Livro MAÇONARIA

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© ERAS

Título: O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea


Autor: AA.VV.
Editor: MUNDIS - Associação Cívica de Formação e Cultura
Revista: European Review of Artistic Studies
Coordenação Geral | Edição | Design Gráfico: Levi Leonido
Prefácio: AA.VV.
Organizadores: Elsa Morgado, Levi Leonido, João Bartolomeu, António Nunes e Luis Canotilho
Capa e Contracapa: Levi leonido
Data da edição: setembro de 2023
ISSN (online): 1647-3558 ISSN (impresso): 2184-2116
ISBN: 978-989-35320-1-0
Classificação THEMA - Nível 1: A – Artes
Classificação THEMA - Nível 2: AB - Artes: questões gerais

Nota: Projeto financiado pelo PAAC (Programa de Apoio a Agentes Culturais) da Delegação Regional de Cultura do Norte.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea ISBN: 978-989-35320-1-0

ÍNDICE
Ficha Técnica 1
Índice Geral 2
Prefácio 3
Notas Introdutórias 5

PARTE I – Olhares sobre o passado da Maçonaria 13


Os elementos simbólicos empregues na composição da “ABÓBADA CELESTE” 14
“Memorial às vítimas da Inquisição em Trás-os-Montes”: Carção / Vimioso 51
Comunicação dirigida à Maçonaria Portuguesa pelo Dr. Trindade Coelho 75
Adelaide Cabete, uma pedra angular na construção da Humanidade 92
Fernando Pessoa e a Maçonaria 109
Composições Género Feminino: Harmonia para Iniciação no Rito Escocês Antigo e Aceite 122
A força dominadora do símbolo no dizer de um conto de Eça de Queirós 139
A Escola Oficina n.º 1 de Lisboa (1905-1987): “…coisa mais útil como pode ser uma escola…” 162

PARTE II – O Presente em diversos contextos e domínios de intervenção da Maçonaria 182


A divisa da Maçonaria aplicada à Medicina e à Sociedade em tempo de Pandemia 183
Perspetivas para a Maçonaria Brasileira na atualidade 191
Ascensão e Queda da Maçonaria no Mundo 198
Hino da Maçonaria: D. PEDRO (Letra e Música) 136

PARTE III – Os desafios contemporâneos e as demandas para futuro 237


O Papel da Maçonaria na Contemporaneidade: Princípios e Valores Universalistas na Criação de uma 238
Sociedade Inclusiva, Solidária e Ética Social
Nova Escola Maçonaria Operativa: Rito Universal - RNP – Rito Nacional de Portugal 258
O papel da maçonaria na sociedade contemporânea: um baluarte na defesa dos Direitos Humanos 264

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

PREFÁCIO
Inspirados num momento histórico vivido no passado dia 24 de março de 2021, na Aula Magna da
UTAD onde, de forma semipresencial, se reuniram importantes e relevantes personalidades políticas,
civis, religiosas e maçónicas, para debater a temática central do Fórum “MINORIAS: igualdade ou
equidade?”, fomos desafiados para organizarmos um livro sobre o “Papel da Maçonaria na sociedade
contemporânea”.
Todas as intervenções, de todos os intervenientes, se centraram no combate diário e ininterrupto da
sociedade civil, das instituições e dos decisores políticos sobre a solução ou mitigação de muitos
problemas que ainda enfrentamos com abordamos esta temática das “Minorias”.
Quisemos que a atividade cívica vincada e reconhecida nacional e inernacionalmente, se empenhasse
num diálogo que se quis ecuménico (“Diálogo Intercultural e Ecuménico através da Arte” no XI
Simpósio Internacional de Investigação em Arte – 2021) e que agora se quer (também) politico, cívico-
social, espiritual, isotérico-simbólico (e também maçónico). Por forma a que se quebre um ciclo de
maledicência acerca de uma obra que esteve e está nas grande mudanças e revoluções do mundo
que conhecemos. Onde políticos, cientistas, psicólogos, inventores e, de todos um pouco, este mundo
que conhecemos tem obrigação notória, cara e objetiva de seguir ao testemunho inabalável e
inequívoco dos grandes mestres do passado.
Neste evento, de entre muitos outros convidados com outras vivências, estiveram presentes,
pensamos que pela primeira vez na história, publicamente, quatro Grãos Mestres de outras tantas
Obediências Maçónicas (as mais importantes) com grande presença, influência e representação no
nosso pais (Grande Oriente Lusitano; Grande Loja Legal de Portugal; Grande Loja Simbólica de
Portugal; Grande Loja Simbólica Lusitânia). Ousamos quebrar um ciclo de divisão e de
incompatibilidade entre Obediências e, acima de tudo, interpor no caminho individual (e coletivo) mais
um degrau no caminho e aperfeiçoamento humano recorrente, cíclico e irreversível. Diz-se que quem
é Maçon será Maçon para sempre. As divisas, os princípios e os valores deveriam (ou poderiam) ser
aplicados, vividos e vivenciados por qualquer um, pois, assim cremos, quem celebra as premissas
maçónicas, mesmo não sendo formalmente maçon, poderá sê-lo. Obedecendo, desta feita, a si
mesmo, aos seus valores e à sua atitude na vida, na profissão, no trabalho e, essencialmente , atuando
em conformidade na casa (ou templo) comum que é o mundo. Viver essa experiência, mais pública
e menos reservada, seria, assim cremos, algo distintivo e admirável pois, os equívocos, os
oportunismos e os falsos juramentos de muitos, cairiam de pé, simplesmente.
Ser maçon pode ser, como muito das vezes (infelizmente) é, um simples ato de militância cega (pois
obediente), junto de um quadro de pessoas supostamente importantes e que, também supostamente,
serão decisivos nas suas vidas e na dos seus. Nada mais equívoco, mais tonto, mais infeliz até. Quem
por aqui (ou ai) estiver, por esta razões (protagonismos, influência, favorecimento ou falsa sensação
de importância num mundo secreto e reservado, portanto, não auditado pela sociedade), deveria
pensar se não envergonha ou mancha o bom nome de tantos e tantas pessoas (de parte importante
de grandes e ilustres personalidades de quase todos os quadrantes e áreas) que escolheram viver a
Maçonaria no seu pleno.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Falará (talvez melhor) de maçonaria, quem lá está ou até mesmo, quem lá esteve e claramente se
equivocou. Estes melhor saberão, não só dos seus principais valores, das mais valias, das motivações,
mas também, dos colossais equívocos que este universo, por vezes, compreende.
O facto de falarmos e termos acesso aos principais Grão-Mestres e Grã-Maçonas das principias
obediência maçónica de Portugal, a par de termos amigos (mesmo) em todos quadrantes político-
partidários e nas mais diversas instituições religiosas, são um evidente sinal de que a crença nos
valores, nas pessoas e humanidade das mesmas é o que verdadeiramente nos interessa,
impendentemente da sua obediência, da sua crença, da sua fé.
Admiramo-los e entendemo-los, independentemente dos muros que a sociedade (quiçá os próprios)
ergueram nos dias, semanas e meses, anos e séculos, dos dias dos homens. Os muros, não só
diferem na sua dimensão ou nos materiais de que são feitos, mas também, e essencialmente, definidos
pela técnica de construção e por quem efetivamente os edifica / constrói / ergue.
Celebremos a vida, o diálogo e o combate ao preconceito.

Levi Leonido, Luis Canotilho e António Nunes

Nota Editorial: a publicação ou republicação (extratos ou versões alargadas) de alguns textos presentes nesta Edição
Especial da ERAS / REEA não vincula nenhum dos seus autores a qualquer relação formal ou informal à Maçonaria, em
geral, e, em particular a qualquer Obediência. Quando essa relação é assumida (e acontece em alguns textos) os autores
optaram por usar o nome dito “Simbólico” (usado no universo maçónico), identificando, inclusive, as suas Lojas e
respetivas Obediências. Por sua vez, outros autores, optaram por usar o Nome dito “Profano” sem identificarem qualquer
relação direta com a Maçonaria, mesmo que falem sobre ela (Maçonaria) mesmo que numa perspetiva holística e histórico-
conceptual mais aprofundada. A identidade dos autores foi mantida na exata forma como recebemos os textos. Essa foi
a regra editorial que optamos por usar nesta Edição.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Acedendo ao amável convite do Senhor Presidente da “MUNDIS – Associação Cívica de Formação e


Cultura” para partilhar algumas breves ideias sobre o “Papel da Maçonaria na Sociedade
Contemporânea”, neste ano em que o Grande Oriente Lusitano – Maçonaria celebra os seus 221 anos
de atividade continuada, gostaria de começar por dizer que a Maçonaria foi oficialmente fundada em
24 de junho de 1717, em Londres, Inglaterra, com a criação da Grande Loja de Londres e Westminster,
ancorada na tradição judaico-cristã e nas formas rituais que tinham sido desenvolvidas no século
anterior pelas organizações profissionais dos construtores e espalhou-se rapidamente por Inglaterra,
Escócia e Irlanda.
Os primeiros vestígios de atividade Maçónica no nosso País remontam a 1727. Temos notícia da
fundação, nesse ano, de uma Loja em Lisboa, constituída essencialmente por ingleses e escoceses,
que veio a ser oficialmente instalada pela Grande Loja de Inglaterra, em 1735.
Contudo, uma primeira Bula Papal condenatória da Maçonaria, três anos depois, levou a que a prática
Maçónica, entendida como delito de religião, fosse interditada em Portugal e assim sucedeu ao longo
do resto do reinado de D. João V.
Tal não impediu, mesmo assim, que se tenham vindo a desenvolver Oficinas nacionais, dando, no
culminar destes esforços, origem a um novo Corpo Maçónico autónomo e estritamente português
que assumiu a designação de Grande Oriente Lusitano, em 12 de maio de 1802.
A Maçonaria surgiu, assim, afirmando o direito ao livre-pensamento como forma de criar uma forma
de sociabilidade destinada a aproximar todos aqueles que de outra forma teriam permanecido
separados devido às profundas clivagens existentes na sociedade inglesa em matéria de política e/ou
religião. Por isso a Maçonaria praticada no Grande Oriente Lusitano é laica e não adota dogmas, sejam
eles quais forem.
A Maçonaria é, então, um humanismo e o seu propósito é o da Tolerância e o da Fraternidade, o
afeiçoamento moral e intelectual dos seus membros e contribuir para o desenvolvimento da
sociedade, defendendo a dignidade humana e a dignidade da pessoa humana. A Maçonaria procura
desenvolver os princípios da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, desenvolver a Justiça, a
Verdade e a Razão e luta contra todo o tipo de preconceitos, promovendo o respeito mútuo e a
solidariedade. Além disso, a Maçonaria também se dedica a obras culturais, de apoio social,
assistenciais e filantrópicas, procurando ajudar os mais necessitados e contribuir para o bem-estar da
comunidade em que se insere.
Como afirmava Fernando Pessoa, “A sua acção social varia de país para país, de momento histórico
para momento histórico, em função das circunstâncias do meio e da época, que afectam a Maçonaria
como afectam toda a gente. A sua acção social varia, dentro do mesmo país, de Obediência para
Obediência, onde houver mais que uma, em virtude de divergências doutrinárias — as que
provocaram a formação dessas Obediências distintas, pois, a haver entre elas acordo em tudo,
estariam unidas. Segue de aqui que nenhum acto político ocasional de nenhuma Obediência pode ser
levado à conta da Maçonaria em geral, ou até dessa Obediência particular, pois pode provir, como em
geral provém, de circunstâncias políticas de momento, que a Maçonaria não criou”.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Neste contexto, que também é o de hoje, o Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa reafirma-
se, assim, como aquilo que ao longo da sua História sempre foi: um espaço de liberdade onde se
procura a construção do conhecimento e a afirmação dos valores primordiais – Fraternidade,
Solidariedade e Verdade – e dos princípios da Liberdade de Pensamento, Liberdade de Consciência
e da Tolerância.
Isto permite aos seus membros melhorar-se, utilizando as ferramentas simbólicas que o inimitável
Método maçónico lhes faculta, numa demanda humanista destinada a contribuir para a existência de
Homens e de Sociedades mais perfeitos.
Reafirma-se, repito, também como uma organização distintiva, pelo seu persistente carácter iniciático,
diferente de qualquer outra, estando empenhada a opor-se, através da ação de cada um dos seus
membros, a tudo o que afronte a Dignidade Humana e a divisa Liberdade, Igualdade e Fraternidade
que nos é tão querida.
Para concluir, respeitamos uma premissa fundamental: quem faz a Maçonaria são os Maçons que,
hoje, como em outros momentos decisivos da nossa história, têm um papel importante a cumprir em
Portugal, na Europa e no Mundo.
Na realidade, os indicadores de desenvolvimento económico, assim como de bem-estar social, estão
a acentuar as desigualdades entre cidadãos, em matéria de acesso à saúde, à habitação e conforto, à
educação e à justiça.
Por seu lado, os eleitos e os outros titulares de cargos públicos devem elevar o grau de exigência na
sua ação para que os seus atos não sejam desvalorizados por questões de legalidade ou de conduta
inadequada, porque o bem-estar do cidadão deve ser sempre o fim último de qualquer governante.
Hoje, os desafios das alterações climáticas e da inteligência artificial e do seu potencial impacto na
vida das pessoas e nas sociedades, convocam-nos à ação em defesa da dignidade da pessoa humana.
Por isso, aos maçons requere-se para que, individual e coletivamente, continuem a participar na vida
das comunidades em que estão inseridos para promoverem o reforço das liberdades e das instituições
democráticas em todos os níveis do exercício da cidadania no País.

O Grão-Mestre,
FERNANDO CABECINHA (2023)1

1
https://gremiolusitano.pt/

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A GRANDE LOJA SIMBÓLICA DE PORTUGAL2

Neste número especial desta revista, dedicado à Maçonaria, alguns Obreiros da Grande Loja Simbólica
de Portugal foram convidados a escrever alguns artigos sobre o que é a Maçonaria, o que fazemos e
aquilo que perspectivamos para o futuro. Não sendo habitual este tipo de convites a Obediências
Maçónicas para exporem os seus pontos de vista em revistas de natureza técnica e científica, deixo
aqui expresso o meu primeiro profundo agradecimento ao Editor da Revista e Distinto Diretor da
European Review of Artistic Studies, meu ilustre Amigo e Professor Levi Leonido Fernandes da Silva.
De facto, é com muito orgulho e honra que a Grande Loja Simbólica de Portugal acedeu positivamente
ao convite que nos foi formulado e este número da revista demonstra em si mesmo a vitalidade da
nossa Augusta Obediência, num período conturbado da sociedade civil em particular e da Humanidade
em geral.

Dito isto, passarei a apresentar de forma resumida a Obediência que fomos e somos. A Grande Loja
Simbólica de Portugal – G∴L∴S∴P∴ – é a terceira obediência maçónica portuguesa e tem uma forte
ligação institucional ao Grande Oriente de França, que é a maior obediência mundial da Maçonaria
Liberal. Com a instalação em 2008 da Respeitável Loja Phoenix, começámos a praticar o Rito Antigo
e Primitivo de Memphis Misraim, um Rito muito místico e esotérico com fundação nos cultos do
Antigo Egipto. A Grande Loja Simbólica de Portugal foi posteriormente consagrada em 2011 no
Palácio Maçónico do Grande Oriente Lusitano e em 2015 recebemos as Cartas Patentes da Maçonaria
Simbólica e da Maçonaria Filosófica (Altos Graus) do Grande Oriente de França. Fomos a primeira
Obediência Maçónica portuguesa a praticar de uma forma regular o Rito Antigo e Primitivo de
Memphis-Misraim. Atualmente, também praticamos o Rito Escocês Antigo e Aceite e o Rito de
Emulação/York, legitimados pelas Cartas Patentes do Grande Oriente de França. Actualmente,
trabalhamos em várias Lojas e Triângulos de Norte a Sul de Portugal, nomeadamente Vila Real, Porto,
Aveiro, Viseu, Coimbra, Castelo Branco, Oeiras, Lisboa, Faro, Portimão. Internacionalmente, somos
membro das três maiores Organizações Maçónicas Internacionais: (a) CLIPSAS – Centro de Ligação
e de Informação das Potências Maçónicas Signatárias do Apelo de Estrasburgo (maior organização
maçónica mundial); (b) AME – Alliance Maçonnique Européenne (Maior organização maçónica
europeia); (c) UMM – Unione Massonica del Mediteraneo.

2
https://grandelojasimbolicaportugal.com/

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A adesão à Grande Loja Simbólica de Portugal é baseada num forte escrutínio dos candidatos, a que
designamos “sindincância”. Temos um princípio fundamental e fundador nos nossos Trabalhos, nos
quais são excluídos temas que envolvam a emoção em detrimento da razão. Por isso, temas políticos
(ou económicas), religiosos e desportivos não são trabalhados nem admitidos na Grande Loja
Simbólica de Portugal. Contrariamente, privilegiamos o desenvolvimento intelectual/espiritual dos
nossos Obreiros, respeitando a Liberdade Absoluta de Consciência, e desenvolvemos os nossos
Trabalhos no domínio filantrópico e social para uma visão mais progressista da Humanidade. Como
referi anteriormente, o nosso primeiro Rito praticado foi o Rito Antigo e Primitivo de Memphis-
Misraim, fundamentado nos antigos cultos egípcios. Sabendo que os Egípcios apreciavam, na ciência
e no conhecimento, a superioridade natural que conferiam ao homem culto sobre o comum dos
mortais, é também na descoberta do conhecimento que apostamos fortemente. E este número especial
desta revista é disso exemplo, que o conhecimento não deve ser estanque e fechado. No Antigo
Egipto, o mundo do conhecimento separava os governantes dos governados. Como refere uma longa
inscrição do Papiro Chester Beany IV: “Enquanto o pobre homem sem instrução, de quem ninguém
sabe o nome, semelhante a um burro pesadamente carregado, é conduzido pelo escriba, o homem
feliz que acumulou a ciência no seu coração, não trabalha rudemente e converte-se num príncipe
sábio.... e mais útil é um livro que uma estela gravada ou que um muro sólido. É como um templo
ou uma pirâmide, para que seja celebrado o nome de quem o escreveu”. Tal como a aprendizagem
da escrita e de outras ciências e artes era sagrada no Antigo Egipto, também na Grande Loja Simbólica
de Portugal cultivamos o conhecimento e a sabedoria das sete Artes Liberais, na construção de um
Homem mais intelectual e espiritual, pronto para os desafios que a actual sociedade nos coloca, a
bem do progresso da Humanidade.

E termino este prefácio relembrando que é nestes períodos mais conturbados da nossa história que
faz mais falta uma Maçonaria activa e presente, uma maçonaria que não se fecha em si mesma, mas
que se abre ao Mundo, uma Maçonaria que se dedica às causas da solidariedade social e que combate
os despotismos e obscurantismos. É esta a missão da Grande Loja Simbólica de Portugal, uma
Maçonaria que nos orgulha a todos.

O Grão-Mestre,
AMADEU ALVES (2021)

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

GRANDE LOJA SIMBÓLICA DA LUSITÂNIA3

A Grande Loja Simbólica da Lusitânia, é uma Obediência Mista e Plural que trabalha de norte a sul do
país, com a legitimidade que lhe é conferida pelo Grande Oriente de França.

Como obediência nascida em plena contemporaneidade, e sendo por essa razão ela própria o reflexo
da sociedade em que vivemos, onde homens e mulheres em conjunto trabalham lado a lado em prol
da construção de uma sociedade melhor, mais evoluída, mais esclarecida e mais fraterna,

A Grande Loja Simbólica da Lusitânia, desenvolve diversas atividades de transmissão de


conhecimento maçónico nas suas Lojas, sem descurar o papel importante que tem na sociedade civil,
promovendo conferências e colóquios nas diversas temáticas da atualidade, que vão desde a
promoção de eventos culturais, à organização de colóquios e congressos em temas tão atuais, como
sendo a área da saúde, da educação e da solidariedade social.

A atividade solidária da Grande Loja Simbólica da Lusitânia é constante, na medida em que através
de Protocolos que estabeleceu com diversas Instituições de Solidariedade Social, permite-lhe estar
atenta e presente no combate das carências que assolam a nossa sociedade, desde a infância à idade
sénior.

A Grande Loja Simbólica da Lusitânia prima por ser uma Obediência ativa, dinâmica e presente nos
diversos desafios a que a sociedade contemporânea nos convida a acompanhar, num constante
equilíbrio entre a evolução tecnológica e científica por um lado, e o respeito pela defesa dos valores
Humanos, por outro lado.

E este é sem dúvida o maior desafio dos tempos modernos, o equilíbrio entre a tecnologia e o que
ela nos traz de bom e de útil, e os valores Humanistas e a importância que os mesmos têm na
construção do Homem.

A Grã-Mestre,
ISABEL VIANA (2021)

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https://grandelojasimbolicalusitania.pt/

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Resumo: Subordinado ao tema “O papel da Maçonaria na Sociedade”, procura-se desconstruir uma


visão de maçonaria conspirativa, os terrenos que a maçonaria pisa e a afirmação da igualdade do
homem e da mulher, mas também outras áreas de trabalho dos maçons na sociedade.

NOLUMUS LEGES MUTARI


- Nada do que está atrás pode ser mudado -
(Último Landmark de Mackay)

Entender a Maçonaria e a acção dos seus membros requer o conhecimento dos Landmarks de Mackay
e Pike, para se interpretar a lógica da instituição e não entrar na perspectiva da associação secreta
diabólica e conspirativa, excomungada pela Igreja, que encerra todos os vícios, como os pasquins
gostam de pintar nas cores teatrais.

Culpabilizar a Maçonaria pelos casos de corrupção e outros ditames desviantes de alguns políticos
seria como, passo a metáfora, responsabilizar o arquitecto Ray M. Boynton por um barco ter embatido
num pilar da Ponte sobre o Tejo. Que culpa pode ter a Maçonaria que o “Barco da Corrupção” abalroe
os “Pilares Morais da Sociedade”?

Do maçom espera-se mente aberta para ouvir, disponibilidade para refletir, empenho no estudo e
sobretudo silêncio, moderação e parcimónia.

Em Loja o maçom está impedido de falar de política e religião, mas pode livremente abordar outros
temas com o seu raciocínio e pensamento, ciente que por mais absurdo que seja não sairá da Loja.

As discussões têm o seu tempo na Loja e dali não devem sair, porque os profanos não observam o
mesmo espírito aberto, correndo o risco de censura social dos discordantes.

Por outro lado, a disciplina em Loja, os paramentos simbólicos e as práticas rituais, nem sempre são
percebidas pelo senso comum, pelo que a discrição é altamente recomendável.

No plano pessoal a Maçonaria visa o aperfeiçoamento pelo estudo filosófico do Homem no todo, que
naturalmente o torna melhor e mais apto para perceber a Sociedade e nela colocar em prática os
princípios.

A solidariedade entre irmãos no plano interno ou no externo, a filantropia através de voluntariado em


organizações sem fins lucrativos que visem melhorar a qualidade de vida da sociedade são
incentivados.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O plano externo de intervenção social pelo associativismo vai até à política, onde se gere o bem
comum e fiscaliza as acções dos executivos.

Na sua intervenção o maçom cultiva os valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade que dão o
mote à sua postura secular.

Uma comunidade coesa atenta aos problemas dos frágeis, será́ mais igual e fraterna, por consequência
mais livre.

A imutabilidade dos Landmarks tem tido virtudes ao longo dos séculos, mas também um problema
na modernização e interpretação do papel da mulher na sociedade.

De um período de vassalagem onde a mulher raramente tinha um papel determinante aos dias de hoje
onde a igualdade da mulher é reclamada, a Maçonaria tradicional insiste em não responder, mantendo
o rigor interpretativo das velhas normas.

Não será́ de todo assim e os velhos argumentos começam a cair perante conceitos de
complementaridade, que tantas vezes fluem no discurso maçónico. Uma moeda tem duas faces e se
a marca é a cara de pouco vale sem o verso que lhe dá o valor. Assim nasceu a Maçonaria Mista.
O resultado prático é uma maior consciência das questões sociais e do papel da mulher na família e
na sociedade, melhor gestão dos bens comuns, um olhar global que inclui as diferenças de
necessidades em busca da felicidade e uma abertura do pensamento para a Humanidade como um
todo.
Claro que a maçonaria mista ainda tem um longo caminho a percorrer para ser aceite por todas as
potências maçónicas e não constitui o objectivo principal daquelas obediências, os aspectos sociais
e culturais são a maior preocupação e o terreno dos desafios que enfrentamos.

Se há um século o foco era a instrução pública massificada, a intervenção da maçonaria tornou-se


transversal, passando por sectores como a saúde onde falta a implementação efectiva dos cuidados
paliativos e noutras vertentes expandiu-se para áreas humanistas e culturais.

JOÃO PELA (2021)

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

GRANDE LOJA NACIONAL DE PORTUGAL: A Maçonaria nos nossos dias4

A razão de ser da maçonaria prende-se com a essência do ser humano e da sua contextualização no
mundo físico que habita. A face conhecida da maçonaria é, no entanto, a de uma espécie de clube secreto
onde se conspiram políticas e negócios; estão na origem do derrubar de governos e sistemas políticos;
na infiltração de membros nas mais diversas estruturas sociais, políticas e económicas, com o fim de auto
alimentar uma superestrutura global que controla tudo e todos.
A verdade é que a maçonaria é precisamente o contrário disto. Todas essas conspirações existem, de
facto, mas não têm origem maçónica, antes têm na sua origem pequenos grupos, esses sim secretos,
alguns disfarçados de movimentos maçónicos com fins muito pouco claros.
É também verdade que é dentro de algumas grandes lojas que alguns desses movimentos nascem, apenas
por conveniência própria e geralmente sem o suporte ou conhecimento da sua obediência e dessa forma
reforçam a conotação de comportamentos negativos com a maçonaria. Precisamente por este facto é que
é necessário que as Grandes Lojas observem e façam observar nas suas lojas e nos seus Mestres, com
rigor, a tradição maçónica e excluam das suas sessões a política partidária, o negócio, a religião e qualquer
outro tema fraturante da sā fraternidade entre os seus membros.
A Grande Loja Nacional Portuguesa, em breve a festejar os seus 25 anos de vida, vem trilhando um
caminho rigoroso de tradição e regularidade, fatores estruturantes que, quando transpostos pelos
comportamentos dos seus maçons para a sociedade a tornam mais justa, próspera e sustentável.
Em paralelo com este comportamento da maçonaria tradicional, que não conservadora, e regular, que não
espartilhada, presa a costumes ou dogmas, mas livre, a sociedade civil tem evoluído num sentido em que
há o esquecimento, ou mesmo a perda de alguns valores fundamentais.
Neste sentido a maçonaria do século XXI tem a responsabilidade acrescida de conservar e gerir um
repositório de valores fundamentais, imutáveis, usando a sua metodologia metaforicamente atribuída à
construção do Templo, apurada por séculos, sangue, suor e sacrifícios incontáveis.
Observando esta clivagem entre o que se passa dentro e fora, no mundo “profano”, estamos certos que
em determinada altura o trabalho de nivelamento, feito com humildade e tenacidade será importante para
a sociedade e será determinante para a evolução harmoniosa e sustentável do planeta.

Grão-Mestre

JOÃO PAVÃO (2021)

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https://www.glantigos.org/

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

PARTE 1

Olhares sobre o passado da Maçonaria

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

OS ELEMENTOS SIMBÓLICOS EMPREGUES NA COMPOSIÇÃO DA “ABÓBADA CELESTE”


Luís Canotilho5, & Levi Leonido 6

Abóbada Celeste Resumo


Palavras-chave

Maçonaria Regular Mais conhecido como Firmamento para o público em geral, a Abóbada Celeste
Pintura de Luís Canotilho define-se como o hemisfério celeste visível, cujo estudo pertence ao campo
Rito Escocês Antigo e Aceite
específico da astronomia. Contudo o presente trabalho pretende compreender o
Ritual Sagrado
conceito, fora do campo científico, através de uma leitura simbólica muito
singularizada, contextualizada e interpretada, no seio de uma sociedade discreta,
como é a Maçonaria. O presente trabalho que teve como base a revisão da
literatura sobre o tema, ao nível dos elementos simbólicos, manuais dos rituais e
publicações de caráter histórico, serviu de base para a elaboração de uma
composição pictórica que veio a ser executada nos tetos dos dois templos do Rito
Escocês Antigo e Aceite da Grande Loja Regular de Portugal / Grande Loja Legal
de Portugal, na cidade do Porto, no mês de agosto de 2016.

5
LUÍS MANUEL LEITÃO CANOTILHO - Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança. PORTUGAL.
Email: luiscano@ipb.pt
6
LEVI LEONIDO - Centro de Investigação em Ciência e Tecnologias da Artes - Universidade Católica Portuguesa |
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro | Revista Europeia de Estudos Artísticos, PORTUGAL. Email:
levileon@utad.pt

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

CONTEXTUALIZAÇÃO

Se o âmbito deste artigo científico se limitasse ao âmbito da comunidade que pratica e


aperfeiçoa a cultura maçónica, passaríamos apenas a descrever a metodologia aplicada à composição
pictórica que realizámos durante o mês de agosto de 20167.

Sobre a maçonaria enquanto organização, existem as mais díspares opiniões no público em


geral, muitas delas de caráter negativo, motivadas pelo desconhecimento e baseadas numa opinião
de “senso comum”, fundamentalmente nas franjas mais incultas da nossa sociedade. Como sabemos,
estamos perante uma opinião baseada na transmissão de experiências acumuladas de um
determinado grupo social, que segundo Gadamer (1998), permitiu principalmente em Portugal,
considerar esta instituição como anticlerical e potencialmente vocacionada para o domínio das
estruturas em que assenta uma sociedade democrática.

Estamos perante o mundo das crenças e das proposições, ausente de qualquer evidência real
ou científica. Este estigma que ainda hoje domina as comunidades menos cultas transformou-se como
que numa mera crença de caráter popular e superficial, baseada apenas nas aparências, na
subjetividade, assistemática e acrítica (Ander-Egg, 2007). Referimo-nos ao período da 1.º República
Portuguesa (5 de outubro 1910 – 28 de maio 1926), onde a maçonaria irregular8 assumiu um papel
de enfrentamento às instituições que assumidamente apoiavam a monarquia, como foi o caso da Igreja
(Lázaro, 1996). Estamos a falar do Grande Oriente Lusitano (GOL)9 que teve um papel
fundamental na Revolução Republicana do 5 de outubro de 1910 e que antes, teria participado na
Revolução Liberal de 1820 e na Abolição da Pena de Morte em Portugal, em 1867 (Marques, 1998).

7
No Rito Escocês Antigo e Aceite estamos no ano de 6016.
8
A maçonaria, independentemente dos seus ritos específicos está atualmente dividida em Regular e Irregular. A Maçonaria
Regular, também designada de operativa, terá tido início por volta de 1356, tornando-se especulativa em 1717, e está
historicamente ligada à Grande Loja Unida de Inglaterra. Inspira-se na Bíblia cristã ao nível dos seus conceitos morais e
metafísicos, e de alguma forma está ligada às igrejas Católica e Protestantes, assumindo uma total e explícita neutralidade
nos assuntos do foro político e religioso. A Maçonaria Irregular é constituída por todas as organizações maçónicas não
associadas à Grande Loja Unida de Inglaterra, onde se incluem as maçonarias femininas e “mistas”. Se a maçonaria
Regular não admite membros que não acreditem na existência de um deus universal, a maçonaria Irregular permite entre
os seus membros a existência de correntes ateias.
9
O Grande Oriente Lusitano foi fundado em 1802 e constitui a estrutura maçónica mais antiga em Portugal (Carta patente
de 1802 da Grande Loja dos Antigos, de Londres. Cf. Marques 1986, pp. 674-684)

15
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Em 1991 era criada em Portugal a Grande Loja Regular de Portugal (GLRP) a partir
de um desentendimento (VILELA, s.d.) no seio do GOL10. Em 1996 surge uma cisão no seio
da GLRP11 a partir da qual viria a ser criada a Grande Loja Legal de Portugal / Grande Loja
Legal de Portugal (GLLP / GLRP). Atualmente é a única Obediência Maçónica
(Boucher, 1990) regular reconhecida pela Grande Loja Unida de Inglaterra (UGLE) e pela
maioria das obediências maçónicas (Anderson, 1734).

Já muito se escreveu sobre esta organização, onde como já referimos, nos países de origem
católica, é sistematicamente estigmatizada pela população, fruto da ignorância e de grupos
conservadores, mas também através de uma leitura histórica que começou no reinado de D. José I
(1750-1777). Posteriormente durante a 1ª República (1910-1926), onde a igreja perderia grande parte
dos privilégios como o quase total domínio sobre a educação dos portugueses. Contudo a história
documental permite-nos considerar a maçonaria como uma instituição ou sociedade discreta
disseminada por todo o mundo (exceto em países de governos totalitários), cujos membros cultivam
os princípios da liberdade, da democracia, da igualdade e da fraternidade, constituindo-se numa
organização iniciática e filosófica (Macnulty, 2008). Muitos dos maiores vultos da humanidade
pertenceram a esta organização (Davis, 2013), que como já dissemos, provoca no público em geral
sentimentos de rejeição, mas também de profundo respeito e admiração. Neste caso, poderemos
mencionar melhor exemplo do que o do maçon português Sebastião José de Carvalho e Melo? Odiado
pelos grupos mais conservadores da igreja e da monarquia, a sua obra ímpar enquanto estadista 12,
possuidor de um profundo pensamento marcado pelo Iluminismo (Reill, 2004), permitiu a mais
profunda transformação num país completamente estagnado e dominado pelos grupos mais
retrógrados.13

10
. O desentendimento, segundo o autor citado, surgiu no final de 1984, entre o filho do seu ex. Grão-Mestre Adelino da
Palma Carlos e o grupo mais próximo do então Grão-Mestre José Eduardo Simões Coimbra.
11
. A GLRP viria a ser absorvida pela GLLP / GLRP em 15 de julho de 1991.
12
. Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marquês de Pombal (1699 –1782) foi secretário de Estado do
Reino durante o reinado de D. José I (1750-1777).
13
. O Marquês de Pombal acabou com a escravatura em Portugal continental (12 de fevereiro de 1761); Reconstruiu a
cidade de Lisboa após o terramoto de 1 de novembro de 1755; Extinguiu os Autos-de-Fé;
Em 25 de maio de 1773 acabava com a discriminação que se exercia entre Cristãos-velhos e Cristãos-novos; Criou a 1ª
região demarcada do mundo em 1756 (Companhia para a Agricultura das Vinhas do Alto Douro); Criou em 1773 a
Companhia Geral das Reais Pescarias do Reino do Algarve; A educação que era dominada quase exclusivamente pela
igreja, através da Companhia de Jesus, passou-a para a responsabilidade do estado, restruturando então a Universidade
de Coimbra e extinguindo a Universidade de Évora que pertencia aos Jesuítas; Realizou uma reforma completa no campo
da economia e das finanças, permitindo um grande desenvolvimento da indústria portuguesa, principalmente a
exportadora, como foi o caso da cerâmica, e impediu a importação de produtos das então potências hegemónicas da
época (Alemanha, França e Inglaterra).

16
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A proposta de trabalho

Desde o princípio desta década, a GLLP / GLRP tem tido um grande


crescimento de membros em Portugal, a que não é alheio o trabalho realizado pelos seus Grão-
Mestres. Fundam-se novas lojas por todo o país e como consequência, as instalações do principal
Templo (LEIGH, 2006) da cidade do Porto, da rua do Dr. Ricardo Jorge, foram sujeitas a uma
intervenção profunda para poderem funcionar ao mesmo tempo várias lojas14, de ritos diferentes, a
partir da decisão do Grão-Mestre Júlio Meirinhos15. O espaço interior foi totalmente remodelado para
poderem ser praticados os Rito Escocês Antigo e Aceite16, o Rito Escocês Retificado17, o Rito de York18,
o Rito Adonhiramita19 e o Ritual de Emulação. Contudo não nos compete através deste trabalho definir
os princípios em que se baseia a maçonaria, as suas origens históricas, a diferenciação dos seus ritos
ou a organização interna de um templo maçónico. Como já referimos, este artigo pretende limitar-se
a descrever o trabalho pictórico realizado nos tetos das duas salas remodeladas do principal Templo
do Porto. O desafio consistiu em representar através de uma composição pictórica e escultórica o
conceito inerente à cultura maçónica, designado de Abóbada Celeste, que se aplica ao teto do templo
do Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA), no espaço remodelado da GLLP /
GLRP da cidade do Porto, inaugurado em Julho de 6016 pelo Grão Mestre Júlio Meirinhos,
onde foram construídas duas salas para o REAA A, cuja remodelação da arquitetura interior
esteve a cargo do Arquiteto Carlos Almeida Ribeiro.

14
A maioria das pessoas confunde os termos Templo Maçónico e Loja Maçónica. O Templo é um espaço físico onde
reúnem geralmente várias Lojas. Uma loja é uma estrutura formada por homens (maçons) que reúnem regularmente
praticando um determinado rito que adotaram.
15
Júlio Santana Meirinhos, é uma das personalidades portuguesas mais influentes no domínio político e da cultura (língua
e culturas mirandesa). Exerceu ao longo da sua carreira diversos cargos políticos, tendo obtido vários prémios e
condecorações. Atualmente é uma das personalidades mais influentes, a nível mundial, na maçonaria.
16
O Rito Escocês Antigo e Aceite foi organizado a partir de 1804 e deriva do Rito de Heredom, praticado na época em que
os Cavaleiros Templários fugiram para a Escócia. Está intimamente ligada ao Antigo Testamento bíblico e à Lenda de
Hiram (lenda que está na base de toda a maçonaria simbólica).
17
O Rito Escocês Retificado, também conhecido como Rito de Willermoz (o seu fundador), foi criado nos anos 20 do
século passado e, inspira-se profundamente nos princípios da cavalaria, mais propriamente dos Cavaleiros Templários.
18
O Rito de York é o mais influente na sociedade americana e baseia-se num teísmo profundamente cristão. Fundado em
1799, é o rito mais antigo e é o que tem mais seguidores a nível mundial.
19
O Rito Adonhiramita esteve durante muito tempo a ser praticado apenas no Brasil e está ligado aos conceitos do
ecumenismo, do esoterismo, da alquimia, do hermetismo, do sincretismo e da cabala.

17
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Figura 1 – Salas onde foi realizada a Abóbada Celeste.20

Na Figura 1 está representada a planta do espaço de intervenção constituído por suas salas:
Sala A com 93 m2 e 87 lugares (lado esquerdo); Sala B com 100 m2 e 96 lugares (lado direito).

Não existindo uma parede divisória fixa entre as duas salas, apenas placas de madeira
amovíveis, permite retirando a divisória, a realização de grandes reuniões como uma Grande Loja.
Para o efeito e dado que o Oriente da sala A é de maiores dimensões, basta fazer correr a cortina
negra do Oriente da sala B, cobrindo o respetivo delta luminoso, para passar a funcionar apenas um
espaço que permite a existência de mais de uma centena de lugares.

Dado que a normalidade em termos funcionais será o trabalho contínuo nos dois espaços
designados, a decoração ao nível da pintura e dos elementos simbólicos foi repetida, permitindo que
duas Lojas reúnam ao mesmo tempo.

DEFINIÇÃO MAÇÓNICA DE ABÓBADA CELESTE

Convém desde já referir que sobre esta temática não encontrámos qualquer tipo de manual
oficial, com regras previamente estabelecidas e aprovadas superiormente, com a designação dos
elementos simbólicos a colocar no teto de um Templo do REAA, bem como da sua
distribuição em termos de composição. Limitamo-nos a indicações e sugestões, que desde os séc.s
XVIII e XIX nunca coincidiram, pelo que nos atrevemos a considerar que as propostas encontradas,
partem das orientações e interpretações pessoais de mestres, associados à criatividade e destreza
psicomotora do artista que executou a obra.

20
Projeto do Arquiteto Carlos Almeida Ribeiro.

18
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Na maçonaria, a oralidade (Bondarik, 2010) é caraterística dominante, fruto de um passado que


se exigia de secretismo, não só devido às perseguições havidas em determinados períodos da nossa
história, mas fundamentalmente porque a compreensão dos conhecimentos esotéricos tem como
suporte a lenda e o símbolo (Mackey, 1869). Tendo em conta que a lenda é fruto exclusivo da tradição,
sem qualquer tipo de documento histórico que demonstre a sua autenticidade, podemos concluir que
a sua origem está na oralidade. Contudo é necessário que o leitor compreenda que estamos perante
um procedimento de caráter pedagógico em relação aos iniciados nesta ordem (aprendizes e
companheiros), já que se não existe conteúdo, o objetivo é estabelecer doutrina filosófica. Portanto
não se coloca aqui o contexto científico! Logo os dois modelos pedagógicos de aprendizagem
baseiam-se em símbolos e lendas. Devemos mesmo considerar que estamos no mundo do criticismo
de Kant (Moya, 2013) já que a análise crítica da origem, do valor e dos limites do conhecimento
racional constituem-se no ponto de partida da reflexão filosófica.

Para crer em Deus basta erguer o olhar para cima (Platão 428? – 348? A. C.)

No campo da arquitetura serão os romanos a construir edifícios com o teto em forma de


abóbada nos templos religiosos, embora em honra dos deuses romanos, herdados da cultura religiosa
grega. Sabemos que a cobertura dos templos gregos era de madeira na base de uma estrutura de
traves entrelaçadas horizontalmente (Janson, 1992), o mesmo sucendeu com outras civilizações como
a Egípcia e a Egeia (Cicládica, Minoica e Micénica). Portanto a forma em abóbada é comum aos
templos religiosos romanos e posteriormente, adotada aos templos cristãos (Hani, 2001). Na cultura
religiosa islâmica este conceito simplesmente não existe, onde qualquer tipo de representação está
ausente (Barrucand, 1992). Desde sempre a abóbada de um tempo pretende simbolizar o cosmos
através da representação do “firmamentum” celeste, a morada dos deuses. No templo maçónico não
se representam figuras humanas, deuses ou santos na Abóbada Celeste. Simplesmente representa-
se o teto do verdadeiro templo da humanidade, se considerarmos simbolicamente a Loja através um
significado universal (Leadbeater, 1923).

Quando falamos sobre maçonaria, estamos perante uma sociedade com uma cultura
hermética21 sob o ponto de vista filosófico, onde a cultura maçónica apropriou-se ao longo dos tempos
de várias correntes místicas e filosóficas que começam na civilização egípcia, na astrologia, na
alquimia, na Caballah, no exoterismo medieval cristão e no pensamento Rosa-cruz. Tal é o caso da

21
O hermetismo é o campo de estudo e prática da filosofia oculta.

19
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

religião praticada no Antigo Egito através da valorização do culto do Sol e da astrologia, representados
no teto do Templo de Luxor (Castellani, 2012). Posteriormente esta prática influenciaria os povos da
Antiga Grécia, o Romano e o Judeu.

Relativamente à Abóbada Celeste, seja num Templo do REAA, num Templo Católico
ou num templo Judaico, podemos concluir que existe uma perspetiva comum no que respeita ao
pensamento filosófico místico judaico-cristão, cuja base encontramos logo nos cinco primeiros
versículos do livro bíblico de Géneses:

No princípio Deus criou os céus e a terra.


1. Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de
Deus se movia sobre a face das águas.
2. Disse Deus: "Haja luz", e houve luz.
3. Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas.
4. Deus chamou à luz dia, e às trevas chamou noite. Passaram-se a tarde e a manhã;
esse foi o primeiro dia. (Livro Bíblico de Géneses 1).

São estas as palavras que determinarão a divisão em duas partes do Templo de Salomão
(tabernáculo) e dos templos cristão e maçónico. Se no Templo de Salomão o “Santo dos Santos” era
o local mais sagrado onde estava a Arca da Aliança, lugar de acesso reservado aos sacerdotes (Gest,
2012) da tribo de Levi, no templo cristão o “Altar” é o espaço reservado aos sacerdotes e onde se
encontram objetos sagrados como a Âmbula, o Cálice, o Ostensório e o Crucifixo. No templo
maçónico o “Oriente” é o lugar reservado fundamentalmente ao Venerável-mestre e onde se
encontram elementos simbólicos considerados sagrados como o Delta Luminoso e o Candelabro de
três velas. Todos os elementos e objetos simbólicos referidos representam o sagrado através da Luz,
que por sua vez se associa ao Conhecimento e consequentemente, ao Poder.

O restante espaço do templo de Templo de Salomão tinha a designação de “Santo” (Horne,


(1991) e era reservado aos fiéis que assistiam ao ritual judaico. No caso do templo cristão a zona
dedicada aos fiéis tem a designação de “Nave”. No templo maçónico o lugar destinado aos Aprendizes,
Companheiros e Mestres designa-se de “Ocidente”. Nos três casos referidos estamos perante um
espaço de aprendizagem e, portanto, “sem luz”, permitindo a necessária concentração para a aquisição
do conhecimento (Davis, 2013). Em qualquer das situações, o primeiro espaço referido (“Santo dos
Santos”, “Altar” ou “Oriente”) está sempre num plano superior.

20
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Se no teto do templo religioso são fundamentalmente representados símbolos e figuras


humanas (Jesus Cristo, apóstolos e santos), geralmente inseridas numa composição espacial
(Gombrich, 2014). No templo maçónico do REAA representa-se a imagem do universo
estrelado com o sol, os planetas do nosso sistema solar, constelações, nuvens e símbolos, estando
ausente qualquer tipo de representação da figura humana. No que respeita à representação pictórica
da abobada celeste existe apenas um elemento comum entre o templo cristão e o templo maçónico e
que consiste na representação do céu e do firmamento.
Com a evolução da arquitetura a forma de abóbada no “Altar” e no “Oriente” deixou de ser
realizada nos novos templos, passando a ser um plano horizontal. Quando se constitui um novo
templo maçónico, raras são as vezes que se parte de uma estrutura arquitetónica projetada com as
dimensões em harmonia com os antigos rituais e baseadas em princípios geométricos como a medida
áurea. Raros são templos da Maçonaria que possuem a forma de uma abóbada no Oriente, pelo que
a representação pictórica está limitada a um espaço arquitetónico constituído por um teto plano e com
um pé bastante baixo, como foi o caso do presente projeto.

SIGNIFICADO E SIGNIFICÂNCIA SIMBÓLICA NA DICOTOMIA MAÇÓNICA

A maçonaria deve ser traduzida através de uma dicotomia ao nível da linguística. Esta questão
colocou-se a Platão, Sócrates e Aristóteles, quando observavam na Alma o lugar privilegiado da Razão,
da Sabedoria e da Ciência. Neste sentido o Corpo é secundário já que erra e permite o
enfraquecimento do pensamento. Estamos perante a visão idealista do universo em que se baseia a
Maçonaria e que nasce na Grécia Antiga:

“Nada caracteriza melhor o homem do que o fato de pensar”


Aristóteles (384 – 322 a. C.)
“Tudo era um caos até que surgiu a mente e pôs ordem nas coisas”
Anaxágoras (500 - 428 a.C.).

É esta a razão porque a Maçonaria se baseia fundamentalmente em símbolos. Como tal


significante e significado (Pietroforte, 2004) têm uma importância crucial na leitura que se realiza
sobre o signo da Figura 2.

21
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Figura 2 – Acácia22

O Significante é a forma. O Significado é o conceito (conteúdo). Portanto o Signo é formado


através do conjunto indissociável do Significante e do Significado. No caso da Figura 2 estamos
perante um Signo, onde a palavra acácia é o Significante e a imagem da folha é o Significado
(conteúdo). A disciplina que se ocupa do estudo dos símbolos é a semiótica (Eco, 2009).

Entre Signo e Símbolo o espaço linguístico é muito curto porque o Símbolo não deixa de ser
um Signo representado de forma abstrata. Na maçonaria o Símbolo é o elemento mais importante e
essencial em todo o processo de comunicação entre os seus membros, mas também o método
pedagógico utilizado na instrução em qualquer dos inúmeros graus existentes. Contudo a
comunicação através do Símbolo nem sempre assume a forma seja abstrato como na Figura 2, ou
como no caso da representação do Grande Arquiteto do Universo (GAdU), através da forma
abstrata triangular do “Delta Luminoso”. Muitas vezes assume a forma realista como na imagem
representativa da Lua, situada sobre o Primeiro Vigilante (1.º V).

OS ELEMENTOS SIMBÓLICOS DA ABÓBADA CELESTE

Se o rigor é apanágio da estrutura maçónica, a realização de uma composição meramente


decorativa impediria certamente que se atingissem os objetivos e a plasticidade que se pretende com
um
ambiente fraternal e propicio para concentrar sua atenção e esforços para
melhorar seu caráter, sua vida espiritual e desenvolver seu sentimento de
responsabilidade, fazendo-lhes meditar tranquilamente sobre a missão do homem
na vida, recordando-lhes constantemente os valores eternos, cujo cultivo lhes
possibilitará acercar-se da verdade (Zapolla, 2002).

Se referirmos a “prancha” realizada por Ribeiro (2015), onde refere

22
Elaboração própria.

22
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A abóboda decorada com os corpos celestes simboliza também a abertura da


consciência do homem, a sua transcendência, como que um passo mais na
perceção da existência de um Ser Supremo.

Entendemos a importância que tem na criação do ambiente de caráter dramático que está em
sintonia com o ritual que se vai praticar durante a sessão e que assume um caráter SAGRADO.

Um dos aspetos que mais distrai os fiéis num templo religioso católico são as representações
humanas onde se exagera na expressão de sofrimento e também na exagerada decoração “barroca”
coberta com folha de ouro. Qualquer tipo de representação humana ou facial como uma máscara
destrói todo o ambiente de concentração e reflexivo que se pretende num templo, seja qual for a sua
associação religiosa ou filosófica. Facilmente a nossa consciência passa a realizar leituras de ordem
estética e dramática, abandonando qualquer tipo de experiência meditativa.

Em sentido contrário, a representação celestial das constelações, planetas e satélites, ausente


de elementos figurativos humanos, na composição da Abóbada Celeste permite criar o ambiente de
abertura da consciência pessoal através da concentração, propício à contemplação, reflexão e
meditação (Kaplan, 2008), com o intuito de fomentar a atenção sobre o ritual do REAA

Como já foi referido por nós, não existe uma descrição escrita e objetiva acerca Abóbada Celeste num Templo Maçónico
bem como da época em que surgiu e respetivo lugar (ARAÚJO, 2008). A primeira descrição (Churton, 2011) teria sido
realizada por Elias Ashmole (1617 – 1692) e está representada na

Figura 5. O desenho desta descrição foi realizado no Brasil a pedido da Loja Simbólica "Stella
Matutina" nº 658, tendo-se tornando como referência em vários templos deste nosso país Irmão.

Albert Pike (1872) em “Moral e Dogma” refere que no Rito de York as dimensões da Loja como
sendo

Ilimitadas e cobrem não menos do que a abóbada celeste…

A mente do Maçom é continuamente dirigida a esse objeto”, dizem eles, “e ele


espera chegar ali com a ajuda da escada teológica que Jacó, em sua visão, viu
subindo da terra para o Céu; as três voltas principais eram chamadas de Fé,
Esperança e Caridade; e que nos lembra de ter Fé em Deus, Esperança na
Imortalidade e Caridade para com toda a Humanidade.

Mais refere que os antigos contavam sete planetas (Lua, Mercúrio, Vênus, o Sol, Marte, Júpiter
e Saturno), não referindo a respetiva posição na Abóbada Celeste. Relativamente ao Sol e à Lua refere

23
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Os Mestres da Luz e da Vida, o Sol e a Lua, são simbolizados em todas as Lojas


pelo Mestre e pelos Vigilantes; e isto torna dever do Mestre prover luz para os
Irmãos, por si próprio e através dos Vigilantes, que são seus ministros.

Podemos por estas palavras compreender a associação do Sol ao Venerável Mestre e a Lua
aos 1.º e 2.º Vigilantes. Dada a posição do Venerável Mestre no Oriente e dos 1.º Vigilante e 2.º
Vigilante no Ocidente, facilmente depreenderemos a existência do espaço de Luz no Oriente e de
Escuridão no Ocidente do Templo.23

Como temos vindo a referir as considerações realizadas sobre a Abóbada Celeste não assumem
verdadeiramente a condição de um esquema a ser cumprido, a partir de um projeto gráfico, nas
publicações consultadas.

Encontramo-nos mais perante uma questão de caráter filosófico ao nível da interpretação já


que o procedimento para a elaboração de uma Abóbada Celeste é de caráter existencial e valorativo,
não se constituindo numa mera solução de científica ou técnica.

Na Figura 3 elaborámos um esquema a partir da revisão da literatura consultada sobre o tema


onde os elementos colocados (constelações e planetas) estão sujeitos aos princípios da filosofia
maçónica definidos nos Landmarks da Maçonaria (Anderson, 1734) e nos respetivos rituais do
REAA A interpretação que realizámos está dependente do significado e da significância dos
elementos simbólicos na base duma interpretação maçónica.

Partimos do princípio científico que a Abóbada Celeste, cuja designação deve ser firmamento,
que visualizamos fisicamente durante a noite, está dentro do que se designa de trigonometria esférica.
Dividimos a circunferência obtida da Figura 3 em dezasseis partes correspondendo aos pontos cardeais
com os respetivos graus de posição.

Para o efeito dividimos a circunferência em 4 partes iguais, correspondendo aos 4 pontos


cardeais e às 4 paredes do templo. Considerámos o espaço do Oriente maçónico, compreendido entre
Nordeste | 45º e Sudeste | 135º, correspondendo às posições fixas do Secretário e do Orador
respetivamente, situando-se o Venerável-Mestre na posição Oriente | 90º. O espaço do Ocidente
maçónico, a Norte foi colocado entre as direções Noroeste | 315º e Nordeste | 45º, a Sul entre as

23
No espaço físico da maçonaria, designado de Templo as posições dos elementos simbólicos e dos maçons é definida
através dos pontos cardeais (Oriente – Ocidente e Norte – Sul). O Oriente é o local mais elevado do Templo através de 3
degraus de escadas relativamente ao Ocidente. A posição Oriente num templo maçónico não tem de estar alinhada com o
verdadeiro Oriente geográfico, como no caso de alguns templos cristãos e muçulmanos. Recordo que estamos no mundo
simbólico.

24
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

direções Sudeste | 135º e Sudoeste | 225º e a Ocidente entre as direções Noroeste | 315º e Sudoeste
| 225º.

Na referida posição Norte situámos os oficiais Hospitaleiro e Experto, sendo este o espaço
ocupado pelos Aprendizes.24 A Sul encontramos o Tesoureiro e o 2.ª Vigilante, constituindo-se o
espaço ocupado pelos Companheiros e Mestres. A Ocidente situamos o 1.º Vigilante, Mestre-de –
Cerimónias, o Guarda Interno e o Organista.

Fora da circunferência, mas neste espaço angular situámos o Guarda Externo.

24
Embora seja o “lugar do Aprendiz”, os Companheiros e Mestres podem ocupar também esses lugares, se assim o
entenderem. No entanto e a Sul, só se podem sentar-se os Companheiros e os Mestres.

25
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Figura 3 – A Abóbada Celeste baseia-se na centralidade dos elementos simbólicos associados aos elementos humanos25

Definido um Firmamento simbólico, colocámos as constelações com as respetivas associações


simbólicas. No lado Norte, a Estrela Spica da Constelação Virgem, associada ao Secretário foi colocada
na direção Nordeste | 45º. A direção Norte | 0º compreende, portanto, a estrela Polar da constelação
Ursa Menor, a maior das referências direcionais do hemisfério Norte. As estrelas Alkaid, Alcor, Alioth
e Megrez da constelação Ursa Maior estão situadas na direção Nor-noroeste | 337,5º por
corresponderem aos Mestres-instalados, devendo ser essa a sua posição de ocupação no tempo.

No lado Sul, a estrela vermelha Arcturus da constelação Boieiro, ao corresponder ao Orador,


está situada na direção Sudeste | 135º. Na constelação Touro, podemos observar os grupos de estrelas
Plêiades que correspondem aos Mestres, e as Híades correspondendo aos Companheiros. Neste
grupo ainda existe a estrela Aldebarã que corresponde ao Tesoureiro e como tal está sobre a direção
Su-sudeste | 175, 5º. A estela Regulus da constelação Leão está situada na direção Sudoeste | 225º.
Corresponde ao Mestre-de-cerimónias (contudo na GLLP / GLRP este oficial está
situado no lado Ocidente a Noroeste | 292, 5º. A estrela Formalhaut da constelação Peixe Austral
corresponde ao Chanceler, cargo inexistente em Portugal.

Na posição Ocidente | 270º foi colocada a estrela avermelhada Antares da constelação Escorpião
e que corresponde ao Guarda Interno.

Perto do Oriente estão ainda representadas as constelações Cassiopeia e Orion com as estrelas
Três Marias correspondendo aos Aprendizes.

As Três Luzes da Loja (Venerável-mestre, 1.º Vigilante e 2.º Vigilante) estabelecem uma
triangulação cujos vértices estão associados respetivamente ao Sol, à Lua e à Stella Pitagoris.

Júpiter ao corresponder ao Past.Venerável-mestre, está situado perto do Oriente na direção És-


sudeste | 112, 5º. Mercúrio ao corresponder ao Hospitaleiro está perto deste oficial na direção
Nordeste | 45º.

Vénus está situado na direção Oés-noroeste | 292,5º e corresponde ao 2º Diácono, cargo


inexistente em Portugal. Como é o “mensageiro do dia” está também associado ao Experto.

25
Elaboração Própria.

26
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Finalmente Marte, planeta que está associado ao Guarda Externo, simboliza a guerra e, portanto,
está no exterior do Templo na direção Ocidente | 270º.

Este esquema acima de tudo fez-nos compreender um dos princípios em que assenta esta
“Irmandade” e tem a ver com a Igualdade, Liberdade e Fraternidade, simbolizada através de Saturno.
Este planete assume toda a centralidade simbólica, ao ser estabelecida sob ele a Cadeia de União.

Definido e identificado o conceito, entendemos então adaptá-lo a um espaço retangular de


um templo. Na descrição que vamos passar a descrever, para uma melhor compreensão do leitor,
realizamos o esquema elucidativo da Figura 4.
Nesta descrição será conveniente esclarecer que não vamos abordar os oficiais que compõem
uma loja, respetivas funções, bem como a posição dos outros elementos (Mestres, Companheiros e
Aprendizes), por não fazer parte do tema explorado. Contudo será importante mencionar que os
Aprendizes se sentam exclusivamente no Norte. Esta é a justificação da existência das nuvens no
Norte, a cobrir o céu estrelado, permitindo, no entanto, visualizar as constelações Virgem, Ursa Menor
e Ursa Maior. Os Aprendizes ainda estão numa fase de obtenção do conhecimento e, portanto, a
simbólica visão do universo ainda é limitada.

O leitor também deve realizar a presente leitura interpretativa, relativamente às constelações,


estrelas, planetas e satélites, situando-se historicamente no séc. XVIII, onde o conhecimento baseava-
se em pressupostos simbólicos, sendo muito limitado. No caso de Saturno estão apenas
representados os nove satélites então conhecidos. A leitura assume, portanto, um caráter simbólico e
não científico, baseada fundamentalmente nas ideias da época em que os elementos representados
na Abóbada Celeste exerciam uma influência direta sobre o homem, na vida real.

Importa desde já considerar também que a posição das estrelas, constelações, planetas e
satélites, se adequam ou coincidem com a posição no templo dos participantes na cerimónia ritual,
sejam Aprendizes, Companheiros, Mestres ou Oficiais. Contudo a coincidência da posição com
representação no teto só existe relativamente ao Venerável Mestre (iluminado pelo Sol), ao Primeiro
Vigilante (iluminado pela Lua) e ao Segundo Vigilante (iluminado pela Stella Pitagoris). Daí que
designamos como as “3 Luzes de uma Loja” estes oficiais que a dirigem efetivamente.

No que respeita às constelações e respetivas estrelas, estão representadas próximas dos


elementos que representam, como já referimos. Como o Oriente está iluminado, não se observam
constelações. Esta é a justificação para colocar próximo do Oriente a Constelação Virgem que rege o

27
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Secretário, o mesmo sucedendo com a Constelação Boieiro que rege o Orador, oficiais que também
se sentam no Oriente iluminado.

Figura 4 – Descrição visual da Abóbada Celeste26

Nas 10 constelações identificadas na Abóbada Celeste, mais propriamente nas posicionadas


no lado Sul, algumas possuem uma estrela designada de “Estrela Alfa”. Tecnicamente esta
classificação surge dentro da tradição maçónica e, portanto, não assume um caráter científico já que

26
Elaboração Própria.

28
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

todas as constelações possuem uma “Estrela Alfa”. “Alfa” é a primeira letra do alfabeto grego e no
presente caso será a estrela mais brilhante da respetiva constelação.

POSIÇÃO DAS ESTRELAS E CONSTELAÇÕES

O Templo Maçónico inspira-se no Templo de Salomão, constituído também por dois espaços
(Santo e Santo dos Santos). No presente caso o espaço está dividido em Oriente e Ocidente, conforme
a Figura 4. Neste espaço simbólico designado de Oriente existe LUZ por que o SOL, situado um
pouco à frente do Venerável Mestre, ilumina-o ao nível da Sabedoria. O restante espaço está
escurecido permitindo visualizar na imensidão celestial os principais planetas e constelações (Olivier,
2003). Contudo a “Norte”, onde se sentam os Aprendizes, “lugar das trevas e do não conhecimento”,
a dificuldade é maior porque a existência de nuvens dificulta a visualização do céu estrelado. Todas
as publicações antigas referem apenas esta transição do dia ou da “Luz” (“Oriente”), para a noite ou
para as “Trevas” (“Ocidente”).

SOL – Sendo a estrela central do sistema solar, foi ao longo dos tempos adorada pelos
diferentes povos da antiguidade por permitir a existência de vida no nosso planeta, considerando-o
como uma deidade solar, sendo construídos vários monumentos em sua honra. O Sol ocupa um
espaço privilegiado na Abóbada Celeste, no eixo central, à frente do Venerável Mestre, iluminando-o
representando-o, no “Oriente”.

A representação das estrelas principais, para além do Sol, estão inseridas em constelações,
enquanto áreas definidas na Esfera Celeste e agrupadas em torno de asterismos. O asterismo constitui
um padrão verificável de estrelas durante a noite (Lavrador, 2015)

Na Abóbada Celeste estão representadas 10 constelações, das 88 reconhecidas pela União


Astronómica Internacional (U.A.I.), desde 1922. Foi Ptolomeu no séc. II, através do seu tratado de
matemática e astronomia designado de Almagesto, quem identificou na época 48 constelações,
embora as primeiras tenham sido registadas na cultura babilónica. As restantes 40 seriam identificadas
entre os séc.s XVII e XVIII. Mesmo assim ainda existem outras constelações não reconhecidas de
origem chinesa e hindu, principalmente.

29
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Começando a descrição pelo lado Norte, observamos a existência de três constelações.

SPICA

CONSTELAÇÃO VIRGEM – Situado junto ao Oriente observamos a constelação Virgem, onde


se destaca a estrela alfa SPICA (Alfa Virginis, traduzida em latim por “espiga") que rege o Secretário
(os instrumentos de escrita usados pelos gregos e romanos eram feitos a partir de caules ocos
designados de “spicula”). Na mitologia, Témis, deusa da justiça, ascendeu aos céus desgostosa com
o comportamento humano. Também se identifica como sendo Astreia, filha de Zeus e de Témis, e que
teria habitado a terra durante a Idade de Ouro, Posteriormente e com a enfraquecimento da
humanidade, retirou-se para os céus onde se transformou na Constelação Virgem.

CONSTELAÇÃO URSA MENOR – Continuando a descrição é visível a constelação Ursa Menor,


constituída por sete estrelas onde se distingue a Estrela POLAR, a grande referência que nos indica o
Norte. Também conhecida como o “pequeno carro” foi reconhecida em 600 a. C. por Tales de Mileto.
Para os gregos a Ursa Menor é Arcas, filho de Calisto (Ursa Maior), colocado no céu por Zeus.

ALCOR
MEGREZ

ALIOTH
ALKAID

CONSTELAÇÃO URSA MAIOR – Sendo a constelação mais antiga conhecida, representa os


Mestres Instalados, através das 4 estrelas da cauda e que se distinguem pela sua dimensão (ALKAID,
ALCOR, ALIOTH e MEGREZ). A última estrela da cauda designa-se de ALKAID ou Benetnasch. Estes
dois termos fazem parte da frase da cultura árabe “quaid al banat ad nasch” que traduzida significa “a
chefe dos filhos do ataúde Mário”. Apela ao conceito do “filho da viúva”, já que no Egito e na tradição

30
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

árabe a Ursa Maior era representada através de um sarcófago (Osíris) e a sua Viúva (Hórus) em
procissão fúnebre.

No lado Sul da Abóbada Celeste estão representadas 4 constelações. Começamos a descrição


pela situada junto ao Oriente. A limpidez estrelar da noite escura indica que estamos nos lugares
ocupados pelos Mestres e Companheiros.

Estrela Alfa
ARCTURUS

CONSTELAÇÃO BOIEIRO - Perto do Oriente observamos a constelação Boieiro, distinguindo-


se a 1ª estrela alfa designada de ARCTURUS (no grego significa “guardiã do urso”), possui cor
avermelhada, corresponde ao cargo do Orador. Na mitologia grega representa o filho de Deméter,
figura que foi premiada com o céu por ter inventado o arado.

Estrela Alfa
ALDEBARÃ

CONSTELAÇÃO TOURO - Na constelação Touro onde são bem visíveis as sete PLÊIADES (ou
sete irmãs) que representam os Mestres (plêiade de homens justos) e as cinco HÍADAS (Hyades)
dispostas em esquadria representando os Companheiros. Nesta constelação é bem visível a 2ª estrela
alfa ALDEBARÃ que rege o cargo do Tesoureiro. Dentro da mitologia Zeus transformou-se em Touro
para seduzir a Europa, nome de uma princesa fenício da época. Na mitologia egípcia os dois grupos
(Plêides e Híades) eram associados à época das chuvas e, portanto, ao rejuvenescimento da natureza.
Devemos lembrar que o Touro era associado na antiguidade à força e à fertilidade.

Estrela Alfa
RÉGULUS

CONSTELAÇÃO LEÃO – Nesta constelação a estrela mais brilhante é REGULUS (“Alfa Leonis”),
batizada por Nicolau Copérnico, significa “Regente”, correspondendo ao cargo de Mestre de

31
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Cerimónias. Na cultura greco-romana representa o leão de Nemeia, um dos monstros mortos por
Hércules, que depois de o matar passou a usar a sua pele que por ser muito resistente permitiu vencer
as outras criaturas da mitologia grega.

Estrela Alfa
FOMALHAUT

CONSTELAÇÃO PEIXE AUSTRAL – Na constelação Peixe Austral faz-se notar a 4ª estrela alfa
FOMALHAUT (Alfa Piscis Austrinis) com o seu disco azulado de poeira luminosa, significando em
árabe “boca do peixe do Sul”. Esta estrela representa o Chanceler (cargo inexistente em Portugal). Na
mitologia esta constelação remonta à antiga Síria.

Estrela Alfa
ANTARES

CONSTELAÇÃO ESCORPIÃO – Mesmo sobre o lado Ocidente, e no eixo central do templo,


observa-se a Constelação Escorpião onde se destaca a 5ª estrela alfa ANTARES (“Alfa Scorpii”) de cor
vermelha e que rege o Guarda Interno. Esta estrela foi muitas vezes confundida na antiguidade com o
planeta Marte por serem da mesma cor. Esta constelação é visível no hemisfério sul durante o Inverno
e no hemisfério norte durante o Verão. Na mitologia grega Scorpius é o escorpião que matou Orionte
(Órion).

No eixo central são colocadas as constelações Cassiopeia e Órion.

CONSTELAÇÃO CASSIOPEIA – Situada perto do Oriente, simboliza os comportamentos e


atitudes positivas e negativas dos maçons e que devem ser potenciadas ou corrigidas a partir do
respetivo esforço individual, como o respeito, a tolerância, a fraternidade, a vaidade, o orgulho, etc.

32
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

CONSTELAÇÃO ÓRION –A maior visibilidade parece dirigir-se para a constelação Oríon onde
se distinguem três estrelas em linha, designadas de "as Três Marias" ou "os Três Reis Magos". Estas
três estrelas representam a “idade do Aprendiz”. Dentro da tradição árabe, a constelação Oríon tinha
a designação de “a Ovelha de Cinto Branco". Como sabemos o avental do Aprendiz no nos primeiros
tempos da maçonaria era feito de pele de carneiro. Estas três estrelas regem os Aprendizes. Na
mitologia as constelações Escorpião e Órion são inimigas pelo que devem ser colocadas muito
afastadas, a primeira no eixo central perto do Oriente e a segunda no mesmo eixo, mas perto do Sul.
Os caldeus designavam-na de Tammuz. Na mitologia grega Órion era um caçador, filho de Neptuno
e da ninfa Euriale. Fisicamente era um gigante com muita força e muito hábil no urso do arco com
flecha e tinha uma personalidade muito pouco humilde, gabando-se que se quisesse exterminaria
todos os animais da Terra. Perante esta atitude arrogante a deusa Gaia, protetora da Terra e de todos
os animais, enviou um escorpião que o mataria com a sua picada.

POSIÇÃO DOS PLANETAS E SATÉLITES

MARTE - Nos planetas a leitura que realizámos é do exterior para o interior, pelo que
começamos por observar no teto à entrada do templo, o planeta MARTE, nas suas cores originais
vermelha e preta. Considerado pelos gregos como o deus da guerra, não tem espaço no lugar onde
se procura a Paz e a Harmonia. Faz parte do mundo profano, tendo a incumbência de “cobrir o templo”
pelo que se associa ao Guarda Externo. Já referimos que a 5ª estrela alfa ANTARES da Constelação
Cassiopeia, vermelha como o planeta MARTE, colocada sobre o Guarda Interno vai garantir a fronteira
entre os mundos iniciático e profano. Este planeta foi registado pelos astrónomos do Antigo Egito.

MERCÚRIO - No interior começamos a leitura a Nordeste onde está situado o planeta


MERCÚRIO, em tonalidades de vermelho-escuro e que rege o 1º Diácono (cargo inexistente em
Portugal), mas também ao Hospitaleiro. MERCÚRIO (Hermes para os gregos) é o mensageiro dos
deuses, sendo o planeta mais pequeno do Sistema Solar. A sua descoberta deve-se aos astrónomos
assírios.

33
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

JÚPITER - Na mesma posição relativamente ao Oriente, mas a Sudeste, observamos o maior


dos planetas do nosso sistema solar, JÚPITER (Zeus para os gregos) em tonalidades estriadas que
variam entre o amarelo e o laranja. Este planeta rege o Past Venerável Mestre, já que simbolicamente
é o guardião do Direito, protetor do Estado e do Matrimónio. Na Babilónia representava o deus
Marduque.

SATURNO - No eixo central do templo e a meio deste, encontramos o planeta SATURNO com
os três anéis concêntricos e os nove satélites conhecidos na época, dos mais de setenta existentes,
que representam os nove cargos: Venerável Mestre, Primeiro Vigilante, Segundo Vigilante, Secretario,
Orador, Tesoureiro, Chanceler, Mestre de Cerimonias e Guarda do Templo. Os três anéis concêntricos
representam os Aprendizes, os Companheiros e os Mestres Maçons pelo que este planeta rege a
Cadeia de União. Deve, portanto, ser colocado sobre os quadros dos três graus.

LUA - Sobre o 1º Vigilante está representado o satélite LUA, em tonalidades cinzentas e em


quarto crescente, tendo a função de iluminar e reger este oficial. A LUA é o relógio mundial mais
antigo, através das suas quatro fases, base de todos os calendários desde a antiguidade.

VÉNUS - O último planeta representado é VÉNUS em tonalidades amareladas e acastanhadas,


situado perto do Ocidente entre o satélite LUA e a Constelação Escorpião. O Planeta VÉNUS rege o
cargo de 2º Diácono (cargo inexistente em Portugal). Existem publicações que o associam ao Experto.
Também é designado de “estrela Vésper” por ser a primeira aparecer ao amanhecer, pelo que este

34
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

planeta é identificado como o “mensageiro do dia”. Na mitologia é a deusa Afrodite para os gregos e
Vénus para os romanos. É a deusa do Amor. O grande poeta português Luís Vaz de Camões, designa-
a nos Lusíadas como a deusa que mais apoiava os heróis portugueses.

POSIÇÃO DA STELLA PITAGORIS

Sobre o 2º Vigilante e regendo este oficial está colocada a Estrela Pitagórica ou Estrela
Flamejante com cinco pontas. O seu significado dirige-se para o Homem Iluminado que transcende a
condição humana.

Estamos perante o pentagrama, que já era conhecido dos antigos sumérios, muito explorado
pelo matemático grego Pitágoras, que descobriu nesta forma uma relação direta com o número áureo.
Esta forma é usada nos campos místico e científico. No primeiro vamo-nos confrontar com a célebre
imagem criada por Leonardo da Vinci para o livro “A Divina Proporção” de Luca Pacioli, onde se
representa a figura humana com os quatro elementos (ar, água, terra e fogo) coordenados pelo espírito
(cabeça). Sob o ponto de vista científico reflete várias leis da matemática como os logaritmos, a
sequência de Fibonacci, a espiral logarítmica, etc. (JIMÉNEZ, 2013) No campo específico da maçonaria
é a referência aos elementos (ar, água, terra e fogo) e ao espírito.

DISPOSIÇÃO DOS ELEMENTOS SIMBÓLICOS EM CONTATO DIRETO COM A ABÓBADA


CELESTE

As 12 COLUNAS ZODIACAIS - Embora os símbolos zodiacais não estejam representados na


Abóbada Celeste, por estarem representados na parte superior das 12 colunas das paredes Norte e
Sul, devem ser referidos dentro do mesmo contexto. Com a designação de Colunas Zodiacais, a sua
disposição e significado simbólico é diferente nos hemisférios norte e sul. A disposição realizada
corresponde a um templo situado no hemisfério norte e que passamos a descrever (Tabela 1).

Na parede Norte e no sentido do Oriente para o Ocidente observamos a seguinte sequência:


Virgem; Leão; Câncer; Gémeos; Touro; Áries.

35
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Na parede Sul e no sentido do Ocidente para Oriente observamos a seguinte sequência: Peixes;
Aquário; Capricórnio; Sagitário; Escorpião; Libra. Passamos agora através de uma tabela descrever a
correspondência de cada signo, no hemisfério norte.

Associação estabelecida no Hemisfério Norte


Signo
Elemento Cor Planeta ou estrela Grau

VIRGEM ÁGUA Azul-escuro Mercúrio

LEÃO AR Azul claro Sol

CÂNCER TERRA Castanho Lua


Aprendiz
GÉMEOS FOGO Vermelho Mercúrio

TOURO ÁGUA Azul-escuro Vénus

ÁRIES AR Azul claro Marte

PEIXES TERRA Castanho Neptuno

AQUÁRIO FOGO Vermelho Úrano

CAPRICÓRNIO ÁGUA Azul-escuro Saturno Mestre

SAGITÁRIO AR Azul claro Júpiter

ESCORPIÃO TERRA Castanho Plutão

LIBRA FOGO Vermelho Vénus Companheiro


Tabela 1 – Os signos e respetivas associações simbólicas no Hemisfério Norte.

A CORDA COM 81 NÓS – Situada entre a parte superior das Colunas Zodiacais e a Abóbada
Celeste, contorna as paredes do templo e simboliza a União e a Fraternidade Maçónica Universal. Os
nós têm a designação de “laços de amor” e observamos 40 em cada um dos frisos das paredes Norte
e Sul. O nó do meio da corda está situado a meio do friso da parede do Oriente sobre o Venerável
Mestre. As extremidades da corda terminam de cada lado da porta de entrada do templo na parede
Ocidente, através de dois pendentes (em forma de borlas) que simbolizam a Prudência e Justiça.

36
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O PROJETO DE TRABALHO

Figura 5 – Esquerda:
Proposta da Loja Simbólica
"Stella Matutina" nº 658.
Direita: NO ESQUADRO
(publicação on-line
brasileira).

Entendemos que um projeto pictórico destinado a um determinado espaço deve ter como
princípio elementar a sua integração. Depois de consultarmos várias imagens de tetos de templos,
disponibilizados na internet27 e em publicações, observamos como caraterística comum, a existência
de uma estética com caraterísticas naif (ingénuo) e dentro de uma estética mais decorativa do que
simbólica. Não rejeitando este tipo de arte, mais desenvolvida no campo da pintura, que se carateriza
pela sua simplicidade das formas, pela sua deformação ao nível das proporções e de fácil leitura,
entendemos que a representação das formas no espaço de um templo não deve assumir caraterísticas
decorativas e ingénuas (Eco, 2005). Outro aspeto observável e de grande importância tem a ver com
o desenho das formas. Consideramos que os elementos de caráter simbólico devem assentar num
procedimento geométrico de construção (Canotilho, 2009), ausente de qualquer linguagem de
caraterísticas “barrocas”. Entendemos também que os elementos simbólicos como as estrelas,
planetas e constelações, quando representados em conjunto, devem respeitar entre si as reais
proporções, a textura e a cor. No caso das constelações representadas entendemos que devem ser
representadas na posição em que as observamos no céu noturno e sem alterar a sua dimensão. De
outra formas não estaríamos a realizar uma caricatura da Abóbada Celeste?

