Farmacologia Aplicada À Optometria

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Farmacologia

Aplicada à
Optometria
Farmacologia Aplicada à Optometria. – Mateus Santana Lopes. – GWT Editora, 2024. 1ª Edição.

67 p. ; 21 cm

Introdução à farmacologia. Farmacocinética. Farmacodinâmica. Farmacologia do sistema nervoso


autônomo. Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares. Referências.

Direitos Reservados. É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por


qualquer meio, sem autorização prévia da Editora. (Lei nº 9.610/98).
Sumário

Introdução à farmacologia .......................................................................................................... 6

1. Origem .................................................................................................................................8
2. Conceitos .............................................................................................................................9

Farmacocinética ........................................................................................................................ 11

1. Absorção ............................................................................................................................ 14

1.1. Transporte de fármacos através de membranas biológicas......................................... 15

1.1.1. Difusão lipídica .................................................................................................... 16


1.1.2. Movimentação por poros aquosos ....................................................................... 16
1.1.3. Transporte por transportadores ........................................................................... 16
1.1.4. Pinocitose ........................................................................................................... 18

2. Distribuição ......................................................................................................................... 19

2.1. Fluxo sanguíneo ......................................................................................................... 19


2.2. Permeabilidade capilar................................................................................................ 20
2.3. Ligação a proteínas .................................................................................................... 20
2.4. Lipofilicidade ............................................................................................................... 20
2.5. Volume de distribuição ................................................................................................ 21

3. Metabolização .................................................................................................................... 21
4. Eliminação .......................................................................................................................... 23

Farmacodinâmica ...................................................................................................................... 25

1. Receptores farmacológicos ................................................................................................ 26


2. Interação fármaco-receptor ................................................................................................. 28
3. Agonismo farmacológico..................................................................................................... 28
4. Antagonismo farmacológico ................................................................................................ 29

Farmacologia do sistema nervoso autônomo ......................................................................... 30

1. Transmissão adrenérgica ................................................................................................... 33

1.1. Agonistas adrenérgicos............................................................................................... 33


1.2. Antagonistas adrenérgicos .......................................................................................... 34
1.3. Fármacos que atuam na transmissão adrenérgica ...................................................... 35

2. Transmissão colinérgica ..................................................................................................... 35

2.1. Agonistas muscarínicos .............................................................................................. 35


2.2. Antagonistas muscarínicos ......................................................................................... 36
2.3. Estimulantes ganglionares .......................................................................................... 36
2.4. Bloqueadores ganglionares ........................................................................................ 36
2.5. Bloqueadores neuromusculares .................................................................................. 37

Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares ...................................... 38


1. Farmacocinética em sistemas oculares .............................................................................. 39
2. Formas farmacêuticas em oftalmologia............................................................................... 40
3. Anestésicos locais .............................................................................................................. 41
4. Antiinflamatórios esteroides ................................................................................................ 43
5. Antiinflamatórios não esteroides ......................................................................................... 44
6. Antialérgicos e descongestionantes .................................................................................... 45
7. Antiinfecciosos.................................................................................................................... 47

7.1. Infecções bacterianas ................................................................................................. 47


7.2. Infecções virais ........................................................................................................... 50
7.3. Infecções fúngicas ...................................................................................................... 51
7.4. Infecções parasitárias ................................................................................................. 52

8. Hipotensores e hiperosmóticos ........................................................................................... 54


9. Midriáticos e midriolíticos .................................................................................................... 58
10. Cicloplégicos e mióticos.................................................................................................... 59
11. Corantes ........................................................................................................................... 61
12. Lubrificantes ..................................................................................................................... 62
13. Off-label ............................................................................................................................ 63

Referências ................................................................................................................................ 65

Sumário de Figuras

Figura 1 – Agulha e seringa para administração de fármacos pelas vias parenterais ......... 14

Figura 2 – Transporte de moléculas através de membranas biológicas ............................... 17

Figura 3 – Pinocitose ................................................................................................................ 18

Figura 4 – Fígado....................................................................................................................... 22

Figura 5 – Rins........................................................................................................................... 24

Figura 6 – Conversão de substrato em produto por atividade enzimática ............................ 27

Figura 7 – Integração do sistema nervoso simpático e parassimpático da periferia com o


centro ......................................................................................................................................... 32

Figura 8 – Influxo de íons pela membrana celular .................................................................. 41

Figura 9 – Anatomia de uma célula bacteriana........................................................................ 48


Introdução à farmacologia
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Introdução à farmacologia

A farmacologia é uma ciência biomédica que data do século XIX e se


dedica ao estudo dos efeitos causados pela administração de certas drogas
ao funcionamento do organismo. Ela surgiu da necessidade de aprimorar o
entendimento médico, que era bastante profundo quanto à análise clínica,
mas bastante limitado quanto ao tratamento e buscava oferecer uma base
sólida para recomendação de substâncias nas diferentes doenças. Essas
doenças, que por muito tempo foram consideradas resultados da cólera divina
ou de possessão demoníaca, eram tratadas de forma displicente e muitas
vezes o paciente ficava ainda pior com os tratamentos médicos sugeridos.
Com o passar do tempo, a farmacologia precisou evoluir junto com as
demais áreas da ciência, em especial a química sintética que possibilitou a
síntese de novas moléculas com potencial terapêutico. Ela teve que se
debruçar sobre as inúmeras substâncias que foram surgindo e evoluiu
também nos seus métodos de investigação que atualmente, em alguns casos,
pode descartar o uso de animais, graças ao desenvolvimento de ferramentas
tecnológicas que possibilitam análises in silico.
A farmacologia está intimamente relacionada com outras ciências
biomédicas, como a fisiologia e a bioquímica e amplia, cada vez mais, seu
leque de possibilidades, pois já há interações entre a farmacologia e a
biologia molecular e a genética.
Novos tipos de tratamentos estão surgindo, como no caso dos
biofármacos (medicamentos obtidos por fonte ou processo biológico) e esses
tratamentos têm ficado cada vez mais personalizados, seguindo a tendência
de customização vigente no mercado atual, representando um desafio para a
farmacologia que passará muito em breve, a se debruçar sobre as terapias de
uso individual e como elas agem e o que causam.
O desafio parece grande, mas a farmacologia mostra-se preparada, pois
novas áreas ganham espaço com o passar do tempo justamente por causa
da tendência de customização dos tratamentos. Essas áreas como a
farmacogenética já mostram resultados que, embora discretos, já são
promissores.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

1. Origem

O termo farmacologia vem do grego e significa o estudo das drogas


(pharmakos, droga, e logos, estudo) que desde a antiguidade busca entender
os efeitos que os preparos usados para cura ou controle de doenças têm no
organismo humano, seguindo a mesma lógica proposta por Paracelsus que
disse que ―o que diferencia o medicamento de um veneno é a dose‖.
Foi só no início do século 19 (XIX), porém, acompanhando a evolução da
pesquisa médica que aprimorou seu entendimento sobre as causas das
doenças, e com a evolução da química orgânica, que a farmacologia
conseguiu se desprender da matéria médica básica e se tornar a ciência
moderna que é hoje.
A evolução das técnicas de síntese e obtenção de substâncias e os
constantes avanços da indústria farmacêutica proporcionaram o
desenvolvimento da ciência farmacológica, que viu pouco a pouco a
substituição dos antigos boticários que manipulavam os preparos em
farmácias, por medicamentos mais complexos produzidos em escala
industrial.
Nesse pano de fundo, com o estudo da relação entre estrutura de
fármacos e seu efeito terapêutico e a teoria de que existem receptores
celulares para esses fármacos nas células, que um grande número de
fármacos foi descoberto ao longo do século XIX. Os Barbitúricos (sedativos
hipnóticos), o Propranolol (anti-hipertensivo), as Tiazidas (diuréticos) e aquela
que é uma das maiores descobertas da pesquisa médica de todos os tempos,
a penicilina (antibiótico).
Essa disciplina, que ganhou campo em universidades da Europa e depois
em centros de pesquisa dos Estados Unidos, hoje tem um sem-número de
pesquisadores espalhados pelos quatro cantos do mundo, cujas pesquisas
expandem cada vez mais as fronteiras do conhecimento, buscando
esclarecer não somente como agem as substâncias nos sistemas fisiológicos,
como também a própria função desses sistemas. Pavimentando o caminho de
desenvolvimento de novos e modernos tratamentos, para os diversos tipos de
doenças.

Mateus Santana Lopes


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Introdução à farmacologia

2. Conceitos

Como toda disciplina, a farmacologia tem seus conceitos principais, sendo


alguns dos mais importantes:

 Princípio ativo: pode ser um medicamento e até mesmo um alimento ou


planta. É a substância que exerce o efeito farmacológico e quando
acompanhada de outros componentes em um preparo farmacêutico, é
aquela que consegue, de fato, agir no organismo.
 Fármaco: substância de estrutura química conhecida, que quando
administrada, produz efeito biológico em um organismo.
 Medicamento: é o preparo que contém um ou mais fármacos cuja
administração tem o objetivo de produzir efeito terapêutico.
 Droga: composto ou substância com finalidade medicamentosa ou
sanitária. Popularmente é associada à dependência, vício e alteração de
consciência.
 Remédio: qualquer artifício usado para se chegar a cura ou alívio de dor e
sofrimento.
 Placebo: substância com componentes quimicamente inativos, capaz de
produzir efeito benéfico mesmo sem agir contra sintoma ou doença.
 Nocebo: é o efeito placebo negativo. Uma determinada substância produz
um efeito danoso/adverso por questões de base psicológica.
 Biodisponibilidade: é a velocidade e extensão que a forma ativa de um
fármaco alcança a corrente sanguínea e torna-se disponível no seu local
de ação.
 Bioequivalência: é a equivalência, a paridade, de dois produtos
apresentados sob a mesma forma farmacêutica e com composição
idêntica dos princípios ativos.
 Posologia: é o modo, a forma, de se utilizar determinado medicamento,
incluindo o número de doses e a quantidade ao longo do tratamento.
 Dose: é o quanto do medicamento é necessário para se obter as
alterações no organismo e produzir o efeito terapêutico.
 Dose de ataque: consegue elevar a concentração de um fármaco na
corrente sanguínea, para se alcançar um efeito terapêutico mais
rapidamente.
 Dose de manutenção: dose de administração regular que mantém a

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concentração de um fármaco numa quantidade desejada.


 Dose mínima: é a menor dose de um fármaco que consegue ter efeito
quando administrada.
 Dose máxima: é a máxima dose que pode ser administrada sem
provocar efeito tóxico.
 Dose tóxica: é uma dose maior que a máxima, que consegue provocar
efeitos tóxicos quando administrada.
 Dose letal: é a dose que leva o paciente à morte, quando
administrada.
 Índice terapêutico: é uma relação entre a dose necessária para provocar
um efeito terapêutico e a dose capaz de causar efeitos tóxicos. Ajuda a
determinar a segurança de um fármaco.
 Janela terapêutica: é o tempo durante o qual o fármaco oferece o efeito
desejado, desde o pico do efeito até não oferecer mais efeito nenhum.
 Tempo de meia-vida: tempo necessário para que a concentração de um
fármaco diminua em 50% na corrente sanguínea.
 Agonista: molécula capaz de se ligar a um receptor em uma célula e
produzir alguma resposta.
 Agonista inverso: molécula que se liga ao receptor e produz uma resposta
inversa a do agonista.
 Antagonista: molécula que bloqueia o receptor e consegue diminuir ou
anular os efeitos provocados pelo agonista.
 Especificidade: capacidade de uma molécula de reconhecer apenas um
receptor, o seu alvo.
 Afinidade: o grau de atração entre um fármaco e o seu receptor; a
tendência que eles têm de se ligar.
 Eficácia: capacidade de um fármaco de provocar uma ação biológica
depois de ligado ao seu receptor.

