Ledo Passos Ecologia Aplicada 2022
Ledo Passos Ecologia Aplicada 2022
Ledo Passos Ecologia Aplicada 2022
Ecologia Aplicada
Para Carreiras Técnicas Ambientais
Brasília, DF - 2022
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA DE BRASÍLIA
PRÓ-REITOR DE ADMINSTRAÇÃO
Rodrigo Maia Dias Ledo
Edição digital.
ISBN: 978-85-64124-80-5
CDU 502.14
Sinopse
APRESENTAÇÃO...........................................................13
REFERÊNCIAS............................................................218
14
de livros nessa área de conhecimento. Ainda de forma alternativa,
este livro pode ser utilizado por alunos(as) dos primeiros anos de
cursos superiores em áreas ambientais diversificadas.
Gostaríamos de ressaltar também a nossa dificuldade em en-
contrar bons materiais de legislação ambiental para cursos téc-
nicos. A carência é notável! Claro que se fizermos uma busca na
internet de livros na área de Direito Ambiental, certamente en-
contraremos arquivos importantes e de relevância. Contudo, se
filtrarmos essa busca para livros aplicados à área técnica, dificil-
mente encontraremos algum. Sabemos que o direito ambiental
é altamente multidisciplinar, pois este depende muito de outras
disciplinas, a maioria externa ao próprio Direito (como Ecologia),
para sua compreensão e aplicação. Muitos conceitos relativos ao
meio ambiente não provêm do Direito; mas, sim, de outros ramos
das ciências naturais, como ecologia, meio ambiente, ecossistema, es-
pécie, biodiversidade, patrimônio genético, manejo ecológico, dentre
outros. Segundo Antunes (2010), a complexidade dos ecossiste-
mas e das múltiplas interações existentes em seu interior demons-
tram a total impossibilidade da adoção dos métodos tradicionais
do direito para a compreensão desta nova realidade. Vê̂-se, cla-
ramente, que o jurista, o estudante de direito e o aluno de curso
técnico que lida diariamente com as normas técnicas e jurídicas
para fazer o seu trabalho, deverá buscar na ecologia moderna con-
ceitos básicos para a proteção ambiental desejada pela socieda-
de. Diante disso, criamos uma parte especial para tratarmos das
legislações ambientais mais importantes para o desempenho de
carreiras técnicas ambientais, com explicações acessíveis sobre o
desenvolvimento da questão ambiental no ordenamento jurídico
15
brasileiro e destaque às leis mais importantes relativas ao meio
ambiente.
Ao longo das páginas que virão, abordaremos temas básicos e
centrais em ecologia e meio ambiente, contudo também traremos
diversas aplicações dessa ciência para problemas ambientais do
século XX e XXI, que é demanda social e objeto de estudo nas
diversas carreiras técnicas ambientais no atual momento. Espe-
ramos que esta obra possa capacitar técnicos em formação conti-
nuada, assim também como futuros técnicos em formação.
Cordialmente,
16
CAPÍTULO 1
18
para serem capturadas; e onde e quando seus predadores eram
encontrados, para serem evitados. As estruturas sociais humanas
posteriores já continham agricultores e provavelmente eram ainda
mais sofisticadas: conheciam o funcionamento da sua fonte de
alimento e já aplicavam esse conhecimento para seu próprio
benefício, manejando suas fontes de alimento e as domesticando.
Estes próximos “ecólogos” eram, portanto, semelhantes a “ecólogos
aplicados”, procurando entender a distribuição e a abundância de
organismos a fim de aplicar aquele conhecimento para si próprios.
Como resultado, deixaram de ser nômades, conseguiram produzir
mais alimento e as estruturas sociais permitiam mais pessoas con-
vivendo e trabalhando juntas, em relações sociais mais complexas,
como na artesania e na religião.
Essa breve introdução tem o objetivo de destacar a enorme
dependência que a espécie humana tem da natureza que o cerca,
além de destacar uma vontade interna do ser humano em descre-
ver as coisas ao seu redor, a fim de melhor compreendê-las e de
tentar explicá-las. Isso não é diferente para nenhuma das ciências,
sobretudo para a Ecologia. Apesar de temas ecológicos existirem
desde o surgimento da humanidade, com destaques na Grécia de
Aristóteles e com exemplos práticos na seleção de variedades ve-
getais em diversas sociedades pré-colombianas (ex.: milho), essa
disciplina se firma como ciência semelhante a que estudamos
atualmente a partir do século XIX.
Antes do termo “Ecologia” ser cunhado, os assuntos dessa
disciplina estavam enquadrados de forma dispersa nos textos de
diversos naturalistas e dentro de um escopo conhecido como Eco-
nomia da Natureza, da qual Carl von Linné (o pai da taxono-
19
mia) é precursor, no século XVIII. Algumas décadas mais tarde,
na transição entre o séc. XVIII e XIX, Alexander von Humboldt
realizou uma grande expedição pelas Américas Central e do Sul
com o objetivo de compreender como as condições físicas da Ter-
ra alteravam a distribuição da vida vegetal e animal. No mesmo
período, o brasileiro José de Bonifácio D’Andrada-e-Silva, im-
portante figura no processo de independência do Brasil e defen-
sor do fim da escravidão, era um profícuo estudante e defensor
dos princípios da Economia da Natureza. Por fim, grandes nomes
como os de Alfred Russel Wallace e Charles Darwin também pro-
duziram muito conhecimento nessa área no século XIX, apesar
de serem mais conhecidos por suas teorias evolucionistas1. Após
esses naturalistas, a palavra Ecologia foi utilizada pela primeira vez
pelo cientista alemão Ernest Haeckel, em 1869, trazendo novos
significados à Economia da Natureza de Linné. Ecologia deriva do
grego oikos, que significa casa; e logos, estudo (ou seja, o estudo
da casa). Segundo Haeckel, Ecologia significa o estudo científico
das interações dos organismos entre si e deles com seu ambiente.
Essa definição ressalta que todos os organismos vivos não se com-
portam de forma independente, mas fazem parte de uma teia de
relações, sejam elas tanto do tipo organismo-organismo quanto
do tipo organismo-ambiente.
A definição de Ernest Haeckel para Ecologia tem sido ampla-
mente utilizada na literatura desde então. Contudo, muitas vezes
os ecólogos não conseguem determinar as interações claramente,
mas sim o resultado delas no aumento das populações ou na mu-
1 Vale ressaltar que as Teorias evolucionistas de Charles Darwin e Alfred R. Walla-
ce possuíam uma forte base ecológica nas suas explicações, sobretudo na compreensão da
competição como um fenômeno de seleção dos indivíduos mais aptos.
20
dança na distribuição dos organismos. Krebs (1972) sugeriu uma
outra definição de Ecologia, mais simples e abrangente, como o
estudo científico das interações que determinam a distribuição e
a abundância dos organismos. Essa definição é mais simples por
incluir todas as interações possíveis entre os organismos (orga-
nismo-organismo e organismo-ambiente) como “interações” sim-
plesmente e, ainda, por incorporar questões práticas relativas aos
organismos, como a distribuição e a abundância deles. Em outras
palavras, Krebs inclui como parte da definição compreender onde
os organismos ocorrem, quantos ocorrem e o porquê de ocorre-
rem em um lugar. Begon (2007) se apropria dessa definição e a
desmembra em duas partes, sendo uma descritiva(1) e outra ex-
planatória (explicativa)(2), propondo a seguinte definição:
Ecologia é o estudo científico da distribuição e abundância dos orga-
nismos(1) e das interações que determinam a distribuição e a abun-
dância deles(2)
21
ponente explanatório da referida disciplina.
Os ecólogos atuais, diferentemente dos primeiros habitantes
das cavernas descritos no início do capítulo, não têm apenas o
interesse de descrever como a distribuição dos organismos ocor-
re; mas também, o interesse de explicar o porquê da distribui-
ção desses animais ser de uma determinada forma. Ou seja, além
do componente descritivo da natureza, os ecólogos também têm
como objetivo explicar, compreender como a natureza funciona.
Esse componente explanatório/explicativo em Ecologia permi-
te uma maior compreensão do todo, de forma que seja possível
extrapolar um conhecimento de um ambiente para outro, fazer
conjecturas, sínteses e, ainda, projeções de uma época para uma
outra futura. Assim, por meio desse componente explanatório em
Ecologia, é possível prever fenômenos, além de propor formas
de aplicá-la para a solução das mais diversas questões ambientais,
mesmo que elas ainda nem tenham ocorrido de fato (exemplo:
catástrofes relativas às mudanças climáticas globais).
O componente explanatório da Ecologia é muito útil para se
entender o funcionamento da natureza. Todavia, essa compreen-
são pode também ser útil para a resolução de problemas ambien-
tais atuais e futuros, com base na compreensão dos principais
processos que explicam a distribuição dos organismos e de suas
interações. Por exemplo, o lago Paranoá, lago artificial localizado
logo em Brasília – DF, de vez em quando permite o surgimen-
to de uma massa densa, viscosa e de coloração verde em alguns
trechos de sua superfície (Fig.1.2). Analisando esse material de
uma forma mais minuciosa ao microscópio percebemos que essa
massa é formada por inúmeras células de uma espécie específica,
22
Microcystis aeruginosa (Fig.1.2). O interessante é que essa espécie é
altamente tóxica (hepatotóxica) e já esteve envolvida em um caso
de morte generalizada, com pacientes de hemodiálise em Caruaru
– CE. Diante disso se poderia perguntar: mas por que essa espécie
ocorre com tanta abundância nos lagos e demais corpos d’água?
Que fatores permitem que ela, de vez em quando, aumente sua
quantidade de tal maneira que mude o aspecto da superfície de
um lago ou ainda cause tantos danos, inclusive à vida? Tentar
responder à essas perguntas consiste no trabalho do ecólogo, mais
precisamente no componente explicativo/explanatório da disci-
plina em questão. O fato é que essa bactéria (e inúmeras outras)
podem crescer em altas quantidades em corpos d’água que so-
freram a adição de nutrientes em excesso, pelo despejo de lixo e
adubos químicos, fenômeno conhecido como eutrofização.
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Fig.1.2. Floração de bactérias da espécie Mycrocistis aeruginosa em um corpo d’água,
evidenciando a consistência pastosa e a coloração esverdeada do material. Em análise
com microscópio, percebe-se que cada esfera na figura consiste num indivíduo da es-
pécie; e que, mesmo não tão aparentemente, elas estão envolvidas entre si por uma
substância incolor, chamada de bainha de mucilagem. Fotografia: Reuters (acima) e
Wikipédia (abaixo). Licença creative commons BY – AS 3.0.
24
1.2 Como a Ecologia é estudada atualmente?
Após apresentar as melhores definições para o estudo da Eco-
logia, alguém pode se perguntar como ela é realmente estudada,
no dia a dia de um pesquisador. Para se estudar Ecologia são ne-
cessárias algumas delimitações prévias, para que um determina-
do estudo seja feito sem a interferência de fatores indesejados,
e também para que ele possa ser replicado (refeito) sempre que
necessário. Para isso, inevitavelmente, três escalas são delimitadas:
as escalas espacial, temporal e “biológica”. Definir o nível de análise
de cada uma dessas escalas é de suma importância para se efetuar
comparações corretas e para se apropriar de conclusões sustentá-
veis sobre os diversos fenômenos observados nessa ciência.
A escala biológica diz respeito à hierarquia biológica (ta-
xonômica, filogenética ou funcional), podendo começar de um
organismo simples, como uma bactéria, até se chegar à todas as
formas de vida do planeta. Em Ecologia, dividimos essa escala,
tradicionalmente, em quatro níveis:
Corresponde ao indivíduo, incluindo
1. Organismo seus comportamentos, respostas fisioló-
gicas e biológicas.
25
Conjunto de populações de diferentes es-
pécies em um determinado lugar e tempo.
Uma comunidade pode ainda ser suba-
mostrada levando em consideração a
função similar que alguns organismos
desempenham (ex.: guildas – uma guil-
3. Comunidades
da de polinizadores, envolvendo insetos,
pássaros e morcegos) ou a relação de pa-
rentesco (taxocenose ou assembleia; ex.:
taxocenose de roedores, que são todos
mamíferos pertencentes à ordem Roden-
tia).
26
frequentes nesse nível de estudo.
No mundo vivo, não existe uma área tão pequena nem tão
grande que não contenha algum aspecto ecológico que possa ser
identificado e estudado (Fig.1.4). A escala espacial de estudos em
Ecologia pode contemplar, tanto estudos em nível micro; como,
por exemplo, uma célula individual em que duas populações de
patógenos interagem pelos recursos que ela oferece; ou em nível
macro, como por exemplo, sobre os efeitos das mudanças climá-
ticas globais nos padrões de distribuição de aves migratórias. A
delimitação da escala em estudos de Ecologia é essencial para que
se possa realizar comparações entre eles, nas diversas regiões do
globo, e se extrair conclusões.
27
Além dessas escalas “biológica” e espacial, os ecólogos tam-
bém trabalham com uma variedade de escalas temporais, que po-
dem incluir algumas horas ou dias, ou incluir anos, décadas ou até
séculos. Por exemplo, estudos de crescimento bacteriano podem
ser suficientes dentro de algumas horas ou dias de estudo. Depen-
dendo do ambiente, bactérias conseguem se multiplicar muito
rapidamente, a cada vinte minutos por exemplo.
Estudos de sucessão ecológica (processo de colonização e subs-
tituição de espécies de maneira sequencial e contínua num local
perturbado) só podem ser acompanhados em décadas, para in-
cluir todos esses processos de substituição de espécies. Uma ilha
que sofreu erupção vulcânica, por exemplo, provavelmente ficará
sem nenhuma planta sobrevivente. Provavelmente, ela receberá
sementes das primeiras espécies vegetais pelo mar ou por aves mi-
gratórias que usarem a ilha como local de descanso. As primeiras
sementes a sobreviverem e crescerem ali serão, provavelmente,
adaptadas a condições de solo exposto e alta irradiação solar. Essa
espécie coloniza a região e gera, como consequência, sombra e
matéria orgânica para o desenvolvimento de outras espécies vege-
tais. Esse processo sequencial geralmente se prossegue até se atin-
gir um estágio de clímax.
Existem, até então, alguns pesquisadores que tentam enten-
der como o clima e a distribuição e abundância de algumas espé-
cies vegetais variaram, desde épocas muito remotas (por exemplo,
há 21.000 anos, na Última Grande Glaciação) até o presente. Para
isso, tentam acessar o registro fóssil em camadas mais profundas
do solo ou de geleiras, ou ainda acessar algumas espeleotemas (es-
talactites e estalagmites) de cavernas e serrá-las ao meio, para ana-
28
lisar as dimensões das camadas de cristalização delas e utilizá-las
como indicativos da existência de épocas mais úmidas ou mais
secas no passado (caso alguma estalactite demore 100 anos para
crescer um centímetro de altura, uma estalactite com pouco mais
de 1,5m de comprimento pode possuir informação climática de
mais de 15.000 anos! Vide Fig.1.5). Ademais, caso algum estudo
avalie a sucessão de espécies de insetos necrófagos/decompositores
(alguns grupos de moscas, parasitoides e alguns besouros) em car-
caças de animais mortos, esses estudos podem durar alguns dias
ou poucas semanas.
29
Fig.1.5. Espeleotemas podem ser utilizados na datação de eventos climáticos, como
períodos mais úmidos ou secos, há dezenas de milhares de anos no passado. Como
exemplo, uma estalagmite na Gruta de São Miguel, Mato Grosso do Sul (Brasil). Foto de
Roger Ledo.
30
avanço da ciência, com o controle de diversas doenças e vacinação
em larga escala. Todo esse fenômeno, por fim, tem permitido um
aumento expressivo da população humana no Planeta, saltando
sete vezes mais apenas no século passado (Fig. 1.6). Essa grande
população humana acaba por consumir mais do que o ambiente
consegue suportar, de forma que se evidencia frequentemente a
conversão de áreas naturais em áreas de cultivo vegetal ou de pas-
tos, sobretudo no Brasil. Além disso, a produção de resíduos pela
espécie humana tem aumentado consideravelmente, contaminan-
do o solo, corpos d’água e o ar. Tudo isso acarreta uma redução
da qualidade de vida humana e promove uma crise ambiental, na
qual a espécie humana, ao imaginar que não está conectada com
o seu ambiente, o degrada a ponto de prejudicar a si próprio e as
futuras gerações.
Fig. 1.6. Estimativa do tamanho da população humana mundial entre os anos zero d.C. e
2012 d.C. Observe que o tamanho da população aparentemente se mantinha em equi-
líbrio até o marco das revoluções agrícola e industrial. Ilustração de Roger Ledo.
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A Ecologia, atualmente, está cada vez mais inserida nos pro-
blemas sociais e ambientais humanos, frutos de uma atividade
humana despreocupada com o ambiente. Dessa forma, Ecologia
também tem sido refletida para a solução de problemas ambien-
tais que foram criados pela atividade humana e/ou para os que
ainda serão criados. Nesse sentido, a compreensão e aplicação de
princípios ecológicos não é apenas uma necessidade prática, mas
também representa um desafio científico no controle e mitigação
de problemas ambientais antrópicos. Em outras palavras, para se
realizar conservação correta e não apenas “de boca”, precisamos
entender os princípios ecológicos existentes aqui e aplicá-los às
realidades que vivemos.
Um exemplo interessante de aplicação dos conhecimentos
básicos de Ecologia para a resolução de problemas ambientais
ocorre em casos de floração (do inglês: bloom) de bactérias/algas
em lagos como o Paranoá mencionado no tópico anterior. Este é
frequentemente utilizado para recreação da população de Brasília.
Entretanto, alguns trechos dele podem se tornar tóxicos, tanto
para peixes quanto para o ser humano, quando ocorrem flores-
cimentos de cianobactérias (algas azuis). Algumas dessas algas
produzem toxinas capazes de sobrecarregar e destruir o fígado de
vertebrados, como no caso de Microcystis aeruginosa.
A maioria dos riachos de Brasília são oligotróficos (pobres em
nutrientes). Entretanto, na cidade, a maioria das águas represadas
em lagos perto de cidades são eutróficas (ricas em nutrientes).
Isso ocorre devido aos descartes pontuais de esgotos ou a aportes
de origem difusa (e.g. carreado pela água das chuvas, como é o
caso de fertilizantes em plantações perto de lagos). Esses mate-
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riais carreados e despejados nos rios, apesar de serem considerados
sem valor para o ser humano, contém nutrientes essenciais para
muitas bactérias, permitindo que elas cresçam e se reproduzam,
aumentando a população delas em quantidades enormes e, por
fim, gerando o florescimento.
Todas essas mudanças na comunidade de algas do lago afe-
tam a qualidade da água e podem, devido à presença de toxinas,
causar até a morte humana. Contudo, conhecendo a ecologia
dessas espécies e os fatores que geraram seu florescimento (enten-
dendo o componente descritivo e o explanatório da distribuição e
abundância dessas espécies envolvidas no florescimento), medidas
de tratamento podem ser formuladas e implementadas. Um dos
tratamentos adotados pela CAESB (Companhia de Saneamento
Ambiental do Distrito Federal) no controle deste florescimento é
a adição de sulfato de cobre na água, como um agente algicida2.
Ademais, é feito uma fiscalização periódica na orla do lago em bus-
ca de descartes pontuais de esgoto e, caso alguma floração ocorra,
medidas de contenção e monitoramento são realizadas durante o
processo de autodepuração do lago (processo de assimilação dos
nutrientes em excesso pelos organismos vivos do próprio lago até
que esses níveis retornem ao equilíbrio inicial).
Um outro exemplo interessante ocorre na utilização de prin-
cípios de ecologia, como os de nicho e de sucessão ecológica, na
restauração de solos expostos. Frequentemente, áreas degradadas
e sem nenhuma cobertura vegetal sofrem com desmoronamentos
(formando voçorocas), além de sofrerem com a perda de umidade
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e diversidade de micro-organismos pela exposição do solo. A adi-
ção de espécies vegetais com raízes fasciculadas (que se ramificam
em vários eixos de crescimento, formando uma espécie de trama
ou rede logo abaixo do solo), como gramíneas, podem conter o
solo no local, além de servirem de base para uma sucessão eco-
lógica. Além disso, diversas gramíneas são anuais e conseguem
crescer e se reproduzirem rapidamente, ocupando todo o espaço
de solo exposto em pouco tempo. Ainda, algumas pessoas têm
sugerido o uso de bananeiras como espécie pioneira, visto que
ela gera sombra e consegue acumular muita água em seu caule
e folhas. Em seguida, ela é derrubada e suas partes são inseridas
em locais específicos do solo, para mantê-los úmidos e permitir
o crescimento de espécies mais sensíveis à umidade, típicas de
comunidades clímax, dependendo da região.
Vale ainda ressaltar que Ecologia também tem se ramificado
em diversas frentes de trabalhos de estudos atuais, como Ecologia
da Conservação, Ecologia da Restauração, Ecologia Numérica,
Ecologia Quantitativa, Ecologia Teórica, Macroecologia, Ecofi-
siologia, Agroecologia, Ecologia da Paisagem, Ecologia Molecu-
lar. Cada uma dessas disciplinas possui perguntas específicas a se-
rem respondidas. Contudo, inevitavelmente, elas estão associadas
aos mesmos objetivos gerais iniciais da Ecologia básica.
34
1.4 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. O que vem a ser crise ambiental? Disserte sobre este tema.
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CAPÍTULO 2
Fig. 2.1. Mapa no topo à esquerda: distribuição original do sapo-cururu, Rhinella marina
(cor vermelha), e locais onde a espécie é encontrada por meio de introduções humanas
(cor branca). Apesar disso, vale ressaltar que houve tentativas, sem sucesso, de introduzir
a espécie nos desertos da Turquia. Fotografia ao centro: um exemplar de R. marina (foto
gentilmente cedida por Guarino R. Colli).
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explicar as interações que determinam a distribuição e abundância
das espécies, para esse caso, poderíamos fazer a seguinte pergun-
ta: como explicar as populações do sapo-cururu (Rhinella marina)
conseguirem se desenvolver em áreas como a Austrália, Filipinas e
Caribe, e não em outras áreas, como no Egito? Para respondermos
a esta pergunta de maneira mais adequada, necessitamos aprofun-
dar nossos conhecimentos sobre condições e recursos das espécies,
bem como o conhecimento sobre o nicho delas.