27
Loja A.R.L.S. Cavaleiros da Paz n.º 25; Loja ARLS Fraternidade Luz da Mantiqueira n.° 2327; Loja Profeta Issa n.º 1942;
Loja Maçônica 25 de março.

37
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

No mundo do simbolismo também não pode haver mais do que uma interpretação ao nível do
símbolo, e se ela existe, é devido ao pouco rigor na conceção do desenho e da generalização das
formas. A título de exemplo, as estrelas principais em alguns tetos observados, ao não estarem
inseridas na respetiva constelação, permitem diferentes hipóteses sobre a qual pertencem.

Na Figura 5 está representado o esquema de um teto do REAA realizado a partir da


proposta mais antiga conhecida (Churton, 2011), da autoria de Elias Ashmole (1617 – 1692). Esta
proposta sem a colocação das principais estrelas na respetiva constelação impediria a sua
identificação. O mesmo sucede com os astros que parecem mais sugerir estrelas. A título de exemplo
a representação da constelação Ursa Maior não está correta. Na estampa referida, sem uma referência
com nomes, apenas seríamos capazes de identificar o Sol e a Lua.

Dimensão representada
Constelações Estrela principal e secundárias Cor da estrela real
Pequena Média Grande

Virgem 13 1 Spica

Boieiro 11 1 ARCTURUS Vermelha

Cassiopeia 5

Touro 5 12 1 ALDEBARÃ. 3 Plêiades e 3 Híades Amarela

Órion 20 3 3 Marias ou 3 Reis Magos

Ursa Maior 15 4 Alkaid, Alcor, Alioth e Megrez

Ursa Menor 6 1 Polar

Leão 12 1 RÉGULUS Amarela

Peixe Austral 7 1 FOMALHAUT Amarela com poeira luminosa

Escorpião 16 1 ANTARES Amarela com aurela Vermelha

110 21 5

Tabela 2 - Dimensões das estrelas e constelações de cada sala.

38
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Tendo em conta a planta fornecida e identificada na Figura 1 decidimos inserir as estrelas nas
respetivas constelações, representadas em volume para uma melhor identificação, através de três
dimensões. A maior importância simbólica de algumas, obrigou à sua representação em maior
grandeza e com raios na respetiva constelação (Tabela 2). Contudo a Sul e a Ocidente ainda existem
as designadas estrelas alfa apresentadas numa ainda maior dimensão: ARCTURUS; ALDEBARAN;
RÉGULUS; FOMALHAUT; ANTARES. As constelações estão de acordo com a respetiva proporção
entre si e na real posição direcional no universo visível, já que nos situamos no hemisfério Norte e
temos como referência a Estrela Polar (Figura 10).

A representação dos astros e dos respetivos satélites também foi realizada volumetricamente,
respeitando a sua verdadeira tonalidade e textura havendo, desde logo, preocupação pelas proporções
entre si (Tabela 3), devendo ser referido que os elementos representados se limitam aos então
conhecidos nos primórdios da maçonaria.

Planetas e sol cor 1 2 3 4 5

Sol Raios dourados (V:.M:.) x

Lua Quarto Crescente e prateada (1.º V:.) x

Estrela Flamejante Prateada com raios dourados x

Júpiter (Past. V:.M:.) x

Saturno 9 satélites e 3 anéis (os anéis representam os A:. C:. M:.) x

Mercúrio x

Vénus Prateado x

Marte Planeta da Guerra à entrada mas fora da sala x

Tabela 3 - Dimensões dos planetas e sol de cada sala

As figuras 6 a 9 correspondem ao trabalho final realizado nos tetos e paredes das duas salas.

39
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Figura 6 – Imagem com a pintura realizada nos tetos na Sala A com 93 m2 e 87 lugares. No fundo (Oriente) observa-se
a luz, o delta luminoso e o sol com iluminação própria e realizados tridimensionalmente.

Figura 7 - Imagem com a pintura realizada nos tetos na Sala B com 100 m2 e 96 lugares.

40
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Figura 8 – Pormenor da parte central do teto com a representação de estrelas e Saturno.

Figura 9 - Pormenor do teto com a representação do Sol, junto ao Oriente.

41
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Procedimento técnico

Sob o ponto de vista técnico foram várias dificuldades surgidas que prejudicaram a execução
do trabalho tornando-o bastante mais moroso. Quando as duas salas foram entregues para a pintura
da Abóbada Celeste, já estava colocado o chão em azulejo, as paredes pintadas e a sala completamente
mobilada. Este aspeto impediu uma maior liberdade expressiva ao nível da pintura, provocaria uma
maior morosidade, tendo sido necessário recorrer ao cobrimento do mobiliário e isolamento da pintura
já realizada nas paredes.

Como foi referido no início do nosso trabalho, as salas foram realizadas a partir de espaços
recuperados pelo que a baixa altura da sala impediu a realização das nuvens em perspetiva.
Modernizada que foi a sala, confrontámo-nos com as várias saídas do ar condicionada, as lâmpadas
Led, os detetores de incêndio e as colunas de som, bem como os dois planos existentes no teto.

Na planta representada na Figura 10 observa-se a existência em cada sala de três retângulos


ao longo do eixo central e que possuem uma maior altura em relação ao restante teto. Nos dois
orientes a altura do pé é ainda menor (265 cm) porque tem de estar mais elevado, segundo o rito.

Havendo necessidade de escurecer o Ocidente, dentro dos princípios já referidos do


REAA utilizámos um “Luxímetro” para medição da luz em lux, fc ou cd/m2. O ambiente antes
da pintura era já em si ténue devido ao mobiliário, constituído maioritariamente por cadeiras forradas
em vermelho escuro e sem brilho. No teto e nos três retângulos haviam sido instalados fitas de led
orientadas horizontalmente, enquanto que nas partes menos elevadas lâmpadas individuais de led
dirigidas verticalmente. Depois de pintada uma zona com “Azul da Prússia” verificámos, através da
medição com o Luxímetro, que a diminuição de luz ambiente era insignificante.

42
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Figura 10 – Esquema do projeto da pintura da Abóbada Celeste das duas salas A e B.

Os planetas e as centenas de estrelas foram realizados em volume e pintadas previamente antes


de serem coladas no teto. Sendo formas coladas e apesar de haver no mercado ótimos produtos,
realizámos os objetos em materiais como o K-line (diversas espessuras), pasta de papel e cimentos
acrílicos. Como pretendemos realçar estes elementos em relação à pintura demi-acetinada do teto,
utilizámos tintas de esmalte brilhantes fornecidas pelos melhores fabricantes (Marcas Cin e Robbialac).

Previamente à pintura, o teto foi totalmente desenhado com rigor, marcando a posição das
centenas de estrelas das diferentes constelações, bem como os astros. No Norte foram também
desenhadas as nuvens em cada uma das salas. Depois de coberto todo o mobiliário e o isolamento
das paredes já pintadas, com fita autocolante adequada, procedeu-se à pintura do teto começando
pela zona do Oriente onde tinha de ser simulado um céu com luz. Depressa nos confrontámos com a
impossibilidade de realizar qualquer tipo de perspetiva das nuvens nos dois orientes devido à baixa
altura do pé da sala. Recorremos à execução de nuvens como se fossem observadas verticalmente e
não através duma leitura horizontal.

43
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Recorremos às tintas das marcas já citadas pela sua qualidade cromática e poder de
cobertura. No Oriente utilizámos “Branco de Chumbo”, “Branco Titânio”, “Amarelo Índio Escuro”, “Azul
Cobalto”, “Azul Cerúleo” e “Castanho Van Dyck”. No Ocidente usou-se “Azul Cerúleo”, “Azul da
Prússia”, “Branco de Chumbo”, “Branco Titânio” e “Castanho Van Dyck.” As transparências e as
misturas realizadas nos astros e no sol impedem a identificação das cores usadas. Também foram
usadas tintas metálicas (ouro e prata)

Tecnicamente a pintura foi realizada com o recurso a pequenos rolos (3 cm e 6 cm), trincha
de várias larguras e pincéis que geralmente se utilizam na pintura a óleo ou acrílico sobre tela. Também
houve o recurso a esponjas variadas. Para a pintura efetuada à volta das principais estrelas foram
concebidos três carimbos de feltro.

A pintura foi concretizada na base de “velaturas”28 tendo como único aglutinante das mesmas
a água. Sendo um trabalho que se pretendeu simbólico e realista as tonalidades obtidas correspondem
às existentes na própria natureza das formas representadas.

Tendo como base a Teoria da Gestalt29 estabelecemos uma opção e preocupação por uma
pintura realista, dando sumária importância aos elementos visuais que constituem o processo da
comunicação, fomentando a necessária unidade da composição através do emprego da ilusão da
perspetiva nas nuvens no lado Norte do Templo (Canotilho, 2005). Esta unidade foi conseguida
através da definição das formas realistas apoiadas na definição e manipulação dos seus elementos
básicos: Ponto; Linha; Contorno; Direção; Tonalidade; Cor; Textura; Dimensão; Escala; Movimento.

O método utilizado na pintura partiu do sistema subtrativo muito explorado por Itten (2005),
professor e pintor suíço ligado à Bauhaus. Foram, portanto, conseguidas novas tonalidades. A
execução pictórica apoiou-se no nosso princípio pessoal de que a cor possui três dimensões:
Escurecimento; Saturação; Tonalidade. Neste contexto estamos convictos que para a obtenção de uma
nova cor (tonalidade) só é possível através da mistura com outra cor (tonalidade) qualquer, existente
na roda ou disco das cores de Itten. Esta primeira dimensão designa-a de Tonalidade e permite obter
novas cores. A segunda dimensão sugerida é o Escurecimento conseguido através da junção do
“valor“ preto. Neste caso não se obtém uma nova cor, através da maior ou menor junção do preto,

28
O termo “velatura” corresponde a uma camada de tinta a óleo ou acrílica sobreposta a outra, permitindo transparências
mais ou menos acentuadas, dependendo do grau de diluição e do tipo de pigmentos utilizados.
29
Embora Von Ehrenfels tivesse sido o filósofo vienense precursor da psicologia da Gestalt, nos finais do séc XIX, Max
Wertheimer, Wolfgang Kôhler, Kurt Koffka e Kurt Goldstein são personalidades fundamentais no incremento desta teoria.

44
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

ficando apenas mais ou menos escurecida. Através da junção do “valor” branco, entendemos que se
passa o mesmo fenómeno que em relação ao preto. A cor não é alterada, apenas Saturada.

Portanto neste contexto identificamos na pintura apenas Tonalidades (cores) e Valores


(branco e preto), não se obtendo cores (Tonalidades) com a mistura do branco ou do preto. O
processo de construção da obra pictórica, independentemente do número de velaturas ou camadas
de acrílico dadas, passa por quatro fases distintas que passamos a abordar sucintamente (Canotilho,
2012):

1ª Fase | Composição - Definição do tema através de diversos estudos que incluem uma
revisão bibliográfica ► Estudos de composição ► Integração do tema da composição no
espaço geométrico e na perspetiva ► Opção pelo suporte ► Concretização do desenho;

2ª Fase | Tonalidade – Preenchimento do suporte com as tonalidades, privilegiando o


contraste das cores complementares (Nesta fase as formas estão basicamente definidas
através do contraste das tonalidades assumindo uma leitura ainda bidimensional);

3ª Fase | Profundidade – Nesta fase e através de velaturas é construída a perspetiva através


da cor realçando os primeiros planos com tonalidades quentes e avançando para os últimos
planos através do emprego cada vez maior de tonalidades frias que geralmente terminam nos
azuis. Novamente o conceito de cores frias e quentes é estabelecido a partir dos estudos de
Itten (2005) e de Hickethier (1985). Este último autor teoriza a cor em 1952 a partir do cubo
das cores de Charpentier, criado em 1885;

4ª Fase | Saturação e Escurecimento – Modelação das formas através da saturação e do


escurecimento das tonalidades dependendo da incidência da luz em contraste com as
sombras produzidas ► Definição rigorosa das sombras próprias e projetadas nas formas ►
Saturação dos últimos planos recorrendo à indefinição formal ► Identificação do brilho em
determinadas formas existentes nos primeiros planos.

45
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

CONCLUSÕES
Não é fácil abordar uma temática exclusiva, ligada a uma organização tão antiga como é a
maçonaria, principalmente dirigida a para um público académico, onde todo o trabalho está no
domínio do método científico.
Com um passado de secretismo, a maçonaria transformou-se numa sociedade discreta na
maioria dos países europeus no período pós II guerra mundial (1939 – 1945). Em Portugal e Espanha
a designação de “sociedade secreta” deixaria de ter lugar respetivamente, com o 25 de Abril de 1974
e com a morte de Franco em 1975. Hoje em dia e nos países democráticos, é uma organização
“discreta” relativamente aos seus membros, mas ativa na propagação dos seus ideais e das obras
realizadas. Com efeito consideramos que esta organização, apesar de “discreta”, em muito contribuiu
através dos seus membros, para o progresso efetivo da sociedade humana e como tal, este facto deve
ser do conhecimento geral já que a sociedade só evolui a partir de leituras reflexivas de ordem
histórica e sociocultural.
É nossa intenção, com este artigo, esclarecer a comunidade científica sobre uma temática
explorada na maçonaria: A Abóbada Celeste, por considerarmos que também se insere no campo da
investigação ligada às artes visuais e á história.
Contextualizámos historicamente o conceito de Abóbada Celeste através das poucas
publicações existentes sobre o tema, ao mesmo tempo que observámos os templos judaicos e
cristãos, já que a maçonaria carateriza-se por se inspirar profundamente na cultura judaico-cristã,
ideia testemunhada pelos inúmeros rituais inerentes aos diversos ritos e graus respetivos.
As primeiras referências escritas sobre a Abóbada Celeste na maçonaria remontam aos séculos
XVII e XIX, respetivamente por Elias Ashmole e Albert Pike. Quando abordamos o conceito num
Templo da Maçonaria, ao nível da representação gráfica, parecem só existir imagens interpretadas a
partir do que escreveu Elias Ashmole.
Contudo a primeira referência está bem explicita logo no primeiro livro bíblico de Géneses 1,
constituindo as primeiras palavras escritas na Bíblia judaico-cristã. Posteriormente observámos
fisicamente igual conceito através da descrição do “Templo de Salomão” e dos templos cristãos
(católicos e protestantes).
Verificámos que todos eles (templos de Salomão, católico, protestante e maçónico) estão
associados à mesma estrutura interna estabelecida através de duas divisões. A primeira de menor
dimensão e num plano mais elevado, destinada aos elementos que dirigem o ritual e onde se

46
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

encontram os elementos (objetos) simbólicos considerados sagrados. A segunda e de maior


dimensão destina-se aos elementos que praticam o ritual. Pelas palavras bíblicas o primeiro é um
lugar iluminado pela Luz e, portanto, de acesso a quem tem o Conhecimento, contrariando o segundo
espaço.
Perante o desafio plástico proposto, optámos pelo rigor representativo em detrimento de
qualquer tipo de conceito decorativo ou a partir de uma oralidade transmitida entre os seus membros,
sem qualquer tipo de apoio documental e histórico. Tivemos em conta sob o ponto de vista histórico,
o conhecimento do universo, no período entre os séc.s XVII e XVIII.
A partir das indicações escritas antigas, verificámos a existência de uma associação direta das
principais estrelas inseridas em constelações, do sol e dos planetas, com os elementos que fazem
parte da sessão ritual do Rito Escocês Antigo e Aceite (Aprendizes, Companheiros e Mestres, alguns
dos quais com o cargo de oficiais). Este aspeto determinaria a respetiva posição na Abóbada Celeste,
a partir da posição física que os maçons ocupam numa sessão ritual do REAA
Plasticamente definimos o Oriente como o “Espaço de Luz” e “Conhecimento”. O Ocidente
como o “lugar da Escuridão”, mas da “Aprendizagem”. Considerámos também que o lugar dos
Aprendizes a Norte é um lugar ausente de “Conhecimento”, e como tal, o próprio universo está coberto
com nuvens deixando apenas visualizar três constelações. Para realçar as estrelas e os planetas
optámos pela sua construção volumétrica na forma de calotes onde traduzimos a respetiva morfologia,
textura e cores naturais, para que não houvesse qualquer tipo de confusão na sua identificação, como
acontece na maioria das abóbadas que visualizámos. A utilização de tintas com brilho na pintura destes
astros também ajudou a contrastar com o universo pintado com nuvens e pequenas estrelas não
identificadas em tonalidades acetinadas. As principais estrelas foram realçadas através do seu
tamanho, mas sempre colocadas na respetiva constelação para que não existissem erros de leitura.
Recusámos prontamente qualquer tipo de ambiente decorativo ou naif, como observámos em
vários interiores que estudámos.
Tendo em conta a visão idealista do universo adotada pela maçonaria, traduzido através de
um ambiente fraternal, propício à concentração e à meditação espiritual, julgamos ter optado
corretamente por uma proposta pictórica e escultórica realista, proporcionadora dum ambiente
expressivo / dramático, adequado ao exercício ritual e à transmissão dos valores expressos através
dos Landmarks da Maçonaria, publicados por Anderson em 1734.

47
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

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49
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

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– GOP. ARLS LUZ DE BRODOWSKI 072. Oriente de BRODOWSKI– SP.

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na Loja Armando do Amaral Sá n.º 56.

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Prancha apresentada em Loja.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

“MEMORIAL ÀS VÍTIMAS DA INQUISIÇÃO EM TRÁS-OS-MONTES” Carção / Vimioso


Luís Canotilho30, & Luis Filipe Canotilho31

Memorial Vítimas Inquisição Resumo


Palavras-chave

Antissemitismo Com a introdução da Inquisição em Portugal, em 23 de maio de 1536, a pedido


Carção -Vimioso do Rei D. João III de Portugal, Carção / Vimioso seria das comunidades
Geometria Sagrada
transmontanas de Cristãos-Novos mais perseguidas, acontecimentos ainda hoje
Inquisição
incompreendidos pelas populações. Perante o desafio formulado pelo historiador
Santo Ofício
e presidente da autarquia de Vimioso, Jorge Fidalgo, concretizámos o presente
projeto, inspirado e fundamentado nos factos históricos e, nas publicações
judaicas sagradas, os livros de Bereshit e Shemot. Foi nossa intenção criar um
espaço Sagrado e de Reflexão, através da associação de elementos simbólicos da
cultura judaica. No processo de génese da composição artística desde logo
rejeitámos leituras descritivas, optando pela representação dos principais
elementos simbólicos da cultura judaica, estabelecidos na base do conceito que
defendemos de estética científica, permitindo atingir o compromisso Proporção /
Harmonia.

30
LUÍS MANUEL LEITÃO CANOTILHO - Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança. PORTUGAL.
Email: luiscano@ipb.pt
31
LUÍS FILIPE CÉSAR CANOTILHO- Licenciado e Mestre em Arquitetura. Doutor em Ciências da Educação. PORTUGAL.
Email: luiscanotilho@hotmail.com

51
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, mas sim por aquelas que
permitem a maldade. (Albert Eisntein).

O DESAFIO

Em 2021, fomos desafiados pelo Presidente da Autarquia de Vimioso, António Jorge Fidalgo
Martins32, para a realização de um “Memorial às Vítimas da Inquisição” do Concelho de Vimioso. Esta
proposta seria reafirmada pelo Vice-presidente António dos Santos João Vaz e, pelo presidente da
Junta de Freguesia de Carção, Daniel Tomé Ramos, ambos “carçonenses33”.
Dirigiu o projeto a artista plástica Helena Canotilho, sendo o projeto de arquitetura de Filipe
Canotilho, cabendo a execução (parte escultórica e definição simbólica) ao artista plástica Luís
Canotilho.
Com a introdução da Inquisição em Portugal em 23 de maio de 1536, pelo Papa Paulo III 34,
a pedido do Rei D. João III de Portugal, a Freguesia de Carção, a par da Vila de Argozelo, seriam das
comunidades transmontanas de Cristãos-Novos mais perseguidas na região de Trás-os-Montes.
Escolha apropriada já que Carção, além de possuir o Museu Judaico / Marrano, vestígios
arquitetónicos relacionados com a cultura judaica, também tem representado no brasão de armas da
freguesia, a imagem do Menorá, um dos principais símbolos da cultura judaica. Outros elementos
físicos existentes em Carção poderiam aqui ser referidos, como é o caso da “pedra judicial”35. A carga
emocional da população, sobre este evento gravado em granito, ainda é muito profunda nos dias de
hoje. Se a memória física documental ainda resiste, a memória imaterial, embora referenciada através
da muita documentação solta e publicações sobre o tema da inquisição, não estão devidamente
representadas na forma simbólica.

32
António Jorge Fidalgo Martins: Licenciado em História, Variante Arte - Ramo Educacional - pela Faculdade de Letras da
Universidade do Porto e Mestre em Educação, especialidade em História da Educação e da Pedagogia, pela Universidade
do Minho.
33
Designação que orgulhosamente, os naturais da freguesia de Carção, fazem questão de ser apelidados.
34
A Bula Cum ad nihil magis, tinha como alvo prioritário os cristãos-novos judaizantes, mas também o luteranismo, o
islamismo e a feitiçaria.
35
Trata-se de uma pedra de granito datada de 1651, assinalando a condenação de Francisco Mendes, com a seguinte
referência descritiva: “NOSTE SITIO ESTAVAM AS CASAS DA MORADA DE FRCO MENDS QUE FOI CONDENADO HA
MORTE PLA DE GASPAR GIV QUE FOI IOIS NESTE LVGAR NA ALCADA EM QUE PROCEDO HO DVTOR CRISTOVAM
PINTO DEPAIVA DESEMBARDA CASA DA SOPRICACAM ANO DE 1651 EL REI NOSSO SEÑOR AS MANDOV ARASAR E
SALGAR PELA EMPIEDADE CO QUE ELE SE OVVE NA DTA MORTE E POUCO RESPEITO AO SACRAMENTO”. Traduzida
do português arcaico: “neste sítio estavam as casas da morada de Francisco Mendes que foi condenado à morte por ter
morto Gaspar Gonçalves que foi juiz neste lugar na alçada em que procedeu o Doutor Cristóvão Pinto de Paiva
Desembargador da Casa da Suplicação no ano de 1651. O Rei nosso Senhor as mandou arrasar e salgar pela impiedade
que ele teve na dita morte e pouco respeito aos sacramentos”. Francisco Mendes foi enforcado na Vila de Outeiro,
supostamente pela “possível” morte do juiz e, por ter cortado os braços de uma figura de Cristo na cruz.

52
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Julgamos que nunca foi feita a necessária “descarga emocional” provocada pelos traumas da
Inquisição, que tanto assolaram Carção, cujo termo é catarse, empregue pela primeira vez por
Aristóteles, enquanto “purificação” (Freire, 1982), na época aplicada ás artes performativas, como a
“tragédia grega”.
Esta “descarga de sentidos e emoções” pode ser resolvida pela arte, como no presente caso,
através da linguagem escultórica com significado e profundo simbolismo.
Esta catarse, defendida pela psicanálise, constituirá numa metodologia, através da qual
“purificamos”36 todas as emoções negativas (raiva, tristeza, etc.). Designado de “método catártico”
(Freud, 1913), no caso da comunidade de Carção, passa por uma possível terapia, desbloqueando
memórias e tensões acumuladas durante gerações, aceitando o momento histórico e homenageando
as suas vítimas de forma nobre, através de um monumento que referencie definitivamente “um povo
sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está destinado a cometer, no presente
e no futuro, os mesmos erros do passado” (Costa, 2015).

ANTISSEMITISMO - O MAIS DURADOURO DOS ÓDIOS

Sobre a Inquisição em Portugal não faltam publicações dos nossos maiores historiadores,
onde destacamos o estudo de António José Saraiva, Inquisição e Cristãos-Novos (SARIAVA,1969).
Sobre Carção, como ninguém pode ficar indiferente ao período de terror porque passaram os
Cristãos-Novos, dramaticamente descrito por António Andrade e Fernanda Guimarães, assinalamos a
publicação Carção – Capital do Marranismo (Andrade, & Guimarães, 2008). Recomendamos esta
impressionante narrativa dos factos, exercidos sobre os cristãos-novos, através de episódios
descritivos que definem o ser humano no seu mais vil e abominável propósito.
Não devemos deixar de assinalar o rigoroso e sintético trabalho publicado por Jorge Martins,
Memorial Virtual às Vítimas da Inquisição (2021), por ocasião dos 200 anos sobre a extinção da
Inquisição (Martins, 2021).

36
A designada “purificação das emoções” fez parte dos estudos realizados pelos médicos Brad Bushman (estudos sobre
as causas, consequências e soluções para o problema da agressividade e violência na humanidade), Roy
Baumeister (estudos sobre a rejeição social) e Angela Stack, publicado no Journal of Personality and Social
Psychology – 1999, Vol. 76, n.º 3, pp. 367-376.

53
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A nível documental, duas instituições serão fundamentais para o estudo rigoroso sobre a
Inquisição portuguesa. Referimo-nos ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo37 e ao “Acervo digital”
da Biblioteca Nacional38.
Este artigo, está escrito por um artista plástico e por um arquiteto, pelo que os aspetos
históricos descritivos, que passamos a referir, servem apenas, para que o leitor compreenda, na
génese do trabalho artístico, qual foi a base teórica, a descrição histórica, as memórias materiais e
imateriais existentes em Trás-os-Montes, a metodologia e o processo técnico empregues, bem como
os elementos simbólicos, para a realização do “Memorial às Vítimas da Inquisição em Trás-os-
Montes”.
A perseguição dos que pensam de forma divergente da nossa, não nasce com a inquisição.
É o “MEDO” que transforma os fracos e, os leva a tomar as mais vis ações, sobre os que processam
outras culturas e modos de pensar sobre a vida e a interpretação do além. O medo, nos animais e
nos humanos, provoca da parte destes a agressividade.
A perseguição dos Judeus ao longo dos séculos, tem assumindo várias formas de ódio como
o preconceito do antissemitismo. Não sendo os Judeus o único povo semita, já que os árabes também
o são, o antissemitismo define-se, através da ideia de pertença a grupo inferior, negando que façam
parte da nação onde residem. Constitui-se numa forma de racismo assente numa ideologia política
(Lazare, 1903), residente até aos dias de hoje, desde o suposto primeiro episódio passado em
Elefantina, Egito, em 410 a.C. quando um grupo de egípcios destruiu o templo judaico. De maior
visibilidade histórica salientamos a chacina de cerca de 4.000 judeus em Granada / Espanha (Gubbay,
1999), em 30 /12/1066, com a ocupação muçulmana (2.ª década do séc. XI – primeiros anos do séc.
XVI), os massacres da Renânia (Gilbert, 2010), perpetuados em junho e julho de 1095 e que dariam
origem à 1.ª Cruzada (1096), o édito de expulsão dos judeus de Inglaterra promulgado por Edward I
em 1290 (Mundil, 1998), os massacres dos judeus espanhóis em 1391 (Gampel, 2016), a Inquisição
Espanhola estabelecida em 1478 (Moura, s.d.) pelos Reis Católicos Fernando II de Aragão e Isabel I
de Castela39 e posterior expulsão em 1492, o massacre de Lisboa de 1506 também designado
“Matança da Páscoa” (Sariava, 1993), acusados de serem a causa da seca, fome e peste que assolou
o Portugal na época, a Inquisição Portuguesa (23 de maio de 1536 a 31 de março de 1821) instituída

37
Alameda da Universidade. 1649-010 LISBOA.
38
Campo Grande 83, 1749-081 Lisboa.
39
O padre Juan Antonio Llorente adianta um número de 39.000, os condenados à morte, embora de comprovação
duvidosa. A inquisição espanhola, também designado de Tribunal do Santo Ofício, foi estabelecida em 1478 e teria o seu
término em 1808, com a invasão dos exércitos franceses de Napoleão de Bonaparte.

54
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

por meio de uma solicitação ao Papa em 1515 por D. Manuel I e posterior expulsão judaica em 1497,
Os massacres de judeus pelos cossacos na Ucrânia entre 1648 e 1657 (Kohut, 2003), os vários
pogroms (termo russo aplicado à perseguição étnica ou religiosa) no Império Russo entre 1821 e
1906 (Johson, s.d.), a condenação por traição do capitão de ascendência judaica Alfred Dreyfus
pertencente ao exército da Terceira República Francesa (1894-1906) (Daughton, 2006), o Holocausto
Nazi ou o genocídio de cerca de seis milhões de judeus (Levi, s.d.), a perseguição judaica na Rússia
Comunista Estalinista (Pinkus, 1990) a que Josef Stalin designava de “cosmopolitas sem raízes”,
herança cultural que já vinha dos Czares ou, nos dias de hoje: O envolvimento árabe e muçulmano
no êxodo dos judeus dos seus países (Aharoni, 2009), são expressões maiores do antissemitismo
(Wistrich, 1991), designa o termo antissemitismo como "o mais duradouro dos ódios" (Wistrich,
1991). Continua presente nos dias de hoje e o propósito continua a ser o mesmo: A destruição do
Povo Judeu, através da rejeição da sua cultura (Tylor,1920), tendo no fundo, como única opção a
conversão, já que com a expulsão não existem por aí lugares de refúgio, como é o caso no atual
Israel, onde o antissemitismo cultural estabelece novas formas de projeção, através da vitimização dos
extremismos ideológico-religioso palestiniano e iraniano. Convém referir que entendemos o termo
cultura dentro da definição antropológica (Tylor, 1920), onde se aglutinam dentro da mesma
abordagem comum, a Mitologia, a Filosofia, a Religião, a Língua, a Arte e os Costumes.
Muitos foram os povos e culturas que, por múltiplas razões, se perderam ao longo dos
milénios. No entanto nunca nenhum povo, como o Judeu, sofreu este nível de perseguição e tentativa
de destruição cultural. Outro povo. certamente não teria resistido…
Será que a explicação para a sobrevivência do Povo Judeu está na garantida proteção do
verdadeiro Deus?

A PERSEGUIÇÃO DOS CRISTÃOS-NOVOS EM PORTUGAL

A inquisição portuguesa tem início em 23 de maio de 1536 e só observa o seu término em


31 de março de 1821. Tinha como objetivo, a par da inquisição espanhola, a perseguição dos
Cristãos-Novos, também designados de marranos.
A destruição das comunidades judaicas em Portugal, iniciou-se com a promulgação do
Decreto de 1496, pelo rei D. Manuel I, que mandava expulsar judeus e mouros. Neste período de 40
anos, até à criação da inquisição, as comunidades judaicas existentes em Portugal foram extintas e as
suas sinagogas destruídas ou convertidas em igrejas (Saraiva, 1969).

55
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Em Portugal, a conversão da população hebraica ao catolicismo foi forçada (Saraiva 1969,


pp. 27-48), acabando desta forma com os Judeus portugueses e o nascimento dos Cristãos-Novos
ou marranos. Se a perseguição tem início com D. Manuel I, A inquisição seria introduzida em Portugal
no fatídico dia 23 de maio de 1536 pelo papa Paulo III, através da bula cum ad nihil magis40, a pedido
do rei D. João III, tendo como objetivo perseguir os cristãos-novos judaizantes, os luteranos, os
islamistas e os praticantes de “feitiçaria”. Caberiam aos tribunais da Inquisição sediados em Évora
(1538), Lisboa (1539), Coimbra (1541) e Goa (1560) a destruição das comunidades judaicas e
criptojudaicas41, agora designados pejorativamente de “marranos”.
Destruídas as comunidades judaicas em Portugal, as suas sinagogas, convertidos ao
catolicismo “à força” desde 1497, pareciam receber a “machadada final” no reinado de D. João III, por
preservarem a lei de Moisés.
Caberia ao Santo Ofício, através do seu tribunal da Inquisição, “inquirir heresias” praticadas
pelos Cristãos-Novos durante 285 anos, até 182142. Refira-se que este tribunal não tinha jurisdição
por quem não fosse católico.
A barbárie religiosa tinha início em Portugal continental, cabendo ao tribunal de Coimbra, o
julgamento das heresias praticadas pelos Cristãos-Novos das regiões centro e norte, onde se inclui
Trás-os-Montes. Sendo os juízes recrutados fundamentalmente entre os frades dominicanos, tinham
como função investigar, julgar e punir os crimes contra a “fé” e os “bons costumes”. Contudo, a
originalidade do Tribunal do Santo Ofício, baseava-se no processo de averiguações que levava à
condenação. Na realidade não seguia os trâmites normais dos crimes comuns, dado que os crimes,
sendo de natureza religiosa, as penas aplicadas eram temporais.
Desta forma, as inquisições, desde a sua origem, combinavam dois direitos e
jurisdições que tradicionalmente constituíam duas esferas distintas: o direito
eclesiástico, aplicado pelo braço espiritual, e o direito civil, aplicado pelo braço
temporal. Isto foi possível graças a uma aliança entre o Rei e o Papa (Saraiva,
1969, pp. 13-14).

40
Este documento existente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, estava dirigida aos bispos de Coimbra, Lamego e
Ceuta, nomeando-os comissários inquisidores do papa em Portugal, permitindo também que o rei D. João III, nomeasse
juízes para o Tribunal do Santo Ofício para julgarem os cristãos-novos e outras pessoas que praticassem a heresia, com
as penas declaradas.
41
O termo criptojudaísmo aplica-se aos judeus convertidos à força ao catolicismo, designados, portanto de cristãos-novos,
mas que continuavam fiéis aos seus costumes e rituais religiosos em segredo. Na região transmontana eram apelidados
de marranos.
42
Em 31 de março de 1821, as Cortes Constituintes saídas da Revolução Liberal de 1820, decretavam a abolição da
Inquisição em Portugal, que já estava meia moribunda desde as imposições decretadas pelo Marquês de Pombal.

56
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Os processos levados a cabo pelo Tribunal do Santo Ofício eram secretos, onde os
inquisidores tinham o poder absoluto e arbitrário de condenar ou absolver os réus (Freitas, 1916). O
réu passava por uma primeira fase que era secreta, designada de instrução, onde era submetido ao
interrogatório, com o intuito de confessar as culpas de que estava acusado. O julgamento passava
então para uma segunda fase, também secreta, onde o réu tinha conhecimento da acusação, baseada
em denúncias e nos depoimentos da primeira fase. Posteriormente seguia-se a defesa onde o
advogado, não era escolhido pelo réu, mas pelo Santo Ofício (Lima, 1999). A sentença final era votada
por maioria, da mesa da Inquisição.
Neste procedimento, todas as denúncias eram aceites, independentemente da credibilidade
dos denunciantes, através de testemunhas presenciais, por denúncias “de ouvida”, caluniosas ou
anónimas. Como tudo tinha valor de prova para o Tribunal do Santo Ofício, a tortura constituía-se
num processo de confissão eficiente.
As sentenças eram lidas e executadas em cerimónia mais ou menos pública, designadas de
“Auto-de-Fé”. Nas sentenças lidas e executadas em praça pública, eram expostos os “reconciliados”
e, os “relaxados”, designação dada aos condenados que eram entregues à justiça profana, para
aplicação da pena de morte.
O dia da execução da pena capital constituía-se num verdadeiro espetáculo público, que
implicava preparativos com várias semanas de antecedência, desde o muito bem publicitado anúncio
público, a construção do cadafalso, o palco com as figuras da inquisição e convidados, a confeção e
pintura dos “Sambenitos” (Karmen, 2011), designação do hábito do condenado.
No dia da execução pública das sentenças, organizava-se uma procissão que saía de manhã
da sede do Santo Ofício, percorrendo as principais artérias da cidade, terminando no local da leitura
e da execução das sentenças públicas. Na frente da procissão desfilavam os Frades de S. Domingos
com o pendão da inquisição, por entre uma multidão que jubilava de alegria sádica, dificilmente
controlada por militares armados. “Tirando as visitas dos reis, os autos-de-fé eram certamente os atos
públicos que mais gente e assistência mobilizavam” (Saraiva, 1969), constituindo-se ao mesmo tempo
numa exibição do poder do Tribunal do Santo Ofício.
No Pátio da Inquisição em Coimbra, o condenado ouvia publicamente a sentença proferida,
sem sequer conhecer, ou ter tido acesso ao processo inquisitorial, ajoelhado em frente ao altar, de
frente para o púlpito de onde o padre pronunciava a sentença a ser aplicada.

57
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A malvadez assumia um requinte muito próprio, por parte dos juízes inquisidores, onde os
designados “relaxados” (condenados à morte na fogueira) que eram sentenciados à morte, depois de
entregues à justiça profana civil, para que cumprissem a pena decretada, pediam hipocritamente que
os não matassem.

Figura 1 - Painel sobre a “Cultura Judaica”. Vimioso. Luís Canotilho (2017). Azulejo
policromado: 240 cm x 150 cm. As duas figuras da esquerda representam Cristãos-
Novos, condenados por heresia para serem “relaxados”, trajados com os “sambenitos”
e vela na mão.

Constituindo-se como um espetáculo festivo, os réus “relaxados”, entregues à justiça profana,


eram conduzidos ao local da execução da pena. Depois de lhes despirem o “Sambenito” (Figura 1),
ficavam vestidos de branco com uma vela na mão. De seguida eram questionados se pretendiam
morrer na religião católica. Em caso afirmativo sujeitavam-se à morte por garrote, queimando o corpo
após esta dolorosa morte. Se negassem a religião católica eram queimados vivos, perante as
exclamações de alegria da multidão que assistia ao espetáculo. Posteriormente o “Sambenito” com a
representação do retrato do condenado, era exposto no interior da igreja da localidade donde procedia,
como aconteceu por várias vezes em Carção.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A perseguição aos judeus em Portugal terminava, por força da lei publicada no último quartel
do séc. XVIII, pelo Marquês de Pombal43 – Carta de Lei de 15 de dezembro de 1774 (Mendes, 2011).
Seria só no governo de Sebastião José de Carvalho e Melo (Alves, 2006), “Marquês de
Pombal”, a perceção da única diferença entre Cristãos-Covos e Cristãos-Velhos, que eram as “leis de
limpeza de sangue”. Como o Marquês de Pombal, tinham chegado ao poder os então perseguidos
pela inquisição, a burguesia mercantilista e os grupos de intelectuais que iriam concretizar a Revolução
Liberal de 1820 (Cardoso, 2007). Ao mesmo tempo tinha início a expulsão dos jesuítas pelo Rei D.
José I em 1759, onde o futuro Marquês de Pombal, era Secretário de Estado dos Negócios Interiores
do Reino. Esta decisão foi fundamental, já que a Companhia de Jesus, desde o início tinha resolvido
adotar o “Estatuto de Limpeza de Sangue” relativamente aos Cristãos-Novos (Santos, 2007).
Com o “Século das Luzes” (XVIII), os ideais de Liberdade, Progresso, Tolerância,
Fraternidade, Poder Constitucional, e Separação Igreja-Estado tinham eco nas populações mais
esclarecidas. A intolerância já não tinha lugar e questionava-se definitivamente a ortodoxia religiosa,
através da Sapere aude (atreve-te a conhecer) (Gay, 1996).
Os ventos do Iluminismo chegavam a Portugal e, com o Marquês de Pombal, proibia-se a
importação de escravos (Ramos, 1971) e acabava a discriminação dos Cristãos-Novos. Não extinguido
desse logo o Santo Ofício, Pombal limitava-o definitivamente, ao ser colocado sob a autoridade régia,
ao mesmo tempo que acabava com a “Real Mesa Censória” (1768). O desenvolvimento do país
passava a estar na burguesia mercantilista (Canotilho, 2016), ao mesmo tempo que a nobreza e o
clero principalmente, perdiam protagonismo.

"UM POVO SEM MEMÓRIA É UM POVO SEM HISTÓRIA. E UM POVO SEM HISTÓRIA ESTÁ
DESTINADO A COMETER, NO PRESENTE E NO FUTURO, OS MESMOS ERROS DO PASSADO”
(COSTA, 2015)44

Importa, portanto, preservar a memória das cerca de 40.000 vítimas da Inquisição em


Portugal, onde entre os acusados, cerca de 80% eram Cristãos-Novos, cerca de 1.000 praticantes do
islamismo, 800 de feitiçaria, 600 por homossexualidade (sodomia), 500 por protestantismo
(luteranismo, calvinismo e anglicanismo), 400 padres católicos por solicitação (assédio sexual e

43
Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 – 1782), intitulado Marques de Pombal, também primeiro Conde Oeiras,
exerceu as funções de Secretário de Estado do Reino durante o reinado de D. José I entre 1750 e 1777, sendo uma
personalidade de fortes convicções iluministas.
44
Emília Viotti da Costa (1928-2017). Professora e historiadora.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

violação), 200 por práticas ligadas à bruxaria e, perto de 50 por pertencerem à maçonaria (Baião,
1919). Não podemos deixar de associar a estas 40.000 vítimas da Inquisição, as respetivas famílias e
descendentes, que foram expropriados dos seus bens materiais, impedidos de exercer determinadas
profissões, cargos públicos e militares, e discriminados socialmente no seio das comunidades que
pertenciam (Martins, 2021).
Nestes números impressionantes, tem maior impacto os condenados à morte na fogueira ou
falecidos nos cárceres, contando-se por cerca de 1.500 (Bethencourt, 2000).
No distrito de Bragança, podem-se contabilizar 112 as vítimas da inquisição, julgados e
condenados no Tribunal da Inquisição de Coimbra, (espaço e edifícios atualmente com a designação
de pátio da inquisição45). Nesta sucinta abordagem histórica, não podemos deixar de assinalar o
fatídico Auto-da-Fé de Coimbra do dia 14 de junho de 1699 (Pereira, 1996), por a maioria dos
condenados ser de Trás-os-Montes. Foram lidas 87 sentenças (50 homens e 30 mulheres), 74 dos
quais provinham de Trás-os-Montes, onde foram “relaxados” (queimados vivos) 3 homens e 3
mulheres e uma urna contendo os restos mortais de um homem já falecido. Foram penitenciados 15
homens e 9 mulheres de Carção e, 12 homens e 3 mulheres de Argozelo.
Os “relaxados em carne” do Auto-da-Fé de Coimbra do dia 14 de junho de 1699, eram
transmontanos Cristãos-Novos: Jorge de Oliveira de Carção; Catarina Lopes Bicha de Carção; Manuel
Lopes e a esposa Ana Lopes de Chacim; Domingos Lopes Ruivo e esposa Maria Lopes Vinagre de
Chacim; Restos mortais de Bernardo Rodrigues de Carção.

PROCESSO DA GÉNESE E CONCRETIZAÇÃO DE UMA IDEIA

Entendemos que o artista plástico tem de ser capaz de aglutinar, através da imagem, o
pensamento social, interpretando-o tecnicamente, de forma a concretizar a obra criativa representativa
de um acontecimento, momento, período, pensamento social ou ideal (Akoun & Pailleau, 2019). Para
o efeito, utiliza o método científico, realizando pesquisas, recorrendo aos factos históricos narrados,
documentos oficiais e ao espaço geográfico onde tiveram lugar. Contudo deve evitar, interpretações
objetiva ou subjetiva, para não cair no erro emocional de “tomar partido sobre uma pessoa” ou, sobre
um dos grupos intervenientes.

45
No local existiu primeiro o Antigo Colégio das Artes, fundado em 1542 pelo rei D. João III. Em 1555 o Colégio das
Artes passou para a administração da Companhia de Jesus, sendo o edifício entregue por estes, ao Tribunal do Santo
Ofício que funcionaria até 1821. Para o efeito foram realizadas diversas obras de adaptação, onde ainda são visíveis as
antigas celas.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A esta estética designamos de científica. Não se rege pelo vazio, pela subjetividade ou pela
religiosidade dos termos “criatividade”, “expressividade” ou adjetivos com “modernidade”.

Se o projeto tem de estar subjacente ao estudo histórico, sociológico, antropológico e


conhecimento físico das comunidades, ao artista cabe interpretar esses factos utilizando as tecnologias
e técnicas disponíveis para a concretização da ideia. De referir que as competências técnicas e a
experiência são também fatores de caráter científico. O mesmo sucede com a geometria enquanto
base estrutural sólida da composição.

De outro modo vamos cair nas clássicas leituras, sobre o trabalho artístico coletivo ou
individual, que tendem sempre a adjetivar e batizar os artistas num período meramente histórico,
sociopolítico ou movimento artístico, terminando sempre e erradamente, na criação das elites culturais
(Reis & Grill, 2014). A leitura histórica cabe fundamentalmente aos historiadores de formação, que
devem ter a necessária capacidade de se inserir, analisar de forma objetiva e documentalmente, um
determinado espaço temporal, tal como os sociólogos e os antropólogos.

O tema proposto exigia da nossa parte, uma reflexão profunda, dado peso histórico e a carga
emocional que continua a ser valorizada pelas pessoas de Trás-os-Montes, principalmente os
descendentes dos Cristãos-Novos.

À partida, confrontávamo-nos com a possibilidade de optar pelas conhecidas linguagens


realista, simbólica, e abstrata ou, na interação de duas delas, ou mesmo das três (Dondis, 1977).

A linguagem realista poderia estabelecer-se através da dramatização de um momento, como


a representação dum julgamento do Santo Ofício ou mesmo, a possibilidade de estabelecer uma
profunda visão dramática, através da representação da execução da pena do “relaxado”. De entre as
várias representações sobre o tema em estudo, Goya (1746-1828)46 fê-lo de forma excecional e
realista, através da pintura de uma cena do Tribunal do Santo Ofício, cuja composição sobrevaloriza
pessoas, o espaço dramático e a cor. Tridimensionalmente, embora em outro âmbito, o ambiente
dramático criado por Auguste Rodin (1889), na escultura “bourgeois de Calais”, tal como o primeiro
artista, apelam ao dramatismo e expressividade da forma humana.

46
Auto-de-Fé presidido por San Domingo de Guzmán, de Pedro Berruguete (c. 1450-1504). Óleo sobre madeira, 154 x
92 cm. Museo Nacional del Prado, Madrid.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Contudo, se optássemos pela abrangência da linguagem abstrata, cairíamos certamente na


eliminação de detalhes formais identificadores da cultura judaica, desvinculando-se dos elementos
históricos e vivenciais destas comunidades perseguidas. Optámos pela linguagem simbólica por
permitir, através da redução da forma ao mínimo detalhe, que o observador não se desconcentre nos
pormenores ou na expressividade dramática, em interpretações subjetivas ou interrogativas
(Canotilho, 2017).

Desde logo, foi nossa intenção criar um espaço Sagrado e de Reflexão, através da associação
de elementos simbólicos da cultura judaica.

Como é sabido, o signo tem o seu significante, designado de realidade concreta e representa
de forma sintetizada uma organização, um país ou um ideal, que pode ser religioso (Schaff, 1968). O
símbolo da Mercedes não identifica apenas a marca de automóveis, é associado à qualidade e
fiabilidade. A cruz não identifica apenas o catolicismo ou o protestantismo, acima de tudo o
pensamento de Jesus Cristo. Portanto, devemos considerar que o símbolo, sendo um elemento
fundamental na comunicação, é algo que representa outra substância.

Neste campo quisemos incluir o “Menorá” judaico porque associa o ritual judaica a uma
profunda carga sagrada, ao identificar uma cultura religiosa e também por ter sido mandada construir
pelo Deus de Abraão a Moisés.

Historicamente, o Santo Ofício teve como intenção a destruição de uma cultura religiosa,
constituída por comunidades judaicas obrigadas a converter-se ao catolicismo, designados de
Cristãos-Novos. O problema é que os Cristãos-Novos foram obrigados a adotar os símbolos religiosos
católicos, como a cruz, a celebração dos seus rituais e crenças, ao mesmo tempo que mantinham de
forma secreta os seus símbolos, livros sagrados e celebrações judaicas. Esta era a razão da sua
perseguição e destruição. Com a permanente vigilância destas comunidades e a perseguição exercida,
as gerações precedentes começaram a misturar os objetos rituais judaicos e os católicos, o que era
intolerado pela igreja. Estavam, portanto, proibidos de usar os seus símbolos e praticar os seus rituais.

Este foi o fundamento que encontrámos, para a representação de símbolos judaicos no


“Memorial às vítimas da Inquisição em Trás-os-Montes” em Carção / Vimioso. A composição desta
representação simbólica não constituirá uma afronta à instituição Igreja, já que consideramos que esta
instituição foi também vítima do Tribunal do Santo Ofício, ao condenar muitos sacerdotes.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Com efeito, a interpretação dos símbolos judaicos está dependente dos fundamentos
religiosos descritos na Bíblia (Antigo Testamento), cuja interpretação é determinante em termos
culturais. Desta forma os elementos simbólicos foram pesquisados no Torá que é composto pelos
seus cinco livros, a saber: Bereshit (Gênesis); Shemot (Êxodo); Vayikrah (Levítico); Bamidbar
(Números); Devarim (Deuteronómio).

Constituem estes os textos originais da religião abraâmica, onde se estabelecem as Leis de


Moisés e toda uma epopeia do Povo Judeu. Só mais tarde, e inspirados nestes documentos, vão
surgir as duas linhagens abraâmicas: Cristã baseada na figura de Jesus Cristo cujo livro sagrado é a
Bíblia (religião adotada no império romano desde o séc. IV); Muçulmana baseada na figura do profeta
Maomé, nascido em Meca no ano de 570 da era cristã (religião adotada pelos impérios islâmicos a
partir do séc. VII) (Derrida, 2002).

DIMENSÃO SIMBÓLICA DOS ELEMENTOS EMPREGUES NO PROJETO

Figura 2 – Planta e alçado do monumento com as referências aos 7 elementos simbólicos:


Menorá; Colunas (Jaquin e Boaz); Arco (arco-íris); 3 Romãs; Magen David; Escada dos 3
patriarcas (Abraão, Isaac e Jacob); 3 luzes. Os sete elementos simbolizam os sete dias da
criação conforme o livro de Bereshit.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Carção, com já referimos, adotou no brasão de armas, um dos elementos simbólicos mais
representativos da cultura judaica - o Menorá (Menorah). Trata-se do candelabro de sete braços
realizado em ouro batido que existia no primeiro templo (Êxodo 25:31-40; Êxodo 37:17-24, Zacarias
4:2-5; Zacarias 10:14). Em 70 d.C. com a destruição do Templo de Jerusalém pelo exército romano,
terá sido levado para Roma, cuja descrição está gravada nas imagens em alto relevo do Arco de Tito47
em Roma. Constitui esta, uma das muitas afrontas à cultura judaica. Portanto, este objeto simbólico
tinha obrigatoriamente de estar presente, conforme o que passamos a relatar.
A menorá, o candelabro de sete braços, um objeto ritual do Templo de Jerusalém,
adquiriu grande relevância na literatura bíblica. Primeiro como representação do
cosmo, tanto no mundo visível quanto do invisível. Segundo, como árvore da
vida, e representação de Deus e da vida eterna. E por fim, no desenvolvimento da
Kabalá, como representação da árvore sefirótica.
Arco de Tito (Leite, 2016).

Na Torá, no livro Shemot (Êxodo 25. 8-9), Deus dirige-se a Moisés e ordena que realize um
santuário, indicando posteriormente os elementos simbólicos que o compõem (onde se inclui, entre
outros, a arca da aliança e o Menorá), bem como a respetiva disposição interior. David (cerca de 970
a.C.) enquanto rei, vai deixar as indicações do projeto arquitetónico do templo e os pormenores sobre
a decoração, incluindo os elementos simbólicos, descritos em pormenor a Salomão (Livro do Antigo
Testamento - 1 Crónicas 28, 15).
Em 597 a.C. surge a primeira afronta à cultura judaica pelo rei babilónio Nabucodonosor,
quando do saque a Jerusalém, os vários candelabros foram destruídos e roubados (2 Reis 24, 13 e
em Jeremias 52, 19-19).
Com a restauração do segundo templo em 520 a.C., nele apenas foi colocado um Menorá.
Em 169 a.C. o rei sírio Epiphanes, voltava a perpetuar novo saque ao Templo de Jerusalém,
levando os objetos rituais sagrados onde se incluía o Menorá, conforme descrito: “arrebatando tudo
consigo, regressou à sua terra, após massacrar muitos judeus e pronunciar palavras injuriosas” (1
Macabeus 1, 21-24).
Posteriormente, o Templo de Jerusalém é novamente reconstruído pelos judeus (cerca de
160 a.C.) e, Judas Macabeu ordena o fabrico dos objetos sagrados, onde se incluí o Menorá (1
Macabeus 4, 47-51).

47
O Arco de Tito foi construído cerca de 82, pelo imperador Domiciano, logo após a morte do seu irmão mais velho, o
então imperador Tito.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Conforme já referimos, em 70 d.C. com a destruição do Templo de Jerusalém pelo exército


romano, o Menorá e os outros objetos simbólicos desaparecem definitivamente, criando-se os mitos
conhecidos.
Ao considerarmos o Menorá, como o elemento simbólico mais sagrado, não poderia ser
sujeito a qualquer tipo de estilização ou interpretação. Com efeito, a sua descrição que passamos a
citar, e que respeitámos, encontra-se no livro de Shemot48. Quando YHWH no Monte Sinal, se dirigiu
a Moisés referindo “faz-me um santuário, para que eu possa habitar no meio deles. Farás tudo
conforme o modelo da habitação e o modelo da sua mobília que irei te mostrar”.
31. Farás um candelabro de ouro puro; e o farás de ouro batido, com o seu
pedestal e sua haste: seus cálices, seus botões e suas flores formarão uma só
peça com ele.
32. Seis braços sairão dos seus lados, três de um lado e três de outro.
33. Num braço haverá três cálices em forma de flor de amendoeira, com um botão
e uma flor; noutro haverá três cálices em forma de flor de amendoeira, com um
botão e uma flor e assim por diante para os seis braços do candelabro.
34. No próprio candelabro haverá quatro cálices em forma de flor de amendoeira,
com seus botões e suas flores:
35. um botão sob os dois primeiros braços do candelabro, um botão sob os dois
braços seguintes e um botão sob os dois últimos: e assim será com os seis
braços que saem do candelabro.
36. Esses botões e esses braços formarão um todo com o candelabro, tudo
formando uma só peça de ouro puro batido.
37. Farás sete lâmpadas, que serão colocadas em cima, de maneira a alumiar a
frente do candelabro.
38. Seus espevitadores e seus cinzeiros serão de ouro puro.
39. Empregar-se-á um talento de ouro puro para confecionar o candelabro e seus
acessórios.
40. Cuida para que se execute esse trabalho segundo o modelo que te mostrei
no monte.” (Êxodo 25, 31-40).

Considerámos seria este o primeiro e principal elemento simbólico, colocado em lugar de


destaque, no centro da estrutura. No livro sagrado Shemot49 embora a construção seja pormenorizada,
não refere as dimensões do Menorá, bem como desenho da base de sustentação. Contudo, a
referência ao peso de um talento de ouro puro batido, que corresponde a 32,3 kg / 71 lb (talento
romano), permitiu-nos estabelecer um cálculo para o Menorá do monumento, com cerca de 160 cm
x 190 cm (figura 2).

48
Êxodo (25, 31-40).
49
Êxodo nas Bíblias cristãs.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O segundo elemento, representado no “Memorial às vítimas da Inquisição em Trás-os-


Montes”, teria de passar obrigatoriamente pela representação simbólica do Templo de Jerusalém,
várias vezes destruído, restando hoje, os restos do muro de suporte no designado “Monte do Templo”
(Har Há-Bayit em hebraico) em Jerusalém, também designado de “Nobre Santuário” (al-Haram al-
Sarif em árabe).
Já referimos que após a destruição do Templo de Jerusalém pelo exército romano em 70
d.C., em 361, o imperador romano Juliano ordena a sua construção, obra que viria a ser abandonada
em consequência do terramoto de 363. Nos finais do séc. VII, o califa omíado Abdal Malique Ibne
Maruane (623-685), ordenou a construção no Monte do Templo da Mesquita de Al-Aqsa. Aí já existia,
desde a primeira metade do séc. VII uma pequena mesquita construída pelo califa Omar (586-644).
Posteriormente a Mesquita de Al-Aqsa, seria reconstruída por duas vezes em consequência de dois
sismos (748 e 1033).
Com a Primeira Cruzada em 1099, era criado o Reino Latino de Jerusalém onde o espaço,
passou a servir de palácio real e posteriormente, quartel general dos Pobres Cavaleiros de Cristo e
do Templo de Salomão “Pauperes commilitones Christi Templique Salomonici”, designação dos
Cavaleiros Templários.
Com a conquista de Jerusalém por Saladino na batalha de Hattim (1187), com a derrota do
exército cristão, a mesquita de Al-Aqsa, voltou a ser lugar do culto muçulmano.
Quando em 1967, o estado de Israel conquistou a parte oriental de Jerusalém, permitiu que
a mesquita continuasse como espaço de oração, de administração muçulmana.
Importa aqui referir a permanente resignação e tolerância do Povo Judeu que, ao assumir a
administração de Jerusalém Oriental, poderia cair na tentação de destruir a mesquita e proceder a
uma nova construção do Templo de Jerusalém.
O Templo de Jerusalém está perfeitamente descrito em I Livro de Reis (Capítulos 5 a 9).
Contudo jamais seria nosso propósito a sua representação numa escala inferior, caindo na “armadilha
estética” de estabelecer o conteúdo descritivo do espaço, em detrimento do seu valor simbólico e
sagrado.
13. O rei Salomão mandara vir de Tiro um homem que trabalhava em
bronze, Hirão,
14. filho de uma viúva da tribo de Neftali, cujo pai era de Tiro. Hirão era
talentoso, cheio de inteligência e habilidade para fazer toda espécie de
trabalhos em bronze. Apresentou-se ao rei Salomão e executou todos os
seus trabalhos.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

15. Fez duas colunas de bronze: a primeira tinha dezoito côvados de altura;
a sua periferia media-se com um fio de doze côvados. Tinham quatro
dedos de espessura e eram ocas. A segunda coluna era semelhante a esta.

18. Dispôs em círculo ao redor de cada uma das malhas duas fileiras de
romãs, para ornar cada um dos capitéis que cobriam as colunas.

20. Os capitéis colocados sobre as duas colunas elevavam-se acima da


parte mais grossa da coluna, além da rede; em volta dos dois capitéis,
havia duzentas romãs dispostas em círculo.

21. Hirão levantou as colunas no pórtico do templo, a coluna direita, que


chamou Jaquin, e a esquerda, que chamou Boaz. (I Livro dos Reis.
Capítulo 7).

As duas colunas colocadas no “Memorial às vítimas da Inquisição em Trás-os-Montes”,


representam o Templo de Salomão, várias destruído e saqueado. A primeira tem a designação de
Jaquin significa “Ele estabelecerá” e a segunda Boaz “Ele vem com poder” (Figura 2) (Hamblin &
Seeely, 2007).
As duas colunas no memorial sustentam um arco perfeito de meio círculo, possuindo a “pedra
de fecho”.
Este arco perfeito é o terceiro elemento simbólico colocado. Representa o Arco-íris, enquanto
símbolo “Sinal da Aliança” que apareceu, conforme descrito em Géneses 8, 9-17, após o Dilúvio, no
momento em que a “Arca de Noé” encalhou no Monte Ararate. Deus prometia nunca mais destruir a
humanidade através da água diluviana (Figura 2) (Greenle, 1980).
Fomos então à procura de um quarto elemento para conjugar com o Menorá, as Colunas
Jaquin e Boaz. e o Arco Perfeito. Um elemento com o significado simbólico de Amor e Esperança.
Inquestionavelmente fomos buscar a Romã, o fruto da romãzeira. Este fruto sagrado, conforme
descrição das últimas referências bíblicas em inúmeras passagens e particularmente em I Livro dos
Reis, capítulo 7, constitui objeto de decoração do Templo de Jerusalém e das colunas. Para o povo
judeu, a romã tem especial significado no ritual do ano novo, por acreditarem que o ano que inicia,
será sempre melhor.
Quando o Povo Judeu abandonou o Egito a caminho da “terra prometida” por YHWH, os 12
espias que foram enviados, regressaram carregados de frutos, dos quais muitos eram romãs. Este
fruto sagrado que passaria a decorar o Templo de Jerusalém e os jardins de Salomão, como símbolo
de esperança, fecundidade e amor (atributos também comungados pelos outros povos do oriente),
foi por nós representado no número de três na base do Menorá (Figura 2).

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O quinto elemento simbólico representativo da cultura judaica do memorial é a Estrela de


David (Magen David). O termo substantivo “Magen” tem o significado de escudo, enquanto elemento
de proteção do corpo durante o combate (Figura 2). Está presente em todas as sinagogas sendo o
símbolo do estado de Israel.
Depois da representação das romãs, o número três volta a ser repetido, enquanto número
ímpar, nos três degraus das escadas hexagonais. São hexagonais, por inserirem no seu centro a
Estrela de David, a “Magen David” (Pavitt & Pavitt, 1922), com seis vértices, inseridos nesta figura
geométrica plana com seis lados.
O sexto elemento simbólico é constituído pelos três degraus (escadas) e correspondem ao
número sagrado ímpar de 3. Pretendemos desta forma homenagear os três patriarcas de Israel
(Abraão, Isaac e Jacó).
Estão na base do monumento e na base das três religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo
e islamismo). Estas três escadas referem uma identidade comum que ao longo dos séculos muito
ódio fomentou entre si (Figura 2).
Faltava-nos o último e sétimo elemento criado por YHWH no primeiro dia: Luz.
No degrau superior estabeleceu-se novamente o número de 3 focos de luz, que na noite,
dois iluminam as colunas e o terceiro o Menorá, dado que em Bereshit50, depois de YHWH ter criado
os céus e a terra disse: “Faça-se a Luz”,
5 - Deus chamou à luz DIA, e às trevas NOITE. Sobreveio a tarde e depois a
manhã: foi o primeiro dia. (Gênesis 1, 5).

Pretendemos, portanto, que não existam as Trevas. De “Dia” o Sol iluminará o monumento.
Mas na da noite, o monumento será iluminado com os três focos de luz.
A comunidade judaica de Cristãos-Novos de Trás-os-Montes jamais será esquecida nas
“Trevas”.
Na composição que realizámos do “Memorial às vítimas da Inquisição em Trás-os-Montes”
(figura 2), constituído através da composição geométrica com os 7 elementos simbólicos judaicos, O
Menorá e as Colunas Jaquin e Boaz, constituem elementos simbólicos sagrados que já não existem.
Estes elementos representam, tal como o seu povo, a permanente destruição e perseguição,
perpetuada por povos, ideologias religiosas e políticas.

50
Gênesis 1, 1-5.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Contudo os 5 elementos simbólicos constituídos pela romã (significado de Esperança e


AMOR), a Magen David (Estrela de David enquanto escudo divino protetor), o arco perfeito (Arco-
íris51, enquanto “Sinal da Aliança” entre Deus e os Homens), as 3 escadas hexagonais (referência aos
três patriarcas de Israel Abraão, Isaac e Jacó) e as 3 luzes (energia divina que dá vida), permanecem
vivos.
Considerámos estes sete elementos como as nossas referências simbólicas e exotéricas, no
presente trabalho. No Bereshit o número sete apela aos sete dias da criação,

2. Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu
trabalho.
3. Ele abençoou o sétimo dia e o consagrou, porque nesse dia repousara de toda
a obra da Criação.
4. Tal é a história da criação dos céus e da terra. (Gênesis 2, 2-4).

A dimensão espiritual e exotérica do projeto escultórico, implica que a sua direção seja para Oriente
(figura 2), virado, portanto para Jerusalém, a capital física e espiritual comum ás 3 religiões
abraâmicas: judaísmo, cristianismo e islamismo.

PROPORÇÃO E HARMONIA NOS ELEMENTOS EMPREGUES

Figura 3 – Planta e alçado do monumento com as estruturas geométricas referenciadas: Dimensões áurea e hexagonal.

51
Salmos 88, 38; Livro de Eclesiastes 43, 12 |50, 8; Ezequiel 1, 28; Apocalipse 10, 1.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O monumento está situado ligeiramente ao centro da Rua Dr. Manuel Maria Lopes, espaço
de configuração ovalóide. O monumento foi colocado de modo a não interferir com a estrada nacional
n.º 218, pelo que teve de ser desviado lateralmente, estando colocado na direção do Oriente (figura
2), dirigida para Jerusalém, a capital física e espiritual do Povo Judeu. A criação da Razão Áurea,
Media Áurea, Divina Proporção, Número de Ouro ou Número de Fídias, teve como objetivo de fundo,
estabelecer a proporção ou relação harmónica mais correta nos campos da arquitetura e das artes
(Canotilho, 2009). A sua descoberta deve-se a Matila Ghyka52 e como é evidente, parte sempre como
referência a dimensão humana. A Razão Áurea ou Retângulo de Ouro é aquele que tem a seguinte
propriedade: Quando lhe retiramos em área o correspondente à superfície de um quadrado, obtemos
um outro retângulo semelhante ao primeiro, mas em área menor, e assim sucessivamente. É o caso
identificado no alçado frente do projeto (figura 3), bem como da dimensão no menorá que cumpre a
mesma proporção. Também se pode verificar que a “luz” central do Menorá corresponde ao centro
do retângulo da Razão Áurea. As sete “luzes” do Menorá estão também no alinhamento da mediana
do retângulo referido. A Razão Áurea na figura está de acordo com a Sequência de Fibonacci53

Conseguimos, com a sujeição dos elementos arquitetónico e escultórico do monumento, à


Razão Áurea, estabelecer o binómio fundamente em composição (Canotilho, 2017), que consideramos
ser o compromisso entre Proporção e Harmonia.

Também a planta, descrita na figura 3, corresponde a esse compromisso entre Proporção e


Harmonia. Para o efeito, partimos da subdivisão concêntrica da estrutura hexagonal (Canotilho, 2005),
que serviu de grelha para a disposição ordenada dos elementos simbólicos. Com isto entendemos e
valorizámos o conceito de estética científica, inspirada nos princípios filosóficos de Platão e Euclides.
Na figura 4 podemos observar a imagem diurna do projeto concluído, com a respetiva adequação ao
campo da geometria. Na figura 5 podemos observar duas imagens noturnas do projeto iluminado,
pelos três focos de luzes, na noite de Carção.

52
O termo “numero de ouro” só nasceu em 1932 e deve-se a Matila Ghyka, diplomata e engenheiro romeno, que sobre
o termo realizou uma volumosa obra. O livro de Matila Ghyka publicado em 1932 resultou num grande êxito, já que estava
inspirado na corrente filosófica alemã do seculo XIX, que consagrava Platão e Euclides, numa tentativa de criar uma
espécie de estética científica. O “numero de ouro” é identificado pela letra grega “fi” Ø.
53
Leonardo Fibonacci (1170 – 1240). Matemático italiano, nascido na cidade de Pisa. A sucessão de Fibonacci constitui-
se numa serie de números, onde o valor de cada corresponde a soma dos dois precedentes: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21,
34, 55, 89, 144, 233, 377, 610, 987, 1597, 2584, 4181, 6765, 10946..., e assim sucessivamente.

70
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Figura 4 – Projeto final onde se observam as dimensões áureas aplicadas ao monumento, ao Menorá, bem como a
centralidade das 7 luzes na mediana horizontal do retângulo e da luz central, dentro dos princípios de uma estética científica.

Figura 5 – Projeto final. Iluminação noturna do “Memorial às Vítimas da Inquisição em Trás-os-Montes”.

71
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

COMUNICAÇÃO DIRIGIDA À MAÇONARIA PORTUGUESA PELO DR. TRINDADE COELHO


João Bartolomeu Rodrigues54, & Levi Leonido 55

Grande Oriente Lusitano Unido Resumo


Palavras-chave

Maçonaria Portugueza O objetivo central desta texto e consequente reflexão é, única e simplesmente, dar
Trindade Coelho a conhecer o pensamento de Trindade Coelho, a par da missão e divisas
associadas à Maçonaria (Grande Oriente Lusitano Unido) que lhe edita, via
Tipografia Casa Portuguesa, em 1906, o texto intitulado de “Communicação
dirigida á Maçonaria Portugueza”.

INTRODUÇÃO
Mas seja o que for: o país é um rebanho de 4 milhões
de analfabetos, e o padre é ainda o pastor desse rebanho.
E esses 4 milhões são uma força; e no outro milhão, os
próprios ateus... rezam!

A Communicação dirigida á Maçonaria Portugueza (1906) pela pena de José Francisco


Trindade Coelho foi editada pelo Grande Oriente Lusitano Unido em 1906, na tipografia Casa
Portuguesa. Não sabemos ao certo a tiragem de exemplares deste opúsculo. Por ocasião da
celebração do centenário da morte de Trindade Coelho (2008), ocorrida em Mogadouro, a editorial
Moura Pinto levou a cabo a reedição desta Carta fac-similada, precedida do estudo - Trindade Coelho,
um Amigo do Povo - da autoria de Amadeu Carvalho Homem, com uma tiragem de 1000 exemplares.
A apresentação desta publicação constituiu o ponto alto das comemorações do centenário da morte
do ilustre escritor transmontano, levadas a cabo pela Câmara Municipal de Mogadouro, as quais
contaram com a presença do então Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, António Reis e o Ex-
Grão-Mestre, Dr. António Arnaut.

54
JOÃO BARTOLOMEU RODRIGUES – CECS & Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, PORTUGAL. Email:
jbarto@utad.pt
55
LEVI LEONIDO - Centro de Investigação em Ciência e Tecnologias da Artes - Universidade Católica Portuguesa |
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro | Revista Europeia de Estudos Artísticos, PORTUGAL. Email:
levileon@utad.pt

75
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Saudamos as iniciativas levadas a cabo pelas instituições e pessoas acima referidas. Na


continuidade da divulgação de uma das figuras maiores da Cultura Portuguesas, a ERAS (Revista
Europeia de Estudos Artísticos), por ocasião deste número especial, dedicado à Maçonaria, associa-
se a este esforço de divulgar o pensamento arguto de Trindade Coelho, expresso na Comunicação
dirigida à Maçonaria (2008), que soube ler os “sinais dos tempos” e interpretar o fenómeno político
e as tensões que este arrastava consigo desde Carta Constitucional, outorgada por D. Pedro IV, em
1826, bem como apresentar a solução que no seu entender ultrapassaria as clivagens que os séculos
XVIII e XIX testemunharam nas relações Igreja-Estado e ofereciam ao século XX como herança.
Amadeu Homem, no prefácio que faz na referida edição de 2008, refere: “O desenlace da Comunicação
dirigida à Maçonaria Portuguesa é pouco menos do que surpreendente. Trindade Coelho pretendia
fazer dos párocos … oficiais do registo civil! (HOMEM [rec a] Coelho 2008, pp. 26-27). É, no nosso
entender, muito mais do que isto: pretendia reconciliar a sociedade portuguesa, combatendo o
ultramontanismo e o famigerado artigo VI da Carta Constitucional que a partir de 1865 alimentou a
polémica do “Casamento civil”; pretendia, com o clero, implementar em Portugal o projeto concebido
por Alexandre Herculano em Eu e o clero (1850), carta dirigida ao Cardeal Patriarca, onde propôs um
novo modelo organizacional da Igreja portuguesa, coordenada pelo estado português e livre do
centralismo de Roma, ou seja, procurava aproximar-se da doutrina veterocatólica de Döllinger e
afastar-se da eclesiologia defendida pelo Vaticano I (1869-1870), que gravitava em torno do primado
e da infalibilidade do Papa (Clemente, 2013, p.110). Em síntese, pretendia fundar, em Portugal, à luz
do que acontecera em Inglaterra, uma Igreja Portuguesa: “Restauremos a Igreja Lusitana; façamos
uma igreja nacional, como a Inglaterra tem a sua; emancipemo-nos de Roma, que é o mesmo que
dizer do estrangeiro. Isso equivaleria a fazermos a nossa regeneração moral, base da regeneração
politica” (Coelho, 1906, p. 12).
Assim o defende Trindade Coelho: mas como operacionalizar essa revolução? Seria feita não
contra o clero, mas com o clero:
Qual é melhor: levantar a questão religiosa com o clero, ou levantar a questão
religiosa contra o clero? Com o clero, bem dirigida, seria talvez solúvel desde
já. Contra o clero, sê-lo-á somente pela evolução, produto da educação, e
esta, influenciada pelo romanismo, estorvará aquela indefinidamente...
(Coelho, 1906, p. 8).

76
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Sem qualquer pretensão de a fazer preceder esta Comunicação de um estudo cabal que a
enquadre, contextualize e a explicite, optámos simplesmente pela sua divulgação: deixamos esse
estudo para uma próxima ocasião. Estamos certos, apesar de tudo, que Trindade Coelho dispensaria
qualquer apresentação para os leitores portugueses. Estamos igualmente certos que os potenciais
leitores da (ERAS) são todos os leitores da lusofonia e, por isso, introduziremos uma breve nota
biográfica para que todos possam conhecer o autor da Comunicação dirigida à Maçonaria Portuguesa,
e julgar por si o pensamento do autor de Os meus amores.

Trindade Coelho (1861 – 1908) nasceu no planalto mirandês, mais concretamente em


Mogadouro, uma “vilinha transmontana de origem árabe, a quase 1000 metros de altitude”, como ele
dizia na sua autobiografia (1910). A sua infância alheia ao que então nos bastidores da capital do reino
se passava decorreu na pacatez da sua terra: entre Mogadouro e a aldeia de Travanca fez Trindade
Coelho aquilo que então se designava por “escola primária”. Às fragilidades da oferta educativa da
Escola Régia correspondeu seu pai ao providenciar explicações particulares de um professor
experimentado. O gosto pela leitura era um dado já adquirido: Foi nessa mesma idade iniciado na
aprendizagem da língua latina com os padres de Mogadouro. Esta marca telúrica e indelével que a
infância lhe imprimiu na alma, viria a tornar-se um compromisso com a sua terra, as suas gentes, a
sua origem: a alma transmontana viria a ser ornada, mais tarde, na sua literatura, com palavras de
oiro, o oiro mais fino de Ofir.

Nem a saída para o Porto, nem o Colégio de São Carlos, onde deu continuidade aos seus
estudos, lhe fizeram esquecer as suas origens. O clima repressivo do Colégio e de profunda injustiça
de que ele se queixa não lhe deixaram as melhores memórias: Recorda-os como «seis anos
miseráveis, de uma obediência estúpida e passiva, sempre a toque de sineta» (Autobiografia), que só
a boa camaradagem tornou suportáveis. O ambiente de censura que então se vivia e proibia a leitura
de romances não o impediram de se aproximar de alguma – pouca - literatura, que na clandestinidade
ia lendo à revelia. Apesar dessa contradição – uma escola que proíbe a leitura – foi nesse período
que se iniciou na escrita, tendo publicado o conto Uma Trovoada e iniciado o romance O Enjeitado, o
qual só viria a ser publicado em 2001 pela mão de José Viale Moutinho. Foi também nesse período
que à revelia do pai publica um artigo «Cepticismo».

77
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A mudança para Coimbra também não foi fácil: se a vida académica fora da universidade era
“uma delícia”, intra murus era um pesadelo. Essa inadaptação aos métodos e aos professores faria
com que reprovasse no primeiro ano. Seu pai cortou-lhe a mesada e foi obrigado a dar explicações
para se poder sustentar e estudar. Numa segunda fase começou a colaborar em diferentes jornais e
revistas. O seu amor às letras levou-o a fundar dois jornais: Porta Ferrrea e a revista Panorama
Contemporâneo. Dois factos inesperados complicam esta fase final da sua vida na académia: o
casamento seguido do nascimento de um filho e a morte inesperada de seu pai, o que lhe viria a
causar um forte constrangimento financeiro.

A sua vida profissional começou na magistratura como Delegado do Procurador Régio, na


comarca de Sabugal, tendo sido pouco depois transferido para Portalegre, onde fundou dois jornais
Gazea de Portalegre e Comércio de Portalegre. A última etapa Profissional foi na capital, onde teve
que supervisionar a imprensa, por ocasião do ultimatum, o que lhe causou grandes dissabores, tendo-
se transferido para Cintra em 1895. Foi a Cabo Verde defender 33 presos políticos, de onde regressou
passados três meses com a libertação dos presos e a prisão dos acusadores. A sua atividade como
jornalista intensificou-se tendo colaborado com as revistas Portugal, Novidades e Repórter e fundou
a Revista Nova, onde publicou os Folhetos para o Povo.

A sua fama como magistrado, o seu prestígio como escritor não foram suficientes para fazer
de Trindade Coelho um homem feliz: era o homem profundamente infeliz, cujo passar do tempo o
conduziu inexoravelmente ao suicídio, no fatal dia 9 /06/1908.

