem lá, Dax
concordou. Afinal, ele não podia mais imaginar sua vida sem ela. Contudo,
na época, ele ainda não havia se dado conta de que um casamento era feito
de mais do que somente respeito mútuo e admiração ou uma sensação de
segurança. Para que realmente desse certo, teria que existir paixão. — Ele
expirou. — Dax nunca se perdoará por não ter percebido isso antes, por não
ter dado o tipo de amor que ela merecia, e por desperdiçar seu precioso
tempo. Ele passará o resto da vida tentando se redimir por esse erro trágico,
garantindo que Rafe, o filho que ela tanto amava, sempre tenha tudo que
precisar.
Dax fechou os olhos, e senti que talvez isso estivesse ficando pesado
demais para ele.
— Você pode parar — eu o assegurei.
— Não. Tudo bem — ele murmurou antes de respirar fundo e continuar.
— Após a morte repentina de sua esposa, Dax sentiu-se perdido, totalmente
consumido pela culpa e sentindo um vazio que nunca havia sentido antes.
Nada se comparava àqueles sentimentos, nem mesmo o abandono de sua
própria família. Um dia, ele decidiu investigar o passado de Rafe, para assim
ver se poderia encontrar alguém que pudesse amar o garoto da maneira que
Dax se sentia quebrado demais para ser capaz. Essa busca o levou a
descobrir que Rafe tinha uma irmã biológica mais velha. — Ele sorriu. —
Dax bolou um plano para conhecê-la, fingindo ser um de seus clientes,
fazendo-a acreditar que ele queria apenas uma massagem. Mas Wren não foi
a única enganada. O maior enganado em toda essa história foi o próprio Dax.
Porque, desde praticamente o instante em que ela olhou em seus olhos, ele se
sentiu diferente. Sentiu algo que nunca havia sentido antes: uma atração
magnética em direção a outro ser humano. Estivesse ele ouvindo-a tocar seu
violoncelo de forma hipnotizante ou tendo uma conversa honesta com ela,
Wren o fazia se sentir humano novamente. Mas a grande ironia disso tudo?
Wren era a única mulher que Dax não podia conquistar. Ele havia prometido
nunca magoar o filho de Maren. E pretendia cumprir essa promessa. E, de
qualquer forma, havia muitas outras razões pelas quais ele não era certo para
ela. Mas entender isso não o impedia de sonhar com ela à noite. Portanto,
sua vida seguia em um dilema. — Ele virou para mim. — O resto ainda não
foi escrito — ele sussurrou, repetindo a frase que eu usara quando terminei
de contar a minha história.
Dominada pela emoção, levantei-me e sentei-me na poltrona com ele,
segurando seu rosto entre as mãos e olhando em seus olhos.
— Obrigada por compartilhar tudo isso comigo. Ninguém jamais me fez
sentir o que você me faz. É assustador, e, ao mesmo tempo, compreendo
tudo que você disse. Mas todos nós merecemos uma segunda chance, Dax. E
não é diferente com você apenas porque cometeu erros. E você é tão pouco
responsável pelo que aconteceu com Maren quanto Rafe. Você está fazendo
o melhor que pode todos os dias, e eu te respeito muito por isso. — Meus
olhos marejaram. — Obrigada por cuidar do meu irmão. Obrigada por me
encontrar e me conceder o presente de conhecê-lo. E o presente de conhecer
você. Pode até sentir que a sua vida não foi nada perfeita, mas você é uma
das pessoas mais influentes na minha vida.
Seus olhos queimaram nos meus.
— Você merece o mundo, linda garota. Espero que os próximos dois
anos sejam os mais incríveis da sua vida.
Dax puxou-me para ele, juntando minha boca à sua. Eu não estava
esperando que ele fosse me beijar esta noite, mas também fiquei feliz por ele
tê-lo feito. Isso parecia ser tão natural entre nós. Como um ímã. Esse beijo
foi diferente do primeiro. Não foi urgente e frenético. Foi firme e
apaixonado. Por ser mais lento, senti aquele contato em todas as fibras do
meu ser, como se, a cada segundo, ele estivesse juntando sua alma à minha.
Sua calça de moletom não ajudava em nada a conter sua ereção, e sem
poder evitar, movi-me para seu colo, friccionando-me contra o calor sob
mim, mesmo que somente por um minuto. Eu queria senti-lo dentro de mim
mais do que já quisera qualquer coisa na vida, mas sabia que tinha que parar
de incitá-lo. Como meu pai dissera, homens só conseguem se controlar até
certo ponto. E algo me dizia que, se nós dois perdêssemos o controle esta
noite, eu ficaria ainda mais viciada do que já estava. Não conseguiria entrar
em um avião e deixá-lo. Do jeito que as coisas estavam, já seria difícil o
suficiente. Mas também me dei conta de que a noite era uma criança. Não
confiava em mim mesma.
Ao nos afastarmos para recuperarmos o fôlego, forcei-me a sair de cima
dele e voltei para meu lugar no chão.
— Posso te pedir um favor? — ele perguntou, passando os dedos sobre
os lábios, ainda inchados do nosso beijo.
— Claro.
— Você pode tocar violoncelo para mim uma vez, antes de ir embora?
— Tipo um show particular?
— Sim. Ao vivo e em cores.
— Claro que sim. Não faço isso para qualquer pessoa, mas farei para
você.
Eu faria qualquer coisa que você me pedisse, e esse é o problema.
Ficamos acordados conversando até não podermos mais negar que já era,
de fato, madrugada. Queria que essa noite nunca acabasse.
— Posso ficar em um dos quartos de hóspedes — insisti.
— Você não gostou do meu quarto?
— Eu amei o seu quarto. Mas não é necessário. Posso ficar em um dos
outros quartos, dessa vez.
Dax e eu subimos as escadas, e ele acendeu as luzes de um de seus dois
quartos de hóspedes. A decoração tinha uma vibe feminina, e eu soube que
Maren devia tê-lo decorado.
Olhei em volta.
— Tenho tudo de que preciso aqui. — Exceto você.
Dax pareceu em conflito. Como se, talvez, não quisesse mais que eu
passasse a noite ali? Ele ainda estava com dúvidas?
— O que foi? — perguntei.
Ele mordeu o lábio.
— Eu quero você na minha cama.
— Vou ficar bem nesse quarto, é sério — insisti.
— Comigo, Wren — ele esclareceu.
Arrepios percorreram minha espinha. Era o que eu queria, é claro, mas
não entendi a mudança repentina de sua postura.
— Você não acha que é uma má ideia?
— Acho. Acho que é uma ideia péssima pra caralho. Mas quero deitar ao
seu lado mesmo assim, te abraçar por apenas uma noite. Estou sentindo que
essa é a minha única chance.
Me aproximei dele.
— Não há nada que eu queira mais do que deitar ao seu lado esta noite.
Ele me ofereceu sua mão.
— Vamos, então.
Conforme Dax me conduzia pelo corredor até seu quarto, parecia surreal.
Eu não fazia ideia do que esperar, mas estava grata por poder abraçá-lo, pelo
menos.
Assim que entramos em seu quarto, que estava com as luzes fracas, Dax
retirou seu relógio e o colocou sobre a mesa de cabeceira. Sentei-me na beira
da cama, inesperadamente nervosa.
— Não se preocupe. Não vou te morder enquanto você estiver dormindo
— ele disse.
— Droga. Estava contando com isso — brinquei, apesar do meu
nervosismo.
Quando os papéis haviam se invertido, deixando-o confiante, e eu, uma
pilha de nervos? Ele puxou o edredom e os lençóis e eu deitei na cama. Ele
veio logo em seguida e ficou de frente para mim.
Pousando a cabeça no travesseiro, confessei:
— Eu sei que você disse que podia sentir o meu cheiro nos seus lençóis,
mas tudo que pude sentir foi o seu cheiro na última vez em que dormi aqui.
Isso me manteve acordada, de uma maneira dolorosamente boa. Mas nada se
compara a isso… deitar ao se lado.
Ele baixou o tom de voz.
— No que você estava pensando quando sentiu o meu cheiro nos
lençóis?
Acariciei sua bochecha.
— Fiquei fingindo que você estava aqui.
— Como se faz isso? Fingir que estou com você? Pegou o travesseiro ou
algo assim e o chamou de Moody?
Corri a ponta do dedo por seu queixo.
— Você quer mesmo saber o que fiz?
— Sim, quero — ele disse sedutoramente.
— Eu me toquei pensando em você. Quando você bateu à porta para me
avisar sobre o café da manhã, interrompeu o meu momento.
— Porra, não me diga isso. — Ele enterrou o rosto no travesseiro. — Eu
deveria ter entrado.
— Me toquei bastante pensando em você nesses últimos meses —
confessei.
— Você não é a única. Quase arranquei meu pau pensando em você.
Aconchegando-me em meu travesseiro, eu falei:
— Tenho outra confissão.
Ele pousou uma de suas mãos na minha bochecha e roçou o polegar em
minha pele.
— Bem, parece que esta é a noite das confissões. Me conte.
— Na primeira vez em que fiz massagem em você, minha calcinha estava
molhada.
Ele fechou os olhos.
— Jesus.
— Isso nunca tinha acontecido comigo antes.
— Acho que nunca vou me recuperar depois de ouvir você dizer isso.
Dei risada.
— Foi aí que eu soube que estava encrencada com você.
— Eu bati uma no chuveiro antes de voltar lá para baixo e te encarar de
novo naquele dia. Mas nunca imaginei que você tinha se sentido assim na
primeira vez.
— Como não me sentiria? Você é o homem mais lindo que já vi.
Ele acariciou meus cabelos.
— Me sinto atraído pra caralho por você. Fico abismado toda vez que te
olho. — Ele desceu a mão e puxou o tecido da camiseta que eu estava
vestindo. — E eu amo você usando a minha camiseta.
Eu amo você usando a minha camiseta. Ouvir as palavras eu amo você
saírem de sua boca me deu arrepios por um segundo antes do meu cérebro
registrar o contexto. Eu sabia, em algum nível, que eu podia estar me
apaixonando por Dax. Não conseguia imaginá-lo dizendo aquelas três
palavras para mim. Mas eu amo você usando a minha camiseta era melhor
do que nada.
Eu tinha prometido a mim mesma que não ia fazer nada para atiçá-lo,
mas era incrivelmente difícil estar deitada tão perto dele, sentir seu hálito em
minha pele, e não querer senti-lo em toda parte. Não pude evitar. Me
aproximei e pressionei meus lábios nos seus, deleitando-me com o gemido
baixinho que ele emitiu. Eu amava seu sabor. E queria muito mais do que
isso. Meu corpo doía de desejo.
Deslizei a mão para baixo e envolvi seu pau inchado, sentindo-o se
mover instantaneamente através da calça.
Seu corpo enrijeceu.
— Não acho que você deva fazer isso — ele sussurrou sobre meus
lábios.
Retirei a mão.
— Você já me chupou, e eu não posso sequer te tocar?
— Eu quero que você me toque. Quero demais. — Ele recuou um
centímetro. — Mas tenho essa ideia fodida de que tudo bem eu te tocar,
contanto que você não me toque.
— O que é irônico, porque isso tudo começou comigo te tocando.
— Acho que sim.
Soltei um suspiro frustrado.
— Posso te beijar de novo, se não posso te tocar?
— Sim. É claro. — Ele me puxou para si, tomando meus lábios com os
seus novamente e deslizando a língua para dentro da minha boca.
Nos beijamos por vários minutos, e minha calcinha estava ensopada.
— Se eu soubesse que ia passar a noite aqui, teria trazido uma calcinha
extra. Ou três.
A respiração dele acelerou.
— Posso sentir o quanto você está molhada?
Assenti, desesperada por seu toque.
Dax desceu a mão por meu corpo e a enfiou em minha calcinha. Ele
fechou os olhos e começou a mover dois de seus dedos em mim, entrando e
saindo devagar. Meu clitóris pulsava enquanto ele me fodia delicadamente
com a mão. Ele parecia inebriado, quase em transe, boquiaberto, como se
estivesse tentando imaginar que seus dedos eram seu pau e estávamos
transando.
Por mais que eu estivesse amando olhar para seu rosto, fechei os olhos e
fiz o mesmo, imaginando que ele estava me penetrando fundo. Mas eu sabia
que seu pau me preencheria muito melhor do que seus dedos. Abri os olhos
quando senti-o retirar a mão de mim.
Não pare. Ofegando, perguntei:
— Está tudo bem?
Ele assentiu e colocou os dedos na boca, para lamber minha excitação.
Foi a coisa mais sensual que eu já vira.
Ele lambeu os lábios.
— Me desculpe por ser tão fraco.
— Você é fraco? Eu te deixaria fazer o que quisesse comigo agora
mesmo.
— Porra. — Ele cerrou os dentes. — Não diga isso.
— Se não vai me deixar te tocar, então me deixe ver você se tocando,
Dax… enquanto me toca.
Seu peito subiu e desceu enquanto ele considerava minha proposta. Ele
inspirou profundamente. Observei-o com atenção descer a mão até o cós da
calça de moletom. Ele empurrou o tecido para baixo, e seu pau delicioso e
enorme saltou para fora. Mesmo que eu tivesse imaginado como seria, a
realidade definitivamente superava todas as expectativas. Parecia que esse
homem perfeito tinha um pau perfeito para combinar, com a grossura tão
impressionante quanto o comprimento, e uma pele linda e cheia de veias.
Fiquei com água na boca. Não ter permissão para saboreá-lo ou tocá-lo era
pura tortura.
Ele envolveu seu comprimento com uma das mãos com firmeza e
começou a bombeá-lo. Sua outra mão infiltrou-se por baixo da minha
camiseta e começou a massagear meu seio. Retirei minha calcinha e a joguei
para o lado antes de levar meus dedos até o clitóris e circulá-los pela carne
sensível.
Dax acelerou os movimentos em seu pau, com os olhos vidrados em mim
enquanto eu me dava prazer. Não cansávamos de observar um ao outro.
— Isso é sexy pra caralho — ele disse com a voz rouca. — Preciso sentir
o seu gosto de novo.
Ele posicionou-se entre minhas pernas e começou a me devorar. Ah, isso.
Obrigada. Embora eu não conseguisse mais enxergar direito, senti seu braço
me movendo e soube que ele ainda estava se masturbando. Pensar nisso,
combinado à sensação incrível de sua língua me fodendo, era demais para
aguentar. Enfiando meus dedos por seus cabelos, gozei intensamente em sua
boca, emitindo um grito agudo de prazer que ecoou por todo o quarto.
Quase imediatamente em seguida, um gemido alto escapou dele,
vibrando contra meu clitóris. Foi aí que senti uma onda de calor molhado ―
seu gozo cobrindo minha canela. Com sua boca ainda entre minhas coxas,
pude sentir sua respiração ofegante se acalmar aos poucos. Ele ficou nessa
posição por um tempo enquanto eu massageava seu couro cabeludo.
— Não se mexa — ele finalmente disse. — Vou pegar algo para limpar
isso.
Um ar frio substituiu seu calor quando ele saiu da cama por um momento
e retornou em seguida com uma toalhinha de mão e uma de banho.
Ergui o tronco para vê-lo limpando o gozo da minha panturrilha
esquerda.
— Desculpe — ele falou.
— Por que está pedindo desculpas? Eu adorei.
Ele saiu para descartar as toalhas antes de voltar para seu lugar ao meu
lado na cama.
— Está mais relaxado? — Sorri.
— Eu não esperava ir tão longe. Mas quer saber a verdade?
Passei os dedos por seus cabelos.
— Sim.
— Normalmente, eu me acalmo depois de gozar. Mas com você… eu só
quero mais. Tipo, estou pronto para mais nesse exato segundo, o que é
assustador pra caralho. É como se eu não pudesse ser domado.
Só imagino o quanto o sexo deve ser delicioso. Eu sabia que ele cederia
se eu continuasse a provocá-lo. Era o que a minha intuição estava dizendo,
ao mesmo tempo em que me disse para parar. Eu precisava proteger meu
coração, e a última coisa que ele precisava era de mais culpa. Então, em vez
de continuar a testar os limites, decidi ― para variar ― fazer a coisa certa.
— Acho que você me esgotou — menti. — Vamos dormir, ok?
Ele assentiu, não parecendo estar nem um pouco cansado. Virei de costas
para ele, que me envolveu em seu braços. Bem apertado. Agora, parecia que
a tola era eu. Deitar daquele jeito em seus braços era mais poderoso do que
sexo. Ali, naquele lugar íntimo, todos os sentimentos que eu nutria por ele
subiram para a superfície. Senti-me segura. Protegida. Senti-me amada,
mesmo que ele não me amasse, exatamente.
Dax não tinha noção de que bastava ele sussurrar em meu ouvido me
pedindo para ficar em Boston, e eu nunca iria embora.
As semanas que antecederam a partida de Wren passaram
extraordinariamente rápido. Era difícil acreditar que já estávamos no meio
de maio e ela iria embora em apenas algumas semanas. Baseado em nossas
interações desde que ela passara a noite, não daria para perceber que tudo
aquilo havia acontecido. Não ficamos sozinhos juntos em sequer um
momento desde então, e era assim que as coisas tinham que ser. Curtimos
aquela noite juntos como se fosse a nossa última na Terra; eu nunca
esqueceria. Mas a prioridade agora tinha que ser Rafe.
No decorrer dos últimos dois meses, ele continuou a melhorar. Assim que
sua terapeuta ficou ciente do motivo para o mutismo de Rafe, pôde trabalhar
com ele de uma maneira que não conseguia antes. Com a nova abordagem
cognitivo-comportamental, ele havia voltado a falar quase normalmente. Ele
ainda não iniciava muitas conversas, mas vinha conseguindo ser mais
participativo na escola e não ficava mais intencionalmente em silêncio
quando alguém falava com ele.
Wren vinha a minha casa regularmente para visitar Rafe, aproveitando
seu tempo ao máximo antes de ter que ir embora. Minha única função,
quando eu estava em casa durante suas visitas, era continuar a fingir que sua
mudança para a França não estava me matando por dentro. Apesar do fato de
que vínhamos mantendo distância, ela era presença constante em minha
mente.
Aquele dia, em particular, duas semanas antes da sua partida, era um dia
muito importante para todos nós. Wren viria à minha casa para contar a
verdade a Rafe ― sobre quem ela realmente era. Havíamos escolhido uma
tarde de sábado para essa conversa, e embora Shannon não costumasse
trabalhar aos fins de semana, ela também estaria ali para oferecer seu apoio.
A conversa não cairia exclusivamente nos ombros de Wren. Seria um
esforço de equipe.
Tínhamos alguns minutos até a hora em que Wren disse que chegaria, e
Rafe estava em seu quarto, sem a menor ideia do que estava prestes a ficar
sabendo. Shannon fez um pouco de café enquanto eu estava sentado em uma
cadeira na cozinha, balançando as pernas. Eu estava uma pilha de nervos,
sem saber no que isso resultaria.
— Você está bem? — ela perguntou.
— Sim. Só um pouco ansioso por ele, mesmo que eu saiba que é uma
coisa maravilhosa.
Ela inclinou a cabeça para o lado.
— Ansioso somente por ele?
— O que quer dizer?
— Wren vai embora em algumas semanas. Como está se sentindo com
isso?
— Não importa como me sinto — respondi.
— Nunca te perguntei o que aconteceu na noite da minha festa, porque
não é da minha conta. Mas posso ver que algo mudou em você desde então.
— Ela pausou. — Você obviamente sente algo por ela.
Não fazia sentindo negar. Shannon me conhecia bem demais. Suspirei.
— Eu realmente vou sentir falta dela. Mas não vou estragar essa
oportunidade para Wren. Ela sabe que tenho sentimentos por ela. Mas
também sabe que não vou fazer nada em relação a eles.
— Por causa de Rafe.
— Claro que é por causa de Rafe.
Essa era a absoluta verdade. Porque, se não fosse por Rafe, apesar de
todos os meus outros medos, eu me arriscaria. Eu tentaria ficar com Wren.
Seria o maior prazer do mundo explorar como as coisas funcionariam entre
nós. Mas como nada poderia acontecer, era melhor que ela fosse embora.
Shannon franziu a testa.
— Eu queria que as coisas fossem diferentes. Nunca vi você se iluminar
todo perto de alguém como faz quando está com ela. Mas entendo
totalmente esse dilema.
A campainha tocou. Salvo pelo gongo.
— É ela — eu disse ao me levantar para ir abrir a porta. Meu coração
acelerou, alimentado pela combinação de qual seria a reação de Rafe e a
expectativa de vê-la, o que sempre fazia meu coração enlouquecer.
Abri a porta e encontrei Wren parecendo tão tensa quanto eu me sentia.
Ela estava usando sua calça jeans rasgada de sempre com aquela blusa
listrada em preto e branco que caía por um dos ombros, que já me era
familiar.
— Oi. Como você está?
Ela soltou o ar.
— Estou bem. Um pouco nervosa. E você?
— Também.
Ela me seguiu para dentro da casa.
— Quer sentar e tomar um café primeiro? Shannon trouxe carolinas.
Ela ergueu a palma.
— Estou ansiosa demais para conseguir comer ou beber qualquer coisa.
Mas obrigada.
— Ok.
Ela entrou na cozinha.
— Oi, Shannon.
— Oi, querida. — Shannon salpicou açúcar de confeiteiro sobre as
carolinas. — Como você está?
— Aguentando firme. Tive uma manhã cheia. Estou tentando adiantar a
arrumação das malas. É difícil decidir o que levar para uma viagem de dois
anos, e o que deixar em casa. Eu sei que posso comprar coisas enquanto
estiver lá, mas queria poder levar tudo comigo. — Ela olhou para mim.
— Tenho certeza disso — Shannon falou ao me lançar um olhar.
— Quem vai conduzir a conversa? — Wren me perguntou.
— Eu vou começar e explicar a minha parte sobre como as coisas
aconteceram. Você não terá que fazer tudo sozinha. — Pousei a mão em seu
ombro. — Está tremendo.
— Estou mais nervosa do que pensei que ficaria. E se ele achar que o
enganei esse tempo todo, fingindo ser uma amiga?
— Venha cá. — Puxei-a e a abracei firmemente.
Não consegui olhar para Shannon, que devia ter ficado muito satisfeita
em ver aquele gesto.
— Estou aqui. Vai ficar tudo bem — sussurrei contra os cabelos de Wren.
— Ele vai entender, mesmo que não seja de imediato.
Após vários segundos, ela se afastou.
— Vamos chamá-lo agora, se você não se importar.
— Ok. Vou lá buscá-lo. — Meu próprio nervosismo veio à tona a cada
passo que eu dava em direção ao andar de cima.
A porta de Rafe estava levemente entreaberta. Bati algumas vezes antes
de abri-la. Como de costume, seu quarto parecia ter sido atingido por um
ciclone, com roupas e embalagens para todos os lados.
— Ei, cara. Quero falar com você sobre uma coisa. Wren também está
aqui. Pode vir até a cozinha?
Ele retirou os fones de ouvido.
— Estou encrencado?
— Não. Nem um pouco. Só precisamos conversar sobre uma coisa.
Ele deu de ombros.
— Ok.
Voltei para a cozinha e encontrei Shannon e Wren sentadas juntas em um
lado da mesa. Puxei uma cadeira para Rafe.
Quando ele finalmente entrou na cozinha, sentou-se ao meu lado.
— Oi, amigão. — Wren sorriu para ele do outro lado da mesa.
— Oi — Rafe disse, olhando em volta e parecendo compreensivelmente
confuso.
Circulei os polegares um no outro e forcei minha primeira frase a sair.
— Tem… uma coisa muito importante que preciso te contar. — Pausei.
— Envolve Wren.
Ele olhou para ela, em seguida de volta para mim.
— O que está rolando?
— Você sabe que ela vai embora para a França. Nós queríamos ter a
chance de conversar com você sobre uma coisa antes disso.
Ele franziu as sobrancelhas.
— Ok…
— Rafe… — Virei-me para ele em minha cadeira. — Sei que você e eu
nem sempre nos demos bem, principalmente quando me casei com a sua
mãe e vim morar com vocês. Foi um despertar um pouco abrupto para você,
e quando a perdemos, você ficou comigo, que era praticamente um estranho
ainda. Pode ter parecido por um tempo que eu era o inimigo, mas estou
orgulhoso pela evolução do nosso relacionamento desde então. Quero que
saiba que eu sempre quis somente o melhor para você, e sempre será assim.
Ele mordeu o lábio, continuando a me dar sua total atenção. O rosto de
Wren estava ficando cada vez mais vermelho.
— Depois que você perdeu a sua mãe, eu me senti impotente, porque
mesmo que eu soubesse que sempre estaria ao seu lado, nunca senti que era
suficiente. Você merecia muito mais, então pensei que seria uma boa ideia
tentar encontrar os seus… parentes biológicos.
A expressão de Rafe estava estoica.
— Quero deixar claro que minhas ações não tiveram absolutamente nada
relacionado com alguma vontade de deixá-lo aos cuidados de outra pessoa.
Esta responsabilidade é minha. Eu só queria ver se poderia iluminar um
pouco mais a sua vida, caso houvesse pessoas que não sabiam sobre você e
talvez quisessem.
— O que quer dizer? — ele me interrompeu. — Você encontrou a minha
mãe biológica?
— O investigador que contratei a encontrou. — Forcei-me a respirar
fundo. — Ela não estava em condições de conhecer você. Ela ainda tem
muitos problemas. Mas ficamos sabendo através dela que ela havia
entregado outro bebê para adoção… mais de uma década antes de você
nascer. Uma filha. — Fiz uma pausa. — E eu a localizei. — Olhei para Wren
do outro lado da mesa. — Foi o que me levou até Wren. Eu sei que você
acreditou esse tempo todo que ela era minha amiga. E ela é. — Olhei nos
olhos dele. — Mas também é sua irmã.
Ele olhou para ela imediatamente, mas sua expressão era difícil de
interpretar. Acredito que era puro choque.
Acenei com a cabeça para Wren, dando-lhe a deixa para falar.
— Eu sou sua irmã, Rafe — ela declarou, trêmula. — Nunca tivemos a
intenção de esconder isso de você por muito tempo. Dax precisava de um
tempo para saber melhor sobre mim e se certificar de que eu seria uma boa
influência para a sua vida. Ele também não me contou imediatamente,
porque queria ser cauteloso e não magoar a nenhum de nós. Então, eu não
sabia quem você era quando nos conhecemos.
Ele piscou várias vezes.
— Quando você descobriu?
— Por volta de quando comecei a visitar com mais frequência, em
fevereiro.
Rafe desviou o olhar.
— Não dá para acreditar nisso.
Os olhos de Wren marejaram.
— Eu sei que é muita coisa para assimilar. Foi assim para mim também.
Mas em um bom sentido. Nunca pensei que tivesse um irmão. Descobrir
sobre você foi a melhor notícia que já recebi.
— Espere… — ele disse. — Você ainda vai embora, não vai?
Ela assentiu lentamente.
— Sim, vou. Em parte, foi por isso que eu quis que você soubesse agora,
para que entendesse por que preciso manter contato com você enquanto
estiver fora. Não quero que sinta que estou te abandonando. Eu nunca vou te
abandonar, Rafe. Estarei a apenas um voo de distância, caso precise de mim.
E serão somente dois anos. Você vai piscar, terá quase dezesseis anos e eu
estarei de volta. Sei que o momento não é dos melhores. E, por favor, não
leve para o lado pessoal o fato de que ficarei fora por um tempo. É
simplesmente uma aventura que preciso viver agora.
Rafe finalmente voltou a olhar para mim.
— Eu não sei o que dizer.
— Você vai levar um tempo para absorver tudo isso. Não precisa dizer
nada — eu o assegurei. — Só precisávamos que você soubesse.
Shannon permaneceu calada. Eu estava prestes a abrir a boca, mas Wren
tomou as rédeas novamente.
— Também levei um tempo para processar. — Ela soltou uma respiração
trêmula. — Eu sei que os últimos anos têm sido muito difíceis para você.
Não é minha intenção complicar ainda mais a sua vida. Eu quero melhorá-la.
Espero que você me permita fazer isso. E espero que, assim que a ficha cair,
essa seja uma notícia feliz para você.
Ela começou a chorar, e eu quis tanto ir para o outro lado da mesa e
abraçá-la. Eu seria completamente responsável por qualquer coisa negativa
que pudesse resultar disso. Tudo continuava em um limbo, porque eu não
conseguia sondar como Rafe estava se sentindo.
— Eu senti mesmo uma coisa esquisita em relação a você — Rafe enfim
disse a ela.
Ela limpou o nariz com o antebraço e riu.
— Bom, eu sou uma pessoa esquisita, então…
— Não sei explicar, mas… finalmente faz sentido agora. — Ele assentiu.
— Você finalmente faz sentindo.
Wren relaxou visivelmente.
— Eu te amo, Rafe. Quero que saiba que te amo desde o momento em
que descobri que você era meu irmão. — Seu lábio tremeu. — Você está
bem? Tem alguma pergunta para mim?
Ele negou com a cabeça, parecendo atordoado.
— Agora não. Talvez eu tenha mais tarde.
Todos os olhos estavam nele. Senti meu coração pesado, mas de um jeito
bom, aliviado.
Ele finalmente se virou para mim.
— Pode me dar licença?
— Claro.
Depois que ele saiu da cozinha, nós três ficamos ali sentados em silêncio
por, provavelmente, um minuto inteiro até Shannon quebrar o gelo.
Ela sorriu.
— Bem… acho que foi… tudo bem?
Estendi a mão sobre a mesa para segurar a de Wren. Os olhos de
Shannon pousaram em nossos dedos entrelaçados.
— Acho que foi tão bem quanto poderíamos esperar — eu disse. — Ele
não pareceu chateado por termos escondido isso dele; isso é uma coisa boa.
E eu diria que o choque em sua reação já era de se esperar, de uma maneira
geral.
— É. Conheço essa sensação de choque, graças a você, Moody. — Wren
deu risada. — Brincadeira.
Relutante, soltei sua mão.
— Vai ficar tudo bem.
Shannon insistiu em nos trazer as carolinas e nos serviu café. Wren
pretendia passar no quarto de Rafe quando estivesse indo embora. Mas,
antes que ela tivesse a chance, ele desceu as escadas novamente. Viramos
para ele, que estava na entrada da cozinha.
Arregalei os olhos.
— Oi.
Ele olhou para Wren.
— Eu queria ver se ela ainda estava aqui.
Ela soltou sua carolina e limpou o açúcar de confeiteiro das mãos.
— Estou, amigão.
Rafe caminhou até Wren… e a abraçou. O ar que eu vinha segurando
desde a manhã pareceu finalmente se libertar. Vê-los se abraçando parecia
surreal. Aquilo era… tudo. Obrigado, Deus.
— Obrigada, Rafe — ela sussurrou, abraçando-o bem apertado. —
Obrigada.
— Eu não queria que você pensasse que estou zangado. Não estou. Estou
feliz — ele disse a ela.
Ela fechou os olhos com força.
— Isso significa tudo para mim.
Após um momento, eles ficaram apenas fitando um ao outro. Imaginei
que Rafe devia estar procurando sinais dele mesmo nela. O que quer que
fosse, era simplesmente incrível. O alívio que senti era esmagador. Por um
minuto, pude respirar livremente. Então, lembrei-me de que Wren iria
embora muito em breve, e voltei a sentir como se estivesse sufocando.