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Diante de toda a informação dessa espécie relatada no pará-
grafo anterior, podemos distinguir claramente o habitat da espé-
cie e o nicho dela. Para o habitat, poderíamos inferir toda a dis-
tribuição da espécie (áreas úmidas tropicais das Américas do Sul
e Central). Já, para o nicho, poderíamos inferir suas atividades,
necessidades e tolerâncias (se alimenta de forma onívora, comendo
invertebrados e pequenos vertebrados, além de plantas, restos orgâni-
cos e resíduos domésticos; é mais ativo à noite; depende de locais quen-
tes e úmidos para sobreviver e se reproduzir e utiliza a água para a
postura de ovos). Provavelmente, essa espécie conseguiu sobreviver
na Austrália, Filipinas e Caribe, quando introduzida, porque esses
locais devam ter características do ambiente compatíveis com o
nicho dela. De modo similar, o Egito é conhecido por ser mais
seco que os ambientes tropicais onde R. marina sobrevive, de for-
ma que as características do ambiente são diferentes das do nicho
dessa espécie.
Vejamos um outro exemplo de animal. Imaginemos um ta-
manduá-mirim (Tamandua tetradactyla). Vide Fig. 2.2. Este é
sul-americano, ocorrendo desde a Venezuela até o sul do Brasil
e Uruguai. Ele ocorre em áreas de floresta e savana, sendo muito
frequente em matas de galeria no Cerrado. Muito interessante é
sua restrição alimentar: alimenta-se unicamente de formigas (daí
o nome em tupi “tamandua”, que significa comedor de formi-
gas), sendo considerada uma espécie especialista no que se refere à
sua dieta/alimentação. Portanto, quando tratamos dessa espécie,
poderíamos retratá-la de duas formas: primeiramente sobre o ha-
bitat, quando nos referimos à sua distribuição geográfica e locais
onde ela vive; em segundo lugar, sobre o nicho dela, quando men-
40
cionamos sua dieta predileta (formigas), horários de atividade e
uso do ambiente (Fig. 2.3).
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Nicho é uma ideia central em Ecologia e, por isso, muitos
pesquisadores defendem seu uso nos mais diversos estudos. Ele
não é algo concreto, mas sim um conceito. Até o presente, exis-
tem mais de uma definição de nicho nessa disciplina. Uma outra
definição, proposta por Charles Elton (1927), descreve-o como o
status de um organismo em sua comunidade, indicando o que ele
está ‘fazendo’. Em outras palavras, o nicho de um organismo sig-
nifica seu papel no ambiente biótico, sua relação com o alimento
e inimigos. Corresponde ao que uma espécie desempenha no am-
biente, suas relações (Fig. 2.3), e não ao seu local geográfico.
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rim. Enquanto essa espécie de sapo possui uma dieta basicamen-
te onívora, o tamanduá-mirim se alimenta apenas de formigas.
Nesse caso, poderíamos dizer que R. marina possui uma dieta
generalista, enquanto T. tetradactyla possui uma dieta especialista.
Em termos de distribuição geográfica (relativa ao habitat),
muitas espécies podem estar amplamente distribuídas, enquanto
outras podem estar distribuídas restritamente. O agente causador
da cólera e da febre tifóide (Vibrio cholerae e Salmonella typhi)
são bactérias que ocorrem em águas e alimentos contaminados
em todo o mundo. Esses organismos, portanto, são considerados
generalistas de habitat, visto que ocorrem numa gama de locais
no mundo inteiro. Já o agente causador do Ebola ainda possui
distribuição muito restrita, ocorrendo apenas em alguns lugares
da África. De modo similar, o coronavírus (SARS-COV2) tinha
uma distribuição muito restrita até o final de 2019, quando se
disseminou contaminando pessoas em todo o mundo. Apesar de
ser amplamente distribuído, o vírus só se replica dentro de células
de mamíferos, o que garante também uma especificidade de ni-
cho (como é para todo vírus).
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dições em seu ambiente imediato (ex.: uma árvore que muda a
temperatura e a umidade imediatamente abaixo da sua copa), em
uma escala maior as condições não são consumidas nem esgotadas
pelas atividades dos organismos.
Recursos ambientais, ao contrário das condições, são ca-
racterísticas físicas, químicas e biológicas do ambiente que são
consumidas pelos organismos no curso da sua sobrevivência,
crescimento e reprodução. Por exemplo, muitos organismos de-
compositores utilizam o corpo de outros organismos como fonte
alimentar. Nessas situações, o corpo do organismo predado não
ficará mais disponível para outro predador (a serpente consumida
por um carcará, por exemplo, não ficará disponível para outro
carcará). Isso gera uma consequência importante: os organismos
podem competir entre si para capturar uma porção de um recurso
limitado. Veja outros exemplos: a obtenção de íons nitrato do solo
por plantas também são exemplos de recursos do ambiente, uma
vez que cada íon capturado por uma planta não ficará disponível
para outra planta utilizá-lo; de semelhante modo, em ambientes
desérticos a água é um recurso limitante, de forma que plantas
podem competir entre si para se manterem com as quantidades
mínimas de água necessárias para sua sobrevivência.
Os organismos podem responder de maneira distinta às con-
dições e recursos ambientais (Fig. 2.4). Vejamos o exemplo de
uma planta bastante conhecida do Brasil, o pinheiro-do-paraná
(Araucaria angustifolia). Essa espécie é típica da floresta ombrófila
mista da Mata Atlântica do Sul brasileiro (subtropical), ocorrendo
entre 500 até 2.300m de altitude, nos estados do Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e localmente em São Paulo, Minas
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Gerais e Rio de Janeiro (informações de seu habitat). Em con-
sequência, ela ocorre nesses locais porque sobrevive e consegue
crescer em faixas de temperatura relativamente baixas (meses frios
com médias de temperatura entre 8-12ºC, com temperatura mí-
nima abaixo de 0ºC), porém bastante úmidas (pluviosidade entre
1.500 e 2.000mm). Essas são informações das condições climá-
ticas de sua sobrevivência e crescimento; portanto, de seu nicho.
Nessas condições, a araucária consegue crescer até 50m. Sendo
plantada sob condições diferentes, mesmo conseguindo sobrevi-
ver, é bem provável que ela não consiga crescer e se reproduzir tão
bem quanto nos ambientes descritos de seu nicho. Como exem-
plo, é notável o crescimento desfavorecido de araucárias plantadas
na Capital Federal do Brasil, não atingindo nem 20m de altura
(Fig. 2.4).
45
2.4. Aplicação de condições e recursos para compreensão
do nicho das espécies e solução de problemas ambientais
Um grande problema ambiental que pode ser compreendido
em termos de condições e recursos (e do nicho dos organismos,
consequentemente) é o poder devastador das espécies invasoras.
Relembrando o caso do sapo-cururu Rhinella marina, narrado no
início deste capítulo, é perceptível que a espécie obteve sucesso
de introdução em regiões compatíveis com o seu nicho. Ou seja,
a espécie conseguiu sobreviver, crescer e se reproduzir justamente
em locais cujas condições climáticas semelhantes (locais úmidos
e relativamente quentes) e com recursos abundantes (diversos in-
setos e pequenos vertebrados do local, serviram de presas para
ela). Além disso, a ausência de predadores eficientes fez com que
a espécie aumentasse sua densidade populacional, conseguindo
concentrar populações com 50 vezes mais indivíduos que em seus
ambientes originais. Considerando os prováveis efeitos danosos
da adição de uma espécie invasora na comunidade animal da Aus-
trália, a medida governamental de maior sucesso para o controle
de populações de sapo-cururu é a liberação da caça do animal
nessas regiões, tanto das formas adultas (quando concentradas em
um lago, por exemplo) quanto de seus ovos.
Problemas ambientais com espécies invasoras são cada vez
mais comuns. Um outro exemplo ocorre com as espécies de peixe-
-leão (Pterois volitans e P. miles), espécies típicas do oceano Índico
e Pacífico, mas que foram introduzidas no oceano Atlântico a par-
tir da costa da Flórida, expandindo sua distribuição enormemente
ao longo de apenas duas décadas. Em apenas 10 anos, a espécie
se alastrou por todo o golfo do México, leste dos Estados Unidos
46
da América e Bermudas, avançando sua distribuição pela costa
da América do Sul. A espécie é carnívora, reduzindo a diversida-
de de peixes recifais nessas regiões. Além disso, a espécie possui
diversos espinhos em suas nadadeiras. Outro aspecto importante
é o fato desse peixe ser venenoso, não possuindo predadores na-
turais. Acredita-se que, em pouco tempo, o peixe-leão conseguirá
transpor barreiras naturais de água doce, como a foz do rio Ama-
zonas, e expandirá sua distribuição até o litoral sul do Brasil. Isso
se deve também ao fato de as águas tropicais do oceano Atlântico
possuírem condições muito similares às suas águas de origem, no
oceano Índico.
Vejamos a aplicação de condições e recursos em outro exem-
plo: cianobactérias que crescem em lagos poluídos, fenômeno co-
nhecido como bloom (floração), decorrente da eutrofização. Os
corpos d’água de uma maneira geral são oligotróficos, ou seja,
possuem pouca (oligo) quantidade de nutrientes (trophos). Entre-
tanto, a forma de vida nas cidades gera uma imensa quantidade
de resíduos (dejetos alimentares e excessos de adubos químicos
nas fazendas) que podem ser carregados pelas chuvas até lagos,
aumentando a quantidade de nutrientes nesses locais. Isso muda
as características químicas do corpo d’água, aumentando a quan-
tidade de recursos nesse ambiente (exemplos: fósforo, nitrogênio
e potássio, nutrientes comuns dos adubos do tipo NPK). Em
consequência, recursos que antes eram escassos (limitantes para o
crescimento de micro-organismos) se tornam abundantes, o que
propicia o crescimento desenfreado de bactérias nos lagos. Infeliz-
mente, o crescimento de cianobactérias (ex.: Mycrocistis aerugino-
sa) na superfície dos lagos promove um consumo quase que total
47
do oxigênio dissolvido na água, o que acarreta uma enorme mor-
tandade de peixes e plantas aquáticas. Neste caso, a quantidade de
oxigênio dissolvido na água se torna um recurso essencial para a
sobrevivência de peixes em lagos poluídos.
A vantagem de considerar condições e recursos para se des-
crever o nicho dos organismos (em vez de apenas se analisar as
relações que esses organismos desempenham) é que ele pode ser
quantificado. Dessa forma, profissionais em Controle Ambiental
e saneamento poderão analisar a quantidade de nutrientes dos
corpos d`água, e inferir se eles estão eutrofizados o suficiente para
permitirem o crescimento microbiano, a ponto de impactarem
outras formas de vida. Mesmo, em caso de eutrofização, medidas
poderão ser tomadas para se reduzir esses níveis de nutrientes até
parâmetros desejados; controlando, em consequência, o cresci-
mento de organismos indesejados.
Partindo do princípio de que cada espécie apresenta uma res-
posta ótima a uma dada condição ou recurso (Fig. 2.5), podemos
identificar as quantidades mínimas e máximas para seu cresci-
mento, definindo esse intervalo como parte do nicho da espécie.
Essa forma de quantificar o nicho se assemelha muito à proposta
de Hutchinson (1957), definindo-o como um hipervolume com-
posto de todas as condições e recursos ambientais sob os quais
uma espécie de interesse possui uma taxa de crescimento positiva
(ou seja, que consegue sobreviver, crescer e reproduzir). Ela se
difere da proposta de Elton (apresentada no início deste capítu-
lo) por não descrever o “papel” da espécie no ambiente, mas por
descrever o que uma espécie necessita para sobreviver, crescer e se
reproduzir, ou seja, suas tolerâncias e exigências. Dependendo da
48
forma de atuação do profissional, essas duas maneiras de se com-
preender o nicho de uma espécie poderão ser utilizadas na solução
de um determinado problema ambiental.
49
2.4. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
50
CAPÍTULO 3
Ecologia de Populações
Fig. 3.1. Pastagem natural seca, chamada de “pajonale”, presente nas lagunas altiplânicas
chilenas Miñiques e Miscanti, a mais de 4.000m de altitude. A pastagem, de cor dourada
(gen. Festuca, parte inferior da figura), consegue sobreviver à baixa disponibilidade de
água, graças a uma distribuição homogênea entre seus indivíduos (parte superior da
figura), como resultado da competição intraespecífica. Imagens de Roger Ledo.
52
3.1. Estrutura Populacional
Uma população consiste em um conjunto de indivíduos de
uma mesma espécie, habitando um determinado local e sob um
mesmo intervalo de tempo. A partir dela, ecólogos podem extrair
diversas informações, como sua estrutura populacional no espaço
ou ao longo de suas classes etárias. No exemplo do início deste
capítulo, nota-se que a distribuição da vegetação típica das lagoas
altiplânicas chilenas é homogênea, em decorrência da carência de
água no solo. Há, contudo, outros padrões de distribuição es-
pacial das populações, como a agrupada e a aleatória (Fig. 3.2),
decorrentes de processos diferentes do apresentado no início do
capítulo. A distribuição agrupada tende a ocorrer em situações
(ambientais e/ou comportamentais) opostas às da distribuição ho-
mogênea. Ambientes com alta concentração de recursos em man-
chas de habitat geralmente permitem que organismos convivam
proximamente dentro dessas manchas (ex.: anfíbios dependentes
de lagoas para reprodução). Fatores comportamentais também
podem explicar distribuições agrupadas, como a predisposição
genética em formar grupos (ex.: insetos sociais – cupins, formigas
e abelhas) ou a tendência da prole em ficar com seus progenitores,
auxiliando-os na caça e/ou na proteção contra ataques – leões,
lobos, elefantes, suricates, capivaras etc.). Distribuições aleatórias
geralmente se encontram entre esses extremos. Geralmente po-
dem ter a mesma probabilidade de ocupar qualquer ponto do ha-
bitat, sem as consequências do antagonismo social ou da atração
mútua da mesma população.
53
Fig. 3.2. Padrões de distribuição descrevendo o espaçamento entre indivíduos de uma
população. Esses padrões de distribuição também podem ser nomeados com sinôni-
mos (exemplos, da esquerda para a direita: distribuição regular ou uniforme, ao acaso e
agregada). Ilustração de Roger Ledo.
54
aproximadamente 30Kg, elas podem ser consideradas sexualmen-
te maduras, com alta produção de espermatozóides nos machos e
surgimento de características sexuais secundárias, como glândulas
nasais e anais. As fêmeas também estão maduras e podem ser fer-
tilizadas nessa mesma idade e peso. Diferente dos demais roedo-
res, capivaras possuem gestações longas (120 dias em média) e
ninhadas pequenas (em torno de quatro filhotes). Vide Fig. 3.3.
Esses animais são iteróparos (podem se reproduzir diversas vezes
ao longo da vida), possuindo um pico gestacional com 4 anos de
vida, seguido por um declínio reprodutivo e aumento da morta-
lidade (Tabela 3.1). Animais que apenas se reproduzem uma vez
na vida, gastando toda a energia e esforço nesse único evento (e
muitas vezes morrendo em seguida), são chamados de semelparos.
Fig. 3.3. Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) amamentando sua ninhada. Foto de Ber-
nard Dupont. Local da foto: Rio São Lourenço, Porto Jofre, Poconé, Mato Grosso – BRA-
SIL. Figura apresentada sob licence CC BY-SA 2.0.
55
Tabela 3.1. Tabela de vida estática de uma população de capivaras na ilha do Marajó,
Brasil (adaptado de Moreira, 1995).
Taxa de ferti-
Proporção da Proporção da
lidade (fêmeas
coorte original coorte origi-
Idade Frequência (fx) produzidas por
sobrevivente no nal morta no
cada fêmea no
ano X (lx) ano X (dx)
ano)
1 227 1.000 0.680 –
2 76 0.320 0.129 1.60
3 47 0.191 0.073 1.94
4 30 0.118 0.049 3.21
5 18 0.069 0.036 1.91
6 9 0.033 0.028 –
7 1 0.005 – –
Média 2.70
56
lação e as condições e recursos do ambiente, bem como com seus
predadores.
As informações da proporção de sobreviventes em cada ano
(lx) também podem ser transformadas para escala logarítmica
(“linearizando” diferenças muito abruptas de mortalidade, Lo-
g10(lx)) e podem ser apresentadas de forma gráfica (Fig. 3.4). Essa
representação pode ser útil para se avaliar como a população se
comporta no tempo. Nota-se, pelo gráfico, que as taxas de mor-
talidade permaneceram relativamente constantes entre o primeiro
e quinto ano de vida. Após o grande investimento reprodutivo
típico do quarto ano de vida das capivaras (Moreira, 1995) a taxa
de mortalidade aumentou em demasia.
57
direita). Populações que geralmente não possuem grandes ninhadas, mas que ao mes-
mo tempo não possuem grandes perdas nos primeiros anos de vida se enquadram no
padrão Tipo 1. Populações que possuem taxas de mortalidade constante se enquadram
no padrão Tipo 2. Populações que geralmente geram grandes ninhadas, mas que ao
mesmo tempo possuem grande mortalidade nos primeiros anos de vida e progressiva
diminuição das taxas de mortalidade, à medida que os indivíduos crescem, se enqua-
dram no modelo Tipo 3.
58
ções adequadas para a sobrevivência. Levando isso em considera-
ção, ecólogos têm considerado que uma determinada população
esteja fragmentada em grupos menores (subpopulações) com al-
guma mobilidade entre si. Dessa forma, o conjunto de subpopu-
lações de uma mesma espécie que não se encontram ligadas entre
si, mas cujos indivíduos conseguem eventualmente se mover de
uma subpopulação para outra é chamado de metapopulação (Fig.
3.5). Logicamente, fatores associados à preservação e qualidade
ambiental entre manchas de habitat podem permitir que alguns
indivíduos consigam se mover mais facilmente entre essas man-
chas do que em algum lugar com menor qualidade entre fragmen-
tos de habitat.
Todo esse escopo de conhecimentos tem permeado discipli-
nas como a genética de populações e a ecologia da paisagem, no
objetivo de avaliar a viabilidade das subpopulações nas diferentes
manchas de habitat e, ainda, conseguir localizar possíveis regiões
com características ambientais que permitam maior mobilidade e
migração de organismos entre as subpopulações, fenômeno que
pode aumentar a variabilidade genética da metapopulação como
um todo. Com base nas informações dessas disciplinas, ecólogos
com enfoque conservacionista podem sugerir áreas prioritárias
para a conservação, levando-se em consideração a análise da via-
bilidade das subpopulações; podendo identificar regiões-fonte
(ambientes com maior qualidade e, por consequência, com ca-
pacidade de manter populações viáveis, com maiores taxas de fe-
cundidade por indivíduo e maior diversidade genética) ou, ainda,
propor alterações no ambiente entre manchas de habitat, como
59
corredores ecológicos3.
60
berta rapidamente pela progênie de um único casal. Ele justificou
sua afirmação utilizando potencial de crescimento populacional
de elefantes, muito conhecidos pela demora em atingir a matu-
ridade reprodutiva (somente a partir dos 30 anos de idade), pela
longa gestação (entre 18 e 22 meses) e pelo pequeno tamanho da
ninhada (apenas um filhote por gestação). Partindo do princípio
que fêmeas de elefante têm, em toda a sua vida (100 anos), no
máximo seis filhotes, Darwin estimou que em pouco mais de 700
anos, a população de elefantes chegaria a 19 milhões a partir de
um único casal.
O comportamento populacional da espécie humana não é
diferente ao dos demais organismos vivos. Desde o domínio da
agricultura, há cerca de 10.000 anos atrás, a população humana
tem crescido consideravelmente sobre a face da Terra. Acrescido
à revolução agrícola medieval e à Revolução Industrial, o contin-
gente mundial conseguiu atingir a marca de 1 bilhão de pessoas
pela primeira vez, no início do século XIX. Desde então, a popu-
lação tem crescido exponencialmente, fruto dos avanços na área
de alimento e saúde, gerando mais recursos para crescimento, re-
produção e redução das taxas de mortalidade humana. De seme-
lhante modo, acredita-se que a capacidade de pessoas existentes
no Planeta, já extrapolou o limite em suportá-la (atualmente, 7.8
bilhões de pessoas). Como esse efeito retornará à humanidade é
ainda incerto. Entretanto, acompanhado do crescimento da po-
pulação, está a degradação ambiental e a produção de resíduos,
que reduzem a qualidade do ambiente em que a própria espécie
humana vive e tanto necessita.
Na ausência de predadores e na abundância de recursos, as
61
populações tendem a crescer de forma exponencial ou geométrica
(Fig. 3.6). A característica principal desses modelos é que a variá-
vel tempo (t) se localiza no expoente.
Função exponencial, onde r é Função geométrica, onde ̂ é
a contribuição per capta para a taxa de crescimento anual
o crescimento populacional, per capta, medida pela dife-
medido pela diferença entre a rença entre as taxas anuais de
natalidade (b) e mortalidade nascimento (B) e de mortali-
(d), r = b – d. dade (D), ̂ = B – D.
Fig. 3.6. Modelos de crescimento exponencial (cor verde) e geométrico (cor laranja). Am-
bos, em termos práticos, são complementares. Ilustração do autor.
62
comportamento de crescimento, mais próximo do padrão logís-
tico (Fig. 3.7). Esse padrão de curva sugere que, a cada incorpo-
ração de novos indivíduos à população, a taxa de crescimento per
capita (r) não será mais uma constante. Neste caso, haverá uma
diminuição progressiva, que ocorrerá de forma linear. Chegará
um momento em que ela alcançará o patamar zero (r = 0); ou
seja, a taxa de entrada de indivíduos per capita se igualará à taxa
de mortos, estabilizando a curva de crescimento em torno do má-
ximo que a população consegue atingir naquele local. Esse valor
máximo foi nomeado pela letra K, considerada a capacidade su-
porte do ambiente, o ponto mais alto que a população consegue
atingir.
63
A realidade é que, para diversos organismos da natureza, a
curva de crescimento logístico faz mais sentido. Existem diversos
fatores que são dependentes da densidade populacional e podem
preponderar à medida que a população se aglomera (exemplo:
maior competição por recursos, maior exposição a predadores,
parasitas e maior facilidade de transmissão de doenças), agindo
como moduladores do crescimento populacional. Todos esses fa-
tores agirão diretamente na população e indiretamente na quali-
dade individual para a fecundidade e inclusão de novos indiví-
duos.