A sua obra reparte-se por 4 vertentes: jurídica cívica, jornalística e literária. Enquanto
jornalista, além dos jornais já referidos, colaborou com o Progressista, o Imparcial, o Tirocínio, Beira
e Douro, o Jornal da Manhã e o Ditírio Ilustrado. A obra literária conta com cerca de trinta obras,
destacamos apenas aquelas que nos parecem mais significativas: Os Meus Amores (1891) e In Illo
Tempore (livro de memórias de Coimbra-1902); ABC do Povo; Primeiras Noções de Educação Cívica;
Manual Político do Cidadão Português; O Primeiro Livro de Leitura; O segundo Livro de Leitura; O
Terceiro Livro de Leitura. Destacamos também um conjunto significativo de opúsculos destinados ao
Povo, onde se incluem, entre outros: Parábola dos Sete Vimes; Rimas à Nossa Terra; Remédio contra
a Usura; Laos à Cidade de Bragança; e Cartilha do Povo; A Minha candidatura por Mogadouro; O
Senhor Sete, etc…

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

COMUNICAÇÃO

DIRIGIDA À

MAÇONARIA PORTUGUESA

PELO

DR. TRINDADE COELHO

EDITADA PELO GR ∴ OR∴ LUSITANO UNIDO

LISBOA
Typographla- CASA PORTUGUEZA - Papelaria 139, Run de S. Roque, 141

1906

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

PROBLEMAS DEMOCRÁTICOS
O clero secular e o registo civil
E' sabido que o nosso clero secular, saído do povo tem inato o sentimento de independência
que caracteriza todo o bom lusitano, sentimento que certas circunstâncias tem sempre oprimido e
abatido, é verdade, mas que não deixou nunca de ser vivo e fecundo, e de aspirar, sempre que pode,
a emancipar-se.
Cremos que resolvido o problema da independência material, económica, do padre perante
o bispo, o padre secular português seria um ótimo elemento com que a democracia poderia contar
para as suas conquistas - inclusive para a liberdade de cultos e para a separação da Igreja e do Estado.
O nosso clero é, porém quanto, mais português do que romano; e dominado, contra vontade,
pelo clero regular das congregações e pelos bispos, não deixaria, numa afirmação simpática de
independência e de patriotismo, de concorrer para a nacionalização da igreja, isto é, para a restauração
da Igreja Portuguesa com as suas velhas isenções e liberdades, - se o poder civil, o Estado, o
colocasse em condições de respirar um pouco livremente diante dos bispos e das congregações
religiosas, principalmente da Companhia chamada de Jesus, que é hoje, como já dizia Alexandre
Herculano, sinónima da Santa Madre Igreja.
Supor que a questão religiosa pode ventilar-se com êxito sem contar com o padre (os bispos
sem os padres não podem nada) é quase um absurdo; é, pelo menos, muito arriscado, - pois o padre
dispõe de força e influência junto do povo, e este ainda não está instruído para poder subtrair-se
àquela influência.
Absurdo seria também supor, que no estado de atraso em que o país se encontra, e dada a
influência da sua educação religiosa e a influência efetiva, direta, do clero, - absurdo seria supor,
dizemos, que se o registo civil obrigatório fosse decretado, cessaria, ipso facto, o registo eclesiástico.
- Tendo portanto de subsistir os dois, ao menos por um largo período; e sendo o lado económico do
registo eclesiástico a razão fundamental por que o clero recalcitra ao registo civil: cremos que se o
Estado encarregasse o clero secular de efetuar este registo nas freguesias, decretando, ao mesmo
tempo, que o registo eclesiástico seria facultativo; que não poderia efetuar-se antes do civil; e que os
nascimentos, os casamentos, os óbitos, as legitimações e os reconhecimentos só poderiam
legalmente provar-se, para efeitos civis ou de qualquer natureza, por certidões extraídas do registo
civil: - todos os atritos estariam vencidos; e o clero aceitaria de bom grado, e até com agradecimento,
o registo civil, de que o pároco ficaria sendo na sua freguesia o oficial público - devidamente
remunerado, é claro, com os emolumentos da respetiva tabela.

80
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Esta função civil do pároco seria independente da sua função eclesiástica; de modo que se o
bispo suspendesse o pároco do exercício das ordens, a suspensão não o privasse do exercício da
função civil. Seria, em muito, a emancipação do clero do despotismo estrangeiro, romano, exercido
por intermédio dos bispos; o caminho para a restauração da velha Igreja Lusitana em que a nomeação
dos prelados não dependia do papa, mas do clero nacional e do povo; o caminho, finalmente, para
uma emancipação ou reforma religiosa, que levaria, sem abalos, à separação da Igreja e do Estado.
Não esqueçamos que no estado atual da instrução do país, não seria fácil alargar o registo
civil até às freguesias rurais não se utilizando, para esse ser viço, o pároco da freguesia, pois o
regedor, em regra, é ainda pouco instruído. Concedendo ao pároco uma aposentação regular na
qualidade de funcionário civil, o êxito, parece-nos, seria completo.
É claro que a oposição do clero ao registo civil não tem outra causa senão a económica; mas desde
que lhe não cerceassem o rendimento do registo eclesiástico, pois este continuaria facultativo (como
afinal o é hoje, porque se o registo civil não é obrigatório, também não o é o eclesiástico, que qualquer
pode substituir pelo civil) o acréscimo de receita proveniente do registo civil a cargo dos párocos,
faria com que os padres até aceitassem este de bom grado, pois além de lhes dar dinheiro, colocava-
os diante dos bispos em condições económicas de independência que hoje não têm mas por que
todos suspiram. E alguns, a grande maioria, até a alma se lhes arranca nesse suspiro!..
O nosso clero secular é por enquanto português e liberal por índole, - e foi isso o que tornou
necessário ao romanismo a introdução em Portugal de clero regular estrangeiro, passivo às ordens
de Roma, e inimigo do clero nacional; - e se o romanismo ainda consegue desnacionalizar este,
fazendo-o, em caso de colisão ou conflito, mais obediente a Roma do que às leis do Estado (a que se
não peja de chamar «infamíssimas») - a razão é porque a única fonte de receita do padre é a igreja;
e se o bispo o suspender ou o perseguir, não há-de viver, ele e a família, do ar...
Enfim, o problema é muito interessante e complexo; mas se queremos partir para a
emancipação religiosa, para a conquista da verdadeira liberdade de consciência, e, no campo político
das reformas rasgadamente democráticas, para a separação da Igreja e do Estado, é indispensável
que estudemos os meios práticos de realizar tais conquistas. E só uma imbecilidade de raça, como já
escrevi algures, pode acreditar na possibilidade de se fazer a reforma politica, ou sequer a económica,
antes de se fazer a religiosa. Enquanto tivermos a administração estrangeira no espiritual - com larga
e intensa influência no temporal, pois são católicas romanas todas as leis que nos cingem - é tempo
perdido pensar em progresso: fazemos que andamos, mas não andamos...

81
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Poderão dizer-nos que há certa contradição de princípios em encarregar o pároco do registo


civil. Haverá. Mas nós já temos o padre na instrução oficial (primária, secundaria, superior, etc.);
temo-lo na burocracia; temo-lo, em suma, investido em funções civis variadíssimas. Qual seria, pois,
melhor: investi-lo em mais uma, e angariá-lo para o lado da democracia; ou deixá-lo como está, nas
mãos, ou debaixo dos pés, do clero regular estrangeiro, e termos de o aguentar como nosso inimigo,
ou como instrumento passivo dos nossos inimigos?
Reformas de carácter administrativo como as que está tentando o atual governo, são decerto
excelentes; mas é preciso marchar também pelo caminho das reformas sociais; e muitíssimas são,
em verdade, as que um estadista sinceramente liberal ainda pode realizar dentro do regímen, e até no
interesse deste.
A obrigatoriedade do registo civil tem de ser uma dessas reformas; como a laicização do
ensino e a proscrição das ordens religiosas regulares; - é no campo restritamente constitucional, mais
valera que em vez da anunciada reforma de alguns artigos da Carta e Actos Addicionaes, aquela e
estes fossem substituídos in limine por uma verdadeira CONSTITUIÇÃO, mediante cortes constituintes
expressamente eleitas para a elaborarem. Tudo o mais, é pôr uma ou outra corda nova num
manicórdio e aumentar-lhe a desafinação! Haja visto o que sucedeu com a Câmara dos Pares, que
modificada, em relação à maneira como a Carta Constitucional a estabelecia, pelos Actos Addicionaes
de 1885 e 1896, chegou ao que se vê. Tem de ser substituída necessariamente por um senado eletivo;
e a razão é a mesma por que toda a Carta Constitucional deve e tem de ser substituída por uma
Constituição.
Seria conveniente que todos os que se interessam pela marcha das ideias democráticas
estudassem o problema que acima fica esboçado; pois é indispensável que todas as questões que já
estão liquidadas em tese, passem a ser encaradas sob o ponto de vista concreto, positivo, pratico, da
sua realização. Se ninguém discute já hoje a necessidade de se estabelecer o registo civil obrigatório,
o que é preciso é estudar a maneira prática de o levar a efeito, contando, na solução a dar ao problema,
com as iniludíveis circunstâncias do meio, e jogando com estas de modo a aproveitar as que forem
benéficas, e a converter em favoráveis as que forem hostis.

TRINDADE COELHO.

______________

82
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

_______

1.ª APOSTILA
Qual é melhor: levantar a questão religiosa com o clero, ou levantar a questão religiosa contra
o clero? Com o clero, bem dirigida, seria talvez solúvel desde já. Contra o clero, sê-lo-á somente pela
evolução, produto da educação, e esta, influenciada pelo romanismo, estorvará aquela
indefinidamente...
Ora se a reforma está já feita nos espíritos ilustrados; se os padres portugueses não são
hostis à democracia e o são, no íntimo, ao romanismo, de cujo despotismo eles são as primeiras
vítimas e os que mais o detestam; se, por outro lado, Portugal já teve uma Igreja Nacional não
inteiramente espoliada das tradições democráticas da primitiva igreja cristã, e cuja restauração acabaria
com o romanismo, valorizaria o clero secular, seria um caminho fácil para a separação da Igreja e do
Estado,- pergunta-se: porque se não há-de ir com o clero, ou antes, porque se não há-de atrair o
clero, por todas as formas leais e justas, para esse combate da democracia?
A questão religiosa é essencialmente uma questão de princípio: aspira a liberdade de
consciência; não aspira à irreligião. Logo, não visando à extinção do padre só porque é padre, mas a
dar liberdade a este mesmo e à sua consciência, e a integrá-lo na sociedade viva, onde vai correndo
o risco de parecer um fóssil, - porque não contar com o padre como auxiliar desse bom combate?
Para que ir contra o padre, só porque é padre? Não era frade Lutero? Calvino não era padre? Não o
era Zwinglio?
Aceitemos o padre como auxiliar da ideia, e, hoje, auxiliar indispensável. Felizes somos nós
tendo ainda um clero nacional isento de facciosismo religioso, nada ultramontano, nada intolerante,
e, politicamente, adstrito ao liberalismo, porque tem militado sempre, e milita, nos chamados partidos
liberais.
Quantos padres tem hoje D. Miguel? Quantos padres tem a Republica? Pois mais pode esta
contar com os padres, do que D. Miguel. Não é isto uma grande vantagem e uma felicidade enorme
para o problema?
Ora digam aos padres que já tivemos uma Igreja Nacional menos escrava do romanismo; que
essa Igreja, que foi a dos nossos antepassados, é compatível com a hierarquia eclesiástica; que nessa
Igreja os bispos são eleitos pelo próprio clero e pelo povo; que dentro dela todas as modificações
são possíveis na disciplina por mera ação de sínodos diocesanos, ou seja pela vontade do clero
nacional; - em suma, que essa igreja, ao contrário da romana, é compatível com a liberdade, e portanto

83
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

com a civilização e com o progresso, coisas que o SYLLABUS excomungou e o romanismo odeia: -
-- e ver-se-á como estas ideias calam no espirito do clero, e o atraem, convertendo-o, patrioticamente,
numa milícia ativa contra o romanismo.
Há padres e padres; e o que importa, já que o próprio Renan é de parecer que a «religião é
a manifestação de um facto eterno», é estremar no padre o que é por nós ou contra nós, pela ideia
ou contra a ideia, pela liberdade ou contra ela. E é minha convicção, derivada da observação, que o
padre secular português é, por índole, liberal e patriota. E tanto assim o compreendeu o romanismo,
que este o odeia; que o suplanta por todas as formas, pois não tem nele a menor confiança.
Mas seja o que for: o país é um rebanho de 4 milhões de analfabetos, e o padre é ainda o
pastor desse rebanho. E esses 4 milhões são uma força; e no outro milhão, os próprios ateus... rezam!
Ainda outro dia, no congresso do clero em Coimbra, não foi um padre português educado
em Portugal, mas um padre português educado em Roma e portanto desnacionalizado, quem propôs
a criação de um grande jornal em Lisboa «para combater o liberalismo (sic); e essa proposta não
encontrou na imprensa clerical se não um eco de antipatia. Porquê? Porque convinha aos jornais
católicos afastar um concorrente? Talvez não fosse só por isso; mas por um pouco de amor à
liberdade. E o partido nacionalista católico, esse mesmo teve de declarar, para angariar adeptos, que
não era incompatível - com o próprio sistema republicano.

E aos exercícios espirituais, que são uma forma de conspiração, dominação e captação
jesuíticas, só de má vontade e à força concorre o clero secular - clero que o romanismo entendeu
carecer de tais exercícios, por muito rebelde à obra...
A reforma religiosa tem de ser uma conquista da liberdade contra a reação. Com que
elementos conta, pois, a liberdade, se não aproveitar a influência do clero? E emancipar este do
romanismo, não será já, para a liberdade, vencer o melhor da demanda?

TRINDADE COELHO.

84
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

_____________

2.ª APOSTILA
Convém encarar ainda o problema por outro lado. A união do clero secular com o Estado não
é tão forte em Portugal, que não seja relativamente fácil separá-los. Bem sei que o clero não é a Igreja;
mas é a milícia desta. Ora fraca milícia, desde que não a estimula o interesse! E não estimula. O clero
da metrópole não tem dotação; e todos os dias se queixa de que nem sequer consegue do Estado
que lhe garanta o recebimento da misera côngrua (Vid. Manual Politico, pág. 280 e 281, e a nota de
pág. 281. Vid. Conclusões do congresso do clero, realizado em Coimbra em setembro de 1906. -Vid.
Discurso proferido na câmara eletiva pelo deputado Arthur Brandão no dia 12 de outubro do mesmo
ano). Os párocos e o clero secular da metrópole vivem, essencialmente, da contribuição voluntária
dos fiéis. Os próprios seminários são subsidiados pela Bula da Cruzada, e dela vivem, e dos bens,
rendimentos e receitas próprias.
O que fica? A milícia das ordens regulares, a milícia do clero estrangeiro, com os seus
enormes interesses tirados dos seus institutos, e angariados pelos mil processos industriosos de que
lança mão. Essa milícia acabaria, porém (e tem de acabar, se quisermos viver!), pela extinção das
ordens regulares mediante o cumprimento das leis de Pombal, Aguiar e Loulé. Por aí se deve começar,
como lucidamente compreendeu o Grémio Montanha, a fim de desarmar e dispersar os únicos
elementos temíveis da reação, esses, sim, esses verdadeiramente temíveis. Mas odiando-os o clero
secular, este mesmo secundaria a campanha contra as ordens regulares, porque só teria a lucrar, em
interesses materiais e morais, com a sua extinção.
Conviria submeter o estudo deste problema a todas as lojas do país. Elas devem conhecer
bem o clero secular, e, melhor do que ninguém, podem determinar o grau de viabilidade deste plano,
em cuja solução importa meter um conhecimento quanto possível minucioso e exato das ideias e
tendências do clero.
Pode ser que eu exagere nas que lhe atribuo. Mas são fruto da minha observação pessoal,
exercida sobre um bom número de padres. Posso até dizer que ainda não encontrei nenhum que
assim não pensasse. Ora, com semelhante matéria-prima, só se não vence a campanha dirigindo-a
mal; tanto mais que o povo português, por seu lado, odeia de tal modo o jesuíta (alma da reação) que
já fez daquela palavra, não obstante a sua nenhuma instrução, uma injúria grave e um insulto.

85
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A questão religiosa só espera que a Maçonaria queira resolvê-la, estudando-a concretamente


no terreno das soluções. As nossas condições a este respeito são inquestionavelmente melhores do
que as da França, - e não se comparam com as da Espanha. Da raça latina, temos obrigação de ser a
segunda nação da Europa a separar a Igreja do Estado.
Restauremos a Igreja Lusitana; façamos uma igreja nacional, como a Inglaterra tem a sua;
emancipemo-nos de Roma, que é o mesmo que dizer do estrangeiro. Isso equivaleria a fazermos a
nossa regeneração moral, base da regeneração politica.
Politicamente, governa-nos uma Carta, que nem a soberania nacional reconhece de um modo
expresso! Espiritualmente, governa-nos o estrangeiro, pois obedecemos à soberania do Papa, no qual
a sensata Inglaterra apenas vê o bispo de Roma - igual a qualquer bispo estrangeiro.
Numa nação em que a lei fundamental estabelece a «religião do Estado», não existe de direito
a liberdade de consciência.
Num jornal de Lisboa, O Independente, 4.º ano, n.° 167, de 14 de outubro de 1906, acusava-
se recentemente o Patriarca de «falta de vontade em atender e julgar com justiça o clero secular, para
proteger todos os fradinhos e jesuítas, principalmente estrangeiros».
O artigo era evidentemente escrito por um padre. Pensam todos assim; e nas dioceses,
pensam todos o mesmo dos respetivos prelados. O mesmo rancor - honra lhes seja! - ao despotismo
do clero estrangeiro; e a mesma atitude divergente diante dos bispos, quase todos instrumentos
daquele despotismo. Igualmente expressiva era uma carta publicada na Vanguarda de 16 de outubro
de 1906 e assignada por um padre inimigo dos jesuítas; - e já na atual sessão parlamentar, no dia 23
daquele mês e ano, outro padre, que é deputado, não se contentou em se declarar liberal; acrescentou:
«Creio que um padre também pode ser republicano».
A carta da Vanguarda, a que nos referimos, essa dizia que «sendo o clero secular, na sua
maioria, democrata e pobre, tratam de deprimi-lo e degolá-lo»; acrescentando que os jesuítas «têm
ido aos seminários e expulsado por motivos fúteis os alunos mais inteligentes que se não prestam a
ser jesuítas ou autómatos; e igualmente têm embaraçado por todas as formas e feitios a frequência
da faculdade de teologia da Universidade de Coimbra, para fazer com que a mesma faculdade acabe».
«Estão senhores do campo (acrescenta); e se não houver uma reação forte, dentro em breve acabará
o clero secular: só teremos jesuítas em Portugal e seus domínios». «Uma parte do clero tem reagido
(diz mais a carta); mas a maior parte permanece muda e queda, porque é pobre e tem medo de morrer
à míngua».

86
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

… O jugo pesa-lhes como se vê! Ora com um clero secular neste estado d'alma, e nestas
miseráveis condições, morais e económicas, o romanismo só vive por cobardia - não dos padres, que
ainda têm a seu favor o argumento da «disciplina», mas dos chamados elementos liberais», que
teriam no clero nacional, se soubessem atrai-lo convenientemente, o grande, o decisivo fator de
impreteríveis reformas, - talvez fáceis com o concurso dele, mas arriscadas, pelo menos, sem esse
concurso...

TRINDADE COELHO.

_____________

3.ª APOSTILA

Outro aspeto da questão. Pode dizer-se (e disseram-no os bispos na câmara dos pares,
quando se discutiu o caso do bispo de Bragança, em maio de 1905) que uma Igreja Lusa ou nacional
que aliás já tivemos e durou seculos- é incompatível com a unidade na fé. Será. Mas ainda nesse
particular, se, como dizem, a unidade na fé tem hoje como expressão e garantia supremas a
infalibilidade pontifícia, que sobrepôs o pensamento e a vontade do Papa ao pensamento e à vontade
dos próprios concílios, ou seja dos bispos todos da obediência romana, - certo é que Portugal não
reconheceu oficialmente o dogma da infalibilidade, não lhe concedeu o beneplácito.
Basta este facto para tornar legitima a pretensão do clero secular português quando insta,
como ultimamente tem feito, pela convocação de sínodos diocesanos, assembleias que seriam aliás
absurdas em Portugal, se a proclamação dogmática da infalibilidade pontifícia tivesse por nós sido
aceite. Bem sabemos que as coisas se passam em Portugal como se o dogma da infalibilidade tivesse
sido recebido pelas nossas leis; mas no campo jurídico as coisas são o que as leis portuguesas dizem
que são, e nenhuma lei portuguesa, ou coisa que o valha, reconheceu, até hoje, a infalibilidade papal.
Os sínodos diocesanos podem por conseguinte ter lugar; mas não os veremos restabelecidos,
preenchendo-se uma lacuna que, contra a expressa disposição do concilio de Trento, já dura desde
o meio do século XVIII, enquanto o clero secular português, no uso legitimo do seu direito, e
adstringindo-se patrioticamente às leis do país, isto é, sendo mais português do que romano, ou
melhor, deixando-se de ser romano para ser português, não restaurar a Igreja Lusitana, não se
resolver a considerar a igreja portuguesa como uma sociedade livre no Estado livre.

87
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Diz-se, e disseram-no também os bispos no lugar e ocasião referidos, que sendo a igreja
católica uma sociedade universal, tal igreja é adversa, naturalmente, à instituição de igrejas nacionais.
E' o contrário. E' pelas igrejas nacionais que pode chegar-se á catolicidade evangélica, ou seja ao
domínio universal da doutrina cristã, universalidade concebida por Jesus; e se a esta se não chegou
ainda, em dezanove séculos de cristianismo, foi porque a catolicidade evangélica tropeçou no seu
caminho com a igreja romana. Entendamo-nos: é preciso não confundir a igreja do Cristo mártir com
a igreja do papa-rei; a igreja do Calvário com a igreja do Vaticano; e igreja do «filho de Deus», pobre,
humilde, crucificado, com a do homem a quem os presbíteros falam de joelhos; a igreja da humildade
e do perdão, com a da sobranceria, do orgulho e da intolerância; a igreja da cruz, do sacrifício e da
abnegação, com a igreja de Roma, sequiosa de milhões e das regalias do mundo:- igreja particularista
que o próprio Jesus condenou na figura de Satanás, quando este, levando-o aos pináculos do templo,
lhe ofereceu os tronos da terra. O que vale à catolicidade evangélica e a expansão cristã fora do
romanismo. Haja vista o protestantismo, que, mais do que o romanismo, alargou pela Europa a
doutrina cristã, fazendo retrair, paralelamente, as ambições papais. No formidável duelo, talvez o maior
de que reza a Historia, que Lutero e Inácio de Loyola iniciaram no seculo XVI - aquele, hasteando no
campo religioso a bandeira da liberdade de pensamento, o segundo a da servidão da própria
consciência, o vencedor é ainda Lutero. Portugal está sob a bandeira de Loyola, é certo; mas a
consciência nacional emancipou-se já dessa servidão, que é apenas oficial (Carta Constitucional, art.
6.º). O clero secular, patriota, fará o resto; - e sem deixar de ser cristão, deixará, em todo o caso, de
ser romano, isto é, de reconhecer dentro das fronteiras do seu país outra soberania que não seja a
sua, a nacional, a de portugueses, em vez da soberania de um estrangeiro, o papa, cujos decretos
absolutos, mesmo quando não são proferidos ex cathedra, têm a pretensão de se impor à vontade
das nações, de dominar as leis nacionais, de escravizar estas às leis romanas.
… Quer-se a demonstração? Não a há mais viva, nem mais flagrante, do que a fornecida
agora pelos bispos espanhóis de Lugo, Orense, Tui e Oviedo, manifestações contra o poder civil. São
da pastoral collectiva desses prelados as seguintes palavras, que pondo a questão quase brutalmente,
sintetizam numa fórmula admiravelmente expressiva os intuitos do romanismo:
«Por toda a parte - dizem os prelados - as leis humanas têm de submeter-se às leis divinas;
devendo as disposições legais ser sempre eminentemente católicas, pois toda a lei contrária à doutrina
da Igreja não passa de uma infração das leis concordatárias.» (Vid. Le Matin, de 13 de outubro de
1906).

88
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Quer dizer, a única monarquia existente é a do papa; e as diferentes nações do orbe não são
senão províncias dessa monarquia, regendo-se por leis cuja essência, cujo fundamento, cujo espirito,
só o pontífice romano pode ditar. - Portugal é uma província ou colónia de Roma; o chefe do Estado
em Portugal, um delegado do papa, «por graça de Deus»; a vontade nacional, uma escrava submissa,
passiva, beata, da vontade do pontífice romano; a soberania nacional, em suma, um joguete de Roma
e uma mentira.
Este é o espirito do romanismo. Clero nacional e leis portuguesas, - heresia! Clero português
e leis portuguesas, - cisma! Cristianismo sem papa, - absurdo! Absurdo, cisma, heresia, como se a
organização primitiva da igreja cristã não fosse o contrário, o oposto, da atual organização romana.
E todavia, foi aquela heresia, foi aquele cisma, foi aquele absurdo, a Igreja dos nossos
maiores: medrou com ela, independente e heroica, a nacionalidade portuguesa; e foi quando nos
afastámos dessa Igreja, estendendo os pulsos ao grilhão jesuíta, que a nossa independência
desapareceu por quase meio seculo, e que a heroicidade tradicional dos portugueses degenerou em
poltroníssimo.
Depois, o resto: deformada a nossa mentalidade pelo ensino jesuítico, mnemónico,
dogmático, antinatural e anticientífico, verdadeiramente irracional, chegámos, em religião, quase a um
fetichismo grosseiro, e, sob o ponto de vista da instrução, ao vergonhoso estado em que nos
encontramos: a bem dizer, incompatibilizados com a civilização, que seguiu um rumo contrário.
Precisamos reencontrar-nos com a civilização; mais: afervorar-nos no sentimento de uma
pátria verdadeiramente livre, sem tutelas de qualquer ordem, cônscia dos seus direitos, dos seus
destinos e da sua força. - Em suma, parafraseando o canto do galo francês, que está saudando, lá
baixo, uma alvorada nova prestes a fazer-se dia, precisamos dizer também:
- PORTUGAL PARA OS PORTUGUESES!
Em

89
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Resumo e conclusão
Decretada a liberdade de cultos, o catolicismo romano não poderia contar em Portugal, mercê
da hostilidade dos bispos para com o clero, senão com os bispos: - e como estes, abandonados pelo
clero e sem subvenção do Estado, ficariam, à falta de fiéis, reduzidos a bispos in partibus, de duas
uma: ou se ligavam ao clero e formavam com este a Igreja Nacional; ou não se ligavam ao clero, e
este organizava, por exemplo, o presbiterianismo; ou mesmo, por si só, organizava a Igreja Lusitana,
escolhendo ele próprio os seus bispos, que um metropolita sagraria - sem a menor intervenção do
Papa, como é direito primordial da Igreja Cristã, que ao Pontífice romano confere apenes, no gozo do
primado, a administração e inspeção de Igreja Católica, sem a menor absorção da jurisdição dos
bispos.
Tudo aquilo, é claro, sem prejuízo de se organizarem quaisquer outros cultos, inclusive o
romano - sob a forma de associações cultuais, ou outra.
Por seu lado, confiando o registo civil ao clero da Igreja Nacional, o Estado subvencionava
esta indiretamente. Seria a criação de uma Igreja Nacional, presbiteriana ou mesmo episcopal mas
Lusa, que não romana; seria uma Igreja Lusa subvencionada pelo Estado como em Inglaterra, mas
com uma diferença portante em relação a esta: e é, que ao passo que Inglaterra o Estado, no mesmo
tempo que reconhece liberdade de cultos, subvenciona diretamente a igreja inglesa ou anglicana, em
Portugal o Estado só indiretamente subvencionaria a Igreja Lusitana, conferindo ao clero desta,
considerada Igreja Nacional, funções civis remuneradas.
Queremos supor que decretada a liberdade de cultos, o nosso clero secular, patriota, se
inclina para o presbiterianismo, que é a forma cultual mas parecida com a da primitiva igreja cristã;
ou para lusitanismo, idêntico ao anglicanismo, e, portanto, com hierarquia eclesiástica (metropolita,
bispos, cabidos presbíteros) e com uma disciplina própria - compatível, inclusivamente, com o
casamento dos padres.
Se não for assim, nem nas suas relações com bispos, nem, muito menos, nas suas relações
com a Estado, o clero português jamais melhorara de sorte. Morrerá de imobilidade, que é a morte
que espera a igreja romana, amparada, desde o seculo XVI, à mentira jesuitica - perinde ac cadaver!
Em suma, e mais concretamente:
- Será possível dentro do atual sistema político e religioso da nação - estabelecer o registo
civil obrigatório em todas as freguesias do reino - pondo de parte o clero secular?

90
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Se não é possível, será de adotar o alvitre de fazer do pároco, desde já, oficial do registo
civil?
Ou convirá mais - pugnar primeiro pelo estabelecimento da liberdade de cultos, e,
estabelecida esta, dar aos párocos que seguirem a antiga, tradicional e portuguesíssima forma da
IGREJA LUSITANA o papel de oficiais do registo civil?
Sendo preferível este segundo caminho, como organizar uma poderosa e ativa campanha que
leve, sem tréguas, ao estabelecimento da liberdade de cultos? 56
Outubro de 1906
TRINDADE COELHO.

BIBLIOGRAFIA
Clemente, M. (2013). “Alexandre Herculano e o Clero ou o Clero de Alexandre Herculano: no 2º
centenário do nascimento do escritor”, in MARINHO, Maria de Fátima.

Coelho, T. (1906). Comunicação Dirigida Á Maçonaria Portugueza. Lisboa: GR ∴ OR∴ Lusitano Unido.

Coelho, T. (1910). Autobiografia e Cartas. A. Editora.

Homem, A. C. [rec a.] Coelho, T. (2008). Comunicação Dirigida á Maçonaria Portugueza. Editorial
Moura Pinto.

Janus [Döllinger] (1877). O Papa e o Concílio. Brown & Evaristo, Editores.

56
Não sendo o art. 6.° da Carta matéria «constitucional» (pois só é constitucional, nos termos do art. 144º, o que diz
respeito aos limites e atribuições respetivas dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos),
segue-se que o art. 6°, que diz que a religião do Estado é a católica apostólica romana, não carece, para ser alterado, de
cortes constituintes: pode ser reformado e substituído pelas legislaturas ordinárias, como preceitua o art. 144.º, - o que
certamente simplifica o problema,
Se o sonho dos liberais monárquicos é uma monarquia democrática, é evidente que eles não podem, airosamente,
subtrair-se à reforma do regime religioso do país, sob pena de comprometerem irremediavelmente o seu programa. Este
deveria ter mesmo como primeiro mandamento a substituição da Carta, doada pelo imperante, por uma verdadeira
Constituição, soberanamente decretada pela Nação. Dessa Constituição houvera de fazer parte, sem dúvida, o princípio
da liberdade de cultos.

91
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

ADELAIDE CABETE, uma pedra angular na construção da humanidade


João Bartolomeu Rodrigues57, Ana Beatriz Coelho58, Larissa Brandão59, Valeryia Zholtsikava60, & Levi Leonido 61

Adelaide Cabete Resumo


Palavras-chave

Feminismo A presente investigação encontra-se publicada na Revista Europeia de Estudos


História Política Portuguesa Artísticos (European Review of Artistic Studies)62, numa edição especial
Licença Maternidade
interdisciplinar em revista inernacionalmente indexada com sistema peer review,
cuja edição (junho de 2023) se encontra pública em regime de open acess. Em
suma, revista-se a vida e obra de uma das personalidades mais desafiantes,
inspiradoras e ecléticas da sociedade portuguesa do século XIX. Foi obstetra,
ginecologista e educadora, mantendo um contacto relevante e atento com as lutas
e reivindicações da classe operária, dos diretos das mulheres (lutando para incluir
as mulheres como cidadãs plenas) e das crianças (tratamento pré-natal e
infantojuvenil). E, de entre outras funções de relevo no plano cívico-político,
destaca-se o facto de ser feminista, escritora, republicana, sufragista, publicista,
socióloga, maçona, socialista e livre-pensadora, com função e atividade
reconhecida em diversas organizações da sociedade portuguesa do seu tempo.
Uma mulher à frente de seu tempo.

NOTA INTRODUTÓRIA

O que é a mulher? — O que é este ente a quem devemos o existir,


que guia os nossos primeiros passos ao sair do berço, e que,
assemelhando-se a um anjo consolador, vela por nós até
descermos à sepultura? (Alexandre Herculano, 1837, p. 62).

É consabido que o papel desempenhado pelas mulheres ao longo dos tempos, em todas as
longitudes e latitudes, foi o de ocupar um lugar absolutamente secundário em relação à posição
dominante de homem: cuidar do lar e da família. É igualmente consabido que houve mulheres que
irreverentemente se recusaram a assumir essa famigerada e triste condição de eternas submissas e
tudo fizeram para alterar o paradigma, a que a sorte as votara, atrevendo-se a escrever com o sacrifício
das suas vidas novas páginas da História: páginas essas que paulatinamente foram alterando o status
quo e imprimindo um traço indelével na cultura, na justa medida em que souberam elevar a dignidade
da mulher, cujo “destino” ficaria doravante traçado: “por ela, Deus continua a criação superior, a do
reino espiritual, a que se desenrola sobre a Terra o lar, a família, a tribo, a cidade. É Eva que cimenta

57
JOÃO BARTOLOMEU RODRIGUES – CECS & UUTAD, PORTUGAL. Email: jbarto@utad.pt
58
ANA BEATRIZ DIAS COELHO – UTAD, PORTUGAL. Email: anabeatrizdias66@gmail.com
59
LARISSA BRANDÃO – UTAD, PORTUGAL. Email: larissacandidob@gmail.com
60
VALERYIA ZHOLTSIKAVA – UTAD, PORTUGAL. Email: lera.zholtikova17@mail.ru
61
LEVI LEONIDO - Centro de Investigação em Ciência e Tecnologias da Artes - Universidade Católica Portuguesa |
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro | Revista Europeia de Estudos Artísticos, PORTUGAL. Email:
levileon@utad.pt
62
Vol. 14 N.º 2 (2023): 53.ª Edição | ERAS. Consultar em: https://eras.mundis.pt/index.php/eras/article/view/297

92
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

e bate as grandes pedras angulares na construção da humanidade” (Queirós, 1988, p. 366). Não
faltam, felizmente, exemplos de mulheres que no seu tempo fizeram a diferença. Hoje, dedicamos o
nosso interesse à figura de Adelaide Cabete (1867-1935), cuja vida se traduz no desafio de se superar
a si própria na teia dos padrões sociais que a excluíam do banquete da vida: luta pela instrução
superior, luta pelos seus direitos. Porém, o altruísmo que lhe corre nas veias não lhe permite
descansar à sombra do estatuto que a sua carreia profissional de médica lhe proporciona: a vida de
Adelaide Cabete traduz-se num grito de alerta onde denuncia e combate os males que afetam a
sociedade portuguesa do seu tempo. Será a voz dos “sem voz” que irá colocar o “dedo na ferida
aberta”, chaga social que a Republica não conseguiu sarar, ao denunciar e combater os males que
afetam a saúde pública, em geral, e o bem-estar das grávidas e crianças, em particular: tais aspetos
serão objeto de reflexão nas linhas que se seguem.

1. BREVE NOTA BIOGRÁFICA

Associar a data do seu nascimento à famigerada Regeneração, tão preconizada pela geração
liberal, em pleno século XIX, precisamente no ano em que em Portugal se publicava o Código civil,
poderíamos ser levados a vislumbrar que os esperados anos de paz e prosperidade marcariam a
infância e a juventude de Adelaide Cabete. Porém, a História encarregou-se de mostrar precisamente
o contrário: os partidos do rotativismo - Regenerador e Progressista – não souberam estar à altura
dos desafios que a situação portuguesa exigia: o analfabetismo, a corrupção e o atraso do país que
não conseguia apanhar o carril do desenvolvimento e o vexame a que o ultimatum inglês nos sujeitou,
cavaram a sepultura da monarquia, anunciada nas Conferências do casino e tentado o seu funeral a
31 de janeiro de 1891, na cidade invicta, facto que viria a ser adiado e finalmente consumado, na
revolução do 5 de outubro, levada a cabo no famigerado ano de 1910.
Foi este o ambiente social, económico e político em que Adelaide de Jesus Damas Brasão
Cabete nasceu, em Elvas, precisamente a 25 de Janeiro de 1867. A sua família, profundamente
marcada pela pobreza, contava-se entre as muitas do profundo Alentejo, cujos escassos proveitos não
permitiam assegurar aos filhos uma educação primária. Assim, a sua infância teve lugar no seio de
uma família modesta de trabalhadores rurais. A situação de pobreza extrema exigiu dela um
amadurecimento precoce: repartiu o tempo da sua infância entre o exercício de funções domésticas a
que se viu obrigada a desempenhar e a necessidade de trabalhar na secagem de ameixas, bem como
exercer atividades agrícolas, não lhe restando qualquer tempo para brincar. No entanto, apesar das
dificuldades, aprendeu, como autodidata, a ler e a escrever.

93
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Aos 18 anos, casou com Manuel Ramos Fernandes Cabete, um sargento do exército,
republicano, homem culto, que a incentiva a instruir-se. Realiza o exame de instrução primária aos 22
anos e concluiu com distinção o seu diploma da escola secundária, aos 27 anos de idade.
Em 1895, o casal mudou-se para Lisboa. No ano seguinte, Adelaide Cabete ingressou na Escola
Médico-Cirúrgica de Lisboa, aos 28 anos, completando o seu curso em 1900 com a sua dissertação A
Protecção às mulheres gravidas pobres como meio de promover o desenvolvimento physico [de novas]
gerações, tendo concluido o curso pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa com a classificação de 14
valores. No mês seguinte o periódico Elvense noticia a defesa da tese e a conclusão da licenciatura de
Cabete. O mesmo jornal publicará o seu primeiro artigo intitulado: “instrua-se a mulher” em 9 de maio de
1901.
Foi admitida como membro na Sociedade das Ciências Médicas em 15 de dezembro do
mesmo ano. Desta forma, “Adelaide foi notável entre pares, num universo maioritariamente composto
por homens. De ideias firmes e de fortes convicções, foi lutadora ímpar, soube ser solidária, destemida
mulher de causas” (Lousada, 2010, pp. 23-24). Foi apenas a terceira mulher a receber formação
médica em Portugal e a abrir a sua própria clínica ginecológica em Lisboa. Esse facto faz de, Adelaide
Cabete “uma figura incontornável na História das Mulheres Portuguesas. Como mulher soube impor-
se numa sociedade fechada, tradicionalmente patriarcal, capaz de sujeitar o feminino ao foro do
privado, num isolamento a que não sobreviveriam tantas outras mulheres da sua geração” (Lousada,
2010, p. 23).

2. ADELAIDE CABETE, UMA PEDRA ANGULAR DO SEU TEMPO

As causas abraçadas por Cabete cruzam-se e, invariavelmente, convergem na intervenção


cívica por si levada a cabo. E se as isolamos é apenas por uma questão metodológica, no sentido de
as arrumar e apresentar aos leitores devidamente ordenadas. Já fizemos referência à formação de
Cabete. Uma questão que a choca, ao longo da sua formação, prende-se com a composição das
turmas, no que concerne ao género, onde observa o fosso que separa o número de homens do das
mulheres: no liceu, 119 dos seus colegas eram homens e ela era a única mulher; na faculdade de
Medicina havia 36 homens e duas mulheres, precisamente Adelaide Cabete e Maria do Carmo e
Joaquim Lopes. Essa constatação irá concorrer, por exemplo, para a indefinição da fronteira entre a
medicina e o feminismo.

94
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Adelaide Cabete é inseparável da história das ideias sociais e políticas do seu tempo: não
estranha, por isso, que ela tenha sido uma ativista republicana, em cuja luta empreendeu esforços,
que levariam à revolução do 5 de Outubro, que poria fim a quase oito séculos de monarquia. Enquanto
ativista, foi militante de muitas organizações como a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas
(LRMP), as Ligas de Bondade ou a Liga Portuguesa Abolicionista. No entanto, seria como fundadora
e Presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP) que a sua intervenção mais
se faria sentir.

Importa também referir que Cabete foi iniciada na maçonaria em Lisboa, a 1 de março de
1907, no Palácio Maçónico, de acordo ao prenúncio do G.O.L.U. - Grande Oriente Lusitano Unido
segundo o rito REAA (Rito Escocês Antigo e Aceito). E ela escolheu o nome simbólico Louise Michel
(1830-1905), famosa figura francesa. Como maçónica, Cabete empenhar-se-á nos tratados feministas,
em missivas que mostra à Respeitável Loja Obreiros do Trabalho, em Março de 1911. Em 1923, ainda
no âmbito da maçonaria, Adelaide Cabete obtém autorização para criar a Ordem Maçónica Mista do
Direito Humano e funda a Loja Humanidade 776, sendo eleita “Venerável”.

Em 1929 parte para Angola, onde se empenha na defesa dos direitos dos autóctones e de
outras causas justas, sem nunca esquecer a luta pela criação de maternidades e de instituições para
crianças. Por meio disso, em Luanda, abriu consultório médico e continuou a escrever nos jornais
locais e nos periódicos da metrópole. Além disso, em África, fez parte de cursos, colóquios,
conferências e lecionou em cursos de “férias” no Liceu Salvador Correia. Tornou-se uma grande voz
no apoio às maternidades em Portugal, finalmente com sucesso, em 1932, quando foi aberta a
primeira maternidade no país.

Em jeito de síntese, Lousada invocando um dos seus biógrafos, Henrique Viena, que por
ocasião do primeiro aniversário da sua morte, em 14 de setembro de 1936, aponta o seu caráter
poliédrico ao referir que “não seria possível dar uma pálida ideia acerca da sua existência se
tivéssemos a pretensão de a arrumar em compartimentos estanques, de tal modo profícua e prolixa
ela tinha sido, mas a lição sobre ela pronunciada é modelar e revela o quão intensa e extraordinária
foi a sua vida” (Lousada, 2010, p. 25). Vejamos algumas facetas que concorrem para o caráter
compósita desta figural singular:

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Médica e Higienista

Em 1885, ano em que Adelaide Cabete e Manuel Cabete se conhecem, o Conselho Municipal
de Paris admite médicas ao internato nos hospitais. Contudo, em Portugal, essa prática já era
permitida, desde 1870. Porém, foi como Alice Samora afirma: “medida emancipatória que foi levada
a cabo por razões mais conservadoras” (2007, p. 100). Já que as mulheres pacientes estariam mais
inclinadas a serem observadas, tocadas e analisadas por outras mulheres. Cabete sabia dos
constrangimentos que as pacientes sentiam com os médicos, bem como das resistências misóginas
de alguns médicos. Por isso, não estranhamos a reação enérgica, quando protesta: “não pertenço ao
número dos doutores que andam sempre a atirar à cara dos outros o seu diploma, mas também nunca
consinto, sem protesto, que o meu seja amesquinhado porque me custou muito trabalho, e, a meu
marido, a pequena fortuna que tinha quando casou comigo” (Cabete, 1932, p. 2, cols 2-3). Começou
por exercer medicina no seu próprio consultório, primeiramente na Rua da Prata, 153, – 2.º, depois
na Rua dos Restauradores. Especializou-se naquela que atualmente se conhece por Ginecologia e
Obstetrícia: “Exercendo a clínica geral, dedicou-se em especial às doenças das senhoras, merecendo-
lhe particular atenção as moléstias uterinas e os partos, o que ainda mais lhe tem aumentado o número
de seus admiradores” (D. Adelaide Cabete, 1905, p. 2 col 1).
Além disso, nos cinco anos que passou em Angola, de 1929 a 1934, abre também em Luanda
um consultório médico. Segundo Elina Guimarães, Cabete foi “acompanhando com o melhor espírito
de camaradagem as tendências da sua geração escolar” e também por meio do seu trabalho,
observou-se “onde pela primeira vez se revelaram as ideias de justiça social e o infinito amor pela
mulher e pela criança que mais tarde norteariam a sua vida” (1935, p. 1, col. 3). Assim, Cabete
escolheu medicina pelo “altruísmo natural e o espírito investigador” (Guimarães, 1935, p. 1, col. 3) e
ela era uma mulher com “bom humor e retidão de carácter […] digna de simpatia era essa rapariga
alegre e corajosa, que, sendo em toda a aceção da palavra a «fada de um lar», era simultaneamente
uma cientista brilhante” (Guimarães, 1935, p. 1, col. 3). Cabete preocupava-se com a vida das
mulheres e grávidas, pois

as que, condenadas pela dura lei da necessidade a serviços violentos até ao termo
da sua gravidez, merecem a minha comiseração, tais como costureiras de
máquinas, lavadeiras de casas e de roupas, vendedoras ambulantes, operárias de
certas fábricas e outros misteres tão penosos como em extremo prejudiciais para
o desenvolvimento e robustez do fruto que albergam em seu seio; sendo certo
que este nasce duplamente enfezado, já por não permanecer no útero o tempo
preciso, já por se nutrir mal durante o tempo em que ali se conserva (Cabete,
1908, p. 2, col. 5).

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Assim, esta inquietação levará Cabete a esforçar-se na defesa das condições médico-
sanitárias e medidas sociais essenciais para a qualidade de vida mínima dos mais vulneráveis. Desta
maneira, ela promoveu a proposta de preservar das tarefas pesadas as mulheres grávidas, a partir dos
dois meses (8 semanas) até ao fim da gestação (36 semanas). Por meio disso, Adelaide Cabete é
considerada uma das pioneiras na defesa da licença maternidade, preservando a saúde e o bem-estar
das grávidas, mães solteiras, prostitutas, antes, durante e depois do nascimento das crianças.
Hoje, verifica-se que as causas em que Adelaide Cabete se empenhou, Portugal ainda não
curou, completamente, essa chaga de que o país padece. Cabete, atuou contra o que atualmente se
conhece pelo nome de “violência obstétrica”. Segundo a Associação Portuguesa pelos Direitos da
Mulher na Gravidez e Parto (ADMGP), a violência obstétrica consubstancia-se na “violência contra as
mulheres no contexto da assistência à gravidez, parto e pós-parto”. Assim, as formas mais comuns
de violência obstétrica incluem abusos físicos ou verbais, práticas invasivas, uso desnecessário de
medicação, intervenções médicas não consentidas, humilhação, desumanização e recusa de
assistência ou negligência pelas necessidades da mulher.
Comprova-se que na 2ª edição do inquérito “Experiências de Parto em Portugal” baseou-se
no QACE (Questionnaire for Assessing the Childbirth Experience), a primeira forma padronizada que
mostra uma avaliação multidimensional da experiência subjetiva do parto, validada e usada em muitos
países. O formulário teve a participação de 7 555 mulheres que tiveram um parto nos hospitais
portugueses entre 2015 e 2019. Ao redor de 30% das mulheres entrevistadas no inquérito afirmaram
ter sido vítimas de desrespeito, abuso ou discriminação. Contudo, a representante do “Movimento
Violência Obstétrica em Portugal”, Carla Santos está a buscar soluções e afirma que “está à procura
de um enquadramento legal para a violência obstétrica. Está à procura de conhecimento por parte da
Ordem dos Médicos e do Colégio de Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia, e está também à
espera de medidas preventivas desta realidade de violência” (Carvalho 2021), para que nenhum ser
humano tenha que ser humilhado e abusado quando der à luz.
Por meio do seu trabalho, Cabete integrou as ciências sociais, políticas e médicas para
melhorar o bem-estar dos mais desfavorecidos, pois ela já sabia que as condições de habitação e
acesso a saneamento básico predispõem para o aparecimento de doenças como hepatite A, doenças
respiratórias, parasitoses, subnutrição, enfermidades sexualmente transmissíveis, tuberculose,
pneumonia e muitas outras. Assim, Cabete defendia o acompanhamento psicológico e apoio
institucional às mães depois de terem dado à luz, apresentando a necessidade na criação de creches

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

e sua regulamentação legal. “Adelaide Cabete defendia a vantagem na permanência das mães em
maternidades para acompanhamento pós-parto, zelando por ambientes em condições higiénicas
favoráveis ao desenvolvimento saudável das crianças recém-nascidas” (Lousada, 2010, p. 34).
Deste modo, é essencial referir que «eram as mulheres de menores recursos [que] passaram
a ser “casos clínicos” para ensinar os estudantes de medicina, enquanto as das classes mais abastadas
continuaram a ser assistidas pelas parteiras nos recatos das suas casas e, se iam para o hospital, os
seus partos não eram assistidos pelos estudantes e os seus casos não serviam para formação”
(Marques, 2006, p. 87). Além disso, Cabete alertava para os riscos que a grávidas corriam ao
recorrerem, num contexto de clandestinidade, a parteiras particulares, sem quaisquer condições de
higiene e segurança, para interromperem a gravidez. Daí o seu alerta ao referir que
perante a prática abortiva, que eram as mulheres pobres as mais negligenciadas
e maltratadas, as primeiras a sucumbir às mãos de matronas, ou na sequência de
abortos feitos pelas parteiras, em péssimas condições, quando chegavam (se
chegavam) ao hospital já nada havia a fazer para as salvar. Sendo verdadeiramente
assustador o número de pessoas infectadas por sífilis, Adelaide faz-nos saber que
nem sempre as mulheres sabiam serem portadoras da doença e que no caso da
escolha de uma ama-de-leite toda a atenção era pouca, visto aparentemente
aquela ser uma doença passível de passar despercebida a leigos na matéria
(Lousada, 2010, pp. 34-35).

Apesar de não haver dados da taxa de mortalidade infantil em Portugal, antes de 1960,
verifica-se que já neste ano, a percentagem chegava a 77.5% e em 2020, o valor chegou a 2.4%.
Assim, infere-se que a mortalidade infantil era muito alta quando Adelaide Cabete praticava medicina,
pois as condições de saúde pública e desigualdade social em Portugal eram significativas. Deste
modo, verifica-se que em 2020, Portugal segue sendo um dos países com maior desenvolvimento
humano no mundo, porque fez um forte investimento em saúde pública. Assim, Ricardo Jorge já
afirmava: “é que a partir do primeiro ano, já de si muito carregado, as nossas crianças mortas atingem
cifras incomportáveis. Que denota isto senão que no período do desmame e da primeira infância,
tratamos tão mal as crianças que lhes infligimos um tremendo inigualável morticínio?” (Ricardo Jorge
referido por Cabete, 1900, p. 89). Também Alfredo da Costa disse: “o prematuro, como o débil de
nascença, é, em geral, um condenado a uma vida inteira de fraqueza corporal, em que amiúde se
enxertam as distrofias, as neuropatias e as moléstias consumptivas” (Costa referido por Cabete, 1900,
p. 89).

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A MODA

Não foi Adelaide Cabete a primeira figura a denunciar os efeitos nefastos de determinadas
modas. Já Alexandre Herculano nos anos em que foi Diretor e principal redator do Jornal O Panorama
(1837-39) denunciara um conjunto de modas – algumas delas importadas – que escravizavam a
mulher, particularmente o uso de barbas de baleia. Mas não só: também a prática de entregar as
crianças a amas, com a estrita finalidade de as amamentarem, para que as mães não desfigurassem o
corpo foi objeto de denúncia por parte do redator de O Panorama, acusando os malefícios que
involuntariamente infligiam às crianças (Rodrigues, 2008, pp. 163-168). Na mesma linha, Adelaide
Cabete denunciou abertamente a supremacia da indústria da moda em detrimento da qualidade de
vida das mulheres:
munindo-se da “arma da ciência”, ao exibir o título de médica, denunciará inúmeras
vezes que, por ignorância e vaidade, as mulheres cometem verdadeiros crimes contra
a sua saúde e, no caso de estarem grávidas, contra a dos seus filhos. A moda sempre
foi por ela analisada através da bitola científica e avaliada segundo as normas e os
cuidados de saúde, particularmente no tocante à prevenção da doença. Neste combate
analisa e condena o seguimento cego aos ditames da “moda pela moda”, observa e
postula acerca dos conceitos que ela envolve, elevando e ampliando a sua intervenção
ao plano das ideias médicas (Lousada, 2010, p. 37).
Sem ser pioneira nesta causa, combateu o bom combate, usando, como Herculano, a mesma
arma de arremesso – a imprensa: as mesmas causas, os mesmos argumentos, mas agora fortalecidos
pela chancela da ciência. Cabete no artigo “A Moda e a Higiene”, publicado em Portugal Feminino,
afirma:
[…] vê-se também que neste assunto não existe uma razão higiénica a presidir à
aceitação ou rejeição de qualquer modernismo no vestuário feminino, mas antes a
maneira de explorar melhor a vítima da moda, que é sempre a mulher […] Ora eu
opto pelas saias curtas, não acima do joelho […] a principal razão porque reprovo
as saias de cauda é por serem perigosas – para a saúde da mulher (Cabete, 1930, p.
6).
Esta afirmação e outras afirmações de Adelaide Cabete, apoiadas em evidências científicas
estabelecem uma relação de causa efeito entre as ulcerações do colo do útero e as inflamações
decorrentes das poeiras que as caudas dos vestidos arrastavam e levantavam, não observando tal
situação nas mulheres do campo e as do povo, pelo facto de não usarem saias “de rojo”, mas curtas.
Assim, Cabete mostra que a cultura da moda já fazia das mulheres meras consumidoras passivas: “as
mulheres não vestem o que elas querem, mas sim, como escravas da moda, o que lhes impõem os
mercenários, sem se preocuparem com os resultados funestos que daí resultam” (Cabete, 1930, p.
6).

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Cabete além das saias, denunciou o dano provocado pelos espartilhos no corpo das
senhoras, causando sérios problemas respiratórios e em todo o aparato digestivo e reprodutor. Refere:
“só quem viu os estragos em cadáveres como me aconteceu no meu estudo de anatomia pode avaliar
a sua nefasta ação nos órgãos principais à vida daquela que a outros tem de dar vida” (Cabete, 1931,
p. 22). Além disso, afirma: “o regresso do espartilho, segundo consta, está para breve, devemos
acautelar-nos contra a sua nova invasão para não termos de observar outra vez as costelas assentes
nos pulmões e as barbas do espartilho vincadas no fígado e que acima nos referimos” (Cabete, 1931,
p. 22).

Cabete, uma mulher da polis

Havia um analfabetismo gritante no país. No entanto, no que às mulheres dizia respeito era
vergonho: a entrada no ensino era restrita. A educação feminina era próxima da educação espartana:
esta buscava preparar as jovens para o que a sociedade esperava delas - serem boas esposas, boas
mães e boas donas de casa. O princípio republicano que apoiava a educação das jovens era algo que
estava em conformidade com o feminismo da época: mas entre os princípios e os factos havia um
abismo inaceitável. A inserção da mulher no mercado de trabalho apenas serviu para agudizar a
injustiça: sem serem aliviadas das lides domésticas e familiares, trabalhavam o dia inteiro nas fábricas,
a troco de um vencimento miserável, manifestamente insuficiente para proverem à sua suas
necessidades, de forma independente e digna.
Não detinham direitos políticos: votar ou serem eleitas era impensável, estavam totalmente
dependentes dos maridos e não podiam fazer uso dos seus bens sem o consentimento do cônjuge e
assim, eram consideradas seres humanos de segunda categoria no seu próprio país. Perante tal
situação, Cabete envolve-se no movimento O plebiscito das mulheres portuguesas, com o intuito de
promover o acesso ao voto a metade da população, ou seja, às mulheres.
Cabete afasta-se da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas em novembro de 1909, por
combater a exclusão das mulheres do acesso ao voto. Pois, segundo Elina Guimarães,
apesar da propaganda republicana defender objectivos como a democratização,
laicização e secularização do Estado e das instituições, pugnando pela dignificação
do estatuto social do trabalhador, da mulher e da criança – chegando a inscrever no
seu programa, o sufrágio feminino – o advento da I República, nunca o efectivou.
Constituindo uma desilusão para a desejada emancipação feminina (pese embora o
alargamento da participação das mulheres no funcionalismo, a sua entrada nas
universidades e a publicação das denominadas Leis de Família, como a Lei do
Casamento como Contrato Civil, a Lei de Protecção dos Filhos e a Lei do Divórcio)
foi causa directa do aparecimento, em 1914, do CNMP e da extinção da Liga
Republicana das Mulheres Portuguesas (Elina, 2004, p. 36).

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Apesar de suas aspirações pessoais e das suas conquistas pessoais, no que concerne aos
seus direitos como cidadã, Cabete percebeu que as medidas políticas republicanas não eram
sequenciais, então teve que continuar atuando. Assim, em 1914 foi criado o Conselho Nacional das
Mulheres Portuguesas (CNMP), a organização feminista que maior número de sócias angariou; tendo-
se internacionalizado, foi, igualmente, a organização do género que maior longevidade conheceu
(1914-1947). Deste modo, Cabete continuou usando suas competências oratórias e de comunicação
para apresentar os seus ideais, baseados no respeito da pessoa humana. É sintomática a afirmação
produzida no ensaio chamado “A dobrez do homem: o pai e o marido perante a mulher”:
o casamento nunca deve ser um acto para descansar, mas sim uma nova vida,
onde os dois nubentes entrem com toda a coragem, para despenderem energias,
que são necessárias para educação das novas vidas que desse núcleo vão surgir.
É assim que o casamento deve ser encarado por toda a mulher que é feminista
na verdadeira acepção da palavra, porque, neste caso, ela é considerada pelo
marido como uma igual e não como uma inferior, a quem ele considera, na
maioria dos casos, como uma governante com mais algumas prerrogativas, que
os homens cedem muitas vezes por esmola, e mais nada (Cabete, 1925, p. 66).
Além disso, Cabete escreveu às mães como deveria educar as suas filhas, pois a construção
da autoestima, do valor próprio e da consciência do papel subalternizado na sociedade que as
mulheres são submetidas, começa no ambiente doméstico, assim, sugere:
[façam] propaganda feminista entre os homens que tenham filhas. Não sejamos
egoístas: para que o nosso trabalho seja perfeito e seguro, preparemo-lo para as
mulheres de amanhã o aproveitarem. E o que V. Ex.ª tem a fazer desde já é
preparar as suas duas filhas para viverem do seu trabalho honesto, visto que não
são ricas, e dar-lhes uma perfeita noção da sua dignidade pessoal, ilustrá-las e
dignificá-las, de modo que os maridos vejam nelas mais alguma coisa do que a
besta de carga e a máquina de fazer filhos, como dizem alguns escritores balofos
e algumas banalidades masculinas (Cabete, 1925, p. 66).
Durante 2.º Congresso Feminista e da Educação, de 1928, emergiram fortes reações contra
o feminismo, contudo as militantes do CNMP, aproveitaram a oportunidade para denunciar que a
principal causa dos sentimentos antifeministas era o desconhecimento. Carmen Marques em O
Rebate, num artigo intitulado “O Feminismo vai vencer” aprofundou esta defesa, afirmando:

quando todos souberem que o feminismo é a guerra à prostituição, é a luta a


favor da criança e da mulher, é a luta pela criação do novo espírito cívico que faça
de todos os infelizes e desprotegidos, pela educação e dedicação dos instruídos
e fortes, instruídos e fortes como eles na medida da sua natureza (Marques, 1928,
p. 1, col. 2).

101
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Esta visão mais evoluída mostra a importância do Conselho Nacional das Mulheres
Portuguesas e como outras figuras abraçaram a mesma causa da emancipação da mulher. Ribeiro
Carvalho já em 1912 dera voz à mesma causa, ao afirmar que “as [mulheres] que não têm um lar, as
que não têm uma família, as que não podem aspirar a ser esposas ou a ser mães – terão um meio,
assim, de fugir à prostituição e à fome. […] Libertemos a Mulher, não protegendo-a com esmolas,
mas emancipando-a, pelo trabalho digno e honesto” (Carvalho, 1912, p. 1). Pois somente por meio
do empoderamento das meninas perante a sociedade é que se alcançará uma comunidade plenamente
democrática. Nesse contexto, Lousada fazendo uso de expressões de Cabete é perentória ao afirmar:
só dessa forma se contraria a “escravatura da mulher” libertando-a pela autonomia
permitida pela autossuficiência. Quando a mulher se bastar a si própria terá
conquistado a sua “carta de alforria”. À mulher deverá ser permitido alcançar, pelo
trabalho e pelos direitos, a igualdade. Caso contrário terá a chamá-la uma vida de
miséria, fome e morte miserável, diz-nos ainda Ribeiro de Carvalho que, nesse
caso, se abre o caminho mais imediato, o da prostituição (Lousada, 2010, p. 51).
Contudo, seria necessário esperar pelo 25 de abril (1974) para, em Portugal, as mulheres
puderam exercer o direito de votar e poderem ser eleitas.

Separação entre o Estado e a religião.

As batalhas contra a monarquia antes de 5 de outubro estavam relacionadas com disputas


contra a religião, dado que havia uma relação direta entre as duas instituições que segundo o ponto
de vista da médica não contribuíam para o desenvolvimento da sociedade portuguesa. Assim, grande
parte dos periódicos da época, pertencentes à parte republicana, faziam questão de demonstrar a falta
de aprovação de Adelaide Cabete relativamente ao domínio exercido pela Igreja Católica. Assim, ela
afirma: “em todos os tempos houve mistificações e houve mistificadores. Em todos os tempos a
Mentira guerreou a Verdade e não raro a levou de vencida. A coisa vem de longe. Vem do pai Adão
e da mãe Eva. À Verdade também se chamou Bem e à Mentira chamou-se Mal” (Cabete, 1907, pp.
22-23). Além disso, Cabete combatia ferozmente a superstição: “as tendências fatalistas da nossa raça,
agravadas com a falta de energia que nela determinou o alheamento da própria vontade, criado pela
influência religiosa e pelos rigorismos inquisitoriais, tornaram-na campo aberto à influência de todas
as superstições, e é a este grande mal social que urge opor um rude combate com medidas, enérgicas,
de ação imediata” (Michel Carta, 1911). Logo, ela mostra um grande repúdio pelas práticas de
“adivinhação” que classifica como fraudes e que acabam por dificultar o trabalho dos profissionais de
saúde em busca do bem-estar social.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Adelaide Cabete e seu sobrinho Arnaldo Brazão lideraram o movimento abolicionista em


Portugal, frequentemente associado ao combate ao alcoolismo. A Liga Portuguesa Abolicionista foi
estabelecida no ano de 1924, cujo presidente foi Arnaldo Brazão (1890-1968), sobrinho e filho adotivo
de Adelaide Cabete, o qual já tinha apresentado uma tese a favor da abolição da prostituição no
Congresso feminista, em 1924.
Cabete também fez parte da Liga Antialcoólica que entre 12 e 20 de janeiro de 1924
organizou, em Lisboa, a semana antialcoólica, com o objetivo de chamar a atenção do público para
os problemas derivados do álcool, “tendo por foco os malefícios produzidos pelo alcoolismo
(classificado pelos promotores como um problema de ordem social e moral, mais do que uma questão
de natureza patológica) ” (Lousada, 2010, p. 41). Pois a sociedade portuguesa era acometida pelos
achacares da fome, da falta de higiene, da ignorância e da pobreza, dando lugar a hábitos prejudiciais
ao desenvolvimento humano.
Na sessão de encerramento da campanha antialcoólica que teve lugar, na sede da
Universidade Livre foi festejado o 9.º aniversário da publicação oficial da "lei seca", que contou com
a presença de Adelaide Cabete como oradora. Esta Associação localizava-se no consultório da médica
e tinha também como cerne a luta pela melhoria de condições de vida dos trabalhadores.
Os perigos da má alimentação dos operários e das operárias foi uma preocupação constante
da ativista. Para tal foi feita uma campanha anterior à concretização do 2.º Congresso Abolicionista
organizado em Lisboa, em Maio de 1929, onde Cabete apresenta a tese “Eugenia e Eugenética”,
assunto até então pouco abordado no país. A crítica social e política marcou a sua escrita: “Os maus
governos têm farto quinhão de culpas” (Cabete, 1900, p. 94) escreve, colocando responsabilidade na
política tributária sobretudo naquela em que há um agravamento dos produtos de primeira
necessidade, realçando o aumento da pobreza na camada mais pobre que dessa forma vão "perecendo
à míngua de uma alimentação suficiente” (Cabete, 1900, p. 94). Adelaide Cabete desde cedo entendeu
a importância de disposições legais que garantissem os direitos essenciais dos mais desprivilegiados,
dando especial atenção às grávidas, durante o serviço.
A carreira policial feminina em Portugal começou nos anos 1930 com a aceitação na polícia
de Lisboa das primeiras agentes policiais. Decorreu um debate público sobre a sua necessidade e
benefícios, na década de 1920, levado a cabo pelos movimentos feministas, especialmente o Conselho
Nacional das Mulheres Portuguesas. Assim, no Primeiro Congresso Nacional Abolicionista organizado
em 1926 pela Liga Portuguesa Abolicionista, Adelaide Cabete num dos seus discursos fala,

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

abertamente, da necessidade de uma polícia feminina. Dando o exemplo de outros países, onde a
presença de agentes femininas era já uma realidade e era algo vantajoso.
Deste modo, Cabete resume os benefícios da polícia feminina em três aspetos fundamentais:
o combate da prostituição o que supõe a alteração da profissão de acordo com os ideais abolicionistas;
as funções policiais das mulheres são de vigia e defesa das crianças, jovens, mulheres e prevenção
da criminalidade; por último, a polícia feminina deve ter uma função educativa. A médica fundamentava
esta sua tese, invocando o êxito que tais polícias femininas tinham em vários países, especialmente
nos Estados Unidos da América e Inglaterra. Adelaide Cabete afirmava que as polícias ideais deviam
estar ancoradas em três pilares:
1. serem portadoras de uma educação estremada, terem informações acerca da metodologia policial
e porte moral irrepreensível;

2. terem conhecimentos sobre a higiene pública e particular e primeiros socorros;

3. deviam ainda ter competências para identificar algumas disposições do código Penal,
particularmente no que concerne a narcóticos e à datiloscopia.

CONCLUSÃO

Adelaide Cabete, Médica, republicana, sufragista, higienista, publicista, socióloga, maçona,


socialista, livre-pensadora, educadora e defensora convicta dos ideais feministas, foi uma mulher
singular na história do seu país. Mudou e impactou a comunidade por meio de seu trabalho como
escritora, médica e feministas. Inconformada com a sorte a que o destino a “condenara”, trilhou o
caminho das pedras e combateu o bom combate: ilustrou-se desenvolveu os talentos com que a
natureza a dotara, ganhando autonomia financeira e autonomia num mundo em cuja profissão era
dominada por homens.

Altruísta e profundamente humanista, não se contentou com a sorte das suas conquistas:
profundamente sensível ao sofrimento de quantos viviam excluídos do banquete da vida, arregaçou
as mangas e levantou uma cruzada contra as chagas que flagelavam os mais vulneráveis. A sua
profissão confunde-se com as causas que abraçou. A sua vida traduz-se num serviço permanente aos
outros: o tempo que lhe faltou em criança para brincar, não o recuperou, mais tarde, colhendo, como
a linda Inês, de seus anos doces frutos” (Camões III, 120). Não! O sofrimento alheio compungiu-a a
empreender o combate nas frentes de batalha mais difíceis: emancipar a pessoa toda e toda a pessoa.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Cabete, enquanto médica, bateu-se pela causa da saúde pública de seu país. Iniciou o que
hoje se dá por adquirido: a licença de maternidade, o acompanhamento das grávidas, antes durante
e depois do parto, a noção dos malefícios da moda no corpo das mulheres, a importância da higiene
e muitas outras medidas preventivas da enfermidade e do mal-estar público. Ainda no âmbito da
saúde pública, combateu os achacares e ameaças que, em nome da ignorância, atentavam contra
saúde: os curandeiros, as “mezinhas”, as “benzeduras” e as superstições que eram responsáveis por
disseminar doenças e desinformação. Atuou também em Angola a favor dos mais carenciados, em
defesa das maternidades, da educação, do desenvolvimento pré-natal e infantojuvenil.

Esta senhora aliou sua prática médica com os conhecimentos adquiridos e constantemente
atualizados a favor da comunidade, para agora servir de base para estudos científicos, médicos, sociais
e políticos. Excelente conselheira, promoveu recomendações que foram e são essenciais para uma
sociedade que se desejava democrática e justa. Observou a importância da separação do Estado, da
Saúde Pública e da Religião

Em suma, Adelaide Cabete buscou na sua época antecipar o objetivo número 5, que se refere
à igualdade de género, dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das
Nações Unidas (ONU) de 2015. Objetivos estes que têm como propósito a paz, a justiça e instituições
eficazes no mundo. Logo, a igualdade de género, não é uma mera questão de género, é uma questão
de direitos humanos, de fazer o mundo mais sustentável, eficiente, justo, seguro e saudável. Investir
as mulheres da sua dignidade é uma necessidade ambiental, ecológica, política, social e de saúde
pública.

Cumprimos, assim, o principal objetivo desta investigação: prestar homenagem a esta figura
poliédrica, dando a conhecer a obra de uma humanista que tem tanto de grande e nobre, como de
desconhecida – pelo menos do grande público.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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108
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

FERNANDO PESSOA E A MAÇONARIA


Irm∴ LAS - RLOD 63

Fernando Pessoa Resumo


Palavras-chave

Grande Oriente Lusitano Unido Investigação que versa sobre o contexto histórico-ritualístico do Grau de
Grau de Companheiro Companheiro (Grande Oriente Lusitano), enveredando por uma exaustiva recolha
Opúsculo associações secretas
de conceito, divisas e informações relacionadas a este assunto. Na essência do
“Poema S. João”
mesmo surge, de forma não só comprovada, mas também contextualizada a
notória relação de Fernando Pessoa e outras ilustres personalidades que lhe são
contemporâneas. Historicamente não só se descreve evolução política e cívico-
interventiva (de então), mas também a própria evolução (nomenclatura) do atual
Grande Oriente Lusitano (antigo Grande Oriente Lusitano Unido), entre outras
matérias de interesse para a perceção e informação públicas sobre a matéria em
apreço.

O trabalho maçónico, na definição estabelecida no Dicionário de Maçonaria Portuguesa


“compreende essencialmente uma parte ritualista e uma parte intelectual e material, que se
interpenetram (…) e o seu objectivo geral é a construção do templo» (MARQUES, 1986, p. 1432). O
Companheiro deve trabalhar, com humildade (característica maçónica, ligada à aprendizagem e ao
aperfeiçoamento constante de todo o obreiro, qualquer que seja o grau (p. 748), a pedra cúbica
“símbolo da obra-prima que o Companheiro deve procurar realizar pelo aperfeiçoamento de si mesmo
e o controlo das paixões e dos impulsos” (p. 1099) e do vício (pp. 1484-85). “O aperfeiçoamento
individual e a luta em prol do aperfeiçoamento da humanidade inserem-se entre os deveres dos “que
receberam a luz” (p. 1113), o “dever de todo o maçon, desde o começo até ao final da sua carreira
maçónica” (p. 84). Deve para isso o maçon a obrigação da assiduidade, condição de aumento de
salário (p. 109), após proposta de proponentes (pp. 1073-74) em que apresenta prancha “para
aprovação ou consentimento” (p. 88) em Assembleia, “nome dado a uma sessão de loja no 2.º grau”
(pp. 108-09) ou Câmara de Companheiro (p. 245) de respeitável loja simbólica de São João, dos três
primeiros graus (p. 285) da maçonaria simbólica (p. 929) ou azul (p. 924), tanto para o REAA como
para o RF. «O Companheiro, (p. 221) título de 2.º grau de todos os ritos maçónicos, organizado em
catecismo, “nome dado aos rituais elementares de cada grau, para instrução do respectivo iniciado”
(p. 308). Como Companheiro “Acompanha o Mestre” (p. 369). “De acordo como painel do grau,
quadro rectangular onde estão desenhados os atributos e características do grau” (p. 1074), “passa
do fio-de-prumo ao nível”, isto é, torna-se capaz de começar a relacionar os elementos do
conhecimento com o cosmos em que se insere.” O nível é uma das ferramentas usadas na maçonaria

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IRM∴ LAS – RLOD. G∴O∴L∴ | Grande Oriente Lusitano.

109
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

operativa e simbolicamente pela maçonaria especulativa também. Servindo para reconhecer se um


plano é horizontal e sem acidentes, simboliza a igualdade social, indicando que os direitos dos
homens são os mesmos. Elemento passivo é um dos utensílios cujo conhecimento associado ao do
motivo fio-de-prumo, se exige do companheiro. (…) É também o atributo do 1.º vigilante que vigia a
coluna dos Companheiros” (p. 1030). Nas suas 5 viagens “que são percursos simbólicos realizados
pelos candidatos durante o acto de iniciação. Neste sentido para além de sempre aprendiz, é-se
sempre iniciado a cada grau de ascensão. Correspondem a ensinamentos conseguidos pela
experiência e pela reflexão” (p. 1482). (…) Conhece a letra G (p. 620) (Geometria, Geração, Gnose e
Gravidade) e a estrela flamejante pentagonal (também chamado pentagrama (p. 1108) e pentalfa, é o
emblema da natureza e do homem que nesta se insere. As cinco pontas iguais correspondem à cabeça
e aos quatro membros do ser humano)” (pp. 533-534). “A vida é simbolizada pelo pentagrama ou
estrela flamejante” (p. 1485). “A geometria é uma das ciências frequentemente mencionadas nos
vários graus maçónicos. Mencionado no 2.º (Companheiro). Como símbolo significa o rigor, a medida
do universo, uma das maneiras de atingir a construção do templo” (p. 636). A geração” é sinónimo
de força vital” (p. 637). Gnose” conhecimento iniciático obtido pelo maçon a cada grau que ascende
e, por extenso, conhecimento moral e impulso que o leva a querer conhecer sempre mais” (pp. 639-
640). E assim sendo a ascensão na gnose implica querer aprender mais, ora então somos sempre e
cada vez mais aprendizes aprofundando conhecimentos, por método iniciático. Gravidade é “a força
universal e cósmica de atracção, símbolo da unidade fraterna, da solidariedade dos maçons de todo
o mundo” (p. 708).
A marcha, “conjunto ritual de passos, variável, no número e na forma, de grau para grau, e
praticado na entrada do templo. O número é relacionado com a idade simbólica nos três primeiros
graus, varia depois notavelmente na escala hierárquica, consoante as características e as tradições de
cada grau” (p. 947). No grau de Companheiro começa por ser de três passos rectilíneos, como o de
Aprendiz, mas acresce-se depois de dois desvios mais, para a direita e para a esquerda, significativos
dos rumos diversos que os seus conhecimentos lhe permitem já trilhar. É-lhe por isso dada uma
palavra passe, “um dos tipos de palavra ritual existente em quase todos os graus dos diversos ritos”
(p. 1082) que é neste grau (schibboleth, ou sibboleth (p. 1313), do hebraico, espiga ou rio. Com o
sentido de numeroso como as espigas de trigo. Símbolo da fecundidade e da universalidade do
espírito, bem como da indestrutibilidade da vida (p. 525). É a palavra ritual tanto no REAA, como RF
(p. 1336), visto ter suficiente autonomia e liberdade para se deslocar em algumas direcções. Como

110
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

os seus olhos já podem aguentar mais luz, o companheiro senta-se, em loja na coluna sul (J no
REAA). Como ferramenta utiliza principalmente a régua,” instrumento activo, simboliza a rectidão, a
precisão na execução, o método, a lei justa, o aperfeiçoamento de toda a construção. Simboliza ainda
o infinito, visto permitir traçar a linha recta, sem princípio nem fim. Associa-se à alavanca, instrumento
passivo” (p. 1211). Mas também o malho e o cinzel ou escopro, o compasso, a alavanca,” emblema
da força moral, da perseverança, do poder, da vontade, um dos instrumentos simbólicos, passivos do
grau de Companheiro” (p. 29), o esquadro, o nível, o fio-de-prumo “que tal como na maçonaria
operativa serve para verificar a vertical correcta de qualquer lugar, assim, na maçonaria especulativa,
o fio-de-prumo simboliza a profundidade e a rectidão do conhecimento, sem quaisquer desvios. E tal
como entre os pedreiros, o fio-de-prumo, associado ao nível e ao esquadro permite construir com
perfeição um edifício, da mesma forma, entre os pedreiros-livres, aqueles objectos são indispensáveis
à perfeição do indivíduo. O fio-de-prumo é o elemento activo, de movimento e acção, que se associa
ao nível, elemento passivo, de inércia e repouso. O fio-de-prumo é também o atributo do 2.º vigilante
e faz parte de um dos emblemas dados a conhecer aos companheiros.” (pp. 588-89). “A trolha é um
instrumento de pedreiro, emblema da maçonaria, do amor fraternal que cimenta a unidade e da
benevolência, para com todos, sempre no ritual do 2.º grau. (…) Colher em linguagem ritual de
banquetes maçónicos” (p. 1445). “A arquitectura é um dos temas básicos do ritual do 2.º grau” (pp.
99-100). «A arquitectura é a “arte suprema”. A arte por excelência e, por isso mesmo, designada
muitas vezes por “Arte Real”. (…) É o mesmo que maçonaria. Usou-se sobretudo no século XVIII, só
pouco a pouco se vulgarizando o termo maçonaria” (p. 100). O compasso, símbolo do espírito, do
relativo (círculo) dependente do ponto inicial (absoluto) entrelaça-se com o esquadro” (p. 372), “num
ângulo de 45.º” (p. 78). “O esquadro é o resultado da união da linha vertical e a linha horizontal, é o
instrumento indispensável ao obreiro para que ele realiza uma construção harmoniosa e equilibrada,
sobretudo nas suas bases. (…) É a acção do espírito e da vontade humanas sobre as paixões e as
emoções” (p. 526). É ainda sob o manto do silêncio do eterno Aprendiz “uma virtude maçónica,
expressa pela descrição, a ponderação, a tolerância e a prudência em relação a si mesmo e ao
próximo” (p. 1337) que o Companheiro soletra a sua prancha, que é em sentido amplo “nome dado
a qualquer escrito” (p. 1152). O Companheiro de alvo avental, “o elemento essencial das insígnias
maçónicas, símbolo do trabalho tanto físico, como intelectual e moral. É geralmente composto por um
rectângulo (alusivo à forma do templo (p. 1414) de Salomão) a que se sobrepõe uma abeta triangular.
No 1.º grau acha-se levantada, ao passo que em todos os demais graus ela se dobra para baixo” (p.

