TEXTO 2 Saude e Hosp
TEXTO 2 Saude e Hosp
TEXTO 2 Saude e Hosp
Tânia Rudnicki
3 níveis do pensamento
A Terapia Cognitivo-Comportamental trabalha com três níveis de
pensamento: o pensamento automático, as crenças intermediárias ou
subjacentes e as crenças centrais. Os pensamentos automáticos são espon pensamentos
automáticos
tâneos e fluem a partir dos acontecimentos do dia a dia, independentemente
de deliberação ou de raciocínio. Podem ser ativados por eventos externos
e internos, aparecem sob forma verbal ou como imagem mental. É o
nível mais superficial da nossa cognição. Trata-se de ideias e conceitos a
respeito de nós mesmos, das pessoas e do mundo. São aceitos passiva-
mente, sem grandes questionamentos, mantidos e reforçados sistemati
camente (Beck, 2013). crenças intermediárias
Quanto às crenças intermediárias, estas correspondem ao segundo
nível de pensamento e não são diretamente relacionadas às situações, ocor
rendo sob a forma de suposições ou regras. Derivam e reforçam as crenças crenças
centrais
centrais, que constituem o nível mais profundo da estrutura cognitiva e são
compostas por ideias absolutistas, rígidas e globais que um indivíduo tem
sobre si mesmo. No atendimento em ambiente hospitalar, esse conceito
mais enraizado e cristalizado acerca de si mesmo, dos outros e do mundo,
constituído desde as experiências infantis, que se solidifica e se fortalece ao
longo da vida, moldando, assim, a forma de ser e de agir da pessoa, é pouco
utilizado, salvo em atendimentos a pacientes crônicos com os quais o
psicólogo tem contato mais sistemático (Beck, 2013).
A TCC reinterpreta os elementos que geram emoção negativa. Tem
como princípio básico a proposição de que não é uma situação que deter
mina as emoções e os comportamentos de um indivíduo, mas sim suas
cognições ou interpretações a respeito da situação, as quais refletem formas
idiossincráticas de processar informação. Com base nesse princípio e na
hipótese da primazia das cognições proposta por Beck, a Terapia Cognitiva
busca a reestruturação cognitiva a partir de uma conceituação cognitiva do
paciente e de seus problemas. Reestruturação cognitiva refere-se à refor
mulação do sistema de esquemas e crenças do paciente mediante a inter
venção clínica que, entre outras técnicas, utiliza-se do questionamento so
crático a fim de desafiar esquemas e crenças disfuncionais, os quais, ao
longo do desenvolvimento do paciente, tornaram-se rígidos e supergenera
lizados (Freeman & Power, 2007).
34 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral
diagnóstica de câncer: “Eu sei que eu faço muitas coisas certas para minha
saúde, mas ainda me sinto como se eu fosse um fracasso” (“rotulando”);
paciente internado em enfermaria geral de um Hospital Universitário: “Os
médicos não prestam... E psicólogo é para louco... Eu não sou... Não
preciso!” (magnificação/minimização); paciente renal com indicação de
cirurgia para fístula arteriovenosa: “Não conseguir fazer esta cirurgia, isso
mostra para todos que sou uma medrosa. Conseguir fazer não significa que
eu sou corajosa” (“filtro mental”, abstração seletiva); doente renal em
hemodiálise: “Eu não consigo fazer nada certo do que o doutor manda...
Isso me diz que o que estou fazendo é péssimo” (“leitura mental”): paciente
oncológico, iniciando quimioterapia: “Ele está pensando que eu não sei
nada sobre estes remédios ai...” (supergeneralização); paciente em trata
mento de hemodiálise há mais de seis anos: “Eu não tenho motivos para
me cuidar. Não devia ter ficado doente; estou causando sofrimento para
todos da minha família. Não aguento mais isso. Um dia peguei minha mãe
chorando e é tudo por minha culpa...” (personalização); paciente em
avaliação por doença infectocontagiosa: “O doutor ficou brabo comigo
porque eu fiz uma coisa errada na hora dos exames...” (declarações do tipo
“eu deveria e eu devo”); doente renal em hemodiálise: “É terrível que eu
tenha cometido um erro. Eu deveria dar o melhor de mim e acertar sempre”
(“visão em túnel”); pai de jovem hospitalizado pós-acidente de moto: “O
doutor do meu filho não sabe fazer nada direito. Ele é muito crítico,
insensível e nos trata mal (inferência arbitrária); uma forma ou padrão de
perceber o mundo de forma errada, muitas vezes longe da realidade: “Não
quero, tenho medo, é muito arriscado. Eu sei que, de cada 50 pacientes
transplantados, apenas um sobrevive”.
Dentre as técnicas cognitivas comumente utilizadas no espaço
hospitalar, está a psicoeducação, que inclui: a determinação do significado
idiossincrático, cujo objetivo é questionar qual o significado da verbalização
do paciente; o questionamento de evidências: exame das fontes de infor
mação; a reatribuição: distribuir a responsabilidade pela situação; a ação de
“descatastrofizar”: objetiva neutralizar as expectativas negativas, sendo um
procedimento que leva o paciente a identificar seus piores temores per
Psicologia da Saúde 37
guntando o que de pior poderia lhe acontecer. É útil para os casos em que
a pessoa prediz importantes consequências negativas para os acontecimentos,
atribuindo-se poucos poderes para enfrentá-las; ao mudar o foco de aten
ção, chegará à conclusão de que poderá, sim, enfrentá-las. Importante levar
o paciente a centrar sua atenção na conduta de enfrentamento, perguntando:
“e se isso acontecer, o que você faria?”. Conduz-se o tratamento dessa for
ma, quando o paciente repete ou indica que é o pior. Mostrar a ele que se
pode sempre fazer algo para resolver um problema, que a situação pode
não ser tão terrível, que pode ser apenas incômoda. Outra técnica é incen
tivar o paciente a falar de imagens que lhe vêm à cabeça: consequências
imaginárias; além das vantagens e desvantagens, avaliando todos os aspectos
da situação, e a descoberta orientada: “e então”; “o que isto significa”; “o
que aconteceria neste caso” (Caballo, 2008).
Entre as técnicas comportamentais mais usadas no espaço hospitalar
estão o programa de atividades; o treinamento em habilidades sociais (THS);
a biblioterapia; o relaxamento; a identificação de alvos comportamentais
(déficits e excessos); a instrução para planejamento de atividades e progra
mação de recompensa; o estímulo ao aumento de autogratificações; o
estímulo e a construção de estratégias para a diminuição do tempo de ru
minação; e avaliação e estímulo às necessidades do paciente para modificar
hábitos alimentares e de higiene.
As técnicas cognitivas são associadas nos seguintes grupos de conexão
entre pensamentos: situações ativadoras e evocação de afetos negativos; no uso
da busca de evidências e distorções cognitivas; no uso de experimentos; explo-
ração de crenças e pressupostos subjacentes. É importante esclarecer que o
acesso às crenças é realizado nos casos de paciente crônico ou de alguma pato-
logia/trauma que exija um tempo de hospitalização mais prolongado, caso
contrário, são trabalhados os PAs e os comportamentos; conforme o ABC
de Ellis: A – eixo ativador; B – pensamentos e crenças; e C – consequências
emocionais. Albert Ellis criou a teoria do “ABC” emocional, nome críptico
que serve para facilitar o trabalho didático e educativo. Tratou de estabelecer
as principais crenças irracionais que na sua maioria dividimos na sociedade
ocidental, seja por educação, tendências biológicas, influências sociais etc., e
38 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral
Considerações finais