Na semana após contarmos a verdade a ele, Wren levou Rafe para


passear duas vezes. Eles foram ao museu e a uma outra livraria que ela
descobriu. Ela estava tentando aproveitar ao máximo o curto tempo que lhe
restava no país ― uma semana e um dia, para ser exato. Não que eu
estivesse contando. Fora isso, Wren estava ocupada arrumando suas malas e
se preparando para a mudança. Enquanto isso, eu estava fazendo o meu
melhor para me afundar no trabalho.
Era por volta das seis da tarde da sexta-feira quando Wren apareceu para
uma visita inesperada. Eu tinha acabado de chegar em casa e estava prestes a
me servir uma bebida após um longo dia.
— Oi. Não estava esperando a sua visita — eu disse ao abrir a porta, meu
coração martelando ao vê-la usando um vestido.
— Eu sei. Eu estava passando por Brookline a caminho de casa voltando
de um compromisso em Watertown. Pensei em parar aqui e ver Rafe.
— Droga. Sinto muito. Rafe foi para a casa de Shannon. Bobby Jr. veio
passar o fim de semana, e Rafe queria jogar videogame com ele.
— Oh. — Ela baixou o olhar para os pés. — Eu deveria ter ligado
primeiro. — Quando ela ergueu o olhar para mim, havia tristeza em seus
olhos. Queria poder beijá-la para fazer aquele sentimento sumir.
— Você está bem?
Ela balançou a cabeça.
— Não exatamente.
— Entre. Venha cá. — Puxei-a para um abraço. — Fale comigo.
Ela falou contra meu peito:
— Estou cometendo um erro ao ir embora? — Ela olhou para mim. —
Tantas coisas podem acontecer em dois anos. Pode acontecer algo com o
meu pai. E perderei esses anos com Rafe…
Dúvidas de última hora eram uma droga, mas, por mais que eu estivesse
assustado com sua partida, tinha mais medo ainda de que ela ficasse. Pausei
por um instante para me recompor. Meu conselho precisava ser objetivo e
separado dos meus sentimentos e medos.
— Somente você pode tomar essa decisão. Mas eu diria que o medo
nunca é um bom indicador. Se os únicos motivos que você tiver para não ir
forem baseados no medo de coisas ruins que não aconteceram, ou que
podem acontecer, eu diria que você deveria desconsiderá-los.
Ela enxugou as lágrimas dos olhos.
— É, eu sei que você tem razão. Só estou me acovardando um pouco,
agora que a data está tão perto. Acho que me arrependeria pelo resto da vida
se não fosse.
— Isso mesmo.
Eu queria que ela ficasse, mas sabia que ficarmos juntos sozinhos era
uma má ideia. Já tivéramos nossa noite. Não íamos mais brincar com os
limites. Mas, em questão de dias, ela não estaria mais aqui… então, pensei
em um meio-termo.
— Está com fome?
Sua expressão se iluminou.
— Sim. Um pouco.
— Há um restaurante indiano que acabou de abrir na cidade. Estou
morrendo de vontade de experimentar. O dono é um amigo meu, na verdade.
Que tal irmos jantar lá? Dá para ir andando. A noite está agradável para uma
caminhada.
Ela sorriu.
— Seria ótimo, Moody.
O restaurante ficava a apenas quatro quarteirões da minha casa. Quando
chegamos lá, fomos colocados em um canto mais discreto. Conhecer o dono
ajudou, especialmente já que era uma noite cheia de sexta-feira e não
tínhamos reserva.
O clima durante o jantar foi bem leve, considerando como as coisas
tinham começado. Dividimos um pedido de frango tikka massala e aloo
palak. O pão naan estava quentinho e amanteigado, e os drinques lassi de
manga estavam deliciosos.
Durante a refeição, Wren me contou um pouco sobre a área onde iria
morar ― perto de Paris, em Versalhes. Ela estava treinando um pouco seu
francês, a partir das aulas que tivera em dois semestres da faculdade.
Após algumas horas, a fila para entrar no lugar estava saindo pela porta,
então sentimos que estávamos monopolizando a mesa. Meu dilema
continuava, porque eu não queria levá-la de volta para a minha casa, mas
ainda não estava pronto para deixá-la ir embora.
— A noite está tão agradável. Quer ir dar uma volta? — sugeri.
— Acho que seria bom dar uma caminhada para queimar todo o frango
que comi. — Ela sorriu. — Então, claro. Se bem que… não sei até onde
aguentarei ir nesses sapatos. Quase nunca uso salto alto, mas, por alguma
razão, decidi ser ousada hoje.
Merda.
— Não precisamos caminhar, então.
— Não, eu quero — ela insistiu. — Vamos ver até onde consigo. Eu te
aviso se meus pés começarem a doer.
Saímos do restaurante e caminhamos pelo centro da cidade. Após apenas
alguns quarteirões, notei que ela estava mancando um pouco. Isso não durou
muito.
— Ok, você claramente não está confortável nesses sapatos. É melhor
voltarmos para a minha casa. Ou, se você preferir, eu posso ir e voltar para te
buscar no meu carro.
— Não. Vou ficar bem. — A tristeza que vi em seus olhos quando ela
apareceu na minha porta havia retornado. — Não quero deixar você. Se
voltarmos para o meu carro, vou precisar ir para casa. Porque sei que não
deveria entrar na sua casa com você. Então, temos que continuar andando.
Aquilo me partiu o coração. Ela estava disposta a machucar os pés só
para passar tempo comigo. Mas eu sentia o mesmo que ela. Se seus pés não
estivessem doendo, eu não me importaria se fôssemos andando até o outro
lado de Boston e voltássemos esta noite. Após vários segundos ponderando,
tive uma ideia brilhante.
— Sabe de uma coisa? Tem um parque não muito longe daqui onde
podemos sentar e conversar. Só temos que fazer você chegar lá.
Ela se animou.
— Vamos.
— Mas não vou mais deixá-la andar com esses sapatos.
— O que você sugere? — Ela riu. — Que eu vá descalça pela calçada
suja?
Sem pensar mais, eu a ergui em meus braços, fazendo-a dar um gritinho
e risadinhas.
— Você sempre me tirou o chão, Moody. Mas isso aqui é outro nível.
— Você é ainda mais leve do que pensei. — Pisquei.
— Sério, obrigada.
Enquanto a carregava, tentei não olhar em seus olhos, sabendo que, se
fizesse isso, ficaria tentado a juntar minha boca à sua. Meu coração batia a
quilômetros por minuto durante todo o caminho até o parque.
Quando chegamos, coloquei-a de volta no chão, em frente a um dos
bancos.
— Lembre-me de usar esses sapatos novamente para ser carregada de
graça assim.
— Não fique mal-acostumada — brinquei.
Sentamos no banco e olhamos para o céu noturno. O parque estava vazio,
então o tínhamos todo para nós.
— Obrigada mais uma vez por me levar para sair — ela disse. — Que
triste o nosso primeiro encontro de verdade ser sob essas circunstâncias. —
Ela olhou para mim, sondando minha reação. — Estou brincando. Eu sei que
não foi um encontro, mesmo que tenha parecido.
Por alguma razão, aquela percepção atingiu minhas emoções. Passamos
por muitas coisas juntos. Ainda assim, até esta noite, nunca tínhamos
realmente saído juntos. Aquilo pareceu loucura. E, não, isso não foi um
encontro. Foi mais. Tudo com ela parecia ser mais.
— Acho que tudo entre a gente aconteceu ao contrário, não é? —
comentei.
E lá estava aquela tristeza em seus olhos novamente.
— Posso ser honesta sobre uma coisa? — ela perguntou.
— Claro.
— Mesmo que tenhamos mantido distância nessas últimas semanas,
ainda estou lutando contra meus sentimentos por você. É um dos grandes
motivos para eu não querer ir embora, e mais do que eu possa estar deixando
transparecer.
Isso não era algo que eu queria ouvir. Ela também merecia a minha
honestidade. Mas se eu dissesse a ela que também estava lutando contra
meus sentimentos, somente acrescentaria combustível ao fogo de suas
dúvidas. Quando eu não disse nada, ela continuou.
— Fico pensando na nossa noite juntos, em como foi dormir ao seu lado
na sua cama. Não sei se existe qualquer lugar para onde eu possa viajar que
seja melhor que isso. — Ela inspirou lenta e profundamente, soltando o ar
em seguida. — Eu sei por que tenho que ignorar esses sentimentos, mas isso
não parece nada natural.
Olhei para o céu escuro noturno e, em seguida, para ela.
— Também tenho lutado contra meus sentimentos. — Foi bom desabafar
aquilo, mesmo que eu não pretendesse elaborar mais que isso.
Ela ficou olhando para mim como se esperasse mais, mais explicação
sobre os meus sentimentos. Eu poderia ter dito a ela que nunca senti por
mais ninguém o que sinto por ela. Que ela era a única pessoa com a qual eu
me sentia confortável para me abrir. Como eu temia me preocupar se ela
estaria segura ou não em um lugar novo e estranho tão longe dali. Mas eu
tinha que continuar a me lembrar de que o bem-estar e a saúde mental de
Rafe eram a prioridade. E protegê-la da minha inabilidade de ser um
parceiro a longo prazo também fazia parte da equação.
Ela interrompeu meus pensamentos.
— Me prometa uma coisa, Moody.
Ergui minhas sobrancelhas.
— Acho que preciso saber o que é, primeiro.
— Me prometa que não vai mais desperdiçar o seu tempo com alguém
que não te merece, como aquela vadia que te mandou mensagem sobre o seu
pau. — Ela revirou os olhos. — É difícil, para mim, aceitar que a minha
partida marcará o fim do que quer que seja isso que rola entre nós. — Ela
soltou uma respiração trêmula. — Era um relacionamento? Um caso?
Brincadeira com fogo? Não faço ideia, mas sei que acabará muito em breve.
Então, estou muito grata por esse tempo extra com você esta noite. E quero
me certificar de que saiba que você merece amor, sim, Dax. Não importa o
que as ações da sua família te levaram a acreditar. Ou o que você ache que
merece porque cometeu alguns erros no seu casamento e nunca teve a
chance de consertar as coisas. Você também não é responsável pelo que
aconteceu com Maren.
Suas palavras não foram exatamente suficientes para penetrar a nuvem
densa de autodesprezo que construí em torno de mim. Mas apreciei ela ter
tentado.
— Ouvi o que você disse. — Assenti. — Queria poder absorver mais
facilmente. Queria poder te prometer que, eventualmente, passarei a me ver
como você me vê. Mas posso prometer que vou tentar.
Ela buscou minha mão. Aproximei seus dedos dos meus lábios e os
beijei. Simplesmente não pude evitar.
— Sei que você vai conhecer alguém por lá… — Pausei para lidar com a
dor em meu peito. — E, sei lá, talvez você se apaixone. É isso que se faz na
França, não é? — Forcei um sorriso. — Acho que o que eu quero que você
me prometa é que não vai deixar o que aconteceu entre nós estragar isso para
você. Quero que me esqueça. Talvez soe egoísta eu presumir que ocupo
tanto espaço assim na sua mente e no seu coração. Mas eu sinto. De alguma
forma, sinto o que você sente por mim. Sei que realmente se importa
comigo. Francamente, não sei se alguma outra pessoa no mundo se importa
comigo do mesmo jeito. — Foi difícil dizer minhas próximas palavras. —
Quero que tente se libertar disso. Porque não quero ser um impedimento
para a sua felicidade.
Seus olhos começaram a brilhar com lágrimas.
— Você é minha felicidade nesse momento. E minha maior dor. É uma
droga. Mas eu não abriria mão de um segundo do nosso segredo.
— Nem eu — eu disse.
Ela inspirou profundamente e se levantou do banco.
— Acho que deveríamos ir embora.
O quê?
— Já?
— Sim. Mudei de ideia. Acho que é melhor. — Ela balançou a cabeça.
— Porque sinto que estou me apaixonando por você de novo esta noite.
Preciso ir para casa e desfazer um pouco disso.
Senti suas palavras bem no fundo do peito. Minha felicidade… e minha
maior dor. Cada segundo que eu passava com ela me fazia querer mais e
mais. E qualquer progresso que eu achava ter feito quanto a esquecer esses
sentimentos se apagava sempre que eu estava perto dela novamente. Era um
círculo vicioso de desejo incessante.
— Bem, então… — Levantei-me. — A sua carruagem a espera, srta.
McCallister. — Peguei-a em meus braços.
Carreguei-a de volta até onde seu carro estava estacionado em frente à
minha casa. A caminhada com ela em meus braços foi serena, cheia de
emoções. Nenhuma palavra foi necessária.
Parecia uma despedida.
Assim que chegamos, nos encaramos na calçada em frente ao seu carro.
— A que horas será o seu voo no dia 29? — perguntei.
— Às oito da noite, mas tenho que chegar ao aeroporto algumas horas
antes. Meu pai não vai estar em casa nesse dia, porque ele tem que ir ajudar
minha avó a se mudar para uma casa de repouso em Nova Hampshire. Isso
acabou coincidindo. Então, vou me despedir dele pela manhã e pegar o
metrô até o aeroporto.
Não me senti bem com aquilo. Ela ia embora por dois anos, e ninguém ia
lhe deixar no aeroporto? Nem pensar, porra.
— Eu levo você.
Ela piscou.
— Tem certeza?
— Claro. O trânsito pode ser bem cruel nesse horário, com todo mundo
saindo para curtir a noite de sábado na cidade, então vou para a sua casa um
pouco mais cedo. Você chegará ao aeroporto com bastante tempo de sobra.
Ela parecia estar prestes a chorar.
— Isso significa muito para mim, Moody. Obrigada.
— Acredite… depois de tudo? É o mínimo que posso fazer.
Na noite de sexta-feira antes do dia da viagem, minhas emoções estavam
uma bagunça. Tentei enterrá-las colocando toda a minha energia na
arrumação das malas.
Dax ia trabalhar até mais tarde, então não estava presente quando
cheguei a sua casa para me despedir de Rafe.
Shannon atendeu à porta.
— Oi, Shannon. — Eu a abracei.
Ela me apertou.
— Vou sentir muito a sua falta, Wren. As coisas não serão as mesmas por
aqui.
— Também vou sentir sua falta. — Ajoelhei-me para acariciar Winston,
e revirei os olhos quando ele rolou para que eu afagasse sua barriga. — E é
claro que esse carinha aqui finalmente começa a gostar de mim quando tenho
que ir embora. Vou sentir muitas saudades de você, sua bola de pelos.
Shannon sempre parecia estar se impedindo de dizer alguma coisa. Ela
sabia sobre mim e Dax, então eu sempre me sentia um pouco sem jeito perto
dela. Mas ficava feliz por saber que Dax a tinha como confidente, feliz por
ela ser alguém em quem ele podia confiar e com quem podia conversar.
Olhei para as escadas.
— Rafe está no quarto dele?
— Sim. Ele sabe que você veio se despedir.
Segui pelas escadas para o andar de cima e bati à porta de Rafe, que
estava aberta.
Ele retirou os fones de ouvido.
— Oi.
O quarto tinha cheiro de Cheetos e meias suadas. Afastei alguns cadernos
para o lado e sentei-me na beira da cama.
— Como você está?
Ele deu de ombros.
— Bem…
— Não acredito que tenho que me despedir de você hoje.
Ele franziu a testa.
— Eu sei.
— Nós vamos conversar muito por videochamada, ok? Vou virar a minha
câmera algumas vezes e te mostrar a França. Será como se você estivesse lá
comigo.
— Maneiro.
— Tem certeza de que está bem? — perguntei a ele.
Ele deu de ombros, sua expressão tristonha.
— Acho que sim. Só é uma droga você estar indo embora.
— Eu sei — sussurrei.
— Quando você vai voltar?
— Bem, eu ainda não tenho uma data exata. Não sei como me sentirei
daqui a dois anos, mas tenho quase certeza de que voltarei na primeira
chance que tiver. Então, talvez daqui a dois anos e uma semana? Marque no
seu calendário agora. — Sorri. — Espero que não tenha problema eu ter
pedido ao meu pai para te visitar por mim de vez em quando, já que não
poderei estar aqui pessoalmente.
— Tudo bem. O seu pai é legal.
— Me prometa que se comportará com o Dax. Ele está tentando. Sei que
nem sempre se dão bem, mas ele se importa muito com você.
— Ele é gente boa — Rafe murmurou.
Dei risada. Sim, ele é.
Olhei para um desenho em sua mesa. Mal pude acreditar no que estava
vendo. Ele havia feito um desenho completamente realista de Dax em lápis.
Me aproximei, pegando o papel.
— Você fez isso?
— Sim.
A mandíbula esculpida, o nariz perfeito, os olhos magnéticos… estava
igualzinho.
— Rafe, isso é inacreditável.
Ele tentou minimizar.
— Ficou bom, eu acho.
— Como eu não tinha me dado conta de que você sabia desenhar desse
jeito?
— Não mostro a muitas pessoas.
— Dax nunca viu isso?
— Não.
— Você precisa mostrar a ele.
— Nem pensar. Não quero que ele saiba que o desenhei.
— Por que não?
— Porque é bizarro.
— Não é bizarro.
— Eu também desenhei você.
Minha boca curvou-se em um sorriso.
— Mentira. Posso ver?
Ele foi até sua mesa e abriu uma pasta que continha desenhos de várias
pessoas, muitas das quais presumi serem colegas de turma. Então, ele virou e
me entregou um desenho meu. Assim como o de Dax, era
surpreendentemente realista. Era como olhar em um espelho.
— Ai, meu Deus. Você tem que me deixar ficar com ele. Quero colocá-lo
em uma moldura e pendurá-lo no meu apartamento na França.
Ele deu de ombros.
— Pode ficar, se quiser.
Olhei todas as outras ilustrações. Havia até mesmo um desenho de
Shannon. E então, voltei para o meu favorito: o de Dax. Fiquei alternando
olhares entre a imagem dele e a minha, sentindo-me sobrecarregada de amor.
Mais uma vez, dúvidas sobre ir embora começaram a surgir. Tudo que eu
amava estava ali. Rafe. Meu pai. Dax.
Dax.
Eu amava Dax. Eu sabia disso, no meu coração, mas era a primeira vez
que admitia para mim mesma.
Ergui o desenho de Dax.
— Posso ficar com esse também?
— Por que você quer esse? — ele indagou.
Boa pergunta.
— Eu só acho que está muito bom.
— É. Tá bom. Tanto faz. Só não mostre a ele.
— Não mostrarei. — Guardei os desenhos dentro de uma pasta de papel
pardo que Rafe tinha em sua mesa.
Sentei-me novamente na beirada de sua cama.
— Acho que deveríamos determinar um horário para nos falarmos toda
semana. Quando fica melhor para você?
— Tenho que checar minha agenda.
— Está falando sério?
— Não. — Ele deu risada.
Eu amava esse garoto. Ele havia evoluído tanto ― de não falar de jeito
nenhum para um engraçadinho que fazia piadas.
Após passar mais duas horas com ele, finalmente dei um abraço de
despedida no meu irmão, uma das coisas mais difíceis que já fizera na vida.
Contudo, meu instinto me dizia que essa era só a pontinha do iceberg… e, no
dia seguinte, seria ainda mais difícil.

Nada poderia ter me preparado para como estava me sentindo na tarde


seguinte ― o dia da minha partida. Após uma longa despedida cheia de
lágrimas com o meu pai antes de ele ir para Nova Hampshire pela manhã,
fiquei sozinha e basicamente em pânico o tempo todo.
Todas as minhas coisas estavam guardadas, mas eu me sentia congelada e
incapaz de fazer tarefas simples. Exemplificando o caso em questão, eu
havia pegado todos os meus esmaltes na noite anterior e passado 45 minutos
do meu precioso tempo hoje tentando decidir com qual cor pintaria as unhas
dos pés. Então, quando finalmente escolhi uma, minhas mãos estavam
tremendo, então eu nem ao menos consegui pintar as unhas. Graças a Deus
eu não tinha mais nada para guardar nesse estado. Eu nunca teria terminado.
Meu celular tocou. Era Dax.
— Oi. — Caí no choro ao atender.
— Oi, eu… — Ele pausou. — Você está chorando?
O celular tremeu em minhas mãos.
— Eu não sei o que há de errado comigo, Dax. Estou surtando.
— Respire fundo.
— Não estou conseguindo tomar decisões simples, desde que me despedi
do meu pai. — Funguei. — E eu mencionei que nunca andei de avião antes?
Agora não é o momento oportuno para descobrir que tenho medo de voar.
Ele partiu para ação imediatamente.
— Vou para a sua casa agora. Tudo bem?
— Sim — eu disse sem hesitar, como se ele tivesse me jogado um bote
salva-vidas.
— Estarei aí em vinte minutos.
Desliguei e comecei a chorar ainda mais. Deslizei até o chão e fiquei no
mesmo lugar, encostada na parede, até a campainha tocar.
Forcei-me a levantar para abrir a porta.
Ver Dax do outro lado fez meu coração palpitar.
— Venha cá — ele disse, puxando-me para seus braços fortes.
— Eu não sei qual é o meu problema — chorei.
Dax acariciou meus cabelos.
— Você está com medo. Só isso. — Ele se afastou para me olhar. —
Apesar do seu medo, você quer isso, não quer?
Eu quero isso, mas quero você muito mais. Assenti.
— Sim, eu quero. Só não estava esperando me sentir assim.
Ele olhou para baixo, notando manchas de esmalte vermelho em alguns
dos meus dedos dos pés ― minha tentativa de pintar as unhas.
Ele arregalou os olhos.
— Os seus dedos dos pés estão sangrando?
— Não. Eu tentei pintar as unhas, mas minhas mãos estavam tremendo
tanto que não consegui terminar.
— Onde está o esmalte?
— No meu quarto.
Ele segurou minha mão e me conduziu pelas escadas.
— Vamos.
Tonta e confusa, eu o segui para meu quarto. Ele avistou o esmalte na
minha escrivaninha e o pegou.
— Deite-se — ele disse.
Sentei-me na cama e recostei-me contra a cabeceira. Dax sentou-se no pé
da cama, com as costas na parede e diante dos meus pés. Ele puxou minhas
pernas, colocando-as sobre as suas, e abriu o frasco de esmalte. Fiquei
olhando admirada ele cautelosamente começar a pintar as unhas dos meus
pés. Foi a coisa mais preciosa e meiga que alguém já fez por mim.
— Você já fez isso antes? — perguntei.
— Nunca. — Ele sorriu.
— Até que leva jeito.
— Bem, quando você abrir o seu spa, algum dia, e precisar de uma
manicure, é só me avisar. — Ele piscou.
— Isso seria um colírio para os olhos. — Dei risada. A primeira vez que
ri o dia todo. — Obrigada por vir ao meu resgate, Moody.
Ele passou o pincel em mais uma unha.
— Não vou mentir… também passei a manhã toda tenso.
— É — sussurrei.
O restante da sessão de pedicure foi quieta. Acomodei-me contra a
cabeceira da cama, tentando domar meus nervos enquanto observava esse
homem lindo se concentrar nas minhas unhas dos pés.
Após terminar a última, ele fechou o frasco e soprou meus dedos. Foi
muito fofo e me fez amá-lo ainda mais ― embora eu não pudesse dizer isso
a ele. Então, ele começou a massagear meus pés.
— Isso é uma inversão de papéis? Você me massageando?
— Só estou tentando te acalmar.
— É muito bom. Obrigada.
Ele massageou a sola do meu pé.
— Você está com todas as malas feitas?
— Sim. Felizmente, tive o bom senso de terminar mais cedo, já que estou
tão desatenta agora.
Ele aplicou um pouco mais de pressão.
— Você tem o direito de sentir o que for.
— Como se o meu coração estivesse sendo arrancado do peito?
— Até mesmo isso. — Ele parou de massagear meus pés e ergueu o
olhar para mim. Pude ver a tristeza em sua expressão.
— Posso ver nos seus olhos, Moody. Mesmo que você esteja tentando ser
forte quanto a isso, os seus olhos não mentem. E, honestamente, posso
sentir. Posso sentir o quanto você não quer que eu vá, mesmo que não possa
dizer. Acho que é por isso que estou toda ferrada assim. Me desculpe. Eu sei
que deveria ser forte e não falar mais sobre nós…
Ele balançou a cabeça.
— Tudo bem. Diga o que você quer.
Talvez eu tenha me aproveitado demais daquele sinal verde, mas fiz o
que ele pediu.
— Eu quero sentir você dentro de mim — murmurei. — É tudo que
quero.
Ele fechou os olhos, como se minhas palavras doessem.
Não foi justo da minha parte dizer aquilo quando sabia muito bem por
que não podíamos ultrapassar esse limite. Mas não pude mais segurar. Eu
ansiava por ele. Se esse era o último momento do nosso segredo, eu tinha
que dizer isso a ele.
— Desculpe. — Minha voz mal era audível.
— Não. Não se desculpe. Você já pediu desculpas demais por um
problema que não tem que aguentar sozinha. Não há nada que eu queria
mais… — Ele hesitou. — Do que estar dentro de você agora. Porra, eu te
quero tanto que dói.
— E se cedermos apenas uma vez? E depois, nunca mais falarmos sobre
isso, quando eu for embora? Ele nunca precisará saber.
Ele soltou uma risada levemente zangada.
— Isso me mataria.
Pensei que ele ia terminar ali, mas então, falou novamente.
— Mas tenho quase certeza de que estou disposto a morrer se isso
significa ter você ao menos uma vez. — Seus olhos queimaram nos meus
enquanto seu peito subia e descia.
Quando registrei suas palavras, cada centímetro do meu corpo ficou
inundado de excitação. Qualquer pensamento lógico que eu pudesse ter
desapareceu no momento em que ele me puxou para si, envolvendo-me em
seus braços e me beijando com toda a sua alma.
— Nunca precisei tanto de alguma coisa como preciso de você agora
mesmo, Wren.
Isso está mesmo acontecendo.
Ele me virou, colocando-me deitada sob ele. Meu corpo estava em
chamas. Eu havia sonhado tantas vezes em estar nessa posição, presa
debaixo de seu corpo. Agarrando seus cabelos, puxei-o para mim, e ele
pressionou os lábios nos meus. Nos envolvemos em um beijo apaixonado,
respirações irregulares, membros se contorcendo, completamente perdidos
um no outro sem ligar para absolutamente mais nada.
Envolvi seu corpo com as pernas, e ele pressionou seu pau contra meu
clitóris através de sua calça jeans, esfregando-se em mim enquanto eu
impulsionava os quadris.
— Me fode, Dax — implorei. — Por favor. Eu preciso de você dentro de
mim.
Ele assentiu.
— Desta vez, não vou parar.
Um segundo depois, senti sua mão deslizar minha calça para baixo antes
de retirar minha calcinha. Desfiz a fivela de seu cinto o mais rápido quanto
humanamente possível e empurrei sua calça para baixo. De repente, ele
congelou, ofegando contra meu pescoço.
— Não tenho proteção, Wren.
Estendi a mão para alcançar a gaveta da minha mesa de cabeceira e
remexi no conteúdo dela até encontrar uma das camisinhas que estavam
guardadas ali há… vamos apenas dizer que há muito tempo. Eu havia
aprendido com os meus erros passados e sempre tinha camisinhas comigo,
mesmo que não estivesse sexualmente ativa atualmente. Nunca se sabe
quando precisará delas.
— Deixa comigo — eu disse, entregando a camisinha para ele.
Fiquei olhando com bastante interesse ele pegar o pacotinho e rasgá-lo
para abri-lo antes de deslizar o preservativo em seu pau inchado.
Ele pairou sobre mim.
— Me prometa que não vai me odiar por isso.
Meus olhos deviam parecer adagas.
— Vou te odiar se você parar.
Ele abaixou mais o corpo.
— Porra, eu sou tão fraco — ele grunhiu antes de abrir minhas pernas e
enfiar-se em mim. Senti uma ardência conforme ele me esticava. Mas
nenhuma quantidade de dor efêmera pôde superar o intenso prazer de senti-
lo dentro de mim.
Ele fechou os olhos brevemente ao me penetrar até o final. Então,
começou a se movimentar para dentro e para fora, fodendo-me da maneira
que sempre sonhei. Eu estava em êxtase. Não fazia ideia do quanto eu
realmente precisava disso até ele estar, de fato, dentro de mim. Agora, não
conseguia imaginar como eu estava planejando viver o resto da minha vida
ser ter experienciado isso.
— Por favor, não pare — implorei quando ele pausou.
— Só preciso de um segundo — ele arfou.
Fiquei olhando para seu rosto enquanto ele tentava se recompor e
recuperar o controle.
Alguns instantes depois, ele voltou a estocar, mais forte do que antes. A
cama batia contra a parede, e seus olhos estavam presos aos meus o tempo
todo. Eu adorei. Não estava acostumada a isso durante o sexo. Ele parecia
estar tentando enxergar a minha alma, talvez tentando gravar essa
experiência em sua memória.
Porque essa seria a primeira e última vez. Nós dois sabíamos disso. Esse
fato era tão enervante quanto lindo.
Seu pau grosso me preenchia de uma maneira como nunca sentira antes.
Eu latejava em volta dele, enfiando os dentes em seu ombro enquanto lutava
para conter meu orgasmo; estava pronta para explodir a qualquer momento.
— Você é incrível — ele murmurou ao retirar seu pau lentamente de mim
antes de me penetrar até o fim novamente. — Eu queria poder ficar dentro de
você para sempre, mas preciso gozar, Wren.
— Me fode o mais forte que puder, uma última vez antes de perder o
controle.
— Tem certeza? — ele ofegou.
— Sim. Quero te sentir amanhã quando não estivermos mais juntos.
Dax sorriu contra meus lábios e atendeu ao meu pedido, acelerando seus
movimentos, penetrando-me com ainda mais força. Nunca havia sido fodida
com tanta intensidade; achei que a cama ia quebrar. Cada arfar rouco que
escapava dele combinava com o ritmo de suas estocadas, e cada terminação
nervosa do meu corpo formigava. Lutei para prolongar isso o máximo
possível, mas gritei de prazer em certo ponto, tão perto de alcançar o clímax.
Ele devia ter pensado que me machucou.
— Você está bem? — Seus movimentos desaceleraram.
— Sim.
— Estou sendo bruto demais?
— Não. Continue. Não pare.
Beijei-o com urgência e agarrei seus cabelos, querendo nunca mais soltá-
lo, temendo o fim desse momento. Mas o tempo estava passando. Não
teríamos tempo para repetir a dose.
Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo, pensei comigo mesma a cada estocada.
E então, não pude mais me conter. Meus olhos se arregalaram conforme
senti meu orgasmo me ricochetear. Dax devia ter sentido também, porque
seu corpo estremeceu pouco tempo depois, como se ele estivesse esperando
o momento de se libertar. Senti o calor de seu gozo me preencher através da
camisinha, e ele estocou em mim ainda mais forte, liberando todo o restante
de seu gozo enquanto gemia, sua voz ecoando pelo meu quarto ― um lindo
som do qual eu nunca me esqueceria.
Aquilo me assombraria para sempre.
A culpa que esperava sentir nunca se manifestou enquanto eu estava ali,
deitado ao lado dela. Fiquei esperando o arrependimento tomar conta de
mim também, mas nenhuma parte minha se arrependia do que havia acabado
de acontecer. Nenhuma parte de mim quis poder voltar no tempo e desfazer
tudo. Estar deitado ali era como o resultado de uma bela tempestade, da qual
você estava esperando uma destruição, mas, em vez disso, não havia nada
além do sol surgindo novamente ― uma profunda apreciação pelo que tinha
vivenciado.