Mateus Santana Lopes


Farmacocinética
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Farmacologia Aplicada à Optometria

A farmacocinética é o campo da farmacologia dedicado a compreender os


caminhos percorridos pelo fármaco desde sua administração até sua
eliminação, didaticamente definido como as ações do corpo sobre o fármaco.
Antes de alcançar as etapas farmacocinéticas, um fármaco precisa entrar
em contato com o organismo para então produzir efeito. Esse contato é feito
por uma via de administração que, como o próprio nome sugere, é o meio
pelo qual o fármaco será direcionado ao local onde deve exercer sua
atividade farmacológica.
Essas diferentes vias de administração podem ser requisitadas por
diversos motivos, dentre eles: a rapidez de efeito desejada, as propriedades
do fármaco, facilidade para automedicação do paciente ou a condição clínica
deste. Elas podem ser classicamente definidas com vias de administração
enterais (com participação do trato digestivo, especialmente intestino) e
parenterais (sem participação do trato digestivo, ou seja, as demais vias que
não se utilizam de administração oral ou retal).
Dentre as vias de administração destacam-se:
 Via oral: a via mais comum e de fácil acesso que não causa dor, suscita
pouca resistência dos pacientes, é bastante segura e pode ser escolhida
na grande maioria dos tratamentos, pois inúmeros fármacos estão
disponíveis para administração oral (comprimidos, cápsulas, drágeas,
xaropes, suspensões, entre outros). Não é recomendada para pacientes
com dificuldade de deglutição (como idosos e especialmente crianças) ou
com episódios frequentes de náuseas ou vômitos. Ela requer absorção do
fármaco no trato gastrointestinal (especificamente estômago e intestino) e
fatores como motilidade gastrointestinal e fluxo sanguíneo local
influenciam a quantidade do fármaco que alcançará a corrente sanguínea.
 Via sublingual: uma alternativa a via oral (quando se almeja efeito mais
rápido, se quer evitar a instabilidade oferecida pelo conteúdo gástrico ou
perdas para o metabolismo hepático). É escolhida em casos de urgência
como infarto cardíaco e hipertensão e sua absorção é feita pela mucosa
sublingual levando o fármaco diretamente para a circulação sistêmica.
 Via retal: pode ser escolhida para fármacos que produzirão efeitos
sistêmicos, mas geralmente é utilizada quando se pretende efeitos locais.
É uma alternativa a tratamentos que não possuem a via oral como opção
e os supositórios são seus principais representantes.
 Via tópica: compreende a aplicação de fármacos em superfícies cutâneas

Mateus Santana Lopes


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Farmacocinética

ou mucosas. É utilizada quando se busca efeitos locais para tratamentos


de pele, como sprays nasais e sob a forma de colírios.
 Via pulmonar (inalação): o pulmão é o órgão central dessa via e é nele
que ocorrem absorção e eliminação do fármaco. Fármacos utilizados para
tratamento de condições pulmonares são administrados por essa via e,
com a evolução das técnicas de pesquisa de desenvolvimento, produzem
efeitos locais sem grandes consequências a nível sistêmico.
 Via intradérmica: assim como as demais do grupo de vias parenterais, se
utilizam de acessórios com seringas e agulhas (Figura 1) para serem
acessadas. É a via escolhida para efeitos na derme e está associada à
aplicação de pequenos volumes.
 Via intravenosa: pode ser acessada por aplicação única ou por
administração contínua do fármaco. É a escolha em casos de
inconsciência do paciente ou para efeitos muito rápidos, pois o fármaco é
direcionado diretamente na corrente sanguínea sem passar pelas
primeiras etapas da farmacocinética. Não é a mais bem vista pelos
pacientes que são sensíveis a dor e deve ser feita com os devidos
procedimentos de higiene para evitar possíveis infecções.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

Figura 1 – Agulha e seringa para administração de fármacos pelas vias


parenterais
Utensílios utilizados para administração de fármacos por via parenteral
(intradérmica e intravenosa). A via parenteral, apesar de incômoda (por
causar dor), oferece vantagens como rápido efeito (intravenosa), pois é
diretamente direcionada à circulação e é opção para pacientes inconscientes.

1. Absorção

Após administração, o fármaco precisa ser absorvido para então chegar


ao seu local de ação. A rapidez e intensidade com que isso acontece é o que
se entende por absorção. Essa absorção está intimamente ligada com a
quantidade do fármaco que alcançará seu sítio de ação e pode ser
influenciada por uma série de fatores, como: solubilidade do fármaco,

Mateus Santana Lopes


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Farmacocinética

velocidade de dissolução (para formas farmacêuticas sólidas), área da


superfície de absorção (quanto maior a área maior a absorção), aumento do
fluxo sanguíneo, elevação de temperatura, além de condições locais dos
tecidos onde esses fármacos são absorvidos (como a motilidade intestinal ou
conteúdo estomacal para fármacos administrados por via oral, por exemplo).
Contudo, mesmo com absorção eficiente, um fármaco pode não alcançar
integralmente seu sítio de ação. Fatores como aprisionamento iônico
(desequilíbrio causado pela forma ionizada de um fármaco que não é capaz
de transpor membranas biológicas e provoca um aumento de sua
concentração em um determinado compartimento) e ligação das proteínas
plasmáticas reduzem a concentração do fármaco disponível para exercer
seus efeitos. Quando ligado a proteínas plasmáticas, um fármaco está com
aproximadamente 1% de sua concentração na forma livre (capaz de causar
respostas fisiológicas), ou seja, mais de 99% do fármaco pode se associar a
proteínas circulantes no plasma. A albumina, uma dessas proteínas, é a mais
conhecida proteína plasmática de ligação a fármacos e a mais significativa na
redução de sua forma livre.
Deve-se ainda considerar o acúmulo de fármacos em certos tecidos como
os lipofílicos no tecido adiposo (geralmente com baixo suprimento
sanguíneo), fármacos com afinidade a melanina na retina e com afinidade a
cálcio nos ossos e dentes, que podem, ao longo do tempo, provocar efeitos
indesejáveis.
A absorção é dependente ainda da movimentação do fármaco pelas
membranas biológicas, pois para alcançar a corrente sanguínea, uma série
de barreiras precisa ser atravessada. Isso se dá por diferentes vias e as
principais delas são explicitadas a seguir.

1.1. Transporte de fármacos através de membranas biológicas


As moléculas dos fármacos atravessam as membranas biológicas por
diferentes vias (Figura 2) que são acessadas de acordo com suas
características como tamanho, carga ou polaridade. Essas características,
além de definirem a via pela qual as moléculas se movimentarão pela
membrana são responsáveis, também, pela velocidade dessa movimentação
(moléculas maiores tendem e lavar mais tempo do que as menores) e o custo
dela (quando dependente de transportadores, algumas moléculas requerem
gasto de energia para sua movimentação).

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Farmacologia Aplicada à Optometria

As principais vias de transporte de moléculas através de membranas


biológicas são citadas a seguir:

1.1.1. Difusão lipídica


Moléculas apolares (sem diferença de polaridade em sua estrutura
molecular) podem atravessar diretamente a membrana biológica (constituída
de uma bicamada lipídica). Essas moléculas devem possuir afinidade por
estruturas lipofílicas e serem suficientemente móveis dentro delas para uma
movimentação eficiente e rápida. Diversos fármacos se utilizam da difusão
lipídica para se movimentarem pelas membranas e ela é indispensável para o
entendimento da taxa de absorção deles em órgãos como o intestino, e da
sua capacidade de penetração em barreiras de proteção do sistema nervoso
central, bem como, da sua capacidade de eliminação renal pela urina.

1.1.2. Movimentação por poros aquosos


Poros aquosos (conhecidos como aquaporinas) são canais proteicos
dispostos nas membranas celulares que permitem, com seletividade, a
passagem de água entre os meios intra e extracelular. Eles aumentam a
permeabilidade dessas membranas da água e estão distribuídos nas diversas
células que constituem os diferentes tecidos. Apesar de não exercerem
grande influência na movimentação de solutos entre os compartimentos,
alguns fármacos se utilizam das aquaporinas para se movimentarem pelas
membranas.

1.1.3. Transporte por transportadores


Diversos fármacos se associam a transportadores para transposição
através das membranas. Esses transportadores podem estar envolvidos com
a movimentação passiva de solutos (a favor do gradiente de concentração e
sem gasto de energia) ou transporte ativo, que requer ligação a moléculas de
ATP.
Transportadores de ânions e cátions são transportadores que atravessam
toda a extensão da membrana celular (transmembrana) e mudam de
conformação para liberar o soluto carreado do lado que ele deve ser
direcionado. Eles fazem um tipo de transporte conhecido como difusão

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Farmacocinética

facilitada e levam os solutos a favor de seu gradiente de concentração,


embora em casos específicos passa haver gasto de energia (quando a
movimentação é contra o gradiente eletroquímico). Geralmente, o transporte
mediado por transportadores de ânions e cátions é uniporte (uma molécula
numa determinada direção), mas quando há gasto de energia ele pode ser
simporte (duas moléculas em uma mesma direção) ou até antiporte (duas
moléculas em direções opostas). Eles estão envolvidos no transporte de
diversas substâncias e estão presentes em diversas células com destaque
para as dispostas no trato gastrointestinal, túbulo renal e na barreira
hematoencefálica (barreira de proteção altamente seletiva que impede o
acesso de substâncias tóxicas presentes na circulação ao sistema nervoso
central).

Figura 2 – Transporte de moléculas através de membranas biológicas


Os fármacos podem se movimentar através de membranas por meio da
difusão lipídica direta ou difusão facilitada por transportadores que levam
solutos a favor de seu gradiente de concentração e sem gasto de energia
(transporte passivo) ou contra esse gradiente e com gasto de energia
(transporte ativo). Essas formas de transporte servem para permitir o acesso
ao meio intracelular de moléculas com as mais diferentes características de
tamanho, carga e polaridade.

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1.1.4. Pinocitose
A pinocitose é um meio de absorção de moléculas do qual algumas
células são dotadas. Nele a membrana da célula se invagina formando uma
vesícula que se desprende para o espaço intracelular e posteriormente
acabam liberando as substâncias ali contidas (Figura 3). Algumas definições
tratam da pinocitose como um transporte inespecífico e algumas substâncias
que se utilizam dela para movimentação através da membrana incluem
moléculas, compostos líquidos e até alguns fármacos.

Figura 3 – Pinocitose
Alguns fármacos se utilizam da pinocitose (transporte inespecífico) para
se movimentarem pelas membranas biológicas. A membrana celular forma
vesículas após invaginação e libera seu conteúdo no ambiente intracelular.

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Farmacocinética

2. Distribuição

A distribuição é a etapa farmacocinética que compreende o


direcionamento do fármaco aos tecidos onde produzirá seus efeitos. Essa
distribuição é desigual entre os diferentes tecidos por fatores como fluxo
sanguíneo e PH locais, além da permeabilidade desses tecidos às moléculas
do fármaco.
Essa distribuição intercorre quando as moléculas do fármaco alcançam a
corrente sanguínea e não atende a quantidade total de fármaco administrada,
por fatores como: ligação a proteínas plasmáticas (citado anteriormente) e
metabolismo de primeira passagem, que pode ser responsável por
significativa redução na quantidade do fármaco que chega à circulação. Esse
efeito é observado quando um fármaco é administrado por via oral (que
necessita de absorção pelo trato gastrointestinal) e pode sofrer metabolização
antes de alcançar a corrente sanguínea e ser distribuído aos tecidos,
influenciando sua biodisponibilidade.
A distribuição se encerra quando a fração livre de moléculas do fármaco
(a fração ligada a proteínas plasmáticas precisa se dissociar primeiro) alcança
os tecidos e pode, então, desencadear os mecanismos celulares e
moleculares que levarão ao efeito farmacológico.
A seguir são descritos alguns fatores que influenciam a passagem dos
fármacos da circulação para o interstício, que afetam a eficiência da absorção
e podem explicar a diferença de efeito observado em diversos fármacos.

2.1. Fluxo sanguíneo


O aporte sanguíneo que os tecidos oferecem para os capilares é
extremamente variável. Tecidos extensamente irrigados — com grande
capilaridade e distribuição de vasos sanguíneos —, como rins, fígado e
cérebro, são comparativamente mais atendidos por esse volume de sangue,
que outros como o músculo esquelético. O fluxo sanguíneo é ainda menor no
tecido adiposo, vísceras e pele e esse é um dos motivos por trás da limitada
absorção de fármacos nesses tecidos.

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2.2. Permeabilidade capilar


A capacidade de penetrar vasos capilares é dependente da estrutura
capilar e das características moleculares do fármaco. O capilar pode
apresentar variação na porção exposta de sua membrana e nas fendas nos
espaços de junção de células, que podem ser significativas como observado
no tecido hepático e no baço ou pouco expressivas, como visto no cérebro.
No primeiro caso, os capilares são incontínuos e grandes, permitindo o
trânsito de proteínas plasmáticas com alta massa molecular sem grandes
dificuldades. Enquanto no segundo, há necessidade de transpassar as
células endoteliais desses capilares ou enfrentar um transporte ativo, que
permite a passagem do fármaco de um compartimento a outro, gastando
energia.

2.3. Ligação a proteínas


A complexação de fármacos com proteínas plasmáticas impacta sua
absorção, porque forma estruturas sem capacidade de difusão, que levam
maior período de tempo para deixarem o compartimento vascular. A proteína
plasmática mais abundante no plasma, denominada albumina, é a principal
representante das moléculas com capacidade de fixação de fármacos e pode
se tornar uma espécie de estoque deles, mantendo uma concentração
constante, mesmo com a eliminação da fração livre ao longo do tempo.
A ligação de fármacos a proteínas pode ocorrer, ainda, com moléculas
presentes em diferentes tecidos, podendo levar a um aumento da
concentração de fármacos nesses tecidos, enquanto diminui no plasma. E
além das proteínas, há, também, a possibilidade de ligação a lipídeos e até
ácidos nucleicos, gerando um efeito duradouro desses fármacos, que pode
inclusive oferecer risco de toxicidade.

