Abib JR DR Arafcl
Abib JR DR Arafcl
Abib JR DR Arafcl
O AMOR NA MÚSICA
BRASILEIRA: um
percurso cognitivo
sobre frames e valores
ARARAQUARA – SP
2019
unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
ARARAQUARA – S.P.
2019
JOAGDA REZENDE ABIB
ARARAQUARA – S.P.
2019
Abib, Joagda Rezende
O AMOR NA MÚSICA BRASILEIRA: um percurso cognitivo
sobre frames e valores / Joagda Rezende Abib — 2019
164 f.
um percurso cognitivo
sobre frames e valores
A Deus, pela vida e pelos dons a mim concedidos. Sem Ele, nada seria possível!
A meus pais, meus exemplos e minha base, que me disseram “Vai!”, mesmo quando o
coração deles pedia para que eu ficasse, que abriram mão de vontades próprias para que eu
pudesse realizar o meu sonho, que me ensinaram valores, que soltaram minha mão para que
eu pudesse seguir, mas estiveram sempre presentes em sentimentos e orações. Pai, Mãe, eu
amo vocês! MUITO obrigada por tudo!
A minha irmã, minha fã número um, que sempre me incentivou e me ajudou em tudo que
podia, que aguentou minhas crises de estresse e sempre caminhou ao meu lado, mesmo
quando eu não merecia. Sis, agradeço a Deus todos os dias por tê-la como irmã! Você foi o
melhor presente que o pai e a mãe poderiam ter me dado nesta vida. Te amo!
A Aline e Ana Carolina, que, gentilmente, aceitaram participar das minhas bancas de
qualificação e de defesa. Agradeço as dicas e sugestões! Vocês contribuíram muito para este
trabalho.
A Gabriele e Maria Bruns, que participaram da banca de defesa, tendo contribuído para a
finalização deste trabalho com dicas e sugestões muito pertinentes e enriquecedoras.
A minhas amigas e colegas de “pousa”, Márcia e Carla. Meninas, muito obrigada pela
paciência nos momentos de estresse, pelas dicas e pela ajuda na formatação deste trabalho!
Vocês moram no meu coração.
A minha amiga de uma vida inteira, Cristiane, por sempre estar por perto mesmo quando
estava distante. Cris, obrigada por me oferecer um ombro amigo nos momentos em que
precisei, por me aconselhar e por cuidar da nossa amizade, mesmo nesse fim de doutorado,
em que estive tão ausente.
A minha prima e colega de pós, Tamires, pela ajuda com a parte “burocrática” e, também, por
me receber, sempre que precisei, em sua casa. Obrigada, prima!!! Você faz parte dessa
conquista.
“God has given us music so that above all it can lead us upwards.
Music unites all qualities: it can exalt us, divert us, cheer us up,
or break the hardest of hearts with the softest of its melancholy
tones. But its principal task is to lead our thoughts to higher
things, to elevate, even to make us tremble… The musical art
often speaks in sounds more penetrating than the words of
poetry, and takes hold of the most hidden crevices of the heart…
Song elevates our being and leads us to the good and the true.
If, however, music serves only as a diversion or as a kind of vain
ostentation it is sinful and harmful.”
Friedrich Nietzsche (apud YOUNG,
2010)
RESUMO
O objetivo desta tese foi realizar uma análise de músicas brasileiras populares, de
grande sucesso, desde 1950 até o início do século XXI, para descrever a natureza e
as mudanças evidenciadas no discurso amoroso durante esse período. Para isso,
ancoramos a letra de cada uma das canções que constituem o corpus desta pesquisa
em seu momento histórico e realizamos uma análise cognitiva e funcional (retórica), a
partir dos frames do auditório da época. O referencial teórico utilizado foi a Linguística
Cognitiva, principalmente o conceito de frames, exposto por Robin Lakoff (2000) em
seu livro The language war, em que a autora nos fala do senso comum criado por
frames semânticos, o que está ligado intrinsecamente a valores e varia de época para
época. Para realizar as análises, nos baseamos também no trabalho de Forsyth
(2013), de modo a perceber e explicitar a funcionalidade das figuras retóricas de
construção usadas nas letras. Assim, foi possível conseguir uma descrição sobre
aspectos sociais e emocionais do relacionamento amoroso e entender como as letras
de música refletem o senso comum da época em que foram escritas, o que nos
mostrou que alguns aspectos sofrem mudanças ao longo do tempo, enquanto outros
permanecem iguais. Pudemos perceber, também, a recorrência do uso de figuras de
retórica na construção das letras, o que faz com que haja, por parte do auditório, maior
aproximação e identificação com as músicas.