Eu queria que ela não fosse embora, que eu pudesse abraçá-la até o sol se
pôr e nunca deixá-la ir. Mas culpa, eu não sentia. Talvez viesse mais tarde, e
então eu lidaria com ela.
— Você parece perdido em pensamentos — ela disse, passando os dedos
por meus cabelos. — Você está bem?
— Sim. Estou. — Beijei seu pescoço. — E você?
— Estou admiravelmente calma. Parece que era de você que eu precisava
esse tempo todo.
— Sei como é. — Aproximei-me para beijá-la, deleitando-me na
sensação de seu corpo nu pressionado contra o meu. — Nunca me
esquecerei disso.
Ela passou um dedo por meu queixo.
— Sabe o que percebi?
— O quê?
— Que nunca toquei para você. Prometi que tocaria antes de ir embora.
— Ela saiu de debaixo das cobertas.
Admirei seu lindo corpo enquanto ela ia até um canto do quarto,
retirando seu violoncelo da capa. Ela puxou uma cadeira e posicionou-se
atrás do instrumento.
Sentei-me, recostando-me contra a cabeceira da cama.
— Bem, certamente não foi assim que imaginei, mas você não vai me
ouvir reclamar.
Ela começou a tocar O Cisne, a música que sabia ser a minha favorita.
Como sempre, fiquei perdido no transe hipnotizante de seu talento musical.
Vê-la tocar nua, só para mim, foi lindo ― outra parte desse dia que eu nunca
esqueceria. Era literalmente a nossa música de despedida.
A tensão estranha em meu peito crescia a cada minuto conforme ela
continuava a tocar. Eu sabia o que era. Era o sentimento que pensei que
nunca sentiria, que pensei não ser capaz de sentir. Era o que eu queria sentir
por Maren, mas não foi possível. Não era algo que dava para criar ou
controlar. Era paixão e intoxicação absoluta. Desejo absoluto. E dor absoluta
por saber que não podia ter Wren, apesar do que sentia.
Fazer amor com ela me empurrou ainda mais para a beira do precipício, e
ainda assim não pude saltar. O anseio parecia insuportável agora. Será que
desapareceria, algum dia? Eu não podia saber.
Quando ela terminou de tocar, levantei-me da cama, ainda nu, e ajoelhei-
me diante dela. Repousei minha bochecha em seu abdômen e beijei sua pele.
Ela enfiou os dedos em meus cabelos, e apenas ficamos ali. Perguntei-me se
ela podia sentir tudo que estava se passando dentro de mim.
— Nunca me esquecerei desse dia — ela disse.
— Nem eu, linda. Nem eu. — Finalmente, ergui a cabeça e pousei a
palma em seu rosto.
Ela olhou para o relógio.
— Temos que ir. Eu quero você de novo. E de novo. Mas não temos mais
tempo.
Levantei-me.
— Talvez seja melhor não termos mais tempo. Provavelmente, só assim
conseguiremos parar.
Ela assentiu, virando em seguida para guardar seu violoncelo de volta na
capa e começando a pegar suas roupas do chão. Interrompi-a por um
momento e puxei-a para mim, dando um beijo firme em seus lábios e
deleitando-me com a sedosidade de sua pele, para nunca esquecer aquela
sensação. Ela suspirou em minha boca, e, após um minuto, eu a soltei. Fiquei
olhando-a se vestir e, relutantemente, fiz o mesmo.
O clima logo mudou de emotivo para completamente melancólico. Eu
queria que o tempo parasse, e também queria que esses minutos de pura
tortura passassem para que nosso sofrimento acabasse logo.
Mal dissemos uma palavra enquanto eu colocava suas malas no porta-
malas. Um caminhão do correio estava estacionado do outro lado da rua, o
que me lembrou de que era um dia como outro qualquer para aparentemente
todo mundo, menos para nós. Disse a mim mesmo que o silêncio em que
estávamos era melhor do que se ela estivesse às lágrimas ou triste como mais
cedo.
O trânsito, como esperado, estava péssimo. Coloquei música clássica
para tocar e segurei sua mão durante todo o trajeto até o Aeroporto Logan. A
sensação de pavor crescia a cada quilômetro percorrido. Fiquei questionando
tudo, como se existisse uma decisão a ser tomada. Não existia. Um
relacionamento com a irmã de Rafe nunca seria uma opção. Inevitavelmente
magoar ambos nunca seria uma opção. Então, eu precisava calar a voz em
minha cabeça que ficava me dizendo que eu estava cometendo um grande
erro ao deixá-la ir, que ainda havia tempo de dizer a ela como me sentia, dar
meia-volta e levá-la para casa.
A voz recuou, derrotada, conforme as placas sinalizando os portões do
aeroporto começaram a aparecer.
— Vou estacionar e entrar com você. Pode ser? — sugeri.
— Eu prefiro que você não faça isso — ela respondeu. — Só deixaria as
coisas mais difíceis, a essa altura.
Assenti. Prolongar essa despedida não nos ajudaria. Após parar na área
de desembarque de veículos, abri o porta-luvas e retirei de lá uma caixa
retangular, que entreguei para ela.
— Guarde isso na sua bolsa. Tome cuidado com ela, mas não abra até
chegar ao seu apartamento na França.
Seus olhos marejaram.
— Está bem.
Forçando-me a sair, dei a volta no carro e abri a porta do lado do
passageiro antes de ir até o porta-malas para pegar sua bagagem.
De frente um para o outro na calçada, limpei a lágrima que estava se
formando em seu olho.
— Me prometa uma coisa, Moody — ela pediu.
— Qualquer coisa.
— Prometa que não vai ficar se punindo pelo que fizemos hoje, quando a
ficha cair mais tarde. Porque isso vai acontecer.
Segurei seu rosto entre minhas mãos e olhei em seus olhos.
— Nunca me arrependerei do que fizemos hoje. Está me ouvindo?
Nunca. — Puxei-a para mais perto de mim e senti seu coração martelando
contra meu peito. — Caramba, o seu coração.
— Melhor do que a alternativa. — Ela fungou. — Sinto que, se ele bater
mais devagar, vai acabar se partindo.
Forcei-me a dar um passo para trás.
— Você se sentirá melhor quando chegar lá.
— Espero mesmo que sim. — Ela checou a hora. — Tenho que ir. — Ela
balançou a cabeça e baixou o olhar para os sapatos. — Não vou me despedir.
É doloroso demais. Vou apenas me afastar.
— Eu entendo, linda. Sem despedida. — Lágrimas começaram a surgir
em meus olhos.
Wren riu em meio às lágrimas.
— Obrigada mais uma vez por pintar as unhas dos meus pés.
Forcei um sorriso, tentando com todas as minhas forças não chorar.
Ela se afastou do meu alcance, mas não pude deixá-la ir sem um último
beijo. Eu a detive, tomei sua boca na minha e a inspirei uma última vez,
esperando poder gravar tudo em relação a ela em minha memória. Esse
envolvimento maravilhoso que vivenciamos durante os últimos oito meses
tinha chegado ao fim.
Dessa vez, quando ela se afastou, deixei-a ir. Conforme ela seguia para as
portas deslizantes do aeroporto, meu coração parecia estar estrangulado.
As portas se abriram para ela, e fiquei olhando-a ir embora, até
desaparecer de vista.
A vida em Versalhes era tudo que esperei e mais um pouco. Rica em história e
conhecida pelo Palácio de Versalhes, do século XVII, construído por Luís XIV,
Versalhes era hoje uma área residencial e turística não muito longe de Paris. Meu
apartamento ficava a menos de um quilômetro e meio da escola onde eu
lecionava música para alunos do ensino fundamental, que aqui era chamado de le
collége. Era o máximo dar aulas para alunos dessa idade, sempre tão curiosos e
ainda na idade de ficarem facilmente impressionados.
Durante os últimos dois anos e meio, fiz muitos novos amigos, saí
casualmente com alguns franceses lindos e experimentei comidas maravilhosas.
Criei uma conexão com meus alunos e fui convidada para suas casas muitas
vezes para jantares fabulosos ― sempre com pães incríveis. Mas, provavelmente,
a melhor coisa que aconteceu durante o meu tempo na Europa foi o vínculo que
desenvolvi com o meu irmão. Rafe e eu nos falávamos por videochamada uma
vez por semana, nas noites de domingo. Ele tinha dezesseis anos agora, estava
indo bem na escola e tinha uma namorada. Pelo que me contava, seu
relacionamento com Dax ainda era um trabalho em andamento, mas estava
infinitamente melhor do que quando os conheci. E Shannon também ainda era
uma parte importante de suas vidas.
Então por que, depois de mais de dois anos, eu ainda não tinha voltado para
os Estados Unidos, como planejado? Acho que pode-se dizer que era por medo
da realidade. Meu pai queria muito que eu voltasse para casa, mas não estava me
pressionando. E além dele e de Rafe, não havia nada em Boston esperando por
mim. Papai tinha me visitado recentemente, o que diminuiu a saudade dele e
aumentou a sensação de não estar com tanta pressa de voltar. Embora eu
soubesse que teria que voltar para os Estados Unidos em algum momento, não
estava tão ansiosa quanto imaginei que estaria. No momento, eu estava ganhando
um pouco mais de tempo. Talvez eu ficasse mais um ano. Talvez eu mudasse de
ideia e voltasse para casa em seis meses. A questão era que eu tinha opções e
flexibilidade. A escola onde eu trabalhava havia concordado em me manter
indefinidamente, embora eu estivesse trabalhando fora do meu contrato. O
aluguel do meu apartamento também era mês a mês.
No entanto, honestamente, acima de tudo, havia um grande motivo para eu
não ter pressa de voltar para casa. E esse motivo era Dax.
Eu odiava admitir que ainda sentia algo por ele depois de todo esse tempo. Eu
queria ser uma pessoa mais forte, mas não era. Cerca de seis meses atrás, Rafe
me dissera que o relacionamento de Dax com uma mulher chamada Morgan
parecia estar ficando sério. Ela estava passando muitas noites na casa deles nos
fins de semana, contara ele. Minha resposta a essas notícias, ou a qualquer coisa
que Rafe tivesse a dizer sobre Dax, era sempre despreocupada, para não dar
indícios a ele de forma alguma.
É claro que Rafe não tinha motivo algum para achar que me contar sobre a
namorada de Dax seria uma notícia devastadora para mim, já que nunca soubera
sobre mim e Dax. E eu não podia pedir a ele que não me desse informações,
então eu simplesmente morria um pouco por dentro sempre que Rafe mencionava
alguma coisa. Mas era o que eu deveria esperar. O que Dax deveria fazer? Ficar
em celibato pelo resto da vida? Nós havíamos concordado em terminar as coisas
entre nós e seguirmos com nossas vidas. Nada disso deveria ser uma surpresa
depois de mais de dois malditos anos.
Dax e eu mantivemos contato ocasional por um tempo, principalmente por e-
mail no início. Eu até contei a ele quando comecei a sair com outras pessoas.
Mas nossas comunicações acabaram com o tempo. Minhas informações agora
vinham através de Rafe. E isso funcionou para os dois lados. Eu sabia que Rafe
provavelmente também passava informações para Dax.
As coisas estavam como deveriam ser. Então, novamente, a notícia de seu
relacionamento ficando sério não deveria ter sido grande coisa, mas foi. Era tudo
em que eu conseguia pensar. E era o que estava me mantendo ali.
Eu sabia que teria que encarar o que me aguardava em Boston em algum
momento, mas ainda não estava pronta.
No dia em que cheguei em Versalhes, há dois anos e meio, a primeira coisa
que fiz no meu apartamento foi abrir a caixa que Dax havia me dado no
aeroporto. Pelo formato, eu suspeitara de que talvez fosse um colar. Mas estava
completamente errada. Dentro dela, havia uma bolada de dinheiro em moeda
francesa que equivalia a vinte mil dólares americanos, junto com um bilhete.
Aquela caixa de dinheiro já estava no porta-luvas de Dax quando ele chegou a
minha casa para me levar ao aeroporto. Então, quando ele escrevera aquele
bilhete, ainda não fazia ideia do que aconteceria entre nós ― que perderíamos o
controle e transaríamos no último momento. Eu ainda prezava pela lembrança do
que sempre seria nosso segredo sagrado.
Durante pouco tempo depois que me mudei, Dax deixava comentários em
alguns dos meus vídeos do canal RenCello. Era assim que eu sabia que ele ainda
os assistia. E isso fazia com que tocar fosse algo ainda mais emotivo para mim.
Mas os comentários haviam parado havia cerca de um ano. E senti que ele não
assistia mais. Talvez isso tenha coincidido com o momento em que ele a
conheceu, mas não dava para ter certeza.
Eu não esperava manter contato com Dax indefinidamente. Nós dois
sabíamos que isso dificultaria cortar o vínculo. E agora que eu sabia que o
relacionamento dele e de Rafe havia melhorado na minha ausência, tinha mais
certeza do que nunca de que tomamos a decisão certa. Mas a decisão certa nem
sempre está de acordo com os desejos mais profundos do seu coração. Meu
coração ainda acelerava sempre que Rafe dizia o nome de Dax, ou sempre que eu
dava uma espiada no desenho dele que Rafe fez. Estava guardado em um caderno
na minha gaveta. Eu não tinha uma única foto de Dax além daquele desenho.
Dois anos e meio se passaram sem eu ver seu rosto, mas a reação do meu coração
à lembrança nunca desapareceu.

Em uma tarde de terça-feira, minha amiga Micheline veio tomar um chá


comigo depois que cheguei em casa do trabalho. Ela morava em um apartamento
próximo ao meu.
— Vamos sair para jantar esta noite? — ela perguntou.
— Claro. Às seis? — Pisquei, sabendo que esse horário era cedo demais para
ela.
— Às seis estarei acordando da minha soneca. — Ela deu risada.
Na primeira vez que Micheline e eu fizemos planos para sair para jantar,
pouco tempo depois de nos conhecermos, sugeri que nos encontrássemos às seis.
Ela, então, me informou que o horário padrão do jantar na França estava mais
para as oito da noite. Em casa, meu pai e eu sempre já tínhamos terminado de
comer às sete. A princípio, comer depois das oito da noite parecia tarde demais,
mas acabei me acostumando.
Quando terminou seu chá, Micheline me deu um beijo nas duas bochechas.
— Te encontro aqui mais tarde?
— Combinado.
Fiquei olhando-a ir embora, seus cabelos pretos e compridos balançando com
a brisa que entrava pelas janelas abertas do apartamento.
Já que eu tinha um tempinho para matar antes do jantar, decidi sentar na
varanda com um livro. Estava lendo mais desde que chegara, e, ultimamente,
meus preferidos eram thrillers. Sentar na varanda me dava uma vista elevada da
rua lá embaixo, e eu amava ouvir as crianças brincando e a música à distância de
um vizinho que morava descendo a rua e praticava gaita de fole. Às vezes, eu
pegava meu violoncelo e tocava junto com ele, mas hoje estava apenas curtindo o
som da gaita de fole de longe com meu livro.
Assim que me acomodei na cadeira, meu celular tocou. Olhei para a tela e vi
que era Rafe me ligando.
Rafe?
Havia algumas coisas erradas com esse cenário. Número um: nós só
conversávamos por videochamada. Número dois: nos falávamos aos domingos,
com exceção da semana anterior, no Dia de Ação de Graças. Não era de seu feitio
me ligar no meio da semana. Aconteceu alguma coisa por lá.
Meu coração parou quando atendi.
— Rafe? Está tudo bem?
Ele soltou uma respiração profunda.
— Não exatamente.
Coloquei uma das minhas mãos sobre o coração.
— O que houve?
Ele ficou em um silêncio desconfortável por um longo tempo. Meu pavor
cresceu enquanto minha mente acelerava tentando imaginar o que podia ter
acontecido.
— Por que nunca me contou sobre você e Dax? — Rafe finalmente
perguntou.
Minha garganta fechou de choque. Tentei recuperar o fôlego por um
momento.
— O quê? — Meu estômago revirou, e minha visão ficou embaçada. — Do
que você está falando?
— Você e Dax — ele repetiu lentamente, como se eu não tivesse ouvido na
primeira vez.
Meu coração martelou conforme voltei para dentro do apartamento.
— O que tem Dax e eu?
— Você vai me fazer dizer?
— Bom, eu preciso saber do que você está falando.
— Vocês tiveram um lance. Transaram. Essa merda toda. Que porra é essa?
Como eu nunca soube disso?
Tudo começou a girar. Como diabos ele sabia? Dax tinha lhe contado? Não,
aposto que não. Não era possível.
Mantive minhas perguntas as mais genéricas possíveis.
— De onde você tirou essa informação?
— Primeiro, admita, e depois eu te conto.
Lágrimas surgiram em meus olhos. Eu estava paralisada. Não podia mentir
para ele, mas também não queria trair Dax.
Aumentei meu tom de voz.
— Não vou dizer coisa alguma até você me contar onde conseguiu essa
informação, Rafe.
— Eu li o diário dele.
Oh. Ah, meu Deus.
— Por quê? — Minha voz tremeu. — Por que você faria isso?
— Eu juro que foi sem querer. Fui até a gaveta da mesa de cabeceira dele para
roubar uma camisinha antes de ir para a casa de Kelsey, e vi a caixa de charutos
dele. Eu ia pegar um e fumar, mas não tinha charutos dentro da caixa. Tinha só
um caderno. Eu abri em uma das páginas para ver o que era, e a primeira coisa
que vi foi o seu nome. Então, continuei lendo. Li o negócio inteiro.
Tudo que consegui pensar em dizer foi:
— Você já está transando?
— Você está mesmo tentando mudar de assunto?
— Desculpe. — Fechei meus olhos com força. — Me desculpe, Rafe.
— Por que está pedindo desculpas?
Sua pergunta me confundiu. Eu tinha muitos motivos para isso.
Especialmente por não saber o quão explícitas as coisas foram descritas no
diário. Eu precisava presumir o pior sobre isso. Ele sabia que tínhamos transado.
Acho que não tinha como ficar pior.
O celular tremeu em minha mão.
— O que aconteceu entre mim e Dax começou antes que eu soubesse quem
você era. Eu… me apaixonei por ele. Não teve nada a ver com o papel dele na
sua vida. Nos conectamos como indivíduos. Mas concordamos que era melhor
não darmos continuidade a isso porque não queríamos te magoar.
— Ele estava apaixonado por você.
Meu coração deu cambalhotas.
— Do… do que você está falando?
— A última vez que ele escreveu no diário foi no dia em que você foi
embora. Ele escreveu sobre o quanto te amava, o quanto estava morrendo por
dentro por abrir mão de você. Mas teve que fazer isso. — Ele fez uma pausa. —
Ele nunca mais escreveu nada depois daquele dia. Foi a última vez.
Fechei os olhos e fiquei respirando ao celular por vários segundos. Eu não
queria receber essa informação como resultado de uma violação de privacidade.
Mas se tinha algo que queria saber, era isso. Dax me amava? Eu sempre imaginei
que ele se importava profundamente comigo, mas nunca categorizaria como
amor. Eu o amava. Disso, eu tinha certeza. Saber que esse sentimento era
recíproco me deixou abismada.
Mas então, veio a culpa, porque nem Rafe, nem eu deveríamos saber dessa
informação. Balancei a cabeça.
— Não me conte mais nada. Nenhum de nós tem o direito de saber o que ele
escreveu naquele diário.
— Ele nunca pode saber que eu li, Wren. — Rafe parecia em pânico. — Ele
me mataria.
— Ele tinha tanto medo de te magoar, Rafe. Preciso enfatizar isso. Você
sempre foi a nossa prioridade. Foi por isso que terminamos tudo assim que eu…
— Espere, foi por isso que você foi embora para a França?
Engoli em seco.
Foi por isso? De certa forma? Eu teria ficado se Dax tivesse me pedido. Se as
coisas fossem diferentes. Eu queria essa aventura pela Europa, mas não tanto
quanto queria Dax. Como não podia tê-lo, estar longe dele era mais fácil do que
ter que encarar isso.
— Eu queria viver essa experiência. Mas me separar de Dax naquele tempo
foi uma das vantagens da minha partida. Isso colocou uma distância entre nós
assim que decidimos terminar tudo.
Ele ficou em silêncio por um longo tempo.
— Me diga o que está pensando, Rafe.
— Não sei o que pensar, honestamente. É bizarro. Não é como se me
magoasse ou algo assim. Eu só acho… estranho. — Ele fez uma pausa. — Você
também o amava?
Também.
Eu não precisava pensar na minha resposta.
— Sim, eu o amava. Mas nunca contei a ele.
— Por que não?
— Porque não teria importado. Ele não consideraria ficar comigo porque,
mais uma vez, ele tinha muito medo de te magoar. — Expirei. — Eu também.
— Mas por que isso teria me magoado?
— Porque ele te vê como um filho. Ele é responsável pelo seu bem-estar. E eu
sou sua irmã. Se alguma coisa tivesse dado errado entre mim e ele, teríamos que
permanecer na vida um do outro. Isso teria deixado as coisas desconfortáveis
para todo mundo.
— Mas vocês estão na vida um do outro de um jeito ou de outro. Agora, você
vai ter que vê-lo com outra pessoa quando voltar. Isso não é desconfortável? Vai
ser péssimo para você. Quando te contei sobre a Morgan, não sabia sobre você e
ele. Eu não teria dito nada para te chatear, se soubesse.
— Eu sei — sussurrei. — Tudo bem. — Balancei a cabeça. — De qualquer
forma, está tudo acabado entre mim e ele, então não importa o que você me
contar.
— Você não gosta mais dele?
Tentei minimizar.
— Como eu disse, não importa, Rafe. Já faz dois anos e meio.
— Como é possível você ter amado uma pessoa há apenas alguns anos e não
se importar mais com ela?
— Rafe… — Funguei. Tentei impedir que minhas lágrimas caíssem, mas não
consegui.
— Mentirosa. Você ainda o ama, sim. — Rafe exalou. — Puta merda.
— Ele seguiu em frente, Rafe. Nós dois seguimos.
— Você não seguiu em frente — ele gritou.
— Sim, eu ainda sinto algo por ele. Mas não importa.
— Pare de dizer que não importa e de me usar como desculpa. Não se
esqueça de que li tudo naquele diário. Você não pode mentir para mim. Eu sei o
que aconteceu. Eu sei de tudo.
Jesus Cristo. O quão gráficas foram as descrições no diário? Eu tinha muito
medo de perguntar. Mas se ele disse que sabia de tudo, acho que não tinha
sentido em continuar a minimizar as coisas.
— Eu acho que você deveria voltar — ele disse.
Senti uma pontada de pânico.
— Por quê?
— Porque as coisas estão ficando sérias entre ele e Morgan. Se ele casar com
ela, vai ser tarde demais.
Uma onda de náusea tomou conta de mim.
— Se ele estiver feliz, não quero atrapalhar isso.
Dax já havia passado por tanta coisa. Ele merecia paz. Merecia felicidade. Ele
não merecia que eu chegasse e complicasse sua vida só porque estava com
ciúmes.
— Ele só está com ela porque acha que nunca poderá ter você — meu irmão
disse.
Enchi-me de esperança, até me dar conta de que isso não era necessariamente
verdade. Rafe não sabia disso. Ele estava fazendo uma suposição baseada nos
sentimentos de Dax de mais de dois anos antes, sentimentos que provavelmente
já haviam expirado.
— As pessoas podem mudar, Rafe. Os sentimentos dele por ela podem ser
mais fortes do que os sentimentos dele foram por mim. Você disse que ele não
escreveu mais nada depois do dia em que vim embora. Você não sabe o que ele
sente agora. Ele pode gostar mais dela do que já gostou de mim.
— Bom, ele não sentiu a necessidade de escrever sobre ela. Então, como ela
pode ser especial?
Odiei admitir que aquilo fazia sentido.
— Rafe… — Minha voz mal era audível enquanto eu enxugava as lágrimas.
— Tanto faz. Me ignore. Ignore tudo isso, se quiser. Mas eu tinha que te
contar. Porque não posso contar a ele que sei. Não quero que ele saiba que eu li.
Por mais que Dax fosse cuidadoso e carinhoso com Rafe, meu irmão sempre
teve um pouco de medo dele. Uma parte de Rafe sempre sentiu que Dax não
tinha motivo algum para cuidar dele. Então, ele nunca queria estragar as coisas.
Era algo que ele teve que trabalhar na terapia ― seu medo de abandono. Eu
podia entender sua preocupação em chatear Dax, mesmo que fosse infundada.
— O que eu deveria fazer se voltar, Rafe? Acabar com o relacionamento
dele? Eu nunca ia querer causar problemas para ele. Você não vai contar que
violou sua privacidade, então ele não vai saber que você sabe. Ele nunca
consideraria deixar alguém de quem gosta atualmente por alguém do passado
com quem acredita que não pode ficar. Pense nisso, Rafe.
— Bom, se ele realmente gosta dela, então você vir embora não deve
importar, não é?
— Exatamente. E é por isso que eu deveria continuar aqui, por enquanto.
— Talvez eu queira que você volte. Já pensou nisso?
Meu coração parecia prestes a explodir.
— Sério? Isso é outra história. Você nunca disse isso antes. Quer que eu
volte?
— Bom, sim, seria legal. Eu mal soube que você era minha irmã e, então,
você foi embora. Me sinto mais próximo de você agora do que naquele tempo,
mas não é a mesma coisa de você estar aqui. Seria bom te ver antes que eu vá
embora para a faculdade depois do ano que vem. Então, serão mais quatro anos
separados.
Eu não tinha pensado nisso. Se meu irmão estava me pedindo para voltar para
casa, isso mudava o jogo para mim. Eu precisava ao menos considerar.
— Não sabia que você pensava assim — contei a ele. — Pensei que estivesse
bem comigo aqui.
— Eu estou bem com isso. Mas… também sinto sua falta. Não vou achar
ruim se você voltar.
Sorri.
— Bom, tudo bem, você me deu muito em que pensar agora.
— É, infelizmente, também tenho muito em que pensar, depois de toda aquela
merda que li. Queria poder apagar tudo da minha mente.
Encolhi-me.
— Por favor, tente fazer isso. Você nunca deveria ter lido os pensamentos
particulares de Dax. Ninguém deveria ler o diário de outra pessoa, pelo menos
não enquanto a pessoa estiver viva, de qualquer forma. — Engoli em seco. —
Aliás, quando você começou a fazer sexo?
Ele suspirou.
— É recente.
— Dax sabe?
— Ele conversou sobre sexo comigo quando descobriu que eu estava
namorando Kelsey. Então, acho que deve saber. Mas não contei que realmente
fiz.
Achei que ele era jovem demais, com apenas dezesseis anos, mas seria
hipocrisia da minha parte criticá-lo, já que eu também já tinha transado pela
primeira vez naquela idade.
— Bem, fico feliz que você esteja tomando cuidado. Por favor, sempre use
proteção, toda vez. Você não faz ideia da encrenca em que pode se meter. Me
prometa que sempre tomará cuidado, Rafe.
— Prometo.
Um dia, eu contaria a ele o que acontecera comigo quando eu era adolescente.
Mas essa conversa já tinha sido pesada demais.
Morgan e eu estávamos fazendo o jantar juntos em uma noite de quinta-
feira, quando ela começou a falar sobre planos para o fim de semana. Bem,
tecnicamente, era ela que estava fazendo o jantar; eu estava fazendo o meu
melhor para não atrapalhá-la ao pôr a mesa.
— O que você está pensando em fazer neste sábado? — ela perguntou.
— Estou aberto a planos.
— Vai começar a exibição Turner’s Modern World no Museu de Belas
Artes. Deveríamos ir lá conferir, e depois almoçar.
Coloquei uma taça sobre a mesa.
— Parece um bom plano para mim.
— Você acha que Rafe gostaria de ir também?
— Duvido. Ele tem feito as coisas dele, ultimamente.
— Com a namorada? — Ela sorriu.
— É. Ainda não sei bem como me sinto em relação a isso. Mas, pelo
menos, ele parece menos rabugento.
— Bem, uma garota bonita tem esse efeito.
— Sei como é. — Pisquei.
Ela sorriu para mim enquanto salpicava açúcar mascavo sobre as batatas
doces.
— Tudo bem no trabalho hoje?
— Sim. Estou lidando com um novo cliente. Dono de uma startup. O
sujeito é um pé no saco.
— Foi por isso que você me pediu para comprar vinho no caminho até
aqui?
— Foi exatamente por isso que te pedi para comprar vinho.
Algumas noites por semana, Morgan vinha para o jantar após o trabalho.
Ela passava a noite quando vinha nos fins de semana, mas voltava para casa
em dias da semana. Shannon apreciava poder ter uma folga do preparo do
jantar nas noites em que a minha namorada vinha. Assim como Shannon,
Morgan cozinhava maravilhosamente bem.
Conheci Morgan em uma livraria. Nós estendemos as mãos para pegar o
mesmo exemplar do livro Os Deuses Vencidos ao mesmo tempo.
Começamos a conversar, e pela primeira vez em um bom tempo, gostei
verdadeiramente da companhia de uma mulher. Saímos para jantar naquela
noite, e o resto era história. Isso fora há dez meses.
Morgan tinha acabado de se tornar sócia no escritório de advocacia onde
trabalhava no centro de Boston, então as coisas estavam indo muito bem
para ela. Em alguns sentidos, ela me lembrava Maren: bem-sucedida,
inteligente, determinada. Assim como minha falecida esposa, Morgan
também era alta com cabelos loiros compridos. Ela era linda. E me sentia
sortudo por tê-la conhecido, considerando que eu não estava tentando
conhecer alguém na época. Simplesmente aconteceu.
Depois de tudo que acontecera com Wren, eu tinha levado mais de um
ano e meio para chegar a um estado mental que me permitisse ao menos
pensar em começar a sair com outras pessoas. Durante o primeiro ano após
Wren ir embora de Boston, escolhi focar em evoluir meu relacionamento
com Rafe. Contudo, conforme ele foi ficando mais velho e se envolvendo
mais com os amigos, cheguei à conclusão de que precisava arrumar uma
vida para mim. Por mais que meu relacionamento com Morgan tivesse sido
inesperado, pareceu ter acontecido no momento certo. Eu estava mais feliz
do que estivera em um bom tempo.
Cerca de um ano atrás, alguns meses antes de Morgan entrar na minha
vida, forcei-me a seguir em frente e superar Wren. Tomei a decisão de parar
de assistir a seus vídeos tocando violoncelo e parar de viver no passado.
Acessar o canal RenCello com frequência não estava sendo saudável ― por
mais que eu amasse… sua música. Eu não podia mais fazer aquilo comigo.
Essa mudança de pensamento exigiu bastante força de vontade, mas me
abriu a porta para novas possibilidades. Provavelmente, não foi coincidência
eu ter conhecido Morgan pouco tempo depois.
Me sentia grato por muitas coisas, ultimamente ― grato por meu
relacionamento com Rafe estar mais forte do que antes, grato por Shannon
ainda estar conosco e me aturar, grato por um relacionamento com uma
mulher maravilhosa que tinha a cabeça no lugar. Minha vida estava indo
bem.
— Quer ir chamar o Rafe para o jantar? — Morgan perguntou.
— Claro.
Coloquei o último guardanapo sobre a mesa e segui para o quarto dele.
