Alma S.A 2024

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IVAN FERNANDES

ALMA S.A.
EPISÓDIO 1
um velho apartamento, vazio há muito tempo. Apesar de seu aspecto
empoeirado e desprovido de vida, é um lugar amplo e iluminado.
A porta do lugar se abre, e entra VLADIMIR, um corretor, seguido por
RATO.

VLADIMIR — Precisa de algumas reformas. Mas apartamentos


antigos têm um espaço que você não encontra mais. Olha o tamanho
dessa sala. E essa vista! Esse céu azul!

Vladimir abre a cortina. Uma manhã de céu azul intenso, sem nuvens,
vista pela janela do apartamento. Rato vai até a janela e se distrai com
o céu azul.

VLADIMIR – Agora olha esse banheiro. Essa podia ser a banheira de


um imperador romano, olha o tamanho.

RATO – O que eu procuro é isolamento.

VLADIMIR — Completo. Na verdade, há muito tempo ninguém mora


aqui. O último morador foi um comediante antigo. Você deve ter
ouvido falar, ele fazia aquele personagem do diabo na televisão. Só
tinha piada cabeluda, palavrão, essas coisas. Hoje não aparece mais
na televisão. Deve ter morrido. Ih, não tô dizendo? Deixaram uma foto
dele aqui.

RATO entra na área de luz do apartamento pra olhar a foto, e vemos


seu rosto pela primeira vez: o rosto de um homem ainda jovem, mas
anormalmente envelhecido.

RATO – Eu fico com o apartamento.

Vladimir aponta seu celular e tira uma foto de Rato, que fica meio
desnorteado com o flash.

VLADIMIR - É só pra adiantar a papelada. (tira papéis do bolso)


Aproveita e assina aqui, por favor... (Rato assina meio zonzo) E
quando pretende se mudar?

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RATO - Agora.

Surpreso, Vladimir entrega as chaves.

VLADIMIR – Se precisar de qualquer coisa, é só entrar em contato.

RATO – Não vou precisar.

Vladimir sai. Rato, sozinho no apartamento. Retira o agasalho:


percebemos seu braço coberto por chagas.

Enquanto Rato está no apartamento, acompanhamos o percurso de


Vladimir até a portaria, onde se encontra com Bragança.

BRAGANÇA – Você é o corretor do apartamento? Eu estou


interessado...

VLADIMIR – Jura? Olha, acabou de alugar. Coisa engraçada. Durante


anos não veio ninguém, e do nada vem dois no mesmo dia. A ordem
do dono era fechar com o primeiro que aparecesse.

BRAGANÇA - É uma pena. Aquele apartamento era perfeito pra mim.

VLADIMIR – Não diga isso. Eu posso encontrar para o senhor outro


apartamento mais perfeito ainda. O apartamento perfeito é o que
combina melhor o desejo com a realidade. Eu asseguro que posso
encontrar um apartamento que alcance todos os seus desejos.
Quando bato os olhos em uma pessoa, eu sou capaz de ver o sonho
dela e quanto isso custa.
BRAGANÇA – Os sonhos das pessoas e o seu preço. Eu também
trabalho com isso. Você parece ser bom. Quer trabalhar pra mim? (dá
a Vladimir um cartão) Você pode dar as costas pra esse emprego
agora.
VLADIMIR (olha o cartão e assobia, espantado) – Por que um cara
como você quer morar num muquifo desses?
BRAGANÇA – Na verdade essa é a minha forma de encontrar
talentos. Esse pessoal que vem debaixo com as próprias mãos, que tá

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aí cavando seu futuro... é nessa gente que eu confio. É dessa gente
que eu quero me cercar.
VLADIMIR – E você viu isso em mim?
BRAGANÇA – Eu também vejo seu sonho e seu preço. Esse é meu
trabalho. Sua vida acabou de mudar. Suas preces foram atendidas.
VLADIMIR – Ô Glória!
BRAGANÇA - Tira o final de semana de folga, curte o mar, o céu azul.
Me procura na segunda. Agora se me dá licença, vou fazer uma oferta
pra esse cara do apartamento. Quem sabe ele não faz negócio
comigo?

Luz sobre Rato. Bragança se aproxima dele.

BRAGANÇA — Quem entra aqui pensa que é noite. Pra que tanta
treva?

RATO — A luz atrai insetos. (pausa)

BRAGANÇA — Vou perguntar pela última vez, Rato. Por que não está
onde devia estar fazendo o trabalho que devia fazer?

RATO — Quer ver uma coisa engraçada? Bati meu recorde de tempo.
Dois dias pra ser encontrado. Tu tá ficando velho.
(Bragança acende um isqueiro. Subitamente Rato começa a se
contorcer de dor)

BRAGANÇA - Muito engraçado, Rato. Tem mais uma piada pra mim?
(Bragança apaga o isqueiro. Rato pára de se contorcer)

RATO — Quantas almas eu entreguei a vocês de bandeja esse tempo


todo? Todo mundo tem uma fase ruim.

BRAGANÇA — A sua tem durado tempo demais.

RATO - Bragança, quantos da empresa tão aí na rua atrás de um


contrato? Todo mundo quer se vender. Pra que vocês ainda precisam
de mim? Eu quero sair.

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BRAGANÇA — Isso não é você que decide, Rato.

RATO — Não quero mais fechar contratos.

BRAGANÇA — Não existe demissão. Nunca houve um caso assim. É


uma lenda. Uma história que a gente ouve quando entra aqui. Existem
as metas definidas pela gestão. Cumpra as metas.

RATO — Eu odeio este trabalho.

BRAGANÇA — Devia ter pensado nisso quando assinou o seu


contrato, meu amigo. Eu não tive nenhuma reclamação enquanto você
recebia a sua parte. O que houve com você? Você era a nossa
principal arma.

RATO — Eu estou há tempo demais aqui. Vi coisas demais.

BRAGANÇA — Pois acostume os olhos. (Bragança puxa uma


maquininha de cartão)

RATO — Ah não... de novo não...

BRAGANÇA — Das trevas ao mundo, Rato. Essa é a lei. Tem alguma


coisa a dizer antes de ser mandado de volta?

RATO — Pau no cu das metas! Pau no cu da gestão! Pau no cu...

Bragança digita uma senha na máquina. Rato desaparece.


Bragança guarda a máquina de cartão, no apartamento vazio.
Ele nota a foto de Colé. Segura e a olha com atenção, e depois a
guarda no paletó.

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EPISÓDIO 2
Luz sobre Jessica, uma nadadora profissional, em seu vestiário,
minutos antes de subir para uma prova. Ela faz pequenos
aquecimentos. Ao seu lado, Piolho, da equipe técnica, monitora seus
movimentos.

JESSICA – 34, 35, 36...

PIOLHO - Depois que ela tirou a blusa, ela virou pra mim e foi
chegando perto e os peitos dela já estavam encostados em mim
enquanto o resto ainda vinha lá atrás, sacou?

JESSICA – 46, 47, 48...

PIOLHO - Aí ela fez o que ela achava que era a sua cara mais
sedutora, e aí sussurrou pra mim, com aquela voz rouca de
anabolizante: “pede pra mim ficar de quatro.” E foi aí que desandou.
Eu corrigi: pede pra eu ficar de quatro. Ela disse: você? Eu disse não,
você. Pra você ficar de quatro. - Foi o que eu disse, pede pra mim ficar
de quatro. - EU! EU! - Mas é você ou eu? - VOCÊ, porra! Mim não fica
de quatro, imbecil! Se diz eu! Eu!

JÉSSICA – Vou falar mais uma vez, Piolho: tu tá me atrapalhando.


(contando exercícios) 56, 57, 58, 59... (sente o ombro)
PIOLHO – Você tá sentindo o ombro?
JÉSSICA – Não.
PIOLHO – O ombro direito. Tá alongando menos desse lado.
JÉSSICA – Tô me guardando pra prova.
PIOLHO – Se guardando um cacete! É a mesma lesão. Você tá
mentindo pro departamento médico. Preciso reportar isso.
JESSICA – Não! Por favor!
PIOLHO – Favor tem preço, baby!
JESSICA – Que... que preço?

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Olhar malicioso de Piolho. Ele se aproxima de Jessica. Jessica
paralisada. Telefone de Piolho toca.
BODE – Merda! Dá licença um instantinho. (ele se afasta) Fala chefe!
Ele sai do vestiário e atende.
Foco em Bragança, ainda no apartamento.
BRAGANÇA - Piolho, tá aonde?
PIOLHO - Tentando bater minha meta...
BRAGANÇA – Esquece a meta. Preciso que você tome conta de um
velho amigo seu...
PIOLHO – O Rato de novo? Tem que ser agora? Bragança, tô no meio
de uma parada aqui...
BRAGANÇA – Agora. Vou te passar as coordenadas.
PIOLHO – Ok. Se tu não segura as crises de consciência dele, deixa
comigo...
Piolho desliga o telefone, luz sobre Bragança morre.
PIOLHO – Voltando ao nosso assunto, Jessica... Jessica?
Desanimado, ele olha para a tv do vestiário para ver a prova.
LOCUTOR – Boa noite, senhoras e senhores! Vai começar o grande
prêmio Brasil de natação! As competidoras dos 800 metros estão se
preparando, cada uma em sua raia. Aí você vê a nossa Jessica
Oliveira, grande esperança de medalha nos Jogos Olímpicos! E
começou! Jessica vai liderando a prova! E agora viramos os primeiros
50 metros. Jessica vai se distanciando em primeiro! Virou os cem
metros! Epa! Jessica forçou, hein? Sentiu! Nitidamente sentiu o ombro.
Será que é a mesma contusão? E atenção! Jessica Oliveira
abandonou a prova! É ultrapassada pelas outras competidoras. A
grande esperança de medalha brasileira sente a mesma contusão! Ela
se afunda na água, chorando... uma imagem muito comovente que
oferecemos a vocês através dos nossos patrocinadores!

