Um Cafe e Um Feitico para Viage - Nadia El-Fassi
Um Cafe e Um Feitico para Viage - Nadia El-Fassi
Um Cafe e Um Feitico para Viage - Nadia El-Fassi
E39c
El-Fassi, Nadia Um café e um feitiço para viagem [recurso eletrônico] / Nadia El-
Fassi ; tradução Ana Rodrigues. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Verus, 2024.
recurso digital Tradução de: Best hex ever Formato: epub Requisitos do
sistema: adobe digital editions Modo de acesso: world wide web ISBN 978-65-
5924-357-0 (recurso eletrônico) 1. Romance inglês. 2. Livros eletrônicos. I.
Rodrigues, Ana. II. Título.
24-93781
CDD: 823
CDU: 82-31(410.1)
Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 1
E
ra um dia frio de outono na última semana de outubro, o tipo de
dia que dá vontade de se aconchegar com um bom livro e uma
xícara de chocolate quente fumegante. Folhas douradas estalavam
sob os pés e a geada da manhã caía no toldo roxo do Café Dedo do
Destino. Aquela era a estação do ano favorita de Dina. O calor
insuportável dos últimos dias de setembro nalmente tinha passado —
época em que o ar no metrô parece denso e pegajoso, forçando-a a
passar a maior parte dos dias realizando feitiços de resfriamento nas
axilas.
Sempre havia uma mudança no ar quando o outono chegava a
Londres. Por um lado, o movimento no café melhorava e, naquele
instante, todos os clientes estavam pedindo croissant para acompanhar
o café.
A magia do croissant era, na melhor das hipóteses, delicada, mas se
mostrava especialmente difícil durante a correria do café da manhã.
Dina olhou para a confusão de massa e manteiga — sem dúvida,
irrecuperável. Itens mais delicados de confeitaria nunca tinham sido o
seu forte. Ela prendeu os cachos volumosos em um coque e arregaçou
as mangas.
Tinha acabado de pegar outro pote da sua mistura mágica de
manteiga, pronta para começar de novo, quando Robin, que
trabalhava preparando e servindo as bebidas, chamou: — Dina, onde
você pôs o blend de chá de crisântemo que fez semana passada?
Os croissants teriam que esperar.
Ela foi até a frente do café, examinou o estoque de chás e nalmente
colocou em cima do balcão a lata com ores secas delicadas que Robin
estava procurando. Relutante em voltar aos pouco amigáveis
croissants, Dina começou a servir os clientes que se acomodavam nas
mesas e poltronas aconchegantes do seu café.
Havia algo diferente no Café Dedo do Destino, uma certa energia no
ar que ninguém conseguia identi car. Era um lugar onde coisas boas
aconteciam. Clientes que apareciam para comprar um cappuccino
tropeçavam sem querer no guarda-chuva de alguém na mesa ao lado, e
aquela pessoa acabava se tornando o amor da sua vida.
Dina amava a rapidez com que algumas notícias sobre o seu café se
espalhavam. Uma delas era que se a pessoa comprasse um café com
leite e um biscoito a caminho de uma entrevista de emprego,
conseguiria o emprego — ela cara bastante orgulhosa daquele
feitiço… tinha sido um dos seus melhores. O ingrediente especial foi
um toque de canela e uma pitadinha de calma. Como um abraço na
pessoa amada ou a sensação de tirar os sapatos depois de um longo
dia.
O segredo dos feitiços de Dina era que ela colocava as próprias
lembranças e emoções neles; assim, o feitiço partia dali, reproduzindo
os sentimentos dela na pessoa que comia ou bebia o que quer que
Dina tivesse feito. Um feitiço de con ança para ajudar alguém a
conseguir um emprego não gerava uma falsa segurança nas pessoas, só
dava um empurrãozinho mágico para que encontrassem a con ança
que já existia dentro delas.
Os feitiços não duravam para sempre, é claro. Nenhuma magia dura.
Mesmo assim, Dina fazia de tudo para manter sua magia escondida.
A nal, não poderia permitir que toda Londres soubesse que ela era
uma bruxa.
Conforme a cidade esfriava, os clientes a uíam pelas portas, em
busca de conforto e de uma boa xícara de chá. Um dos mais pedidos
era a mistura especial de chai, que levava gengibre, cravo e noz-
moscada, e só uma pitadinha daquela sensação que a gente tem
quando esfrega a barriga quente e macia de um gato.
Por toda a cidade, casacos eram resgatados do fundo dos armários
onde tinham passado o ano acumulando poeira e buracos de traças;
aquecedores ganhavam vida; e todos começavam a procurar aquela
pessoa especial com quem poderiam se aconchegar quando o inverno
chegasse com tudo.
Dina estava preocupada demais para sequer pensar no início da
temporada de caça, quando todos começavam a buscar
relacionamentos sérios com a chegada do frio. Ela havia tido alguns
encontros no ano anterior — um com um homem e outro com uma
mulher — e apenas um encontro tinha sido razoavelmente bom. O
cara era uma red ag ambulante, enquanto Maggie — a professora de
ioga absurdamente sexy com quem Dina tinha saído alguns meses
antes — era um amor, gentil e inteligente. Dina sabia que poderia ter
tido alguma coisa mais séria com Maggie se tivesse dado uma chance,
mas não quis machucá-la. Por isso, se afastou antes que as coisas
piorassem.
Felizmente, no outono o café cava movimentado o bastante para
distraí-la do amor — Dina havia jurado não ter encontros românticos
no futuro próximo. Não valia a pena a dor que causaria a si mesma e
aos outros. Além disso, os negócios estavam crescendo e ela precisava
terminar outro lote das suas velas “Calma & Aconchego”, que eram
um grande sucesso, antes que esgotassem novamente.
— Robin, você pode levar isso pra mesa quatro, por favor? — disse
Dina, já estendendo uma bandeja com duas fatias da sua torta de
maçã e mirtilo e duas xícaras do chá da casa.
O casal sentado à mesa em questão frequentava o café havia alguns
meses, e aparecia ali toda quarta-feira para estudar junto.
Pelo menos era isso que Dina presumia que faziam, com a cabeça
inclinada sobre os respectivos notebooks. De vez em quando, o
homem pegava a mão do parceiro e os dois cavam só sentados ali, em
um silêncio perfeitamente confortável. É isso que eu quero, pensou
Dina. Será que conseguiria algum dia? Ultimamente, até mesmo a
mera ideia de um “felizes para sempre” parecia inatingível.
— Pode deixar, chefe.
Robin sorriu, porque sabia muito bem que Dina odiava ser chamada
de “chefe”. Robin estava no café havia alguns anos, e revezava com as
aulas de spinning que dava perto da estação Blackfriars. Robin tinha
entrado no café instantes depois de Dina ter colocado o anúncio da
vaga na vitrine. Dina notou o moicano verde-escuro e o traço
descolado do delineador de Robin (feito aparentemente sem esforço),
observou o jeito distraído como aquela pessoa recém-chegada ajeitou
um dos porta-retratos na parede e soube na hora que era a pessoa
perfeita para o trabalho.
Naquele dia, Dina não tinha tido muito tempo para fazer nada além
de trabalhar, não que se importasse com isso. O Dedo do Destino,
com o barulho da máquina de café e o aroma quente dos bolos, era o
seu lugar. Ela mesma fundara aquele negócio — só com uma ajudinha
da sua magia — e toda vez que via clientes retornarem após uma
primeira visita, seu coração pulava de alegria.
S
cott Mason passou a mão pelo cabelo e se esforçou muito para se
concentrar no trabalho. Tinha que aprovar os cartazes da
exposição, escrever o discurso que faria no vernissage e ir até o
arquivo para fazer algumas pesquisas. Precisava pensar em qualquer
coisa que não fosse a mulher do café, que parecia ter saído direto dos
seus devaneios e se tornado realidade. Que estupidez tinha feito com
que ele fosse embora do café antes de pegar o número dela? Inferno,
devia ter se oferecido para car de joelhos e limpar o café derramado
se aquilo signi casse que poderia continuar a conversar com ela.
Acabara nem perguntando seu nome.
Scott estava sentado em seu escritório, no Museu Britânico, com os
olhos xos na tela do notebook. O cômodo estava abarrotado com o
máximo de livros que era capaz de conter — alguns eram herança da
pessoa responsável pela curadoria que havia trabalhado ali antes dele
—, e as pilhas muito altas tinham uma tendência a cair em cima de
Scott quando ele menos esperava. Havia um aquecedor no canto que
vivia fazendo barulho, mas que nunca parecia esquentar nada, e uma
família de pombos se instalou bem do lado de fora da janela. A cadeira
diante da escrivaninha rangia sempre que ele se sentava, e a
escrivaninha em si estava manchada com um século de respingos de
tinta. Mas agora que havia pendurado alguns cartões-postais e alguns
quadros das viagens que já zera e das exposições anteriores de que já
fora curador, ele já começava a se sentir em casa ali.
Cada vez que Scott tomava um gole do maravilhosamente doce chá
Earl Grey que tinha comprado no café, sua mente voltava à mulher
que o a tendera. Ela o fazia lembrar daquelas estátuas de deusas
gregas, todas com curvas voluptuosas e feições suaves e convidativas,
com aqueles cachos cor de mogno tingidos de roxo, os olhos de um
castanho tão escuro que eram quase pretos. E aqueles lábios… nossa,
“beijáveis” era um eufemismo.
Scott tinha ido a alguns encontros desde que voltara para Londres,
marcados por aplicativos de namoro, e não havia nada de errado com
as mulheres que conhecera. Eram todas atraentes, inteligentes e
divertidas, mas tinha faltado… sintonia. Não que ele ainda estivesse
apegado à Alice… era mais um cansaço de repetir as mesmas
perguntas em um primeiro encontro, depois de ter passado algum
tempo em um relacionamento longo. Em que você trabalha? O que
gosta de fazer nos fins de semana? Vários aplicativos, mas nenhum era
capaz de dar uma pista sobre como a química funcionaria na vida real.
Aquilo o irritava.
E Scott não andava com ânimo para insistir. Até aquele dia. A
mulher daquele café tinha acendido alguma coisa dentro dele, como
um raio de sol nalmente rompendo as nuvens depois de uma
tempestade. Ela até o fazia pensar em metáforas piegas. Pela primeira
vez em muito tempo, o corpo — os sentidos — de Scott pareciam
despertos. Pela primeira vez em muito tempo ele se pegava desejando.
Aquele era o primeiro ano de Scott como curador do acervo
permanente do museu, e ele não podia evitar a sensação de que, a não
ser pela dra. MacDougall, que tinha se disposto a correr o risco de
contratá-lo, alguns dos outros curadores e membros do conselho
olhavam com desprezo para ele. Nem todos, era verdade. Mas, por
acaso, os mais in uentes.
Ele tinha feito o possível para não se distrair durante toda a tarde. O
dr. Jenkins e o dr. Garcia, dois curadores muito mais antigos do que
ele no museu, não caram satisfeitos com seus planos para a
programação de verão e de outono. Eles tinham estremecido quando
Scott se atrevera a pronunciar a expressão “exposição interativa”. Para
eles, um museu não era um lugar para as crianças aprenderem sobre o
embalsamamento de múmias, ou para qualquer pessoa sem um phD
ter acesso à Sala de Leitura redonda.
Scott se lembrou de como alguns funcionários do museu tinham
cado chocados quando ele explicara que a ideia de uma exposição
baseada nos antigos sistemas de esgoto da Mesopotâmia
provavelmente não atrairia grandes multidões.
Naquele momento, sua mente voltou-se mais uma vez para o sorriso
da mulher do café, para o modo como ela havia enrubescido e tocado
no pescoço quando ele chamara a atenção para a correntinha com o
pingente de mão de Fátima. Talvez ele devesse voltar e se oferecer
para comprar um novo amuleto a m de substituir o que havia
quebrado. Aquilo seria demais? Ele não queria ir com muita sede ao
pote.
Embora a interação entre eles tivesse durado só um instante, havia
sido maravilhoso conversar sobre a sua paixão por objetos históricos
com outra pessoa, especialmente qualquer coisa relacionada a talismãs
da sorte ou boa fortuna. Eric — melhor amigo de Scott — sempre
tinha prazer em escutá-lo, mas não compartilhava do mesmo interesse.
Alice nunca se dispusera a falar sobre o trabalho de Scott com ele e,
quando isso por acaso acontecia, ela sempre acabava dizendo em tom
de deboche que ele poderia ganhar mais dinheiro fazendo qualquer
outra coisa. Scott já tinha perdido as contas de quantas vezes havia
explicado a ela que ser curador não era algo que se fazia pelo dinheiro.
Quando Scott abrira as caixas que tinha levado para seu escritório no
museu, havia encontrado uma foto dele e de Alice na primeira viagem
que zeram para ver a aurora boreal na Noruega, anos antes. Os dois
pareciam felizes na foto; já não sentia mais a mesma mágoa quando
olhava para o rosto dela.
Ainda tinha raiva, e continuaria a ter por algum tempo, mas o
sentimento tinha cado entorpecido. Por outro lado, qualquer amor
que Scott pudesse ter sentido por Alice havia sumido durante os anos
dele no exterior, e não retornara com a sua volta para Londres. Com
certeza o fato de Alice ter ido morar com outro cara nos Estados
Unidos tinha contribuído para isso. Pelo menos Scott não precisava se
preocupar em esbarrar com ela em algum dos lugares que
costumavam frequentar juntos.
Sem pensar duas vezes, ele amassou a foto e jogou no lixo. Já ia
tarde.
O
amuleto caído no chão foi só o começo de tudo. Conforme a
manhã se transformava em tarde, Dina se viu cercada por maus
presságios.
Teve cliente abrindo o guarda-chuva ainda dentro da loja e a própria
Dina derrubando sal sem querer enquanto limpava uma mesa.
Somados à quebra do amuleto, já eram três presságios em um dia. A
última vez que alguma coisa parecida acontecera, ela havia sido
reprovada na autoescola. Embora aquilo provavelmente tivesse tido
mais a ver com o fato de grandes máquinas e seres mágicos tenderem
a não combinar muito bem.
O rosto do visitante daquela manhã continuava surgindo em sua
mente, de forma quase espontânea. O sorriso meio de lado dele, a
forma como seus olhos cintilaram ao encontrar os dela quando ele
perguntou sobre o amuleto. Estava claro que o tom de erte estava só
na cabeça de Dina, já que provavelmente o homem não passava de um
daqueles professores nerds e gostosos que faziam as mulheres
desmaiarem por onde quer que passassem. Mas ela não estava
desmaiando, certo?
Dina balançou a cabeça, e se deu conta de que precisava tirar aquele
homem da cabeça e tomar alguma providência em relação a toda
aquela energia mágica esquisita que dominava o café naquela tarde.
Ela mandou uma mensagem para a mãe — que respondeu quase
instantaneamente, como se tivesse previsto a mensagem da lha, o que
provavelmente acontecera, já que Nour era uma bruxa vidente. Os
feitiços de limpeza eram uma parte importante das atividades de
adivinhação da mãe, por isso Dina sempre pedia dicas a ela quando se
tratava daquele tipo de coisa. Na verdade, Dina p edia dicas de
bruxaria à mãe sobre tudo… bem, quase tudo.
Nour orientou a lha a queimar um pouco de sálvia. Como não
queria disparar o alarme de incêndio, Dina decidiu adicionar um
pouco do óleo de sálvia que havia feito no outono anterior ao spray de
limpeza que usou, o que acabou deixando todo o café com o perfume
de um jardim de ervas.
Dina aproveitou a clientela pací ca de leitores da tarde — que
tomavam silenciosamente seus sagrados chocolates quentes (os
marshmallows tinham o formato de pequenas abóboras-fantasmas),
enquanto se refugiavam na história de um bom livro —, para sair para
o ar fresco e adicionar alguns itens novos ao cardápio na lousa da
calçada.
Ela sacou um pedaço de giz lilás e acrescentou “briouats
apaixonados” à lista, seguido de “ghriba enrubescidos”. Os briouats —
feitos de uma massa lo que derrete na boca, recheada com mel e
amêndoas — eram divinos, mesmo sem o feitiço que fazia a pessoa ter
a sensação de ter recebido um beijo na testa de um ente querido. Os
ghriba — biscoitos de açúcar maravilhosamente macios com essência
de água de rosas e raspas de limão — eram enriquecidos com um
feitiço para aquecer os dedos das mãos e dos pés.
Cerca de uma hora antes de o café fechar, Immy e Rosemary — as
amigas mais próximas de Dina e o mais próximo que tinha de irmãs
— chegaram, cada uma carregando várias sacolas cheias de livros, da
livraria da esquina.
Immy tinha cortado recentemente o cabelo loiro em um corte
chanel, um desa o proposital à futura sogra, que sugerira que uma
noiva sempre cava melhor com cabelo comprido. Rosemary, por
outro lado, era como uma pintura pré-rafaelita ambulante — os
cabelos ruivos brilhantes em uma trança que descia pelas costas e um
vestido verde esvoaçante. Se não fossem os óculos-gatinho vintage
empoleirados na ponta do nariz, não haveria como saber que ela era
desse século.
Tinham aparências totalmente diferentes, mas compartilhavam o
gosto por escrever histórias de terror. Immy escrevia cção cientí ca
mesclada com terror — livros repletos de alienígenas com tentáculos e
estranhas naves espaciais sencientes —, enquanto as obras de
Rosemary eram mais do tipo casa gótica mal-assombrada.
Para ser sincera, Dina sempre teve medo de ler os livros de
Rosemary. Pelo menos na escrita de Immy havia um elemento de
distanciamento, já que ela nunca seria a única astronauta restante
lutando contra uma espécie alienígena; o horror de Rosemary, por
outro lado, era do tipo que a faria lançar proteções ao seu redor antes
de ir para a cama.
Dina, Immy e Rosemary se conheciam desde que tinham vinte e
poucos anos. Na época, Rosemary estava passando um semestre na
Inglaterra, como parte do seu curso de literatura em Princeton, Immy
estava no mesmo curso e Dina fazia escola de pani cação e
confeitaria.
Elas se conheceram certa noite no Prince Charles Cinema, para
assistir ao lme Família Addams — uma sessão à fantasia — e as três
tinham decido ir vestidas de Primo Coisa, com direito a cartola e
óculos escuros. A escolha do gurino tornou difícil conseguirem
assistir ao lme, então elas fugiram e acabaram andando pelo centro
de Londres até pararem para se embebedar com vinho no pub Ye
Olde Cheshire Cheese. Dina se lembrava de ter sentido, na mesma
hora, que havia conhecido o grupo de pessoas a que sempre
pertenceria. Desde então, as três tinham se tornado inseparáveis.
Embora Rosemary tivesse precisado voltar para os Estados Unidos, as
três conversavam constantemente e se visitavam sempre que podiam.
Immy e Rosemary foram as primeiras pessoas a quem Dina revelou a
sua magia. Uma noite, as três estavam sentadas no chão da cozinha de
Dina, comendo uma torta de merengue de limão que ela havia feito,
quando a sua intuição de bruxa sinalizou que aquele talvez fosse um
bom momento. Depois de contar seu segredo às amigas, Dina tinha
levitado xícaras de chocolate quente para elas, para o caso de acharem
que havia enlouquecido.
Tinha sido uma noite cheia de revelações, porque logo depois que
Dina revelou que era uma bruxa, Rosemary contou que às vezes via
fantasmas. Immy não conseguiu acreditar que era a única pessoa não
mágica entre as três.
Quando Eric pediu Immy em casamento, ela havia pedido permissão
a Dina para revelar a bruxaria a ele. A princípio, Dina cou insegura
— aquela era uma parte de si importante demais para con ar à outra
pessoa. Mas depois de jogar cartas para Eric e ler suas folhas de chá às
escondidas, ela soube que ele era con ável. Além disso, Dina gostava
da companhia dele — Eric tinha um senso de humor espirituoso e só
faltava beijar o chão que Immy pisava.
Dina fez um espetáculo na revelação: ela preparou para o casal um
bolo de “feliz noivado”, que soltou pequenos fogos de artifício pela
sala quando cortaram a primeira fatia.
Immy puxa Dina para um abraço por cima do balcão, envolvendo a
amiga em seu perfume de roupa limpa.
— Senti saudade — murmurou Immy junto ao cabelo de Dina.
— Também senti a sua falta, apesar de ter visto você ontem.
Immy sorriu.
Fechar a loja sozinha era um ritual noturno. Não que Dina não
con asse em Robin para fazer aquilo, mas era muito mais fácil — e
mais e ciente para as pessoas envolvidas — se ela tivesse tranquilidade
para concentrar a mente em vários feitiços de limpeza ao mesmo
tempo.
Robin se encarregaria do café durante os próximos dias, enquanto
Dina estivesse em Little Hathering, a cidadezinha ao norte de
Londres, perto de onde aconteceria o casamento de Immy. Ajudava o
fato de ser a mesma cidade onde moravam os pais de Dina.
Ela apertou mais o casaco junto ao corpo depois de sair e fechar a
porta do café, e inspirou profundamente o ar fresco da noite. Então,
sussurrou um feitiço de proteção enquanto girava a chave na
fechadura. Às vezes Dina lançava os feitiços em inglês, outras vezes
optava pelo darija ou pelo francês, o que lhe parecesse certo no
momento. E aquele não era um feitiço maligno — Dina não fazia uso
deles. Era só um feitiço que afastaria possíveis ladrões do café, fazendo
com que o lugar parecesse totalmente desinteressante, nem de perto o
tipo de lugar onde dinheiro cava guardado durante a noite.
O sol já havia se posto e as folhas rodopiavam com a brisa de outono
enquanto Dina se dirigia para a estação. Felizmente, o trajeto de volta
para casa foi de modo geral tranquilo, embora Dina tenha usado um
feitiço de coceira para fazer um homem desocupar o lugar prioritário
que uma mulher grávida foi educada demais para reclamar. Dina
desceu do metrô em Putney Bridge e seguiu caminhando pela margem
do rio para aproveitar o que restava do sol.
Havia alguns barcos no rio, e os remos formavam pequenos círculos
na água ao redor deles. Dina sempre era mais sensível à magia da
cidade quando estava à beira do rio. Era como se Londres inteira
existisse na elevação de cada pequena onda.
Ou talvez fosse o rio em si. A forma como ele serpenteava pela
cidade, sempre uindo. Estava lá desde antes de Londres ser nada mais
do que algumas casinhas de barro construídas em terrenos pantanosos,
e Dina não tinha dúvidas de que permaneceria ali quando a cidade
não existisse mais. Aquele era exatamente o tipo de pensamento
melodramático que ela costumava ter quando estava cansada e
voltando para casa. Tudo por causa da água — que trazia à tona sua
tendência re exiva e melancólica.
Como sempre, Meia-Lua estava esperando por Dina, miando de
forma irritadiça no momento em que ela passou pela porta.
— Senti sua falta, sua pestinha — disse Dina, embalando a gata
roliça nos braços como um bebê, uma posição que Meia-Lua
suportava de mau humor, e apenas por causa da garantia tácita de que
ganharia guloseimas mais tarde.
A intenção de Dina quando fora ao abrigo de gatos alguns anos antes
era pegar um gato preto — ela adorava como eles pareciam pequenas
bolinhas de sombra. Mas então ela ouviu um uivo mal-humorado
vindo de uma gaiola perto dos seus pés.
— Essa aí acabou de chegar, o veterinário acha que é brava. Não tem
microchip — tinha explicado o funcionário.
Dina havia se agachado e encontrado os olhos da gata, que era quase
toda preta, exceto por uma mancha dourada no topo da cabeça que
lembrava uma lua crescente, e a barriga branquinha e macia. Meia-
Lua, que ainda nem tinha nome naquele momento, esfregou a cabeça
no dedo estendido de Dina — ela sentiu o calor da carinha da gata e
soube na mesma hora que havia encontrado a sua “familiar”.
Se já havia sido selvagem antes, Meia-Lua era o oposto agora, e
adorava comer pedacinhos de queijo das mãos de Dina, as duas
sentadas no chão da cozinha. Dina invocou um feitiço entre os dedos
e todas as lâmpadas do apartamento se acenderam — o brilho rosado e
quente a ajudava a descansar melhor.
Na verdade, ela ainda não podia descansar de fato. Tinha prometido
uma leitura a Immy. Dina pensou que poderia muito bem fazer logo
duas: uma para o casamento de Immy e Eric e outro para si mesma.
Mesmo depois da degustação do doce mágico, os presságios do início
do dia ainda a incomodavam, como um cinto apertado demais.
Só havia uma coisa a fazer: adivinhação. Aquele era o tipo de magia
natural da mãe, mas Dina tinha o seu jeito especial de fazer. Ela ligou
a chaleira elétrica e cou observando o vapor se formar. Então, vestiu
o pijama e preparou duas xícaras de chá de verbena com limão, doce e
reconfortante — aquele era o seu chá de ervas favorito. Em darija se
chamava louiza, e a mãe dela jurava que era capaz de curar mentes
ansiosas. Naquela noite, teria outro propósito.
Mas as palavras ainda não tinham nem saído de sua boca e sua mente
já voltava para o visitante desconhecido. Não, esqueça aquele homem.
Ele era apenas um cliente de passagem, que ela provavelmente nunca
mais veria. Além disso, não estava aberta a namorar sério. E mesmo
que estivesse, era muito mais provável que preferisse uma mulher a
um homem.
A segunda parte da leitura, infelizmente, foi muito fácil de entender.
Chame de sexto sentido, clarividência, ou só mesmo de intuição
profunda — Dina já sabia que os maus presságios daquele dia
apontavam todos em uma direção: a maldição.
A maldição estava voltando insidiosamente à sua vida, trazendo em
seu rastro a infelicidade.
Capítulo 4
A
maldição tinha sido o pior erro da vida de Dina. Ela ainda
lembrava de quando tinha apenas treze anos e sentiu as primeiras
vibrações do amor. E de outra coisa que não era exatamente amor,
mas que a deixara ruborizada e com um formigamento em lugares
novos e estranhos.
Seu corpo havia despertado pela primeira vez naquele verão, seus
sentidos estavam ansiosos para explorar as possibilidades. Sua magia
também desabrochou de vez. Ah, sim, ela já era capaz de fazer
feitiços antes — pequenos, como acender e apagar uma luz e fazer
levitar uma pena ou uma caneta no ar. Mas aquela magia era mais
forte, mais indomável.
Chegou com a primeira menstruação e a abalou como se ela fosse
uma nadadora solitária em mar aberto, entregue à correnteza. A mãe a
ajudara a encontrar seu rumo, lhe ensinando as diferentes formas de
bruxaria, e permitindo que Dina descobrisse quais eram mais
adequadas para ela. A mãe lhe explicara que a magia mudaria a cada
mês junto com seu ciclo, e que Dina estaria no auge do seu poder
alguns dias antes de menstruar. Algo na dor das cólicas pré-menstruais
aumentava a potência da magia de uma bruxa.
Dina conseguiu realizar magia de uma forma que, a princípio, a
havia surpreendido. Ela invocara um espírito de sorte um dia antes dos
exames escolares anuais, só porque podia — era uma adolescente
temerária e sua paixão por Luke Montgomery só piorava as coisas.
Luke era o cara de que toda garota gostava.
No começo Dina não tinha sido uma daquelas garotas. Ela cava na
dela, só apreciando o contorno da nuca de Luke na aula de
matemática e admirando a pele marrom de seus braços na educação
física. Mas então Luke lhe pediu uma caneta emprestada e ela deixou
de lado qualquer tranquilidade que restava, transformando-se em um
caos balbuciante.
Naquela noite, Dina fez algo que realmente não devia ter feito. Ela
esperou até os pais estarem dormindo e foi até a sala, onde a mãe
guardava seus livros de feitiços. Dina sabia que não podia lançar um
feitiço de amor — todos os livros sobre bruxaria que já havia lido
deixavam bem claro que aquilo era impossível. Mas e um feitiço de
destino? Um feitiço para unir seu destino ao de Luke até que, em
algum momento, ele tivesse que se apaixonar por ela. Naquela época,
Dina era ingênua demais para se manter em segurança.
O feitiço tinha muitos ingredientes. Uma pétala de rosa vermelha
colhida durante a lua cheia; uma vela branca, deixada ao ar livre a
noite toda para absorver o brilho do luar; um pedaço de papel com o
nome de Luke; e uma colher de mel, que seria derramada sobre a vela
para unir Luke e Dina. Levaria tempo para preparar e, felizmente, as
férias de verão já estavam quase batendo à porta.
Dina passou a maior parte das férias se preparando em segredo para
o feitiço. Quando a primeira semana do novo ano letivo chegou, já
estava pronta. No entanto, quando viu Luke novamente, ele passara a
ter um bigode ralo e não parava de falar sobre seu recorde de mortes
em jogos de video game. Qualquer gota de paixão que tivesse sentido
por ele durante o verão se dissipara quase na mesma hora.
Dina se lembrava de ter escondido a vela e a pétala de rosa na gaveta
e de não pensar mais nelas — pelo menos até conhecer Rory.
Se Luke havia sido só uma paixonite adolescente, Rory foi o
primeiro amor verdadeiro da vida de Dina e quem a zera se dar
conta de que ela também desejava mulheres.
Dina conheceu Rory quando ambas tinham dezenove anos, recém-
saídas do ensino médio e já na escola de pani cação e confeitaria.
Dina sabia que queria abrir um café e, embora já demonstrasse talento
no preparo de pães e bolos, mesmo sem a ajuda da magia, tinha
certeza de que havia muito mais a aprender. Rory queria ser chef
confeiteira e sonhava em se mudar para Paris. Seu cabelo era preto
curto, um pouco enrolado nas pontas, e tinha olhos tão verdes que
pareciam musgo depois da primeira chuva de primavera. Dina
descon ava que havia alguma bruxa na linhagem familiar de Rory,
porque de vez em quando um jorro de magia a envolvia rapidamente,
antes de crepitar e desaparecer.
Ela falou com tanta esperança nos olhos que Dina se deu conta de
que, se assumisse sua bissexualidade naquele momento e contasse aos
pais que Rory era uma mulher, abalaria aquela esperança. Assim,
permaneceu calada. A mãe não era uma pessoa tradicional ao extremo
— a nal, era uma bruxa —, mas tinha sido criada no Marrocos dos
anos 1960, que estava longe de ser um lugar com uma comunidade
queer em expansão. Um comentário aqui e ali da mãe já havia
sugerido a Dina que ela aceitava muito bem que outras pessoas fossem
queer, não a própria lha.
Conforme o recesso de m de ano avançava, o uxo de mensagens
de texto de Rory foi diminuindo, até que uma noite Dina acordou
com uma mensagem que dizia: Não sei se quero continuar.
Dina não conseguiria suportar aquilo. Precisava de Rory. Uma
lembrança de anos antes ressurgiu, e ela revirou as gavetas da infância
até encontrar. A pétala de rosa, agora seca entre as páginas de um
livro, a vela carregada com a força do luar. O pedaço de papel.
Sentada no chão do quarto, Dina rabiscou o nome de Rory no papel,
acendeu a vela e fez o encantamento. Nada aconteceu imediatamente,
embora Dina sentisse o feitiço fazer efeito. Foi como se, de repente,
ela conseguisse sentir Rory no fundo de sua mente, como se um o
invisível as conectasse. O feitiço do destino tinha funcionado. Rory
enviou uma nova mensagem: Estou voltando, amor, senti sua falta. Chego
daqui a pouco, de carro.
Uma hora mais tarde, Dina sentiu um puxão estranho naquele “ o
invisível” e seu coração pareceu prestes a sair pela garganta, como se
de repente ela estivesse dentro de um elevador em queda.
Um instante depois, Dina recebeu uma ligação do celular de Rory.
— É Dina falando? — perguntou uma voz masculina do outro lado
da linha.
— Isso. Tá tudo bem? Cadê a Rory?
— A Rory tá bem, mas sofreu um acidente na estrada. Estamos
levando ela para o hospital.
— Ah, não. Que merda. Posso falar com ela?
— Sinto muito, mas ela está inconsciente no momento.
O paramédico informou a Dina o endereço do hospital para onde
estavam levando Rory, e ela correu para o carro na mesma hora. No
futuro, não se lembraria muito do trajeto até o hospital, ou do
momento em que tinha chegado lá — tudo se transformou em um
grande borrão de estresse. Ela só pensava que não conseguia mais
sentir aquele o que a ligava a Rory — o e stado da namorada era
grave?
Era de manhã bem cedo quando Dina nalmente teve permissão
para ver Rory. Ela parecia tão pequena naquela cama, e as luzes do
quarto de hospital deixavam a sua pele ainda mais pálida do que o
normal. Um lado do rosto de Rory estava machucado e o lábio,
rachado. Os médicos explicaram que Rory estava em alta velocidade
na rodovia e que o carro tinha derrapado no gelo. Ela estava correndo
para chegar mais rápido até mim, era só o que Dina conseguia pensar,
sentindo a culpa dominá-la. O que havia feito?
Dina se sentou ao lado da cama de Rory e lançou um leve feitiço de
cura nela. Era o mínimo que podia fazer. Quando Rory acordou, não
sorriu para Dina, apenas a encarou com uma expressão amarga, de
acusação, nos olhos.
— Você fez alguma coisa comigo, não foi? — falou ela. — Com a sua
magia.
Dina quis negar.
— Foi um feitiço pequeno, bobo. Pra… pra gente se reaproximar.