Como de costume, Rafe estava ouvindo alguma coisa, provavelmente
estourando os tímpanos.
— Rafe… — Gesticulei para que ele retirasse os fones. — Jantar.
— Tá. Tô indo — ele murmurou.
Morgan havia colocado as batatas doces e as costelas de cordeiro na
mesa da cozinha quando retornei. Ela também fizera aspargos como
acompanhamento. Embora eu tivesse uma sala de jantar formal, nós
comíamos na cozinha na maioria das noites. Ela havia servido duas taças de
vinho tinto para nós e água perto do prato de Rafe.
— Como foi a escola hoje, Rafe? — ela perguntou.
— Normal — ele murmurou.
— Sempre é normal — eu disse. — Ele nunca tem muito a contar sobre
isso.
— O que você quer que eu diga? — ele rebateu.
— Qualquer coisa mais que “normal”?
— Levei bomba no meu teste de cálculo. Que tal?
— Merda. Aquele que você precisava de pelo menos um oito para ficar
com média sete?
— Aham. — Ele encheu a boca de batata.
— Quando vai saber a nota?
— Deve ser postada amanhã — falou, enfiando mais batata na boca.
— Talvez você precise diminuir um pouco os treinos de corrida.
— Nem pensar — ele disse com a boca cheia. — Não vai rolar.
Desculpe.
Correr era a vida de Rafe. Era o único esporte pelo qual ele demonstrava
interesse. Eu me preocupava por ele estar se esforçando tanto nisso que
diminuía seu desempenho nas aulas. Por ser o melhor corredor da escola, ele
teria uma grande chance de conseguir uma bolsa na faculdade se continuasse
a manter as notas um pouco mais altas. Ele havia escolhido frequentar aulas
avançadas porque melhoravam seu currículo, mas eu temia que elas fossem
puxadas demais para ele.
Após limpar seu prato em menos de dez minutos, como sempre, Rafe não
teve interesse algum em continuar à mesa conosco. Ele levou seu prato sujo
para a pia e o enxaguou antes de colocá-lo na lava-louças.
— Obrigado pelo jantar, Morgan. Estava muito bom.
— Por nada, querido.
— Obrigado por participar bastante da conversa do jantar, como sempre
— brinquei.
Rafe saiu da cozinha andando para trás.
— Tenho dever de casa. Quer fazer para mim? Assim, posso ficar e
conversar.
— Tudo bem. Vá logo. E não deixe de colocar as suas roupas sujas na
máquina de lavar, por favor — gritei. — Não as jogue pelo quarto inteiro
para que Shannon tenha que fazer uma caça ao tesouro para encontrá-las.
Ele desapareceu pelo corredor.
Balancei a cabeça e dei risada.
— Obrigado pelo jantar — eu disse, virando-me para Morgan. — Estava
uma delícia.
— Disponha. — Ela estendeu a mão por cima da mesa para segurar a
minha. — Se não estivesse tão estressado, eu deixaria você me retribuir esta
noite.
Acho que eu poderia ter contestado aquilo e sugerido que ela dormisse
comigo. Mas eu estava mesmo cansado pra caramba e queria cair na cama.
Teria bastante tempo para compensá-la no fim de semana.
Assim que me levantei para ajudar Morgan a limpar a mesa, a campainha
tocou. Eu não estava esperando ninguém. Talvez Shannon tivesse esquecido
sua bolsa? Isso acontecera uma vez ou duas no decorrer dos anos. Winston
latiu e correu atrás de mim até a porta. Sem checar o olho-mágico, eu a abri.
Naquele momento, com o ar frio do fim de janeiro soprando dentro de
casa, senti como se alguém tivesse me arrancado todo o fôlego.
Encarei-a em choque, sem dizer nada, por sei lá quanto tempo. Segundos
suficientes para que ela tivesse que ser a primeira a falar, enquanto Winston
latia e corria em círculos em torno dela.
— Vai dizer alguma coisa, Moody, ou vai apenas ficar aí como se tivesse
visto um fantasma?
Wren estava ali, diante de mim, parecendo… diferente. Deus, por que ela
parecia tão diferente? Não de um jeito ruim, mas de um jeito que me fez
perceber quanto tempo havia passado desde a última vez em que a vira. Seu
cabelo cor de cobre estava mais comprido do que já vira antes, passando de
seus ombros. Eu não sabia o quão sedoso e ondulado ele era, porque ela
costumava usá-lo em um corte curto. Ela estava deslumbrante.
— Wren… — Pisquei, como se quisesse me certificar de que não estava
vendo coisas. — O que você está fazendo aqui?
— É bom ver você também.
Ela finalmente curvou-se para dar a Winston a atenção pela qual ele
estava implorando. Wren o envolveu em seus braços e afundou o nariz em
seus pelos. Winston parecia estar amando cada minuto daquele abraço,
ofegando e abanando o rabo.
É, Bola de Pelos. Posso imaginar.
— Você se lembra de mim! — ela chiou. — Obrigada, amiguinho.
Também senti a sua falta. — Ela finalmente se levantou e tornou a ficar de
frente para mim.
Balancei a cabeça.
— Desculpe, eu deveria ter dito que era bom te ver antes de perguntar o
que você estava fazendo aqui. Isso foi idiota da minha parte. Eu só estou…
um pouco chocado.
Me aproximei para abraçá-la e senti seu corpo enrijecer. O meu, por
outro lado, pareceu despertar de uma maneira que não fazia desde a última
vez em que ela estivera em meus braços. Seu cheiro floral e familiar era
inebriante como sempre. Torci para que ela não pudesse sentir o quão rápido
meu coração estava batendo.
— Tudo bem. — Ela deu risada, sua respiração roçando a pele do meu
pescoço.
Merda.
— Eu sei que te peguei de surpresa. — Ela se afastou de mim, e uma
fumaça de ar frio saiu de sua boca. — Você vai me convidar para entrar,
ou…?
Deus, ela ainda não entrou na casa?
— Jesus. É claro! — Gesticulei para que ela entrasse logo. — Não sei
onde estou com a cabeça. Entre.
Meu coração afundou para a boca do estômago em antecipação por ter
que apresentá-la a Morgan.
— Rafe sabe que você está em Boston? — perguntei.
Ela olhou em volta e baixou o tom de voz.
— Não. Eu quis fazer uma surpresa para ele.
— Quando você voltou?
— Cheguei ontem à noite. Estava com jet lag e dormi quase o dia todo.
— Você voltou permanentemente ou veio apenas visitar?
— Decidi voltar de vez.
Meu estômago revirou. É claro que eu estava feliz por ela estar de volta
― por Rafe ―, mas não tinha me preparado para isso. Nem um pouco.
— Da última vez que ele me disse, você estava considerando ficar lá por
mais um tempo. Por isso estou tão surpreso.
— É. — Ela deu de ombros. — Mudei de ideia.
Engoli o caroço em minha garganta.
— Ele está em casa, não está? — ela indagou.
— Quem? — perguntei de volta, confuso.
— Rafe…
— Ah, sim! — Dei risada. — Ele está lá em cima.
Caralho, Moody. Recomponha-se!
Uma coisa era bloquear da sua mente a existência de uma pessoa quando
se estava a um oceano de distância dela. Mas tê-la na minha frente assim era
algo completamente diferente. Aparentemente, eu não havia superado
porcaria nenhuma. Era como se meus sentimentos tivessem passado esse
tempo todo escondidos e decidiram vir à tona nesse momento, como se fosse
uma festa surpresa.
— Dax, quem é?
Lá vamos nós.
Morgan apareceu por trás de mim. Nem ao menos consegui virar para
encará-la por medo de que ela percebesse que havia algo de estranho só pela
minha expressão.
Wren forçou um sorriso enorme e disse:
— Você deve ser a Morgan. Rafe me falou muito sobre você.
Ele falou?
Morgan estreitou os olhos.
— Você não é a namorada do Rafe, é?
Wren soltou uma risada nervosa.
— Não, sou a irmã dele.
— Eu ia dizer que você não parece ter dezesseis anos! — Ela riu. — Oh,
mas que surpresa. Wren, certo?
Ela assentiu.
— Sim.
— Então, você voltou da Europa… obviamente.
— Sim, decidi me mudar de volta. Ele não faz ideia. Vim fazer uma
surpresa.
Morgan bateu palminhas.
— Ele vai ficar eufórico.
Massachusetts tinha acabado de sofrer um leve terremoto, ou era minha
cabeça fazendo o ambiente todo sacudir?
Desde que Morgan chegara à sala, Wren não me olhara uma única vez.
Eu sabia disso porque não tinha parado de olhar para ela. O jantar que eu
havia acabado de comer parecia estar prestes a voltar.
Wren finalmente me lançou um olhar rápido para perguntar:
— Você se importa se eu subir?
— Claro que não. Ele está fazendo o dever de casa. Vai pirar quando te
vir… em um bom sentido.
Não no mau sentido no qual estou pirando nesse momento.
— Ok. Vou subir para vê-lo.
Meus olhos a seguiram conforme ela subiu as escadas correndo, as
batidas de seus passos imitando o martelar dentro do meu peito.
Wren mal havia chegado ao topo das escadas quando Morgan disse:
— Nossa, ela é bonita.
Como diabos eu deveria responder àquilo?
Não precisei, porque o grito jovial de Rafe vindo do segundo andar
preencheu o ar. Morgan e eu viramos um para o outro, e apesar de tudo, não
pude evitar o sorriso largo que se espalhou em meu rosto. Eu estava tão feliz
por ele ter sua irmã de volta, mesmo que eu fosse levar algum tempo para
me acostumar, para dizer o mínimo.
Ouvi os dois conversando e rindo por um momento antes de Morgan me
despertar dos meus pensamentos.
— Ah, sabe para quem ela seria perfeita?
— Hã?
— Dylan. Acho que Wren seria perfeita para ele. Você não acha?
Dylan Valeri era um associado subordinado a Morgan no escritório de
advocacia. Ele tinha mais ou menos a mesma idade de Wren e era um sujeito
de boa aparência, um cara decente. Na verdade, ele era um cara muito legal
com quem eu já conversara várias vezes. Ele tinha a cabeça no lugar e uma
vida estável. Infelizmente, se eu não me sentisse todo ferrado por dentro ao
pensar nos dois juntos, também pensaria em apresentá-los. Em vez disso,
tudo que eu queria era esfolá-lo vivo.
Ela interrompeu meus pensamentos.
— Quantos anos ela tem?
Fiz uma pausa.
— Uns 27. Talvez quase 28.
Como se eu não soubesse exatamente quando ela faria 28 anos ― no dia
três de junho.
— Perfeito. Ele tem 28. Temos que convidá-los para jantar, ou algo
assim.
Tinha como essa situação ficar ainda pior? Eu contaria a Morgan sobre
mim e Wren, em algum momento? Seria mais fácil para todos os envolvidos
se ela não soubesse. Quanto menos pessoas soubessem, melhor. Mas como
eu poderia esconder algo assim de uma pessoa da qual eu esperava
honestidade em troca?
Ainda podia ouvir Rafe e Wren conversando no andar de cima.
Decidindo dar privacidade aos dois, segui para a pia da cozinha e comecei a
lavar a louça.
— Já está tudo lavado — Morgan disse. — Coloquei as coisas aí para
secar.
— Oh. Desculpe. Acho que é o que acontece quando tento ajudar.
Ela se aproximou de mim e afagou minhas costas.
— Você está bem?
— Estou.
— Você parece um pouco agitado. Está preocupado por Wren estar de
volta à vida dele?
— Claro que não. — Estreitei os olhos. — Por que eu estaria
preocupado?
— Estava pensando se ela não era uma boa influência na vida dele ou
algo do tipo. Sei que eles não tiveram muito tempo juntos antes que ela fosse
embora. — Ela analisou meu rosto. — Você está um pouco estranho desde
que ela chegou.
— Não. — Balancei a cabeça. — Wren é ótima. Meu humor não tem
nada a ver com ela.
— Ok. — Morgan sorriu e colocou água na chaleira. Nas noites em que
ela não dormia aqui, costumava fazer chá antes de ir para casa.
Sentamos à mesa cerca de dez minutos depois e, nesse momento, Rafe e
Wren entraram na cozinha.
Rafe estava com um sorriso radiante.
— Não acredito que ela me fez uma surpresa. Você não sabia disso, né?
Balancei a cabeça.
— Não, fiquei tão surpreso quanto você — respondi. — Nunca ouvi você
gritar daquele jeito. Deve estar muito feliz por ter a sua irmã de volta.
— Estou feliz por estar de volta. — Wren abriu um sorriso de orelha a
orelha, olhando para Rafe.
Novamente, ela estava olhando para qualquer lugar, menos para mim.
Porra, eu nem podia culpá-la. Ela havia entrado numa fogueira ao chegar
aqui esta noite. Também me senti péssimo por não poder ter com Wren o
tipo de conversa que queria. Havia tantas coisas que eu queria perguntar.
Mas, no momento, estava de mãos atadas.
— Você está solteira, Wren? — Morgan perguntou, interrompendo
minhas ruminações.
Ótimo. Comecei a balançar o joelho sob a mesa.
Wren hesitou.
— Estou. Não há muita chance de conhecer alguém saindo direto de um
avião da França. — Ela deu uma risada nervosa antes de olhar rapidamente
para mim.
Tentei me desculpar telepaticamente com os olhos pela pergunta intrusiva
de Morgan.
— Ah, é, isso é verdade. Você acabou de chegar. Não sabia se tinha
deixado alguém na França. — Morgan riu. — Enfim, eu adoraria recebê-la
aqui para jantar e convidar um amigo meu. Ele tem mais ou menos a sua
idade. Muito lindo, bem-sucedido… um partidão.
Com os olhos arregalados, Wren apenas assentiu e sorriu.
Fechei minha mão em punho. Essa situação toda era desconfortável pra
caralho.
Wren virou-se para Rafe.
— Ainda estou muito cansada pela diferença de fuso horário, então vou
para casa. Virei amanhã à noite para te buscar e irmos jantar juntos. Você
pode levar a sua namorada, se quiser.
— Sim. Quero que você a conheça — Rafe disse.
Wren olhou para Morgan.
— Foi um prazer conhecê-la, Morgan.
Morgan, sem noção alguma do desconforto que havia acabado de causar,
abriu um sorriso.
— Igualmente!
Wren finalmente olhou para mim por mais do que apenas alguns
segundos.
— Foi bom te ver de novo, Dax.
Notei o indício de tristeza em seus olhos. Eu sabia que isso não estava
sendo fácil para ela, mas agora pude, de fato, ver.
Não poder dizer a ela que sentia muito por fazê-la passar por isso estava
me matando. Eu nunca a teria feito conhecer Morgan na primeira noite em
que estava de volta. Na verdade, talvez eu tivesse tentado evitar aquele
encontro pelo maior tempo possível. Mas, talvez, de certa forma, assim
tivesse sido melhor. Como arrancar o curativo de uma vez.
Notei Rafe olhando atentamente para sua irmã. Será que ele também
havia notado algo de estranho? Em seguida, ele virou e olhou diretamente
para mim. Entrei em pânico por dentro durante um milissegundo antes de me
lembrar de que ele não sabia de nada. Era apenas meu nervosismo me
enganando.
— Foi o momento mais desconfortável da história — contei ao meu pai
durante o almoço no dia seguinte.
— Dax devia estar prestes a pôr um ovo. Sinto um pouco de pena do
coitado. Ele só está tentando fazer a coisa certa, seguir em frente com sua
vida. E então, você surge feito um furacão.
Quando meu pai tinha ido me visitar na Europa, certa noite, enquanto
tomávamos alguns drinques na varanda, confessei a ele o que havia
acontecido entre mim e Dax. Queria que meu pai soubesse por que eu
hesitara em voltar para os Estados Unidos imediatamente quando meu
contrato de dois anos havia acabado. Embora não tivesse ficado surpreso
com o que eu lhe contara, ele me dissera que ficava triste por saber que eu
ainda nutria sentimentos por Dax.
Talvez uma garota falar sobre sua vida sexual com o pai não fosse uma
coisa comum, mas sempre me senti sortuda por poder contar qualquer coisa
a Chuck. Sob as circunstâncias atuais, eu estava grata por ter ao menos uma
pessoa que entendia por que eu estava tão confusa agora. Também contara
sobre Rafe ter confessado que tinha lido o diário de Dax.
— A pior parte foi a namorada dele falar sobre me apresentar a um cara
com quem ela trabalha. — Apoiei a cabeça nas mãos por um momento.
Os olhos do meu pai se arregalaram, com um indício de diversão.
— O que o Dax fez quando ela disse isso?
— Não sei. Mal olhei para ele. Não conseguia. Simplesmente… doía
demais.
Meu celular apitou, e meu coração deu um salto quando vi seu nome na
tela.
Dax: Oi. Me desculpe por qualquer desconforto ontem à noite.
Fiquei um pouco chocado, por isso agi como um idiota quando abri a
porta. Foi tão bom te rever. Você está ótima. E parece feliz por estar
de volta. Sei que virá buscar Rafe mais tarde para o jantar. Queria
saber se teria tempo de me encontrar antes disso. Mas não aqui.
Estou trabalhando de casa hoje, mas posso encerrar mais cedo e te
encontrar em algum lugar. Se não puder, sem problemas.
Arrepios cobriram meus braços. Seu idiota do caralho, falei ao meu
corpo. Ele não havia entendido o recado de que não fazia mais sentido ficar
animado para ver Dax.
— É ele — contei ao meu pai. — Ele quer conversar hoje à tarde. Está se
desculpando pelo desconforto de ontem à noite.
Papai sorriu.
— Imaginei que ele entraria em contato com você.
Respondi à mensagem com a única coisa que consegui digitar.
Wren: Claro.
Os pontinhos saltaram conforme ele digitou.
Dax: Você está em casa? Posso passar aí e te buscar.
Wren: Sim.
Dax: Pode ser às 16h?
Wren: Pode sim.
Fui para meu quarto e fiquei debatendo sobre o que vestir, mas, logo em
seguida, me xinguei por ligar para isso. Por que importava? Dax estava com
Morgan. Como já era de se esperar, ela era linda. Loira, o que parecia ser o
tipo dele ― tirando o deslize comigo. Eu sabia, através de Rafe, que ela era
advogada ― inteligente, bem-sucedida e um pouco mais velha que Dax,
talvez um ano ou dois. Esse também era o tipo dele ― mais velha, com a
vida encaminhada. O oposto de mim.
Quando Dax chegou, deixei que meu pai abrisse a porta enquanto
terminava a maquiagem dos olhos no banheiro do andar de baixo. Acho que
era natural querer que o seu quase ex ficasse se mordendo.
Dax estava ao lado do meu pai quando saí do banheiro. Ele engoliu em
seco enquanto seus olhos viajaram por todo o meu corpo, de cima a baixo.
Talvez eu estivesse usando um macaquinho sexy para a ocasião. Eu
provavelmente sempre desejaria esse tipo de admiração silenciosa dele, já
que era tudo que me restava.
— Desculpe por fazê-lo esperar.
— Sem problemas. — Ele sorriu. — Você está bonita.
— Obrigada. Você também — eu disse, juntando as mãos e mexendo-as
de maneira inquieta.
Meu pai olhou para nós dois, incapaz de esconder a diversão surgindo em
seu sorriso. Ficamos felizes em entretê-lo, pai.
— Aonde vocês vão? — meu pai perguntou.
Os olhos de Dax ainda estavam fixos nos meus quando ele respondeu.
— Há um restaurante novo de tapas não muito longe daqui, em Jamaica
Plain. Estava pensando que seria legal experimentá-lo. A menos que você
queira guardar o apetite para o jantar com Rafe mais tarde. Podemos apenas
beber alguma coisa.
Dei de ombros.
— Por mim, pode ser qualquer coisa. — Um silêncio desconfortável se
instalou por alguns segundos. — Vou pegar meu casaco.
Após fazer isso, segui Dax pela porta. Não falamos nada enquanto ele
abria a porta do lado do passageiro de seu Porsche para me deixar entrar. Era
diferente sentar naquele assento, porque agora era o assento dela. Na
verdade, quando olhei para baixo, encontrei um fio de cabelo loiro sobre o
couro.
Ele entrou depois de mim, e em vez de dar partida no carro, Dax apoiou a
cabeça no encosto e soltou uma longa respiração pela boca.
— Quando você contou ao seu pai que dormimos juntos?
Engoli em seco.
— Ele disse alguma coisa para você?
— Não. Mas ele sabe. Pude sentir. Quando você contou a ele?
— Quando ele foi me visitar na Europa, há alguns meses — admiti. —
Como você percebeu?
— Pelo olhar que ele me deu… uma mistura de diversão com alerta. Ele
costumava ir visitar Rafe, como você sabe, então eu o vi algumas vezes
enquanto você estava fora. Ele nunca tinha me olhado daquele jeito antes.
Suspirei. Meu pai nunca foi muito bom em esconder seus sentimentos.
— Você está bravo por eu ter contado a ele?
Dax olhou pela janela.
— Não. Como eu poderia ficar? Lembro de você me dizendo que contava
tudo ao seu pai. — Ele deu uma risada irritada. — Mas, porra, um aviso teria
sido legal. Eu ia querer me matar, se fosse ele.
— Ele não está bravo com isso. Meu pai te acha um cara decente. Ele
entende por que tudo aconteceu como aconteceu.
Dax voltou a olhar para mim.
— Você deixou seu cabelo crescer. Nunca te vi com o cabelo comprido
antes.
— Você parou de assistir aos meus vídeos.
Seu sorriso esmoreceu.
— Como você sabe?
— Porque você saberia que meu cabelo tinha crescido se tivesse assistido
aos mais novos. Mas também faz um tempo que você parou de deixar
comentários. Senti que você tinha desaparecido. — Meus olhos começaram
a marejar. Puta merda. Qual era o meu problema? Ele sequer havia dado
partida no carro, e eu já estava emotiva?
— Merda — ele sussurrou.
— Me desculpe. Eu não sei por que…
— Não ouse pedir desculpas. Você tem todo direito de estar chateada
agora.
Enxuguei meus olhos.
— De qualquer forma… não tem problema você ter parado de assistir. Eu
só… — Olhei para ele. — Senti a sua ausência.
Ele virou o corpo para mim.
— Wren, eu tive que me forçar a parar. Porque toda vez que eu te
assistia, ficava envolvido demais. — Ele fechou os olhos por um momento.
— Tudo que eu queria fazer à noite durante a maior parte daquele primeiro
ano era assistir você tocar. Não era saudável.
Lutei para reprimir mais lágrimas, sentindo antigas feridas se abrirem.
— Você parou quando conheceu Morgan?
Ele engoliu em seco.
— É, foi quase no mesmo tempo. Me desculpe por você tê-la conhecido
daquele jeito ontem à noite.
— Você não precisa se desculpar. Está fazendo exatamente o que deveria.
Eu quero que você seja feliz, Dax. É tudo que eu sempre quis. Nós
decidimos há muito tempo que as coisas não iam dar certo entre nós. Então,
nada disso é uma surpresa. Eu só preciso me acostumar.
Ele fitou o volante.
— O que te fez voltar agora? Rafe me disse que você tinha decidido ficar
lá indefinidamente. O que mudou?
Bem, eu descobri que você me amava, e precisava te ver de novo. Agora,
me sinto perdida.
Pigarreei.
— Estava na hora. Rafe disse que gostaria que eu voltasse, e me lembrou
de que, em breve, ele iria embora para a faculdade, o que significaria mais
quatro anos separados durante a maior parte do tempo. Isso influenciou a
minha decisão.
— Faz sentido. — Ele assentiu. — A França foi tudo que você esperava
que fosse?
— Foi, sim. — Sorri. — No começo, fiquei com saudades de casa, é
claro. Senti muito a sua falta, mais do que eu deixava transparecer nas
nossas correspondências. Mas o tempo passou e, eventualmente, me
acostumei com a minha nova vida lá. Você sabe, pelos nossos e-mails
daquele tempo, que eu estava saindo com outras pessoas. Mas nada durou.
Mesmo assim, tentei seguir em frente. E sempre esperei que você fizesse o
mesmo. — Pausei. — O que tivemos foi especial, mesmo que tenha sido
curto. Mas, mesmo que não possamos ficar juntos, eu ainda quero que você
seja feliz. E você parece estar… com a Morgan.
Ele examinou meu olhar, parecendo duvidar um pouco de tudo aquilo
que falei.
— Acho que temos que tentar encontrar um novo normal, seja como for.
— É — sussurrei. — Novo normal.
Ele tamborilou os dedos no volante.
— É melhor eu dar partida na porra desse carro, não é? Não estou
pensando direito. Desde ontem à noite.
— Sim. É melhor irmos, principalmente considerando que o meu pai está
na janela desde que saímos.
Ele olhou para minha casa.
— Merda, você está certa. — Ele estreitou os olhos. — Você não está
vendo um revólver na mão dele, está?
Compartilhamos uma risada muito necessária antes de Dax finalmente
dar partida no carro e sair do meio-fio.
Em determinado momento, ele me lançou um olhar rápido.
— Não sei se Rafe mencionou que venceu o campeonato estadual de
corrida. Ele também quebrou o recorde da escola de melhor tempo.
Assenti.
— Sim. Estou tão orgulhosa dele.
— Ele mencionou que vou fazer uma festa para ele no próximo fim de
semana?
— Não.
— Eu convidei o time dele, junto com os treinadores. Vou contratar um
bufê de churrasco bem grande. Sei que ele adoraria se você fosse.
Por mais desconfortável que seria ver Morgan novamente, eu não podia
perder a festa de Rafe.
— Ok. Obrigada pelo convite. Estarei lá, com certeza.
— Ótimo.
Ele abriu um sorriso, e isso me fez voltar no tempo, por um instante. Meu
coração apertou. Minha mente voltou para a vez em que ele me carregou
para casa ― nosso primeiro e último encontro.
Quando chegamos ao restaurante, conseguimos enterrar a tensão entre
nós ao resumirmos os últimos dois anos e meio um para o outro. Contei a ele
sobre as pessoas que conheci, como minha amiga Micheline. Detalhei minha
pequena e peculiar vizinhança e a comida deliciosa que provei. Até mesmo
descrevi os dois homens com quem namorei um pouco mais sério: Alec, um
artista que morava no meu prédio, e Pierre, um chef que conheci em uma
feira em Paris. Nenhum desses breves relacionamentos foram muito
promissores, mas cada um desses homens agora tinha um pequeno papel na
história da minha vida.
Dax me contou o quanto seu relacionamento com Rafe havia evoluído.
Embora as coisas não fossem perfeitas, a situação estava muito melhor. Por
mais doloroso que tenha sido, perguntei a ele como conheceu Morgan, e ele
me contou a história de como pegaram o mesmo livro em uma livraria.
Embora isso tenha me deixado um pouco enjoada, Morgan parecia perfeita
para ele ― em teoria, pelo menos. Dax parecia feliz com ela, mas não passei
com eles tempo suficiente para saber se esse era realmente o caso.
Quando começamos a ficar sem assunto, um pouco daquele desconforto
de mais cedo começou a se infiltrar. Estávamos sentados de frente um para o
outro, sem palavras para formar um escudo para a tensão entre nós.
Olhei para meu celular.
— Tenho que voltar. Combinei com Rafe que o buscaria daqui a uma
hora.
— Claro. Tudo bem. Podemos ir.
Ao sairmos do restaurante, carregamos aquela tensão silenciosa conosco
até a minha casa. Perdi as contas de quantas vezes Dax mexeu no rádio e nos
controles do ar-condicionado.
Depois que estacionou, ele saiu do carro para me encontrar do lado do
passageiro. Enfiou as mãos nos bolsos e ficamos de frente um para o outro
na calçada.
— Então, veremos você no próximo sábado na festa do Rafe?
Veremos. Ele e Rafe ou ele e Morgan?
— Sim. Eu não perderia por nada.
— Legal.
Ele se aproximou para me dar um abraço, mas dei um passo para trás.
Seu sorriso desvaneceu.
— Desculpe. Eu…
— Não precisa se desculpar. Só acho que é melhor se não… fizermos
isso. — Soltei uma respiração trêmula, surpresa pelo meu mecanismo de
autoproteção. — Sabe, o lance do novo normal — acrescentei.
— É claro — ele disse, parecendo arrependido. — Não tive a intenção de
ultrapassar o limite.
— Você não fez isso.
Ele não era o problema. Era eu. Da última vez que ele me abraçara ―
quando cheguei à sua porta ―, fora uma tortura, e eu não queria sentir
aquele desejo doloroso novamente.
— Tudo bem. — Ele assentiu, olhando para o chão por alguns segundos
antes de forçar um sorriso. — Divirta-se hoje à noite com Rafe.
— Obrigada.
Virei-me e não olhei para trás. Meu pai estava nos olhando pela janela de
novo ― felizmente, sem um revólver.

No fim de semana seguinte, eu estava em meu carro, em frente à casa de


Dax. Podia ver uma tenda montada no jardim e garotos adolescentes se
misturando no gramado. Levei vários minutos para reunir forças para sair do
carro e me juntar à festa.
Assim que saí do veículo, Rafe me avistou caminhando em direção à
casa.
— Ei! — Ele correu até mim.
— Como está a festa? — Sorri.
— Legal. — Ele passou uma das mãos pelos cabelos cacheados.
— A princípio, achei que Dax estava louco por querer fazer uma festa
assim ao ar livre em fevereiro, mas você teve sorte — comentei. — Não está
tão frio assim hoje.
— É, mas aquela tenda enorme tem aquecedores, então nem parece que
estamos ao ar livre debaixo dela.
Tinha me esquecido de que dinheiro podia comprar praticamente
qualquer coisa, incluindo um monte de aquecedores no meio do inverno.
— Você vai ficar bem aqui? — Rafe indagou, com o olhar sério.
Eu o amava por se importar o suficiente para perguntar, mas não queria
que ele se preocupasse.
— Claro. Está tudo bem. — Dei um tapinha em seu braço de brincadeira.
— Não te disse que Dax e eu resolvemos tudo quando nos encontramos
semana passada?
— Não, você não falou muita coisa sobre isso.
— Bem, nós estamos tentando construir… um novo normal. Então, você
não precisa se preocupar comigo. Posso lidar com isso.
Ele deu de ombros.
— Tudo bem. Se você diz…
Gesticulei para ele.
— Vá ficar com os seus amigos. Te encontro depois.
— Ok. — Ele me deu um abraço, e o contato me relaxou um pouco.
Isso até eu chegar à tenda enorme e avistar Morgan com os braços em
volta de Dax enquanto ele virava hambúrgueres na churrasqueira. Ele estava
usando uma touca da Universidade de Syracuse e um casaco preto. Tinha
ficado ainda mais gostoso com a idade. Aos 35 anos, estava mais lindo do
que nunca. Delicioso pra caramba.
Ele se encolheu quando me avistou, fazendo-a soltá-lo.
É hora do show. Que comecem os sorrisos falsos. Um pé na frente do
outro.
— Pensei que você tinha dito que ia contratar um bufê. Desde quando
você faz hambúrgueres?
— Bom, eu encomendei todos os acompanhamentos, mas deduzi que,
para que um churrasco seja autêntico, você tem que grelhar carne na hora.
— Espero que esteja com fome, Wren — Morgan disse. — Temos
hambúrgueres, camarão, asinhas de frango, cachorros-quentes, linguiça…
Eu já provei da linguiça do Dax. Você sabia disso, Morgan?