Diante do cenário exposto pela curva de crescimento logís-
tico, nota-se que o crescimento populacional ocorre com valores
superiores de r, devido à própria capacidade humana em gerar
mudanças significativas no ambiente, convertendo áreas naturais
em agricultáveis e, por consequência, produzindo resíduos em
demasia. Como esse efeito retornará à população humana é ainda
incerto. Contudo, toda reflexão acerca desse aspecto se torna-se
necessária.
64
3.4. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
65
66
CAPÍTULO 4
Interações ecológicas
Fig. 4.1. Predação de sementes de uma barriguda (Ceiba speciosa) por uma maritaca
(Pionus sp.). Foto de Fabio Passos.
68
4.1. Uma compreensão evolutiva das relações ecológicas
Nenhum organismo está sozinho no ambiente. Na verdade,
qualquer organismo convive e interage constantemente com ou-
tros organismos da mesma espécie ou de espécies diferentes. O
resultado dessas interações repercute inevitavelmente no sucesso
(sobrevivência, reprodução e adaptação) de um indivíduo e de
uma espécie no ambiente. Ao longo das gerações, no tempo evo-
lutivo, essas relações podem ganhar contornos ainda mais peculia-
res, deixando o estudo delas ainda mais belo e atraente. Algumas
relações podem assumir contornos muitos estreitos e benéficos,
como um mutualismo, a ponto de uma espécie não conseguir
sobreviver sem a outra. Em outros casos, algumas espécies ten-
dem a evitar outras (ex.: uma presa em relação a seu predador)
e sua coloração e anatomia parecem ter sido selecionadas para se
camuflar melhor no ambiente (Fig. 4.2). De igual modo, o preda-
dor assume estratégias que evitam a identificação de sua presença
no ambiente, o que potencializaria a sua captura de presas. Em
ambos os casos, as relações ecológicas e a evolução “caminharam”
juntas, num fenômeno conhecido como coevolução. Portanto,
muitas das relações ecológicas só fazem sentido se analisadas den-
tro de um contexto evolutivo, que envolve sucessivas gerações ao
longo do tempo.
69
Fig. 4.2. A semelhança na coloração e forma de um inseto com o caule de uma árvore
geralmente o deixa camuflado, tanto para predadores quanto para biólogos treinados.
Esses tipos de “caprichos da natureza” podem ser explicados por meio de relações eco-
lógicas envolvendo uma triangulação entre predador, presa e ambiente, numa espécie
de coevolução. Foto de Fábio Passos.
70
de espécies distintas (relações interespecíficas) (Fig. 4.3). As rela-
ções ecológicas podem ser classificadas, ainda, como: harmônicas
(positivas), quando há benefícios ou cooperação entre os indiví-
duos envolvidos; e desarmônicas (negativas), quando há prejuízo
para, pelo menos, um dos indivíduos envolvidos. A partir dessas
definições, daremos destaque a algumas interações ecológicas a
seguir.
Fig. 4.3. Exemplo de uma interação intraespecífica (imagem superior) e de uma intera-
ção interespecífica (abaixo). Fonte: PixaBay.
71
4.2.1. Relações intraespecíficas
a) Colônia
A colônia é uma associação benéfica entre organismos de
uma mesma espécie, cujos indivíduos estão anatomicamente co-
nectados. A separação de uma colônia pode implicar na morte
dela ou na formação de uma nova colônia. Uma colônia pode
ainda ser isomorfa, caso não haja variação de forma e função
entre os indivíduos que a compõem, ou heteromorfa, caso haja
variação de forma e função entre os indivíduos que a compõem
(hetero = diferente; morfa = forma). Colônias de algas que cres-
cem num lago eutrofizado ou colônias de bactérias que vivem
no intestino de mamíferos são isomorfas (Fig. 4.4a). Por sua vez,
pólipos ou a caravela portuguesa são cnidários que se enquadram
como colônias heteromorfas, já que possuem alguns indivíduos
que apresentam as seguintes funções: alimentar (gastrozooides);
reprodutiva (gonozooides) e, ainda, a função exclusiva de defesa
e captura de presas (dactilozooides) (Fig. 4.2b). Apesar de estar
flutuando e parecer um indivíduo, uma caravela portuguesa é, na
verdade, uma colônia heteromorfa levada pela força dos ventos e
da maré, de forma errante.
72
Fig 4.4. À esquerda, colônias isomorfas (com formas similares) de bactérias. Cada colô-
nia, nesse caso, é originária de apenas um indivíduo. À direita, uma colônia heteromor-
fa (caravela portuguesa). Cada número indica uma forma específica de cada um dos
membros da colônia (1: dactilozooides – com função de defesa, cheio de cnidócitos; 2:
gastrozooides – com função de captura de presas e pré-digestão; 3: gonozooides – com
função reprodutiva). Imagens de Peyton Kikalo (esquerda) e de de Arthur Mota (direita).
Imagens obtidas gratuitamente pela licença Canva For Education.
b) Sociedade
A sociedade é uma associação benéfica entre organismos de
uma mesma espécie, cujos indivíduos possuem liberdade de loco-
moção. A sociedade possui um grau de cooperação complexo, de
comunicação e de divisão de trabalho extremamente organizado.
Esse elevado grau de divisão de trabalho aumenta a eficiência do
conjunto e contribui significativamente para a sobrevivência de
todos os integrantes. A comunicação entre esses indivíduos ocor-
re quimicamente, geralmente por ferormônios, descritos como
hormônios sociais, que regulam respostas e a diferenciação dos
diversos trabalhos. Insetos sociais como abelhas, vespas, formi-
73
gas e cupins; alguns mamíferos como castores, gorilas e a própria
espécie humana podem ser enquadrados como organismos que
vivem em sociedade.
Como exemplos, abelhas e formigas se diferenciam em rai-
nha, que é a única fêmea que reproduz e faz a postura; em zan-
gão, que é o macho com funções reprodutivas e em operárias e
soldadas, com funções de manutenção (limpeza, produção de
cera e coleta de pólen) e de defesa. Percebe-se que cada indivíduo
trabalha de maneira cooperativa. Mas, ao contrário da colônia,
possuem movimentação independente e, caso um indivíduo seja
isolado, a sociedade não desaparecerá (Fig. 4.5).
Fig. 4.5. Abelhas são exemplos de insetos sociais, com liberdade individual de locomo-
ção e com divisão de trabalho. Imagem de PixaBay.
c) Canibalismo
O canibalismo é uma relação em que um indivíduo mata e
se alimenta de outro indivíduo da mesma espécie. Um exemplo
74
clássico ocorre com fêmeas de louva-a-deus, que se alimentam dos
machos durante a cópula. Outro exemplo ocorre com fêmeas de
viúva-negra, que se alimentam dos machos pretendentes à cópula
(Fig. 4.6). Para essas espécies, a morte dos machos garante a re-
produção ao “entreter” a fêmea durante a cópula. Pode represen-
tar, ainda, reserva nutricional para uma futura postura de ovos ou
gestação. Ambos os casos se enquadram como canibalismo sexual.
O canibalismo pode também ocorrer em situações de estres-
se, quando há um elevado aumento da população, comprome-
tendo os recursos alimentares. Por exemplo, o rato almiscarado
(Ondatra zibethicus) vive em grupos familiares, numa toca ou bu-
raco nas margens do rio (Fig. 4.5). A fêmea pode dar à luz a várias
ninhadas num ano. Quando a população aumenta a ponto de
faltarem recursos, os machos matam e se alimentam de fêmeas e
filhotes indefesos. Há, ainda, o canibalismo intrauterino, a exem-
plo de algumas espécies de tubarão, como o tubarão cabeça-cha-
ta (Carcharhinus leucas), onde os embriões mais desenvolvidos se
alimentam de embriões menos desenvolvidos, ainda no útero da
mãe.
75
Fig. 4.6. O canibalismo é comum durante a cópula de viúvas-negras e marrons do gêne-
ro Lathrodectus. Ao centro, uma fêmea de Lathrodectus geométricus (viúva-marrom) e,
no canto inferior esquerdo, bolsas de ovos da mesma espécie. Imagens de Willem Van
Zyl e de Vinisouza128, obtidas e produzidas gratuitamente com Canva For Education.
d) Competição intraespecífica
Competição intraespecífica consiste num conjunto de res-
postas agonísticas de um indivíduo à presença de outro indivíduo.
Esses tipos de respostas decorrem da escassez de recursos alimen-
tares ou de parceiros sexuais (recursos limitantes), por exemplo.
Em épocas reprodutivas, machos de algumas espécies geralmente
lutam para determinar seu espaço e aumentar seu acesso às fêmeas.
76
Por exemplo, os cervos-macho podem brigar agressivamente entre
si pelo direito de copular com as fêmeas da população. Apesar
de apenas um se beneficiar com a vitória, todos os cervos-macho
sairão feridos, com desgaste físico e com a possível perda dos
cornos4 (Fig. 4.7).
4 Os cornos são uma projeção óssea do osso frontal do crânio envolta por uma
camada de queratina, que cresce além da projeção óssea. Apresentam crescimento contí-
nuo, não são bifurcados e não são trocados durante a vida. Os chifres são estruturas ósseas
sólidas, ramificadas e cobertas por uma camada de pele muito vascularizada denominada
de veludo. São trocados, normalmente, a cada ano quando se tornam “maduros”. Quando
o chifre atinge esse último estágio, o fluxo sanguíneo no veludo é cortado, a pele morre e o
osso é revelado, o que ocasiona a queda do chifre.
77
rão próximas da planta-mãe. Além disso, estarão rodeadas ou de
plântulas da mesma espécie, ou de outras de espécies diferentes.
Todas elas disputarão recursos nutricionais do solo, água, luz e es-
paço para sua sobrevivência e desenvolvimento. Nessas situações,
em consequência, é comum notar que as plântulas investem mais
rapidamente em crescimento primário (crescimento do caule em
sentido vertical, para cima), assim que conseguem uma brecha de
luz, a fim de se sobreporem a seus competidores.
78
protocooperação pode ocorrer de forma facultativa ou ocasional,
o mutualismo é obrigatório.
Um bom exemplo para a protocooperação é a relação entre
o crocodilo e o pássaro-palito. Enquanto um crocodilo fica com a
boca aberta, o pássaro-palito come sanguessugas e restos alimen-
tares entre os dentes do crocodilo. Com isso, o crocodilo livra-se
de parasitas e possíveis incômodos enquanto o pássaro-palito se
alimenta de maneira segura, livre de possíveis predadores. Com
destaque, é perceptível notarmos que tanto o crocodilo quanto
o pássaro-palito conseguem sobreviver na ausência um do outro,
contudo ambos se beneficiam quando vivem em parceria.
A embaúba (gênero Cecropia) é uma árvore encontrada nas
bordas de matas e ambientes degradados. Ela apresenta caule com
partes “propositalmente” ocas (o termo embaúba deriva do tu-
pi-guarani e significa literalmente ‘árvore oca’) e se beneficia da
interação com as formigas. Enquanto a embaúba oferece abrigo e
alimento (corpúsculos nutritivos) para esses animais, as formigas
a defendem de herbívoros e plantas trepadeiras, além de contri-
buírem na dispersão das suas sementes (Fig. 4.8). Trata-se de uma
relação de protocooperação que possui graus ainda maiores de
intimidade, visto que são notáveis adaptações anatômicas, fisioló-
gicas na embaúba que favorecem essa relação. Em contrapartida,
notam-se mudanças comportamentais nessa espécie de formiga
em favor dessa relação coevolutiva. Ainda assim, tanto uma em-
baúba quanto a espécie de formiga em questão conseguem viver
caso não ocorra simpatria num determinado lugar.
79
Fig. 4.8. A embaúba (gênero Cecropia) é uma planta mirmecófita, ou seja, que pos-
sui partes ocas que permitem a nidificação de formigas. Na base dos pecíolos foliares
existem também regiões especializadas na produção de glicogênio para formigas. Isso
garante a presença de formigas (gênero Azteca) que habitam o interior da planta e a
protegem contra possíveis parasitas ou trepadeiras. Imagem das folhas de embaúba de
Vi Gregnol, obtidas gratuitamente com Canva For Education.
80
gânicos nitrogenados. Por sua vez, as leguminosas fornecem às
bactérias heterótrofas, a matéria orgânica que ela necessita para
desempenhar suas funções vitais (Fig. 4.10).
Ruminantes, como os bovinos e caprinos, são animais poli-
gástricos (possuem quatro câmeras em seu estômago). Na câme-
ra maior (pança ou rúmen), esses animais abrigam milhares de
bactérias capazes de digerir a celulose dos vegetais ingeridos (Fig.
4.13). Por outro lado, esses microrganismos são mantidos dentro
do rúmen desses animais, numa espécie de simbiose5, que tam-
bém os beneficia.
Protozoários do gênero Trichonympha também desempe-
nham uma relação mutualística no intestino de cupins, haja vista
que este protozoário também consegue digerir a celulose.
81
ciação entre as hifas de um fungo e algas. A circunferência tracejada indica um sorédio
(célula fotossintetizante de alga circundada por hifas), com função de reprodutiva. À di-
reita, diversos tipos de liquens (crostosos, foliosos e fruticosos) crescendo em um galho
de canela-de-ema (gen. Vellozia). Imagem da esquerda modificada e adaptada a partir
de LOPES, S. G. B. C.; CHOW, F. Características gerais, relações filogenéticas e importância
dos fungos. In: Diversidade e evolução de fungos e animais. São Paulo: USP/Univesp/
Edusp. 2014. Foto da direita de Roger Ledo.
Fig 4.10. É comum que plantas leguminosas (ex.: soja, feijão, ervilha, grão-de-bico) rea-
lizem mutualismos com bactérias do gênero Rhizobium, as cultivando em suas raízes
em troca de nitratos, que são nutrientes essenciais para o crescimento da planta. Na
imagem, nódulos em raízes de soja. Da esquerda para a direita, fotos de kellymarken e
de NNhering, obtidas gratuitamente com Canva For Education.
82
ção) obtém nutrientes e/ou locomoção da outra espécie. Normal-
mente, a relação comensal envolve um hospedeiro grande e um
comensal pequeno. Rêmoras possuem nadadeiras ventrais modifi-
cadas em forma de ventosas e vivem associadas a tubarões. Assim,
a rêmora é transportada pelo tubarão enquanto se alimenta dos
restos de sua alimentação.
O inquilinismo é uma relação em que uma espécie vive sobre
ou dentro de outra espécie hospedeira, mas sem prejudicá-la. O
principal objetivo da relação de inquilinismo é a busca de abrigo
e moradia. Como exemplos, poderíamos citar: os diversos anfí-
bios e insetos que aproveitam os tanques de água estocados pelas
folhagens de bromélias, para ali viverem e, inclusive, colocarem
seus ovos; os famosos peixes-palhaço (no ambiente marinho),
que conseguem viver dentro dos tentáculos de anêmonas do mar,
sem sofrerem nenhum dano. Se utilizam daquele ambiente como
esconderijo, enquanto a anêmona não é aparentemente afetada;
orquídeas e bromélias, que se aproveitam dos troncos e copas de
árvores sem parasitá-las ou prejudicá-las, apenas como sustento e
para alcançarem maior quantidade de luz (Fig. 4.11).
83
Fig. 4.11. Rêmoras (família Echeneidae) possuem a primeira nadadeira dorsal modificada
em uma ventosa e com ela se fixam em tubarões para viajar longas distâncias ou, ainda,
obter alimento mais facilmente (esquerda). Bromélias são plantas epífitas que podem
crescer sobre troncos de árvores e se expor melhor à luz do sol, numa forma de inquili-
nismo (direita). Fotos de Jakob Ziegler (obtidas gratuitamente com Canva For Education)
e de Falco (obtidas gratuitamente pelo Pixabay), respectivamente.
c) Amensalismo (-,0)
Amensalismo é uma relação em que uma população é redu-
zida, destruída ou inibida por outra espécie, enquanto esta não é
afetada. Ela é também conhecida como antibiose e é, geralmente,
caracterizada pela liberação de substâncias químicas repelentes no
meio. Fungos do gênero Penicilium liberam diversas substâncias
antimicrobianas que matam bactérias ao redor. Uma dessas subs-
tâncias deu origem ao antibiótico penicilina, amplamente utili-
zado por nós no tratamento de infecções bacterianas (Fig.4.12).
Diversas espécies de pinheiro também liberam toxinas que impe-
dem o crescimento de outras plantas ao seu redor, de forma que
florestas de pinheiros geralmente são mais pobres em diversidade
do que outras florestas.
84
Fig. 4.12. Representação do amensalismo entre fungos do gênero Penicillium (organis-
mo com textura rugosa na placa de Petri) e bactérias (de coloração branco-amarelada,
na mesma placa). Modificado e adaptado por Roger Ledo.
d) Parasitismo (+,-)
Parasitismo é uma relação simbiótica entre duas espécies,
onde uma delas vive sobre (ectoparasita) ou dentro (endoparasita)
de outra (hospedeiro), causando-lhe algum dano em troca de sua
sobrevivência, crescimento e reprodução (Fig.4.13). Geralmente,
o parasita é estruturalmente adaptado ao seu hospedeiro e ao seu
modo de vida; enquanto que o hospedeiro também possui carac-
terísticas corporais que impedem infecções. Parasitas podem levar
85
um hospedeiro a óbito ou não.
Vírus são parasitas intracelulares obrigatórios, altamente es-
pecíficos a seus hospedeiros e geralmente os levam a óbito. Muitos
organismos também parasitam mais de um tipo de hospedeiro
durante seu ciclo de vida. Por exemplo, o protozoário Trypoanoso-
ma cruzi parasita o trato digestivo de barbeiros da subfamília Tria-
tominae num momento do seu ciclo de vida. Como o barbeiro é
hematófago (se alimenta de sangue de mamíferos), é durante a
alimentação do barbeiro que este defeca, eliminando protozoário
e o colocando em contato com a pele da vítima. Esta, que se in-
festa pelo ato de coçar o machucado, permite que o protozoário
se adentre na ferida da picada e complete seu ciclo. A espécie hu-
mana é hospedeira definitiva do Trypoanosoma cruzi (a espécie se
reproduz em fagócitos e em diversos tecidos humanos, inclusive
o cardíaco e o nervoso), enquanto que o barbeiro é hospedeiro
intermediário.
Outro exemplo de parasitas que parasitam mais de um tipo
de hospedeiro durante seu ciclo de vida ocorre com a malária.
Esta é causada por um protozoário do gênero Plasmodium, que
infecta a espécie humana através da saliva do mosquito-fêmea do
gênero Anopheles. Contudo, para este caso, o mosquito é o hospe-
deiro definitivo do parasita (nele há reprodução sexuada do Plas-
modium). O ser humano é o hospedeiro intermediário. Dentro do
ser humano, o protozoário entra na corrente sanguínea e se aloja
no fígado, onde se reproduz assexuadamente.
86
Fig.4.13. Parasitas são mais comuns do que se imagina. Em destaque, um carrapato, que
além de ser ectoparasita de diversos mamíferos, pode ainda transmitir doenças, como a
febre maculosa, causada por bactérias do gênero Rickettsia (nesse caso, endoparasitas).
Foto de Catkin, obtida gratuitamente em Pixabay.
87
herbívoros não necessariamente matam seus recursos. Geralmen-
te apenas partes da planta são consumidas por esses organismos
(principalmente as folhas e frutos) (Figura 4.14). Todavia, mesmo
sobrevivendo, a planta consumida poderá ter seu crescimento e
fecundidade comprometidos.
Fig. 4.14. Herbivoria, onde há consumação total da planta com animais pastadores (ze-
bra à esquerda) ou de partes das plantas, como em lagartas (à direita). Fotos de Lana
Jade e Pro2sound, obtidas gratuitamente com Canva for Education.
88
evidencia uma sincronização na relação presa-predador.
Fig. 4.15. Exemplo de uma relação presa-predador (lince e lebre de sapato de neve),
onde um animal mata e se alimenta de um indivíduo de outra espécie. No canto su-
perior direito está um modelo da dinâmica populacional da relação presa (lebre) e pre-
dador (lince) ao longo de 75 anos. Foto de falun, obtido gratuitamente com Canva for
Education.
e) Facilitação (+,0)
As interações podem mudar ao longo do ciclo de vida ou
uma relação direta tornar-se indireta. Um tema crescente e im-
portante é a distinção, muitas vezes, indefinida entre competição
e várias formas de facilitação, como o comensalismo e o mutua-
lismo. Um caso proeminente em pauta é o fenômeno das plantas.
A facilitação é caracterizada por indivíduos que modificam os
recursos ou as condições ambientais de modo a beneficiar outros
indivíduos com diferentes funções ecológicas. Um exemplo
prático com espécies facilitadoras (ou enfermeiras), é aquele em
89
que o indivíduo de uma espécie facilita a germinação e o cresci-
mento de uma segunda espécie. Dentre as espécies do Cerrado, há
algumas delas, como a lobeira (Solanum falciforme), que propor-
cionam locais protegidos com copa, para aves e outros dispersores
de sementes; além de um solo para a germinação, desenvolvimen-
to e crescimento de alguns grupos de plantas.
À medida que aquela cresce, ela pode ter um efeito crescen-
temente negativo sobre os recursos usados pela sua planta facili-
tadora. As formas de crescimento das duas espécies normalmente
diferem tanto, que seu crescimento é limitado por fatores diferen-
tes, e eles podem coexistir. Dessa maneira, há uma tolerância, de
acordo com a disponibilidade de recursos. Posteriormente, pode
ocorrer um microadensamento no local, gerando uma competi-
ção pelos recursos no ambiente (água, luz, nutrientes) e podendo
ocorrer a inibição ou supressão de algumas espécies desses grupos,
como a espécie facilitadora.
Essas plantas facilitadoras, em alguns momentos, podem ser
caracterizadas como colonizadoras em áreas abertas, a exemplo das
savanas e clareiras. Esses tipos de plantas, normalmente, podem
tolerar o estresse do calor e água de um ambiente completamente
aberto. A sombra e os materiais orgânicos do solo, proporciona-
dos por estas plantas facilitadoras, permitem que outras espécies
ocupem a área, tal como a lobeira facilita o estabelecimento de
diversas plantas, como as florestais, o adensamento da vegetação
e a sucessão ecológica.