The aim of this thesis was to analyse Brazilian popular songs, which had great success,
recorded from 1950 to the beginning of century XXI, in order to describe the nature and the
changes in the discourse of love along this period. For that, we anchored the lyrics which
constitute the corpus of this research in their historical moment and did a cognitive and
functional (rethorical) analysis, based on the frames and public of each time. The theoretical
framework used in this work was Cognitive Linguistics, mailny the concept of frames,
discussed by Robin Lakoff (2000) in her book The language war, in which the author talks
about the common sense, created by semantic frames, what is intrinsically linked to values
and varies from time to time. In order to carry out the analises, we also used the book The
elements of Eloquence, wtitten by Forsyth (2013), to help us realize and make explicit the
functionality of rethorical figures This way it was possible to make a description of social and
emotional aspects of romantic relationships and understand how lyrics show the common
sense of the decade in which they were written, what led us to the finding of some aspects
change along time, while others remain the same. It was also possible to realizethe recurrence
of rethorical figures in the construction of lyrics, what causes more approximation and
identificaton from the auditory.
Introdução ................................................................................................................ 11
2.3 Merisma....................................................................................................... 38
2.11 Hipérbole..................................................................................................... 45
Introdução
1
De acordo com Denis Rougemont, em seu livro O Amor e o Ocidente, os casamentos entre
as pessoas da elite europeia, principalmente na Idade Média, sempre foram feitos apenas por
conveniência, o que levou ao surgimento do amor romântico ou cortês e à ideia de que a
felicidade amorosa somente poderia existir em situações de adultério. Segundo ele: Como se
sabe, no século XII, o casamento se havia tornado para os senhores um puro e simples meio
de enriquecimento e de anexação de terras oferecidas em dote ou prometidas em herança.
Quando o "negócio" fracassava, repudiava-se a mulher. O pretexto do incesto, curiosamente
explorado, não sofria objeção por parte da Igreja: bastava alegar, sem muitas provas, um
13
Nas cantigas líricas, embora tivessem um homem por autor, o eu lírico era
feminino; têm elas origem mais popular e, por isso dispõem de paralelismo, refrão,
estribilhos e reiterações, o que as assemelha muito às canções populares que, ainda
hoje, lançam mão desses recursos. Nessas cantigas, a mulher cantava seu amor por
seu amigo (o homem a quem amava). Tratava-se de uma jovem que estava
descobrindo o amor e ora lamentava a ausência do amado, ora regozijava-se na
alegria de um futuro encontro com ele.
Na verdade, as músicas românticas podem ser vistas como modernas cantigas
de amor, como aquelas que existiram no período trovadoresco, agora, dentro de um
contexto totalmente diverso.
O objetivo deste trabalho é analisar letras de músicas populares brasileiras cujo
tema é o amor e que fizeram sucesso em suas épocas, procurando ver como o
momento histórico de cada época e sua cultura as influenciaram.
O intuito é destacar, por meio dessas análises, como o tema do amor é
abordado, levando em consideração o contexto histórico e a maneira como as
pessoas viam e lidavam com esse sentimento em cada um desses momentos. Para
isso, relacionamos o discurso presente nessas músicas ao senso comum de cada
época, usando como referencial teórico a Linguística Cognitiva e, como ferramenta de
análise, os recursos estilísticos e retóricos utilizados por seus autores.
parentesco até o quarto grau para obter a anulação. (ROUGEMONT, 1988, p. 28)
14
Cognição é o processo pelo qual os seres humanos interagem com seu meio
ambiente e com seus semelhantes, abastecendo sua memória de longo prazo que,
em ações seguintes, será utilizada para novas interações. Uma criança que tenta
atravessar precipitadamente uma cerca de arame farpado e se machuca, na próxima
vez que quiser atravessá-la, terá mais cuidado, pois fará um pareamento prévio entre
a experiência anterior e a realidade que tem diante de si. Se essa mesma criança, ao
receber a visita de um tio, ganhar dele uma barra de chocolate, da próxima vez que o
receber em casa, terá a expectativa de que poderá ganhar de novo uma guloseima,
em função da lembrança da visita anterior.
Podemos dizer que essa capacidade não é exclusiva dos seres humanos. Um
cão é capaz de procedimentos bem semelhantes. O que nos difere como humanos é
a capacidade de, por meio da linguagem, nomear objetos, ações e pessoas e de
sermos capazes de transmitir nossas experiências a outros humanos. Suponhamos
que essa criança receba a visita de um amiguinho. Se ele quiser atravessar uma
cerca de arame farpado, será advertido pela criança, por meio da linguagem, de que
pode ser ferido, se não tomar cuidado em fazê-lo. A linguagem se insere, pois, no
comportamento cognitivo humano em geral. Ela nos permite abstrair, trocar ideias e,
por isso, permite que nos adaptemos com maior facilidade ao nosso meio ambiente e
ao nosso convívio social.
