Sola Scriptura Martinho Lutero
Sola Scriptura Martinho Lutero
Sola Scriptura Martinho Lutero
Repórter – Foi o doutor quem inventou esses três “somentes”? Lutero – Eu não inventei. Eles já
existiam. Mas estavam lamentavelmente cobertos de poeira grossa e teias de aranha, arremessados à
sujeira e pisoteados. Pela graça de Deus, redescobrimos o valor das Escrituras, o valor da graça e o valor
da fé, tiramos a poeira, lustramos essas riquezas e as trouxemos à luz do dia. Agora que está tudo limpo
e brilhando de novo, cada um pode ver como é o evangelho de Jesus.
Repórter – O que o doutor quer dizer com o “sola scriptura”? Lutero – Quero dizer que somente a
Escritura — e não a Escritura somada à tradição da Igreja — são a fonte de revelação cristã. A Bíblia
deve ser a primeira e a última palavra para qualquer declaração de fé.
Repórter – Então o doutor se coloca em oposição à rica tradição da Igreja. Lutero – Não é bem
assim. Eu coloco a Escritura acima da tradição, e não o contrário.
Lutero – Também não. Pois a Escritura não pode ser equiparada à tradição. São Paulo diz que “toda
Escritura é inspirada por Deus” (2 Tm 3.16). Não se pode dizer o mesmo com respeito à tradição.
Lutero – Sempre abaixo da autoridade da Bíblia. Esta deve governar como Palavra de Deus na Igreja e
não pode ser embaraçada pelo magistério papal nem rivalizada por supostas revelações adicionais.1
Repórter – Mas há coisas que a Escritura não explica. Lutero – Na “Exposição de Romanos”, de
João Calvino, o reformador francês radicado em Genebra, 26 anos mais novo do que eu, afirma
acertadamente que não devemos “procurar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina”. Ele diz
também que “onde o Senhor fecha seus próprios lábios, devemos impedir que nossa mente avance
sequer um passo a mais”.
Repórter – Já que o doutor mencionou o nome de Calvino, pergunto se vocês estão de acordo
quanto ao “sola scriptura”.
Lutero – Apesar de nossas divergências de ênfase e de estilo, eu, Calvino e Ulrico Zwínglio, o
reformador suíço, nascido um ano depois de mim, estamos de pleno acordo quanto à centralidade da
Palavra de Deus e quanto à certeza de que a Escritura é a fonte para se pensar em Deus.2
Lutero – De 1457, dezessete anos depois da invenção da impressão com tipos móveis, a 1517, ano das
“Noventa e Cinco Teses”, foram publicadas mais de 400 edições da Bíblia. Não estou incluindo nessa
estatística o Novo Testamento de Erasmo e a Bíblia em alemão por mim traduzida.
Lutero – O primeiro “somente” nos leva ao segundo “somente”. Isto é, na leitura da Escritura
redescobrimos que a vida eterna é o dom gratuito de Deus, como São Paulo ensina na Epístola aos
Romanos (6.23). A Escritura, e nada mais, é o instrumento pelo qual o Espírito nos conduz à graça. A
Igreja há muito tempo deixou o “sola gratia” no esquecimento e começou a tornar a salvação mais
difícil, distante, incerta, meritória e burocrática.
Repórter – Mais lucrativa também? Lutero – Não posso negar esse fato, frente ao problema do
comércio das indulgências, quando o perdão de pecados e a remissão da culpa são vendidos de cidade
em cidade muito mais em benefício do Estado papal do que das almas.
Lutero – Entendo e prego que o pecador é justificado somente pelo amor, pela misericórdia e pela graça
de Deus, e nada mais. O “sola gratia” tanto me abaixa até o pó como me ergue até às estrelas. Primeiro
me humilha, depois me honra; humilha-me quando me informa e me convence de que não tenho nada
para oferecer em troca da salvação; honra-me quando me informa e me convence de que em Cristo fui
salvo (isto é justificação), estou sendo salvo (isto é santificação) e serei salvo (isto é glorificação). A
graça de Deus me livra da culpa, do poder e da presença do pecado.
Repórter – Mas isso é formidável! Lutero – De fato. Todavia, como reza o “sola scriptura”, “olho
nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o
amam” (1 Co 2.9). Deus ainda tem muito mais para nos oferecer e mostrar.
– Trecho retirado do livro Conversas com Lutero, p. 222-224, de Elben M. Lenz César.