— Como você se atreve? Pelo amor de Deus, Dina. Era como se eu
fosse uma marionete, como se eu me visse mandando mensagens pra
você e te chamando de “amor” de novo, e depois correndo pra entrar
naquele carro. Eu não queria fazer aquilo. Tentei parar, mas não estava
no controle do meu corpo, era você que estava.
— Desculpa — falou Dina, em lágrimas. — Não era pra ser assim.
— Ah, é? E como era pra ser? Eu podia ter morrido! Tudo isso
porque você não conseguiu me deixar ir. Já tava tudo acabado entre a
gente. Seja lá o que tenha sido isso — Rory gesticulou de uma para a
outra — já terminou há meses, e você simplesmente não conseguia
entender. Eu estava tentando te dizer do jeito mais gentil possível.
— Eu nunca quis te fazer mal. É só que te amo demais.
— Forçar as pessoas a fazer o que você quer não é amor — retrucou
Rory, furiosa.
Dina podia sentir que algo havia se libertado dentro dela, como uma
vibração baixa crescendo. Fosse qual fosse a magia que estava
adormecida em Rory, agora começava a se agitar. E estava com raiva.
— Quer saber de uma coisa, Dina? Espero que um dia isso aconteça
com você, para que você entenda o que fez comigo. Todo mundo que
te amar vai se machucar, tá me ouvindo? Todo mundo que te amar vai
sair machucado, assim como eu saí.
Naquele momento, Dina sentiu a maldição envolver seus ombros
como uma mortalha gelada. Rory não tivera aquela intenção, mas sua
magia bruta e destreinada se combinou com a raiva que ela sentia
formando uma força inabalável. Um feitiço tinha se atado à alma de
Dina e permanecera lá desde então.
Quando ela nalmente voltou para casa na manhã seguinte, a mãe
tentou perguntar o que tinha acontecido. Dina murmurou alguma
coisa sobre um rompimento e pediu que os pais a deixassem em paz.
Ela queria desesperadamente contar à mãe o que tinha acontecido.
Queria dizer: Conserta isso, mãe, conserta a besteira que eu fiz. Mas
cada vez que estava prestes a falar, Dina se lembrava que não havia
como contar apenas parte da verdade. Nour precisaria saber tudo
sobre o relacionamento da lha, inclusive que Rory de nitivamente
não era um homem. Dina tinha acabado de perder a namorada… não
podia perder a mãe também.
Tantos anos depois, e a sombra pegajosa da maldição ainda estava
grudada em Dina. E não mostrava sinais de enfraquecimento. Toda vez
que ela sentia que um relacionamento estava indo bem, a maldição
encontrava uma forma de estragar tudo, de machucar as pessoas ao seu
redor.
Uma vez, Dina estava namorando um cara havia alguns meses — um
chef de cozinha de um restaurante londrino. Na mesma noite em que
ele disse a ela que queria apresentá-la aos pais, sua luva de forno
pegou fogo — uma luva que Dina tinha comprado para ele —
provocando queimaduras na mão do rapaz.
Outra vez, Dina estava saindo com uma mulher chamada Eliza. Ela
era uma daquelas pessoas incríveis que nunca cavam sem energia, e
até arrastava Dina para fazer caminhadas todo m de semana. As duas
estavam subindo Box Hill quando Eliza confessou que talvez estivesse
se apaixonando por Dina. Um segundo depois, Eliza tropeçou e bateu
com a cabeça em uma pedra escondida sob a grama. A ironia sombria
daquilo não passou despercebida para Dina.
O lado perverso da maldição era que, quanto mais Dina gostava de
alguém, mais o feitiço tentava machucar a pessoa. Ela já havia tentado
de tudo para tentar reverter aquilo. Feitiços de limpeza em si mesma,
desatamento. Não importava o que zesse, todos os seus
relacionamentos românticos estavam fadados ao fracasso.
Dina praticamente parou de namorar, e se permitia apenas encontros
de uma única noite aqui e ali, para não acabar virando uma freira.
Nunca mais poderia voltar a se apaixonar… era perigoso demais. Mas
ali estavam as folhas de chá, e a mensagem era clara: O amor está no
horizonte.
Bem, talvez estivesse tudo bem. Amor também podia signi car
atração, não é mesmo? E seria mesmo tão ruim assim nunca mais se
permitir car próxima o bastante de alguém a ponto de amar de novo?
Dina se fazia muito essa pergunta ultimamente. Às vezes, se olhava
no espelho e via aquela mesma jovem que se apaixonara por Rory
olhando para ela, com o cabelo encaracolado e a voluptuosidade que
ameaçava transbordar de qualquer roupa que estivesse vestindo.
Certos dias, demorava muito para encontrar maneiras de se amar
novamente.
Dina adormeceu naquela noite pensando na previsão das folhas de
chá. Passou o dia seguinte em casa, se preparando e arrumando as
malas para o m de semana, jogando todo tipo de roupa na mala, para
escolher o que vestir conforme o seu humor.
Dina procurou no guarda-roupa o vestido de madrinha que Immy
havia comprado para ela alguns meses antes. Um vestido de veludo
escovado verde-escuro que se moldava às curvas de Dina — o que lhe
faltava no departamento de seios ela compensava no traseiro. Dina
Whitlock tinha passado duas vezes na la da bunda.
Ela precisava ir para a estação. Dina reuniu as malas, forrou com
uma manta macia a caixa de transporte de Meia-Lua, e acrescentou a
abóbora de brinquedo cheia de erva-de-gato, que teoricamente deveria
manter a gata calma durante a viagem.
Lançou um feitiço para que suas plantas permanecessem úmidas
enquanto ela estivesse fora — Dina tinha muitas plantas, por isso o
feitiço levou algum tempo para se xar nas folhas, cobrindo-as com
um orvalho cintilante que permaneceria ali até ela voltar.
Jogou algumas velas mágicas e sacos de ervas na bolsa, embora a mãe
sem dúvida tivesse o su ciente para as duas — era mais pela sensação
de ter aquelas coisas com ela. Meia-Lua já havia se enrodilhado dentro
da caixa de transporte; estava amassando a abóbora com as patinhas, e
logo estaria dormindo. Depois de preparar um chocolate quente
rápido e colocá-lo em uma garrafa para viagem, com uma centelha
adicional de magia de conforto para sustentá-la até voltar para casa,
Dina trancou o apartamento.
Capítulo 5
A
estação de King’s Cross St. Pancras cava agradavelmente
silenciosa à noite, depois que toda a aglomeração da hora do rush
havia passado. As decorações de Halloween e as primeiras luzes de
Natal iluminaram o caminho de Dina pela estação, e ela amou ouvir a
música que um adolescente tocava no piano gratuito no corredor. O
modo como os dedos dele se moviam sobre as teclas, a música
ecoando, era um tipo próprio de magia.
Dina se sentou em um espaço de quatro lugares, colocou a caixa de
transporte de Meia-Lua ao seu lado e se ajeitou. Levaria pouco menos
de uma hora para chegar a Little Hathering. O casamento de Immy
aconteceria em uma antiga mansão de campo nos arredores da cidade.
Aos poucos, o trem começou a encher e Dina deixou o som dos
outros passageiros envolvê-la. Já estava prestes a abrir um livro de
terror — uma das recomendações de Immy — quando ouviu um
clique. Um clique muito familiar, seguido de um arranhar.
Quando olhou para baixo, já era tarde demais. Meia-Lua, por algum
poder sobrenatural que só os gatos possuem, tinha conseguido
destrancar a caixa de transporte e disparou pelo vagão.
— Merda — Dina gemeu e se levantou para ir atrás da gata.
Aquilo não era típico de Meia-Lua; ela nunca tinha tentado fugir da
caixa de transporte. Dina cou surpresa simplesmente por a gata saber
como fazer aquilo… bem, não tão surpresa. A nal, Meia-Lua era uma
“familiar”.
— Com licença, desculpa, com licença — murmurava Dina
enquanto driblava outros viajantes que tentavam encontrar seus
assentos.
— Eu nem sonharia com isso. Escuta, quer que eu leve ela de volta
pra onde você está sentada? De qualquer jeito, meu lugar não é
marcado.
Dina teve que concordar que aquilo fazia todo o sentido, mas não
conseguiu afastar da mente o brilho astuto nos olhos de Meia-Lua
enquanto o homem a carregava de volta até o assento de Dina. Como
se tudo aquilo zesse parte do seu plano.
Dina também não deixou de reparar novamente na altura do homem
enquanto ele segurava Meia-Lua com uma mão e levava a mala na
outra. Seu peito era tão largo que ocupava todo o corredor, e ele
precisou se curvar um pouco para não bater com a cabeça no
bagageiro quando se acomodou em um assento.
Dina reparou em todos aqueles detalhes com total indiferença, é
claro, e aquilo obviamente não lhe causou um frio na barriga.
Só quando o homem já estava sentado em frente à Dina é que Meia-
Lua se dignou a voltar para sua caixa, e adormeceu quase
imediatamente.
— Então, você prefere cachorros, não é? — perguntou Dina,
estreitando os olhos para ele. — Isso é bem suspeito. Todo mundo
sabe que gateiros são as melhores pessoas.
— Se você está dizendo…
Ele sorriu. E aquilo fez a pulsação de Dina disparar.
Agora, sentada de frente para ele, ela conseguia examinar melhor as
suas feições e estava se esforçando muito, muito mesmo, para ignorar o
fato de que ele era simplesmente lindo. A sobrancelha cheia, aqueles
olhos que ela não aguentava encarar por muito tempo, o nariz
perfeitamente torto, o sorriso de lado e um queixo tão anguloso que
parecia capaz de cortar vidro, isso para não falar da barba bem-feita.
Ele tinha algumas linhas de expressão na testa, que remetiam a dias
passados ao sol sem protetor solar, e devia ter uns trinta e poucos anos.
Não estava de óculos naquele momento, mas Dina chegou à conclusão
de que aquele era o tipo de rosto que cava bem com ou sem óculos.
— Não cheguei a perguntar seu nome, lá no café — disse ele, como
se Dina precisasse ser lembrada da interação entre eles na véspera.
Ela cruzou cuidadosamente as mãos por baixo da mesa, para o caso
de a hena resolver voltar à ação.
— É Dina — falou, sentindo a boca seca. — E o seu é…?
— Scott. Scott Mason.
Ele estendeu a mão por cima da mesa e Dina fez o mesmo.
Enquanto trocavam um aperto de mão, ela reparou que a mão de
Scott envolveu a dela inteiramente, e aquilo lhe provocou um arrepio
delicioso que percorreu todo o seu corpo. Quem diria que um aperto
de mãos podia ser tão sexy?
Era divertido ngir ertar com um estranho. Porque ela estava só
ngindo, disse Dina a si mesma. Então se lembrou do que as folhas de
chá tinham dito. O amor está no horizonte. E logo reprimiu o
pensamento.
Do lado de fora do trem, os subúrbios de Londres passavam como
um borrão. Os prédios se transformaram em casas; as casas, em chalés
rodeados por gramados verdes; então a paisagem passou a se estender
ao redor, enchendo as janelas com vistas de campos cobertos de urze,
bosques e ovelhas adormecidas.
— Então, o que fez você abrir um café, Dina? — perguntou Scott.
— Como você sabe que sou a dona? — retrucou ela.
— Não é? Tudo lá… se parece com você. Se é que isso faz sentido.
De alguma forma, fazia.
— Na verdade, eu abri o café para deixar as pessoas felizes. Queria
um lugar que parecesse um oásis para as pessoas da cidade… você
sabe como é, quando a gente está na rua e teve um longo dia, e só
precisa de um lugar para sentar, respirar fundo e passar um tempo
relaxando, com uma boa xícara de chá nas mãos. E você trabalha no
museu, não é, Scott? — Dina não conseguiu se conter… gostava do
som do nome dele em seus lábios.
— O que me denunciou? As cotoveleiras? — Ele soltou uma risada
profunda e estrondosa.
— Infelizmente, sim; elas te entregaram.
— Ah, bem, é o único uniforme que eles permitem que os curadores
usem, espero que se acostume com isso.
Scott olhou para ela com aqueles cílios escuros e Dina sentiu uma
onda de calor subir pela sua coluna. Espero que se acostume com isso.
— É isso que você faz, então?
— É, sou curador. Trabalho lá faz pouco tempo. E estou tentando
levar um pouco mais de modernidade para o museu.
— Em que sentido?
— Um tablet interativo aqui, uma exposição focada na arte islâmica
antiga ali. Mas meu foco é tentar entender como o Museu Britânico
lida com artefatos que roubaram, não tão secretamente assim, do
Oriente Médio durante a Segunda Guerra Mundial. Quero, quero
muito, devolver o que for possível. Ou pelo menos criar uma
exposição que percorra de forma permanente os museus do norte da
África e do Oriente Médio.
— Isso é muito impressionante — comentou Dina, e sorriu tímida.
— Você é tipo um Indiana Jones ao contrário.
— Vou contar à minha chefe que você disse isso na próxima vez que
ela achar que pareço velho demais pra minha idade.
Scott se ajeitou no assento e a perna dele roçou a de Dina por um
instante embaixo da mesa. O calor voltou a disparar pelo corpo dela
com o toque. Não devia permitir que aquele homem — aquele
estranho — a deixasse tão agitada. Continue a falar, Dina, e pare de
olhar nos olhos dele.
— O que você fazia antes de ser curador? — perguntou ela, se
forçando para não olhar nos olhos sonhadores dele.
— Eu estava fora do país, trabalhando para diferentes museus ao
redor do mundo. Eu… — Scott passou a mão pelo cabelo escuro. — Já
fazia um tempo que eu não voltava para a Inglaterra.
— Mas agora que voltou, está planejando car por aqui?
Ele deu um sorrisinho que pareceu um pouco forçado.
— Acho que sim.
O trem parou em uma estação já na área rural e Dina se deu conta
de que os dois já estavam conversando havia quase meia hora. Ela
estava cando sem tempo para tomar o chocolate quente que levara,
portanto, poderia muito bem compartilhá-lo com o homem à sua
frente, junto com o pedaço do bolo de gengibre e caqui que tinha
levado também.
Dina tirou a xícara presa no topo da garrafa térmica e abriu a tampa.
O ar foi tomado pelo vapor com aroma de chocolate.
— Isso tem um cheiro tão gostoso… — disse Scott, fechando um
pouco os olhos.
O chocolate quente muitas vezes a fazia sentir do mesmo jeito.
Como se ela estivesse enrolada em uma manta aconchegante com
aroma de chocolate. No momento, Dina precisava da magia calmante
que havia ali, porque cada olhar de Scott fazia uma descarga de
energia disparar por todo o seu corpo.
— Aceita? — perguntou.
— Se você tiver uma xícara sobrando, eu não vou recusar.
Dina não tinha, mas era para casos como aqueles que servia a magia.
Ela en ou a mão na bolsa, que não era bem uma bolsa de Mary
Poppins, mas era podia fazer surgir praticamente tudo que o momento
pedisse, se Dina se concentrasse bem em seu desejo. Logo, sentiu com
o dedo a alça de uma xícara. Ela a colocou sobre a mesa e percebeu,
horrorizada, que a xícara tinha os dizeres “A melhor mãe de gata do
mundo” na lateral, ilustrada com um conjunto de pegadas.
— Que modesta — brincou Scott.
Dina o ignorou, porque não era possível que aquele homem fosse
bem-humorado e bonito, e serviu o chocolate quente nas duas xícaras.
Estava ligeiramente espumante por cima, como ela gostava. Mas
nenhum chocolate quente estava completo sem marshmallows. Dina
en ou a mão de volta na bolsa, e pegou um punhado considerável de
minimarshmallows brancos e cor-de-rosa.
Quando Dina entregou uma das xícaras a Scott, seus dedos se
tocaram. A hena em seu pulso ganhou vida e Dina afastou
rapidamente a mão. Lembrete para mim mesma: nada de hena mágica
perto de Scott.
Sem se dar conta da agitação que dominava Dina, Scott se recostou
na cadeira e tomou um gole do chocolate quente.
— Você fez isso? — perguntou em um tom suave.
— Ahã. É uma receita secreta, vou levar ela para o túmulo.
Dina também deu um gole e agrou Scott observando-a
atentamente enquanto ela lambia um pouco de marshmallow
derretido do lábio superior.
— Você não conseguiu limpar tudo — avisou ele. — Posso?
Dina assentiu.
Scott estendeu a mão e acariciou o lábio superior de Dina o polegar,
os olhos xos nos dela o tempo todo. Ela manteve a respiração presa
durante todo o tempo em que a mão dele se moveu suavemente pelo
seu rosto. É claro que não inalou o perfume de bergamota e cedro
dele. E quando Scott afastou a mão e lambeu o marshmallow do
polegar, ela de nitivamente não cou vermelha que nem um tomate.
O problema era que estava quente ali dentro.
Infelizmente, o trem escolheu aquele momento para anunciar que
em breve chegariam à estação Little Hathering. Dina não queria que
aquela viagem terminasse.
Ela guardou as xícaras vazias e começou a arrumar tudo para sair.
Scott fez o mesmo — ele se levantou e enrolou um cachecol no
pescoço. Ao que parecia, Dina era capaz de sentir inveja de um
cachecol.
— Você vai descer aqui também? — perguntou ela.
— Vou, vou visitar as minhas mães.
— Você se importa? — pediu Dina, e apontou para a sua mala no
bagageiro alto. Como estava segurando a caixa de Meia-Lua, que agora
choramingava, perturbada pelo movimento, ela estava com as mãos
ocupadas.
Quando Scott esticou a mão, a parte superior da camisa dele subiu
um pouco e ela viu de relance um rastro de pelos escuros e músculos
destacados e fortes. E logo desviou o olhar, enrubescendo um pouco
mais. Ele sem dúvida conseguiria levantá-la do chão como se ela
pesasse menos que uma pena.
Os dois desceram juntos do trem e pararam na plataforma atingida
pelo vento. O frio havia aumentado e a respiração de Dina formava
nuvens no ar. Estava em casa.
— Sabe, já que nós dois vamos passar o m de semana aqui, quem
sabe…
Mas Scott não conseguiu terminar o que estava prestes a dizer,
porque uma mulher mais velha começou a chamar seu nome na saída
da estação.
Ele sorriu.
— Aquela é uma das minhas mães.
Dina olhou para Scott — era difícil não fazer aquilo, já que ele se
elevava acima dela, ocupando a maior parte do seu campo de visão.
Será que devia dar o seu número a ele? Mas então a conversa da
véspera voltou à sua mente. Os maus presságios no café. O amuleto
que caiu quando ele entrou. As folhas de chá. Aquilo terminaria em
desastre — aquela era a previsão.
Dina podia até ver como tudo iria acontecer: o namoro, o sexo —
que seria fenomenal, ela não tinha a menor dúvida disso —, então ela
se apaixonaria perdidamente, porque era isso que sempre acontecia, e
a maldição machucaria Scott, assim como havia acontecido com todos
e todas antes dele.
Ela abaixou os olhos para si mesma, se deu conta do cabelo cheio
que esvoaçava em todas as direções, do jeans mal ajustado, da blusa
com uma mancha de café na parte de baixo. Não havia como aquele
homem estar ertando com ela. Não quando estava com aquela
aparência… provavelmente tinha interpretado mal os sinais.
Se desse o seu número para ele, só estaria fazendo papel de tola. Não
estava pronta para mais um constrangimento nem, com certeza, para
outra decepção amorosa.
— Foi bom te ver. Tchau — falou Dina, com o tom mais frio de que
foi capaz.
Então se afastou, com Meia-Lua berrando o tempo todo na caixa de
transporte. Depois, saiu correndo da estação e desceu a colina até o
centro da cidadezinha. E só olhou para trás uma vez.
Capítulo 6
em, pessoal, o prêmio de grande tolo vai para Scott Mason pela
B segunda vez em vinte e quatro horas. Como… como ele tinha sido
capaz de estragar tudo de novo? Scott cou na plataforma, vendo
Dina literalmente fugir dele e se perguntando o que é que tinha feito
de errado.
Achou que eles estavam se dando bem. Dina era absurdamente
divertida, e tinha se mostrado mais calorosa depois que ele elogiou a
gata. Bem, Meia-Lua era uma anjinha peluda, portanto ele não
mentira. E Scott tinha reparado em como Dina o olhara com aqueles
cílios longos e escuros. A mente dele voltou ao momento em que ela
havia lambido um pouco de marshmallow do lábio. Só de lembrar da
língua de Dina separando os lábios, lambendo-os com rmeza, só de
pensar no roçar do polegar dele na sua boca, já estava lhe provocando
uma ereção. Talvez ele tivesse ido com muita sede ao pote.
Ou talvez ela simplesmente não esteja a fim de você, sugeriu sua mente
traidora. A nal, ele estava enferrujado naquele jogo de ertes. De
qualquer modo, agora não teria como saber. Dina já havia sumido de
vista havia muito, embora Scott pudesse jurar que seu perfume de
laranja e especiarias ainda permanecia no ar, envolvendo-o.
Scott estava prestes a perguntar se ela queria sair para tomar um
drinque com ele, já que os dois estariam em Little Hathering naquele
m de semana. A nal, quais eram as chances de eles se encontrarem
duas vezes em dois dias? Um Scott mais jovem e ingênuo teria
acreditado que era apenas um acaso, sorte ou que tivesse um
pouquinho do dedo do destino.
Dina obviamente tinha percebido que ele estava prestes a convidá-la
para sair, já que tinha ido embora antes mesmo que ele terminasse de
fazer o convite.
Ah, que fosse. De qualquer modo, o foco daquele m de semana não
era ele, mas sim o casamento de Eric e Immy, a visita às mães dele e
passeios por paisagens livres, que não eram escondidas por arranha-
céus. Scott não teve muito tempo para car ruminando sobre Dina,
porque sua mãe estava esperando por ele no estacionamento da
estação, ao lado do seu fusca de um amarelo forte.
— Scott! Querido! — gritou Helene, acenando acima da pequena
aglomeração de pessoas que haviam desembarcado em Little
Hathering, o cabelo loiro-avermelhado preso com um lenço, de um
jeito elaborado.
Scott riu e se inclinou para dar um abraço na mãe. Lembrou da
infância, de quando a abraçava e só chegava até a cintura dela. Agora,
cada abraço era como um abraço de urso, envolvendo-a totalmente.
Mas, quando a envolveu nos braços naquela noite, Scott não pôde
deixar de reparar que a mãe parecia menor, mais frágil.
— É bom ter você em casa — sussurrou ela, acariciando os cabelos
dele. — Agora, você vai me contar quem era aquela bela moça com
quem estava conversando na plataforma? — Os lábios de Helene se
curvaram em um sorrisinho malicioso e ela deu uma palmadinha no
braço dele enquanto o puxava na direção do carro.
— Ninguém especial. Eu só sentei ao lado dela no trem.
Scott nunca tinha sido bom em mentir para a mãe, mesmo que,
tecnicamente, aquilo fosse mesmo uma sombra da verdade.
— Ahã, claro.
Helene deu uma piscadela, antes de começar a atualizá-lo sobre o
que elas andavam fazendo. O que havia de mais fantástico em Helene,
era que, quando Scott não estava com muita vontade de conversar, ela
conseguia conduzir a conversa pelos dois.
— A Alex está pintando o galpão do jardim de um azul chamado
Majorelle. Impressionante! E o vizinho andou reclamando de novo da
nossa meditação ao nascer do sol, mas sinceramente, se ele não quiser
ver as minhas partes íntimas, pode só não espiar pelas cortinas às cinco
da manhã.
Scott cou ouvindo a mãe tagarelar enquanto ela seguia acelerando
pelas curvas da cidade, contando tudo sobre as melhorias que estavam
fazendo na casa e as diferentes espécies de pássaros que tinha
observado no comedouro. A aposentadoria lhe caía bem.
As duas mães dele tinham sido legistas, mas quem as conhecesse
jamais i maginaria. Embora fossem mulheres radiantes e alegres, elas
adoravam presentear as pessoas com a história de como tinham se
conhecido, dos bisturis se tocando enquanto ambas faziam uma
incisão na sala de dissecação da faculdade.
Scott olhou pela janela, vendo Little Hathering passar por eles.
Conseguia entender perfeitamente por que as mães adoravam aquele
lugar. Era deliciosamente pitoresco, e cada loja na rua principal tinha
vidraças curvas e luminárias pendentes. Como estava muito perto do
Halloween, a maior parte das vitrines estava decorada com abóboras,
vassouras de canela e recortes de papelão no formato de bruxas verdes
gargalhando enquanto mexiam seus caldeirões.
Little Hathering era o tipo de lugar onde se encontrava bandeirolas o
ano todo, e o que os americanos imaginariam se tivessem que
descrever um vilarejo inglês. A cidadezinha parecia saída de uma
comédia romântica — daquelas que as mães dele adoravam e o faziam
assistir sempre que estava passando algum tempo com elas. Mas
enquanto eles passavam pelas ruas, Scott não conseguiu evitar
procurar por Dina ou por Meia-Lua fugindo novamente.
Quando pararam em frente à casa das mães dele, Scott percebeu que
o Audi prateado de Eric estava estacionado do lado de fora.
— O Eric tá aqui?
— Ah, sim, eu não falei? Ele trouxe o seu terno pro casamento.
O cheiro de bolo de maçã recém-assado invadiu as narinas de Scott
assim que ele entrou na casa, e Juniper disparou em sua direção com
as patinhas curtas.
— Oi, minha linda! — Scott pegou a corgi absolutamente roliça nos
braços, e coçou entre as suas orelhas enquanto ela babava
furiosamente todo o rosto dele.
Scott reparou que os pelos ao redor do focinho de Juniper estavam
um pouco mais claros do que em sua última visita, e sentiu uma onda
de culpa invadi-lo.
— Passei o dia todo dizendo a ela que você estava vindo para casa. E
ela está animadíssima — falou Alex, e puxou Scott para um longo
abraço no momento em que ele colocou a cachorrinha no chão.
— Oi, mamãe — cumprimentou Scott, e en ou o rosto nos cachos
grisalhos de Alex.
— Você parece faminto, já comeu?
Ela o puxou pelo corredor estreito, com fotos de família nas paredes
— m uitas delas da adolescência desajeitada de Scott —, e o levou até
a cozinha.
Eric estava tomando chá em uma enorme caneca de barro e acenou
para o amigo.
Scott sorriu.
— Não estou aqui por sua causa, só pelo bolo.
— Eu não esperaria menos da sua parte — respondeu Scott,
enquanto cortava uma generosa fatia.
O bolo de maçã de Helene tinha a quantidade perfeita de canela e
noz-moscada. Pensou em pedir a receita para a mãe — talvez pudesse
fazer para Dina. Se a visse novamente algum dia.
— Olha só vocês dois, comendo bolo na cozinha. Senti falta disso. —
Helene sorriu ao entrar, e deu um beijo na testa de Alex enquanto se
servia de uma xícara de chá.
Scott tinha sentido falta daquilo quando estava viajando a trabalho.
Da alegria simples de estar com as mães e com o melhor amigo
naquela cozinha agradável e aconchegante. Alice não gostava muito de
visitar as mães dele — ela dizia que as cores vivas que Alex e Helene
tinham escolhido para pintar a casa lhe davam dor de cabeça. Às vezes
era como estar dentro de uma caixa de lápis de cor, mas Scott adorava.
Aquela foi a primeira casa de verdade que teve. As mães também não
gostavam de Alice, ele tinha percebido, embora não tivessem sido
muito contundentes em relação àquilo, porque acreditavam que Scott
estava feliz. Desejou ter dado mais atenção ao que as duas tinham a
dizer a respeito.
Scott olhou para a geladeira, abarrotada de uma variedade aleatória
de ímãs em formato de frutas, cada um segurando um cartão-postal
que ele havia enviado. Ouarzazate, Lima, Hamilton (Nova Zelândia),
e vários outros lugares. Tinha passado mesmo tanto tempo fora? Na
época, ele só precisava escapar da Inglaterra — não queria ver as mães,
não queria admitir que o tempo todo elas estavam certas sobre Alice.
Mas agora Scott percebia que tinha deixado a dor do rompimento se
in ltrar naquela parte da sua vida também, afetando seu
relacionamento com as pessoas que ele mais amava. Mas torcia para
ainda poder consertar as coisas. Com certeza ia tentar.
— Queria car mais tempo — falou Eric, trazendo Scott de volta da
sua viagem pela autopiedade. — Mas a Immy me encarregou de
arrumar as ores antes de a gente sair mais tarde. O que me lembra…
— Eric cutucou Scott. — Vamos ao Roebuck mais tarde? Umas
amigas da Immy vão estar lá, meio que para quebrar o gelo antes do
casamento.
— É claro, gosto da ideia.
A
casa sabia que ela estava chegando. A nuca de Dina se arrepiou
com aquela consciência mágica quando ela entrou na Cypress
Street, bufando sob o peso das malas e da caixa de transporte da
Meia-Lua.
— Preciso parar de te dar tanto queijo — murmurou Dina para a
gata.
Mas, conforme se aproximavam da casa, o peso da bagagem aos
poucos foi se tornando mais leve — a casa tinha o hábito de fazer
aquilo, de estender a sua magia pela rua, como uma mãe passarinho
protegendo os lhotes no ninho.
A casa soube quando Dina caminhou até a porta da frente. A aldrava
de latão, em forma de amuleto contra mau-olhado, abriu e fechou o
olho para ela — ou foi mais uma piscadela? — e a porta se abriu.
— Oi, Casa — disse Dina, dando palmadinhas carinhosas na porta
ao entrar.
As tábuas do piso rangeram alegremente. A casa estava feliz — uma
das suas moradoras estava ali.
Do lado de fora, o número 2 da Cypress Street parecia qualquer
outra casa vitoriana com varanda. Mas no instante em que se entrava
ali — e se a casa chegasse à conclusão de que conhecia bem a pessoa,
ou con ava nela —, ela deixava qualquer glamour de lado, como se
fosse um casaco surrado, e se revelava.
Dina tirou os sapatos e calçou um par de chinelos. A casa era muito
exigente em relação a ninguém sujar o chão.
Ela não tinha sido construída usando a magia da família de Dina. A
mãe descon ava que ali morava um espírito que cara preso à terra e,
com o tempo, tinha se unido lentamente à casa até se tornarem uma
coisa só. Se alguém tratasse mal a casa, poderia muito bem acabar
diante de uma situação séria, envolvendo uma assombração nada
acolhedora. Mas a casa amava Dina e sua família, e amava a magia
deles.
— Mãe! Baba! Cheguei! — gritou Dina.
— Estou indo, habiba! — Ela ouviu a voz abafada da mãe vindo do
andar de cima.
Dina se abaixou e destrancou a caixa da Meia-Lua, deixando a gata
sair e se espreguiçar toda antes de sair correndo para comer da tigela
de comida que a casa já havia preparado para ela. A casa sempre
mimava Meia-Lua com atum fresco, não importava quantas vezes
Dina lhe pedisse para não fazer aquilo.
Dina deixou a bagagem na entrada e, quando olhou para trás, ela já
havia desaparecido — provavelmente já estava tudo em seu quarto,
com as roupas cuidadosamente dobradas dentro da velha cômoda.
A sala da frente passava uma sensação de aconchego, como uma
cabana, com a lareira acesa mantendo o ambiente agradavelmente
aquecido; e as poltronas gastas, deliciosas para deixar o corpo afundar.
Quando se abria as cortinas, em vez de ver a Cypress Street, a pessoa
se via diante do vale verdejante no País de Gales onde o pai de Dina
havia crescido, inclusive com vacas pastando. Aquele era o cômodo
favorito do pai.
Enquanto Dina descia o corredor, as tábuas do piso se transformaram
naturalmente em azulejos azuis e brancos sob seus pés. Ela se viu no
coração da casa: um riad, a casa tradicional marroquina, com uma
fonte de mosaico gorgolejante, trepadeiras serpenteando pelas paredes
e, acima dela, brincos-de-princesa desabrochando em vasos de argila e
tamareiras em miniatura enroladas nos pilares. Na verdade, era mais
um jardim do que um cômodo. O teto era aberto para o céu noturno,
e estrelas cintilavam na escuridão profunda.
Aquele céu obviamente não era real, mas a magia da casa era
poderosa. Dina podia ouvir até o cricrilar dos grilos ao longe e sentir o
cheiro de canela da terra em Khemisset, onde a mãe havia crescido.
Dina soltou o ar lentamente, deixando a sensação de estar em casa
penetrar seus ossos.
Seguiu para a cozinha, onde as panelas de cobre continuavam
penduradas no teto, e os vasos de manjericão fresco alinhados no
parapeito da janela — algo que a mãe fazia desde criança, porque
mantinha as aranhas e os mosquitos longe.
E
ra aquele tipo de noite perfeita de outubro, com uma lua crescente
e cintilante e um frio que fazia as pessoas andarem um pouco mais
rápido para se manterem aquecidas, enquanto a respiração formava
nuvens no ar. Conforme se aproximava, Dina viu luzes piscando nas
janelas do pub.
O Roebuck evocava muitas lembranças embaraçosas da adolescência
dela, principalmente porque era o único pub que servia menores de
idade, desde que não pedissem nada mais forte do que cidra de frutas
ou vinho quente.
O interior parecia ter sido pensado para ser o mais confortável e
aconchegante possível. Arandelas de latão nas paredes banhavam o
salão com um brilho dourado, e o fogo crepitava na ampla lareira. O
lugar cheirava a couro gasto, cerveja e cedro.