À medida que as coisas vão dando errado para Jéssica, Piolho sorri.

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EPISÓDIO 3

Colé Colado faz um número de piadas. É um homem velho, com o


rosto inteiramente maquiado, em um fantasia infantilizada de diabo.
Sua ajudante de palco, Isabel, já passando da idade de ser uma
mulher que ganha a vida com o corpo, está vestida com um maiô que
um dia foi provocante.
A platéia compõe-se de uns poucos espectadores homens, apáticos, e
de Bragança, sentado isoladamente na última fila.
COLÉ – Antigamente a vida de um diabo era muito fácil. Bastava gritar
um puta-que-pariu em hora errada que todo mundo ficava
escandalizado. Muita gente nascia e morria sem proferir um único
puta-que-pariu. Meu primeiro número foi numa Sexta-feira santa. Sabe
o que eu fiz? Comi carne. Simplesmente subi ao palco e me atraquei
com um filé à Oswaldo Aranha. Não precisou mais nada. Na mesma
hora o show terminou e fui expulso da cidade. Hoje a mesma cidade
convida os maiores galãs para representar Cristo na via-sacra,
crucificado com quase todos os pecados da carne de fora, e a plateia
faz corinho de “gostoso! gostoso!” Isso pra não falar em pastor que
chuta imagem de santo, de crente que faz sinal de arminha... É por
isso que eu digo: sou um diabo que pediu demissão. A concorrência tá
grande demais! Mas até que o inferno não era tão ruim. Quando chega
algum artista, por exemplo, é uma festa. O ruim é quando chega um
político.
Na platéia, o celular de Bragança toca escandalosamente,
desconcentrando Colé. A música do celular é a marcha fúnebre.
COLÉ – Uma vez um político deu um jeito de ir pro céu, porque se
disfarçava de pastor. Tá na moda. Mas no céu esses pastores não
enganam ninguém. Aí deixaram ele decidir onde queria passar a
eternidade. Ele desceu até o Inferno. A porta se abriu e ele se viu no
meio de um clube com todos seus amigos políticos, todos muito
felizes. Passaram um dia bebendo, jogando, comendo lagosta e
falando sobre os bons tempos. No final do dia, nosso nobre
parlamentar vai até São Pedro e escolhe permanecer no Inferno. São
Pedro então chama de novo o elevador e ele desce. A porta abre e ele
se vê no meio de um enorme terreno baldio cheio de lixo. Todos os
amigos políticos com a roupa rasgada e suja. Então ele olhou pro

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diabo e disse: ontem mesmo eu estive aqui e havia um campo de
golfe, lagosta, champanhe, e nós nos divertimos o tempo todo. Agora
só vejo esse fim de mundo cheio de lixo! O diabo respondeu: Ontem a
gente estava em campanha. Agora, já conseguimos o seu voto...
Alguém vaia. O telefone de Bragança volta a tocar, preenchendo o
silêncio. Sem graça, Colé prossegue.
COLÉ - E acima do Diabo, só a mulher: com vocês, Bebelzinha
Furacão!
Música, e Isabel começa a dançar um pré-striptease enquanto Colé
vai saindo do palco.
Luz vai baixando sobre Isabel e subindo sobre camarim decadente
COLÉ COLADO entra e senta em uma cadeira, após a apresentação.
Está desfazendo seu santuário (velhas fotos, imagens de santo,
pedaços de jornal amarelados pendurados no espelho) e guardando
sua maquiagem.
Entra Isabel, saindo do strip-tease no palco. Importante: Colé não
deve tirar a maquiagem do rosto..

ISABEL - Essa meia-calça definitivamente não aguenta mais uma


apresentação.

COLÉ - Não tem problema. Não temos mais nenhuma na agenda.

ISABEL — Eu não sei como você acha graça nisso.

COLÉ — Eu não acho graça. Só porque eu sou comediante as


pessoas pensam que eu acho graça de tudo.

ISABEL — Você riu.

COLÉ — Eu não ri. É só um reflexo condicionado. Eu posso rir até no


enterro da minha mãe.

ISABEL — Você riu no enterro da sua própria mãe?

COLÉ — É um reflexo! Acontece nessas situações!

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ISABEL — Por que não usa isso? É uma situação engraçada. Rir nas
horas erradas. Pode colocar uma estória sobre isso.

COLÉ — Não há nada pra colocar. Estamos fazendo as malas.

ISABEL — Tô falando do seu próximo show.

COLÉ — Meu próximo show é a sessão de obituário. É a única forma


de Colé Colado voltar a ter a atenção que merece. Quem sabe até eu
vire nome de teatro.

ISABEL — Acha mesmo que precisa parar?

COLÉ — Eu não acho. O público acha.

ISABEL — Hoje até que tinha gente.

COLÉ — Tinha. Dormindo. E aquele cara na última fila? O celular dele


tocando o tempo todo. A marcha fúnebre! E ele não atendia! Parecia
que tava deixando tocar de propósito. Ele não riu de nada e no fim
nem bateu palma. Cansei.

ISABEL — Talvez seja hora de mudar. Você faz esse diabinho desde
o Cassino da Urca. Eu pareço uma vedete de teatro rebolado. Acho
que o problema nem é a meia. O meu corpo é que não serve mais pra
esse figurino.

COLÉ — Eu não diria isso. Se não fosse você, eu nem teria mais um
show, Isabel. Você é o único talento aqui.

ISABEL — Talvez eu pudesse ter alguma fala. Eu sei contar piadas,


também.

COLÉ — Por que insiste em ficar?

ISABEL — Trabalhei anos tirando a roupa em boate, antes de


encontrar o senhor. Aqui é muito melhor.

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COLÉ — Eu não tenho mais como te pagar. Acho melhor você voltar
pro seu trabalho original.

ISABEL — Não quero voltar. Eu gosto do teatro.

COLÉ — Eu também, Isabel. O teatro é que não gosta da gente.

(BRAGANÇA aparece e dá batidinhas na porta, que está aberta.


segura uma garrafa de whisky.)

COLÉ - Eu não sei quem você procura, mas errou de camarim.

BRAGANÇA — Me dê apenas trinta segundos e eu corrijo o erro.

BEL — O moço só está sendo gentil. Trouxe até um presente.

BRAGANÇA — Black label.

COLÉ — O whisky eu vou aceitar. Mas seus trinta segundos começam


agora.

BRAGANÇA — Antes de mais nada, parabéns.

COLÉ — Isabel, conduza o seu admirador até a porta.

BRAGANÇA — Eu acompanho seu personagem desde a criação...

COLÉ — Quando eu comecei você não passava de um zigoto no saco


do seu pai, que ainda não devia nem ter pentelhos...

BRAGANÇA — Colé Colado era um escândalo nacional. O primeiro


palavrão ao vivo e a cores do teatro brasileiro.

ISABEL — Nem Nelson Rodrigues.

BRAGANÇA — Nem Dercy Gonçalves, nem ninguém. Colé Colado


era mais temido que o diabo!

COLÉ — Você disse bem. Era.

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BRAGANÇA — E pode voltar a ser. (pausa)

COLÉ — Tudo bem, mocinho. Você tem direito a mais uma palavra. E
apenas uma palavra.

BRAGANÇA — Patrocínio. (pausa. Colé e Isabel se olham)

COLÉ — Ganhou seus trinta segundos. Não pense que me


impressiona com essa fala mole. É bom usar direito seu tempo.

BRAGANÇA — A empresa que eu represento está à procura de um


rosto. Alguém que passe credibilidade ao nosso produto. E o meu
trabalho é encontrar esse alguém.

BEL — Já encontrou! Já encontrou!

COLÉ — Que tipo de produto?

BRAGANÇA — Isso importa?

COLÉ — Não. Quanto é que eu vou ganhar?

BRAGANÇA — Não se preocupe, nós temos o maior contrato já


oferecido a um ator nessa área. (Isabel assobia de espanto)

COLÉ — Mas por que eu?

BRAGANÇA — Como eu disse, eu acompanho seu personagem e...


Deus me deu a oportunidade de cruzar o seu caminho. Mas esse lugar
não está à altura do nosso assunto. Durante o jantar...

COLÉ — Estamos sem apoio de restaurante.

BRAGANÇA — Temos uma mesa reservada no Sordi`s. Espero que


goste de champagne, madame.

ISABEL — Mademoiselle.

COLÉ — O Sordi`s fica do outro lado da cidade. Estamos sem carro.

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BRAGANÇA — Fique com o meu. Nossos contratados não devem
andar de ônibus. Pega mal pra imagem da empresa.

COLÉ — Tô começando a gostar desse negócio.

BRAGANÇA — No caminho podemos discutir as contrapartidas.

COLÉ — Contrapartidas?

BRAGANÇA — Não se preocupe, elas são... mínimas. (vão saindo.


Toca o celular do Bragança. A mesma marcha fúnebre)

COLÉ — Peraí. Era você na última fileira. Você assistiu o show e não
riu.

BRAGANÇA — Esse show não é uma comédia, seu Colé. É uma


tragédia. Eu vou te devolver a grandeza que você merece.
(atende o celular)

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EPISÓDIO 4

Baia de telemarketing, vazia.


