D. Das Coisas - 23â Aula - 2010
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1.- Generalidades
A lei Poetelia Papiria aboliu a execução contra a pessoa do devedor, instituindo a responsabilidade
sobre os seus bens, se a divida não procedia de delito. A partir desta lei o patrimônio dos devedores
passou a responder pelas suas dívidas e não o seu corpo.
Essa garantia geral incidente sobre o patrimônio do devedor, no entanto, por vezes, não é eficaz para
o credor, pois os débitos podem superar o patrimônio daquele, fato que torna o devedor insolvente.
Para afastar esse inconveniente os credores procuram cada vez mais constituir melhores garantias,
visando o recebimento do seu crédito, ao invés de dependerem apenas da garantia geral representada
pelo patrimônio do devedor. Assim, surgiram as garantias pessoais ou fidejussórias e as reais.
Na garantia pessoal ou fidejussória uma terceira pessoa se obriga pela dívida, por meio de fiança, e se
o devedor principal não pagar cabe ao fiador fazer o pagamento. Na garantia real, ao contrário, o
próprio devedor, ou alguém por ele, oferece bens para assegurar o pagamento da dívida.
O que deve ser ressaltado é que as garantias reais são mais eficazes do que as garantias pessoais. De
fato, na garantia real um bem determinado fica vinculado pelo pagamento da dívida, sendo que daí
em diante não importa o que acontecer com o patrimônio do devedor, se vier a falir o credor não será
prejudicado pois já tem a garantia de receber o seu crédito, através do produto da venda do bem que
foi penhorado ou dado em hipoteca. E no caso da anticrese pode explorar a coisa dada em garantia até
satisfazer o seu crédito.
O CC brasileiro no artigo 1419 menciona três garantias reais: penhor, hipoteca e anticrese. Outra
garantia real prevista na lei é a alienação fiduciária.
Em princípio os direitos reais de garantia distinguem-se quanto ao objeto, porque o penhor recai sobre
coisas móveis e a hipoteca e a anticrese sobre coisas imóveis. Nos dias de hoje essa distinção não é
absoluta, pois existe penhor sobre coisa imóvel e hipoteca sobre coisas móveis, caso de navios e
aeronaves.
Outra forma de distinção é feita a partir da titularidade da posse do bem dado em garantia. Assim, no
penhor e na anticrese o bem é entregue ao credor, que passa a ser possuidor direto. Na hipoteca o bem
fica em poder do devedor, ou de quem dá em garantia não ocorrendo o deslocamento da posse. Esse
critério de distinção também não é absoluto, uma vez que existem hoje espécies de penhor em que o
bem continua em poder do devedor.
Quanto à forma do credor exercer o seu direito de garantia quanto ao penhor e à hipoteca, não se
confunde com a forma em como se exerce o direito de anticrese. Nos dois primeiros casos o credor
aliena o bem dado em garantia, em hasta pública, e com o preço apurado satisfaz o seu crédito
preferencialmente. Na anticrese não há venda da coisa oferecida em garantia. No caso concreto o
credor retém a coisa até o pagamento integral da dívida.
Penhor a hipoteca e a anticrese são direitos reais acessórios, pois dependem da obrigação que
garantem e são munidos de prerrogativas específicas: seqüela e preferência. Sendo direitos acessórios
seguem o destino da coisa principal, isto é, se desaparece a obrigação principal desaparece o direito
real e a garantia. A situação inversa não é verdadeira.
Os direitos reais de garantia não se confundem como os direitos de gozo ou de fruição, pois o credor
mesmo na posse da coisa oferecida em garantia, não pode tirar utilidades dela. Os direitos reais de
garantia são acessórios, como se disse, enquanto os direitos reais de gozo são autônomos.
Os direitos reais de garantia e as ações que os asseguram são consideradas como bens imóveis, art.80,
I do CC.
O artigo 1.420 do CC exige para constituir o direito real de garantia a capacidade geral e também a
capacidade de alienar. Essa capacidade de alienar faz-se necessária porque, se a dívida não for paga, o
bem dado em garantia deve ser alienado em hasta pública. Tudo isso significa que a regra geral é a de
que só o proprietário, detentor do direito de livre disposição da coisa, pode dar bens em garantia.