A Linguística Cognitiva aborda a linguagem em conexão com a experiência
humana de mundo, como meio de conhecimento. As unidades e estruturas da
linguagem não são estudadas como entidades autônomas e sim como manifestações
de capacidades cognitivas gerais. Tal ciência postula que a linguagem é parte da
cognição humana e reflete a interação de fatores psicológicos, culturais,
comunicativos e funcionais.
O princípio da Linguística Cognitiva é o fato de que a linguagem não pode ser
separada de outras faculdades humanas, tais como os cinco sentidos. O que importa,
portanto, é o uso e as relações que se estabelecem entre linguagem e cognição, pois
a linguagem não apenas representa o significado, mas está em sua construção. Ela
parte do princípio que pensamento e linguagem são corporificados, o que faz com que
criemos estruturas conceptuais a partir de nossas experiências sensório-motoras.
15
Sendo assim, a Linguística Cognitiva não se atém à estrutura da língua, mas busca
nos processos cognitivos as razões de uma língua ser como é.
Essa relação entre a linguagem e os cinco sentidos pode ser notada nos
trechos de duas canções apresentados a seguir. Primeiramente, temos os versos da
música Pele de maçã, gravada pela dupla Matogrosso e Mathias.
Nos trechos citados, podemos notar a descrição da pessoa amada por meio de
palavras e expressões que nos remetem aos sentidos: em “olhos de paixão”, “lábios
de carmim”, “o brilho dos teus olhos”, temos a visão; “beijo de hortelã” e “doce dos
teus beijos” têm relação com o paladar; “pele de maçã” e “calor dos teus braços”, com
2
A school of linguistics and cognitive science which emerged from the early 1980s onwards.
Places central importance on the role of meaning, conceptual processes and embodied
experience in the study of language and the mind and the way in which they intersect.
Cognitive linguistics is an enterprise or an approach to the study of language and the mind
rather than a single articulated theoretical framework.
16
o tato, “voz de sedução”, audição, e, por fim, “cheiro de jasmim” e “perfume de jasmim”
nos remetem ao olfato.
1.1 Metonímia
Só vivemos o presente, como foi dito no início deste capítulo, graças ao nosso
passado. Temos uma memória de longo prazo que nos possibilita inferir coisas e
entendê-las a partir de algo que acontece em nosso presente.
O nosso pensamento se dá de forma metonímica. Isso ocorre, por exemplo,
quando vemos apenas parte do corpo de uma pessoa atrás de uma mesa e inferimos,
por meio do nosso conhecimento de mundo, que aquilo que estamos vendo não é um
todo, mas parte dele. Ao assistirmos a um jornal na tv, vemos apenas parte do corpo
dos apresentadores, mas sabemos que existe algo além daquilo que nosso campo de
visão consegue abranger. O mesmo acontece quando vemos um carro sendo dirigido
por alguém. Nosso conhecimento de mundo nos permite concluir que existe uma outra
parte daquela pessoa além daquela que podemos ver pela janela do veículo.
Langacker (1991), ao nos falar sobre zonas ativas, se refere justamente ao fato
de utilizarmos a parte mais representativa de um todo para identificar esse todo. Abreu
(2010) cita como exemplo o fato de pedirmos que alguém nos dê uma mão, para nos
referimos à ajuda que essa pessoa nos dará utilizando não apenas a mão, mas o
corpo todo, assim como o ombro amigo que solicitamos quando precisamos de
3
A conceptual operation in which one entity, the vehicle, can be employed in order to
identify another entity, the target (1), with which it is associated. As with conceptual
metaphor, conceptual metonymy licenses linguistic expressions.
17
alguém que nos ouça e console em função de algum problema pelo qual estamos
passando.
Quando um homem pede a mão da noiva, trata-se também de uma metonímia,
pois sua intenção não é casar-se apenas com a mão de sua namorada, mas tomá-la
por inteiro em matrimônio.
Encontramos este exemplo no nosso dia a dia e também em músicas, como é
o caso da canção Amor de violeiro, gravada pelo cantor sertanejo Eduardo Costa:
1.2 Metáfora
4
A form of conceptual projection involving mappings or correspondences holding between
distinct conceptual domains. Conceptual metaphors often consist of a series of conventional
mappings which relate aspects of two distinct conceptual domains. The purpose of such a set
of mappings is to provide structure from one conceptual domain, the source domain, by
projecting the structure onto the target domain. This allows inferences which hold in the source
to be applied to the target. For this reason, conceptual metaphors are claimed to be a basic
and indispensable instrument of thought.