111
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

129), “por necessidade de menor protecção do que o Aprendiz (…)”. O uso do balandrau ou abola
(p.8)” sobre a qual se envergam as insígnias do grau, (…) garante uma digna uniformidade de trajo
em sessões de loja” (p. 142). Trabalha, simbolicamente, no polimento da pedra bruta (…) do meio-
dia à meia-noite” (p. 370), as horas maçónicas “um tempo simbólico que caracteriza o desenrolar dos
trabalhos em loja” (p. 739). Recebe o seu salário e pagar é assistir com conhecimentos que se vão
adquirindo a partir da iniciação, grau a grau e que são representados por símbolos” (p. 94). “O verbo
utiliza-se em sentido alegórico, referindo-se aos vigilantes que “pagam” aos Aprendizes e
Companheiros os respectivos salários” (p. 1072). Junto à coluna B (Bo´as, uma das colunas que se
erguem à entrada das lojas dos 1.º e 2.º graus) do templo. Tem a idade simbólica de 5 anos (p. 759),
“alusiva aos quatro elementos (mundo material) acrescidos da energia do Homem e aos cinco sentidos
(mundo sensorial), às cinco ordens de arquitectura. Às clássicas gregas: à dórica (p. 483) força; à
jónica (p. 1271-72) sabedoria, e à coríntia (p. 411) beleza (p. 169), juntam-se as romanas toscana (p.
1433) e compósita, isto é o mundo da beleza), segundo alguns autores, às cinco principais ciências
(matemática, geometria, filosofia, biologia e sociologia) e às cinco principais artes (arquitectura,
escultura, pintura, música e poesia) ” (p. 371).” Cinco é o número sagrado do grau de Companheiro.
A bateria é de 9 palmas (p. 163). “A bateria recorda, possivelmente, o trabalho ritmado sobre a pedra
dos antigos pedreiros operativos” (p. 164). A cor principal usada nas insígnias e templos da Maçonaria
é o branco, característica dos dois primeiros graus de qualquer rito (…) além disso quase todos os
aventais são de base branca” (p. 406). O branco é a síntese de todas as cores. O azul “como cor do
céu é também a do espírito divino que se transmite pelo ar e, consequentemente, a cor do Verbo, da
verdade e da sabedoria” (p. 138). “É ainda a cor do segundo degrau da escada simbólica existente no
grau de companheiro” (p. 138). “O amarelo é a cor ritual que, com o azul, decora as lojas do 2.º grau
(…) do REAA. Alude às nuvens douradas do céu, à riqueza (ouro), abundância do afecto que o
Companheiro deve possuir e expender com os seus irmãos” (p. 60). «”O coração, com símbolo do
amor altruísta” dever básico do grau 2.º (…) de toda a maçonaria, é simbolizado por um dos 5 degraus
do seu templo” (p. 65) “e da fidelidade, surge nos rituais dos graus 1.º Aprendiz e 2.º Companheiro,
tanto no REAA como no RF” (p. 409). A mão direita colocada sobre o “brinquedo de corda, a que
chamamos coração”. “A corda, símbolo da humildade e da escravidão em que se encontra um
candidato a um determinado grau, até o receber. Surge muitas vezes, nos 1.º e 2.º graus da Maçonaria
simbólica” (p. 409).

112
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

E é com humildade e na sequência das viagens que empreendi, com energia da nossa
humanidade, “com os sentidos bem alerta”, inspirado nas ordens arquitectónicas clássicas, de entre
as ciências à filosofia e nas artes à poesia e com consciência do trabalho inacabado que me proponho
a trazer à reflexão uma personalidade expoente da cultura portuguesa e universal, e particularmente
acerca de uma obra “ As Associações Secretas” que faz luz sobre os laços que uniam o espiritualmente
imortal Fernando António Nogueira Pessoa, que perfez 75 anos da sua passagem ao oriente eterno e
com a sua morte, que ele venceu, dia 30 de Novembro de 2010, e para cuja vitória ritual
contribuiremos com a leitura da sua obra visível perscrutando o invisível que os olhos da
espiritualidade vêem. E diz Pessoa muito claramente “posição religiosa: Cristão gnóstico e, portanto,
inteiramente oposto a todas as Igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos
que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com
a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria. (…) “Posição
iniciática: iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da
(aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal. (…) Ter sempre na memória o mártir Jacques
de Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos
– a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania”»64. A ignorância “é um dos inimigos de todo o homem e que
o maçon deve combater sem tréguas desde o momento da sua iniciação”65. O fanatismo é “vício oposto
à tolerância e derivado da ignorância, o fanatismo é considerado um dos adversários da maçonaria
que mais cumpre combater e destruir” (MARQUES, 1986, p. 550). A tirania é “um dos inimigos da
ordem maçónica, naturalmente oposto à tolerância, à fraternidade, à igualdade, à liberdade. O combate
à tirania é um dever iniludível do maçon” (p. 1422). Embora segundo António Henrique de Oliveira
Marques “a ligação aos Templários com a Maçonaria especulativa constitui, do ponto de vista
histórico, pura lenda. A introdução do mito templário na história tradicional maçónica surgiu apenas
no século XVIII encontrando aliás bom acolhimento e conseguindo introduzir-se na hierarquia dos
graus, nomeadamente no 30.º (Grande Eleito Cavaleiro Kadós) e 33.º (Soberano Grande Inspector
Geral) do REAA” (p. 413).
Seria autodidacta, sem Loja, sem Constituição, nem Regulamento Geral, nem catecismo a
que tivesse de obedecer ou comprometer-se, mas aderindo mística e gnoseologicamente aos
mistérios da Augusta Ordem.

64
Lisboa, 30 de março de 1935, Fernando Pessoa.
65
Dicionário de Maçonaria Portuguesa, vol. II, p. 761.

113
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Escreveu um opúsculo acerca das associações secretas (PESSOA, 2005), na sua obra
homónima, que é o manancial deste labor, no Diário de Lisboa, nº 4388, 4-II-1935, e posteriormente
publicada em livro (PESSOA, 1935)66. Referindo-se ao projecto do Dr. José Cabral “estabelece várias
e fortes sanções (com excepção da pena de morte) para todos quantos pertençam ao que o seu autor
chama associações secretas, sejam quais forem os seus fins e organização". As penas várias incluíam
sempre prisão, multa e, em casos de reincidência, desterro, «os candidatos ao funcionalismo público
e os funcionários públicos em exercício seriam obrigados a declarar, por sua honra, que não
pertenciam nem jamais pertenceriam a qualquer associação secreta, ou que haviam deixado de a ela
pertencer. Todos os bens das referidas associações seriam arrolados e vendidos em praça, revertendo
o seu produto para a assistência pública.»67. Agostinho da Silva colocado no Liceu de Aveiro como
professor, onde lecciona durante dois anos será demitido, em 1935, do ensino oficial por não ter
assinado a Lei Cabral (obrigatória para todos os funcionários públicos)»68. «Ainda que o não
especificasse, o projecto dirigia-se unicamente contra a Maçonaria. Isso mesmo foi desde logo
compreendido por ela, motivando a carta de respeitoso protesto que o Grão-Mestre Norton de Matos
resolveu escrever ao presidente da Assembleia Nacional, Dr. José Alberto dos Reis, ironicamente
maçon este também». “Acabou por trair a Maçonaria, recusando-se a receber a carta-protesto do
Grão-Mestre Norton de Matos, dirigida à Assembleia Nacional (31.01.1935), e consentindo que sob
a sua presidência, fosse discutido e votado o projecto de lei de suspensão das chamadas “sociedades
secretas” convertido na lei n.º 1901 (21.05.1935).” (MARQUES, 1986, pp. 1218-1219). Domingos
Fezas Vital, “que foi um dos membros da Comissão da Câmara Corporativa que, em março de 1935,
deu parecer sobre o projecto de lei do deputado José Cabral” (p. 1504).
Pessoa considera que por "associação" “se entende um agrupamento mais ou menos
permanente de homens, ligados por um fim comum, e que por "secreto" se entende o que, pelo
menos parcialmente, se não faz à vista do público, ou, feito, se não torna inteiramente público, posso,
desde já, denunciar ao sr. José Cabral uma associação secreta - O Conselho de Ministros. De resto,
tudo quanto de sério ou de importante se faz em reunião neste mundo, faz-se secretamente. (…) As
associações secretas", que ele verdadeiramente visa, são aquelas que envolvem o que se chama
"iniciação", e, portanto, o segredo especial a esta inerente”69. «O Dicionário da Língua Portuguesa

66
Fonte: "Associações Secretas", in Diário de Lisboa, nº 4388, 4-II-1935. Retirado do livro "Fernando Pessoa - Obra em
Prosa" - Editora Nova Aguilar.
67
http://www.gremiolusitano.pt/.
68
http://www.agostinhodasilva.pt.
69
Diário de Lisboa, nº 4388.

114
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (2001) define Maçonaria do seguinte modo
“Sociedade secreta de carácter iniciático com fins altruístas, sociais e económicos, espalhada pelo
mundo; associação de pedreiros-livres» (HURTADO, 2006, p. 17).
Sobre a ignorância dos anti-maçons disse “não faço, creio, ofensa ao sr. José Cabral em
supor que, como a maioria dos antimaçons, o autor deste projecto é totalmente desconhecedor do
assunto Maçonaria. (…)” Não sou maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante ou
diferente”70. De facto, no Dicionário, diz-se “embora não pertencesse à Maçonaria, (…) compreendeu
plenamente os seus ideais e as suas formas” (MARQUES, 1986, pp. 1115-16).
Peremptoriamente afirmou “não sou, porém, antimaçon, pois o que sei do assunto me leva a
ter uma ideia absolutamente favorável da Ordem Maçónica. A estas duas circunstâncias, que em certo
modo me habilitam a poder ser imparcial na matéria, acresce a de que, por virtude de certos estudos
meus, cuja natureza confina com a parte oculta da Maçonaria - parte que nada tem de político ou
social -, fui necessariamente levado a estudar também esse assunto - assunto muito belo, mas muito
difícil, sobretudo para quem o estuda de fora. Tendo eu, porém, certa preparação, cuja natureza me
não proponho indicar, pude ir, embora lentamente, compreendendo o que lia e sabendo meditar o
que compreendia. (…). A Maçonaria é uma Ordem secreta, ou, com plena propriedade, uma Ordem
iniciática. (…) A Ordem Maçónica é secreta por uma razão directa e derivada - a mesma razão por
que eram secretos os Mistérios antigos, incluindo os dos primitivos cristãos, que se reuniam em
segredo, para louvar a Deus, em o que hoje se chamariam Lojas ou Capítulos, e que, para se distinguir
dos profanos, tinham fórmulas de reconhecimento – toques (p. 1428), ou palavras de passe, ou o
que quer que fosse.”71.
E acrescenta “se o sr. José Cabral cuida que ele, ou a Assembleia Nacional, ou o Governo,
ou quem quer que seja, pode extinguir o Grande Oriente Lusitano, fique desde já desenganado. As
Ordens Iniciáticas estão defendidas, ab origine symboli, por condições e forças muito especiais que
as tornam indestrutíveis de fora. (…), a prova prática no que tem sucedido noutros países, onde se
tem pretendido suprimir as Obediências maçónicas. Pondo de parte a Rússia (…) sei apenas que os
Sovietes, como todo o comunismo, são violentamente antimaçónicos (…)"72.
“Mussolini procedeu (…) contra o Grande Oriente de Itália (…). O que sei, de ciência certa,
é que o Grande Oriente de Itália é um daqueles mortos que continuam de perfeita saúde. (…) O

70
Diário de Lisboa, nº 4388.
71
Diário de Lisboa, nº 4388.
72
Diário de Lisboa, nº 4388.

115
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

camartelo do Duce (…) não tem força para abater colunas simbólicas vazadas num metal que procede
da Alquimia.”. Primo de Rivera procedeu mais brandamente (…) contra a Maçonaria Espanhola. (…)
O resultado - o grande desenvolvimento, numérico como político, da Maçonaria em Espanha.”73.
“Hitler, depois de se ter apoiado nas três Grandes Lojas cristãs da Prússia, (…) Deixou em
paz as outras Grande Lojas - as que o não tinham apoiado nem eram cristãs - e, por intermédio de
um tal Goering, intimou aquelas três a dissolverem-se. Elas disseram que sim - aos Goerings diz-se
sempre que sim - e continuaram a existir.”74. No caso português “resultaria (…) num grande número
de perseguições a oficiais do exército e da armada (excepto em Cascais) e a funcionários públicos.
As palavras "excepto em Cascais" estão omitidas no texto do Diário de Lisboa. Referiam-se, muito
provavelmente, ao então Presidente da República, General Óscar Carmona, que residia na Cidadela
de Cascais e era maçon, e a funcionários públicos. Perderiam os seus lugares os que não quisessem
ter a indignidade de repudiar a sua Ordem. Resultaria, portanto, a miséria para as suas famílias. (…)».
Carmona veio enfim a traí-la, permitindo que ela fosse perseguida e acabando por assinar a referida
lei, que oficialmente extingui a Maçonaria (MARQUES, 1986, p. 273).
Depois Fernando Pessoa trata das consequências que “adviriam da aprovação do projecto
para a vida e o crédito de Portugal no estrangeiro”.(…)“As Obediências maçónicas são potências
autónomas e independentes, (…) “A Grande Loja de Inglaterra (…) cortou, em 1933, as relações
com a Grande Loja das Filipinas, em virtude de divergências - cuja natureza não sei mas presumo -
quanto à maneira de desenvolver a Maçonaria na China. Assim a Maçonaria necessariamente toma
aspectos diferentes - políticos, sociais e até rituais - de país para país, e até, dentro do mesmo país,
de Obediência para Obediência (…) Conquanto, porém, a Maçonaria esteja assim materialmente
dividida, pode considerar-se como unida espiritualmente. O espírito dos rituais, e sobretudo o dos
Graus Simbólicos (nos quais, e sobretudo no Grau de Mestre, está já, para quem saiba ver ou sentir,
a Maçonaria inteira), é o mesmo em toda a parte, por muitas que sejam as divergências verbais e
rituais entre graus idênticos, trabalhados por Obediências diferentes. (…) Resulta desta comunidade
de espírito profundo, deste íntimo e secreto laço fraternal, que ninguém quebrou nem pode quebrar,
que uma Obediência, ainda que tenha poucas ou nenhumas relações com outra, não vê, todavia, com
indiferença o ser esta atacada por profanos”75.

73
Diário de Lisboa, nº 4388.
74
Diário de Lisboa, nº 4388.
75
Diário de Lisboa, nº 4388.

116
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

E narra um acontecimento interessante e oportuno. “Aqui há anos, pouco depois da Guerra,


o Governo Húngaro decretou a supressão da Maçonaria no seu território. Pouco depois negociava
um empréstimo praticamente feito quando veio da América a indicação final de que ele não seria
concedido se não se restabelecessem "certas instituições legítimas". O Governo Húngaro percebeu e
viu-se obrigado a entrar em transacções com o Grão-Mestre; disse-lhe que autorizava a reabertura
das Lojas, com a condição (que parece do sr. José Cabral) de que nelas pudessem assistir profanos.
É escusado dizer que o Grão-Mestre recusou. O Governo manteve, portanto, a "supressão das Lojas..."
e o empréstimo não se fez”76. “Não venha o sr. José Cabral dizer-me que não precisamos de
empréstimos do estrangeiro”77.
Depois discorre com acuidade acerca do que considera como três elementos essenciais”: o
elemento iniciático, ou método iniciático (MARQUES, 1986, p. 985) ou via iniciática (p. 1482) pelo
qual é secreta; o elemento fraternal; e o elemento a que chamarei humano - isto é, o que resulta de
ela ser composta por diversas espécies de homens, de diferentes graus de inteligência e cultura, e o
que resulta de ela existir em muitos países, sujeita portanto a diversas circunstâncias de meio e de
momento histórico, perante as quais, de país para país e de época para época, reage, quanto à atitude
social, diferentemente.
Nos primeiros dois elementos, onde reside essencialmente o espírito maçónico, a Ordem é
a mesma sempre e em todo o mundo. No terceiro, a Maçonaria - como aliás qualquer instituição
humana, secreta ou não - apresenta diferentes aspectos, conforme a mentalidade de maçons
individuais, e conforme circunstâncias de meio e momento histórico, de que ela não tem culpa.
Neste terceiro ponto de vista, toda a Maçonaria gira, porém, em torno de uma só ideia - a
tolerância (p. 1424); isto é, o não impor a alguém dogma nenhum, deixando-o pensar como
entender”78. Como sabemos a tolerância é “uma das mais importantes virtudes maçónicas, já expressa
nas Constituições de Anderson (base I) e, desde então, sempre praticada e defendida dentro da
Maçonaria. É através dela que podem ser iniciados e podem permanecer dentro das lojas irmãos de
todas as tendências políticas e religiosas, convergindo aquelas no “Centro de União” preconizado por
Anderson. Nas várias constituições maçónicas portuguesas, a tolerância surge como princípio e divisa
fundamentais da ordem.”79. “Por isso a Maçonaria não tem uma doutrina. Tudo quanto se chama

76
Diário de Lisboa, nº 4388.
77
Diário de Lisboa, nº 4388.
78
Diário de Lisboa, nº 4388.
79
Diário de Lisboa, nº 4388.

117
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

"doutrina maçónica" são opiniões individuais de maçons, quer sobre a Ordem em si mesma, quer
sobre as suas relações com o mundo profano”80.
E dá exemplos históricos. “Beijem-lhe os jesuítas as mãos, por lhes ter sido dado acolhimento
e liberdade na Prússia, no século XVIII - quando, expulsos de toda a parte, os repudiava o próprio
papa - pelo maçon Frederico II. Agradeçamos-lhe a vitória de Waterloo, pois que Wellington e Blücher
eram ambos maçons. Sejamos-lhe gratos por ter sido ela quem criou a base onde veio a assentar a
futura vitória dos Aliados - a Entente Cordiale, obra do maçon Eduardo VII. Nem esqueçamos,
finalmente, que devemos à Maçonaria a maior obra da literatura moderna - o Fausto, do maçon
Goethe”81. E por fim “deixe o sr. José Cabral a Maçonaria aos maçons e aos que, embora o não sejam
viram, ainda que noutro Templo, a mesma Luz.”82.
“Nem a carta, nem o contundente artigo que Fernando Pessoa, nem um segundo artigo foi
cortado pela censura -, nem todas as diligências junto dos parlamentares e de outras autoridades
lograram travar a marcha dos acontecimentos”83. “No entretanto, a Maçonaria adoptara as medidas de
emergência que se impunham. O decreto nº 28, dos começos de 1935, reeditava o regime de
triangulação para todas as lojas em moldes semelhantes ao de seis anos atrás. (…) O decreto
maçónico nº 30 entregava a plenitude do Poder Executivo ao Conselho da Ordem, em caso de falta
ou impedimento do Grão-Mestre e de seus substitutos legais. Se também o Conselho da Ordem
estivesse impedido de actuar, então todas as funções executivas caberiam a uma comissão de três
membros, nomeados livremente pelo Grão-Mestre. (...). Antecipando-se à aprovação pela Assembleia
do projecto, o Grão-Mestre Norton de Matos transmitia todos os seus poderes e funções ao Grão-
Mestre-Adjunto, Oliveira Simões. Em 18 de Maio, (…) era a vez de o Grão-Mestre-Adjunto transferir
todas as suas funções e poderes ao presidente da Grande Dieta que, por seu turno, no dia imediato,
os transmitia ao Conselho da Ordem, presidido pelo Dr. Maurício Costa (Grão-Mestre Interino entre
1935-1937) (MARQUES, 1986, p.681). Por fim, e nos termos do decreto nº 36, da mesma data, o
próprio Conselho da Ordem conferia ao seu presidente a plenitude dos poderes legislativo, executivo
e judicial”84.
“Triangulada a Maçonaria e concentradas todas as funções superiores numa só pessoa,
haviam-se criado as condições indispensáveis à operacionalidade da Ordem em regime clandestino.

80
Diário de Lisboa, nº 4388.
81
Diário de Lisboa, nº 4388.
82
Diário de Lisboa, nº 4388.
83
Http://www.gremiolusitano.eu/
84
http://www.gremiolusitano.eu/

118
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

(…) O Grémio Lusitano, não podendo acatar o texto da lei, foi dissolvido. A sua sede, confiscada pelo
poder público, foi cedida à Legião Portuguesa, que nela instalou um dos seus quartéis. Por todo o
País outro tanto ocorreu com as sedes das lojas e triângulos, sempre que eram próprias. Uma pequena
parte dos haveres confiscados – como pendões, insígnias, livros, fotografias, etc. – iria, mais tarde,
decorar duas vitrinas da famosa “escola” da não menos famosa P.I.D.E., a Sete Rios (Lisboa). A
biblioteca e parte do arquivo entraram nos haveres do Ministério das Finanças, onde viriam a ser
encontrados depois do 25 de Abril. Em hasta pública é que se terá vendido pouca coisa. (…) Muitos
obreiros entraram nas prisões do Continente e das Ilhas Adjacentes ou sofreram perseguições e
discriminações de outro tipo”85.
A biblioteca pessoal de Fernando Pessoa não seria devorada pela ignorância e nela se encontram
ainda diversas e bastantes obras acerca da maçonaria, que seria exaustivo aqui listar. A título de exemplo “O
Manual do Franc-maçon do ritual francês ou moderno por um cavaleiro Roza Cruz”, ou “Manuel d'histoire de
la Franc-Maçonnerie Française”86. Curioso é também que, segundo Luís Machado (2021) tenha
privado com Alfredo de Araújo Mourão. Pura coincidência de investigação este nosso irmão era
“natural de Vila Verde da Raia (Chaves) em 26.09.1874 e falecido em Lisboa em 24.6.1960.
Comerciante, proprietário da pastelaria Ferrari e do Café Martinho da Arcada, em Lisboa, foi iniciado
em data desconhecida com o nome simbólico de Dante. Pertenceu à Loja Pureza, de Lisboa, fazendo
parte do Grémio Luso-Escocês. Só em 1934 reentrou na obediência do GOL. Durante a
clandestinidade desempenhou o cargo de Grande Tesoureiro Geral” (MARQUES, 1986, pp. 1008-09).
No âmbito literário Fernando Pessoa conviveu com o nosso irmão João de Castro Osório de
Oliveira (p. 1066), filho da maçona Ana de Castro Osório (p. 1065), surge em diversas fotografias, que
Richard Zenith fotobiografou87 registando a presença de ambos no Martinho da Arcada.
Correspondeu-se com o maçon Teixeira de Pascoais, esse vulto maior da cultura portuguesa,
a quem Pessoa chamava mestre foi” iniciado em 1905 no triângulo n.º 50 de Amarante, com o nome
simbólico de Gogol” (p. 1087). Curiosamente um dos académicos que estudou aprofundadamente
Fernando Pessoa, foi o maçon “José Augusto Baptista Lopes e Seabra (Vilarouco, São João da
Pesqueira) 24 de Fevereiro de 1937 foi um professor, diplomata e político português. (…)
desenvolveu estudos de Literatura, na École Pratique des Hautes Études. Sob a orientação de Roland

85
http://www.gremiolusitano.eu/
86
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt
87
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt.

119
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Barthes doutorou-se na Universidade de Paris III, apresentando a tese Fernando Pessoa: do


poemodrama ao poetodrama, depois publicada em Portugal e no Brasil”88.
E para que a poesia adorne os nossos trabalhos, e Pessoa nos inspire e sensibilize: as Últimas
Estrofes do “Poema S. João” (1935)89 (recolhido por Alfredo Margarido):

(E) foi então que, para te vingar


E à maneira de santo, os arreliar
Desceste mansamente à terra
Perfeitamente disfarçado
E fizeste entre os homens da razão
Um milagre assignado,
mas cuja assignatura se erra
Quando em teu dia, S. João do Verão,
Fundaste a Grande Loja de Inglaterra.

Isto agora é que é bom,


Se bem que vagamente rocambolico.
Eu a julgar-te até catholico,
E tu sahes-me maçon.

Bem, ahi é que ha espaço para tudo,


Para o bem temporal do mundo vario.
Que o teu sorriso doure quanto estudo
E o teu Cordeiro
Me faça sempre justo e verdadeiro,
Prompto a fazer fallar o coração
Alto e bom som
Contra todas as fórmulas do mal,
Contra tudo que torna o homem precario.

88
http://pt.wikipedia.org/wiki/
89
Fernando Pessoa – Últimas Estrofes do Poema S. João (1935), (recolhido por Alfredo Margarido), in
http://www.gremiolusitano.eu/

120
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Se és maçon,
Sou mais do que maçon – eu sou templário.

Esqueço-te santo
Deslembro o teu indefinido encanto.

Meu Irmão dou-te o abraço fraternal.”90.

Templo Marquês de Pombal, em 10 de janeiro, e ∴ v ∴ Disse.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Marques, A.H. O. (1986). Dicionário de Maçonaria Portuguesa (vol. II). Editorial Delta.

Marques, A.H. O. (1986). Dicionário de Maçonaria Portuguesa (vol. I). Editorial Delta. Pessoa, F.
(2005). Obra em Prosa. Editora Nova Aguilar.

DIÁRIO DE LISBOA (ANO 14, N.º 4388). PIDE, documentos apreendidos à Maçonaria, mod.1, gaveta
13.

COTA ANTIGA PIDE/DGS, NT 9170, pt. 34

Hurtado, A. (2006). Nós, os maçons, prefácio de Álvaro Carva, Maia. Verso e Reverso.

Machado, L. (2001). À mesa com Fernando Pessoa, prefácio de Teresa Rita Lopes. Pandora.

Pessoa, F. (2006). Poesia: 1931 – 1935. Assírio & Alvim.

In Poesia 1931-1935 e não datada, Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2006.
90

121
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

COMPOSIÇÃO MUSICAL DE GÉNERO FEMININO: Harmonia para Iniciação no Rito Escocês Antigo e Aceite
Levi Leonido91

Mulheres compositoras Resumo


Palavras-chave

História da Música A apresente investigação decorre de um artigo publicado no ano de 2008 e que,
Ritual Maçónico neste livro, se aqui adequa (em parte) ao Ritual de Iniciação maçónico no Rito
Maçonaria Portugesa
Escocês Antigo e Aceite, com base num estudo de aplicação em contexto no
Rito Escocês Antigo e Aceite
quadro da audição e educação musical em ambiente específico. A amostra do
estudo é de 62 individuais sem formação artística avançada em contexto
universitário. A aplicação em contexto decorre num ritual de iniciação num Templo
Maçónico e apresentação (reflexão) levada a cabo num ágape de uma Sessão do
Grande Oriente Lusitano no quadro dos Trabalhos desenvolvidos numa Loja do
nordeste de Portugal. As fases desta investigação, aliadas ao facto da adequação
supramencionada, redundam num caso e perspetiva a ser replicada em qualquer
tema, área ou conteúdo que se queira trabalhara (dentro e fora do universo
maçónico). Em suma o papel da Coluna da Harmonia / mestre da Harmonia é aqui
referenciado como um pepel de elevada importância e de decisiva
responsabilidade no desenrolar dos trabalhos de uma Sessão Maçónica. Conclui-
se que, ao invés do que é feito, a escolha dos temas (numa perspetiva de
adaptação) foi feita ao nivela d audição, da perceção do que a música representa
para cada indivíduo audiente / participante e, desta feita, trabalhos e aplicado em
contexto, sendo possível que, após a aplicação, se debatam os critérios, as razões
e os propósitos de cada um das escolhas. No caso, um tema claro e objetivo: trazer
a composição musical de género feminino para um ritual e um universo em que o
papel da mulher é, ainda, periclitante e, em determinadas situações,
completamente ignorada.

91
LEVI LEONIDO - Centro de Investigação em Ciência e Tecnologias da Artes - Universidade Católica Portuguesa |
Universidade de Trás-os-Montes e Alto, PORTUGAL. Email: levileon@utad.pt

122
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Nota introdutória: A escolha / seleção das músicas usada neste exercício (Harmonia92 para iniciação de um
maçon), resulta de guias de audição realizados com 62 elementos (sem formação artística avançada), com base
no que a música os faz lembrar / pensar em vez de, como seria classicamente convencional, a escolha ser
realizada atendendo ao propósito e ao motivo, à temática ou à ideia ou à inspiração assumida pelo seu autor /
criador. Por norma, no universo das várias tipologias de sessões maçónicas, são escolhidas (e aplicadas em
contexto pelo Mestre de Harmonia), temas compostos por compositores maçons ou obras musicalmente de
mais fácil reconhecimento por parte dos públicos / audiências. No caso, a opção foi inversa. Ou seja, o propósito
maior foi celebrar a composição de género feminino e, ao mesmo tempo, trazer para o Ritual Maçónico uma
experiência única que, assim cremos, se materializa com a partilha e conhecimento de autoras e composições
desconhecidas do púbico em geral (e especifico) e, se conhecidas, raramente lhes são associadas de forma
direta ou evidente.

INTRODUÇÃO
Esta temática foir desenvolvida num artigo com o título “COMPOSIÇÃO MUSICAL DE
GÉNERO FEMININO“ publicado na Revista Sinfonía Virtual93, cujo objetivo foi, de forma resumida,
apresentar algumas das mais importantes figuras de género feminino que, de sobremaneira, foram
(global ou parcialmente) ofuscadas ou vítimas de um tempo da história da música em que, de certa
forma, as mulheres compositoras ou intérpretes eram secundarizadas ou esquecidas. Para este efeito,
transcreve-se, de forma adaptada (comentada e alargada), parte do artigo referido.
Faremos uma incursão biográfica sobre algumas das mais importantes compositoras de todos
os períodos da história da música universal, entre as quais destacamos: Hildegarda de Bingen (1098-
1179); Maria Anna Mozart “Nannerl” (1751-1829); Fanny Mendelssohn (1805-1847); Clara Schumann
(1819-1896); Chiquinha Gonzaga (1847-1935); Nadia Boulanger (1887-1979); Germaine Tailleferre
(1892-1983) e Lili Boulanger: 1893-1918).
Os restantes exemplos que poderíamos abordar são, entre outras, compositoras de grande
relevância no panorama musical internacional mas, devido a limitações de ordem espaço temporal do
presente artigo, faremos apenas a sua identificação que passamos a anunciar (VER no sítio da Internet
da MELOTECA- Sítio da Música e das Artes - Dicionário Meloteca de Mulheres Compositoras): Corona
Schröter (1751-1802); Augusta Holmès (1847-1903); Teresa Carreño (1853- 1917); Elsa Barraine
(1910-1999); Vivian Fine (1913-2000); Galina Ustvolskaya (1919-2006); Tona Scherchen-tsiao
(1938-); Françoise Barrière (1944-); Graziane Finzi (1945-) e Beatriz Ferreyra (1937).

92
Numa Sessão maçónica existe, invariavelmente, a função e responsabilidade da Coluna da Harmonia que, entre outras
funções, lhe é delega responsabilidade de propiciar determinados momentos e estados de espírito atinentes ao ritual e
respetiva função aos presentes (nos vários Graus e Qualidades que se encontrem em Loja). O Mestre da Harmonia ou
Coluna da Harmonia assume funções relevantes na ajuda à condução dos Trabalhos no âmbito adstrito à componente
sonoro-musical e expressiva doa atos e respetivos propósitos ritualísticos, espirituais e simbólicos da vida maçónica.
93
Artigo publicado no nº 0009 da Revista Sinfonía Virtual. Data de Publicação: outubro de 2008.

123
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Para Penteado (2006) num artigo intitulado “Mulheres na Música” refere que mesmo que
tenham sido (e continuam a ser) as mulheres algumas das maiores expressões da música vocal, na
ópera, ou dos instrumentos de concerto e sejam mulheres boa parte dos músicos das orquestra e
mesmo algumas Maestrinas, a verdade é que são raras as que realmente se destacaram como
compositoras. Apesar desse ser um facto irrefutável, existem verdadeiros casos que fugiram à regra,
onde a emancipação feminina e a sua presença artística é fundamental e alicerçada, quer pela sua
qualidade e valor artístico, quer pela dificuldade verdadeira com que uma mulher se depara no sentido
de tentar impor-se no universo musical grandemente dominado pelos homens. A verdade é que esse
universo musical sempre teve um cunho afincadamente machista, onde a presença da mulher foi
grandemente ofuscada ou relegada para segundo plano. Em alguns casos por mero preconceito social,
noutros casos por ignorância e desinformação. Por exemplo, existiram casos em que a carreira
musical da mulher foi subaproveitada dado que o marido, ao tempo, tinha uma carreira e uma
reputação musical a defender, tal como aconteceu com Clara Schumann em relação ao seu irmão
Robert. No caso de Fanny Mendelssohn, o irmão (Félix Mendelssohn) era detentor de um prestígio
de tal maneira publicamente exposto e assumido que, a irmã viu desvalorizado o seu talento e mérito
artístico, tendo mesmo acontecido, situações em que obras da autoria de Fanny teriam sido assinadas
pelo irmão, pois potencialmente obteriam maior aceitação e o êxito seria praticamente garantido (o
mesmo aconteceu a Clara Schumann). Aliás, justiça seja feita, Félix Mendelssohn dizia claramente
que a irmã compunha canções e tocava (piano) melhor do que ele.
É verdade que houve um monopólio quase absoluto do género masculino em todos os
períodos da história da música, quer no que diz respeito à música em si, como também no que
respeita aos libretos e textos dramáticos para canções e óperas, entre outros géneros musicais que
careciam de um suporte escrito. O período da história da música mais recente, o Moderno ou
Contemporâneo tem, a par da sociedade e de um mundo artístico mais aberto, feito justiça às mulheres
compositoras, tendo promovido uma maior igualdade de oportunidades. Pois ao longo dos tempos,
ou se têm por um lado “banido” e por outro “esquecido” as compositoras e grandes interpretes de
género feminino. Para Penteado (2006) citando o musicólogo Aaaron Cohen, afirma que o não-
reconhecimento da competência feminina para a composição musical radica claramente em
preconceitos históricos. Como forma de contrariar esta tendência, Cohen (1987) fez o mais amplo
estudo mundial sobre compositoras (International Encycloped\ia of Women Composers, New York:
Books & Music), tendo descoberto 6.000 compositoras em mais de 70 países.

124
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

São casos como os acima referidos, aliados a outros tais como Cecile Chaminade (autora de
um concertino para flauta obrigatório no estudo de instrumento); Ethel Smith (detentora de
composições variadas, nomeadamente seis óperas, canções e música de câmara); Amy Beach
(primeira compositora a se destacar nos EUA.) e Nadia Boulanger (célebre pela lista de alunos
posteriormente famosos que inclui alguns dos centrais criadores do século XX) que consubstanciam
a mudança de mentalidades em relação a este paradigma. Sobre este assunto, Jocy Oliveira (200),
uma das grandes percursoras no Brasil da emancipação feminina no que respeita à música refere que
"é claro que esgueirar-se como pioneira num universo masculino não é fácil". No seu entender o
entrosamento da mulher no panorama musical ainda está longe de ser uma realidade "é só examinar
os programas das orquestras, instituições e organizações musicais em todo o mundo".
Passamos a apresentar os exemplos que achamos mais representativos no que respeita à
presença da mulher na vida musical em toda a história da música universal:

HILDEGARDA DE BINGEN (1098 -1179)


Há mais de nove século, nascia uma das maiores
referências musicais e intelectuais do seu tempo. Eis
que Hildegarda de Bingen ou Hildegard von Bingen,
poetisa, mística e compositora alemã de origem nobre,
ingressa aos 15 anos no mosteiro beneditino de
Disododenberg, sucedendo a Jutta de Spanheim
como superiora na mesma instituição. Fundou ainda
os mosteiros de Rupertsberg e Eibingen. Representa,
nada mais nada menos que um dos mais antigos
compositores de toda a história da música ocidental. A abadessa Hildegarda, agora a Santa Hildegarda
de Bingen que, para a igreja católica, e depois de quatro tentativas de beatificação, permanece apenas
beatificada, somente a igreja anglicana a reconhece como santa, deixou um legado relevante de
poemas (cerca de 70 poemas reunidos na obra intitulada "Symphonia armonie celestium
revelationum"), tal como refere Horta (1985: 172) “um dos mais importantes compositores medievais
de cânticos, ela escreveu a Symphonia harmonie celestium revelationum, compreendendo mais de
70 poemas líricos musicados, juntamente com o auto de moralidade Ordo virtutum”, assim como
tratados médicos e científicos (exemplares únicos na Europa no século XII onde patenteia o seu
admirável saber sobre de plantas medicinais), para além de cartas e de um significativo número de

125
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

composições de música sacra, onde constam variadíssimas composições de temática religiosa tais
como Viridissima virga; Ordo Virtutis (espécie de ópera que narra um diálogo de um grupo de freiras
com Deus). No domínio da escrita, destacam-se os livros que, segundo Hildegarda são reais relatos
de visões inspiradas por Deus em que o próprio a incentiva a escrever estes mesmos livros: Scivias,
Liber vitae meritorum e De operatione Dei. Muito para além da sua intervenção política e diplomática,
uma vez que a sua fama transbordou as fronteiras do seu mosteiro, compunha brilhantemente cânticos
monódicos para vozes femininas que se afastavam do canto gregoriano e, em algumas circunstâncias,
dos próprios textos oficiais, o que realça a preparação técnica e emocional de uma compositora
somente da sua época no plano corpóreo. Estava, isso sim, para além do compreensível ao seu tempo,
tendo por várias vezes sido visitada por comissões nomeadas pelo Vaticano, a fim de ser aferida a
sua sanidade mental.
Atualmente existem várias peças e obras em vários suportes desta incontornável compositora,
mulher, lutadora, crente, mística e uma força da natureza que, assim cremos, serão uma surpresa para
quem desconhecer a obra de Hildegarda de Bingen. São novecentos anos que nos separaram em
termos temporais, mas, como poderão verificar, a sua música eleva-nos a um patamar espiritual
deveras impressionante.

MARIA ANNA MOZART (1751 -1829)


Tinha como apelido “Nannerl”, mais tarde fica
conhecida por Marianne. Irmã mais velha de
Wolfgang Amadeus Mozart. Famosa intérprete em
toda a Europa no século XVIII. Era apresentada
conjuntamente com W. A. Mozart como os
meninos-prodígio, mas Nannerl tinha-se tornado
em Marianne, ou seja, somente Mozart ganhava a
atenção de todos, uma vez que Nannerl se tinha tornado moça, se bem que somente 4 anos separavam
a idade de Wolfgang da de Nannerl. Era possivelmente, há altura, tão talentosa como o irmão, mas,
como já referimos deixou de cativar atenção daqueles que tinham os meios e o poder para lançar ou,
melhor dizendo, para suportar uma carreira musical. Para além de certamente o facto de ser mulher
lhe teria causado grandes entraves. O que seria de Marianne se Mozart não tivesse existido e se o
preconceito não tivesse vingado? Seria Marianne que faria triangulação com os outros dois alicerces
do período clássico, Beethoven e Haydn. Ser irmã do maior talento de toda a história da música não

126
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

seria propriamente uma tarefa fácil. O mestre dos mestres não tinha ninguém com quem se comparar,
quanto mais com uma mulher, precisamente a sua irmã. Mesmo assim não há notícia de que W. A.
Mozart tenha desencorajado a irmã neste aspeto. Em cartas que Wolfgang escreveu, parece haver
referências claras às composições de Marianne, as quais eram elogiadas pelo seu irmão, mas, no
acervo de cartas deixado por Leopold não existe menção alguma às suas composições. Apenas se
sabe concretamente que Mozart escreveu várias obras para Marianne, nomeadamente o Prelúdio e
Fuga em Do maior, K.394 (1782) e até ao ano de 1785 endereçava cópias das suas obras para
Marianne (até o concerto Nº21).
Wolfgang nutria um grande afeto pela irmã, tal como refere Parauty (1991:130) citando uma
carta enviada a Nannerl, onde se lê “adeus meu pulmão! Beijo-te, meu fígado e sou, como sempre,
meu estômago, o seu indigno frater”, apesar dela ter que, por vezes, dar aulas em casa para sustentar
a família, dados os gastos das viagens de Mozart e que, um dia afirmou, numa carta escrita em 1793,
que Mozart “teria sempre precisado de um pai, uma mãe ou de um mentor” no que respeita à gestão
patrimonial. Mas o seu respeito por Mozart é imenso “era um mestre completo quando se sentava ao
piano… enquanto durava a música, todo ele era músico; desde que acabasse, reaparecia a criança”.
Usavam deliberadamente uma espécie de linguagem secreta nas suas cartas, para passarem
mensagens sem que ninguém decifrasse o que queriam dizer um ao outro, o que demonstra
claramente a cumplicidade significativa que existia entre ambos. Desde tenra idade, Wolfgang venerava
Nannerl. Era o seu mais perfeito ídolo, tal como refere Solomon (1995:339) “aos três anos, Wolfgang
se inspirou em música observando seu pai a dar aula a Marianne. Ele queria ser como ela”.
Leopold Mozart, compositor, músico e diretor, assume a educação musical de ambos desde
tenra idade e, logo vê que tem em mãos duas prodigiosas crianças. Não para de as exibir por toda a
Europa como forma de amealhar dinheiro ou, na tese em que mais acreditamos, apenas e só porque
se trata de um pai orgulhoso por ser mestre destes dois talentos invejáveis. Quem, em toda história
da música, teve tais tesouros em mãos? Para Parauty (1991:35) quem não mostraria ao mundo um
milagre, como referiu o criador da Sinfonia dos Brinquedos, Leopold Mozart “tenho de mostrar este
milagre ao mundo… porque hoje… negam-se os milagres”. Nannerl era sempre levada nas tournées
de demonstração de talento do clã Mozart, mas, apesar do seu empenho e fama, aliado ao facto de a
sociedade e da própria família que intercede neste sentido, fica desde cedo claro que Nannerl não
enveredará pela carreira musical. Mesmo assim conseguiu fama significativa como instrumentista.

127
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Marianne permaneceu inteiramente submissa às ordens de Leopold, seu pai, ao contrário de


Wolfgang. Prescinde de uma carreira musical, do amor da sua vida (Franz d'Ippold) e casa (sem amor)
com Johann Baptist Franz von Berchtold zu Sonnenburg, tomando conta de todos os filhos frutos dos
seus casamentos. Morre detentora de título nobre e completamente cega, esta dedicada esposa e
compositora incógnita.

FANNY MENDELSSOHN (1805-1847)


Um dos casos mais flagrantes de esquecimento e de
subaproveitamento de um talento artístico. O seu irmão,
o famoso compositor Felix Mendelssohn afirmava
continuamente que Fanny tocava piano melhor do que
ele e que, não obstante ser uma surpresa esta
declaração, faria uma ainda mais reveladora, quando
dizia que Fanny compunha melhores canções do que o
próprio. Este reconhecimento familiar do talento e
virtuosismo de Fanny não chega para que, em tempos
vitorianos, uma mulher se impusesse no mundo da
música e da composição. Tal como Clara Schumann a produção em termos de composição musical
de Fanny, foi claramente relegada para segundo plano, uma vez que assumiu a família e a vida de
doméstica a tempo inteiro, fazendo disto uma opção de vida. Pelo menos nada na altura se sabia do
que Fanny compunha, mas, recentemente têm-se descoberto muitos exemplares de composições de
excelente recorte artístico que passaram a ser interpretadas e estudadas pelas recentes gerações de
músicos.
Evidentemente que Fanny, nesta conjuntura machista, preconceituosa e retrógrada não teria
qualquer hipótese de singrar na vida artística, até porque tinha a sua vida familiar para assegurar e,
apesar do seu talento nato para a música, o próprio irmão e o pai a exortavam-na a não publicar
absolutamente nada. Aliás, Félix constantemente solicitava a sua opinião sobre os seus trabalhos,
mas, tal como seu pai achavam que Fanny não deveria mostrar o mundo o seu valor musical e artístico.
O casamento de Fanny com um artista (pintor prussiano) de nome Wilhelm Hensel foi a única
oportunidade de mostrar publicamente o seu valor artístico, mesmo que não tivesse grandes
consequências, o seu marido era a única pessoa a incentivá-la a compor, a publicar e a procurar
oportunidades neste ramo. Das poucas publicações que conseguiu levar a bom porto, algumas delas

128
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

foram publicadas sob o nome do seu irmão Felix Mendelssohn (opp. 8 e 9). Depois da sua morte ter
acontecido há quase dois séculos, somente na década de 80, já em pleno século XX a maioria das
suas obras começaram a serem publicadas e, posteriormente a serem mais aprofundadamente
estudadas. Um caso peculiar de manifesta “delapidação” de um pedaço significativo da história da
música universal.

CLARA SCHUMANN (1819-1896) Compositora e pianista


da corte austríaca. Esta mãe de 8 filhos, foi, para além de
dedicada esposa, uma das mais afamadas pianistas do
século XIX. Para Borba (1999: 538) “companheira
dedicada e sofredora, consagra parte da sua actividade de
concertista à divulgação das obras daquele (referindo-se
a Robert Schumann)”. Nasceu no seio de uma família de
grande tradição musical. O seu pai, Friedrich Wieck, seria,
desde muito cedo, o responsável pela aprendizagem
técnica de piano e, sua mãe, Marianne, dar-lhe-ia alguma
inspiração para a arte musical, uma vez que era uma
excelente concertista. Mas, nem os cinco anos de idade
tinha alcançado, os seus pais divorciaram-se e, o seu pai, com a sua custódia legalmente atribuída,
começou de forma exaustiva e rígida a ministrar-lhe lições de piano. Aos 9 anos de idade dava o seu
primeiro concerto na cidade de Leipzig. Aos 13 anos, aposta em digressões por França, Dinamarca e
Rússia, fazendo jus ao seu talento e consolidando a sua carreira internacional. Aos 16 anos, com
direção do famoso compositor e maestro Felix Mendelssohn, foi publicamente apresentado o seu
Concerto para piano em lá menor. Segundo Lopes-Graça (1999:538) “Em 1837 exibe-se com grande
com grade êxito em Viena, recebendo então o título de Krammer-Virtuosin da corte”. Começou por
se notabilizar pelas performances de compositores contemporâneos da sua época, tais como Carl
Maria Von Weber e Chopin. Mais tarde notabiliza-se por ser detentora “na interpretação inimitável dos
papéis vocalmente ligeiros das óperas de Mozart, bem como no de Sophie de O Cavaleiro da Rosa,
de Strauss. Ganhou também grande fama como cantora de concerto, sobretudo na interpretação de
canções de Strauss, com o qual fez uma digressão artística à América em 1921”. Foi cantora lírica em
Hamburgo (elenco da Ópera da cidade) e, por indicação de R. Strauss ingressa no elenco da Ópera
de Viena.

129
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

É na adolescência que surgem os reais desafios e conflitos. Conhece Robert Schumann,


aluno de seu pai e, apaixona-se perdidamente pelo aspirante a compositor. Seu pai reprova este
romance e, alegando que Schumann tinha problemas de saúde do foro psiquiátrico (depressões
constantes) e que enveredada por caminhos pouco aceitáveis, tais como o seu gosto inexcedível por
fumo e bebida. Como não conseguiu demover os jovens deste propósito, Schumann envolve-se numa
batalha legal pela permissão para despojar Clara e, um ano volvido consegue legalmente realizar as
suas pretensões. Casaram-se e, Clara (com 21 anos), une o seu reconhecido talento e virtuosismo
aos conhecimentos do seu marido no que respeita à obra de Bach e Beethoven, tornou-se numa das
mais marcantes pianistas da sua época.
Clara e Robert eram portadores de personalidades bastantes distintas e, apesar de existir uma
constante colaboração entre ambos, as diferenças foram-se acentuando ao longo do tempo. Clara vê-
se forçada a interromper a sua carreira por inúmeras vezes em prol dos interesses do seu marido e
para assegurar a educação e acompanhamento de 8 filhos. Pois as crises nervosas de Robert faziam
com que Clara se visse forçada a assumir sozinha as responsabilidades familiares. A sua carreira
sempre foi ofuscada pela do seu marido, chegando ao ponto em que, dado o temperamento de
Schumann e das suas crises, ter que esperar que o marido ensaie e componha até cansar para que
ela possa tocar ou compor, uma vez que se não acatasse este plano, perturbava, segundo Robert, a
sua concentração. Robert era intransigente quanto à existência de silêncio enquanto compunha ou
praticava. No fundo ele compunha e a ela era dada a tarefa de interpretar e divulgar as obras de Robert.
No caso, Clara abdicava, por vezes, da sua carreira para promover a do seu marido. Clara organizava
e editava as obras de Robert. Por sua vez, Robert “fez por várias vezes uso de temas da mulher nas
suas composições”. Por outro lado, Robert detestava tournées e Clara adorava-as.
Após 14 anos de casamento, Robert é internado num manicómio, onde permanece até à sua
morte, depois de lhe ser diagnosticada uma depressão crónica. Clara vê-se obrigada a dar aulas e a
fazer apresentações, como forma de sustentar a família. Mas, por incrível que pareça é nesta fase que
consolida a sua carreira, muito por auxílio de seu amigo Brahms. Apesar de se afirmar que teriam
vivido um intenso romance, nunca foi confirmado, mas, resultou numa colaboração incessante (até à
morte de Clara) na senda da defesa dos valores da estética romântica, a qual defendiam
veementemente. Esta linha de ação artística pretende defender uma estética que se oriente por um
padrão mais formal. Do outro lado desta fação estavam compositores e interpretes tão importantes
como Liszt e Wagner.

130
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Clara Schumann compôs especialmente música de câmara, mas, do seu repertório constam
ainda um extraordinário concerto para piano e orquestra, assim como coletâneas de "lieder"., num
total de cerca de quarenta obras de relevo. Subitamente a sua actividade como compositora cessou,
logo após a morte do seu marido, o famoso compositor Robert Schumann. Nada mais compôs de
relevante nas quatro décadas seguintes. Apesar das consecutivas investidas e paragens na sua carreira
ao longo da sua vida, os derradeiros anos da compositora foram marcados pela consagração da sua
carreira como professora e concertista, chegando a ser comparada com extraordinário compositor e
pianista Liszt, um dos maiores de sempre. Como docente, segundo Lopes-Graça (1999:538) foi
nomeada como professora do Conservatório Francoforte de Neno “funções que desempenhou,
rodeada do maior respeito e admiração, até ao fim dos seus dias, havendo formado numerosos
pianistas de renome”.

CHIQUINHA GONZAGA (1847-1935)


Uma das maias conhecidas compositoras brasileiras
no mundo. Apesar da sua apetência para a composição
de peças populares, é igualmente autora de partituras
para grande orquestra e orquestra de câmara, piano,
música sacra, operetas e música de teatro. No campo
do teatro, Chiquinha Gonzaga desempenhou um papel
fundamental para o incremento das artes,
nomeadamente no que diz respeito aos direitos
autorais (fundadora da Sociedade Brasileira de Autores
Teatrais). Compositora e pianista de renome, desde
cedo assumiu a sua vocação, tendo-se tornado a
primeira chorona, primeira pianista de choro, ou seja, foi autora da primeira marcha carnavalesca Ô
Abre Alas (1899). A sua primeira composição Canção dos Pastores (aos 11 anos). Aos 13 anos, por
imposição familiar, casou-se e, logo desde o inicio, teve ordens claras para que se alheasse do mundo
da música e, como seria de esperar, atendendo ao seu temperamento, separou-se do seu marido
(Oficial da Marinha Imperial) levando consigo os seus cinco filhos, depois de anos a fio aprisionada
num navio onde o marido prestava serviço e onde a música para era ela seria um bem inalcançável.

131
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Depois deste desastre matrimonial, segue-se um outro, casa-se com o Eng. João Baptista
(aos 18 anos), o qual também reprova a sua ligação visceral à música. O desfecho é o mesmo e, logo
de seguida, separa-se e torna-se intérprete e compositora independente, tocando inicialmente piano
em lojas de instrumentos musicais e, ao mesmo tempo que ministrava aulas de piano como forma de
assegurar o sustento dos seus filhos. Com este início improvisado, avança para uma carreira imparável
e inigualável, deixando para trás alguns compositores da época no auge das suas carreiras. Torna-se
finalmente num caso sério de sucesso, compondo polcas, valsas, tangos e cançonetas. Pertencia, ao
mesmo tempo, a um grupo de músicos de choro que fazia espetáculos em festas e comemorações.
Para Cardoso (2007) “A necessidade de adaptar o som do piano ao gosto popular valeu a
Chiquinha Gonzaga a glória de se tornar a primeira compositora popular do Brasil. O sucesso começou
em 1877, com a polca Atraente. Em 1897, tornou-se conhecida sua versão estilizada do "Corta-Jaca",
sob a forma de tango, intitulada Gaúcho. Dois anos depois, compôs a marcha Ô Abre Alas, a primeira
música escrita para o carnaval de que se tem notícia, para o cordão Rosa de Ouro, do bairro carioca
do Andaraí”.
Seguidamente investiu no teatro de variedades e na revista, onde primeiramente compõe a
trilha da opereta de costumes "A Corte na Roça" (1885). Em 1911, estreia seu maior sucesso no
teatro: a opereta Forrobodó (1500 apresentações). Foi ainda a criadora da notável partitura da opereta
"A Jurity", de Viriato Correia. Em 1934, aos 87 anos, compôs a sua última obra conhecida, a partitura
da peça "Maria”. De referir que, para além das suas 77 peças teatrais, é autora de duas mil
composições em diversos géneros musicais (valsas, polcas, tangos, lundus, maxixes, fados,
quadrilhas, mazurcas, choros e serenatas).
Para Horta (1985:151) Chiquinha Gonzaga esteve ativamente envolvida na campanha
abolicionista “vendendo partituras de porta em porta para angariar fundos” e na campanha republicana.
É e será um caso de emancipação extraordinário. Uma vida em prol da música, das ideias e das suas
mais apuradas convicções. A título de curiosidade, Chiquinha Gonzaga, granjeou uma grande
popularidade em Portugal, chegando mesmo a compor para autores portugueses.

132
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

NADIA BOULANGER (1887-1979)


Compositora, pianista, diretora de orquestra e pedagoga
francesa. O amor pela música e pelo ensino estendeu-
se por toda a sua vida. Estudou com Vierne e Fauré no
Conservatório de Música de Paris. Em 1908, tal como a
sua irmã, obteve o Grand Prix de Rome e tornou-se
assistente de Harmonia no Conservatório de Paris
(1909-24). Leccionou durante cerca de duas décadas na
École Normale de Musique e no Conservatório
Americano de Fontainebleau, cuja direcção assumiu em 1950. Alcançou fama mundial como
professora de composição, tendo uma lista eclética que inclui, entre outros, alguns dos principais
criadores do século XX, tais como Astor Piazzolla, Philip Glass, Leonard Bernstein, Quincy Jones,
Almeida Prado, Aaron Copland, Lennox Berkeley, Cárter e Thea Musgrave. Como consequência direta
da sua ascensão global como pedagoga, os seus dotes como pianista, diretora de orquestra e
compositora foram, de certa forma, menos valorizados. Mesmos assim deixa um significativo número
de composições, das quais se destacam peças para órgão, uma Rapsódia para piano e orquestra, a
cantata Sirène, assim como Lux Aeterna e Vers la Vie Nouvelle. Promoveu e divulgou a obra de outros
autores, nomeadamente autores clássicos franceses da Renascença (Claudio Monteverdi, J. S. Bach
e Heinrich Schutz.) e, de forma clara, as obras de sua irmã, cuja vida foi tão efémera ao contrário da
sua obra. Tinha como compositores prediletos Stravinsky, Ravel e Debussy.

GERMAINE TAILLEFERRE (1892-1983)


A única mulher incluída no famoso "Grupo dos Seis"
(compositores modernos franceses). Para além de
Germaine ingressavam neste grupo Georges Auric,
Louis Durey, Arthur Honegger, Darius Milhaud e
Francis Poulenc. Na retaguarda deste movimento,
estaria o seu contemporâneo Erik Satie, o qual nunca
pertenceu oficialmente a este grupo, mas, como é
sabido, teve sobre ela uma influência completamente decisiva. As influências não ficam por aqui, pois
teve-as claramente de Couperin, Grétry, Chabrier, Debussy, Ravel, Stravinsky e, sobretudo de toda

133
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

uma tradição clássica francesa. Germaine foi aluna do Conservatório de Música de Paris, tendo como
professor de orquestração o incontornável Maurice Ravel. Foi discípula de Charles Koechlin e
condiscípula de Georges Auric, Artur Honegger e Darius Milhaud. Escreveu numerosas obras
instrumentais, músicas de cena e de filme, "La Cantate de Narcisse" (1937), "Quarteto de Cordas"
(1918) e a ópera cómica "Il était un petit navire" (1951).

LILI BOULANGER (1893-1918)


Compositora francesa, cuja vida breve não
permitiu que a sua obra fosse ainda mais
contundente no panorama musical francês e
internacional. À morte precoce, alia-se o
virtuosismo precoce. Aos 11 anos de idade,
compunha a sua primeira melodia. Em 1909,
ingressa no Conservatório de Música, onde
estuda Contraponto com Georges Caussade e Composição com Paul Vidal. Foi a primeira mulher a
vencer o célebre "Prix de Rome", com a cantata "Faust et Helène", com apenas 19 anos de idade.
Estudou ao lado da sua irmã Nadia Boulanger, a qual, postumamente, divulga a sua obra musical
(música vocal, sinfónica, peças para piano e para outros instrumentos). Destas obras, destacam-se
"Thème et variations", "D'un matin de Printemps", "Nocturne", "Cortège", "Clairières dans le ciel",
"D'un vieux jardin", "Dans l'imense tristesse", "Le retour" e "Pie Jesu" (a sua última obra). Para além
da sua influência claramente impressionista, Lili, tem uma certa simpatia por textos religiosos e
fúnebres.

Seguidamente apresentamos uma lista, onde constam alguns dos exemplos de composições
perpetradas por mulheres que são referências absolutas para o universo musical, nomeadamente as
que achamos da maior relevância (da autoria das compositoras que são objeto do de estudo no
presente artigo): 1. Aria O Viridissima Virga (Hildegard von Bingen); 2. Trio em ré menor para piano,
violino e violoncelo (Fanny Mendelssohn); 3. Trio em sol menor, opus 17 (Clara Schumann); 4.
Concerto para Piano em Lá menor, opus 7 (C. Schumann); 5. Nocturne e Cortège (Lili Boulanger); 6.
D´un Matin de Printemps (L. Boulanger); 7. Trio para piano nº 1 em sol menor Opus 11 (Cecile
Chaminade); 8. Quarteto para cordas em si menor (Teresa Carreño); 8. Sonata para violino e piano

134
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

em dó sustenido menor (Germaine Tailleferre); 9. Concertino para Harpa e Orquestra (G. Tailleferre),
entre milhares de exemplos que poderiam suportar as presentes afirmações sobre esta temática.
A organização de encontros internacionais de mulheres compositoras (homenagens
específicas a compositoras de todo o mundo), a feitura de congressos subordinados a este tema
(onde se debate e se revelam acervos recentemente descobertos de compositoras), assim como o
planeamento de eventos marcados pela presença feminina em termos artísticos, são parte da dinâmica
que valoriza e dá visibilidade a muitas compositoras de renome, as intérpretes brilhantes, no fundo a
mulheres que engrossam as fileiras de orquestras, de bandas, dos agrupamentos mais variados, na
senda da mudança de mentalidade global sobre este assunto. Enfim, tudo está a acontecer, como
deveria ter acontecido desde que o mundo é mundo.
Para finalizar, deixamos duas questões para reflexão: 1. Onde poderiam chegar artisticamente
estas mulheres (Clara Schumann, Fanny Mendelssohn; Maria Anna Mozart) se não tivessem como
irmãos e maridos estes familiares mundialmente aclamados do mundo da música? 2. O que seriam
estes compositores (Mozart, Schumann e Mendelssohn) se não tivessem irmãs ou esposas com este
talento?
Já agora, o contributo de Hildegarda de Bingen, Chiquinha Gonzaga, Germaine Tailleferre e
as irmãs Boulanger foi, assim como as restantes compositoras que enunciamos, um grande exemplo
de luta contra preconceitos sociais ainda hoje existentes em algumas áreas. Felizmente tudo está em
mudança, neste aspeto, também espero que engrosse as fileiras do razoável da igualdade de
oportunidades e de não sonegação de talentos que, no passado, incessantemente não deixaram
medrar a veia compositora e artística destas mulheres espantosamente talentosas e artisticamente
brilhantes.
A elas, brindemos, ao futuro.

HARMONIA do Ritual de Iniciação


No quadro da iniciação maçónica de um dos seus membros, existe uma estrutura e formato
rígido ritualístico para este propósito e o qual se enquadra num elemento formal e estruturado que,
comumente, se denomina de RITUAL DE INICIAÇÃO.

No caso foram identificadas as partes e fases da iniciação passiveis de utilização musical e,


em momentos, acrescentadas outras que não estão propriamente plasmadas nesse mesmo ritual.

135
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Assim, e por forma a que a iniciação tivesse um caráter integrador, plural e de valorização e
registo da memória coletiva pela via da música e das suas compositoras, foram identificadas N.º de
temas necessários e, mediante os guias de audição realizados a uma amostra de 62 pessoas sem
formação artística avançada, integrando-se no que se denomina de HARMONIA da Ritual de Iniciação
Maçónico.

Os temas e autores escolhidos foram aos seguintes pela ordem e sequência ritualista:
1. Lili Boulanger “Cortège” Abertura dos TTrab
2. Clara Schumann “Pianoconcerto in A minor, Op. 7” Cortejo
3. Cecile Chaminade “L'Ondine Op.101”. Os VVig percorrem CCol
4. Germaine Tailleferre “Adagio” O 1º Exp abre o Livro da Lei Sagrada
5. Louise Farrenc “Symp No. 3 in G Minor Op. 36” Expediente
6. Lili Boulanger “Nocturne” 1º Exp acompanhado do M de CCer cobre o Templ
7. Louise Farrenc “Piano Quintet No.1 1st Movement” Suspensão dos TTrab para a Recreação
8. Fanny Meldelshon “Piano Trio in D Minor” Cerimónia de Inic
9. Fanny MENDELSSOHN “Trio op. 11. 4 Finale” Os IIrm 1º Exp e Tes vão buscar o
Questionário, o Testamento e os metais do Candidato
10. 1ª VIAGEM – Vento (extrato de temas compostos para a EXPO 98)94
11. 2ª VIAGEM – Água (extrato de temas compostos para a EXPO 98)
12. 3ª VIAGEM: Nadia Boulanger “Fantaisie pour piano et orchestre”
13. 4ª VIAGEM – Fogo (extrato de temas compostos para a EXPO 98)
14. Cecile Chaminade “Concertino, Op. 107 Chaminade - flute & piano” 1º Exp deixa cair a venda
ao Neófito
15. Louise Farrenc “Symphony No. 2 in D Major Op. 35” Os VVig fazem o Neófito levantar-se
16. Louise Farrenc “Trio in E Minor Op. 45” Neófito entre CCol
17. Clara Schumann “Trio Für Violine, Cello Und Klavier Op. 17” Circulação dos troncos
18. Clara Schumann “Piano trio in G minor, Op. 17 – Andante” Cadeia de União
19. Lili Boulanger “Cortège” Encerramento dos TTrab

A metodologia associada às audições teve como base a indicação dos propósitos de cada
ação e de uma listagem de temas de mulheres compositoras que associamos às que estão retratadas
no presente artigo.

94
SURTIDA DE CARETOS. Composição Musical de Levi Leonido a convite da Filipe Crawford Produções para a EXPO 98.

136
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A estes temas adicionaram-se temas sobre elementos da natureza inscritos na composição


“SURTIDA DE CARETOS” (Expo 98). Somos de apresentar a estrutura, por fases, desde a
apresentação, à recolha e ao tratamento de dados:

Fases Ações Observações


1.ª Fase Apresentação de 35 extratos de temas 12 autores diversos Para escolha de 16 ações
2.ª Fase Recolhidas de palavras que indicam ações ou ideias a partir dos temas Recolhidas 32 palavras /
escutados ideias / temáticas
3.ª Fase Tratamento de dados: redução e partilha de palavras associadas às Redução para 16 temas
ações a serem associadas aos temas
4.ª Fase Listagem de temas a utilizar em contexto: 1. “Cortège” de Lili Boulanger; 2. “Nocturne” de Lili
Boulanger; 3. “Fantaisie pour piano et orchestre” de Nadia Boulanger; 4. “Piano Trio in D Minor” de
Fanny Mendelssohn; 5. “Trio op. 11. 4 Finale” de Fanny Mendelssohn; 6. “Adagio” de Germaine
Tailleferre; 7. “Pianoconcerto in A minor, Op. 7” de Clara Schumann; 8. “Trio Für Violine, Cello Und
Klavier Op. 17” de Clara Schumann; 9. “Piano trio in G minor, Op. 17 – Andante” de Clara Schumann;
10. “L'Ondine Op.101” de Cecile Chaminade; 11. “Symp No. 3 in G Minor Op. 36” de Louise Farrenc;
12. “Piano Quintet No.1 1st Movement” de Louise Farrenc; 13. “Symphony No. 2 in D Major Op. 35” de
Louise Farrenc; 14. “Trio in E Minor Op. 45” de Louise Farrenc; 15. “Concertino, Op. 107 Chaminade -
flute & piano” de Cecile Chaminade.
5.ª Fase Verificação de temas que eventualmente se repetem no ritual e Considerando repetição
acrescentar temas associados aos elementos da natureza (extrato de ritualística verificadas
temas compostos para a EXPO 98): 1. Vento; 2. Água; 3. Fogo.
6.ª fase Apresentação em contexto (em Ritual). Investigação aplicada em contexto
7.ª fase Apresentação interna da justificação da metodologia e do Reflexão sobre o quadro metodológico,
tema associado à iniciação em Prancha temática em sessão. intenção e propósito da iniciativa

CONCLUSÃO
Podemos deduzir que esta abordagem metodológica pode ser usada para qualquer tema ou
assunto da vida cotidiana. No caso, dado que os elementos que participaram na audição eram externos
ao universo maçónico, a abordagem teve que ser feita de forma global e genérica com base no
conceito desenvolvido no MILMESA (Método Interdisciplinar de Literacia Musical, Educação e
Sensibilização Artística)95 numa atividade que operacionaliza guias de audição para este efeito
denominada de “Diz-me o que esta música / tema te faz lembrar”).

95
Tese de Doutoramento em Educação apresentada à Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Salamanca,
no ano letivo de 2005-06.

137
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BORBA, T., & LOPES-GRAÇA, F. (1999). Dicionário de Música. Mário Figueirinhas Editor.

Cardoso, O. (2007). Chiquinha Gonzaga: primeira compositora popular do Brasil. Ministério da Cultura
– Fundação Cultural de Palmares.

Cohen, A. (1987). International Encyclopedia of Women Composers. Books & Music.

DEUTSCH, O. (1965). Mozart: A Documentary Biography. Stanford University Press.

ENCICLOPÉDIA SALVAT DOS GRANDES COMPOSITORES. (1988). Publicações Alfa.

FEREIRA, A. J. (2008). Dicionário Meloteca de Mulheres Compositoras. MELOTECA.

FUBINI, E. (1993). La Estética Musical desde la Antigüedad Hasta el Siglo XX. Alianza Música.

GRIFFITHS, P. (1995). Enciclopédia da Música do Século XX. Martins Fontes Editora.

GROUT, D., & PALISCA, C. (1997). História da Música Ocidental. Gradiva.

HORTA, L. (1985). Dicionário de Música. Zahar Editores.

MARQUES, O. (1986). Dicionário de Termos Musicais. Editorial Estampa.

PARAUTY, M. (1991). Mozart amado dos Deuses. Círculo de Leitores.

SOLOMON, M. (1995). Mozart: A Life. Harper Collins.


STANLEY, S. (1980). The New Grove Dictionary of Music & Musicians. London.

138
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A FORÇA DOMINADORA DO SÍMBOLO NO DIZER DE UM CONTO DE EÇA DE QUEIRÓS96


João Bartolomeu Rodrigues97, Elsa Morgado98, & Levi Leonido99

Eça de Queirós Resumo


Palavras-chave

Estrutura Simbólica «Adão e Eva no Paraíso» é um conto de Eça de Queirós. Nele trava-se um
Organização isotérica interessante diálogo entre duas visões epistemológicas em permanente confronto:
Tetractis Pitagória
por um lado a Bíblica, representante do criacionismo e, por outro, a perspetiva
evolucionista. Eça trava, assim, um interessante diálogo entre as duas perspetivas
referidas, nunca excluindo uma em detrimento da outra, assumindo uma posição
neutra. A tetractis pitagória serve de estrutura formal ao conto. Esta pirâmide é
preenchida e ornamentada com os recursos e a força dominadora que os símbolos
lhe emprestam: por um lado, os números concorrem para compor as sequências
temporais (da criação e da evolução) que compõem o enredo; por outro, a
simbologia dos elementos vai fazendo subir, degrau a degrau, o estado de
hominização de Adão, na complementaridade de Eva que bate as pedras da
civilização, rumo à perfeição que se manifesta na atividade artística.

Nota prévia
A presente investigação foi publicada em 2017 na Revista CríticaCultural, v.12, n.2, precisamente
com o significativo título “Adão e Eva no Paraíso: a força dominadora do símbolo no dizer de um conto
de Eça de Queirós”. O propósito dos seus autores prendia-se exclusivamente com uma das exigências
académicas: para além da lecionação, o Professor Universitário está, por força do estatuto que rege a
carreira docente universitária (ECDU) obrigado a fazer extensão à comunidade e, sobretudo , fazer
investigação e publicá-la em revistas da especialidade.
A investigação tem a particularidade de frequentemente nos surpreender com repostas a questões
que não levantámos previamente. Este foi um dos casos: não encontrará o leitor qualquer pergunta
inicial a questionar a possibilidade de Eça de Queirós ter pertencido ou não à maçonaria. No entanto
as três questões apresentada na introdução, mas particularmente a segunda, que se foca na relação
entre o uso da simbologia e a ideologia do autor, conduzem-nos inexoravelmente não à conclusão,
mas à hipótese com que terminamos este artigo e que para situar o leitor antecipamos, desde já: “Não
queremos tirar conclusões precipitadas, sem outras fontes que o confirmem, mas o profundo
conhecimento que Eça de Queirós revela ter de uma sociedade secreta, particularmente da
tetráctis pitagórica, que serviu de matriz à estrutura do conto, bem como o uso da símbolo, afigura-
se-nos como sintoma demasiado claro, roçando as franjas da evidência, para silenciarmos, pelo
menos a hipótese, de que Eça de Queirós tenha pertencido a qualquer organização esotérica”
(Rodrigues et al., 2017, p. 330).
Por isso, entendeu a comissão organizadora incorporar esta investigação neste volume dedicado à
temática da Maçonaria: nela, pode o leitor perceber que Eça escreve para dois destinatários distintos
(público em geral e os iniciados).

96
A partir do Artigo publicado na Revista Crítica Cultural | Palhoça, SC, v. 12, n. 2, p. 315-331, jul./dez. 2017., com o
título “Adão e Eva no paraíso: a força dominadora do símbolo no dizer de um conto de Eça de Queirós”.
97
JOÃO BARTOLOMEU RODRIGUES – CECS & Universidade de Trás-os-Montes e Alto, PORTUGAL. Email: jbarto@utad.pt
98
ELSA MARIA GABRIEL MORGADO – CEFH – Universidade Católica Portuguesa & Instituto Politécnico de Bragança,
PORTUGAL. Email: elsa.morgado@ipb.pt
99
LEVI LEONIDO FERNANDES DA SILVA - Centro de Investigação em Ciência e Tecnologias da Artes - Universidade
Católica Portuguesa & Universidade de Trás-os-Montes e Alto, PORTUGAL. Email: levileon@utad.pt

139
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

INTRODUÇÃO
A presente investigação resulta de um trabalho constante que tem vindo a ser continuamente
aprofundado e melhorado ao longo do tempo. A última versão foi publicada em 2017 na Revista Crítica
Cultural, precisamente com o significativo título “Adão e Eva no Paraíso: a força dominadora do
símbolo no dizer de um conto de Eça de Queirós”. Com esta publicação, damos mais um passo,
introduzindo novos elementos, retirando outros, enfim tentamos aperfeiçoar a análise. O propósito
dos seus autores prendia-se exclusivamente com uma das exigências académicas: para além da
lecionação, o Professor Universitário está, por força do estatuto que rege a carreira docente
universitária (ECDU) obrigado a fazer extensão à comunidade e, sobretudo, fazer investigação e
publicá-la em revistas da especialidade.
“Adão e Eva no paraíso” é, precisamente o título que Eça de Queirós atribuiu a um dos seus
contos mais significativos. Estamos, assim, diante de um conto essencialmente descritivo, cuja
mundividência da temática se recorta no intertexto de uma narrativa judaico-cristã, onde as
personagens retiradas do texto bíblico mantêm o mesmo carácter simbólico do Génesis.
Depois de uma leitura mais aprofundada facilmente constatamos que estão patentes duas
perspetivas em permanente diálogo. Por um lado, a perspetiva bíblica, representante do criacionismo
e, por outro, a perspetiva evolucionista. Tal como afirmam Gonçalves e Monteiro (2001, p. 24) ao
referirem que “Eça trava um interessante diálogo entre estas duas perspetivas, nunca excluindo uma
em detrimento da outra, assumindo uma posição neutra”.
Qual a pergunta ou perguntas de partida a que pretendemos responder ao longo desta
investigação? Neste caso em concreto assumimos as seguintes três questões: 1. Como é que Eça de
Queirós lida com a problemática que no seu tempo opunha a tese da criação à perspetiva
evolucionista? 2. Qual o contributo da simbologia para uma leitura da ideologia do autor? 3. Em que
medida a moral do conto nos revela o perfil ideológico de Eça de Queirós?
As três questões apresentadas nesta introdução, mas particularmente a segunda, que se foca
na relação entre o uso da simbologia e a ideologia do autor, conduzem-nos inexoravelmente não à
conclusão, mas à indagação de fortes indícios, cedidos pelo texto, de Eça de Queirós ter pertencido
à maçonaria: não se trata de apresentar evidências de tal pertença, mas buscar a possibilidade de
níveis diferenciados de leitura que tornem possível, plausível e muito muito provável esta hipótese
que aguarda pela descoberta do documento que ateste a sua iniciação ou qualquer outro que confirme
a sua pertença a qualquer obediência, como acontece, por exemplo, com Alexandre Herculano, cuja

140
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

evidência surge na troca de cartas entre Sr. D. António da Costa e Herculano na famigerada polémica
que levou à inserção do casamento civil no novo código civil. Na segunda Carta de Herculano, este
refere: “Decerto os argumentos do sr. D. António da Costa não me parece que valham muito; mas
valem indubitavelmente mais do que os dos foliculários pios. Não se reduzem a chamar-nos pedreiros
livres, ímpios, inimigos…” (Herculano, 1866). Não nos move, portanto, qualquer pretensão de provar
seja o que for, mas abrir novas possibilidades de leitura que ampliem e legitimem novas
interpretações.
Em virtude da delimitação temática a que este tipo de investigação nos compele, propomo-
nos abordar tão-somente as problemáticas da criação e da evolução: 1. A criação - análise dos
números que surgem referidos ao longo do conto; 2. Apreciação do uso que o autor faz dos quatro
elementos (terra, ar, água e fogo) no preenchimento da matriz que preside à estrutura formal do conto
–, a tetráctis pitagórica.
Eça de Queirós dividiu o conto em três partes, que enumerou à romana, não dando títulos a
cada uma. A fé ou convicção de Eça, na criação, aparece com toda a clareza, na primeira parte do
conto, em dois momentos distintos: A criação da Terra e do Homem; e a crença na evolução aparece
na terceira parte da narrativa.