90
espécie (esclavagista) se aproveita do trabalho, atividades ou até
mesmo do alimento de outra espécie. Essa associação pode ser
tanto harmoniosa, quanto desarmoniosa entre as espécies. Um
exemplo envolve pulgões e formigas (Fig. 4.16). Os pulgões são
insetos parasitas de algumas plantas, retirando de seus vasos libe-
rianos (floema) a seiva elaborada, rica em compostos orgânicos,
para sua alimentação. Pulgões ingerem uma grande quantidade de
seiva para se nutrir e sintetizar suas proteínas. O excesso de açúcar
consumido é eliminado pelos pulgões através do ânus. As formi-
gas se aproveitam para se alimentarem do excesso de açúcar elimi-
nado pelos pulgões, levando-o para seus formigueiros, próximos
às raízes de plantas vivas. Nestas, os pulgões continuam extrain-
do a seiva elaborada; enquanto que as formigas, lambendo seus
abdomes, aproveitam-se do excesso de açúcares eliminados. Esta
relação beneficia as formigas, que garantem alimento; assim tam-
bém como beneficia os pulgões que, mesmo servindo às formigas,
são protegidos por elas contra predadores, como as joaninhas. O
termo em questão é pouco discutido na Ecologia em abordagens
teóricas e práticas; estas podem ser melhor contempladas como
uma protocooperação, a exemplo do que foi descrito acima.
91
Fig. 4.16. Afídeos (pulgões) retiram a seiva elaborada (água e carboidratos) de plantas
para sua nutrição (parasitismo), porém parte é excretado, servindo de alimento para for-
migas. Em alguns casos, formigas apresentam comportamentos de criação de pulgões.
Foto de noumae, obtido gratuitamente com Canva for Education.
92
g) competição interespecífica (-,-)
93
cia permanente dessas espécies no mesmo local. Na ausência de
distúrbios, uma espécie utilizará os recursos de modo mais efi-
ciente e se reproduzirá mais rapidamente do que se estivesse com-
petindo. Mesmo uma leve vantagem reprodutiva no final condu-
zirá à eliminação local do competidor inferior. Para esse conjunto
de resultados, Guase cunhou o princípio da exclusão competitiva.
Fig. 4.17. Exclusão competitiva entre duas espécies de protozoários (Paramecium aure-
lia e Paramecium caudatum). Quando cultivadas isoladamente, P. aurelia e P. caudatum
desenvolvem-se e reproduzem-se normalmente (imagens A e B). Entretanto, quando
cultivadas conjuntamente, o Paramecium caudatum não se desenvolve (imagem C).
94
Arte de Roger Ledo.
95
4.3. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
96
I
II
III
IV
97
98
CAPÍTULO 5
Ecologia de Comunidades
Fig. 5.1. Gradiente latitudinal de biodiversidade. A distribuição atual dos vertebrados in-
dica uma alta concentração de espécies nas regiões equatoriais (cores quentes), decli-
nando em direção aos pólos (cores frias). Em destaque está a América do Sul e o Brasil,
com uma alta distribuição de cores quentes, entre o vermelho e o amarelo. Figura obtida
a partir de Mannion, P. D. (2014). Patterns in Palaeontology: The latitudinal biodiversity
gradient. Palaeontology Online, Volume 4, Article 3, 1-8 (https://www.palaeontologyon-
line.com). Licence CC BY 3.0.
100
Tudo isso de forma indireta. Uma outra ferramenta de descrição
básica da comunidade é a sua riqueza (S); ou seja, a quantidade
de espécies diferentes que aquele local possui. Uma comunidade
com muitas espécies é uma comunidade rica ou muito diversa.
Uma comunidade com poucas espécies é uma comunidade po-
bre, com pouca diversidade. Essa riqueza também pode ser me-
dida não apenas pelo número de diferentes espécies que ocorrem
num local; mas também (em termos funcionais) pelo papel que
elas desempenham. É possível, ainda, que a comunidade possua
uma alta riqueza de organismos pastadores (veados, pacas, cutias);
polinizadores (abelhas com e sem ferrão, besouros, beija-flores);
carniceiros (moscas, besouros, aves, mamíferos) etc.
Além da descrição da comunidade em termos de riqueza, ela
também pode ser caracterizada pela quantidade de indivíduos de
cada espécies presentes na comunidade, mensurada em termos de
abundância. Esta pode ainda ser colocada em termos de propor-
cionais, sendo chamada de abundância relativa. Espécies com
abundância relativa alta são consideradas dominantes na comu-
nidade; enquanto que espécies com baixa abundância relativa são
consideradas raras. A partir dessas informações, uma medida da
igualdade na distribuição de indivíduos para cada espécie pode
ainda ser tomada, chamada de equidade. É possível que comu-
nidades com uma mesma composição e riqueza apresentem dife-
renças de equidade, dependendo da qualidade ambiental em que
estão inseridas ou de algum outro fator (Tabela 4.1).
101
Tabela 4.1. Duas comunidades hipotéticas com mesma composição e riqueza, porém
variando em suas abundâncias para cada espécie. O resultado é que elas terão valores
diferentes de equidade, sendo que comunidades com abundâncias mais bem distri-
buídas entre as espécies (Comunidade A) terão maiores valores de equidade do que
comunidades com espécies dominantes e raras (Comunidade B).
Comunidade A Comunidade B
Composi- Abun- Abundân- Composi- Abun- Abundân-
ção dância cia relativa ção dância cia relativa
(pi) (pi)
Espécie A 20 0.2 Espécie A 80 0.8
Espécie B 20 0.2 Espécie B 5 0.05
Espécie C 20 0.2 Espécie C 5 0.05
Espécie D 20 0.2 Espécie D 5 0.05
Espécie E 20 0.2 Espécie E 5 0.05
Total 100 - 100 -
Equidade* 1 0.31
*Equidade (E) medida por meio da diversidade observada de Simpson (Dobs) dividida
pela diversidade máxima de uma comunidade (Dmax), que equivale à riqueza (S) da co-
munidade. Considerando o índice de diversidade de Simpson (D) como , onde pi é a
abundância relativa de cada espécie; o índice de Equidade será , com S representando
a riqueza da comunidade.
102
(ex.: riqueza de uma floresta, de uma parcela de 10ha de Cerra-
do nativo, dentro de um riacho). Para contornar esse problema
são realizadas coletas sucessivas, a fim de tentar se aproximar ao
máximo da riqueza real de um determinado local. Dessa forma,
estamos afirmando que os valores de riqueza, abundância relativa
e equidade de uma comunidade são totalmente dependentes da
qualidade das coletas realizadas em campo. Muitas vezes, para se
estimar a riqueza de animais ou plantas de um local é necessário
muito esforço amostral, passando meses e anos, a fim de se ter
uma estimativa mais precisa e abrangente.
Mas, quando saber que o número amostrado de espécies está
próximo do número de espécies real da comunidade? Uma alter-
nativa para responder a esta questão é o emprego de curvas de
acumulação de espécies. Essa ferramenta consiste na construção
de gráficos de dois eixos: amostras x riqueza acumulada. À medi-
da que novas amostras da comunidade vão sendo acrescentadas,
espera-se que novas espécies sejam encontradas. Inicialmente,
muitas espécies poderão ser acrescentadas com poucas amostras.
Contudo, a partir de um determinado momento, a riqueza não
sofrerá acréscimos, mesmo após sucessivas amostragens. Isso su-
gere, em termos práticos, que o esforço empregado na coleta de
novas espécies deverá ser muito maior, podendo não compensar
todo o gasto de tempo e recursos financeiros para tal resultado.
Assim, mesmo não se sabendo a riqueza total de uma comunida-
de, a curva de acumulação de espécies poderá sugerir um número
de riqueza observado, que tenderá a estar perto da riqueza real,
devido à qualidade do esforço amostral (Fig. 4.3).
103
Fig.4.3. Curva de acumulação de espécies realizada numa área de estudos hipotética
(vermelha) e curva de acumulação de espécies realizada de forma computacional, a par-
tir da mesma base de dados; porém, resumida pela média após a geração de inúmeras
curvas de acumulação pela aleatorização na ordem das amostras, gerando um efeito
mais “polido” (azul). Como a riqueza de uma comunidade é refletida na qualidade do
esforço amostral empregado, a linha tracejada em cinza sugere a riqueza real que, por
pouco, difere da riqueza observada. Ilustração do autor.
104
Curvas de acumulação têm uma grande importância também
em estudos de avaliação da qualidade ambiental. Num estudo rea-
lizado em matas de galeria do Cerrado, avaliou-se o efeito da lar-
gura dessas matas na manutenção de espécies nativas da região,
especificamente de lagartos. Notou-se que matas de galeria com
100 metros de largura conseguiam preservar toda a comunidade
de lagartos típicas da região (11 espécies). Entretanto, matas de
galeria que foram desmatadas até o limite que a lei permite (dei-
xando 30 metros de vegetação em pé, 15 metros de cada lado da
margem do riacho) mantiveram apenas duas espécies de lagartos,
com habitat e nicho generalistas (Fig. 4.4).
Fig. 4.4. Estudo realizado por Ledo & Colli (2016), avaliando a eficiência do código flores-
tal brasileiro na preservação de matas de galeria no Cerrado e manutenção de espécies
nativas nesses locais. A partir de um levantamento da comunidade de lagartos em três
locais (vistos ao centro da figura), sendo dois deles preservados (matas 1 e 2, Reserva
Ecológica do IBGE e Estação Ecológica do Jardim Botânico de Brasília – EEJBB, respec-
tivamente) e um fragmentado pela construção de cidades no entorno (mata 3, Parque
Ecológico Saburo Onoyama), notou-se que o ambiente fragmentado perdeu 80% da
105
diversidade de lagartos da região (imagem inferior à direita). Espécies endêmicas e re-
cém descritas, como Enyalius capetinga, são as mais sensíveis à alteração das matas de
galeria na região (imagem superior à direita). Imagens de Roger Ledo.
106
as permitiam viver juntas. Para ele, uma comunidade era mera-
mente uma coincidência (conceito individualista de comunida-
de). Pode-se dizer que, dependendo da comunidade analisada, as
ideias de um dos autores poderá ser mais bem empregada em sua
caracterização. Além disso, entre esses dois conceitos extremos,
há um intervalo conceitual enorme onde diversas comunidades
podem se encaixar, com algumas espécies com intensa coevolução
e outras ocorrendo apenas como fruto do acaso.
107
o pólen que seria levado para a próxima orquídea visitada. Quarenta anos após essa
hipótese, a mariposa foi descoberta: Xanthopan morgani, se caracterizando como um
exemplo preditivo interessante da evolução na interação entre espécies. No entanto,
este exemplo de coevolução entre duas espécies não é tão comum assim, se tornando
mais uma exceção do que uma regra. Mais informações sobre esse assunto podem ser
vistas em Kritsky G (1991) Darwin’s Madagascan hawk moth prediction. American En-
tomologist 37: 206–209. Imagens disponibilizadas pelo Museu de História Natural de
Londres (Licence CC BY 3.0).
108
mais intensos, uma vez que não haveria uma vegetação capaz de
absorver parte dessa radiação. Diante desse cenário, imagina-se
que espécies adaptadas à alta irradiação solar (chamadas heliófilas),
anuais e semelparas (que se reproduzem apenas uma vez na vida,
gastando toda a energia e esforço nesse único evento e, como con-
sequência, produzindo uma prole de grande quantidade – vide
Capítulo 3, de Ecologia das Populações) terão maior vantagem
sobre espécies adaptadas a ambientes com sombra (ombrófilas) e
com reprodução tardia.
As espécies iniciais, num processo de colonização, prova-
velmente serão aquelas com melhor potencial de colonização e
competição em espaços abertos. Em poucos anos, elas já provêm
de condições e de alguns recursos capazes de promover alguma
heterogeneidade no ambiente. Essa alteração ambiental permitirá
o estabelecimento de novos entrantes, capazes de crescerem em
ambientes com um pouco mais de umidade e nutrientes. Geral-
mente são espécies iteróparas, se fixando num local, apresentando
crescimento mais lento e se reproduzindo mais vezes do que as
espécies anuais. Em consequência, poderão ter raízes mais pro-
fundas que as espécies anuais, podem produzir lenho e, com suas
folhagens, sombrear a área ao seu redor. O estabelecimento dessas
espécies permitirá a entrada de espécies ombrófilas, que exclui-
rão gradualmente as espécies heliófilas da região. À medida que
a comunidade vegetal constrói um ambiente mais ombrófilo, a
heterogeneidade ambiental tende a reduzir. Em função disso, a di-
versidade ambiental também reduzirá, marcando a mudança nos
estágios sucessionais. Chamaremos de clímax o estágio “final” de
estabelecimento de espécies nessa comunidade (Fig. 4.6).
109
A sucessão ecológica é um fenômeno comum nas comuni-
dades e seu estudo possui grande relevância para a Ecologia Apli-
cada, sobretudo para a Ecologia da Restauração. Dependendo
da definição de comunidade que um pesquisador adote (como
um superorganismo ou como uma associação de individualista
e aleatória de espécies), as medidas adotadas para a restauração
ambiental poderão ser variadas. De igual modo, a intensidade
do distúrbio possui grande importância no processo de sucessão.
Distúrbios de grandes proporções (ex.: derramamento de lavas de
vulcão em ilhas, maremotos, desmatamento para atividades de
mineração etc.) retirarão a comunidade biológica do local, quase
por completo, e desencadearão um processo de sucessão como o
descrito nos parágrafos acima, chamado de sucessão primária.
Nesses ambientes, o solo ficou exposto e a funcionalidade da ve-
getação foi perdida. Entretanto, alguns distúrbios podem ser de
proporções menores (ex.: abertura de clareiras numa mata pela
queda de árvores, queimadas no cerrado, retirada da vegetação
numa área pequena, porém mantendo algumas espécies típicas
da região na área desmatada e no seu entorno) e desencadearão
um processo de sucessão secundária, marcado pela colonização
do espaço aberto por espécies que já se encontrarão ali (plântulas,
sementes ou árvores e trepadeiras já estabelecidas, que direciona-
rão seu crescimento para as áreas de clareira). Dessa forma, além
das definições de comunidade a serem adotadas no processo de
recomposição da vegetação, o tipo e a magnitude da perturbação
também precisam ser levadas em consideração no processo de res-
tauração ambiental.
110
Fig. 4.6. Processo hipotético de sucessão ecológica primária, a partir de uma perturba-
ção que removeu toda a comunidade local. Notar que no início da escala temporal as
primeiras espécies vegetais são gramíneas e plantas anuais, adaptadas ao ambiente
com muita luminosidade (heliófilas). Em seguida (centro da figura), espécies de arbus-
tos co-ocorrem com gramíneas e, em seguida, são substituídas por espécies de grande
porte (árvores), criando condições de sombreamento no solo ao final da sucessão (con-
siderado clímax, para o exemplo hipotético). Arte de Roger Ledo.
111
de Ecologia de Comunidades, Joseph Connell é famoso por pro-
por a hipótese do distúrbio intermediário, sugerindo que a riqueza
máxima de uma comunidade não ocorreria nas etapas iniciais e
finais de uma sucessão ecológica, tampouco em ambientes sem
nenhum distúrbio ou com muitos distúrbios. Ao contrário, am-
bientes com distúrbios moderados seriam capazes de reduzir as
forças de competição entre espécies heliófilas e ombrófilas, pois
criariam ambientes heterogêneos, com manchas de habitat em
que cada guilda de espécies estaria melhor adaptada, permitindo
assim a convivência entre diversas espécies.
Um fator na história do Brasil, que poderia nos ajudar a
entender o processo natural de sucessão ecológica, ocorreu em
estudos iniciados no governo de Getúlio Vargas. Nesse período,
houve o processo histórico de colonização denominada “Marcha
para o Oeste” brasileira, outorgado pela Portaria nº. 77/43 com
a Expedição Roncador Xingu. O objetivo era atingir as confluên-
cias do Rio Culuene com o Xingu, depois de passar pelo Rio das
Mortes e atingirem o ponto mais próximo da Serra do Araés. A
partir dela e nos anos que se seguiram, houve diversas excursões
botânicas anglo-brasileiras, no trajeto Xavantina-Cachimbo, com
destaque na década de 70 para a descrição de um mosaico de ve-
getação contendo formações amazônicas, de cerrado e de áreas de
transição. Os pesquisadores, dentre eles o britânico James A. Ra-
tter, constataram que, naquela região, a floresta Amazônica tem
avançado sobre as áreas savânicas do Cerrado.
Umas das explicações, baseado na definição acima de suces-
são ecológica, é que as condições do local (com o aumento da
pluviosidade e da disponibilidade de CO2, importantíssimos para
112
a fotossíntese) ocasionaram o desenvolvimento e crescimento das
espécies do Cerrado. Esse crescimento e desenvolvimento maior
das árvores do Cerrado ocasionaria no aumento de suas copas e,
consequentemente, promoveria modificações microambientais,
como maior sombreamento, diminuição da temperatura e maior
disponibilidade de matéria orgânica no solo. Essas modificações
facilitariam a entrada de outros grupos de plantas de diferentes
ambientes, no caso de florestas. Essa é uma das explicações para
o nosso questionamento inicial sobre o avanço da floresta Ama-
zônica sobre o Cerrado. É ciente que as florestas já se expandiram
sobre as savanas (e vice-versa) mais de uma vez ao longo do tempo
geológico, desde o último máximo glacial (cerca de 20.000 anos
atrás) até o presente. Durante o avanço ou retrocesso de uma co-
munidade vegetacional, há a dinâmica entre os modelos citados
anteriormente, como o de facilitação ou inibição.
Uma das espécies arbórea bastante citada e explorada nes-
se processo sucessional do avanço da floresta Amazônica para o
Cerrado, na região do Mato Grosso, é o carvoeiro (Tachigali vul-
garis), da família Fabaceae. Esta é uma espécie típica do Cerrado
e apresenta maior abundância na região do Mato Grosso e na
transição Cerrado-Amazônia. Por apresentar rápido crescimento
e cobertura na vegetação, favorece o estabelecimento de espécies
florestais. O profissional ambiental, ao observar tais características
e acompanhar o pensamento da sucessão ecológica, compreende-
rá a dinâmica e as interações das vegetações, consequentemente
os processos sucessionais da vegetação a longo prazo. Muito pro-
vavelmente, uma restauração ecológica num ambiente próximo a
esse poderá ser feita com o carvoeiro.
113
5.5. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
114
CAPÍTULO 6
Ecologia de Ecossistemas
116
terreno para plantio tem alterado o regime de queima do Cerrado
para anual, se transformando numa segunda ameaça para o bioma
(vide hipótese do distúrbio intermediário no Capítulo 4). Além
disso, as mudanças climáticas globais são ainda uma ameaça de
grandes proporções ao bioma, e estima-se que diversas espécies
não resistirão a essas mudanças nas próximas décadas.
Ecossistema consiste numa comunidade biológica e suas
interações com o ambiente físico. Ao relatarmos o Cerrado, po-
demos considerá-lo como uma comunidade em nível regional,
quando tratamos apenas de suas espécies; mas também podemos
considerá-lo como um ecossistema, quando consideramos toda
a importância dos fatores abióticos (temperatura, precipitação,
regime de queimas, características do solo, relevo etc.) na delimi-
tação e estruturação desse bioma. De fato, todos os biomas são
comunidades biológicas. Entretanto, o estudo deles não faz sen-
tido algum se não estiverem associados ao clima, que os explica
em grande parte. E é justamente por esse assunto que iniciamos
o capítulo.
Além do estudo de biomas, o estudo do fluxo de energia
e de matéria através dos diferentes níveis tróficos (produtores e
consumidores), bem como a importância dos decompositores
nessa ciclagem, são assuntos comuns para estudos em nível de
ecossistema. Ademais, o estudo dos ciclos biogeoquímicos nos
ecossistemas traz a base para a compreensão de uma ecologia
aplicada de ecossistemas, uma vez que diversas informações sobre
eutrofização, bioacumulação e amplificação biológica possuem
como base alterações nos ecossistemas e em seus ciclos naturais.
117
6.1. Os determinantes dos biomas do mundo
Ao tratarmos do Cerrado, o classificamos como uma savana.
Além do Cerrado, diversas outras vegetações também são consi-
deradas savânicas, como as do Serengueti (planícies intermináveis,
na língua Massai) na África, e as florestas esclerófilas de eucalipto
na Austrália. O termo savana é, portanto, o nome dado a uma
classe de vegetações que possuem características similares de pre-
sença de árvores com dossel descontínuo, permitindo a passagem
de luz e crescimento de arbustos e gramíneas em conjunto. Di-
versos organismos, mesmo pertencentes a grupos evolutivos dife-
rentes, acabam por assumirem a forma corporal e, por ocuparem
papéis (nichos) muito similares, terminam também por habita-
rem regiões com condições climáticas parecidas. Esse fenômeno é
conhecido como convergência evolutiva, e para esse caso, possui
o clima como grande fator seletivo. Na verdade, essa é a base da
definição de bioma: um sistema de classificação das comunidades
biológicas do mundo com base nas semelhanças e diferenças de
suas características vegetais.
Apesar da contribuição de diversos pesquisadores para o es-
tudo do clima em todo o mundo, Robert H. Whittaker teve um
importante destaque. Ele definiu inicialmente todos os biomas do
mundo, com base na classificação que apresentamos logo acima.
Em seguida, Whittaker construiu um diagrama de duas variáveis
(temperatura média x precipitação anual) e inseriu ali os pares
ordenados de temperatura média e precipitação anual de todos
os biomas classificados previamente. O resultado visual é que for-
mações vegetais similares estavam localizadas próximas umas às
outras, de forma que a similaridade na aparência dos biomas do
118
mundo inteiro podia ser explicada pela similaridade climática que
eles possuíam (Fig. 5.2). Além disso, todos os biomas do mundo
se enquadravam numa área climática em forma de triângulo, cujos
vértices representam os seguintes climas: quente e úmido, quente
e seco, frio e seco. Trata-se de uma maneira bastante interessante
de se entender os diferentes biomas do mundo (num nível ecos-
sistêmico).