19
Afeição é quente:
Nos versos “Sem você ficou mais frio meu inverno / parecia frio eterno / você é
minha dor”, da música Agora, gravada por Bruno e Marrone, podemos notar que a
separação é ligada à ausência de calor, estar longe de quem se ama torna os dias de
inverno mais frios, pois não se tem o calor que é conferido pelo afeto. Isso pode ser
notado também na canção Cê que sabe, gravada por Cristiano Araújo.
O amor é o calor
Que aquece a alma
O amor tem sabor
Pra quem bebe a sua água (REIS, 2003)
É perceptível, por meio dos versos citados, como o amor é capaz de aquecer
mesmo sendo inverno.
20
Tempo é movimento: essa metáfora pode ser notada na música Cadê você,
que se tornou um grande sucesso sertanejo nas vozes de Leandro e Leonardo:
O tempo vai
O tempo vem
A vida passa
E eu sem ninguém (JOSÉ, 1990)
Importante é grande: Na canção Outra vez, gravada pelo rei, Roberto Carlos,
vemos que o amor mais importante da vida do eu lírico é aquele que ele afirma ter
sido o maior dos seus casos:
Em O grande amor da minha vida, música gravada pela dupla Gian e Giovanni,
vemos uma expressão muito utilizada por nós, quando nos referimos àquele amor que
consideramos o mais importante como o grande amor de nossas vidas. O refrão dessa
música diz o seguinte:
Amor é loucura: essa metáfora serve para ilustrar o fato de que o amor nos
faz, muitas vezes, agir irracionalmente quando estamos apaixonados, é normal
deixarmos de lado a razão e agirmos levados pela emoção, o que muitas vezes nos
faz fazer coisas que não faríamos se pensássemos racionalmente.
Podemos notar a presença dessa metáfora na canção Acorrentado em você,
gravada pela dupla Bruno e Marrone:
No verso citado acima, o eu lírico diz que seu amor virou loucura, o que nos
leva a crer que esse sentimento o fez perder um pouco ou muito de seu lado racional.
Podemos pensar, também, que se trata de uma espécie de obsessão pela pessoa
amada, já que descreve seu amor como vício e loucura.
O uso da metáfora está relacionado às nossas emoções. De acordo com Abreu,
Quando dizemos que estamos com calor, por exemplo, estamos transmitindo
uma mensagem racional, enquanto quando utilizamos uma metáfora e dizemos que
estamos derretendo, criamos imagens que veiculam emoções de intensidade muito
maior.
Essa possibilidade de intensificar as coisas que são ditas pode explicar o fato
de a metáfora ser uma figura de linguagem tão recorrente em canções de amor. Definir
o amor é algo complicado e expressar o que sentimos por vezes também não é uma
tarefa fácil. Quantas vezes dizemos ou ouvimos alguém dizer que faltam palavras para
22
expressar o que estamos sentindo? Recorrer a metáforas, nesses casos, pode ser
uma ótima opção, fazendo com que elas possam veicular toda a intensidade daquilo
que queremos transmitir.
Alguns exemplos podem ser citados para exemplificar o que acabamos de
dizer. As músicas 100% você, gravada pelo grupo Chiclete com Banana e a canção
Fico assim sem você, gravada por Claudinho e Buchecha e também por Adriana
Calcanhoto, têm suas letras construídas basicamente por metáforas que expressam
a falta de sentido da vida do eu-lírico longe da pessoa amada. As metáforas nos
ajudam a criar imagens que mostram que viver longe de quem se ama não tem graça.
Vejamos as letras:
Não dá..., Não dá..., Pra ficar..., Pra ficar Sem te Ver
Já estou ficando louco
Não dá..., Não dá..., Pra ficar..., Pra ficar Sem te Ver
Sou 100% você!
Lê Lê Lê Lê Lê Lê Lê Lê
Lê Lê Lê Lê Lê Lê Lê Lê
Na canção 100% você, temos as metáforas: “um céu sem estrela”, “uma praia
sem “mar”, “amor sem carinho”, “romance sem par”, “carnaval sem festa”, “um jardim
sem flor”, “estrada sem rumo”, “saudade sem dor”, “TV sem novela”, “arco-íris sem
cor”, “Chiclete sem Nana” e “verão sem calor”. Todas elas retratam coisas não se
separam, pois, dessa forma, não fariam sentido ou estariam incompletas. O uso
dessas metáforas para criar imagens confere à letra muito mais emoção do que
23
apenas dizer que não se pode viver longe de quem se ama. O mesmo acontece na
letra de Fico assim sem você:
Piu-piu sem Frajola”, amor sem beijinho”, “Buchecha sem Claudinho”, “circo sem
palhaço”, “namoro sem amasso”, “neném sem chupeta”, “Romeu sem Julieta”, “carro
sem estrada” e “queijo sem goiabada”. Todas essas metáforas nos trazem imagens
de coisas que, comumente, estão juntas, são relacionadas entre si por pertencerem a
um mesmo frame, o que nos remete ao amor entre duas pessoas que não conseguem
viver longe uma da outra.