Não era o tipo de pub que tinha banquetas desconfortáveis diante do
balcão do bar, onde a pessoa se via obrigada a passar a noite inteira se
remexendo para tentar encontrar uma boa posição — o Roebuck era o
tipo de pub que queria que o cliente se demorasse. Cada assento era
uma poltrona, gasta e confortável. Os proprietários eram um casal que
devia ter por volta de sessenta anos — os Holland, se ela não estava
enganada. Os dois a receberam com um sorriso simpático de detrás do
balcão quando ela entrou.
Dina localizou as amigas nos sofazinhos perto da lareira e foi até lá.
Immy estava sentada no colo de Eric e acenou de lá. Rosemary, por
sua vez, assim que viu Dina, se levantou em um pulo e correu até ela,
soltando um grito alto o bastante para assustar os locais na mesa ao
lado.
— É melhor você me salvar deles, aqueles dois estão apaixonados
demais. — Rosemary sorriu e envolveu Dina em um abraço
maravilhosamente agressivo.
— Que chocante, é quase como se eles fossem se casar daqui alguns
dias.
Rosemary ngiu uma expressão séria.
— Eu sei, é repugnante. Vamos encher a cara. Você acredita que eu
nunca experimentei vinho quente?
Dina arquejou, ngindo horror.
— Precisamos dar um jeito nisso já.
Elas foram até o bar, enquanto Rosemary dava todas as informações
necessárias a Dina sobre o resto dos amigos de Eric e Immy que
estavam perto da lareira. Alguns ela já conhecia, mas não reconheceu
muitos colegas de trabalho de Eric.
— Disseram que o padrinho do Eric também vinha, mas aí ele
mandou uma mensagem dizendo que ainda estava resolvendo algumas
coisas em casa e talvez não conseguisse chegar. — Rosemary tomou
um gole de vinho quente e revirou os olhos de prazer.
— Quem resolve pendências às nove da noite de uma quinta-feira?
— comentou Dina.
— Tem razão — falou Immy, se aproximando das duas.
Ela estava usando uma das suas camisetas clássicas de terror — a que
mostrava em belos detalhes a cena da cavidade torácica engolindo a
mão em O enigma de outro mundo.
Por um breve período durante a fase de planejamento do casamento,
Immy se convenceu de que queria que a celebração tivesse lmes de
terror como tema. Felizmente, Eric tinha pedido que Dina e
Rosemary interviessem, e elas conseguiram dissuadir a amiga. Agora,
Immy e Eric iriam se casar na Honeywell House no dia seguinte ao
Halloween, com uma densa oresta como pano de fundo. Era
maravilhosamente fantasmagórico e Dina mal podia esperar.
— Você está com seu vestido de madrinha, né? Chegou direitinho
pelo correio?
— Chegou, e a bainha já foi ajustada. Como os seus pais estão se
comportando?
O sr. e a sra. Partridge eram um casal reconhecidamente tradicional e
estavam tendo di culdade em aceitar a ideia de a lha ter um
casamento moderno, que não seria realizado na igreja.
— Você quer dizer depois de todas as ameaças de que eu vou pro
inferno e de que o meu casamento não vai ser abençoado por Deus?
Ah, eles estão ótimos. — Immy fez uma careta.
— Bem, se você quiser, é só pedir que eu tenho um feitiço sujeitador
que posso usar neles durante a cerimônia. Eles vão car tranquilos e
felizes, e o mais importante, não emitirão qualquer opinião.
— Espera, isso é sério? — perguntou Rosemary. Ela parecia prestes a
pegar uma caneta para anotar.
— É, mas eu não usaria esse feitiço levianamente.
— Como assim? — quis saber Rosemary.
— Se eu zer o feitiço e ele for potente demais, eles vão
simplesmente car dias dormindo.
— Pode deixar que, qualquer coisa, eu te falo. Espero que a gente
não precise disso — disse Immy.
Elas foram até o grupo perto da lareira e o calor logo deixou o rosto
de Dina com um rosado bonito. Eric a recebeu com um abraço
apertado e um sorriso de orelha a orelha.
— Você está parecendo um lenhador com essa barba — comentou
Dina, apontando para a barba ruiva de Eric.
— A culpa não é minha. Você precisa dizer a Immy para controlar as
fantasias dela com lenhadores.
Dina sorriu, muito feliz por a melhor amiga ter encontrado alguém
como Eric.
Ver os dois juntos e presenciar o jeito como Eric olhava para Immy
quando ela conta o enredo de uma nova ideia para uma história de
terror que havia tido era o su ciente para fazer um cético acreditar no
amor verdadeiro.
No entanto, quando o relacionamento entre Eric e Immy começou a
car sério, Dina fez questão de deixar bem claro que ele pagaria caro
se algum dia magoasse a amiga. Felizmente, parecia que as coisas não
estavam tomando esse rumo.
Dina nem viu a hora passar; cou conversando com as amigas e
bebendo mais vinho quente, e sentiu os contornos do pub começarem
a parecer alegremente borrados.
De vez em quando, a porta do pub se abria e uma rajada de ar frio
varria as folhas sobre os paralelepípedos. Eric então olhava para fora,
esperando ver seu misterioso padrinho chegar. Mas quem quer que
fosse aquele homem, ele nunca apareceu.
A
ssim que acomodou Dina nos braços, Scott enrolou a guia de
Juniper no pulso e apalpou a cabeça de Dina em busca de algum
calombo ou inchaços, mas viu que ela parecia estar bem, apenas
atordoada. Seu hálito cheirava fortemente a vinho, o que Scott
suspeitava ter sido a causa da tontura, e não uma concussão. Ele cou
surpreso com o alívio que sentiu por ela não estar gravemente ferida.
Ao que parecia, tinha sido apenas um arranhão no queixo e uma
pancada no cotovelo.
Para ser sincero, Dina parecia encantadora em seus braços. E ela se
encaixava perfeitamente, como se estivesse destinada a estar ali. Dina
tinha en ado a cabeça na gola dele e estava com o rosto encostado no
pescoço de Scott. Daquele ângulo, ele tinha uma visão fantástica do
decote dela, mas como era um cavalheiro estava se esforçando muito
para não espiar o que não deveria. Ele descon ava que Dina caria
morti cada ao saber que ele teve que carregá-la até em casa. E que ela
havia dito que ele cheirava a pinho, sabonete e cachorro.
Juniper trotava alegremente ao lado dele na calçada, as patinhas
pisoteando as folhas secas pelo caminho. Ele tinha decidido levar a
cachorrinha ao pub também, para usá-la como desculpa caso quisesse
sair mais cedo. E estava a caminho de lá quando trombou com Dina.
Scott havia passado pela Cypress Street mais cedo em sua
caminhada e, felizmente, Dina ao menos tinha conseguido explicar
que a casa dela era a última à direita antes de apagar.
Do lado de fora, a casa da família de Dina parecia
surpreendentemente normal. O que você esperava?, se perguntou ele.
Ele bateu à porta usando a aldrava com a mão de Fátima. A família
dela também devia gostar de amuletos.
Scott ouviu o som de pés se arrastando, então a porta foi aberta e ele
se viu diante de uma mulher que parecia uma versão mais velha de
Dina, embora um pouco mais baixa e roliça, com um xale de seda em
volta da cabeça.
— A Dina caiu. Mas acho que ela está bem — apressou-se em dizer
Scott, ao ver o rosto da mulher, provavelmente a mãe de Dina,
empalidecer.
Então ela olhou para Scott apenas pelo tempo necessário para ele
começar a se sentir desconfortável.
— Então é você — murmurou ela, e logo fez sinal para que
entrassem. — Traga o cachorro também! — gritou para trás enquanto
guiava Scott até uma salinha onde o fogo crepitava na lareira. —
Coloca ela aqui, vou buscar meu estojo de primeiros socorros. A
propósito, meu nome é Nour — disse, indicando um sofá cheio de
almofadas fofas.
Scott deitou Dina o mais delicadamente possível, certi cando-se de
apoiar a cabeça dela em uma das almofadas. Seus braços pareceram
estranhamente vazios sem ela.
Naquele meio-tempo, Juniper tinha conseguido se desvencilhar da
coleira, o que não deveria ter sido possível sem que Scott percebesse,
e agora roncava baixinho, já acomodada em uma cama de cachorro no
canto da sala. Era estranho, a caminha parecia semelhante à dela.
A mãe de Dina voltou, com o passo apressado e preocupado, e se
agachou ao lado da lha. Ela havia trazido uma sacolinha,
provavelmente o “estojo de primeiros socorros” que tinha ido buscar.
Nour pegou uma lata pequena e esfregou um pouco de pomada nos
cortes e hematomas no queixo e no cotovelo de Dina. Então, abriu
um pequeno frasco cheio de um líquido âmbar e despejou o conteúdo
na boca da lha. Aquilo não se parecia com nenhum tipo de primeiros
socorros que Scott já tivesse visto.
Um instante depois, Dina abriu os olhos, piscando lentamente.
— Parece que alguém pisou na minha cabeça com botas de aço —
falou ela com um gemido.
— É isso que se ganha por beber demais — retrucou a mãe, mas seu
tom era carinhoso. — Você teve sorte de esse jovem e o cachorro dele
terem te trazido pra casa em segurança — acrescentou ela, afastando
uma mecha de cabelo do rosto da lha.
Dina então levantou os olhos para Scott, seus olhos escuros se
focando, absorvendo-o.
— Scott? — falou, já soando muito mais como ela mesma, a fala não
mais arrastada.
— Oi. A Juniper está dormindo na cama do seu cachorro. Espero
que não tenha problema.
— Não temos cachorro — falou a mãe de Dina com uma risadinha.
— Aceita uma xícara de chá? Parece que vocês dois estão precisando.
— Uma xícara de chá cairia muito bem — disse Scott, enquanto se
perguntava por que havia uma cama de cachorro ali, mas nenhum
cachorro.
Então os dois se viram ali, sozinhos.
— Tinha que ser você, não é? Meu cavaleiro de armadura brilhante.
Dina sorriu e deu palmadinhas no sofá ao lado dela. Scott se sentou
próximo o bastante para que tivesse plena consciência de que seria
muito fácil puxá-la para o seu colo, pondo as pernas dela uma em cada
lado seu.
— Como você está se sentindo? — perguntou ele.
— Com dor. Pode me passar aquela bolsa de gelo? — pediu Dina,
apontando para a mesa de centro.
Scott lhe passou a bolsa de gelo, se perguntando por um instante de
onde teria vindo aquilo.
Dina gemeu de alívio enquanto segurava o gelo contra a cabeça, e
sua expressão amuada se suavizou. Scott só conseguia pensar no
quanto desejava ouvi-la gemer daquele jeito de novo. Se controla,
rapaz, repreendeu-se.
— Então. Você de novo — disse Dina, com um sorrisinho malicioso.
— Eu de novo.
— Você tá me seguindo ou alguma coisa parecida?
— Pelo que sei, eu te salvei quando você caiu em uma rua escura à
noite e agora você tá me chamando de pervertido?
— Até parece. Eu teria cado bem — respondeu Dina, não
parecendo muito convencida. — Em relação ao trem hoje, eu…
— O chá está pronto — avisou a mãe de Dina pouco antes de entrar
na sala carregando uma bandeja e um prato com uma pilha alta de
todos os tipos de biscoito.
Dina revirou os olhos para Scott.
— Ah, você já está com uma aparência muito melhor! — disse a
mãe a Dina. — Mas mesmo assim tome um pouco disso.
Ela serviu três xícaras de chá — camomila e mel, imaginou Scott.
Ele pegou um biscoito do prato que Nour lhe estendeu.
— Nunca vi um assim.
P
ôr Dina e a mãe dentro de um carro era uma experiência difícil
para todos os envolvidos. Nour havia perdido as irmãs em um
acidente automobilístico quando era mais nova e tinha passado os
últimos quarenta e cinco minutos lançando um feitiço de proteção
atrás do outro em cada centímetro do carro. Dina, um pouco mais
pragmática do que Nour, havia passado a manhã toda desfazendo a
magia de hena da mãe.
Ela acordara a casa aos gritos às seis da manhã, quando descobriu
que o feitiço de Nour havia mudado a cor do seu cabelo para um azul-
sereia durante a noite. Depois do choque inicial, Dina até passara a
gostar do cabelo, mas não estava convencida de que seria o melhor
visual para o casamento, por isso começou o meticuloso processo de
reverter o feitiço para voltar ao castanho-berinjela original, com
toques de roxo.
Elas nalmente se acomodaram no carro e seguiram para a
Honeywell House, onde passariam o m de semana. O casamento de
Immy e Eric seria um evento relativamente pequeno, com cerca de
trinta convidados.
A Honeywell House era uma propriedade do National Trust, que
cava bem no interior da área rural gentri cada de Hertfordshire. Os
pais de Eric tinham se casado lá e, a princípio, Immy se opusera
veementemente a seguir a tradição, mas se apaixonara depois de
visitar o lugar. As frases “com certeza é assombrado” e “cabana na
oresta” tinham sido decisivas para isso.
Conforme avançavam pelas estradas rurais sinuosas, Dina cava cada
vez mais apreensiva. A forma como as coisas tinham acontecido com
Scott na noite anterior — a centelha de desejo que ela sentira pulsar
em seu corpo quando deu um beijo no rosto dele… Era como se
estivesse em perpétuo estado de frio na barriga. E que tipo de mulher
adulta cava assim? Pelo amor de Deus.
Eles passaram por um arco formado pelos galhos baixos das árvores;
a luz do sol penetrava por ele e se espalhava pela estrada à frente. As
folhas já estavam cando de um tom laranja-sangue e, no mês
seguinte, não estariam mais ali.
Nour, que estava no banco do passageiro, virou a cabeça para trás.
— Está animada pra ver aquele bonitão?
— Como você sabe que o Scott vai estar lá? Andou bisbilhotando,
mãe?
— Não… e eu sabia que você tinha achado ele bonito!
— Mãe!
— Ah, para! Só tenho um pressentimento sobre esse m de semana,
só isso — falou Nour, os olhos com um brilho malicioso.
Na experiência de Dina, os “pressentimentos” da mãe sempre
tinham uma forte tendência a se tornarem realidade. O amor está no
horizonte.
— Quem é o tal bonitão? — perguntou Robert Whitlock, com os
olhos xos na estrada.
Dina suspirou.
— Scott Mason. Na verdade, ele é o padrinho do Eric.
— É mesmo, você já sabia? — perguntou o pai, com um tom bem-
humorado.
— Não até ontem à noite..
— Bem, se a sua mãe gosta dele, eu também gosto — falou ele, e
sorriu para Dina pelo retrovisor.
— Obrigado, baba. Mas não é nada disso.
— Ah, por favor! Robert, acredita no que estou dizendo, eles estão
praticamente apaixonados — declarou Nour, o que fez a lha lhe dar
um tapinha no braço.
Pelo amor de Deus, ela havia acabado de conhecer Scott… não
estava apaixonada por ele!
— Mãe, você vai me contar o que previu?
Nour sorriu.
— E qual seria a graça?
A estrada de paralelepípedos fez uma curva abrupta para a direita, e
a Honeywell House apareceu, cercada por colinas arborizadas e, atrás
dela, uma oresta imponente. Embora fosse um dia claro de outubro,
as nuvens pairavam baixas ao redor da mansão, projetando longas
sombras que se moviam na direção das colinas.
— Bem, sem dúvida é… impressionante — disse o pai.
— Eu não me casaria nesse lugar — murmurou Nour baixinho.
— Vocês dois fugiram pra se casar, é claro que não se casariam em
um lugar como esse — respondeu Dina.
A mãe olhou para o pai e Dina praticamente pôde ver coraçõezinhos
nos olhos dos dois.
— E eu faria isso de novo em um piscar de olhos — a rmou Nour.
Robert estendeu a mão para pegar a da esposa e dar um beijo
delicado nela.
— Cariad — sussurrou o pai de Dina, chamando a esposa de amor
em galês.
Dina queria um amor como o dos pais: imperturbável, ileso ao
tempo.
Eles seguiram de carro por uma longa entrada de cascalho ladeada
por sempre-vivas estoicas e de aparência severa. A Honeywell House
parecia formidável à primeira vista, como uma velha tirana
determinada dominando a paisagem. Mas, conforme se aproximavam,
Dina conseguiu entender por que Immy tinha se apaixonado por
aquele lugar.
Hera se agarrava às ameias de arenito, e janelas góticas severas
anqueavam o arco medieval da porta da frente, que tinha até uma
maçaneta de ferro forjado. Havia rostinhos esculpidos nas cornijas de
pedra, e o rosto perverso de um homem verde sorria para eles acima
da porta principal. Sem dúvida havia uma atmosfera de casa mal-
assombrada ali, e Dina se perguntou se teria algum fantasma olhando
para eles da janela do sótão.
Atrás da mansão, o terreno descia na direção de uma oresta densa,
com altos pinheiros bloqueando qualquer luz de outono.
Esplendorosamente assustador.
Immy e Eric provavelmente ouviram o carro chegando, porque a
porta da frente se abriu com um rangido ameaçador e os dois
apareceram, como o senhor e a senhora da mansão.
Immy correu até Dina.
— Esse lugar não é demais? — perguntou Immy, os olhos erguidos
para os vitrais.
— É. As fotos do casamento vão ser épicas — gritou Dina, apertando
a mão da amiga.
— Se a gente tiver sorte, talvez consiga até ver um fantasma ao
fundo quando as fotos forem reveladas. Ou a Rosemary pode ver um
fantasma de verdade! — disse Immy, e Dina sabia que a amiga estava
falando cem por cento sério.
— Vamos cruzar os dedos.
Eric acenou para Dina enquanto ajudava os pais dela a levarem as
malas para dentro. Immy passou o braço pelo de Dina e a puxou para
uma sala lateral onde as paredes estavam cobertas de cabeças de veado
empalhadas. Os olhares vítreos dos bichos seguiram as duas pela sala
enquanto elas se acomodavam em um canto aconchegante.
— Cadê a Rosemary? — perguntou Dina.
— Saiu pra dar uma volta. Ela queria ver se todas as histórias de
fantasmas sobre esse lugar eram reais.
— É claro que ela ia fazer isso.
— En m… quei sabendo que você se encontrou com o Scott
ontem à noite — falou Immy, com uma piscadinha preocupante.
— Ah, então você já soube do tombo que eu levei, né?
— Soube… e que bom que você está bem, mas me conta. O Eric
disse que vocês já tinham se conhecido antes, no trem, certo? Por que
você não mencionou nada?
— Em primeiro lugar, eu não sabia que ele era o padrinho do Eric e,
além disso, esse é o m de semana do seu casamento. Não falei nada
porque não aconteceu nada de interessante.
— Não aconteceu nada de interessante, né? Não foi o que ouvi. É
bom você lembrar que eu sou a noiva e que você precisa seguir as
minhas ordens. E exijo que me conte tudo.
Dina não tinha como contestar aquilo.
— É sério, não tem muito pra contar, não. O Scott foi no café quarta
de manhã, o amuleto contra mau-olhado caiu no chão…
— Ah, Deus.
— É. Então a gente voltou a se encontrar no trem, e para ser sincera
lá já não foi tão ruim, e depois ele me ajudou a chegar em casa
quando eu caí.
Dina encolheu os ombros, tentando manter a calma. E falhou,
porque a imagem do abdômen musculoso de Scott quando ele tinha
pegado a mala dela no trem cara gravada na mente dela.
— Hummm. Lembra do que você sempre me falou sobre o poder do
número três na magia? Parece muito interessante que você tenha
esbarrado com o Scott três vezes em dois dias, não acha?
Immy sorriu, com um brilho astuto nos olhos — Dina não sabia se
gostava do rumo que aquela conversa estava tomando.
— Você acha que pode haver alguma coisa aí? — perguntou Immy.
S
cott estava se esforçando muito, muito mesmo, para não pensar em
ir para a cama com Dina. E estava fracassando miseravelmente na
tarefa. Ele tinha ido ao banheiro sem camisa de propósito? Bem,
aquilo não vinha ao caso. A reação de Dina, a maneira como ela havia
paralisado, os olhos mapeando o corpo dele, estudando-o. Aquilo lhe
garantira uma ereção que relutara em ceder mesmo depois de uns
quinze minutos.
O banheiro ainda cheirava ao sabonete dela, embora a janela
estivesse aberta para deixar o vapor sair. Era um aroma fresco e doce,
mas também terroso. Se Dina ainda estivesse ali, Scott talvez a tivesse
puxado para junto de si. Tinha certeza de que, caso se inclinasse para
afastar os cabelos da clavícula dela, sentiria aquele cheiro em sua pele.
Lá vou eu de novo, querendo farejar as clavículas dela, pensou.
Parabéns, Scott, agora você parece o Hannibal Lecter.
Por mais que tentasse, ele ainda não tinha conseguido se recuperar
da interação entre eles perto da lareira. A mão dela tão pequena e
delicada na dele. Scott quase cometera um deslize, quase dissera “boa
menina” para ela. Ele queria poder dizer coisas assim, de preferência
com a boca entre as coxas dela. Scott só conseguia pensar em dizer,
sussurrar aquelas palavras no ouvido de Dina enquanto a penetrava.
Como ele ia aguentar aquilo a noite toda?
Mesmo que quisesse, não a convidaria para sair de novo. Os dois
tinham concordado em ser apenas amigos ao longo do m de semana.
Apenas amigos. Amigos que queriam arrancar a roupa um do outro
com os dentes.
Scott se olhou no espelho e pensou em aparar a barba, embora já
tivesse feito isso de manhã. A abundância de pelos no corpo parecia
estar em seus genes. Enquanto se vestia, ele se lembrou da expressão
estática de Dina ao vê-lo sem camisa, das pupilas dilatadas. Ela não
pareceu achar os pelos do peito dele repulsivos, como já acontecera
com algumas outras mulheres com quem tinha ido para a cama. Scott
imaginou Dina en ando os dedos ali e sentiu o corpo car ainda mais
quente.
Ele respirou fundo, se preparando para a noite que teria pela frente,
e abriu a porta do banheiro.
— Você está usando colônia? — perguntou Dina da cozinha.
— Estou. Exagerei? — Talvez ela tivesse um nariz sensível.
Dina en ou a cabeça no quarto.
— Não. Eu gosto do cheiro.
Ela sorriu, e Scott não pôde deixar de imaginar aqueles lábios
vermelho-rubi ao redor do seu pênis. Controle-se, Scott, você tem que
passar a noite toda com ela.
— O que você acha? — perguntou Dina, e rodopiou em frente à
lareira. Provocando-o. Enlouquecendo-o.
Ela estava usando um vestido de veludo azul-marinho que se
ajustava perfeitamente ao corpo, valorizando os quadris e o traseiro
volumoso. O vestido tinha sido pensado para escorregar pelos ombros
e as clavículas dela pareciam cintilar à luz do fogo.
Você está perfeita, Scott teve vontade de dizer. Ninguém na história do
mundo jamais ficou tão bem em um vestido. Por favor, tira a roupa.
— Você tá linda, Dina — foi só o que disse, com a voz rouca.
Dina parou, observou-o com atenção, então se aproximou. Scott não
conseguiu evitar e estendeu a mão para colocar um cacho solto atrás
da orelha dela. Por um momento, Dina entreabriu os lábios e inclinou
a cabeça em direção à dele, como se estivesse pensando em beijá-lo.
Mas ela logo recuou, pondo alguma distância entre os dois.
— É melhor a gente ir, ou vamos chegar atrasados — falou Dina
calmamente.
Scott assentiu e foi até a porta da frente, sentindo-se profundamente
frustrado. Amigos não se beijam, lembrou a si mesmo. O ar ao redor
deles parecia carregado, cheio de palavras não ditas e de toques não
concretizados.
Capítulo 12
M
artin, o mordomo para todas as ocasiões e cerimonialista do
casamento, estava recepcionando os convidados durante o m de
semana. Ele encaminhou todos ao Salão Verde — muito
apropriadamente batizado, por sinal —, onde seria servido o jantar.
Dina buscou Scott com o olhar e o pegou observando-a com uma
expressão cautelosa. O riso vindo do cômodo mais adiante desviou a
atenção deles um do outro.
O Salão Verde tinha sido ricamente decorado para o jantar, e Dina se
lembrou novamente de quão ricos eram Eric e a família. O enorme
salão de teto abobadado estava inundado pelo brilho quente de
dezenas, senão centenas, de velas — não havia nem uma única
lâmpada acesa.
Castiçais de metal polido se en leiravam no centro da longa mesa.
Velas grossas e brancas brilhavam em arandelas de cobre nas paredes.
Um candelabro de cristal cintilante lançava fachos de luz pela sala,
como a luz refratada por um diamante.
Dina e Scott foram separados quase imediatamente, já que os pais de
Dina queriam que ela os apresentasse a mais pessoas, e Scott se viu
obrigado a ajudar a tia-avó de Eric a encontrar seu lugar à mesa.
— Então, como o seu quarto na cabana de caça recebeu você? —
perguntou Immy, aproximando-se de Dina. — Ele já fez as coisas
esquentarem?
— O quarto tem sido um perfeito cavalheiro — respondeu Dina com
os dentes cerrados.
— Bem, ele não consegue tirar os olhos de você, isso é certo —
acrescentou Rosemary, juntando-se às amigas. Ela estava usando um
lindo vestido de bolinhas de busto justo e saia rodada.
Dina olhou para o outro lado da sala e seus olhos encontraram os de
Scott, que naquele momento estava cercado por um bando de tias que
batiam abaixo do ombro dele. Uma delas estendeu a mão para apertar
os bíceps dele e Dina sentiu um aperto na boca do estômago.
— Somos só amigos — disse ela.
— Eu queria ter um amigo que olhasse pra mim como se quisesse
arrancar as minhas roupas. — Rosemary sorriu.
Dina sentiu uma onda de desejo dominá-la, um desejo profundo de
passar os braços em volta dos ombros largos de Scott. A voz dele
quando a elogiara mais cedo, perto da lareira, quase a deixara louca.
Ela queria aquele homem. Queria muito. Já se sentia úmida de desejo,
mas continuava tentando tirar aquilo da mente, ao menos por aquela
noite.
— Em relação a amanhã à noite… — começou Rosemary, inclinando
o corpo em uma atitude conspiratória. — Que horas vamos começar?
Rosemary não participava de nenhum dos rituais de Halloween delas
desde que se mudara da Inglaterra; ao longo dos anos Dina tinha
acrescentado mais alguns componentes mágicos.
— Vamos sair de ninho pouco antes da meia-noite para pegar a lua
ainda cheia. Immy, você disse que a minha mãe já combinou tudo
com a Honeywell House. Vão acender uma fogueira pra nós?
— Vão, na parte de cima do terreno. Eu contei pro Martin que íamos
dançar nuas e ele torceu o bico — comentou Immy com uma
gargalhada.
Elas deram uma volta ao redor da sala, sorrindo para os convidados,
como três protagonistas de um romance de Jane Austen. Muitos
outros amigos de Immy e Eric apareceram no nal da tarde, e o salão
cou animado e movimentado. Alguns escritores de terror, amigos de
Immy e Rosemary, acenaram para elas.
— Precisamos da sua opinião sobre uma coisa — falou Ash, e deu
um gole no drinque em sua mão. — Terror no fundo do mar. Qual é a
coisa mais assustadora que você consegue imaginar?
Dina, que sofria de talassofobia — medo de águas profundas —,
estremeceu diante da ideia.
— A Fossa das Marianas — disse Immy. — Aquelas bordas de
penhasco dentro da água e o breu no fundo. Tem muuuito potencial.
— Concordo — disse Jeremy, editor de uma revista sobre cinema.
— Uma vez li sobre uma igreja completamente abandonada na
Áustria que, ao longo dos anos, foi coberta pela água, e agora está no
fundo de um lago. Dizem que só dá para encontrar a igreja se estiver
procurando por ela — falou Dina.
— Nunca escutei falar disso. Tem certeza que é real? — perguntou
Rosemary, já pegando o celular. — Ai, meu Deus, a Dina tá certa. O
lugar é submerso. Pronto, a Dina ganhou, porque isso é a
materialização do pior dos pesadelos.
— O que é a materialização do pior dos pesadelos? — perguntou
Eric, passando os braços ao redor de Immy e lhe beijando a testa.
— A Dina está nos presenteando com histórias sobre igrejas
submersas assustadoras — respondeu Immy, se encaixando melhor no
abraço de Eric.
— Eu não esperaria nada menos. — Eric sorriu. — Mas o Martin,
que pela cara dele está bem estressado, me avisou que todos
precisamos nos sentar para jantar.
Dina checou os cartões dispostos sobre a mesa. Immy a havia
colocado ao lado dela e de Rosemary, e bem na frente de Scott. Até
ali, nenhuma surpresa. Eric estava sentado ao lado de Scott e em
frente à futura esposa.
Dina estava prestes a se sentar quando ouviu uma voz profunda
junto ao seu ouvido: — Me permita, por favor.
Scott estava parado atrás dela, perto o bastante para Dina sentir o
aroma de musgo e sal marinho e o hálito dele em sua nuca.
— Um perfeito cavalheiro — brincou ela. — Acho que o
cavalheirismo não morreu.
Dina poderia jurar que as pupilas dele se dilataram quando ela se
virou e levantou os olhos para encará-lo, sentindo o calor do corpo de
Scott envolvê-la.
Ele afastou a cadeira e, quando Dina se sentou, aproximou-a
novamente da mesa. E, nesse momento, se inclinou mais para perto
dela.
— Esse vestido cai mesmo muito bem em você — falou, em um
volume que só ela conseguisse ouvir.
Vindo dos lábios dele, o elogio pareceu positivamente indecente.
Scott se sentou e Dina sentiu seus olhos sobre ela, ávidos. O cabelo
de Scott, encaracolado nas pontas, caía no rosto dele de uma forma
extremamente lisonjeira. Dina sentiu vontade de passar os dedos pelos
os. Ela passou os dois primeiros pratos lançando olhares furtivos na
direção dele.
— Em que você trabalha mesmo, Scott? — A mãe de Dina puxou
assunto com a sutileza de um míssil nuclear.
Obviamente era a cara da mãe dela perguntar isso, só para se
certi car de que ele era um bom partido. O pai de Dina encontrou os
olhos da lha por cima da cabeça da esposa e deu um sorrisinho
contrito.
— Sou curador do Museu Britânico.
— Curador do quê? — pressionou Nour.
Felizmente, Scott aceitou bem o interrogatório.
— Bem, no momento estou trabalhando em uma exposição sobre
símbolos de proteção do mundo todo, usados por antigos místicos.
Sabia que o visco era usado pelos antigos celtas para proteger o gado?
Acho fascinante.
— É sempre útil se você também quiser beijar uma cabrita — falou
Eric, rindo, se referindo ao hábito de pendurar um ramo de visco
acima da porta na época de Natal, e quem para embaixo dele deve se
beijar.
— Ah, a Nour sabe tudo sobre símbolos de proteção — disse o pai
de Dina, enquanto Nour assentia com uma expressão perspicaz.
— É, eu reparei. Vocês têm uma mão de Fátima na porta da frente.
Nour sorriu.
— Ora, cuidado nunca é demais. A Dina também tem muitos
amuletos no café dela, que por sinal é um estabelecimento de grande
sucesso, como você deve saber — continuou ela, voltando
propositalmente a conversa para a lha.
Era típico da mãe deixar, logo nos primeiros minutos, claro a todos
os potenciais pretendentes de Dina como a lha era bem-sucedida.
Era aquilo que Scott era para ela, então — um potencial
pretendente? Malditas folhas de chá e suas previsões precisas.
— Como vocês dois se conheceram, se não se importam que eu
pergunte? — Scott se dirigiu ao pai e à mãe de Dina.
Scott estava lidando com a tentativa de Nour de bancar a
casamenteira como um pro ssional e, por algum motivo, aquilo a fez
gostar ainda mais dele.
— Nós morávamos no mesmo alojamento na faculdade, mas eu era
tímido demais para falar com ela. — O pai de Dina olhou para a
esposa. — Mas sempre que via a Nour por lá e conseguia criar
coragem, eu sorria pra ela. Nunca conversávamos. Então, um dia, eu
estava na biblioteca procurando um livro sobre arte impressionista,
vasculhando as estantes atrás do último exemplar, até que nalmente
encontrei onde cava. Só que o livro não estava lá. Aí, olhei ao redor e
vi a Nour. — Robert pegou a mão da esposa e a beijou. — Ela estava
sentada ali perto com… sim, isso mesmo, com o livro.
— Você falou com ela, então? — perguntou Scott.
— Tive que falar. Ela era tão mais fascinante de perto que eu
provavelmente parecia um palhaço balbuciante.
— Foi muito bonitinho. — Nour sorriu, dando palmadinhas
carinhosas na mão do marido.
— A gente começou a conversar e acabou passando horas lá.
— A bibliotecária teve que nos expulsar porque já estavam fechando
— acrescentou Nour.
— Aí a gente se sentou em um banco do lado de fora, embora fosse
novembro e estivesse frio. E a Nour me pediu para colocar as mãos nas
dela.
— Isso é tão romântico, Nour — comentou Immy com um suspiro.
Dina sentiu seu olhar se desviar para Scott, que tinha abaixado os
olhos, evitando cuidadosamente o contato visual. Como se ele
estivesse se debatendo consigo mesmo por causa de alguma coisa.