1. A Criação: a via dos números

Na criação do mundo são referidos dois tempos: O primordial e o advento. No primeiro tempo,
o primordial, refere que a “terra existia desde que a luz se fizera, a 23, na manhã de todas as manhãs”
(Queirós, 1988, p. 343), a qual se caracterizava pelo facto de ser
parda e mole, ensopada em águas barrentas, abafada numa névoa densa,
erguendo aqui e além, rígidos troncos de uma só folha e de um só rebento, muito
solitária, muito silenciosa, com uma vida toda escondida, apenas surdamente
revelada, pelo remexer de bichos obscuros, gelatinosos, sem cor e quase sem
forma” (Queirós, 1988, p. 343).

No segundo tempo, o advento, é o tempo em que a terra se prepara para receber o Homem.
“Não! Agora, durante os dias genesíacos de 26 e 27, toda ela se completara, se abastecera e se
enfeitara, para acolher condignamente o Predestinado que vinha” (Queirós, 1988, p. 343). Neste
período, a Terra apresenta já um estado de evolução muito avançada.

141
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Eça sente necessidade de recorrer ao intertexto do Génesis, a fim de a caracterizar: “No dia
28 já apareceu perfeita, perfecta com as provisões e alfaias que a Bíblia enumera, as ervas verdes de
espigas maduras, as árvores próvidas do fruto entre a flor, todos os peixes nadando nos mares”
(Queirós, 1988, p. 343). No entanto, essa perfeição, que mais tarde se revelará imperfeita, ficará sujeita
às futuras mutações:
A Terra ainda não era uma obra perfeita: e a divina energia, que a andava
compondo, incessantemente a emendava, numa tão móbil inspiração que em sítio
coberto ao alvorecer por uma floresta, à noite se espalhava uma lagoa onde a
Lua, já doente, vinha estudar a sua palidez” (Queirós, 1988, pp. 357-358).

A criação do homem aparece igualmente desdobrada em dois tempos. O conto começa


Justamente com a afirmação da crença na criação: “Adão, Pai dos Homens, foi criado no dia 28 de
outubro, às duas horas da tarde” (Queirós, 1988, p. 343). Neste sentido, Chaboche refere que “vinte e
oito é o número dos dias do mês lunar (médio). Mas é também o número de anos de um ciclo solar
(após o qual os dias da semana se reproduzem nas mesmas datas” (1979, p. 172).
Ao colocar o aparecimento do homem a 28 de outubro, Eça atribui-lhe o papel de
hermafrodita, pois 28 relaciona-se com a lua (mês lunar) e com o sol, (ciclo solar). Isto significa que
Adão é, em si mesmo, Homem e Mulher. A leitura de 28 (2+8=10) dá dez, que é o número do mês –
outubro. O facto de considerar Adão como hermafrodita significa que Adão é o homem perfeito,
completo, susceptível de iniciação. Por outro lado, o 10 que na simbólica da árvore da vida é Malkuth
exprime a ideia de mundo.
Ao ser criado a 28 de outubro, Adão é o ser perfeito para o mundo. Vinte e oito (28) é um
número solar e lunar, é o número dos anos de um ciclo solar. Igualmente o número dos dias do mês
lunar (médio). Eça de Queirós parte do princípio que o homem primitivo é masculino e feminino. É o
homem total. Baseia-se na mitologia grega, onde o homem primitivo era redondo porque continha os
dois princípios em si. Ao ser criado no dia 28, cuja leitura é 1 (28=10=1), este número representa a
ingenuidade antes de acabado (Paneth , 1976, p. 38). A criação do homem exprime a evolução da
ingenuidade para a síntese (o amor), da animalidade para a humanização (Queirós, 1988, p. 346),
para a racionalidade através da aecálie (os 10 sefirotos); o estádio edénico anterior ao conhecimento.
- A ideia de perfeição concretiza-se neste dia, Eça refere-a com a repetição do mesmo adjectivo,
em português e latim, “No dia 28 já apareceu perfeita, perfecta, com as provisões e alfaias que a Bíblia
enumera [..]” (Queirós, 1988, p. 342).

142
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Foquemos outro aspecto ligado ao dia da criação do homem, isto é, ao 28º. A criação do
mundo e do homem são do signo Escorpião. O escorpião vê o afastamento do Sol e o adormecimento
da natureza. É o Outono. Tempo da nostalgia e da melancolia. Deve salientar-se que Eça é um
melancólico. O Outono pela coloração da morte, pelo carácter intimista que proporciona, favorece o
isolamento que agrada a Eça. A criação do homem será a criação de Eça, que assim se retrata?
Pitágoras dirige-se a Policarpo nestes termos:
A metade (dos meus alunos) estuda a admirável ciência das matemáticas. A eterna
natureza é objecto dos trabalhos de um quarto (desses alunos). A sétima parte deles
entrega-se à meditação e ao silêncio. Além disso, há três mulheres, das quais a
mais notável é Teano. Esse é o número dos meus alunos que é também o das
minhas musas (Chaboche, 1979, p. 172).

Consideremos, agora, o mês de outubro. Outubro contém uma dupla possibilidade: pelo
nome relaciona-se com o oito; pela localização no ano com o 10.
O oito (8) exprime a encarnação do espírito na matéria. Esta, a partir de agora, cria e
automatiza-se. Exprime a transição de uma estrutura, de uma situação, ou de um ritmo para outro. O
oito é também o número da prova, da iniciação e o número da ressurreição. É o dualismo humano
elevado ao cubo (23): o homem relacionando-se consigo, com a natureza, com o universo. Corpo
alma e espírito. Por isso, exprime o “homem perfeito em seu domínio das leis cósmicas (Paneth,
1976, p. 38): situa o homem entre o céu e a terra, ele é o mediador. Possui a lei natural e a lei divina.
O dez (10) indica a maior perfeição possível. Daí que o homem seja o ser mais perfeito da
natureza. Liga-se na Cabala Judaica com a árvore sefirótica, que aparece na terceira parte do conto.
O homem é a harmonia da criação: local de convergência e local de domínio, sobretudo através do
homem-anjo, “porque ao lado de Adão velava uma figura séria e branca, de asas brancas fechadas,
os cabelos presos num aro de estrelas, o peito guardado numa couraça de diamante, e as duas
refulgentes mãos apoiadas ao punho de uma espada que era de lume – e vivia” (QueiróS, 1988, p.
357). Colocada a vida do homem na III parte, significa que Eça lidou com o número de homem, o
terceiro100.
O 10 relaciona-se com a tetráctis pitagórica que significa a união dos 4 elementos. O 10 é o
fogo, o elemento superior dentro desta estrutura. Exprime a “criação universal” (Chevalier &
Gheerbrant, 1994, p. 261), a totalidade em movimento (Chevalier & Gheerbrant, 1994, p. 261).

100
O número de homem obedece à seguinte fórmula: n2+1. São número de homem os três primeiros: 2, 5, 10, se
aplicarmos a n os valores de 1, 2, 3. Pode relacionar-se este facto com a hora da criação: 2 horas da tarde, ou 14 horas.
A leitura de 14 é 5 (1+4=5).

143
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O 10 corresponde ao cruzamento das horas (14=5x2=10). O 2x5 indica a dualidade do ser


humano: vitorioso, mas simultaneamente cheio de “temor” e “miséria”. São, no entanto, o medo e a
miséria que promoverão a humanização.
2 horas da tarde = 14 horas
Em duas horas da tarde surge o problema do 2 e do 14.
O dois (2) é o reflexo do um e estabelece o homem como reflexo do Criador. Indica a
dualidade, base do ser humano, embora salientando, por ser número par, o carácter feminino.
Exprime a simetria em oposição e complementaridade fecunda. Indica o ritmo primeiro,
binário e o movimento.
Em II, desenvolve as primeiras peripécias do homem no mundo: a primeira surpresa, os
primeiros sustos. O homem contempla o desaparecimento do mundo anterior a ele servindo, quase
à maneira do pensamento de Pascal, do ponto que liga os dois infinitamentes. No final do II surge a
mulher. Corporiza-se, deste modo, o masculino e o feminino. Dentro da maçonaria, o dois exprime
as duas colunas exteriores ao templo: a masculina – Yakîn (à direita) - e a feminina – Boas (à
esquerda)101. Os nomes vêm do Antigo testamento, do templo de Salomão (I Re 7,41; 2Cr 3,17). O
homem e a mulher são os dois suportes da evolução e do progresso.
A esse respeito, Jean Mattéi refere que “a escola pitagórica foi, para o mundo ocidental, o
primeiro modelo de uma sociedade secreta e, pois, fechada em suas particularidades – a franco-
maçonaria emprestará dela inúmeros símbolos essenciais” (2000, p. 30).
O catorze (14) exprime a prova, a dureza, o medo, a morte iniciática. Ao longo do texto o
medo, as durezas predominam e condicionam a vida do homem em constante ato iniciático. Pela
leitura indica o número 5, o número do homem físico em que, pelo facto de ser ímpar, se manifesta
a preponderância masculina,

1.1 Os dias da criação do mundo e do homem

Na primeira parte do conto surge uma sequência numérica, a saber: 23, 24, 25, 26, 27, 28. Podemos
questionar-nos: porquê estes dias? A leitura deles pode indicar-nos algo:
23 = 5; 24 = 6; 25 = 7; 26 = 8; 27 = 9; 28 = 10 = 1

101
Yakîn = «il stabilizara» et Boaz = «en lui la force» ou «dans la force». Esta nota é retirada da TOB (Tradution
Oecoménique de la Bible), da nota v, correspondente a 2Cr 3,17.

144
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

23 de outubro – “A terra já existia desde que a luz se fizera, a 23, na manhã de todas as manhãs...”
(QUEIRÓS, 1988, p. 343). Ao situar a criação do mundo e da luz, em 23, Eça de Queirós atribui-lhe o
significado de templo ao mundo, à terra. O cinco indica o templo, a união do homem com a mulher,
a união do par com o ímpar. Por isso no final do conto surge a referência às três colunas internas da
Loja Maçónica: força beleza e sabedoria:
Já não receio que a terra instável vos esmague; ou que as feras superiores vos
devorem; ou que, apagada, à maneira de uma lâmpada imperfeita, a energia que
vos trouxe da floresta, vos retrogradeis à vossa árvore. Sois já irremediavelmente
humanos e cada manhã progredireis, com tão poderoso arremesso, para a
perfeição do corpo e esplendor da razão (Queirós, 1988, p. 370).

Depois prolonga-se pelos dias 24, 25, 26 27 e 28. Eça segue a teoria bíblica dos seis dias.

24 de outubro - Embora o dia 24 faça parte do “período de tempo” da criação, este dia não
aparece referido explicitamente no texto, deixando clara a ideia de que Eça não está preocupado com
a descrição pormenorizada, tal como acontece no texto do Génesis, mas tão simplesmente com a
ideia que o número seis (os dias da criação) encerra em si mesmo. O número 24 aparece
implicitamente referido no texto, tendo presente a leitura de 24, isto é, (2+4 = 6). Seis é o número
dos dias da criação. 6 é, ainda, um número imperfeito, por isso, o 24, não pode aparecer referido,
uma vez que não se reveste de dignidade para preparar a vinda daquele que há-de realizar a perfeição.
Por outro lado, o 24 liga-se à fonte original, a todo o processo criador, à necessidade de ordem, à
harmonia do céu e da terra. É o sentido esotérico da primeira palavra da Bíblia: Bereshit, o criador do
seis (bara schit). Igualmente “constitui a primeira palavra do Evangelho de S. João [εν αρχη ην ο
λογος], uma das luzes da loja maçónica (Chaboche, 1976, p. 134).

25 de outubro. Por oposição ao dia 24 este já aparece, bem explicito, no texto. Caminhamos
para a perfeição, ou seja, o 25, que tem por leitura o 7 (2+5 = 7), indica a complementaridade viva
entre o Criador e a criação. É a música do Universo, a harmonia das esferas. Mas o 7 ainda avança
mais. É o número da relação viva entre Deus e o homem (Chaboche, 1976, p. 135), a síntese do
conhecimento e do amor (Chaboche, 1976, p. 137), o número do templo (e o templo vivo é o homem),
o número da iniciação e do ciclo da vida.
Contudo, mais especificamente, o 7 simboliza a reintegração do espírito e da matéria, do
tempo e da eternidade, numa unidade única e reconciliada, em que o espírito se alia à matéria (3+4)
e o tempo se funde na eternidade (Chaboche, 1976, p. 143); o 7 é o número do templo. No conto, o
7 aparece ainda numa outra expressão: “

145
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Mas quem pode garantir estes bosques e estes bichos, pois que desde esse dia de 25 de
outubro, que inundava o Paraíso de esplendor outonal, já passaram, muito breves e muito
cheios, sobre o grão de pó, que o nosso mundo, mais do que sete vezes setecentos mil
anos?
Aqui, porém, em lugar de só referir o número 7, Eça de Queirós chama a atenção para mais
dois: o 100 e o 1000. O mundo é o templo edificado por Deus à sua glória. Daí que Eça de Queirós
reitere o exemplo do 7 elevando-o à classe das centenas de milhares. As centenas individualizam uma
realidade numa realidade mais vasta. É a situação da terra em relação ao universo. Significa a perfeição
da vida.

O mil (1000) relaciona-se com o cosmos, o universo:

Pode-se lembrar aqui a doutrina dos sete milenários, tal como ela se apresenta
na epístola de Barnabé, em relação com a gnose judaico-cristã do Egipto. A
semana cósmica era constituída por sete milenários. A divisão do mundo em sete
milenários não pertence ao meio judeu tradicional, mas sim na tradição judaica
helenizada (Chevalier & Gheerbrant,1994, p. 452).

Assim, “sete vezes setecentos mil anos” refere-se ao homem, ao mundo e à terra. Por isso,
o dia 25 tem uma “madrugada purificadora”, Deus começa a preparar um mundo que seja habitável
pelo homem e não só um mundo com vida, sobretudo monstruosa.

Por isso, 7x7 = 49. Este número significa a realização da viagem, um terminus, mas
igualmente, um ponto de partida.

Esta referência ao número 7vezes700.000 introduz-nos no intertexto do Evangelho e lembra-nos,


a noção de perfeição, onde Cristo diz a Pedro que tem que perdoar setenta x sete vezes. Perdão
é uma manifestação de Amor, e por coincidência, o conto termina com a importância do amor.

Mas o 7 ainda avança mais. É o número da relação viva entre Deus e o homem (Chaboche, 1979,
p. 135), a síntese do conhecimento e do amor (Chaboche, 1979, p. 137), o número do templo (e
o templo vivo é o homem), o número da iniciação e do ciclo da vida. O espírito alia-se à matéria
(3+4) e o tempo funde-se na eternidade.

26 e 27 de outubro, sem descer a pormenores, refere que foi nestes dias que a criação se
preparou. O «26» lê-se «8» e exprime o equilíbrio cósmico, a harmonia, a ordem universal: é a rosa
dos ventos com os seus 4 pontos cardeais e os quatro pontos colaterais. Indica a Lei e a situação
intermédia entre o quadrado e a esfera, entre a terra e o céu. É o número da justiça, daquilo que
compete a cada ser do universo. Por isso Javé passou os dias 26 e 27 a completar o Universo: “Agora,

146
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

durante os dias genesíacos de 26 e 27, toda ela se completara” [com um objectivo bem concreto] [...]
se abastecera e se enfitara, para acolher condignamente o Predestinado que vinha” (QUEIRÓS, 1988,
p. 343). É a concretização da palavra bíblica: “Deus viu que tudo era bom” (Gn 1, 31). Traduz as
articulações, a transição de uma estrutura a outra, a mudança rítmica que produz a harmonia.

O «26» corresponde ao 4º dia da criação: o dia em que o Criador determinou as luzes do


firmamento. Igualmente corresponde à totalidade das ordens divinas na criação. Esta totalidade de
ordens, efectuou-se ao longo de seis dias (Gn 1, 3.6.9.11.14.20.24.26).

• Deus disse: que a luz seja [...] (primeiro dia);


• Deus disse: que exista um firmamento [...] (segundo dia);
• Deus disse: que se reúnam as águas existentes sob o céu [...]
• Deus disse: que a terra se torne verde [...] (terceiro dia);
• Deus disse: que haja luzes no firmamento [...] (quarto dia);
• Deus disse: que as águas fervilhem [...] (quinto dia);
• Deus disse: que a terra produza seres vivos, segundo a sua espécie [...]
• Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança [...] (sexto dia)

A partir do 4º dia começou a formação do Universo humano e deixou de haver a formação


das generalidades do Universo. Agora este começava a entrar na relação mais direta com o homem.

No dia 27 extinguiram-se todos os monstros: “na véspera do advento do homem, Jeová, muito
caridosamente afogou todos os iguanodontes nos lodos de um pântano, a um canto escondido do
Paraíso, onde hoje se estende a Flandres” (Queirós, 1988, pp. 361-362. O «27» concretiza-se na
leitura do «9». O “arrumar da casa” concretiza-se, diversifica-se, pormenoriza-se. As águas mexem-
se, os seres vivos surgem conforme a sua variedade. O nove significa a totalidade do mundo criado.
É o momento final da geração no ovo, cujo eclodir originará a nova realidade. Por isso se reveste de
um carácter feminino, lunar. É a manifestação do amor, a geminação para baixo (9); marca o final da
Criação divina; a partir daí compete ao homem criar.

147
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

2. A EVOLUÇÃO: a via dos elementos

A terceira parte do conto, que recorre a uma maior velocidade diegética, encerra toda a
evolução do homem: “E assim Adão e Eva, fugindo do fogo, fugindo da água, fugindo da terra, fugindo
do ar, encetavam a vida no jardim das Delícias” (Queirós, 1988, p. 359). Como consequência de tudo
o que ficou dito anteriormente, para Eça, a hominização parte de um triplo princípio: proteção divina,
consciência da miséria própria e sentimento de medo que obriga à sua remoção: Este triplo princípio
é comum a toda a iniciação. Fernando Pessoa (1888-1935) retrata-o no poema «O Infante» da
Mensagem: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” (Pessoa, 1997, p. 73).

A partir daqui os saltos evolutivos são os seguintes: 1. A arma; 2. A técnica; 3. O fogo; 4. A


tentação da serpente; 5. O cozer (carne assada); 6. O coser; 7. A domesticação; 8. A agricultura; 9. A
descendência; 10. A arte. Estes dez elementos recordam a tetráctis pitagórica que Eça, certamente
conhecia, pois é um dos elementos de formação maçónica a que Eça pode ter tido ligação desde 1888
(Arnaut, 1999). Com estes elementos forma-se a pirâmide pitagórica:

Estes dez elementos recordam a tetráctis pitagórica102 que Eça, certamente conhecia, pois é
um dos elementos de formação maçónica a que Eça pode ter tido qualquer ligação desde 1888
(Arnaut, 1999). 103.

Com estes elementos forma-se a pirâmide pitagórica:

*
* *
* * *
* * * *
Esta preenchida com os elementos do conto, temos o seguinte resultado:

102
A tetráctis diz respeito à série dos quatro primeiros números, de cuja soma resulta o número dez: 1+2+3+4=10
103
Esta ideia é defendida por Arnaut, António – Entre o espaço e o compasso, Lisboa, Universidade Editora, 1999.

148
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

10 Fogo
Arte

8 9 Água
Agricultura Descendência

5 6 7 Ar
Alimentação Coser Domesticação

1 2 3 4 Terra
Arma Técnica Fogo Desobediência

Figura 1. Tetráctis pitagórica

2.1. Os quatro elementos


E assim Adão e Eva, fugindo do fogo, fugindo
da água, fugindo da terra, fugindo do ar,
encetavam a vida no jardim das Delícias.

A Terra: Os primeiros quatro elementos (arma, técnica, fogo e desobediência) referem-se ao


domínio da terra. A última dá a dimensão em crescendo de toda a série. Aquilo a que na tradição
cristã se convencionou chamar “pecado original”, ou a “queda”, acabou por tornar o homem como
ser, indivíduo, humano: pensa e distingue o que é bom e mau.

A terra é o primeiro elemento que contacta com a humanização, é também o primeiro


momento dessa humanização. Largados da árvore, “todas as tradições, as mais orgulhosas,
concordam em que Adão, na sua entrada inicial pelas planícies do Éden, tremeu e gritou como
criancinha perdida em arraial turbulento” (Queirós, 1988, p. 346). Começa a luta com a natureza.

149
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Quando um galho alongado o roçasse, decerto nosso Pai atiraria contra ele as
garras desesperadas para o repelir e lhe escapar. Nesses bruscos ímpetos
quantas vezes se desequilibrou, e as suas mãos se abateram desamparadamente
sobre o solo da mata ou rocha, de novo precipitado na postura bestial,
retrogradando à inconsciência, entre o clamor triunfal da floresta! (Queirós, 1988,
p. 346).

De seguida, o nosso pai ergue-se, toma a postura humana e começa a ganhar consciência.
“E há já consciência, pressa da racionalidade, nos ressoantes passos com que se arranca ao seu limbo
arboral, despedaçando as enrediças, fendendo o bravio denso [...] (Queirós, 1988, p. 346). “E Adão
sai da floresta para o mundo e contempla-o através das “campinas do Eufrates” (Queirós, 1988, p.
347). Aterra é a mãe, a origem de toda a vida. Nela reside o conflito entre a animalidade e o início da
racionalidade, a oposição entre o hábito a abandonar e a sublimação, a elevação.
O Ar: Até ao 5, o homem reside no estado semiconsciente; agora começa uma nova etapa
em direcção ao 10, à arte, como manifestação suprema. A costura, a colinária e a domesticação dos
animais são as formas mais elementares, da noção de arte, que tende a tornar-se a grande
manifestação de arte. Os três elementos seguintes (alimentação, coser e domesticação) referem-se ao
ar, como “a justificação” no mundo do homem consciente de si mesmo, “é uma conquista de um
ser outrora pesado e confuso que, pelo movimento imaginário e escutando as lições da imaginação
aérea, se tornou leve, claro e vibrante [...]” (Chevalier & Gheerbrant, 1994, p. 78).

O ar é o segundo elemento a manifestar-se ao homem. Manifesta-se por “um grande pássaro”


(Queirós, 1988, p. 348), que passa diante do homem que contempla a natureza, “um pássaro cinzento,
calvo e pensativo [...]” (Queirós, 1988, p. 348).

Relaciona-se com o esforço de compreensão: “O nosso Pai venerável, com a fusca face
franzida, no doloroso esforço de compreender, pasmava para aquele pássaro, que ao lado, sob o
abrigo de azáleas em flor, terminava muito gravemente a construção de uma cabana” (Queirós, 1988,
p. 348). Termina, no entanto, pesarosamente, “Mas o Pai dos homens, nessa tarde, ainda não
compreendeu” (Queirós, 1988, p. 348). Vê, no entanto, como se constrói uma cabana. O ar e o fogo
são elementos activos enquanto a terra e a água são passivos. Por isso, quando o homem começa a
actividade abandona a terra e contempla o pássaro, símbolo do subtil; daí que o homem ainda não
compreenda. Mas constitui a base para a liberdade a usufruir; a condição para a imaginação, a partir
do pesado da terra e da confusão inicial. Por isso o pássaro roça o nosso Pai quando este se encontra
perante a totalidade da natureza, totalidade que ele admira sem compreender, nem destrinçar.

150
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A Água: Os dois elementos seguintes: a agricultura e a descendência, ligam-se com a água


– elemento essencial para a criação das plantas e do homem (feto). Com a água a humanização dá
um grande salto em frente. Relaciona-se com o apetite: “Adão vai arfando entre o apetite daquela
resplandecente Natureza e o terror dos seres nunca avistados [...] (Queirós, 1988, p. 348). Com a
água relaciona-se a energia: “Mas dentro dela borbulha, não cessa, a nascente sublime, a sublime
nascente de Energia” (Queirós, 1988, p. 348). É a energia que desenvolverá os “dons que
estabelecerão a sua supremacia sobre essa natureza incompreendida e o libertarão do seu terror” [...]
(Queirós, 1988, pp. 348-349). É com a água que chega a linguagem: “Adão solta roucas exclamações,
gritos com que desafoga, vozes gaguejadas, em que por instinto reproduz outras vozes [...] (Queirós,
1988, p. 349), inicialmente imitações, prosopopeias, e, por fim, já palavras.
A água é mãe e matriz. A palavra que se pronuncia primeiramente, “mãe”, foi substituída no
conto pela água: “Lhlâ! Lhlâ” (Queirós, 1988, p. 349). É a fecundação da alma do pensamento, a
grande revelação, ainda informe, mas já saborosa, sensual.
O Fogo surge no final do primeiro dia de Paraíso de Adão. Inicialmente é uma manifestação
divina. Adão dorme e todos os animais se colocam diante dele, prontos a devorá-lo. Só que ... nada
conseguem “porque ao lado de Adão velava uma figura séria e branca, de asas brancas, fechadas, os
cabelos presos num aro de estrelas, o peito guardado numa couraça de diamante, e as duas
refulgentes mãos apoiadas ao punho de uma espada que era de lume [...]”(Queirós, 1988, p. 357).
O fogo impõe a supremacia do homem sobre os outros elementos da natureza. Só mais tarde
o homem entrará em contacto com a presença, a fabricação do fogo. Por fim, a arte funciona como o
grande fogo que tudo transforma daí que – logo no início do segundo dia – a ocupar o centro
matemático do conto – surja Eva tirada do Homem, durante o sono. Razão e bondade (Eva, a mulher,
a água) – é a união dos contrários que permite a reprodução, que se complementa o ser humano total.
A conclusão é que o homem é a manifestação do homem-anjo – o homem superior, o homem que se
afirma pensamento. Pode revestir-se dois aspectos: ou o fogo da iluminação e da razão, ou o fogo da
paixão.
Chegados a este ponto, o homem imortaliza-se e manifesta o estado perfeito. Nesse caso, o
Homem é o templo acabado e com vida interior. Daí que depois desta descoberta da hominização, Eça
foque o nome das três colunas interiores do templo maçónico: Força, Beleza, Inteligência/sabedoria.
Falta, no entanto, referir a seiva que alimenta e percorre a árvore da vida, da iniciação. Essa seiva é o
amor. E Eça termina o conto com a apologia do amor.

151
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

2.2. A Evolução à luz da tetráctis pitagórica

Para compreendermos o alcance ideológico deste conto, temos que ter presente a concepção
filosófica designada pelo nome de evolucionismo. Não pretendemos abordar o evolucionismo com
profundidade, porque nos afastaríamos do objecto do nosso trabalho, apenas referiremos o conceito.
“Dá-se o nome de evolucionismo à corrente filosófica que pretende explicar a formação e
desenvolvimento, tanto do mundo físico como das espécies vivas, da consciência e da sociedade
humana, por um mesmo processo natural, segundo leis idênticas”104.
Reconhecemos, no conto, que em termos ideológicos, em Eça não há qualquer oposição
entre a criação e o evolucionismo, sendo esta consequência natural da primeira.
A partir daqui (início da parte III), termina a proteção divina. Sem tal protecção, “começaram,
para nossos Pais, os dias abomináveis do Paraíso” (Queirós, 1988, p. 357). Por isso, o “destino” de
Eva (com Adão) está doravante traçado: “por ela Deus continua a criação superior, a do reino espiritual,
a que se desenrola sobre a Terra o lar, a família, a tribo, a cidade. É Eva que cimenta e bate as grandes
pedras angulares na construção da humanidade” (Queirós, 1988, p. 366).
Este é o momento oportuno para perguntarmos pela causa, ou causas que fizeram de nós,
humanos, seres únicos, que nos tornam a espécie mais bem-sucedida, que habita á face da terra?
Será o nosso cérebro o responsável por tais êxitos, como a faculdade de comunicar, a capacidade de
fazer uso de instrumentos, ou o caminhar bípede? ou pelo contrário, terão sidos os desafios que os
primeiros humanos tiveram que enfrentar que levaram a máquina evolutiva ao desenvolvimento e
aperfeiçoamento do cérebro, e em última análise do homem? Sem qualquer pretensão de carácter
científico para responder a este tipo de perguntas, limitamo-nos a constatar que o paradigma
darwinista presidiu à ideologia de Eça, particularmente no que diz respeito à parte III do conto: reflete
a mentalidade científica do século XIX, da qual Eça se constituiu interprete:
se não rugisse outrora o leão das cavernas, não trabalhava hoje o homem das
cidades – pois que a civilização nasceu do desesperado esforço defensivo contra
o inanimado e o inconsciente. A sociedade é realmente obra da fera. Que a espleia
e o tigre, no Paraíso, começassem por acariciar languidamente o ombro peludo
de Adão com pata amiga – Adão ficaria irmão do tigre e da espeleia, partilhando
as suas tocas, as suas presas, os seus ócios, os seus gostos bravios. E a energia
inteligente que o descera da árvore, em breve se apagaria dentro da sua bruteza
inerte, como se apaga a faísca, mesmo entre galhos frescos, se um frio sopro,
vindo de buraco escuro, não a estimula a viver, para vencer a friagem e vencer a
escuridão (Queirós, 1988, pp. 363-363).

104
“Evolucionismo” In Grande enciclopédia Luso-Brasileira.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O «destino» de Eva (com Adão) está doravante traçado: “por ela, Deus continua a criação
superior, a do reino espiritual, a que se desenrola sobre a Terra o lar, a família, a tribo, a cidade. É
Eva que cimenta e bate as grandes pedras angulares na construção da humanidade” (Queirós, 1988,
p. 366).
Retomemos os saltos evolutivos, acima referidos, a fim de verificarmos o percurso evolutivo
que o Homem teve de calcorrear, desde que iniciou esta aventura da hominização, até à meta da
perfeição:
1- A arma: Os primeiros quatro elementos (arma, técnica, fogo e desobediência) referem-se,
como vimos, ao domínio da terra. Depois da tomada de consciência de si, dos perigos que o
espreitam, privado da proteção divina, o medo apodera-se do homem. É numa situação de ameaça
que o Homem, como que num instinto de defesa, faz pela primeira vez uso da sua energia inteligente.
Perante a ameaça inesperada das patas negras e da goela sangrenta do pai dos Ursos “na apertada
ânsia de defender a sua fêmea, o Pai dos Homens arremessou contra o Pai dos Ursos o cajado a que
se arrimava, um forte galho de teca, arrancado na mata, que findava em lasca aguda (...). E o pau
atravessou o coração da fera” (Queirós, 1988, p. 363).
2 - A técnica: Depois da primeira façanha, ainda quase instintiva, e da respetiva tomada de
consciência do significado do ato, Adão e Eva mergulham na floresta e transformam-na em oficina
donde extraem ramos destramente quebrados em lasca: Ah!, que soberbo estalar de hastes, pelo
fundo bosque, através da frescura e da sombra, para a obra primeira da redenção! Selva amável que
foste a primeira oficina... Quando da mata largaram, fumegando de suor, para recolher à toca distante,
nossos Pais veneráveis vergavam sob o peso glorioso de dois grossos molhos de armas” (Queirós,
1988, p. 363). Ao fabrico da lança segue-se o do martelo: “apanha um pedregulho, bate a rocha,
arranca a lasca... E eis o martelo! (Queirós, 1988, p. 364).
3 - O fogo é, sob o ponto de vista simbólico, de uma riqueza incomparável. O culto do fogo
perde-se na pré-história e é comum a todas as civilizações, religiões, filosofias e teologias. Se em
Israel o fogo tem apenas um valor de sinal, que é preciso ultrapassar para encontrar Deus, para os
gregos, mais concretamente para Heraclito é Αἰθήρ (aither), substância ígnea e brilhante considerada
por Heraclito como centro motor dos processos cosmológicos. Kirk e Raven (1982, p. 201) salientam
que “esta ordem do mundo (a mesma de todas), não a criou nenhum dos deuses, nem dos homens,
mas sempre foi, é e será: um fogo sempre vivo, que se acende com medida e com medida se
extingue”. O fogo não foi, por um lado, oferta de Deus, nem por outra criação do Homem, no entanto,

153
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

ele foi roubado (arrancado) à natureza, não tendo sido dispensada a colaboração dos Veneráveis Pais:
“logo malha rijamente sobre a paderneira (...). E, oh, espanto! uma fagulha salta, refulge, morre”
(Queirós, 1988, p. 365). Se a primeira fagulha é fruto do acaso, as que irão originar a ignição
intencional do feno constituem mais um passo decisivo rumo à aventura da hominização:
E de novo o fumo rola, e de novo a chama refulge. Oh, triunfo! Eis a fogueira, a fogueira
inicial do Paraíso, e não casualmente rebentada, mas acendida por uma clara vontade que, agora, para
todo o sempre, cada noite e cada manhã, poderá repetir com segurança a façanha suprema! (Queirós,
1988, p. 365)
O fogo é mais um instrumento colocado ao serviço do homem: “Agora já Adão sabe que o
seu fogo espanta todas as feras (mesmo o medonho espeleu que nada espanta) e que no Paraíso
existe enfim um buraco seguro, mas amável – porque o lume o alumia, o aquece, o purifica” (Queirós,
1988, p. 366).
4 – Desobediência / transgressão, Eça recorre mais uma vez ao intertexto bíblico de Gn 3,
interpretando-o numa linha bastante pessoal, aproximando-se, neste aspeto, das teses seguidas pelos
exegetas contemporâneos de maior expoente. Eça afasta-se completamente da ideia de queda, tese
muito vulgar na teologia tradicional, ainda hoje defendida como «doutrina oficial» dentro das várias
confissões religiosas. Aquilo a que se convencionou chamar «desobediência», ou «queda», acabou
por tornar o homem como ser, indivíduo, humano: pensa e distingue o que é bom e mau. A alegoria
da transgressão significa para Eça o passo decisivo que projeta o Homem rumo à perfeição. Perfeição
essa que há-de atingir o seu clímax na arte, manifestação suprema do desenvolvimento humano. Eva,
a nossa Mãe, é colocada numa situação de superioridade em relação a Adão. Ela é sujeito capaz de
aspirar à divinização, ao contrário de Adão, incrédulo “em frutos que comunicam a divindade e a
sapiência, ele que tanta fruta comera nas árvores e se conservava inconsciente e bestial como o urso
e o auroque” (Queirós, 1988, p. 366). Mas os méritos de Eva em favor da causa humanitária vão mais
longe, na medida em que persuade Adão a partilhar do transcendente pomo. É igualmente por Eva
que “Deus continua a criação superior, a do reino espiritual, a que desenrola sobre a Terra o lar, a
família, a tribo, a cidade. É Eva que cimenta e bate as grandes pedras angulares na construção da
humanidade” (Queirós, 1988, p. 366). É assim que Adão e Eva passam do patamar da terra para o do
ar.
5 – Alimentação / cozer, com a descoberta do fogo e o uso do mesmo, uma nova conquista
se adivinha no escalão da humanidade:

154
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Donde vem ele, o gostoso aroma? Do fogo onde a posta de veado ou de lebre grelha e
rechina. Então Eva inspirada e grave, empurra a carne para a brasa viva; e espera ajoelhada, até que
a espeta com uma ponta de osso, e a retira da chama ruidosa, e a trinca, em sombrio silêncio (Queirós,
1988, p. 367). Da mesma forma que as anteriores conquistas, a cozinha também tem os seus tempos,
os seus silêncios, os seus momentos de triunfo:
e, com a pressa amorosa com que ofereceu a maçã a Adão, lhe apresenta agora
aquela carne tão nova, que ele cheira desconfiado, e depois devora a rijas
dentadas, roncando de gozo! E eis que, por este pedaço de gamo assado, nossos
pais sobem vitoriosamente outro escalão da humanidade! (Queirós, 1988, p. 367).

6 – Coser / vestuário apresenta-se-nos em primeiro lugar como um símbolo da atividade


espiritual do ser humano, como a manifestação visível do homem interior; “confere a individualidade,
a distinção ao homem, enquanto indivíduo” (Chevalier & Gheerbrant, 1994, p. 688). Porém,

… Eva recolhe logo à caverna, para se entregar, sem descanso, a uma tarefa que
a encanta. Encruzada no chão, toda atenta sob a coma crespa, nossa mãe fura,
com um ossinho agudo, buracos finos na orla de uma pela, e tão embebida que
nem sente Adão entrar e remexer nas suas armas, une as duas peles sobrepostas,
passando através dos buracos uma delgada fibra de algas que secam diante do
lume” (Queirós, 1988, p. 367).

Neste sentido, a situação atual revela um afastamento do “tempo” da proteção divina, em que
era o “próprio Deus, ou o Seu mensageiro que providenciava o vestuário para o ser humano, ou
qualquer outro tipo de proteção” (Queirós, 1988, p. 362). No mesmo sentido, assistimos ao
despojamento do homem velho e o consequente revestir do homem novo, de que fala S. Paulo. Nesta
situação concreta o homem velho significa o estado incivilizado, por oposição ao homem novo, onde
o vestuário se revela como símbolo do próprio ser humano, já civilizado. Se quisermos recuperar a
simbólica paulina (2Cor 5,3) do vestuário, diremos que a evolução plena do homem há-de acontecer,
quando ele se, (re) vestir já não das peles grosseiras dos animais, nem da seda da china, mas da
veste branca do batismo, tal como os mártires do Apocalipse, por ocasião da abertura do sexto selo
(6, 11) e os eleitos de Deus na visão de João (7, 9), os que vieram da grande tribulação e lavaram os
seu vestidos e os branquearam no sangue do Cordeiro (7, 13s), símbolo da maturidade do cristão. O
vestuário aparece-nos como um elemento essencial à natureza do ser que o usa. É algo próprio do
homem, os animais não fazem uso do vestuário, ele “é um dos primeiros indícios duma consciência
da nudez, duma consciência de si, da consciência moral. É também o elemento revelador de alguns
aspetos da personalidade do indivíduo” (Chevalier & Gheerbrant, 1994, p. 690).

155
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

7 - A domesticação, na nossa perspetiva, deve ser entendida como uma simbiose de relações
simbólicas entre o homem e os animais. Assim, a lenda sobre Pitágoras atribui-lhe uma ascendência
sobre os animais:
faz surgir as serpentes e domestica as águias; amansa uma ursa terrível, que nos
arredores de Daunia, aterrorizava a população, convencendo-a a não mais tocar
nos seres vivos e a contentar-se com a fruta e o mel silvestre; a anedota fabulosa
anuncia a conversão do lobo de Gubio por S. Francisco, no livro XXI dos Fioretti.
Persuade um boi a não pastar as favas e, como recompensa fá-lo escapar ao
matadouro confiando-o ao templo de Hera em Tarento (MattéI, 2000, pp. 18-19).

Neste espectro de relações simbólicas entre o homem e os animais, Eça deixa transparecer,
por um lado, a influência, ou simpatia pelo pensamento de Francisco de Assis, onde Eva incarna os
sentimentos de compaixão para com os animais; por outro lado, e em oposição à caridade de Eva,
Eça responsabiliza Adão pelo pecado contra a natureza, manifestada nos seus sentimentos ainda
selvagens, embora já humanos e, por isso, imorais:
Outros gestos e modos de Eva o irritam também: e por vezes, com uma desumanidade que
é já toda humana (...) um furor o tomou, uma tarde, avistando, no regaço de Eva, sentada diante da
fogueira, um cachorrinho mole e trôpego, que ela, com carinho e paciência, ensinava a sugar numa
febra de carne fresca. À beira da fonte descobrira o cachorrinho perdido e ganindo; e muito
mansamente o recolhera, o aquecera, o alimentara, com uma sensação que lhe era doce, e lhe abria
na espessa boca, ainda mal sabedora de sorrir, um sorriso de maternidade. Nosso Pai venerável, com
as pupilas a reluzir, atira a garra, quer devorar o cachorro que entrara na sua toca. Mas Eva defende
o animal pequenino, que treme, que a lambe. O primeiro sentimento de caridade, informe como a
primeira flor que brotou dos limos, aparece na terra! E, com as curtas e roucas vozes que eram o falar
de nossos Pais, Eva tenta talvez afiançar que será útil, na caverna do homem, a amizade de um bicho”
(Queirós, 1988, p. 368).
E é assim, tal como Eva, que Adão se abre à espiritualidade, manifestando a abertura à relação
com a natureza, na figura de um manso cachorro: “Adão puxa o beiço trombudo. Depois, em silêncio,
mansamente, corre os dedos pelo lombo macio do cachorrinho encolhido” (Queirós, 1988, p. 368).
É Eva quem dá continuidade ao processo de domesticação, de tal forma que poderíamos afirmar que
Eva está para a domesticação, assim como Adão está para a caça. O símbolo caçador que habita Adão
irá ceder espaço à figura de Caim, seu filho, que há-de aprender com Eva, sua mãe, a arte de domar
e converter-se-á paulatinamente em pastor: “este é, na história, um momento espantoso! Eis que o
homem domestica o animal! Desse cachorro agasalhado no Paraíso nascerá o cão amigo, por ele a

156
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

aliança com o cavalo, depois o domínio sobre a ovelha. O rebanho crescerá; o pastor o levará; o cão
fiel o guardará. Eva da beira do lume, prepara os povos errantes que pastoreiam os gados” (Queirós,
1988, p. 368). Ainda na mesma simbiose de relações entre o homem e o animal, o Adão queirosiano,
tal como o bíblico penetra cada animal para lhe dar um nome; os animais estão ali, criados por Deus,
mas não são reais enquanto o homem não os nomeia (Gn 2, 19-20). Embora posterior à criação, a
imposição do nome é um “ato da atividade ordenadora com a qual o homem se apodera
espiritualmente, das criaturas, objetivando-as diante de si” (Rad, 1978, p. 102). “A Bíblia, com a sua
exageração oriental, cândida e simplista, conta que Adão, logo na sua entrada pelo Éden, distribuiu
nomes a todos os animais” (Queirós, 1988, p. 349).
8 - Agricultura, e a descendência entramos no terceiro patamar da pirâmide, que se liga à
água. A água é um elemento essencial, quer à agricultura, quer à reprodução do homem (feto). A
agricultura, como conceito originário, encontra o seu suporte no cultivo e não na atividade pastoril,
como acontecia no estádio anterior (domesticação); embora não exclua totalmente esta última, não
lhe está subordinada: ager é o terreno cultivável por excelência.
9 - Descendência, a sobrevivência no estado de «natureza», quer do homem, quer de
qualquer outro animal deve satisfazer três condições fundamentais: proteção ou defesa, nutrição e a
de reprodução. Já vimos as duas primeiras, fundamentais para a sobrevivência do indivíduo. Para a
sobrevivência da espécie é essencial que se verifique a terceira condição, ou seja, que aconteça a
reprodução. Sem descer a pormenores, Eça invoca, apenas, três vezes o nome de Abel, referindo
numa delas o nascimento: “No entanto, bem podemos supor que Abel nasceu” (Queirós, 1988, p.
369). A figura de Abel, tal como na Bíblia, colocada pelo contador na primeira geração, reveste-se de
um significado protótipo e insinua, apenas, um dos aspetos negativos da condição humana de todos
os tempos (querelas fratricidas), mesmo sem referir o nome de Caim. Poderíamos perguntar: Por que
não aparece aqui a personagem de Caim? A questão é pertinente e a resposta não se torna difícil, se
tivermos presente que, de acordo com a ideologia de Eça, o desenvolvimento, a evolução do Homem,
culmina no amor. Não poderia, por isso, um símbolo fratricida figurar e manchar com o sangue de
seu irmão a peregrinação rumo à casa da perfeição. Eça revela-se neste conto como alguém otimista,
alguém que acredita no Homem e nele coloca a sua esperança, como ser capaz de realizar a sua
vocação.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

10 - A arte, com a arte chegamos ao cume da pirâmide. A arte funciona como o grande fogo,
que tudo transforma. O ardor devorador do fogo é o «Amor» que dará ao homem acesso ao seu
coração. Já Isaías é queimado pelo carvão ardente (Is 6, 7), Jeremias sente a Palavra de Deus queimá-
lo interiormente (Jer 20, 9), os jovens louvam a Deus na fornalha ardente (Dn 3, 24ss), e, enfim,
Jesus quer ser batizado pelo fogo (Lc 12, 50) (Carvalho, 1993, p. 55). Tornar-se homem significa
apropriar-se do fogo. Chegados a este ponto, Adão imortaliza-se, manifestando, pela arte, o seu
estado de perfeição. Eça elege a arte como símbolo de realização humana, onde o ócio encontra o
seu enquadramento e justificação etiológica: “E Adão (oh, estranha tarefa!), muito absorto, tenta gravar,
com uma ponta de pedra, sobre um osso largo, os galhos, o dorso, as pernas estiradas de um veado
a correr!” (QUEIRÓS, 1988, p. 369).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No plano das considerações finais e perspetivas futuras, tal como refere Cabral e Moraes
(2015, p. 293) e dada a necessidade e oportunidade de se continuar e estender estudos do género
“faz-se necessário apontar o caminho a seguir para futuras pesquisas sob a luz crítica da comunicação
e suas sinuosidades discursivas”, assumindo o discurso “como qualquer atividade produtora de
sentido entre os interlocutores no processo da enunciação, e é regulado por uma exterioridade
linguística que é o contexto histórico-social e a ideologia” (Jardim & Souza, 2015, p. 139).
No plano histórico, com o aparecimento das luzes (século XVIII), gera-se claramente um
fosso epistemológico entre a ciência nascente e os ensinamentos teológicos, fechados numa
interpretação literal da Bíblia. Tal divórcio resultou em consequências tão nefastas, quer para a Igreja,
quer para o avanço da ciência. As pesquisas sobre a origem do homem contaram com o travão das
implicações religiosas, pois julgava-se, erradamente, que teorias como o evolucionismo se opunham
aos ensinamentos da religião cristã e, constituíam uma grave ameaça ao esquema da criação
apresentado pela Bíblia. Era inaceitável o diálogo entre os conceitos de evolução contínua com
passagem do animal ao homem e criação divina. Aquilo que para nós, hoje, parece evidente, era nos
princípios do século XVIII muito complicado, pois toda a gente era fixista. Só nos finais do século
XVIII e no início do século XIX, Lamarck (1744-1829) elaborou a primeira teoria evolucionista, o
transformismo105. Mesmo assim, foi “necessário esperar quase meio século pela publicação das obras

105
Teoria assente no mecanismo da transformação dos seres vivos: a organização progressivamente complexa dos seres
vivos e a sua capacidade de reação às mudanças ambientais.

158
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

de Darwin, para se colocar devidamente o problema da origem animal do homem” (Akoun, 1983, p.
276). A opinião pública mostrava-se descrente perante tais ideias. A prová-lo estão as caricaturas dos
jornais da época. Em Portugal, afinava-se pelo diapasão da Europa.
No presente conto temos o testemunho de alguém dos círculos da cultura portuguesa que
soube lidar com a temática do evolucionismo/criacionismo de uma forma superior à polémica então
instalada. O conto serviu de veículo literário ao autor, através do qual, partindo de uma exegese do
texto do Génesis, bastante avançada para o tempo, estabeleceu o diálogo entre as duas perspetivas,
superando, assim, a falsa dicotomia que teimava em reinar.
O símbolo, particularmente a simbólica dos números e dos elementos revelam-nos a
ideologia do autor: a crença na criação não constitui impedimento, mas condição sine qua non para
afirmar e sustentar a crença no evolucionismo. Não queremos tirar conclusões precipitadas, sem
outras fontes que o confirmem, mas o profundo conhecimento que Eça de Queirós revela ter da
maçonaria, particularmente da tetráctis pitagórica, que serviu de matriz à estrutura do conto, afigura-
se-nos como sintoma demasiado claro, roçando as franjas da evidência, para silenciarmos, pelo
menos a hipótese, de que Eça de Queirós tenha pertencido a qualquer obediência maçónica, não em
Portugal, mas provavelmente em Paris, onde terá sido iniciado em1888, o ano em que publica “Os
Maias”.
O soneto de Antero – “Evolução” - pode ser uma das chaves possíveis para ler e interpretar
o presente conto:
Fui rocha, em tempo, e fui, no tempo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo...
Hoje sou homem – e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade...
Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas, estendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade (Quental, 1972, pp. 294-205)106.

159
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A mesma temática é, por Antero, tratada de forma diferente. O último verso do soneto revela-
nos a chave de leitura: “E aspiro unicamente à liberdade”. A plenitude da evolução, isto é, a perfeição
atinge-se com a liberdade. A liberdade é a grande aspiração de Antero, de tal forma que podemos
afirmar que:

A liberdade está para Antero,

assim como

O amor está para Eça.

O final do conto é um verdadeiro hino ao amor. É o amor que deixa de ser utopia para se
tornar perfeição, pois ele já foi provado na figura de Francisco de Assis.

Moral do conto – a verdadeira evolução humana, isto é, a perfeição atinge-se quando o


homem aprende a arte de amar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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160
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

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161
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A ESCOLA OFICINA N.º 1 de Lisboa (1905-1987): “…coisa mais útil como pode ser uma escola…”
António Nunes107

Anarquia Resumo
Palavras-chave

Maçonaria A escolha deste tema, a educação e a “Escola Oficina nº 1 de Lisboa”, tem,


Republicanos naturalmente, uma clara e inequívoca intenção: arrastar para os tempos de hoje o
Educação
ideário de um punhado de homens que viam na educação um meio decisivo e
Escola Moderna de Francisco Ferrer
fundamental na aquisição de um conjunto de valores, dados como indispensáveis
Escola Oficina nº 1 de Lisboa.
na união fraterna dos povos. Para isso, obrigo-me a calcorrear um percurso
mosaico inscrito por diferentes contornos (político-económico, o sócio-histórico
e o científico-cultural) e escorado numa convergência dos ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade, no republicanismo e, numa grande maioria dos casos,
nas conceções dos anarquistas e da maçonaria.

1. Algumas considerações sobre o movimento da Escola Nova

Montaigne (1533-1592), na sua obra “Ensaios”108, faz-nos um julgamento muito crítico da


escola, entendendo-a como um espaço de importância determinante para a vida das pessoas, sempre
que esta as capacita de verdadeiros e úteis saberes e não quando as trata como um depósito, quantas
vezes momentâneo e de conhecimentos desgarrados. Sobre isto, diz-nos:
Efetivamente, os cuidados e despesas de nossos pais não visam senão encher a
cabeça de ciência; a respeito de entendimento e virtude, nada. Indagamos de bom
grado: sabe grego ou latim? Escreve em verso ou em prosa? Mas o principal fica
para trás. Caberia indagar quem sabe melhor e não quem sabe mais (1, XXV: p.
58) (Montaigne, 2000).

Anos mais tarde, mais precisamente em 1920, Adolphe Ferrière (1879-1960) publica
“Transformons l´école”, uma obra traduzida para a língua portuguesa109 pelo “pedagogista” Álvaro
Viana de Lemos, como dizia António Sérgio, e por João Ferreira da Costa, a qual nos apresenta uma
pequena história, “O Diabo inventou a Escola”, de sentido crítico, mas, convenhamos, com um certo
humor, e na qual Ferrière tenta “justificar” o aparecimento da escola. Esta sua obra sofre, à época,
muita contestação, sendo considerada em muitos espaços educativos como uma afronta ao sistema
de ensino, aos professores e, acusada até de se aproximar um certo diabolismo, manchando, assim,
a imagem desta imaculada instituição.

107
ANTÓNIO NUNES – MUNDIS, PORTUGAL. Email: ajsnunesr@gmail.com
108
A primeira edição (constituída por dois livros) é publicada em 1580. Em 1588 publica-se o terceiro volume e em 1595
sai uma edição póstuma destes três livros com alguns acrescentos.
109
“Transformons l´école”, foi traduzido para a língua portuguesa, em Portugal, em 1928, com o título de “Transformemos
a Escola. Apelo aos pais e às autoridades”. Livraria Francesa e Estrangeira Truchy-Leroy.

162
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O DIABO INVENTOU A ESCOLA


“Queiram ouvir esta história.

Um belo dia, deu o diabo uma saltada à terra, e verificou, não sem despeito, que ainda cá se
encontravam homens que acreditassem no bem. Como não falta a Belzebú um fino espírito de
observação, pouco tardou em se aperceber que essas criaturas apresentavam caracteres comuns:
eram boas, e por isso acreditavam no bem; eram felizes, e por consequências boas; viviam tranquilas,
e por isso eram felizes. O diabo concluiu, do seu ponto de vista, que as coisas não iam bem, e que
se tornava necessário modificar isto.

E disse consigo: “A infância é o porvir da raça; comecemos, pois, pela infância.”

E apresentou-se perante os homens como enviado de Deus, como reformador da sociedade.


“Deus”, disse Belzebú, “exige a mortificação da carne, e é mister começar desde criança. A alegria é
pecado. Rir é uma blasfémia. As crianças não devem conhecer alegrias nem risos. O amor de mãe é
um perigo: afemina a alma dum rapaz; é preciso separar mãe e filho, para que coisa alguma se oponha
à sua comunhão com Deus. Torna-se necessário que a juventude saiba que a vida é esforço. Façam-
na trabalhar (...); encham-na de aborrecimento. Que seja banido tudo quanto possa despertar-lhe
interesse: só é proveitoso o trabalho desinteressado; se nele se mistura prazer, está tudo perdido!”

Eis o que disse o diabo. A multidão, beijando a terra, exclamou:

- Queremos-nos salvar! Que devemos fazer?

- Criem a escola.” (...) (Adolphe Ferrière, 1928, pp. 11-12).

Ferrière, contudo, manifesta-se como um dos mais brilhantes nomes do movimento da


Educação Nova, criando o “Bureau International d´Éducation Nouvelle (1899)”, sendo, juntamente com
Pierre Bovet e Edouard Claparède, fundador do “Institut Jean Jacques Rousseau (1912)” ajudando,
ainda, a criar a “Ligue Internacional pour l`Éducation Nouvelle”. Amigo do português Faria de
Vasconcelos (1880-1939), deixa-nos uma vasta obra, crítica da escola do seu tempo, como já
referimos, mas, ao mesmo tempo, dando fortes contributos para uma outra visão de escola, uma
escola de esperança, de educação renovada, uma escola chamada de Escola Nova110.

110
À bomba atómica destruidora, é necessário opor esta energia atómica de ordem constructiva e espiritual: a Escola
Activa! E que esta vença em poderio aquel. (p. 17). In A. Ferrière. (1965). A Escola Activa. Tradução Jorge Babo. Prefácio
de Émile Planchard. Ed. Aster.

163
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

No prefácio de “Une École Nouvelle en Belgique” (1915), obra de Faria de Vasconcelos,


Ferrière formula os 30 princípios111 que serviam para identificar o que se poderá considerar uma
escola, como pertencendo ao movimento da escola nova.

O que interessa à criança, o que faz o ensino atraente, querido e amado são os
factos concretos, que a criança vê, observa, são os objetos em que ela mexe e
que examina, compõe e decompõe, fazendo experiências concretas e
demonstrações aplicáveis à vida (Adolfo, 1916, p. 25).

Este período, centrado nos primeiros 20, 30 anos do sec. XX, apresenta-se como
desafiador e influenciador de muitos educadores, originando o aparecimento de várias práticas
inovadores, de novos olhares sobre a educação, integrando a escola na vida e a vida na escola e,
mais do que tudo, fazendo um esforço enorme em entender a criança como ela é, ou seja, uma
criança.
Declarada a falência da velha escola da Escola do magíster dixit, da palmatória e
do psitacismo, criticada por todos os aspetos a sua organização, julgados e
ensinados os seus meios de ensinar e patenteados todos os seus vícios, todas
as suas inconsequências –assaz funestas às crianças, à sociedade– a Escola
antiga, do mestre autoritário e rabugento, sem critério nem orientação pedagógica
e social, foi e é considerada como uma instituição que deve desaparecer por
prejudicial (Adolfo, 1916, p. 5).

Aparece, pois, um conjunto de práticas pedagógicas inovadoras, cuja natureza visa tornar a
escola num laboratório de pedagogia prática, desenvolver nos alunos o espírito crítico, a sua
autonomia, implementar um sistema de coeducação e ter uma especial atenção aos trabalhos manuais,
ao exercício físico, às artes e à natureza. Temos, pela primeira vez na história da pedagogia, um
movimento com uma matriz de ação que se sustenta num conjunto de ideias desenvolvidas a partir
de uma crítica aos modelos de escola que até então vigoravam.
Várias análises quanto à função da escola vão aparecendo em geografias diferentes e,
naturalmente, também no nosso país. Por aqui, é de elementar justiça mencionar, e de forma muito
clara, a determinação de um punhado de homens112 para os quais a educação era, como dizia Adolfo
(Lima, 1911, pp. 116-122), “o meio, o processo de alcançar a civilização, o progresso, o futuro
humano” (p. 116). Muitos deles, devido às posições que tomaram na defesa deste tipo escola, viram

111
Em 1921, mais precisamente no Congresso da Liga Internacional para a Educação Nova, passam a 7, de forma a
simplificar o processo de apreciação.
112
Como exemplo destes anos de ouro, recordamos, entre outros, os nomes de Adolfo Lima (1847-1919), Borges Graínho (1862-
1925), Alves dos Santos (1866-1924), Adolfo Lima (1874-1943), João de Deus (1878-1953), António Aurélio da Costa Ferreira (1879-
1922), Faria de Vasconcelos (1880-1939), Álvaro Viana de Lemos (1881-1972), Leonardo Coimbra (1883-1936), António Sérgio (1883-
1969), Jaime Cortesão (1884-1960), Irene Lisboa (1892-1958), Carvalhão Duarte (1897- 1972) e Maria Amália Borges (1919-1975).

164
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

as suas escolas encerradas, foram perseguidos, presos e expulsos do ensino pelo Estado Novo, bem
como pelas posições públicas em defesa da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Nesse sentido,
e como nota desta discricionariedade, deixamos um pequeno registo referente à publicação do livro
de Ferrière, “Transformons l´école”. A sua publicação só seria efetivada no Brasil113, visto que, em
Portugal, na sequência da instauração do golpe militar de 28 de maio de 1926 e, logo depois, na
Revolta de Fevereiro de 1927, a sua publicação ter sido proibida.
Temos, então, um movimento mobilizado em torno de uma escola centrada no
desenvolvimento físico e intelectual da criança, que beneficiava das motivações “naturais”, de um
fervilhar da ciência, da medicina pedagógica e das questões do higienismo. Estes primeiros vinte,
trinta anos do sec. XX, anos excecionais na história da educação e da pedagogia, levam Daniel
Hameline a classificá-la como “os anos de ouro da pedagogia”, tornam-se, paradoxalmente, segundo
o mesmo, “anos de um silêncio eloquente (...) o silêncio da própria prática” (Correia, 1998, p. 43),
silêncio esse provocado, como afirma Houssaye, citado por Candeias, Nóvoa, e Figueira (1995) pelo
“nascimento” das chamadas ciências da educação: A morte da pedagogia (...) a morte porque a
referência à ciência provoca a passagem para as ciências da educação. Os inovadores (no terreno)
acabarão por ser enterrados e renegados em nome das ciências da educação, da exclusão da prática
(Candeias, Nóvoa, & Figueira 1995, p. 30).
Fecham-se as portas ao entusiasmo, à descoberta e à divulgação das práticas profissionais
dos professores, que se arrasta, penosamente, quase até aos dias de hoje, apresentado dificuldades
em fugir ao que podemos chamar de “maldição de Midas”, no sentido dado por Hugo Monteiro e
Pedro Ferreira (2011), para os quais “tudo o que a escola toca, torna-se (...) escolarizado” (Monteiro
& Ferreira, 2011, p. 6). Aparecem, contudo, aqui e ali, espaços onde o entusiamo dos educadores,
inspirados pelo desejo de uma escola libertadora, apostada na reforma dos costumes, de caráter ético
e cívico, dão origem, como no caso português, à aparição, em 1905, da Escola Oficina nº 1. Esta
escola, como outras, propunha-se, pois, destruir este mito, fazendo da escola um lugar para todos,
predestinado à leitura do mundo, assente num discurso de liberdade e tornando a pedagogia num
permanente exercício de intervenção cívica e na busca incessante de uma cultura utilitária. Estava,
assim

113
Existe um recorte de jornal, junto ao livro, de um artigo de Ferrière com as seguintes anotações manuscritas: “Esta edição foi
malfadada por motivo do levantamento de Braga ... de fev. de 27. Eu estivera com A. Sérgio em agosto ou setembro em Paris. Meu pai
faleceu em...”. “Não saiu no livro/que não foi posto a venda em Portugal. A edição foi toda para o Brasil por motivos políticos e, portanto,
teve em parte da redação diferente da que os 2 tradutores lhe havia, dado.”, in PERES, E.T. (s.d.). O DIABO INVENTOU A ESCOLA A
ESCOLA ATIVA NA VISÃO DE ADOLPHE FERRIÈRE. CEIHE (Centro de Estudos e Investigações em História da Educação).

165
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Declarada a falência da velha escola da Escola do magíster dixit, da palmatória e


do psitacismo, criticada por todos os aspetos a sua organização, julgados e
ensinados os seus meios de ensinar e patenteados todos os seus vícios, todas
as suas inconsequências –assaz funestas às crianças, à sociedade– a Escola
antiga, do mestre autoritário e rabugento, sem critério nem orientação pedagógica
e social, foi e é considerada como uma instituição que deve desaparecer por
prejudicial (Lima, 1914, p.5).

2. Um outro olhar para o campo educativo: os Maçons, os Anarquistas e os Republicanos


um governo republicano requer uma população educada e
alfabetizada; a educação deve cumprir uma função cívica e política,
ao invés de religiosa; o Estado tem responsabilidade de promover
a adequação educacional; a sociedade democrática deve oferecer
oportunidades educacionais para todos, pessoas comuns e líderes
talentosos (Gutek, 1995, p. 181).

Olhando para trás, mais precisamente para a Inglaterra do século XVII, encontramos em
muitos dos seus mais proeminentes pensadores uma importante contribuição no campo educativo,
que poderemos ler como revolucionária, relacionada com o surgimento de um novo conhecimento
constituído num corpo assente na aplicação de metodologias baseadas na discussão e na observação,
buscando sempre, antes da palavra, a sustentação da verdade e da razão. Daqueles pensadores
destacamos John Locke (1632-1704), que nos abre um espaço de reflexão ligado ao campo da
educação e da pedagogia.
Locke, ao propor a dimensão física da educação, contempla no currículo uma
série de disciplinas que desenvolviam o vigor físico, como a natação, a esgrima,
a equitação. Além de propor uma série de hábitos no que diz respeito à
alimentação, ao vestuário, ao descanso e ao lazer, apresentou, também, a
importância de se aprender algum ofício manual relacionados com a arte, a
exemplo da pintura, preparar perfumes, envernizar, gravar, bem como, ofícios
manuais relacionados ao trabalho com ferro, latão e prata (Oliveira, 2003, p. 196).

Aparece um novo pensamento educacional e no qual a maçonaria inglesa participa,


ritualizando, por exemplo, o culto da razão. Locke deixa-nos, entre várias obras, três, que gostaria de
mencionar: o “Tratado sobre a Tolerância”, de 1689, os “Ensaios acerca do entendimento humano”,
de 1690, e, no campo pedagógico, o “Pensamentos sobre a Educação”, de 1693 (Locke, 1985). Esta
última, enfatiza a importância de desenvolver o desejo de saber, que levará o aprendiz à busca
incessante de querer aprender. Condena, também, quer os castigos corporais, quer as recompensas
materiais, olhando estes dois atos, a punição e o prémio, como algo inibidor à moral sólida do
aprendiz. É uma obra na qual Locke visa a formação do homem íntegro, capaz de agir segundo a
razão. A educação deverá iniciar-se desde cedo, através do desenvolvimento das aptidões individuais,
da formação de “bons hábitos” e deverá estar centrada nos aspetos físico, intelectual e moral.

166
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Em 1789, num dos países mais importantes e populosos da Europa, a França, dá-se a
intitulada Revolução Francesa. Esta ocorrência determina o aparecimento de um conjunto de
fenómenos e tem como base uma larga mancha social, radicalizada (burguesia, camponeses e classes
urbanas que viviam miseravelmente), cujo desenvolvimento contagia diferentes geografias,
projetando-as para outras formas nas suas organizações sociais.
De facto, é este acontecimento, ocorrido no dia 14 de julho de 1789, que marca o fim
definitivo do Antigo Regime (século XV a século XVIII, sob as dinastias de Valois e Bourbon) e, dessa
forma, o fim do regime absolutista régio, dando-se início a um novo tempo. Foi, no fundo, uma
revolução de cariz “universalista”, influenciando diferentes áreas do viver, como, por exemplo: a social,
a religiosa, a política, a económica, judicial e a educacional. Com o aparecimento da Declaração dos
Direitos o Homem e do Cidadão (1789)114, na qual, no seu artigo primeiro podemos ler a célebre
frase: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-
se na utilidade comum.”, entendemos, rapidamente, a existência de uma nova vontade social e política,
que se apresenta contra a hierarquização dos privilégios da burguesia, enquanto provoca o
aparecimento de uma outra organização social, sustentada numa sociedade mais democrática e
igualitária.
Em todo este movimento, que começa em 1789 e que se arrasta por mais uns longos anos,
o papel da maçonaria, não sendo, como sabemos, exclusivo, apresenta-se como essencial, se menos
no seu início, muito mais na sua solidificação, fundamentalmente, através da divulgação dos seus
ideias sociais, políticos e filosóficos. Philipe Sagnac, citado por Albuquerque, 1967, p. 123 diz-nos
que: "A Maçonaria, filha da filosofia francesa, preparou a Revolução ou mais exatamente, pela sua
propaganda incessante, preparou pouco a pouco os espíritos para as reformas que poderiam ter sido
feitas facilmente sem as intransigências da maior parte dos privilegiados". Louis Amiable, citado por
Albuquerque (1967), diz-nos que os maçons "tiveram participação ativa no grande e salutar
movimento produzido no país. A influência deles foi preponderante nas assembleias primárias e
secundárias" (p. 124).

114
Adoptada no seu princípio antes de 14 de Julho de 1789, dá lugar à elaboração de inúmeros projetos e, depois de
vários debates, os deputados votam o seu texto final em 26 de Agosto de 1789. Apresenta um preâmbulo e 17 artigos
referentes ao indivíduo e à Nação. Define direitos que considera "naturais e imprescritíveis", como sejam a liberdade, a
propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Reconhece a igualdade, fundamentalmente perante a lei e a justiça e
reforça o princípio da separação entre os poderes.

167
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Os novos ideais iluministas propagandeados por muitos maçons, como Voltaire (1694-1778)
e Montesquieu (1689-1755), trazem à tona um discurso de ideias centradas numa tendência
filantrópica da Maçonaria. Esta é movida pelo espírito das Luzes, identificada como altruísta, sendo
uma forma, pois, de expansão da civilização ocidental e, ao mesmo tempo, um meio eficaz de criar
redes de poder que pudessem influenciar o curso da sociedade. A educação tornava-se a pedra
angular para sustentar e credibilizar a revolução havida:
A pedagogia tinha um terreno comum com a beneficência: levar as Luzes do saber
para os que não possuíssem, retomando, pela via da instrução, a incorporação
de setores da população aos costumes, idéias e ao progresso civilizatório, bem
como formação de mão de obra (Morel & Sousa, 2008, p. 146).

Enquanto isso, nos EUA, o maçon Horace Mann (1796-1859) inspirado pela pedagogia do
suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), um protestante filiado dos “pietistas” de Zurique, cujos
membros apostavam num cristianismo prático, longe da “religião do verbo” e das imposições
dogmáticas. Pestalozzi tinha como objetivo libertar o povo pela educação, recolhendo crianças e
jovens órfãos e abandonados. Dizia-nos Pestalozzi (2006, p. 84) que “A liberdade nada mais é do que
uma palavra vazia quando o homem está enfraquecido, quando seu entendimento não foi alimentado
pelo conhecimento e sua capacidade de julgar não foi cultivada, mas especialmente quando o homem
não está ciente dos direitos e deveres que possui, como ser moral o que é”.
Horace Mann, autor de uma obra emblemática, intitulada “A Educação dos Homens Livres”,
arrasta consigo a Maçonaria que assume um papel de liderança na promoção da aprendizagem e da
educação, tal como já fizera na Escócia e na Inglaterra. Mann, tem um papel determinante na expansão
do sistema educacional dos EUA e é o grande defensor da escola pública universal (entre 1830 e
1850), sentindo, contudo, ao longo de todo este processo, grandes dificuldades na sua
implementação. Mann (1963), acreditava, pois, que:
A educação, portanto, mais do que qualquer outra instituição de origem humana,
constitui-se no grande nivelador das condições dos homens – o volante da
máquina social. Quero, porém, dizer que proporciona a cada homem a
independência e os meios pelos quais fica em condições de resistir ao egoísmo
dos outros homens. Faz mais do que desarmar o pobre da hostilidade contra os
ricos; impede que sejam pobres. A generalização de educação, ampliando a
classe ou casta culta, patenteia área mais vasta sobre a qual vem expandir-se os
sentimentos sociais; e, se essa educação se tornar completa e universal,
contribuirá mais do que qualquer outra instituição para apagar as distinções
artificiais da sociedade (Horace, 1963, p. 107).

168
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A partir da metade do séc. XIX e inícios do séc. XX, o anarquismo é-nos apresentado como
uma forte corrente que brota das linhas socialistas existentes na altura, “alternativa” às políticas sociais,
económicas, ideológicas, culturais e educacionais vigentes, sendo, ao mesmo tempo, opositora a uma
outra corrente, com quem, à época, poderemos dizer que rivalizava, o comunismo. Nos seus ideais e
ações, não podia ser visto como um corpo único e estável, visto que, ao longo do tempo e das
diferentes geografias onde emergia, encontramos nele várias correntes (anarquistas, anarco-
sindicalistas e sindicalistas revolucionários), fundamentalmente ao longo século XIX, as quais
plasmavam, por isso mesmo, algumas nuances, quer no plano teórico, quer na sua ação prática,
apresentando, contudo, um ponto comum direcionado na inflexibilidade da defesa da liberdade, da
negação do princípio da autoridade e de ter no Estado o seu inimigo principal. Podemos considerar
a corrente anarquista portadora de um princípio gerador de quatro princípios básicos de teoria e de
ação: autonomia individual, autogestão social, internacionalismo e ação direta (Gallo, 2015).
Várias figuras do movimento anarquista, como sejam, Proudhon (1809-1865), Bakunin
(1814-1876), Tolstói (1828-1910), Kropotkin (1842-1921), Paul Robin (1837-1912) ou Francisco
Ferrer y Guardia (1859-1909), apresentam um certo unanimismo, centrado numa visão projetada em
duas frentes: a política e a cultural. Assim sendo, creem, ao mesmo tempo, na insurreição e na Greve
Geral, como forma rápida, violenta e eficaz de destruir os pilares fundamentais das estruturas dos
Estados Modernos, e na educação como um processo reparador e construtor de um outro homem,
um homem capaz de transformar a sociedade numa sociedade sem classes e sem Estado.115
Os anarquistas combinam uma crença na possibilidade de uma transformação
violenta e súbita da sociedade com uma crença na racionalidade dos homens e
na possibilidade de aperfeiçoamento destes. (...) por outro lado, são também os
filhos da razão. Metternich, com verdade, chamou um dia a Proudhon o filho
ilegítimo do iluminismo. Eles mais do que ninguém, levaram a sua crença na
razão, no progresso e na persuasão pacifica para lá dos limites lógicos. O
anarquismo é simultaneamente uma fé religiosa e uma filosofia racional (Joll,
1970, pp. 13-14).

Temos, pois, enraizada numa parte da sociedade uma linha de intervenção política, nascida
de uma revolta moral contra as enormes injustiças sociais que grassavam nessa mesma sociedade e
às quais era necessário por cobro, através do derrube do Estado, criando-se, assim, um espaço onde
se pudesse viver sem a existência de um governo. Gallo (1995), sobre a questão do Estado, diz-nos

115
Numa entrevista realizada no início dos anos vinte do século XX por Raul Brandão ao então e 1º Secretário-Geral do jovem Partido
Comunista Português, Carlos Rates (1879-1945), referindo-se ao problema da educação e dos anarquistas, diz o seguinte: “Separa-
nos dos sindicalistas e dos anarquistas eles darem uma importância primordial ao factor educação para provocar a revolução, enquanto
nós supomos que serão os factores materiais que a hão-de provocar. (...) Eles supõem que a revolução há-de vir quando a humanidade
estiver educada. (In Brandão, 1984). Brandão, R. Os operários. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1984.

169
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

o seguinte: “(...) não se pode falar em Estado sem falarmos em súbdito e soberano, em explorado e
explorador, em dominado e dominador, no contexto de uma sociedade que é regulada por uma
máquina estatal, é impossível que falemos em igualdade e justiça”.
Um Estado autoritário e abusador, que sufoca, explora, no fundo ilegítimo, no qual “vêm
sacrificar-se, morrer e enterrar-se todas as manifestações da vida individual” (Bakunin, 1980, p.37),
deve muito da sua existência, segundo os anarquistas, a um sistema de ensino de organização
capitalista116. Por isso, a necessidade da alteração deste sistema de ensino, por um outro que termine
com as desigualdades, que tenha um saber distribuído de forma igualitária, racional e integral e
potencie a liberdade, a igualdade, a fraternidade.
Antony (2011, p. 23), diz-nos que
Para a utopia anarquista, visando a criação de um homem livre, ideal, novo... a
escola é um elemento fundamental, que deve permitir aos alunos/aprendizes
emancipar-se pessoal e socialmente. Eis porque a utopia pedagógica libertária é
sem dúvida a mais importante das proposições pedagógicas das diferentes
correntes[...].

Mandai à escola os vossos filhos e ide vós próprios porque o homem que
atravessa a vida não conhecendo mais do que as ferramentas com que ganha o
sustento, não deixará jamais de ser um escravo. Lembrai-vos que a burguesia
treme apavorada ao lembrar-se que os trabalhadores procuram instruir-se,
porque uma escola fundada dentro de uma associação operária é mais uma
enxada na cova que os há́-de sepultar e com eles a tirania (ln O Construtor, nº
84, 1915).

Entretanto, aqui ao lado, em Espanha, mais preciosamente em Alella, na Catalunha, no ano


de 1859 nascia Francisco Ferrer y Guardia que, em 1889 é iniciado maçon na Loja Verdad, em
Barcelona, com o nome simbólico de Zero117. Mais tarde, adere ao Partido Republicano e conhece
Manuel Ruiz Zorilla, considerado o fulcro da ação revolucionária. Ajuda vários operários a passarem
a fronteira para França fugindo à tirania de Afonso XIII e cria uma biblioteca itinerante para os
trabalhadores ferroviários, onde trabalhava como fiscal da Companhia Ferroviária, no trajeto Barcelona
a Cerbére.

116
A escola de hoje mais se assemelha a uma caserna do que a uma instituição encarregada de fornecer à sociedade homens livres e
úteis (...). O professor, salvo honrosas excepções é o carrasco e o verdugo da criança quando devia ser o seu pai espiritual. É verdade
que a instrução, tal como está preparada, tem por fim, não fazer homens compreendedores dos seus direitos dentro da sociedade, mas
autómatos que se prestem a soldados para defesa da sociedade, bolsas para o pagamento de impostos...escravos que mourejem dia-
a-dia para que os zangãos sociais folguem e se divirtam (...). Há portanto, a conveniência da parte de quem dirige a educação que ela
se mantenha na mesma. (...) a nós cérebros libertos da instrução dogmática cabe-nos o dever não de pedir ao Estado que remodele a
instrução, o que ele nunca fará, mas de criarmos escolas (...) fundadas na moderna pedagogia... Um esforço, pois, que o interesse é
nosso e dos nossos filhos (In O Metalúrgico, nº 25, 1904).
117
Em França, adere à loja maçónica “Les vraies esprits”, pertencente ao Grande Oriente de França.