Dessa forma, podemos notar a funcionalidade da metáfora, pois o uso dessa
figura na construção das letras das canções serve para que os sentimentos sejam
veiculados de forma mais concreta e mais intensa.
1.3 Categorização
O ser humano tem uma habilidade natural de colocar duas ou mais entidades
semelhantes dentro de um mesmo grupo com base nas similaridades que pode
reconhecer entre elas. Esse processo recebe o nome de categorização. Nós
entendemos o mundo por meio de categorias e não de coisas individuais.
George Lakoff (1990) em seu livro Women, fire and dangerous things, afirma
que, de acordo com a visão clássica, categorias se baseiam em propriedades
compartilhadas pelos itens que a compõem, o que não está totalmente errado. No
entanto, o processo de categorização é algo bem mais complexo que isso. Para dar
conta dela, urge, portanto, a teoria dos protótipos, que vem para mostrar que a
categorização humana é baseada em princípios que vão além daqueles considerados
pela teoria clássica.
De Aristóteles a Wittgenstein, pensava-se que as categorias eram fáceis de
ser entendidas e não apresentavam problemas. Eram consideradas caixas abstratas,
dentro das quais eram colocados os itens que apresentam propriedades em comum,
e tais propriedades seriam responsáveis por definir a categoria.
Essa teoria clássica não se baseia em estudo empírico e apresenta três
problemas, um com relação aos princípios que guiam a formação das categorias na
mente humana, um relacionado aos não se encaixam em uma categoria específica,
embora apresentem propriedades semelhantes a outros seres de a ela pertencem, o
que os coloca em uma espécie de “zona cinzenta” e, por fim, o fato de que as
categorizações mudam de uma cultura para outra.
25
5
As definições de Tannen e Levinson citadas por Lakoff pertencem às seguintes obras:
Tannen, Deborah. What’s in a Frame? Surface Evidence for Underlying Expectations. In R.
O. Freedle, ed., New Directions in Discourse Processing. Norwood, N.J.: Ablex, pp. 137–81,
1979.
Levinson, Stephen C. Pragmatics. Cambridge, Eng.: Cambridge University
Press, 1983.
27
Eu não ando só
Só ando em boa companhia
Com meu violão
Minha canção e a poesia
Para viver um grande amor, preciso
É muita concentração e muito siso
Muita seriedade e pouco riso
Para viver um grande amor, mister
É ser homem de uma só mulher
Pois ser de muitas - Poxa! - É pra quem quer
Nem tem nenhum valor
Para viver um grande amor, primeiro
É preciso sagrar-se cavalheiro
E ser de sua dama por inteiro
Seja lá como for
Há que fazer do corpo uma morada
Onde clausure-se a mulher amada
E portar-se de fora como uma espada
Eu não ando só
Só ando em boa companhia
6
A schematization of experience (a knowledge structure), which is represented at the
conceptual level and held in long-term memory and which relates elements and entities
associated with a particular culturally embedded scene, situation or event from human
experience. Frames include different sorts of knowledge including attributes, and relations
between attributes […]
28
Como podemos notar, a letra fala do homem perfeito, de tudo aquilo que é
necessário para que ele seja o par ideal para sua amada ideal, de acordo com o senso
comum da época. A letra da canção mostra, inclusive, o homem indo para a cozinha
para preparar uma refeição para sua mulher, algo não comum aos homens da época
e que serviria, portanto, como uma qualidade a mais na tentativa de conquistar o
coração da amada.
29
O que nos afeta não são os fatos, mas a percepção que temos deles. Se algo
foge àquilo que esperamos como base nos frames que constituem nosso repertório,
temos grande dificuldade em aceitar e assimilar esse novo modelo.
Se formos, por exemplo, a um casamento e virmos a noiva entrando na igreja
antes do noivo, isso, provavelmente, nos parecerá estranho e teremos uma certa
dificuldade de “aceitação”.
Como afirma Robin Lakoff,
7 [...] once we identify a frame and decide what is appropriate whithin it, we become wedded
to it: it becomes extremely difficult to reframe, to change our expectations. We experience
demands or requests to do so as threats to our weel-being and indeed even our status as full-
fledged competente human beings. Frame-shifting seems counterintuitive. New perceptions
don’t make sense, since theu cannot be placed in a familiar frame. Whithin the frame, things
are unmarked: normal, predictable, neutral, orderly, natural and simple. They do not require
expanation. Once a frame shifts, everything changes. We are, in a way, back to infantile
incompetence.