RATO está adormecido em uma das baias.
Em luz onírica, de pesadelo, vemos Bragança empunhando a maquina
de cartão e digitando.
Rato acorda de um aparente pesadelo, e se desvencilha rapidamente
da cadeira, em posição defensiva.
Passada a sensação de perigo imediato, Rato olha para o ambiente à
sua volta. Está só. Bota timidamente a cabeça pra fora da baia. Vazio.
Arrisca alguns passos pra fora, caminha até o limite do escritório e vê
PIOLHO parado além da roleta. Piolho o vê e acena pra ele.

FLASHBACK:

Piolho é conduzido por Rato.

RATO — Eu vou te apresentar o chefe. Agora você faz tudo igualzinho


eu te ensinei. (entram na sala de Bragança.) Bragança, esse é o
moleque.

BRAGANÇA — Ele vai ser o seu primeiro contrato, então quero que
ensine a ele tudo que sabe. É o que a tradição manda. O que você
pediu a ele?

PIOLHO – Eu fui o escolhido do Lar dos Meninos sem Lar pra


aparecer no comercial... e com cachê!

BRAGANÇA – (para Rato) Ele tem que saber a verdade. Senão o


contrato não tem validade.

RATO – Mas se eu disser a verdade ninguém vai aceitar...

BRAGANÇA – Você vai se surpreender com o comportamento das


pessoas quando sabem a verdade.

PIOLHO – Dá pra comprar uma tevê!

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BRAGANÇA - Vai ganhar muito mais que isso, filho. Quem não vai
ganhar nada é o Lar dos Meninos sem Lar. O dinheiro dessa
campanha vai todo pro seu bolso. Todinho.

PIOLHO – Pra mim?

BRAGANÇA – Desde que você não repasse nada pro Lar dos
Meninos Sem Lar. Essa grana compra muito mais que a tua tv,
compra o que quiser.

PIOLHO – Mas aí o Lar vai fechar. A campanha não é pra salvar o lar?
Eu cresci lá, conheço todo mundo! O que vai acontecer com os outros
meninos?

BRAGANÇA – Eles vão pra rua. Fodam-se os meninos. Mas você


passa a ser parte da nossa empresa. Da nossa família.

PIOLHO pensa uns instantes e estende a mão.

BRAGANÇA – (para Rato) Agora o contrato vale. Agora ele sabe.


(Rato aperta a mão de Piolho. Bragança se aproxima e também aperta
sua mão). Agora, você não é mais uma criança sem lar. Muito bem...
Rato. Agora ele é responsabilidade sua. Leva esse... Piolho daqui.

NO PRESENTE
PIOLHO sorri e acena para RATO. RATO abaixa a cabeça e volta à
sua baia.
RATO repara no poster de colé sobre a mesa vazia ao lado da sua.
RATO se distrai com o poster. VLADIMIR entra e o assusta sem
querer.

VLADIMIR – Tu acredita que eu descobri que esse cara ainda tá se


apresentando num teatro aqui perto? Não sei quem é mais velho, ele
ou o teatro. Achei o pôster num beco aqui perto e tive que roubar. É
icônico! Daqui a uns ano pode até valer uma grana no E-bay. E aí, tá
gostando do apartamento?

RATO — Que você tá fazendo aqui?

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VLADIMIR – Sou seu novo estagiário. Coincidência né? Vladimir
Peixoto, às ordens. (toma pílulas e dá tapas no próprio rosto) Você é
um vencedor! You are number one! (para Rato) É um ritual que eu
tenho pra começar o dia, ajuda pra caramba. Eu quis passar a noite
aqui pra ser o primeiro a chegar. Trabalhe enquanto os outros
dormem! Você também passa a noite aqui?

RATO — O Bragança te mandou pra mim?

VLADIMIR — Ele disse pra colar em você que você sabia tudo. Mas
eu sou um cara fuçador. Já tô sabendo dos paranauê. O trabalho aqui
é basicamente encontrar cliente. O que a gente ganha é comissão do
que vende, então quanto mais vender, mais ganha.

RATO — O que o Bragança pediu em troca?

VLADIMIR – De mim? Nada, ué. Ele me quer na área de vendas...

RATO – Então você ainda não é da empresa... (vai saindo)

VLADIMIR — Ei, peraí! Não me solta uma bomba dessas e vai saindo!
Como assim não sou da empresa? Eu pedi demissão do meu trabalho.

RATO – Ele ainda não assinou seu contrato. Ele quer que eu faça
isso! Você não entra na empresa sem saber exatamente onde está
entrando. Se não o contrato não tem validade. Ainda dá tempo de
você pular fora!

VLADIMIR – Quem disse que eu quero pular fora?

RATO – Se soubesse o que eu sei, você ia querer! (indo pra janela)


Preciso ir embora daqui. Rápido. Antes que eles percebam.

VLADIMIR — (segurando Rato) Peraí, peraí, cara. Presta atenção. Por


pior que seja a tua vida, não tem motivo pra fazer isso.

RATO — Eles tão vigiando. Me solta! (tenta sair pela janela e é


contido por Vladimir.)

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VLADIMIR - Você pode tá com um problema, mas seja qual for, ele
tem cura, irmão. Nós vamos sair daqui, eu vou te levar na Igreja e
você só sai de lá depois de aceitar Jesus como seu salvador! (mostra
um cordão com um crucifixo.)

RATO — Você não tá entendendo. Fui mandado aqui pra levar a sua
alma.

VLADIMIR - Pois eu que vou levar a sua! Em nome de Jesus! Eu


posso te ajudar!

RATO – (empurrando Vladimir, que cai) A única forma de ajudar é ficar


longe de mim.

(Rato salta pela janela)

VLADIMIR - Peraí! Não!

Vladimir, chocado, se afasta da janela. Piolho corre até a janela, olha


para baixo e sai correndo.

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Luz sobre BRAGANÇA E PIOLHO em dois focos separados. Falam ao


celular.

BRAGANÇA — Seu merda! Seu imbecil! Você não serve pra nada.
Nunca serviu. Nem pra vigiar um fugitivo. Eu espero não ser chamado
pelos meus superiores pra explicar isso!

PIOLHO - Mas é que ele quebrou o protocolo, Bragança. Ele se


revelou em plena luz do dia! Ele pulou de dez andares e saiu correndo
pelo meio das pessoas na rua!

BRAGANÇA — Sabe o que um escândalo desses faz? Arruína os


nossos negócios.

PIOLHO – Deixa logo levarem aquele merda pro fogo eterno. Não sei
porque você ainda protege ele!

BRAGANÇA - Ele foi o número 1 por anos. E você? Cadê seus


contratos?

PIOLHO — Eu tenho uma ideia nova. Um método novo. Vai me levar


pro topo.

BRAGANÇA — Tua batata tá assando. Aproveita que é tua última


chance.

Bragança desliga o celular. Foco sobre Piolho se apaga.


Acende foco sobre Colé e Bel sentados em uma mesa. Bragança vai
até eles.
BRAGANÇA - Desculpe. Um imprevisto. Onde é que a gente tava
mesmo?
BEL - A proposta.
BRAGANÇA - Experimentem esse foie gras. E esse presunto cru.
COLÉ - O cardápio dizia 30 camarões na massa. Não veio 30
camarões. Eu contei.

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BEL - Ai, seu Colé... francamente...
COLÉ - Seu Colé o que? Por esse preço dava pra comprar o oceano
inteiro e eles regulam o camarão?
BRAGANÇA – Você pode comprar o oceano inteiro se quiser.
Acabaram seus problemas de dinheiro. Mais um whisky?
COLÉ - Olha só, se você queria impressionar, já conseguiu. Agora
desembucha. O que eu preciso fazer?
BRAGANÇA - Tem drinks que vão bem com um toque de sutileza,
algumas gotas, uma fatia de laranja.
COLÉ - Eu não sou de sutileza, eu sou filho de um português que me
servia uma taça de vinho no café da manhã aos 8 anos de idade. E
não bebo mais nada enquanto você não disser o que é tá querendo.
BRAGANÇA - Eu já disse! Laranja. Um toque de... laranja. Tudo que
você precisa fazer é uma propaganda de um hospital para
aposentados construído por nós para a prefeitura de Piranapoacema.
Sabe onde é?
COLÉ - Nunca ouvi falar.
BRAGANÇA - Ótimo pra você. Na verdade o hospital nunca foi
inaugurado. Mas a gente precisa justificar a verba. Gravar um filme pro
programa eleitoral mostrando o hospital funcionando. Eu tô recrutando
gente talentosa pra interpretar o papel desses velhinhos de
Piranapoacema, tomando vacina, sendo tratados pelos médicos,
essas coisas. Alguns, os melhores, vão até gravar um depoimento - e
eu tô contando com você pra isso. Você vai dizer que, com toda sua
trajetória artística, estava condenado a morrer no SUS, mas foi
recuperado milagrosamente pelo atendimento do Hospital de
aposentados.
COLÉ - Mas eu não sou aposentado!
BRAGANÇA - Vai ser. O senhor não vai mais precisar trabalhar depois
desse cheque.
Bragança entrega a Colé um cheque. Os olhos de Colé saltam.
ISABEL - Um caminhão de dinheiro, seu Colé.