Ela ainda não fazia ideia de nada, e isso provavelmente era uma coisa
boa. Não queria sequer imaginar como essa experiência seria se ela soubesse
a verdade. Mais uma vez, forcei um sorriso.
— Tenho certeza de que esses garotos vão dar conta de toda a comida,
sem problemas. Já vi o quanto Rafe come agora. Ele não era assim antes de
eu ir embora.
— Você percebeu, não foi? — Dax assentiu. — Sabia que o valor das
minhas compras no mercado dobrou no último ano? O garoto acaba com um
galão de leite a cada dois dias.
— Ele está em fase de crescimento, eu acho. — Dei risada.
Quando avistei uma Shannon muito sorridente vindo em nossa direção,
soltei um suspiro de alívio. Ela estivera de folga na semana anterior quando
eu fora buscar Rafe para jantar, então essa era a primeira vez que eu a via
desde que chegara em Boston.
Ela abriu bem os braços.
— Wren! Soube que você estava de volta. Que maravilha te ver!
— Igualmente, Shannon! — Dei um abraço nela.
Ela me olhou mais atentamente.
— Quase não te reconheci com o cabelo comprido.
— Eu sei. Parei de cortá-lo há um tempinho.
— Eu adorei — ela disse.
— Obrigada.
— Mas você tem um rosto tão lindo que não importaria se não tivesse
cabelo algum.
— Isso é verdade — Morgan concordou.
Ai, cara. Não pude evitar olhar para Dax, que compreensivelmente
escolheu não comentar o quão bonita eu era. Em vez disso, voltou a focar na
churrasqueira, virando os hambúrgueres e acrescentando algumas salsichas
sobre eles.
— Até que é bom estar aqui e não ter que trabalhar, para variar. —
Shannon piscou.
Dax ergueu o olhar da churrasqueira.
— Aposto que sim.
— Eu sei que é uma festa para adolescentes de ensino médio, então não
deve ter bebidas alcoólicas, não é? — ela perguntou.
Morgan jogou os braços para o ar.
— Está brincando? Como é possível dar uma festa para adolescentes do
ensino médio sem álcool para ajudar os adultos a aguentarem? Tenho um
estoque secreto nesse cooler aqui. O que vai querer, Shannon?
— Tem vinho branco?
— É pra já. — Morgan virou para mim. — Você também gostaria de
tomar um vinho? Ou tenho cerveja, se preferir.
— Vinho branco seria ótimo.
Morgan pegou dois copos descartáveis vermelhos e nos serviu com
Chardonnay. Acho que ela era oficialmente a hostess da festa.
— Quer ir sentar àquela mesa comigo? — Shannon me perguntou.
— Claro — respondi, grata pela desculpa para sair daquele lugar em
particular.
Shannon escolheu uma mesa bem ao lado de um dos aquecedores. Após
sentarmos, ela disse:
— Amei a história de como você fez uma surpresa para Rafe.
— É. Foi divertido fazer isso.
— Eu sei que ele sentiu a sua falta.
— Ele me disse que gostaria que eu viesse embora. Estava planejando
ficar mais seis meses, talvez, mas, assim que ele falou isso, eu tive que
voltar.
— O seu relacionamento com ele só se fortaleceu desde que você foi
embora.
— É meio difícil de acreditar, mas tenho que concordar.
Ela olhou para trás por cima do ombro e baixou o volume de voz.
— E você merece um Oscar por conseguir sorrir enquanto estávamos ali.
— Uma expressão preocupada surgiu em seu rosto.
Shannon e eu nunca discutimos sobre meu passado com Dax, mas eu
sabia que ele havia contado tudo a ela. Ela era sua confidente, e era um
alívio conhecer alguém que compreendia o quanto aquilo estava sendo difícil
para mim.
— Não está sendo fácil, mas eu preciso me adaptar a esse novo normal.
Por Rafe. — Tomei um gole de vinho. — E Dax está feliz, não é? É isso que
importa para mim.
Ela estreitou os olhos.
— Você realmente se sente assim, Wren? Pode ser honesta comigo.
Qualquer coisa que Dax me diz, fica comigo. E posso te oferecer a mesma
discrição se quiser desabafar agora. Não importa o que você me diga, eu sei
que vê-lo com ela não deve ser fácil.
Senti um peso ser retirado dos meus ombros.
— Tem razão. — Soltei a respiração que estava prendendo. — Não é
nem um pouco fácil.
Ela apertou os lábios em compreensão.
— Imaginei.
Deslizando um dedo pelo meu copo, perguntei:
— Você gosta dela? Da Morgan?
Ela suspirou e olhou em direção ao local onde Dax estava grelhando
carne.
— Tenho que admitir — ela disse suavemente. — Eu acho, sim, que ele
está feliz. Ele se acalma quando está com ela. Mas, sabe, isso não é
necessariamente um indício positivo. Quando as coisas estavam acontecendo
entre vocês dois há alguns anos, ele era o oposto de calmo. Ele vivia tenso,
desregulado… mas não vejo isso como uma coisa ruim. Acho que, quando
você tem realmente paixão em relação a alguém ou alguma coisa, não fica
nem um pouco calmo. Você fica saltando para lá e para cá de adrenalina.
Você fica calmo quando… se conforma. — Ela fez um gesto vago com a
mão. — De qualquer forma, no fim das contas, minha opinião não significa
nada. E não expressei minha opinião para ele. Ultimamente, tento não
interferir na vida pessoal dele, a menos que ele me peça algum conselho ou
toque no assunto.
Inclinei a cabeça para o lado.
— Mas você não me respondeu se gosta dela.
Mais uma vez, Shannon olhou para onde Morgan estava conversando e
rindo à distância.
— Acho que ela é legal. É assim que me sinto. Não tenho uma opinião
muito forte quanto a ela, de um jeito ou de outro. Ela me respeita. Mas… —
Ela hesitou. — Houve algumas coisas com as quais não concordei muito.
Inclinei-me para a frente.
— Tipo o quê?
— Vou te dar um exemplo. Certa noite, eu estava limpando algumas
coisas quando a ouvi falando com ele sobre retirar a foto de Maren da
parede. Você sabe, aquela na antessala, em que ela está usando seu vestido
de noiva. Ele se negou imediatamente. Fiquei orgulhosa dele por nem ao
menos considerar isso. Quero dizer, isso seria muito desrespeito com Rafe! É
a mãe dele. A única mãe que ele conheceu. Por que alguém iria querer retirar
a foto dela da parede?
Senti meu sangue borbulhar.
— Qual foi o argumento dela? Por que ela queria que ele fizesse isso?
— Bom, ela disse algo do tipo “A casa precisa de uma nova ‘aura’”. Que
já tinha passado tempo suficiente e, se ele queria recomeçar, precisava
desapegar do passado.
Balancei a cabeça.
— Isso é uma loucura para mim, Shannon. Maren está morta. Por que
Morgan se sentiria ameaçada por ela? Porque é disso que se trata.
— Claro que é. Eu sei. É uma loucura para mim também. — Ela
suspirou. — Mas, como eu disse, ele parece estar feliz, de modo geral, e eu
não quis mexer no que está quieto.
Morgan ainda estava grudada ao lado de Dax enquanto ele continuava a
grelhar a carne. Permiti-me olhar por alguns segundos, mas logo me forcei a
desviar. Quando voltei a olhar para Shannon, me dei conta de que ela estava
me observando observá-los.
— Só vou dizer mais uma coisa antes de mudarmos o assunto para a
França, porque quero saber tudo sobre a sua viagem — ela disse.
— Ok…
— Eu queria que as coisas fossem diferentes, Wren. O que ele sentia por
você era genuíno. Mas também entendo o dilema que vocês encararam. Eu
provavelmente teria feito a mesma escolha se fosse ele, por mais difícil que
tivesse sido. E acho que você fez a coisa certa ao ir embora quando foi, para
colocar um espaço entre vocês dois. Mas, como eu disse, eu queria que as
coisas fossem diferentes, porque eu te acho absolutamente fantástica.
Baixei o olhar.
— Você vai me fazer chorar.
Ela pousou uma das mãos em meu braço.
— Awn, desculpe. Não foi a minha intenção.
Respirei fundo e, então, passei a meia hora seguinte recapitulando meu
tempo na França para Shannon enquanto a tenda se enchia de adolescentes
que queriam devorar a comida que estava sendo servida. A equipe do bufê
havia trazido dois tipos de purê de batatas, salada de macarrão, salada verde,
milho fresco na espiga e a salada de repolho mais deliciosa que eu já tinha
provado. Para a sobremesa, havia um bolo enorme com uma pista de corrida
no topo.
Dax ficou na churrasqueira durante a maior parte da tarde, atendendo aos
pedidos dos meninos.
Depois que comemos, Shannon foi embora porque tinha planos com seu
marido, então, pela primeira vez no dia todo, fiquei sentada sozinha.
No entanto, isso não durou muito, porque, alguns minutos depois, um
homem lindo surgiu na cadeira ao lado da minha. Ele tinha cabelos loiros,
olhos azuis e dentes brilhantes. O aquecedor soprou um pouco de seu cheiro
incrível na minha direção.
— Você deve ser a Wren. — Ele estendeu a mão. — Morgan me falou
muito sobre você. Eu sou o Dylan.
A demanda na churrasqueira tinha finalmente diminuído, mas eu queria
ainda ter coisas para fazer. Pelo menos, assim, eu poderia me distrair com
outra coisa e não ter que ficar aqui lutando para não olhar para Wren.
Para meu desgosto, Morgan havia convidado seu associado, Dylan
Valeri, para o churrasco sem me avisar antes. Eu não teria dito a ela que ele
não poderia vir, mas um aviso ao menos me prepararia para isso ― um aviso
de que eu teria que testemunhá-lo se engraçando todo para Wren.
Meu lado egoísta esperava que Morgan tivesse se esquecido de
apresentar os dois. Eu sabia que suas intenções eram boas, mas não
precisava assistir a isso de camarote.
E então, me dei conta. Olhe só o que estou dizendo. Por que eu deveria
ser poupado de ver Wren com outro homem quando ela não podia evitar ter
que me ver com Morgan? Isso era exatamente o que eu merecia.
Morgan inclinou-se para mim ao olhá-los.
— Eles parecem estar se dando bem, não é?
Enfiei o garfo de maneira exagerada no meu bolo.
— É, parece que sim.
— Que bom que pensei em convidá-lo.
Cerrei os dentes.
— É. Você não mencionou que ele vinha.
— Eu sei. Desculpe. Me esqueci completamente de te dizer. Tudo bem,
não é?
— Claro — murmurei.
Eles pareciam mesmo estar se dando bem. Wren riu mais de uma vez de
algo que ele disse, e sua linguagem corporal parecia indicar que ela estava
gostando dele. Ela mexeu no cabelo e enrolou uma mecha no dedo algumas
vezes.
Meu estômago estava inquieto. Não que eu não quisesse que ela fosse
feliz. Só não queria testemunhar.
Pensei que estava conseguindo me controlar bem, até que vi Wren e
Dylan se levantarem para dar uma volta pelos arredores. Meu pulso acelerou
quando eles desapareceram em meio às árvores. Aparentemente, não vê-los
― mas saber que eles estavam juntos ― era pior do que ter que assistir. Mas
Wren merecia felicidade. Ela merecia o mundo. E se ela ia namorar alguém,
eu preferiria que fosse alguém como Dylan, que tinha a cabeça no lugar, a
alguém que não fosse digno dela. Eu precisava tentar ficar bem com isso,
mesmo que, no momento, eu quisesse fazer um cuecão atômico em Dylan e
sufocá-lo com sua própria cueca.
Morgan interrompeu meus pensamentos.
— Vou pegar outra bebida. Quer alguma coisa?
— Hum? — Pisquei, saindo do transe.
— Uma bebida. Você quer uma?
— Sim. Pegue uma cerveja Sam Adams para mim.
— É pra já.
A culpa começou a se instalar. Minha namorada estava alheia ao
turbilhão em minha mente, o que era uma coisa boa, mas eu continuava me
sentindo inquieto por não ter tido a chance de conversar com Wren o dia
todo. Parecia errado não reconhecer que eu sabia que vir não tinha sido fácil
para ela. Se bem que, talvez, isso não fosse mais necessário; ela parecia estar
muito bem.
Morgan retornou com a minha cerveja, e comprometi-me a redirecionar o
foco da minha atenção para onde pertencia ― minha namorada, não a minha
ex-amada que, no momento, estava curtindo a companhia de outro homem.
Pouco tempo depois, Wren e Dylan ressurgiram e voltaram a sentar à
mesa.
Morgan apertou meu ombro.
— Vamos lá bater um papo com eles.
— Acho que vou ficar aqui curtindo a minha cerveja, se você não se
importar. Foi um dia muito longo.
— Você não vai querer ser mal-educado. Já cumprimentou o Dylan?
Suspirou.
— Na verdade, não.
Ela inclinou a cabeça em direção à mesa deles.
— Vamos.
Me levantei e a segui até onde eles estavam sentados, torcendo para que
isso não deixasse Wren desconfortável.
— Oi, gente — Morgan cumprimentou.
— Oi. — Dylan sorriu e virou para mim. — Ótima festa, Dax. Não
acredito que Rafe venceu o campeonato inteiro.
— É. O garoto é incrível.
Ele virou para Wren.
— Você deve estar tão orgulhosa do seu irmão.
— Estou. — Ela sorriu. — Muito orgulhosa.
Embora Wren estivesse se recusando a fazer contato visual comigo,
tentei puxar assunto com ela.
— Shannon estava te alugando pra caramba mais cedo, não é?
— É. — Ela expirou. — Tínhamos muito papo para pôr em dia.
— Imagino — eu disse, certo de que eu devia ter sido o assunto algumas
vezes.
— Wren estava me contando a história incrível sobre como você usou
um investigador particular para encontrá-la — Dylan falou. — Isso que é um
presente para Rafe.
— É — eu respondi. — Tive sorte. Foi definitivamente… destino.
Meu olhar prendeu-se ao de Wren por um momento, e eu soube no que
ela estava pensando: que, às vezes, o destino podia ser bem fodido. Eu
queria muito poder falar com ela em particular, em algum momento.
Uma hora depois, Dylan anunciou que tinha que ir embora devido a um
evento de família ao qual precisava comparecer, e Wren o levou até seu
carro.
Eu ainda não tinha tido a chance de falar com ela a sós, já que Morgan
estava grudada ao meu lado o tempo todo. O sol estava se pondo, e muitos
dos adolescentes que haviam tomado conta da minha casa estavam
começando a ir embora.
Quando Morgan entrou na casa, fui ver se conseguiria encontrar Wren,
para ao menos me despedir. Eu nem sabia se ela ainda estava ali. Segurando
minha cerveja, caminhei pela parte da frente da casa, onde alguns garotos
estavam entrando em carros e indo embora. Avistei Wren conversando com
Rafe no gramado.
Me aproximei deles.
— Você se divertiu, Rafe?
— Sim. Valeu, mais uma vez. Foi muito maneiro.
— Por nada. — Dei tapinhas em seu ombro. — Você mereceu.
Rafe olhou para nós dois, e como se tivesse lido a minha mente, virou e
saiu andando sem dizer mais nada. Foi um pouco estranho, mas fiquei grato
por poder ficar sozinho com Wren por um momento.
— Não tive uma chance de falar com você o dia todo — eu disse.
Seu sorriso parecia forçado.
— Você precisava falar comigo sobre alguma coisa?
Meu coração apertou.
— Não, Wren. Nada específico.
— Você fez um trabalho fabuloso com essa festa. De verdade.
Assenti.
— Então… você provavelmente deduziu que Morgan convidou Dylan
por sua causa.
— Sim. Não foi preciso muita esperteza.
— Eu não tive nada a ver com isso. — Senti a necessidade de esclarecer.
— Não achei que tivesse.
— Ele… é um sujeito do bem. — Baixei o olhar para minha cerveja por
um momento. — Eu só queria que você soubesse que se quiser sair com
ele… isso não vai me incomodar.
Ela estreitou os olhos.
— Não sabia que precisava da sua permissão.
Arregalei os olhos. Ela interpretou mal meu comentário.
— Você não precisa.
— Bem, que bom. Porque você certamente não pediu a minha permissão
antes de me sujeitar a ver uma mulher se jogando toda em cima de você.
Merda. Isso não estava indo do jeito que eu havia esperado. Abri a boca
para responder, mas ela falou antes que eu pudesse emitir qualquer palavra.
— Mas esse é o novo normal, certo? — Wren olhou para o céu e
balançou a cabeça, parecendo se recompor. — Deus. Me desculpe. Você não
merece a minha grosseria. É que hoje foi… demais.
— Merda. Eu sei, Wren — sussurrei. — Acredite, eu sei. Não precisa
se…
— Aí está você!
Viramos para encontrar Morgan vindo em nossa direção.
Wren endireitou os ombros e forçou um sorriso.
— Oi! Eu estava dizendo ao Dax o quanto essa festa foi incrível.
— Sim. Por sorte, o tempo não estava tão ruim. — Morgan sorriu
sugestivamente. — Posso ser intrometida, Wren?
Wren piscou desconfortavelmente.
— Claro.
— Eu vi você e Dylan trocarem números de telefone antes de ele ir
embora. O que achou dele?
Wren olhou para mim por um milissegundo e assentiu.
— Ele é um cara bacana. Talvez nos encontremos para beber alguma
coisa, qualquer dia desses.
E lá estava. A resposta para a minha dúvida cruel.
— Lindo também, não é? — Morgan piscou.
— Muito. — Wren sorriu.
A cerveja revirou em meu estômago.
— Bem, então meu trabalho está feito. — Morgan abriu um sorriso
enorme.
— Obrigada por pensar em mim — Wren disse.
— Claro. Você é irmã do Rafe. É da família.
Tomei um longo gole.
— É. — Wren me lançou um olhar irritado. — Esse aqui é quase um pai
para mim.
Quase me engasguei com a cerveja. Morgan riu, mas não fazia ideia do
quão doentia aquela piada era.
O rosto de Wren ficou vermelho.
— Estou brincando, é claro.
Engoli.
— Bem… — Wren falou. — Tenho que ir. — Ela virou para Morgan. —
Obrigada, vocês dois, pela tarde agradável.
— Nós que agradecemos por você por ter vindo — Morgan respondeu,
acariciando meu braço.
Os olhos de Wren focaram na mão de Morgan por um instante.
Então ela nos deu as costas, entrou em seu carro e foi embora.

Algumas noites depois, durante o jantar, Morgan soltou uma bomba.


— Dylan me disse que ele e Wren marcaram um encontro nesse fim de
semana.
Eu vinha me preparando para isso, mas ainda derrubei meu garfo, talvez
um pouco alto demais.
— Ah, é?
— Sim. Eu achei ótimo. — Ela examinou meu rosto. — Você não?
— Por que você acharia isso?
— Não sei. Você não parece muito feliz por eu ter apresentado os dois.
Desviei o olhar, e meus olhos pousaram em Rafe do outro lado da mesa.
Ele estava me encarando. Isso fez com que mentir fosse ainda mais difícil.
Mas contar a verdade ― estou com ciúmes ― não era uma opção.
— Você está imaginando coisas — assegurei a ela.
— Achei que talvez você se sentisse protetor em relação a ela, porque é
irmã de Rafe. Você sabe que eu não a apresentaria a ninguém a menos que
tivesse cem por cento de certeza de que era um cara decente. Que é o caso
do Dylan.
Voltei a comer, assentindo uma vez.
— Você tem toda razão. Dylan é ótimo.
— Ok. — Ela soltou um suspiro de alívio. — Enfim… que bom que eles
vão sair juntos.
— Ninguém vai me perguntar o que eu acho do Dylan? — Rafe indagou.
Viramos para ele ao mesmo tempo.
— Desculpe, querido — Morgan disse. — Tem razão. Você o conheceu
na festa. O que acha dele?
Rafe falou com a boca cheia de macarrão:
— Acho que ele é um mala.
Não pude evitar a risada que me escapou pelo nariz. Rafe voltou a comer
sem mais explicações. E Morgan devia ter ficado surpresa demais para
continuar seus questionamentos. Ela apenas ficou alternando olhares entre
nós dois, boquiaberta.
Mais tarde, naquela noite, deitado em minha cama, senti uma vontade
incontrolável de mandar uma mensagem para Wren. Nem ao menos sabia o
que queria dizer a ela. Segurei o celular, e meu dedo ficou pairando sobre o
nome dela na tela por vários minutos. No fim das contas, joguei o aparelho
dentro da gaveta da mesa de cabeceira e a fechei com força. Infelizmente,
isso não fez a vontade insana ir embora.
Não havia nada que eu pudesse dizer a ela que não fosse parecer
inapropriado. Contar que eu sabia sobre seu encontro com Dylan: não. Dar
minha opinião sobre isso? Também não. Dizer que estava pensando nela?
Nem pensar. Mandar qualquer mensagem para ela: inapropriado.
Ainda assim, a necessidade persistia. Então, abri meu laptop e fiz algo
que não fazia há eras. Abri o site do seu canal RenCello. Senti-me um
viciado tendo uma recaída após um longo período de sobriedade. Mas ter
uma recaída através de sua música era muito melhor do que dizer ou fazer
alguma coisa da qual me arrependeria. Isso fazia com que meus sentimentos
fodidos continuassem sendo apenas problema meu, e de mais ninguém.
Wren havia postado um novo vídeo. Olhei para a data e percebi que tinha
sido na noite do churrasco. Era uma versão em violoncelo da música Love is
a Losing Game1, da Amy Winehouse.
1 Em tradução livre, O Amor é Um Jogo de Azar. (N.T.)
Deus, onde ele está?
Eu havia pegado um ônibus para a cidade para encontrar Rafe na
Universidade de Boston para um tour pelo campus. Estava bem ansiosa por
isso, já que conhecia aquela área muito bem. Ficava perto da minha antiga
faculdade, a Faculdade de Música de Boston. Após o passeio, eu planejava
levá-lo para jantar em um dos meus restaurantes favoritos em Kenmore
Square.
Combinamos de nos encontrarmos em frente ao grêmio estudantil às três
horas. Mas já eram três e quinze, e ele ainda não havia chegado. Quinze
minutos não era tanto atraso assim, ainda mais para um adolescente, mas eu
estava começando a ficar paranoica, achando que talvez tivesse entendido o
horário errado. Não seria a primeira vez.
Então, ouvi uma voz atrás de mim.
— Wren? O que está fazendo aqui?
Virei para encarar o dono da voz ― Dax, não Rafe ―, sentindo meu
coração despertar diante de seu lindo rosto. Fazia quase um mês desde que
eu o vira na festa de Rafe, e parecia fazer uma eternidade. Dax estava muito
gostoso usando um casaco preto de lã e um cachecol, seus cabelos
esvoaçando um pouco com o vento. Ele me tirava o fôlego; toda vez que eu
olhava para Dax, era como se fosse a primeira. Eu queria poder correr para
seus braços.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei. — Vim encontrar Rafe
para fazer um tour pela faculdade.
Ele estreitou os olhos.
— Ele me disse para encontrá-lo aqui às três para fazer o mesmo, mas
fiquei preso no trânsito vindo do centro.
— Ele não mencionou que você viria conosco.
Dax coçou o queixo.
— Ele me disse que seríamos somente ele e eu.
Soltei uma respiração pela boca em direção à minha testa.
— A pergunta é… por que estamos aqui e ele não?
— É uma ótima pergunta. Deixe-me ligar para ele. — Dax pegou seu
celular e rolou a tela. Pouco tempo depois, ele disse: — Rafe! Onde você
está? — Ele passou a mão pelos cabelos. — Só pode estar brincando. Eu
tirei o resto do dia de folga para isto. Cancelei duas reuniões importantes. A
sua irmã também está aqui. O tempo dela é igualmente precioso. — Ele
expirou. — Tudo bem. Tudo bem. Vá. — Então, ele fez uma pausa. — O
quê? — Ele riu. — Ok. Tchau. — Ele encerrou a chamada e guardou o
celular de volta no bolso.
Cruzei os braços.
— O que aconteceu?
Ele revirou os olhos.
— Ele disse que esqueceu que tinha chamado nós dois. E,
aparentemente, também esqueceu que tinha um treino extra importante hoje
que seu treinador acrescentou ao cronograma para se preparar para a
próxima temporada. Ele pediu desculpas, mas precisa ser mais responsável
com o tempo das outras pessoas.
— Por que você deu risada antes de encerrar a ligação?
— Ah… — Ele riu mais um pouco. — Porque ele disse “Não é como se
você não já trabalhasse o suficiente. Leve a minha irmã para almoçar e
relaxe”.
Eu vou matá-lo. Forcei-me a respirar fundo.
— Bem, isso explica o atraso.
Dax soltou uma respiração pela boca.
— Enfim… desculpe pela confusão que ele fez. Você precisa ir a algum
lugar agora?
— Não. Assim como você, eu tirei a tarde de folga. Tive algumas
massagens para fazer pela manhã, mas nada mais pelo resto do dia.
— Quer aceitar a sugestão de Rafe e sair daqui e ir comer alguma coisa?
Meu estômago deu uma cambalhota diante da perspectiva de passar
tempo com Dax. Seria platônico, mas eu estava ansiando por sua atenção e
sentia falta de ficar a sós com ele.
— Por que não? — Dei de ombros. — Estou morrendo de fome.
— Eu também. — Ele sorriu. — Sei o lugar perfeito.
— Onde? — perguntei ao sairmos andando. — Porque eu ia sugerir um
lugar. Domino bem essa área.
— Já esteve no The Tavern?
Meu queixo caiu.
— Era esse lugar que eu ia sugerir! É um dos meus favoritos.
— Eles têm a melhor cerveja.
— Eu sei. Eles mesmos que fabricam. E a comida é maravilhosa.
— Bom, mentes brilhantes pensam igual. — Ele piscou.
Quando chegamos ao bar e churrascaria, Dax abriu a porta para mim, e o
cheiro de cerveja e comida frita imediatamente me atingiu em cheio.
Enquanto esperávamos por uma mesa, pensei sobre essa ser somente a
segunda vez que Dax e eu saíamos juntos. Após sermos atendidos pela
hostess, senti o calor de seu corpo atrás de mim ao caminharmos até a mesa.
Enquanto eu examinava o cardápio, ergui o olhar por um momento e o
encontrei me fitando. Minhas bochechas queimaram.
— O que foi? Você está me olhando esquisito.
Ele pousou seu cardápio sobre a mesa.
— Às vezes, ainda é difícil acreditar que você voltou.
— Você estava esperando que eu continuasse longe?
— Claro que não.
A garçonete se aproximou e anotou os pedidos das nossas bebidas.
Depois que ela saiu, dei risada.
— Nunca vou me esquecer da sua expressão quando apareci na sua porta
naquela noite.
Ele sorriu.
— Como foi?
— Como um cervo assustado com faróis. — Pisquei.
— Desculpe se agi como um idiota. Foi surreal ver você bem na minha
frente, quando na última vez em que estivemos juntos antes disso… — Ele
pausou.
— Você estava dentro de mim — terminei sua frase.
Ele arregalou os olhos.
— Sim — sussurrou.
Sentindo um calor me percorrer, fechei o cardápio.
— Bom, pelo menos, Morgan não suspeita de nada.
— Não. Não suspeita. Ela gosta muito de você.
— Você nunca vai contar a ela, não é?
Ele ficou em silêncio por um momento.
— Ainda não decidi.
— Não acho que você deva contar. Não serviria para nada.
— Me sinto culpado por esconder, mas acho que isso a magoaria.
— Exatamente. É melhor que ela não saiba. Qualquer coisa que você fez
antes de conhecê-la não importa. Você não lista todas as outras mulheres
com quem já transou, não é?
Sua expressão ficou séria.
— Você foi muito mais do que somente uma pessoa com quem transei,
Wren.
Sentindo-me pronta para me enfiar em um buraco, olhei em volta.
— Cadê as porcarias dessas bebidas?
A garçonete finalmente apareceu com a seleção de cervejas que pedimos.
Ela colocou duas bandejas com cuidado sobre a mesa.
Ergui um dos copos pequenos.
— Saúde.
Dax ergueu o seu.
— Saúde.
Decidi fazer um brinde mais elaborado.
— Aos passeios pela universidade que se transformam em um almoço
desconfortável com o seu ex. — Virei a primeira cerveja quase inteira. —
Isso deve ajudar a facilitar a situação. — Pisquei, mas notei que ele não
estava rindo. Franzi a testa. — Só estou brincando, Dax.
— Eu sei. É fácil querer entorpecer o desconforto… — Ele bebeu todo o
conteúdo do copo e o bateu na mesa em seguida. — Por falar em coisas que
preciso entorpecer, eu sei que você saiu com o Dylan algumas vezes,
recentemente.
Assenti, lambendo os resquícios de cerveja dos meus lábios.
— Isso te incomoda?
Suas orelhas ficaram um pouco vermelhas.
— É complicado, não é? Não é que eu não queira que você saia com um
sujeito bacana. Mas ver você com outra pessoa sempre vai ser doloroso. É o
que é. Não significa que eu não queira que você seja feliz. Por favor, nunca
ache isso. Como eu te disse antes, Dylan é um cara muito legal.
— Ele é mesmo um cara muito legal. Preenche todos os requisitos, com
certeza. E parece gostar de verdade de mim.
Dax engoliu em eco.
— Bem, que bom, então.
Ergui as sobrancelhas.
— É mesmo?
Ele limpou a testa.
— Por que não seria?
Porque eu ainda te amo.
— Não sei — murmurei.
A tensão no ar se dissipou um pouco quando a garçonete se aproximou
para anotar nossos pedidos de comida. Dax pediu um hambúrguer de frango
empanado e molho picante, enquanto eu optei por um macarrão com queijo e
lagosta.
— Você e Morgan têm planos de morar juntos em breve? — perguntei
quando a garçonete se retirou.
Dax começou a picotar seu guardanapo.
— Falamos, uma vez, sobre isso acontecer depois que Rafe for para a
faculdade. Mas o assunto não surgiu recentemente.
Senti os ciúmes queimando em minha garganta.
— Rafe gosta dela?
— Ele parece gostar. Obviamente, é difícil, já que ela é a primeira pessoa
com quem me envolvo seriamente desde Maren.
— Certo… — murmurei.
Ele abriu e fechou a boca algumas vezes.
— Eu não quis dizer… — Ele balançou a cabeça. — Eu quis dizer que
ela é a primeira pessoa com quem me envolvo seriamente da qual ele sabe.
— Entendi o que você quis dizer. — Olhei para o teto, tentando me
recompor.
Ele bateu o copo na mesa novamente.
— Foda-se esse desconforto, Wren. Fale comigo. Me conte o que está
passando na sua cabeça.
— O que você quer que eu diga?
— Só quero que seja honesta comigo.
Dei uma risada irritada.
— Não quer, não.
— Quero, sim.
Após vários segundos, eu finalmente disse:
— Todos os dias… — Minha voz tremeu. — Eu luto para me forçar a
seguir em frente, Dax. É tudo que tenho a dizer. Não tem como eu não sentir
nada quando olho para você. Minha luta não é para me livrar desses
sentimentos. É para aprender a viver com eles.
Ele respirou fundo e assentiu devagar.
— Eu pensei… — Hesitou. — Pensei que tinha conseguido me livrar dos
meus sentimentos. Ou, pelo menos, enterrá-los bem fundo… até o momento
em que você apareceu na minha porta. Tudo voltou à tona. Como se o tempo
não tivesse passado.