2.4. Lipofilicidade
As características moleculares dos fármacos são muito importantes na
determinação da capacidade de transposição das membranas biológicas das
células deles, sendo aqueles com características lipofílicas os mais hábeis na
execução deste processo, uma vez que podem simplesmente se dissolverem
nas camadas de lipídios e permearem a estrutura sem grandes dificuldades.

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Farmacocinética

Por outro lado, fármacos hidrossolúveis não dispõem da mesma facilidade


de penetração nas membranas das células, precisando de alternativas como
as fendas nas junções celulares ou o transporte mediado por transportadores
para atingirem o citoplasma.

2.5. Volume de distribuição


Entende-se por volume de distribuição a quantidade de líquido necessária
para manter constante a concentração de um fármaco pelo organismo, de
forma similar à observada no plasma.
A determinação desse volume envolve cálculos matemáticos e leva em
consideração a depuração do fármaco (capacidade do organismo de
metabolizar e eliminar esse fármaco), que impacta, inclusive, no tempo de
meia-vida e na análise do tempo de redução da concentração plasmática dos
fármacos.

3. Metabolização

A metabolização, também conhecida como biotransformação visa a


inativação ou modificação molecular dos fármacos para facilitar sua
eliminação. Essa metabolização ocorre em duas fases sendo a primeira
catabólica (útil na decomposição de moléculas complexas) e a segunda
sintética (responsável pela formação de estruturas inativas).
Nas reações de fase 1 grupamentos químicos bastantes reativos são
inseridos na molécula do fármaco tornando-a, na maioria das vezes, ainda
mais tóxica. Esse mecanismo é conhecido como ―funcionalização‖ e serve
para estabelecer um alvo para que as reações de fase 2 saibam onde
conjugar moléculas que inativarão a estrutura. Esse processo ocorre no
fígado (Figura 4), principal órgão envolvido com o metabolismo de
substâncias, e requer a participação de inúmeras enzimas hepáticas, com
destaque para as enzimas conhecidas como CYP (citocromo).
Nas reações de fase 2 há, como citado anteriormente, a conjugação de
moléculas nos pontos indicados pela inserção de grupamentos reativos das
reações de fase 1 e, consequentemente, inativação da estrutura do fármaco.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

Essas reações ocorrem majoritariamente no fígado, assim como as de fase 1,


mas podem ocorrer também em outros órgãos como pulmões e rins.
As reações das diferentes fases da metabolização de fármacos são mais
significativas sobre fármacos lipossolúveis do que sobre os hidrossolúveis. A
lipossolubilidade permite que a molécula do fármaco atravesse com maior
facilidade as barreiras celulares e alcance o compartimento intracelular que é
onde, de fato, ocorre a modificação da estrutura molecular. Fármacos
hidrossolúveis tendem a ser liberados, quase sem alterações moleculares
consideráveis na urina.
O metabolismo como visto no tópico sobre distribuição pode interferir
ainda na biodisponibilidade dos fármacos (por causa do metabolismo de
primeira passagem) tornando necessária a administração de doses muito
maiores de determinados fármacos para compensar essa perda e pode
também estar envolvido com a ativação de certas drogas, como no caso dos
pró-fármacos cujas moléculas só se tornam ativas após sofrerem
metabolização. Nesses casos, a ativação pode servir para aumentar a
segurança do paciente ou pode aumentar as chances de efeitos adversos
(quando o metabólito formado é tóxico).

Figura 4 – Fígado
As principais reações (das fases 1 e 2) da metabolização de fármacos
ocorrem no fígado (principal órgão envolvido com a metabolização de
substâncias) e buscam a inativação molecular objetivando sua eliminação.

Mateus Santana Lopes


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Farmacocinética

4. Eliminação

A eliminação é a última das quatro etapas da farmacocinética e


compreende as vias de saída do organismo para os fármacos administrados.
Ela pode ser basicamente, feita de duas formas:
 Circulação entero-hepática;
 Excreção renal.
Os hepatócitos podem direcionar fármacos para a bile e, posteriormente,
eles são levados ao intestino onde podem ser reabsorvidos (constituindo uma
espécie de reservatório do fármaco que continua produzindo efeito mesmo
após longo período sem nova administração) ou podem ser eliminados
através das fezes.
Os fármacos podem ser eliminados também na urina após passagem sem
reabsorção pelas estruturas filtrantes dos rins (néfrons). A velocidade com
que cada fármaco é eliminado varia de acordo com a molécula que o
constitui, mas a eliminação de metabólitos tende a ser bem mais célere que a
de uma estrutura molecular original.
A eliminação renal (Figura 5) depende de fatores como a filtração
glomerular, que é limitada devido ao tamanho de moléculas que podem se
difundir através do glomérulo, secreção tubular e difusão pelos túbulos renais.
O glomérulo (estrutura presente no néfron) não permite a difusão de fármacos
ligados a proteínas plasmáticas (pois o tamanho molecular dessa estrutura é
maior do que o tamanho dos capilares glomerulares), limitando sua filtração.
A secreção tubular depende de transportadores para a movimentação de
moléculas entre compartimentos e, muito eficientemente, esses
transportadores podem mover moléculas contra o gradiente de concentração
permitindo que o fármaco seja direcionado ao interior das estruturas tubulares
renais para, então, serem eliminados. Os transportadores podem mover
moléculas de fármacos associadas a proteínas plasmáticas e, diferente do
que é observado com a filtração glomerular, podem promover a eliminação
total de fármacos.
Os túbulos renais podem, contudo, ser permeáveis a estruturas
lipossolúveis, reduzindo a fração desse tipo de molécula que é eliminada pela
urina, ao contrário do que se observa com moléculas hidrossolúveis, que não

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24
Farmacologia Aplicada à Optometria

conseguem atravessar a barreira tubular e permanecem no conteúdo renal


que dará origem ao fluido urinário.
A função renal, portanto, é relevante do ponto de vista clínico, pois deve-
se considerar a capacidade que o paciente terá de eliminar fármacos e não
correr riscos desnecessários. Do contrário, são grandes as chances de
intoxicação por ausência de eliminação de fármacos em pacientes com
função renal comprometida, como no caso de idosos e nefropatias.

Figura 5 – Rins
Os rins são as principais estruturas envolvidas na eliminação de fármacos
(que são excretados junto com a urina) e sua função deve ser analisada com
cautela a fim de se evitar intoxicação em pacientes idosos e nefropatias.

Mateus Santana Lopes


Farmacodinâmica
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Farmacologia Aplicada à Optometria

Farmacodinâmica é responsável por elucidar os mecanismos associados


aos efeitos produzidos pelos fármacos, bem como a relação entre dose e
resposta (seja ela desejável ou adversa). Basicamente, através da
investigação das vias e desdobramentos fisiológicos e bioquímicos, a
farmacodinâmica busca compreender o que o fármaco faz com o corpo.

1. Receptores farmacológicos

Para produzirem seus efeitos, as moléculas dos fármacos precisam


interagir com constituintes das células, conhecidos como alvos
farmacológicos. Esses alvos, também referidos como receptores, provocam –
após interação com as moléculas dos fármacos – desdobramentos
fisiológicos e bioquímicos que culminarão na sua ação terapêutica
característica.
Esses receptores são estruturas proteicas e estão distribuídos em quatros
grupos principais:
 Receptores;
 Enzimas;
 Transportadores;
 Canais iônicos.
Eles são importantes na comunicação dos diferentes tecidos do
organismo e possuem certa especificidade a molécula com a qual interagem.
Receptores estão amplamente distribuídos nas diferentes células dos
diversos tecidos e controlam um sem-número de processos por meio de
interação com mensageiros químicos (como citocinas, quimiocinas,
hormônios, neurotransmissores, entre outros). A ativação fisiológica desses
receptores pode acentuar algum efeito maléfico em determinadas condições
clínicas, por isso alguns fármacos bloqueiam receptores, num conceito
conhecido como antagonismo (ver adiante).
Enzimas são proteínas com capacidade de catalisar reações químicas
que não são consumidas no processo, ou seja, elas podem aumentar a
velocidade com a qual essas reações acontecem sem sofrerem degradação.
Para tal função, a enzima precisa se ligar a alguma substância com a qual

Mateus Santana Lopes


27
Farmacodinâmica

possui afinidade (conhecida como substrato) e pode, então, transformá-la em


um produto (Figura 6). Alguns fármacos são direcionados para enzimas
visando essa conversão de substrato em produto e atuam como um falso
substrato, competindo pelo sítio de ligação da enzima com seu substrato
verdadeiro, reduzindo a formação de produto ou produzindo uma molécula
que pode atuar em alguma via bioquímica de interesse terapêutico. As
enzimas são importantes ainda na conversão da forma inativa para a forma
ativa de alguns fármacos (pró-fármacos).
Transportadores auxiliam na movimentação de substâncias entre os
compartimentos celulares, com destaque para moléculas com insuficiente
lipossolubilidade. Em algumas situações, esses transportadores agem
mediante gasto de moléculas de ATP, no chamado transporte ativo e
permitem a movimentação de moléculas contra o gradiente eletroquímico.
Esses transportadores podem ser acionados por ligantes (conhecidos como
ionotrópicos), associados à proteína G (conhecidos como metabotrópicos),
associados a quinases ou estarem envolvidos com transcrição gênica
(nucleares).
Os canais iônicos, como o próprio nome indica, são poros que permitem,
com seletividade, a passagem de íons entre os meios extra e intracelular.
Fármacos podem atuar sobre canais iônicos acentuando sua atuação ou
impedindo a movimentação de íons por eles.

Figura 6 – Conversão de substrato em produto por atividade enzimática


Uma enzima pode catalisar reações químicas sem ser consumida no
processo e sua capacidade de conversão de substrato (que precisa de
afinidade para se ligar ao sítio da enzima) em produto, é alvo da ação de
inúmeros fármacos. Na imagem é possível ver um substrato sendo convertido
em produto através de ação enzimática.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

2. Interação fármaco-receptor

Um fármaco que interage com seu respectivo receptor pode produzir


alguma resposta (tratando-se de um agonista) ou bloquear a função deste
receptor (quando liga-se um antagonista). Para que haja essa interação,
contudo, é necessário que haja afinidade entre ambos e quanto maior a
eficácia do fármaco maiores serão as chances de que ele se ligue ao
receptor.
Fármacos potentes podem ocupar um grande número de receptores
mesmo se sua concentração for pequena, devido à alta afinidade que
possuem entre si. O contrário também pode ser observado quando fármacos
não tão potentes, mesmo em maiores concentrações, não conseguem ocupar
uma fração considerável de seus receptores.
Compreender qual o efeito resultante da ocupação de um receptor pelo
fármaco com o qual possui afinidade requer, basicamente, o entendimento
sobre os conceitos de agonismo e antagonismo, que são o mecanismo de
ação de diversos fármacos nas mais variadas terapias.

3. Agonismo farmacológico

Entende-se como agonista um fármaco que, após interação com seu


receptor, é capaz de produzir uma resposta por ativação de alguma via
relacionada com a atividade do receptor. Fármacos agonistas podem
provocar respostas que se assemelham à máxima que um tecido pode dar,
ou, podem suscitar uma resposta que é menor que a máxima, a esses
fármacos refere-se agonistas plenos e agonistas parciais, respectivamente.
Agonistas produzem alterações em vias bioquímicas e fisiológicas que
repercutem sobre o funcionamento celular, é a partir daí que se chega ao
efeito do fármaco. Contudo, a potência vai determinar a taxa de ocupação dos
receptores e são as diferentes potências que determinam a força desse
efeito.

Mateus Santana Lopes


29
Farmacodinâmica

4. Antagonismo farmacológico

Antagonismo, por sua vez, descreve a ação de fármacos que mesmo


após ligação ao seu receptor, não são capazes de ativá-lo nem de produzir
uma resposta, além de impedir que um agonista se ligue por obstrução do
sítio de ligação.
O antagonismo dá-se de forma competitiva, ou seja, moléculas de um
antagonista ocupam os sítios de ligação dos receptores e diminuem a taxa de
ocupação por agonistas e esse tipo de antagonismo pode ser reversível, e é
superado com o aumento da concentração de um agonista, ou pode ser
irreversível, quando o antagonista liga-se covalentemente ao receptor.
Entre os tipos de antagonismos destacam-se:
 Químico: quando o antagonismo ocorre por interação entre dois
compostos que juntos levam à inativação do fármaco;
 Farmacocinético: quando o antagonista reduz a concentração do fármaco
influenciando alguma das suas etapas farmacocinéticas (metabolização,
eliminação etc.);
 Bloqueio da relação receptor-efetuador: quando o antagonista bloqueia
algum dos desdobramentos da interação do receptor com seu agonista,
impedindo a continuidade da cascata de eventos que levariam ao efeito;
 Fisiológico: quando dois compostos com efeitos opostos se anulam no
organismo.