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BRAGANÇA - Estamos comprando não só a sua interpretação como o
seu silêncio, é lógico.
COLÉ - Mas lá em Piranapoacema vão saber que é mentira. E com
que cara eu fico quando for lá?
BRAGANÇA - E o senhor vai lá fazer o que? Em Piranapoacema não
tem nada, só velho morrendo.
COLÉ – É, mas quando eles denunciarem a mentira, é a minha cara
que tá lá no vídeo, não é a sua!
BRAGANÇA – Nem vai passar na cidade. Vai ser gravado aqui
mesmo! É só pra dizer que a verba foi usada corretamente. Então,
temos um contrato, seu Colé?
Colé já está meio bêbado. Olha para o rosto confiante de Bragança,
para o copo cheio de whisky e para o rosto de Isabel que implora com
os olhos que ele aceite.

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6

Jéssica em rotina pesada de treino, estilo Rocky. Só que ela está com
muitas dores, realiza o treino com dificuldade e a certa altura o
abandona, chorando de dor.
Piolho se aproxima por trás dela, e sem ser notado, coloca um dedo
no ombro (trapézio). Jéssica pula de dor.

PIOLHO – Quer dizer que não tava sentindo a lesão, hein?

JÉSSICA – Que você tá fazendo tá fazendo aqui, Piolho?

PIOLHO – Procurando quem tá se escondendo.

JÉSSICA – Eu não tô me escondendo de ninguém.

PIOLHO – Tem certeza? Então a gente pode mostrar esses exames


pro treinador? (Piolho mostra um envelope com radiografias)

JÉSSICA – Como é que você conseguiu isso? (pega as radiografias e


coloca na bolsa)

PIOLHO – No laboratório a gente sempre dá um jeitinho... de descobrir


um exame aqui, de conseguir um remedinho ali... pensou no que eu te
falei?

JÉSSICA – Eu não vou me arriscar.

PIOLHO – Tá certíssima. É melhor a certeza que o risco. A certeza


que não vai se classificar pra Olimpíada. Você pode esconder esses
exames quanto tempo quiser. Porque com essa lesão não vai
conseguir nem acabar um treinozinho leve.

JÉSSICA – Leve porque não é tu que treina.

PIOLHO – Mas eu não sou a esperança da primeira medalha brasileira


na natação feminina. Quer dizer, você também já não é mais, né,
Jéssica. Bom, eu tentei. Você escolheu seu caminho. Não posso fazer
mais nada. Ou melhor, posso: vou encher uma banheira de gelo pra

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você fingir pra si mesma que esse tratamento adianta alguma coisa.
Tchauzinho. (vai saindo)

JÉSSICA – Peraí! Piolho!


PIOLHO – A grana.
Jessica vai até seu armário e tira um maço de dinheiro.
JÉSSICA – Taí. Duzentos e cinquenta.
(ele se volta, sorrindo. Tira um frasco de remédios do bolso)
PIOLHO – Subiu. Trezentos.
JÉSSICA – Porra!
PIOLHO – Aquele laboratório é a Alcatraz dos esteróides. É quase
impossível tirar alguma coisa de lá. Tem contagem de manhã, de tarde
e de noite. Vamos fazer o seguinte, deixamos por duzentos e
cinquenta e você me deve uma.

JÉSSICA — O que é que eu fico te devendo?

PIOLHO — A sua amizade. Agora somos amigos.

JÉSSICA — Eu não vou dar pra você, Piolho. Eu não daria pra você
nem que a gente sobrevivesse a uma guerra nuclear. Nem que o
futuro da humanidade estivesse em jogo.

PIOLHO — Eu não tô interessado no seu corpo e sim na sua alma. Eu


sou romântico, fazer o que, nasci assim.

JÉSSICA – Tá bom. Passa pra cá!

PIOLHO - (entrega os comprimidos a Jessica) Diz adeus à dor. E


essas aqui são as dosagens pra enganar o doping... (entrega uma
folha de papel)

JESSICA - Agora eu preciso trocar de roupa. Dá licença.

PIOLHO – Quando tocarem o hino pra você no pódio... Lembre-se do


velho Piolho.

22
JÉSSICA — No dia que tocarem o hino, você vai esquecer que me
conheceu. Esquecer pra sempre.

PIOLHO — Tá maluca? Eu vou contar essa história pros meus filhos.


Quando você ganhar a medalha de ouro, vou dizer a eles quem foi
que te levou lá. É melhor me tratar bem, Jéssica. Eu sei de tudo. Eu
posso ir em um programa de auditório e contar tudo sobre a sua vida.
(acaricia os cabelos dela)

JÉSSICA — (afasta a mão dele) Cuidado aí, cara.

PIOLHO — Amanhã a gente se fala.

JÉSSICA — Por que amanhã?

PIOLHO — Agora somos amigos.

(piolho sai. Jessica começa a trocar de roupa. )

23
7

Luz sobre Isabel. Musica de strip-tease. Isabel vai fazendo seu


número.
Bragança entra no foco e coloca uma nota de dinheiro no biquíni dela.
Ela faz uma dança pra ele (lap dance). Enquanto isso, conversam.

ISABEL – Tudo bom, gato? Pensei que nunca mais ia te ver!

BRAGANÇA – Eu espero que você não tenha ficado com má


impressão de mim, depois daquele jantar.

ISABEL - Olha, você tem que perdoar o seu Colé. Ele está ficando
meio velho, só isso. Às vezes ele diz as coisas sem pensar. Você não
devia sair logo dando uma garrafa de whisky pra ele. Tenho certeza
que ele acordou de cabeça fria e se arrependeu.

BRAGANÇA — Eu não vim atrás do seu ex-patrão, Isabel. Ele é


passado, pra mim, pra você e até pra ele mesmo. Vim atrás de você.
(bota mais uma nota no biquíni dela) Quantos anos você tem?

ISABEL — 18.

BRAGANÇA – Eu quero a verdade.

ISABEL – Não me restam muitas danças. A minha música já tá


terminando. (sorrindo e sentando no colo dele) Olha, eu sei que eu
não tenho a imagem dele, eu nunca fiz sucesso, mas eu tenho
buscado isso esse tempo todo, eu estudei teatro, sei me expressar,
isso deve valer alguma coisa. Eu faço qualquer coisa. Só me tira
daqui.

BRAGANÇA — Se eu estou entendendo bem, você tem um desejo, é


isso?

BEL — E eu sei que você pode realizar.

BRAGANÇA — Agora estamos falando a mesma língua. (bota mais


uma nota no biquíni dela) Se você tá interessada, eu tenho um
trabalho pra você em Miami.

24
BEL - Miami?

BRAGANÇA – Um show de dançarinas que vão se apresentar nas


casas de shows de lá. A gente consegue o visto, o passaporte, paga a
sua viagem. Você fica devendo e paga pra gente em trabalho, lá, até
quitar a dívida. À medida que você for ganhando, vai pagando de volta
e depois o que entrar é seu. Interessa a você?

BEL – Você acha que esse corpo ainda consegue fazer sucesso na
gringa? Tu tem mais fé em mim do que eu...

BRAGANÇA — Eu não vim aqui atrás do seu corpo. Não é nisso que
eu tô interessado.

BEL — Ah, não? E o que é que interessa você?

BRAGANÇA — A sua alma. (beijam-se)

25
8.

Academia. Jéssica faz exercícios de musculação, Piolho se aproxima,


comendo uma maçã.

Jéssica continua treinando sem estabelecer contato visual.

JÉSSICA — 15, 16, 17...

PIOLHO — Vai fazer alguma coisa depois do treino, hoje?

JÉSSICA (idem) – 18, 19, 20...

PIOLHO - Hoje é dia do Sports Mutilations. Sabe esse programa? São


as maiores aberrações do esporte. Não perco um.

JÉSSICA— (o mesmo) 25, 26, 27...

PIOLHO — A gente podia assistir junto. Lá em casa.

JÉSSICA — Piolho, não dá pra ver que eu tô treinando?

PIOLHO — O programa de ontem foi sobre aquela corredora dos anos


80, Florence não sei o quê. Morreu nova. Nos anos 80 a coisa não era
como hoje. Era anabolizante pesado. Heavy metal. Mas você pode
ficar tranquila. Hoje em dia doping não tem nenhum efeito colateral.

JÉSSICA — (segura Piolho pela camisa) Fala baixo aí! Qualé a tua,
cara?

PIOLHO – Ei! Lembra que o tua parada não é pra ficar mais forte, é só
pra fugir da dor.

JÉSSICA - Quer que o meu treinador te escute?

PIOLHO — Oito horas tá bom pra você? Lá em casa. Pra assistir o


programa.

JÉSSICA — (voltando ao aquecimento) Deu pra me encher o saco


todo dia?

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PIOLHO — Agora somos amigos.

JÉSSICA — Eu não sou tua amiga! Porra! Vê se entende isso! Eu não


sou tua amiga! (pausa)

PIOLHO — Você anda muito nervosa. Será que é efeito do remédio?

JÉSSICA — Cala a boca, Piolho!

Piolho aperta o ombro de Jéssica, que desaba de dor.

PIOLHO – Não tá fazendo mais efeito. Já pensou em aumentar a


dosagem? (Jéssica levanta, trêmula, e tenta voltar a treinar.) Já
aumentou, né? Não te condeno. Se não conseguir a vaga pra
olimpíada, vai perder patrocínio, destaque na imprensa, tudo. Sobra o
quê? Mandar currículo pro Mac Donalds... (Jéssica pára subitamente,
respirando forte) Que foi?

JÉSSICA — Pega água pra mim.

PIOLHO — Eu não, pede pra algum amigo seu.

JÉSSICA — Você tá sentindo... assim... escuro?

PIOLHO — Escuro? (Jéssica desaba no chão) Ih, Jéssica, tá revirando


os olhos... Isso não é bom, hein? Deve ter sido alguma coisa que você
andou tomando por aí.