Meu peito comprimiu.
— Ouvir isso deveria me fazer sentir melhor?
— É apenas a verdade. — Ele tomou um longo gole de cerveja e mudou
de assunto. — Está gostando do seu novo emprego de massagista?
Dei de ombros.
— Está indo bem, mas estou me candidatando a cargos de professora de
música. A experiência que consegui na Europa agora me qualifica para um
emprego de professora aqui, embora tenham pouquíssimas vagas pelo
estado.
— Isso é incrível. Você não tinha mencionado isso antes.
Juntei as mãos.
— Bom, tem muita coisa que não discutimos nos últimos anos.
— É melhor eu esclarecer que Rafe nunca mencionou que esse era o seu
plano. Tentei não interrogá-lo demais enquanto você esteve fora. Mas,
sempre que ele me dava alguma informação sobre você, eu guardava com
muito carinho.
— Me identifico com isso.
— Não tinha certeza se ele havia te contado sobre Morgan. Mas,
obviamente, você sabia.
Assenti.
— Saber sobre ela me ajudou a me preparar quando voltei.
— Sabe… ela ficava me pressionando para fazer perfis nas redes sociais.
Mas nunca dei ouvidos. Se eu fizesse, ela me marcaria em tudo, e você me
veria com ela. Eu não queria te chatear.
— Você deve achar que é muito importante para mim. — Ergui uma
sobrancelha. — Estou brincando. — Sorri. — Entendo e aprecio por que fez
isso.
Seus olhos arderam nos meus.
— Senti o quanto você estava desconfortável na noite em que voltou.
— Mas eu preferiria lidar com o desconforto a não te ver. Não quero que
você desapareça da minha vida, especialmente quando Rafe é o nosso
denominador comum. Só tenho que me acostumar às coisas como são agora.
Isso não aconteceu ainda.
— Precisamos de tempo. — Ele expirou. — Por falar em tempo… esse
tempo com você agora foi uma boa surpresa.
Eu sabia que meu irmão havia armado isso de propósito. Mas ele não
conhecia Dax como eu o conhecia. Dax não ia trair sua namorada, ou vacilar
na decisão que tomou em relação a nós. Eu não tinha nem certeza se saber
que Rafe tinha lido seu diário mudaria as coisas. Dax achava que estar
comigo era errado. Essa crença inabalável havia sido o último prego no
nosso caixão antes da minha partida para a Europa.
A comida chegou, e conseguimos mudar a conversa para tópicos mais
leves durante a refeição.
Depois que terminei de comer, tomei um longo gole do meu último copo
de cerveja.
— Isso está começando a fazer efeito.
Ele deu risada.
— Também estou sentindo.
— Infelizmente… — Limpei minha boca. — Quanto mais eu bebo, mais
sinto vontade de te interrogar. Essa é a última coisa que eu deveria fazer,
porque as coisas que quero saber também são as que não quero saber.
Ele assentiu.
— Sinto que sempre tivemos o tipo de relacionamento no qual fomos
honestos um com o outro, mesmo que doesse.
Analisei sua expressão.
— Você parece feliz… mas está mesmo?
Ele despedaçou mais um pouco do guardanapo.
— Evoluí bastante desde que você me conheceu. Não estou mais tão
infeliz. Rafe e eu finalmente temos o tipo de relacionamento que eu gostaria
que tivéssemos. As coisas não são perfeitas, mas estou orgulhoso do ponto
em que me encontro.
— As coisas com Morgan não são perfeitas? — Inclinei a cabeça para o
lado.
— As coisas com Morgan são boas. Mas nada é perfeito.
Nós éramos perfeitos. Pelo menos, era o que parecia.
— Você se vê casando com ela?
Ele ficou quieto por um momento.
— Ela gostaria disso.
— E você? — Meu coração acelerou.
— Não vejo a necessidade de me casar de novo.
— Você faria isso por ela?
Ele mordiscou o lábio.
— Não estamos nesse ponto ainda.
Ainda.
— Ela aceitaria em um piscar de olhos, se você pedisse — eu disse.
— Você deve ter razão.
— Você está se segurando e me dando as mínimas respostas possíveis
agora porque não quer me magoar.
— Me culpa por isso?
— Eu aguento. Eu aguento tudo, Dax. Se pude aguentar ir embora para a
Europa depois do melhor sexo da minha vida com o homem que eu… —
Parei para escolher as palavras com cuidado. —… gostava muito, posso
aguentar qualquer coisa.
— Não sei se eu aguento saber de tudo, Wren.
Inclinei a cabeça.
— Está falando do Dylan?
— Fiquei com ciúmes quando tive que te ver com ele na festa de Rafe.
— Deu para ver no seu rosto. — Ri um pouco. — Fiquei satisfeita,
porque pelo menos eu soube que não era a única.
Ele assentiu e desviou o olhar.
— Você está bem? — perguntei.
— Como assim?
— Quero saber se você está bem, no geral. Tem alguma coisa que
aconteceu na sua vida e você não me contou?
Ele sorriu.
— Isso me lembra de quando você me fez essa pergunta assim que nos
conhecemos. Até hoje, você foi a única pessoa que já me perguntou se estou
bem.
— Você está?
Ele balançou a cabeça lentamente.
— Não.
Arregalei os olhos em choque.
— Não?
— Não, não estou. Não desde que você voltou. — O guardanapo agora
estava todo picotado. Ele empurrou os pedaços para o lado. — Assisti ao seu
canal, uma noite dessas. Foi a primeira vez que o abri desde que tomei a
decisão de parar. Me senti como um viciado em recuperação tendo uma
recaída.
— Por que você fez isso?
— Foi uma alternativa a te mandar mensagem, porque eu sabia que isso
seria errado.
Meu coração se encheu de esperança, e senti vontade de socá-lo.
— Você quis me mandar mensagem?
— Me senti estranho por te ver e não poder…
— Eu nunca disse que você não podia me mandar mensagem.
— Eu sei. — Ele olhou em volta do ambiente antes de tornar a olhar para
mim. — Tive medo do rumo que isso podia tomar. Eu estava tentando fazer
a coisa certa. Assistir ao seu canal foi um meio-termo. — Ele sorriu. — Mas
ouvir você tocar novamente foi maravilhoso.
— Fico feliz por você ter voltado, mesmo que tenha sido por apenas uma
noite.
— Você tocou aquela música da Amy Winehouse, e o vídeo foi postado
na noite da festa. Fiquei pensando se…
— Se eu a escolhi por sua causa? Que convencido da sua parte, não
acha? — Dei uma piscadela para ele.
Eu não ia admitir, mesmo que fosse óbvio que a minha escolha de música
não foi uma coincidência. Nunca imaginei que ele acessaria novamente
depois que parou. Mas, lá no fundo, eu ainda ansiava por sua atenção tanto
quanto antes.
Mudei de assunto.
— Aconteceu algo novo em relação à situação com os seus familiares?
Teve alguma notícia de algum deles? — perguntei.
Ele tomou um gole de sua cerveja.
— Isso é outra caixa de Pandora.
— Por quê?
— Não, não tive notícias deles. Mas Morgan parece achar que vou me
arrepender se não tentar resolver as coisas, pelo menos com meus irmãos.
Ela tem tentado me convencer a ligar para eles. Isso tem sido um ponto de
discórdia entre nós, ultimamente.
— Não importa o que ela acha. Como você se sente?
— Meu instinto me diz que essa não é a coisa certa a fazer. É claro que
sempre me arrependerei por tê-los perdido, mas como é possível perdoar
pessoas que não assumiram culpa alguma? Ou nem ao menos tentaram pedir
o meu perdão?
Assenti.
— Concordo com você, Dax. Você não fez nada de errado ao ir atrás dos
seus sonhos. Não deve nada a eles. Foram eles que te cortaram. A iniciativa
tem que vir deles. Foda-se isso.
Ele assentiu.
— Se um dos meus irmãos fizesse o mínimo esforço para me contatar, eu
estaria aberto a isso. Mas eles foram horríveis comigo naquele tempo. Nem
ao menos me contataram depois que Maren morreu. E eu sei que ficaram
sabendo através de amigos.
Balancei a cabeça.
— Deus, isso é doentio.
Ele começou a picotar mais pedaços de guardanapo.
— Enfim, estou arruinando totalmente o clima.
— Fui eu que perguntei sobre isso.
— Sabe — ele disse —, a sua família é pequena, só você e o seu pai.
Mas você tem sorte. Chuck é um homem incrível. Ele era tão bondoso com
Rafe quando ia nos visitar enquanto você estava fora.
— Eu sei que tenho sorte. Ele é tudo para mim.
— Tenho certeza de que ele espera que você acabe encontrando alguém
que te mereça, para que ele não precise se preocupar.
— Ele só quer que eu acabe encontrando uma boa pessoa. — Ergui os
ombros. — Quem sabe? Talvez eu encontre. E, quer saber? Eu não seria a
única pessoa navegando sozinha por essa vida. Se esse for o meu destino,
tudo bem, por mim.
— Acredite, você não vai acabar sozinha.
— É mesmo. — Pisquei. — Tenho Rafe. Graças a você.
— Isso é verdade. — Ele sorriu.
— Mas, quanto a Dylan, porque eu sei que você quer me perguntar mais
sobre ele, estamos deixando as coisas rolarem.
As orelhas de Dax ficaram vermelhas novamente.
— Então, você vai continuar saindo com ele…
— Alguma razão pela qual eu não deveria?
Por que não consigo parar de ficar forçando? A culpa é do álcool.
— Não — ele murmurou antes de tomar mais um longo gole de cerveja.
Joguei meu guardanapo na mesa. Por mais tenso que aquele almoço
tivesse sido, eu não queria ir embora. Porque ir embora do restaurante
significaria ter que voltar para o nosso “novo normal”. Eu preferia ficar
nessa bolha regada a cerveja em que éramos apenas Dax e eu conversando
sobre a vida.
Acabamos pedindo mais uma bandeja de cervejas para cada um e
continuamos conversando por pelo menos mais uma hora antes de eu
finalmente sugerir que fôssemos embora.
— Esse dia acabou se tornando uma surpresa agradável — ele disse.
— Nós sabemos ficar bêbados.
— Isso, sim. — Ele riu. — Normalmente, eu te levaria no meu carro de
volta para o seu, mas acho que nenhum de nós está em condições de dirigir.
Sei que você não entra em Uber sozinha, então que tal compartilharmos um?
Pedirei ao motorista que deixe você primeiro.
— Parece ser a única opção. Obrigada.
Dax pegou meu casaco do cabide perto da nossa mesa. Ele o segurou
aberto para mim. Ergui meu cabelo brevemente enquanto ele posicionava o
casaco em meus ombros. Congelei quando senti sua mão em minha nuca.
— O que é isso? — ele perguntou. — Você fez uma tatuagem?
Merda. Merda. Merda. O álcool tinha diminuído meu foco, e não pensei
direito quando ergui o cabelo.
Ele roçou o polegar em minha pele. Por mais envergonhada que eu
estivesse por ter que explicar isso a ele, fechei os olhos de prazer diante de
seu toque quente.
— Eu estava tendo dias um tanto ruins na França… — expliquei. — Fui
a Paris com alguns amigos à noite, e fiz essa…
— Isso deveria ser… eu? — ele perguntou.
Assenti, vendo meu maior medo se confirmar. Ele se recordava da vez
em que eu dissera que ele me lembrava um cervo. A tatuagem retratava a
cabeça em formato V de um pequeno cervo com chifres. Era pequena, mas
aparentemente não o suficiente para ele não notar.
— Uau. — Ele fechou os dedos lentamente em meu pescoço, segurando-
o delicadamente antes de remover a mão de repente, como se tivesse se dado
conta de que estava vacilando.
Ele pigarreou.
— Estou… lisonjeado, eu acho.
— E eu estou envergonhada — eu disse, sentindo o corpo ainda em
chamas.
— Envergonhada? Por quê?
— Ah, não sei… porque isso me faz parecer meio louca, talvez?
— Você é meio louca. — Ele piscou. — Mas eu amo isso em você.
Você também me amou, um dia.
Dei de ombros.
— É a única coisa permanente que tenho relacionado a nós. Imaginei que
ninguém mais saberia o significado, além de mim. E com certeza nunca
pretendi deixar você ver. Nem sabia se você se lembraria que te comparei a
um cervo, uma vez.
— Alguma chance de isso ter sido na mesma noite do… alabastro?
Meu coração quase parou. Aff. A mensagem bêbada do alabastro. Outra
coisa que eu esperava que ele tivesse esquecido.
— Não, não foi — informei a ele. — E pensei que você tinha dito que
nunca mais tocaria nesse assunto.
Ele abriu um sorriso malicioso.
— Eu ainda a tenho. Li várias vezes enquanto você estava longe.
— Ótimo.
Uma noite, enquanto estava um pouco bêbada em Paris, mandei uma
mensagem infame para Dax. Na manhã seguinte, mandei outra pedindo
desculpas.
Dax pegou seu celular. Ele não precisou rolar muito a tela até encontrá-
la.
Ele virou o aparelho para mim, e encolhi-me ao ler.
Wren: Nunca me dei conta do quanto a palavra alabastro é estranha.
Ouvi a vida inteira, mas nunca soube o que raios significava.
Aparentemente, é uma cor. Um branco-neve. É a exata cor da concha
do seu escritório que quebrei. Isso me lembra de como você quebrou
o meu coração. Você é um alabosta, Moody.
A mensagem logo abaixo dizia:
Wren: AI, MEU DEUS! Por favor, desconsidere isso! Eu bebi demais
ontem à noite. Nem me lembro de escrever isso. Você não é um bosta.
Eu sou uma bosta por mandar isso. Que constrangedor. Desculpe!
Ele respondeu algumas horas depois.
Dax: Sem problemas. Já esqueci.
Na época, fiquei analisando demais a brevidade de sua resposta. Ele tinha
ficado bravo? Estava tentando me dar um desconto e não fazer disso um
grande problema? Ele não se importava mais comigo? Carreguei as palavras
“já esqueci” nos ombros por mais de um ano, porque foram as últimas
palavras que recebi dele por muito tempo. Já esqueci. Já nos esqueci.
— Você disse “já esqueci”, mas, claramente, não esqueceu — eu disse a
ele.
— Nunca esqueci um único segundo, Wren. De nenhum momento.
Nossos olhares se prenderam, e senti minhas bochechas queimarem.
— Você deve ter pensado que eu era a maior idiota do mundo quando
recebeu aquela mensagem.
— Na verdade, eu estava dormindo com o celular no modo silencioso
quando você mandou a primeira. Então, vi a mensagem de desculpas
primeiro.
— Bem, graças a Deus por isso. Achei que a demora em responder
tivesse sido por você não saber o que dizer diante daquela loucura.
Ele balançou a cabeça.
— Me lembro de ficar triste. Triste por você estar magoada quando
deveria estar se divertindo. Mesmo que tenha sido efêmero e induzido pelo
álcool, aquilo me fez perceber que você estava guardando muita dor quando
se tratava de mim… a exata dor que eu estava guardando, mesmo que já
tivesse passado mais de um ano. Mas, sabe, o álcool acaba trazendo nossos
sentimentos mais profundos à tona.
Ficamos de pé no meio do restaurante, presos em um transe. Sentindo
minhas emoções me consumirem, pigarreei e tentei cortar a tensão.
— Bom, eu gostaria de esquecer sobre o alabastro, se não se importar. E
agora que você viu a minha tatuagem, já posso usar meu cabelo em um rabo
de cavalo. — Abotoei meu casaco, pronta para fugir do desejo que me
esmurrava. — Enfim, é melhor irmos embora.
Seus olhos se demoraram nos meus.
— Sim. É melhor.
Durante a corrida de Uber para a minha casa, percebi que Dax ficava me
olhando de relance, como se quisesse dizer alguma coisa. Mas ele
permaneceu calado. De vez em quando, eu olhava para suas lindas mãos,
desejando poder entrelaçar meus dedos aos dele ou trazer uma de suas mãos
para minha boca e beijá-la.
Quando o carro parou em frente à minha casa, eu disse:
— Obrigada por hoje. Foi bem divertido.
Ele fez aspas no ar.
— Divertido entre aspas?
— Divertido como ir ao dentista.
Ele jogou a cabeça para trás, rindo.
— Nossa… que cruel.
Dei risadinhas.
— Vou ficar no carro. Não vou te levar até a porta, porque não quero que
Chuck me veja e entenda errado.
— Ele está trabalhando. Mas é melhor que você não faça isso, de
qualquer forma.
Porque eu daria qualquer coisa para você entrar comigo e me foder até
eu não aguentar mais.
— Certo. — Ele assentiu. — Boa noite, Wren.
— Boa noite, Moody.
Ele sorriu.
Mesmo que não pudéssemos ficar juntos, ele sempre seria o meu Moody.
Uma semana após meu jantar de última hora com Wren em Kenmore
Square, eu estava sentado à mesa de frente para Morgan quando meu celular
apitou com uma mensagem.
Wren: Queria te avisar que Dylan me convidou para ir com ele à
festa de aniversário do escritório de advocacia. Não queria que você
fosse pego de surpresa. Não que precise de um aviso sobre a minha
presença, mas achei estranho não te contar com antecedência.
Morgan inclinou a cabeça.
— Quem é?
Sentindo-me culpado, guardei meu celular no bolso.
— Wren. Ela queria me avisar que Dylan a convidou para a festa da
empresa.
— Ah, sim. Ele mencionou isso. — Ela mastigou. — As coisas parecem
estar indo muito bem entre eles.
Enchi minha boca de macarrão e murmurei:
— É.
Fiquei aliviado por ela não perguntar por que Wren sentiu a necessidade
de me mandar aquela mensagem com a notícia. Morgan confiava em mim e
nunca adivinharia que eu tivera uma história com a irmã de Rafe. O restante
do jantar foi tranquilo, porém eu estava me roendo para responder Wren.
Não queria que ela achasse que fiquei chateado.
Morgan acabou voltando para seu apartamento, e mais cedo do que ela
costumava ir, já que teria que acordar cedo para uma reunião no dia seguinte.
Depois que ela foi embora, finalmente respondi à mensagem de Wren.
Dax: Obrigado pelo aviso. Agradeço mesmo. Como você está?
Wren: Estou bem.
Pensei em deixar nossa troca de mensagens por isso mesmo. Mas não
consegui.
Dax: Você tocou O Cisne no último vídeo.
Wren: Toquei.
Dax: Fazia um tempo que você não a tocava. É a minha favorita.
Wren: Eu sei. Foi por isso que toquei.
Meu coração acelerou. Que porra estou fazendo? A culpa me consumiu.
Ultimamente, não estava sendo fácil. Eu não tinha parado de assistir ao canal
de Wren desde a minha recaída. E sabia que isso não tinha somente a ver
com gostar de sua música. Era para me manter conectado a ela da única
maneira que julgava apropriada. Convenci a mim mesmo de que era um ato
inocente. Mas não era, era?
Enquanto ponderava se mandava mais mensagens ou não, Rafe colocou a
cabeça para dentro do meu quarto. Aturdido, enfiei o celular debaixo das
cobertas.
— O que foi? — Engoli em seco.
— Posso faltar à aula amanhã?
Estreitei os olhos.
— Por quê?
— Passei a noite acordado estudando ontem. Ainda não estou preparado
para a prova. Se não puder ficar em casa amanhã, vou ter que passar a noite
acordado de novo.
Senti um cheiro peculiar. Eu sabia o que era, mas não entendi por que
Rafe estava com aquele cheiro.
— Você está usando perfume? — perguntei.
Ele piscou.
— Não. Mas borrifei no meu quarto. É… da mamãe.
— Eu sei — sussurrei. — Onde você o conseguiu?
— Uma vez, saí com Wren e disse a ela que a mulher que estava na nossa
frente na fila tinha o mesmo cheiro que eu lembrava que a mamãe tinha. Ela
perguntou à mulher qual era o nome do perfume que ela estava usando, e ela
nos disse.
— Quelquer Fleurs — sussurrei.
— Sim, esse mesmo.
— Você comprou?
— Wren comprou para mim. Foi parte do presente que ela me trouxe no
dia da festa. Ela me deu dinheiro e um frasco daquele perfume.
Uau. Isso me atingiu em cheio nas emoções. Que gesto doce.
— Bem, isso foi muito gentil da parte dela.
Parecendo um pouco envergonhado, ele se remexeu no lugar e mudou
logo de assunto.
— Você não respondeu se posso ficar em casa amanhã.
— Você está se esforçando demais nos treinos de corrida. Isso está
começando a cobrar o preço, Rafe.
— Quero muito conseguir uma bolsa. Se eu diminuir tanto a corrida
quanto as notas, isso não vai acontecer.
— Você sabe que temos boas condições financeiras para te mandar para
uma faculdade, não é? Não precisa se preocupar em conseguir uma bolsa.
— Você sempre me deu tudo. É importante que eu consiga conquistar
isso por mérito próprio.
Ponderei aquilo por um momento e, então, abri um pequeno sorriso.
— Você é mais parecido comigo do que pensei.
— Como assim?
— Você sabe que me afastei da minha família, não é? Isso foi porque eu
estava determinado a ser bem-sucedido por conta própria, em vez de aceitar
um emprego que me seria entregue de mão beijada. Então, entendo como
você se sente. Tudo bem trabalhar duro, contanto que saiba que não será o
fim do mundo se não conseguir uma bolsa. A sua saúde mental é mais
importante.
— Então, posso ficar em casa amanhã? Porque isso vai ser bom para a
minha saúde mental.
Eu tinha que dar crédito a ele por usar meu conselho para seu benefício.
— Vou dizer que sim, porque você nunca fez isso antes. Mas não pode
ser uma coisa frequente.
Ele ergueu a mão em uma saudação.
— Entendido.
Pensei que ele fosse sair correndo do quarto como costumava fazer
depois que conseguia o que queria. Mas, ao invés disso, ele continuou na
porta.
— Minha irmã me disse que vai à festa do escritório de advocacia com
aquele tal de Dylan.
Pigarreei e assenti.
— Aham.
— Eu perguntei se ela queria sair na sexta-feira, mas ela disse que não
podia ir ao cinema comigo e Kelsey porque o Dylan a tinha convidado… —
Ele pausou. — Não sei se gosto daquele cara. Ele parece… perfeito demais,
sei lá.
Ergui as sobrancelhas.
— Perfeição é uma coisa ruim?
— Não confio em pessoas que parecem perfeitas demais. Geralmente,
elas estão escondendo alguma coisa. — Ele hesitou. — Acho que era por
isso que eu não gostava de você, no começo. Você parecia perfeito demais
quando a minha mãe nos apresentou. Depois, quando pude te conhecer
melhor, me dei conta de que você tinha muitos defeitos.
Dei risada.
— Obrigado… eu acho.
— A Morgan meio que parece perfeita também. Quase como se fosse
boa demais para ser verdade. Então, não sei se confio nela.
Era a primeira vez que ele falava sobre Morgan desse jeito. Eu queria
ouvir mais. Estreitei os olhos.
— Pensei que você gostasse da Morgan.
— Tem algumas coisas que gosto nela, mas outras, não.
Endireitei as costas contra a cabeceira da cama.
— Você pode ser mais específico?
— Não gosto do jeito que ela age como se mandasse na casa quando está
aqui. Ela nem mora aqui.
— É só isso?
— E eu a ouvi dizendo para você tirar a foto da mamãe da parede, uma
vez.
Merda.
— Ah. — Assenti. — Você sabe que eu nunca faria isso, não é?
— Bem, eu só acho que ao menos pensar em te pedir isso diz muito
sobre ela.
— Por que você nunca expressou essa preocupação antes?
— Porque não acho que seja da minha conta, e achei que não importaria.
Olhei-o diretamente nos olhos.
— A sua opinião importa muito para mim.
Nos encaramos por alguns segundos antes de ele virar em direção ao
corredor.
— Enfim, tenho que ir estudar — ele disse.
— Você deveria dormir esta noite e estudar pela manhã, já que ficará em
casa.
— É. — Ele deu de ombros. — Talvez.
Ele já tinha saído quando o chamei novamente.
— Rafe?
Ele voltou.
— O quê?
Essa conversa foi mais um lembrete sobre qual deveria ser a minha
prioridade: Rafe.
— Gostei desse lance de conversar. Deveríamos fazer isso mais vezes.
Ele revirou os olhos antes de desaparecer pelo corredor.

Ao final daquela semana, a noite que eu estava temendo finalmente havia


chegado.
A festa de 25 anos do escritório de advocacia Seifert e Goldstein era um
evento black-tie realizado no grande salão de festas do Four Seasons. Eu
estava usando meu smoking esta noite, e Morgan, um vestido longo preto de
lantejoulas. Ela estava linda, o que não era surpresa porque Morgan era uma
mulher bonita que sempre se vestia para impressionar ― pernas compridas,
cabelos dourados e sedosos, pele perfeita, dentes brancos. Meus olhos
deveriam estar grudados nela e só nela. Em vez disso, eu estava procurando
Wren em todos os lugares, mesmo sabendo que seria difícil vê-la de braços
dados com Dylan.
Contudo, talvez fosse exatamente disso que eu precisava ― um
despertar, uma motivação para parar de percorrer esse caminho de destruição
emocional no qual eu parecia estar. Eu já havia chegado ao ponto de “cague
ou saia da moita” com Morgan. E precisava deixar Wren em paz e permitir
que ela seguisse em frente com sua vida. E se a minha situação atual estava
me causando tanto estresse, talvez eu também precisasse considerar se ficar
sozinho seria uma opção melhor para mim.
Não era justo planejar um futuro com Morgan se meu coração pertencia a
outra pessoa. Mesmo que eu não pudesse ficar com Wren, minha inabilidade
de parar de pensar nela dizia muita coisa. Para completar, essa situação
estava me dando déjà vu. Eu queria muito que as coisas dessem certo com
Morgan… assim como quisera que as coisas desse certo com Maren. As
duas tinham meu respeito e admiração. Mas nenhuma delas me fizera sentir
o que Wren fazia.
Por fora, Morgan combinava comigo. Ela era igualmente bem-sucedida,
e eu não tinha que me preocupar com ela me querendo pelos motivos
errados. Ela me fazia feliz desde que ficamos juntos, e eu era capaz de ver
um futuro com ela. Mas depois que Wren voltou, comecei a questionar tudo.
E os comentários de Rafe sobre Morgan na outra noite me deixaram
inquieto. Eu tinha me incomodado quando ela sugeriu que eu tirasse a foto
de Maren da parede, mas não tinha mais pensado nisso até ele tocar no
assunto. Na época, atribuí o pedido dela à insegurança. Porém, quanto mais
eu pensava sobre isso, mais sentia que era inapropriado. Teria sido uma coisa
se Maren e eu tivéssemos nos divorciado. Mas aquela foto era uma das
únicas lembranças físicas que Rafe tinha dela.
Eu precisava controlar minhas ruminações. Ainda estava cedo demais
para seguir por esse caminho. Morgan e eu estávamos sentados à nossa
mesa, e uma banda de jazz tocava ao vivo em um canto. Decidindo aliviar
um pouco da minha energia nervosa, me levantei. Apertando o ombro de
Morgan, perguntei:
— O que você quer beber?
— Estou a fim de uma vodca com água com gás e limão — ela
respondeu com um sorriso.
— É pra já.
Fui até o bar e esperei na fila, que era basicamente uma longa fileira de
smokings e vestidos compridos cintilantes. O cheiro de colônias masculinas
e perfumes femininos no ar era quase tóxico. Assim como o cheiro do
dinheiro.
Em determinando momento, olhei para a minha direita, e ali estava ela.
Wren estava de pé na entrada do salão. Estava usando um vestido longo
vermelho e os cabelos cor de cobre presos em um coque. Ela estava ainda
mais esplêndida do que imaginei que estaria. E Dylan estava bem ao seu
lado. Uma onda de adrenalina me percorreu quando notei a mão dele na
parte baixa das costas dela. Tentando não encarar, desviei minha atenção de
volta para o bar e recusei-me a olhar para eles até que tivesse que fazer isso à
força.
Finalmente peguei nossas bebidas e voltei para a mesa onde Morgan me
aguardava. Mas meus passos desaceleraram quando percebi que Dylan e
Wren haviam se juntado a ela.
— Oi, Dax — Dylan me cumprimentou. — Como vai?
— Bem. — Forcei um sorriso ao colocar as bebidas sobre a mesa. —
Vocês dois estão deslumbrantes.
— Obrigada. Você também — Wren disse, e nossos olhares se
encontraram por um momento.
Sentei-me e tomei um longo gole da vodca que pedi.
Morgan pousou a mão em meu braço.
— Aproveito qualquer oportunidade para ver meu namorado lindo
usando smoking. — Ela virou para Wren. — Esse vestido é magnífico.
— O seu também.
— Essa velharia? — Morgan riu. — Obrigada. Mas, sério, o seu é de
tirar o fôlego. Vermelho é definitivamente a sua cor.
— Ora, muito obrigado — Dylan respondeu. — Fui eu que escolhi.
Inspirei com força. Ele está escolhendo roupas para ela? Isso explicava
por que ela estava com os peitos quase saltando para fora.
— Eu nunca poderia pagar por esse vestido — Wren falou. — Mas acho
que Dylan não queria que eu aparecesse de macacão ou jeans rasgados,
então tomou as rédeas da situação.
Eu gostaria de tomar as rédeas em minhas mãos agora mesmo e
estrangulá-lo com elas.
A propósito, ela ficaria tão linda quanto usando sua calça jeans rasgada e
blusa caída no ombro. Eu amava o estilo casual de Wren.
Sentindo que estava prestes a ficar perdido em minha própria mente de
novo, forcei uma conversa com Dylan.
— Morgan me contou sobre o novo cliente que você ajudou o escritório a
conseguir — comentei. — Abbott é uma empresa enorme. Parabéns.
— Valeu, cara. Fico muito grato.
— Você não mencionou isso — Wren disse a ele. — Isso é incrível.
— Obrigado, linda. Eu ia te contar esta noite.
Engolindo o gosto amargo em minha boca, desviei meu olhar deles e
foquei na banda de jazz.
O resto da noite foi mais do mesmo. Eu olhava para eles, notava Dylan
tocando a perna de Wren ou acariciando suas costas, e forçava meus olhos a
desviarem. Em determinado momento, durante o jantar, lutei para engolir
minha comida quando vi Dylan comer algo do prato de Wren.
Após a refeição, Morgan e eu nos levantamos para dançar. Dylan e Wren
fizeram o mesmo um minuto depois. Uma ou duas vezes, os olhos de Wren
encontraram os meus conforme nós quatro nos movíamos pela pista de
dança. Eu me forçava a desviar, porém não demorava muito a tornar a olhar
para ela. Mas ela também estava olhando para mim. Quando Dylan começou
a passar os dedos sobre a tatuagem de cervo na nuca dela, comecei a suar. Se
ele soubesse…
Enquanto me perguntava que história ela havia contado a ele sobre o
desenho em sua pele, fui acometido por um sentimento possessivo. Senti
como se essa noite fosse um ponto de virada. Eu estava me enganando se
achava que podia lidar com essa dinâmica. Eu não tinha superado Wren.
Nem um pouco.
Ela é minha, porra. Ela sempre foi minha.