A história de amor perfeita dos pais contrastava duramente com a
vida amorosa de Dina. De repente, ela se sentiu sem ar. O salão
pareceu abafado demais; era como se o ar passasse através de seus
pulmões como cola, o calor das velas e das pessoas ao seu redor a
sufocava.
— Com licença — murmurou Dina, afastando a cadeira.
Rosemary estendeu a mão para Dina, que já se levantava.
— Você está bem? — sussurrou.
— Sim. Só preciso de um minuto.
Assim que saiu do Salão Verde, as correntes de ar do corredor
causaram arrepios em sua pele. Mas Dina precisava de mais. Ela
precisava ver o céu. Precisava de ar fresco de verdade.
Seguiu pisando rme pelo corredor e espremeu o corpo para passar
pelas pesadas portas da frente da Honeywell House. A entrada de
carros e o campo aberto se desdobraram diante dela, que exalou
profundamente.
O luar envolveu sua pele, refrescando-a. A lua parecia cheia, mas
ainda não totalmente. A maior parte das pessoas teria di culdade para
perceber a diferença — com os olhos era quase imperceptível. Mas
Dina conseguia sentir em seus ossos. Como se a magia dela fosse uma
vibração e a lua um diapasão. O tom certo ainda não estava lá, mas
estaria na noite seguinte. Para o Samhain, o ritual da lua cheia. Dina
ansiava por aquilo, pela sensação de poder que a dominava.
Naquele momento, as lembranças da maldição surgiram
espontaneamente. Rory no hospital, Eliza no hospital. Sempre pessoas
de quem ela gostava. Todas tinham se machucado. Mas se fosse
cuidadosa, Scott caria bem. Mesmo que ela o beijasse, aquilo não
signi caria nada. Podia beijar alguém sem desenvolver qualquer
sentimento romântico, certo? Uma aventurinha de m de semana? Só
para tirar aquilo da cabeça… e do corpo.
Mas Scott não parecia ser o tipo de homem chegado a aventuras ou
casos de uma noite. A palavra compromisso estava escrita em sua testa.
Costurada nas cotoveleiras de seus blazers e suéteres, no sorriso torto e
no jeito como cuidara para que ela chegasse em casa em segurança
quando havia levado aquele tombo na rua. Dina não conseguia evitar
que seus pensamentos se voltassem novamente para a ideia de se atirar
em cima dele.
Já fazia algum tempo que ela não ia para a cama com um homem.
Na experiência de Dina, as mulheres eram muito melhores em
proporcionar orgasmos e não eram tão vorazes ou competitivas em
relação a isso.
Mas a verdade era que ela talvez tivesse escolhido o tipo errado de
homem no passado. Dina se pegou pensando em Scott mais uma vez.
As tatuagens que subiam por seus braços e pelo seu peito. O aroma
fresco da colônia que ele usava. Ela ansiava por senti-lo dentro do seu
corpo, penetrando fundo, arremetendo, pulsando. Aquela lufada de ar
fresco não estava desanuviando a sua cabeça tanto quanto ela esperara.
— Benti, cadê você? — A mãe de Dina saiu pela porta da frente e se
juntou a ela na escuridão. — Já estão recolhendo a sobremesa. — Ela
fez uma pausa. — Fiquei preocupada com você.
— Estou bem, mãe.
Nour bufou.
— Eu te coloquei no mundo, você não pode mentir pra mim. —
Nour sempre havia tido uma capacidade excepcional de adivinhar os
pensamentos de Dina. — Qual é o problema?
— Você já se perguntou como teria sido a nossa vida se não fôssemos
bruxas? Talvez tivesse sido mais simples, de certa forma. Seria mais
difícil machucarmos as pessoas.
A mãe a encarou com uma expressão de curiosidade, deu a volta e
parou atrás dela.
— Posso? — perguntou.
Dina assentiu. A mãe passou os braços ao redor dela e pôs as mãos
sobre os olhos da lha, de modo que a ponta dos dedos médios
tocassem o centro da testa dela. Dina fechou os olhos e sentiu a súbita
alteração quando a magia da mãe ganhou vida ao seu redor.
Ela sentiu o sol aquecendo sua pele. Seus pés afundaram na terra
fofa que ela sabia instintivamente que seria de um tom de laranja
profundo. O som distante dos animais da fazenda era trazido pela
brisa e, mais perto, o barulho suave do vento no caule das favas.
S
cott sentiu o coração de Dina batendo contra o seu peito e o
movimento lento da respiração dela. A montanha de cachos de
Dina se espalhava pelo travesseiro, fazendo cócegas nele — não se
importava nem um pouco. Ela se aproximou mais até car
basicamente em cima dele, a coxa e o braço jogados por cima do seu
corpo, o rosto en ado na curva do seu ombro. Quando o alarme
tocou, e Scott acordou e se viu sozinho em uma cama fria, ele gemeu.
Dina passara a invadir seus sonhos — como ele iria encontrar paz
novamente agora que aquela mulher estava em sua vida?
Ele se lembrou da noite anterior. O que tinha acontecido? Eles com
certeza teriam se beijado se não fosse pela interrupção de Martin. Mas
então Dina fugiu para a oresta e ele só a ouviu entrar na cabana cerca
de uma hora depois, já de madrugada.
O que tinha mudado naquela fração de segundo? O jeito como ela o
tratara no salão, aquele olhar que tinha lançado enquanto lia a mão
dele, como se quisesse subir em seu colo… Scott mal havia conseguido
manter as mãos longe dela. Teria sido muito fácil puxá-la para si,
deslizar a mão por baixo do vestido, afastando para o lado qualquer
coisa rendada que ela vestisse por baixo. Scott tinha certeza de que o
corpo de Dina seria macio e quente no dele. O que, então, havia
mudado?
Scott se vestiu, a mente ainda confusa. Passou os dedos pelo cabelo
embaraçado e pensou em prendê-lo em um coque, então se perguntou
qual seria a opinião de Dina sobre homens de coque.
Scott vestiu uma camiseta branca, um suéter de tricô creme, jeans e
botas. Immy e Eric tinham planejado um dia cheio, começando com
uma caça ao tesouro na casa principal naquela manhã e algum tipo de
atividade misteriosa ao ar livre à tarde.
Ele saiu do quarto, então, para a sala da cabana, que cheirava a
manteiga, canela e café — café muito doce. A lareira não estava acesa,
mas a casa estava quentinha. A luz da manhã entrava pelas janelas e, lá
fora, as árvores ganhavam vida com o canto dos pássaros. Scott ouviu
barulho vindo da cozinha.
Ele foi até lá e viu Dina murmurando para si mesma, curvada sobre
algo em cima da bancada que ele não conseguia ver. Scott se deu
conta de que poderia car observando-a curvada daquele jeito o dia
todo. E sentiu o membro car rígido sob o jeans.
— Ah, a Cinderela acordou! — exclamou Dina, e se virou. Ela
estava usando um avental cheio de babados e tinha o rosto sujo de
farinha. — Achei que tinha pelo menos mais cinco minutos antes de
você aparecer.
— Mais cinco minutos para quê?
Aquele cenho franzido de um jeito muito doce e o modo como Dina
se posicionara para esconder o que estava atrás dela o zeram sorrir.
Ela era fofa demais. Dina sorriu e deu uma palmadinha em uma das
banquetas diante da bancada da cozinha, enquanto ia até o fogão.
Scott olhou para baixo. Uma caneca de café fumegante havia surgido
diante dele, como ele não sabia muito bem. Devia estar mais cansado
do que pensava.
— Esse é o meu jeito de pedir desculpas por ontem à noite. Eu
acabei… não estava muito bem. E quando me sinto assim, gosto de
preparar pão ou bolo. Me ajuda a pôr as ideias em ordem — disse
Dina, e colocou dois pratos na frente deles.
Parecia uma delícia.
— Dina, isso está com uma aparência incrível. Nunca vi panquecas
assim.
— Se chamam baghrir. Ficam entre um bolinho e um crepe. E
também z pão de centeio com chocolate e geleia de morango, do
zero, porque estava indecisa.
Aquilo explicava o delicioso aroma de frutas vermelhas.
— Obrigado — falou Scott, e estendeu a mão para limpar a farinha
da ponta do nariz dela. Dina cou imóvel enquanto ele a tocava, e
Scott segurou seu rosto entre os dedos.
— Ninguém nunca preparou café da manhã pra mim, Dina —
confessou ele.
B
em-vindos à primeira atividade de hoje! — disse Eric,
— animado.
Todos os convidados estavam na Saleta, chamada
ironicamente daquele jeito por seu tamanho. Três janelas revestidas de
hera davam para a entrada principal até a Honeywell House,
banhando o cômodo com o sol do outono.
— Vocês vão participar de uma caça ao tesouro pela casa.
Dina não pôde deixar de sorrir ao ouvir as palavras “caça ao tesouro”.
Immy sorriu de volta para ela, porque sabia muito bem como a amiga
era competitiva.
— Immy e eu zemos uma lista de itens estranhos que vimos pela
casa. Tem mais de trinta coisas aqui e vocês não precisam encontrar
todas elas. Cada um precisa trazer apenas três para ganhar um prêmio.
Podem vir pegar suas listas. Vocês têm uma hora! — Eric bateu palmas
e acionou o cronômetro.
Dina olhou para Scott, que tinha se posicionado cuidadosamente do
outro lado da sala, oposto a ela. Ele parecia igualmente animado com
o jogo — por algum motivo, não a surpreendeu nem um pouco que
ele também tivesse uma veia competitiva.
— Cada mulher por si? — perguntou Rosemary com uma risadinha,
ao lado dela.
— Vejo você na chegada — respondeu Dina, enquanto as duas iam
cada uma para um lado.
Dina parou por um instante e examinou a lista, para evitar tomar
qualquer decisão precipitada. Era cada um por si, embora ela tivesse
notado que tanto seus pais quanto as mães de Scott haviam se
afastado em pares. Trapaceiros.
A lista era um verdadeiro gabinete de curiosidades. Entre os objetos
havia um esquilo empalhado, uma pequena natureza-morta de um
vibrador do século XVIII rodeado de ores, um anel exibindo a pintura
do olho da pessoa amada, uma borboleta-azul preservada, um pote de
geleia de damasco vencido desde 1904, e uma edição de Razão e
sensibilidade que aparentemente tinha uma carta de amor escrita na
contracapa.
Dina decidiu procurar primeiro o pote de geleia — ela conhecia bem
a despensa de uma cozinha. Assim, desceu a escada de serviço e
atravessou as cozinhas abertas da Honeywell House até encontrar um
armário com a placa “Despensa”. O cheiro de poeira e de conservas
velhas atingiu em cheio seu nariz. Quem quer que preparasse as
refeições para os convidados do casamento provavelmente havia
instalado uma despensa mais moderna por ali, porque aquela
certamente não tinha muita utilidade.
Dina encontrou o pote de geleia com bastante facilidade, mesmo
sem precisar usar um feitiço de busca. Evitaria usar magia ali:
acreditava em vencer de forma justa.
Ela se perguntou que itens Scott teria ido procurar… a natureza-
morta com o vibrador, talvez? O anel com o olho da pessoa amada? É
claro que sua concentração foi para o espaço quando ela pensou em
Scott. Precisava se controlar.
Não estava pensando direito naquela manhã, de jeito nenhum. Não
pensou quando o deixara chupar a cobertura do seu dedo, e muito
menos quando quase colara os lábios nos dele.
Àquela altura, não parecia uma questão de se ela iria ceder ao seu
desejo por Scott, mas quando.
A caça à borboleta-azul foi um pouco mais desa adora. Dina
examinou um mapa dos vastos terrenos da propriedade e achou que
poderia encontrá-la no quarto azul. Não teve sorte. A julgar pelos
outros convidados que viu lá, não era a única atrás da borboleta.
Precisava melhorar sua estratégia.
Se ela fosse um homem da pequena nobreza rural dos anos 1800,
onde colocaria um valioso espécime de borboleta? Em algum lugar
onde pudesse car olhando para ele. Em algum lugar como… um
gabinete, um escritório. Dina caminhou o mais rápido que pôde pelos
corredores, subiu a escadaria principal com seus corrimãos de carvalho
retorcidos e pinturas góticas e entrou no Gabinete Principal. Era um
cômodo escuro, feito para fumar charutos e contemplar a vida à luz
do fogo.
E lá estava ela, em um lugar de destaque acima da lareira. Dina
pegou a moldura da parede e foi para a biblioteca, porque onde mais
estaria o exemplar de Razão e sensibilidade?
Para surpresa dela, a biblioteca cava no último andar da casa.
Claramente, quem quer que já tivesse morado ali gostava ter uma vista
ampla do terreno sentado à janela para, quem sabe, passar a tarde
lendo. Era a biblioteca dos sonhos de Dina. Estantes de mogno do
chão ao teto cobriam as paredes, com uma escada deslizante para
ajudar a alcançar as prateleiras mais altas. Um tapete gasto no centro
da sala abafava seus passos. Poltronas aconchegantes estavam
estrategicamente posicionadas sob luminárias de leitura altas, e havia
um expositor com mapas amarelados do condado.
Ela estava examinando as prateleiras, procurando por Austen,
quando a porta se abriu com um rangido. Scott estava parado no
corredor, a surpresa iluminando seu rosto.
Os dois, sozinhos de novo.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou ele, entrando.
— O mesmo que você, imagino.
— Já encontrou?
Dina estreitou os olhos para ele.
— Ainda não.
— Muito bem, então.
Scott sorriu e correu em direção à prateleira mais próxima. Ah,
tinha sido dada a largada.
Dina disparou também até a prateleira mais próxima dela, passando
os dedos pelas lombadas. Nada de Austen. Os livros não eram
arrumados em ordem alfabética, nem por cor. Era como se estivessem
organizados por… gênero. Scott teve a mesma ideia que ela, já que os
dois correram para a mesma parte da biblioteca onde Dina antes havia
visto um romance.
Lá estava — um livro encadernado em couro verde, de aparência
discreta, com o título em letras douradas delicadas na lombada. Razão
e sensibilidade. Dina estava ciente de que Scott estava perto dela
quando ambos estenderam a mão ao mesmo tempo para pegar o livro.
Eles puxaram, mas o livro não se moveu.
Os dois, então, ouviram um zumbido, seguido de um baque. A
estante inteira se abriu, revelando uma porta escondida.
— Não acredito — sussurrou Dina. Immy e Eric com certeza sabiam
daquilo quando adicionaram o livro à lista da caça ao tesouro. Depois
de olhar para Scott, que parecia tão surpreso quanto ela, Dina
declarou: — Temos que entrar aí.
— Primeiros as damas.
Dina entrou cautelosamente na passagem à sua frente, desviando-se
das piores teias de aranha, ciente de que Scott a seguia. Ela estendeu a
mão para trás e pegou a dele, puxando-o para a frente. E não
conseguiu ignorar a corrente elétrica que a percorreu quando as mãos
deles se tocaram.
— O que você acha que tem aqui? — perguntou Dina. A passagem
estreita serpenteava diante deles, iluminada apenas pelas luzes da
biblioteca atrás deles.
— Espero que seja algo com teto alto — murmurou Scott atrás dela.
— Você é claustrofóbico?
— Um pouco. Mas com você comigo, estou bem — respondeu ele,
com uma suavidade na voz que a atingiu direto no coração. Aquele
homem seria mesmo a sua ruína.
Eles avançaram um pouco mais, e na última curva a passagem se
abriu para uma saleta — embora talvez “armário” fosse a melhor
palavra para descrever o cômodo, a julgar pelo tamanho. Na parede
havia uma janela muito estreita com vitral representando dois amantes
nos braços um do outro. Dina se perguntou se a intenção de Immy o
tempo todo fora que ela encontrasse aquela saleta.
— É um refúgio para amantes — disse Scott, com admiração na voz.
— Eram relativamente comuns no nal dos anos 1700, construídos
para que amantes tivessem um momento a sós. Eu nunca havia
entrado em um.
— Bem, certamente não é um lugar feito para mais de duas pessoas.
— Dina riu, engolindo o nervosismo.
Ali estavam eles de novo, surpreendentemente próximos. Talvez
fosse um sinal do universo, como sugerira a mãe dela. Talvez o tempo
da negação tivesse acabado.
Dina tinha plena consciência de que Scott ainda segurava sua mão,
desenhando distraidamente círculos na palma dela com o polegar.
— Somos só amigos — sussurrou ela.
— Sim.
Dina respirou fundo.
— Mas se não fôssemos só amigos, o que você faria?
Scott parou e se aproximou mais, de modo que seu peito casse
colado às costas de Dina.
— Se não fôssemos só amigos… — falou ele lentamente. — Eu faria
isso.
N
o m, nem Scott nem Dina venceram a caça ao tesouro, pois
foram os últimos a voltar à saleta.
— Onde vocês estavam? — perguntou Rosemary, puxando Dina
para o lado. — E por que parece que você viu um passarinho verde?
— Eu não pareço nada.
— Parece sim. O que aconteceu? Tem alguma coisa a ver com você e
o Scott chegando juntos?
Dina revirou os olhos, mas não conseguiu conter um sorriso.
— Não aconteceu nada.
Rosemary estreitou os olhos.
— Você é uma péssima mentirosa, Dina Whitlock. Mas deve ter um
bom motivo para não me contar, por isso vou guardar as minhas
opiniões para mim mesma… por enquanto.
Ao contrário de Immy, que contava os segredos para Eric, Rosemary
era mesmo uma amiga do tipo que levava “segredos para o túmulo”.
— Você sabe qual é a próxima atividade? — perguntou Dina a ela,
percebendo que muitos convidados pareciam ter optado por não
participar do que quer que fosse.
Ela procurou os pais à sua volta e cou horrorizada ao ver que
estavam junto a uma mesa, tomando chá com as mães de Scott. Dina
lançou um olhar na direção dele, que também tinha visto os quatro.
É melhor a gente ir até lá?, perguntou ela apenas com o movimento
dos lábios. Ele sorriu, mas balançou a cabeça.
— Alguma coisa ao ar livre. A Immy está mantendo tudo em
segredo, mas olha só pra ela… está praticamente quicando.
Era verdade, a futura noiva estava claramente aprontando alguma.
No m, apenas oito convidados se dispuseram a participar daquela
atividade, sendo que a maior parte dos pais e avós preferiram
descansar antes das festividades que se seguiriam.
Enquanto o grupo atravessava o terreno leste da propriedade,
liderado por Eric e Immy, Dina aproveitou para se deleitar com o sol
da tarde. Ela sempre havia sentido uma forte conexão com a terra
através da sua magia, e tinha uma consciência mais aguda da mudança
das estações do que uma pessoa comum, mas ali, fora de Londres,
cercada por colinas verdes e orestas, a conexão parecia mais intensa.
Enquanto caminhavam, ela apontou uma variedade de ervas e ores
para Rosemary, que estava trabalhando em um horror botânico e
queria saber se havia plantas venenosas de fácil acesso no interior da
Inglaterra.
O tempo todo, Dina tinha plena consciência de que Scott estava
logo atrás, ouvindo a conversa delas. Sua mente continuava voltando
ao refúgio para amantes. À sensação do corpo dele colado no dela.
O grupo chegou a um portão onde o campo aberto encontrava a
oresta. Era um daqueles portões rurais que não chegavam a ser
exatamente um portão, mas duas tábuas de madeira cruzadas acima da
cerca com degraus para passar por cima dela. Dina era perfeitamente
capaz de subir sozinha, mas quando Scott estendeu a mão para ajudá-
la a descer do degrau, ela aceitou. O toque dele era quente e rme, e
lhe deu estabilidade. Ela não conseguia acreditar que aquele homem
estava deixando-a literalmente de pernas bambas… sentia-se como um
clichê ambulante.
— Você tem alguma or ou planta favorita, Dina? — perguntou
Scott, a voz baixa o bastante para que só ela pudesse ouvir.
— Por quê, está pensando em comprar ores para mim, Scott
Mason? — Dina ngiu que estava ertando com ele. — Verbena-
limão. Essa é a minha favorita. É uma planta bastante resistente e dá
para fazer uma infusão com ela. No Marrocos chamamos de louiza.
— Louiza?
— Isso. Você adiciona as folhas à água fervida e elas exalam uma
fragrância doce bem gostosa. Não é bem limão, mas um bálsamo de
mel.
— Qual é o gosto do chá? — perguntou Scott.
— Acho que parece um pouco com camomila, só que mais
encorpado e doce.
— Ainda não. Ainda faltam algumas semanas até tudo car pronto.
Mas posso te oferecer uma visita guiada especial, se você tiver
interesse… Esse parece o tipo de coisa de que você gosta. — Scott
sorriu para ela, e Dina sentiu uma agitação no estômago que parecia
muito com desejo e… algo mais.
Não, ela estava imaginando coisas. Era só desejo. Claramente se
sentia tão atraída pela inteligência de Scott quanto pelo corpo dele.
Mas ele queria levá-la para ver a exposição dali a algumas semanas. O
que signi caria que eles ainda estariam se vendo. Ah, não, aquilo ia
contra o plano dela, a nal era “só uma aventura de m de semana”.
Dina não teve tempo de responder, porque Immy e Eric zeram
uma pausa na caminhada para chamar a atenção de todos.
— Muito bem, pessoal, vocês estão prestes a ver o que tenho
mantido em segredo — falou Immy em voz alta, em um tom quase
ameaçador.
Quando viraram em outro canto, Dina viu. À frente deles, bem no
centro de um campo gramado, estava a atividade secreta de Immy. Um
labirinto de arbustos.
— É assustador pra cacete — murmurou Rosemary.
Da pequena colina em que estavam era possível ver o labirinto de
cima, e Dina logo se deu conta de que era bastante complicado.
Aquele não era o tipo de labirinto em que a pessoa podia
simplesmente se sentar e esperar enquanto os lhos corriam até o
centro e voltavam. Era do tipo em que ninguém é deixado para trás,
em que um grupo não se divide em grupos menores.
Dina lançou um olhar para Immy, que estava praticamente dando
gritinhos de empolgação. Todos pareciam animados — algo nos
labirintos os fazia parecer um playground para adultos. Todos, exceto
Scott. Dina tentou capturar seu olhar, mas os olhos dele estavam xos
no labirinto, o maxilar cerrado e os ombros rígidos.
Eric deu um tapinha nas costas do amigo e apertou seu ombro. Dina
pensou ter ouvido o noivo da amiga sussurrar para Scott que ele não
precisava se preocupar, mas não tinha certeza. Parecia que Scott não
queria entrar no labirinto. Ele tinha dito que era um pouco
claustrofóbico — será que aquilo o afetaria também no labirinto,
mesmo eles ainda estando ao ar livre?
Ela poderia lançar um feitiço leve para combater ansiedade — esse
tipo de feitiço sempre funcionava bem em situações como aquela.
Scott nem perceberia.
A magia vibrou na ponta dos dedos de Dina. A nal, era Samhain, e
o poder se avolumava dentro dela, ansiando por ser usado. A magia
que chegava com o Samhain era diferente de outras datas como
Ostara ou Beltane. Era mais indomável e vinha com a sua própria
sombra.
E, com a oresta antiga às suas costas e os campos ondulados à
frente, Dina estava praticamente respirando magia, que se in ltrava
em seu corpo vinda do solo e envolvia seu coração.
O rosto de Rory surgiu na mente dela. Era o que acontecia quando
ela usava magia nos outros. Era melhor esquecer logo a ideia.
— Vamos formar equipes! — falou Eric para o grupo.
Eles se dividiram em dois grupos de quatro pessoas e, conforme se
aproximavam do labirinto, Dina notou que os arbustos provavelmente
tinham sido podados com uma régua, porque não havia uma folha
sequer fora do lugar.
— A primeira equipe a chegar no meio e voltar vence — declarou
Eric.
— Quero a Dina na minha equipe! — disse Immy.
— Immy, a gente vai jogar noiva contra noivo. Você não pode car
com todos os bons, e nós dois sabemos que a Dina tem o senso de
direção de um cão farejador — disse Eric rindo.
Immy revirou os olhos para Dina.
— Tudo bem, você vai com o Eric. Mas se você vencer, vou te
demitir da função de madrinha.
— Vejo que alguém acordou pronta para uma competição — falou
Dina.
O resto da equipe de Eric foi rapidamente formado, contando
Rosemary e um dos primos de Immy, Tom, que parecia não ter o
menor interesse no jogo.
Scott cou na equipe de Immy e estava olhando para a entrada do
labirinto como se fosse um monstro prestes a engoli-lo de uma só vez.
— Nem todo mundo precisa entrar. Alguns podem car aqui fora, se
quiserem — disse Dina em voz alta, esperando deixar claro que Scott
não precisava entrar se não quisesse.
— Dina, não seja boba, a gente tem que entrar em equipe —
respondeu Immy, totalmente alheia à situação.
— Quem vai para a esquerda, e quem vai para a direita? —
perguntou Rosemary, inclinando a cabeça na direção dos dois
caminhos opostos logo na entrada do labirinto. Os arbustos deviam ter
pelo menos dois metros e meio de altura.
— Nós vamos para a esquerda e vocês para a direita, Immy? —
sugeriu Eric.
— O que a gente ganha? — interveio Tom, parecendo subitamente
interessado.
— A glória eterna, obviamente — falou Immy com uma gargalhada.
Dina se aproximou de Scott.
— Você está bem? — perguntou ela baixinho. Ele parecia um pouco
pálido, e estava mordendo o lábio… e não de um jeito sexy. — Você
não parece muito animado para entrar.
— Não, não. Está tudo bem. Mesmo — respondeu Scott, enxugando
as mãos claramente úmidas de suor na calça. — Vai ser divertido —
acrescentou, provavelmente em uma tentativa de se convencer.
Dina estendeu a mão e apertou o ombro dele.
— Dina, sem trapaça! Volta aqui — gritou Eric.
Depois que as equipes debateram suas estratégias — não que fosse
possível estabelecer de antemão uma estratégia para atravessar um
labirinto —, Immy fez uma contagem regressiva a partir de três e a
disputa começou.
Scott deu um sorrisinho fraco na direção de Dina e seguiu Immy
com relutância pelo labirinto. Dina e Eric seguiram para a esquerda,
acompanhados de perto por Tom e Rosemary.
O labirinto os engoliu. Tinha sido uma manhã quente, pelo menos
para os últimos dias de outubro, mas uma umidade fria os envolveu
assim que pisaram no labirinto.
Ao contrário da oresta, Dina não sentiu nenhum tipo de magia nos
ossos. Não parecia nada muito antigo nem ameaçador. O que era um
bom sinal. A última coisa de que precisavam era de um labirinto com
uma personalidade difícil. Dina já havia estado em um em Viena e
teve que sair correndo, deixando alguns arbustos chamuscados.
Eles pararam quando chegaram a uma bifurcação.
— Sugiro irmos para a direita. Dina? — perguntou Eric.
— Por que a Dina saberia? — perguntou Tom.
— Porque ela costuma ser boa nesse tipo de coisa. Instintos de cão
farejador, como eu disse — respondeu Eric com cautela. Atrás de
Tom, Rosemary mexia os dedos, ngindo que estava praticando
bruxaria e gargalhando silenciosamente; ela parecia uma doida, e Dina
a amava por isso.
— Sugiro irmos para a direita — concordou Dina.
Ela não tinha certeza, já que não tinha qualquer tipo de vidência.
Mas, como a maioria das bruxas, tinha um instinto — embora alguns
possam chamar de sexto sentido. Quando aquele instinto lhe dizia
qual caminho seguir, ela normalmente o obedecia sem questionar.
De vez em quando, eles ouviam a equipe de Immy e viam um
borrão colorido do outro lado quando passavam. Em um momento,
Dina pensou ter sentido o cheiro da colônia de Scott e teve uma
súbita necessidade de estender a mão para procurá-lo através dos
arbustos. Embora se visse obrigada a admitir que um par de braços
surgindo por uma cerca viva não fosse exatamente reconfortante para
ninguém, muito menos para alguém que claramente não gostava de
labirintos.
— Essa é a inspiração perfeita para um livro — comentou Rosemary,
enquanto seguiam por uma trilha à esquerda.
O silêncio pairava pesadamente no labirinto, e uma névoa baixa se
acumulava aos pés deles. Estava bastante frio; a luz do sol havia se
dissipado no brilho precário do céu totalmente cinza.
— Como assim? — perguntou Dina.
— O labirinto gótico, a oresta assustadora e a mansão com quartos
cheios de galhadas e bichos empalhados? É o pesadelo dos meus
sonhos. A casa não é mal-assombrada. Eu chequei.
— E o labirinto? — perguntou Dina, olhando ao redor enquanto a
neblina cava mais cerrada.
— Também não tem fantasmas aqui. Mas tem alguns na oresta —
respondeu Rosemary com naturalidade.
Dina sorriu para ela.
— Um dia vamos criar uma série chamada Os lugares mais
assombrados da Inglaterra, em que eu e você vamos visitar
propriedades antigas, eu vou car muito assustada e você vai me dizer
que aquela é só uma casa como outra qualquer.
Assombrado ou não, Dina não podia negar que o labirinto era
assustador — e também estava se provando surpreendentemente
difícil de ser atravessado. Eles seguiram uma trilha, então outra, e
acabaram voltando várias vezes no mesmo lugar onde estavam um
momento antes, não que fosse fácil perceber aquilo. Cada muro verde
parecia idêntico. Finalmente, quando todos já começavam a car com
as pernas cansadas e Tom já tinha reclamado de sede pelo menos
quatro vezes, o grupo chegou ao centro do labirinto, com direito até a
um relógio de sol de bronze escurecido. Não havia sinal de que Immy
e sua equipe tivessem chegado ali antes deles, mas podiam estar
enganados.
— Isso signi ca que vencemos? — perguntou Tom. Ele não parava
de checar o celular, e parecia irritado por não ter sinal ali.
— Ainda não — falou Eric, animado. — Precisamos retornar ao lugar
onde começamos.
Eles seguiram pelo caminho de volta da melhor maneira que
puderam, pegando aqui e ali algumas curvas erradas.
Dina sentiu o peito se expandir e soltou um suspiro profundo
quando chegaram à saída do labirinto.
Talvez fosse só porque sabia que Scott não estava se divertindo, mas
a disputa de nitivamente não tinha sido tão divertida quanto ela
esperava.
— Parece que vencemos! — disse Eric, dando um “toca aqui” em
cada membro da equipe. — A Immy nunca vai me perdoar — falou
ele para Dina.
— Aposto que ela vai mencionar isso nos votos do casamento
amanhã — comentou Dina, rindo.
— Eu não me surpreenderia nem um pouco.
— Ah, vocês venceram! Droga! — lamentou Immy enquanto sua
equipe saía do labirinto por um caminho diferente. — Eu achei de
verdade que a gente tinha ganhado. — Ela curvou o corpo.
Eric levantou a noiva e girou com ela.
— Posso compartilhar um pouco da minha glória eterna com você,
se quiser.
— Hum, tudo bem então. — Immy se inclinou para beijar o noivo.
Dina desviou os olhos para dar um momento de privacidade ao casal
e procurou por Scott. Mas ele não estava em lugar nenhum.
— Ei, Immy, onde está o Scott?
— Ele está bem… — Immy se virou e olhou para a sua equipe com
um membro a menos. — Ué. Eu podia jurar que ele estava junto com
a gente. Não estava?
Os outros deram de ombros. Dina olhou novamente para o labirinto
ameaçador, alto e escuro.
— Ah, merda, ele ainda está no labirinto.
Capítulo 16
A
i, isso não é bom, isso não é nada bom — murmurou Eric, e
— começou a andar de um lado para o outro. — Scott odeia
espaços fechados. Achei que ele caria bem, mas… merda, eu
não devia ter deixado ele entrar no labirinto. Tudo bem, vocês
esperem aqui que eu vou buscar o Scott — avisou ele, já prestes a
entrar.
Dina estendeu a mão para detê-lo.
— Eric, eu cuido disso.
— Não, Dina, isso é comigo, eu…
— Você pode car aqui fora e pensar em alguma coisa para distrair a
cabeça do Scott depois que eu sair com ele. Tudo bem? Como você
disse, tenho o senso de direção de um cão farejador. Vou entrar e sair
rapidinho.
— Tem certeza? — Eric franziu o cenho.
— Meu bem, é da Dina que a gente tá falando. Ela consegue —
tranquilizou Immy.
Dina não quis perder nem mais um instante. Sem hesitar, ela se
en ou de volta no labirinto.
Pensou em quanto tempo tinham demorado na primeira vez. Se
Scott estivesse surtando ali dentro, então ela precisava chegar até ele
bem rápido.
Os arbustos se elevavam ao seu redor, sem revelar nenhum dos seus
segredos. Ela virou algumas vezes para a direita e parou, agora
totalmente fora da vista dos outros. Precisava lançar um feitiço um
pouco mais forte do que o comum para localizar Scott, por isso Dina
segurou o pingente de ametista que usava na correntinha ao redor do
pescoço. A pedra funcionaria como uma espécie de conduíte.
Dina en ou a mão no bolso e tirou algumas ores de camomila que
havia colhido antes. Eram coisinhas tão delicadas e lindas, com aquele
aroma doce de mel, e funcionariam perfeitamente.
— Desculpem — sussurrou para as ores, antes de esmagá-las na
palma da mão.
Dina não usava aquele tipo de magia com frequência, porque
raramente precisava e porque envolvia destruir vidas. Um pouco de
devastação aqui, uma pitada de destruição ali… aquilo dava um pouco
mais de força à magia. Como era Samhain, devia haver magia
su ciente no ar para que aquele tipo de feitiço não fosse necessário.