30
1.6 Os afetos
8 We need our frames and conventional assumptions. These form the glue that holds culture
together and allows individuals whithin those cultures to feel like competente members of a
cohesive community. We cling to even discredited beliefs, not only out of ignorance, but
equallyin fear that we would be left alone, bewildered, and not fully human without them.
[...] We live by stereotypes, some explicitly recognized,others implicit and unexamined, about
who we and others are.
31
Os estímulos internos são aqueles que derivam de contextos mentais, como quando
pensamos em alguém.
As emoções possuem, portanto, de acordo com Damásio (2010), uma escala
de valência, pois podem ser positivas ou negativas. Uma emoção de valência positiva
causa comportamentos de aproximação, pois, se uma coisa nos faz feliz, nós nos
aproximamos dela, enquanto as emoções de valência negativa desencadeiam
comportamentos de afastamento.
Segundo o autor, as emoções são inconscientes e quando tomamos
consciência delas ocorre, em nosso cérebro, um outro processo, o “sentimento”.
Sentimentos são, pois, percepções conscientes e parciais das nossas emoções e
envolvem memórias. Emoções e sentimentos compõem aquilo que o autor chama de
afetos.
A homeostase sociocultural pode, pois, ter valência positiva ou negativa.
Damásio, nós, seres humanos, temos a necessidade de lidar com conflitos presentes
em nosso coração e temos o desejo de conciliar contradições que são despertadas
em nós pelo medo, pela raiva etc. Além disso, segundo ele, estamos em uma busca
constante pelo bem-estar. Isso tudo fez com que os humanos descobrissem a
chamada cultura hedonística, cuja expressão mais refinada é a arte, como a música,
a pintura, a dança, a literatura etc.
Segundo o autor, nosso processamento cerebral funciona a partir de imagens.
O autor afirma que “toda a mente é composta por imagens, desde a representação de
objetos e acontecimentos aos seus conceitos e traduções verbais correspondentes.
As imagens são a moeda universal da mente.” (DAMÁSIO, 2018, p. 132)
Quando utilizamos expressões como “agarrar-se a um fio de esperança”, “sair
do buraco”, “estar em maus lençóis”, temos imagens que nos remetem a um
determinado tipo de situação, boa ou ruim.
As imagens estão ligadas aos afetos e são trazidas, de maneira multimodal,
por aquilo que está presente diante de nós e também pela memória. Se falamos com
nossa mãe, por telefone, quando ouvimos sua voz, fazemos um pareamento entre as
sensações auditivas arquivadas em nossa mente e a voz que ouvimos no outro lado
da linha e, imediatamente, nosso cérebro nos informa que é nossa mãe que nos está
telefonando.
Sobre isso o autor afirma:
33
Forsyth (2013) afirma que os poetas não são aqueles que têm grandes ideias
ou pensamentos, mas aqueles que conseguem expressar algo, por mais comum que
seja, de maneira requintada e primorosa. Para o autor, Shakespeare não era um gênio
e sim um homem que aprendeu a escrever e foi se aprimorando e se tornando cada
vez melhor nessa arte.
Em seu livro A arte de argumentar, Abreu fala sobre as figuras retóricas e sua
funcionalidade. Segundo o autor, trata-se de recursos estilísticos que utilizamos na
arte da persuasão, pois elas “possuem um poder persuasivo subliminar, ativando
nosso sistema límbico, região do cérebro responsável pelas emoções.” (ABREU,
9
Rhetoric is a big subject. It consists of the whole art of persuasion. The lot. It includes logic
(or the kind of sloppy logic most people understand, called enthymemes), it includes speaking
loudly and clearly, and it includes working out what topics to talk about. Anything to do with
persuasion is rhetoric, right down to the argumentum ad baculum, which means threatening
somebody with a stick until they agree with you. One minuscule part of this massive subject is
the figures of rhetoric, which are the techniques for making a single phrase striking and
memorable just by altering the wording. Not by saying something different, but by saying
something in a different way. They are the formulas for producing great lines.
35
p.109) Ainda de acordo com o autor, é necessário que saibamos diferenciar as figuras
retóricas, que se caracterizam pela sua funcionalidade, das estilísticas, que têm
objetivo apenas estético.