Então, o que me restava? Eu não podia fazer com Morgan o que fizera
com Maren. Não podia me casar com uma pessoa pela qual não estava
completamente apaixonado. Eu sabia que só iria repetir a minha história de
magoar mulheres com as quais me importava. Você não pode se apaixonar
por alguém quando já está apaixonado por outra pessoa. Caramba, como
isso era uma coisa difícil de perceber quando a pessoa que você amava
estava, no momento, nos braços de outro homem ― e quando você jurou
que nunca poderia ficar com ela, de qualquer forma.
Quando a dança terminou, senti que precisava de um intervalo. Pedi
licença para ir ao banheiro. Durante muito tempo depois de mijar, fiquei na
pia, encarando o homem no espelho e me odiando pelo que eu sabia que
viria em seguida. Eu tinha que descobrir como terminar com Morgan. Estava
prestes a magoar mais uma mulher com a qual me importava porque não
podia controlar meus sentimentos. Com Maren, meu pecado havia sido não
amá-la com paixão suficiente. Com Morgan, meu pecado era amar
secretamente outra pessoa.
Afrouxei minha gravata-borboleta em volta do pescoço e me preparei
para voltar para fora. Ao sair do banheiro, deparei-me com Wren esperando
no pequeno corredor. Seu rosto estava tão vermelho quanto seu vestido.
— Você está bem? — perguntei.
Ela balançou a cabeça.
— Nem um pouco.
— Pensei que você estivesse feliz.
— Bem, eu não estou. Sou apenas melhor atriz que você.
Meu coração acelerou.
— As coisas não estão indo bem com ele? É tudo atuação?
— Estão indo tão bem quanto possível. Mas você sabe que não tem a ver
com ele. — Wren respirou fundo. — Você achou mesmo que eu poderia
simplesmente vir embora e desligar meus sentimentos por você tão
facilmente?
— Eu queria que você pudesse — eu disse.
— Bem, eu não posso. Não posso desligar meus sentimentos por você,
como você parece poder fazer com os seus por mim.
— É isso que você pensa? — Olhei nos olhos dela. — Está errada, Wren.
Muito errada. Você não viu no meu rosto essa noite? Não consigo tirar os
olhos de você por um segundo. — Olhei em direção ao salão para me
certificar de que ninguém estava vindo. — Tudo que eu faço é magoar as
pessoas, porra — sussurrei.
— Você não deve nada a ninguém, Dax. Nem a Morgan. Nem a mim.
Nem mesmo a Rafe. Você deve a si mesmo a honestidade sobre como quer
viver o resto da sua vida. Porque a vida é curta. — Ela começou a chorar.
Porra. Minha mente acelerou. Talvez eu precisasse contar a Rafe. Talvez
essa fosse a única solução. E então, assim que tive esse pensamento,
comecei a duvidar se seria a coisa certa. Mas eu não podia mais viver assim,
e precisava fazer alguma coisa. Não importava a decisão que eu tomasse,
alguém ia se machucar.
Assenti.
— Eu vou resolver isso, Wren. Eu…
— O que está acontecendo? — A voz de Morgan era áspera. Ela olhou
para Wren. — Por que ela está chorando?
Eu estava vigiando a entrada do salão, mas ela tinha surgido de outra
direção.
Wren e eu ficamos calados. Torci para que minha expressão não
parecesse tão culpada quanto a dela.
Wren enxugou os olhos.
— Eu sinto muito — ela disse ao passar com pressa por nós, voltando
para o salão.
Sozinho com Morgan, eu soube que aquele era o momento.
Não vou mentir para ela.
Não vou mentir.
Cansei de viver a porra de uma mentira.
O olhar suspeito de Morgan foi se agravando a cada segundo em que eu
permanecia calado. Ficamos de frente um para o outro.
— Vai dizer alguma coisa? — ela finalmente perguntou. — O que diabos
está acontecendo?
— Precisamos conversar em particular.
Ela aumentou o tom de voz.
— Não. Me conte bem aqui. Agora mesmo.
— Lá fora na varanda — insisti. — Por favor.
Relutante, ela me seguiu conforme me dirigi para as portas francesas.
Quando chegamos ao lado de fora, não perdi tempo e disse logo a verdade.
— Antes de ela ir para Europa, Wren e eu… nos envolvemos.
O queixo de Morgan caiu lentamente.
— O quê?
— Eu sei que você está chocada.
Ela parecia prestes a explodir.
— Rafe sabe disso?
A menção ao nome dele fez meu peito doer.
— Não.
Morgan fez uma careta.
— Como você pôde se envolver com a irmã dele?
O ar estava frio, mas limpei suor da minha testa.
— É mais complicado do que uma simples resposta. Ela e eu nos
conectamos antes de Rafe saber que ela era sua irmã. Não foi algo que
planejei. Wren e eu somos adultos, e simplesmente aconteceu. Terminamos
tudo antes de ela ir embora, porque parecia a coisa certa a fazer.
Ela cruzou os braços de maneira protetora.
— E você nunca pensou em me contar esse pequeno detalhe?
— Eu não queria te magoar. Foi somente por isso.
— Descobrir desse jeito foi melhor? Flagrando vocês em uma briguinha
de casal? — Ela bufou. — Então… o que… por que ela estava chorando?
Ela ainda te quer?
Quando não respondi, ela tirou sua própria conclusão. E acertou na
mosca.
— Você ainda a quer.
Respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos.
— As coisas entre nós ficaram mal resolvidas quando ela foi embora para
a Europa. E mesmo que tenha passado muito tempo, acho que as coisas entre
nós ainda não estão resolvidas.
— Por que você se envolveu comigo se ainda era apaixonado por outra
pessoa, porra?
Passei as mãos pelos cabelos.
— Pensei que havia superado isso. Tenho sentimentos verdadeiros e nada
além de um respeito enorme por você.
Como esperado, sua raiva foi crescendo a cada segundo.
— Que merda, Dax. Não posso ficar com você, se gosta de outra pessoa.
— Ela gritou para o céu. — Quase um ano da minha vida pelo ralo.
— Não foi minha intenção desperdiçar o seu tempo, Morgan.
A brisa da noite soprou seus cabelos enquanto ela balançava a cabeça.
— Bem, desfrute. Agora, você está livre para ficar com a sua vadiazinha.
Alto lá.
— Você pode ficar brava comigo o quanto quiser, mas deixe-a fora disso.
Ela não fez nada de errado, e com certeza não é uma vadia.
— Somente uma vadia transaria com o padrasto do irmão. — Ela
apontou para mim. — E você… quem transa com a irmã do enteado? — Ela
massageou as têmporas. — Deus, fico tonta só por dizer isso em voz alta.
Me sentia quase aliviado por ela estar sendo tão severa, porque diminuía
o baque de magoá-la. Talvez eu merecesse, mas ainda tentei me defender.
— Não foi algo tão simples, por mais que você queira fazer parecer que
foi. Não nos conhecíamos há muito tempo antes de desenvolvermos uma
conexão. E Rafe e eu não éramos tão próximos como agora.
— Essa é a sua desculpa? Se você não acha que isso é vergonhoso, então
por que não conta a ele? — Quando não respondi, sua expressão mudou. —
O que será que ele acharia se eu contasse? — Ela deu uma risada diabólica.
Aquilo mexeu comigo. Eu não sabia se ela estava falando sério, mas se
Rafe tivesse que descobrir um dia, teria que ser por mim, e por mais
ninguém. Só por cima do meu cadáver.
— Por que você ao menos brincaria com uma coisa dessas? Acha que é
divertido magoar um garoto? — Fechei os olhos por um momento. — Olha,
entendo que você esteja chocada e chateada. Não te culpo nem um pouco.
Mas a sua atitude nesse momento está me surpreendendo. Eu não te traí,
nem faria isso. Você chegou em um momento em que Wren e eu estávamos
conversando, e sinto muito por isso. Eu…
— Quer saber? — Ela começou a voltar para dentro. — Vou pegar um
Uber e ir embora. Não temos mais nada a dizer um para o outro. — Ela
balançou a cabeça. — Não acredito nisso.
— Precisamos conversar quando você estiver menos bêbada e menos
zangada — falei conforme ela se afastava, embora soubesse que não havia
muita coisa a dizer.
Acabou.

Na manhã seguinte, a paranoia me consumia. Não quis fazer uma cena


ainda maior, então fui embora da festa logo após o confronto com Morgan.
Será que ela faria algo imprudente para se vingar de mim? Ela garantiria que
Rafe descobrisse sobre mim e Wren?
Mais ainda, como eu deveria lidar com o fato de que não sabia viver sem
Wren? Fiquei vacilando entre contar a verdade a Rafe e jurar nunca deixar
que ele descobrisse. Será que ele entenderia? Me perdoaria? Ele era mais
velho agora, mais maduro. Nós éramos mais próximos agora… isso deixava
o que fiz ainda pior?
Eu havia sobrevivido a muitas coisas: a separação da minha família, a
morte da minha esposa, perder Wren. Mas acho que não poderia sobreviver a
magoar aquele garoto quando eu era a única constante em sua vida ―
quando ele era a única constante na minha.
Pousei os cotovelos sobre a mesa da cozinha e apoiei a cabeça nas mãos.
Rafe tinha saído cedo pela manhã para um treino de corrida, então
felizmente ele não teria que me ver nesse estado. Eu precisava usar esse
tempo para decidir qual seria o meu próximo passo.
— Oi. — Ouvi alguém falar.
Ergui a cabeça e me deparei com Rafe na entrada da cozinha.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, meu coração martelando.
— Pensei que estivesse no treino.
— Não estou me sentindo muito bem, então disse ao treinador que
precisava descansar. Peguei uma carona para casa.
— Você nunca falta aos treinos. Mesmo quando está doente.
Ele ignorou meu comentário.
— Por que você estava com a cabeça nas mãos?
— Eu só… estou passando por algumas coisas.
Ele continuou de pé na entrada da cozinha.
— É por causa da minha irmã?
Congelei.
Tudo que consegui emitir foi:
— O quê?
— Você está triste por que está apaixonado pela minha irmã?
O quê? Senti um pânico apertar meu peito. Morgan. Porra, ela contou a
ele.
— Morgan te disse alguma coisa?
— Não. — Ele balançou a cabeça. — Eu fiz… uma coisa ruim.
Ele fez uma coisa ruim?
— Do que você está falando?
— Eu li o seu diário.
Minha garganta pareceu se fechar.
— Você… o quê?
Sua voz ficou trêmula.
— Eu li o seu diário. Alguns meses atrás, fui até a gaveta da sua mesa de
cabeceira para procurar camisinhas, e encontrei uma caixa de charutos. Não
esperava encontrar um caderno dentro dela, e não pretendia ler, mas a página
que abri tinha o nome da minha irmã. Então, continuei lendo.
Ah, não.
— Então, você sabe disso há meses?
— Sim. Foi logo depois do Dia de Ação de Graças, alguns meses antes
de ela voltar. Eu nunca ia te contar. Não queria que ficasse bravo comigo.
Mas hoje de manhã, antes de sair, vi a dor nos seus olhos, e soube que tinha
que fazer alguma coisa.
Esfreguei meu rosto. As surpresas não paravam de surgir.
— Depois que encontrei o diário, confrontei Wren.
Olhei para ele. Wren sabe disso?
— Mas a fiz jurar que manteria isso em segredo, porque tinha medo de te
contar o que fiz.
Enterrei o rosto nas mãos novamente, sentindo-me envergonhado. Sequer
me lembrava do que escrevera. Tudo naquele diário eram meus pensamentos
despejados e desordenados, principalmente sobre a noite em que Wren fora
embora para a Europa. Mas eu sabia que havia escrito sobre ter transado com
ela. Também me lembrava de ter escrito sobre estar apaixonado por ela.
— Nem imagino o que você deve pensar de mim agora — eu disse. —
Sinto muito por você ter descoberto dessa forma.
— Bom, você nunca ia me contar. Então, acho que eu nunca saberia.
— Tem razão. Eu não queria te magoar. Por muito tempo, não pretendia
te contar. Nosso relacionamento era tão frágil, no início. A última coisa que
eu queria era te magoar, Rafe. Por favor, saiba isso.
— Eu sei. Eu li tudo. Você disse isso no diário. Também disse que se
apaixonou por ela.
Não fazia mais sentido negar.
— Disse.
— Você ainda a ama?
Sem hesitar, respondi:
— Sim.
Ele assentiu, soltando uma respiração pela boca.
— Não estou bravo. Quero dizer, foi bem estranho quando descobri.
Precisei de um tempo para me acostumar. Mas entendo como aconteceu.
Não é como se ela tivesse crescido comigo. E ela tem a idade mais próxima
da sua do que da minha. Vocês se dão bem. Eu achava que ela era sua
namorada quando a via aqui em casa, antes de saber quem ela realmente era.
— Sério? Você nunca disse isso.
— Eu nunca dizia nada naquele tempo, lembra?
— Com certeza.
— Enfim, Wren me contou que aconteceram umas coisas na festa do
escritório de advocacia ontem à noite. Não quero que ela fique triste. Ou
você. Eu vi o seu rosto hoje no café da manhã. Pude ver o quanto estava
chateado. Eu sabia que você não ia me contar, e eu também nunca ia admitir
o que fiz. Mas não quero mais ver a minha irmã triste. Então, se você me
odiar por ler o seu…
— Calma aí. Odiar você? — interrompi. — Está brincando? Sou eu que
deveria me preocupar se você vai me odiar. O fato de que você leu o meu
diário me deixa desconfortável, claro, mas não te culpo. Você fez o que
qualquer pessoa faria nessa situação.
— Mas eu não precisava ler o negócio inteiro.
— Não, não precisava. Mas entendo por que o fez. Não estou bravo com
você. Sou eu que deveria estar pedindo desculpas. Não quero que me odeie
pelo que eu fiz.
— Eu… quero que você seja feliz — ele disse. — Se for com a minha
irmã, então que seja com a minha irmã. Seja lá o que você pensou que a
verdade faria comigo, estava errado. Eu não te odeio. Nunca te odiei.
Pela primeira vez desde que ele apareceu na cozinha, minha pressão
arterial pareceu se acalmar.
— Quando minha mãe morreu, você poderia ter se mandado — Rafe
acrescentou após um momento. — Você não era meu pai. Nem ao menos era
meu amigo, naquele tempo. Mas você não se mandou. Você ficou. Fez tudo
por mim, mesmo quando nem precisava. Perdeu o sono por minha causa. Se
preocupou com as minhas notas. Conversou com as minhas professoras e
minha terapeuta. E quando comecei a correr, você compareceu à maioria das
competições e torceu por mim da arquibancada. Desde o dia em que a
mamãe morreu, você colocou a minha felicidade em primeiro lugar, acima
até mesmo da sua. Você… me salvou. — Ele pausou. — Eu sou feliz agora,
Dax. Feliz de verdade. — Ele se aproximou de mim e colocou uma das mãos
em meu ombro. — Você também merece ser feliz. — Quando ergui o olhar
para seu rosto, ele disse: — Eu te amo.
Meu peito comprimiu com o coração transbordando que não podia
conter. Nunca pensei que ouviria aquelas palavras saírem da boca de Rafe.
Nunca imaginei que ele se sentisse assim, mas eu já sabia há um bom tempo
que o amava.
Nunca me esqueceria do momento em que me dei conta disso. Há cerca
de um ano, ele caiu no meio da pista durante uma corrida. Foi apenas por
estar desidratado, mas, antes de saber que não era nada sério, senti como se
minha vida estivesse acabando. Percebi, naquele momento, que Rafe era a
minha razão de existir. Ele era a razão de eu ter conhecido Maren. Meu
propósito na vida era ajudar a criá-lo. Eu não precisava de nenhum outro
propósito para me sentir realizado.
Pousei minha mão sobre a dele.
— Eu também te amo, Rafe. Obrigado pelo seu perdão.
— Não há o que perdoar. Vá viver a sua vida antes que fique velho
demais para aproveitá-la.
— Valeu mesmo. — Dei risada. — Você me deu um presente.
Seus olhos encontraram os meus, com uma expressão diferente dessa vez
― um olhar de alerta de um irmão protetor.
— Não o desperdice.
Após o fim de semana, tirei uma folga do trabalho ― coisa que
raramente fazia ― para clarear a mente e pensar nos meus próximos passos.
Eu sabia que precisava terminar com Morgan mais apropriadamente, por
mais desconfortável que fosse ser. Mas quando apareci na casa dela alguns
dias após a minha conversa com Rafe, ela se recusou a falar comigo.
Aparentemente, eu a havia magoado mais do que pensei. Entretanto, depois
de sua reação na festa do escritório, tive ainda mais certeza de que, mesmo
que Wren não existisse, Morgan não era a pessoa certa para mim.
Ela ficou compreensivelmente brava, mas não era desculpa para ameaçar
contar tudo a Rafe. Ninguém deveria se animar com a ideia de traumatizar
alguém. Foi como se um interruptor tivesse sido ligado dentro dela e
demonstrado quem ela realmente era ― um lado seu para o qual eu talvez
tivesse feito vista grossa, o mesmo lado que queria retirar a foto de Maren da
parede sem consideração alguma com o impacto que isso causaria em Rafe.
Além de tudo isso, eu não estava apaixonado por ela. Nunca estive. Isso
estava claro para mim agora.
Morgan colocou uma bolsa de coisas minhas que estavam em seu
apartamento em frente à sua porta e me mandou embora. Ela disse que nunca
mais queria me ver. E talvez isso fosse melhor. Era mais fácil receber sua
raiva do que sua tristeza.
Então, agora que eu não ia mais conversar com Morgan, sabia qual seria
minha próxima parada. Eu não falava com Wren desde a noite da festa, mas
tinha outra pessoa com quem eu precisava falar primeiro. Minha intuição me
dizia que eu precisava começar por ele.
Wren trabalhava pela manhã e, às vezes, até um pouco mais tarde. Em
uma tarde de quarta-feira, passei em frente a sua casa para me certificar de
que seu carro não estava lá. Seu pai, por outro lado, trabalhava à noite e
estava em casa.
Bati à porta.
Quando Chuck abriu, não pareceu muito surpreso em me ver.
— Olá, Dax. Wren está no trabalho.
— Eu sei. Vim para falar com você.
— Ah, é? — Ele deu um passo para o lado. — Bem, entre.
Limpei os pés antes de entrar na casa.
— Eu sei que você sabe sobre mim e Wren. Sei que ela te conta tudo.
Ele virou de costas e saiu andando.
— Você se importa de esperar aqui enquanto vou pegar o meu revólver?
Meu queixo caiu por um segundo, mesmo que eu soubesse que ele devia
estar brincando. Wren devia ter contado a ele que brincamos sobre ele querer
me dar um tiro.
Chuck olhou para trás e apontou para mim.
— A sua cara…
Balancei a cabeça.
— Eu não te culparia se pegasse mesmo uma arma.
— Não quero o seu mal, filho. — Ele apontou para o sofá. — Quer
sentar?
Eu estava com energia nervosa demais para ficar sentado.
— Não, prefiro ficar de pé.
— Tudo bem.
Olhei para o chão antes de encará-lo novamente.
— Olha, eu preciso me desculpar pelo modo como tratei a sua filha.
Brinquei com as emoções dela porque não consegui controlar meus
sentimentos por ela, apesar do fato de acreditar que não poderíamos ficar
juntos. Tomei decisões ruins e, como resultando, a magoei. Eu nunca ia
querer que alguém tratasse a minha filha como tratei a sua.
Ele assentiu.
— Você teve os seus motivos. Essa não era exatamente uma situação
simples. Entendo isso.
— Bom, ainda assim, sinto muito pela maneira como lidei com tudo.
Mas não me arrependo de ter me apaixonado por ela. Tentei parar… mas não
consegui. Isso nunca foi algo que eu pudesse controlar. Vim aqui para
assegurá-lo de que não a magoarei mais.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Como você pretende evitar isso?
— Pretendo apenas… amá-la. Se ela me permitir.
— Ela me contou que Rafe te contou que sabe, e te concedeu sua bênção.
— Chuck abriu um sorriso mínimo. — Tenho certeza de que isso mudou o
jogo.
— Acho que subestimei o nível de maturidade dele.
— Ele é um garoto extraordinário, e em parte por sua causa, sabia? Você
deveria tentar se dar mais crédito por isso. Você o criou. Ele está com você
há mais tempo do que passou com a mãe dele.
Arregalei os olhos. Nunca tinha pensado nisso, mas era verdade. Maren
ficara com Rafe por apenas três anos. Ele já estava comigo há mais de cinco.
— É inacreditável me dar conta disso.
— Nós dois temos muito em comum — Chuck disse. — Nós perdemos
nossas esposas prematuramente. Nós dois ficamos com uma criança para
criar. Nós dois cometemos erros, mesmo que tenhamos feito o melhor que
podíamos.
Assenti.
— Nem sempre entendemos por que a vida acontece como acontece —
ele continuou. — Mas eu arriscaria dizer que ter Rafe na sua vida fez com
que você se tornasse uma pessoa melhor, assim como ele foi sortudo por ter
você quando a mãe morreu. A vida tem um jeito engraçado de funcionar.
Soltei uma longa respiração.
— Meu casamento… não foi dos melhores. E boa parte disso foi culpa
minha. Então, depois que Maren morreu, senti que cuidar de Rafe era algo
que eu devia a ela. Mas, conforme o tempo foi passando, me dei conta de
que não teria uma vida significativa sem ele. Ele me dá um propósito. — Fiz
uma pausa. — Você sabe que sou distante da minha família, não é?
— Sim, Wren mencionou isso.
— Agora eu entendo que família verdadeira é aquela que escolhemos,
não aquela na qual nascemos.
Ele assentiu.
— Mal posso expressar em palavras o quanto amo a minha filha. Quando
Eileen morreu, dediquei minha vida a garantir que Wren fosse bem-cuidada.
Ela definitivamente me deu trabalho durante a adolescência, mas eu não
trocaria um segundo disso por nada. Ela é uma mulher forte. Não precisa de
um homem. Mas eu sempre quis que ela encontrasse alguém que a amasse
tanto quanto eu, fosse homem, mulher ou criança. Não importava. Apenas
alguém para que eu soubesse que ela não ficaria sozinha caso alguma coisa
acontecesse comigo. — Ele sorriu. — Por sua causa, ela agora tem duas
pessoas. Estou certo?
Sorri.
— Sim.
— Então, não há por que pedir desculpas. Tudo bem?
Esse cara tinha acabado de me dar o passe livre mais importante da
minha vida. Eu ainda não tinha certeza se merecia. Mas assenti.
— Você é um bom homem, Chuck. Queria que o meu pai fosse mais
como você.
— Se ele fosse, talvez você não tivesse se tornado quem é hoje: poderoso
e independente. Nossos pais nos moldam. Às vezes, seus aspectos negativos
nos fazem pessoas mais fortes, nos motivam. Podemos aprender com nossos
pais em bons sentidos, mas também podemos aprender com os erros deles. O
seu pai te deu exemplo sobre o que não fazer.
— Acho que você tem razão. Obrigado pela perspectiva. — Dei risada.
— E por não apontar uma arma para mim.
— Ainda há bastante tempo para isso, se algum dia você magoar a minha
filha. — Ele piscou para mim e olhou para o relógio. — Preciso ir trabalhar.
Meu turno na fábrica começa às três. Você é bem-vindo para ficar aqui e
esperar por Wren. Geralmente, ela chega em casa às quatro. Acabamos não
nos vendo nos dias em que tenho que trabalhar.
— Sabe, se você não se importar, seria ótimo. Temos muitas coisas para
conversar.
— Fique à vontade. Aqui não é tão chique quanto a sua casa, mas tem
cerveja na geladeira e alguns donuts na bancada.
— Obrigado, Chuck. Por tudo.
Depois que ele saiu, fiquei sozinho na cozinha, curtindo uma cerveja e
um donut amanhecido. Olhei pela janela e fiquei observando os pássaros se
juntarem em um comedouro. Me senti livre como não acontecia há anos.
Enquanto o sol iluminava a cozinha, senti como se fosse a primeira vez na
eternidade em que eu podia apenas ser eu mesmo com uma consciência
limpa ― livre para cometer erros e me recuperar deles, livre para amar quem
eu quisesse, livre para abrir mão da culpa que carregava desde a morte de
Maren. Senti a euforia de estar verdadeiramente empolgado pelo futuro.
É claro que havia uma coisa muito importante que precisava acontecer.
Eu tinha que explicar tudo isso para Wren. Por isso me limitaria a apenas
uma cerveja. Eu precisava ser completamente coerente.
Noventa minutos se passaram. Eram quatro da tarde agora, e Wren ainda
não havia chegado. Eu poderia ter mandado mensagem para ela, mas queria
fazer uma surpresa. Só torcia para que ela visse a minha presença como algo
bom. Não nos falávamos desde aquela noite no Four Seasons, então eu não
sabia no que ela estava pensando, nem o que havia acontecido com Dylan
depois que Morgan, sem dúvidas, contou a ele o que estava acontecendo.
Sem nada melhor para fazer, subi as escadas para o quarto de Wren.
Lembranças da vez em que fizemos amor ali inundaram a minha mente.
Deitei em seu colchão, deleitando-me com seu cheiro. Em uma das paredes,
notei uma coisa peculiar ― um desenho meu. Reconheci o estilo do artista.
Rafe tinha desenhado aquilo. Quando ele havia me desenhado e dado a
Wren?
Então, ouvi a porta se fechar no andar de baixo e saltei da cama.
Desci as escadas, e Wren sobressaltou-se ao me ver.
— Dax? — Ela pousou a mão no peito. — O que está fazendo aqui?
Você me deu um baita susto.
— Desculpe. Não quis assustar você.
— Está tudo bem com o meu pai?
— Ah, Deus. Claro que sim. Está tudo bem. Ele foi trabalhar. Eu vim
para pedir desculpas ao Chuck, e ele me disse que eu podia ficar aqui até
você chegar.
Seus olhos quase saltaram das órbitas.
— Você veio falar com o meu pai?
— Sim. Conversamos antes de ele sair para o trabalho.
— Então, você está aqui há muito tempo.
— Sim. Mas eu teria esperado para sempre.
— Dax, eu…
— Antes que você diga qualquer coisa, me ouça, ok? Eu preciso dizer
isso.
Ela respirou fundo.
— Tudo bem…
— Você merece muito mais do que o que te dei, Wren. — Soltei uma
respiração trêmula. — Você merece ser adorada, não escondida. Amada
abertamente, não em segredo. Porra, eu sinto tanto se, em algum momento,
você sentiu que eu estava brincando com os seus sentimentos.
Ela balançou a cabeça.
— Você não podia evitar. Era uma situação impossível.
— Não faz com que seja certo. — Me aproximei um passo. — Não entrei
em contato desde aquela noite porque me recusei a encarar você antes de
resolver as minhas merdas. — Fiz uma pausa. — Morgan e eu não estamos
mais juntos, como você já deve ter deduzido. Eu não podia ficar com ela…
quando estou apaixonado por você. — Pausei para olhá-la nos olhos. —
Estou completamente apaixonado por você, Wren McCallister.
Ela pousou uma das mãos no peito.
— Deus… como é bom ouvir você finalmente dizer isso. — Ela soltou o
ar pelo nariz. — Rafe me contou que confessou ter lido o seu diário. Foi
difícil esconder isso de você, mas ele tinha tanto medo de te contar.
— Quero que você saiba de uma coisa. — Segurei sua bochecha. — Rafe
me viu no sábado de manhã com a cabeça baixa, desesperado depois daquela
festa. Eu estava pensando em contar tudo antes de ele me dizer uma palavra.
Ele me salvou de ter que fazer isso. Mas eu já sabia que não podia viver sem
você, e tinha que fazer alguma coisa. Só não tinha descoberto ainda o quê.
Eu sei que só há um fim para essa história, Wren. E é com nós dois juntos.
Seus olhos brilharam.
— Isso significa que tenho que dizer ao Dylan que não vou me casar com
ele?
Meu corpo enrijeceu.
Ela ergueu a mão e beliscou minha bochecha.
— Estou brincando, Moody.
Enfiei a mão em seus cabelos e a puxei para mim.
— Você quase me deu um ataque cardíaco, mulher.
— Eu voltei para a mesa naquela noite, depois que Morgan nos viu
conversando — ela disse. — Esperei lá com Dylan, suspeitando que uma
bomba estava prestes a explodir. Morgan foi até o salão depois de deixar
você e contou tudo ao Dylan bem na minha frente. Depois, foi embora
furiosa. Acredite ou não, ele não foi embora na hora ou ficou me acusando.
Ele só queria entender. Então, fomos embora da festa e conversamos em um
bar que ficava descendo a rua. Ele ainda queria que as coisas dessem certo
entre nós. Realmente é um cara bacana. Mas, no fim das contas, terminei
tudo com ele. Porque amo você. — Ela sorriu. — Você sabe disso.
— Sim. Eu sei. — Deslizei meu braço por suas costas. — Ainda há tanta
coisa que quero dizer, mas não acho que consigo manter minhas mãos longe
de você por mais tempo.
— Tem certeza de que não quer tomar um chá? — ela brincou. — Talvez
devêssemos conversar mais um pouco.
— Acho que já tivemos a nossa parcela de conversas no decorrer dos
anos. As conversas podem esperar, porque eu preciso estar dentro de você.
Puxei seus lábios para os meus, engolindo o sabor familiar pelo qual
tanto ansiei. Esse beijo foi como o oxigênio que me faltou por quase três
anos.
— Vamos lá para cima — ela murmurou.
— Não vamos sair do seu quarto esta noite — murmurei em seus lábios.
— Pelo menos, não até antes de Chuck voltar.
Quando ela envolveu meu pescoço com os braços, seus dedos
encontraram o curativo em minha nuca.
— O que é isso? — ela perguntou. — Você se machucou?
Virei-me para mostrar a ela que não era um machucado. Era um curativo
transparente cobrindo uma tatuagem que eu tinha acabado de fazer.
Ela arfou.
— Ai, meu Deus. Você é louco, Dax.
— Eu sou louco? Você não tem uma tatuagem de um cervo na sua nuca
para me simbolizar?
— Bom, sim. Mas isso é…
— Wren significa passarinho, não é?
Ela cobriu a boca.
— Eu sei. É só que…
Ela encarou o passarinho minúsculo que eu havia tatuado na nuca. Não
era qualquer passarinho. Era o Piu-Piu. Do tamanho de uma moeda de vinte
e cinco centavos.
— Você é louco, Dax Moody! O que te fez escolher o Piu-Piu?
— Ele é um passarinho, não é?
— Como você vai explicar uma tatuagem do Piu-Piu aos seus clientes?
— Direi a eles, com muito orgulho, que é um símbolo da mulher que
amo. Foda-se se acharem estranho. Eu te amo muito, e faria qualquer coisa
para provar.
— Isso definitivamente prova. — Ela riu. — Quando você fez?
— Ontem. — Peguei-a em meus braços. — Que tal pararmos de falar
agora?
Ela deu um gritinho conforme a carreguei pelas escadas.
— Adoro quando você me carrega. É um gesto tão cavalheiresco.
— Nada do que estou prestes a fazer com você será cavalheiresco, Wren.
Nada.
Empolgação preencheu seus olhos conforme a deitei na cama. Pairei
sobre seu corpo e a beijei intensamente enquanto ela se remexia para
remover meu cinto. Após finalmente o retirar, ela o jogou de lado e começou
a empurrar minha calça para baixo. Chutei a peça para terminar de tirá-la.