119
como um mesmo bioma se localizam em faixas similares de lati-
tude (Fig. 5.3), apresentando certa correspondência com o estudo
de Whittaker. Relembrando conhecimentos básicos de geografia,
como os movimentos de rotação da Terra, fica evidente que regiões
com mesma latitude costumam receber uma mesma quantidade
de incidência solar ao longo do dia, justificando sua similaridade
em irradiação, temperatura (que é um reflexo da irradiação so-
lar) e, indiretamente, de precipitação. As regiões equatoriais terão
maior incidência solar, maiores temperaturas, maiores taxas de
evapotranspiração e, consequentemente, maior precipitação (que
é reflexo da evapotranspiração). O bioma mais comum para esse
tipo de condições climáticas é o de floresta tropical pluvial (ex.:
Amazônia, Mata Atlântica, Floreta do Congo). Geralmente essas
regiões possuem uma altíssima biodiversidade. Em seguida, em
latitudes um pouco superiores, tanto a Norte quanto a Sul, os
efeitos da sazonalidade começam a preponderar. A inclinação de
23.5º do eixo de rotação da Terra, associado ao seu movimento de
translação, explicam as estações do ano no planeta. Regiões entre
os Trópicos de Câncer e Capricórnio (ditas tropicais) terão uma
metade do ano com alta incidência solar; consequentemente, com
alta precipitação, sendo que a outra metade terá uma baixa inci-
dência solar relativa e baixa precipitação. Os biomas mais comuns
nessa faixa de latitude são florestas tropicais sazonais e savanas.
Em latitudes maiores, logo após 30ºN e 30ºS é comum existi-
rem regiões que ainda recebem uma considerável incidência solar;
mas que, infelizmente, não se reflete em grandes quantidades de
chuva, formando os desertos subtropicais.
Em latitudes acima das dos desertos subtropicais, as estações
120
do ano são ainda mais marcadas, de forma que são perceptíveis
quatro estações (primavera, verão, outono e inverno), e não mais
duas estações (verão chuvoso e inverno seco), como nas regiões
tropicais. Nessas regiões ocorrem influências de outras massas de
ar que não as das regiões tropicais, de forma que a precipitação é
retomada em alguns biomas (florestas temperadas) e, em alguns
casos, a precipitação vem na forma de neve (desertos e campos
temperados, floresta boreal e tundra). Os biomas mais extremos
em termos de latitude são as tundras e florestas boreais. É tam-
bém comum nessas regiões a ocorrência de meses do ano com
pouquíssima (ou nenhuma) irradiação solar e meses do ano com
irradiação solar o dia inteiro, dado o posicionamento da área do
Globo em relação aos raios solares.
Fig. 5.3. Biomas do mundo, conforme classificação de Whittaker. As cores dos biomas no
mapa correspondem às mesmas cores do diagrama de Whittaker na figura 5.3. Adapta-
do por Roger Ledo.
121
6.2. Ciclos biogeoquímicos nos ecossistemas e alterações
antrópicas
Ao se estudar os diferentes ecossistemas, os esforços de com-
preensão de sua dinâmica poderão sair um pouco da relação das
comunidades biológicas com o ambiente e, em vez disso, poderão
incorporar como os diferentes nutrientes, que fazem parte da
matéria dos diferentes organismos transitam por toda a comu-
nidade. Esse tipo de estudo possui ainda uma relevância maior,
dado à crise ambiental/antrópica que vivemos, visto que a ação
humana nos últimos séculos tem promovido inúmeros desequilí-
brios no ciclo natural de diversos nutrientes, causando superpo-
pulações, desastres ambientais etc.
Um nutriente pode ser considerado qualquer elemento es-
sencial para a sobrevivência e crescimento de um organismo. Eles
podem ser divididos em macronutrientes, quando participam
em quantidades superiores a 0.2% do peso orgânico seco (p.o.s)
(ex.: C, O, N, P, S, Cl, K, Na, Ca, Mg e Fe), ou micronutrien-
tes, quando participam em quantidades inferiores a 0.2% do pos,
como Alumínio (Al), Boro (B), Cromo (Cr), Zinco (Zn), Molib-
dênio (Mo), Vanádio (V) e Cobalto (Co). Estudar o ciclo desses
nutrientes através dos diferentes organismos de uma comunidade
faz parte do escopo de conhecimentos de ciclos biogeoquímicos.
Esse termo deriva da natureza desses ciclos, que envolve a parte
viva (bio), o componente geológico (geo), visto que o meio ter-
restre é a fonte inicial desses nutrientes; e químicos, uma vez que
todo o processo de assimilação e desassimilação dos elementos,
envolve um conjunto de reações químicas.
Os ciclos biogeoquímicos mais estudados são os do Car-
122
bono, Nitrogênio, Enxofre e Fósforo, visto que recebem
alterações muito significativas pela ação humana. A poluição e
os desequilíbrios ecossistêmicos (ex.: eutrofização, efeito estufa,
chuva ácida) são fruto, em última instância, de mudanças nos
ciclos biogeoquímicos dos nutrientes.
O Carbono (C) possui a atmosfera como estoque natural,
na forma de CO2. Alternativamente, o CO2 também pode ser
estocado no ambiente aquático, formando íons de carbonato e
também precipitando na forma de calcário. Esse composto repre-
senta cerca de 49% do peso orgânico seco dos organismos vivos.
O ciclo do carbono nos ecossistemas pode ser dividido em duas
fases: rápida e lenta. A fase rápida engloba os processos químicos
de fotossíntese, respiração e decomposição dos organismos vivos.
É nesse sentido que classificamos a maioria dos organismos nos
níveis funcionais de produtores e consumidores, sendo que den-
tro dos consumidores podem ainda existir seres decompositores.
A fase lenta envolve a decomposição lenta da matéria orgânica
morta e formação de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás
natural). Em ambientes naturais, a formação de combustíveis
fósseis fica inacessível à comunidade biológica por ficar estocada
embaixo da terra. Contudo, a partir da Revolução Industrial, a
expansão da produção e globalização se deu pela intensa queima
de combustíveis fósseis, liberando quantidades absurdas de CO2
e CH4 na atmosfera. Todos estes gases contribuem significativa-
mente para o efeito estufa e aquecimento global.
O Nitrogênio (N) é um importante elemento na constitui-
ção do DNA, de proteínas, de vitaminas e de hormônios. Ele se
encontra em maior quantidade no estado gasoso (N2), cuja con-
123
centração na atmosfera (78%) é muito maior que a de gás car-
bônico (0.032%). Entretanto, apesar de toda essa concentração,
apenas alguns grupos de organismos aproveitam o gás nitrogênio
(bactérias tão somente). Bactérias que conseguem fixar o carbo-
no a partir de N2 são Azobotobacter, Beijerinckia e Clostridium,
transformando-o em amônia. Plantas leguminosas também con-
seguem fazer essa fixação, graças à uma associação ecológica que
fazem com bactérias do gênero Rhizobium (na verdade, quem faz
a fixação do nitrogênio são essas bactérias). A amônia também é
produzida pela decomposição da matéria orgânica morta. Contu-
do, a amônia (ou íon amônio) não é assimilada pelas plantas. Para
que o nitrogênio seja assimilado pelas plantas e participe da cadeia
trófica dos ecossistemas é necessário que o íon amônio seja ainda
convertido em nitritos (NO2-) e, em seguida, em nitratos (NO3-),
pela ação de bactérias do gênero Nitrosomonas e Nitrobacter, res-
pectivamente. Todas essas bactérias citadas ao longo do ciclo do
nitrogênio são autotróficas do tipo quimiotrófico, ou seja, capazes
de produzir energia para a sobrevivência e a construção de com-
postos orgânicos a partir da matéria inorgânica. Os nitratos são a
forma de absorção do íon nitrogênio pelas plantas. Em contrapar-
tida, diversas bactérias também fazem a denitrificação, que con-
siste na transformação de nitratos em nitritos e, posteriormente,
em óxido nitroso e gás nitrogênio, liberado na atmosfera. Dentre
elas, podemos citar as do gênero Pseudomonas.
Alterações no ciclo do nitrogênio tem como base a produção
de adubos químicos, fixando o nitrogênio fora do ciclo biogeo-
químico natural para a produção de fertilizantes. Esses adubos
químicos contribuem para uma maior oferta de amônia no solo
124
que aumenta a produtividade vegetal; mas também, carreia gran-
de parte desse adubo para corpos d’água, deixando-os eutróficos e
permitindo o crescimento desenfreado de bactérias tóxicas.
O fósforo está presente em grande quantidade nas molécu-
las de ácidos nucleicos (DNA e RNA), bem como nas moléculas
de ATP. Ele é considerado recurso limitante para produtividade
primária em diversos ecossistemas e seu reservatório natural é a
litosfera (rochas fosfatadas). A liberação de fósforo na forma de
fosfatos ocorre pelo processo de sedimentação das rochas e pela
ação da chuva. O fosfato é a forma iônica que os organismos as-
similam. Em contrapartida, com a liberação de excrementos ou
morte, o fosfato pode ser assimilado novamente no ciclo ou pode
retornar aos depósitos minerais. O desequilíbrio desse ciclo se dá
na oferta excessiva de fósforo nos ecossistemas na forma de adu-
bos químicos (NPK) que, assim como o nitrogênio, aumentam
a produtividade vegetal, mas também são carreados em grande
parte para corpos d’água, deixando-os eutróficos e permitindo o
crescimento desenfreado de bactérias tóxicas.
Assim como o fósforo, o ciclo do enxofre também é sedi-
mentar. A forma de assimilação do enxofre pelos organismos é
na forma de sulfato inorgânico. Enxofre também pode ser libe-
rado na atmosfera pela atividade vulcânica, na forma de óxidos
de enxofre e gás sulfídrico. O contato desses gases com massas de
ar está associado à chuva-ácida, fenômeno natural de aumento
da acidez da água da chuva. Todavia, a queima de combustíveis
fósseis contribui para o incremento significativo de gases do efeito
estufa na atmosfera, além de óxidos de enxofre, tornando a chuva
ácida muito mais frequente que o habitual. O resultado é que a
125
chuva ácida corrói com mais intensidade monumentos, estruturas
de habitações e de veículos em grandes cidades.
126
temperatura, reparação de tecidos etc.); não sendo estocada e
consumida no nível trófico seguinte. Ademais, considerando os
diferentes níveis tróficos como sistemas que respeitam as leis da
termodinâmica, os processos de transformação de energia sempre
aumentarão a entropia (desordem no sistema), de forma que
sempre parte da energia absorvida/produzida será transformada
em outras formas de energia não aproveitáveis (ex.: calor). Dessa
maneira, à medida que avançamos para cada nível trófico, a quan-
tidade de energia disponível (e matéria) para assimilação será me-
nor (Fig. 5.4) e, como consequência, suportando populações e co-
munidades menores. Portanto, a maioria das pirâmides de energia
nos ecossistemas não consegue comportar mais do que três níveis
tróficos de consumidores (Fig. 5.4).
Fig. 5.4. Representação hipotética de uma pirâmide de energia, com produtores e con-
sumidores. Note que à medida que avançamos na análise dos níveis tróficos, percebe-se
que a quantidade de energia disponível será menor numa magnitude de 90%. Imagem
de Roger Ledo.
127
cação biológica (também chamada de biomagnificação, ou mag-
nificação biológica). Ambientes com muitos compostos tóxicos
e recalcitrantes (pouco degradáveis, persistentes no ambiente) a
exemplo do mercúrio, chumbo, DDT etc., não são eliminados
com facilidade dos organismos, sendo estocados em seus tecidos
corporais (adiposos). Ou seja, são compostos de natureza apolar.
À medida que esses organismos crescem, tendem a acumular ainda
mais desses compostos tóxicos, num fenômeno conhecido como
bioacumulação. Predadores desses animais seguramente acumula-
rão ainda mais desses nutrientes, pois não predarão apenas um or-
ganismo ao longo de suas vidas. Por consequência, predadores de
topo de cadeia tenderão a acumular níveis muito altos de toxinas,
em escala exponencial, fenômeno conhecido como amplificação
biológica. Fenômenos desse tipo são muito conhecidos, como
o Mal de Minamata (região do Japão), cujo lago recebeu muitos
aportes de mercúrio nas décadas de 1930. Após uma década, di-
versas crianças nasceram com deformidades corporais e proble-
mas mentais. O principal motivo dessas ocorrências, está no fato
de que os pais dessas crianças acumularam muitos metais pesados
pela ingestão frequente de peixes contaminados do referido lago.
128
Fig. 5.5. Representação da amplificação biológica para um composto tóxico hipotético.
Considerando que o composto possui baixíssima degradação no ambiente (composto
recalcitrante) e é apolar (ou seja, não é eliminado pelas excreções corporais; e, sim, acu-
mulado nos tecidos corporais dos organismos vivos), consumidores de topo de cadeia
tenderão a acumular maiores níveis de toxinas (escala exponencial) em relação às suas
presas. Isso se deve ao fato de um predador não consumir apenas uma presa ao longo
de sua vida, mas inúmeras delas. Imagem de Roger Ledo.
129
6.4. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
130
CAPÍTULO 7
132
novo tratamento à deterioração do meio ambiente. Essas regras
teriam como valor e objetivo maior a conservação de tudo aquilo
que é essencial à vida. Em suma, o Direito Ambiental é, portanto,
um conjunto de normas que estabelece mecanismos capazes de
disciplinar as atividades humanas em relação ao meio ambiente.
133
incluindo os que ele mesmo produziu. Soa até engraçado, por
exemplo, percebermos que o ser humano é tão bem-sucedido à
vida na Terra que consiga estendê-la até à Lua eventualmente,
devido às suas conquistas tecnológicas. Ou ainda, que o homem é
tão adaptado à vida na Terra que conseguiu expandir suas áreas de
atuação para o espaço, Marte ou até os confins do Universo. De
fato, o ser humano apresenta bastante peculiaridades. Juntamente
com isso, percebemos que a espécie humana também desenvol-
ve cultura, linguagem, arte, conhecimento, religião, dentre várias
outras referências. É frequente, com base nessas características do
ser humano, textos jurídicos que fazem alusão a outros meios in-
fluenciados pelo ser humano e que também carecem de tutela,
como o meio ambiente natural, o meio ambiente urbano, o meio
ambiente social e o meio ambiente cultural.
No Direito Ambiental, além de todos os elementos que com-
põem a definição de meio ambiente, a atividade humana (tam-
bém conhecida como atividade antrópica) e seus resultados tam-
bém são incluídos com destaque nessa compreensão. Conforme
Antunes (2010), no Direito Ambiental, meio ambiente é consi-
derado a natureza mais o ser humano, incluindo a modificação
produzida pelo homem sobre o meio físico, químico e biológico,
de onde retira o seu sustento. A partir desse conceito, portanto,
não se deve imaginar que o homem está fora do mundo natural.
Ao contrário, ele também é parte essencial, pois é dotado de uma
capacidade de intervenção e modificação de sua realidade externa,
maior que a observada nos demais organismos, lhe conferindo
uma posição singular. Entretanto, mesmo assim, o ser humano
também é dependente da natureza, de forma que pode se tornar
134
vítima, caso ocorram desarranjos agressivos ao meio ambiente.
Percebe-se, pois, que a essa definição de meio ambiente é dado
um destaque maior ao ser humano, haja vista que a própria Cons-
tituição Federal e normas infraconstitucionais apresentam um ca-
ráter antropocêntrico e que visam, dentre várias coisas, garantir a
manutenção da espécie humana de forma digna no planeta.
Outro aspecto interessante a se notar é o histórico da nomen-
clatura relativa a esse estudo no Brasil. Décadas atrás se chegou
a utilizar a expressão Direito Ecológico para definir o conjunto
de normas referente à matéria meio ambiente. Atualmente, em
concordância com outros países, utiliza-se a expressão Direito
Ambiental (nome relativo em inglês, environmental law). Acredi-
ta-se, ainda, que o Direito Ambiental traz em si um conceito mais
abrangente do que o Direito Ecológico; uma vez que o termo
mais recente incluiria a ideia de conservação de ambientes emer-
gentes, criados a partir da influência direta do ser humano, pelo
menos no ponto de vista jurídico.
Segundo apresentado por Antunes (2010), em Direito Am-
biental, a noção de ambiente seria mais abrangente que a de eco-
logia ou de natureza, uma vez que aquela incluiria o ser humano,
suas atividades, interações (econômicas, sociais etc.) e seus resul-
tados como parte integrante da matéria meio ambiente, estando
sob necessidade de controle, mas também de conservação. Esse
conceito também pode ser percebido nas palavras de Rodgers Jr.
(1977), autor do livro Environmental Law: “direito ambiental não
trata apenas com o ambiente natural – as condições físicas da ter-
ra, ar e água. Ela abarca também o ambiente humano – a saúde,
social e outras condições feitas pelo homem, afetando o lugar do
135
ser humano na terra”.
Entretanto, vale também ressaltar que, em Ecologia (ciên-
cia que estuda a distribuição e abundância dos organismos, bem
como as interações que determinam a distribuição e abundância
deles), é crescente a inclusão de questões resultantes da atividade
antrópica para a solução de problemas ambientais, mesmo em
ambientes emergentes humanos (cidades e plantações, por exem-
plo), o que é frequentemente chamado de Ecologia Aplicada
(TOWNSEND; BEGON; HARPER, 2008). Dessa forma, pelo
menos filosoficamente, esses conceitos podem ainda ser muito se-
melhantes. A diferença, portanto, pode estar no enfoque maior
dado ao ser humano no Direito Ambiental, como algo central,
visto que as próprias leis são escritas para o ser humano (visando
o bem-estar deste como prioridade).
136
É interessante notar que muitos interpretam meio ambiente
e economia como abordagens opostas. Entretanto, a verdade é
que ambas necessariamente precisam andar juntas, visto que
uma necessita da outra. Uma economia só se sustenta com um
ambiente saudável. A exploração desenfreada reduz a quantidade
dos recursos naturais e pode interferir significativamente na
produção, reduzindo a quantidade do produto e/ou aumentando
o custo de produção. A concepção de desenvolvimento sustentá-
vel abrange justamente essa nova visão, propondo a conciliação
da conservação dos recursos ambientais e do desenvolvimento
econômico (melhoria contínua, não necessariamente acúmulo).
A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 1981) foi
a primeira norma legal brasileira construída sobre a base da pro-
teção ambiental como elemento essencial para o desempenho da
atividade econômica (ANTUNES, 2010). Segundo o artigo 2º
dessa lei, a preservação, melhoria e recuperação da qualidade am-
biental propícia à vida é um pré-requisito para assegurar condi-
ções de desenvolvimento socioeconômico no Brasil.
A Constituição Federal de 1988 apresenta algumas preocu-
pações ambientais associadas às normas de Direito Econômico.
No artigo 170, inciso VI, há especial menção ao meio ambiente:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princí-
pios: VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante trata-
mento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produ-
tos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.
Vale salientar que existe uma vertente humana clara no Di-
137
reito Ambiental, expressa no caput do artigo 225 da Constituição
Federal. Ele define o direito ao meio ambiente equilibrado como
de todos e essencial à sadia qualidade de vida. Logo, subjetiva-
mente, toda e qualquer pessoa poderia exigir esse direito. Ainda, o
artigo 225 dessa constituição impõe a conclusão de que o direito
ao ambiente equilibrado é um dos direitos humanos fundamen-
tais.
Portanto, o meio ambiente, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida é de interesse comum, podendo
ser tutelado judicialmente; por exemplo, por meio de ação popu-
lar, como se pode ver no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constitui-
ção: qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que
o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente
e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo com-
provada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
A ação popular é um meio processual à qual tem direito
qualquer cidadão que deseje questionar judicialmente a validade
de atos que considerar lesivos ao patrimônio público (conforme
lei 4.717/1965, que regula esse instituto jurídico); ou ainda, con-
forme redação da Constituição Federal de 1988, outras situações,
como atos lesivos ao meio ambiente. Ainda, segundo Jucovsky
(2000), “(...) ação popular constitucional, no Brasil, tem uma
perspectiva política, de participação política do povo na constru-
ção da democracia; enfim, do Estado democrático de direito, tão
almejado nas modernas sociedades”.
138
7.3. Princípios do Direito Ambiental
Princípios são os requisitos centrais instituídos como base,
como alicerce de alguma coisa. Machado (2003) os considera
como alicerce ou fundamento do Direito. Segundo Benjamim
(1993), os princípios permitem compreender a autonomia de
alguma matéria em relação às demais (exemplo: autonomia das
matérias do Direito Ambiental em relação às do Direito Admi-
nistrativo, Constitucional, Penal etc.), auxiliam na identificação
da unidade e da coerência das normas de determinada matéria,
permitem compreender a forma pela qual um determinado as-
sunto é visto na sociedade, além de servirem de critério para uma
exata compreensão e interpretação das normas que compõem um
sistema jurídico.
Os princípios jurídicos podem ser implícitos ou explícitos.
Explícitos são aqueles claramente escritos nos textos legais e, fun-
damentalmente, na Constituição. Como exemplo de princípios
explícitos podemos citar os princípios do Direito Constitucional
que estão claramente escritos na Carta Magna em seu artigo 1º
(soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valorização
do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo de ideias). Princípios
implícitos são aqueles que decorrem do sistema constitucional,
ainda que não se encontrem escritos. Não há um consenso dou-
trinário acerca dos princípios reconhecidos do Direito Ambiental
e, ao mesmo tempo, existem divergências profundas sobre o sig-
nificado concreto de cada um deles. É bastante comum, quando
realizamos uma busca em mais de uma obra sobre os princípios
do Direito Ambiental, encontrarmos diversos princípios distin-
tos, tanto explícitos quanto implícitos; ou ainda, encontrarmos
139
muitas vezes princípios com uma mesma essência, mas com no-
menclaturas diferentes que os definem. Isso tem variado bastante
de acordo com o autor. Nesse aspecto também se revela muito a
importância da Jurisprudência na solução de situações, visto que
em matéria ambiental, é muito comum se perceber muitas parti-
cularidades e que circunstâncias e casos de cada hipótese não são
comuns em se repetir.
Os princípios jurídicos ambientais devem ser buscados, no
caso do ordenamento jurídico brasileiro, em nossa Constituição
e nos fundamentos éticos que iluminam as relações entre os seres
humanos. Dentro dessa perspectiva, utilizo como referência bá-
sica a obra de Antunes (2010) e destaco os seguintes princípios
fundamentais relativos ao Direito Ambiental:
140
esse respeito, as políticas que promovem ou perpetuam
o “apartheid”, a segregação racial, a discriminação, a
opressão colonial e outras formas de opressão e de domi-
nação estrangeira permanecem condenadas e devem ser
eliminadas.
Princípio 2 - Os recursos naturais da Terra, incluídos
o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente,
parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem
ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras,
mediante um cuidadoso planejamento ou administração
adequada.
Esse princípio foi, posteriormente, reafirmado pela Decla-
ração do Rio, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, Rio 92:
Princípio 1 - Os seres humanos constituem o centro
das preocupações relacionadas com o desenvolvi-
mento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e
produtiva em harmonia com o meio ambiente.