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Farmacologia do sistema
nervoso autônomo
31
Farmacologia do sistema nervoso autônomo

O sistema nervoso autônomo, que como o próprio nome sugere possui


autonomia para seu funcionamento é constituído por inúmeras estruturas que
regulam diversos processos fisiológicos, como função gastrointestinal,
secreção glandular, função cardiovascular, entre outras. Ele está situado em
núcleos de localização central e se estende por toda a periferia através de
nervos que alcançam as mais diversas regiões do corpo.
O sistema nervoso autônomo pode ser anatomicamente dividido em três
grupos principais: sistema nervoso entérico (que regula a função dos órgãos
do trato gastrointestinal), sistema nervoso simpático e sistema nervoso
parassimpático. Os dois últimos grupos estabelecem uma conexão da
periferia com o sistema nervoso central e são dois dos mais importantes
temas de estudos em farmacologia.
Os sistemas simpático e parassimpático são subordinados ao sistema
nervoso central e são responsáveis por atividades que não respondem ao
consciente, além de regularem processos como:

 Função cardíaca;
 Contração e relaxamento do músculo liso, de vísceras e vasos
sanguíneos;
 Secreções exócrinas (que não atingem a corrente sanguínea) e
endócrinas (que são direcionadas pela corrente sanguínea ao seu local
de ação);
 Metabolismo energético.
Os sistemas simpático e parassimpático podem atuar ainda, mesmo que
de forma menos significativa, sobre a função renal, sistema imunológico e
sobre o sistema de captação de informações (somatossensorial).
A ação dos sistemas simpático e parassimpático é exclusiva em alguns
locais e há outros nos quais eles se opõem, produzindo efeitos contrários
(Figura 7). Contudo, deve-se considerar a existência de locais onde os
sistemas se integram e produzem efeitos similares e não opostos. É
imprescindível entender, entretanto, que os sistemas simpático e
parassimpático não são adversários fisiológicos, mas sistemas que
desempenham suas respectivas funções (com maior ou menor intensidade
nos diferentes tecidos) buscando atender as demandas do organismo. Eles
atuam continuamente para promover as condições necessárias para o
equilíbrio adequado de funcionamento do corpo.

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32
Farmacologia Aplicada à Optometria

Esses sistemas secretam diferentes transmissores que atuam nos seus


respectivos receptores, sendo eles: norepinefrina que age em receptores
adrenérgicos e promove as ações do sistema simpático, e acetilcolina que
age em receptores nicotínicos e muscarínicos e produz os efeitos do sistema
parassimpático.

Figura 7 – Integração do sistema nervoso simpático e parassimpático da


periferia com o centro
Os sistemas simpático e parassimpático integram o sistema nervoso
central com a periferia e atuam às vezes se opondo, às vezes se somando,
mas sempre buscando a homeostase nos diferentes tecidos que compõem o
organismo.

Mateus Santana Lopes


33
Farmacologia do sistema nervoso autônomo

1. Transmissão adrenérgica

A transmissão adrenérgica constitui a ação das catecolaminas, dentre as


quais destacam-se:

 Epinefrina;
 Dopamina;
 Isoprenalina;
 Norepinefrina.
A norepinefrina é um transmissor liberado por estruturas pertencentes ao
sistema nervoso simpático e pode ser referida, também, como noradrenalina.
As catecolaminas agem em receptores adrenérgicos que são classificados
em α e β-adrenérgicos que, por sua vez, são subdivididos em α1 e α2, β1, β2
e β3. Essa subdivisão é feita principalmente devido à localização desses
receptores e aos efeitos de sua ativação que pode ser terapêutica (como no
caso dos receptores β2 que promovem relaxamento da musculatura lisa de
vários órgãos) ou maléficas (como a ativação de receptores β1 no coração).
Fármacos que atuam sobre a transmissão adrenérgica podem ativar
seletivamente certos receptores adrenérgicos o que, como visto, é importante
para se evitar respostas indesejáveis advindas da ativação displicente de
outros subtipos de receptores.

1.1. Agonistas adrenérgicos


Também conhecidos como simpatomiméticos (mimetizam as ações do
sistema nervoso simpático) eles possuem ações sobre a musculatura lisa,
coração, metabolismo e outras estruturas. Na musculatura lisa,
principalmente a presente nas paredes dos vasos sanguíneos, eles produzem
contração e consequente aumento da pressão arterial quando ativam
receptores α-adrenérgicos, enquanto que receptores β-adrenérgicos –
quando ativados – produzem relaxamento da musculatura lisa e são úteis, por
exemplo, no tratamento de distúrbios respiratórios (como o salbutamol que
provoca relaxamento da musculatura lisa dos brônquios ativando receptores
β2-adrenérgicos).

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Farmacologia Aplicada à Optometria

No coração, através da ativação de receptores β1-adrenérgicos, há


aumento da frequência cardíaca devido ao forte estímulo exercido pelas
catecolaminas. Dessa forma, além de se contrair com maior força, o órgão
acaba consumindo mais oxigênio e alterando seu ritmo.
No metabolismo há aumento da taxa de conversão das reservas
energéticas em fontes de energia de mais fácil consumo, levando ao aumento
da glicemia (glicose circulante na corrente sanguínea) e da degradação de
moléculas de gordura no tecido adiposo. No sistema nervoso, por sua vez, há
inibição de algumas funções, principalmente após ativação de receptores α2.

1.2. Antagonistas adrenérgicos


Fármacos que antagonizam receptores adrenérgicos podem fazê-lo de
forma seletiva, inclusive entre os subtipos de receptores, ou não.
Antagonistas de receptores α não seletivos provocam redução da pressão
arterial e hipotensão ortostática, podendo ser indicados no tratamento da
hipertensão arterial sistêmica (HAS) e em procedimentos cirúrgicos.
Antagonistas com seletividade a receptores α1 produzem dilatação de
vasos sanguíneos e, consequentemente, redução da pressão arterial sem
aumentar a frequência cardíaca com a mesma intensidade que os
antagonistas α-adrenérgicos não seletivos. Eles podem ser indicados no
tratamento da retenção urinária e hipertrofia prostática benigna por
provocarem relaxamento da musculatura lisa da bexiga e próstata.
Antagonistas α2 seletivos não são comuns na prática clínica e seu uso
fica restrito a investigações laboratoriais sobre o funcionamento de receptores
α em diferentes tecidos.
Fármacos que antagonizam receptores β são uma importante classe de
medicamentos usada no tratamento de condições cardiovasculares. É uma
classe cujo nome comercial dos fármacos tem a popular terminação ―ol‖
(propranolol, metoprolol) e que produz efeitos sobre o coração, vasos
sanguíneos e músculo liso dos brônquios pulmonares. Eles são comuns em
tratamentos de hipertensão, insuficiência cardíaca, angina e arritmia cardíaca,
mas são contraindicados (mesmo os mais seletivos a um ou outro subtipo de
receptor β-adrenérgico) em pacientes asmáticos devido ao seu efeito
broncoconstritor. Em pacientes diabéticos sua recomendação requer cautela,
devido a influência que exercem sobre a degradação de glicogênio hepático,
podendo levar a quadros de hipoglicemia.

Mateus Santana Lopes


35
Farmacologia do sistema nervoso autônomo

1.3. Fármacos que atuam na transmissão adrenérgica


Esses fármacos exercem efeito sobre neurônios adrenérgicos e podem
afetar a síntese, armazenamento, liberação ou captura de norepinefrina, além
de ―bloquearem‖ esses neurônios ou mimetizarem as ações do sistema
nervoso simpático (simpatomiméticos). Eles são indicados para diversos
tratamentos com destaque para a terapia contra depressão.

2. Transmissão colinérgica

Transmissão colinérgica refere-se às ações resultantes da liberação de


acetilcolina que são características do sistema nervoso parassimpático. A
acetilcolina é um transmissor que promove vasodilatação e relaxamento do
músculo liso, bem como acentua a secreção glandular. Ela atua em
receptores nicotínicos e muscarínicos que estão localizados em estruturas
como: músculo, sistema nervoso central, glândulas secretoras, coração etc.
Os fármacos que agem sobre a transmissão colinérgica são divididos nas
seguintes classes:
 Agonistas e antagonistas muscarínicos;
 Estimulantes e bloqueadores ganglionares;
 Bloqueadores neuromusculares.

2.1. Agonistas muscarínicos


Também conhecidos como parassimpatomiméticos (que mimetizam as
ações do sistema nervoso parassimpático), os agonistas muscarínicos
produzem efeitos muito semelhantes aos visualizados na transmissão
colinérgica.
Eles provocam redução da frequência cardíaca e vasodilatação levando a
uma queda na pressão arterial. Há ainda contração do músculo liso,
especialmente no trato gastrointestinal, bexiga e brônquios. As secreções
glandulares são estimuladas e a pressão intraocular é reduzida. Contudo,
apesar dos diversos efeitos promovidos pelos agonistas muscarínicos, seu
uso clínico é limitado, embora haja esforços para que novos agentes sejam

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36
Farmacologia Aplicada à Optometria

utilizados no tratamento de questões do sistema nervoso central (como


demência, por exemplo).

2.2. Antagonistas muscarínicos


Antagonistas muscarínicos, ou parassimpatolíticos, competem pelos
receptores muscarínicos de forma competitiva e promovem, basicamente,
efeitos contrários aos dos parassimpatomiméticos. Eles inibem as secreções
glandulares (em maior ou menor intensidade, dependendo do tecido),
aumento da frequência cardíaca, dilatação da pupila (midríase), redução do
peristaltismo e, consequentemente, da motilidade gastrointestinal, além de
relaxar a musculatura lisa e excitar o sistema nervoso central.
Eles são indicados na prática clínica oftalmológica (graças ao potencial de
dilatação da pupila), em pacientes asmáticos e com bronquite (devido ao seu
potencial broncodilatador), além de ser usado no tratamento da incontinência
urinária (por relaxar o músculo liso da bexiga, pode ajudar na perda
inconsciente de urina pela uretra).

2.3. Estimulantes ganglionares


Agonistas nicotínicos ou estimulantes ganglionares provocam uma série
de efeitos complexos na periferia e se destacam pelo uso no combate dos
sintomas de abstinência ou no tratamento de dependentes em nicotina.

2.4. Bloqueadores ganglionares


Bloqueadores ganglionares, assim como os agonistas nicotínicos,
possuem pouca importância clínica, apesar da significativa relevância
experimental, já que são bastante utilizados na investigação dos mecanismos
do sistema nervoso autônomo. Eles, como o próprio nome indica, bloqueiam
gânglios autônomos e produzem efeitos como: redução da pressão,
estagnação do trânsito gastrointestinal, bloqueio da função secretora e
prejuízo a micção.

Mateus Santana Lopes


37
Farmacologia do sistema nervoso autônomo

2.5. Bloqueadores neuromusculares


Fármacos que bloqueiam a comunicação neuromuscular são utilizados
como adjuvantes em procedimentos cirúrgicos que requerem anestesia do
paciente e somente alguns de seus representantes permanecem com
significativa importância na prática clínica, como os antibióticos
aminoglicosídeos, por exemplo.

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Ações de fármacos em
sistemas fisiológicos
específicos oculares
39
Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

As diversas desordens que atingem os olhos possuem diferentes


abordagens terapêuticas, com maior ou menor chance de adesão por parte
dos pacientes. Os colírios, apesar de incômodos, são os mais comuns nesses
tratamentos, mas dificilmente podem ser aplicados em todas as condições
clínicas. Distúrbios no segmento posterior oferecem maior dificuldade de
tratamento e não são eficientemente contemplados nas terapias com formas
farmacêuticas convencionais, necessitando, muitas vezes, de um acesso por
via intravenosa ou intravítrea, ambas incômodas e que exigem maior esforço
de convencimento para adesão do paciente.
O sucesso do tratamento está intimamente relacionado com o diagnóstico
correto da condição do paciente, a qualidade dos medicamentos escolhidos,
bem como a escolha correta desses e a adesão do paciente.
Especificamente sobre o paciente, é necessário, além de compreender suas
necessidades clínicas, conhecer sua condição de saúde (estado imunológico,
por exemplo) e o ambiente no qual está inserido (local de trabalho, moradia
etc.) a fim de antever condições ambientais às quais está exposto.
Deve-se compreender, ainda, que o êxito da terapia escolhida depende
de outras questões que, apesar de menos comuns, são muito relevantes e
precisam ser consideradas, como: respostas alérgicas, idiossincrasias,
sensibilidade a componentes da formulação do medicamento e
descontinuação arbitrária ou uso incorreto por parte do usuário.