170
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Exila-se em Paris depois de acusado em participar no levante republicano em Santa Coloma


de Farners, no ano de 1886. Em França dá aulas particulares nas instituições ligadas à maçonaria e
aos livres-pensadores. Apoia as lutas proletárias, definindo-se como um “revolucionário inspirado no
ideal de justiça, pensando que a liberdade, a igualdade e a fraternidade eram o corolário lógico e
positivo da Republica” (Ferrer & Guardia, 2010, p.1). Começa a ter contactos com importantes
personagens de diferentes movimentos, como o anarquista, o socialista (libertário ou não), o liberal,
o dos livres-pensadores e, naturalmente, com a maçonaria. Todos estes movimentos exerceram uma
enorme influência em Ferrer no que respeita à importância da educação dos operários para o triunfo
da revolução republicana. Este seu interesse faz com que dê início a um movimento pedagógico
particular, com uma pedagogia própria a que chamou de Educação Racional, criando várias escolas,
as chamadas Escolas Modernas. Em 8 de outubro de 1901, em Barcelona, inaugura a primeira Escola
Moderna, que abre, apenas, com 12 meninas e 18 meninos, crescendo, no entanto, de uma forma
tão rápida, que em 1904 existiam já 32 escolas espalhadas pela Catalunha, Andaluzia e Múrcia, que
comungavam dos seus ideais e princípios, chegando rapidamente às 60. Dizia Ferrer (2010, p.7), “A
missão da Escola Moderna consiste em fazer com que os meninos e as meninas que lhe forem
confiados se tornem pessoas instruídas, justas e livres de qualquer preconceito. Para isto, o estudo
dogmático será substituído pelo estudo racionalizado das ciências naturais”.
A sua Escola Moderna primava, assim, por uma pedagogia que se sustentava em valores
como a liberdade, a igualdade, a fraternidade e a solidariedade entre todos os indivíduos, sendo que,
para isso, seria necessário que os processos de ensino se aproximassem dos processos reais da vida
e disseminassem a verdade, a razão e a ciência. No entanto, sabemos que a sua Escola Moderna
nasce do conhecimento, aquando da sua estadia em França, da existência de um outra Escola
Moderna, fundada por Louise Michel (1830-1905), professora primária, anarquista, franco-maçona,
feminista e uma das grandes figuras da Comuna de Paris.
Francisco Ferrer não perdeu tempo. Como um faminto, jogou-se nos vários
movimentos liberais, conheceu todos os tipos de pessoas, aprendeu, absorveu e
cresceu. Foi lá também que ele viu em funcionamento a Escola Moderna, que
constituiria uma importante e decisiva parte de sua vida (…) A escola moderna
na França foi fundada bem antes da época de Ferrer. Sua criadora, ainda que em
pequena escala, foi Louise Michel, aquele doce espírito. Se consciente ou
inconscientemente, nossa grande Louise sentiu, muito tempo atrás, que o futuro
pertence às jovens gerações; que a não ser que os jovens sejam resgatados
daquela instituição que destrói corpo e mente, a escola burguesa, o mal social
continuará a existir (Goldman, 2006, pp. 2-3).118

https://ithanarquista.files.wordpress.com/2020/01/emma-goldman-francisco-ferrer-e-a-escola-moderna.pdf
118

171
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Em 1907, Francisco Ferrer, preso em Barcelona, publica no periódico Humanidad Nueva o


seguinte texto:
A Escola Moderna propõe-se combater todos os preconceitos que entravem a
completa emancipação do homem. Por isso a educação que ministra é racional,
humanitária, levando o espírito da criança ao conhecimento de todas as injustiças
sociais, para que, por sua vez, possa combatê-las e opor-se-lhes. O racionalismo
que preconizamos abomina as guerras fratricidas, internas ou externas, a
exploração do homem pelo homem, a escravidão da mulher; tem como alvo a
destruição de todos os factores da desarmonia humana, como a ignorância, a
maldade, o orgulho e outras chagas sociais que tanto afligem a humanidade
(Lima, 1914, p.33).

A região de Barcelona, entre 26 de julho a 2 de agosto de 1909, assiste a um processo


revolucionário muito violento que fica conhecido como a “Semana Trágica”, na qual vários
estabelecimentos foram saqueados e as igrejas e conventos incendiados numa grande parte da cidade.
Estes acontecimentos tinham por alvo a burguesia espanhola, a monarquia e a igreja. A reação do
governo foi muito violenta, tendo sido vários intelectuais e militantes republicanos acusados como
líderes do movimento. Um deles era Francisco Ferrer y Guardia. Depois de julgado é pronunciada a
sentença que o considera culpado, aplicando-lhe a pena de morte e confiscando-lhe todos os bens,
assim como aos seus familiares. É interessante referir que o auditor do processo constrói uma clara
relação entre as atividades pedagógicas da sua escola, as suas ações revolucionárias e a maçonaria.
Em 4 de outubro, Ferrer enviou a seguinte carta ao L’Humanité119:

Cela da Prisão, 4 de outubro de 1909.


Meus caros amigos, apesar da mais absoluta inocência, o promotor pede minha
pena de morte, baseado em denúncias da polícia, que me coloca como chefe dos
anarquistas do mundo, dirigindo os sindicatos operários na França, e culpado por
conspirações e insurreições em todo lugar, declarando que minhas viagens para
Londres e Paris foram empreendidas com outro objetivo. Com tais infames
mentiras, estão tentando me matar. O mensageiro está quase saindo e não tenho
mais tempo. Todas as provas apresentadas ao juiz de instrução pela polícia, não
são mais do que um emaranhado de mentiras e caluniosas insinuações. Não há
provas contra mim e nada fiz, de fato (Ferrer).

Francisco Ferrer é fuzilado em Barcelona a 13 de outubro de 1909, sendo que, em 29 de


dezembro de 1911, após novo julgamento, é oficialmente declarado inocente pela justiça espanhola.

https://ithanarquista.files.wordpress.com/2020/01/emma-goldman-francisco-ferrer-e-a-escola-moderna.pdf
119

172
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

No ano de 1909 Ferrer esteve em Portugal visitando a Escola Oficina nº 1 de Lisboa, a qual apresentava
traços de funcionamento semelhantes à pedagogia por si criada. Sabendo da sua chegada a polícia
do Governo Civil interpelou-o e obrigou-o, dias depois, a regressar a Espanha, onde seria, como
sabemos, fuzilado. Hoje, Lisboa tem uma das suas ruas com o nome de Francisco Ferrer, cujo
processo, embora começasse poucos dias depois da sua morte, só em 2011 consegue terminar e
entrar na toponímia da cidade. Várias cidades portuguesas tentaram, também, colocar o nome de
Francisco Ferrer y Guardia em algumas das suas ruas. Como exemplo temos o caso de Almada
(1914), que após ter dado o nome de Ferrer a uma das suas ruas, viu-se obrigada, pelo Estado Novo,
a retirá-lo e substituí-lo por outro.

A 6 de Dezembro de 1935, o Governador Civil do Distrito de Setúbal, Francisco


Supico Pinto, mandou retirar as placas toponímicas das ruas de Almada que
tivessem os nomes de Francisco Ferrer e Elias Garcia [...] por se tratar de vultos
cuja acção política foi perniciosa, visto terem sido elementos notáveis da
democracia liberal e da maçonaria cuja nefasta acção internacionalista era
combatida pelo Estado Novo, sugerindo que [...] aqueles nomes fossem
substituídos por outros mais de acordo com a Situação. Deste modo a Rua
Francisco Ferrer passou a denominar-se Rua Eng. Duarte Pacheco.120

3. A Escola Oficina nº 1 de Lisboa

Lima (1911), diz-nos que os pedagogos, os homens de ciência bem proclamam, bem
procuram estabelecer um critério, elevado, independente, emancipador, que liberte a Educação da
tutela política. As suas obras, os seus escritos são matéria mais do que suficiente para estabelecer
uma orientação firme a seguir no problema da Educação, mas não são ouvidos e quando fingem que
os consultam é para fazerem o contrário do que eles preconizam e em seguida afastam-nos
manhosamente, seguindo processos e estratagemas jesuíticos (pp. 118-119). Portugal apresenta-se
em 1844, durante o de governo de Costa Cabral, como um dos países da linha da frente na introdução
da escolaridade obrigatória (Quadro 1). Contudo, paradoxalmente, exibe, cerca de vinte e seis anos
depois, precisamente em 1870, uma taxa de escolarização baixíssima, que ronda os 13%.

120
AHCMA/ Administração do Concelho - CDA/DAGF – Correspondência. Ofício Confidencial n.° 33 6/12/1935 (Cx.2).

173
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Quadro 1- Datas da introdução da escolaridade obrigatória e taxas de escolarização em 1870


Países Introdução da escolaridade obrigatória Taxas de escolarização em 1870
Prússia 1763 67%
Dinamarca 1814 58%
Grécia 1834 20%
Espanha 1838 42%
Suécia 1842 71%
Portugal 1844 13%
Noruega 1848 61%
Áustria 1864 40%
Suíça 1874 74%
Itália 1877 29%
França 1882 75%
Irlanda 1892 38%
Holanda 1900 59%
Luxemburgo 1912 -
Bélgica 1914 62%
EUA - 72%
Fonte : Soysal & Strang (1898, p. 278).

Alves dos Santos (1866-1924)121, no seu livro “A Nossa Escola Primária – (o que tem sido o que deve
ser)”, inicia o seu primeiro capítulo, intitulado “O Analfabetismo Nacional”, de uma forma muito crítica, no que respeita
à literacia da nossa elite governativa:

É certo que Portugal é um país de analfabetos. E não só o é actualmente, como o tem


sido sempre, desde a fundação da monarchia. Desde D. Afonso Henriques até D.
Diniz, nem os próprios imperantes sabiam ler e escrever, e foi necessário que uma
nova orientação se apoderasse dos educadores e príncipes para que este último
soberano pudesse assinar os diplomas das leis que promulgou.122

Esta moldura, localizada na passagem do século XIX para o século XX, é o espelho de um
sistema de ensino desorganizado, mas, ao mesmo tempo, rico em acesas discussões pedagógicas e,
por isso mesmo, revelador da atenção que a escola começava a ter no desenvolvimento dos indivíduos
e da sociedade.

121
Lente da Universidade e “Antigo” Inspetor Primário (membro do "movimento republicano para a implementação de pedagogia
científica no ensino de professores e nas escolas" e forte apoiante do ensino público).
122
Santos, A. (sd). A nossa escola primária – (O que tem sido, o que devia ser). Editora Figueirinhas.

174
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A frase “... coisa mais útil como pode ser uma escola…”, extraída da ata da Assembleia Geral
de Sociedade Promotora de Creches (16 novembro de 1902), vemo-la como uma premonição que
põe termo à Creche de Santa Eulália, fundada nos anos 70 do século XIX para os filhos das mães
trabalhadoras e pobres. Em 1903 a creche é encerrada sendo as suas instalações ocupadas pela
Escola Oficina nº 1, de Lisboa. Esta é inaugurada no dia 1 de janeiro de 1905, primeiro na Rua S°
João da Praça, n° 83-2º, passando, em 1906, para o Largo da Graça123, em Lisboa, vindo a encerrar
no ano de 1987.
No dia 9 de Fevereiro de 1905, na Sede Provisória da Sociedade Promotora de
Asilos, Creches e Escolas, Rua S° João da Praça, n° 83, 2º andar, às nove horas
da manhã, perante os corpos gerentes da escola, dos dois professores e dos 4
alunos, foi solenemente inaugurada a Escola Oficina N° 1. (a.d. 9 de Fev. 1905)

A Escola Oficina nº 1 de Lisboa nasce da fusão entre a política e a pedagogia, interpretada


pela vontade de um conjunto de homens ligados a instituições republicanas, à maçonaria, assim como
a ideais do anarco-sindicalismo. Constitui-se, podemos afirmar, como um oásis dentro do sistema
educativo português.
como a instituição que melhor encarnava o seu espírito. Por isso, quando era
necessário dar um exemplo de modernidade pedagógica, mostrar como se fazia
diferente era sistematicamente referida. Pode considerar-se, portanto, uma escola
de referência, pelo importante contributo que deu para a implantação do ideário
da Educação Nova em Portugal (Figueira, 2004, p. 124).
Apresentava uma pedagogia audaz, inovadora e alternativa às escolas pertencentes à rede
estatal, mantendo um ensino gratuito nas seguintes modalidades: maternal, geral ou integral e
preparatório profissional. Valorizava os trabalhos manuais, a educação estética e a educação física,
praticava o self-government e funcionava num sistema de coeducação, próprio das escolas novas, na
qual, a partir do ano de 1908 até aos anos 30, os exames serão abolidos.

123
“... uma fachada térrea de cerca de 25 metros de largura dum amarelo-torrado algo desbotado, com uma sólida porta dupla de
madeira e quatro janelas para cada lado dessa porta.
Por cima da porta, uma placa de pedra onde discretamente se encontra inscrito o nome da escola e, por cima, um frontispício com o
último nome da associação que esteve na sua origem: "Sociedade Promotora de Escolas".
Mas quem conheça melhor o edifício, cedo verificará que as característas acima apontadas sofrem dum excesso de modéstia; na verdade
a fachada não nos dá uma ideia exacta dum edifício que se encontra implantado num terreno com a área aproximada de 1320 m2, com
uma frente de cerca de 25 metros como antes tínhamos dito e com um comprimento aproximado de cerca de 53 metros.
Saliente-se que a área útil do edifício é superior, aproximando-se dos 1600 m2, devido ao declive do terreno cujo lado direito dá para
a Rua de "A Voz do Operário", que na altura em que a Escola Oficina N°l começou a funcionar, tinha o bem mais bonito nome de "Rua
da Infância". Ou seja, através da fachada não se pode de facto adivinhar um edifício com dois pisos amplos e com um vasto quintal de
cerca de 600 m2 de área (25mx24m).
Abrindo a porta de madeira, pintada de verde e com duas grades rendilhadas num pesado ferro forjado, por onde, de dentro do edifício
se pode ver quem está do lado de fora, deparamos com 3 degraus que dão para um vestíbulo amplo e claro; a meio desse vestíbulo,
de cada lado, uma porta, que do nosso lado esquerdo abre caminho para a sala da Direcção e do lado direito para a Secretaria. Trata-
se de duas salas simétricas com as mesmas dimensões de cerca de 3 por 5 metros. Tanto quanto nos foi possível de saber, sempre
foram estas as funções destas salas desde que no edifício se instalou a Escola Oficina” (Candeias, 1994. p. 276).

175
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Os exames que se faziam na escola no fim de cada ano lectivo foram, finalmente,
abolidos por completo, e substituídos por exposições dos trabalhos dos alunos,
efectuados durante o ano.
Também foram extintos os graus ou anos das aulas profissionais. Os alunos têm
de saber a matéria do programa pela sua ordem gradual de complexidade numa
seriação de trabalhos cada vez mais difíceis. Mas a sua passagem ou transição
está ao critério do professor. O aluno perito e trabalhador poderá adiantar-se, sem
ficar a marcar passo, à espera do final do ano, para transitar para o grau seguinte.
As notas de aproveitamento e de comportamento, acerca das quais alguns dos
nossos colegas já tinham adoptado o processo de serem os próprios alunos a
avaliar e a marcar as suas próprias notas, foram também este ano abolidas por
completo. Não se notou, por esse facto, menor aplicação ou pior comportamento.
Não influiu absolutamente em coisa alguma essa eliminação, e acabou-se com
uma prejudicialíssima fonte de rivalidades e às vezes, de injustiças (p. 6)124.

O seu plano de estudos estava dividido por 10 classes (duas na maternal, cinco no curso
geral ou integral e três no curso preparatório profissional), frequentadas por crianças com idades
compreendidas entre os 5 e os 14 anos.
Pensamos ser claro e evidente a importância que a maçonaria dá à questão da educação 125,
isto porque encontra nesta um espaço de afirmação de um conjunto de valores subsidiários de uma
vida futura em que os homens sejam mais solidários e independentes, como se inscreve nos ideais
da Educação Integral e da Escola Nova. Por isso, não é de estranhar encontrarmos maçons na linha
da frente deste combate pela desejada construção de um homem livre, justo e de bons costumes.
Como reforço do que dizemos, recorremos ao "Dicionário de Maçonaria Portuguesa" organizado por
Oliveira Marques e, quando se procura pela Sociedade Promotora de Creches, encontramos escrito a
seguinte definição: "... Sociedade de beneficência fundada em 1876 (...) com forte influência da
Maçonaria. A sua iniciativa deve-se sobretudo ao Maçon José Gregório da Rosa Araújo. (...) Veio a
transformar-se na Sociedade Promotora de Asilos Creches e Escolas de onde sairia a Escola Oficina
N°1 ... "(p. 1370, vol. 2). Fazendo o mesmo exercício para a Escola Oficina nº1, encontramos a
seguinte significação: "... Escola fundada em Lisboa pela Maçonaria em 1905 através da Sociedade
Promotora de Asilos Creches e Escolas, e devido, sobretudo, à iniciativa das lojas «José Estevão» e
«A Sementeira» (pp. 511 e 512, vol. 1). Mais um testemunho que corrobora esta ideia é o de Borges
Grainha (1976) que na "História da Franco Maçonaria em Portugal", diz que "... A Escola Oficina N°

124
In " Relatório do Conselho Escolar (...) Gerências dos Anos Económicos de 1909-1910 e 1910-1911"
125
“Um Decreto do Conselho da Ordem, datado de 28 de março de 1931, determinava a criação de uma Comissão de Instrução com
vista a intervir nos diferentes graus de ensino, ao mesmo tempo que apelava às Lojas para efetuarem um recenseamento dos seus
Obreiros que fossem professores, quer no ensino oficial, quer particular. Foram nomeados para constituir esta Comissão Adelino da
Palma Carlos, António Rodrigues Direito, Armando Alves da Silva, Dagoberto Augusto Guedes, Hélder dos Santos Ribeiro, Henrique
Pires Monteiro e José Pedro Moreira.” (p.225). Lopes, A. (2021). A MAÇONARIA PORTUGUESA 1926 – 1974: as suas ideias e a sua
relação com a sociedade e as forças políticas. Universidade de Lisboa.

176
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

1 é igualmente obra de Maçons..." (p. 25) e que "... a Maçonaria (...) Tomou sob a sua proteção a
Academia de Instrução Popular para raparigas e a Escola Oficina N° 1 para rapazes, derivada da
Associação das Creches e das Escolas..." (1976, p. 188).
A partir de 1912, devido ao prestígio e à popularidade que a Escola Oficina nº1 gozava entre
a maioria dos maçons, muitos deles governantes ou próximos destes, esta é reconhecida como
instituição de utilidade pública, começando a receber do Estado um importante financiamento126 e
vendo reconhecidos os diplomas dos diferentes cursos que ministrava.
A Assembleia do Senado votou definitivamente, sancionando a resolução da
Camara dos Deputados, o projecto de lei que concede o subsídio anual de seis
contos de reis (...) e considerando equivalentes os certificados ou certidões de
exame do 1º e 2º grau da instrução primária, respectivamente ao 3º grau e com
o último grau do curso da Escola Oficina N° 1, após prévio exame dos três
delegados nomeados pelo Governo. (a.d. 427, 6 Jul. 1912)127

Princípios de Ação

No seu Relatório de Atividades referente ao ano de 1956, a Loja José Estevão (recordamos
ter sido uma das lojas fundadora da Escola Oficina nº1) plasma de uma forma muito clara a convicção
forte da ligação entre a educação e a humanização, no sentido dado pela “Declaração dos Direitos da
Criança da Sociedade das Nações”, em 26 de setembro de 1924128
a criança deve ser educada de modo tal, que ponha as suas mais altas e melhores
qualidades ao serviço dos seus semelhantes e para que cuide de enriquecer, com
o seu esforço, o património comum da humanidade, herança que tem de
transmitir-se às gerações futuras.129

Os alunos eram desafiados e orientados a discutirem os seus problemas, assim como os


acontecimentos sociais com que se deparavam e a procurarem as soluções adequadas à sua
resolução. A educação moral, cívica e intelectual era exercitada em permanência, não através de uma
autoridade adulta, imposta aos alunos, mas por um sistema de onde emanava a responsabilidade de
exercer o sentido crítico e a liberdade de opinião. A existência de uma assembleia geral formada pelo
diretor, professores, alunos e, às vezes, também por funcionários, era o culminar desse tipo gestão
do espaço, do projetar de tarefas e da assunção das responsabilidades individuais e coletivas.

126
O Estado Republicano reconheceu a Escola Oficina nº 1 como uma instituição de utilidade pública, atribuindo-lhe, por isso, um
financiamento para suportar parte das suas despesas.
127
Ata da Direcção 427, de 6 de Julho de 1912
128
Mais tarde esta passa a ser denominada como “Declaração de Genebra”.
129
Processo da Loja José Estevão, de Lisboa – correspondência, Relatório de atividades referente ao ano de 1956, Arquivo
do Grande Oriente Lusitano, citado por Lopes, António. (2021). A MAÇONARIA PORTUGUESA 1926 – 1974: as suas
ideias e a sua relação com a sociedade e as forças políticas. Universidade de Lisboa.

177
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Outros pontos estratégicos eram a realização de trabalhos livres, a existência de oficinas,


a edição, publicação e divulgação de revistas, a existência de uma república escolar, a promoção
do teatro escolar e das festas cívicas, o incentivo ao trabalho autónomo, a distribuição de cargos
sociais aos pequenos cidadãos, entre outros assuntos.
No “Plano de Estudos para a Escola Oficina N°1” de 1906130, nos seus pressupostos
pedagógicos e políticos podemos ler:
As faculdades do Homem mantêm-se relacionadas de modo tão íntimo que
raramente um acto é produto duma só; um esforço físico corresponde a um
esforço intelectual e, por vezes, uma necessidade moral o impede ou incita. Se
cada uma das faculdades não for perfeita, a resultante do concurso de todas será
desequilibrada e imperfeita (...) Desta correlação e simultaneidade definições,
resulta necessária a simultaneidade da educação nos aspectos em que é de uso
classificá-la: físico, intelectual e moral. (...) A educação deve, pois, ser integral
(destaque nosso), isto é, abranger todas as faculdades do homem-e fazer-se
duma maneira simultânea (...) não excluindo, no entanto, a supremacia da
educação intelectual, por ser a que sempre orienta as outras. ("Plano de Estudos
para a Escola Oficina N° 1 ", s.d., pp. 3 e 4).

Por fim, é importante salientar, para não dizer imperdoável, esquecer que todo este processo emerge
de um punhado de professores dos quais é justo destacar as figuras de Adolfo Lima e Luís Filipe da Matta. 131
Com estes, encontramos, também, um naipe de educadores progressistas, na sua grande maioria republicanos,
anarquistas e mações, como sejam, entre outros, Deolinda Lopes Vieira Quartim132, Lucinda Lopes, 133, António
Godfroy de Abreu e Lima134 e César Porto135.

130
O primeiro plano de estudos data de 1904, e foi elaborado antes da inauguração da escola.
131
Adolfo Ernesto Godfroy de Abreu e Lima (1874-1943) nasceu e faleceu em Lisboa. Formou-se em Direito pela Universidade de
Coimbra e foi professor de Sociologia e diretor técnico da Escola Oficina n.º 1, entre 1906 e 1914. É preso em outubro de 1927 pelas
autoridades da Ditadura Militar e em 1933, é nomeado para diretor da Biblioteca-Museu do Ensino Primário -anexa à Escola do
Magistério Primário de Lisboa-, onde permaneceu até à sua morte.
Luís Filipe da Matta (1853-1924). Era um comerciante com bastantes posses económicas, republicano e maçon, tendo desempenhado
cargos importantes dentro das estruturas da maçonaria (foi grão-mestre do Grande Oriente Lusitano) e republicanas. Desempenha
vários e importantes cargos públicos, como sejam o de diretor da Associação Comercial de Lisboa e vice-presidente da comissão
executiva do monumento ao Marquês de Pombal, o de vereador da Câmara Municipal de Lisboa (1908-1911) e o de provedor da
Assistência Pública (1912-1917), entre outros. Embora não sendo um professor, foi figura fundamental na consolidação do modelo
pedagógico da Escola, tendo desempenhado um relevante papel na divulgação do ensino laico, dirigindo ainda o Vintém das Escolas
(fundado em Lisboa, por Feio Terenas e incluiu, a partir de 1 de Julho de 1902, um periódico com o mesmo nome (1902 – 1905)
tendo a frase «Beneficência, Instrução, Educação Cívica» estampada no cabeçalho, sendo o produto da sua venda – um vintém por
exemplar – destinando ao fundo de «Propaganda do Ensino Liceal». As palavras de ordem do jornal e do instituto eram “Moralizemos,
educando; formemos os cidadãos livres, instruindo. Instrução! Liberdade! Progresso!”
132
Deolinda Quartim (1888-1993) foi professora na Escola Oficina n° l entre 1911 e 1929. Foi casada com Pinto Quartim, jornalista,
anarquista, e fundador do jornal Libertário "Terra Livre", na primeira década do sec. XX, sendo, também, o primeiro chefe de redação
de "A Batalha", isto em 1919. Pertenceu à Maçonaria, com o pseudónimo de Maria Amália Vaz de Carvalho.
133
Professora na Escola Oficina n° 1 entre 1937 e 1987.
134
António Godfroy de Abreu e Lima (1883-1968), era irmão de Adolfo Lima, foi professor e dedicou a maior parte da sua vida à Escola
Oficina n.º 1.
135
César Porto (1873–1944), jornalista, pedagogo e escritor. Exerceu o magistério primário em várias escolas e colaborou no jornal A
Batalha e na revista Renovação. Mação e republicano, visitou as escolas russas juntamente com o professor francês Celestin Freinet, a
convite da Federação Pan-Russa dos Trabalhadores de Ensino. Entrou para a Escola Oficina nº 1em 1912, passando a assumir em 1918
a sua direção pedagógica.

178
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A consolidação do Estado Novo, nos anos trinta, eliminou, na prática, o pouco que restava
do registo pedagógico progressista. No início dos anos 40, o governo salazarista impõe à escola a
escolha por um dos géneros -Decreto-Lei Nº 31.433 de 29 de julho de 1941-, tendo esta optado por
ser uma instituição feminina, mantendo-se esta situação até 1974, ano da Revolução de abril. A Escola
encerrou, definitivamente, em 1987, tendo até essa data funcionado regularmente no Largo da Graça.

Considerações finais

A Escola Oficina N°1 mereceu a admiração e louvor de pedagogistas por ser a


primeira escola portuguesa. Podiam discutir-se pormenores da sua organização;
mas como conjunto, como espírito particular criador dum ambiente benéfico para
as crianças, como vida íntima, simples... humana, não era fácil encontrar-lhe
semelhante onde quer que fosse, dentro ou fora do país.

O seu ponto de vista, a sua directriz era: dar a cada criança uma educação primária
indispensável para um ser humano viver, inteligente e dignamente, na sociedade
humana, não como animal domesticado ou como animal feroz, mas como unidade
social, capaz de livremente concorrer para a evolução progressiva do
agrupamento social. (Discurso de Luís da Mata, de 1933, aquando convidado a
voltar a ser o Diretor Técnico desta escola)136

Seguindo o ideário de Luís da Matta, a Escola Oficina nº 1 foi uma escola onde educar era
fazer com que todos os alunos fossem capazes de superar um destino dado à nascença, quer pela
família, quer pela sociedade, quer ainda por limitações próprias. As suas práticas pedagógicas e
orientações curriculares, inovadoras e alternativas -orientando-se pelos princípios da Educação Nova-
, assim como os seus professores, foram um exemplo de um vanguardismo educativo, gestionário,
solidário, integral e racional.
Este modelo de escola, portador de um património educativo ímpar na história da Educação
em Portugal, constituiu-se como um dos primeiros grandes exemplos de uma escola possível que
abriu um novo espaço às instituições escolares, mostrando-lhes ser possível a existência de uma
outra realidade educativa e rasgando novos horizontes demonstrativos do valor da educação na
transformação da sociedade.

136
A.d.870, 8 de agosto de 1933.

179
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Por fim, recorro a Candeias, que de uma forma concisa, mas muito clara e precisa nos deixa
espelhado o que foi o viver da Escola Oficina nº1 de Lisboa:
educar sim, mas segundo os objetivos políticos, sociais e culturais que visem a
formação de um homem livre, racional e integral. Livre dos dogmas da religião e
do Estado; racional ao ter como critério a verdade provada pela ciência; integral
aproveitando e explorando de uma forma global as potencialidades intelectuais e
afectivas do ser humano; integral ainda ao propor a educação politécnica, que
recuse a divisão do trabalho manual – trabalho intelectual, que para os anarquistas
será uma das causas e um dos resultados da divisão da sociedade em classes.
(Candeias, 1987, p. 328).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Albuquerque, A. T. C. (1967). O Que é a Maçonaria. Editora Aurora.

Brandão, R. (1984). Os operários. Biblioteca Nacional.

Candeias, A. (2003). Lima, Adolfo Ernesto Godfroy de Abreu. In A. Nóvoa (dir.), Dicionário de
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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

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Siglas utilizadas

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181
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

PARTE 2

O presente em diversos contextos e domínios


de intervenção da Maçonaria

182
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A divisa da Maçonaria aplicada à Medicina e à Sociedade em tempo de pandemia


João Marques137; Álvaro Thomaz 2, & Amadeu Alves 3

COVID-19 Resumo
Palavras-chave

Fraternidade A atual pandemia COVID-19 veio mudar o Mundo e o quotidiano de todos nós,
Igualdade colocando desafios tremendos à Humanidade. Os grandes valores da Maçonaria
Liberdade
estão sintetizados na sua divisa universal: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Esta
Maçonaria
pandemia veio-nos colocar diversos desafios aos quais nos temos de adaptar,
nomeadamente a necessidade de Cooperação entre médicos e cientistas de todo
o Mundo para resolver da forma mais célere possível uma doença nova e
desconhecida; a necessidade de Solidariedade para sobrevivermos como
Sociedade e o repto da divisa Liberdade, Igualdade, Fraternidade em clima de
medo e de muitas vezes, parcos recursos. Para ultrapassar estes desafios a
aplicação da divisa maçónica é uma ferramenta fundamental. A Grande Loja
Simbólica de Portugal tentou implementar, pelo trabalho dos seus Obreiros, cada
um destes pilares na construção de um Templo que proteja a Humanidade do
impacto potencialmente devastador desta pandemia.

INTRODUÇÃO

A atual pandemia COVID-19 iniciou-se em dezembro de 2019, com os primeiros casos a serem
descritos em Wuhan, na China. Antes disto, toda e qualquer tentativa de imaginar o Mundo como o vemos e
vivemos hoje seria digna de um Óscar para “Melhor Argumento Original” ou de Nobel da Literatura.

Até à data, gerações e gerações de Homens foram crescendo e sendo educados num espírito de
busca do conhecimento, à Luz da Ciência, tentando reduzir a imprevisibilidade que a Natureza sempre colocou
ao Homem desde que há relatos. Vivíamos uma época em que, erradamente, julgámos, já ter atingido esse
desígnio. Uma época em que o Homem se esqueceu de ser Homem no sentido da sua necessidade de harmonia
com a Natureza, com os recursos do nosso planeta, com os nossos irmãos que vivem em todas as partes do
globo e que conosco partilham esta casa global. Esta convicção foi abanada em poucos dias, veremos o que
sairá dos escombros. Muitos vêem a penumbra, outros o arco-íris de que ficará tudo bem. Ficar tudo bem
certamente não ficará, porque nem tudo estava bem antes, nem tudo ficará irremediavelmente destruído daqui
em diante. Mas dificilmente algo ficará igual. Melhor ou pior, dependerá de cada um de nós.

137
JOÃO MARQUES – Hospitaleiro, Loja Karnak, Grande Loja Simbólica de Portugal. Email:
lojakarnak@memphismisraim.pt
2
ALVARO THOMAZ – Venerável Mestre, Grande Loja Simbólica de Portugal. Email: alvaro.thomaz@memphismisraim.pt
3
AMADEU ALVES – Grão-Mestre da Grande Loja Simbólica de Portugal. Email: amadeu.alves@memphismisraim.pt

183
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Os grandes valores da Maçonaria estão sintetizados na sua divisa universal: Liberdade,


Igualdade, Fraternidade — Liberdade com ordem, Igualdade com respeito e Fraternidade com justiça
(Arnaut, 2017). Esta pandemia veio-nos colocar diversos desafios, aos quais nos tivemos de (e temos
de continuar) a adaptar. Entre os mais marcantes e que detalharemos de seguida salientamos:
• A necessidade de Cooperação entre médicos e cientistas de todo o Mundo para resolver da
forma mais célere possível uma doença nova e desconhecida;
• A necessidade de Solidariedade para sobrevivermos como Sociedade;
• O repto da divisa Liberdade, Igualdade, Fraternidade em clima de medo e de, muitas vezes,
parcos recursos.
Apresentaremos uma revisão narrativa de cada um dos tópicos anteriores, seguida do seu
enquadramento de cada um destes tópicos à Luz da Maçonaria e da sua divisa. Detalharemos também
de que forma a Grande Loja Simbólica de Portugal tentou colaborar em cada um destes pontos.

A necessidade de Cooperação entre médicos e cientistas de todo o Mundo para resolver da


forma mais célere possível de uma doença nova e desconhecida

Podemos afirmar, dada o conhecimento atual, que a história da medicina moderna se iniciou
há cerca de 2500 anos, no século V a.C, tendo por fundador Hipócrates. O cientista e filósofo grego
foi o primeiro a postular que as doenças derivam de causas naturais e enfatizou a Medicina como
uma Ciência (Pulciani et al., 2017). A Escola de Cós com que se identificava o seu nome rejeita
superstições e explicações mágico-religiosas que atribuam a causa das doenças a castigos divinos,
mas adoptava uma postura racionalista(Alexandra Alves de Sousa, 2018). Nos tratados hipocráticos a
medicina é apresentada como uma disciplina que implica “investigação”. No período de pandemia
COVID-19 que vivemos esta necessidade é imperiosa. A investigação médica permitirá conhecer
melhor esta nova doença, melhorar o seu diagnóstico, tratamento e prevenção. Basilar também será
garantir que esta investigação é célere, dispendendo recursos proporcionais e razoáveis, melhorando
a técnica e otimizando cada um deste pilares – diagnóstico, tratamento e prevenção.
Assistimos com o alastrar global da pandemia a uma pressão sem precedentes nos
investigadores, agências reguladoras e legisladores. Todos em conjunto deram o seu melhor para
responder rapidamente às solicitações, tentando manter a coerência e segurança, pedras basilares da
investigação, em particular clínica. No entanto, o desejo tremendo da comunidade científica em
produzir dados relevantes gerou vários problemas. Os desafios encontrados na resposta global para

184
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

iniciar e coordenar ensaios clínicos na COVID-19 não são novos, mas o contexto pandémico tornou-
os bem mais visíveis. Um dos principais pilares do problema residiu na valorização da quantidade de
investigação, em detrimento da qualidade, com estudos muitas vezes ineficientes e supérfluos, com
limitações metodológicas claras. A pandemia COVID-19 enfatizou a necessidade de maior
coordenação, colaboração e qualidade na investigação clínica. Sublinhou ainda a questão premente
da partilha de dados entre estudos e investigadores, por forma a tornar a investigação mais efetiva
(Park et al., 2021).
Começando por este ponto, também aqui a trilogia maçónica, Liberdade, Igualdade,
Fraternidade pode contribuir para minorar estes problemas (Arnaut, 2017). Será a Liberdade de
pensamento que permitirá o surgimento de ideias novas e inovadoras para a investigação, desprovidas
de dogmas e de espírito aberto. Sem esta o conhecimento gerado é espartilhado e crivado por
interesses que muitas vezes não colocam o Humanismo e a filantropia no centro. Na investigação
clínica o Humanismo e a filantropia devem estar sempre na equação. Igualdade é um dos pontos mais
difícil de alcançar na investigação, mas é também e, por si só, crítica. Só no claro exercício deste valor
haverá equidade no acesso ao financiamento de projetos, privilegiando a sua qualidade e inovação,
em detrimento de questões acessórias e não ligadas à ciência propriamente dita. Só a equidade de
oportunidades de acesso a financiamento permitirá que novos e inovadores grupos e linhas de
investigação se estabeleçam. São estes, imbuídos de outras perspectivas do mesmo problema, que
muitas vezes desafiam a visão já explorada por outro método, por outros investigadores e que, no
final, contribuem para um mais rápido e marcado avanço do conhecimento. Fraternidade urge na
investigação. Só com a partilha da informação, seja ela sob a forma de publicações, de dados e
inclusive de ideias será possível uma investigação mais rápida e sobretudo mais efetiva. Só esta será
o garante de poupança de recursos e de preservação da segurança da investigação. A pandemia trouxe
à tona a falta destes valores, mas expôs a sua necessidade. Resta-nos sermos Homens livres e de
bons costumes para refletirmos sobre eles e tentar implementá-los a breve prazo.
A Grande Loja Simbólica de Portugal tentou contribuir para dar respostas a estas questões.
Logo no início do primeiro estado de emergência em Portugal, em Março de 2020, foi criada uma
comissão de acompanhamento médica da COVID-19 dentro da própria Obediência, denominada Pool
de Saúde. O objetivo desta foi, desde logo, numa primeira fase, congregar diversos obreiros que
tivessem ligados à Medicina e Investigação na sua vida profana para que, em conjunto, fossem
reunindo, discutindo e triando a muita informação que foi surgindo em catadupa. Criaram-se assim

185
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

documentos com indicações e orientações para todos os Irmãos, à Luz do que se sabia à data. Estes
documentos e estas informações foram sendo revistas e atualizadas periodicamente consoante o
avanço do conhecimento e realizaram-se inclusive reuniões virtuais de partilha de conhecimento para
com os restantes. Outro dos objetivos desta Pool foi, sobretudo em períodos de menor capacidade
de resposta dos sistemas de apoio do Ministério da Saúde, apoiar as dúvidas médicas que fossem
surgindo, sem nunca ousar substituir a imperiosidade da observação médica de acordo com o
estabelecido pelas normas, mas antes como um apoio consultivo. Mais de um ano volvido após a sua
constituição pensamos que esta foi bem-sucedida, permitindo orientar e acalmar os Irmãos que a ela
recorreram e menorizando a sobrecarga que se assistiu no Sistema Nacional de Saúde nos seus
períodos mais críticos.

A necessidade de Solidariedade para sobrevivermos como Sociedade;

Neste ponto, os grandes valores da Maçonaria, Liberdade, Igualdade, Fraternidade, são


basilares para tentarmos sobreviver enquanto Sociedade (Arnaut, 2017). No entanto, mais do que
nunca, a sua aplicação requer outro valor sine qua non, a Humildade. Humildade deriva da palavra
em latim humilitas, definindo-se pela capacidade de reconhecer os próprios erros, defeitos ou
limitações. A origem etimológica, em latim clássico húmus, tinha vários sentidos figurados,
nomeadamente, ”de baixa condição, obscuro”, “que tem sentimentos baixos”, “pouco importante,
fraco”. Associou-se durante séculos a um significado de fraqueza, subserviência ou pobreza. O quão
errada estava esta associação.
No entanto, de acordo com a psicologia moderna, pessoas humildes têm uma maior
capacidade de autorregulação contra excessos e promovem tendências pró-sociais. À Luz da
Maçonaria a visão é semelhante. A Humildade não se anuncia, é praticada em Silêncio. São irmãos e
complementam-se. Assistimos diariamente, em jornais, televisões e no dia-a-dia, a “especialistas” de
tudo e de nada. Neste período de pandemia foi evidente o quanto este valor falta na nossa Sociedade.
O problema já existia antes, agora a sua nudez é manifesta. Médicos comentadores de futebol,
economistas especialistas em epidemiologia e políticos especialistas em vacinas. Surgem todos os
dias novos conceitos que se sobrepõem a este dever de responsabilidade. Influencers cujo
protagonismo é dado por uma selva de redes sociais, desgovernadas, desreguladas e não
escrutinadas, onde o número e qualidade da formação é substituída pelo número de seguidores.

186
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A ambição que caracteriza o Homem, impele-nos a competir de forma desenfreada por um


protagonismo que nos tolda a visão e nos embrutece. A natural busca pelo bem-estar não nos pode
retirar a Humildade de perceber que vivemos em comunidade, na dependência uns dos outros. Os
dias de pandemia que vivemos colocam mais uma vez essa Humildade à prova. Nunca a clássica
Trilogia “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” foi tão necessária. Nunca fomos tão postos à prova.
Temos de cultivar este valor nos anos vindouros sob pena de caminharmos para a anarquia. Uma
Liberdade, sem Igualdade, nem Fraternidade.
Pensemos agora na aplicação desta Trilogia à pandemia COVID-19 e de como só esta nos
pode retirar destes dias difíceis que todos vivemos, independentemente de quem somos e da posição
social que tenhamos. Só a vacinação que nos é proposta em Liberdade, que deverá ser Igualitária e
em regime de Fraternidade entre todos nos poderá salvar. Não poderemos jamais obrigar alguém a
vacinar-se, no entanto necessitamos que todos o façam em Liberdade. A vacinação só poderá
transformar a vida de todos, inclusive a dos já vacinados, quando todos estivermos vacinados, em
Igualdade. Por último, enquanto os Povos com menos recursos não forem também vacinados, haverá
oportunidade para que uma estirpe se torne resistente à vacina dos já vacinados. Liberdade, Igualdade,
sem Fraternidade também não será suficiente.
Também neste ponto, a Grande Loja Simbólica de Portugal tentou humildemente responder
a este desafio. Para além das acções da Pool de Saúde dentro da própria Obediência, já acima
particularizados, foi ainda criada uma Pool de Logística para congregar bens e recursos partilhados
em Liberdade entre todos, numa premissa de Igualdade e Fraternidade na sua posterior distribuição.
Muitas vezes e ainda mais nos tempos que correm se discute o secretismo erradamente associado à
própria Maçonaria. Afirmamos ainda que o trabalho da nossa Ordem se expande para além dos Nossos
Irmãos, apoiando discretamente esta Pool de Logística uma associação sem fins lucrativos que dá
apoio ao próximo, independentemente de ser ou não Maçom.

O repto da divisa Liberdade, Igualdade, Fraternidade em clima de medo e de, muitas vezes,
parcos recursos

Outro dos desafios foi pensar e colocar em prática os grandes valores da Maçonaria,
Liberdade, Igualdade, Fraternidade, mesmo em período de maior tumulto social e de maior
necessidade. Citando Vergílio Ferreira, “Não será difícil ser humilde quando se é grande.

187
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Difícil é ser humilde quando se é medíocre. Como é fácil ser generoso quando se é rico e
não quando se tem pouco”. Este foi e sempre será este um dos desafios à Trilogia da Maçonaria. A
promoção da Liberdade, Igualdade e Fraternidade é um desafio hercúleo quando os Obreiros são
desafiados pela Sociedade em Geral.
A pandemia veio exacerbar medos, alimentar angústias, facilitar a disseminação de notícias
falsas e a desinformação, simplificando perigosamente as mensagens, numa trajetória populista
preocupante, questionando tudo e todos. Desde sempre que a maçonaria foi perseguida, vista como
uma ameaça, sobretudo por regimes ditatoriais ou absolutistas. Este sentimento surge
independentemente da díade criada na Revolução Francesa de “esquerda” ou “direita. Começando no
primeiro regime Fascista da Europa, na Hungria em 1919 com Bella Kun, e prosseguindo com o
regime Fascista de Mussolini em 1923, esses tempos difíceis na maçonaria propagaram-se também
a Portugal. No nosso país, durante o Estado Novo e com a entrada de Salazar para o governo e a sua
rápida ascensão tutelar, aliada à crescente influência da direita reacionária foram reavivados velhos
ódios das forças obscurantistas. O golpe que a ditadura supunha mortal na Maçonaria foi desferido
em 19 de Janeiro de 1935 com a apresentação, na recém-instalada Assembleia Nacional, de um
projeto de Lei subscrito pelo deputado José Cabral, proibindo as “associações secretas” e
confiscando-lhe todos os bens. É claro que, embora o projeto o não referisse, o seu único alvo era a
Maçonaria. A lei foi votada por unanimidade e publicada no Diário do Governo em 21 de Maio. A
partir daí todos os que quisessem exercer funções públicas tinham que declarar, por sua honra, que
não pertenciam, nem jamais pertenceriam, a qualquer associação secreta (Arnaut, 2017). A Maçonaria
fora, assim, “legalmente” dissolvida em Portugal. Muitos maçons e outros democratas começaram
então a frequentar as masmorras da ditadura. É claro que a Ordem maçónica não se extinguiu. A
Maçonaria emergiu das catacumbas na radiosa manhã de 25 de Abril de 1974.
Em 2021, em pleno estado de emergência em Portugal, decretado sob os mais altos valores
da nossa República e sob decreto do seu Presidente, assistimos a uma proposta de alteração legal
para tornar obrigatório que deputados e titulares de cargos públicos declarem, no seu registo de
interesses, se pertencem a associações e organizações discretas, como a Maçonaria.
A Grande Loja Simbólica de Portugal opôs-se a este diploma através da emissão de um
Comunicado do seu Grão-Mestre (Alves, 2021), o qual rapidamente se disseminou por todos os
países europeus e do mediterrâneo, em particular, naqueles sofreram a intolerância de regimes
ditatoriais no passado, como por exemplo em Espanha. Relembre-se historicamente que, no caso de

188
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Espanha e um ano após o fim da sua Guerra Civil, em 1940, Francisco Franco promulgou a Lei de
Repressão contra a Maçonaria, ao abrigo da qual os maçons espanhóis foram perseguidos e fuzilados.
Mas Franco permitiu a existência de lojas nas bases militares norte-americanas onde trabalhavam
maçons deste país. Tal facto prova a versatilidade do ditador e a “elasticidade” dos seus princípios,
que ora se curvava aos interesses externos, ora se dobrava para espezinhar quem erguesse a bandeira
da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A maçonaria, seja em Espanha ou em Portugal, nunca se
vergará perante as adversidades, não é “elástica” e sempre servirá o bem comum em detrimento de
interesses individuais. O suposto “secretismo maçónico” justificado na proposta de tal diploma não é
a clarificação dos interesses que poderão existir ao nível das lideranças partidárias e de órgãos de
soberania nacional, mas antes a devassa da liberdade de consciência de cada maçom. Mesmo que
este diploma venha a ser aprovado, o verdadeiro “segredo maçónico” será sempre impossível de
comunicar ao mundo profano. “Ele” pode ser revelado e explicado, mas só os verdadeiros iniciados
conseguem compreendê-lo na perfeição. O que tal diploma mostra claramente é que existe uma
verdadeira maçonaria universal, sem país, com os mesmos princípios da fraternidade, da liberdade,
da igualdade, do humanismo e da filantropia, do progresso para uma sociedade livre e justa. A Grande
Loja Simbólica de Portugal trabalha por estes princípios, que assentam no livre pensamento, na
liberdade de consciência e na tolerância, permitindo o aperfeiçoamento do homem, a edificação de
uma sociedade justa e igualitária e o progresso da humanidade através da elevação moral e espiritual.
E destes princípios, com ou sem diploma, nunca abdicaremos (Alves, 2021).

Conclusões
O período que vivemos ficará certamente, para sempre e de forma marcada vincado na
História da Humanidade. Das gerações que a estão a vivenciaram, às que doravante se seguirão muito
do que se está a passar e que se seguirá será objeto de reflexão e estudo. Assistimos a uma mudança
rápida, dramática e profunda do nosso quotidiano e muito do que era o nosso dia-a-dia ficará mudado
depois da COVID-19. Duma reflexão crítica e profunda podemos perceber que poucos foram os
problemas novos que esta trouxe, amplificou e colocou a nu muitas das dificuldades já pré-existentes.
Também na Medicina e no conhecimento científico este raciocínio se aplica. Os grandes valores da
Maçonaria sintetizados na sua divisa universal, Liberdade, Igualdade e Fraternidade são um caminho
e uma solução posta à prova nos dias que vivemos. A Maçonaria está de Pé e à Ordem para, com
todos os seus Obreiros, humildemente, os tentar pôr em prática.

189
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

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190
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

PERSPECTIVAS PARA A MAÇONARIA BRASILEIRA NA ATUALIDADE


Eduardo Mansano Bauman 138

Maçonaria no Brasil Resumo


Palavras-
chave

Grande Oriente do Brasil O presente artigo / investigação resulta num olhar sobre a Maçonaria na
Confederação da Maçonaria Simbólica atualidade no Brasil que, como sabemos, acolhe um regime diverso, plural
Confederação Maçónica do Brasil
e amplo de Obediências. O GOB (Grande Oriente do Brasil) tem na sua
Grades Lojas Estaduais
estrutura organizacional os Orientes Estaduais Federados. A Confederação
Grandes Orientes Independentes
da Maçonaria Simbólica reúne as Grandes Lojas Estaduais. A
Confederação Maçónica do Brasil agrupa os Grandes Orientes
Independentes.

INTRODUÇÃO

Segundo os dados estatísticos comumente veiculados, existem hoje, no mundo,


aproximadamente 3,5 milhões de Maçons, espalhados pelos 5 continentes. Destes, 1,5 milhão
nos Estados Unidos; 250.000 no Reino Unido e 1,5 milhão nos demais países, sendo que
no Brasil são aproximadamente 240 mil maçons regulares, o que faz de nós a terceira maior nação
maçônica do mundo.

No Brasil há três grandes organizações Maçônicas – o GRANDE ORIENTE DO BRASIL, com


os Orientes Estaduais Federados; a CONFEDERAÇÃO DA MAÇONARIA SIMBÓLICA, que reúne as
Grandes Lojas Estaduais; e a Confederação Maçônica do Brasil (COMAB) que agrupa os Grandes
Orientes Independentes.

Estas organizações, consideradas regulares, convivem de forma harmoniosa reconhecendo-


se mutuamente, desenvolvendo, em muitas ocasiões, ações conjuntas de interesse social, alinhadas
aos fundamentos da Sublime Ordem.

Convivem, contudo, com um número não estabelecido de organizações espúrias: Lojas


Irregulares, mistas, e algumas que até oferecem iniciação pela internet.

Outro fator é a constante exposição da Maçonaria e seus fundamentos pela mídia, no mais
das vezes alimentada por perjuros que, buscando lucro, estampam em revistas e tabloides nossos
segredos e simbologia.

138
Irmão EDUARDO MANSANO BAUMAN. A ∴R ∴L ∴S ∴BARÃO DE JACEGUAI Nº 4679 – GOB-SP

191
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Não obstante, a par dos inevitáveis detratores, continua a Maçonaria Brasileira a atuar com a
sua costumeira discrição.

Este o quadro objetivo encontrado em nosso País. A par do mesmo, exposto como ponto de
partida, passemos a meditar sobre o elemento interno de nossas Lojas Regulares, de modo a traçar
um painel de nossa situação atual.

1. DESENVOLVIMENTO
1.1. O Passado

Para a definição de uma perspectiva, falemos primeiro sobre a visão que temos, hoje, de
nosso passado:

• Lembramos, constantemente, de uma Maçonaria atuante e influente em termos políticos,


que patrocinou a Independência e a República. No campo externo, haveríamos inspirado
a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos. Em seguida, é também
constante o lamento de que hoje, as coisas não são mais assim.

Há, aqui, um erro a ser corrigido em nossa visão sobre este passado. A Maçonaria não fez a
Independência ou a República. Quem a fez foram homens resolutos, que também eram Maçons.
Depois de concretizada a tarefa, a modéstia Maçônica (vigente até hoje) delega os feitos à “Maçonaria”,
como inspiração coletiva. Mas a Maçonaria não poderia ter feito nada, pois ela é, antes de qualquer
coisa, uma escola.

Não se deve esquecer, também, que entre os vencidos, também havia bons e valorosos
Maçons, cujas vozes são, no mais das vezes, apagadas, pois a escrita da história é privilégio dos
vencedores.

Este passado é, portanto, um mito carinhosamente cultivado.

2. O Presente
A Maçonaria compõe-se de dois elementos:

o O elemento Iniciático, pelo qual é secreta (em seu aspecto esotérico) e sigilosa
(em sua feição exotérica);

192
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

o O elemento Humano, que resulta do fato de ser composta pela diversidade dos
homens, de diferentes culturas e países, sujeitando-se, portanto, a diversas
circunstâncias de meio e de momento histórico.
Nada há a apontar quanto ao elemento Iniciático, velado de forma zelosa pelas nossas Lojas
Regulares. O elemento Humano, porém, sofre as influências e adversidades do meio e do momento
histórico de nosso País.
Por este motivo, a Maçonaria, como um microcosmo, espelha as mazelas do Brasil atual.
Pontuemos:
o Todos vivemos em Municípios, que nos são reais, pois é neles que exercemos
nosso trabalho e onde está nossa morada;
▪ Em termos Maçônicos, nos agrupamos em Lojas, com endereço
determinado, nestas mesmas cidades.
o Entretanto há duas abstrações: os governos estaduais e federal, que, apesar de
serem abstrações, drenam a maior parte de nossos impostos;
▪ Na Maçonaria, convivemos com Grãos Mestrados Estaduais, e, no
sistema GOB, também com um Grão Mestrado Federal, sendo que todos
procedem à arrecadação de seus próprios metais.
o Muitos cidadãos sentem que não recebem, em serviços, os impostos pagos aos
governos;
▪ Muitos Maçons questionam os serviços efetivamente prestados pelos
Grãos Mestrados. Neste ponto, nossa Maçonaria regular transita da
satisfação à absoluta insatisfação (o que levou inclusive à recentes
cisões), espelhando, com isto, aquilo com o que se convive no mundo
profano.
Essa dissonância de prumo (vertical), também encontra um paralelo de nível (horizontal):
o Quanto maior a cidade, menor a iniciativa social dos cidadãos. É comum em
cidades pequenas a existência de entidades assistenciais mantidas pela
comunidade. Nas grandes cidades esta participação é deixada ao encargo do
Estado;
▪ O mesmo ocorre na Maçonaria. Sua presença é sentida em cidades
pequenas e vai, proporcionalmente, diminuindo em relação ao número

193
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

de Lojas e volume populacional (há exceções, como Barretos, mas são


muito poucas).
Por fim, há um adendo de postura política em relação à situação que vivenciamos:
o Muitos cidadãos querem que “alguém faça alguma coisa” contra a corrupção, a
violência e todos os males, uma vez que seus representantes parecem
permanecer de braços cruzados;
▪ Na Maçonaria, muitos Irmãos cobram uma postura das lideranças, para
que elas também “façam alguma coisa”, o que faz com que circulem
pelas redes sociais todo tipo de cobrança e declaração de indignação
com o que se vê.

3. O Problema

O grande problema é que muitas das iniciativas dos Maçons do passado não deram em nada,
uma vez que, por uma série de motivos, não se pôde lograr êxito.

Por este motivo não se deve confundir que um grande feito, creditado pela modéstia dos
Irmãos à Maçonaria, nuble a visão dos Maçons, fazendo-os acreditar que nossa ESCOLA DA ARTE REAL
possa, de per si, engendrar revoluções.

Vejamos dois postulados populares que a experiência demonstrou serem ineficazes:

• Os poderes centrais devem se manifestar em nome da Maçonaria (e isso faria a


diferença);
• Devem ser eleitos Maçons para a criação de um mínimo ético na política.

Pois bem, há cerca de sete anos os Grãos Mestres do GOSP (Grande Oriente de São Paulo,
então integrante da Federação do GOB – Grande Oriente do Brasil), da GLESP (Grande Loja do Estado
de São Paulo) e do GOP (Grande Oriente Paulista) tomaram a voz na Assembleia Legislativa do Estado
de São Paulo e lançaram um manifesto. Resultado: não foi perceptível nenhum efeito.

Quanto à eleição de Maçons, estes sempre foram eleitos. O ex-Presidente da República e


antigo Presidente do Congresso (Michel Temer) é Maçom. E o que mudou?

Na verdade, a Maçonaria, como instituição, apenas pode receber um homem bom e buscar
que ele, com seu próprio esforço, tente se tornar uma pessoa melhor.

194
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Isto não é episódico ou passageiro. Esta é uma luta que ultrapassa as eras, e que não pode
deixar de ser lutada.

Se abandonarmos a imprescindível discrição e nos lançarmos à publicidade, vamos ter o


mesmo destino das sociedades transitórias e irrelevantes: o melancólico fechar das portas.

Ou seja, a resposta está onde sempre esteve: DENTRO DE NÓS MESMOS. É difícil? Claro que é.
Mas Confúcio disse: “traga todos os dias um punhado de terra, e um dia terás uma montanha”.

4. A Reflexão

Isto nos traz a uma importante reflexão:

• A Maçonaria se resume ao que os Maçons fazem?

• A Maçonaria, por ser uma Instituição, é algo separado do que fazem os Maçons?

A resposta a estas questões não pode ser dada de forma simplista, mas implica em uma
terceira constatação, que escapa e ao mesmo tempo complementa o âmbito destas duas perguntas:

• A Maçonaria não pode se resumir ao que fazem os Maçons, pois estes são efêmeros, já que
ao final de algumas décadas de atividade, rumam ao Oriente Eterno;

• A Maçonaria, por sua vez, não é algo absolutamente separado do que fazem os Maçons, pois
estes é que vivenciam o seu dia a dia;

• Na verdade, há o que fazem os Maçons (de forma efêmera), e há a Instituição da Maçonaria,


que é perene, mas não necessariamente imutável.

o Há, assim, um liame que se estende pelos séculos, que é o diálogo mantido pelos
Maçons com a Maçonaria, através das gerações, e que acaba por gerar
transformações, significativas, em ambos os pólos, em um movimento contínuo de
troca, sem que com isto se descaracterize a Instituição.

Não há, portanto, a ação de um único Maçom, alterando a face da Instituição, mas certamente
há uma contínua troca, que se estabelece pela coletividade dos Irmãos, no correr do tempo.

Parece-nos que a Maçonaria será, no futuro, o produto desta dialética que tem se estabelecido
a partir do diálogo entre a Instituição e as gerações de Irmãos que ingressam em suas Lojas.

195
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

É consensual a noção de que a EDUCAÇÃO é parâmetro básico para se moldar o futuro, uma
vez que é partir dela que se forjam os homens.

Por tal motivo, é preciso meditar sobre uma Pedagogia Maçônica, que seja capaz de transmitir
nossos valores mais caros, de modo a que eles não venham a se perder no passar dos anos.

Por tal motivo, para que o futuro seja o fruto de boas sementes hoje lançadas, parece-nos
útil a lembrança a Quatro Colunas, que poderiam definir a PEDAGOGIA MAÇÔNICA que ora se propõe,
para a manutenção de nossa essência:

• A primeira seria APRENDER A VIVER JUNTOS, reconhecendo que os homens apesar de irmãos
possuem diferenças entre si, que devem ser conhecidas e, sobretudo, respeitadas;

• A segunda seria o APRENDER A CONHECER, no sentido de não se apegar apenas ao passado,


mas trazê-lo como bagagem e experiência para conhecer a realidade e estar afinado com seu
tempo, sem preconceitos e com a mente aberta;

• A terceira seria APRENDER A FAZER, não apenas como profissional ilhado em seu conhecimento
técnico, mas para se adquirir uma visão ampla visando a integração do saber e o trabalho em
equipe;

• A quarta, por fim, seria o APRENDER A SER, dando significado ao ensinamento “conhece-te a ti
mesmo”, desenvolvendo todos os talentos latentes em si, e sendo tudo aquilo que se pode
ser, moldando a pedra bruta de forma cada vez mais perfeita. É harmonizar dentro de si aquilo
que se quer, o que se pode, e o que se deve, para que o comportamento ético seja natural.
É, enfim, tornar-se, efetivamente, o Maçom que o Irmão planejou ser.

196
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

CONCLUSÃO

Estas são nossas ideias, sucintamente expostas, quando à linha que se estabelece entre o
passado e o futuro, e que no presente, é objeto de nossa meditação.

Temos uma fé inabalável nos Irmãos, e sabemos, que enquanto houver, pelo menos um
deles, que mantenha os pés no chão, os olhos no horizonte e o coração no céu, estará firme a
Maçonaria.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PUCCI, FRANCISCO CÉSAR DE LUCA. (2004). Pedra por pedra. Ed. A Trolha.

CASTELLANI, JOSÉ. Manias e Crendices em nome da Maçonaria. Londrina: Ed. A Trolha, 2002.

SANT’ANA, CLEMILDES. Temas Maçônicos. São Paulo: Ed. A Gazeta Maçônica, 1985.

ASLAN, NICOLA. Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia. 3ª edição. Londrina: Editora Maçônica
“A Trolha”, 2012.

CAMINO, RIZZARDO DA. Breviário Maçônico. São Paulo: Madras, 2008.

..................................................................................................................................................................

São João da Boa Vista, abril de 2021.

Irmão EDUARDO MANSANO BAUMAN

A ∴R ∴L ∴S ∴BARÃO DE JACEGUAI Nº 4679 – GOB-SP

197
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Ascensão e Queda da Maçonaria no Mundo139


William Almeida de Carvalho 140

Maçonaria no Mundo Resumo


Palavras-chave

História da Maçonaria Trata-se de um extrato da obra com o mesmo nome da autoria de William Carvalho.
Maçonaria no Brasil Obra relevante com dimensão internacional. A Maçonaria no Mundo aos olhos do
Obra publicada
investigador, professor, sociólogo e Maçon que, como se pode aferir ao longo
William Carvalho
deste extrato, tem dinamizado dentro e fora do Brasil debates, seminários e
formação avançada sobre a Maçonaria.

INTRODUÇÃO

Com as comemorações dos 300 anos da fundação da Grande Loja de Londres e Westminster
faz-se necessário também analisar e fazer um balanço da situação da Maçonaria no mundo. Antes,
porém, seria interessante algumas considerações de ordem teórico-metodológicas em relação ao
assunto. Em ciências sociais não se tem telescópios nem microscópios para a análise dos fenômenos
sociais, somente conceitos que deverão ser testados empiricamente para “iluminar” as faixas sombrias
da realidade. Se o conceito for útil, avança-se, senão, abandona-se (Demo, 1995).

Um outro conceito que muito utilizo é o “insight” emigrado do idioma inglês e proveniente
do escandinavo e do baixo alemão (o Einsicht e o Einblick freudiano do alemão moderno) e que
significa compreensão súbita e instantânea de alguma coisa ou determinada situação (Abel, 2003).

O insight também está relacionado com a capacidade de discernimento, pode ser descrito
como uma espécie de miniepifania dos tempos modernos. Nos desenhos, o insight é representado
com o desenho de uma lâmpada acesa em cima da cabeça do personagem, indicando um momento
único de esclarecimento em que se fez luz.

139
Extrato autorizado do livro com o mesmo título.
140
WILLIAM ALMEIDA DE CARVALHO: sociólogo, historiador, jornalista, empresário; pós-graduado em Administração Pública e doutor
em Ciência Política pela Panthéon-Sorbonne; membro do Instituto Histórico e Geográfico do DF e da Academia de Letras de Brasília;
Vice-presidente da Academia de Letras e Artes Buziana (Búzios); ex-Secretário de Estado do Distrito Federal; ex-subchefe do Gabinete
Civil da Presidência da República; Escola Superior de Guerra/ESG - XXo. CAEPE Turma JK, RJ 1993; professor e conferencista da
Associação Brasileira de Orçamento Público – ABOP e da Asociación Internacional de Presupuesto Público – ASIP; Vice-Presidente do
Instituto Histórico e Geográfico do DF - IHGDF. Obreiro da Loja Sagrada Família n° 3561 - GOSP; 33°; ex-deputado federal maçônico;
sócio fundador da Loja de Pesquisa do GOB; Ex-VM da Loja de Pesquisas Maçônicas do Grande Oriente do DF/GODF; ex-Secretário
de Educação e Cultura do GODF/GOB; ex-Diretor da Biblioteca do GOB; ex-Presidente da Academia Maçônica de Letras do DF; membro
da Academia Maçônica do Brasil e da Academia Maçônica de Letras da Paraíba (correspondente); membro correspondente da Loja de
Pesquisas Quatuor Coronati de Londres; da Scottish Rite Research Society; da Southern Califórnia Research Lodge; da Philalethes
Society; da Masonic Library and Museum Association; representante do GOB em Congressos Maçônicos Internacionais em Santiago
do Chile, Edimburgo na Escócia, Gijón na Espanha e Assunção no Paraguai; coordenador do primeiro curso de pós-graduação em
História da Maçonaria no Brasil na Universidade do Distrito Federal – UDF - 2012; candidato a Grão-Mestre Adjunto do Grande Oriente
do Brasil-GOB nas eleições de 2013. Prof. do Curso de Pós-graduação EAD em História da Maçonaria da Faculdade Unyleya na
Disciplina História da Maçonaria: Das Origens Corporativas à Maçonaria Moderna em 2016/2017. BRASIL. Email:
williamcarvalho@terra.com.br

198
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Um insight é um acontecimento cognitivo que pode ser associado a vários fenômenos


podendo ser sinônimo de compreensão, conhecimento, intuição. Algo que surge de forma repentina.

O conhecimento, principalmente o conhecimento científico, busca quebrar algum paradigma


que o senso comum ou os mitos tenham engendrado na cultura humana. A quebra de paradigma
possui um livro seminal sobre as revoluções científicas de Thomas Kuhn (1992) que serviu não só
para as ciências físicas como as sociais. A primeira edição em inglês já datava de 1962, onde faz uma
crítica tanto do empirismo lógico como do racionalismo crítico de Popper (1993). Para Kuhn é na
dimensão histórica que se pode compreender o processo de construção do conhecimento científico.
Um dos conceitos mais importantes (e também muito polêmico) na concepção kuhniana de ciência é
o de paradigma. Pode-se definí-lo como o conjunto de aspectos filosóficos, sociais, culturais e
tecnológicos que consolidam a unidade de uma comunidade científica. Ou seja, o paradigma kuhniano
é historicamente situado em uma dada comunidade científica. Um exemplo sempre citado é o do
paradigma dos modernos estados laicos do ocidente que viabilizaram o desenvolvimento e
consolidação das pesquisas em engenharia genética e células tronco. Tais pesquisas são impensáveis
em um estado controlado pelo poder religioso. Curioso é notar que inclusive aqueles que hoje são
contra tais pesquisas muito provavelmente no futuro recorrerão às terapias e tratamentos que estas
possibilitarão. Sim, a necessidade e as carências transformam a ciência e os homens.

Outro livro seminal que nos traz um conceito também fundamental para o estudo da
maçonaria é o de Hobsbawm (1984), pois a maçonaria é prenhe de tradições inventadas como se
fossem imemoriais. Hobsbawm afirma na Introdução do seu livro que “nada parece mais antigo e
ligado a um passado imemorial do que a pompa que cerca a realeza britânica em quaisquer cerimônias
públicas de que ela participe. Todavia, segundo um dos capítulos deste livro, este aparato, em sua
forma atual, data dos séculos XIX e XX. Muitas vezes, “tradições” que parecem ou são consideradas
antigas são bastante recentes, quando não são inventadas. Quem conhece os “colleges” das velhas
universidades britânicas poderá ter uma ideia da instituição destas “tradições” (a nível local, embora
algumas delas - como o Festival of Nine Lessons and Carols (Festa das Nove Leituras e Cânticos),
realizada anualmente, na capela do King’s College em Cambridge, na véspera de Natal - possam
tornar-se conhecidas do grande público através de um meio moderno de comunicação de massa, o
rádio. Partindo desta constatação, o periódico Past & Present, especializado em assuntos históricos,
organizou uma conferência em que se baseou, por sua vez a presente obra. O termo “tradição
inventada” é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as “tradições” realmente

199
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais


difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo - às vezes coisa de poucos anos
apenas - e se estabeleceram com enorme rapidez. A transmissão radiofônica real realizada no Natal
na Grã-Bretanha (instituída em 1932) é um exemplo do primeiro caso; como exemplo do segundo,
podemos citar o aparecimento e evolução das práticas associadas à final do campeonato britânico de
futebol. É óbvio que nem todas essas tradições perduram; nosso objetivo primordial, porém, não é
estudar suas chances de sobrevivência, mas sim o modo como elas surgiram e se estabeleceram”
(Hobsbawm, p. 9). O mito dos Cavaleiros Templários na maçonaria se encaixa neste conceito, pois
no geral os maçons tem uma visão iluminista do Cavaleiro Templário, esquecendo-se de que eram
verdadeiros fanáticos, que acreditavam que se matassem uma meia dúzia de maometanos iriam direto
para o céu...

Utiliza-se neste artigo algumas vezes o conceito de classe social, principalmente quando se
falar sobre classes médias, pois a maçonaria se transformou, com o tempo, num fenômeno típico de
classes médias. Um sistema de classe social, é uma condição social baseada, sobretudo, na
posição econômica e na luta de classes (na visão marxista), e na qual as características atingidas
podem influenciar, e muito, a mobilidade social. São conjunto de indivíduos que se relacionam e
agem de maneira similar quando sujeitos a constrangimentos e condições semelhantes. No que tange
a Estratificação social, é entendida para alguns autores como, diferenciação de determinada população
em estratos hierarquicamente sobrepostos, desde os inferiores aos superiores.

Os estudiosos do assunto ainda não encontraram uma definição de classe social consensual,
pois não é tarefa nada fácil, ainda mais quando o tema não gera uma definição com o mínimo de
aceitação entre estudiosos das mais diferentes tradições políticas, culturais e intelectuais. Todos estão
de acordo com o fato de as classes sociais serem grupos amplos, em que a exploração econômica,
opressão política e dominação cultural resultam da desigualdade econômica, do privilégio político e
da discriminação cultural, respectivamente (Weber, sem negar o econômico, vai privilegiar o poder).

Marx (1848) e Weber (1999) dividem o cardápio dos conceitos de classe, pois as principais
categorias de classe na tradição do pensamento social são: classe social e luta de classes de Karl
Marx e estratificação social de Max Weber. De modo geral, no cotidiano, o cidadão comum tende a
confundir as definições de classe social. Utiliza-se erroneamente o conceito ao se falar em classe dos
políticos, dos generais, dos professores, etc. Neste caso o melhor será usar grupos sociais.

200
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A concepção de organização social de Karl Marx e Friedrich Engels se baseia nas relações
de produção. Nesse sentido, em toda sociedade, seja pré-capitalista ou capitalista (pois é um
fenômeno típico da Revolução Industrial), haverá sempre uma classe dominante, que direta ou
indiretamente controla ou influencia o controle do Estado; e uma classe dominada, que reproduz a
estrutura social ordenada pela classe dominante e assim perpetua a exploração.

Numa sociedade organizada, não basta a constatação da consciência social para a manutenção
da ordem, pois, em termos marxistas, a existência social é que determina a consciência. Em outras
palavras, os valores, o modo de pensar e de agir em uma sociedade são reflexos das relações entre
os homens para conseguir meios para sobreviver. Assim, as relações de produção entre os homens
dependem de suas relações com os meios de produção e que, de acordo com essas relações, podem
ser de proprietário/não, proprietário, capitalista/operário, patrão/empregado numa lógica binária que
se esvaiu com o desenvolvimento do capitalismo. Os homens são diferenciados em classes sociais.
Aqueles homens que detêm a posse dos meios de produção apropriam-se do trabalho daqueles
homens que não possuem esses meios, sendo que os últimos vendem a força de trabalho para
conseguir sobreviver. A luta de classes nada mais é do que o confronto dessas classes antagônicas.
Essa é a concepção marxista de classe social. Em suma, classe social está ligado ao conceito de
propriedade privada: o presidente da Federação dos Bancos - FEBRABAN é de uma classe enquanto
o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos é de outra.

Com o desenvolvimento do capitalismo industrial e da modernidade, a linguagem comum


confunde com frequência o uso do termo classe social com estrato social. Para Weber, a estratificação
das classes sociais é estabelecida conforme a distribuição de determinados valores sociais (riqueza,
prestígio, educação, etc.) numa sociedade, como: castas, estamentos e classes.

Em Weber (1999), as classes constituem uma forma de estratificação social, em que a


diferenciação é feita a partir do agrupamento de indivíduos que apresentam características similares,
como por exemplo: negros, brancos, católicos, protestantes, homem, mulher, pobres, ricos, etc.

Em se tratando de dominação de classe, estabelecer estratos sociais conforme o grau de


distribuição de poder numa sociedade é tarefa bastante árdua, porque o poder sendo exercido sobre
os homens, em que uns são os que o detêm enquanto outros o suportam, torna difícil considerar que
esse seja um recurso distribuído, mesmo que de forma desigual, para todos os cidadãos. Assim, as
relações de classe são relações de poder, e o conceito de poder representa, de modo simples e

201
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

sintético, a estruturação das desigualdades sociais. Para Weber, o juízo de valor que as pessoas fazem
umas das outras e como se posicionam nas respectivas classes, depende de três fatores: poder,
riqueza e prestígio; que nada mais são que elementos fundamentais para constituir a desigualdade
social.
As classes médias possuem propriedades: casa, carro, casa de campo etc, mas são pequenas
propriedades que não as colocam nos altos extratos da sociedade.

Passa-se agora a se refletir neste artigo sobre o conceito de elite. A teoria das elites, depois
dos estudos clássicos de Pareto (1935), Mosca (1984), Wright Mills (1982), Bottomore (1974),
Michels (1982) e outros, já existe um certo consenso sob as principais características do conceito.
Assim, ser de elite é ter uma certa centralidade no sistema, maior poder de informação em comparação
com os membros do grupo, maior facilidade em transacionar com outras elites, maior capacidade de
articulação intra e extra elite. Assim a sociedade é prenhe de microelites nas diversas classes sociais.
Não se deve, pois, confundir elite com classe dominante, pois as elites permeiam todas a sociedade
de alto à baixo. Pode-se ainda fazer uma divisão entre elites estratégicas e elites convencionais. As
elites estratégicas possuem maior capacidade de articulação macroglobal e possuem sistemas de
inteligência próprios. As elites estratégicas encontram-se no sistema político, econômico, militar,
religioso, acadêmico, cultural e tem a capacidade de ter uma leitura de seu país: de onde está e para
onde poderá ir e como elas podem acelerar esta trajetória. O restante das elites seriam as
convencionais. Por exemplo: o lixeiro da minha rua não faz parte da elite dos lixeiros de Brasília, mas
o presidente e os diretores do sindicato dos lixeiros integram a elite dos lixeiros.

No Brasil, em estudo inédito, afirma-se (CARVALHO, 2015) que até 1930 a maçonaria era
uma elite estratégica que apontava caminhos para o país. Depois de 1930, a maçonaria se tornou uma
elite convencional que não mais influi, de maneira marcante, nos destinos do Brasil.

Como última abordagem nesta introdução comenta-se sobre o conceito maçonaria. Em


termos acadêmicos não existe a Maçonaria e sim as diversas maçonarias. Os maçons em geral falam
sempre com maiúscula, causando certas contradições difíceis de equacionar. Por exemplo: temos no
Brasil independente o conflito entre os maçons José Bonifácio de Andrada e Silva (monarquista
constitucional) e Joaquim Gonçalves Ledo (republicano). Quando o primeiro ministro monarquista
José Bonifácio manda prender o republicano Gonçalves Ledo por estar tramando contra o regime, os
historiadores maçônicos, adeptos da MAÇONARIA, dizem que Irmão José Bonifácio é perjuro, pois
está perseguindo a Maçonaria na pessoa do Irmão Gonçalves Ledo... Quando se uso o conceito das

202
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

maçonarias, fica muito mais inteligível o conflito. Diga-se o mesmo sobre o Ir. Simón Bolivar. Quando
já quase no final de sua vida houve um atentado contra sua vida, perpetrado por alguns maçons
antibolivarianos, os historiadores adeptos da Maçonaria afirmam: a Maçonaria tentou assassinar o Ir.
Bolívar... Quando Bolivar os prendeu e mandou fuzilar, dizem: Bolivar é perjuro, pois mandou prender
a Maçonaria... Marco Morel, um dos maiores maçonólogos (historiador não-maçom) utiliza sempre o
conceito plural: as maçonarias (MOREL, p. 240, especialmente o cap. 8 – Luzes, sombras e divisão
entre maçonarias).

Após esta breve introdução, passa-se agora a analisar a situação de declínio da maçonaria
em diversas regiões do mundo, um assunto tabu, raramente analisado nas diversas revistas e sítios
maçônicos. Os dados brutos, a não ser para os EUA, não são públicos nem em livros nem na Internet.
As discussões públicas sobre o tema declínio também são raríssimas. O objetivo aqui é o de trazer à
baila um tema estratégico para o futuro da maçonaria nos próximos anos.

1. Situação do Declínio da Maçonaria Mundial

Neste artigo divide-se a situação da maçonaria mundial em três regiões: a) os países de língua
inglesa; b) a Europa continental e c) América Latina.

Nos países de língua inglesa, que sofrem as maiores perdas quantitativas, procurou-se
estudos que analisassem a percepção das elites maçônicas sobre o assunto. O texto escolhido, um
dos raros tornados públicos, foi o de John Belton e Kent Henderson intitulado Freemasons – An
Endangered Species? (Maçonaria – Uma Espécie em Extinção?) publicado em 2000 na Ars Quatuor
Coronatorum, os anais de pesquisa da Loja Quatuor Coronati de Londres, a mais antiga e a mais
famosa do mundo. Foi um choque, não só o tema, o estilo como as discussões sobre o assunto.
Salienta-se aqui que os dados estão um pouco desatualizados, mas são apresentados mais pelos
comentários sobre como a elite maçônica dos países analisados percebem o fenômeno das evasões.
Os que percebiam o fenômeno das evasões se dividiam sobre qual seria a explicação para suas
causas: se a) ingênuas ou b) sociologicamente significativas. Convém salientar que os textos públicos
sobre estas explicações são raros na Internet. Os dados brutos mais atuais serão apresentados no
final de cada capítulo das três regiões analisadas.