As figuras têm efeito sobre o auditório a quem se direcionam. Por meio delas
os textos podem se tornar marcantes e serem lembrados com maior facilidade. Ao
fazer uso de figuras de retórica em um texto, seu autor, com certeza, conseguirá
emocionar e persuadir seu auditório com maior facilidade. Forsyth, ao tratar do efeito
que as figuras podem causar no público, afirma o seguinte:
2.1 Poliptoto
O poliptoto é uma figura que se caracteriza pelo uso de uma palavra em formas
gramaticais diversas. Acontece também, quando as palavras se aproximam quanto à
sua etimologia. Na canção Quando o mel é bom, gravada pela dupla sertaneja Simone
e Simaria, podemos notar a presença do poliptoto:
10
The figures are alive and thriving. The one line from that song or film that you remember and
don’t know why you remember is almost certainly down to one of the figures, one of the flowers
of rhetoric growing wild. They account for the songs you sing and the poems you love, although
that is hidden from you at school.
36
Já doeu
Mas hoje não dói mais
Tanto fiz
Que agora tanto faz (ALVES et. al., 2018, grifo nosso)
Eu não ando só
Só ando em boa companhia
Com meu violão
Minha canção e a poesia (MORAES, 1962, grifo nosso)
No verso “eu não ando só, só ando em boa companhia”, temos a ocorrência
do poliptoto pela repetição da palavra “só”. Na primeira ocorrência, só é adjetivo; na
segunda, advérbio.
37
2.2 Antítese
A antítese, de maneira geral, pode ser entendida como a oposição entre duas
palavras. Forsyth (2013) apresenta a fórmula básica da antítese: “X é Y, e não X é
não Y”. Trata-se, portanto, do uso de palavras antônimas, como claro/escuro,
perto/longe, belo/feio. Para Abreu (2009, p.135), “a antítese consiste em contrapor
uma palavra ou uma frase a outra de significação oposta”
Na canção Detalhes, grande sucesso de Roberto Carlos, temos a presença da
antítese:
Nos versos “detalhes tão pequenos de nós dois/são coisas muito grandes para
esquecer”, a ocorrência da antítese se dá pela oposição entre as palavras pequeno e
grande, utilizadas na descrição de uma mesma coisa, os detalhes do relacionamento
amoroso que são difíceis de esquecer.
O hit Apelido carinhoso, uma das músicas mais tocadas nas rádios do Brasil no
ano de 2018, gravada pelo cantor Gusttavo Lima, também traz em sua letra um
exemplo de antítese:
Agora tá de standby
Vai fazer isso com os outros, vai
Tudo que vai, volta, ai, ai, ai
Quem abre também fecha a porta (ALVES et. al., 2018, grifo nosso)
2.3 Merisma
Amar noite e dia significa amar o tempo todo, mas em vez de dizer isso, as
partes são nomeadas de modo a dar ênfase à constância do amor que o eu-lírico
sente.
Na letra de Garotos, a pessoa amada é descrita por meio de um merisma, pois
são citadas suas partes e atitudes (mãos, braços, beijos, abraços, pele, barriga e seus
laços) como responsáveis pelo fascínio que exerce sobre o eu-lírico:
Se não houvesse merisma, bastaria dizer que o corpo todo é uma armadilha.
39
2.4 Aposiopese
Amor é um livro
Sexo é esporte
Sexo é escolha
Amor é sorte
Amor é cristão
Sexo é pagão
Amor é latifúndio
Sexo é invasão
Amor é divino
Sexo é animal
Amor é bossa nova
Sexo é carnaval
Amor é um
Sexo é dois
Sexo antes,
Amor depois
Amor é cristão
Sexo é pagão
Amor é latifúndio
Sexo é invasão
Amor é divino
Sexo é animal
Amor é bossa nova
Sexo é carnaval
Amor é isso,
Sexo é aquilo
E coisa e tal.
E tal e coisa.
Ah, o amor...
Hum, o sexo... (CARVALHO; JABOR; LEE, 2003, grifo nosso)
2.5 Anadiplose
2.6 Diácope
2.7 Paradoxo
Os versos “E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais” e “mas toda vez que
eu procuro uma saída / acabo entrando sem querer na sua vida” marcam a oposição
de ideias que caracteriza o paradoxo. Nessa canção, essa oposição é utilizada para
marcar o conflito em que o eu-lírico se encontra após o término de um relacionamento.
A música Sinônimos, gravada pela dupla Chitãozinho e Xororó, em parceria
com o cantor Zé Ramalho, também apresenta um paradoxo:
2.8 Sinédoque
Aqui, o autor põe foco nos braços, parte da sua amada e de si próprio, induzindo
o leitor / ouvinte a fazer um close nos braços e na ação de abraçar. A ocorrência de
braços e abraços em sequência é, também, um exemplo de poliptoto.