1. Farmacocinética em sistemas oculares

A administração de fármacos em sistemas oculares enfrenta o obstáculo


de redução de sua concentração num período de tempo relativamente curto.
Essa redução pode ocorrer por remoção com fluido lacrimal ou por absorção
sistêmica em vasos capilares locais, oferecendo um desafio para o tratamento
de condições oculares.
A absorção de fármacos varia de acordo com sua característica de
hidro ou lipossolubilidade e com o local de aplicação, mas moléculas
lipofílicas e de reduzida massa molecular são, geralmente, mais comuns nas
terapias oculares.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

2. Formas farmacêuticas em oftalmologia

A forma farmacêutica é a apresentação final de um fármaco após diversas


etapas de processamento e mistura a outras substâncias que lhe garantirão
estabilidade, gosto, cheiro, forma e outras características, a fim de facilitar a
administração, buscando maior eficiência terapêutica.
Essas formas são fisicamente classificadas em sólidas, semissólidas e
líquidas e alguns fármacos, muitas vezes, estão disponíveis em mais de uma
dessas formas para, dentre outros motivos, serem uma opção de via de
administração ou facilitar adesão de pacientes como crianças e idosos.
Medicamentos de uso oftálmico podem estar disponíveis na forma de
colírios, mais comumente utilizados, suspensões, pomadas e géis. Eles
podem ser adquiridos numa composição industrialmente e comercialmente
pré-definida ou podem ser manipulados quando há necessidade de uma
composição específica.
A escolha da forma farmacêutica deve levar em conta a duração do
tratamento, frequência de administração do fármaco e a facilidade de
aplicação pelo paciente ou responsável. Dentre as formas citadas, os colírios
são amplamente difundidos, mas são superados, em alguns aspectos, por
outras formas, como por exemplo, as pomadas, que possuem efeito mais
duradouro e necessitam, portanto, de uma frequência menor de aplicação,
interessante em tratamentos longos. Por outro lado, as pomadas, apesar das
vantagens citadas, são visualmente e esteticamente desinteressantes, sendo
preteridas pelos géis que, além de proporcionar contato do fármaco com
tecidos oculares mais duradouros, oferecem uma vantagem estética e
cosmética não observada em terapias com pomadas.

Mateus Santana Lopes


41
Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

3. Anestésicos locais

Esses fármacos produzem uma inibição reversível do impulso em fibras


nervosas, limitando a função motora e a capacidade sensorial dos tecidos
inervados por essas fibras. Após o efeito, o tecido recupera as propriedades
citadas sem qualquer prejuízo à consciência do paciente, que recupera a
transmissão nervosa e a atividade das fibras nas quais os anestésicos
agiram.
Anestésicos locais exibem efeitos sobre a translocação de íons pelas
membranas celulares (Figura 8). Esses íons, como o Sódio (Na+),
atravessam a membrana e provocam sua despolarização, gerando o impulso
responsável pelo potencial de ação, característico de tecidos excitáveis.
Fármacos com ação anestésica são formulados visando não somente o
potencial de proporcionar anestesia, mas também de reduzir os possíveis
efeitos adversos derivados de uma elevada absorção sistêmica.

Figura 8 – Influxo de íons pela membrana celular


Canais dispostos nas membranas celulares, que delimitam e saparam os
espaços intra e extracelular permitem a passagem de íons para o citosol da
célula, gerando potencial de ação.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

Em sistemas oculares, os anestésicos de uso tópico são amplamente


utilizados por causa das diversas vantagens como baixo risco de interação
com outros fármacos, preço acessível e reduzida absorção sistêmica, sendo
empregados em procedimentos diagnósticos e até cirúrgicos. Contudo, em
alguns casos a aplicação via injeção de anestésicos se faz necessária,
principalmente em casos de procedimentos mais invasivos. Nesses casos,
além de reduzir o evidente incômodo gerado ao paciente, faz-se necessário
uma análise mais criteriosa do tempo de duração da anestesia e dos riscos
de toxicidade que ela oferece.
Dentre os anestésicos utilizados topicamente em sistema oculares,
destacam-se:
 Tetracaína: exibe efeito anestésico poucos segundos após sua aplicação
e dura o suficiente para ser utilizada em procedimentos curtos, de até
uma hora de duração. Produz um pequeno desconforto após aplicação e
pode, esporadicamente, causar reações alérgicas se utilizada
continuamente.
 Proparacaína: bastante semelhante à tetracaína, inclusive no tempo de
produção e duração do efeito, sem a mesma capacidade de se infiltrar em
algumas estruturas oculares. Raramente provoca reações alérgicas e é
menos incômoda aos pacientes que a tetracaína.
 Benoxinato: possui potencial terapêutico bastante semelhante ao da
tetracaína e proparacaína e produz um desconforto que é menor que o da
primeira e maior que o da segunda, respectivamente. Causa alergia em
casos isolados e pode ser utilizada em pacientes alérgicos à tetracaína.
 Bupivacaína: amplamente utilizada em doenças oculares devido sua
habilidade de não produzir efeitos tóxicos mesmo com uso contínuo.
 Cocaína: anestésico de origem natural, atualmente não é mais utilizado
em formulações de uso tópico oftálmico. Pode interagir com outros
medicamentos, dentre eles os empregados no tratamento da hipertensão,
além de possuir alto potencial de toxicidade.
De forma geral, o uso tópico não apresenta grande potencial de produzir
efeitos adversos, mas em casos específicos, como na superdosagem,
reações alérgicas localizadas são observadas na maioria dos pacientes.
Quando a aplicação é feita por meio de injeção o risco é maior e, na maioria
dos casos de intoxicação, a causa é, também, a superdosagem. Essa
intoxicação é danosa ao sistema nervoso central do paciente e pode provocar
ainda injúria aos sistemas cardiovascular e respiratório.

Mateus Santana Lopes


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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

Anestésicos são contraindicados em casos de sensibilidade do paciente


ao fármaco, sendo necessário – portanto – sua substituição por outro que não
provoque os mesmos efeitos, e em quadros de disfunção hepática. Condições
que afetam a capacidade de metabolização do fígado reduzem a
biotransformação hepática dos anestésicos, aumentando a chance de
intoxicação. Há ainda a contraindicação em casos onde a interação com
outros medicamentos pode ser potencialmente perigosa à integridade do
paciente e em casos onde sua administração pode interferir em exames,
devido a sua capacidade de inibir a produção de lágrima.
A recomendação de anestésicos para uso oftálmico deve, portanto, ser
feita com cautela e sempre para tratamentos pontuais e não como terapias
contínuas e sem supervisão profissional.

4. Antiinflamatórios esteroides

Amplamente utilizados em tratamentos que visam inibir inflamação aguda,


os antiinflamatórios esteroides atuam na consequência sem atender a causa
(tratam a inflamação sem agir no que a está produzindo) e possuem efeito,
por inibição da enzima fosfolipase que converte fosfolipídeos de membrana
em ácido araquidônico, sobre substâncias liberadas pelas membranas
celulares injuriadas durante o processo que provoca a inflamação. Eles
provocam ainda redução da produção de moléculas secretadas durante
processos inflamatórios como prostaglandinas e leucotrienos (que recrutam
células do sistema imunológico para o local da inflamação e elevam a
permeabilidade dos vasos no local da inflamação produzindo edema,
respectivamente) e reduzem a resposta celular do sistema imunológico,
principalmente a realizada por linfócitos.
Esses fármacos antiinflamatórios esteroides, também conhecidos como
corticoides, são administrados principalmente sob a forma de colírio e são
bastantes eficientes na redução da inflamação, principalmente se o
tratamento incluir repetidas doses num curto período de tempo.
Características como a absorção do fármaco pelas diferentes estruturas
oculares são essenciais para o sucesso do tratamento, contudo nem todos os
fármacos são absorvidos igualmente por elas. Ainda assim, prevalece o

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Farmacologia Aplicada à Optometria

conceito de maior absorção de fármacos cujas moléculas possuem reduzido


tamanho e solubilidade em lipídeos.
Dentre os fármacos antiinflamatórios esteroides mais utilizados no
tratamento de inflamações oculares, destacam-se a dexametasona e a
prednisolona, que diferem entre si na potência e no efeito que provocam. Elas
são diferentes ainda na dose que produz efeito antiinflamatório, mas são
ambas, recomendadas nos tratamentos de condições inflamatórias de
estruturas oculares mais distantes da superfície do olho.
O tratamento com corticoides precisa ser certeiro na dose, para não
causar complicações ao paciente, e esta deve ser reduzida ao longo do
tempo pelo mesmo motivo. A escolha da via de administração deve ser
considerada após análise do local a ser tratado e o paciente deve ser
assistido durante todo o tratamento para que efeitos adversos sejam
precocemente percebidos e a possível perda de efeito da dose possa motivar
uma mudança de dosagem ou até do fármaco administrado.

5. Antiinflamatórios não esteroides

Fármacos antiinflamatórios não esteroides, diferentemente dos corticóides


que inibem fosfolipase agem sobre a cicloxigenase (importante enzima
envolvida na biossíntese de protaglandinas) para combater a inflamação.
Essa cicloxigenase possui função constitutiva (função característica e
intrínseca de determinado tecido) e induzida (função causada ou provocada
por algum evento que acometeu o tecido) e promove, dentre outras ações,
proteção das células do trato gastrointestinal contra secreção gástrica,
influência na agregação ou antiagregação plaquetária, além da relevante e já
mencionada ação em estados de dor e inflamação.
Antiinflamatórios não esteroides, também conhecidos como AINEs,
inibem a cicloxigenase (também conhecida pela sigla COX) e impedem a
conversão de ácido araquidônico (sintetizado após ação de fosfolipase sobre
os fosfolipídeos de membrana liberados após dano tecidual) em
prostaglandinas. Eles possuem além do efeito antiinflamatório efeito
analgésico (por meio da redução da sensibilidade nas terminações nervosas)
e efeito antipirético (por aumento do ponto de controle da temperatura).

Mateus Santana Lopes


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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

Eles podem inibir seletivamente a cicloxigenase 1 ou a cicloxigenase 2


(as duas isoformas da enzima) e são utilizados em diversos procedimentos
oftalmológicos e no tratamento de condições patológicas que provoquem
inflamação. Contudo, deve-se evitar uso prolongado desses AINEs por causa
dos efeitos adversos que eles produzem, sendo os principais deles aqueles
que repercutem sobre o trato gastrointestinal (resultado da inibição de
cicloxigenase que deixa de proteger as células que compõe o epitélio contra
secreção gástrica).

6. Antialérgicos e descongestionantes

A alergia é uma condição bastante frequente entre a população e, na


maioria das vezes, repercute sobre sistemas oculares causando prurido,
sensibilidade à luz e exacerbada produção de lágrimas. Ela surge quando o
sistema imunológico responde exageradamente a um antígeno com o qual
um organismo geneticamente predisposto entrou em contato.
Esse contato, na primeira oportunidade, leva o sistema imunológico, após
uma sequência de eventos, a produzir anticorpos, num processo
empreendido pelos linfócitos B. Nos contatos subsequentes, o antígeno
provoca liberação de mediadores químicos que, após interação com seus
receptores, desencadeiam uma série de mecanismos moleculares e celulares
que causam os sintomas característicos de uma reação alérgica.
Para o tratamento dessa condição, alguns medicamentos são usualmente
recomendados destacando-se os corticoides e AINEs, já mencionados, além
dos anti-histamínicos e os estabilizadores de mastócitos (células do sistema
imunológico que armazenam e liberam, após o devido estímulo, mediadores
químicos, dentre eles a histamina).
Os anti-histamínicos, uma das principais classes de medicamentos
utilizadas no tratamento de reações alérgicas, antagonizam receptores de
histamina (composto com potencial vasodilatador sobre pequenos vasos
sanguíneos, liberado em reações alérgicas e infecções, que causa aumento
da permeabilidade vascular e provoca rubor em quadros inflamatórios) e
possuem rápido efeito no combate aos sintomas. São indicados em quadros
de conjuntivite alérgica, sob a forma de colírios, e ajudam a reduzir o prurido