Mas o labirinto de alguma forma a enfraquecia. Talvez fossem todos
aqueles arbustos excessivamente bem-cuidados — havia algo asséptico
neles, que parecia estar em desacordo com a magia de Dina.
Ela sentiu o feitiço fazer efeito. Scott, onde você está?
Dina respirou fundo e fechou os olhos, se concentrando. Seu único
pensamento era em Scott e no quanto ela queria encontrá-lo. O
pingente de ametista a puxou para a frente, e Dina abriu os olhos. Ela
estava segurando a correntinha, mas a própria pedra a puxava para a
frente, então para a direita, como se estivesse sendo atraída na direção
de um ímã.
Dina deixou-se guiar pela ametista que a conduzia por voltas e mais
voltas. Não se preocupou em prestar atenção no caminho — poderia
usar o mesmo feitiço para tirá-los de lá, se precisasse.
Dina ouviu Scott antes de vê-lo.
A respiração rápida e o pânico chegaram até ela através de um
arbusto e, quando Dina virou em um canto, encontrou Scott sentado
no chão, com as costas apoiadas na cerca viva, a cabeça en ada entre
as pernas.
Ela precisou se conter para não sufocá-lo com um abraço. Se ele
estivesse em pânico, contato físico excessivo poderia piorar a situação.
Dina já vira aquilo acontecer antes.
— Scott? — chamou.
Ele ergueu rapidamente a cabeça, os olhos vermelhos de lágrimas.
Quando percebeu que era Dina, enxugou rapidamente o rosto.
— Estou bem — falou ele, e pigarreou.
— Acho que não está, não — disse ela, e se ajoelhou ao lado dele. —
Claustrofobia?
Scott respirou fundo e assentiu.
— Eu me perdi do grupo e simplesmente…
— Entendi.
Scott passou os dedos pelos cabelos e se virou para Dina.
— Não é muito másculo ser pego chorando pela mulher que você
está tentando impressionar, não é mesmo?
— Quem disse isso? — Dina riu. — Quer dizer então que você ainda
está tentando me impressionar?
Ele se levantou e limpou a terra da calça.
— Está funcionando?
— Humm, você vai ter que esperar pra ver. Vamos começar te
tirando daqui, certo?
— Você é meu cavaleiro de armadura brilhante, Dina. Eu seguiria
você para qualquer lugar.
Havia seriedade no tom de Scott quando ele pronunciou essas
últimas palavras, e Dina se viu estendendo a mão para ele. Ela segurou
o rosto de Scott entre as mãos e secou os últimos vestígios de lágrimas.
Deus, os olhos dele eram de morrer. Dina tinha a sensação de que
poderia car olhando eles para sempre.
— Só para constar — disse ela — acho viril um homem chorando…
mostra que ele não tem medo de expressar as próprias emoções, e isso
é bem atraente.
— Jura? — Os lábios de Scott se curvaram em um sorriso forçado.
— Alguém te disse que não era? — perguntou Dina, curiosa.
Scott franziu o cenho, como se estivesse se lembrando de algo
doloroso, e ela sentiu uma distância repentina entre eles. Alguém o
zera se sentir mal por expressar as próprias emoções e ele não queria
falar a respeito disso com ela.
— Só quero sair daqui — falou Scott, mudando de assunto. — Mas,
vou ser sincero, posso ter outro ataque de pânico se me perder de
novo.
— Tudo bem, tenho um jeito de nos tirar daqui bem rápido.
— Ah, é?
— Eu decorei o caminho.
Ele a encarou com um toque de descon ança no olhar, mas estava
ansioso demais para pensar muito no assunto. Scott a encarava com
tanta intensidade que Dina mal conseguia encontrar seus olhos e, ao
mesmo tempo, não conseguia desviar o olhar dele. Antes que
cometesse qualquer tolice, ela se forçou a romper o contato visual e
tirou um lenço de seda do bolso.
— Quer que eu cubra os seus olhos?
— Você quer me vendar? Eu tinha imaginado um primeiro encontro
mais normal, com um jantar, talvez alguns drinques…
— Você teve um ataque de pânico não faz nem dois minutos e agora
está tentando fazer gracinha — brincou Dina, enquanto passava o
dedo pela ponta do nariz.
— Qual é o propósito da venda?
— Pensei que, se você não conseguisse ver o labirinto, talvez a
probabilidade de ter um ataque de pânico diminuísse. Mas, óbvio, não
sei o que desencadeia esses ataques, no seu caso — se apressou a dizer
Dina.
Scott olhou para o lenço de seda nas mãos dela.
— Vamos tentar. Acho que pode dar certo. Continua me distraindo
até a gente estar quase fora daqui, então vai testemunhar a minha
saída triunfal.
— Feito. Abaixa.
Scott fez o que ela pediu, e Dina enrolou o lenço de seda ao redor
da cabeça dele, dando um nó não muito apertado na parte de trás. Ela
sentiu o hálito quente de Scott no rosto, e seu corpo ansiou por
estreitar o espaço entre eles. Dina estava grata por ele não poder vê-la,
por não saber como as pupilas dela estavam dilatadas, como seu rosto
e seus lábios estavam ruborizados. Seria tão fácil beijá-lo de novo.
— Tudo pronto — sussurrou ela, afastando-se.
Dina pegou outra or de camomila do bolso e refez o feitiço para
tirá-los do labirinto. Ela imaginou a saída e os vastos campos
verdejantes a partir dali e, um instante depois, o pingente os puxava.
— Segure a minha mão — orientou Dina. E sentiu o toque quente
dos dedos de Scott.
— Achei que você fosse um curador de museu… por que tem tantos
calos?
Dina achava que a conversa talvez mantivesse a mente dele afastada
do labirinto. Eles dobravam para um lado, então para outro; o
equilíbrio de Scott não vacilou em nenhum momento.
— Ah, é por causa do remo. Eles me protegem de bolhas nas mãos.
— Eu tinha esquecido do remo. Qual era mesmo o seu apelido,
aquele que o Eric mencionou?
— Eu estava torcendo para que você tivesse esquecido isso. Oito
completo — falou Scott com um suspiro.
— Ah, é, esse. — Dina abafou uma risadinha.
Pela deusa, ela agora estava dando risadinhas, como uma
adolescente. Se eles não tivessem decidido que aquilo seria apenas
uma aventura de m de semana, Dina talvez descon asse de que seus
sentimentos estavam se tornando mais profundos.
— Eu adoro estar no rio — disse Scott, com um tom tranquilo. —
Tem tanto espaço lá. Não importa como esteja o tempo, duas coisas
são sempre certas: seguir a corrente faz você se sentir a pessoa mais
poderosa do mundo, e, não importa o que você faça, sempre vai
terminar com os pés molhados.
— Na verdade, eu nunca estive no rio… quer dizer, assim tão perto
dele — confessou Dina.
Não era por falta de vontade, mas a menos que ela começasse a
remar, ou embarcasse em uma daquelas embarcações turísticas, ou
tivesse duas horas para gastar em um barco subindo o rio, não havia
muitas opções para ver o Tâmisa de perto, em pessoa.
— Não tem nada igual. Você vê Londres de uma maneira totalmente
diferente. Tem um momento, quando estamos remando para oeste,
passando por Kew, em que num minuto a gente vê casas, casinhas
lindas, e pessoas andando de bicicleta e passeando com o cachorro.
Então, no seguinte, tudo isso desaparece. O rio faz a curva, se estreita
e, de repente, são só arbustos, juncos e terrenos vastos percorrendo as
duas margens.
— Eu queria ver isso — falou Dina, o tom quase melancólico.
— E eu, te levar lá — a rmou Scott, o que a deixou com o peito
apertado.
De repente, eles dobraram em um canto e a saída do labirinto estava
logo à frente.
Dina segurou a mão de Scott até eles estarem a poucos passos da
saída. O sol da tarde já começava a cair, a névoa que se acumulara ao
redor deles tinha se dissipado no sol frio.
Não quero soltar a mão dele, percebeu Dina. Scott provavelmente
nem tinha se dado conta de que eles estavam quase fora do labirinto.
Ela poderia continuar andando ao lado dele por um tempo. Mas aí
talvez ele estranhasse quando visse quão longe ela o levara com os
olhos vendados.
— Estamos quase saindo — avisou Dina com relutância.
Scott tirou a venda, semicerrou os olhos por causa da luz e se voltou
para Dina. Deixou escapar um suspiro de alívio e seu olhar se xou
nos lábios dela.
— Você não precisava ter voltado para me buscar, mas voltou
mesmo assim — declarou ele com um sorriso.
— Isso não é a Segunda Guerra Mundial, Scott, pelo amor de Deus.
— Dina deu um soquinho no braço dele.
De repente, se viu erguida do chão e nos braços de Scott. Ele a
abraçou; os efeitos do ataque de pânico ainda eram visíveis no leve
tremor dos seus braços.
— Obrigado. Estou falando sério.
— Você teria feito o mesmo por mim — respondeu Dina,
subitamente certa de que aquilo era verdade.
Se ela estivesse com problemas, Scott teria ido resgatá-la. O instinto
de bruxa não mentia.
Dina sentiu as mãos de Scott segurando-a com rmeza e teve
vontade de estar ainda mais perto dele. Talvez ele tenha percebido os
olhos dela percorrerem seu corpo com avidez, porque em vez de
colocá-la logo no chão, puxou-a mais para perto. Dina pousou as mãos
no peito musculoso, sentindo o calor que emanava da pele dele. Scott
tinha um cheiro quente.
— Dina, eu… — A voz de Scott saiu rouca.
Ele a tava como se quisesse devorá-la. E ela queria que ele zesse
aquilo. Dina passou a língua pelos lábios, e inclinou mais o rosto na
direção dele.
— Xiiu, acho que tá rolando! — veio o sussurro estridente de Immy
ali perto.
Scott devolveu Dina ao chão, mas suas mãos permaneceram ao redor
da cintura dela. Dina viu o resto do grupo logo na entrada do labirinto.
— Estou vendo que você saiu inteiro — disse Eric, dando um
tapinha no ombro de Scott. — Desculpa, cara, não sabia que ia ser tão
ruim pra você lá dentro — completou com sinceridade.
— Ei, tudo bem, eu sobrevivi — garantiu Scott. — Mas é a Dina que
merece uma medalha: ela teve que lidar comigo em um estado nada
bom.
— A heroína do dia! — Eric sorriu para Dina e assentiu em
agradecimento.
E lá se ia pelo ralo a ideia de manter a aventura de m de semana em
segredo. Já estava bastante óbvio para todos que algo estava
acontecendo entre eles. Bem… agora não tinha como voltar atrás.
Scott claramente teve a mesma ideia enquanto eles caminhavam de
volta para a casa. Ele inclinou a cabeça e deu um beijo, apenas um
roçar de lábios, na têmpora de Dina.
Um arrepio suave percorreu a pele dela. O beijo era uma promessa.
Naquela noite, depois do ritual do Samhain, Dina sabia exatamente o
que faria com Scott Mason.
Capítulo 17
D
ina estava em seu quarto na cabana, olhando para a oresta
iluminada pelo luar. Tanta coisa estava acontecendo, e tão
rápido… Eles haviam se beijado e tinha sido melhor do que ela
imaginara. E a deusa sabia como ela vinha imaginando aquilo…
Dina se vestiu atordoada, optando por um vestido de seda roxo que
envolvia seu corpo e fazia seus seios parecerem o mais voluptuosos
possível. Scott não saiu de seus pensamentos em nenhum momento.
Talvez no fundo tivesse sido uma bênção eles terem sido
interrompidos no cômodo atrás das estantes da biblioteca, caso
contrário ela não teria parado. Estar perto de Scott desencadeava
alguma coisa dentro dela — Dina se via desejando coisas que não
desejava antes.
Mas ainda havia uma parte de si que continuava a esconder dele: a
magia. Talvez fosse por causa do casamento, por estar vendo a maioria
dos amigos e da família em casais, apaixonados, mas o fato era que
Dina sentia uma necessidade crescente de revelar a Scott que era
bruxa. Ela se sentia mais à vontade perto dele do que jamais se sentira
com qualquer outra pessoa. Até com Rory.
Como ele reagiria se ela revelasse a sua magia? Ficaria com raiva e
inveja como Rory? Dina não tinha sentido qualquer necessidade de
compartilhar a própria magia com outros parceiros ou parceiras antes
de dormir com eles, mas com Scott aquela parecia uma ponte que ela
precisava atravessar. Ela queria que ele a conhecesse por inteiro —
corpo, mente e alma. Queria que visse aquela faceta dela e a aceitasse.
A maldição passou pela mente de Dina, mas ela optou por não
prestar atenção. Quando estava perto de Scott, a maldição e os
problemas que ela acarretava pareciam distantes. Como se
pertencessem a outra Dina — não a ela, não àquele momento.
Ela ouviu uma batida na porta do quarto.
— Dina, está pronta? — perguntou Scott.
Eles teriam um último jantar antes do casamento no dia seguinte, e
Dina não queria perder nem mais um minuto sozinha no quarto
quando podia estar com Scott. Se tudo o que podia ter com ele era
um m de semana perfeito, estava disposta a aceitar. Mesmo que os
sentimentos que se agitavam em seu íntimo lhe dissessem que ela
queria mais.
Dina abriu a porta para Scott, sentindo o coração prestes a sair pela
boca.
Ele ocupava todo o vão e estava muito elegante com um terno
marrom de duas peças que realçava a barba escura. Dina viu como ele
a tou, os olhos cando mais sombrios enquanto percorriam seu
corpo, a expressão ardente.
— Nossa, Dina. Você está linda — falou Scott, com a voz rouca. —
Posso te acompanhar até lá?
Dina sentiu a boca seca.
— Me acompanhar? Que cavalheiro…
— Sou conhecido por agir como um cavalheiro de vez em quando.
— É mesmo? — Dina aceitou o braço estendido de Scott; eles
saíram da cabana e trancaram a porta com a imensa chave de ferro.
A oresta estava imóvel ao redor deles, esperando. A noite havia
chegado, a copa dos grandes carvalhos e abetos fragmentava a luz do
luar. A trilha mal era visível na noite de um azul quase imperceptível.
Dina estremeceu, subitamente nervosa agora que o momento havia
chegado. O luar tinha tomado a decisão por ela. Ela mostraria sua
magia a Scott, ali, naquele exato momento.
— Tem uma coisa que eu acho que quero te mostrar — falou Dina
abruptamente, as palavras soando quase como uma pergunta.
— O quê?
— Você não vai entrar em pânico e sair correndo?
Scott abaixou a cabeça e roçou os lábios nos dela.
— Você pode me dizer qualquer coisa. Posso car surpreso, mas não
vou sair correndo — garantiu ele.
— Devo ter perdido a cabeça para fazer isso tão cedo — murmurou
Dina. — Espera aqui.
Ela correu de volta para a cabana. Não tinha feito aquele feitiço
antes, mas sabia de cor o passo a passo. Dina reapareceu com uma
xícara de chá vazia e uma expressão travessa no rosto.
— Está pronto?
Scott engoliu em seco e assentiu.
Dina ergueu os braços, as palmas voltadas para cima, a xícara de chá
erguida bem alto. A oresta cou escura ao redor deles. Como se todo
raio de luar tivesse desaparecido, levando junto toda a luz.
A escuridão, no entanto, não durou muito, já que uma substância
prateada — que não era líquida nem gasosa — começou a envolvê-la,
como se o luar fosse gotas de chuva. Dina ergueu o rosto para o céu e
foi banhada por um brilho leitoso. Às vezes, ela esquecia quanta
alegria a magia pura lhe trazia.
Os raios de luar serpentearam ao seu redor, até se acumularem na
xícara em um líquido cintilante. Por um momento, o ar ao redor deles
cou com cheiro de café fresco e especiarias.
Dina encontrou os olhos de Scott, estudando-o. Ele não conseguia
falar, mas também não tinha saído correndo.
Com um sorriso extasiado, Dina sacudiu a xícara, espalhando a luz
da lua ao redor, pelo tronco das árvores, cobrindo samambaias e
arbustos perto da trilha com um prata luminescente. Então, a luz
começou a evanescer, até que — em uma questão de segundos — a
noite plena retornou. Dina pousou a xícara no degrau da frente da
cabana.
Como se não tivesse acabado de virar o mundo dele de ponta-
cabeça, ela passou o braço pelo de Scott, que a segurou o mais
próximo que a educação permitia.
— Isso foi a luz da lua? — perguntou Scott, com a voz rouca. — Em
uma xícara de chá?
— Foi — sussurrou Dina em resposta.
Eles caminharam em silêncio em direção à luz das velas que
iluminavam a Honeywell House.
Scott jogou água fria no rosto. Ele estava em um pequeno banheiro
próximo ao Salão Norte, onde somente os mais corajosos convidados
do casamento haviam decidido renunciar a uma noite de sono
revigorante para jogar uma partida altamente disputada de Scrabble.
O que ele havia testemunhado?
Dina parecia uma criatura primitiva e bela, uma deusa, um ser
etéreo e indecifrável. Ela havia preenchido a visão dele com a luz
pálida da lua dançando ao seu redor, enquanto abalava as estruturas do
mundo dele e de tudo o que ele achava que sabia.
Scott tinha noventa por cento de certeza de que Dina era uma
bruxa. Os outros dez por cento… bem, estava ertando com a ideia
de que ela pudesse ser alguma espécie de djinn, ou súcubo, mas
nenhum desses termos parecia certo. E “mágica” o fazia pensar em
coelhos saindo de cartolas e moedas saindo por detrás de orelhas. Não,
se alguma vez já existira uma palavra para descrever Dina Whitlock,
era “bruxa”.
Scott achava que, por mais tempo que vivesse, jamais esqueceria
aquela noite, e não havia absolutamente nenhuma possibilidade de
aquilo ter sido uma ilusão ou um truque de luz.
Mas, se Dina era uma bruxa, o que aquilo o tornava? Estava sob o
feitiço dela? Pela forma como seu pênis cara rígido no momento em
que Dina havia correspondido ao beijo no refúgio para amantes, ele
certamente estava sob in uência de algo poderoso.
Depois do labirinto, Scott tinha precisado recorrer a toda sua força
de vontade para não carregar Dina direto para a cabana, jogá-la em
cima da bancada da cozinha e fazê-la gozar repetidas vezes. Podia
apostar que o rosto de Dina cava lindo quando ela gozava.
Agora não havia mais dúvidas de que ela também o desejava. Scott
jogou água no rosto mais uma vez, tentando recuperar um mínimo de
compostura. A água fria estava ajudando. O álcool tinha corrido
livremente no jantar mais cedo, embora Scott tivesse evitado beber
demais. Queria se lembrar de cada segundo daquela noite, e car
bêbado o fazia lembrar de Alice.
Não sentia o menor orgulho do que havia se tornado nas semanas
que se seguiram à descoberta da traição de Alice. Na época, só o que
ele queria era esquecer tudo, então mergulhou na bebida até quase
perder a consciência, na esperança de que parasse de doer. Para onde
quer que Scott olhasse, lá estava Alice. No sofá que tinham escolhido
juntos quando ela se mudou. Nas xícaras guardadas nos armários que
ela havia lhe comprado de presente.
Scott era assombrado pelas fotos dos dois na parede. Ele parecia tão
feliz naquela época, tão alheio. Alice também parecia feliz. Como ela
conseguiu mentir para ele por tanto tempo? Em todos aqueles anos,
como ele nunca tinha visto a verdade nos olhos dela?
Scott jogou água fria no rosto mais uma vez, mandando as
lembranças ralo abaixo.
Aquela parte da vida dele havia acabado, lembrou a si mesmo. Tinha
um apartamento novo agora e se sentia mais dono de si do que há
muito tempo. Estava fazendo de Londres seu lar novamente. E
permaneceria ali, perto das mães dele, dos amigos e de Dina — se ela
o aceitasse.
Scott voltou para a sala, bem no momento em que Dina gritava a
plenos pulmões: — Eu ganhei! Passem a grana, seus otários!
Ele ouviu também as respostas gritadas simultaneamente por
Rosemary: — “Qi” não é uma palavra!
E:
— Não se joga Scrabble valendo dinheiro!
Dina chamou Scott enquanto ele voltava para perto do grupo.
— Scott, você pode, por favor, servir de mediador pra gente? Eles
estão dizendo que eu inventei a palavra “qi”! — Dina revirou os olhos
dramaticamente. — É a força vital inerente a todas as coisas.
— Sinto muito por ter que dizer isso, mas a Dina está certa. “Qi”
vale no Scrabble. Também pode ser escrita com K-I ou C-H-I. Vamos
ver…
Scott se inclinou sobre o tabuleiro e sentiu o perfume de Dina…
baunilha e canela.
— A letra Q vale dez, mas como está na casa que triplica o valor
dela, então o total da palavra dá trinta e um pontos. Ela venceu todos
vocês!
Immy bufou alto e parecia pronta para virar o tabuleiro.
— Ah, qual é, Immy, você sabe que nunca vai conseguir me vencer
no Scrabble, ainda mais hoje. — Dina foi para o lado da amiga e
passou o braço ao redor dela.
— Eu trabalho literalmente com palavras, Dina. Palavras!
— Sei disso, meu bem.
Eles passaram o resto da noite jogando: charadas; pôr, vendados, um
véu no desenho da noiva; e, para os que estavam dispostos a se
contorcer em todo tipo de posição, Twister. Scott achou
particularmente difícil se concentrar no jogo quando Dina passou o
braço por cima dele para tocar em um círculo vermelho. Os seios dela,
empinados naquele vestido que era quase um pecado, roçaram o peito
dele, e logo depois Scott precisou se retirar do jogo, para que ninguém
percebesse a sua ereção.
E, novamente, quando jogaram uma partida de Pictionary, Dina
cou particularmente frustrada com a incapacidade do seu grupo de
adivinhar o que ela havia rabiscado no quadro e desfez o penteado.
Cachos castanho-escuros cascatearam ao redor de seu rosto enquanto
ela olhava para Scott, e o que ele mais desejou naquele momento foi
enrolar aquele cabelo ao redor do punho e deixá-la manchar seu pênis
com batom. Dina havia tirado o freio de alguma coisa nele.
À medida que se aproximava a meia-noite, Scott percebeu que Dina,
Immy e Rosemary começaram a trocar olhares furtivos, com
expressões faciais difíceis de decifrar — a linguagem secreta que as
mulheres tinham com as amigas e que ele não tinha esperança de
entender. Mas havia alguma coisa no ar naquela noite, até ele podia
sentir.
Scott olhou para Dina, que naquele momento estava arremessando
dardos em um canto da sala, a pele cintilando com um tom dourado à
luz do fogo.
Seria a magia dela que ele estava sentindo? O cérebro dele ainda
tentava de nir o que a vira fazer mais cedo. Antes de mais nada, ele
havia se sentido aliviado. Sempre quis acreditar em magia, acreditar
que o mundo era maior do que aquilo que via. Tinha tentado tanto
acreditar. De certa forma, havia dedicado o seu trabalho a isso. Mas
agora não precisava mais se esforçar. Dina era a manifestação de tudo
em que ele sempre quisera desesperadamente acreditar.
Estar vivo era estar vulnerável, e Dina havia con ado a ele o seu lado
mais vulnerável. E Scott queria ser digno daquela con ança. Queria
conquistá-la cada vez mais enquanto Dina o quisesse.
— Reconheço esse olhar — disse a sua mãe Alex, enquanto se
sentava ao lado dele no banco da janela.
Juniper pulou entre os dois, girando em suas perninhas curtas até
encontrar o lugar perfeito para tirar uma soneca, a cabeça encostada
na lateral do corpo de Scott.
— Que olhar?
— O que você está lançando para ela — falou Alex, indicando Dina
com um movimento de cabeça. — Por que você não contou pra gente
que estava namorando?
— Não estou.
— Entendo.
— É tudo muito novo.
— Xiii — disse a mãe, afastando a desculpa com um gesto. — Se é
novo ou não, não importa. Quando a gente sabe, sabe. Eu disse a
Helene que a amava no nosso segundo encontro.
— Nem todo mundo tem essa sorte. E se… e se ela não quiser o que
eu quero?
— Ela disse isso?
— Em outras palavras.
E
ra uma lua das fadas. Perolada, cintilante e baixa no céu — a lua
das travessuras e dos prazeres. Dina estava na beira do campo
norte, onde a fogueira já estava acesa. Tinha sido tudo arrumado
por Nour, como uma espécie de presente de casamento de bruxa.
Dina inalou o ar da meia-noite, doce e esfumaçado. Viu a silhueta da
mãe perto do fogo, o penteado que ela havia feito para a noite agora
desfeito. Dina seria como a mãe naquela noite: indomável, impetuosa.
Dina ansiava por aquela noite todos os anos.
A Honeywell House era uma sombra ao longe, as janelas iluminadas
pareciam vaga-lumes utuando na noite.
Ela costumava viajar até Little Hathering todo ano naquela data, e
realizava o ritual com a mãe, no pátio da casa. Sempre tinham feito
daquele jeito, desde que Dina era criança. A casa, é claro, assumia a
forma de uma espécie de clareira opulenta, e Dina conseguia até sentir
o calor da fogueira, mesmo que fosse tudo um encanto invocado para
a diversão delas.
Desde que Dina conhecera Immy e Rosemary, as duas também
haviam aderido ao ritual. Todas as mulheres eram bruxas na noite de
Halloween.
Se a oresta parecia cheia de magia antes, naquela noite o poder
parecia pulsar. E a pulsação percorreu o corpo de Dina como uma
segunda batida do coração.
Ela atravessou a grama alta, saboreando a sensação da terra fria sob
os pés descalços. Aquilo era o Samhain. Conexão. Oportunidade. O
véu estava mais no do que nunca — tudo era possível aquela noite.
Dina nunca tinha experimentado uma sensação tão intensa de estar no
lugar certo, na hora certa.
— Aywa, você vai car parada aí a noite toda? — chamou a mãe
conforme a lha se aproximava.
Dina havia trocado seu vestido de noite por algo mais leve e solto. E
optara por uma espécie de cafetã azul-claro, do tipo que ela só usava
no auge do verão, quando estava cuidando da casa, fazendo faxina. A
roupa ondulava na pele dela, quase imperceptível de tão leve. Ela
deveria estar com frio, mas havia magia demais ardendo sob a sua pele
e a fogueira estava alta.
Immy tinha optado por uma espécie de camisola vitoriana, enquanto
Rosemary usava uma camiseta preta larga e calça de moletom.
— Essa noite tá diferente, consegue sentir? — perguntou Dina.
— Ahã. É esse lugar. Ele tem alguma coisa. Eu não caria surpresa se
houvesse alguma espécie de lugar sagrado ou o osso de um santo
enterrado em algum lugar por aqui — respondeu a mãe.
Nour estava de pé diante da fogueira, que se elevava diante das duas.
Dina notou que a mãe enxugava uma única lágrima que escorrera pelo
rosto.
— O que foi, mãe?
— Eu tô bem — falou a mãe, fungando. — Só estava me lembrando
de quando fazia isso com as minhas irmãs. Nós sempre íamos ao
campo de favas em noites como essa. Havia algo especial em estar na
nossa própria terra, todas juntas. Nunca me senti tão poderosa.
Os pais de Dina a haviam levado muitas vezes ao Marrocos desde
então, e o espírito da mãe sempre parecia se acalmar quando estavam
lá. Dina não conseguia nem imaginar como devia ser difícil sentir
saudades de casa mas não querer voltar para lá, por medo da dor que
as lembranças trariam. Ela puxou a mãe para um abraço, inspirando o
cheiro do xampu de rosas em seus cabelos.
— Mas consigo sentir elas essa noite. Elas estão aqui com a gente,
celebrando. Acho que é esse lugar, cheio de fantasmas.
Dina assentiu.
— Eu também senti alguma coisa na oresta, mas não consegui
identi car.
— Você disse cheio de fantasmas? — perguntou Rosemary. —
Porque você está absolutamente certa. Vi muitos por aí essa noite.
Não sei se é esse lugar ou se é o Halloween, mas eles parecem… mais
visíveis do que o normal.
Às vezes Dina esquecia como era normal para a amiga ver o outro
lado — e imaginou que aquilo era um pouco como os outros se
sentiam quando ela lhes mostrava a sua magia. Felizmente, Scott não
tinha perdido a cabeça depois da exibição dela ao luar. Na verdade, o
olhar dele tinha se suavizado, ela se lembrou, e ele soltara o ar
lentamente quando ela lhe mostrara a sua magia. Quase como se ele
estivesse aliviado.
Dina ainda não sabia bem o que havia acontecido com ela antes.
Pulsações profundas de magia vibraram do chão da oresta até a lua
cheia acima, querendo se libertar das bras da realidade, e Dina
precisava fazer isso tanto quanto precisava respirar. Sua intuição lhe
dizia que ela estava segura com Scott e, se fosse honesta, de qualquer
modo não teria sido capaz de se conter. Uma grande parte dela queria
que Scott a visse como ela realmente era, com magia e tudo. Queria
ser ela mesma perto dele, deixar de se esconder. A ideia de que aquilo
era uma aventura de m de semana parecia cada vez mais distante. Era
muito fácil, cercada como estava pela magia e pelo luar, esquecer a
maldição. Era muito mais fácil ngir.
— Espero que a gente não tenha deixado escapar nenhuma das
coisas de bruxa. — Immy caminhou na direção delas, com a bainha da
camisola encharcada de lama.
— Você comprou isso onde, em um brechó? — perguntou Dina.
Immy balançou a camisola.
— Foi, tenho quase certeza de que é um traje funerário. Se for,
alguém deve ter morrido usando isso, então um coveiro roubou. Não é
legal?
— Não entendo vocês, crianças — declarou Nour com um suspiro.
Dina riu.
— Espero que você tenha consciência de que é maluca, Immy.
— Espero que não tenha problema eu não ter usado nada esvoaçante
— falou Rosemary, olhando para as roupas que todas haviam
escolhido.
Dina riu.
— Contanto que você consiga dançar com essa roupa, não importa o
que está vestindo. Se quiser, pode car nua.
Nour pigarreou, xou os olhos em cada uma delas, e o peso de sua
magia caiu sobre todas como uma manta quente.
— O verão acabou, em breve vai chegar o inverno. — Nour entregou
a cada uma delas uma vela preta da babilônia. — Essa noite vamos
celebrar o que resta da luz e nos lembrar daqueles que nos deixaram e
dos que ainda amamos. Essa noite, vamos honrar a memória deles,
para que, enquanto dançamos, eles dancem ao nosso lado.
Ela fez uma pausa, então perguntou: — Dina, você trouxe a música?
Dina colocou a caixa de som portátil e o celular no chão.
— Esse safado aqui está com cem por cento de bateria, então não
precisamos nos preocupar com a música parar dessa vez.
— Isso já aconteceu? — perguntou Rosemary.
— Uma vez só. — Dina estremeceu. — Alguma preferência em
relação à música?
— Aah, que tal um pouco de Whitney Houston? A minha avó
adorava a Whitney — sugeriu Immy.
— Eu e as minhas irmãs costumávamos cantar “I Have Nothing” no
carro a plenos pulmões — concordou Nour.
— Whitney, então. — Dina selecionou alguns dos maiores sucessos
da artista.
Em algum lugar distante, o sino de uma igreja anunciou a meia-
noite.
Nour olhou para a lha e abriu um sorriso de bruxa.
— Está na hora.
As centelhas do fogo eram levadas pelo vento e giravam
cerimoniosamente no ar. Uma por uma, as quatro mulheres se
aproximaram do fogo com as suas velas.
As velas da babilônia não eram velas pretas comuns. Só podiam ser
usadas uma vez por ano — no Samhain, à meia-noite —, e duravam
apenas alguns minutos. Rosemary podia ser capaz de ver os fantasmas
de pessoas que não tinham feito a travessia, mas uma vela da babilônia
permitia que qualquer pessoa passasse um breve momento com seu
ente querido do outro lado.
— Para Khadija — disse a mãe de Dina enquanto a fogueira
emprestava seu fogo à vela. A chama tremeluziu em um azul
incandescente.
Immy respirou fundo.
— Para Naima — disse Dina enquanto a sua vela era acesa. Uma
gargalhada ecoou em seus ouvidos, e por um momento ela sentiu o
perfume de madressilva. Um lampejo do espírito da tia, pronta para
dançar ao lado delas.
— Para a vovó — sussurrou Immy enquanto acendia a vela no fogo.
A avó dela havia morrido seis meses antes e Immy ainda sofria com a
ausência dela no casamento.
Immy arquejou e arregalou os olhos enquanto a vela ardia em uma
chama azul.
— Acho… Acho que estou conseguindo sentir ela. — Ela sorriu.
Nour apertou sua mão.
— Para a minha mãe — disse Rosemary, o rosto impassível.
A luz azul tremeluziu em sua vela; Rosemary não disse nada, os
olhos xos em algo à sua frente. Nem mesmo as bruxas conseguiam
ver os espíritos que haviam feito a passagem, mas com o dom que
Rosemary tinha, Dina não caria surpresa se a amiga conseguisse ver o
espírito da mãe diante dela. Dina viu as lágrimas escorrendo
livremente pelo rosto de Rosemary, viu como a amiga estendeu a mão
e sussurrou, “Oi, mãe”, para o campo.