Ela tirou sua calça, e quando estendi as mãos para puxar sua calcinha, talvez
a tenha rasgado. Retiramos nossas blusas ao mesmo tempo, e elas voaram
pelo quarto. Meu pau doía de desejo, louco para estar dentro dela ― algo
que pensei que nunca mais aconteceria.
Tentei alcançar minha calça para encontrar uma camisinha quando ela
segurou meu rosto entre as mãos para me olhar nos olhos.
— Sem camisinha — ela disse. — Quero te sentir sem nada entre nós.
Meu pau latejou.
— Tem certeza?
— Sim. Eu estava tendo cólicas fortes, então meu médico me receitou
um anticoncepcional. Tudo bem… mas só se você quiser.
Arregalei os olhos.
— Que tipo de pergunta é essa? Tem ideia de quantas vezes fantasiei
sobre gozar dentro de você?
— Agora, você poderá fazer isso pelo resto da sua vida. — Ela sorriu
para mim. — Mal posso esperar para sentir.
— Você está prestes a sentir.
Abri bem suas pernas e a penetrei em um só movimento. Fechei os olhos
brevemente diante do puro prazer de sua boceta quente engolindo meu pau
latejante por inteiro. Eu quis explodir naquele exato momento. Se era
possível sexo ser bom até demais, aquele momento demonstrava isso.
Recuei lentamente e estoquei nela de novo.
— Porra, Wren, isso é melhor do que sonhei.
Os movimentos lentos e ritmados logo deram lugar aos rápidos e fortes, e
a cama começou a sacudir. Parecia que o maldito quarto inteiro estava
sacudindo enquanto eu metia com força nela. Fechei os olhos, tentando
protelar o orgasmo que estava pronto para irromper de mim. Se ela ao menos
movesse os quadris de certa forma, eu não aguentaria. Sabia que seria o
melhor orgasmo da minha vida.
— Goze dentro de mim — ela ofegou. — Por favor… não posso mais
esperar.
Não estava esperando que ela fosse gozar tão rápido, mas não foi preciso
pedir duas vezes. De muito bom grado, deixei que o clímax tomasse conta de
mim, gemendo ao me esvaziar dentro dela. Ela continuou impulsionando os
quadris até nenhum de nós ter mais forças. Não havia sensação melhor do
que essa. Eu soube, de uma vez por todas, que ela era minha.
Ficamos deitados, molengas e saciados, por um momento.
— Vou pegar uma toalha para você — eu disse.
Ela balançou a cabeça.
— Não. Adoro sentir o seu gozo dentro de mim.
Me sentindo como um maldito homem das cavernas, caí novamente na
cama e acariciei seu pescoço com o nariz.
— E agora estou ficando duro de novo.
— Ótimo. — Ela correu os dedos por meu abdômen. — Devo ficar por
cima, dessa vez?
— Espere aí. — Belisquei meu braço. — Desculpe, eu precisava conferir
se não estava sonhando.
Transamos várias vezes naquela noite, e somente às nove da noite,
percebemos que não tínhamos comido nada. Então, pedimos delivery e
comemos em seu quarto. Senti como se quase tudo que eu precisava pelo
resto da vida estivesse ali.
Após comermos, notei novamente o desenho em sua parede.
— Qual é a história por trás daquele desenho?
Ela revirou os olhos.
— Não era para você ter visto isso, sabia? Mas, já que você é um
invasor…
— Foi Rafe que desenhou. Mas quando?
— Eu o encontrei no quarto dele antes de ir embora para a Europa.
Perguntei a ele se podia ficar com o desenho.
— Ele não achou estranho você querer um desenho meu?
— Ah, ele achou estranho, sim. Mas não suspeitou de nada. Ele também
me deu um desenho meu. Achou que eu apenas admirava seu talento. Era a
única imagem que eu tinha sua. Então, guardei com carinho.
— Nossa. É verdade. Nunca tiramos uma foto juntos. — Peguei meu
celular. — Porra, nós precisamos mudar isso.
— Você vai tirar a nossa primeira foto enquanto estamos completamente
pelados debaixo das cobertas?
— Se você concordar. — Segurei o celular diante de nós, colocando na
câmera frontal.
Wren deu risada.
— Considerando que o nosso relacionamento começou com você seminu
debaixo de uma toalha, eu diria que isso combina perfeitamente.
Dax e eu estávamos juntos há seis meses. Bom, éramos apaixonados há
muito mais tempo que isso, mas fazia meio ano que estávamos nos amando
abertamente.
Meu irmão já estava acostumado a me ver na casa deles. Esperamos três
meses até eu começar a dormir lá, mas, desde então, passei quase todas as
noites com Dax. Mesmo que Rafe parecesse não ter problema algum com o
fato de Dax e eu estarmos juntos, sempre tomávamos o cuidado de refrear as
demonstrações de afeto perto dele por cortesia.
As coisas estavam indo tão bem que me vi paranoica, com medo de
alguma coisa dar errado. Eu havia até mesmo conseguido um cargo de
professora de música em uma escola de ensino fundamental na cidade.
Minha vida nunca fora tão realizada, tanto profissional quanto pessoalmente.
Eu tinha que me lembrar constantemente de aproveitar cada dia, ao invés de
ter medo de perder o que eu tinha. Quando eu era mais nova, costumava ficar
obcecada pensando no que faria se alguma coisa acontecesse com o meu pai.
Agora, eu tinha três pessoas na minha vida que tinha medo de perder. Acho
que era um bom problema para se ter.
Eu continuava a fazer vídeos tocando violoncelo para o meu canal
RenCello, mas não mais com tanta frequência. Uma vez, apresentei Dax
como convidado especial e gravei com ele sentado ao meu lado enquanto eu
tocava. Aquele foi o vídeo que mais teve acessos, provavelmente por causa
da curiosidade gerada pelo título, “Conheça Meu Namorado”, e sem contar o
rosto lindo de Dax na foto de capa. Parecia que estávamos completando o
círculo, com o homem que por tanto tempo inspirou a minha música
finalmente ali comigo enquanto eu tocava.
Em uma noite de sexta-feira, em setembro, Dax e eu estávamos sozinhos
em casa enquanto Rafe tinha saído com sua namorada, Kelsey. Ele agora
estava no último ano do ensino médio, então não dava para saber se esse
relacionamento duraria assim que eles fossem para a faculdade. Mas me
contentava em saber que ela o fazia feliz agora.
Era por volta das dez da noite, e Dax estava sentado em sua poltrona
lendo, enquanto eu estava aconchegada no chão, aos seus pés. Até mesmo
Winston já estava acostumado com a minha presença e estava deitado
tranquilamente ali perto, sem emitir um único rosnado. Quanto mais eu
olhava para o meu namorado, mais emocionada ficava. Meus olhos
marejaram.
Dax ergueu o olhar de seu livro.
— Você está chorando?
— Um pouco.
Sua testa franziu.
— Perdi alguma coisa?
— Nada de mais.
— São os óculos de velho? — Ele os retirou. — Sério, o que houve?
— Fiquei emocionada por um momento, lembrando que, quando estava
longe, nunca imaginei que estaria de volta aqui, sentada aos seus pés
enquanto você lê. Pensei que estava tudo acabado para sempre. Me sinto tão
sortuda por não ter que viver o resto da vida sem você.
Ele colocou o livro de lado.
— Ainda sinto que tenho tanto para me redimir com você.
Balancei a cabeça.
— Você não me deve nada. Eu só preciso de você, Dax. Não preciso de
mais nada além de você.
— Não há nada que você queira e ainda não te dei?
Levantei-me e sentei em seu colo, com uma perna em cada lado de seu
corpo. Tinha mais uma coisa que eu queria. Só não sabia se ele também
queria.
— Eu quero ter os seus bebês — eu disse a ele.
Seus olhos se arregalaram.
— Não era exatamente o que eu estava esperando que você fosse dizer.
— Eu sei que isso pode ser pedir demais. Mas é algo que quero, um dia,
um sonho meu. Mas somente com você, e somente se você também quiser.
Não sei como você se sente em relação a ter seus próprios filhos. Nunca
discutimos sobre isso.
Sempre tive medo de tocar nesse assunto, por medo de sua resposta não
ser a que eu queria ouvir. Ele costumava se referir a si mesmo como alguém
que não havia nascido para ser pai, quando Rafe era mais novo. Ele nunca
sentiu que era bom o suficiente para essa função. Mas ele havia certamente
provado o contrário.
— Nunca me imaginei tendo meus próprios filhos… — Ele hesitou. —
Até encontrar você. — Sua boca curvou-se em um sorriso. — Agora? Não
posso imaginar passar por essa vida sem ver uma parte de mim dentro de
você, crescendo e se transformando em um pequeno ser humano. Criar um
filho com você? Ver a mãe incrível que sei que você vai ser? Tudo que
pensei que queria quando você me conheceu saiu voando pela janela quando
me apaixonei por você, Wren.
— Sério? — sussurrei, sentindo-me muito aliviada.
Ele agarrou minha bunda e a apertou.
— Sério, amor.
— Sabe, eu aprendi uma lição enorme na França. — Olhei para a lareira.
— Lá era tão lindo, sabe? Eu me sentava na varanda e ouvia os sons da
minha vizinhança fofinha em Versalhes. Eu finalmente tinha o que pensei
que queria há tanto tempo… tinha viajado para longe e estava
experimentando um território novo, livre para fazer o que quisesse longe de
casa. Mas, quase desde o instante em que cheguei lá, percebi que eu não
tinha nada sem as pessoas que amo. Você, meu pai, Rafe. A vida é sobre as
pessoas que você ama, não lugares. Lugares são apenas pano de fundo, como
o cenário em movimento de um show da Broadway. O que realmente
importa é o elenco de personagens. — Sorri. — Eu podia estar em um café
em Paris, olhando para a Torre Eiffel, mas meu desejo mesmo era estar de
volta a essa sala de estar, simplesmente porque você estava aqui. Tudo que
eu queria era sentar aos seus pés ou no seu colo, exatamente onde estou
agora. As vistas mais lindas do mundo não se comparam a estar com a
pessoa que você ama.
Dax segurou meu rosto entre as mãos e me puxou para um beijo.
— Quero te mostrar uma coisa — ele disse antes de me tirar de seu colo.
Ele subiu as escadas, deixando-me sozinha perto da lareira.
Quando ele voltou, segurava seu diário preto com a flor-de-lis na frente.
O diário que Rafe havia lido.
Eu havia me aconchegado em sua poltrona, então ele sentou-se de frente
para mim no sofá.
Ele ficou olhando para o diário por um tempo antes de falar.
— Por muito tempo, tive muito medo de olhar o que tinha escrito,
sabendo que Rafe havia lido. Mas, recentemente, decidi abri-lo novamente.
Eu tinha que saber o que ele tinha visto. O que você acabou de dizer sobre
como se sentiu olhando para a Torre Eiffel me lembrou de algo que escrevi.
— Ele abriu o diário e passou algumas páginas. — Vou ler para você o que
escrevi na noite em que você foi embora.
Ansiosa, assenti.
— Acabei de deixar a mulher que amo entrar em um avião e me deixar.
Me sinto completamente vazio. Mesmo que eu saiba que Wren e eu
tomamos a decisão certa ao terminarmos as coisas assim, com sua mudança
para a Europa, não faz com que seja mais fácil. Se Rafe um dia descobrisse
sobre nós, ficaria devastado. Então, estou escolhendo machucar a mim, em
vez disso. Porque, do fundo do meu coração, essa é a maior dor que já senti.
Dax virou a página.
— Não pretendia transar com ela esta noite. Mas meu desejo por seu
corpo tomou conta de mim. Esse desejo vinha me esgotando aos poucos, e
eu não tinha mais resiliência. De modo egoísta, eu quis vivenciar isso,
apenas uma vez antes que nunca mais tivesse a chance. Quando ela disse que
precisava de mim da mesma forma, o desejo extremo ultrapassou qualquer
inibição que ainda me restava. — Ele me lançou um olhar rápido. — Estar
dentro de Wren foi, de longe, a melhor coisa que já senti. Saber que isso
também foi uma despedida deixou tudo agridoce. E não poder dizer a ela que
a amava? Essa foi a pior sensação de todas.
Pousei minha mão no peito.
— Uau.
Dax pigarreou.
— Por mais doloroso que seja deixá-la ir, sempre serei grato pelo que
meu tempo com ela me ensinou sobre mim mesmo. Agora, sei que tenho a
capacidade de amar alguém de uma maneira que não achava ser possível.
Agora, entendo que o amor é puro, orgânico, e não algo que pode ser
controlado. Não tem nada a ver com um lugar, ou com circunstâncias da
vida, compatibilidade, ou se você acha que alguém é certo para você. O
amor simplesmente é. E não há nada mais poderoso. Não importa onde você
esteja ou o que está fazendo, contanto que esteja com aquela pessoa. Estou
sentindo o vazio da partida dela com tanta força nesse momento. A dor é
quase insuportável. Mas tenho que ser forte por Rafe. Tenho que superá-la. E
tenho que parar de escrever nesse diário por um tempo. Porque, quando abro
essas páginas, a única coisa sobre a qual quero escrever é ela. Ela era a
mulher da minha vida. E agora, ela se foi. O resto ainda não foi escrito.
Seus olhos encontraram os meus.
Limpando minhas lágrimas, sussurrei:
— E pensar que eu achava que você não me amava.
Ele fechou o caderno.
— Não estava planejando fazer isso hoje. Eu tinha um plano… ia fazer
isso daqui a alguns meses, no Natal. Uma vez, você me disse que odiava o
Natal por causa de um antigo namorado que te largou. Mas esse momento
parece ser o certo. Se teve uma coisa que estar com você me ensinou foi que
não dá para planejar o momento certo. Nada nunca me pareceu mais certo na
minha vida do que você. Eu te amo mais que tudo.
Meu coração acelerou. Ele não estava mais falando sobre ler seu diário
para mim.
Ele abriu o diário novamente e tirou alguma coisa de dentro dele.
Quando o ergueu, vi que era um reluzente anel de diamante.
Com meu coração batendo forte no peito, sentei-me direito ao vê-lo se
aproximar e se ajoelhar diante de mim.
Sua mão tremia enquanto ele estendia o anel para mim.
— Eu seria o homem mais feliz da face da Terra se você aceitasse ser
minha esposa, Wren.
Cobrindo minha boca, fitei o diamante brilhante.
— Você acabou de me pedir em casamento, ou estou sonhando? —
Lágrimas embaçavam meus olhos.
— Não é um sonho. — Ele sorriu.
— Você já é o dono do meu coração. — Balancei a cabeça. — Mas, sim,
eu com certeza aceito me casar com você, Moody.
Dax me puxou para um abraço apertado.
— Sempre adorei te ouvir me chamar de Moody. Só tem um nome que
acho que gosto mais.
— Qual?
Ele me beijou novamente e sorriu.
— Sra. Moody.
Bati à porta.
Quando ele a abriu, não pude evitar comê-lo com os olhos. Ele estava
absolutamente lindo. Seu cabelo estava úmido do banho, e ele usava uma
regata branca que exibia seus músculos.
— Oi, eu sou a Wren. — Pigarreei e estendi a mão.
Ele me olhou de cima a baixo, mas não aceitou minha mão. Que
provocador.
— Prazer em conhecê-la — ele disse, encostando-se contra a porta.
— Vai me deixar entrar? — Dei risada.
— Sim. Deixe-me pegar isto. — Ele pegou minha maca, apoiando-a na
parede.
— Obrigada — eu falei ao entrar, meus saltos clicando contra o piso da
antessala.
Ele balançou a cabeça.
— Eu sou o Dax. Desculpe. Eu deveria ter dito isso. — Ele expirou. —
Acho que fiquei um pouco distraído.
— Já recebeu massagem alguma vez, senhor?
— Não, nunca tirei a roupa para receber uma massagem antes.
— Bem, acho que estamos no mesmo barco, então.
— Você também vai tirar a roupa? — ele brincou.
Arregalei os olhos.
— Não. — Dei risada. — Estou nervosa porque é a minha primeira noite
nesse emprego. Tive treinamento, é claro, só não fui a nenhuma casa ainda.
E certamente nunca massageei alguém tão… — Parei de repente. — Deixa
para lá.
— Não. — Ele deu alguns passos em minha direção. — Diga o que ia
dizer.
— Nunca massageei alguém tão… — Baixei o olhar, erguendo-o
novamente em seguida. — Lindo quanto você.
— Bem… — Ele se aproximou ainda mais. — Estou lisonjeado. — Pude
sentir seu hálito em meu rosto. — Posso ser honesto também?
Minha respiração estremeceu.
— Claro.
— Eu não estava esperando que você fosse tão linda. Estou um pouco
nervoso.
Prendi uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Como profissional, foi muito inadequado eu admitir que o acho
atraente.
— Não vou contar a ninguém. — Seu tom sedutor praticamente penetrou
minha pele. — Adoro a sua honestidade.
Olhei em volta.
— Onde você me quer?
— É uma pergunta meio complexa, não é? — Seus olhos queimaram nos
meus. — Desculpe. Viu só? O inadequado aqui sou eu. — Ele pegou a maca
e começou a me conduzir para seu escritório. — Aqui está bom? — ele
perguntou ao entrarmos.
Olhando em volta, assenti.
— Sim. Esse escritório é fantástico.
Ele caminhou até a janela.
— Vou fechar as persianas.
— É uma boa ideia — concordei.
Dax virou-se para mim e deslizou a mão pela extensão de seu peito.
— Você… quer que eu tire toda a minha roupa?
— Isso é você quem decide.
— Perguntei se você quer que eu tire.
Enrolando, lambi os lábios.
— Sim. Quero dizer, isso facilitaria as coisas.
Eu mal tinha terminado de dizer aquilo antes de ele puxar a regata pela
cabeça, jogando-a de lado. Em seguida, ele abriu a calça, deslizando-a pelas
pernas para retirá-la. Seu pau enorme estava praticamente explodindo em
sua cueca boxer, e havia um pontinho molhado na sua virilha. Salivei com o
desejo intenso de me ajoelhar e tomá-lo em minha boca.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Gosta do que vê?
— Hum… na verdade, sim. Você tem um corpo incrível. — Engoli em
seco. — Não dá para negar.
Ele deslizou um dedo pelo cós de sua cueca.
— Se importa se eu tirar isso também?
Senti meu corpo esquentar.
— Nem um pouco.
Ele abaixou sua cueca boxer. Uma gota de líquido pré-gozo brilhava na
extremidade de seu pau. Minha calcinha já estava molhada, imaginando qual
seria a sensação de sua espessura impressionante entre minhas pernas. Tive
que contrair os músculos para conter minha excitação.
Ele caminhou até a maca e se deitou, seu pau completamente ereto.
— Você começa pelas costas ou pela frente? — ele perguntou.
— Vou começar em você pela frente, se não se importar. Eu deveria
colocar uma toalha sobre a parte inferior do seu corpo, mas não acho que
isso… o conteria.
— Não me importo de ficar sem a toalha, se estiver tudo bem para você.
O desejo se acumulava cada vez mais entre minhas pernas.
— Tudo bem.
Ele apoiou as mãos atrás da cabeça ao se acomodar melhor.
— Ótimo.
Comecei a massagear seu peito, e seus olhos arderam nos meus.
— Você parece querer dizer alguma coisa — sussurrei.
— Não costumo ser tão direto, Wren. Mas estou tendo dificuldades em
manter meus sentimentos escondidos hoje.
— O que você quer dizer? — indaguei.
— Na verdade, quero fazer uma pergunta. Espero que não me entenda
mal.
Minhas mãos deslizaram por seu peito firme.
— Tente.
— Brinquei sobre isso mais cedo… mas, dessa vez, estou falando sério.
Quanto custaria a mais para você tirar a sua roupa também… enquanto me
massageia? Ou isso está totalmente fora de questão? — O canto de sua boca
repuxou. — Sinta-se livre para mandar eu ir me foder, se passei dos limites.
Vou entender.
Fingi ter que pensar no assunto.
— Nunca me pediram para fazer isso antes, então não tenho um preço.
Seria contra as regas da empresa.
Ele envolveu minha mão na sua para me deter por um momento,
erguendo um pouco a cabeça e olhando-me nos olhos.
— Eu quero te ver nua. Quanto tenho que pagar?
Mordi o lábio inferior.
— Se você bater uma e me deixar assistir, eu tiro a minha roupa.
— É uma ótima barganha. — Seus olhos brilharam. — E se estiver
falando sério, acho que temos um acordo.
Dei um passo para trás. Meu peito subiu e desceu enquanto eu o
observava envolver seu pau com a mão e começar a se masturbar.
Desabotoei a parte da frente da minha blusa e a retirei pelos ombros. Em
seguida, abri o botão e o zíper da minha saia jeans, deixando-a cair no chão.
— Porra. — Ele acelerou a mão. — Eu sabia que você não estava usando
sutiã. Os seus peitos são incríveis. Quero gozar neles. — Ele bombeou mais
rápido.
Meu corpo vibrava de excitação conforme retirei minha calcinha.
Completamente nua, deslizei a mão para o meio das minhas pernas enquanto
o assistia se dar prazer.
— Vou gozar tão gostoso olhando para essa boceta lisinha — ele gemeu.
Comecei a massagear meu clitóris. Após um minuto observando um ao
outro, foi como se tivéssemos entrado em uma competição para ver quem
gozaria primeiro.
— Quer saber? — eu disse.
— O quê? — ele perguntou com a voz rouca.
— Mudei de ideia. Não quero assistir você. Quero sentar em você.
Seus olhos ficaram enevoados enquanto ele continuava a segurar o pau.
— Suba logo aqui, então.
Subi na mesa, montando nele antes de posicionar seu pau em minha
entrada. Desci sobre ele, enfiando até o final. Rebolando os quadris, eu o
cavalguei sem dó. Seus olhos reviraram de prazer.
Dax segurou minha bunda, empurrando ainda mais fundo dentro de mim.
— Eu preciso gozar, mas não deveria fazer isso dentro de você — ele
murmurou. — Por mais que eu queira.
Impulsionei os quadris.
— Tudo bem. Vou arriscar, se você topar.
Contraindo-me ao redor dele, cheguei ao orgasmo. Seu corpo estremeceu
conforme seu gozo quente me preenchia. Continuei cavalgando-o lentamente
até nossos ápices se acalmarem. Foi rápido e furioso, exatamente do que
precisávamos, porque não tínhamos todo o tempo do mundo. Na verdade, o
relógio estava passando rápido.
Desabando sobre ele, deitei-me em seu peito e fiquei ouvindo sua
respiração ofegante.
Dax me deu um tapa na bunda.
— Você é uma massoterapeuta muito safada. Eu deveria te reportar.
Uma porta bateu à distância.
— Merda! — ele resmungou.
Desci de cima dele e corri para recolher minhas roupas.
— Eu sabia que não teríamos duas horas inteiras para isso.
Ele vestiu a calça às pressas.
— Pelo menos fui esperto o suficiente para trancar a porta depois de
entrarmos.
Abotoei minha blusa.
— Por que voltaram tão cedo?
— Papai! Mamãe! Cadê vocês? — uma vozinha chamou do outro lado
da porta.
Agora, o cachorro estava latindo enlouquecidamente também. Que
comece o circo. De volta à realidade.
— O combinado era voltarem somente às três — Dax disse ao vestir a
camiseta pela cabeça.
— Papai, você está aí? — Ela estava na porta agora.
Dax abotoou seu cinto.
— Só um segundo, querida!
Pude ouvir a voz de Shannon.
— Fawn, deixe o seu papai aí. Ele deve estar ocupado.
Ela tinha nos sacado, com certeza.
Após nós dois nos vestirmos, Dax tomou fôlego ao destrancar a porta e
abri-la. Ele passou uma das mãos pelos cabelos bagunçados.
— Oi! Vocês voltaram mais cedo!
Shannon examinou o espaço, notando a mesa.
— Como nos velhos tempos.
O cachorro surgiu por trás delas.
— Eu estava fazendo uma massagem nele. — Pigarreei. — Precisava
treinar as minhas habilidades… sabe, caso eu volte a trabalhar com isso,
algum dia.
— Claro. — Shannon sorriu. — Enfim, nós voltamos mais cedo porque a
srta. Fawn decidiu que queria comer macarrão com queijo em casa em vez
de sair para almoçar depois do espetáculo. Mandei uma mensagem para
avisar, Wren, mas acho que você não recebeu.
Meu celular estava no andar de cima, então deu muito certo ― só que
não.
Curvei-me para pegar minha filha nos braços.
— Você se divertiu no teatro?
Ela confirmou com a cabeça.
Elas tinham ido a um espetáculo de O Rei Leão. Nossa garotinha adorava
assistir musicais e filmes.
Em alguns dias, ainda não conseguia acreditar que tinha uma filha. Dax e
eu nos casamos seis meses após nosso noivado. Tivemos uma pequena
cerimônia com a presença somente de Rafe e do meu pai em Bermuda.
Nossa filha de quatro anos, Fawn Rafaela Moody, nasceu menos de um ano
após o casamento. Sempre achei Fawn um nome bonito. Soava parecido com
Wren. Mas quando descobri que significava bebê cervo, tive a certeza de que
esse deveria ser o nome da nossa filha. E ela era a cara do pai, nosso novo
propósito de vida e a menina dos olhos do tio Rafe. Rafe tinha se formado no
MIT recentemente e estava prestes a começar um emprego como engenheiro
de softwares. Ele tinha seu próprio apartamento agora, em Cambridge.
— Do que você mais gostou no musical? — perguntei a ela.
— Eu chorei quando o papai do Simba morreu, mas teve um final feliz.
— Acho que o papai também teve um final feliz — Shannon comentou,
soltando um risinho pelo nariz.
Dei risada, mesmo que Dax tenha feito uma expressão irritada. Eu amava
Shannon. Tínhamos tanta sorte por ela continuar em nossas vidas. Ela já
havia avisado que em poucos anos se aposentaria e iria morar em Nova
Orleans ― de verdade, dessa vez. Mas lidaríamos com isso quando o
momento chegasse.
Depois que Shannon saiu do escritório, nossa filha pareceu ficar
fascinada por alguma coisa que estava em uma das prateleiras de Dax. Ela
apontou.
— Mamãe, o que são aquelas conchas?
Dax e eu congelamos. Ela tinha avistado a concha onde Dax guardava as
cinzas de Maren e a concha menor ao lado dela, que agora guardava as
cinzas de Winston. Era a primeira vez que Fawn apontava para elas.
Nosso amado cachorro falecera logo antes de Fawn nascer, então ela
nunca conhecera nossa grande Bola de Pelos, que por acaso amava mais a
mim antes de morrer. Depois que Winston cruzou a ponte do arco-íris, não
pretendíamos ter outro cachorro. Mas quando Fawn completou um ano,
adotamos um lindo Lulu da Pomerânia branco. Visitamos o abrigo de
cachorros “só para dar uma olhada”, e implorei a Dax que me deixasse levá-
lo para casa. Ele disse que poderíamos com uma condição: que ele
escolhesse o nome. Concordei, é claro, e foi assim que acabamos com nosso
pequeno Alabastro.
— Você nunca notou essas conchas antes, querida? — perguntei.
Ela balançou a cabeça.
— Posso tocar na grandona? — ela indagou.
Dax pareceu reflexivo ao olhar para a concha.
— É uma concha… — eu disse a ela. — Mas tem uma coisa dentro dela
que é muito importante para o papai. Então, não é um brinquedo.
Ela me olhou seriamente.
— Olhe somente de longe. Nunca toque em nenhuma dessas conchas,
ok? Porque elas podem quebrar.
— A mamãe aprendeu isso da maneira mais difícil — Dax se manifestou.
Revirei os olhos, mas, cara, como isso era verdade.
Ele pegou a concha maior da prateleira. Acho que nunca o vira tocá-la,
tirando a vez em que teve que recolher os pedaços quebrados da antiga do
chão. Dax parecia perdido em pensamentos ao olhar para o objeto,
compreensivelmente lembrando-se de Maren e todo o arrependimento e
tristeza que eu sabia que ele sempre carregaria em seu coração.
Ele ajoelhou-se.
— Venha aqui, Fawn.
Ela se aproximou e apoiou-se nele.
— É tão linda, não é? — ele perguntou.
— Sim, papai.
Dax pousou-a cautelosamente próximo à orelha dela.
— Sabia que, se você colocar uma concha contra a orelha e prestar
atenção, dá para ouvir o barulho do mar?
Os agradecimentos são sempre a parte mais difícil de escrever em um
livro. Há muitas pessoas que contribuem para o sucesso de um livro, e é
impossível agradecer adequadamente a cada uma delas.
Em primeiro lugar, preciso agradecer aos leitores de todo o mundo que
continuam apoiando e promovendo meus livros. Seu apoio e incentivo são
minhas razões para continuar esta jornada. E para todos os
blogueiros/bookstagrammers/TikTokers que trabalham incansavelmente
para me apoiar livro após livro, por favor, saibam o quanto eu aprecio
vocês.
Para Vi. A melhor amiga e parceira no crime que eu poderia pedir. Eu
amo criar mundos com você. Foi tão incrível ver você pessoalmente este
ano.
Para Julie. Uma verdadeira guerreira e uma amiga incrível. Este ano,
mais do que qualquer outra pessoa, você me inspirou.
Para Luna. Obrigada por seu amor, apoio e amizade. Aguardo
ansiosamente nossa visita anual o ano todo, mas, enquanto isso, sempre
teremos nossas mensagens diárias. Acordar não seria o mesmo sem você.
Para Erika. É uma coisa da E! Obrigada por seu amor, apoio e amizade e
por sempre guardar pedaços de meus personagens em seu coração.
Para Cheri. Uma amiga e apoiadora incrível. Obrigada por sempre
cuidar de mim e por nunca esquecer uma quarta-feira.
Para Darlene. A melhor confeiteira e amiga do planeta. Obrigada por
sempre me apoiar.
Ao meu grupo de leitores do Facebook, Penelope’s Peeps. Eu adoro
todos vocês. Vocês são a minha casa e lugar favorito para estar.
Para minha extraordinária agente, Kimberly Brower. Obrigada por tudo
que você faz e por colocar meus livros no mundo.
À minha editora, Jessica Royer Ocken. É sempre um prazer trabalhar
com você. Espero que venham muitas outras experiências.
Para Elaine, da Allusion Publishing. Obrigada por ser a melhor revisora,
diagramadora e amiga que uma garota poderia pedir.
Para Julia Griffis, do The Romance Bibliophile. Seu olho de águia é
incrível. Obrigada pela maravilha que é trabalhar com você.
Para minha assistente, Brooke. Obrigada pelo trabalho duro cuidando de
todas as coisas que Vi e eu nunca conseguimos fazer. Nós te agradecemos
muito!
Para Kylie e Jo, da Give Me Books. Vocês são realmente as melhores!
Obrigada pelo trabalho incansável de divulgação. Eu estaria perdida sem
vocês.
Para Letitia Hasser, da RBA Designs. Minha incrível designer de capas.
Obrigada por sempre trabalhar comigo até deixar o produto final perfeito.
Para meu marido. Obrigada por sempre cuidar de muito mais do que
deveria para que eu possa escrever. Eu te amo muito.
Para os melhores pais do mundo. Tenho muita sorte de ter vocês!
Obrigada por tudo que já fizeram por mim e por estarem sempre ao meu
lado.
Por último, mas não menos importante, para minha filha e meu filho. A
mamãe ama vocês. Vocês são a minha motivação e inspiração!
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