27
9

Camarim.
Colé está esvaziando suas gavetas depois de mais um show frustrado.
Ainda está com a maquiagem de diabo.
Rato entra sorrateiramente.

COLÉ — Eu não sei quem você procura, mas errou de camarim.

RATO — Eu sou um... admirador do seu trabalho.

COLÉ – O último cara que me disse isso acabou com uma garrafa de
whisky quebrada na testa. Black label.

RATO — Eu vi o seu show.

COLÉ — Cai fora, moleque. Não quiseram me entrevistar quando eu


fazia sucesso, agora que tô na merda caem em cima como abutres.
Adoram mostrar o artista no fracasso. “Que fim levou”. Tô fora. É como
eu sempre digo: eu sou um diabo que pediu demissão.

RATO — É sobre isso que eu vim falar. A demissão. Como foi? Eu


tenho tentado cair fora todo esse tempo.

COLÉ — Pensei que os malucos que me procuravam vinham por


causa da Isabel. Tô vendo que eu é que sou o pára-raio.

RATO — Eles não deixam a gente parar. Eles nunca vão deixar.

COLÉ — Que merda de reportagem é essa?

RATO — A sua história. A redenção.


COLÉ — Aquilo que eu falo no show? Quer ouvir minha última piada?
Então escuta essa: outro dia tive uma proposta. Ia ganhar mais
dinheiro do que eu, meu pai, meu avô e toda as gerações da minha
família desde Adão e Eva já ganhamos somados. Tudo que eu
precisava fazer era uma propaganda de um hospital público que nunca
foi construído. Hospital pra terceira idade, aposentado. O único tipo de
gente que ainda me parava na rua e lembrava de mim. Eu não podia
fazer essa sacanagem com eles. Mandei o cara tomar no cú. No dia

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seguinte acordei sem conseguir respirar. Fui no médico e descobri que
tenho 1 mês de vida. (ri) Maligno. Pulmão, se alastrando pela espinha
até o fígado. Tá fazendo excursão pelo meu corpo. Depois de me
matar ele vai pra Disney.
RATO – Essa é a piada?
COLÉ – Rapaz, se eu tivesse ido ao médico um dia antes, essa hora
eu estaria no Caribe! Num transatlântico! Era só ter assinado o
contrato. Eu achei que não ia conseguir viver com a culpa pelo resto
da vida, mas 1 mês! Por um mês, eu vivia com minha consciência
culpada, numa boa. Não ia precisar me arrastar nesse teatro vazio,
pra tentar pagar a conta do meu plano de saúde. De dentro do caixão,
tanto faz ser filho de Deus ou filho da puta.

RATO — Então você nunca assinou o contrato?

COLÉ — Olha bem pra mim. Pode passar muito tempo até você ver
um imbecil maior do que esse.

RATO — Então tudo não passava de um personagem. Eu pensei


que... você pudesse me ajudar.

COLÉ - Ajudar? Ajudar como, se eu tô aqui todo fodido, meu filho?

RATO - Me enganei.

COLÉ — Vamos fazer assim: você me conta o seu problema como se


fosse um filme, e eu te digo o que o herói tem que fazer pra se dar
bem.

RATO — Eu sou o herói?

COLÉ — Supõe-se que sim, a vida é sua.

RATO — Você conhece bem esse seu personagem?

COLÉ — Quer que eu seja o herói?


RATO — Você não. Ele. O que “ele” faria se descobrisse que não quer
mesmo mais fazer esse trabalho...

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COLÉ — Que trabalho?

RATO — Almas. E ele passa o filme inteiro procurando uma forma de


fugir... O que você faria se estivesse tentando escapar? (pausa)

COLÉ — Quem é você?

RATO — Eu sou um deles. O que você faria no meu lugar? (pausa)

COLÉ — Eu acho que eu faria tudo ao contrário.

RATO — Ao contrário?

COLÉ — Passaria a mandar as almas pro outro lado. Existe o outro


lado, não existe?

RATO — Eu não sei.

COLÉ — É melhor que exista. Melhor pra nós dois.

(Rato se levanta)

COLÉ — Já vai embora? É assim que você me agradece?

RATO — Tenho pressa. Eles me procuram em todos os cantos.

COLÉ — Aqui é o lugar mais vazio que você vai encontrar. Mas hoje
não quero que fique tão vazio. Espere pelo menos eu dormir. Não
demora tanto. Encare isso como um último desejo. (pausa. Rato
senta-se de novo.) Meu amigo, você está olhando para um homem
morto.

RATO — Você também. (Colé ri)

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10

Vladimir em frente ao espelho


VLADIMIR — Eu disse que a meta da semana ia ser sua. Você é um
vencedor. You are number one. (ajoelha-se) Obrigado, senhor Jesus,
pelas vendas que realizei. Diz a palavra do Senhor: “Crê em mim e
serás recompensado.” (toma pílulas, organiza sua pasta e sai. Vai até
a mesa onde Bragança o espera. Entrega a pasta a Bragança.)

BRAGANÇA (examinando) — Muito bom, Vladimir. Realmente um


volume de vendas incrível.

VLADIMIR – Inclusive o senhor pode observar aqui nesse gráfico que


eu fui o maior...

BRAGANÇA - Mas antes de concluir a sua efetivação, eu gostaria que


você me tirasse uma dúvida...
(mostra uma foto de uma casa)
Essa é a sua casa, não é?

VLADIMIR (surpreso) – Dos meus pais, é.

BRAGANÇA (mostrando outra foto) – Esse é o seu pai? O dono da


casa?

VLADIMIR – Onde vocês arrumaram isso? Não tô entendendo o


interesse...

Bragança aperta um botão e aciona telão que mostra um condomínio


paradisíaco em maquete virtual.
BRAGANÇA - "Paradise". O melhor e maior condomínio fechado da
América Latina. Essa obra é a menina dos olhos da nossa empresa. O
paraíso na terra. Por que esperar pelo céu? Viva o paraíso aqui
mesmo, onde você merece. Já escolhemos o terreno, conseguimos
acordo com quase todos os donos das casas em volta. Só falta uma. A
casa do seu pai. Ele insiste em não vender. Nosso prazo tá estourado,
a campanha publicitária já vai começar.
VLADIMIR – Peraí! Foi por isso que vocês me contrataram?

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BRAGANÇA – Não te contratamos ainda. Agora, eu não quero torcer
pela morte do seu pai, Vladimir. Consegue um acordo com o velho.
VLADIMIR - Impossível. Acha que eu nunca tentei? Eu só boto a mão
naquela casa depois que o velho morrer. A casa que o pai dele
cresceu, que ele cresceu, que eu cresci... o velho tem esses apegos...

BRAGANÇA — Seu pai já é um homem idoso. Eu consigo um médico


que declare ele incapaz de cuidar dos bens. E um advogado que
legalize isso.

VLADIMIR – Mas aí eu teria que passar por cima do meu próprio pai,
Bragança.

BRAGANÇA – Exatamente. A decisão sobre a casa passa a ser sua.

VLADIMIR — Eu não posso fazer isso. Meu pai nunca ia me perdoar.

BRAGANÇA – Bom, você que sabe. Fez um bom trabalho com essas
vendas, de qualquer forma. Agora pode se retirar.

VLADIMIR – Mas e a efetivação? Eu fui o líder das vendas!

BRAGANÇA – A efetivação não tem nada a ver com isso, garoto. Pra
entrar aqui tem que ser alguém da minha confiança. Alguém que eu
saiba que é capaz de vender o próprio pai pra subir. Quem trabalha
pra empresa não pode ter família, não pode ter religião, não pode ter
amor. Tudo isso vem depois. Mas parabéns. Você fez sua escolha.
Aproveita e me serve um cafezinho antes de sair.

Vladimir sai. Rato está do lado de fora da porta.

RATO – Ei! Vladimir! Lembra de mim?

VLADIMIR – O cara que pulou da janela! Como é que você


conseguiu?

RATO – Isso não importa. Você fez o certo. Eu vim aqui pra te ajudar.
Eu sei que você ainda tá na dúvida. Eles estão te mostrando só a

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parte boa da empresa. É só publicidade. Tudo isso é falso. Você está
sentado sobre pedras. O ouro que você segura com a mão é areia.

VLADIMIR — Nós estamos no escritório da empresa. E da janela


podemos ver o sol e o mar. Olhe você mesmo.

RATO — Você já percebeu o que eles realmente compram aqui? O


Bragança já fez a proposta? Você já sabe?

VLADIMIR – É. Eu acho que já sei, sim.

RATO – E você virou as costas. Fez o certo. Não assina nada. Depois
você vai ter que conseguir mais almas. E nunca mais vai conseguir
sair.

VLADIMIR – Foi isso que aconteceu com você?

RATO – É por isso que eu tô tentando te ajudar. Pra que você não
passe por isso.

VLADIMIR — Quando a gente vira as costas pra empresa, acontece o


que aconteceu com você?

RATO – Me escuta. Se você não assinar...

VLADIMIR – Olha, você acaba de me ensinar uma lição. Você é capaz


até de pular pela janela pra não se vender. E olha pra você agora.
Parece um mendigo. Eu não quero acabar como você. Eu vou assinar
o contrato.

Vladimir dá meia volta e entra de novo na sala de Bragança.

BRAGANÇA — Pensou melhor? É difícil virar as costas pra uma


oportunidade.

Vladimir não diz nada, mas se senta de novo. Bragança estende a ele
os papéis.