203
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Quanto a Europa continental deu-se uma preferência para os textos franceses que apresentam
uma visão mais profunda e abrangente sobre o tão momentoso assunto. Foram 4 os autores
escolhidos:

• Albert Lantoine: Finis Latomorum? La Fin des Franc-Maçons? (1950);


• Jean Bénédict: Fin de la Maçonnerie? (2001);
• Alain Bauer: Le Crépuscule des Frères: La Fin de la Franc-maçonnerie? (2005) e
• Alain Guyard: La Fin de la Franc-maçonnerie (2003).
Os franceses procuram jogar a culpa principal na maçonaria inglesa pelo seu estilo religioso
e oligárquico, apesar de reconhecerem que também no seu arraial as coisas não andam tão excelentes.

No tocante à América Latina, o Brasil foi o locus privilegiado na abordagem do problema.


Enquanto a maçonaria está minguando no mundo, na América Latina ainda está crescendo. Parece
aqueles cantores que já entraram em decadência nos grandes centros metropolitanos, mas continuam
com o prestígio intacto nas províncias do interior.

2. Os países de língua inglesa


2.1. Freemasons – An Endangered Species? (Maçons – Uma Espécie em Extinção?)

Um dos poucos estudos sérios sobre a decadência da maçonaria nos países de língua inglesa
é o do inglês Belton em conjunto com o australiano Henderson (2000), ambos membros da Loja de
pesquisas Quatuor Coronati de Londres. Será a base para este tópico.
Belton não ataca o problema de frente apresentando uma série de subterfúgios sobre o
declínio de membros, principalmente nos EUA. Dizem que o problema se acentua a partir de meados
da década de 60 até o presente de suas análises (p. 114). Afirmam que o fenômeno se acentua nos
EUA a partir da década dos 80 e seria resultado de mudanças estruturais na população sobretudo no
trabalho e na residência. E que somente na década de 90 que essa redução no número de adeptos
foi objeto de pesquisa acadêmica (114). Faria parte de um fenômeno da diminuição da participação
cívica nos EUA nas áreas de caridade, esporte, política, social e fraternal, gerando uma degeneração
da vida comunitária norte-americana.

204
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Após descrever, a nosso ver de uma maneira um tanto quanto ingênua, pergunta se não seria
necessário uma renascença, pois a maçonaria conta com 300 anos e é o maior corpo não político e
não religioso no mundo? Afirmam ainda que muitas GLs estão buscando uma solução nos seguintes
temas: a) uma “nova abertura”, b) marketing e c) uma série de atividades para reter os membros e
atrair novos aderentes (115).
Após tentar caracterizar as causas do declínio como decorrentes dos problemas do
enfraquecimento da cultura cívica na sociedade moderna, passam a delimitar quantitativamente a falta
de recrutamento de novos membros e a evasão contínua. Analisam em seguida algumas lojas
individuais, as Lojas Provinciais inglesas e as GLs dos países de língua inglesa.

2.1.1 Lojas individuais


Belton apresenta uma tabela da Loja Mellor #3844 situada no Derbyshire na Inglaterra nos
últimos 50 anos.
Tabela 1
Analysis of the membership Data of the Mellor Lodge 3844 (EC)

Period No. of No. of Av. Age of Av. Year Av. Years to % Resignation/
Candidates Joiners Candidates To WM Resignation/ Exclusion Excluded
1945-49 4 0 39.5 10.5 23.0 100%
1950-54 13 0 41.1 11.8 25.6 54%
1955-59 10 0 42.8 11.0 16.6 70%
1960-64 10 3 41.5 9.6 17.2 80%
1965-69 6 2 37.2 10.0 16.0 50%
1970-74 10 3 42.7 8.3 13.4 60%
1975-79 8 2 33.4 8.5 9.8 75%
1980-84 10 3 47.4 7.0 8.3 40%
1985-89 8 4 39.5 5.5 5.3 50%
1990-94 7 2 39.1 N/A 3.7 38%
Source: John Belton ‘The Missing Master Mason’i [viii] and the Membership Register of Mellor Lodge 3844 EC as at Jan 1999

Uma análise tradicional dos membros da Loja tende a visualizar uma mudança a cada ano e
normalmente indica que foi iniciado, se faleceu ou se evadiu durante aquele ano. A média de idade
para renunciar ou ser excluído é abissal, pois cai de 23 anos em 45-49 para 3,7 em 90-94. O último
quadro também é nada animador.
Passam então a repetir esta análise de uma Loja para um conjunto de Lojas englobando o
Canadá, Austrália e EUA numa amostra mais ampla.

205
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Tabela 2
Average years to Resignation / Exclusion by period of Initiation

Period Mellor Mellorii Welbeck Concord Granite Cooroora Lord Salton Ashlar
#3844 [xiv] #2890 #124 #446 #232 #98 #19
England #1774 England Alberta Ontario Q’sland Q’sland Montana
England
1945-49 23.0 15.4 18.0 15.7 12.5 20.4 N/A 17.8
1950-54 25.6 20.2 26.2 17.4 14.7 16.8 26.3 18.8
1955-59 16.6 14.5 13.4 13.2 16.1 13.6 21.3 14.3
1960-64 16.1 17.6 10.0 12.6 14.4 16.2 17.0 14.5
1965-69 16.0 13.8 19.7 12.0 15.6 15.3 16.0 15.3
1970-74 13.8 10.6 13.3 10.8 14.2 N/A 12.8 11.7
1975-79 9.8 8.1 11.0 8.4 7.6 9.0 9.8 9.6
1980-84 8.3 8.2 10.7 6.5 8.8 4.8 8.3 6.5
1985-89 5.3 2.5 6.2 4.8 7.8 6.0 5.0 N/A
1990-94 3.7 3.8 4.5 N/A 4.0 4.3 4.0 N/A
Source: Belton ‘The Missing Master Mason’iii [xv] and Lodge Membership Registers

A amostra ampliada mantém a mesma constância com a Loja Mellor. O problema agora
começa a se generalizar para a maçonaria de língua inglesa.

Tabela 3
% Resignations / Exclusions by period of Initiation
Period Mellor Mellor Welbeck Concord Granite Cooroora Lord Salton Ashlar
#3844 #1774 #2890 #124 #446 #232 #98 #19
England England England Alberta Ontario Q’sland Q’sland Montana

1945-49 100% 61% 33% 56% 31% 44% N/A 39%


1950-54 54% 71% 25% 59% 28% 83% 25% 43%
1955-59 70% 73% 33% 64% 36% 89% 30% 51%
1960-64 80% 64% 8% 72% 31% 63% 73% 41%
1965-69 50% 50% 27% 40% 31% 50% 50% 43%
1970-74 60% 64% 25% 65% 18% nil 70% 60%
1975-79 86% 89% 31% 62% 19% 100% 62% 47%
1980-84 40% 67% 36% 74% 47% 100% 40% 60%
1985-89 50% 29% 50% 28% 25% 100% 25% N/A
1990-94 38% 75% 44% N/A 23% 37% 43% N/A
Source: Belton ‘The Missing Master Mason’ and Lodge Membership Registers

Concluem (p. 118) com algumas inferências: a) idade media para iniciação: variação mínima
nos últimos 50 anos; b) anos para chegar à Venerável Mestre: redução de +10 anos para 5-7 anos;
c) diminuição por exclusão e não pagamento: aumento nos últimos 15 anos.
Encerrada a fase de análise das lojas individuais, passam a analisar as Grandes Lojas.

206
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

2.1.2 Grandes Lojas Provinciais inglesas

O Relatório da Loja Provincial de Derbyshire afirma que os membros diminuíram em média


11,8% na última década (p.119) e conclui que se novas lojas não fossem abertas o declínio seria de
17,8%.
O Relatório da Grande Loja Provincial de Essex divulga que a perda de membros foi de 11%
a 18% (p.120).
O Relatório da Grande Loja Provincial de East Lancashire não fica atrás neste colapso
quantitativo. Adotaram um critério de analisar a diminuição do número de obreiros considerando: a)
evasão normal; b) mortalidade e c) as duas combinadas entre 1997 (dados reais) até 2010 (com
projeção de dados de 1998 em diante). A tabela 4 abaixo mostra as evasões sem mortalidade (p.120):

Tabela 4
RESIGNATIONS 1997 actual 1998 estimate 2002 estimate 2007 estimate 2010 estimate
No. of Freemasons 10529 9900 7800 6000 5100
Cumulative loss 6% 26% 43% 51%

Tabela 5

MORTALITY 1997 actual 1998 estimate 2002 estimate 2007 estimate 2010 estimate
No. of Freemasons 10529 10300 9300 8000 7200
Cumulative loss 2% 12% 24% 32%

Tabela 6
MORTALITY &RESIGNATION 1997 actual 1998 estimate 2002 estimate 2007 estimate 2010 estimate
No. of Freemasons 10529 9689 7593 5727 4825
Cumulative loss 8% 28% 46% 54%

Nota-se que quando a Tabela 6 que combina os fatores de mortalidade e evasão fica claro
que a evasão é o fator determinante. Existe uma diminuição em torno de 5,7 a 6,4% ao ano.
É possível, entretanto, mergulhar um pouco mais profundamente nos dados, e em particular
nos dados de evasão, e para aqueles que se evadem ou são excluídos em relação ao tempo que estão
na Ordem. Somente os de “cabelos brancos” continuam...

207
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Tabela 7

Os dados ainda mostram uma taxa de evasão em torno de 25% em 5 anos, 43% em 10 anos
e 51% em 2010. É um indicador de que o interesse na Ordem entre os seus novos membros piora
rapidamente, e, no caso das exclusões indica significativa redução do interesse nos últimos 2 anos
antes da exclusão...
A emissão de certificado pela GLUI demonstra uma estável redução nos últimos 15 anos e,
na época do relatório, extrapolaram para 2010. A redução gira em torno de 4% a.a composto pelas
iniciações, como se verifica nesta última tabela.

Tabela 8

2.1.3 Algumas Grandes Lojas nos EUA, Canadá, Austrália, Irlanda, Escócia

Belton (2000, p. 122) constata que a pesquisa deles demonstrou que não existe uma
comunicação entre as diversas GLs dos países de língua inglesa sobre este problema crucial da
diminuição do número de membros. Os diversos relatórios das GLs simplesmente vão para suas
respectivas bibliotecas. Existe uma premissa implícita de que o problema das outras GLs são
diferentes e não se tem muito a aprender com outras jurisdições. A pesquisa demonstrou que isto é
uma premissa errônea.

208
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Começando com a GL de New Jersey no seu Bi-centenary Book de 1987 que em 1959 a GL
possuía 107.649 membros e 298 lojas que diminuíram em 1986 para 59.017 e 205 lojas. Isto
representa um declínio de 45% nos membros e 30% nas lojas. Em 1995 os membros desabaram
para 44.992 representando uma queda de 24% em nove anos (p. 122). As explicações sobre o
fenômeno são incrivelmente ingênuas se comparadas com as do continente europeu, principalmente
as francesas, como se verá mais adiante. Algumas explicações: deterioração das cidades, perda ou
falta de adequado espaço para reuniões, escassez de parques para estacionamento, falta de segurança
pessoal, êxodo urbano para os subúrbios e área rural, aumento do individualismo, etc...
A GL da Irlanda no seu relatório de 1994 não ataca diretamente o problema, levantando alguns
nas áreas de i) imagem maçônica; ii) filiações; iii) caridade; iv) política da Ordem; e v) comunicação e
desenvolvimento administrativo. Exortam os membros a serem mais positivos nos assuntos
maçônicos...
A GL da Nova Zelândia apresenta também um quadro dantesco de desfiliações:
Tabela 9
Actual 1982 GL 1996 Actual 1996
Year Member Numbers (a) Member Forecast (b) Member Forecast (a) Lodge number Lodge Forecast
1963 47,137 424
1970 44,219 430
1975 41,493 433
1980 37,466 428
1985 33,076 417
1986 32,800
1990 25,912 377
1991 29,520
1995 20,444 344
1996 26,528
2000 15,300 304
2001 23,912
2005 10,000 185
Source: (a) Pottinger. New Zealand Freemasonry in 2005 (b) Busfield (1986) and GL reports

Busfield (p.123) nota, com alguma ironia, que enquanto o Relatório da Condição do Comitê
da Ordem de 1982, ao apresentar uma queda de 25% de membros entre 1963 e 1982, e prevendo
ainda um decréscimo de 30% até 2001, concluía que tudo estava bem...
A GL de Alberta no Canadá no seu Plano para Renovação Estratégica de 1997 apreenta uma
série de fatos interessantes que poderiam ser comparáveis com os da Inglaterra e da Austrália.

209
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Em 1995 havia 263 Iniciações, mas somente 211 completaram os três graus, ou seja, 20%
não foram além do primeiro grau. Convém ainda salientar (p. 125) a GL opera uma mistura de rituais
tipo Webb141 (arranjo de loja e ritual da maioria das lojas nos EUA) em algumas lojas e tipo Emulação
(rituais mais comuns na Inglaterra) em outras.

Tabela 10
Grand Lodge of Alberta – Membership Statistics 1995
Year Members Candidates Demits Deaths Lodges Av. No. per Lodge
1987 12730 332 533 308 156 81
1988 12234 284 626 324 156 78
1989 11824 281 551 283 155 76
1990 11408 318 571 311 156 73
1991 10989 290 529 309 153 71
1992 10657 290 521 223 146 73
1993 10303 296 534 250 145 71
1994 9986 260 478 231 145 69
1995 9641 262 486 245 144 67
1996 9308 263 446 263 141 66
Source: Grand Lodge of Alberta: Draft Strategic Plan for Renewal (1997)

As evasões mantêm o quadro geral até aqui analisados.


A GL Unida de New South Wales apresentou em 1992 um relatório intitulado “O Desafio das
Mudanças na Associação em New South Wales” contendo uma análise dos últimos 50 anos e as
soluções propostas. O número de associações atingiu um pico em 1958 com 135.000 membros,
caindo drasticamente para 40.000 em 1991 e 34.000 em 1995. Um decréscimo de 25% entre 1958 e
1995 (p.127). Foram tentadas, neste período de queda, diversas medidas, a nosso ver ingênuas e
ineficazes, tais como i) desenvolvimento de políticas para melhorar a imagem da maçonaria; ii)
reintrodução da revista NSW Freemason; iii) formação da Loja de Pesquisas de NSW; iv) tentativas de
melhorar o relacionamento entre os Irmãos, entre as lojas e entre estas e a GL, com envolvimento das
famílias; v) reforço na área de educação; vi) novas brochuras, vídeos e folhetos sobre a Ordem; vii)
criação de um fundo para construir novas lojas e centros maçônicos; tudo isto em vão... Medidas para
incrementar novas filiações produziram resultados desapontadores.
A GL da Escócia apresenta um problema peculiar que distorce as estatísticas: uma vez iniciado
um membro, se ele pagar uma determinada taxa, eles entregam um Cartão de Membro Remido para
toda a vida, tendo ele frequentado ou não sua loja... Assim membros passam décadas sem frequentar

141
Thomas Smith Webb (1771 – 1819) autor do famoso Freemason’s Monitor or Illustrations of Masonry, um livro que
tem um significante impacto no desenvolvimento dos rituais maçônicos nos EUA, especialmente no Rito de York. Webb
tem sido chamado de “Pai Fundador do Rito Americano ou de York.

210
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

suas lojas que às vezes possuem 400 afiliados que só recebem cartinhas com o programa anual e
sem frequência. Se o Secretário da loja não é assíduo, membros que morreram décadas atrás
continuam a receber correspondência e contados como membros (p.128). Os poucos relatórios que
se debruçam sobre este declínio apresentam as causas ingênuas de sempre. As estatísticas sobre
filiação são inexistentes... pelo menos na Internet.
Na análise da GL de Victoria (Belton, p. 129) faz menção a um trabalho de Peter Thornton
intitulado “Nove entre dez maçons atacarão Moscou no Inverno” (Thornton , 1992) recordando que
Carlos XII da Suécia em 1709, Napoleão em 1812 e Hitler em 1941, todos, tentaram tomar Moscou
no inverno e falharam. Thornton faz então menção do grande afluxo de candidatos à maçonaria após
a Guerra dos Boers, a Iª e a IIª Guerra Mundiais. Como a maçonaria ajudou a reintegrar na sociedade
os soldados advindos destes conflitos bélicos, inculcando-lhes os valores maçônicos. Comparando
com os dias atuais, Thornton pergunta: A maçonaria está em declínio? E responde com um sonoro
Não. Apresenta uma série de perorações sobre a maçonaria: i) os ensinamentos morais e éticos que
ele apregoa não foram alterados e serão sempre parte de uma sociedade democrática e civilizada; ii)
não se pode consertar o que não foi quebrado; iii) se a GL for autocrática, que o seja, mas forte e não
fraca... Não é necessário tomar Moscou neste inverno e sim aprender com as lições da história.
Após encerrar esta análise das GLs dos países de língua inglesa, os autores passam a tentar
tirar uma lição geral desse declínio de membros. A primeira pergunta é se diferentes práticas protegem
contra o declínio. Enumeram algumas práticas: grande ou pequeno número de maçons nas lojas;
diferentes rituais – Webb ou Emulação; candidatos com grande trabalho a fazer x candidatos mais
folgados; iniciações individuais ou coletivas; pequenas ou grandes taxas de contribuição; sessões
longas ou curtas; etc. A conclusão fatídica é de que o declínio dos membros independe desses usos
e costumes, pois todos estão declinando acentuadamente nos países de língua inglesa.
Outra pergunta: fatores internos exacerbam o declínio? Por ser uma organização
tradicionalista, será a causa? Nem sempre foi assim. No século XVIII, era uma nova organização que
emergia com vigor enquanto o poder tradicional das igrejas declinava, permitindo à maçonaria esposar
uma série de valores morais e sociais, naquela época, revolucionários. O mundo mudou, agora
aqueles valores que eram revolucionários se tornaram parte do Estabelecimento142. Apontam com uma
lógica diabólica o que estaria acontecendo: aqueles valores em uma sociedade que foi se tornando
tradicionalista, começaram como costume e prática, foram se transformando em tradição ou

142
Finalmente está se saindo das explicações ingênuas para algo mais substancioso. Comentário do autor.

211
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

convenção e se cristalizaram, com o correr do tempo, em landmark da loja, da GL e da Ordem em


geral. “O problema central é que a maçonaria e mudança não são consortes felizes...
Finalizando esta parte os autores fazem um comentário final sobre os padrões de declínio em
outras organizações tais como igrejas, grupos fraternais, filantrópicos, cívicos, etc. Dizem que a Igreja
da Inglaterra (p. 130) sofreu um declínio de 50% de seus membros nos últimos 50 anos. Isto, segundo
eles, explicaria em parte o declínio quantitativo maçônico, pois existe uma certa competição entre a
maçonaria e estas outras organizações.
Antes de refletirem sobre uma possível Renascença maçônica apresentam ainda
considerações sociológicas sobre o fato de que a maçonaria não é um grupo homogêneo. Regras que
podem servir para um grupo, não funcionarão em outros. Eis então a cubagem desses grupos e suas
diversas interações.
O primeiro grupo seria o da elite dirigente maçônica que estaria comprometida em preservar
o status quo, com a consequente proteção e manutenção de seu poder, privilégio e posição. Os líderes
teriam assim uma perspectiva que não seria necessariamente compartilhada pela maioria dos
membros. Consideram irrelevante se isto é verdade ou não. A percepção é que é relevante.
Conseguem antever um segundo grupo de uma contraelite: os reformistas que lutariam por
mudanças para tentar estancar o declínio. Esta contraelite percebe os líderes atuais da Ordem como
insensíveis e até mesmo reacionários. Lutam para colocá-los de lado por causa de suas opiniões
defasadas.
O terceiro grupo seria o dos tradicionalistas para quem as mudanças seriam anátema, pois a
cada tradição ou costume da loja se transformou num landmark da Ordem que deve permanecer
inalterado e inalienável. Embora não formem um grupo de grandes proporções, tendem a ser
membros longevos e que mantêm uma permanência ativa e duradoura.
O quarto grupo é o da maioria silenciosa que não tem uma agenda própria, não tem muita
frequência e simplesmente paga suas anuidades. Nas lojas de língua inglesa são a seiva vital financeira
e cordatos em apoiar propostas razoáveis nas lojas (p. 132). É a turma do “garfo e faca” dos banquetes
da Ordem.
O quinto grupo seria o dos Mestres Maçons demissionários e ausentes. Alguns pagam e
aparecem de vez em quando nos banquetes sem muito compromisso. São cometas visitantes. A
maçonaria não vale o seu precioso tempo.

212
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Finalmente o sexto grupo seria o dos quintaessencialistas, um grupo quase invisível e que
acredita piamente nos valores maçônicos. É a turma que sempre apregoa: a maçonaria é perfeita, o
que estraga são os maçons. Eles experimentaram diversas frustrações sobre a “Inaceitável Face da
Maçonaria”, pois são críticos ferozes de pequenos erros nos IIr. e tem um prazer sádico em criticá-
los; adoram provocar os ciúmes internos e estimular os conflitos, etc.

2.1.4 Propostas de Conclusão/Solução

Para encerrar o artigo, buscam-se levantar as possíveis soluções ao problema, observando,


contudo, que não existe uma panaceia que resolva o assunto.
O receituário seria o seguinte:
• Os IIr. nas Lojas devem tomar a iniciativa de fazer as coisas e não ficar esperando pela
aprovação prévia das GLs;
• “Irmão, você tem permissão para pensar”. Normalmente o fluxo de comunicação dentro
da estrutura maçônica tem sido tradicionalmente mais de comando do que de solicitação.
O resultado tem sido a tendência para ambos – Lojas e maçons – não pensar por eles
mesmos, mas seguir fielmente as instruções vindas de cima;
• “Estruturas de gestão das GLs ultrapassadas ou desatualizadas? O desenvolvimento
organizacional da maçonaria nas GLs do Reino Unido ocorreu historicamente, no século
XVIII, quando a autocracia, ou pelo menos a oligarquia, era o padrão de gestão política. A
democracia liberal como se entende hoje era basicamente desconhecida, ou no mínimo,
não admirada. Este legado permeou a estrutura maçônica dos dias atuais, tornando a
maçonaria hodierna refém dessa estrutura “militar”, onde o fluxo de comunicação somente
é direcionado em uma única direção: para baixo... As GLs foram então formadas dentro
deste modelo autocrático nos últimos 200 anos, primeiro na Europa e nas áreas
emancipadas do antigo Império Britânico e depois se espraiando para o resto do mundo.
Somente nos EUA e em menos escala no Canadá, sob influência dos EUA, foram as GLs
concebidas numa maneira mais democrática refletindo assim os padrões políticos da
sociedade na qual estão inseridos. Mesmo assim, o declínio nos EUA tem sido mais do
que comparado com os outros países de língua inglesa, indicando que a tipologia do
governo maçônico não tem efetivamente influência neste fenômeno do declínio.

213
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Este estilo autocrático/oligárquico de gestão não gerou problemas no passado, primeiro,


porque sua base estava em consonância com os valores da sociedade em geral; com a sua ossificação
tornou-se mais um landmark da Ordem (p.133). Os novos membros, mais recentemente, formados
em valores mais pluralísticos de uma sociedade mais democrática, têm dificuldades em compartilhar
esses valores de gestão e comunicação antiquados. Assim, fica “explicado” porque os novos membros
deste século XXI sentem-se facilmente isolados ou inconscientes destas decisões que podem afetá-
los, advindas dos altos escalões da Ordem e que eles não têm influência sobre elas;
• Abertura interna versus externa. Muitas GLs colocaram grande ênfase na necessidade de
abertura, mas puramente num senso de comunicação para fora, para o mundo exterior
em geral. A primeira reação observada em muitas GLs é a negação de que existe um
problema. Invariavelmente isto tem sido seguido por uma relutância em reconhecer que
exista um declínio quantitativo dos membros, mas que, quando não se tem mais jeito de
negar, a causa é sempre externa à organização (p. 134).
Observando o comportamento muitas GLs, nota-se que somente quando o problema se torna
agudo é que se busca timidamente considerar soluções internas. O fim do século XX apresenta uma
evolução para formas mais democráticas de gestão.
• Educação maçônica e os maçons europeus. Os autores discutem se o declínio é mais
próprio da maçonaria dos países de língua inglesa do que dos europeus, chegando à
conclusão de que o fenômeno é universal. Evidentemente que em alguns países os
maçons estão crescendo, também na Europa. Sem embargo que em alguns países
europeus, que os maçons estão crescendo, partiram de um número relativamente
pequeno de maçons, o que torna o fenômeno em parte explicável, como por exemplo na
Turquia (p.134). Os “Continentais”(europeus) têm um tipo de recrutamento diferentes dos
de língua inglesa. A diferença seria, pois, que, enquanto os países europeus que estão
crescendo, se defrontam com o problema de reter seus membros, os países de língua
inglesa sofrem o declínio tanto no recrutamento quanto na retenção dos já recrutados.
Boa parte das Obediências europeias sofre com o que se pode chamar de “elitismo”, ou
seja, um critério rigoroso de seleção, acompanhado de pagamentos financeiros elevados.
O que é fácil e barato atrai menos do que o contrário. Para atingir a plenitude maçônica
se demora em média um ano nos países de língua inglesa, enquanto nos europeus
demora bem mais.

214
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O novo Ir. europeu normalmente avança para o segundo grau em torno de um ano, e para
chegar a Mestre não menos que cinco anos. O iniciado europeu para obter promoção tem de se
adaptar aos seguintes critérios: i) reuniões semanais; ii) ativa participação em sessões de educação
maçônica; iii) submetidos a um extenso exame verbal e iv) prestar exames escritos sob seu
entendimento do conteúdo e ensinamentos maçônicos. Comparativamente o ordinário adepto dos
países de língua inglesa é submetido a pouca educação maçônica, com foco exclusivo no que eles
chamam de “Valsa Maçônica” (p. 135) também conhecida como “Alimentando a Máquina de Salsicha”
dos graus 1, 2 e 3. Isto leva ao fenômeno chamado de “Maçom Porta Giratória”143 que recebe os seus
3 graus em muito pouco tempo, sem entender muito o que significam e acabem ficando perdido nas
lojas. Concluem que os europeus já perceberam que a educação é a chave para a retenção de novos
membros.
• O papel das Lojas de Pesquisa em Transmitir Educação Maçônica. Os meios de transmitir uma
forma mais significativa de educação maçônica somente agora começam a fazer sentido. As GLs
da Escócia e do East Lancashire começaram a entender que as lojas de pesquisam podem auxiliar
com palestras mais consistentes e professores mais aprofundados. Convém ainda relembrar,
contudo, que as referidas lojas de pesquisas estão sofrendo da mesma doença do declínio... Nos
EUA o Masonic Service Association existe para prover material de educação, mas infelizmente tal
organização inexiste no Reino Unido e outros países de língua inglesa.

No artigo citado da Internet do BELTON (2000) não consta um debate do final da exposição
dos membros de proa da Quatuor Coronati. Tais reflexões constam somente do livro da AQC. Convém
refletir sobre algumas observações daqueles membros. Alguns menos notáveis, mas mais velhos,
apresentam as seguintes observações com claro sinal de rejeição da conclusão dos autores: não é
verdade que os membros dirigentes estão interessados em preservar o status quo; a comunicação
entre a GL e os membros individuais tem melhorado e continua melhorando; a estrutura hierárquica
não tem tradicionalmente sido associada mais com comando do que com solicitação; não existiu
autocracia nem oligarquia na estrutura de comando na transição do século XVIII para o XIX; a
maçonaria tem mudado continuamente e sem problemas nos últimos 3 séculos e meio, como
continuará a mudar no futuro previsível; não encontro nenhuma evidência para acreditar que os
maçons são uma “espécie em extinção”, somente porque temos alguns declínios; etc.

143
Os jovens recém-iniciados observam os velhos destroçando o ritual, longos e enfadonhos discursos, comidas só
encontrada nos aniversários de crianças, o que os leva a tornarem-se Maçons Porta Giratória. Disponível em
http://kenthenderson.com.au/m_pa-pers01.html. Acesso em 21/07/2017

215
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Convém, entretanto, refletir sobre algumas observações do Trevor Stewart, do Yasha


Beresiner e outros.
a) Trevor Stewart Stewart144 começa agradecendo o toque de clarim dado pelos autores
(p.141). Levanta quatro pontos que gostaria de endossar e ampliar. Primeiro ponto: nos mais de 110
anos de existência da Loja de Pesquisa são raríssimos os trabalhos feitos a quatro mãos, mas
parabeniza os autores pelo trabalho; segundo: os autores vivem em polos opostos do mundo: um na
Inglaterra e outro na Austrália, conseguindo trabalhar graças aos modernos meios digitais de
comunicação; terceiro: o texto foge aos padrões da Loja Quatuor Coronati, que são basicamente
discursivos, pois estão cheios de gráficos, tabelas, quadros estatísticos, etc. Apesar de quebrar esta
tradição, já é o momento de aceitar esta nova dinâmica de exposição; quarto e mais importante: este
trabalho assinala um significativo ponto de partida, não na metodologia e expressão, mas também na
escolha do tema. Muitos veem os nossos trabalhos publicados nos Anais como sendo concernentes
com a realização de escavações na arqueologia da Maçonaria. Constata que a pesquisa apresentada
foca nos aspectos do presente e do futuro, salienta, contudo, que estas áreas também devem ser
objeto de pesquisas. Levanta uma série de pesquisas profanas sobre a mudança de comportamento
nos jovens ingleses, concluindo que são i) menos envolvidos e comprometidos com o processo
democrático; ii) menos leais e menos instruídos sobre sua comunidade, suas nações e a Europa; iii)
menos comprometidos em respeitar os outros, em obedecer às leis e menos preocupados em ser um
exemplo para os outros; iv) muito menos gostam de ajudar os outros ou tornam-se voluntariamente
ativos em suas comunidades locais. Pergunta-se então: como pessoas com este perfil e valores
podem ser convidadas para ingressar na maçonaria?
Pelo exposto, nota-se que a análise de Steward é bem parcial e pouco profunda. As suas
propostas são mais de gestão do que de uma análise mais acurada. Vejam-se os seguintes exemplos
quando Steward aponta os indícios salutares e encorajadores do que tem sido feito, pelo menos, na
Inglaterra (p.144):
• a recente reestruturação das funções administrativas no gabinete do Grande Secretário;
• a institucionalização de uma política de “abertura” pela nomeação em tempo integral de um Diretor
de Comunicação encarregado de relações públicas;

144
Trevor Stewart é um conferencista aposentado que foi educado nas Universidades de Birmingham, Sheffield, Durham
e Newcastle. Seu trabalho acadêmico abrange a literatura inglesa no século XVIII e sua tese doutoral foi sobre o clube
fechado dos maçons Iluministas que viviam no norte da Inglaterra. Tem dado conferências nos EUA, Bélgica, França,
Alemanha, România, Grécia, Escócia e Inglaterra. É Past-Master da Quatuor Coronati.

216
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

• um plano em discussão para a totalidade da administração da GLUI para fora de Londres,


economizando dinheiro nos custos administrativos e abrindo espaço para mais lojas, etc;
• computarização das atividades;
• diminuição dos cargos honoríficos ou não e dos paramentos maçônicos145.

Como se vê, temas meramente administrativos ou de comportamento... E já começa a


preparar o espírito para uma instituição bem menor, pelo menos em termos quantitativos, no futuro,
quando afirma que em toda a história da Europa Ocidental tem demonstrado que as instituições não
se expandem indefinidamente. O ciclo vital das instituições seria: nascimento (1717 na maçonaria),
florescimento e decadência (tempos atuais) ...

b) Yasha Beresiner

Apresentam-se agora os comentários do meu amigo Yasha Beresiner146. Elogia o trabalho


pela importância e fascinante temática. Faz, entretanto uma pergunta: se a Loja de Pesquisa é o fórum
mais apropriado para a discussão deste assunto? Somos uma Loja de Pesquisas e qualquer
comentário nos trabalhos será visto como recomendação, no máximo, ou como uma crítica, no
mínimo. Salienta que o intento da Loja não é de recomendar nem criticar por não ser sua função
(p.146).
Não obstante e considerando o aspecto educacional do que foi dito, ele gostaria de aprofundar
três assuntos referentes às Lojas inglesas em geral e as londrinas em particular:
• o conceito de preceptor da Loja de Instrução (LDI). Tem-se aqui uma compreensiva e
completa rede, com ênfase na área de Londres, para a educação dos irmãos em cada loja.
O sistema LDI é muito bem desenvolvido na Inglaterra menos o de Preceptores
(professores) que foram infelizmente negligenciados. Talvez uma gestão melhor deste item
faltante pudesse ajudar, e muito, na disseminação de informação e educação dos irmãos
individuais;

145
Quanto aos paramentos maçônicos cita um artigo publicado no The Times de 4 de setembro de 2000 intitulado: “Os
Maçons Atacam a Obsessão dos Paramentos”.(Qualquer semelhança com o Brasil é mera coincidência!).
146
É um dos mais famosos e respeitáveis historiadores maçônicos. Past Master da Quatuor Coronati em 1997/8. Nasceu
na Turquia em 1940. Educou-se nas escolas públicas inglesas; formou-se em advocacia pela Hebraica de Jerusalém, onde
serviu no regimento de paraquedistas (em 1963 casou-se com seu sargento![feminina]). Tem uma extensa carreira
maçônica, escreveu diversos livros e centenas de artigos sobre maçonaria. Escreve regularmente na Freemasonry Today,
a revista oficial da GLUI.

217
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

• avanços nos primeiros três graus. Diferentemente dos irmãos em muitos países europeus,
um aprendiz (1º grau) necessita fazer nada mais do que aprender um conjunto de respostas
de poucas questões no sentido de ser aclamado por ter respondido bem as perguntas.
Dando ao novo irmão admitido um pouco mais de crédito e iniciativa, permitindo-lhe
preparar seus próprios comentários e expressões antes de propor-lhe novos
compromissos;
• tempo de nossas reuniões. Muitas lojas desencorajam o comparecimento dos irmãos e o
recrutamento de novos jovens membros, começando as reuniões da tarde muito cedo
desnecessariamente, principalmente em Londres.
Yasha aqui fica, a nosso ver, na periferia operacional do problema do declínio e das evasões.
Vários outros Irmãos da AQC fizeram suas intervenções, mas sempre seguiram o mesmo
ramerrão operacional.

2.1.5. Conclusão do Autor sobre este Item

Apesar de se encontrar poucas análises públicas que aprofundem o fenômeno do declínio


numérico, isto não quer dizer que haja uma pequena consideração sobre o assunto. Em 5 de junho
de 2014, o Duque de Kent, Grão-Mestre da GLUI soltou uma nota na prestigiosa revista Freemasonry
Today explicando porque o recrutamento e a retenção dever ser a obrigação de todos independente
de posição na Ordem. “Se você for indicado para ou promovido em altos cargos, eu gostaria de
enfatizar que duas de nossas tarefas básicas são o recrutamento e a retenção”147. Informa ainda que
as pesquisas realizadas pelo Membership Focus Group, que trata do assunto, e presidida pelo
presidente do Comitê de Propósitos Gerais, são de suma importância. Avisa que é inaceitável a alta
taxa de evasão nos três graus simbólicos e durante os primeiros dez anos. Relata ainda que o
propósito do Membership é analisar as estatísticas e fazer propostas para estancar a perda de
membros.
Os dados brutos atuais mostram um verdadeiro tsunami de declínio nos países de língua
inglesa como se pode observar pelo quadro abaixo:

147
Disponibilizado em http://www.freemasonrytoday.com/ugle-sgc/ugle/hrh-the-duke-of-kent-on-the-importance-
recruitment-and-retention. Acesso: 22/07/2017.

218
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Fonte: List of Lodges 2016

Os EUA tinham em meados do século passado algo em torno de 4,6 milhões de maçons.
Caíram para 1,3 milhão e caminham rapidamente para 1,2 milhão. O Masonic Service Association dos
EUA apresenta o quadro analítico dos maçons norte-americanos desde 1924.
YEAR U.S. TOTAL YEAR U.S. TOTAL YEAR U.S. TOTAL
1924 3,077,161 1955 4,009,925 1986 2,839,962
1925 3,157,566 1956 4,053,323 1987 2,763,828
1926 3,218,375 1957 4,085,676 1988 2,682,537
1927 3,267,241 1958 4,099,928 1989 2,608,935
1928 3,295,872 1959** 4,103,161 1990 2,531,643
1929 3,295,125 1960 4,099,219 1991 2,452,676
1930 3,279,778 1961 4,086,499 1992 2,371,863
1931 3,216,307 1962 4,063,563 1993 2,293,949
1932 3,069,645 1963 4,034,020 1994 2,225,611
1933 2,901,758 1964 4,005,605 1995 2,153,316
1934 2,760,451 1965 3,987,690 1996 2,089,578
1935 2,659,218 1966 3,948,193 1997 2,021,909
1936 2,591,309 1967 3,910,509 1998 1,967,208
1937 2,549,772 1968 3,868,854 1999 1,902,588
1938 2,514,595 1969 3,817,846 2000 1,841,169
1939 2,482,291 1970 3,763,213 2001 1,774,200
1940 2,457,263 1971 3,718,718 2002 1,727,505
1941 2,451,301 1972 3,661,507 2003 1,671,255
1942 2,478,892 1973 3,611,448 2004 1,617,032
1943 2,561,844 1974 3,561,767 2005 1,569,812
1944 2,719,607 1975 3,512,628 2006 1,525,131
1945 2,896,343 1976 3,470,980 2007 1,483,449
1946 3,097,713 1977 3,418,844 2008 1,444,823
1947 3,281,371 1978 3,360,409 2009 1,404,059
1948 3,426,155 1979 3,304,334 2010 1,373,453
1949 3,545,757 1980 3,251,528 2011 1,336,503
1950 3,644,634 1981 3,188,175 2012 1,306,539
1951 3,726,744 1982 3,121,746 2013 1,246,241
1952 3,808,364 1983 3,060,242 2014 1,211,183
1953 3,893,530 1984 2,992,389 2015* 1,161,253
1954 3,964,118 1985 2,914,421
NOTE: * Indicates lowest point ** Indicates highest total
Fonte: http://www.msana.com/msastats_02to03.asp

219
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O ponto alto foi o ano de 1959 quando atingiram o número de 4,1 milhão de maçons e o
mais baixo se apresenta no último ano analisado 2015 com 1,16 milhão de maçons.

A visão em gráfico seria a seguinte:

USA MAÇONS 1924 - 2007

Fonte: http://bessel.org/masstats.htm

O quadro abaixo apresenta o percentual de maçons em relação à população dos EUA,


confirmando a regra:

Fonte: http://freemasoninformation.com/2009/06/there%E2%80%99s-a-hole-in-our-bucket/

220
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Se o quadro é negro, os diagnósticos sobre as causas do fenômeno deixam a desejar por


serem, com raras exceções, superficiais e ingênuas. As explicações e diagnósticos dos franceses, por
exemplo, como se verá no próximo item, são bem mais sofisticadas e profundas.

3. Europa, especialmente a França


O diagnóstico do continente europeu vai-se ater aos franceses que possuem uma visão bem
mais sofisticada do que os ingleses em explicar o declínio da maçonaria como se verá a seguir. Serão
comentados os livros e artigos dos seguintes Irmãos:
• Albert Lantoine: Finis Latomorum? La Fin des Franc-Maçons? (1950);
• Jean Bénédict: Fin de la Maçonnerie? (2001);
• Alain Bauer: Le Crépuscule des Frères: La Fin de la Franc-maçonnerie? (2005) e
• Alain Guyard: La Fin de la Franc-maçonnerie (2003).
Deixa-se o livro de Alain Guyard para o fim deste capítulo por apresentar uma visão mais
sistematizada sobre a crise da maçonaria, fruto, segundo ele, de uma crise civilizacional. Sua visão
abrangente, pode-se não concordar com ela, apresenta observações heterodoxas do fenômeno das
evasões maçônicas e suas causas.

3.1. Finis Latomorum? La Fin des Franc-Maçons (Finis Latomorum? O Fim dos Maçons)
de Albert Lantoine148
Este pequeno livro (opúsculo) publicado há mais de 50 anos é hoje uma raridade (o meu
custou quase 250 dólares) apresentava uma radiografia da maçonaria que se tornou comum nos dias
de hoje. Lantoine, aristocrático como sempre, fazia uma descrição dos principais problemas da
maçonaria, já no seu índice, tais como: a política, a propaganda, a decadência, o remédio, a inutilidade
das obediências francesas, as relações internacionais, a ortodoxia dos trabalhos, a utilidade passada
das obediências francesas, a falência das obediências francesas, da independência das lojas,
frivolidades dos ritos e a conclusão.

148
Nasceu em Arras (1869-1949) na mesma casa de Robespierre. Escritor maçom e ensaísta francês. Venerável mestre da Loja
Jerusalém Escocesa, historiador oficial renomado da Grande Loja da França, membro do Conselho Federal da GLF, bibliotecário do
Supremo Conselho do REAA, membro ativo da Loja no. 4 do “Droit Humain”. Defendeu o comportamento político do maçom como
liberal e tolerante. Combateu a política “impura” e, a seu ver, a decadência da maçonaria se devia à “propaganda” e ao “enfeudamento”
ao regime político da IIIª República. O remédio seria a supressão da centralização das lojas. Amigo de Oswald Wirth. Escreveu o
monumental História da Franco-Maçonaria Francesa, Hiram Coroado de Espinhos, Carta ao Soberano Pontífice e o Finis Latomorum é
o seu livro póstumo. Tinha uma visão aristocrática da maçonaria. O fim de Lantoine foi triste. De uma família rica, ficou pobre com a
invasão alemã da França. Os alemães pilharam seus documentos, coleções e biblioteca. Tentou suicidar-se em 1948 se atirando no
Sena. (Prefácio de Daniel Ligou in LANTOINE, 1981).

221
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Em termos históricos, constata que a maçonaria na França já nasceu subversiva:

“quando muitos de seus altos dignitários vieram implantar a Ordem no nosso país
e enriquecer seu próprio quadro de matrículas das lojas que eles criaram, não
podiam ignorar que toda Sociedade – seja qual fosse, salvo a Academia [francesa]
– estava interditada no Reino [de França]. Esta nova Sociedade, que além do mais
tinha a pretensão de ser secreta, se encontrava pela sua própria existência – e
com a cumplicidade da Inglaterra – a se insurgir contra o rei” (LANTOINE, 1950,
p. 19).

Ao analisar a ambiência na formação e consolidação da maçonaria na França não deixa de


alertar:
“dado que a Maçonaria francesa não pode abstrair a ambiência, que sua vida,
tolerada e não oficialmente reconhecida, depende do humor sempre instável dos
governantes, ela sofre desta tutela larvar” (p. 20).

Destaca o papel estratégico do liberalismo, como ideologia da Ordem:


“destaque essencial: o liberalismo não desmente o conceito de tolerância imposto
pela Bíblia da Ordem; ele não é o monopólio de um partido. Todos os fervores
políticos fraternizam sobre as ‘colunas’ do Templo: imperialistas, monarquistas,
republicanos, todos deixam no vestiário suas opiniões respectivas” (p. 21).

Constata que no tocante à propaganda ela enriquece materialmente a maçonaria, mas a


empobrece moralmente (p.28). Como desvio da fraternidade denuncia a vulgarização da Ordem.
Exemplifica com o sinal de socorro que deveria ser destinado, sobretudo em caso de guerra, a
provocar a generosidade do maçom inimigo e que somente os mestres teriam seu conhecimento
(p.31).
Como sinal de seu aristocratismo faz um símile da maçonaria com o catolicismo. Citando São
Francisco de Sales que sentia saudades do tempo do cristianismo antigo: “quando os cálices eram de
madeira, os sacerdotes eram de ouro”. Neste tempo a Igreja contava com fiéis; hoje, com partidários.
Ela também, a Igreja, conheceu a deserção das elites. Somente se encontrará a Palavra Perdida nas
“obscuras claridades” das Catacumbas (p. 33).
Não chama a maçonaria de sociedade secreta nem de discreta, mas sim fechada (a maçonaria
não é secreta, a não ser pelo seu comportamento interior) (p. 37).
Diz com todas as letras que “com o advento do regime republicano de 1871 começa a
decadência da Maçonaria francesa” (p. 38). Esta decadência se acentuará na medida em que a
demagogia triunfa sobre a democracia.

222
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Não deixa de reconhecer, contudo, o papel que a maçonaria exerceu no tocante a abolição
do clericalismo, ou seja, a influência do Clero nos assuntos de Estado (p. 82). Este papel ativo,
contudo, que as circunstâncias a obrigaram a tomar, acabou. Ela não está mais na ordem do dia, e,
sem ser cruel, ela não conta mais (p. 83). Conclui dizendo que:
o remédio que nos preconizamos tem uma decadência indiscutível – provocado
depois de anos pelo comportamento lamentável da parte da Ordem e
recentemente pelo desânimo que tem causado a certos irmãos os tormentos de
toda sorte que tem valido quatro anos de ocupação alemã – será possível
substituir a Maçonaria na estima das elites? (p. 97).

A visão de Lantoine tem a ver mais como uma profecia avant la lettre do que como uma
análise sociológica mais aprofundada das causas da decadência da maçonaria.

3.2. Fin de la Maçonnerie? (Fim da Maçonaria?) de Jean Bénédict149

Jean Bénédict, no seu artigo, começa afirmando que faz mais de 50 anos que Albert Lantoine,
de maneira profética, dizia que o papel ativo da maçonaria que as circunstâncias a obrigava a tomar,
terminou. Ela não está mais na ordem do dia e, sendo cruel, ela não conta mais. Os partidos políticos
não necessitam mais dela. Eles a consideram mesmo com humor indulgente que nós testemunhamos
ao lado dos velhinhos que se obstinam em entender que sua hora passou (LANTOINE, p. 83).
Aquilo que era restrito a segmentos da elite maçônica, parece que hoje é partilhado pelo
grande público. Mais de cinquenta anos depois e, sobretudo, no mundo maçônico, os gritos de alarme
se fazem ouvir exprimindo as inquietudes. As evasões, principalmente no mundo anglo-saxão, são
alarmantes. Na Alemanha e na Suíça, apesar de não ser tão profunda quanto nos países de língua
inglesa, é preocupante.
A maçonaria opera em dois domínios: i) o trabalho do indivíduo sobre ele mesmo e ii) sua
ação sobre o mundo. Aqui se instala a dicotomia fundamental. Dependendo da ênfase que se dê a
cada um desses domínios, seguirá um comportamento diametralmente oposto, seja no que concerne
ao indivíduo, à loja ou à Obediência. Se si prioriza o indivíduo, com o risco de parecer egoísta, o
maçom se fecha à sociedade. Não se coloca em dúvida o trabalho individual, mas a presença do
maçom no mundo está em crise, no tocante aos valores sociais da maçonaria, de sua cultura em
relação à sociedade civil. Cada vez menos pessoas se interessam sobre o que ela tem a dizer.

149
Nascido em 1928, estudou nos Estados Unidos, Alemanha e Suiça. Foi iniciado em 1973 na Loja Liberdade, de Lausanne, ligada à
Grande Loja Suiça Alpina - GLSA, onde ocupou diversos postos até chegar ao veneralato. Jean Bénédict é autor de diversos artigos e
trabalhos de erudição, publicados na Revue Alpina. Membro fundador e presidente de honra do Grupo de Pesquisa Alpina – GPA,
criado em 1985 em Berna, reconhecido pela GLSA em 2002. O GPA edita a revista Masonica.

223
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Duas são as causas desta falta de importância atual apontadas pelo maçom Arved Hübler
(2001, pp. 41-46):
• A primeira reside no perfil intelectual dos Irmãos: no nascimento da Maçonaria
especulativa, contavam-se inúmeros maçons entre os grandes espíritos da época,
engajados em ação social, intelectual e política. Desde a metade do século XIX, as lojas
se tornaram clubes (tipo Rotary, Lions, etc.) onde se busca, sobretudo, as honrarias.
Tornou-se assim o lugar de encontro da pequena burguesia. Os políticos, os artistas e
executivos da economia brilham pela sua ausência. Se o caráter da igualdade é
agradavelmente reforçado, perde-se a antiga natureza elitista da Ordem;

• A segunda é relativa ao caráter humanitário da maçonaria que é doravante realizado. Um


Irmão, fundador da maçonaria especulativa que, por milagre, observasse nossa sociedade,
constataria que os valores pelos quais ele lutava, entraram largamente nos costumes da
sociedade: os Direitos do Homem, a igualdade de direitos, o desenvolvimento da
personalidade, a democracia, etc. ficaram banalizados, mesmo que existam ainda algumas
lacunas. O problema teórico e intelectual foi resolvido, assim a maçonaria humanitária
tornou-se supérflua. Sem dúvida existe muito ainda a fazer, mas os problemas práticos
são agora objeto de organismos profanos institucionais: a assistência social, o segura
saúde, pensão vitalícia, a Anistia Internacional, os Médicos sem Fronteiras, os partidos
políticos, os “pastores”, etc.

Assim uma “plataforma” maçônica fundada sobre os valores do Iluminismo (vide Anexo I)
tornou-se supérflua, visto que os políticos têm tido largamente a ocasião de os defender contra os
detentores do poder: político, religioso e feudal.
Continua a questão crucial de saber se o fim, nobre e exigente, de portar a herança das Luzes
no meio pequeno-burguês (respeito pela democracia e pelo próximo, as obras caritativas, a
fraternidade e outros ideais maçônicos) podem ser alcançados pela Ordem. Parece que não, visto que
nem nossos meios de comunicação nem nossos temas de estudos não podem agir sobre o mundo
profano como um todo, nem em extensão, nem em profundidade.
Finalmente a maçonaria se resume numa associação – nostálgica – para a conservação da
tradição, justamente capaz de aumentar o ego de algumas pessoas sem lustre e motivos para se
fantasiarem com os aventais e alfaias maçônicos, um pouco como os grupos folclóricos. Assim o
movimento maçônico será alçado ao último estágio de seu desenvolvimento, visto que as questões
modernas da atualidade não são mais suscetíveis de encontrar uma resposta adulta, nem na
terminologia nem numa pretensa filosofia maçônica.

224
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Hubler cita ainda a técnica genética, a invasão da informação pela Internet, a globalização que
destrói as particularidades culturais regionais e tantos outros temas que ficam sem resposta. Todas
estas questões não encontram mais solução através de uma concepção clássica, esclarecida e
humanitária do mundo e do homem (p.16).
Na medida em que o contexto muda, torna-se imperativo reformular as ideias e os conceitos,
o que poucos ousam fazer e isto se traduz num conservantismo esclerosado. Bem ao contrário,
segundo Hübler, convém reativar o impacto do ritual e do simbolismo a fim de encontrar a verdade
aplicável à época presente, graças aos ensinamentos dos Antigos. Hübler concorda com Lantoine que
a maçonaria deve retomar sua “força e vigor” pois, ela tinha um magnífico instrumento intelectual e
moral no passado para analisar o mundo e o homem. Não se deve cair no sentimentalismo tão
frequente nas lojas atuais e que é um fator de fraqueza.
Hübler não propõe em definitivo uma tomada de consciência que envolva uma nova
formulação de nossas ideias, adaptada à nossa época. Pode-se esperar algo de novo nesta seara?
Se a famosa profecia de Malraux – o século XXI será aquele da espiritualidade – se realizar,
não nos restará mais que apertar os parafusos, ou seja, contar unicamente com a qualidade em
detrimento da quantidade. Lá também nada de novo sob o sol: tem-se falado frequentemente sobre
as condições úteis e necessárias para as Lojas simbólicas, e somente elas, asseguram a perenidade
de nossos processos iniciáticos e de nossos ideais. Nada mudou; nada mudará. A iniciação é
extratemporal e universal. Finis Latomorum? NÃO.

3.3. Le Crépuscule des Frères – La Fin de la Franc-Maçonnerie? (O Crepúsculo dos


Irmãos – O Fim da Maçonaria) de Alain Bauer150

BAUER gasta metade do seu livro descrevendo a gênese da maçonaria inglesa, a saga do
Grande Oriente da França – GOF, no qual foi Grão-Mestre, os conflitos entre a maçonaria inglesa e
francesa.

150
Nascido em 1962, descendente de família judaica perseguida nos pogroms da Europa Oriental. Filiado desde os 15
anos ao Partido Socialista. Professor de criminologia aplicada na Sorbonne, na Escola de Oficiais da Gendarmeria Nacional,
no Conservatório Nacional de Artes e Ofícios e consultor em segurança. Autor de uns 30 livros sobre maçonaria e uns 40
sobre criminologia. Foi consultor de segurança e de terrorismo. Foi Conselheiro da Ordem – GODF, e adjunto de Grão-
Mestre Philippe Guglielmi de 1996 a 1999, e posteriormente Grão-Mestre do Grande Oriente da França – GODF de 2000
a 2003. Demitiu-se de todas as suas responsabilidades no GODF em 2005. Comendador da Légion d'honneur, Oficial da
Ordem Nacional do Mérito, Comendador das Artes e Letras.

225
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Constata que entre as duas guerras a maçonaria sofreu uma crise mundial (BAUER, p.71). De
seis ou sete milhões de irmãos e algumas irmãs recenseados entre os anos 40-50, dos quais 4
milhões nos EUA e quase um milhão na Inglaterra, restam hoje algo em torno de 1 milhão. Nos EUA,
uma boa parte paga uma quantia maior e ficam como membros por toda a vida, apesar de não mais
frequentar a loja. Na Inglaterra, um irmão médio coloca os pés na loja cinco ou seis vezes por ano,
no melhor dos casos, duas vezes ou menos para participar de banquetes...
Na França, a situação é um pouco melhor, pois existem (2005) algo em torno de 140.000
irmãos e irmãs e as iniciações continuam estáveis. Contudo, quantitativamente, a maçonaria
desaparece pouco a pouco, vítima da sua incapacidade de se renovar no mundo anglo-saxônico. Mas
na Europa, o espaço maçônico liberal, adogmático, laico, não consegue sempre compensar as perdas
e a representação no mundo asiático é ínfima (p.73). Ilhas subsistem nos países francófonos e sinais
encorajadores existem na América do Sul. A África continua gangrenada pela corrupção, malgrado
alguns sinais alentadores nas elites estatais, parar encontrar a mensagem original.
Discute, em seguida, o conceito inglês da regularidade (regularity) que é causa de conflito
entre a maçonaria francesa e anglo-saxônica. Regularidade, irregularidade, reconhecimento,
clandestinidade, etc. são conceitos que os maçons adoram discutir. O conflito inglês-francês culmina
em 1877 quando a Grande Loja Unida da Inglaterra (GLUI) declara irregular o Grande Oriente de
França (GOF). Em 1929 a GLUI publica seus princípios de reconhecimento das obediências
estrangeiras em número de oito. Em 1913 se cria a Grande Loja Nacional Francesa (GLNF) que recebe
o reconhecimento de Londres. Fica então consolidada uma linha de divisão entre duas maçonarias: a
regular anglo-saxônica e a continental, latina e de influência francesa. É a primeira que, por todo o
mundo, está moribunda, pois toda maçonaria que segue seu exemplo compartilha sua sorte. A tal
ponto que doravante, tanto na Inglaterra quanto nos EUA, os francos maçons inteligentes e sinceros
dirigem suas vistas para a velha Europa no intuito de reexaminar um outro modelo maçônico: o
modelo francês (p. 83).
Caracteriza então o modelo francês dando um bosquejo sobre o mesmo. Diz-se
frequentemente que a característica da maçonaria anglo-saxã é o seu apego aos princípios religiosos
e que o trabalho das lojas parece como uma capela interconfessional. É um pouco verdade. Mas se
justamente na Inglaterra as Igrejas se esvaziam numa grande velocidade, por que as lojas ficariam
abarrotadas? Os maçons ingleses estão passando mais tempo nos pubs do que nas lojas. Os maçons
ingleses que visitam a França dizem que as lojas se esvaziam é porque os quarentões que querem

226
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

mudar de ideia e esquecer o estresse do trabalho e da vida cotidiana podem ir ao teatro ou ao cinema
que são bem mais baratos do que a maçonaria. Outros invocam a organização arcaica, opaca,
autocrática e rígida de uma Grande Loja da qual nada, ou quase, não passa por eleição e um Grão-
mestre vitalício nomeia durante décadas os principais responsáveis. Tanto isto é verdade a “Grande
Loja-Mãe”, como ela gosta de ser chamada, sofreu uma cisão. Certamente que a Grande Loja Regular
da Inglaterra (http://www.rgle.org.uk/RGLE.htm), ainda minúscula, e talvez não sobreviva. Pouco
importa: é a primeira vez que tal acontecimento se produz desde 1823... (p. 86).
Sabe-se que a referência pública e cotidiana aos princípios religiosos é um traço cultural
inglês e não necessariamente uma profissão de fé, não se sabe por que os maçons ingleses, filhos
de uma nação que contou com inúmeros filósofos de renome e de sábios muitas vezes iconoclastas
(de Locke a Darwin) recusam-se a debater as grandes questões da condição humana. Jamais se
discutiu isso em lojas, mas eles talvez estejam se preparando para isso.
A maçonaria francesa poderia agora desistir de seus princípios? Na França, a maçonaria está
engajada numa luta de liberação dos indivíduos. Pioneira da democracia interna, do sufrágio universal,
da abolição da escravidão, das liberdades individuais e públicas, de uma justiça equitativa, do direito
de escolha para as mulheres, das leis sociais, da liberdade de opinião ou associação, da laicidade, do
direito de morrer com dignidade, da liberdade de pesquisa, etc., a maçonaria conseguiu, depois de
três séculos, influenciar o progresso das sociedades. Ainda resta muito a fazer, as obediências
maçônicas não conseguiram ainda se reformar para agir verdadeiramente, tanto no concerto europeu
e muito menos no mundial.
Esta dificuldade de apreender o universal, apesar de que a maçonaria, pelo seu caráter único
da iniciação, é a primeira sociedade globalizada da história, constitui a principal ameaça para o futuro
da Ordem (p. 87).
A maçonaria francesa, coetânea das Luzes, liquidada sob o Terror, maçonaria de Estado sobre
o Império, construtora dos valores da República em 1848 e, de suas instituições depois de 1871,
dizimada durante a colaboração, se fez cada vez mais discreta durante longo tempo. Neste início de
milênio, a maçonaria na França e no mundo está dividida, dispersa, em plena crise moral e de
estruturas (p. 89).
Quanto ao desafio cultural da maçonaria francesa, convém salientar que cada século tem sua
maçonaria. No século XVIII ela foi povoada de grandes aristocratas e depois dos bons burgueses. Foi

227
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

no seu seio que todos se esforçaram para criar uma nova sociabilidade151 até então inusitada, de
remover barreiras numa sociedade ainda prejudicada pelos interditos de castas, de opiniões e de
crenças. E por que ela foi um dos espaços emblemáticos de realização desta necessidade coletiva,
então sentida pela sociedade europeia, que a maçonaria foi tão brilhante, tão criativa, e por vezes tão
temida no século das Luzes (p. 134).
Após a Revolução, na qual ela foi uma das causas involuntárias e paradoxalmente das
primeiras vítimas, exposta à hostilidade dos governos autoritários e de uma intolerância religiosa, ela
tornou-se o cadinho natural de um combate que durou quase um século, para o estabelecimento da
República e da construção de um Estado laico.
Enfim, nas convulsões políticas e guerreiras do começo do século XIX, durante quarenta ou
cinquenta anos, ela foi sob muitos aspectos, o último baluarte de certos valores essenciais, como a
liberdade de pensamento e o respeito da dignidade humana. Eis a razão do porque em 1940, pela
primeira vez de sua história, tentou-se erradicá-la. Ela não conseguiu se levantar completamente desta
queda de 1940.
Visto isso, surge a pergunta: a que serve hoje a maçonaria? Qual é no presente seu vetor
cultural, suscetível de substituir a dinâmica das Luzes que ela carregava há três séculos, ou aquele
ideal republicano e laico há cem anos?
Parece que os mais brilhantes espíritos de nossa época não são mais tentados à pertencer
à maçonaria, que apaixonava no passado, e hoje o que se vê são membros de classe média
acomodados. Assim, pois a maçonaria deve urgentemente reinvestir no campo cultural, reestruturando
e revivescendo o debate nas suas lojas, renovando sua temática e fazendo enfim um compartilhamento
do fruto de seu trabalho à todos aqueles que a reflexão apaixona e que se interrogam, mesmo fora
das lojas.
A literatura maçônica, ou aquilo que assim se chama, é, no mais das vezes, duma
mediocridade e duma pobreza aflitiva. Nas livrarias, os livros maçônicos são encontrados juntos
daqueles que falam sobre tarô, OVNI, parapsicologia e ela não deveria merecer uma sorte melhor? (p.
141). Existe um público ávido de saber coisas sérias sobre a maçonaria. Depois de 30 anos na França
enquanto que as igrejas estão desertas e os seminários vazios, as lojas ainda se mantém com certo
élan.

151
O conceito de sociabilidade tem sido muito utilizado nos trabalhos acadêmicos sobre maçonaria desde a publicação do
livro seminal de AGULHON, Maurice. Pénitents et Francs-Maçons de l’Ancienne Provence. Paris, Fayard, 1968. NA.

228
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Os maçons franceses de hoje tentam realizar um velho sonho de inspiração cristã que a
maçonaria carregou depois do começo do século XVIII e que se formula assim: “O outro é meu irmão”.
Resta dizer que a vitória histórica da maçonaria contra o ultramontanismo e a intolerância
católica do século XIX não foi uma vitória doutrinal e muito menos política, mas antes de tudo uma
vitória cultural e ética. Face a todas estas aflições, angústias e desafios de nosso tempo, que se
impõem a cada um de nós, se a maçonaria não souber elaborar um projeto cultural não terá vida
muito longa.

3.4. La Fin de la Franc-maçonneria (O Fim da Maçonaria) de Alain Guyard152

Guyard (2003) apresenta a sua Weltanschauung maçônica e dos problemas da maçonaria no


livro acima mencionado. Convém aqui estender um pouco mais os comentários e transcrições pela
visão filosófica (não é preciso concordar com ela) e original de Guyard. É composto das seguintes
partes: i) introdução; ii) maçonaria burguesa; iii) maçonaria fundamentalista; e iv) maçonaria a golpe
de martelo.

3.4.1. Introdução

Começa dando o seu recado: “a burguesia conhece hoje uma extensão planetária de seus
valores, e os sinais precursores de sua asfixia; e como a maçonaria foi a matriz na qual a burguesia
tomou consciência de sua existência, a maçonaria entra hoje por sua vez em agonia” (Guyard, 2003).
Que diferença com a visão anglo-saxônica, não só por ser de gauche, mas por apresentar a crise
maçônica dentro da crise da civilização moderna. A maçonaria que apresentou no início da burguesia
em ascensão uma proposta reformista religiosa e política e, em alguns casos, até mesmo
revolucionária, hoje se encontra amortecida e dopada, pois, esta sendo superada pela crise da
mundialização (os franceses não gostam do termo globalização, pois o consideram anglo-saxão).
Não se deve então se assustar com os escândalos153 que regularmente respingam na
Venerável Ordem, principalmente os de corrupção. Os escândalos maçônicos seriam o espelho no

152
Filósofo francês nascido em 1966. Após seus estudos de filosofia e de pesquisas consagrados ao imaginário no centro
Bachelard de Dijon, Glasgow e Mayence, estudou no Centre national de la recherche scientifique (CNRS). Escreveu em
1990 uma tese consagrada à alquimia, intitulada Résurgence de l'imagination magico-religieuse chez Bachelard ou
Bachelard le passeur d'Hermès. É também autor de peças teatrais. Conhecido também sob o nome literário de Alain-René
Königstein, de René Witzhard, de Un Académicien sans académie e de Lazare Vilain. Disponível em
https://fr.wikipedia.org/wiki/Alain_Guyard. Acesso: 23/07/2017.
153
Escândalos de corrupção pululavam na maçonaria franceses nos últimos anos.NA.

229
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

qual a filosofia liberal pode e deve contemplar seus próprios limites (p.10). Para fugir à esta extinção
da maçonaria liberal na Europa e, principalmente na França, boa parte dos maçons buscam retornar
a um estado de civilização escoimado pela revolução da modernidade. Refugiam-se no tradicionalismo
– muitas vezes fundamentalista – se imaginando estar ao abrigo das mutações bruscas do tempo
presente. Guyard apresenta assim um quadro quantitativo em 2003: 60.000 maçons francesas nas
Obediências liberais contrapondo-os aos 30.000 das Obediências dogmáticas que querem promover
um retorno à metafísica tradicional nos assuntos religiosos através da defesa de Cristo e de seus
emissários (p.11). Negam o conflito capital x trabalho, reforçam a política de identidade nacional e
negam algumas conquistas da Revolução Francesa.
Os dois paradigmas dominantes na maçonaria – burguesismo (liberalismo) e
fundamentalismo – são os signos precursores que abalam a maçonaria e a sociedade em geral. Passa
a analisar então estes dois paradigmas e uma terceira saída para que ela não faleça.

3.4.2. Maçonaria Burguesa


3.4.2.1. A Maçonaria Filha e Serva da Burguesia

Segundo Guyard a maçonaria nasceu nas convulsões de um século que viu a aristocracia ser
despojada de seu poder por uma burguesia nascente, que buscava criar e estabelecer um espaço
privado (Habermas, 1984). Descreve a maçonaria moderna nascendo nos subúrbios londrinos,
composta de aventureiros. As lojas se tornam o espaço onde se balbuciam os novos sonhos,
banhados por uma nova sociabilidade. Pequenos comerciantes, vendedores de estofados, mercadores
de madeiras, curas embriagados pelas efusões sentimentais de Rousseau, aristocratas convivendo
com plebeus, novos ricos, sem sangue azul, ávidos de encontrar um espaço, e protetores,
aventureiros da bolsa de valores e agentes de câmbio (p. 22). Não queriam mais ter um direito
recebido do alto em filiação direta com Deus e sob controle episcopal do sagrado, mas vindo de
baixo, deles mesmo. Buscando valores mais igualitários, começaram a sonhar com a sua nova
soberania que demitisse a antiga, a milenária, soberania de Deus. Eis que o direito de propriedade
substitui aquele de Deus. Compreende-se, pois que, desde a declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão de 1789, a propriedade torna-se um direito inalienável e sagrado. A propriedade coloca
bolas pretas para a divindade. “Hosanah, Hosanah! Existe somente a Propriedade, e o Burguês é o
seu Profeta” (Habermas, 1984, p. 22).

230
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A Loja será o espaço que servirá para esta substituição dos valores do Ancien Régime para
os novos valores burgueses. Mimando a aristocracia e a nobreza de toga e beca, substituindo a missa
por uma bricolagem dos rituais, deixando livre curso para a fantasia, os burgueses faziam a experiência
subjetiva da dessacralização das ferramentas simbólicas pelo qual o regime feudal, aristocrático e
religioso, teatralizava seu poder real sobre a sociedade. Estava em marcha a desconstrução do sagrado
institucional. A dessacralização do sagrado não se pode fazer senão substituindo os ritos, nos quais
a fonte é considerada como divina e imemoriável (missa dominical, sagração do Rei, festas votivas
nas áreas rurais, etc.), por um outro sagrado de substituição, feito por homens, ao sabor de suas
fantasias e de sua vontade histórica, humana e relativa. A nova imaginação não tem limites: rituais de
um novo gênero que consagram um Inspetor Geral do Templo de Salomão; Grande Sacerdote de
Zorobabel; sublime Príncipe do Segredo Real, e outros gracejos do mesmo porte. Hoje em dia isto
não causa mais escândalo, mas na época era revolucionário...

3.4.2.2. O Nihilismo dos Valores Liberais

A maçonaria começou alardeando os valores da burguesia, que estão consubstanciados no


liberalismo – político, filosófico, religioso, econômico – buscando com isso substituir os valores do
Ancien Régime. Contudo o que se assistiu historicamente não foi a substituição dos velhos pelos
novos valores, mas uma erosão dos valores antigos, sem serem substituídos por novos valores. A
sociedade tradicional era fortemente cimentada em torno das pedras angulares, que foram
primeiramente a de sangue e a de guerra - para segurar o conjunto do corpo social – e
secundariamente, o clero – que unia misticamente o corpo de Cristo. Dieu et mon Droit. Desse modo,
o feudalismo atrelava poderosamente a unidade tradicional do sabre e do aspersório154, cimentando o
conjunto do corpo social (o povo), o corpo político (a nobreza) e o corpo místico (Cristo no meio dos
homens graças à Igreja). O liberalismo burguês vai erodir estes três corpos unidos antes na mesma
fusão metafísica. O corpo social será dissolvido pelo individualismo egoísta: o povo, como entidade
una e indivisível, sob o olhar do Rei e de Deus, foi sendo desconstruído em pequenas unidades de
consumo (as famílias) e de produção (as fábricas). O corpo político é dissolvido pela possibilidade de
uma reivindicação democrática, mais adaptada à extensão do regime de crescimento. O corpo místico
enfim, é dissolvido pela burguesia que sustentará o relativismo moral e a indiferença religiosa. Sob

154
Aspersório (latim: aspergillum; aspergere – aspergir) é um pequeno objeto onde se coloca água benta para o sacerdote aspergir o
povo, lugares e objetos a serem abençoados.

231
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

este bordão, o teísmo se transforma em deísmo e depois em ateísmo pelo pecado da indiferença (para
que serve a religião quando estamos mergulhados nos negócios?) (p. 29).
Assim, a maçonaria que difunde seus ideais não o faz de maneira positiva, promovendo os
novos valores burgueses e liberais, que deveriam substituir os antigos. Ela dissolve e desloca os
valores tradicionais, diminui sua área de influência e reduz seu alcance. A maçonaria não é então uma
instituição para a invenção dos valores modernos que deveriam substituir os antigos. Ela é como o
liberalismo, uma empresa de aniquilação de valores, de todos os valores, uma desativadora
sistemática da operatividade dos valores religiosos, mercantis e políticos tradicionais.

3.4.2.3. O Nihilismo do Liberalismo Político

Carl Smith155 dizia com razão que não há projeto político do liberalismo, porque o liberalismo
tem por projeto o desaparecimento da política (p. 31). A sociedade pré-moderna, tradicional dispõe
de uma forte coesão política. A pressão da cidade é tal que, do alto, ela se imbrica na cidade de Deus
e busca aperfeiçoar as analogias, e, em baixo, ela organiza com tal cuidado os deveres do homem
inscrito na cidade e no cosmos. A entrada na modernidade se faz com uma ruptura cósmica
considerável. Maquiavel estuda a política, integrando a possibilidade e mesmo a necessidade de uma
contradição entre a moral e o exercício do poder, e, um pouco depois, Montesquieu reclama
contrapoderes para refrear o abuso que estão necessariamente no cerne da autoridade. Pouco á
pouco, é todo um universo político, harmonioso, coerente e divino que desaparece. Para deixar
espaço a quem? Ao indivíduo. Se na pessoa na política tradicional deve se fazer a fusão com um
cosmos sacralizado, no mundo moderno, o indivíduo busca, ao contrário, a afirmar com força sua
independência e sua vontade contra todas as solidariedades cósmica, religiosa, política ou societal.
Por consequência, para responder a esta demanda separatista da parte do indivíduo, a política liberal
se ocupa prioritariamente em desemaranhar os liames tecidos sabiamente pela política tradicional (p.
32). O resultado é a dissolução das antigas solidariedades aldeãs, arcaicas, familiais e comunitárias.

155
Carl Schmitt (1888-1985) foi um jurista, filósofo político e professor universitário alemão. É considerado um dos mais
significativos e controversos especialistas em direito constitucional e internacional da Alemanha do século XX. A sua
carreira foi manchada pela sua proximidade com o regime nacional-socialista. O seu pensamento foi influenciado, em
parte, pela teologia católica, tendo girado em torno das questões do poder, da violência, bem como da materialização dos
direitos. Além de direito constitucional e internacional, a sua obra abrange outros campos de estudo, como ciência política,
sociologia, teologia, filologia germânica e filosofia. Ademais, da sua produção literária constam não somente textos de
natureza jurídica ou política, mas também sátiras, relatos de viagem, investigações em história intelectual e exegeses de
textos clássicos da língua alemã. NA.

232
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O indivíduo, esta invenção concluída pela burguesia, logo que ela conquista a posição dominante no
século XVIII, é este ser atomizado, mononuclear, se aliando à vontade dos contratos com outros
átomos, eles também em queda livre no vácuo do espaço público. Sempre se considerou o contrato
como uma invenção política absolutamente nova, do qual vão derivar o mercado e a democracia. Para
Guyard o contrato não é uma ruptura com as formas políticas anteriores, mas, ao contrário, uma figura
diluída e desbotada do pacto arcaico.

3.4.2.4. O Nihilismo do Liberalismo Econômico

O segundo aniquilamento de valor foi feito no espaço econômico e mercantil. Na sociedade


tradicional ocidental, na época medieval, o valor de troca era transbordado em toda parte por um
sobrevalor, por uma elevação da despesa e não do ganho. Um dia em cada quatro não se trabalhava.
Não para recuperar as forças produtivas esgotadas pelo esforço do trabalho, mas para fazer a festa e
consumir os produtos acumulados. A noção do tempo é circular, pois o retorno do sol, das colheitas
e do Cristo ressuscitado são periódicos. A sociedade deve retornar a ela mesma, apagando as dívidas
e as acumulações. A modernidade apresenta um tempo linear, sem fim, sempre acumulando... Assim
o crescimento econômico é uma obrigação em razão da metafísica do tempo sob o qual repousa a
modernidade. Neste mundo cristocêntrico, o tempo é circular, as festas e as estações vão e vêm, os
deuses ressuscitam e o sol sempre aparece vitorioso na sua luta contra as trevas, no dia seguinte. Eis
porque a capitalização financeira e a usura são impossíveis na sociedade tradicional, visto que os
deuses lavam cada ano a dívida do mundo. A economia de mercado se encontra nas antípodas desta
estética econômica (p. 42) e que o capitalismo convertendo homens, coisas e valores em mercadorias,
os “horizontaliza”, os transforma em condição do aumento do lucro. Daí, para a devastação ecológica,
é um passo.

3.4.2.5. O nihilismo do liberalismo religioso

O terceiro aniquilamento de valor perpetrado pelo liberalismo é o religioso. Na sociedade


tradicional a religião aparece como o cimento, o liame que permite, em seguida, que a identidade
política possa existir. Por isso a religião estará na linha de tiro do liberalismo. Mas ela não será aqui
atacada no plano das ideias que ela veicula, sobre seus dogmas e sua ortodoxia, mas sobre sua
função social de amálgama da sociedade. A Igreja sofre assim, contra toda a expectativa, a pulverização
e uma sorte de suave e regular implosão de parte do pensamento liberal que não colocará em causa

233
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

o sentimento divino, mas recusará que ela tenha tal influência social. A passagem do teísmo, com
suas cerimônias maníacas e procedimentais, seus ouros e seus aparatos, ao deísmo, como puro
sentimento, íntimo e individual, vem de lá. De Rousseau à Voltaire, passando por Montesquieu, é
evidente que a entrada nos tempos modernos, é também o encolhimento de Deus fora da esfera
pública e seu entrincheiramento no coração solitário do fiel. Finalmente, o protestantismo não pode
ser outra coisa do que o coitus interruptus e a retração do pênis divino fora da matriz social e política
(p. 44). Assim nasce a laicidade, uma forma da retirada de Deus para fora do ventre da política.
Mas existe uma outra coisa que permitia o religioso e que desapareceu com o liberalismo.
No seu tempo, a sociedade tradicional, com seus transes, seus loucos proféticos, seus psicotrópicos
e seus carnavais, utilizava a religião para modificar o campo de percepção do profano, permitindo-lhe
experimentações dos mundos metafísicos. Quer se trate de fantasmas derivados da ingestão de
psicotrópicos derivados do trigo, ou de delírios psicóticos da pobreza substituindo o êxtase aos
orgasmos, a realidade fenomenológica é indubitável: o mundo tradicional dos homens está na
encruzilhada dos caminhos dos deuses, dos anjos e dos demônios (p. 45). Existe, pois, experiências
de dimensões interiores, espirituais, que são constitutivas da natureza humana e que não podem ser
encerradas nos limites profanos do entendimento, e que a autoridade eclesiástica organiza e rege a
fim de dar sentido e sabor. Isto, o liberalismo não pode entender e, portanto, irá desmontar em duas
etapas. Primeiramente ele irá desativar o vigor das experiências extáticas num quadro estritamente
ortodoxo. Já se viu como irá agir: convertendo o teísmo em deísmo e o fervor popular coletivo em
sentimentalismo íntimo e solitário. Assim a Igreja perde seu poder porque o êxtase se torna raro, pois
Deus se retira das multidões e se recolhe no íntimo das pessoas. Segundo, considerando que o apelo
extático é constitutivo da natureza humana, o liberalismo irá buscar encantar uma parte do monopólio
da Igreja dando assim uma versão do êxtase, e remendando por sua vez uma ciência das alterações
de consciência. Serão primeiramente os psicotrópicos profanos, como os antidepressivos no qual a
polissemia é rica de sentido e que são distribuídos pelo corpo médico para dar aos cidadãos profanos
sua microdose de beatitude (p. 46). Serão também enfim as grandes concentrações esportivas, onde
o fervor religioso tem por função exaltar as almas até lhes proporcionar um frenesi de insensibilidade
à dor e ao gosto do sangue. Culmina tudo isso com o delírio pela velocidade dos jovens automobilistas
que morrem dentro destas máquinas de aço de matar lançadas velozmente em vias anônimas, ou seja,
a mudança de velocidade é substituída pela mudança de regime ontológico (p. 46).