Assim, não podem dar bens em garantia: a) os menores de 16 anos de idade, pois são absolutamente
incapazes. Todavia, se necessário e útil aos menores, podem os pais destes constituir garantias reais
com os bens dos filhos, desde que autorizados judicialmente (artigo 1.691 do CC) ; b) os
relativamente incapazes, maiores de 16 e menores de 18 anos, só podem dar bens em garantia, se
estiverem assistidos e a autoridade judicial autorizar; c) os menores sob tutela também podem
constituir direitos reais de garantia se assistidos pelo tutor e autorizados pelo juiz (art.1.748, IV e
1.750 do CC); d) na mesma situação se encontram os interditos em geral, só podem dar bens em
garantia, se representados e autorizados judicialmente (art. 1.781 do CC); e) os pródigos não podem
constituir garantias oferecendo os seus bens, salvo se estiverem assistidos por seu curador, dispensada
a autorização judicial (artigo 1782 do CC0; f) questão interessante e diferenciada diz respeito à
possibilidade das pessoas casadas poderem constituir garantias reais. A questão tem vários ângulos
de análise, vejamos: 1) na vigência do casamento, salvo se o regime de bens, for o de separação
absoluta, o cônjuge só pode constituir garantia real sobre bens imóveis (a vedação não se estende ao
penhor que incide sobre bens móveis ), com a autorização do outro, pena de nulidade do ato de
constituição, segundo o art. 1.649 do CC; 2) quando o regime de bens for o de comunhão de
aqüestos, se as partes convencionarem a livre disposição dos bens imóveis (art. 1.656 do CC), haverá
permissão para que um dos cônjuges sem anuência do outro, possa constituir a garantia real. As
regras em discussão não se aplicam aos companheiros. Se um deles alienar ou der bens em garantia,
não haverá a anulação do ato, mas simples indenização por perdas e danos, preservando-se o bem
com o terceiro de boa-fé; g) quanto ao inventariante também não é permitido oferecer bens do
espólio em garantia, salvo se houver autorização judicial. O herdeiro, no entanto, não está impedido
de dar o seu quinhão em garantia, pois o artigo 1.793 do CC permite-lhe ceder o seu quinhão, através
de escritura pública, e quem pode o mais pode o menos. Repare-se que o herdeiro não pode, pena de
ineficácia, dar em garantia bens da herança, pois até à partilha não se sabe o que lhe caberá. No
entanto, se o bem dado em garantia sair na partilha ao herdeiro, o direito de garantia produzirá todos
os seus efeitos a partir de sua constituição (art. 1.420 § 1º); h) no que diz respeito ao falido e ao
mandatário também estão impedidos de constituir garantias reais. O primeiro pelo fato de não estar na
administração dos bens, e após a declaração da quebra. A garantia pode ser constituída com
autorização judicial, depois de ouvido o comitê da falência (artigos 102 e 66 da Lei de falências).
Quanto ao segundo só não pode constituir a garantia, se não tiver poderes especiais e expressos.
Questão interessante diz respeito à possibilidade de ascendente hipotecar bens a favor de descendente.
Alguns entendem que é vedado, na esteira da proibição do artigo 496 do CC. Carlos Roberto
Gonçalves entende que pode, pois se assim não for haveria cerceamento do direito de propriedade.
Todavia, havendo o direito real de garantia, estaria o ascendente proibido, se não paga a dívida, dar o
bem em garantia em dação em pagamento, pois aí estaria havendo burla à lei que busca impedir
fraudes à igualdade de quinhões dos herdeiros.
Quanto à possibilidade do condômino, no condomínio edilício, dar em garantia a sua fração ideal o
artigo 1.420 § 2º autoriza, sem restrições. Para que toda a coisa em comum possa ser dada em
garantia precisa do assentimento de todos os condôminos. No condomínio geral o artigo 1.314 repete
a mesma regra.
Os requisitos formais são necessários para que os direitos reais de garantia tenham eficácia. Estes
requisitos são a especificação (artigo 1.424 do CC), e a publicidade. O primeiro requisito diz respeito
à descrição completa do bem dado em garantia, do valor do crédito e da forma do pagamento e das
taxa de juros se houver. Quanto ao requisito da publicidade é decorrente do registro do contrato no
CRI (caso de hipoteca, anticrese e penhor rural), ou no Cartório de títulos e documentos (caso de
penhor convencional). A finalidade da especificação é demonstrar a situação econômica do devedor
para terceiros que com ele pretendam negociar, além de estabelecer quais os bens que ficam de fora
de possível execução promovida por credores quirografários.
Anote-se que a falta dos requisitos acima não levam à nulidade do contrato de direito real de garantia,
mas apenas a sua ineficácia em relação a terceiros, eis que ausentes as características dos direitos
reais. Nesse caso o contrato terá apenas valor como direito pessoal, ficando o credor privado da
seqüela e da preferência, restando-lhe apenas o direito de participar no concurso de credores, na
condição de credor quirografário.
São quatro os efeitos dos direitos reais de garantia: a preferência, a seqüela, a excussão e a
indivisibilidade. Os três primeiros estão previstos no artigo 1.422 do CC e o quarto no artigo 1.421 do
mesmo diploma legal.
O direito de preferência (ou prelação) consiste no direito do credor em pagar o seu crédito com o
produto da venda do bem oferecido em garantia, excluídos os demais credores. Estes terão direito às
sobras se for o caso. Se o valor do bem alienado em hasta pública for insuficiente o credor titular do
direito real de garantia continuará credor pela diferença, mas agora como credor quirografário.
O direito de preferência não beneficia o credor anticrético. Este credor não tem direito de vender o
bem dado em garantia, pois apenas lhe cabe o direito de explorar o bem até pagar o seu crédito (artigo
1.423 do CC). O direito máximo de retenção do bem é de quinze anos a contar da constituição da
anticrese.