Elas pousaram as velas, as chamas dançando intensas e azuis, ao
redor da fogueira. As velas da babilônia eram nas e frágeis, assim
como os espíritos visitantes que as quatro mulheres haviam ajudado a
trazer ao plano mortal por um curto tempo — não durariam mais que
três minutos.
Dina apertou o play e colocou “I Wanna Dance with Somebody”
para tocar na caixa de som portátil. Então, tirou as roupas até car
totalmente nua. Immy pareceu um pouco envergonhada, mas fez o
mesmo. Nour já estava nua e dançando ao ritmo da música, com os
cabelos soltos esvoaçando ao seu redor, assim como Rosemary.
Nour cantava a plenos pulmões. Quando chegou o refrão, Dina se
perdeu na música. Ela saltava e dançava ao redor da fogueira, fazendo
movimentos que nunca, em um milhão de anos, teria sido vista
fazendo em público.
Quando olhou para Immy, viu a amiga com a cabeça jogada para trás
de tanto rir, parecendo girar alguém em uma dança. Ela está dançando
com a avó.
Do outro lado do fogo, Dina mal conseguia ver Rosemary girando, o
cabelo ruivo cintilando à luz do fogo, o rosto iluminado por uma
felicidade incandescente.
Dina ergueu as mãos e cantou, e pensou ter ouvido uma voz de
mulher, um pouco rouca e com um leve sotaque, cantando logo atrás
dela. O vento cou mais forte ao seu redor e ela se viu girando,
jogando os pés no ar. Dina se perguntou como a tia estaria dançando
agora, se pudesse vê-la — provavelmente fazendo passos de dança
questionáveis dos anos 1980.
Dina olhou para Nour, que parecia estar pairando um pouco acima
do chão, fazendo o que parecia ser uma mistura de vários passos de
discoteca. Fazia muito tempo que não via a mãe tão feliz.
A música chegou ao clímax e Dina inclinou a cabeça para trás e
uivou de alegria. Naquela noite, todas elas estavam abandonando a
versão elegante e contida de si mesmas.
Naquela noite, elas eram seres indomáveis.
A música foi diminuindo até ela só conseguir ouvir o crepitar da
fogueira e a própria respiração ofegante. As velas da babilônia haviam
se apagado e agora eram uma mancha de cera preta na grama. Os
espíritos já haviam ido.
O
que Dina mais precisava era ter Scott dentro dela. Ao redor dela.
Por toda parte. Precisava saciar aquele desejo. Precisava dele, do
corpo dele… de tudo dele.
Desde o momento em que o vira na oresta, o luar fazendo sombra
nos músculos das suas costas, nas tatuagens que serpenteavam por seus
braços — nas formas geométricas e linhas desenhadas em seu peito e
em suas costas —, ela soube que estava perdida.
Quando Scott se virou para olhá-la e percebeu que ela estava nua, os
olhos dele se encheram subitamente de mistério e desejo. A umidade
imediatamente escorreu pela parte interna das coxas de Dina e ela
sentiu a carne latejando por ele. Ansiava por seu toque. Então Scott a
tocou, Dina se viu gemendo contra o corpo dele e foi como se eles se
encaixassem perfeitamente.
Agora, ali estavam eles. Scott fechou a porta da cabana com um
chute e se virou para olhar para ela. Sua expressão se iluminou, ávida,
enquanto ele a tomava, seu pênis se projetava com força na calça.
Dina não tinha mais qualquer controle. Ela se contorceu no abraço
de Scott, a boca colada com voracidade à dele. Os dois afundaram no
sofá, membros emaranhados, gemidos de desejo enchendo o ar.
Scott percorreu o corpo de Dina com a boca, e chupou os seios dela
com vontade. Ele a agarrou pelos quadris e a ergueu mais para cima
no sofá, enquanto abria as suas pernas. A boca de Scott encontrou
então a parte interna da coxa de Dina, distribuindo beijos breves e
bruscos na pele, mas s em chegar ao centro. Ele estava provocando,
torturando, fazendo-a esperar. Fazendo-a implorar. Ela precisava de
mais.
— Me toca, por favor.
Dina nunca havia implorado por nada na vida. Nem por um toque,
nem por sexo. E com certeza nunca por sexo oral. Mas se Scott não
pusesse aquela boca gostosa em seu clitóris naquele exato instante,
tinha certeza de que não sobreviveria.
— Não vou só tocar em você, linda — disse Scott, olhando para ela,
a voz ainda mais profunda. — Você vai gozar na minha boca até eu
mandar você parar. Se você disser “calma”, eu paro, entendeu?
Dina assentiu. Ele era mandão. Ela não tinha se dado conta de que
aquilo poderia excitá-la tanto assim.
A aspereza da barba quando Scott encaixou o rosto entre as pernas
dela era ao mesmo tempo incômoda e deliciosa.
A língua de Scott encontrou o clitóris de Dina, fazendo um arrepio
de desejo atravessar todo seu corpo. Antes que ela pudesse recuperar o
fôlego, a mesma língua separou as dobras úmidas do seu sexo,
mergulhando mais fundo. Os lábios de Scott estavam por toda parte,
chupando a umidade ali como se quisesse saboreá-la por inteiro. Dina
enganchou as pernas ao redor dos ombros dele.
— Você tem um gosto tão bom — falou ele com um gemido.
Inferno, Scott sabia exatamente o que estava fazendo. Dina se abriu
para ele, e Scott deslizou um dedo em seu calor suave.
Ela gemeu, e ergueu os quadris para levar o dedo mais fundo. Scott
aproveitou o movimento, curvando a mão para que ela pudesse ditar o
ritmo.
— Boa menina, assim mesmo — sussurrou ele, o calor de seu hálito
aquecendo ainda mais o sexo dela.
Entre a pressão da língua e dos lábios de Scott e a leve fricção da sua
barba, e agora dos dedos, Dina sentiu o início de um orgasmo se
insinuar no corpo.
— Posso te tocar aqui? — perguntou Scott, encontrando o olhar por
cima do abdômen.
Dina sentiu um toque muito leve, mais para trás, roçando a borda do
seu ânus. Como ele sabia? Ela nunca havia contado aquilo a ninguém
— o que queria, onde queria ser tocada. Como ele sabia?
— Por favor — implorou ela.
Dina não precisou pedir duas vezes. Dessa vez, três dedos
mergulharam no corpo dela, dois na frente e um provocando-a mais
atrás. A língua dele contornando seu clitóris. Fazendo as sensações se
avolumarem.
— Você é tão perfeito… cacete, Scott, aí, bem aí, isso…
O orgasmo arrebatou Dina em uma onda de êxtase que se ergueu do
seu âmago e percorreu o corpo todo. Assim que ela gozou, Scott
en ou a língua bem fundo e a tomou completamente.
Dina sentia o corpo como uma gelatina, os membros pesados,
sensíveis e deliciosamente quentes, tudo ao mesmo tempo. Ela sabia
que ele a faria gozar novamente aquela noite. A barba de Scott estava
toda molhada — com a umidade dela. Não deveria excitá-la tanto se
ver besuntando o rosto dele, mas foi o que aconteceu.
Scott gemeu, e segurou o próprio pênis, como se não conseguisse
aguentar nem mais um segundo. Ainda não era hora.
— Dina — falou ele com um gemido, enquanto ela se arrastava para
fora do sofá, empurrava-o para trás e se encaixava entre as pernas dele
para poder ver aquela ereção completa de perto.
Era… tanto! Veias grossas e pelos escuros na base. Dina se sentiu
úmida de novo só de olhar para o pênis de Scott. Já fazia um tempo
que não colocava um pênis na boca, mas estava louca para fazer aquilo
naquele exato momento.
A verdade era que, até ali, Dina nunca havia desejado realmente
fazer sexo oral em um homem e, quando fazia, era mais por uma
obrigação de retribuir. Mas agora ela queria. Não, ela precisava… dar
aquele prazer a Scott. Queria estar ali, de joelhos, por ele. Para fazer
com que ele se sentisse bem, como Scott a zera se sentir bem.
— Dina, cacete! — Scott gemeu de novo quando ela abocanhou seu
pênis.
Dina manteve os olhos xos nele enquanto brincava com a cabeça
do seu pênis, salgado, quente e pulsante. E gostou de saber que ele
também a encarava. Ela pressionou a língua no comprimento do pênis,
enquanto fazia movimentos ritmados para cima e para baixo na base
com a mão. Então alternou, levando os lábios mais para baixo e
chupando o saco dele, o que fez Scott grunhir e segurar o cabelo dela
para trás.
— Eu quero te ver. Você consegue me colocar todo na boca? —
perguntou Scott, com a voz baixa e rouca.
Dina não respondeu, apenas colocou o membro rígido todo na boca,
chupando com cada vez mais vontade, sentindo-o pulsar e car mais
grosso a cada vez.
— Boa menina, coloca tudo — sussurrou ele, enquanto arremetia os
quadris para a frente.
Scott segurou todo o cabelo de Dina em uma das mãos enquanto ela
o chupava, e deixava a língua acariciar a cabeça do pênis.
— Onde você quer que eu goze, meu bem? — perguntou Scott por
entre os dentes cerrados. — Me diz.
Dina olhou para ele, o desejo ardendo dentro dela.
— Quero provar o seu gosto.
Ela envolveu o pênis de Scott com ambas as mãos, enquanto seus
lábios pressionavam para baixo, fazendo as veias sob a pele se
destacarem ainda mais.
— Dina, Dina, cacete…
Depois de uma arremetida forte que provocou faíscas até nos olhos
de Dina, Scott gozou. O calor dele se espalhou por sua boca. Mas ela
não parou. Dina o manteve na mão, chupando-o e tomando-o, até que
não restasse mais nada.
Ele a puxou para o colo e, embora tivesse gozado, continuava duro.
Scott molhou um dedo na própria boca e limpou os cantos dos
lábios de Dina com uma suavidade que ela não esperava. E que
provocou uma sensação quente em seu peito.
— Eu baguncei o seu cabelo — falou Scott, em um tom que não era
exatamente um pedido de desculpas.
— Eu baguncei a sua barba — retrucou ela, e se deliciou com o
sorriso malicioso dele.
Como iria se cansar daquele homem algum dia?
Scott deslizou as mãos calosas pelos ombros de Dina, provocando
arrepios em sua pele. Ela estava muito consciente de que estava nua,
com as coxas abertas em ambos os lados das coxas de Scott, a vagina a
apenas alguns centímetros do pênis dele. Bastaria levantar os quadris e
se inclinar para a frente e poderia senti-lo fundo dentro dela.
Dina sempre tivera consciência de que acabava assumindo um papel
mais submisso nos seus relacionamentos, mas nunca tinha sido capaz
de ceder tanto quanto naquela noite. Era como se Scott tivesse
enxergado cada uma das suas fantasias e dado vida a elas. Dina podia
con ar nele para assumir o controle e mantê-la em segurança.
E o que ela mais queria era ser possuída por ele até perder os
sentidos.
— Ah, não, eu conheço esse olhar. — Scott a puxou para um beijo e
prendeu seu lábio inferior entre os dentes. — Você quer que eu meta
nessa linda bocetinha, não é?
— Quero.
— Hum, mas não vou fazer isso hoje. Não vou ter pressa com você,
Dina Whitlock. Vou meter em você com tanta força que você não vai
conseguir dizer nada além do meu nome.
A expectativa fez todo o corpo dela latejar.
— Mas… eu quero…
Scott acariciou os mamilos rígidos de Dina com os polegares,
fazendo-a gemer.
— Eu sei. Eu também. Mas não essa noite. Temos um casamento
para ir amanhã, lembra?
Scott deu um sorriso atrevido enquanto a erguia nos braços e se
levantava, as mãos massageando o traseiro dela. Dina sentiu os
membros relaxarem. Pensando agora, aquele tinha sido um longo dia e
ela estava exausta.
O peito dele era quente, e Dina tinha a sensação de que poderia
en ar o queixo na curva do pescoço de Scott e car sentindo o cheiro
dele para sempre. Ele atravessou a cabana com ela no colo e entrou no
quarto que estava ocupando.
— A minha cama é lá — sussurrou Dina, sonolenta, enquanto Scott
fechava a porta do quarto com o pé e afastava o edredom.
— Não mais. Você vai dormir comigo, tá bem?
— Tá bem.
Scott a deitou na cama dele, e Dina estremeceu quando a sua pele
encostou nos lençóis frios. Mas só por um momento, porque logo
Scott estava atrás dela, o calor do corpo dele contra as suas costas. Os
pelos do peito roçando a sua pele. Dina se sentia segura, em casa. Ele
deu um único beijo no pescoço dela. Dina se aninhou mais uma vez
em Scott e deixou o sono levá-la.
Capítulo 21
D
ina acordou em lençóis que cheiravam a cedro e sabonete. O
cheiro de Scott. Uma névoa ensolarada iluminava as árvores do
lado de fora, dando diferentes tons de esmeralda às folhas
perenes. As coisas que ele tinha dito a ela na noite anterior… que não
ia ter pressa com ela. Ah, deusa, aquilo já tinha sido o bastante para
fazê-la vibrar de expectativa.
Só que ela não estava nos braços de Scott, e o lado da cama dele
estava frio. Dina rolou para o lado, sentindo um frio na barriga. Aquilo
já tinha acontecido antes. Ela passava a noite com alguém, se deixava
dominar pelos sentimentos e, pela manhã, a pessoa tinha ido embora.
Quando foi a última vez que tinha sido tão melosa com alguém
daquele jeito, especialmente com um homem? Dina desejou passar o
dia deitada naquela cama, sentindo o cheiro de Scott, sem se
perguntar por que ele não estava ao seu lado.
Estava tão gostoso ali, os lençóis tão macios e quentes, talvez ela
pudesse fechar um pouco mais os olhos…
CACETE.
O casamento. A porra do casamento. Immy ia matá-la. Pior ainda,
Immy ia enforcá-la, estripá-la, esquartejá-la e servi-la numa bandeja
com a plaquinha “A pior madrinha que já existiu”. Dina pulou da
cama e saiu do quarto. Quase trombou em Scott, que estava voltando
— sem camisa — com uma caneca de café fumegante em cada mão.
— Calma — disse ele, rindo. — Para onde você está indo com tanta
pressa?
— Que horas são? — perguntou Dina com a voz aguda. — Estamos
ferrados!
— Dina, está tudo bem. Ainda são sete e meia. Você só não ouviu o
alarme. A gente ainda tem mais ou menos duas horas para se arrumar.
— São sete e meia… Eu não ouvi o alarme? Isso nunca aconteceu
antes.
Dina estacou de repente. Que espécie de magia aquele homem tinha
usado nela na noite anterior para transformá-la em uma pessoa com o
sono pesado?
— Bom, você foi dormir bem tarde — comentou Scott, mal
conseguindo disfarçar a expressão presunçosa no rosto.
Era bom que ele tivesse um rosto tão bonito, caso contrário Dina
teria se sentido tentada a apagar aquele sorriso imediatamente —
ainda mais sem ter tomado café. Como ela não havia notado antes a
pequena cicatriz acima da sobrancelha direita de Scott? Ah, merda,
Dina estava parada ali, suspirando por ele.
— Por favor, diz que um desses cafés é para mim. — Ela olhou para
as canecas fumegantes nas mãos dele.
— É, sim. Mas eu não tinha certeza de que tipo de café você
tomava, e você estava tão fofa dormindo… e roncando, aliás…
— Eu não ronco.
— Claro. Bem, você estava dormindo, então não quis te acordar para
perguntar, por isso z vários. — Scott encolheu os ombros e entregou
uma caneca a Dina. — Esse é só preto, e tem um café com leite e um
cappuccino esperando por você na cozinha.
Ela poderia se acostumar a ser tratada como uma princesa. Sem
dizer nada, Dina pousou a caneca de café preto na mesa — sua opção
preferida de café assim que acordava —, passou os braços ao redor do
pescoço de Scott e ergueu o corpo para colar os lábios aos dele.
Scott soltou um gemido que misturava surpresa e alegria e se
apressou para pousar a própria caneca na mesa para poder envolver
Dina nos braços. Como se aquele fosse o lugar a que ela pertencesse.
Aquele beijo foi diferente de qualquer um da noite anterior. Foi mais
lento, mais profundo. Os dois se demorando, conhecendo o toque dos
lábios um do outro, as respirações se misturando.
Scott se afastou e distribuiu um monte de beijinhos pelo rosto dela,
pelo queixo e pelo pescoço, provocando arrepios que a percorreram
até os dedos do pé. Eram beijos doces e carinhosos, que faziam o
coração de Dina bater em um ritmo que só costumava atingir durante
exercícios físicos intensos.
— Certo. Ótimo.
Então a sombra de Martin desapareceu, e eles ouviram seus passos
arrastados se afastando pela trilha.
Scott se voltou para Dina.
— Quem diz “copulando”? — Ele soltou uma risada.
— A Immy.
— Ah, eu devia ter imaginado. Bem, parece que recebemos as nossas
ordens. — Ele tou os seios dela com tristeza.
— Você estava falando sério? — perguntou Dina.
— Sobre o quê?
— Sobre guardar a nossa, hum, cópula para mais tarde.
Scott sorriu, aproximou mais a cabeça de Dina, e colou os lábios aos
dela. Ela saboreou o calor da boca dele, o sabor. Scott inclinou o rosto
dela para o lado e, encostado no ouvido dela, disse: — Ah, pode
acreditar, eu estava falando sério.
Capítulo 22
A
baixa isso, Immy… não me faça usar um feitiço paralisante.
— — Você não se atreveria.
— Não me provoca. Solta o delineador.
Immy deixou escapar um suspiro dramático de relutância e largou o
delineador líquido preto que vinha ameaçando usar em si mesma.
Dina se apressou a tirá-lo do alcance da noiva e jogá-lo para Rosemary,
que espertamente o guardou em algum lugar onde Immy não
conseguiria encontrar pelo menos nos próximos vinte minutos.
Dina olhou para a amiga, que naquele momento se olhava
tristemente em um daqueles espelhos de camarim, como os de
Hollywood.
— Você não está amarelando em cima da hora, não é? — perguntou
Dina.
— Não, não é nada disso. Eu só não… isso não parece comigo —
respondeu Immy, indicando com um gesto o rosto maquiado com
esmero, os olhos esfumados em tons de bronze e os lábios com um
batom nude escuro, obra de um maquiador contratado pelos pais de
Eric.
— Você está linda — disse Rosemary, e Immy respondeu com um
sorrisinho desanimado.
— Eu concordo — acrescentou Dina —, mas se não está se sentindo
bem, precisamos consertar isso, não é?
— É que eu consigo sentir o peso disso na minha pele, e esses cílios
postiços estão puxando de verdade os meus cílios para baixo. — Immy
lançou um olhar para Dina. — Você pode fazer alguma coisa para
consertar isso?
A
manhã passou num piscar de olhos. Dina, infelizmente, tinha
colocado um feitiço na porta do quarto dela na cabana que não
permitia que fosse aberta até ela estar pronta — e nas palavras
dela “com um pouco menos de tesão”. Scott tinha um milhão de
perguntas sobre a função de um feitiço que de alguma forma media os
níveis de tesão e os interpretava de modo a regular a abertura de uma
porta, como uma espécie de cinto de castidade mágico. Mas, acima de
tudo, ele estava secretamente feliz por Dina o desejar tanto, a ponto
de precisar se enfeitiçar para conseguir se arrumar a tempo para o
casamento. Seu ego exagerado temia que ela tivesse que car trancada
para sempre ali dentro.
Como Scott não era bruxo, foram necessárias algumas respirações
profundas e pensamentos aleatórios para se distrair e acalmar a
semiereção. Dina o avisou quando estava saindo da cabana para ajudar
Immy a se preparar — e, conforme combinado, Scott permaneceu
relutantemente no quarto dele até ela sair. Aquele feitiço que trancava
a porta já não parecia mais tão tolo.
Foi necessária uma quantidade obscena de força de vontade para ele
não abrir a porta do quarto e tomar Dina nos braços. Ele a encostaria
na bancada da cozinha e enterraria o rosto entre as suas coxas, só para
ouvir aquele sonzinho baixo e doce que ela deixava escapar quando
gozava, então transaria com ela em cima de todas as superfícies e
apoiados em todas as paredes da casa. Faria Dina gritar o seu nome de
joelhos naquela noite.
Mas Scott havia aguentado. Jesus, e como ele havia aguentado.
Aquele era o dia do casamento de Eric e Immy. E Scott sabia que
precisava estar ao lado do melhor amigo, tanto quanto Dina precisava
estar ao lado de Immy.
Scott encontrou Eric na suíte dele, fazendo exões de braço para
aliviar a ansiedade.
— Espero que não sejam exões de pânico — comentou Scott,
rindo, enquanto fechava a porta depois de entrar no quarto.
— Nem em um milhão de anos… você viu a Immy? Eu seria louco
— bufou Eric, sentando-se sobre os calcanhares.
Sempre tinha sido tranquilo daquele jeito entre eles. Se Scott tivesse
um irmão, ele imaginava que o vínculo deles seria muito parecido com
o que tinha com Eric.
— Comprei um presentinho de casamento — falou Scott, e pegou o
celular.
Eric ergueu uma sobrancelha e ajeitou mais uma vez a gravata.
— Ah, é?
— Toma. Dá uma olhada.
Scott entregou o celular ao amigo e viu encantado os olhos de Eric
se arregalarem.
— Isso é o que eu acho que é? Cara, você está falando sério? — Eric
puxou Scott para um abraço. — Um barco? A porra de um barco?
— Você merece. Quantos anos a gente passou remando naquele
barquinho alugado?
— Na verdade, esse é um presente para você, então.
— Para nós dois. Mas tem mais uma coisa. Aumenta o zoom. —
Scott apontou para o canto esquerdo da foto.
— Não acredito! — exclamou Eric quando se deu conta do que era.
Scott tinha batizado o novo barco de Immy. — Isso é de longe a coisa
mais brega que eu já vi, mas adorei. De verdade. Obrigado, Scott.
— O que será que a Immy vai achar disso?
— Ela provavelmente vai nos chamar de estúpidos por nos
dignarmos a fazer uma coisa tão medieval quanto dar o nome de uma
mulher a um barco, mas tenho certeza que no fundo ela vai adorar.
— Quem sabe você não leva ela pra passear também — sugeriu
Scott.
— Rá. A gente já tentou isso uma vez. A Immy fez questão de
contar quantas vezes eu joguei água nela, então cou sem falar comigo
pelo mesmo número de horas. A minha encantadora futura esposa não
gosta de se molhar, nem de sentir frio.
— Não falta muito para que você possa chamar ela só de “esposa” —
lembrou Scott com um sorriso. — Está pronto?
S
cott achou que estava em apuros antes, mas aquilo tinha sido só
uma amostra. Agora ele sabia que estava mergulhado em um
profundo atoleiro. Uma verdadeira areia movediça.
Scott disse a si mesmo que estava se esforçando muito para não se
apaixonar por Dina. De jeito nenhum ele deveria se sentir tão feliz…
não era natural.
Durante toda a tarde da celebração do casamento de Immy e Eric,
ele tinha se sentido sintonizado com Dina. O jeito como o rosto dela
se franziu de alegria quando ela apresentou a torre de pãezinhos de
canela aos recém-casados. Quando Scott fez seu discurso de padrinho,
e leu uma passagem do diário de adolescente de Eric, foi a risada dela
que ele ouviu mais alto.
A alegria obstinada de Dina estava enfraquecendo a guarda que
Scott erguera ao seu redor depois de Alice. Ele precisou recorrer a
toda a sua força de vontade para não contar a Dina sobre a intensidade
crescente dos seus sentimentos quando aquelas luzes começaram a
escapar dela. Ela tinha literalmente cintilado por causa dele — e, pela
expressão de surpresa e exultação pós-orgasmo estampada no rosto de
Dina, Scott soube que aquele momento também tinha sido especial
para ela. Em algum lugar no fundo da mente dele, sua razão gritou
que aquilo não deveria ter sido possível. Mas aquela era Dina. Tudo
nela desa ava as expectativas.
Ele queria dar prazer àquela mulher pelo resto da vida deles. Não se
cansava do sabor dela, do cheiro dela. Da forma como seus olhos se
arregalavam quando ela o tava com intensidade. Da forma como ele
tinha acordado de manhã com a boca cheia do cabelo gigante dela,
com corte de polvo, e adorado aquilo. A bondade, a inteligência de
Dina — cada faceta recém-descoberta da personalidade dela
aumentava a profundidade do seu apego.
Ele estava se enganando? Depois que aquele m de semana
terminasse e o esplendor do casamento desaparecesse na lembrança,
Dina ainda iria querer estar com ele? Sentiu um aperto no peito só de
imaginar não ver Dina todos os dias pelo resto da vida.
Mas tudo começou desse mesmo jeito com Alice, não é mesmo?, disse
aquela vozinha malvada e inconveniente em sua mente. Scott também
tinha se apaixonado perdidamente na época e, durante o tempo que
passou com Alice, seu sentimento não mudara. Mas talvez fosse
aquele o seu problema.
Ele se apaixonava fácil demais, con ava rápido demais. Não tinha
percebido os sinais com Alice — o sexo continuara bom e ele conhecia
bem o corpo dela, mas houve momentos em que sentiu que o coração
de Alice não estava presente.
Momentos em que ele era apenas um corpo ali para dar e receber
prazer sexual. Mas com Dina, Scott sentia que ela estava presente. Ela
o queria — a ele, Scott — durante todo o tempo em que estiveram
juntos. Cacete, ele já estava duro de novo só de pensar no jeito que ela
o tomara na boca na noite anterior — com vontade, tanta vontade.
Dina não tinha se incomodado com o jeito como ele cava mandão
no sexo, como assumia o comando. Na verdade, ela havia gostado.
Como se tivesse sido feita para ter prazer com ele.
Scott queria aquela boca linda em volta do pênis dele de novo, e o
batom vermelho que ela usava naquele momento de nitivamente não
estava ajudando, pois tornava os lábios dela ainda mais carnudos,
suculentos. Ele quis que aquele batom manchasse todo o seu corpo.
Scott precisava pelo menos tentar se acalmar um pouco ou não
conseguiria atravessar aquela noite. Eles haviam feito um pacto mais
cedo no closet, depois que todas as luzes utuantes se apagaram (ele
mal podia esperar para ver aquilo acontecer de novo), de que não
fugiriam para mais nenhum closet, nem voltariam para a cabana antes
que a noite terminasse. A nal, os dois eram padrinho e madrinha dos
noivos, tinham deveres a cumprir.
Deveres que envolviam principalmente empurrar copos d’água e
xícaras de espresso a tios bêbados que pareciam ter começado a tomar
prosecco cedo demais. No momento, um deles estava roncando em
uma poltrona no canto do salão.
O
coração de Dina parecia prestes a explodir no peito. Scott estaria
ali a qualquer minuto.
Ela queria que tivessem voltado juntos para a cabana — a
cabana deles —, mas quando estavam prestes a sair, o pai de Eric, um
tanto embriagado, encurralou Scott para uma conversa sobre viagens.
Ele tentou ir embora várias vezes, mas depois que os pais da própria
Dina se aproximaram e se envolveram na conversa, não houve mais
como os dois saírem juntos.
Dina ngiu que estava cansada e desejou boa-noite a todos. Scott
olhou para ela por cima da cabeça dos outros, e a viu se afastar com
uma expressão voraz nos olhos.
Vou estar te esperando, ela disse para ele apenas com o movimento
dos lábios. Mas quanto tempo ela aguentaria esperar? Já sentia a
umidade escorrer entre as coxas, a vagina sensível, ardendo de vontade
de ser tocada por ele.
Dina estava em seu quarto, iluminada apenas pela luz da lua. A lua
obviamente estava cheia naquela noite. Ela se sentia tão cheia de magia
que parecia prestes a explodir. Depois do que tinha acontecido mais
cedo, dentro do closet, ela estava um pouco preocupada com o que
mais poderia acontecer. Aquelas luzes cintilantes que surgiram quando
Scott a tinha feito gozar… era algo novo.
Mas o mais importante é que não havia perturbado Scott. Ele não
tinha fugido nem parecera sentir medo. Na verdade, Dina achava que
Scott gostava de ver o efeito que provocava nela, gostava de ver como
ela se entregava completamente quando estava com ele.
Dina não aguentava mais aquele vestido. A única coisa que queria
sobre a pele eram as mãos de Scott. Ela desabotoou o vestido nas
costas e começou a puxar as alças para baixo.
— Despir você é trabalho meu — disse uma voz baixa e rouca atrás
dela.
O corpo de Dina reagiu imediatamente à presença de Scott. Parecia
impossível, mas até o som da voz dele a deixava úmida.
— Então vem fazer isso — sussurrou ela, com a voz trêmula.
Dina o ouviu se aproximar, totalmente sintonizada com a presença
dele. A sala vibrava com uma energia impalpável, como uma
tempestade esperando para ser desencadeada. A respiração dele contra
sua nuca… os arrepios de antecipação disparando pelo seu corpo.
Scott passou os dedos na curva da cintura dela e a segurou com força
pelo traseiro. Dina soltou um gemido quando ele a tocou, e o calor das
mãos dele a fez cambalear.
— Preciso de você sem esse vestido — disse ele, a respiração
entrecortada.
Os dedos dele se ocuparam do resto do fecho e o vestido delicado
caiu no chão.
— Cacete — falou Scott com um gemido. — Esse tempo todo você
estava sem sutiã? — A boca dele encontrou a curva do pescoço dela.
— Por que não me contou?
— Você não teria conseguido esperar até agora para vir pra cá —
respondeu Dina, com muito mais tranquilidade do que sentia.
Scott riu junto ao pescoço dela.
— Você não está errada.
Uma mão se curvou para segurar um seio dela, e a outra deslizou
mais para a frente, os dedos roçando entre as coxas, puxando a
calcinha para o lado. Ele ainda não a tocou, apenas deixou os dedos se
aproximarem perigosamente do sexo quente, mas os afastou no último
instante. Dina deixou escapar um gemido de frustração com aqueles
toques fugidios e arqueou as costas, pressionando as nádegas na ereção
rme de Scott.
— Por favor — sussurrou ela.
Scott havia liberado alguma coisa nela. Dina sabia em seu íntimo
que podia entregar o controle a ele. Ela passava os dias no comando de
tudo em sua vida, trabalhando duro. Mas ali, com Scott, sentia que
podia passar o bastão. Podia permitir que ele assumisse o comando.
E… nossa, aquilo era a coisa mais excitante do mundo.
— Eu preciso de você — sussurrou ela.
Scott roçou o mamilo rígido dela com o polegar até Dina sentir um
choque de desejo percorrer todo o seu sistema nervoso. Era como se
Scott conhecesse todas as maneiras de deixá-la louca por ele.
— Você vai implorar se eu não der o que quer, Dina? — sussurrou
ele em seu ouvido, fazendo-a estremecer.
Sim, ela imploraria.
Scott arrancou a calcinha dela com um puxão.
— Vou — sussurrou Dina, enquanto ele acariciava a entrada da sua
vagina, os dedos roçando o clitóris com a intensidade certa.
Ela não sabia quanto tempo mais conseguiria aguentar.
Quando Scott mergulhou os dedos dentro dela, Dina gritou. Como
aquilo podia ser tão bom? Ela já havia se sentido daquele jeito com
mais alguém?
— Me diz, Dina. Tudo isso é pra mim? — sussurrou Scott junto ao
pescoço dela.
— Sim, tudo. É tudo pra você.
Dina estremeceu quando os dedos dele foram mais fundo, enquanto
ela montava na mão dele.
— Tão molhada — sussurrou Scott com um gemido.
A pressão intensa do pênis rígido contra as suas nádegas quase a fez
perder o controle; ele não parava de possuí-la com os dedos.
— Se inclina pra eu poder te ver — falou Scott, e Dina se inclinou
para a frente, apoiando os braços na cama.
Scott se afastou por uma fração de segundo e, quando seus dedos se
afastaram da pele dela, Dina logo se sentiu vazia.
— Por favor, por favor — gemeu ela de novo, agora de quatro.
— Que bocetinha linda — falou Scott, atrás dela, a voz traindo que
ele também estava no limite do autocontrole.
Então, de repente, o vazio acabou, e a boca de Scott estava ali,
lambendo, chupando a vagina dela. Sorvendo-a. Dina soltou um grito
de prazer quando a barba dele fez cócegas em sua pele.
Ele enterrou o rosto em seu sexo, a língua entrando fundo nela,
lambendo mais fundo e recuando. Então, os dedos de Scott tomaram o
lugar da boca, que agora tinha encontrado o clitóris dela. Ele a chupou
e a beijou até ela sentir um orgasmo súbito dominá-la. Dina arqueou
as costas de prazer, e agarrou os lençóis com força. Scott não parou —
ele continuou a segurá-la rme, enterrando o rosto mais fundo em seu
sexo.
— Boa menina — falou, e levantou Dina como se ela não pesasse
nada.
Dina cou feliz por ele estar segurando-a, já que não tinha certeza se
conseguiria usar as pernas naquele momento.
Ela tou Scott com os olhos semicerrados. Os espasmos do orgasmo
ainda a sacudiam como ondas de choque elétrico. Mas Dina queria
mais, precisava de mais.
Precisava ser preenchida por ele.
— Mete em mim, por favor — implorou ela, ainda mais úmida ao
ver como a barba dele brilhava com seus uidos mais íntimos.
Scott esticou o pescoço e capturou a boca de Dina. Ela sentiu o
próprio sabor na língua dele. Aquele beijo não teve nada de delicado.