BRAGANÇA – Se quiser mesmo ser efetivado. Não precisa mais suar


a camisa. A gente interna o seu pai. Você vende a casa pra nós e

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passa a ser sócio da construção do condomínio. E parte da nossa
família.

VLADIMIR – Eu aceito.

BRAGANÇA - Você tem absoluta noção do que está vendendo pra


gente?

VLADIMIR – A minha alma.

BRAGANÇA – Perfeito. É só assinar aqui.

(entrega uma caneta de ouro a Vladimir. Vladimir assina o contrato.


Coro de anjos.)

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Luz abre sobre Isabel, de lingerie, colocando gelo no olho roxo. Entra
Bragança.

BRAGANÇA – São só dez minutos de descanso, quantas vezes vou


ter que dizer?

ISABEL — O cara me bateu. Isso não tava no contrato.

BRAGANÇA – Ele já pagou multa. Passa uma maquiagem que tá feio.


O próximo cara já tá na porta.

ISABEL - Não aguento mais. 24 por 7 nisso. Eu nem sei que horas
são. Nem consigo ver o céu na rua.

BRAGANÇA – Aqui não é lugar de piedade. Você tem uma meta pra
atingir se quiser ser efetivada.

ISABEL — É, mas eu não tô gostando nada desse trabalho. Eu não


vim aqui pra dançar? Confiei em você. Viajei dentro de um contêiner,
como se fosse carga, com um monte de menina que nem sabia pra
onde tava indo. E ninguém sabia o que ia ter que fazer de verdade.

BRAGANÇA — Depois que pagar tua dívida, tu vai ser livre pra ver o
céu na hora que quiser. Agora, anda com isso que o cliente já tá na
porta.

ISABEL — Quanto dinheiro ainda falta? Pela minha conta já paguei


minha passagem umas 3 vezes.

BRAGANÇA — Olha, ela sabe fazer conta. Vou te dar uma conta pra
tu fazer então. Calcula o aluguel e o almoço em dólar. Calcula quanto
vai custar o teu green card...

ISABEL – Eu confiei em você, Bragança.

BRAGANÇA – Qualé, Isabel? Você tá mais feliz aqui com a gente do


que lá no Brasil. Pelo menos aqui você sofre em dólar. Todas passam
por um período difícil no início, um período de adaptação. Mas um dia

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você vai agradecer. Quem sabe não encontra um marido velho e rico
aqui no estrangeiro? No fundo a gente tá fazendo uma boa ação. Mas,
se não tiver satisfeita, você sempre pode voltar praquele teatro vazio e
fedorento.

ISABEL – Como? Meus documentos vocês pegaram. Nem voltar pra


casa eu posso...

BRAGANÇA – Quando pagar sua dívida você vai ter tudo isso de
volta. Se eu precisar falar pela terceira vez que o cliente tá na porta,
teu outro olho vai ficar pior que esse. (Isabel deita na cama,
desanimada.) É assim que se recebe cliente? (vai até ela e abre suas
pernas e braços, com agressividade) Sensualidade! Agora um sorriso!
(esmaga as bochechas de Isabel, fazendo surgir um sorriso torto)
Deixa eu ver! (olha para Isabel e lhe arranca um beijo à força) Perfeito!
Pode entrar o próximo!

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12

Hospital. Piolho à cabeceira do leito de Jéssica. Ela não tem


movimentos abaixo do pescoço.

PIOLHO — A minha vida inteira me perguntei o que as mulheres


queriam, afinal. Nenhuma delas nunca me deu atenção. Até que eu
descobri; foda-se o que elas querem. Se eu tirar o que elas tem, vão
fazer tudo pra ter de volta. E isso, só aqui na mão do papai.

JÉSSICA – Sabe por que te chamam de piolho? Porque ninguém te


quer. Mas mesmo assim você chega. E depois que você chega, é
quase impossível te mandar embora. Sai daqui, Piolho.

PIOLHO - Fica assim não, Jéssica. As paraolímpiadas tão aí pra isso.


hoje em dia todo mundo sabe que defeito físico não é obstáculo.
Qualquer um pode fazer esporte, gente com paralisia cerebral,
amputados, gente com todo tipo de sequela. É só encontrar uma
modalidade onde dê pra você se encaixar. O diabo é que você não
mexe mais nada, né? Será que tem xadrez paraolímpico? Aí você
dizia: peão come rainha, e eu mexia as peças.

JÉSSICA — Se eu pudesse me levantar daqui...

PIOLHO — Mas não pode. Não pode nunca mais.

JÉSSICA — Eu matava você. Com as mãos.

PIOLHO — Meio tarde pra isso, né? Devia ter planejado antes.
Planejamento é tudo. Você como esportista devia saber disso.

JÉSSICA — Como você conseguiu entrar aqui?

PIOLHO — Mas tem o problema do anti-doping. Teus exames


acusaram tudo. Agora nem na paraolimpíada você pode mais
competir. Tá banida do esporte.

JÉSSICA — Nenhuma visita pode passar a noite. De onde você saiu?

PIOLHO — Das trevas. Além do mais não sou visita. Sou seu amigo.

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JÉSSICA — Amigo? Foi você que fez os planos. Os remédios, a
dosagem e tudo que aconteceu depois. É tudo um plano seu.

PIOLHO — Tá chegando perto.

JÉSSICA — Por que tá fazendo isso comigo?

PIOLHO — Porque eu descobri que a melhor forma de fazer o meu


negócio não é prometendo riqueza, poder, essas merdas. É tirando o
que as pessoas têm de mais valioso. Elas pagam muito mais pra
recuperar o que perderam. Melhor que prometer a felicidade no futuro,
é trazer de volta a felicidade que se foi.

JÉSSICA — Que porra de negócio você quer comigo?

PIOLHO — Um excelente negócio: o seu nome limpo, e o seu corpo


como ele era antes, sem lesão, sem efeito colateral, por uma parte
dele que parece que nem existe. Pelo menos ninguém conseguiu
provar, ali, cientificamente. A sua alma.

JÉSSICA — Quem é você, Piolho? De que diabo você tá falando?

PIOLHO — Não entendeu ainda? Eu sou um deles. (pausa).

JÉSSICA — Tão me dando morfina. Você é minha bad trip.

PIOLHO — Se for assim, daqui a pouco você acorda, e não tem nada
a perder. Assina aqui. (mostra um pedaço de papel) Ah, é mesmo.
Falta o braço. Tá vendo como faz falta um corpo? Então? Temos
negócio? Basta você dizer. Agora você sabe exatamente do que se
trata. (pausa)

JÉSSICA — Eu vou ficar exatamente como eu era?

PIOLHO — E sem nenhuma cicatriz.

JÉSSICA – Meu nome limpo?

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PIOLHO – Claro. Você volta a ser a grande esperança de medalha.
Nos jogos olímpicos, claro. Nada de paraolimpíada.

JÉSSICA — Temos negócio.

PIOLHO — Muito bom, Jéssica. Mas antes de cumprir a minha parte...


(tira a camisa)

JÉSSICA — Pra quê isso? Você disse que não queria o meu corpo.

PIOLHO — Eu menti.

JÉSSICA — Vai embora! Eu não quero nenhum negócio com você!

PIOLHO — Agora é tarde.

JÉSSICA — Socorro! Socorro!

PIOLHO — Relaxa, Jéssica. (tira um alicate de uma maleta) Você nem


consegue sentir dor. Pra que o escândalo? Ouve um pouco de música.
(estala os dedos. Música. Piolho canta enquanto amarra a boca de
Jéssica) De que vale o céu azul e o sol sempre a brilhar... Anda,
Jéssica, canta comigo... Quero que você me aqueça nesse inverno... e
que tudo mais vá pro inferno... (ele desliza o alicate para baixo dos
lençóis. Ela mexe desesperadamente o pescoço. Luzes vão se
apagando)

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Hospital. Rato à cabeceira do leito de Colé.

COLÉ — Você é o primeiro visitante que parece pior que o paciente.

RATO — Você também tá péssimo.

COLÉ — É, não vamos arranjar nenhuma namorada. (pausa) Seguiu


meu conselho? Mandou alguém para o outro lado?

RATO — Esquece. Não funciona. As pessoas estão felizes com o lado


que escolheram. E você, como se sente?

COLÉ — Já morri algumas vezes no teatro. A diferença é que agora


eu não sei onde fica o camarim. (pausa) O que ganhou pela sua alma?

RATO — Eu?

COLÉ — Todo mundo ganha, não é assim que funciona? O que você
pediu?

RATO — Eu era uma criança.

COLÉ — Também já fui criança. Naquela época, tudo ainda estava no


lugar. Meu cabelo, meus dentes, minhas pernas. Minha cidadezinha.
Minha mãe me esperando no portão. Quando fugi com o circo não
contei pra ela. Não tive coragem. Saí sem bagagem, sem nada, disse
que voltava logo, pedi sua benção. Ela ficou me esperando no portão.
Não olhei pra trás. Não queria que ela me visse chorando. Ela sempre
esperava eu me virar pra acenar. Nunca mais voltei. Mais de sessenta
anos se passaram. Mas eu ainda me lembro dela me esperando
naquele portão. Pode me trazer aquela tarde de volta? Eu faria
negócio com você.

RATO — Não, meu amigo.

COLÉ — Então o que você pode fazer? (pausa)

RATO — Eu só posso ficar aqui com você. (pausa)

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COLÉ — Obrigado, amigo. Eu tenho mais um conselho.

RATO — Diga.