141
afirmam que os seres humanos constituem o centro das preocu-
pações com o meio ambiente e que o ser humano necessita de um
meio ambiente de qualidade, tal que lhe permita levar uma vida
digna e gozar de bem-estar. Além de ser portador solene da obri-
gação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações
presentes e futuras.
Dessa forma percebe-se que o ser humano é o centro das
preocupações no Direito Ambiental e que este existe em função
dele, para que ele possa viver melhor na Terra. Contudo, existe
uma corrente no Direito que visa estabelecer uma igualdade linear
entre as diferentes formas de vida do planeta. Segundo Antunes
(2010), essa preocupação não precisa estar efetivamente explicita-
da, visto que a conservação biológica também precisa ser encara-
da como algo excessivamente essencial para a manutenção do ser
humano na Terra; devendo-se levar em consideração a conserva-
ção tanto de espécies com um nível de importância como o ser
humano, quanto a de espécies aparentemente não importantes
(mas, com perspectivas de virem a se tornarem). Além disso, es-
sas espécies desempenham sua função no equilíbrio dinâmico dos
ecossistemas, mesmo que aparentemente não pareçam ter.
Ainda, o autor ressalta que a relação humana com os demais
animais deve ser vista de forma caridosa e tolerante, sem que se
admita a crueldade, sofrimento desnecessário e exploração exces-
sivamente danosa ou interesseira de animais e plantas. Alguns au-
tores sugerem uma preocupação indireta do Direito Ambiental
Brasileiro, a outros organismos que não o ser humano, ao indicar
constitucionalmente como obrigações do Poder Público “proteger
e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
142
ecológico de ecossistemas”, ou ainda em “preservar a diversidade
e a integridade do patrimônio genético do país”. Logicamente,
esses indícios de proteção de organismos da biota brasileira estão
diretamente associados à própria manutenção da vida humana
com qualidade; visto que, a inobservância dessas obrigações, pode
causar danos à saúde e bem-estar da população humana. Além
disso, a biodiversidade é também um bem intransponível de to-
dos, podendo fazer parte não só do meio ambiente ecológico, mas
também do meio ambiente cultural, artístico e de lazer humano.
143
que meio ambiente e desenvolvimento não constituem desafios
separados, mas inevitavelmente interligados.
O princípio do desenvolvimento sustentável pode ser per-
cebido, por exemplo, na Constituição Federal, no caput do ar-
tigo 225, quando é imposto ao poder público e à coletividade o
dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes
e futuras gerações. Além disso, esse princípio pode ser percebido
na lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC), art. 4º, incisos IV, V, X e XI, quando
afirma que o SNUC tem o objetivo de promover: o desenvolvi-
mento sustentável dos recursos naturais; princípios e práticas de
conservação da natureza no processo de desenvolvimento; incen-
tivar a pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental e
valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica. Vale
ressaltar que, segundo Sachs (2002), o desenvolvimento susten-
tável precisa estar amparado no desenvolvimento científico e na
compreensão acerca do funcionamento dos diversos ecossistemas,
para que se possa conhecer a diversidade de uma região; além da
melhor forma de utilizar os produtos e serviços ecossistêmicos
numa perspectiva de lucro e de bem-estar social e ambiental.
144
o que for de interesse público.
O princípio da gestão democrática do meio ambiente asse-
gura ao cidadão o direito à informação e a participação na elabo-
ração das políticas públicas ambientais, de modo que ele assegura
aos cidadãos o direito de, na forma de lei ou regulamento, parti-
cipar das discussões para a elaboração das políticas públicas am-
bientais e de obter informações dos órgãos públicos sobre matéria
referente à defesa do meio ambiente. O direito de informação está
presente no art. 5º, XXIII da Constituição Federal e assegura que
todos tem direito de receber dos órgãos públicos informações de
seu interesse particular, coletivo ou geral. O início do art. 225 da
Constituição Federal consagra o princípio da gestão democrática
ao dispor que é dever do Poder Público e da coletividade defender
e preservar o meio ambiente. Outro exemplo disso é o fato de es-
tudos prévios de impacto ambiental se tornarem públicos. O Es-
tudo de Impacto Ambiental (EIA) deve ser submetido à audiência
pública. Ainda, a ação popular (artigo 5º, inciso LXXVIII) é uma
ação constitucional, cuja finalidade é anular ato lesivo ao patri-
mônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e
ao patrimônio histórico e cultural.
145
biente, em casos de incerteza científica acerca da degradação de
alguma ação. Assim, quando houver dúvida científica da poten-
cialidade de dano ao meio ambiente quanto à qualquer conduta
que pretenda ser tomada (ex.: liberação e descarte de organismo
geneticamente modificado no meio ambiente, utilização de fer-
tilizantes ou defensivos agrícolas, instalação de determinada ati-
vidades ou obra), incide o princípio da precaução para prevenir
o meio ambiente de um risco futuro. Esse princípio está direcio-
nado, tanto para o presente, quanto para a qualidade de vida das
futuras gerações.
O princípio da precaução é, portanto, um critério de escolha
e tomada de decisão sobre possíveis ações danosas ao meio am-
biente, no qual são escolhidas as ações menos danosas ou numa
relação custo-benefício mais proveitosa possível, tanto para o
meio ambiente, quanto para a sociedade atual e futura. Esse prin-
cípio pode ser encontrado em todo o 1º parágrafo do artigo 225
da Constituição Federal.
146
assim, controlá-los e minorá-los. Esse princípio é encontrado no
caput do art. 225, quando fala sobre o dever do Poder Público e
da coletividade de proteger e preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações.
147
emissões de matérias poluentes, de ruído. Enfim, de tudo aquilo
que possa implicar prejuízos aos recursos ambientais e à saúde hu-
mana. Os padrões são fixados de forma a resguardar a qualidade
ambiental. Esse princípio pode ser percebido na constituição, no
artigo 225, parágrafo 1º, inciso V, indicando ao Poder Público
a incumbência de controlar a produção, a comercialização e o
emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco
para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
148
recurso ambiental deve suportar seus custos, sem que essa cobran-
ça resulte na imposição de taxas abusivas, de maneira que nem
Poder Público nem terceiros sofram com tais custos. O princípio
do poluidor-pagador tem sido confundido, por grande parte da
doutrina, com o princípio da responsabilidade. Contudo, o seu
objetivo não é recuperar um bem lesado nem criminalizar uma
conduta lesiva ao meio ambiente; e, sim, afastar o ônus econô-
mico da coletividade e voltá-lo para a atividade econômica que
utiliza dos recursos ambientais (ANTUNES, 2010). Em resumo,
o objetivo desse princípio é o de se evitar que ocorra a simples
privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos dentro de
uma determinada atividade econômica.
Esse princípio, portanto, está ligado à parte econômica e so-
cial, de forma que o empresário que mantém um determinado
empreendimento seja obrigado a pagar pelas custas de sua ati-
vidade no que se refere à todas as despesas relativas à proteção
ambiental. Percebam, portanto, que o meio ambiente equilibrado
e saudável é um direito de todos(as). Por causa disso, um possível
dano causado por uma empresa ao ambiente não pode ser enca-
rado como um prejuízo financeiro socializado; mas, sim, como
custas que a própria empresa causadora do dano deve arcar, sem
ter que repassar essas custas ao valor do produto, não afetando,
portanto, o bolso do cidadão.
Percebam, ainda, que uma empresa, ao utilizar gratuitamen-
te um recurso ambiental, está se enriquecendo ilicitamente; pois,
como o meio ambiente é um bem que pertence a todos(as), boa
parte da comunidade não está utilizando um determinado recur-
so ou se utiliza, o faz em menor escala. Esse princípio tenta, por-
149
tanto, reduzir algumas disparidades econômicas quanto ao uso
do meio ambiente, que não é exclusivo do proprietário de uma
empresa.
150
definidos pelo Regimento de Almeirim, como os de centralizar a
administração das capitanias, garantir a segurança dos colonos,
criar a cidade de Salvador e supervisionar a extração e comércio
do pau-brasil, garantindo o monopólio da coroa portuguesa. Por-
tanto, as primeiras leis relativas ao corte de madeiras da época do
Brasil colonial não apresentavam nenhuma preocupação ambien-
tal; mas, sim, de controle econômico sobre a saída da mercadoria,
o de monopólio da coroa portuguesa e também de segurança.
Em 1605, durante a época que Portugal estava anexado à
Espanha, integrando a União Ibérica, Filipe III estabeleceu o Re-
gimento sobre o pau-brasil, fixando a exploração de 600 tonela-
das por ano, de modo a limitar a oferta da madeira na Europa e
manter seus preços elevados. Esse regimento proibia o corte de
pau-brasil, exceto com licença. Da mesma forma, essas normas de
controle de derrubadas apresentavam apenas um interesse econô-
mico, e não ambiental. De fato, o contrabando e comércio clan-
destino de pau-brasil era um problema que não fora resolvido,
com diversos casos registrados durante o séc. XVII, XVIII e XIX,
segundo ofícios dos governadores das capitanias, notificações e
cartas (ARQUIVO NACIONAL, 2012).
Mesmo com a criação do Império do Brasil (1822-1889), a
Constituição Imperial de 1824 não fez referência aos recursos na-
turais; sendo, portanto, pouco relevante para o Direito Ambiental
(ANTUNES, 2010). No período Republicado (Constituição de
1891), o tema ambiental se apresentava mascarado na autorização
conferida à União para legislar sobre defesa e proteção da saúde
ou, com a proteção aos monumentos históricos, artísticos e natu-
rais, às paisagens e aos locais particularmente dotados pela natu-
151
reza (HORTA, 2002).
Em 1934 foi elaborada uma nova Constituição brasileira,
com inspirações da Revolução de 30 e da Revolução Constitucio-
nalista de 1932 (ANTUNES, 2010). Esta constituição apresen-
tava características intervencionistas na ordem econômica e so-
cial. A Constituição de 1934, artigo 5º, XIX (j), atribuía à União
competência legislativa sobre bens de domínio federal, riquezas do
subsolo, mineração, metalurgia, água, energia hidrelétrica, florestas,
caça e pesca e sua exploração. No parágrafo 3º desse artigo permi-
tia, ainda, que estados pudessem legislar de forma supletiva ou
complementar sobre esses temas acima mencionados, suprindo
possíveis lacunas ou deficiências da legislação federal. Nesse mes-
mo período foram criadas leis infraconstitucionais, preocupadas
com a proteção do meio ambiente; entretanto, ainda assim, cen-
tralizadas em objetivos econômicos.
Como exemplo, tem-se o Código das Águas (decreto nº
24.643, de 10 de julho de 1934), criado com objetivos de contro-
le e incentivo ao aproveitamento industrial das águas e produção
de energia elétrica. Outro exemplo é a criação do Código Florestal
(decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934), que criou classes
de florestas (protetoras, remanescentes, modelo e de rendimento)
e, no que se refere às de florestas de domínio público, destinou
à exploração industrial intensiva apenas aquelas de rendimento.
No caso de florestas protetoras e remanescentes, a exploração só
seria permitida por meio de licença prévia da autoridade florestal
competente. Esse código também fez diversas alusões à criação
de parques, na qual era proibido exploração florestal, bem como
qualquer atividade contra a fauna. Desse código foram criados
152
diversos parques, como o Parque Nacional do Itatiaia (em 1937)
e o Parque Nacional do Iguaçu (1939).
A constituição de 1937 se manteve semelhante à de 1934
no que se refere à matéria ambiental. O artigo 16 dessa constitui-
ção, no inciso XIV, afirma que competia privativamente à União
legislar sobre “os bens de domínio federal, minas, metalurgia, ener-
gia hidráulica, águas, florestas, caça e pesca e sua exploração”. Da
mesma forma, no artigo 18, era permitido que estados pudessem
legislar de forma supletiva ou complementar sobre esses mesmos
temas. De igual maneira, a constituição de 1946 não alterou as
competências legislativas da União em temas referentes ao meio
ambiente.
Com a implantação do regime político de 1964 (e com a exa-
cerbação dos poderes executivos federais, que passou a exercê-los
de forma discricionária e autoritária, mediante a imposição de
uma ditadura cívico-militar), houve uma hipertrofia dos poderes
da União. Contudo, a competência da União em legislar sobre
matéria ambiental ainda era tangencial, com enfoque puramente
econômico (reforma agrária; segurança e proteção da saúde; águas
e energia elétrica; jazidas; minas e outros recursos minerais; meta-
lurgia; florestas; caça e pesca; regime dos portos e da navegação de
cabotagem, fluvial e lacustre) (ANTUNES, 2010).
De uma forma geral, o enfoque dessas constituições traziam
ao meio ambiente um tratamento pouco sistemático, esparso e
com direcionamento predominantemente voltado para a infraes-
trutura da atividade econômica. A Constituição de 1988, dife-
rentemente das demais, apresentou um capítulo próprio para as
questões ambientais, tratando de obrigações da sociedade e do
153
Estado Brasileiro com o meio ambiente, que pode ser visualizado
abaixo:
CAPÍTULO VI – DO MEIO AMBIENTE
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologica-
mente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações.
§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e
prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimô-
nio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à
pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espa-
ços territoriais e seus componentes a serem especialmen-
te protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas
somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem
sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa de-
gradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego
de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco
para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis
de ensino e a conscientização pública para a preservação
154
do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da
lei, das práticas que coloquem em risco sua função ecoló-
gica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais à crueldade.
§ 2º. Aquele que explorar recursos minerais fica
obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de
acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.
§ 4º. A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica,
a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona
Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização
far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que
assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive
quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º. São indisponíveis as terras devolutas ou
arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias,
necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º. As usinas que operem com reator nuclear deverão
ter sua localização definida em lei federal, sem o que
não poderão ser instaladas.
Segundo o artigo 225 da Constituição Federal de 1988, a
fruição de um meio ambiente saudável e ecologicamente equi-
librado foi estabelecida como direito fundamental. Isso trouxe
um sistema de garantias da qualidade de vida dos cidadãos e de
desenvolvimento econômico que se faça com respeito ao meio
155
ambiente. Contudo, além do artigo 225 da constituição, destina-
do especificamente à matéria ambiental, a Carta Magna também
tratava da matéria ambiental em outros artigos, como ressaltado
por Antunes (2010):
Art. 5, incisos XXIII, LXXI, LXXIII;
Art. 20, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, IX, XI e §§ 1º e 2º;
Art. 21, incisos XIX, XX, XXIII, alíneas a, b e c, XXV;
Art. 22, incisos IV, XII, XXVI;
Art. 23, incisos I, III, IV, VI, VII, IX, XI;
Art. 24, incisos VI, VII, VIII;
Art. 43, § 2º, IV, e § 3º;
Art. 49, incisos XIV, XVI;
Art. 91, §1º, inciso III;
Art. 129, inciso III;
Art. 170, inciso VI;
Art. 174, §§ 3º e 4º;
Art. 176 e parágrafos;
Art. 182 e parágrafos;
Art. 186;
Art. 200, incisos VII, VIII;
Art. 216, inciso V e §§ 1º, 3º e 4º;
Art. 225;
Art. 231;
Art. 232 e
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 43, 44
156
e parágrafos
O artigo 225 da Constituição é inovador ao afirmar que
todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-
do, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida. Dessa frase se extrai um direito ao ser humano, podendo
até ser considerado como uma extensão do artigo 5º. A emenda
constitucional nº 45 de 2004 acrescentou alguns artigos que, em
princípio, também poderão influenciar na decisão das questões
jurídicas sobre o meio ambiente. Ela, especificamente no §3º
do artigo 5º, acrescenta que “os tratados e convenções internacio-
nais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Nesse contexto, certamente poderíamos incluir alguns tratados e
convenções internacionais sobre temas ambientais.
A Constituição Federal brasileira de 1988 trouxe imensas
novidades, notadamente na defesa dos direitos e garantias indi-
viduais e no reconhecimento de uma nova gama de direitos (cha-
mados direitos de 3ª geração), dentre os quais se destacam aqueles
relativos ao meio ambiente.
Nota-se que o Direito Ambiental é uma disciplina recente,
fruto de uma maior inclusão de questões sociais relativas à digni-
dade da pessoa humana nas constituições; e, portanto, oriunda
de um movimento tipicamente exterior ao universo anterior do
direito. Por causa disso percebe-se, ainda, que essa ciência depen-
de muito de outras disciplinas, a maioria externa ao próprio Di-
reito, para sua compreensão. Muitos conceitos relativos ao meio
ambiente não são obtidos do Direito; e, sim, de outros ramos
157
das ciências naturais, como por exemplo: ecologia, meio ambiente,
ecossistema, espécie, biodiversidade, patrimônio genético, manejo eco-
lógico, dentre outros. Segundo Antunes (2010), a complexidade
dos ecossistemas e das múltiplas interações existentes em seu inte-
rior, demonstram ao jurista a total impossibilidade da adoção dos
métodos tradicionais do Direito para a compreensão desta nova
realidade que, originalmente exterior, penetra avassaladoramente
no universo das leis, assentando-se na própria Constituição. Vê-
-se, claramente, que o jurista deverá buscar na Ecologia Moderna,
conceitos básicos para a proteção ambiental desejada pela socie-
dade.
(Parágrafo acima repetido. Quase todo ele aparece no penúl-
timo parágrafo da apresentação desta obra. Sugiro que o mesmo
seja suprimido neste capítulo)
158
7.5. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
159
poluidor-pagador, a definição dos custos de produção de
determinada empresa poluidora não pode levar em consideração
os custos sociais externos decorrentes de sua atividade poluente,
sob pena de cometimento de infração administrativa ambiental.
160
normativa especialmente nos direitos à informação e à participação
e é fruto dos movimentos sociais, caracterizado por uma maior
reivindicação dos cidadãos.
161
vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção” (Art. 225, III. CF/1988).
06. “As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua
localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser
instaladas” (Art. 225, § 6º, CF/1988)
162
CAPÍTULO 8
164
tes da Constituição Federal de 1988, é recepcionada por esta, por
estar de acordo com os interesses maiores apresentados no artigo
225.
Ainda, no artigo 2º, são apresentados diversos princípios da
Polínica Nacional do Meio Ambiente. Esses princípios, segun-
do Antunes (2010), na verdade, mais parecem uma organização
das ações do governo do que princípios efetivos da doutrina do
Direito Ambiental. Por exemplo, o inciso X desse artigo trata da
educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação
da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na
defesa do meio ambiente. A educação ambiental não é um princí-
pio em si, mas sim uma ação do poder público amparado em um
princípio maior, que é o da gestão democrática, que visa uma par-
ticipação maior da sociedade nos processos de decisão. Da mesma
forma, o princípio do limite se encontra no artigo 2º dessa lei,
incisos II, III e V, se referindo ao II – racionalização do uso do
solo, do subsolo, da água e do ar; planejamento e fiscalização do
uso dos recursos ambientais e controle e zoneamento das ativida-
des potencial ou efetivamente poluidoras.
8.1. O SISNAMA
O SISNAMA é o conjunto de órgãos e instituições vincula-
das ao Poder Executivo que, nos níveis federal, estadual e muni-
cipal, são encarregados da proteção ao meio ambiente, conforme
definido em lei. Percebe-se, portanto, uma maior influência do
poder Executivo nesse sistema de trabalho. Entretanto, vale ressal-
tar que, mesmo respeitando princípios de separação dos poderes,
em matéria ambiental, o Congresso Nacional, o poder judiciário
165
e o Ministério Público também podem influenciar em decisões
relativas ao meio ambiente, em situações específicas. Casos de
participação de cada um desses poderes em decisões sobre meio
ambiente podem ser melhor avaliadas em Antunes (2010).
As origens do SISNAMA remontam à época da existência
da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), criada pelo
Decreto nº 73.030, de 30 de outubro de 1973; logo após é in-
fluenciada pelo espírito da conferência de Estocolmo sobre o
Meio Ambiente Humano de 1972 (ANTUNES, 2010; IBAMA,
2012). A SEMA foi criada no âmbito do Ministério do Interior,
como órgão autônomo, diretamente subordinada ao Ministério
de Estado. Este órgão deveria ter a sua orientação voltada para
a conservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos
naturais. Ela foi extinta pela lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de
1989, resultado da aprovação da Medida Provisória nº 34, de 23
de janeiro de 1989.
A Lei nº 6.938, de agosto de 1981, que dispõe sobre a políti-
ca nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formu-
lação e aplicação, instituiu, através de seu artigo 6º, o SISNAMA.
Este sistema é claramente influenciado pelo modelo estabelecido
no National Environmental Policy Act norte-americano (ANTU-
NES, 2010). A finalidade do SISNAMA é estabelecer uma rede
de agências governamentais, nos diversos níveis da Federação, vi-
sando assegurar mecanismos capazes de implementar a Política
Nacional do Meio Ambiente (PNMA) de forma eficiente. Esses
órgãos estão estruturados em sete níveis (1. Órgão superior; 2.
Órgão consultivo e deliberativo; 3. Órgão central; 4. Órgão exe-
cutor; 5. Órgãos setoriais; 6. Órgãos seccionais; 7. Órgãos locais).
166
Abaixo há um maior destaque para cada um deles:
I – Órgão superior: o Conselho de Governo, com a função
de assessorar o Presidente da República na elaboração da política
nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e
os recursos ambientais. É composto pelos Ministérios da Presi-
dência da República, pelos titulares de órgãos essenciais da Presi-
dência da República e pelo Advogado Geral da União.
II – Órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional
do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar,
estudar e propor ao Conselho de Governo diretrizes de políticas
governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais; as-
sim como e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre nor-
mas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente
equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. O CONAMA é,
portanto, uma entidade dotada de poder regulamentar em razão
de expressa determinação legal. O órgão é colegiado, integrando
representantes do governo e da sociedade civil organizada. Esse
órgão vem editando resoluções desde 1984, estabelecendo regras
importantes para a aplicação efetiva da Política Nacional do Meio
Ambiente. O CONAMA é presidido pelo Ministro do Meio am-
biente e tem apoio de 11 Câmaras Técnicas.
O Conselho é um colegiado representativo de cinco setores,
a saber: órgãos federais, estaduais e municipais, setor empresarial
e sociedade civil. Se reúnem a cada 3 meses no Distrito Federal.
São atos do CONAMA as resoluções (quando se tratar de delibe-
ração sobre diretrizes e normas técnicas); moções (manifestações
de qualquer natureza sobre a temática ambiental); recomendações
(quando se tratar de manifestação acerca da implementação de
167
políticas, programas públicos e normas com repercussão na área
ambiental); proposições (quando encaminhamento ao Conselho
de Governo); decisões (quando se tratar de multas e outras penali-
dades impostas pelo IBAMA, em última instância administrativa
e grau de recurso) (MMA, 2012).