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46
Farmacologia Aplicada à Optometria

intenso característico dessa condição. Eles causam leve desconforto no


momento da administração, não são recomendados para tratamentos
crônicos, em pessoas com alguma sensibilidade a qualquer componente da
fórmula do medicamento e devem ser recomendados a mulheres grávidas e
crianças com certa cautela.
Os estabilizadores de mastócitos influenciam o influxo de Cálcio (Ca²+)
nessas células inibindo a liberação de mediadores químicos por elas. São
administrados na forma de colírios e não são recomendados, a não ser em
casos específicos, para mulheres grávidas e crianças. Provocam leve ardor
após aplicação, não podem ser utilizados em pessoas com sensibilidade a
algum dos componentes da fórmula e concomitantemente com lentes de
contato. Os principais representantes da classe são cromoglicato dissódico,
lodoxamina e olopatadina, que além de estabilizar a membrana dos
mastócitos possuem, também, efeito anti-histamínico.
Já os descongestionantes são utilizados para alívio de condições como
irritação, quemose e prurido, desde que não associados a condições
infecciosas, como conjuntivites causadas por bactérias. São utilizados
também em procedimentos cirúrgicos para evitar sangramento de pequenos
vasos e protelar redução do efeito anestésico devido à absorção sistêmica.
Não são recomendados em tratamentos crônicos, nem para uso pediátrico.
Pacientes que utilizam inibidores da enzima monoamina oxidase (IMAO)
devem evitar o uso de descongestionantes devido ao risco de crise
hipertensiva.
Esses fármacos possuem efeitos simpatomiméticos (mimetizam os efeitos
do sistema nervoso simpático) ou adrenérgicos, provocando vasoconstrição.
Os mais conhecidos dentro dessa categoria de descongestionantes são a
fenilefrina, efedrina, epinefrina, nafazolina e tetraidrozolina.
A fenilefrina age estimulando receptores α adrenérgicos influenciando,
inclusive, a liberação de noradrenalina. A efedrina estimula os mesmos
receptores α adrenérgicos e pode estimular, também, receptores β. Ela
possui efeitos na liberação de noradrenalina, aumentando-a, e exerce
influência sobre o sistema nervoso central maior que a exercida pela
fenilefrina.
A nafazolina e a tetraidrozolina possuem efeito duradouro, se comparado
ao da fenilefrina e efedrina, podendo durar até três horas após a
administração. Podem causar sedação em crianças e são toleradas em
tratamentos duradouros quando aplicadas topicamente.

Mateus Santana Lopes


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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

A epinefrina é uma catecolamina que atua como agonista de ambos os


receptores, α e β e produz efeito minutos após sua administração. Provoca
vasoconstrição e, nos receptores α, gera as mesmas respostas fisiológicas
que a adrenalina.

7. Antiinfecciosos

7.1. Infecções bacterianas


Os fármacos utilizados no tratamento de infecções causadas por
bactérias são classificados de acordo com seu mecanismo de ação. Eles
atuam em diferentes regiões e por diferentes mecanismos na célula
bacteriana (Figura 9) combatendo a infecção causada por ela.
É importante salientar, antes de descrever as classes de medicamentos
utilizados no tratamento de infecções bacterianas, que existe uma
classificação das bactérias, baseada na espessura de sua parede celular.
Essa classificação, denominada Gram define:
 Gram +: possuem uma parede celular espessa e representam uma
preocupação na prática clínica atual, pois estão se tornando cada vez
mais resistentes aos antibióticos atualmente disponíveis.
 Gram –: possuem uma parede celular delgada e são dotadas de uma
membrana externa que além de proteção é capaz de secretar toxinas
(conhecidas como endotoxinas) que intensificam os sintomas observados
em infecções causadas por bactérias Gram negativas.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

Figura 9 – Anatomia de uma célula bacteriana


Estruturas encontradas em uma célula bacteriana. De maneira geral,
apesar de existirem diferentes tipos de células, uma bactéria pode ser,
basicamente, dotada de pilus (também conhecida como pili), uma extensão
da parede celular da bactéria bastante útil na sua ancoragem e na
patogênese das doenças causadas por ela; pode estar envolvida na troca de
plasmídeo (DNA circular bacteriano que possui frequentemente, genes de
resistência a antibióticos). Ribossomos, que estão envolvidos com a síntese
de proteínas. Cápsula, presente em algumas bactérias, e responsável por
aumentar sua virulência, tornando-as mais resistentes contra ações que
visam sua destruição. Parede celular é uma estrutura formada por polímeros
que envolve a membrana celular e dá forma à bactéria; alguns dos
antibióticos mais conhecidos como a penicilina atuam nessa estrutura. A
Membrana celular, assim como em células eucarióticas, é formada por
fosfolipídios. DNA (nucleóide) que não é envolto por membrana nuclear e
contém as informações genéticas da bactéria. Flagelo que permite a
locomoção da bactéria.

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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

A mais popular classe de fármacos antibacterianos é a que atua na


parede celular influenciando sua síntese. Nela destaca-se as penicilinas que
são amplamente utilizadas, devido sua eficiente ação bactericida. Contudo,
nos últimos anos sua recomendação tem diminuído dado o número crescente
de microrganismos que desenvolveram resistência a elas. As cefalosporinas
também interferem na síntese da parede celular bacteriana e são divididas
em gerações de acordo com seu lançamento no mercado. Cefalosporinas de
primeira geração possuem maior efeito contra Gram + e pouco efeito contra
Gram – cefalosporinas de segunda geração, por vez, são mais eficientes em
bactérias Gram – do que as de primeira geração. Há ainda as cefalosporinas
de terceira geração que são ainda mais eficientes contra bactérias Gram –
que as das gerações anteriores. Os efeitos colaterais das penicilinas e das
cefalosporinas são semelhantes, sendo o principal deles reações de
hipersensibilidade.
A bacitracina e vancomicina atuam na parede celular inibindo a formação
dos polímeros que a constituem, deteriorando a estrutura final, tornando a
célula menos protegida. Da classe de fármacos que agem na parede celular,
a vancomicina é a que possui maior potencial contra bactérias resistentes,
sendo recomendada, inclusive, contra infecções por Staphylococcus aureus.
Outra classe muito importante é a dos fármacos que interferem na síntese
proteica das bactérias. Esta é, provavelmente, a classe com o maior número
de representantes, sendo os mais conhecidos os aminoglicosídeos,
macrolídeos e tetraciclinas.
Os aminoglicosídeos atuam sobre os ribossomos prejudicando a leitura
de nucleotídeos durante a síntese de proteínas, debilitando os mecanismos
atuantes na replicação das bactérias. São majoritariamente recomendados
contra bactérias Gram – exceto pela neomicina, um fármaco aminoglicosídeo
bastante utilizado em combinação com outros antibióticos, que possui efeitos
contra ambos (Gram + e –). Atualmente ela não é tão utilizada devido aos
inúmeros casos de alergia que foram associados a ela.
Os macrolídeos inibem a síntese de proteínas se ligando ao ribossomo
durante a formação da cadeia peptídica. Possuem efeito sobre alguns tipos
de bactérias Gram + e – e baixa toxicidade em humanos já que sua interação
não acontece com ribossomos de mamíferos.
As tetraciclinas também inibem a síntese de proteínas por se ligarem ao
ribossomo, porém em uma região da dos macrolídeos. São recomendadas

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Farmacologia Aplicada à Optometria

contra Gram + e Gram –, mas seu uso tem se limitado nos últimos anos por
causa da resistência de alguns microrganismos.
A classe dos fármacos que interferem na síntese de DNA da célula
bacteriana atua sobre enzimas envolvidas nos processos de replicação da
molécula de DNA que são, muitas vezes, exclusivas dessas células,
reduzindo o risco de toxicidade aos seres humanos. Esses fármacos
possuem amplo espectro (atuam sobre Gram + e –) e já encontram
resistência de algumas bactérias na prática clínica.
Por fim, há a polimixina B, que atua sobre os fosfolipídios da membrana
celular provocando a morte de bactéria. Ela é eficiente contra bactérias Gram
-, mas em associação com a bacitracina pode ser utilizada como tratamento
de amplo espectro.

7.2. Infecções virais


Os vírus são organismos sem capacidade própria de replicação
necessitando, portanto, de uma maquinaria especializada nesse processo.
Por isso, são conhecidos como parasitas intracelulares obrigatórios, pois
necessitam das vias bioquímicas de replicação de um hospedeiro para
multiplicarem o próprio material genético. Eles infectam uma célula e
introduzem seu material genético com o do seu hospedeiro e se aproveitam
do processo de replicação que o DNA deste enfrenta.
Com a replicação de seu material genético, os vírus conseguem sintetizar
novas moléculas proteicas que são utilizadas na formação de partículas virais
que promovem o rompimento da célula infectada e ficam disponíveis para
infectar outras células nas adjacências.
Nos fármacos utilizados para tratamento de infecções virais, prevalece
como mecanismo de controle de replicação, a disponibilização de falsos
nucleotídeos para a síntese equivocada do seu material genético. Dentre
eles, destacam-se:
 Trifluridina: utilizada sob a forma de colírio ou pomada, pode causar
reações alérgicas em alguns casos.
 Aciclovir: utilizado sob a forma de pomada, é bastante eficiente na
inibição da replicação do material genético viral. Possui baixo risco de
toxicidade e seu uso contínuo pode trazer consequências ao trato
gastrointestinal.

Mateus Santana Lopes


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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

 Valaciclovir: é administrado por via oral, possuindo uma absorção


gastrointestinal melhor que a observada no aciclovir. Possui baixa
toxicidade, mas não é recomendado em grávidas e crianças.
 Fanciclovir: é um pró-fármaco (necessita ser metabolizado para dar
origem a forma ativa da molécula) que possui as mesmas
contraindicações que o valaciclovir.
 Ganciclovir: coíbe a formação do material genético do vírus e está
disponível para aplicação pela via endovenosa.
 Vidarabina: utilizado sob a forma de pomada e inibe uma importante
enzima do processo de replicação.
 Idoxuridina: colírio de baixa seletividade para as células infectadas que
possui preocupante potencial de toxicidade e assim como a vidarabina
inibe enzima envolvida no processo de síntese do DNA.
 Cidifovir: atua sobre enzima envolvida no processo de replicação do DNA
e seu uso contínuo está associado a graves efeitos adversos, como
teratogenicidade (potencial de influenciar em um desenvolvimento fetal
irregular).
 Foscarnet: inibe uma enzima, assim como a cidifovir, envolvida no
processo de replicação do DNA.

7.3. Infecções fúngicas


Os fungos são organismos eucarióticos cujas células possuem material
genético (DNA e RNA) envolto por núcleo. Eles produzem uma série de
substâncias que podem ser utilizadas com as mais diversas finalidades,
dentre elas: alimentícia, ambiental, industrial, cosmética, entre outras.
Apesar da importância econômica, esses organismos podem causar
infecções em diferentes tecidos como pele, mucosa oral, em órgãos e
estruturas internas e nas genitálias.
Quando uma infecção fúngica acomete sistemas oculares um diagnóstico
preciso e um tratamento eficiente são indispensáveis para que não haja
lesões profundas e irreversíveis nos tecidos dessa região, buscando o rápido
restabelecimento do paciente.
Dentre os fármacos utilizados para tratamento de infecções fúngicas em
sistemas oculares destacam-se os agentes imidazólicos, poliênicos e
análogos pirimidínicos. Os agentes imidazólicos, comercialmente conhecidos

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Farmacologia Aplicada à Optometria

pela terminação ―ol‖, como o cetoconazol e fluconazol, agem nos esteróis dos
fungos e nas suas membranas celulares, influenciando sua permeabilidade.
Eles são fungistáticos, ou seja, inibem o crescimento dos fungos, mas podem
ser fungicidas em altas concentrações.
 Cetoconazol: está disponível sob a forma de colírio, mas pode ser
administrado também pela via oral, pois possui baixa toxicidade e boa
absorção gastrointestinal.
 Miconazol: pode ser administrado por via tópica e assim como o
cetoconazol possui baixa toxicidade.
 Fluconazol: é ainda menos tóxico que o cetoconazol e pode ser
administrado pelas vias oral, tópica e endovenosa.
 Voriconazol: é um análogo sintético do fluconazol que atua no esterol
presente nas membranas celulares dos fungos.
 Itraconazol: seu mecanismo de ação é muito semelhante ao do
cetoconazol e sua transposição pelos tecidos é prejudicada devido à alta
taxa de ligação às proteínas plasmáticas.
Os agentes poliênicos atuam na membrana celular dos fungos, sobre o
esterol presente nelas, causando o rompimento de sua parede celular, uma
estrutura que possui certa rigidez envolvida em diversos processos que
viabilizam sua sobrevivência. Nesta classe destacam-se a anfotericina B e a
nistatina. A primeira é uma indicação off-label (citada posteriormente) e a
segunda, devido aos efeitos tóxicos provocados, tem uso clínico limitado.
Dentre os análogos pirimidínicos, destaca-se a flucitosina, que se
intercala ao RNA do fungo como uma base nitrogenada e obstrui as vias de
síntese de proteínas. Pode produzir resistência se for utilizada por grande
período de tempo e precisa estar associada a outro antifúngico em certas
infecções.