234
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Belton, J., & Kent, H. (2000). Freemasons – An Endangered Species?. Ars Quatuor Coronatorum -
AQC, 113, 114-150. Disponível em http://kenthenderson.com.au/m_papers10.html

Thornton, P. (1992). Nine out of tem Freemasons would attack Moscow in Winter. In Proceedings of
the Australinan Masonic Research Council Conference (pp. 27-30). Melborne.

Arved Hübler, A. (2001). Die Loge als Oberammergau der Aufklärung, über das Ende der Freimaurerei
und was danach kommt. QC Bayreuth.

Agulhon, M. (1968). Pénitents et Francs-Maçons de l’Ancienne Provence. Fayard.

Guyard, A. (2003). La Fin de la Franc-maçonnerie. EDIMAF.

Habermas, J. (1984). Mudança Estrutural da Esfera Pública. Tempo Brasileiro.

Principais obras publicadas:

235
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

HINO DA MAÇONARIA
Da luz que de si difunde Humanos sacros direitos
Sagrada filosofia! Que calcará a tirania
Surgiu no mundo assombrado Vai ufana restaurando
A pura Maçonaria. A pura Maçonaria.

Maçons, alerta! Maçons, alerta!


Tende firmeza! Tende firmeza!
Vingai direitos Vingai direitos
Da natureza!\ Da natureza!

Da razão, parte sublime, Da luz depósito augusto


Sacros cultos merecia. Recatando a hipocrisia
Altos heróis adoraram Guarda em si com zelo santo
A pura Maçonaria. A pura Maçonaria.

Maçons, alerta! Maçons, alerta!


Tende firmeza! Tende firmeza!
Vingai direitos Vingai direitos
Da natureza! Da natureza!

Da razão suntuoso templo Cautelosa, esconde e nega


Um grande rei erigia, A profana gente ímpia
Foi, então, instituída Seus mistério majestosos
A pura Maçonaria. A pura Maçonaria.

Maçons, alerta! Maçons, alerta!


Tende firmeza! Tende firmeza!
Vingai direitos Vingai direitos
Da natureza! Da natureza!

Nobres inventos não morrem Do mundo o Grande Arquiteto


Vencem do tempo a porfia Que o mesmo mundo alumia
Há de os séculos afrontar Propício protege, ampara
A pura Maçonaria. A pura Maçonaria!

Maçons, alerta! Maçons, alerta!


Tende firmeza! Tende firmeza!
Vingai direitos Vingai direitos
Da natureza! Da natureza!

Música: D. Pedro I156.


Letra: Otaviano Bastos

156
Dom Pedro I, logo depois de proclamar a Independência, além de ser o Imperador também foi Grão-mestre do então
Grande Oriente do Brasil. Fez esta música com a letra de Otaviano Bastos em homenagem a Maçonaria Universal. Como
maçom era contra a escravatura. Mesmo sendo o imperador não conseguiu aboli-la do Brasil. Isso só aconteceria depois
em 1888 com outros maçons.

236
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Link: https://www.facebook.com/watch/?v=594897634764791

PARTE 3

Os desafios contemporâneos e as
demandas para futuro

237
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O Papel da Maçonaria na Contemporaneidade: Princípios e Valores Universalistas na Criação de


uma Sociedade Inclusiva, Solidária e Ética Social 157
Pedro Nogueira-Simões158, Orlando Martins159, & Leonel Madaíl dos Santos160

Contemporaneidade Resumo
Palavras-chave

Princípios Um dos grandes desafios das comunidades humanas na atualidade, é encontrar


Valores Universalistas soluções para estabelecer uma sociedade mais inclusiva e solidária, onde
Sociedade Inclusiva
prevaleça as questões éticas. De que forma a Maçonaria pode oferecer um
Solidariedade
contributo singular neste desafio? O objetivo deste trabalho será rever conceitos e
Ética Social
procurar dar uma resposta a este tema na contemporaneidade. Deste modo, serão
abordadas as questões referentes a princípios e valores universalistas, bem como
aos conceitos de fraternidade e tolerância. Tratando-se a Maçonaria de um
caminho de aperfeiçoamento realizado com base num comprometimento ancorado
no desejo e amor à Verdade, a mesma tem como objetivo a criação de uma aliança
de Homens que se unem para trabalhar em comum no progresso moral, espiritual
e inteletual. Sendo identificado os problemas do concretistmo de pensamento,
bem como da tendência para cada humano e diversos grupos se isolarem nos
seus dogmas e crenças, prejudicando as relações humanas existentes, a mesma
propõe contrariar tal facto. Ou seja, independentemente das diversas culturas e de
todos os poderes instituídos, a finalidade desta Ordem será sempre a de aproximar
humanos, reunindo o disperso, sem impor nem uniformizar.

157
Artigo publicado na Revista Europeia de Estudos Artísticos / European Review of Artistic Studies (Vol. 13 N.º 1 (2022):
48.ª Edição | ERAS). Consultar em: https://eras.mundis.pt/index.php/eras/article/view/275
158
PEDRO NOGUEIRA SIMÕES – PhD. Psicólogo/ Advogado. Licenciado em Psicologia Criminal. Mestre em Psicologia
Criminal e Forense. Mestre em Cognição Social Aplicada. Licenciado em Direito. Mestre em Direito Ramo Jurídico
Políticas. Mestre em Direito Ramo Jurídico Forenses. Doutorado Título Doutoramento Europeu em Psicologia Clínica.
PORTUGAL. E-mail: pedrocarochosimoes@gmail.com
159
ORLANDO MARTINS – Licenciado em Geografia Humana e Mestre em Geografia Humana e Planeamento Regional
e Local – Universidade de Lisboa/ Fisioterapeuta – Escola Superior de Tecnologia de Saúde de Lisboa. PORTUGAL. E-
mail: orlandomartins766@gmail.com
160
SANTOS, LEONEL MADAÍL DOS – Licenciado em Direito, Mestre em Direito, especialidade em Ciências Jurídico-
Criminais – Universidade Autónoma de Lisboa, Pós-Graduado em Ciências Policiais e Segurança Interna – Instituto
Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, Pós-Graduado em Mediação de Conflitos – Universidad Miguel de
Cervantes. PORTUGAL. E-mail: leonelmadaildossantos@gmail.com

238
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

«Conhecereis a Verdade e a Verdade vos Libertará.» (João 8:32)


A Maçonaria desde o passado aos nossos dias …

Quando se procura escrever sobre o que é a maçonaria, traços gerais podemos considerar
como uma escola de progresso, de liberdade e de fraternidade humana, de acordo com as bases
universais da sua constituição cosmopolita, livre de qualquer amarra e defensora dos princípios
libertadores da humanidade.
Conhecidamente o seu lema de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, e de acordo com a
perspetiva descrita em 1912 por Borges Grainha, “não deve descer ao corrilho das facções
partidárias nem ao endeusamento das personalidades”, mas sim a um espaço de trabalho onde as
ideias se “esplanem desenvolvidamente de maneira que todos os seus adeptos as entendam,
aceitem, amem e pratiquem”, com obreiros aptos para as tratarem em loja, “convenientemente de
maneira que todos se interessem por elas, as discutam e as apreendam” (Grainha, 1912).
Mas antes de se abordar as questões atuais será de relevância acrescida recuarmos em
busca de referências no passado, e que por isso surge uma mistura de história e lenda, para
estabelecer uma continuidade histórica. É claro que a visão que temos da mesma situa-se a partir
do século XVIII, porém a sua origem remonta no seio das agremiações dos construtores de
catedrais, aperfeiçoada e perpetuada desde então – estes construtores e arquitetos desses
monumentos tinham de ser dotados de profundos conhecimentos técnicos, cientificos e artisticos,
gozando consequentemente de certos privilégios e eram protegidos pelo poder temporal e
espiritual.
A título de exemplo, o Papa Nicolau III concedeu aos seus membros, em 1277, o título de
pedreiros livres, que implicava a isenção de impostos, da jurisdiçao ordinária e da obediência aos
regulamentos muncipais e liberdade de circulação (Arnaut, 2009).
Consideramos como um dos mais antigos documentos maçónicos de que se tem
conhecimento, o Regius Poem ou também conhecido como Manuscrito Halliwell, gravado em inglês
arcaico, com letras góticas sobre pele de carneiro, poderá - através de várias partes que contêm
lendas, episódios bíblicos, descrições de normas e artes - transmitir normas, regulamentos ou
estatutos do ofício de Franco-maçon e da corporação.
O respetivo texto citava o Rei Athelstan como o responsável da criação dessas normas,
convocando um encontro de maçons para que fossem estudadas e definidas as leis, regras e preços
do ofício.

239
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Aqui a Maçonaria era mencionada como Geometria, para o emprego de filhos da nobreza
no Antigo Egito, e o mesmo documento já fazia referência a quinze artigos e quinze tópicos com as
suas regras referentes ao comportamento moral, à aprendizagem de forma adequada, a punições,
e às sete artes liberais.
Adicionalmente, o Manuscrito Cooke publicado no século XV corresponde a um outro
documento que estrutura o Regulamento da Maçonaria operativa. O mesmo seguia o conto dos
filhos de Lameque, a partir do livro Génesis. A partir destas personagens bíblicas foram-se
construindo as diretrizes ao longo dos séculos. Assim, enquanto Jabal descobriu a geometria e
tornou-se o maçom Mestre da Caim, Tubalcaim descobriu a metalúrgica e a arte da forja, e a sua
irmã Naamá a tecelagem, Jubal descobriu a música.
Nesta sequência, como forma de manter tais conhecimentos e descobrindo que a Terra
seria destruída pela água e fogo, inscreveram em duas colunas de pedra tais saberes. Após o dilúvio,
Pitágoras e o filósofo Hermes Trismegisto decobriram tais colunas, e as setes ciências foram
transmitidas para Abraão, através de Nimrod – o arquitecto da Torre de Babel – que ensinou aos
egípcios, incluindo Euclides, euquanto disciplina instrutiva. O ofício é então ensinado aos filhos de
Israel, e do Templo de Salomão seguiu seu caminho para a França, e para a Inglaterra de Santo
Albano.
Posteriormente, com o surgimento de uma nova visão contrária ao absolutismo e ao poder
aristocrático e clerical, procurou-se cultivar os valores da tolerância e do universalismo – na esteira
dos utopistas Bacon e Campanella – e a Maçonaria transformou-se em Maçonaria filosófica ou
especulativa. Ou seja, o escopo da Ordem deixou de ser a construção de templos, em concreto,
como era evidente na Maçonaria operativa, para se tornar, metaforiamente, na construção do templo
ideal, na edificação de um mundo melhor, justo e fraterno (Arnaut, 2009).
Tal movimento renovador foi iniciado em Inglaterra. Em 24 de junho de 1717, dia da festa
de S. João Batista, reuniram-se as quatro lojas de Londres conjuntamente e deliberaram criar um
órgão federador, denominado Grande Loja de Londres procurando unificar e perservar o espírito e
os valores maçónicos, bem como a regularidades das lojas. Tal necessidade provinha de uma
Inglaterra que depois da Revolução Gloriosa de Guilherme de Orange, recuperava e procurava
equilíbrios no plano político, social e económico, sendo a Maçonaria considerada como um novo
espaço de sociabilidade onde podiam conviver homens “livres e de bons costumes”, com opções
políticas e religiosas diferentes (Ventura, 2013).

240
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Nesta senda, o teólogo e pregador James Anderson, foi encarregado de coligir os velhos
regulamentos (Old Charges), em colaboração com o pastor francês Jean Théophile Désaguliers,
resultando a publicação da obra em 1723 conhecida por Constituições de
Anderson, ou seja, a Magna Carta da Maçonaria moderna, em que “Um Maçom é obrigado,
por dever de ofício, a obedecer à Lei Moral; e se ele compreende corretamente a Arte, nunca será
um estúpido ateu nem um libertino irreligioso”.
Nos tempos remotos e medievais, os maçons “eram obrigados em cada país a adotar a
religião daquele país ou nação, qualquer que ela fosse, hoje pensa-se mais acertado somente
obrigá-los a adotar aquela religião com a qual todos os homens concordam, guardando suas
opiniões particulares para si próprio, isto é, serem homens bons e leais, ou homens de honra e
honestidade, qualquer que seja a denominação ou convicção que os possam distinguir; por isso a
Maçonaria se torna um centro da união e um meio de conciliar uma verdadeira amizade entre
pessoas que de outra forma permaneceriam em perpétua distância” (Constituições da Antiga
Fraternidade dos Maçons Livres e Aceitos, sob a guarda da Grande Loja de Londres fundada em 24
de junho de 1717 – Constituição de Anderson 1723).
Figura 1 – Constituições de Anderson (1723)

Fonte: Uma História da Maçonaria em Portugal.

241
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Tal mudança surge com o Iluminismo e das reformas modernas, e sobre o tema específico
da imposição de religião, esta consiste sim, na sua essência amar o próximo, fazer o bem, ser um
homem bom, de honra e probidade. É por este facto que a Maçonaria se considera a casa de união
entre ateus, agnósticos e pessoas dos mais diversos credos, consistente com a divisa maçónica
Deus meumque Jus.
No entanto, a Bíblia continou a ser o “livro da Lei”, embora dê enfase à conceção reformista.
Contudo, o ramo liberal ou também denominado de irregular, não se exige a crença em Deus,
admitindo apenas homens bons e rectos, que sigam os princípios da universalidade, da fraternidade
e da tolerância. Estes valores consideram igualmente o reconhecimento e aceitação da mulher em
Lojas de Maçonaria.
No contexto nacional, também a Maçonaria está intimamente ligada à História de Portugal,
principalmente nos últimos quase trezentos anos. Segundo alguns indícios, pensa-se que tenha
existido, em Lisboa, uma Loja composta por membros de nacionalidade inglesa e escocesa,
trabalhando a partir de 1727 e introduzida pelo católico inglês William Dugood, proprietário,
morador na Lapa e amigo de Alexandre de Gusmão. Seria conhecida pela Inquisição como Loja
«dos Hereges Mercadores» pelo facto de ser constituída por ingleses e escoceses protestantes,
regularizada na Grande Loja de Londres de 1735, primeiro com o número de ordem 135 e depois
com o 120.
A segunda Loja conhecida em Lisboa, A Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia, foi
criada por irlandeses católicos, em 1733. Houve uma tentativa de regularização em 1738 junto da
Grande Loja de Londres que não foi concretizada. Em 1741, surgiu a Loja de John Coustos com
cerca de 300 membros, que se manteve em atividade até 1743, momento em que vários membros
foram presos.
As razões que explicam esta curta existência, deve-se ao facto de, a 28 de abril de 1738 o
papa Clemente XII publicar a bula In Eminenti Apostolatus Specula, condenando a Maçonaria. Nesse
mesmo ano, a 28 de setembro, data em que a bula foi afixada em Lisboa, o inquisidor-mor cardeal
D. Nuno da Cunha e Ataíde publicava um edital que constituía o primeiro momento da perseguição
à Maçonaria em Portugal (Ventura, 2013).
Tal situação só melhorou com a subida ao trono de D. José I, com a governação pombalina,
apesar de, em 1751, o papa Bento XIV ter renovado a condenação da Maçonaria através da bula
Providas Romanorum. Nomes como Marquês de Pombal,

242
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Gomes Freire de Andrade e D. Tomás Xavier Lima (marquês de Ponte de Lima), foram
cruciais nesta fase (Matos, 2014). Sendo uma época plena de contradições, pensa-se que o
Marquês de Pombal tenha sido iniciado em Londres ou Viena, tendo como elemento indicador o
mesmo ter pertencido à Royal Society, dominada por maçons, assim como a visita da Loja Aux Trois
Canons, na capital austríaca.
De igual modo, a vinda para Portugal do conde reinante de Schaumburg-Lippe, Friedrich
Wilhelm Ernst, por sugestão da Grã-Bretanha, a fim de reorganizar o Exército luso, contribuiu para
o fortalecimento da Maçonaria. Assim como os oficiais que o acompanhavam eram pedreiros-livres,
o contacto com militares portugueses produziu frutos, patentes no surgimento de Lojas macónicas
em localidades com guarnições militares, como são os casos de Lisboa, Elvas, Olivença e Valença.
Outra nova fase de perseguições surge, com a morte de D. José I, ocorrida em 24 de
fevereiro de 1777, e com a queda do Marquês de Pombal, influenciada pelos setores mais
conservadores da aristocracia e da Igreja, em pleno reinado de D. Maria I. Posteriormente, o clima
de guerra generalizada que a Europa conheceu desde 1792, em consequência da Revolução
Francesa, acabou por potenciar, paradoxalmente, o desenvolvimento da Maçonaria em Portugal nos
anos que antecederam a passagem do século XVIII para a centúria seguinte.
Em termos históricos, é no final do século XVIII, princípios do século XIX, que surge a
orientação espiritual da Maçonaria agnóstica, baseada no Grande Oriente de França. É também nesta
fase que começam a existir, efetivamente, Lojas autónomas, e em 1805 foi publicado um livro
considerado como a primeira obra sobre a Maçonaria em Portugal – Cartas sobre a Framaçoneria.
Posteriormente, no Congresso Maçónico de 1905 e no Congresso do Livre Pensamento
realizado em 1908 discutiram-se aquelas que viriam a ser as bases de um futuro regime republicano.
Tal ideologia tinha muitos apoiantes, pois tratando-se de uma visão progressista, que pretendia
colmatar as agruras da Pátria e a decadência da nação. Tal regime proposto assentava na laicidade
da sociedade, que se manifestava através da separação do Estado face à Igreja, da abolição do
caráter oficial de todas as festas religiosas, do registo civil obrigatório, da assistência pública
hospitalar e da instrução primária pública e obrigatória para todas as crianças (Arnault, 2006;
Ultimatum da GrãBretanha a Portugal no qual impunha a obrigação de renunciar a um vasto território
africano, que ligava Angola a Moçambique, viria a dar origem à revolta de 31 de Janeiro de 1891).

243
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Assim considera-se este momento como de relevância acrescida na história da Maçonaria


em Portugal, ou seja, a proclamação da República. No dia 5 de outubro de 1910, a Maçonaria e a
Carbonária foram decisivas para o sucesso da implantação da República, e outras associações
secretas portuguesas desempenharam um papel importantíssimo no movimento. No entanto, na
revolução participaram maçons e não maçons.
Se por um lado, Machado dos Santos se deixou entusiasmar afirmando que a revolução se
deveu exclusivamente à Maçonaria, Magalhães de Lima mostrava-se mais rigoroso ao afirmar que
o movimento revolucionário fora obra de maçons. O certo é que não faltava quem exibisse a sua
condição de maçom como forma de se associar ao novo regime. Um momento de plena afirmação
do novo regime que consagra os seus mártires, foi o funeral de Miguel Bombarda e de Cândido
dos Reis, com a presença das delegações de Lojas com os seus estandartes e alguns membros
paramentados.
Na sequência do golpe de Estado de 28 de maio de 1926 e com a formação do Estado
Novo, a Maçonaria portuguesa tem um período agitado. A título de exemplo, no dia seguinte à
publicação da lei n.º 1901 de 21 de maio de 1935, Norton de Matos escrevia o seguinte ao Ministro
da Guerra: «Venho comunicar a V. Ex.ª que, devendo, em virtude dessa lei, dissolver-se a
associação de maçons portugueses, deixo desde hoje de ser grão-mestre da Maçonaria portuguesa
e de pertencer a uma associação que, em obediência a uma lei do Estado, deixa de existir» (Norton,
2002). E sob o regime salazarista e marcelista, a maçonaria portuguesa praticamente deixou de
existir até ao 25 de abril de 1974.
Por fim, a Revolução dos Cravos ao derrubar a ditadura restabeleceria a ordem democrática
e a liberdade. O triunfo deste movimento revolucionário desencadeado a 25 de abril de 1974, com
a garantia de liberdade de associação e de reunião, provocou uma profunda transformação no
sindicalismo, que já se vinha libertando do espartilho corporativo, gerando movimentos associativos
de diversos tipos, gerando um clima de liberdade que proporcionou à Maçonaria a possibilidade de
emergir à luz do dia, depois de décadas de clandestinidade.
Em 6 de maio de 1983 é instalada a primeira loja portuguesa da Maçonaria feminina,
Unidade e Mátria, com mulheres iniciadas em França, sendo eleita a 29 de março de 1997 a primeira
grã-mestra. A Ordem Maçónica Mista Internacional Le Droit Humain começou a laborar em 1980,
tendo já existido em Portugal nos anos vinte do século XX, e surge em 2008 a Ordem Maçónica
Internacional do Rito Antigo e Primitivo de Memphis e Misraim, demonstrando a Maçonaria nestes

244
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

três séculos de presença em Portugal, uma Maçonaria viva e com uma pluralidade de Obediências
que refletem diferentes formas de ler, assumir e viver a tradição maçónica (Ventura, 2013).
Nesta ordem de pensamento, atualmente pode-se considerar que persistem muitos dos
ideais obtidos após a vitória dos liberais, nomeadamente o poder do Estado assentar na igualdade
de todos os cidadãos perante a lei, na salvaguarda dos direitos individuais, na propriedade privada
e no princípio da separação dos poderes judiciais, legislativo e executivo (Cravinho, 2013).
Consequentemente, mantém-se os valores de fraternidade, da solidariedade e da justiça, que
influenciam não apenas os seus obreiros, mas inclusive o mundo profano.
Atualmente é considerado e aceite por todos os maçons que o papel desta Ordem consiste
essencialmente numa escola de sabedoria e virtude, estando os seus membros ligados entre si por
ideais nobres, ideais de perfeição, embora possam divergir entre eles, já que são livres de adotar
religiões diferentes. De igual forma, podem e devem expressar livremente o seu pensamento, e para
tal não se deve considerar a Maçonaria como uma sociedade secreta, mas sim fechada, onde no
seu Templo se reúnem à porta fechada pessoas que pretendem ensinar e aprender a sabedoria e a
virtude. É por isso, e somente por isso, que a Loja se considera um espaço sagrado e protegido,
no qual estão visíveis os símbolos e emblemas, úteis ao aperfeiçoamento pessoal (Matos, 2014).
A linguagem dos símbolos na Maçonaria aponta para o caminho da necessidade que o
maçom tem de reconhecer a sua própria vulnerabilidade, isto é, precisa tomar consciência das suas
feridas, que representam a possibilidade de ele próprio “adoecer” e sofrer. É por meio desta
consciência que cada um de nós se pode colocar no lugar do outro para poder avaliar o sofrimento
dele e, desse modo, exercer a fraternidade e a solidariedade.

A Maçonaria na Resolução dos Problemas Atuais: Espaço de criação e de resposta na


Sociedade Contemporânea

Tratando-se a Maçonaria de uma associação de homens esclarecidos, a mesma poderá


contribuir na atualidade para a finalidade a que sempre se propôs: felicidade do género humano.
Tal objetivo estará desprovido de interesses políticos ou religiosos. De acordo com Jacques
Ploncard D’Assac, trata-se de “uma associação de homens esclarecidos, não tendo outra
preocupação se não a felicidade do género humano – fora de toda a preocupação religiosa e
política – excluindo apenas o ser sem virtude” (D’Assac, 1984, p. 8).

245
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A Maçonaria é uma aliança de Homens que se unem para trabalhar em comum para o
aperfeiçoamento intelectual, moral e espiritual da Humanidade – e dentro desta não há classes
sociais – há graus de conhecimento (pilar do Ensino), funções executivas (pilares da Economia
com os Oficiais de Loja e o Venerável Mestre ou o Conselho da Ordem) e funções jurisdicionais
com o Venerável Mestre ou o Grande Tribunal Maçónico. Este caminho de aperfeiçoamento é
realizado com base num comprometimento ancorado no desejo e amor à Verdade. Assim, a
Maçonaria é uma escola de virtude e sabedoria, que opera através de um “sistema de moral velada
pela alegoria e ilustrada por símbolos, e que não tem por base um mandamento que nos tenha
sido dado (…), mas baseia-se em factos precisos e leis de ordem natural, sobre os quais não há
dúvidas.” (GLSP, 2017).
Deste modo, a mesma se afirma como uma “Família”, uma “Família Universal” em que ser
maçom é pertencer a esta família a qual se dedica à construção do Templo de Verdade, como se
referiu acima. Para Luiz Silva (2016), um dos principais elementos que caracteriza a família, é esta
acolher os seus membros e portanto, família significa “Acolhimento”. Frequentemente, no nosso
quotidiano, observando de forma direta ou sendo relatado, convivemos com acontecimentos
marcados não pelo acolhimento e construção, mas sim, pela rejeição, exclusão e divisão e pela
destruição (Silva, 2016).
Um dos grandes desafios da atualidade é a necessidade de encontrar novas soluções para
estabelecer uma sociedade mais inclusiva e solidária. É inerente a todos, o dever de se implicar
e acompanhar as mudanças em curso no mundo e procurar estar afinado com o seu diapasão,
isto é, com base no que Immanuel Kant definiu como imperativo categórico: dever de cada um
agir conforme os princípios e os valores que considere serem benéficos caso sejam seguidos por
qualquer outro indivíduo.
Coexistimos, mas muitas vezes afastamo-nos uns dos outros e quando isso acontece,
também nos afastamos do mundo. Frequentemente vivemos em conflito com a ordem natural das
coisas e em desacordo com a nossa dimensão biológica. Nós, por natureza, temos necessidade
de explicar o que é o mundo e dessa necessidade nasceu a ciência moderna. Temos igualmente
necessidade de compreender quem somos e quem é o outro, questões que nos conduzem para
domínios subjetivos, como sejam: sentimentos, emoções, valores e intuição.
Aliás, numa sociedade moderna em que o consumismo impera, grande parte dos seres
humanos tem recursos suficientes, não se preocupando com a sustentabilidade do sistema. Outro

246
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

risco inerente que aqui se coloca para a humanidade, ou seja, a consciência global acerca da
nosso lugar como pessoa humana nessa enorme família. O despreendimento de se isolar em si
mesmo, e não contribuir para a própria espiritualidade dos demais. Apesar do processo iniciático
ser individual, não obstante ocorrer num contexto coletivo, pois o estudar, aperfeiçoar, meditar e
refletir para melhorar no seu dia a dia apenas se consegue na obtenção de força e partilha de
conhecimentos no seio da Loja (Matos, 2014).
A essência de uma comunidade de “irmãos” – tal procura ser a Maçonaria – é a inclusão
do outro. Neste sentido, face aos desafios contemporâneos da construção de sociedades mais
inclusivas e solidárias, de que forma a Maçonaria pode oferecer um contributo singular neste
desafio? Uma das possíveis respostas poderá ser enunciada da seguinte forma: é preciso refletir
para reconstruir. Perante uma cultura em que o Homem é, em simultâneo, protutor, produto e
subproduto de uma sociedade mercantilizada, é preciso questionar, entender e transformar.
Na nossa cultura predomina o pensamento linear, a lógica binária. Este modo de pensar
pode fazer acreditar que há sempre polos antagónicos entre os quais é preciso escolher. A
possibilidade de escolher é um dos fundamentos da liberdade e da democracia, valores
grandemente exaltados pela Maçonaria, todavia, esta não é aquela escolha binária – ou é preto
ou é branco – que limita as possibilidades de exercer a individualidade, a criatividade e a
consciência crítica.
Uma cultura em que predomina o pensamento linear / a lógica binária, cria mentes
prisioneiras das polaridades, como sejam: ou virtude ou vício; ou bem ou mal; ou Norte ou Sul,
ou Oriente, ou Ocidente. Um pensamento fortemente formatado nesta lógica binária dificulta a
nossa perceção da diversidade e da complexidade do mundo, conduzindo a uma deficiente
comunicação entre as pessoas, geradora de uma lógica de exclusão. É certo que o modelo binário
/ linear permite criar resultados práticos e significativos para a melhoria da vida humana, como
sejam as que se aplicam as situações mecânicas, instrumentais e operacionais.
O que torna problemático aquele modelo, não é sua existência nem as aplicações práticas
que cria, mas sim o fato dele ser visto como quase único, exclusivo. Importa, assim, complementar
aquele modelo de pensamento binário, por um modelo de pensar de forma abrangente / holístico,
isto é, pensar o todo sem deixar de lado as partes. Silva (2016), a este propósito, cita o filósofo
francês Blaise Pascal (1623-1662): "Considero impossível conhecer as partes sem conhecer o
todo, bem como conhecer o todo sem conhecer as partes em particular".

247
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O lema “Bem Pensar, Bem Dizer, Bem Fazer” não nos deve indicar uma realidade sobre a
qual fazemos uma escolha limitada, estreita e fragmentada entre dois polos opostos, mas sim uma
escolha ilimitada, aberta à reflexão, à ponderação, capaz de conduzir à formação do homem livre
e integral, capaz de pensar o mundo na sua natureza complexa. Para isso, precisamos de uma
educação que nos conduza a um equilíbrio entre um modelo de pensamento objetivo e lógico -
indispensável para que lidemos com as situações concretas, objetivas e quantitativas do
quotidiano – e um pensamento de natureza subjetiva, que inclui os sentimentos, as emoções e a
intuição. É neste sentido que os termos "acolhimento" e "complementaridade" são deveras
importantes nos trabalhos maçónicos, os quais têm por base a construção da fraternidade e da
egrégora entre os irmãos, capaz de ser transportada para a vida profana de cada um.
Ou seja, muitos dos problemas que a Maçonaria enfrenta hoje provêm da sua infidelidade
a esta Verdade que cura as doenças e purifica, assim como à constante presença num pensamento
marcadamente concreto quanto à sua essência. O Maçon é convidado e encorajado a conhecer,
desejar e amar a sabedoria, a virtude e a verdade – sendo estes lemas de vida praticados no seio
familiar de cada um, no seu local de trabalho, na sua convivência e consequentemente na
sociedade em geral.
Neste ponto, os ensinamentos da Maçonaria são basilares, pois a sabedoria e virtude não
servem para engrandecer o maçom, mas para o conduzir ao Templo da Verdade. E sabemos que
não há religião superior à Verdade, logo o mesmo não tem necessidade de ter uma religião
institucionalizada. Segundo Luis de Matos na sua reflexão sobre o Templo da Verdade, o mesmo
refere que:
O Templo da Verdade é o local metafísico onde a perceção da verdade
desaparece, a distorção causada pela verdade individual cessa e Verdade
Indivisível, como ela É, brilha em todo o seu esplendor, inconfundível,
indistorcível, inefável.

Para ensinar a sabedoria e a virtude, a Maçonaria trabalha num Templo. As


reuniões decorrem à porta fechada, em Loja, num espaço sagrado e
protegido, no qual estão vísiveis os símbolos e emblemas de cada grau. A
palavra “templo”etimologicamente provém do grego téménos, de radical
“tem”, que evoca um corte. Em latim, templum significa “lugar reservado”,
ou “lugar à parte”, lugar separado dos lugares comuns.

Para ensinar a sabedoria e a virtude, a Maçonaria usa o véu dos símbolos.


Os símbolos são as regras da linguagem metafísica, do código linguistíco
partilhado por todos os seus estudantes – no caso da Maçonaria, essa
linguagem é a sua matriz judaico-cristã (Matos, 2014, p. 26 e segs.).

248
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Nesta sequência, é por esta ordem de ideias que o Evangelho de João está aberto no seu
primeiro capítulo em todas as Lojas regulares em trabalho, pois é nesta passagem que se destacam
palavras como “verdade”, “luz”, “obra”, “conhecimento” e “libertação”.
Mas note-se que, o acesso ao Templo da Verdade não está acessível ao simples curioso,
é necessário desejar e amar a Verdade, pois a mesma expõe as nossas fraquezas, coloca à vista os
nossos medos, a nossa vilanagem visceral. E nesta sequência, os seus Mistérios, pouco mais são
do que a sua origem, fundação e objetivo. Essencialmente, a Maçonaria é uma escola iniciática,
encorajando os seus elementos a conhecer, desejar e amar a sabedoria, a virtude e a verdade,
praticando-as tanto em trabalho de Loja, como levando-as para a sociedade em geral.
Algumas questões podem surgir neste ponto, tais como: Qual o objetivo da Maçonaria
como um todo? o que se propõe fazer e construir tais elementos que a compõem? e, para que serve
a Maçonaria? Ao tentar responder de forma objetiva e utilitária, perde-se a objetividade de entender
que a mesma é uma Escola Iniciática e nada mais, é apenas isto que carateriza a sua essência.
Dependendo de cada pessoa, as respostas divergem na sua fundamentação, contudo
dúvidas não existem desta Ordem enquanto via iniciática. E este aspeto iniciático remete para o
verdadeiro desejo de uma transformação interior, e depois desta, através de uma ação de mutação
formal, transmutação interior. Só assim, a questão da iniciação do Homem a trabalhar as suas
imperfeições e ambições, a confrontar-se com elas, poderá posteriormente ser um elemento
igualmente útil à sociedade em geral.
Contudo, não é essa a imagem que a população em geral tem da Maçonaria, ou seja, existe
sim uma imagem pública ruinosa desta Ordem e dos elementos que a compõem em diversos países.
Tal situação deve-se aos próprios elementos que a constituem, ao aceitar-se no seu seio Homens
e organizações a que se insiste em chamar de “irmãos” e “maçonaria”, permitindo-lhes representar
a Ordem. Tal representação e imagem difere, e nos países nórdicos ainda continua a ser
extremamente respeitada. Contrariamente, nos países onde imperam formas de governo totalitário
é que a mesma é perseguida por ser entendida como subversiva, capaz de gerar livres-pensadores,
empreendedores e líderes não-conformistas.
A Maçonaria no século XXI não deve ser a mesma Maçonaria que foi vivida no século XVIII,
apesar daquela que hoje projetamos só poder ser sólida se estiver bem assente nos fundamentos
de todo o seu passado, porque também o seu passado assentava nos fundamentos judaico-cristãos
da Maçonaria de ofício primitiva (Matos, 2014). Segundo Scawn Eyer a própria francomaçonaria

249
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

antecedeu o Cristianismo, mas foi a matriz cristã que deu um significado mais profundo à própria
Maçonaria (Hackett, 2014; Eyer, 2016).
Especificamente, para pensar o seu papel na contemporaneidade, é preciso partir da base
do sistema de pensamento ou modelo mental por meio do qual construímos o nosso mundo. Em
geral aquele é um modelo que privilegia as partes isoladas, em prejuízo das relações. As
sociedades contemporâneas são regidas por um sistema de pensamento que privilegia o não
acolhimento, a divisão e o afastamento: vivemos numa sociedade de desconhecidos, de estranhos.
Silva (2016) refere que o desconhecimento produz a desconfiança, e esta alimenta o medo e é
por ele ampliada. Se temos medo de entrar em contato com os nossos sentimentos e emoções,
acabamos por adotar uma visão de mundo em que tudo nos parece externo e objetivo.
Para pôr em prática os objetivos sociais da Maçonaria é preciso mudar de modelo mental.
Trata-se de uma mudança ampla e profunda, que não pode ser feita por meio de iniciativas
superficiais e de curto prazo. Na tradição maçónica é feita uma reflexão em torno do enunciado
de “Bem Pensar, Bem Dizer e Bem Fazer”. Silva (2016) refere que em geral, sentimos antes de
pensar, ou, de modo inverso, o que pensamos produz sentimentos. Assim, pode-se dizer que o
sentir e o pensar se influenciam mutuamente, isto é, estão em relação circular.
Em conclusão, e reforçando esta perspetiva acima descrita, Kaplan (2014) realizou um
estudo que procurou analisar a estrutura da intimidade coletiva usando como modelo o modo
como os maçons desenvolvem sentimentos de amizade e fraternidade, assim como estes são
vivenciados na sua esfera privada e pública.
Neste estudo observou-se naturalmente uma intimidade coletiva no seio dos seus trabalhos
maçónicos, como também tal forma de interagir com os demais publicamente, e de comunicar
extravasou ao nível da solidariedade nacional e cívica, confiança e amizade. Existe uma espécie
de cadeia de união, sentimentos de familiaridade e reverência nas suas ligações privadas e no
próprio coletivo/comunidade onde se inserem. Por fim, tais elementos encaram a esfera pública
com os mesmos valores e atitudes que encaram as suas reuniões cerimoniais (Gaonkar, 2002;
Kaplan, 2014). Podemos finalizar de acordo com a perspetiva de Rémi Boyer:
Dentro do contentor que a comunidade representa, o buscador aprenderá a
jogar com os laços, a fazer e a desfazer as formas, sem que isso odilarece
interiormente ou rasgue a nergia em presença. Tomará consciência de que
aquilo que ele crê estar no exterior se encontra no interior e que, por isso,
onde quer que se encontre, a comunidade, a loja, a Ordem, o mundo,
permanecem nele. Ele é o seu próprio mundo, a sua própria criação (Boyer,
2017, p. 66).

250
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Princípios e Valores Universalistas: Inclusão, Solidariedade e Ética Social

Propondo-se a Maçonaria realizar a universalidade, a fraternidade e a tolerância, coloca-se


logo de partida a questão de saber como tal objetivo será possível se a mesma abarca várias
obediências e ritos. Assim como algumas obediências rejeitam as mulheres e irmãos pelas suas
opções políticas, religiosas, filosóficas ou por pertencerem a outras famílias maçónicas. Segundo
Corneloup, é “a Ordem que é a que pode realizar a universalidade e as Obediências qua atraiçoam
a Ordem”.
Nesta linha de pensamento, a sua pretensão de universalidade também pode suscitar
dúvidas, pois ao considerarmos a Maçonaria como uma estrutura viva, a mesma terá de se adaptar
ao meio que a rodeia e reproduz no seu seio as fraturas que pretende resolver, e que em certo
ponto pretende regular em função das épocas e lugares.
De facto, em cada país e com o decorrer dos séculos, foram promulgados diversos e
numerosos estatutos, contudo, isso não obsta a que a Maçonaria possua determinado número de
princípios básicos, aceites por todos os elementos que a compõem em todas as partes do globo.
Tal condição possibilita a aceitação, a fraternidade universal dos maçons, a sua condição de grande
família no seio da Humanidade, que centralize o pensamento e a ação da Ordem. Inclusivamente,
pode falar-se de um conjunto de caraterísticas institucionais comuns a todas as famílias maçónicas
que permite a sua identificação (Lázaro, 1996).
A sua universalidade assenta no princípio de que todos os homens são iguais perante uma
entidade a que denomina de Grande Arquiteto do Universo, sendo que todos os templos dos
Francos-maçons são consagrados à humanidade, à tolerância, à união mais íntima, à amizade mais
perfeita e ilimitada e à fraternidade incondicional (Manual de Aprendiz, RAPMM, GLSP, 2017).
Aquele enunciado da universalidade da Maçonaria está ancorado a uma construção política
e jurídica, cujo início da produção remonta ao século XV e, principalmente, ao século XVII. À época
do Iluminismo, não existia uma afirmação consagrada dos direitos humanos, válidos para todos de
maneira universal, mas apenas direitos de âmbito regional ou nacional, pensados para alguns
humanos de maneira específica, como foi o caso dos direitos do homem, integrantes da Declaração
Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (Grubba & Staffen, 2017).

251
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

A Maçonaria acolhe no seu seio Homens “livres e de bons costumes” - e os bons costumes
são diversos costumes - reconhecendo que a diversidade cultural assume um importante papel de
aproximar os homens, sendo através do diálogo possível criar avanços na proteção e implementação
dos direitos humanos.
Apesar da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 ter declarado o caráter
universal dos direitos humanos, desde o seu surgimento se discute a aplicabilidade daqueles
direitos. Argumentos relativistas, localistas ou de direitos culturais, foram se afirmando contrários à
ideia de uma possível ou necessária universalidade dos direitos humanos. Deste modo,
consideravam ser o universalismo, uma “tentativa culturalocidental de imposição imperialista de
uma única forma de se estar no mundo com dignidade” (Grubba & Staffen, 2017).
Os defensores do relativismo cultural sustentam que cada cultura possui uma visão acerca
dos direitos fundamentais e que não há uma moral universal, em razão do pluralismo de culturas
existentes no mundo. Esses discursos questionam a premissa universalista, considerando que a
tentativa de universalização dos direitos, de maneira a priori, é incompatível como os demais modos
de vida cultural não-ocidentais e nãocapitalistas (Grubba & Staffen, 2017). Em contrapartida, os
universalistas defendem que o pluralismo cultural não pode servir para encobrir violações aos
direitos humanos.
Boaventura de Sousa Santos, referido por Pottumati (2014), defende que o
multiculturalismo seria uma pré-condição para uma relação equilibrada, que além de reforçar a
ligação entre a legitimidade local e a competência global, igualmente representaria uma política
contra-hegemónica de direitos humanos.
Ressalta desta discussão a necessidade de diálogo entre as partes, a fim de se evitar o
monólogo, fundamentalmente por parte dos que “defendem a preservação radical de valores
culturais ou tradições, que podem ter sido forjados com base em manipulações para a manutenção
do poder” (Pottumati, 2014).
O universalismo busca abarcar os localismos culturais e proteger o direito à diferença,
inclusive o respeito aos direitos humanos, quando há uma tentativa de imposição culturalista no
que concerne à escolha de religião ou crença. Podemos igualmente considerar não ser, o
universalismo, uma tentativa de imperialismo cultural, mas, pelo contrário, a tentativa de impedir
possíveis imperialismos culturais.

252
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

É importante considerar que este diálogo entre universalistas e relativistas não deva ocorrer
apenas no meio académico, mas também no seio de estruturas políticas, económicas e
socioculturais.
Os Trabalhos Maçónicos são espaços de debate e criação de valor pela Arte de acolher o
multiculturalismo como condição do universalismo humano, pelo que - independentemente de
vínculos culturais, religiosos ou políticos - os valores que objetivam a proteção da dignidade
humana, são a fraternidade.
Neste sentido, a Maçonaria é única no seu objetivo de “reunir o disperso”, sem impor nem
sequer uniformizar, expondo sempre as questões mais impertinentes, demonstrando a sua própria
independência perante todos os poderes, a sua rejeição de qualquer identificação com um modelo
político ou religioso específico, e o seu respeito pela pluralidade, que faz a vida mais rica e evoluída.
Assim, apesar das características individuais, ideias ou peculiaridades dos maçons, assim
como as acima descritas diferenças culturais e societárias, os mesmos desenvolvem os seus
trabalhos sempre com a exigência humanista permanente e igualmente compartilhada por todos os
elementos que compõem tal Ordem, com base nos valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Este humanismo é alcançável pela tolerância, que é uma das grandes virtudes da Ordem,
melhor dizendo, pela tolerância ativa, que implica aceitar a diversidade do outro para que ele aceite
a nossa própria sensibilidade, e também criar plataformas de entendimento, através de valores éticos
comuns, herança irrenunciável da Maçonaria universal (Arnaut, 2009).
Existem três traços que permitem considerar que a Maçonaria alberga três grandes
correntes de pensamento: corrente espiritualista, social e esotérica. Na primeira corrente, assume-
se que o sagrado é consubstancial da humanidade, o qual se busca o “homem primordial”, que
mediante a tradição maçónica, tenta que cada maçom seja mediador da sua própria projeção para
o universal e pureza original. A corrente social dá ênfase à atividade humana, em que tais elementos
participam nesta família de pensamento e procuram participar em todas as atividades da vida social
e política – privilegiando a espiritualidade ao invés do materialismo. Por fim, a última corrente
privilegia a busca de
“poderes” psicológicos e paralógicos através de ritos e iniciações específicas, valores,
conhecimentos e práticas esotéricas (Bannel, 2006; Eyer, 2016).

253
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Na realidade a Maçonaria é portadora de um conceito do mundo, baseado num sistema de


representação e organização potencialmente universal. De acordo com Yves Bannel tem “uma
função hermenêutica do mundo em que vivemos, porque o mero facto de crer que o homem
obedece a leis de índole universal não é neutro e expande o campo de ação da razão” pois “o mundo
moderno não se limita a um país, uma república, uma monarquia específica, mas tende para a
construção de um templo universal, horizonte inalcançável, mas sempre presente na mente dos
utópicos que somos” (Bannel, 2006, p. 50 e 51).
Essencialmente, a sua orientação foca e analisa novos desafios da modernidade, para
trabalhar na evolução das mentes e dos comportamentos, tanto individuais como sociais, e propor
valores e ideais sem conotações ou manipulações históricas ou ideológicas.
Quanto aos valores propostos pela mesma, o primeiro corresponde à liberdade de
pensamento, ou seja, aquela que resiste a todas as forças que moldam a sociedade. Assim “a
verdade” e a “luz” que buscam os maçons são uma forma de assumir a liberdade universal, sempre
que o sentido profundo integre esses valores morais que permite os seus elementos combinar a
razão, a fraternidade, o livre arbítrio e o caminho pessoal. E o segundo valor proposto é a exigência
moral, pois a mesma tende para a universalidade. Ou seja, como demonstrou Kant, é sempre
universalista como mínimo, sobretudo quanto a moral maçónica é uma verdadeira ética, que se
sustenta na razão e nos seus valores de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Outro elemento universalista a considerar da mensagem maçónica é a ética. De acordo com
Comte-Sponville, a ética é uma moral enriquecida pelo amor. Essa fraternidade buscada e assumida
pelos maçons, que não é mais que o amor à humanidade na sua plena diversidade, em busca de
uma solidariedade verdadeira, ilustrada na perfeição pela associação dos dois termos: igualdade e
fraternidade. Conseguir manter o espírito aberto aos outros e às mudanças, ao estranho e ao
imprevisto e desconhecido fazem parte desta Ordem, que procura forjar e indicar um caminho, fora
da necessidade formalista e anquilosada do presente, e da própria incompreensão (Bannel, 2006).
Segundo Marques (1995) este aprimoramento moral surge a par do intelectual, de modo
que a hierarquia maçónica é frequentemente interpretada como a gradual ascensão no afinamento
das qualidades morais, do conhecimento e amor ao semelhante e na superação de todo e qualquer
preconceito.

254
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Este trabalho de aperfeiçoamento e de reflexão concretiza-se na ação, ao nível filantrópico,


político e social, em que os maçons têm sido importantes nas etapas de refundação intelectual da
Europa. Estes, desde a Reforma, participando na elaboração dos valores e do próprio projeto
humano e organizativo da sociedade, assim como na criação de instituições que continuam hoje
estruturando o nosso enquadramento de vida e de pensamento.
Pode haver quem pretenda denegrir a imagem da Maçonaria e a sua importância no
passado e como elemento essencial para um futuro com moral, ético e humanista. Pode haver quem
não a classifique como uma Ordem única e que pretende situar o homem no próprio coração do
homem, porém os trabalhos que a mesma desenvolve vão prosseguir contra todas as adversidades
e impedimentos. A envergadura ético-moral dos grandes vultos da Maçonaria, e o seu contributo
para a construção de uma sociedade mais livre e justa são penhor dos nobres princípios maçónicos
(Arnaut, 2009).
Já assim foi quando a mesma através dos seus elementos procurou e conseguiu criar a
Cruz Vermelha, a Sociedade das Nações e da ONU e muitas outras organizações, destacando-se:
as grandes estruturas mutualistas, a concretização das ideias em matéria de abolição da escravatura,
fim da pena de morte, laicidade, igualdade entre homens e mulheres, reforma educativa, criação de
grandes estruturas de formação, tutoria e acompanhamento ao nível do Planeamento Familiar,
ONG´s, Alcoólicos Anónimos, etc..
Em conclusão, pautando-se pelo seu compromisso cívico, de cidadania, com especial
atenção às problemáticas de cada época, e claramente um caminho iniciático, por natureza
incomunicável, trata-se ao longo do tempo de uma verdadeira natureza e as suas propostas
fundamentais se revelam plenamente. Traços gerais, conforme refere Yves Bannel, a mesma
contribui na ideia de que “ser humano é tomar consciência da sua dependência dos outros e saber
transformar esta dependência em liberdade” (Bannel, 2006).

255
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Mestrado em Estudos sobre as Mulheres na Sociedade e na Cultura.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

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257
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

NOVA ESCOLA “MAÇONARIA OPERATIVA: RITO UNIVERSAL - RNP – RITO NACIONAL DE PORTUGAL”
Jacinto Alves 161

Rito Nacional Português Resumo


Palavras-
chave

Rito Universal A presente investigação apresenta as bases conceptuais da Nova Escola


Maçonaria Universal “Maçonaria Operativa” com base e recurso ao Rito Nacional de Portugal. No
.
decurso desta apresentação, encontramos novas propostas e teorias, das quais
destacamos a “Nova Teoria Quântica” e “NOVA TEORIA DO CAMPO UNIFICADO
das Forças do Universo”. Em suma, pretende-se que novos trabalhos operativos
dos maçons, obedeçam a novos e diferentes esquemas fundamentados em
princípios avançados de Espiritualidade e no conhecimento científico.

INTRODUÇÃO

Através de diferentes épocas da História da Humanidade, os mais sábios de entre nós – os


Mestres Iniciados, têm vindo a procurar aprofundar os grandes mistérios que estão presentes no
estudo da METAFÍSICA, nomeadamente no que se está referindo ao Hermetismo nas suas SETE LEIS
HERMÉTICAS, que tanto têm influenciado a própria CIÊNCIA!

"O todo é Mente; o universo é mental."

A primeira e mais importante lei hermética fala basicamente sobre o poder da mente. O
universo em que vivemos e tudo o que cremos ser realidade é de natureza mental: a natureza, as
nossas ações, os nossos corpos e todo o resto.
Nós somos o que pensamos! Se pensamos coisas boas, coisas boas virão; se pensamos
coisas ruins, elas ficarão mais próximas de nós em uma estrutura chamada - FORMA PENSAMENTO.
O universo é um campo de energia mental que está dispondo de dimensões próprias em função da
transformação da matéria e da evolução da FORÇA!
Dentro desta mesma perspetiva e devido ao facto de existir no COSMOS, três universos, o
Geométrico; o Computacional e o Holográfico, leva-nos a concluir de que o Criador ou a Inteligência
Universal veio a projetar o seu Pensamento, criando assim um “esboço” no vácuo universal (espaço)
composto por: pontos; retas e planos vindo a criar um Universo Geométrico, mas este emaranhado
de “teias” de pontos; retas e planos precisam de uma definição própria, que venha a permitir a
coordenação desse mesmo universo geométrico.

161
JACINTO ALVES - Escritor e investigador Maçon Grau 33º do REAA (Rito Escocês Antigo e Aceito). Membro fundador
da GLNP – GRANDE LOJA NACIONAL PORTUGUESA E DO SUPREMO CONSELHO DE PORTUGAL DO GRAU 33º DO
REAA.

258
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Assim a “Mente Universal do Criador” veio a criar um novo e segundo universo designado
por universo computacional, porque na verdade a MENTE UNIVERSAL DO CRIADOR funciona como
um computador e daí poder ser alcançada esta nova fase chamada de Universo Computacional!
O Criador do Universo reunindo já as necessárias condições para a “materialização” desse
universo TRIPLO em natureza e estrutura, tornando-o num terceiro e novo universo a que a Nova
Teoria Quântica está chamando de Universo Holográfico e em que nós seres humanos estamos
posicionados no interior desse mesmo universo holográfico que é de forma esferoide e finita.

Agora em pleno Século XXI, a CIÊNCIA, na sua área específica da Física Quântica, graças ao
estudo e análise aprofundados das SETE LEIS HERMÉTICAS, estas têm vindo a revelar surpreendentes
realidades e que estão presentes e animam a estrutura e expansão do Universo e em que a Nova
Teoria Quântica vem a demonstrar de que na base da GEOMETRIA SAGRADA vai exercer uma função
vital ao traçar um “esboço estrutural” que cria diferentes formas dimensionais no COSMOS.

A Geometria Sagrada é considerada o modelo da geometria natural no mundo e a base de


todas as formas. É uma ciência antiga que explora e explica os padrões de energia que criam e
unificam todas as coisas e revela a maneira precisa pela qual as energias do Universo se organizam
e vão dar origem segundo, afirma a NOVA TEORIA QUÂNTICA DO CAMPO UNIFICADO de que existem
na verdade três tipos distintos de universos que se vão combinar num só e que atrás já nos referimos.

Poderemos então vir a concluir de que o universo tripartido acima referido é uma
consequência da ação global das SETE LEIS HERMÉTICAS inicialmente apontadas, ficando assim
demonstrado a enorme importância que a Maçonaria (Metafisica) tem vindo a ter para com a Ciência.

Assim, e muito recentemente um grupo de investigadores na área da Mecânica Quântica,


vieram a criar uma NOVA TEORIA QUÂNTICA, a que nós pessoalmente estamos chamando de NOVA
TEORIA DO CAMPO UNIFICADO das Forças do Universo e fomos dar este nome, porque a pedido
dos seus criadores não deveremos citar por ora a sua designação oficial até a mesma vir a ser
publicada junto da comunidade científica internacional!

Teoria esta que está contendo uma importante descoberta, ligada à existência da QUINTA
FORÇA UNIVERSAL, a qual se vai manifestar sob a forma de ONDAS LONGITUDINAIS que transportam
em si a INFORMAÇÃO do Criador! A essa mesma QUINTA FORÇA, nós estamos chamando de FORÇA
CRIADORA!

259
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Pela primeira vez na História da Maçonaria Portuguesa vai ocorrer uma importante experiência
científica de base maçónica que se vai fundamentar na aplicação prática na Nova Teoria Quântica, a
qual, por ação direta do pensamento humano poderá ser convertida teoricamente em diferentes tipos
de ENERGIAS, o que vai significar de que esses mesmos novos tipos de energias virão a ter aplicações
úteis nos planos físico; psíquico e espiritual, o que daí irão provocar profundas alterações na forma
tradicional de vivência da Humanidade!

Assim poderemos vir a concluir de que as outras quatro Forças existentes no Universo e que
foram configuradas pela TEORIA DA RELATIVIDADE GERAL e que são precisamente a Gravidade; o
Eletromagnetismo; a Força Nuclear Forte e a Força Nuclear Fraca são uma consequência direta da
chamada QUINTA FORÇA, a que nós estamos chamando de FORÇA CRIADORA, ou seja:

A FORÇA PRIMORDIAL DO UNIVERSO é na verdade a geradora das quatro Forças universais


já mencionadas que na sua estrutura e natureza estão dispondo de ONDAS que são TRANSVERSAIS,
ao passo que a QUINTA FORÇA é uma FORÇA que se faz transportar por uma ONDA LONGITUDINAL
e sendo portadora da INFORMAÇÃO do CRIADOR.

Surpreendente aqui será verificarmos de que a QUINTA FORÇA ou a FORÇA CRIADORA, é


igualmente portadora do PENSAMENTO UNIVERSAL que na verdade é o PENSAMENTO do GADU
(Grande Arquiteto do Universo) e esta QUINTA FORÇA está de igual modo presente em nós seres
humanos através da emissão dos nossos próprios pensamentos e que obedecendo às leis naturais e
imutáveis do Universo, verificamos que no campo da espiritualidade polos iguais se atraem e polos
diferentes se repelem, precisamente o oposto ao que está ocorrendo na matéria e onde polos iguais
se repelem e polos diferentes se atraem!

Assim e na perspetiva da NOVA ESCOLA DA MAÇONARIA OPERATIVA – PRINCÍPIOS


BÁSICOS, título dado ao nosso novo livro que aqui estamos apresentando hoje, ali está desenvolvida
a componente científica do RITO UNIVERSAL, demonstrando a importância que a Metafísica desde
sempre tem vindo a ter para com o próprio desenvolvimento da CIÊNCIA!

Podemos aqui afirmar de que a NOVA ESCOLA DA MAÇONARIA OPERATIVA se encontra


intimamente ligada à NOVA TEORIA QUÂNTICA!

Na verdade, a NOVA ESCOLA DA MAÇONARIA OPERATIVA é uma Maçonaria de


TRANSIÇÃO uma vez que vai transitar dos seus três primeiros graus – Aprendiz; Companheiro e
Mestre, fundamentados na “Lenda de Hiram” e que no presente caso vai corresponder aos três

260
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

primeiros graus do RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO para os últimos quatro graus que passam a
ser ALTOS GRAUS OPERATIVOS, observando-se, assim, de que o RITO UNIVERSAL – RNP – RITO
NACIONAL DE PORTUGAL, está dispondo de SETE GRAUS! Três simbólicos e especulativos e quatro
altos graus operativos ou científicos!

Estes quatro Altos Graus Operativos poderemos considerá-los que em termos bíblicos vão
corresponder à “Lenda de Melquisedeque,” uma personagem sacerdotal importante e misteriosa da
Bíblia que tinha a capacidade de se manifestar fisicamente em diferentes épocas no Tempo; Este
mesmo extraordinário fenómeno ocorre de igual modo com o primeiro Imperador da China – FO-HI,
o criador do famoso livro sagrado chinês, chamando “I Ching” ou o “Livro Chinês das Mutações”; O
que tudo está indicando que estas duas personalidades foram chamadas de “MESTRES SECRETOS
DO TEMPO”, em que o conhecido escritor e investigador de nome JACQUES BERGIER, veio a dar
como título ao seu livro “OS MESTRES SECRETOS DO TEMPO”.

Na verdade e com base na NOVA TEORIA DO CAMPO UNIFICADO que vai completar e
aprofundar a Teoria da Relatividade Geral e em que é o seu principal criador o nosso Ilustre Amigo
Cientista, JORGE BARCELLOS, de nacionalidade brasileira e residente na cidade de Moscovo – Rússia,
nesta sua surpreendente teoria quântica poderemos reconhecer ser ela “o Santo Graal” da Física, a
qual, irá permitir abrir duas importantes vias ou janelas para a “navegação no Tempo”, progredindo
ou regredindo!

Não nos poderá vir a surpreender de que aqui está presente um futuro candidato ao Prémio
Nobel da Física!

A primeira VIA é precisamente a navegação no Tempo numa restrita base material/quântica,


a qual, por si mesma iria exigir simplesmente um investimento em recursos técnicos e financeiros
verdadeiramente astronómicos;

Enquanto a segunda via, a que estamos chamando de via psíquica/quântica, poderia ser
considerada estar a “CUSTO ZERO” uma vez que a própria ESCOLA DA MAÇONARIA
OPERATIVA está dispondo de uma MACROCIÊNCIA, a qual, irá permitir ao futuro maçon
operativo, poder “navegar no Tempo”, tanto para o Passado como para o Futuro!

Convém aqui esclarecer de que a Macrociência a que nos estamos referindo, representa a
junção de duas ciências, a primeira de nome: Espiritologia, a Ciência do Espírito e a segunda a Ciência
do Zoísmo – Educação Científica da Vontade!

261
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

De forma muito breve poderemos esclarecer de que a Espiritologia vai fundamentar-se numa
doutrina detentora de princípios científico/espirituais muito avançados designada por – Racionalismo
Cristão, fundada e codificada por um ilustre Maçon Português de nome LUÍS DE MATOS, em 1910
no Brasil;

Quanto à ciência do Zoísmo poderemos igualmente adiantar de que se trata de uma


metodologia oriental de há milénios, adotada hoje na América e na Europa, dividindo-se em quatro
grandes partes e pode ser estudado em um pouco mais de 6 meses ou em cerca de três anos.

A primeira parte – Iniciação vai ensinar-nos o autodomínio pela educação científica da vontade
e a disciplina dos pensamentos; a segunda, o Império Mental vai-nos habituar a confiar em nós
próprios, por exercícios práticos de domínio e de imposição ao “meio”;

A terceira – Zoísmo Elementar, prepara-nos praticamente no robustecimento diário das


faculdades nobres do ser e a quarta – Zoísmo Superior, põe-nos em contato com os maiores
problemas da vida, ensinando-nos a atuar na existência do sentido do BOM e do BELO e
proporcionando-nos exercícios práticos admiráveis de imposição da vontade e de exteriorizações do
pensamento!

Claro! Para alcançar tão ambicioso e surpreendente fim o novo Maçon Operativo terá que se
submeter a uma formação e treinos psicossomáticos prolongados; rigorosos e exigentes!

Na verdade, a Ciência Iniciática do ZOÍSMO, foi introduzida em Portugal pelo Ilustre


Português, e notável Mestre Zoísta, Martins Oliveira, autor de várias e importantes obras dedicadas
ao estudo do ZOÍSMO!

Assim, A NOVA ESCOLA DA MAÇONARIA OPERATIVA, ao ser uma Maçonaria de


TRANSIÇÃO, deixa de ser uma Maçonaria do Espaço para passar a ser uma Maçonaria do Tempo!

Convém aqui esclarecer de que o “PROJETO UNIVERSALIS” é um projeto maçónico, mas de


base CIENTÍFICA e consequentemente sujeito a todo um processo próprio de investigação e estudos
que virão a ter como finalidade avançada o desenvolvimento e execução dos novos trabalhos
operativos da futura geração de Maçons!

Neste mesmo contexto, seria muito interessante que viesse a ser criado um GRUPO DE
TRABALHO, absolutamente INFORMAL formado por Maçons e não Maçons que viessem a abraçar a
importante tarefa de estudar e dar “corpo” ao RITO UNIVERSAL, no qual, se está verdadeiramente

262
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

mostrando ser distinto em relação aos ritos existentes e tradicionais devido ao facto de a sua filosofia
e estrutura poderem ser adaptadas por povos de diferentes culturas.

E para que possam ser provadas estas nossas afirmações sobre a capacidade de adaptação
cultural do RITO UNIVERSAL, temos já pronto para publicação um novo livro dedicado ao RITO
UNIVERSAL – RITO NACIONAL DA CHINA!

Na verdade, será importante aqui destacar de que a NOVA ESCOLA DA MAÇONARIA


OPERATIVA é efetivamente um renascimento da MAÇONARIA OPERATIVA dos Antigos Mestres
Construtores da IDADE Média e que nos inícios do Século XVIII veio a dar lugar à nova Maçonaria a
que chamamos hoje de “Maçonaria Simbólica e Especulativa!”

Simplesmente os novos trabalhos operativos dos Maçons, vão obedecer a novos e diferentes
esquemas fundamentados em princípios avançados de Espiritualidade e no conhecimento científico!

263
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O PAPEL DA MAÇONARIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – UM BALUARTE NA DEFESA DOS


DIREITOS HUMANOS
GLSP162

Maçonaria Resumo
Palavras-chave

Direitos Humanos A Maçonaria teve uma profunda influência nos principais movimentos
Direitos Fundamentais progressistas e libertadores ocorridos em Portugal nos últimos 250 anos. Devido
Liberdade
aos seus ideais de tolerância, de justiça, de defesa da liberdade, da igualdade e da
fraternidade, a Maçonaria foi vítima em Portugal de sucessivas perseguições e
tentativas de exterminação por parte de poderes mais autoritários. A Maçonaria
continua hoje a trabalhar para o bem da Humanidade, não aceitando dogmas,
intolerância, sectarismos e a ignorância, no respeito pela sua tradicional divisa:
Liberdade, Igualdade, Fraternidade. A Maçonaria hoje deve manter-se sempre na
linha da frente na defesa dos Direitos Humanos, da tolerância, da democracia, da
natureza, do ambiente e na luta contra as alterações climáticas. A Maçonaria deve
contribuir ativamente para o progresso da Humanidade, lutar pela justiça social
através da elevação moral e espiritual de cada um, praticando a tolerância e
respeitando a liberdade absoluta de consciência política e religiosa. Em Portugal
iniciou-se recentemente a discussão de várias propostas de alguns partidos
políticos na Assembleia da República que propõem a obrigatoriedade de
declaração de pertença à Maçonaria de titulares de cargos públicos. Estas
propostas legais são antidemocráticas e inconstitucionais e violam os direitos
fundamentais da intimidade, da reserva da vida privada, da liberdade de
consciência, de religião e de culto, consagrados na Constituição da República
Portuguesa e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O PAPEL DA MAÇONARIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – UM BALUARTE NA DEFESA DOS


DIREITOS HUMANOS

1. A Grande Loja Simbólica de Portugal – G∴L∴S∴P∴ – é a terceira obediência maçónica


portuguesa.

Pauta-se por uma grande discrição das suas atividades e tem uma grande ligação institucional
ao Grande Oriente de França (maior obediência maçónica da Maçonaria Liberal do mundo).

Não se envolve em questões políticas ou económicas privilegiando o domínio filantrópico,


social e o desenvolvimento intelectual/espiritual dos seus membros respeitando a Liberdade
Absoluta de Consciência.

Foi a primeira Obediência Maçónica, em Portugal, a praticar o Rito Antigo e Primitivo de


Memphis Misraim, de uma forma regular.

162
G∴L∴S∴P∴ | Grande Loja Simbólica de Portugal - Maçonaria Portuguesa.

264
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Atualmente, nas nossas Lojas Maçónicas, são praticados o Rito Escocês Antigo e Aceite, Rito
Antigo e Primitivo Memphis Misraim, Rito de Emulação e York, legitimado pelas Cartas
Patentes do Grande Oriente de França.

A Grande Loja Simbólica de Portugal é membro das três maiores Organizações Maçónicas
internacionais:

CLIPSAS – Centro de Ligação e de Informação das Potências Maçónicas Signatárias do Apelo


de Estrasburgo (maior organização maçónica mundial);
AME – Alliance Maçonnique Européenne (Maior organização maçónica europeia);
UMM – Unione Massonica del Mediteraneo.

2. A Maçonaria é “uma Ordem iniciática e ritualista, universal e fraterna, filosófica e progressista,


baseada no livre-pensamento e na tolerância, que tem por objetivo o desenvolvimento
espiritual do homem com vista à edificação de uma sociedade mais livre, justa e igualitária”
(António Arnaut, Introdução à Maçonaria, p. 17).

As origens da Maçonaria perdem-se na memória dos tempos, sendo controversas as suas


raízes primordiais, apontando alguns investigadores para épocas próximas de 5.000 anos
antes da era vulgar e em civilizações e locais tão variadas como a Pérsia, o Antigo Egipto, a
Grécia Antiga, Roma, ou até a Ordem dos Templários.

Em termos históricos, contudo, apenas é seguro afirmar-se que as origens da Maçonaria se


encontram profundamente relacionadas com as associações de artistas da antiguidade,
nomeadamente do Egito, da Grécia, de Roma e corporações de pedreiros da Idade Média.

Estes homens tinham profundos conhecimentos de técnicas, de conceitos científicos e


artísticos.

Neste contexto nascem as primeiras corporações de arquitetos, escultores e artistas da pedra,


que gozavam de alguns privilégios concedidos pelos poderes da época.

Estes conhecimentos eram sigilosos e vedados a terceiros, dado que a sua divulgação pública
implicava a perda desses direitos, sendo apenas transmitidos, de forma secreta, de Mestres
a discípulos com determinadas características éticas de exigência e com um ritual específico.

265
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Desta forma nasceu a Maçonaria Operativa.

Alguns séculos mais tarde, no contexto de profundas transformações políticas e sócio-


económicas ocorridas na Europa e com o aparecimento de novas profissões e classes sociais
com influência na sociedade, a Maçonaria Operativa transformou-se em Maçonaria Filosófica
ou Especulativa, tendo como objetivo o aperfeiçoamento da sociedade, a construção de um
mundo melhor, mais igual, livre e fraterno.

No dia 24 de Junho de 1717, dia de São João Baptista, reuniram-se em Londres quatro lojas
deliberando criar a Grande Loja de Londres, marcando esta data como o início da Maçonaria
Filosófica ou Especulativa.

James Anderson redigiu um conjunto de princípios Maçónicos, que vieram a ficar conhecidos
como as “Constituições de Anderson”, que ainda nos nossos dias constituem a base jurídica
da Maçonaria.

3. A Maçonaria teve uma profunda influência nos principais movimentos progressistas e


libertadores ocorridos em Portugal nos últimos 250 anos: nomeadamente na inspiração dos
movimentos liberais (no século XIX), na instituição da República (no início do século XX), ou
na consolidação do regime democrático (no final do século XX, tendo por exemplo uma
influência decisiva na criação do Serviço Nacional de Saúde).

Devido aos seus ideais de tolerância, de justiça, de defesa da liberdade, da igualdade e da


fraternidade, a Maçonaria foi vítima em Portugal de sucessivas perseguições e tentativas de
exterminação por parte de poderes mais autoritários.

Por essa razão, desde o século XVIII a Maçonaria foi perseguida violentamente pela
Inquisição, perseguindo, prendendo e matando muitos maçons nos tristemente famosos
autos-de-fé.

Estas perseguições e execuções de maçons são continuadas com D. Miguel, na sequência


da publicação do “Edital da intendência Geral da Polícia que obrigava os cidadãos a denunciar
a «infame e criminosa seita maçónica» para por cobro ao «nefando e horroroso projecto de
destruir o Altar e o Trono» (António Arnaut, Introdução à Maçonaria, p. 54).

266
O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

O triunfo do liberalismo em Portugal proporcionou o crescimento da Maçonaria em Portugal,


que viria mais uma vez a ser vítima de violentas perseguições após a Revolução de 28 de
Maio de 1926.

Com efeito, o Estado Novo elegeu a Maçonaria como o seu inimigo principal, apresentando
em 19 de Janeiro de 1935 um Projeto de Lei da autoria do deputado José Cabral, que proibia
todas as “associações secretas”, ao mesmo tempo que lhes confiscava todos os seus bens,
visando claramente atacar a Maçonaria.

Várias vozes corajosas levantaram.se contra este Projeto de Lei da Autoria do Deputado José
Cabral, nomeadamente Fernando Pessoa que escreveu um acutilante e demolidor texto que
viria a ser publicado no jornal Diário de Lisboa, em 4 de Fevereiro de 1935.

Neste iluminado artigo (que vale sempre a pena revisitar) escreveu Fernando Pessoa: “Não
sou Maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante ou diferente. Não sou, porém
antimaçon, pois o que sei do assunto me leva a ter uma ideia absolutamente favorável da
Ordem Maçónica” (Fernando Pessoa, Antologia – A Maçonaria vista por Fernando Pessoa e
Norton de Matos, p. 7).

A propósito das perseguições constantes à Maçonaria ao longo da sua existência, importa


referir que “o Fascismo considerou-se sempre inimigo da Maçonaria, inscrevendo a sua
proibição e destruição no programa a defender em qualquer país. (…) Em Fevereiro de 1923,
o Grande Conselho Fascista, presidido por Mussolini, intimou os fascistas a optarem entre
Fascismo e a Maçonaria, considerados inconciliáveis.

Não admira, assim, que em todos os países onde o Fascismo triunfou – fosse qual fosse a
sua forma – ou onde se mostrou preponderante, a Maçonaria tivesse sofrido perseguições
de toda a ordem, que incluíram a prisão, a tortura e a morte para milhares de obreiros.

A proibição das suas atividades foi formalmente decretada na Itália (1925), Alemanha (1933),
Turquia (1935), Roménia (1937), Áustria (1938), Hungria (1938), Polónia (1938), Espanha
(1936-1939), Tchecoslováquia (1939), Iugoslávia (1940), Bulgária (1941), etc.” (A. H. de
Oliveira Marques, Dicionário de Maçonaria Portuguesa, Vol. I, p. 552-553).

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Do mesmo modo, também “o comunismo Marxista-Leninista posterior ao triunfo da revolução


russa proscreveu a Maçonaria no 3º (Junho, 1921) e no 4º (Novembro-Dezembro de 1922)
Congressos da III Internacional (Komintern), por influência sobretudo de Trotsky. No 3º
Congresso, proibiu-se aos membros do Komintern que fossem membros de lojas maçónicas.
(…) Mau grado aproximações conjunturais, nomeadamente em França, a Maçonaria continua
a ser condenada pela ortodoxia marxista-leninista, definindo-a a oficiosa Sovietskaia
Entziklopedia (“Enciclopédia Soviética”, edição de 1954, vol. 26, p. 442 sub voc.
“Massonstvo”) como “um dos movimentos mais reacionários dos países capitalistas”,
afirmando que “ ao proclamar a fraternidade universal nas condições de antagonismo das
classes, contribuía para reforçar a exploração dos homens, visto afastar as massas
trabalhadoras do combate revolucionário.” (…) Assim, não admira que a Maçonaria tivesse
sido proibida em quase todos os Estados onde triunfou o comunismo: União Soviética (1917-
18), Bulgária (1946), Roménia (1948-52), China (1949), Hungria (1950), Tchecoslováquia
(1951), etc.” (A. H. de Oliveira Marques, Dicionário de Maçonaria Portuguesa, Vol. I, p. 375-
376).

Em suma, a Maçonaria tem sido sistematicamente perseguida pelos poderes totalitários e


intolerantes.

4. A Maçonaria continua hoje a trabalhar para o bem da Humanidade, não aceitando dogmas,
intolerância, sectarismos e a ignorância, no respeito pela sua tradicional divisa: Liberdade,
Igualdade, Fraternidade.

A Maçonaria hoje deve manter-se sempre na linha da frente na defesa dos Direitos Humanos,
da tolerância, da democracia, da natureza, do ambiente e na luta contra as alterações
climáticas.

A Maçonaria deve afastar-se das lutas político-partidárias, mas sem nunca deixar de contribuir
ativamente para o progresso da Humanidade, lutar pela justiça social através da elevação
moral e espiritual de cada um, praticando a tolerância e respeitando a liberdade absoluta de
consciência política e religiosa.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

Por estas razões “a Maçonaria é um humanismo: sempre esteve, e deve continuar a estar, ao
serviço do aperfeiçoamento moral e intelectual do homem para a construção de uma
sociedade melhor” (António Arnaut, Introdução à Maçonaria, p. 73).

Recentemente em Portugal iniciou-se a discussão de várias propostas de alguns partidos


políticos na Assembleia da República que propõem a obrigatoriedade de declaração de
pertença à Maçonaria de titulares de cargos públicos,

A Maçonaria nos seus mais de 300 anos de existência só se tornou incómoda,


nomeadamente, quando se bateu pelo fim da escravatura, pelos Direitos Humanos e pela
democracia.

Estas propostas legais são antidemocráticas e inconstitucionais e violam frontalmente os


princípios da intimidade da reserva da vida privada, da liberdade de consciência, de religião
e de culto, previstos nos artigos 26º e 41º da Constituição da República Portuguesa.

Estas propostas são, assim, violadoras dos direitos fundamentais da intimidade, da reserva
da vida privada, da liberdade de consciência, de religião e de culto, consagrados na
Constituição da República Portuguesa e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

À Maçonaria cabe a tarefa de combater os dogmas, todas as formas de opressão, o terror, a


miséria, o sectarismo, a corrupção e a violação dos Direitos Humanos.
Como afirmou Fernando Pessoa no acima citado artigo publicado no Diário de Lisboa, em 4
de Fevereiro de 1935, deixem a “Maçonaria aos maçons e aos que, embora o não sejam,
viram, ainda que noutro Templo, a mesma Luz.”
Deixem isso tudo, e no próximo dia 20 de Setembro, se quiserem, vamos juntos ao Rossio,
em Lisboa. E calha bem porque será 20 de Setembro – o aniversário do primeiro auto-de-fé
praticado pela Inquisição em Portugal, em 1540, precisamente no Rossio. E onde hoje
curiosamente se encontra erguida a estátua de D. Pedro IV, que foi Grão-Mestre da
Maçonaria.

Daniel Boone

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Ambelain, Robert (2004), A Antiga Franco-Maçonaria, São Paulo, Madras Editora.

Anes, José Manuel (2014), Uma Introdução ao Esoterismo Ocidental e suas Iniciações (2ª
ed.), Lisboa, Arranha-Céus.

Arnaut, António (2012), Introdução à Maçonaria (7ª ed.), Coimbra, Coimbra Editora.

Figueiredo 33º, Joaquim Gervásio de (s.d.), Dicionário de Maçonaria (4ª ed.), São Paulo,
Editora Pensamento.

Maltez, José Adelino (2011), Abecedário Simbiótico, Lisboa, Campo da Comunicação.

Marques, A. H. de Oliveira (1986), Dicionário de Maçonaria Portuguesa, (Vols. I – II), Lisboa,


Editorial Delta.

Martin-Albo, Miguel (2012), A Maçonaria Universal (4ª ed.), Lisboa, Bertrand Editora.

Pessoa, Fernando & Matos, Norton de (s.d.), Antologia A Maçonaria vista por Fernando
Pessoa e Norton de Matos, Porto, Almagráfica.

Pessoa, Fernando & Pike, Albert (2015), A Origem e os Ensinamentos da Maçonaria, São
Paulo, Madras Editora.

Santos, Ana Margarida (2017), A Maçonaria Egípcia em Portugal, Lisboa, Edições Ex-Libris.

Santos, Manuel Pinto dos (2012), Dicionário da Antiga e Moderna Maçonaria, Lisboa.

Ventura, António (2013), Uma História da Maçonaria em Portugal 1727-1986, Lisboa, Círculo
de Leitores.

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O papel da Maçonaria na sociedade contemporânea

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