Percebe-se, com o CONAMA, um fenômeno de desloca-
mento cada vez maior de atribuições regulatórias específicas para
o poder Executivo. Segundo Antunes (2010), a separação de po-
deres entre o Executivo e o Legislativo, bem como o consequente
controle judicial de legalidade, acrescidos da grande complexidade
da vida atual, sobretudo em matérias para as quais seja requerido
um elevado grau de informação técnico-científica, são os fatores
responsáveis por esse deslocamento. Esse fenômeno também está
associado à criação das “agências reguladoras”, como a ANVISA,
ANEEL e outras. O CONAMA não ostenta a condição de agên-
cia reguladora, embora sua função normativa seja evidente. Logi-
camente, está claro que as agências reguladoras e o CONAMA,
no exercício de suas atribuições legais, não estão autorizadas à
ultrapassagem dos limites fixados pela lei.
III – Órgão central: atualmente é constituído pelo Ministé-
rio do Meio Ambiente (MMA). A Secretaria do Meio Ambiente
da Presidência da República foi extinta pela Lei 7.735, de 22 de
fevereiro de 1989. O Ministério do Meio Ambiente foi criado em
1985 (Decreto nº 91.145/1985) com a sigla de Ministério do De-
senvolvimento Urbano e do Meio Ambiente. Contudo, em 1990
retomou à posição de secretaria, vinculada à presidência, e assu-
miu status de ministério novamente em 1992 (Lei 8.490/1992).
Compete ao MMA planejar, coordenar, supervisionar e controlar,
168
como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governa-
mentais fixadas para o meio ambiente.
IV – Órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Am-
biente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA, criado pela
lei 7.735, de 22 de fevereiro de 1989) e o Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio, criado pela Lei nº
11.516, de 28 de agosto de 2007), com a finalidade de executar
e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes go-
vernamentais fixadas para o meio ambiente. Compete ao IBA-
MA, basicamente, exercer o poder de polícia ambiental; exercer as
ações políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribui-
ções federais relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da
qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais
e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental (Portaria nº
341, de 31 de agosto de 2011). Compete ao ICMBio executar
as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, po-
dendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as
unidades de conservação instituídas pela União. Cabe a ele, ainda,
fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preserva-
ção e conservação da biodiversidade e exercer o poder de polícia
ambiental para a proteção das unidades de conservação federais
(ICMBIO, 2012).
V – Órgãos setoriais: constituídos pelas entidades da Ad-
ministração Pública direta, indireta e fundacional voltadas à pro-
teção do meio ambiente (Ministério da Agricultura, da Fazenda,
da Marinha, das Minas e Energia, da Saúde, da Ciência e Tecno-
logia etc.). Esses órgãos não estão arrolados no artigo 6º da Lei
nº 6.938/81, pois foram agrupados nos artigos 3º, V, e 13º do
169
Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, denominando-os ina-
dequadamente de órgãos seccionais. Entretanto, percebe-se uma
diferença clara entre órgãos setoriais e órgãos seccionais.
V – Órgãos seccionais: os órgãos ou entidades estaduais res-
ponsáveis pela execução de programas, projetos e pelo contro-
le e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação
ambiental. Como exemplos citamos, no Estado de São Paulo, a
Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SMA), o Conselho Esta-
dual do Meio Ambiente (CONSEMA), a Companhia Estadual
de Tecnologia e de Saneamento Ambiental (CETESB), o Depar-
tamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DEPRN) e
a Polícia Militar Ambiental (SIRVINSKAS, 2012).
VI – Órgãos locais: os órgãos ou entidades municipais, res-
ponsáveis pelo controle e fiscalização de atividades causadoras de
poluição e utilizadoras de recursos ambientais.
Estes são os órgãos responsáveis pela proteção do meio am-
biente, os quais poderão aplicar as sanções cabíveis e, inclusive,
interditar ou fechar estabelecimentos industriais que não estejam
cumprindo as determinações legais ou regulamentares. Tudo isso
é possível porque cada um dos órgãos possui um poder de polí-
cia ambiental, indispensável para dar executoriedade às sanções
aplicadas pelos fiscais na esfera administrativa (art. 78 do Código
Tributário Nacional, Lei 5.172, de 1966).
170
biental;
II – o zoneamento ambiental;
III – a avaliação de impactos ambientais;
IV – o licenciamento e a revisão de atividades efetiva
ou potencialmente poluidoras;
V – os incentivos à produção e instalação de equipa-
mentos e a criação ou absorção de tecnologia, volta-
dos para a melhoria da qualidade ambiental;
VI – a criação de espaços territoriais especialmente
protegidos pelo Poder Público federal, estadual e mu-
nicipal, tais como áreas de proteção ambiental, de re-
levante interesse ecológico e reservas extrativistas;
VII – o sistema nacional de informações sobre o meio
ambiente;
VIII – o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Ins-
trumentos de Defesa Ambiental;
IX – as penalidades disciplinares ou compensatórias
ao não cumprimento das medidas necessárias à preser-
vação ou correção da degradação ambiental;
X – a instituição do Relatório de Qualidade do Meio
Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA;
XI – a garantia da prestação de informações relativas
ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a
produzi-las, quando inexistentes;
XII – o Cadastro Técnico Federal de atividades po-
tencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos
ambientais.
171
XIII – instrumentos econômicos, como concessão flo-
restal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros.
Uma novidade da Política Nacional do Meio Ambiente é a
servidão ambiental. Essa inovação tem origem na lei 11.284/2006,
que acrescentou o artigo 9º-A na lei 6.938/1981. A servidão am-
biental é um dos instrumentos da política nacional do meio am-
biente (inciso XIII) e consiste na renúncia voluntária do proprie-
tário rural ao direito de uso, exploração ou supressão dos recursos
naturais existentes em sua propriedade. Conforme o artigo 9º da
lei que institui a Política Nacional do Meio Ambiente:
O proprietário ou possuidor de imóvel, pessoa natural
ou jurídica, pode, por instrumento público ou par-
ticular ou por termo administrativo firmado perante
órgão integrante do Sisnama, limitar o uso de toda a
sua propriedade ou de parte dela para preservar, con-
servar ou recuperar os recursos ambientais existentes,
instituindo servidão ambiental.
Tanto no caso de servidão ambiental, quanto no caso de ser-
vidão florestal (Medida Provisória 2166-67/2001), os donos de
terras são beneficiados com incentivos tributários e facilidades
para a obtenção de recursos para serem investidos nas áreas de
proteção. Nos dois casos, para ter efeitos legais, os proprietários
devem averbar no registro do imóvel, as áreas destinadas à servi-
dão florestal e ambiental. Alguns juristas consideram que a cria-
ção da servidão ambiental, na prática, revogou a servidão florestal.
Um exemplo de servidão ambiental é a Reserva Particular do
Patrimônio Natural (RPPN). Para assegurar os benefícios tribu-
tários, o proprietário deve fazer relatório anual e apresentá-lo ao
órgão ambiental estadual. De igual modo, deve permitir inspeção
172
anual da área pelas autoridades ambientais estaduais. A servidão
ambiental também é chamada de servidão de conservação.
173
8.3. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE
174
06. ( ) O órgão superior do SISNAMA é o IBAMA, com
a função de assessorar o Presidente da República na elaboração
da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio
ambiente e os recursos ambientais.
175
CAPÍTULO 9
178
parágrafo 1º, incisos III (acima citado), além dos incisos I, II e
VII, da Constituição Federal. Vale ressaltar, mais uma vez, que o
SNUC está destinado à sistematização de unidades de conserva-
ção, mas que ele mesmo não dispõe sobre todas as áreas do territó-
rio nacional que devem ser conservadas. O Código Florestal, por
exemplo, abarca outras regiões e peculiaridades que necessitam
de conservação (como Áreas de Proteção Permanente e Reservas
Legais), e que não são englobadas no SNUC.
Antes do SNUC, as terminologias acerca do nome de unida-
des de conservação e de suas atribuições eram bastante confusas,
sendo que era comum a existência de unidades de conservação
com classificações parecidas; entretanto, com atribuições comple-
tamente diferentes. Logicamente, a lei 9.985/2000 definiu con-
ceitos normativos claros e aplicáveis para unidades de conserva-
ção. Mas, para que isso ocorresse, era necessário a padronização e
a apresentação de vários conceitos, conforme vistos no artigo 2º
dessa lei. Assim sendo, de acordo com este artigo, uma unidade de
conservação é o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluin-
do as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, le-
galmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação
e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se
aplicam garantias adequadas de proteção. Além disso, foram defini-
dos outros conceitos importantes, como conservação da natureza
e diversidade biológica. O conceito de conservação da natureza
é bem amplo, permitindo tanto a preservação, quanto o manejo
humano do meio ambiente e a utilização sustentável deste bem,
conforme o trecho da lei destacada, no artigo 2º, inciso II:
II – conservação da natureza: o manejo do uso hu-
179
mano da natureza, compreendendo a preservação, a
manutenção, a utilização sustentável, a restauração e
a recuperação do ambiente natural, para que possa
produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às
atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer
as necessidades e aspirações das gerações futuras, e ga-
rantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral.
A lei 9.985/2000 apresenta uma definição atual de diver-
sidade biológica, englobando a diversidade de organismos, de
ecossistemas (aquáticos e terrestres) e, ainda, a diversidade dentro
do nível de espécie (populações específicas, subespécies). Sobre a
definição de recursos ambientais, podemos citar: a atmosfera, as
águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar
territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a
flora. Acerca do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, é
interessante que ainda sejam ressaltados outros conceitos impor-
tantes para a interpretação da lei, que são os seguintes (também
explicitados no artigo 2º):
VI – proteção integral: manutenção dos ecossistemas li-
vres de alterações causadas por interferência humana, ad-
mitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais;
IX – uso indireto: aquele que não envolve consumo, co-
leta, dano ou destruição dos recursos naturais;
X – uso direto: aquele que envolve coleta e uso, comer-
cial ou não, dos recursos naturais;
XI – uso sustentável: exploração do ambiente de ma-
neira a garantir a perenidade dos recursos ambientais
renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodi-
versidade e os demais atributos ecológicos, de forma so-
cialmente justa e economicamente viável;
180
XVII – plano de manejo: documento técnico mediante
o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma uni-
dade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as
normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos
recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas
físicas necessárias à gestão da unidade;
XVI – zoneamento: definição de setores ou zonas em
uma unidade de conservação com objetivos de manejo
e normas específicos, com o propósito de proporcionar os
meios e as condições para que todos os objetivos da uni-
dade possam ser alcançados de forma harmônica e eficaz;
XVIII – zona de amortecimento: o entorno de uma
unidade de conservação, onde as atividades humanas es-
tão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propó-
sito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade.
181
IV – promover o desenvolvimento sustentável a partir
dos recursos naturais;
V - promover a utilização dos princípios e práticas de
conservação da natureza no processo de desenvolvi-
mento;
VI – proteger paisagens naturais e pouco alteradas de
notável beleza cênica;
VII – proteger as características relevantes de natureza
geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológi-
ca, paleontológica e cultural;
VIII – proteger e recuperar recursos hídricos e edáfi-
cos;
IX – recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
X – proporcionar meios e incentivos para atividades
de pesquisa científica, estudos e monitoramento am-
biental;
XI – valorizar econômica e socialmente a diversidade
biológica;
XII – favorecer condições e promover a educação e
interpretação ambiental, a recreação em contato com
a natureza e o turismo ecológico;
XIII – proteger os recursos naturais necessários à sub-
sistência de populações tradicionais, respeitando e
valorizando seu conhecimento e sua cultura e promo-
vendo-as social e economicamente.
Vale ressaltar, mais uma vez, a preocupação do legislador em
criar um sistema de unidades de conservação capazes de, tanto
promover a proteção de espécies, ecossistemas, história e cultura
(artigo 4º, incisos I, II e III, VI, VII, VIII, IX); mas também, de
182
promover uma interação mais harmônica entre o ser humano e a
natureza, valorizando a economia de forma sustentável (IV, V, XI,
XII, XIII).
O artigo 5º dispõe sobre importantes diretrizes pelas quais o
SNUC será regido. Elas basicamente asseguram uma maior par-
ticipação popular nos processos de implantação e gestão de UCs,
envolvendo a população local, organizações não-governamentais,
organizações privadas e pessoas físicas. O artigo 5º dispõe também
sobre a criação e gestão de uma unidade de conservação que seja
de forma integrada com as políticas de administração das terras
e águas circundantes, considerando as condições e necessidades
sociais e econômicas locais. Além disso, como diretrizes, são apre-
sentadas a busca de uma gestão integrada das diferentes categorias
de unidades de conservação, próximas ou contíguas, incluindo as
zonas de amortecimento e corredores ecológicos entre elas.
Os órgãos responsáveis pelo gerenciamento do Sistema Na-
cional de Unidades de Conservação são o CONAMA (órgão con-
sultivo e deliberativo), com funções de acompanhar a implemen-
tação do sistema; o Ministério do Meio Ambiente (órgão central),
com a função de coordenar o sistema; e o Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO); além dos órgãos
estaduais e municipais (órgãos executores), com a função de im-
plementar o SNUC, subsidiar as propostas de criação e adminis-
trar as unidades de conservação federais, estaduais e municipais,
nas respectivas esferas de atuação. O IBAMA também é um órgão
executor; entretanto, com atuação de caráter supletivo ao ICM-
Bio.
183
9.2. Categorias de Unidades de Conservação
É claro, percebermos que o SNUC ampliou e, sobretudo,
flexibilizou a gestão das UCs. Segundo a lei 9.985/2000, as Uni-
dades de Conservação podem ser divididas em dois grupos, com
características específicas. São elas as Unidades de Conservação
de Proteção Integral e as Unidades de Conservação de Uso
Sustentável. Elas são melhor detalhadas entre os artigos 7º e 21
do SNUC. Uma diferença básica entre elas se situa abaixo:
I – Unidades de Conservação de Proteção Integral: possui o
objetivo de preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso in-
direto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos
nesta Lei. Relembrando, uso indireto é aquele que não envolve
consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais;
II – Unidades de Conservação de Uso Sustentável: possui o
objetivo de compatibilizar a conservação da natureza com o uso
sustentável de parcela dos seus recursos naturais.
O SNUC define cinco categorias diferentes de Unidades de
Conservação de Proteção Integral e sete categorias de Unidades de
Conservação de Uso Sustentável. As Unidades de Conservação de
Proteção Integral podem ser:
I – Estação Ecológica;
II – Reserva Biológica;
III – Parque Nacional;
IV – Monumento Natural;
V – Refúgio de Vida Silvestre.
Tanto a Estação Ecológica, quanto a Reserva Biológica pos-
184
suem como objetivos a preservação da natureza, a não permissão
da visitação pública (exceto com objetivos educacionais e de acor-
do com o que dispuser o plano de manejo dessas unidades). Res-
salta-se que para elas é permitida a pesquisa científica, mediante
autorização de órgão responsável. Nessas unidades, só é permitida
a alteração dos ecossistemas nos casos de medidas que visem a
restauração de ecossistemas modificados no manejo de espécies,
com o fim de preservar a diversidade biológica ou para coletas
com finalidades científicas.
O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação
de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza
cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o de-
senvolvimento de atividades de educação e interpretação ambien-
tal, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológi-
co. Nele são permitidas pesquisas científicas e também a visitação
pública, sendo esta sujeita às normas e restrições estabelecidas no
Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão
responsável por sua administração e àquelas previstas em regula-
mento. Tanto a Estação Ecológica, quanto a Reserva Biológica e
o Parque Nacional são de posse e domínio públicos, sendo que as
áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas.
O Monumento Natural tem como objetivo básico preser-
var sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. O
Refúgio de Vida Silvestre tem como objetivo proteger ambientes
naturais onde se asseguram condições para a existência ou repro-
dução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna re-
sidentes ou migratórias. Tanto o Monumento Natural como o
Refúgio da Vida Silvestre podem ser constituídos por áreas par-
185
ticulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da
unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local
pelos proprietários. Havendo incompatibilidade entre os objeti-
vos da área e as atividades privadas, ou não havendo aquiescên-
cia do proprietário às condições propostas pelo órgão responsável
pela administração (para a coexistência dessas unidades com o uso
da propriedade), a área deve ser desapropriada, de acordo com o
que dispõe a lei.
Cada unidade de conservação do grupo de Proteção Integral
disporá de um Conselho Consultivo, presidido pelo órgão res-
ponsável por sua administração e constituído por representantes
de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil, por pro-
prietários de terras localizadas em Refúgio de Vida Silvestre ou
Monumento Natural, quando for o caso. Além disso, até que seja
possível efetuar o reassentamento das populações tradicionais (re-
sidentes em unidades de conservação), nas quais sua permanência
não seja permitida; elas também poderão participar do Conselho,
conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da uni-
dade.
As Unidades de Conservação de Uso Sustentável podem ser
de sete categorias, conforme artigo 14 da lei 9.985/2000:
I – Área de Proteção Ambiental;
II – Área de Relevante Interesse Ecológico;
III – Floresta Nacional;
IV – Reserva Extrativista;
V – Reserva de Fauna;
VI – Reserva de Desenvolvimento Sustentável;
186
VII – Reserva Particular do Patrimônio Natural.
As Unidades de Conservação de Uso Sustentável podem ser
constituídas, tanto por terras públicas (Floresta Nacional, Reserva
Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sus-
tentável); privadas ou Reserva Particular do Patrimônio Natural;
ou por terras públicas e privadas (Área de Proteção Ambiental e
Área de Relevante Interesse Ecológico). A maioria delas disporá
de um Conselho, com funções consultivas (Floresta Nacional) ou
deliberativas (Reserva Extrativista e Reserva de Desenvolvimento
Sustentável). O SNUC não deixa claro qual é o tipo de conselho
da Área de Proteção Ambiental.
A Área de Proteção Ambiental (APA) é uma área em geral
extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atri-
butos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente im-
portantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações
humanas. E, tem como objetivos básicos, proteger a diversidade
biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a susten-
tabilidade do uso dos recursos naturais. A Área de Relevante Inte-
resse Ecológico (ARIE) é uma área em geral de pequena extensão,
com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características
naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota
regional; tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de
importância regional ou local e regular o uso admissível dessas
áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conserva-
ção da natureza. Tanto a APA quanto a ARIE podem ser cons-
tituídas por terras públicas ou privadas e, respeitados os limites
constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para
a utilização de uma propriedade privada localizada numa Área de
187
Proteção Ambiental.
A Floresta Nacional (FLONA) é uma área com cobertura
florestal de espécies predominantemente nativas e tem como ob-
jetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a
pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sus-
tentável de florestas nativas. Diferente da APA e da ARIE, A Flo-
resta Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas
particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas de
acordo com o que dispõe a lei. Nas Florestas Nacionais é admitida
a permanência de populações tradicionais que a habitam quando
de sua criação, em conformidade com o disposto em regulamento
e no Plano de Manejo da unidade.
A Reserva Extrativista (RESEX) é uma área utilizada por po-
pulações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no
extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistên-
cia e na criação de animais de pequeno porte. Tem como objetivos
básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações,
e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. A
Reserva Extrativista é de domínio público, com uso concedido às
populações extrativistas tradicionais, sendo que as áreas particula-
res incluídas em seus limites devem ser desapropriadas, de acordo
com o que é disposto na lei. O Conselho Deliberativo da RESEX
é presidido pelo órgão responsável por sua administração e cons-
tituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da
sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área.
A visitação pública é permitida, desde que compatível com os
interesses locais e de acordo com o disposto no Plano de Manejo
da área. Nelas, são proibidas a exploração de recursos minerais e a
188
caça amadorística ou profissional. O Plano de Manejo da unidade
será aprovado pelo seu Conselho Deliberativo.
A Reserva de Fauna é uma área natural com populações ani-
mais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou
migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o
manejo econômico sustentável de recursos faunísticos. A Reserva
de Fauna é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas par-
ticulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas de
acordo com o que dispõe a lei. Também é proibido o exercício da
caça amadorística ou profissional nessa unidade de conservação.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma área na-
tural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-
-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais,
desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições
ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na
proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável tem como objetivo
básico preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as con-
dições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos
modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos natu-
rais das populações tradicionais; bem como valorizar, conservar e
aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente,
desenvolvidos por estas populações. Ela é de domínio público,
sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem
ser, quando necessário, desapropriadas, de acordo com o que dis-
põe a lei. Vale ressaltar que a posse ou o uso das Reservas Extra-
tivistas e de Desenvolvimento Sustentável ocorrem por meio de
contrato (art. 23).
189
A Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma área pri-
vada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a
diversidade biológica. O gravame de que trata este artigo constará
de termo de compromisso assinado perante o órgão ambiental,
que verificará a existência de interesse público, e será averbado
à margem da inscrição no Registro Público de Imóveis (servidão
ambiental, tratado no Capítulo 2, sobre o SISNAMA). Só poderá
ser permitida, na Reserva Particular do Patrimônio Natural, a pes-
quisa científica e a visitação com objetivos turísticos, recreativos
e educacionais.
190
ticipativa, considerando-se os seus distintos objetivos
de conservação, de forma a compatibilizar a presença
da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e
o desenvolvimento sustentável no contexto regional.
Algo de grande destaque é que todas as unidades de conser-
vação, sem exceção, devem dispor de um Plano de Manejo. Esse
documento técnico que estabelece o zoneamento, as normas que
devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais; in-
clusive, a implantação de estruturas físicas necessárias à gestão da
unidade. O Plano de Manejo é um documento completo, deven-
do abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amor-
tecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o
fim de promover sua integração à vida econômica e social das co-
munidades vizinhas. Vale ressaltar que, na elaboração, atualização
e implementação do Plano de Manejo das Reservas Extrativistas,
das Reservas de Desenvolvimento Sustentável, das Áreas de Pro-
teção Ambiental e, quando couber, das Florestas Nacionais e das
Áreas de Relevante Interesse Ecológico, será assegurada a ampla
participação da população residente.