7.4. Infecções parasitárias


Parasitas são organismos que não possuem a habilidade de produzirem o
próprio alimento e se alojam no corpo de outro indivíduo, conhecido como
hospedeiro, para extraírem nutrientes essenciais à sua sobrevivência.
Nesta relação, denominada parasitismo, um organismo é o único
beneficiado (parasita), enquanto o outro, apesar de permanecer vivo, é
prejudicado (hospedeiro). Ela pode se desenrolar com a instalação do

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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

parasita em diversos locais do corpo do hospedeiro (podendo inclusive estar


localizado em regiões externas como os piolhos, por exemplo) e está
associada a condições higiênico-sanitárias precárias.
Em sistemas oculares, dois parasitas são os principais responsáveis
pelas infecções parasitárias observadas na prática clínica: acanthamoeba e
toxoplasma, ambos protozoários. Eles causam a ceratite e toxoplasmose,
respectivamente, e podem causar danos sérios aos sistemas oculares (dentre
eles, a perda da visão).
A acanthamoeba é um parasita encontrado em grandes centros urbanos
que provoca uma inflamação da córnea, denominada ceratite, que além de
intervenção farmacológica requer procedimento cirúrgico para tratamento. A
infecção não é tão comum e está associada, principalmente, ao uso de lentes
de contato sem as devidas condutas de higiene. Não existe ainda um fármaco
específico para o tratamento desta condição, sendo bastante comum o uso de
antibióticos, analgésicos e até corticóides (em casos de inflamação intensa).
O toxoplasma gondi, responsável pela toxoplasmose, é um parasita que
precisa infectar uma célula para sobrevivência e possui um ciclo biológico que
envolve, além de seres humanos, animais (principalmente domésticos, como
cães e gatos). Ele pode ser transmitido por alimentos contaminados e requer
especial atenção quando acomete mulheres grávidas, pois seu tratamento é
delicado e há risco de transmissão para o feto (toxoplasmose congênita).
Dentre os fármacos utilizados para tratamento de infecções causadas
pelo toxoplasma, destacam-se:
 Pirimetamina: atua sobre enzimas que atuam em processos essenciais à
replicação do material genético e, consequentemente, à síntese de RNA.
 Sulfonamida: age sobre a síntese de substâncias necessárias ao
processo de replicação do material genético.
 Clindamicina: inibe a síntese de proteínas do parasita e não é
recomendada para tratamento de pacientes gestantes por apresentar
riscos ao feto, já que consegue transpor a barreira placentária.
 Espiramicina: também inibe a síntese de proteínas do parasita e é a
primeira escolha para tratamento de mulheres grávidas devido sua baixa
toxicidade e ausência de efeito teratogênico.
 Tetraciclina: inibe a síntese de proteínas e além de atravessar a barreira
placentária pode ser encontrada no leite materno.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

Outros fármacos podem ainda ser usados para complementar o


tratamento ou combater alguma condição que deriva da infecção por
toxoplasma, como a inflamação que, frequentemente, é tratada com
prednisona, um corticoide.

8. Hipotensores e hiperosmóticos

Fármacos que reduzem a pressão ocular são particularmente importantes


no tratamento do glaucoma, precedendo um procedimento cirúrgico, presente
na maioria absoluta dos casos. Seu uso objetiva reduzir os riscos de perda de
visão restringindo a produção ou ampliando a drenagem do humor aquoso
(fluido incolor composto de água e sais que preenche as câmaras oculares,
nutre suas estruturas e auxilia na manutenção da pressão hidrostática).
Alguns dos principais representantes dessa classe de fármacos são:
 Epinefrinas: atuam em ambos os receptores adrenérgicos (α e β)
elevando a fluidez do humor aquoso. O principal representante deste
grupo é o dipivalil-epinefrina, cuja grande absorção tornou seu uso viável
já que reduz os riscos de efeitos sistêmicos. Trata-se de um pró-fármaco
que precisa do metabolismo para ser ativado e que em baixa
concentração produz os efeitos desejados.
 Agonistas de receptores adrenérgicos α2: os principais representantes
desse grupo são a apraclonidina e a brimonidina. Ambos são derivados
da clonidina (utilizada no tratamento anti-hipertensivo) e são bastantes
eficientes na redução da pressão intraocular. A apraclonidina difere-se da
clonidina por ser menos lipossolúvel e, consequentemente, provocar
menos efeitos sistêmicos e enfrentar maior dificuldade para transpor as
barreiras de proteção do sistema nervoso central. A brimonidina, por sua
vez, possui um efeito parecido com o da apraclonidina, apesar de ser
mais lipossolúvel. Seu uso por longos períodos de tempo não reduz seu
efeito e, assim como a apraclonidina, pode ser usada como adjuvante em
procedimentos cirúrgicos.
 β-bloqueadores: bloqueiam receptores α-adrenérgicos e reduzem a
produção do humor aquoso, levando à diminuição de pressão intraocular.

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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

Os representantes dessa classe são conhecidos pela terminação ―ol‖ e


podem ser associados a outros fármacos no tratamento da hipertensão. O
timolol, um dos representantes dessa classe, atua sem seletividade sobre
ambos os receptores β e não é indicado para tratamentos longos, por
causa de perda de efeito num curto período de tempo. É uma das
primeiras opções para iniciar o tratamento do glaucoma e,
frequentemente, é associado a outros fármacos para que se alcance o
efeito desejado. O betaxolol é outro β-bloqueador e, diferente do timolol,
possui seletividade por receptores β localizados no coração, além de
possuir menor absorção sistêmica, reduzindo as chances de efeitos
adversos advindos dessa absorção. Impede a produção do humor aquoso
e pode ser eficientemente associado a outros hipotensores, exceto os
demais β-bloqueadores. O metipranolol possui efeito similar ao do timolol
e assim como outros β-bloqueadores não é indicado em pacientes com
insuficiência cardíaca, asma brônquica e DPOCs (doenças pulmonares
obstrutivas crônicas). O levobunolol possui ação semelhante ao do timolol
e metipranolol e pode ser a medicação inicial do tratamento de glaucoma.
Pode ser associado a outros hipotensores e suas contraindicações são as
mesmas que a de outros β-bloqueadores. O carteolol pode apresentar
sutil atividade simpatomimética e provocar menos efeitos pulmonares e
cardiovasculares que timolol e levobunolol. Pode ser prescrito para a
terapia de glaucoma e possui as mesmas contraindicações que os demais
β-bloqueadores.
 Parassimpatomiméticos: são aqueles que produzem efeito mimetizando
as ações do sistema nervoso parassimpático por estímulo direto sobre os
receptores de acetilcolina ou inibindo a acetilcolinesterase (responsável
pela degradação da acetilcolina). A maioria dos fármacos dessa classe foi
perdendo espaço para os hipotensores mais modernos e atualmente
alguns deles só se encontram para manipulação. A pilocarpina, um
fármaco que age seletivamente sobre receptores muscarínicos, reduz a
pressão intraocular e facilita a drenagem do humor aquoso. É indicada no
tratamento do glaucoma e, em casos de superdosagem, eventos
gastrointestinais – apesar de pouco frequentes – podem ser relatados. O
carbacol é outro hipotensor parassimpatomimético que atua nos
receptores de acetilcolina e que reduz a pressão intraocular com
eficiência semelhante à da pilocarpina. Pode ser utilizada em
procedimentos cirúrgicos durante o tratamento de glaucoma e está
disponível para manipulação em diferentes formas farmacêuticas.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

Ecotiofato, fisostigmina, demecário e fosfolina são fármacos de ação


parassimpaticomimética que atuam inibindo a acetilcolinesterase
aumentando o tempo de ação da acetilcolina. Esses fármacos não são
comercializados no Brasil, são recomendados no tratamento do glaucoma
nos países onde estão disponíveis (como os demais
parassimpatomiméticos) e possuem ação mais duradoura, apesar de
provocarem efeitos adversos sistêmicos com frequência maior que os
fármacos que agem nos receptores de acetilcolina.
 Inibidores da anidrase carbônica: fármacos que agem sobre a anidrase
carbônica (enzima envolvida no transporte de CO²) são utilizados como
adjuvantes no tratamento com hipotensores oculares e exercem efeito
inibindo a secreção do humor aquoso. A acetazolamida está disponível
para administração por via oral e tópica e é contraindicada em pacientes
cuja função hepática ou renal esteja prejudicada. A brinzolamida inibe a
anidrase carbônica II e é recomendada para tratamento de pressão
intraocular em pacientes com glaucoma ou hipertensão ocular.
Dorzolamida e metazolamida são outros dois fármacos da classe dos
inibidores da anidrase carbônica que possuem, basicamente, as mesmas
indicações dos demais medicamentos e são contraindicadas em
pacientes com alguma sensibilidade a algum componente de sua
formulação.
 Prostaglandinas: é uma classe de hipotensores que tinha perdido espaço
na prática clínica por causa dos efeitos adversos que provocava, mas
devido ao avanço na síntese dos novos fármacos acabou ganhando novo
espaço já que esses efeitos foram minimizados com um novo grupo de
prostaglandinas desenvolvido. Latanoproste foi o primeiro fármaco
desenvolvido dentre os novos representantes de prostaglandinas com
menos efeitos adversos e produz efeito após ativação por metabolização
(pró-fármaco). É aplicado topicamente e não possui efeitos derivados de
absorção sistêmica consideráveis. Um efeito resultante do uso de
latanoproste é a alteração da cor dos olhos, observado em pacientes com
olhos de coloração mais clara ou mista, mas que pode nem ser percebida.
Bimatoproste é um análogo sintético da prostaglandina com significativo
potencial hipotensor que possui recomendação para tratamento de
glaucoma e não é indicado para tratamentos longos com associação a β-
bloqueadores. Travoproste é indicado para redução da pressão
intraocular em pacientes com glaucoma e hipertensão ocular. Trata-se de

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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

um pró-fármaco que possui como efeito adverso mais comum o aumento


do suprimento arterial de sangue conhecido como hiperemia.
Unoprostone reduz a pressão intraocular facilitando o escoamento do
humor aquoso e, assim como os demais fármacos, pode causar efeitos
locais e sistêmicos, embora eles sejam pouco frequentes.
Alguns dos fármacos das classes citadas acima podem ser associados
para tratamento de hipertensão ocular, glaucoma e como adjuvantes em
procedimentos cirúrgicos. Essa associação deve respeitar as indicações e
contraindicações que cada um deles possui isoladamente e visar a
recuperação do paciente sem colocar sua saúde em risco.
Em alguns casos, para garantir a segurança do paciente, faz-se
necessário uma rápida redução da pressão ocular. Nesses casos, a utilização
de agentes hiperosmóticos é bastante eficiente e, embora o mecanismo de
ação específico não tenha sido completamente elucidado, sua administração
por via oral ou endovenosa é uma boa opção para um efeito hipotensor ágil.
O manitol é o agente hiperosmótico mais competente na redução da
pressão intraocular e seu efeito pode ser percebido minutos após sua
administração (feita por via intravenosa). Ele pode provocar alguns efeitos
adversos e não está indicado em pacientes desidratados ou com
comprometimento da função renal (como anúria, por exemplo), pois sua
excreção se dá majoritariamente pela urina.
O glicerol é outro agente hiperosmótico, mas, diferente do manitol, pode
ser administrado por via oral. Requer cuidado quando indicado a pacientes
diabéticos e não é indicado em casos de insuficiência cardíaca ou renal. A
isossorbida, assim como o manitol é excretado majoritariamente pela urina e,
diferente do glicerol, não oferece o prejuízo de elevado valor calórico. É
administrada por via oral e produz efeito que pode durar até cinco horas após
sua administração.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