COLÉ — Se tudo isso é o inferno, então é preciso procurar os


pequenos pedaços do paraíso, e abrir espaço. Os pedaços. Procure
pelos pequenos pedaços.

RATO — Vou procurar.

COLÉ — As coisas que deixei de dizer às pessoas. Tantas palavras,


tantos momentos. Tudo perdido. Os pequenos pedaços. Agora tenho
muito sono. Passo todo meu tempo dormindo. Um poeta disse uma
vez que morrer é dormir. Morrer, dormir, nada mais.

RATO — Boa noite, amigo. (Colé fecha os olhos. O ruído dos


aparelhos médicos indicam que ele morreu. Rato permanece ao seu
lado. Um foco de luz azul banha Colé e Rato.)

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14

Corredor do hospital. Hall dos elevadores. Rato encostado aos botões.


A porta se abre. Dentro do elevador está Piolho. Rato vai entrar,
Piolho vai sair, se esbarram.

RATO – Desce?

PIOLHO — Rato?

RATO — Piolho?

PIOLHO — Não acredito, meu irmão! Finalmente eu consigo falar com


você! Quê que tá havendo? Disseram que você tinha fugido.

RATO — Nada. Eu estou aqui a serviço.

PIOLHO — Logo vi que era papo. Eu disse, ninguém quer sair da


empresa. Ainda mais o Rato. Cara, nossos tempos, lembra? Quanta
merda a gente fazia! Tudo que eu sei aprendi com você. O velho Rato.
Barbarizava geral. Sem piedade. Cara, você é um modelo pra mim. A
gente precisa voltar a sair junto. Vai fazer alguma coisa agora?

RATO — Agora não vai dar. Eu preciso trabalhar.

PIOLHO — Cara, esse sistema é cruel. Depois de tudo que você fez
por eles. É o que eu digo, não existe justiça. Um cara como você, a
essa altura, tinha que ser o chefe da porra toda. E não aquele merda
daquele Bragança.

RATO - E o que tu tá fazendo aqui?

PIOLHO – Eu fechei um contrato agorinha mesmo que vai me levar


direto pro topo. Lembra daquilo que tu me ensinou? Sobre todo mundo
querer de volta alguma coisa que perdeu? Então! Eu criei um método,
Rato. Agora ninguém me segura. Mas se você precisa de um contrato,
veio no lugar certo. Pega alguém aí à beira da morte. Nessa hora eles
vendem tudo. E barato. (a porta se abre)

RATO — Boa idéia.

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PIOLHO — Como eu faço pra te achar?

RATO — Tchau, Piolho. (vai sair de cena)

PIOLHO — (segurando Rato) Ei, peraí! Pra que a pressa? Não vamos
perder contato! Vamos sair pra tomar uma cerveja! (rato entra no
elevador. porta se fecha. Piolho pega seu telefone celular. disca) Alô?
Bragança?

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15
Sala de interrogatório. Rato algemado em uma cadeira. Respira com a
dificuldade de quem apanhou muito. Um espelho no fundo. Uma porta
range. Ruído de passos se aproximando.

BRAGANÇA – Quantas vezes mais a gente vai passar por isso, Rato?

RATO — Se me mandar de volta, eu vou fugir de novo.

BRAGANÇA — (jogando a cadeira de Rato no chão.) Vai, não é,


Rato? Vai continuar se arrastando pelos esgotos, se escondendo pela
sombra, tentando sabotar o meu trabalho. Você é patético. Tão
patético quanto aqueles que quer salvar.

RATO — Não tá satisfeito com meu trabalho, é só me demitir.

BRAGANÇA — (chuta Rato várias vezes) Não existe demissão!


Vendeu a alma, é pra sempre!

RATO — Não faço mais contratos!

BRAGANÇA — (levanta Rato pelo colarinho) Página 43 da apostila da


empresa: não existe investimento a fundo perdido. Sabe quanto nós
investimos em você?

RATO — O mesmo que se investe em um rato.

BRAGANÇA — Quer ser mais do que isso? Faça suas exigências. Vai
me dizer que você não tem preço?

RATO — Eu já tive. Não tenho mais.

BRAGANÇA — Qual o seu problema? Recusar um contrato? Nos


tempos de hoje?

RATO — Andei lendo coisas diferentes da apostila, Chefe.

BRAGANÇA - Pensa que você é o primeiro? Você é só mais um que


quer pular fora depois de receber tudo que pediu. E eu só alivio você

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por um motivo, Rato. Você tem talento. Quanta gente você mandou
pra nós!

RATO — Eu não gosto de me lembrar disso.

BRAGANÇA — Mas vai lembrar pra sempre. Porque você é aquele


mesmo filho da puta.

RATO — Aquele mesmo, não. Uma coisa mudou. Não faço mais nada
pra vocês. E eu vou levar todo mundo de volta.

BRAGANÇA — (rindo) Igual você levou o Vladimir? Você realmente


acha que vai conseguir levar as almas pro outro lado? Elas QUEREM
a gente! É por isso que a gente existe! (Rato cospe em Bragança.
Bragança se limpa com um lenço sem se perturbar)

RATO — Eu quero falar com seu superior.

BRAGANÇA — Acha que vai fazer diferença?

RATO — Se o seu superior pensa como você, eu quero falar com o


superior dele. Alguém tem que me escutar.

BRAGANÇA — Escutar você? Você não passa de um condenado.

RATO — Como condenado eu tenho direito a um advogado. Eu quero


falar com alguém do outro lado. Existe o outro lado, não existe?

BRAGANÇA — Você quer justiça?

RATO — Você não pode me julgar.

BRAGANÇA — E quem pode? Deus?

RATO — Deus!

BRAGANÇA — E quem você acha que nos olha atrás daquele


espelho? A empresa é a mesma. Só muda o andar. Você acha que eu
não quero falar com Ele? Que se eu pudesse escolher, estaria aqui
agora com você? A justiça divina que você pede está atrás do

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espelho, Rato. Mas não vai falar com você. Como não vai falar
comigo. Eu também assinei meu contrato, meu amigo. Eu também
pago o meu preço. Pode não parecer, mas eu sou a única chance que
você tem. Olha. (tira um papel do bolso) Eu ainda tenho seu contrato
aqui comigo. Amarelado pelo tempo. Mais um contrato e eu te dou a
liberdade. Um contrato só. A liberdade que você procura nunca esteve
tão perto.

RATO — Mas aí você teria razão. Eu não seria diferente de você. Eu


mudei, Bragança. Não me importa mais a distância que me separa da
liberdade. Me importa ser o cara que separa os outros dela.

Um foco de luz azul ilumina Bragança.

BRAGANÇA — A liberdade pode ser o fardo mais pesado, Rato. E eu


vou provar isso a você. (Bragança rasga o contrato.) Seu contrato está
anulado. Essa é a sua sentença: você vai voltar, pra ter a chance de
provar a quem sua alma realmente pertence. Rastejarás sobre o teu
ventre e comerás pó todos os dias da tua nova vida. Em fadigas
obterás o teu sustento; no suor do rosto comerás o teu pão, até que
tornes a mim. Porque eu vou estar contigo em cada esquina do
caminho, até que me reveles teu preço de novo. (pega a maquina)
Tem alguma coisa a dizer antes de ser mandado de volta?

RATO — Tá arriscando seu cargo por causa disso, Bragança. Por


quê?

BRAGANÇA — Acredite, Rato. Eu já fiz esse mesmo caminho há


muito tempo atrás. Ninguém mais do que eu gostaria que você
estivesse certo. Mas não está, meu amigo. Lá fora a gente se
encontra. Aproveita o passeio.

(Bragança puxa sua máquina de cartão. Aperta o botão. Trevas.)

Luz de flashback
Rato chora. Bragança se aproxima.

BRAGANÇA — Aconteceu alguma coisa, Rato?

RATO — Acho que eu não sirvo pra esse trabalho.

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BRAGANÇA — Por que? Tudo que você toca vira ouro. A cada dia
você nos traz uma pessoa diferente.

RATO — Eu não quero a alma das pessoas.

BRAGANÇA — Por que não?

RATO — Porque depois elas sofrem. Eu nunca tinha visto o


sofrimento delas.

BRAGANÇA — Rato, quando eu comecei nesse negócio eu era


igualzinho a você. Eu também gostava das pessoas. Eu tanto insisti
que fugi. Eu abri mão de tudo que eu tinha por causa do meu amor
pelas pessoas. E sabe o que aconteceu? As pessoas que eu amava
foram as primeiras a fechar a porta na minha cara. As pessoas não
gostam umas das outras, Rato. Quem gosta é o primeiro a morrer
numa guerra. E lá fora é uma guerra. Se você não fizer com a alma
deles, alguém vai fazer com a sua.

RATO — Então existe uma forma de sair daqui?

BRAGANÇA — Shhh. isso não se comenta em voz alta. Não queira


saber o que te espera lá fora. A empresa é o seu mundo agora. A sua
família.

RATO — O que você perdeu? Pra entrar pra empresa.

BRAGANÇA – Como é que você sabe disso?

RATO – As pessoas não entram pra ganhar alguma coisa. Entram pra
ter de volta o que elas perderam. O que é que você perdeu?

(pausa)

BRAGANÇA — Um filho.

Rato abraça Bragança, que devolve o abraço.

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Foco de luz sobre Bragança. Ele quebra seu cartão e deposita os
restos em uma urna.

BRAGANÇA — Reconheço que a libertação do contratado 7352, aka


Rato, foi uma decisão tomada por mim sem consulta às esferas
superiores. Aceito a perda dos poderes do meu cargo. Aceito começar
novamente de baixo até repor a libertação não-autorizada com outros
contratos. Aceito a missão de trazer de volta o ex-contratado 7352 aka
Rato, custe o que custar.