Foi pura luxúria, rme, intenso e enlouquecido de desejo. Os corpos
dos dois entrelaçados, os dedos provocando, excitando, agarrados um
ao outro como se fossem as últimas pessoas no mundo.
— Por que você ainda está vestido? — perguntou Dina, a respiração
misturando-se à de Scott. Um impulso tomou conta de Dina e ela caiu
de joelhos diante dele.
— Tira a camisa — exigiu ela.
Scott olhou para ela, os olhos cheios de desejo. Ele tirou a camisa
pela cabeça, sem nem se preocupar em desabotoá-la.
Visto daquele ângulo ele parecia ter sido esculpido pelos deuses.
Músculos rmes e densos. Pelos pretos que desciam do peito até o cós
da calça.
Dina não conseguia desviar os olhos de Scott enquanto abria o zíper
da calça. O pênis dele praticamente saltou para fora, a cabeça grossa e
rosada escapando da cueca boxer. Ela abaixou a cueca.
E ali estava ele. Pesado, musculoso, com pelos grossos e escuros na
base. A cabeça já molhada. Um gemido escapou do fundo da garganta
de Scott quando ela o colocou na boca.
Dina queria deixá-lo louco. Queria provocá-lo. Mas no momento em
que o colocou na boca, todos os seus planos foram esquecidos. Estava
louca por Scott, queria dar prazer a ele. Queria fazê-lo se sentir tão
bem quanto ele a fazia se sentir. Scott levou a mão ao cabelo dela,
afastando os cachos do rosto.
— Você parece uma deusa, assim, de joelhos na minha frente.
O jeito como ele falou, aquela voz baixa e rouca… Dina quase
perdeu o controle. Ela o chupou, movendo a mão para cima e para
baixo, o mais fundo que sua garganta conseguiu.
— Porra, Dina — disse Scott.
Ela podia sentir as inibições dele desaparecendo quando arremeteu o
pênis mais fundo em sua boca. Dina não tinha ideia de que gostaria
daquilo, de Scott fodendo sua boca, mas ela adorou.
Então, de repente, os braços de Scott a envolveram pela cintura,
levantando-a. Ele a colocou na cama, mas não foi um movimento
gentil. Scott terminou de tirar a calça e a cueca, então se abaixou,
procurando algo nos bolsos.
— Eu preciso de você agora — grunhiu ele. — Posso ter você, Dina?
— Sim, sim — disse ela, então se recostou na cama e moveu os
quadris para car aberta para ele.
— Eu preciso pegar camisinha. Está no meu quarto — disse Scott, já
começando a se virar.
— Seus exames estão em dia? — perguntou Dina.
— Estão, posso te mostrar… tenho uma cópia deles no celular —
respondeu Scott.
Dina balançou a cabeça.
— Eu con o em você. Scott. — Ela acenou, chamando-o mais para
perto. — E eu uso DIU. A gente não precisa de camisinha.
Scott a tomou no colo, os braços fortes, as coxas musculosas
embaixo dela.
— Porra, Dina — Scott gemeu de novo quando ela voltou a pegar
seu pênis nas mãos.
Cacete, como ia caber dentro dela?
— Se você continuar fazendo isso, não tenho certeza de quanto
tempo mais eu aguento — sussurrou Scott.
— Preciso de você dentro de mim — falou Dina.
Ao ouvir aquelas palavras, Scott deixou de lado qualquer aparência
de controle.
Ele inclinou Dina para trás, com as costas apoiadas na cama, as
pernas levantadas na frente do peito dele.
A cabeça de seu pênis roçou a entrada da vagina dela, provocando-a.
— Você quer me sentir dentro de você, linda? Inteiro? — perguntou
Scott, com a voz rouca, enquanto acariciava o clitóris de Dina com a
cabeça molhada do pênis.
— Quero, Scott — sussurrou Dina, enquanto ele a penetrava em uma
estocada longa. O tamanho do pênis dele a deixou eletrizada.
Ela quase gozou ali mesmo, só com a força daquela penetração. Scott
ocupou todo o espaço dentro dela e muito mais. Ele a envolveu com o
próprio corpo, suas partes quentes e rmes pressionadas contra ela,
deixando o corpo de Dina todo mole.
S
cott às vezes se perguntava como seria não ter ossos. Aquilo
provavelmente era o mais perto que ele chegaria disso. A palavra
saciedade nem começava a descrever. O cheiro de Dina estava
impregnado nele e, depois que terminaram, os dois caram deitados
na cama, em um emaranhado de membros suados. Em algum
momento, Dina adormeceu e Scott a acordou beijando sua clavícula.
Então, continuou a distribuir beijos por todo o corpo dela, passando
pelo umbigo, até o calor entre as suas coxas. Eles se perderam mais
uma vez um no outro por algum tempo depois daquilo.
Dina saiu do quarto para se limpar e, enquanto ela estava fora, Scott
alisou os lençóis amassados. Ficou deitado na cama, olhando para o
teto, aproveitando o ar fresco da noite de outono e o som da chuva no
telhado da cabana. Não sabia bem qual seria o próximo movimento:
Dina voltaria para os seus braços? Aquilo era, sem sombra de dúvida,
o que ele queria.
Ou ela ergueria novamente a guarda? Retomaria a fachada, que
dizia: Não estou pronta para isso, recua. Ele não sabia muito bem como
reagir àquilo. Às vezes era como se ela fosse duas pessoas diferentes.
Dina estava claramente se contendo para não relaxar completamente
perto dele, estava controlando as próprias emoções.
Scott não conseguia entender o motivo, mas se fosse algo que
estivesse em seu poder resolver, então resolveria.
Agora não havia mais qualquer dúvida em sua mente de que ele
estava perigosamente perto de se apaixonar por Dina. E o sexo só o
deixou ainda mais próximo disso — se isso fosse mesmo possível. A
forma como o corpo dela o acolhera, seguro, quente, como se ela
tivesse sido feita para ele.
Scott se perguntou se deveria se oferecer para voltar para a cama
dele, caso fosse aquilo que Dina quisesse. Ele se inclinou para acender
a luminária da mesa de cabeceira, mas a lâmpada estava queimada. E
não era só aquela lâmpada: ele tentou todos os interruptores da sala.
Estavam todos sem energia.
— Promete que não vai rir do que vou te contar — disse Dina,
parada na porta do quarto, a pele ainda úmida.
— Prometo — disse ele.
Scott estava feliz por ela ter voltado para o quarto, mas como ele
poderia pensar direito agora que sabia que ela saía do banho molhada
daquele jeito? Seu pênis já estava enrijecendo de novo só de ver as
curvas deliciosas e o abdômen macio.
— Acho que eu causei um corte de energia.
— O quê? Como?
— Quando nós, hum, gozamos juntos. Acho que a minha magia
simplesmente… pfff. — Dina fez um barulhinho borbulhante. —
Então houve alguns relâmpagos e um trovão.
— Ah, desculpe, acho que não vou aguentar. Ah, não. — Scott caiu
de costas na cama. — Não estou aguentando, está pesado demais —
falou ele, com um gemido.
— O que está pesado? — perguntou Dina, aproximando-se dele.
— Meu ego… está grande, inchado demais. Como vou conseguir
carregar um ego desse tamanho agora que sei que sou capaz de, com
um orgasmo, te transformar em uma bomba eletromagnética
ambulante?
Ele soltou uma gargalhada quando Dina caiu em cima dele, então a
aninhou nos braços.
— Eu sabia que você ia car insuportável quando soubesse disso —
falou ela, mas sorria de orelha a orelha.
— Posso dormir aqui hoje? — perguntou Scott, colocando um cacho
solto de cabelo atrás da orelha dela. Ele viu o sorriso desaparecer do
rosto de Dina, deixando uma expressão insegura no lugar. — Só se
você quiser — acrescentou ele. A última coisa que ele queria era que
Dina achasse que aquilo estava indo rápido demais.
— Pode, é só que… — Ela franziu o cenho.
— O quê?
— Acho que a gente pode se machucar — disse ela, com a voz
muito baixa.
— Eu quei com raiva, mas não tanto quanto achei que caria. Foi
só uma dor profunda e aquela sensação de Ah, sim, agora tudo faz
sentido. Então, em vez de lidar com meus sentimentos, eu
simplesmente fui embora para o exterior por dois anos.
— Você estava tentando se livrar do que aconteceu.
— É, acho que sim. Mas queria não ter ido embora. Perdi tanta
coisa… Ver o meu melhor amigo se apaixonar, estar ao lado das
minhas mães. Não te deixa desconfortável ouvir sobre o meu passado?
— perguntou ele, passando os dedos pelo cabelo dela.
Scott não sabia bem quando aquilo tinha acontecido, mas os dois
tinham se en ado embaixo do edredom, os pés gelados de Dina
colados às panturrilhas dele.
— Nada desconfortável — respondeu ela, sonolenta. — Eu quero
conhecer você.
Dina bocejou, e sua cabeça cou pesada no peito dele. Em pouco
tempo, Scott ouviu a respiração dela assumir um ritmo mais lento,
com os ronquinhos mais fofos do mundo.
Ficou passando os dedos pelo cabelo dela até cair no sono também.
Capítulo 27
D
ina não conseguiu car na cama, mesmo com Scott ressonando
fundo ao seu lado. Durante a noite, ele curvara o corpo ao redor
do dela, envolvendo-a em seu perfume quente e másculo. Os
pelos do peito de Scott faziam cócegas nas costas de Dina, e sua mão
estava pousada na pele macia do abdômen dela. No início, aquela foi
uma das melhores noites de sono da vida de Dina. A oresta
sussurrava ao redor deles — estava frio lá fora, mas os dois estavam
maravilhosamente aconchegados ali embaixo do edredom. Dina tinha
dormido que nem uma pedra, ao menos por algumas horas.
Até que veio o pesadelo. Imagens de Scott coberto de queimaduras
ou deitado em uma cama de hospital, sem conseguir lembrar o nome
dela. Scott com o braço e a perna enfaixados. Scott com hematomas,
gemendo de dor. O temor se in ltrou nos sonhos dela e a manteve
refém, obrigando-a a assistir ao horror enquanto ele se desenrolava
diante dela. Toda a dor que ela causaria a ele. Scott olhando para ela, o
ressentimento em seu olhar, porque sabia que ela era a responsável por
sua dor, que ela era a única culpada. Todo mundo que te amar vai se
machucar.
Era demais para aguentar. Por isso, quando a luz do amanhecer
começou a penetrar pelas cortinas, Dina saiu da cama, certi cando-se
de que Scott ainda dormia.
Andou pela casa na ponta dos pés, se vestiu e calçou as botas. Então,
saiu da cabana, depois de fazer um feitiço rápido para abafar o som da
velha porta de madeira sendo destrancada.
Os tordos cantavam nas árvores ao seu redor e, embora fosse quase
início do inverno, a oresta estava tão viva quanto no primeiro dia da
primavera. A luz do sol brilhava dourada nas árvores, e ela ouviu
coelhos correndo pelo mato. Dina caminhou por entre as árvores, sem
um rumo especí co, só tentando espairecer. Viu ao longe a fogueira de
duas noites antes. Estava disposta a caminhar o tempo que fosse
necessário para que aquela sensação desaparecesse.
A maldição sabia o que ela sentia por Scott. Mas como ele se sentia
em relação a ela? As coisas que ele tinha dito, o jeito que a abraçara…
aquilo a fez pensar. Então havia os sinais: a queimadura na chaleira, o
incidente no labirinto. Teria sido só azar ou já era a maldição?
O medo a sugou como uma sanguessuga faminta.
Se fosse esperta, ela faria as malas e iria embora. Diria a Immy que
não queria ver Scott novamente e criaria algum tipo de feitiço para
que ele nunca mais colocasse os pés em seu café. Ele não entenderia o
porquê, e talvez fosse melhor assim.
Dina estava serpenteando por um caminho que não era trilhado
havia muito tempo, vagamente consciente de que a magia daquela
oresta a estava conduzindo a algum lugar. Uma magia tímida — do
tipo que poderia desaparecer se a pessoa prestasse muita atenção nela.
Então ela deixou-se levar, pondo um pé na frente do outro, para ver
aonde ia parar.
Dina sabia que tinha mentido para si mesma quando decidira que
dormir com Scott a faria esquecê-lo. Estava bem claro que o tiro havia
saído pela culatra. Ela não conseguia parar de pensar nele, de sonhar
em como seria se os dois pudessem retornar ao mundo real, o mundo
fora da cabana e do casamento, e ainda assim permanecerem… juntos.
Será que Scott passaria pelo café dela todas as manhãs a caminho do
museu? Não, ele iria até lá com ela, os dois sairiam do apartamento
dela (ou do dele) e se sentariam para tomar um café enquanto ela
colocava as primeiras massas de bolo no forno. À tarde, Dina iria
visitá-lo no escritório do museu e ele lhe mostraria todos os projetos
incríveis nos quais estaria trabalhando.
Dina nem percebeu que estava chorando até as lágrimas começarem
a rolar pelo seu queixo. Ela não deveria estar imaginando aquele
futuro para eles… era perigoso demais. Mas talvez… talvez desse
certo. Se o universo pelo menos lhe desse um sinal de que ela estava
tomando a decisão certa…
Dina levantou os olhos e se viu em uma clareira tranquila, embora
aquela fosse a única coisa que seus olhos conseguiam discernir. A luz
do sol, muito mais brilhante que a do morno amanhecer, entrava
através de um círculo de céu acima dela, um céu de um intenso azul
de verão. Sentiu a pele formigar com a magia que estava agindo ali,
embora não tivesse certeza se era consequência da ação de uma bruxa
ou da própria oresta. A clareira estava atapetada de campânulas.
Novembro não era a época daquelas ores. Mas ali estavam elas, um
prado denso de ores roxo-azuladas dançando na brisa, diante dos
olhos de Dina. Impossível. Mágico.
Dina sentiu um sorriso fazendo cócegas nos cantos da sua boca.
Talvez aquela fosse a maneira que o universo tinha encontrado para
lhe dizer o que fazer. Talvez, se as campânulas podiam crescer em
uma clareira em pleno novembro, ela e Scott também pudessem fazer
o impossível. Se não estivesse em seu poder quebrar a maldição, então
apelaria para uma alternativa. Encontraria uma forma de manter Scott
seguro.
S
cott estava se achando ao mesmo tempo o homem mais sortudo e
o mais azarado do mundo. Azarado porque naquela manhã, a
caminho do museu, ele tinha pisado em um bueiro aberto na
calçada e poderia ter se machucado feio. Então, escapara por pouco de
morrer esmagado por uma telha que caiu perto da estação de metrô
Russell Square. E sortudo porque tinha acabado de avistar Dina
subindo as escadas do museu em sua direção. E ela estava usando uma
legging preta justa.
Scott tentou se lembrar se havia contado a ela sobre aquela fantasia
em particular, depois que voltaram a Londres… Achava que não. Mas
a verdade era que, depois de gozarem, Scott era capaz de contar
qualquer coisa a Dina. Na maior parte das noites, eles cavam
acordados até tarde, se revezando entre conversar e fazer amor. Porque
não havia como negar que, agora, era aquilo que eles estavam fazendo.
Scott tocou a chave reserva do apartamento dele no bolso. Estava
planejando entregá-la a Dina mais tarde.
Não conseguia desviar os olhos das coxas grossas dela avançando
lentamente em sua direção. Scott tentou ajeitar o pênis já ereto de
uma forma que, com sorte, não casse muito óbvio em seu terno justo.
Dina deve ter reparado no movimento porque seus lábios se
curvaram em um sorriso travesso.
— Oi — disse ela, se deixando aconchegar no abraço dele. — Estou
vendo que sentiu a minha falta.
Só tinha se passado metade de um dia desde que Scot estivera no
café dela para comer um doce e roubar um ou dois beijos, mas Dina
não estava errada. Ela passou um dedo pelo pescoço dele,
aparentemente para checar se o amuleto ainda estava lá. Ele não tinha
tirado.
Scott a cumprimentou com um beijo e sussurrou com a voz rouca
no seu ouvido: — Essa legging é cara?
— Posso comprar outra.
Scott apertou o traseiro dela, sem se importar com as centenas de
turistas subindo e descendo a escada. Felizmente, não teriam que se
preocupar com eles por muito tempo, já que o expediente do museu
estava se encerrando.
— Ótimo — murmurou ele. — Porque essa vai ser rasgada mais
tarde.
Ele cou encantado com o arrepio que a percorreu.
Scott passou a semana toda esperando aquele dia. A exposição
estava quase pronta para abrir na terça-feira seguinte, e os retoques
nais já estavam adiantados o bastante para que a dra. MacDougall
autorizasse Scott a mostrar o espaço a Dina.
Eles seguiram pelo salão principal, a mão de Scott apoiada na parte
de baixo das costas de Dina, talvez um pouco mais abaixo do
estritamente necessário para guiá-la através da multidão que saía da
loja de suvenires.
— Achei que você deveria saber que não estou usando nada por
baixo dessa legging.
Scott gemeu e avaliou seriamente a possibilidade de arrastá-la de
volta para o escritório dele e trancar a porta.
— Porra, Dina — falou ele em um tom sufocado. — Como vou
conseguir fazer qualquer outra coisa agora que sei que tudo que separa
a minha boca da sua bocetinha é um pedaço de pano?
Foi a vez de Dina gemer.
Scott a puxou por uma porta de vidro de aparência despretensiosa.
Na semana seguinte, haveria uma multidão fazendo la para entrar ali
e visitar a exposição Símbolos de Proteção. Mas, por ora, eles podiam
aproveitar o espaço livre da horda de visitantes do museu. A sala
estaria vazia àquela hora, já que todos os retoques nais de som e
iluminação seriam feitos no dia seguinte, à tarde.
— Aqui estamos — anunciou Scott. O cartaz principal da exposição
estava pendurado acima deles, mostrando uma bolota de carvalho em
ouro feita no século XVI, provavelmente usada pela esposa de um
comerciante enquanto o marido estava viajando.
— Uau! — Dina arquejou.
Scott se virou para trancar a porta e agradeceu aos céus por seu
escritório ter apenas uma janela bem pequena. O museu estava vazio
agora, mas ainda assim ele precisava que Dina casse em silêncio.
Quando Scott se virou de novo, ela já estava sentada na beira da
escrivaninha.
— Obrigada por me mostrar a sua exposição — disse Dina, já
despindo o suéter vermelho grosso.
Por baixo, usava apenas uma camiseta na, e Scott conseguiu
distinguir com facilidade os mamilos já rígidos. Ela sabia exatamente o
que estava fazendo com ele, sentada na escrivaninha dele daquele
jeito, com as pernas abertas o bastante para que Scott conseguisse ver
o contorno entre as coxas. Sem calcinha.
Quando ela abaixou as mãos e acariciou os seios, todo o
autocontrole de Scott foi pelo ralo. Ele se aproximou e capturou os
lábios de Dina em um beijo longo e profundo. Scott não perdeu
tempo e tirou a blusa dela, buscou com a boca na mesma hora o calor
dos seios delicados. O suspiro baixo que Dina deixou escapar foi o
su ciente para que o pênis dele voltasse a car rígido, delineado na
calça.
— Tenho sonhado em ter você em cima dessa mesa — sussurrou
Scott, enquanto Dina usava as mãos para desa velar o cinto dele,
libertando o pênis.
Ela o envolveu com a mão, esfregando o polegar na cabeça sensível.
Jesus, aquela mulher ainda ia acabar com ele.
— Espero que você não tenha esquecido o que prometeu que faria
com essa legging — sussurrou ela, e mordiscou a orelha dele.
Ah, não, ele não tinha esquecido.
Scott girou Dina para que ela casse de costas para ele, pressionada
contra a mesa. Então, começou a dar beijos delicados na nuca, na
curva suave do ombro dela, saboreando os arrepios que deixava em
seu rastro.
Suas mãos calejadas pareciam ásperas em comparação com a maciez
dos seios de Dina; ela arqueou as costas enquanto ele a acariciava ali,
roçando os bicos rígidos.
— Deita na mesa — orientou ele. — Boa menina.
Dina fez o que ele pediu, e Scott lambeu a pele quente da coluna
dela até chegar ao cós da legging.
Então, ele se ajoelhou e correu as mãos pelas nádegas cheias de Dina
— Scott sempre tinha se considerado um homem que prestava mais
atenção nos seios do que na bunda de uma mulher, até conhecer Dina.
E a bunda dela iria assombrá-lo pelo resto dos seus dias se ele não a
tivesse naquele momento. Só segurar aquela carne farta e macia
embaixo da legging estava fazendo seu pau doer.
— Você tem certeza? — perguntou Scott. — Vou comprar uma nova
pra você.
— Vou te cobrar isso — sussurrou ela, e deixou escapar um suspiro
de prazer quando Scott rasgou a costura da legging em um movimento
rápido.
Ela parecia o paraíso, deitada ali, quase toda nua para ele.
— Está tentando me matar, meu bem?
As últimas palavras de Scott foram abafadas quando ele pressionou o
rosto no espaço delicioso entre as nádegas de Dina, e passou a língua
ao longo do calor escorregadio ali. E ali estava. Úmida, inchada,
pronta para ele.
— Olha só pra você, já tão molhada.
Scott lambeu o sexo doce dela com uma pressão rme, e Dina soltou
um gemido entrecortado que soou como o nome dele.
Ele a sorveu, saboreando cada lambida, chupando e beijando.
Provocando o clitóris com a língua enquanto mergulhava os dedos nas
profundezas quentes do seu sexo, uma e outra vez, até Dina se
contrair ao redor dos dedos dele e soltar um grito.
— Me diz o que você quer, Dina.
— Eu preciso do seu pau, preciso que você goze — sussurrou Dina,
olhando para Scott com uma expressão de puro desejo. Ela não
precisou pedir duas vezes.
Scott abriu ainda mais o rasgo na legging e abaixou a própria calça.
Havia algo em ter Dina quase nua, esparramada em sua mesa,
enquanto ele estava completamente vestido, que levou seu
autocontrole ao limite.
— Cacete, Dina, você é perfeita. Perfeita — sussurrou Scott,
enquanto encaixava o pênis entre as nádegas dela, se deliciando com a
vista. Ela estava tão molhada, tão pronta.
Scott a provocou, roçando a cabeça do pênis bem na entrada da
vagina, ávido para sentir seu calor suave envolvendo-o. Dina deixou
escapar um som abafado e mexeu o corpo, tentando ter mais dele do
que só aquela cabeça roçando-a e enlouquecendo-a.
— Devo fazer você implorar, Dina? — Scott se aproximou dela e
acariciou seu clitóris com o polegar.
— Por favor — falou Dina com um gemido, e aquilo foi o que
bastou.
Scott arremeteu, então, e o prazer se espalhou em cascata da cabeça
do seu pênis por todo o seu corpo trêmulo.
A
quela não era a primeira vez que Dina ia ao apartamento de Scott,
mas parecia a mais importante. Porque ela estava entrando ali
sozinha, com a sua própria chave. Quando Scott entregara a chave
a ela, em um chaveirinho que dizia “Fale com a mão de Fátima”, Dina
tinha deixado escapar um grito de alegria e o abraçou.
Agora ali estava ela, destrancando a porta. Scott só chegaria em casa
em uma hora — ele estava em uma reunião com a curadora-chefe —,
mas tinha dito a ela para se sentir em casa.
O apartamento de Scott, sem ele, não era particularmente acolhedor.
Tudo era cintilante e novo demais, e as janelas do chão ao teto, embora
oferecessem uma bela vista do rio, faziam Dina se sentir um pouco
exposta. Mas não tinha se incomodado quando Scott havia feito sexo
com ela ali, os seios contra o vidro frio.
Ele tinha feito o possível para tornar o espaço aconchegante, com
almofadas, tapetes e alguns vasos de plantas. Mesmo assim, os dois
passavam a maior parte do tempo no apartamento dela, porque Meia-
Lua era tão obcecada por Scott quanto Dina.
Naquela noite, ela havia levado um bolo de laranja e caqui do café e
logo foi preparando uma xícara de chá com as folhas que tinha
deixado ali na sua última visita. Não podia esquecer de ler as folhas de
Scott naquela noite, quando ele não estivesse olhando, para ver se
encontrava qualquer indício da maldição. Até ali, parecia que o
amuleto, as folhas de chá e os rituais de bênção da meia-noite que ela
havia feito em nome dele estavam funcionando.
Scott tinha escapado por pouco do cartaz que havia despencado no
outro dia. Aquilo tinha sido um pouco perto demais para a Dina car
tranquila — ela precisava se esforçar mais.
Dina tirou os sapatos e vestiu roupas confortáveis enquanto esperava
a chaleira ferver. Depois do incidente com a legging no outro dia, ela
passara a dar preferência àquele modelo de calça quando estava com
Scott à noite. Elas nunca continuavam inteiras por muito tempo.
Dina preparou o chá e cou diante da janela, olhando para o rio,
vendo as luzes cintilando nos restaurantes que pontilhavam a margem.
A porta se abriu atrás dela. Dina se virou e viu Scott ali, a pele acima
da barba arranhada, a lateral do corpo toda salpicada de lama.
— Calma — disse ele, sorrindo. — Eu não tô machucado.
Dina correu até Scott enquanto ele pousava a bolsa no aparador, e
começou a passar as mãos por todo o corpo dele em busca de algum
ferimento.
— O que aconteceu?
— Um ciclista me atropelou quando eu atravessei a rua. Acho que
ele não viu que o sinal estava fechado. Eu caí, por isso a lama, mas
estou bem, Dina, juro. Não é tão ruim quanto parece.
As mãos de Dina tremiam enquanto ela tirava o paletó dele. Não,
aquilo não estava acontecendo. Ainda não, por favor, ainda não. Seus
olhos se encheram de lágrimas e ela não conseguiu evitar que
transbordassem.
— Ei, ei, eu tô bem. Eu tô bem, meu amor — disse Scott, puxando-
a para os braços.
— Eu só… não quero que nada aconteça com você — falou Dina, e
en ou o rosto no pescoço dele.
— Foi só um susto. Eu sei, sinto muito — disse Scott, passando as
mãos nas costas de Dina. — Olha, tenho uma ideia — continuou ele.
Então, Scott levantou as pernas dela e as encaixou ao seu redor. Ele a
carregou pelo quarto até o chuveiro da suíte, só se afastando para tirar
as roupas de Dina pela cabeça.
— Não vamos precisar disso — disse ele.
Dina o encarou com os olhos turvos de lágrimas. E se ela o tivesse
perdido, aquele homem de quem passara a gostar tanto? Aquele
homem que a fazia mais feliz do que qualquer outra pessoa já havia
feito, que conhecia cada centímetro do corpo dela e o amava com
tanta perfeição.
O som do chuveiro sendo ligado arrancou Dina daquela espiral de
ansiedade, e ela cou observando, com um desejo crescente, enquanto
Scott tirava a própria roupa. Será que algum dia se cansaria de ver os
músculos do peitoral dele, ou a trilha escura de pelos que levava até
aquele pênis magní co? Parecia improvável.
— Entra comigo — pediu Scott, e Dina entrou no chuveiro.
Scott se colocou sob o jato d’água e passou a mão pelo cabelo até ele
car para trás. Dina sentiu uma pressão no peito. Tudo aquilo parecia
real demais.
Ela en ou o rosto nos pelos molhados do peito dele, sem se importar
em molhar o cabelo ou estragar a maquiagem — nos braços de Scott,
estava em casa.
Nada poderia estragar aquele momento.
— Dina. — Scott beijou a cabeça dela, sua voz saindo abafada pela
água.
— Humm?
— Olha para mim.
Havia uma intensidade tão grande na voz dele que Dina levantou
imediatamente os olhos. Scott afastou o cabelo dela do rosto, e Dina
piscou para tirar a água. Ele estava ali e era tudo para ela.
— Preciso te dizer uma coisa — começou, então se calou.
— Devo me preocupar?
Scott abriu um sorriso.
— Não, não deve. Só não sei como dizer isso sem te assustar, porque
também estou assustado. Sei que só se passaram algumas semanas,
mas, meu Deus, foram as melhores semanas da minha vida.
Dina quis responder com alguma frase leve e brincalhona, como “Me
sinto lisonjeada” ou “Isso é muito gentil da sua parte”, mas aquelas
palavras pareciam extremamente vazias. Ela sentia o sangue latejando
nos ouvidos e não conseguiu dizer nada.
— E eu quero que isso continue, quero que a gente continue. Porque
estou apaixonado por você, Dina. Às vezes nem parece real, como se
eu tivesse invocado você dos meus sonhos.
Ela pensou que caria zonza, mas a sua mente estava muito quieta.
Só havia o mesmo pensamento se repetindo: Ele me ama, ele me ama,
ele me ama.
Lágrimas escorreram por seu rosto. Scott as enxugou.
Ele não podia amá-la. Não devia. De repente, Dina se sentiu
desgrenhada, a maquiagem escorrendo pelo rosto, o cabelo um ninho.
Ela era barulhenta demais, desajeitada demais, sua magia estranha
demais. Não merecia o amor de Scott. Os pensamentos intrusivos
eram contagiosos e atacavam a sua mente com ferocidade.
Mas aquela voz baixa e calma dentro dela se ergueu, mais alta: Você
também o ama. Você ama Scott e é capaz de fazer isso dar certo. Você
pode garantir que a maldição não o machuque. Você vai lutar por Scott.
Ele vale a pena.
— Eu te amo, Scott. Estou com medo, muito medo, mas eu te amo.
As palavras tinham escapado de repente dos lábios dela, mas
pareciam certas, verdadeiras.
Os dois se abraçaram, e cada beijo dizia eu te amo, cada encontro dos
lábios deles dizia você me pertence.
Eles zeram amor no chuveiro, os corpos fumegando — a
necessidade de estar mais perto, ainda mais perto um do outro. Dina
envolveu Scott com os braços, sem se afastar dele nem por um
segundo. Ele a segurou junto ao corpo, como se nunca mais fosse
soltá-la.
— Eu te amo, eu te amo — sussurrou Scott enquanto o mundo
desmoronava ao redor dela.
Capítulo 30
A
mensagem de Eric chegou assim que Scott entrou na Sala de
Leitura e, embora o celular tivesse apenas vibrado, o bibliotecário
lhe lançou um olhar severo mesmo assim.
Uma pessoa no trabalho está com uma ninhada de gatinhos, quer um? A Immy
está me obrigando a pegar dois. Detesto a ideia de separar dois irmãos. A
mensagem era acompanhada de uma foto de seis gatinhos malhados
absurdamente fofos.
Deixa eu perguntar pra Dina, não sei como Sua Alteza Real reagiria. Estava se
referindo a Meia-Lua, é claro.
Homem inteligente, foi a resposta.
Scott passou os dez minutos seguintes sonhando com a ideia de
presentear Dina com um novo gatinho e ver o rosto dela se iluminar
quando ela segurasse o lhotinho agitado nos braços. Algumas noites
antes, eles haviam conversado sobre lhos. Scott ainda conseguia
sentir o alívio palpável que experimentara quando Dina lhe disse que
não queria ser mãe. Que caria feliz em ser a tia divertida dos lhos
que Eric e Immy provavelmente teriam. Scott teria tido lhos, se ela
quisesse, mas nutria os mesmos sentimentos. Sempre que imaginava o
próprio futuro, lhos nunca faziam parte dele. Mas uma casa cheia de
animais de estimação, e Dina, e viajar pelo mundo de mãos dadas com
ela — aquele era o sonho de Scott. E, com alguma sorte, ele ia
conseguir viver aquilo.
Scott tentou voltar à realidade e se concentrar na tarefa que tinha
em mãos. Faltavam cerca de dez minutos antes que a Sala de Leitura
fechasse para o almoço. A luz fria do inverno cintilava pelas janelas, o
ar externo perfumado com a tempestade de neve que se aproximava,
e a sala estava silenciosa, a não ser pelos passos arrastados de
bibliotecários e arquivistas devolvendo os livros às estantes que
pertenciam.
Ele tinha prometido a Dina que descobriria mais sobre a origem
berbere dela. Embora ainda não tivessem certeza de a que povo ela
pertencia, Scott encontrou um livro de contos populares marroquinos
do leste de Rabat, de onde era a família de Dina. E, como funcionário
do museu, ele podia pegar o livro emprestado temporariamente.
Se a localização indicada estivesse correta, só o que precisava fazer
era subir na escada de madeira e pegar o livro em uma prateleira ali
perto. A escada em questão parecia um pouco frágil e Scott torceu
para que fosse capaz de suportar o seu peso. Ele checou se as rodas
que permitiam que a escada desse a volta na prateleira estavam
travadas no lugar. A escada rangeu quando ele pisou no primeiro
degrau.
Scott subiu mais alto até avistar o livro. Só precisava se inclinar um
pouco para pegá-lo. Então, ouviu um estalo e o chão pareceu se erguer
em sua direção, enquanto tudo escurecia.
Capítulo 31
M
eia-Lua soltou um miado agudo que só podia signi car uma
coisa: Dina era uma mãe cruel, muito cruel, que merecia ir para
a cadeia por nunca alimentar sua pobre e preciosa gata.
— Eu sei, eu sei. Prisão para a mamãe. Mil anos de prisão —
murmurou Dina com sua melhor voz carinhosa, lembrando uma
senhora rica da pequena nobreza rural.