9. Midriáticos e midriolíticos

Denominam-se midriáticos medicamentos que provocam midríase,


popularmente conhecida como dilatação da pupila. Eles são o que se
conhece por simpatomiméticos, ou seja, mimetizam as ações do sistema
nervoso simpático. Por outro lado, fármacos que impedem as ações desse
sistema (antagonizando receptores adrenérgicos) são utilizados para reverter
a midríase e são denominados midriolíticos.
A fenilefrina é um fármaco sintético que mimetiza o sistema nervoso
simpático e age majoritariamente em receptores α. Ela possui ação direta
(nos próprios receptores), provoca contração muscular (especialmente de
músculos envolvidos com dilatação da pupila) e é aplicada sob a forma de
colírio. Dor e irritação são alguns dos efeitos relatados por pacientes após
aplicação de fenilefrina e a dilatação causada por ela pode durar algumas
horas, voltando ao normal logo após esse período. Seu uso crônico não é
recomendado, bem como sua administração a pacientes que utilizam
medicamentos que agem no sistema nervoso central (como inibidores da
enzima monoamina oxidase e antidepressivos tricíclicos).
A fenilefrina deve ser administrada com cautela (preferencialmente numa
concentração menor) em idosos e crianças, além de requerer atenção quando
administrada em pacientes acometidos por distúrbios cardíacos, com
hipertensão arterial sistêmica, diagnosticados com doenças metabólicas
como o diabetes (especialmente os que fazem uso de insulina exógena para
controle glicêmico) e pacientes com aterosclerose. Ela deve ser armazenada
com rigor e deve-se evitar seu uso indiscriminado.
A hidroxianfetamina é outro fármaco midriático que apesar de estimular
levemente receptores adrenérgicos tem, como principal mecanismo de ação,
a influência que exerce sobre a liberação de norepinefrina pelas terminações
nervosas. Ela pode causar efeitos localizados, tal qual a fenilefrina, mas
diferentes desta, é segura, por exemplo, em diabéticos insulino-dependentes
e possui, de forma geral, menos contraindicações.
A cocaína é um midriático que além de vasoconstrição pode provocar
anestesia local, podendo, também, estimular o sistema nervoso central. Ela
possui um efeito com duração semelhante ao da fenilefrina, mas tem uso
restrito na prática clínica devido às consequências sobre o SNC. A cocaína é

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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

conhecida por provocar agitação e inquietação e, nos piores casos, levar a


parada respiratória.
Fármacos midriolíticos, por sua vez, podem reverter os efeitos
provocados pelos midriáticos. O dapiprazol pertence a essa classe (é o
principal representante) e atua bloqueando receptores α adrenérgicos
presentes no músculo responsável pela dilatação da pupila. Ele provoca
miose (contração da pupila) e é bastante eficiente na reversão dos efeitos
provocados pela administração de fenilefrina. Seu uso não é indicado em
casos onde a miose pode representar algum risco a integridade do paciente e
em pessoas com sensibilidade a algum dos componentes da fórmula do
medicamento.

10. Cicloplégicos e mióticos

Medicamentos cicloplégicos são antagonistas do sistema nervoso


parassimpático que atuam inibindo as ações da acetilcolina e são
frequentemente utilizados para tratamento de condições inflamatórias em
sistemas oculares. Eles causam, além de dilatação, a falta de acomodação
devido a paralisia que provocam no músculo ciliar do olho que deixa de ser
responsivo ao estímulo colinérgico.
A atropina é um dos medicamentos de maior efeito cicloplégico, que age
obstruindo a ação da acetilcolina nos seus receptores e causa, também,
midríase. Ela é usada como adjuvante no tratamento de inflamação da íris e
corpo ciliar e pode, também, ser utilizada para frear a progressão da miopia,
embora os efeitos adversos dessa prática desencorajem esse uso. Ela causa
leve irritação após aplicação e é rapidamente absorvida pela circulação
sistêmica, podendo causar efeitos como sonolência e taquicardia. Seu uso
não é recomendado em indivíduos com comprometimento das funções mental
ou motora e requer muito cuidado, como a maioria dos medicamentos,
quando administrada em crianças e idosos.
A homatropina, outro medicamento cicloplégico, é um parassimpatolítico
(inibe a atividade do sistema nervoso parassimpático) assim como a atropina,
mas seu efeito é mais sutil e menos duradouro. Ela também pode ser utilizada
para tratamento de condições inflamatórias e na realização de exames e em

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Farmacologia Aplicada à Optometria

procedimentos operatórios. Não é recomendada a pacientes com alguma


sensibilidade aos componentes de sua fórmula e deve ser aplicada com os
mesmos cuidados que a atropina.
A escopolamina é mais um fármaco da classe dos cicloplégicos e seu
efeito é menos potente que o da atropina e mais potente que o da
homatropina. Seu uso é limitado devido a alta capacidade de produzir
reações tóxicas, embora possa ser escolhida para substituir a atropina
quando esta não puder ser aplicada. É indicada em exames e procedimentos
operatórios e pacientes nos quais foi administrada relatam, frequentemente,
sensação de sonolência.
Ciclopentolato é um cicloplégico cujo efeito parassimpatolítico é bastante
potente e a dilatação e falta de acomodação são bastante eficientes. Pode
substituir competentemente a atropina e raramente está associado ao
desenvolvimento de reações alérgicas locais. Não está isento de causar
reações sistêmicas e a intensidade dessas, assim como no caso dos demais
cicloplégicos, é dependente da dose.
A tropicamida é responsável por uma midríase e cicloplegia alcançada
mais rapidamente quando comparada a outros fármacos anticolinérgicos,
sendo escolhida em casos onde a dilatação requerida não precisa ser
duradoura. Ela pode ser associada a um fármaco midriático para efeito rápido
e eficiente e requer cuidados para ser administrada em crianças.
Medicamentos mióticos são parassimpatomiméticos e causam respostas
similares às de agonistas colinérgicos. A pilocarpina é um fármaco dessa
classe e age estimulando receptores muscarínicos que levam a constrição da
pupila. Ela possui efeito secundário de redução da pressão intraocular,
embora esse uso específico não venha sendo encorajado nos últimos tempos
devido às reações adversas que provoca. Seu uso contínuo não é
recomendado, pois uma série de efeitos locais já foi relatada, sendo a
descontinuidade do tratamento a medida mais eficiente para a interrupção
dessas respostas indesejáveis. Ela é preconizada para o tratamento de
glaucoma, mas não tem resultados promissores em pacientes jovens que
podem, inclusive, desenvolver intolerância ao fármaco.
O carbacol é um miótico indicado para tratamento de glaucoma e em
pacientes no pós-operatório. Se administrado nas doses corretas, o
surgimento de efeitos adversos é bastante improvável e ele não é indicado,

Mateus Santana Lopes


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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

basicamente, nos mesmos casos que a pilocarpina (pacientes jovens,


asmáticos, diagnosticados com catarata, entre outros).
O ecotiofato compõe a tríade dos medicamentos mióticos mais utilizados
na prática clínica atual e produz a miose por meio do efeito que exerce sobre
a acetilcolinesterase. Esse mecanismo, definido como agonista colinérgico
indireto, aumenta o tempo de atuação da acetilcolina inibindo a enzima
responsável pela sua degradação. Ele produz efeito que pode durar alguns
dias, mas não é tão eficaz no tratamento de glaucoma quanto os outros
fármacos dessa classe. As respostas adversas advindas de sua
administração podem ser locais, mas podem, também, repercutir sobre o trato
gastrointestinal, causando vômitos e diarreias. Suas contraindicações são
semelhantes às da pilocarpina e carbacol, com especial atenção a pacientes
que tiveram contato com defensivos agrícolas, devido ao risco de
comprometimento muscular (miastenia) e de alterações no sistema nervoso
central.

11. Corantes

Os corantes são amplamente utilizados para finalidades diagnósticas, na


investigação de patologias e em procedimentos cirúrgicos e são específicos
para as diferentes estruturas oculares. Eles produzem diferentes tonalidades
(verde, azul, vermelho e rosa, por exemplo) que auxiliam na identificação da
condição patológica e da estrutura atingida.
Eles estão disponíveis majoritariamente sob a forma de colírios, mas
também podem ser encontrados na forma de adesivos, injeção (para
investigação de condições vasculares) e, com menos frequência, para uso
oral. Os efeitos adversos variam de acordo com a dose e via de
administração, assim como os demais fármacos, e alguns deles
(principalmente os injetáveis) devem ser preferencialmente, restritos ao
ambiente hospitalar.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

12. Lubrificantes

Compostos que atuam como lubrificantes estão comercialmente


disponíveis sob a forma de colírios ou géis e apesar de não reproduzirem
fielmente a lubrificação produzida pela lágrima, são bastante eficientes no
tratamento de condições associadas ao olho seco.
A ciclosporina A é um dos fármacos utilizados para estimular a produção
de lágrima e pode, também, reduzir moléculas pró-inflamatórias da superfície
do olho, o que aumenta o leque de opções de uso. Imunomoduladores que
possuem mecanismo de ação semelhante ao da ciclosporina A (como o
tacrolimo, por exemplo) têm se mostrado bastante promissor no tratamento
de doenças de cunho inflamatório e podem, num futuro próximo, serem uma
alternativa em casos onde a ciclosporina A não pode ser utilizada.
O uso de colírio com vitamina A, cuja deficiência está intimamente
associada ao olho seco, mostrou-se promissor em alguns casos (geralmente
casos críticos), não sendo, portanto, amplamente recomendável para
tratamento de desordens associadas à falta de produção lacrimal.
Uma nova alternativa para tratamento de doenças da superfície ocular e
olho seco é a administração de colírios de soro autólogo, que possui
resultados ainda mais promissores que os observados após administração de
lágrimas artificiais. Este soro é preparado após coleta de sangue do próprio
paciente, do qual se separa uma fração conhecida como soro (uma parte que
constitui o sangue e que, ao contrário do plasma, não possui fibrinogênio,
uma proteína envolvida na cascata de coagulação).
Este soro possui diversas propriedades que as lágrimas artificiais não
possuem e é rico em diversas moléculas que atuam nas células oculares
sem, contudo, oferecer risco de rejeição ou reação imunológica, já que
pertence ao próprio indivíduo no qual vai ser administrado. Ele precisa ser
armazenado com um rígido controle de temperatura e higiene para evitar sua
deterioração ou contaminação.
Outras preparações com frações sanguíneas têm mostrado resultados
promissores em pesquisas que visam o tratamento de doenças da superfície
ocular como o sangue do cordão umbilical e o concentrado de plaquetas. A
hipótese é que esses preparados são ainda mais eficientes por possuírem

Mateus Santana Lopes


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Ações de fármacos em sistemas fisiológicos específicos oculares

fatores de crescimento (substâncias que atuam na proliferação celular) em


maior quantidade que o soro autólogo. Contudo, seu uso clínico deve esperar
resultados mais robustos vindos das pesquisas.
Por uma via diferente da qual se utilizam para exercerem seu efeito
antibacteriano, a tetraciclina e seus análogos também podem ser utilizados
para tratamento de olho seco, pois auxiliam na fluidez da lágrima produzida.
Ácidos graxos também é uma alternativa para tratamento da superfície
ocular, devido aos resultados favoráveis em pesquisas científicas, com a
vantagem de não serem tidos pela população como um medicamento, mas
um suplemento alimentar. Cápsulas podem ser ingeridas durante a
alimentação e a adaptação dos pacientes é, na maioria das vezes, muito mais
fácil.

13. Off-label

Off-label ou medicamentos órfãos são uma categoria especial de


fármacos utilizados para algumas finalidades que já estão, inclusive, listados
nos programas de saúde de vários países, como Austrália, Estados Unidos e
Brasil, por exemplo.
Por definição, um fármaco é considerado off-label quando utilizado para
uma finalidade que não consta na sua bula. O profissional de saúde pode
recomendar seu uso quando os benefícios à saúde do paciente são maiores
que os riscos e desde que haja racionalidade na recomendação e indícios de
que essa prescrição pode ser feita. O paciente, contudo, precisa ser
comunicado de que seu tratamento será com um off-label e de que ele estará
suscetível a efeitos adversos que podem nem ter sido descritos.
Medicamentos órfãos, por sua vez, são utilizados em condições menos
frequentes como diagnóstico, prevenção ou tratamento de doenças raras e
são assim denominados porque seu custo de produção não é financeiramente
vantajoso para as indústrias farmacêuticas já que se destinam a um público
consumidor muito pequeno.
Alguns fármacos utilizados em sistemas oculares não foram fabricados
para esta finalidade, mas têm sido eficientes nos casos onde são prescritos.

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Farmacologia Aplicada à Optometria

Entre eles encontram-se mucolíticos (reduzem a produção de secreções),


antifúngicos, medicamentos para tratamento de câncer e até substâncias
utilizadas para tratamento de piscinas.

Mateus Santana Lopes


Referências
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Farmacologia Aplicada à Optometria

RANG & DALE. Farmacologia. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda.,


2012.
ABIB, Fernando Cesar. Terapêutica farmacológica em oftalmologia. 5.
ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2005.
DANTAS, Adalmir Morterá; FILHO, Acácio Alves de Souza Lima;
MARBACK, Roberto Lorenz. Série de oftalmologia Brasileira – Fisiologia,
Farmacologia e Patologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica: Guanabara
Koogan, 2013.
FILHO, Valdir Cechinel. Fármacos e medicamentos: uma abordagem
multidisciplinar. São Paulo, SP: Santos, 2010.
WHALEN, Karen; FINKEL, Richard; PANAVELIL, Thomas
A. Farmacologia Ilustrada. 6. ed. Artmed Editora, 2016.

Mateus Santana Lopes

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