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16

Luz sobre Vladimir. Fala para uma câmera imaginária.

VLADIMIR — É com muita emoção que eu venho aqui inaugurar este


centro empresarial. Porque ele foi construído em um pedaço da minha
vida. Neste chão aqui ficava a casa onde eu nasci e cresci, onde meu
pai nasceu e cresceu, onde o pai onde meu pai nasceu e cresceu. O
último desejo do meu finado pai foi que eu negociasse a nossa casa.
Ele sabia o quanto isso era importante pra minha carreira. Foi um ato
de amor. E sem esse gesto eu não estaria aqui onde eu estou hoje.
Logo depois de autorizar a venda ele entrou no hospital pra nunca
mais sair. (se emociona) E hoje eu dedico essa inauguração a ele, e
aproveito pra dizer a vocês que vou me candidatar como deputado!
(agradece a aplausos) Eu vou ser a sua voz e o seu canal nesse
governo! Vote em Vladimir Gusmão, número 666!

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17

Hino do Brasil. Jéssica no topo de um pódio, com uma medalha e uma


bandeira do Brasil. Seu uniforme é totalmente tomado pelas
logomarcas dos patrocinadores. Jéssica ergue sua medalha. A platéia
delira.

VOZ DO LOCUTOR — Uma estória de superação. A espetacular


trajetória de Jéssica Oliveira. Desenganada pelos médicos, ela se
recuperou, bateu o recorde mundial da natação e conquistou uma
medalha de ouro inédita para o Brasil-sil-sil!

Jéssica no vestiário com uma bolsa de gelo. Piolho entra.

PIOLHO — Jéssica, você devia sorrir mais. Olha lá, parecia um zumbi
com a medalha na mão.

JÉSSICA — Trouxe a parada?

PIOLHO — Aqui. (Jéssica se arremessa) Calma.

JESSICA – Eu tô morrendo de dor!

PIOLHO - Cadê as meninas que você prometeu? É assim que a coisa


funciona, Jéssica. Você tem que trazer gente pra mim.

JÉSSICA — Elas são minhas concorrentes. Assim elas ganham de


mim.

PIOLHO — Problema seu. Tem que me trazer alguém. E não pode ser
qualquer uma não: alguém que importe pra você. Você não tinha
nenhuma amiga nas categorias de base?

JÉSSICA – Mas elas confiam em mim. Eu não posso fazer isso com
elas.

PIOLHO - Ou a sua estória verdadeira chega nos jornais rapidinho.

JESSICA — Tá bom. Mas me adianta alguma coisa, por favor. Vai.


Por favor.

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PIOLHO — É a última vez, hein?

Piolho dá a ela uma ampola e uma seringa. Sofregamente, ela prepara


e aplica a injeção. Deita-se entorpecida. Piolho tira uma alicate do
jaleco.

JESSICA – Que você tá fazendo?

PIOLHO – Relaxa, Jessica. Você nem pode sentir dor, lembra? (deita-
se sobre ela.)

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18

Isabel, deitada, muito fraca. Entra Vladimir.

VLADIMIR — Seu próximo cliente entra em dez minutos.

ISABEL — Quem é você?

VLADIMIR — Seu novo chefe.

ISABEL — Cadê o Bragança?

VLADIMIR — Eu não me preocuparia com isso. Me preocuparia com


seu próximo cliente.

ISABEL — Quantos mais?

VLADIMIR — Clientes?

ISABEL — Clientes, chefes, dias... Quantos mais?

VLADIMIR — Até você pagar o investimento.

ISABEL — Eu já paguei 3, 4 vezes o investimento. Tem que ter uma


outra forma de sair daqui.

VLADIMIR — Quer sair daqui? Eu posso te oferecer uma maneira sem


enrolação. Você sai hoje. Mas tem que trazer outras meninas pra nós.
Elas ficam no seu lugar.

ISABEL — Eu nunca chamaria alguém pra isso...

VLADIMIR — Eu compreendo, irmã. Sem problema. Vou chamar o


cliente. (vai sair. Isabel o chama)

ISABEL — Peraí, tá bom, vamos conversar. (Vladimir para.) Se eu


trouxer alguém, posso voltar pra casa?

VLADIMIR — Alguéns. Na verdade, esse passa a ser o seu trabalho.


Voltar ao Brasil e encontrar meninas. De preferência bem novinhas.

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Que tenham um desejo: trabalhar na terra do dólar. Você oferece
todas aquelas promessas que você ouviu. Sua tarefa é trazer elas
aqui. Depois que a menina pisa aqui dentro, eu assumo. Como eu não
posso aparecer na fase de captação, você passa a representar a
empresa. Viaja de primeira classe. Dorme nos melhores hotéis. Come
nos melhores restaurantes. Se veste nas melhores grifes. Pra vender
sonhos tem que ostentar.

ISABEL – E vendo a minha alma pra vocês.

VLADIMIR – Isso. Pro contrato valer, você tem que saber exatamente
o que tá assinando. Quem trabalha aqui tem que ser capaz de vender
a própria alma. Pra empresa, não pode ter família, não pode ter amor,
ética, escrúpulo, nada. Tudo isso vem depois. A empresa é o centro
do seu universo e sua única função é fazer a empresa crescer cada
vez mais.

ISABEL – E fora desse contrato...

VLADIMIR – Fora desse contrato você só vai ver a luz do sol pela
janela, enquanto estiver deitada numa cama com um gringo bêbado
suando em você.

Silêncio. Após uma longa pausa, Isabel deita-se de novo na cama.

VLADIMIR - Meus parabéns, irmã. Você fez sua escolha. Alma é tudo
que a gente tem na vida, né? Vou chamar o próximo cliente. Cadê a
pose sexy? (Isabel não se mexe. Vladimir a puxa com força.) Agora
aquele sorriso sexy. (ele pega um batom e pinta um sorriso na boca
dela. Ela chora. Ele tira uma navalha do bolso e passa pela cara dela).
Prefere esse batom? (Bel tenta sorrir, chorando) Agora sim o cliente
pode entrar. (sai, deixando Bel sozinha numa pose sexy sem vida e
triste)

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Camarim. Rato se maquiando. Mesmo figurino e maquiagem


“diabólicos” de Colé. Bragança bate na porta do camarim. Não usa o
mesmo terno de antes e sim, uma camisa simples e amarrotada.

BRAGANÇA — Foi muita sorte ver a sua foto pendurada no cartaz lá


fora.

RATO – Veio pedir convite?

BRAGANÇA – Vim conversar com a estrela... e filar um lanche do


camarim... (Bragança abre uma garrafinha de água e joga em si
mesmo como se fosse água benta) (aliviado) Ahh... tinha me
esquecido como as coisas são aqui em baixo. O calor, a sede, essas
coisas. E nenhuma ajuda de ninguém.

RATO — Eles te puniram? Por ter me libertado?

BRAGANÇA — Eu tenho corrido essas ruas em busca de uma merda


de contrato. Cada vez que chego em alguém, já tem um dos nossos
cuidando do caso.

RATO — A empresa não pára de crescer.

BRAGANÇA — E quem esteve lá esses anos todos fui eu! Tudo que
eu já fiz, todos esses anos de trabalho pela empresa jogados no lixo.
E agora eles me dão as mesmas condições de um garoto que entrou
ontem. Vão se foder!

RATO – E aí você tava passando por aqui, de bobeira, e viu minha


foto no cartaz...

BRAGANÇA - Então eu pensei: preciso de um parceiro. (pausa)

RATO — Como nos velhos tempos, hein?

BRAGANÇA — Juntos, ninguém nessa nova geração seria páreo pra


nós. Sabe quem tá dando as cartas agora? Vladimir! Piolho! Essa
gente não chega na sola do nosso sapato, Rato. (pausa)

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RATO – Eu não teria tanta certeza. Tenho medo dos dois.

BRAGANÇA – Minha carreira foi jogada na privada e não tenho


ninguém mais pra pedir ajuda. Você me deve isso.

RATO – Você me libertou por uma luz que ainda tem aí dentro. Não
apaga essa luz!

BRAGANÇA – Um contratinho só. Minha reentrada.

RATO – Quer uma nova vida? Depois do terceiro sinal, você abre as
cortinas. Quando eu sair, você fecha.

BRAGANÇA — É assim que vai me pagar?

RATO — É a única coisa que posso fazer por você. Te dar um


trabalho. Te ajudar a sair.

BRAGANÇA — Sair pra onde? Pra cá? Pra esse lugar escuro e vazio?
Você é feliz aqui?

RATO — Eu só estou procurando os pequenos pedaços.

BRAGANÇA — Eu nunca me contentei com os pequenos pedaços.

RATO — No momento é só o que você tem. (Rato termina de se


maquiar e coloca os chifres do figurino. Soa o segundo sinal. Rato
levanta) O show precisa começar, Bragança. Vem comigo?

Luz de holofote azul banha Rato. Rato estende a mão para Bragança.
Bragança vai até Rato, entrando na luz. Se abraçam.

RATO – Bem vindo de volta à luz.

BRAGANÇA – Obrigado.

RATO — Agora corre pra cortina que vão soltar o terceiro sinal!

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(Soa o terceiro sinal. Bragança corre pras cortinas. Rato se encaminha
para o centro do palco)

RATO (para a plateia) – Começou!

Trevas

FIM

RELOADED 4:
Janeiro 2020

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