Meia-Lua estava particularmente impaciente naquela manhã,
enquanto Dina se vestia para o trabalho — ela optou por um suéter
creme de gola alta que a manteria aquecida. Dina abriu um pouco a
janela, e a brisa fria de novembro fez Meia-Lua correr em direção ao
edredom ainda quente. Não havia nada melhor do que aquela
primeira lufada de ar fresco pela manhã.
Dina dormia melhor quando Scott estava com ela, mas eles tinham
passado a noite separados porque ela cara até tarde no Dedo do
Destino para preparar os pães e doces que serviria naquele dia. Dina
estava trabalhando em uma receita de madeleines que lembravam a
sensação de um primeiro beijo, mas Scott não parava de surgir em sua
mente e, antes que ela se desse conta, já tinha preparado madeleines
com desejos carnais demais para que pudesse servir a qualquer cliente.
Era impressionante a rapidez com que a vida dela se adaptara à
presença de Scott e como tudo parecia natural entre eles. Dina
descobriu que, com o passar dos dias, conforme a vida de Scott se
entrelaçava cada vez mais à dela, se pegava pensando cada vez menos
na maldição. Ela continuava a ler as folhas de chá dele, e Scott ainda
usava o colar contra mau-olhado, e tudo parecia estar funcionando.
Talvez não fosse uma maldição tão poderosa quanto ela pensava.
Talvez tivesse enfraquecido com o tempo.
Dina inalou o ar frio e sentiu uma pontada mágica de expectativa.
Talvez aquele fosse o motivo de Meia-Lua estar miando e parecendo
inquieta. Havia uma nevasca se aproximando. O ar gelado entrando
por seu nariz e o cheiro de ozônio no ar denunciavam aquilo.
Como uma familiar, Meia-Lua tinha um jeito estranho de perceber
as coisas antes mesmo dos sentidos bruxos de Dina. Dina se virou e
viu a gata sentada ao lado da tigela de comida, olhando carrancuda na
direção da dona, parecendo mal-humorada. Ou talvez fosse só fome
mesmo.
Dina tomou um café da manhã rápido, mingau com bananas e maçãs
caramelizadas, e acrescentou canela o bastante para aquecer o rosto e
movimentar a circulação. O celular tocou na mesa de cabeceira.
— Oi, mãe, o que houve? — falou Dina ao atender.
— Dina, é sua mãe.
— É, eu sei, mãe. Está tudo bem? — O tom nervoso de Nour não
era um bom presságio.
— Não, habiba. Sonhei com você ontem à noite. — A voz de Nour
estava séria.
Dina não a culpava — os sonhos da mãe sempre costumavam ser
mais como visões, até mesmo os mais estranhos e surreais acabavam
de alguma forma se tornando realidade.
— O que aconteceu no sonho?
— Você estava construindo uma muralha. Uma muralha enorme. E
eu estava do outro lado, com o seu pai, e o Scott estava lá, e a gente
cou gritando para você parar. Mas você não ouviu. A muralha foi
cando cada vez mais alta, só o que eu conseguia ver era você
chorando do outro lado e eu não tinha como ir cuidar de você. Aí
acordei. — Nour soltou um longo suspiro do outro lado da linha. —
Isso signi ca alguma coisa para você? — perguntou.
Dina cou olhando para o nada em silêncio, os olhos xos na
bancada da cozinha, sem piscar.
Uma dormência invadiu seu corpo. Aquilo signi cava, sim, algo para
ela. Signi cava que seus piores medos estavam se tornando realidade.
A magia da mãe nunca mentia. Havia uma muralha muito real entre
eles, no formato de uma maldição. Mas se Scott estava do outro lado
daquela muralha… bem, aquilo signi cava que ele não estava seguro.
Dina abriu a boca para falar, para contar à mãe sobre o feitiço. Mas a
vergonha a sufocou. Então ela respondeu:
— Não, mãe. Não sei o que pode ser. Você acha que eu devo me
preparar para receber más notícias? — Ela provavelmente estava
soando indiferente demais, e se perguntou se seu tom dissimulado era
muito óbvio.
— Você tem certeza de que não sabe do que se trata? Pode ter a ver
com o Scott? — insistiu a mãe.
— É claro que não! — respondeu Dina, com uma ênfase excessiva.
Felizmente a mãe não fazia videochamadas. Dina duvidava que fosse
capaz de esconder a súbita palidez do seu rosto ou a sensação de peso
em seus membros.
— Ora, tudo bem então. Mas mantenham os olhos abertos, os três
olhos! — disse Nour, e Dina ouviu um som abafado atrás da mãe.
— Farei isso… que som é esse?
Dina ouviu um leve estalo.
— Estou só queimando um pouco de sálvia ao lado do telefone.
Talvez isso ajude de alguma forma — disse a mãe, séria.
— Vou ter cuidado, mãe. Não precisa se preocupar comigo.
— Ah, Dina, só o que eu faço é me preocupar. Esse é o meu
trabalho como mãe.
A
primeira coisa que Dina fez a caminho do hospital foi ligar para as
mães de Scott. Então para Eric. Estavam todos a caminho, mas
demorariam pelo menos mais uma hora até chegarem ao hospital.
Ela cou andando de um lado para o outro na sala de espera, lançando
a distância todo tipo de feitiço e encanto de que conseguia lembrar.
A culpa a corroía por dentro. Aquilo era culpa dela. Ela sabia que a
maldição ainda estava ativa, tinha visto os sinais e os ignorara. Se
alguma coisa grave acontecesse a Scott, a culpa seria dela.
Ele tinha que acordar. Tinha que car bem.
— Dina? — Uma enfermeira apareceu na sala de espera. — Scott
está acordado.
Ela correu até ele.
— Oi, meu bem — falou Scott, deitado na cama do hospital, o rosto
pálido, um curativo no lado direito da testa. — Eu tô bem.
— Que merda, Scott. Eu quei com tanto medo. — Ela deu um
beijo nele e enterrou o rosto em seu pescoço.
— Eu também. Acordei no pronto-socorro, mas não me deixaram
ver você até eu fazer o exame. Eu tô bem, não tem hemorragia
interna. Aparentemente, cortes na cabeça sangram bastante, o que faz
com que pareçam piores do que realmente são. Acho que quase matei
de susto a bibliotecária que me encontrou.
Ela estremeceu só de imaginar a cena.
— Tá doendo? — perguntou ela.
— Só um pouquinho. Tiveram que dar alguns pontos. Acha que vou
car com uma cicatriz descolada?
Dina deu um tapa brincalhão no peito dele.
— Não se atreva a me fazer rir agora.
— Os paramédicos disseram que tive sorte por ter batido a cabeça
onde eu bati. Mais alguns centímetros para a esquerda e poderia ter
causado um estrago grande.
E se ele não tiver tanta sorte da próxima vez?, pensou Dina. A
maldição estava se tornando mais forte, parecia estar se esforçando
para garantir que Scott se ferisse. Se Dina não o deixasse agora, aquilo
certamente o mataria. E ela não conseguiria viver com aquilo.
Dina segurou o rosto dele entre as mãos, fazendo o possível para
memorizar cada traço. Ela beijou as bochechas, os olhos, os lábios
dele. Passou o dedo pela barba bem-cuidada. As lágrimas escorriam
livremente por seu rosto.
— Meu bem, o que está acontecendo?
Ela o amava tanto… como ia falar aquilo?
— É tudo culpa minha — falou Dina, com a voz abafada pela
camisola do hospital que Scott usava.
— O que é culpa sua?
— Essas coisas ruins que estão acontecendo com você. O fato de
você estar toda hora se machucando.
— Dina, foi só uma escada velha e bamba que algum funcionário da
manutenção esqueceu de consertar. Você não tem culpa de nada disso.
Ela levantou os olhos para o rosto dele e Scott lhe enxugou as
lágrimas com o polegar.
— Por favor, escuta o que eu vou te contar — sussurrou Dina.
Como não estava disposta a soltá-lo nem por um segundo, Dina se
aninhou ao lado de Scott, os braços passados rmemente ao redor do
pescoço dele.
Então, respirou fundo e começou a falar: — Quando eu era mais
nova, uma pessoa me lançou uma maldição. Não foi por querer, mas
aconteceu. Essa pessoa me amaldiçoou de um jeito que todos que se
apaixonam por mim se machucam. Está entendendo? Tudo isso é por
causa da maldição. Todos os acidentes que você sofreu desde que me
conheceu. Desde que se apaixonou por mim… — A voz dela travou
com um soluço. — E isso nunca vai parar. Daqui em diante, só vai
piorar.
Scott balançou a cabeça. Ele parecia não querer acreditar nela. Dina
esperou um instante, e cou observando enquanto ele assimilava a
verdade das suas palavras e cerrava os lábios.
— Você pode reverter a maldição? Ou quebrá-la?
— Já tentei muitas coisas. Nada funcionou.
Scott respirou fundo.
— Meu Deus, Dina. Por que você não me contou? Quanto tempo
isso dura? Talvez a maldição simplesmente perca energia depois de um
tempo. As outras pessoas caram por perto tempo o bastante para
descobrir?
Scott estava com raiva. Estava bravo por ela não ter contado a ele. E
Dina sabia que merecia aquilo.
Até ali, ela não tinha levado em consideração a possibilidade de a
maldição perder energia com o tempo. Mas não, era perigoso demais
arriscar. Além disso, se a maldição tinha continuado em pé todos
aqueles anos, Dina duvidava que fosse desaparecer no momento em
que nalmente tinha a chance de funcionar de verdade.
— Acho que não — falou ela.
— Tem como neutralizar a maldição?
— Foi o que eu tentei, com os amuletos na sua correntinha. E tenho
lido as suas folhas de chá. Mas está cando mais forte.
Os olhos de Scott suavizaram e ele a puxou mais para junto de si,
para um beijo.
— A gente consegue dar um jeito nisso, Dina, por favor, não desiste.
Vamos pensar em alguma coisa. E se…
— Tem uma coisa que a gente pode fazer — interrompeu Dina. Ela
começou a se levantar, a se afastar dele.
— Não. Vem cá — disse Scott, de braços abertos. Ela balançou a
cabeça. — Você quer ir pra casa? Que tal ir até o meu apartamento
um pouco e levar a Meia-Lua?
— Eu tenho que ir embora, Scott. Se eu car aqui, se eu car… com
você, você vai acabar se machucando feio. — Dina sufocou um soluço.
— E não quero que se machuque por minha causa nunca mais.
— Dina, meu bem, o que você está dizendo?
— A gente não pode continuar com isso. Com… a gente.
— Como assim? Eu não dou a mínima para o que uma maldição
qualquer quer fazer comigo. Vou lutar contra isso, Dina. Você é a
melhor coisa que já aconteceu na minha vida e não vou abrir mão
disso.
— Essa escolha não é sua, Scott. A maldição é minha… o fardo é
meu.
Scott a puxou para um beijo. Dina abriu a boca avidamente e os
lábios dos dois se encontraram com força, os corpos pareciam prestes a
derreter. O tempo pareceu parar por alguns instantes, mas quando
Dina recuou, lágrimas ainda cintilavam nos seus olhos.
— Preciso que você saiba que só estou fazendo isso porque eu te
amo — disse ela em um tom baixo demais, decidido demais.
— Dina…
— Por favor, não torna isso mais difícil para mim, Scott! — implorou
ela. Então voltou para os braços dele. — Se você quiser — falou Dina,
a voz trêmula —, posso fazer com que se esqueça de mim.
— Não se atreva — grunhiu ele.
— Eu te amo — sussurrou Dina, então saiu correndo do quarto.
D
ina era uma tempestade ambulante, e qualquer um que entrasse
em seu raio de destruição sentiria a sua ira. Só que a ira de Dina
era mais parecida com uma dor profunda e escaldante, e se
manifestava para quem passava por ela na forma de cocô de cachorro
na sola do sapato, guarda-chuvas quebrados e rajadas de vento que
faziam os de cabelo grudarem no brilho labial. Dina não fazia nada
daquilo de propósito, mas a sua magia estava transbordando dela.
Como tinha medo de que a sua magia pudesse causar falhas de sinal
que poderiam acabar derrubando toda a rede de metrô, Dina decidiu
voltar a pé para casa, e estava com os pés doendo quando deu os
últimos passos até a porta da frente.
No momento em que fechou a porta, ela se jogou no sofá e enterrou
o rosto nas almofadas. Dina sufocou os soluços ali sem nem se
importar que o rímel manchasse todo o tecido. Depois de um tempo,
sentiu o movimento hesitante da cauda de Meia-Lua e o farejar
cauteloso junto ao rosto. Dina virou de lado para que a gata se
encaixasse no seu colo, massageando o abdômen de Dina com as
garrinhas a adas.
— O que você vai preparar hoje, madame Meia-Lua? — Dina
fungou, fazendo cócegas no queixo da gata, que continuava a
massageá-la.
Ela gostava de imaginar Meia-Lua com uma touquinha de padeira e
uma vez até tentou tricotar uma — mas Meia-Lua se opôs com
veemência quando Dina tentou colocar a touca nela. Dina não saberia
dizer quanto tempo cou ali, acariciando o pelo preto e macio da gata,
mas lentamente a dor em seu peito começou a suavizar, como se
dedos gentis estivessem afrouxando um nó apertado, pouco a pouco.
A dor não tinha passado, mas estava um pouco mais silenciosa.
Meia-Lua acordou Dina horas depois; a sala estava banhada pela luz
da rua. A gata miou, encostou o focinho no braço de Dina, então foi
se postar ao lado da tigela de comida.
— Que falta de consideração da minha parte. Dormi durante a hora
do seu jantar.
Quando se levantou, seu corpo inteiro doía, mas Dina se arrastou até
a cozinha mesmo assim e serviu o jantar de Meia-Lua.
Toda a magia que havia vazado dela no caminho para casa parecia ter
cobrado o seu preço, e ela se sentia esgotada. Embora também
pudesse ser apenas tristeza.
O celular tocou e Dina atendeu, sem nem sequer checar para ver
quem estava ligando.
Immy e Rosemary surgiram na tela.
— Dina, ah, Dina, meu amor, você está bem? — perguntou Immy.
Dina viu a imagem minúscula do seu rosto no cantinho da tela:
inchado, vermelho e manchado de lágrimas.
— Eu estraguei tudo — falou ela, a voz saindo como um grasnado.
Eric provavelmente contara a elas o que tinha acontecido.
— Você vai car bem, estamos aqui pra te ajudar. Conta o que
aconteceu — pediu Rosemary, seu vídeo estava um pouco mais lento,
já que ela ligava dos Estados Unidos.
Dina respirou fundo e contou às duas sobre os feitiços e sobre o
acidente, falou também que amava tanto Scott que tinha sentido seu
coração se partir.
O sono, por mais curto que tivesse sido, tinha clareado um pouco a
sua mente. Alguma coisa semelhante a esperança sussurrou em seu
peito. Suas amigas, e agora a sua gata, tinham lhe dito o que ela
precisava fazer. E Dina estava inclinada a concordar. Era hora de
confessar tudo, de contar à mãe sobre a maldição.
Capítulo 34
E
ntão, deixa eu ver se entendi: quando estava na escola de
— confeitaria, você lançou um feitiço do destino em um cara que
estava namorando, mas o tiro saiu pela culatra quando ele sem
querer te lançou uma maldição, para que todos que se apaixonassem
por você acabassem se machucando. E você e o Scott terminaram
porque a maldição estava tentando matá-lo, e a sua mãe está chorando
no quarto e fazendo nevar dentro de casa porque você nunca contou
nada disso a ela. É isso?
Robert Whitlock se encostou na bancada da cozinha, com uma
caneca de café já frio na mão.
Se você deixar de lado a parte de que sou queer, então, sim, pensou
Dina.
— É, é isso — disse ela apenas.
O pai soltou um longo suspiro, então se aproximou para apertar o
ombro da lha.
— Você sabe que pode nos contar qualquer coisa, nós nunca te
julgaríamos.
Dina apoiou a cabeça no braço do pai enquanto ele acariciava o seu
cabelo, e se perguntou se ele estaria certo.
Ela havia chegado na casa dos pais com a intenção de confessar tudo,
mas a maneira como a mãe reagira quando soube da maldição, mesmo
Dina não esclarecendo que Rory era uma mulher, a fez duvidar de
como aquela informação adicional seria recebida. Nour tinha
considerado o segredo da lha uma afronta pessoal.
Robert suspirou e deixou o café de lado.
— É melhor eu ir ver como está a Nour. Daqui uma ou duas horas
ela já vai estar bem.
Dina duvidava. Depois que o pai saiu da sala e subiu as escadas, ela
foi para o pátio da casa e cou vendo a neve cair na cerâmica colorida
do piso.
A casa tinha cado satisfeita ao ver Dina, e a chaleira assoviou
animadamente no momento em que ela destrancou a porta, mas saber
da maldição havia deixado a mãe chateada e a casa confusa. Estava
nevando e um frio intenso pairava no ar. Ao mesmo tempo, o fogo
crepitava alegremente na lareira, exalando um aroma de pinho e
canela.
Dina tinha certeza de que, se subisse para o quarto da sua infância,
encontraria a cama aconchegante, aquecida com bolsas de água quente
e o som da chuva batendo na vidraça — ela só conseguia dormir assim
na adolescência. Meia-Lua rondava seus pés, batendo suavemente nas
panturrilhas dela. Dina pegou a gata e a embalou como um bebê, o
que Meia-Lua suportou com uma expressão resignada.
Depois de algum tempo, a neve parou de cair, e o céu mágico acima
do pátio, que na verdade era apenas um telhado, se coloriu de um
violeta profundo salpicado de estrelas. Dina ouviu os passos arrastados
do pai descendo as escadas.
— Ela pediu pra te ver — falou ele, com um sorrisinho débil.
Dina estaria mentindo se dissesse que não estava com medo de ver a
mãe. Emoções fortes tornavam as bruxas mais voláteis, e Nour já não
era exatamente uma pessoa calma. Mas quando entrou no quarto dos
pais, encontrou a mãe sentada de pernas cruzadas na cama, segurando
um livro antigo.
— Aji hdaya — disse Nour. Vem cá.
Dina obedeceu e, no momento em que se sentou ao lado da mãe, foi
puxada para um abraço.
— Benti, me desculpa — falou a mãe. — Em primeiro lugar, por
nunca ter notado isso. Eu não entendo, a minha magia… — Nour
olhou impotente para as mãos. — Eu deveria ter visto a maldição na
sua aura.
— Está tudo bem, mãe. Eu também pensei nisso. Parte de mim se
pergunta se escondi isso de você com a minha própria magia.
Nour assentiu lentamente, re etindo.
— Encontrei algo que acredito que você vai achar interessante —
falou.
Uma gaveta se abriu e um par de meias voou na cabeça de Nour.
— Desculpa. A casa que encontrou — corrigiu ela.
Nour inclinou o livro na direção de Dina. Compêndio de feitiços de
Madre Ágata, dizia o título. Estava puído nas bordas, a lombada
rachada; parecia ter sido muito amado.
— Quem é Madre Ágata? — perguntou Dina.
— Sinceramente, não sei bem. Esse livro estava no sótão quando nos
mudamos e eu o consultei algumas vezes, mas quem quer que fosse
essa pessoa, os feitiços dela não fazem o meu estilo. Mas tem uma
página aqui em que acho que a gente deveria dar uma olhada.
Nour sacudiu o pulso, as páginas foram virando até parar em uma.
Dina respirou fundo.
No alto da página estava anotado: “Um feitiço para mudar o seu
destino”, no que provavelmente era a letra de Madre Ágata. Embaixo,
Dina viu muitos dos mesmos componentes que, anos antes, ela havia
usado em seu feitiço para atrair Rory de volta.
— É tão parecido… — disse ela, passando o dedo pela página.
— Olha ali — falou Nour, apontando para uma nota na margem.
— “Somente bruxas de uma linhagem forte serão capazes de lançar
ou neutralizar efetivamente um feitiço do destino” — leu Dina em voz
alta. — “Se a pessoa sobre quem o feitiço foi lançado car
inconsciente em algum momento ao longo do primeiro mês do feitiço,
ele não terá mais efeito”.
Mas aquilo signi cava…?
Dina olhou para a mãe, que estava sorrindo.
— Mas Rory cou inconsciente. E… não tinha uma linhagem bruxa,
tenho quase certeza disso.
Durante todos aqueles anos, Dina tinha achado que Rory havia
aproveitado o feitiço do destino e o transformado em uma maldição,
empurrando a magia de volta para Dina. Mas se o feitiço do destino
tivesse se dissipado antes de Rory recuperar a consciência no hospital,
então não havia magia para Rory controlar. De jeito nenhum ela
poderia ter enfeitiçado Dina.
Nour assentiu.
— O feitiço não foi jogado de volta em cima de você, porque foi
quebrado no momento em que Rory sofreu o acidente.
— Mas estou com uma maldição, mãe. Mesmo que não tenha sido o
feitiço do destino que deu errado, mesmo que não tenha sido Rory, eu
de nitivamente estou amaldiçoada.
Mas se Rory não a amaldiçoara, quem teria feito aquilo?
Capítulo 35
J
untas, Dina e Nour desenharam um círculo de sal no quarto de
Dina e colocaram uma vela no centro. Nour tinha pedido a Robert
para não incomodar, pois se tratava de um assunto de bruxaria do
mais alto nível, mas ele fez questão de que elas comessem alguma
coisa antes de começar.
— Precisamos ir até o fundo dessa história, habiba — tinha dito a
mãe. — Se carmos acordadas a noite toda, vamos descobrir quem
jogou a maldição em você e como a gente pode quebrá-la.
Para começar o feitiço, elas lavaram os braços até a altura do
cotovelo com água de rosas, deixando o ambiente com um aroma
oral. Aquilo limpava a magia e fazia com que funcionasse bem.
— Senta bem no meio do círculo, benti — ordenou Nour.
Dina tinha deixado a mãe guiá-la naquele ritual, já que a magia de
Nour tinha muito mais vidência.
A mãe lhe entregou uma vela acesa, então se sentou à sua frente no
círculo.
— Como funciona? — perguntou Dina.
— Quando estivermos prontas, vamos apagar a vela e na fumaça
acima dela vai aparecer o nome da pessoa que te amaldiçoou. Agora,
ca quieta e me deixa fazer a minha magia.
Elas caram sentadas em silêncio, a chuva batendo forte nas janelas
escuras, a sala banhada apenas pelo brilho quente das velas. Nour
franziu o cenho, as mãos com a palma voltada para cima, enquanto
murmurava um feitiço, baixo demais até para a própria Dina ouvir.
Dina cou olhando para o rosto da mãe, a imagem de como ela
mesma seria dali a trinta anos. Leves pés de galinha marcavam o canto
dos olhos castanhos, e manchas de idade começavam a aparecer no
alto das maçãs. Nour tinha a habilidade mágica de removê-las, se
quisesse, é claro. Mas sempre tinha sido a favor de envelhecer com
graciosidade. Ela aceitava inclusive os os brancos que agora
oresciam em suas têmporas, e dizia que eles a faziam parecer distinta
e elegante.
Nour abriu os olhos, e por um momento eles cintilaram como
âmbar.
— Apaga a vela — sussurrou.
Dina obedeceu, e o pequeno rastro de fumaça se elevou no ar. Por
um segundo, nada aconteceu; então, letras começaram a se formar
diante dos olhos dela.
— Ah, exatamente como eu suspeitava — disse Nour, com um tom
solene.
As letras pairaram claramente acima dela antes de se dissiparem.
Havia apenas um nome na fumaça.
Dina Whitlock.
Capítulo 36
S
cott tentou pela quarta vez dar o laço na gravata-borboleta. Dessa
vez, cou um pouco torta, mas ele não estava nem um pouco
disposto a começar do zero. Scott se olhou no espelhinho de seu
escritório e afastou o cabelo dos olhos. Não tinha dormido bem; todos
perceberiam pelas suas olheiras.
— Obrigado por se juntarem a nós essa noite para celebrar a
abertura da exposição Símbolos de Proteção: a arte mística dos talismãs
de todo o mundo. Gostaria de agradecer… a quem é que eu quero
agradecer mesmo? — Scott se virou para checar as suas anotações.
Decorar o nome dos patrocinadores, dos doadores e dos inúmeros
museus de todo o mundo que tinham cedido artefatos — apenas
temporariamente, é claro — tinha lhe tomado a maior parte da tarde.
Era uma exposição grande e Scott não queria deixar ninguém de fora,
nem se atrapalhar durante o discurso.
A dra. MacDougall estava contando que aquela exposição fosse um
sucesso. Aquilo provaria que ela havia acertado ao contratar Scott
como curador, por mais jovem que ele fosse.
E, se desse tudo certo, ele teria muito mais facilidade para apresentar
as suas ideias menos convencionais.
O nervosismo o dominou por um instante — havia uma sensação de
vazio, de náusea em seu estômago. Scott era uma pessoa bastante
autocon ante, mas não tinha feito muitos discursos na vida, tampouco
em uma noite de gala. Suas mães estariam lá, assim como Eric e
Immy. Faltava uma pessoa, é claro — a pessoa que ele mais queria que
estivesse ali e a única que não estaria.
Dina saberia o que dizer para acalmá-lo. Ela teria pressionado os
lábios naquela ruga entre as sobrancelhas dele até transformar o cenho
franzido em um sorriso. Ele sentia falta da risada tilintante dela e do
jeitinho como ela torcia o nariz quando sentia algum cheiro ruim — o
que acontecia com frequência em Londres.
A sensação de vazio no estômago se expandiu até uma dor oca fazer
todo o seu corpo latejar. Seria assim a partir de agora. Eric tinha dito
que a dor diminuiria com o tempo, mas aquilo ainda não havia se
provado verdade.
O mais esquisito de tudo era que quanto mais tempo passava sem
Dina, mais certeza tinha de que o amor dos dois era daquele tipo que
só acontece uma vez na vida. Do tipo “quero envelhecer com você ao
meu lado”.
— Você só precisa aguentar mais essa noite — disse Scott ao seu
re exo, então en ou as anotações do discurso no bolso do paletó azul-
marinho.
Podia ouvir brindes em taças de champanhe enquanto descia os
degraus que levavam ao salão principal. Já estava escuro do lado de
fora — a nal, era novembro —, mas a luz intensa das luminárias e dos
candelabros — instalados às pressas naquele dia para o evento — dava
ao ambiente um brilho cintilante. Scott havia tropeçado em um
daqueles candelabros pouco antes, um que ainda não havia sido
pendurado.
Todos os convidados e convidadas usavam trajes de gala, algumas
com vestidos so sticados que iam até o chão, em tons profundos de
esmeralda e vermelho. Ele apertou a mão de alguns conselheiros e
patrocinadores do museu, todos pessoas importantes que tinham a si
mesmas e às suas contribuições em alta conta. Não que Scott tivesse
qualquer intenção de deixar transparecer a sua opinião.
Em vez disso, ele continuaria a organizar exposições, a devolver
artefatos aos seus países de origem e a mostrar aos visitantes as partes
peculiares e maravilhosas da história deles. Mas havia alguns
obstáculos a serem superados antes — e aquela noite era um deles.
— E esse jovem é o cérebro por trás da Símbolos de Proteção — disse
a dra. MacDougall, indo na direção de Scott, acompanhada por um
homem bem-vestido de aparência despretensiosa. — Scott, esse é o dr.
Benhassi, do Museu d’Orsay.
Scott apertou a mão do dr. Benhassi, sem acreditar que estava
falando com o curador-chefe de uma das maiores galerias de arte de
Paris.
— É uma honra conhecê-lo, dr. Benhassi. — Scott sorriu.
O
evento em que se acendiam as luzes de Natal em Little Hathering
era um espetáculo imperdível. Pessoas de todas as cidades e
vilarejos vizinhos se reuniam na movimentada rua principal para o
des le das lanternas e, mais tarde, para o grande momento em que as
luzes eram acesas — que começava com a árvore de Natal da cidade e
seguia com a iluminação de toda a rua.
Aquela era uma das noites favoritas de Dina. O aroma
condimentado de vinho quente e de empadões de carne, os corais de
canções natalinas um pouco desa nados e a alegria das crianças
exibindo as lanternas que tinham feito na escola. A Inglaterra era tão
escura no inverno… eles precisavam daquelas luzes cintilantes para
não afundarem na escuridão dos meses mais frios e dos dias mais
curtos. Ao seu redor, as pessoas andavam para cima e para baixo na
rua principal, parando na padaria para comprar pão de mel fresquinho
ou comemorando quando ganhavam um ursinho de pelúcia na barraca
de pesca.
Mas Dina tinha uma missão. Ela carregava precariamente em cada
mão dois copos de papel com chocolate quente, da barraca da sra.
Bailey. Era o melhor da cidade — feito só com coisas boas: lascas de
chocolate amargo de verdade, com generosas porções de açúcar.
Certa vez, Dina tinha dito à sra. Bailey que talvez casse bom se ela
adicionasse uma pitada de canela e um pouco de óleo de laranja no
chocolate quente. Desde então, Dina ganhava chocolates quentes de
graça sempre que a sra. Bailey a via, como um agradecimento pelo
salto que seus negócios haviam dado.
Dina realmente não achava que havia feito tanta coisa assim para
merecer chocolates quentes grátis para o resto da vida, mas não estava
disposta a reclamar.
Depois de quase derrubar um deles em uma criança que balançou
alguma coisa cintilante diante do seu rosto, Dina cou aliviada por ter
lançado um feitiço de equilíbrio em si mesma antes de pegar os copos.
Scott tinha se oferecido para ajudar, mas ela lhe disse para não sair
dali, já que ele estava guardando lugar para eles perto da grande árvore
de Natal.
O celular dela vibrou no bolso, e Dina se perguntou se seriam Immy
e Eric avisando que tinham chegado. Ela pousou os chocolates quentes
em um banco e pegou o celular.
Era uma mensagem de Rosemary no grupo das três amigas.
Trago notícias! Con rmaram a data de início das lmagens — estarei em
Londres em breve!
Dina respondeu com todos os emojis animados que conseguiu enviar
com apenas um dedo livre. No ano seguinte ao casamento de Immy e
Eric, Rosemary tinha ido visitá-los algumas vezes, mas agora, com as
lmagens, ela passaria meses no Reino Unido. Dina mal podia esperar
para ver a amiga.
Ela fez o possível para voltar correndo para onde estava, porque
sabia que Immy e Eric não cariam até muito tarde depois que
chegassem: o parto de Immy estava previsto para dali a seis semanas e
nenhum feitiço conseguiria ajudá-la a car de pé por muito tempo.
Mas a verdade era que aquilo não era assim tão surpreendente,
levando em conta que ela estava grávida de gêmeos.
Dina sorriu ao se lembrar de quando Eric e Immy tinham lhe dado a
notícia. Ela tinha cado muito feliz por eles e soube na mesma hora
que adoraria ser a tia divertida e diferentona. Ter lhos não era algo
que ela ou Scott desejavam, embora nos últimos tempos estivessem
pensando em adotar um cachorrinho do abrigo de animais. Claro, tudo
dependeria se Sua Alteza Real Meia-Lua estaria disposta a
compartilhar o amor e o carinho que eles lhe dedicavam, embora
estivesse cando mais tolerante com a idade.
Dina atravessou a rua principal até a praça da cidade, no meio a
árvore de Natal com mais de três metros ainda apagada. Ela encontrou
Scott onde o havia deixado, agora conversando com Eric e com uma
Immy muito redonda. Dina achava que nunca se acostumaria com a
sensação de ver Scott sorrir para ela. Era como se o coração dela
crescesse um pouco mais a cada vez. O último ano tinha sido o
melhor da sua vida e mal podia esperar pelos anos que viriam.
— Quatro chocolates quentes! — anunciou Dina, distribuindo as
bebidas.
— Não acredito que essa é a nossa última noite das lanternas sem
crianças por perto — comentou Immy, puxando Dina para um abraço.
— Você acha que vai ser esquisito?
— Esquisito, não… só um pouco diferente, mas de um jeito bom.
— Meus lhos vão fazer as lanternas mais incríveis que essa cidade já
viu — disse Immy.
— E, ao que parece, também vão ter a mãe mais competitiva da
cidade.
Dina sorriu e deu um gole em seu chocolate quente. Scott a
envolveu com os braços e ela descansou a cabeça em seu peito,
aproveitando o casaco quentinho.
— Tenho uma surpresa pra você — sussurrou ele no ouvido dela,
para que ninguém mais pudesse ouvir.
— Ah, é? — falou Dina, já sabendo do que se tratava.
Ela tinha visto a caixinha naquela noite — e suspeitava fortemente
de que Scott queria que ela visse.
Ele sabia que ela não era fã de surpresas, então aquele tinha sido seu
jeito de deixá-la descobrir em seus próprios termos. Dentro da
caixinha havia um anel — com uma sa ra azul perfeita no centro.
Dina teria reconhecido o anel em qualquer lugar, porque era da mãe
dela.
— Muito bem, pessoal, vamos fazer uma contagem regressiva. Três,
dois… — anunciou o prefeito de Little Hathering.
A multidão contou e as luzes se acenderam. Um brilho quente e
colorido subiu pela árvore, iluminando a praça com um amarelo suave.
Dina ouviu o arquejo encantado da multidão e sentiu a alegria de
todos se in ltrando no ar como magia.
— Você prefere a surpresa agora ou mais tarde? — sussurrou Scott, a
barba roçando na orelha dela, fazendo um arrepio de expectativa subir
por sua espinha.
— Mais tarde, quando estivermos só nós — falou Dina, e o beijou
sem nenhuma preocupação no mundo.
Agradecimentos