O crédito real prefere ao pessoal ainda que seja privilegiado especial ou geral (art..961 do CC). Mas
existem algumas exceções a este princípio. Realmente, as custas judiciais com a execução
hipotecária; as despesas feitas com a conservação da coisa, por terceiro, com a anuência do credor e
do devedor, depois da constituição da hipoteca; a dívida proveniente de salário de trabalhador
agrícola, pelo produto da colheita para a qual tenha concorrido com o seu trabalho. Os impostos e
taxas devidos à Fazenda Pública; também os créditos trabalhistas, até ao limite de cento e cinqüenta
salários mínimos, por credor; os créditos de correntes de acidente de trabalho também são pagos
preferencialmente (art.83/84 da Lei de falência).
O direito de seqüela é o direito de perseguir e reclamar a coisa de quem injustamente a possua, para
sobre ela poder exercer o direito de excussão. Assim, se alguém adquire bem hipotecado corre o risco
de ver sua propriedade levada a praça pública, para pagamento da dívida que está a garantir.
O direito de excussão é nada mais do que o direito do credor em vender a coisa dada em garantia em
hasta pública desde que a dívida esteja vencida e não paga. Com o valor da venda dos credores serão
pagos na ordem de preferência.
Os direitos reais de garantia são indivisíveis (artigo 1.421 do CC). Este princípio não é absoluto,
pois as partes podem convencionar em contrário. Significa que o pagamento parcial da dívida não
libera a garantia na proporção do pagamento feito.
O artigo 1.429 estabelece que os sucessores do devedor não podem liberar da penhora ou da hipoteca
apenas o seu quinhão, pagando o débito relativo ao quinhão, mas poderão liberar o todo pagando a
dívida integralmente.
A jurisprudência vem aceitando uma única hipótese de divisão da garantia. Isso ocorre nos casos de
incorporação, quando o incorporador não quita o financiamento e o financiador executa a hipoteca
incidente sobre a construção. Nesse caso, os tribunais vêm liberando os apartamentos dos
condôminos que já pagaram integralmente o seu valor, ou se encontram em dia com o pagamento dos
encargos mantendo-se apenas a hipoteca sobre as áreas comuns e a ração ideal do terreno. E o que
estabelece a Súmula 308 do STJ.
O artigo 1.425 estabelece as situações que levam ao vencimento antecipado da dívida. Os fatos
mencionados no artigo 1.425 representam situações em que o credor tem diminuída a possibilidade de
receber o seu crédito, se tiver de aguardar o termo do vencimento. Assim, para evitar prejuízos
desnecessários o legislador permite o vencimento antecipado da dívida de modo a que o credor tome,
de imediato, as providências destinadas a fazer valer o seu direito de excutir de imediato a hipoteca
ou o penhor.
Outras causas de vencimento antecipado podem ser fixadas pelas partes no contrato, além das
previstas nos artigos 1.425 e 333 do CC. Por ex. vencimento antecipado em caso de segunda hipoteca
sobre o mesmo imóvel.
Outra coisa é a insolvência ou falência do devedor. Neste caso todas as dívidas do devedor vencem
antecipadamente para que se possa instalar o concurso de credores. Só que o credor com garantia real
não está sujeito a esse concurso, pois tem preferência de receber o seu crédito com a venda da coisa
dada em garantia.
Quando a coisa dada em garantia perecer e não for substituído. Se couber indenização em caso de
perda o credor sub-roga-se na coisa destruída, assistindo ao credor o direito de preferência até
completo reembolso. Só ocorre o vencimento antecipado no caso de perecimento total da coisa.
Quando há vencimento antecipado não se computam os juros compensatórios das parcelas vencidas
antecipadamente.
A garantia real prestada por terceiro, salvo estipulação em contrário, não transforma o terceiro em
devedor, obrigado pessoalmente com o co-devedor ou fiador. Por esse motivo, em caso de
deterioração ou perda, não é obrigado a substituir o bem ou dar reforço de garantia. Se a coisa for
vendida e for insuficiente para pagar a dívida, o terceiro não está obrigado pelo restante, mas sim o
devedor.
Os únicos casos que permitem ao credor acionar o terceiro para que faça a substituição ou reforço da
garantia ocorrem quando este se obriga a isso contratualmente ou quando age com culpa.
O credor não pode ficar com a coisa dada em garantia quitando a dívida ( artigo 1.428 do CC). Essa
proibição visa evitar a usura e é de ordem moral. Assim, o credor só poderá excutir o bem, restituindo
ao devedor o saldo após a quitação da dívida.
Nada impede, no entanto, que após o vencimento da dívida o devedor entregue a coisa ao credor em
pagamento, se este aceitar. Aqui fala-se em dação em pagamento que decorre da livre manifestação
de vontade do devedor, que pode ou não fazê-lo.
Sempre que o bem dado em garantia é alienado e o valor alcançado não pagar integralmente a dívida
garantida, o devedor responde pela diferença. O credor, no entanto, deixa de ser credor com garantia
real, passa a ser credor quirografário. Sem necessidade de outra execução, no mesmo processo pode
pedir a citação do devedor para a diferença, em três dias ou nomear bens à penhora. Em caso de
penhora e se houver outros credores o valor de venda será rateado entre todos os credores.
QUESTIONÁRIO