O SNUC ainda traz aspectos importantes sobre a gestão de
recursos das unidades de conservação. Do artigo 35 dessa lei, po-
demos perceber que:
Os recursos obtidos pelas unidades de conservação do
Grupo de Proteção Integral mediante a cobrança de taxa
de visitação e outras rendas decorrentes de arrecadação,
serviços e atividades da própria unidade serão aplicados
de acordo com os seguintes critérios:
I – até cinqüenta por cento, e não menos que vinte e cinco
por cento, na implementação, manutenção e gestão da
própria unidade;
191
II – até cinqüenta por cento, e não menos que vinte e
cinco por cento, na regularização fundiária das unidades
de conservação do Grupo;
III – até cinqüenta por cento, e não menos que quinze por
cento, na implementação, manutenção e gestão de outras
unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral.
192
9.4. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO - O SISTEMA
NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
193
Integral o Parque Nacional de Brasília, a Estação Ecológica do
Jardim Botânico de Brasília e a Reserva Biológica da Contagem.
194
CAPÍTULO 10
196
terras privadas. No Cerrado 87% da vegetação nativa existente
ocorre em áreas privadas, na Mata-Atlântica, 92%, nos Pampas,
99%, e na Caatinga, 98%. Esta realidade mais do que justifica
a manutenção de uma lei do porte do Código Florestal como
instrumento essencial ao equilíbrio entre o interesse privado da
produção agrícola e o interesse coletivo da preservação ambiental
e seu aprimoramento (SPAROVEK et al., 2011).
As supostas restrições impostas pela legislação ambiental
ao desenvolvimento do setor agropecuário são utilizadas com
frequência como justificativas para a necessidade de revisão do
Código Florestal. Contudo, Sparovek et al. (2011) trazem outra
forma de analisar a questão, verificando a possibilidade das áreas
já desmatadas e utilizadas para uso agropecuário serem utilizadas,
eficientemente em sua totalidade, para atenderem ao desenvol-
vimento do setor. Se isso for viável, seria um ganho para todos,
ambientalistas, produtores e a sociedade, segundo o princípio do
Equilíbrio do Direito Ambiental. Segundo os autores, dados do
último Censo Agropecuário (2006) indicam um rebanho bovi-
no de aproximadamente 180 milhões de cabeças ocupando 158
Mha, o que resulta numa lotação média de 1,14 cabeças por ha.
O desfrute atual, ou seja, a porcentagem do rebanho abatido por
ano, é de 22%, gerando um abate de 40 milhões de cabeças por
ano para atender o mercado doméstico (80%) e as exportações.
Segundo os autores, a lotação de 1,14 cabeças por hectare indica
um uso muito extensivo da terra e, pensando apenas na adoção
de poucos recursos tecnológicos, a lotação média poderia facil-
mente atingir 1,5 cabeças por hectare e o desfrute do rebanho,
30%. Se considerarmos alternativas tecnológicas mais intensivas,
197
como a correção do solo, adubação na formação das pastagens,
uso das forrageiras melhoradas, manejo reprodutivo e sanitário
eficientes, estes índices poderiam ser ainda maiores. Entretanto,
apenas a adoção tecnológica mais simplificada já garantiria um
desenvolvimento econômico na agropecuária, sem a necessidade
de conversão de novas áreas para pasto (SPAROVEK et al., 2011).
Logicamente, fica claro que uma argumentação dicotômica e sim-
plista do tipo “só temos duas escolhas: ou preservamos, ou desen-
volvemos...” deve ser evitada a qualquer custo, visto que é perfei-
tamente possível adotar uma postura de desenvolvimento com
conservação e este é o objetivo verdadeiro do desenvolvimento
sustentável, conforme a própria matéria ambiental preconiza.
Após aclamado debate e votação no Congresso Nacional,
a nova lei que dispõe sobre a proteção de vegetação nativa (Lei
12.651, de 25 de maio de 2012) foi aprovada e já está em vigor.
Apesar de na mídia ser chamada de o novo código florestal, ela
não foi criada com esse nome. Alguns ainda defendem que essa
lei não é mais um código florestal, mas sim um código do agrone-
gócio. Apesar de toda discussão antes e após da criação da referida
norma; ainda assim, a referida lei é a principal referência para a
conservação ambiental em áreas privadas do Brasil, ainda mais
em áreas com um histórico de ocupação antigo, que é o caso das
regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Neste caso, é o nosso objeti-
vo apresentá-la e comentar seus artigos, o que será feito a seguir.
198
ela estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de
Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração
florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da ori-
gem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios flo-
restais; e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance
de seus objetivos. Seu objetivo principal é o desenvolvimento sus-
tentável, atendendo os seguintes princípios (art. 1º, parágrafo 1º):
I – afirmação do compromisso soberano do Brasil com
a preservação das suas florestas e demais formas de vege-
tação nativa, bem como da biodiversidade, do solo, dos
recursos hídricos e da integridade do sistema climático,
para o bem estar das gerações presentes e futuras;
II – reafirmação da importância da função estratégica da
atividade agropecuária e do papel das florestas e demais
formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no cres-
cimento econômico, na melhoria da qualidade de vida
da população brasileira e na presença do País nos merca-
dos nacional e internacional de alimentos e bioenergia;
III – ação governamental de proteção e uso sustentável
de florestas, consagrando o compromisso do País
com a compatibilização e harmonização entre o uso
produtivo da terra e a preservação da água, do solo e da
vegetação;
IV – responsabilidade comum da União, Estados, Distri-
to Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade
civil, na criação de políticas para a preservação e restau-
ração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e
sociais nas áreas urbanas e rurais;
V – fomento à pesquisa científica e tecnológica na busca
da inovação para o uso sustentável do solo e da água, a
recuperação e a preservação das florestas e demais formas
199
de vegetação nativa;
VI – criação e mobilização de incentivos econômicos para
fomentar a preservação e a recuperação da vegetação na-
tiva e para promover o desenvolvimento de atividades
produtivas sustentáveis.
Diante das afirmações do artigo 1º dessa lei, é interessante
detalharmos inicialmente o que vem a ser uma Área de Preserva-
ção Permanente (SPAROVEK et al.) e uma Reserva Legal (RL).
Estas são definidas no artigo 3º da lei, juntamente com outras
definições. A área de Preservação Permanente (SPAROVEK et al.)
é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a
função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a
estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico
de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das po-
pulações humanas. Já a Reserva Legal (RL) é uma área localizada
no interior de uma propriedade ou posse rural, com a função de
assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos na-
turais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos
processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade,
bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nati-
va. O código florestal antigo (lei 4.771/1965) fazia uma distinção
clara entre APPs e RLs, de forma que as Reservas Legais eram
áreas dentro de propriedades, excetuadas as APPs. Com a nova lei,
é possível que APPs possam ser computadas dentro das porcen-
tagens de Reservas Legais, desde que essa atitude não acarrete na
derrubada de mais vegetações nativas.
As áreas de APP estão melhor detalhadas a partir do artigo
4º ao 6º. Por partes, apresento inicialmente o artigo 4º (incisos I
200
ao III):
I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natu-
ral perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a
borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de
10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que te-
nham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham
de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que te-
nham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de
largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que
tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II – as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em
faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o cor-
po d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja
faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
III – as áreas no entorno dos reservatórios d’água arti-
ficiais, decorrentes de barramento ou represamento de
cursos d’água naturais, na faixa definida na licença
ambiental do empreendimento;
201
no Nordeste, por exemplo) não é mais necessária a presença de
vegetação nas margens, como na legislação anterior. Por um lado,
a legislação anterior não fazia essa distinção entre rios perenes e
efêmeros, o que poderia ser um problema na prática. Entretanto,
o formato atual da lei pode também ser um problema, pois isso
pode representar a morte dos corpos d’água temporários, visto
que a vegetação nativa tem função essencial no impedimento do
assoreamento. Segundo a nova lei, apenas nos rios intermitentes
será necessário o contorno com vegetações nativas.
É interessante também discutir os limites impostos pela lei
às margens dos rios. Fica uma pergunta: será que 30 metros (15
metros em cada margem) num curso d’água pequeno é o suficien-
te para a manutenção do corpo hídrico, bem como de espécies
da fauna e da flora de matas de galeria? Essa pergunta só pode
ser respondida com estudos científicos (ainda poucos no Brasil),
verificando a aplicabilidade dessa legislação em conservar a bio-
diversidade.
São ainda áreas de APP definidas pela lei 12.651/2012 (con-
tinuação do art. 4º, a partir do inciso IV, art. 5º e 6º):
IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água
perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no
raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
V – as encostas ou partes destas com declividade superior
a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de
maior declive;
VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabiliza-
doras de mangues;
VII – os manguezais, em toda a sua extensão;
202
VIII – as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a li-
nha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100
(cem) metros em projeções horizontais;
IX – no topo de morros, montes, montanhas e serras, com
altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média
maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de
nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima
da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida
pelo plano horizontal determinado por planície ou espe-
lho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota
do ponto de sela mais próximo da elevação;
X – as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocen-
tos) metros, qualquer que seja a vegetação;
§ 4º Nas acumulações naturais ou artificiais de água com
superfície inferior a 1 hectare (TUNDISI; TUNDISI),
fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos
incisos II e III do caput, vedada nova supressão de áreas
de vegetação nativa, salvo autorização do órgão ambien-
tal competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente
– SISNAMA.
§ 5o É admitido, para a pequena propriedade ou posse
rural familiar, de que trata o inciso V do art. 3o desta
Lei, o plantio de culturas temporárias e sazonais de va-
zante de ciclo curto na faixa de terra que fica exposta no
período de vazante dos rios ou lagos, desde que não im-
plique supressão de novas áreas de vegetação nativa, seja
conservada a qualidade da água e do solo e seja protegida
a fauna silvestre.
§ 6o Nos imóveis rurais com até 15 (quinze) módulos
fiscais, é admitida, nas áreas de que tratam os incisos I e
II do caput deste artigo, a prática da aquicultura e a in-
fraestrutura física diretamente a ela associada, desde que:
I – sejam adotadas práticas sustentáveis de manejo de solo
203
e água e de recursos hídricos, garantindo sua qualidade
e quantidade, de acordo com norma dos Conselhos Esta-
duais de Meio Ambiente;
II – esteja de acordo com os respectivos planos de bacia ou
planos de gestão de recursos hídricos;
III – seja realizado o licenciamento pelo órgão ambiental
competente;
IV – o imóvel esteja inscrito no Cadastro Ambiental Ru-
ral – CAR.
V – não implique novas supressões de vegetação nativa.
Art. 5o Na implantação de reservatório d’água artificial
destinado à geração de energia ou abastecimento público,
é obrigatória a aquisição, desapropriação ou instituição
de servidão administrativa pelo empreendedor das Áreas
de Preservação Permanente criadas em seu entorno, con-
forme estabelecido no licenciamento ambiental, obser-
vando-se a faixa mínima de 30 (trinta) metros e máxima
de 100 (cem) metros em área rural, e a faixa mínima de
15 (quinze) metros e máxima de 30 (trinta) metros em
área urbana.
§ 1o Na implantação de reservatórios d’água artificiais
de que trata o caput, o empreendedor, no âmbito do li-
cenciamento ambiental, elaborará Plano Ambiental de
Conservação e Uso do Entorno do Reservatório, em con-
formidade com termo de referência expedido pelo órgão
competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente –
SISNAMA, não podendo o uso exceder a 10% (dez por
cento) do total da Área de Preservação Permanente.
§ 2o O Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entor-
no de Reservatório Artificial, para os empreendimentos
licitados a partir da vigência desta Lei, deverá ser apre-
sentado ao órgão ambiental concomitantemente com o
204
Plano Básico Ambiental e aprovado até o início da opera-
ção do empreendimento, não constituindo a sua ausência,
impedimento para a expedição da licença de instalação.
Art. 6o Consideram-se, ainda, de preservação permanen-
te, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe
do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou ou-
tras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das
seguintes finalidades:
I – conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e
deslizamentos de terra e de rocha;
II – proteger as restingas ou veredas;
III – proteger várzeas;
IV – abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados
de extinção;
V – proteger sítios de excepcional beleza ou de valor
científico, cultural ou histórico;
VI – formar faixas de proteção ao longo de rodovias e
ferrovias;
VII – assegurar condições de bem-estar público;
VIII – auxiliar a defesa do território nacional, a critério
das autoridades militares.
Vale ressaltar que, à uma primeira vista, parece que existem
muitas áreas que precisam ser efetivamente conservadas no re-
gime de área de Preservação Permanente. Entretanto, também é
interessante se considerar que o Brasil é um país de dimensões
continentais, megadiverso e rico em diferentes paisagens e feições
geográficas, o que justifica tantos aspectos a serem considerados
sobre áreas de Preservação Permanente. É importante ressaltar
205
que a preservação dessas áreas é de importante função, tanto para
preservar recursos hídricos, como para preservar a paisagem, a
estabilidade geológica e garantir o bem-estar das populações hu-
manas. Levando em consideração esses aspectos, talvez se chegue
à conclusão de que, na verdade, existem poucas áreas que estão
efetivamente sendo protegidas pelos regimes de APP.
A Reserva Legal, como explicitado anteriormente, é uma
área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural,
com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável
dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a
reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da
biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre
e da flora nativa. Essa afirmação possui função clara de proteção
de florestas da derrubada para produção de madeiras, algo que foi
tradição no Brasil Colonial e que ainda vem ocorrendo de forma
ilegal em muitos casos. Amargamos tristes histórias da explora-
ção madeireira, tanto pela Coroa portuguesa, quanto de forma
clandestina; fato que acarretou na declaração do pau-Brasil como
extinta em 1920, árvore símbolo e que dá nome e história ao
nosso país.
Vale enfatizar que essa definição de RL incorpora conceitos
de uso econômico dessa área. Mas, com a preocupação de que esse
uso seja realizado de modo sustentável. Antunes (2010) descreve
o uso sustentável dos recursos naturais como aquele que assegura
a reprodução continuada dos atributos ecológicos da área explora-
da, tanto em seus aspectos de flora como de fauna. É sustentável
pelo uso que não subtraia das gerações futuras o desfrute da flora
e da fauna, em níveis compatíveis com a utilização presente.
206
O artigo 12 da lei em discussão detalha melhor os limites de
uma Reserva Legal, conforme trecho abaixo:
Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cober-
tura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem
prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Pre-
servação Permanente, observados os seguintes percentuais
mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos
previstos no art. 68 desta Lei:
I – localizado na Amazônia Legal:
a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área
de florestas;
b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em
área de cerrado;
c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de
campos gerais;
II – localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte
por cento).
Conforme o artigo 12 da Lei 12.651, há uma distinção en-
tre áreas de Reserva Legal na Amazônia e nas demais áreas. Isso
garante a redução do ritmo de desmatamento numa área que é
uma das mais conservadas em seu estado original no Brasil. Como
variações disso, o artigo 12, parágrafo 4º, afirma que “o poder
público poderá reduzir a Reserva Legal para até 50% (cinquenta por
cento), para fins de recomposição, quando o Município tiver mais de
50% (cinquenta por cento) da área ocupada por unidades de conser-
vação da natureza de domínio público e por terras indígenas homo-
logadas”.
Ainda, no parágrafo 5º do mesmo artigo “o poder público es-
207
tadual, ouvido o Conselho Estadual de Meio Ambiente, poderá re-
duzir a Reserva Legal para até 50% (cinquenta por cento), quando
o Estado tiver Zoneamento Ecológico-Econômico aprovado e mais de
65% (sessenta e cinco por cento) do seu território ocupado por uni-
dades de conservação da natureza de domínio público, devidamente
regularizadas, e por terras indígenas homologadas”.
Outro aspecto interessante sobre o funcionamento de Reser-
vas Legais é que esse sistema pode também variar de acordo com
o Zoneamento Ecológico-Econômico (de forma unificada) dos
estados, podendo atingir limites de RL de até 50%, dependendo
do caso (art. 13). Nesse caso, Os estados que não possuem seus
Zoneamentos Ecológico-Econômicos – ZEEs segundo a metodo-
logia unificada, estabelecida em norma federal, terão o prazo de 5
(cinco) anos, a partir da data da publicação desta Lei, para a sua
elaboração e aprovação. Ainda, como algo interessante, o proprie-
tário ou possuidor de imóvel rural que mantiver Reserva Legal
conservada e averbada em área superior aos percentuais exigidos
no referido inciso, poderá instituir servidão ambiental (conferir
na Lei 6.938/1981) sobre a área excedente e cota de Reserva Am-
biental.
O artigo 15 da lei em discussão traz inovações acerca da in-
clusão APPs dentro do cômputo de áreas de Reserva Legal. O
código florestal antigo (Lei 4.771/1965) informava que Reservas
Legais eram áreas dentro de propriedades, excetuadas as APPs.
Com a nova lei, é possível que APPs possam ser computadas den-
tro das porcentagens das Reservas Legais, desde que essa atitude
não acarrete na derrubada de mais vegetações nativas, além de
outros aspectos. Segue o artigo 15 da lei 12.651 para leitura:
208
Art. 15. Será admitido o cômputo das Áreas de Preser-
vação Permanente no cálculo do percentual da Reserva
Legal do imóvel, desde que:
I – o benefício previsto neste artigo não implique a con-
versão de novas áreas para o uso alternativo do solo;
II – a área a ser computada esteja conservada ou em pro-
cesso de recuperação, conforme comprovação do proprie-
tário ao órgão estadual integrante do Sisnama; e
III – o proprietário ou possuidor tenha requerido inclu-
são do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR, nos
termos desta Lei.
§ 1o O regime de proteção da Área de Preservação Per-
manente não se altera na hipótese prevista neste artigo;
§ 2o O proprietário ou possuidor de imóvel com Reserva
Legal conservada e inscrita no Cadastro Ambiental Rural
– CAR de que trata o art. 29, cuja área ultrapasse o mí-
nimo exigido por esta Lei, poderá utilizar a área exceden-
te para fins de constituição de servidão ambiental, Cota
de Reserva Ambiental e outros instrumentos congêneres
previstos nesta Lei;
§ 3o O cômputo de que trata o caput aplica-se a todas as
modalidades de cumprimento da Reserva Legal, abran-
gendo a regeneração, a recomposição e a compensação;
§ 4o É dispensada a aplicação do inciso I do caput des-
te artigo, quando as Áreas de Preservação Permanente
conservadas ou em processo de recuperação, somadas às
demais florestas e outras formas de vegetação nativa exis-
tentes em imóvel, ultrapassarem:
I – 80% (oitenta por cento) do imóvel rural localizado
em áreas de floresta na Amazônia Legal.
Vale ressaltar que a Reserva Legal também pode ser estabe-
209
lecida em regime de condomínio, com mais de um proprietário.
Do artigo 17 ao 24 dessa lei trata-se sobre o regime de proteção
da Reserva Legal. De uma forma geral, admite-se a exploração
econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável, previa-
mente aprovado pelo órgão competente do SISNAMA, de acordo
com as modalidades previstas no art. 20, que se segue:
Art. 20. No manejo sustentável da vegetação florestal
da Reserva Legal, serão adotadas práticas de explora-
ção seletiva nas modalidades de manejo sustentável
sem propósito comercial para consumo na proprieda-
de e manejo sustentável para exploração florestal com
propósito comercial.
O artigo 21 da referida lei afirma que é livre a coleta de pro-
dutos florestais não madeireiros, tais como frutos, cipós, folhas e
sementes, devendo-se observar:
I – os períodos de coleta e volumes fixados em regulamen-
tos específicos, quando houver;
II – a época de maturação dos frutos e sementes;
III – técnicas que não coloquem em risco a
sobrevivência de indivíduos e da espécie coletada no
caso de coleta de flores, folhas, cascas, óleos, resinas,
cipós, bulbos, bambus e raízes.
É interessante observar que o manejo florestal sustentável da
vegetação da Reserva Legal, com propósito comercial, depende
de autorização do órgão competente e deverá atender às seguintes
diretrizes e orientações: não descaracterizar a cobertura vegetal e
não prejudicar a conservação da vegetação nativa da área; assegu-
rar a manutenção da diversidade das espécies; conduzir o manejo
de espécies exóticas com a adoção de medidas que favoreçam a
210
regeneração de espécies nativas (art. 22).
211
é instituída a Cota de Reserva Ambiental – CRA, título nomi-
nativo representativo de área com vegetação nativa, existente ou
em processo de recuperação; sob regime de servidão ambiental,
correspondente à área de Reserva Legal instituída voluntariamen-
te, sobre a vegetação que exceder os percentuais exigidos no art.
12 da referida lei; protegida na forma de Reserva Particular do
Patrimônio Natural – RPPN, ou nos termos do artigo 21 da Lei
9.985/2000 (SNUC), que se refere ao regime de RPPNs.
212
10.4. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
LEI 12.651/2012
213
ou em processo de recuperação.
214
11. RESPOSTAS DAS QUESTÕES DE MÚLTIPLA
ESCOLHA (DIREITO AMBIENTAL)
7. O DIREITO AMBIENTAL
I.
01. V
02. F
03. V
04. V
05. V
06. F
07. F
08. F
09. F
10. V
11. V
12. V
13. V
14. F
15. V
II.
01. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana/ Princípio do
Desenvolvimento Sustentável.
02. Princípio do Limite/Princípio da Precaução/Princípio da
Prevenção.
03. Princípio da Precaução/Princípio da Prevenção/Princípio do
215
equilíbrio.
04. Princípio do Limite.
05. Princípio da Responsabilidade.
06. Princípio do Limite/Princípio da Prevenção.
07. Princípio da Gestão Democrática.
216
02. V
03. V
04. F
05. V
06. V
07. F
08. V
09. F
10. V
01. F
02. F
03. V
04. F
05. V
06. V
217
REFERÊNCIAS
218
CASATTI, L. Alterações no Código Florestal Bra-
sileiro: impactos potenciais sobre a ictiofauna. Bio-
ta Neotropica, v. 10, p. 31-34, 2010. ISSN 1676-0603.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art-
text&pid=S1676-06032010000400002&nrm=iso >.
219
IBAMA. IBAMA: Atribuições. www.ibama.gov.br/acesso-a-in-
formacao/atribuicoes, 2012. Acesso em: 10 de outubro de 2020.
220
MACHADO, R. B. et al. Estimativas de perda da área do Cerra-
do brasileiro. Relatório técnico não publicado. Conservação In-
ternacional, Brasília, DF (in Portuguese). 2004.
221
10ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2015.
222
DADOS BIOGRÁFICOS DOS AUTORES
223
dados e mudanças climáticas. Responsável pela escrita capítulo 4
e parte do capítulo 6 deste livro.