Fiorin, por sua vez, define sinédoque da seguinte maneira:
No trecho acima, podemos notar que o sorriso é uma parte utilizada para se
referir à pessoa como um todo (seu sorriso precisa do meu).
2.9 Epanalepse
A letra é construída como um apelo do eu-lírico à pessoa amada para que ela
ceda diante dos pedidos feitos por ele, quando ele diz que precisa estar com seu amor
apenas no dia de “hoje”. A canção nos remete, de certa forma, a crianças em situações
de apelo a seus pais quando querem repetir alguma atividade como, por exemplo, ir
mais vezes em um brinquedo no parque de diversões. O “só hoje” dito pelo eu-lírico
pode ser comparado ao “só mais uma vez” de uma criança. Isso evidencia a carência
e necessidade do eu-lírico de estar com a pessoa que ama, mesmo que seja apenas
mais uma vez, o que, no fundo, não é realmente o que ele deseja. O fato, pois, de
começar e terminar a música com a palavra “hoje” pode ser entendido como uma
espécie de promessa feita (fique comigo hoje e não te incomodarei mais).
2.10 Personificação
como o choro. Ainda temos, na mesma canção uma outra prosopopeia que é “chora
minh’alma”; mais uma vez a ação de chorar atribuída a uma entidade abstrata: a alma.
Choram as rosas
Seu perfume agora se transforma em lágrimas
E eu me sinto tão perdido,
Choram as rosas
Choram as rosas
Porque não quero estar aqui
Sem seu perfume
Porque já sei que te perdi
E entre outras coisas
Eu choro por ti
2.11 Hipérbole
Os versos “se não fosse por essa canção/já teria morrido de amor” e, também,
o verso “mais de mil vezes cantarei”, presente no refrão, mostram o exagero
característico da hipérbole e servem para conferir um caráter dramático à canção.
A música Exagerado, grande sucesso de Cazuza, é hiperbólica por essência;
o próprio tema da canção já é uma hipérbole, pois se trata de coisas exageradas e
absurdas que o eu-lírico afirma ser capaz de fazer por sua amada.
Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado
Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado
47
2.12 Anáfora
Forsyth (2013) afirma que a anáfora é a rainha das figuras retóricas. Ela
consiste em começar frases com a mesma palavra. Para o autor, a anáfora é poderosa
e muito útil; é como uma arma, mas temos, segundo ele, que saber a hora certa de
puxar o gatilho, pois ela pode fazer-nos lembrar as primeiras palavras da frase e
esquecer as demais. A anáfora tem, de acordo com ele, um feito hipnótico.
Para Abreu (2009, p.132), “a função da anáfora é manter o fluxo de atenção do
interlocutor sobre um conceito, durante a exposição.”
Como exemplo de anáfora, podemos citar uma música já antes mencionada
neste trabalho. Na letra de Garotos, o refrão é construído anaforicamente pela
repetição da palavra garotos no início de versos do refrão:
Podemos notar que a letra retrata alguém que, no momento, não se pode
entregar completamente ao relacionamento atual devido ao término recente que ainda
mexe com seus sentimentos. A anáfora vem, portanto, com a palavra ainda, para
enfatizar o caráter temporário dessa situação, para reforçar a ideia de que o eu-lírico
ainda não superou o relacionamento anterior, mas que isso é apenas uma questão de
tempo.
A música Tudo que você quiser, gravada pelo cantor Luan Santana também
traz tem seu refrão construído de maneira anafórica:
A anáfora, que se dá, nesse caso, pela repetição da sequência “eu troco”, serve
para reforçar a ideia de que o eu-lírico está disposto, a trocar a vida de solteiro por um
relacionamento, a liberdade pelo compromisso, a viver sua vida para a felicidade da
pessoa que ama. O verbo “trocar” é utilizado para mostrar que para estar com alguém
temos que abrir mão de muitas coisas e que o eu-lírico está disposto a fazer essa
troca.
2.13 Hipálage
2.14 Oximoro
3 Material e métodos
11
“[intelligence] Is the art of, when one is facing a new situation, swiftly and surely homing in
on an insightful precedent (or familiar precedents) stored in the recess of one’s memory.”
52
que não é erudito. Desse modo rotulamos como música popular aquela que toca nas
rádios e faz sucesso entre a grande massa da população. A MPB é uma sigla que se
refere a um estilo de música elitizada, que abrange a bossa nova e o samba, não
sendo, pois, um estilo estritamente popular.
Tal diferenciação é explicada por José Roberto Zan, que afirma que, ao longo
da história da música brasileira,
Século XX
• Década de 50: Bom dia, tristeza; A noite do meu bem e Morreu meu coração;
• Década de 60: Este seu olhar; Splish splash e A dama de vermelho;
• Década de 70: Cotidiano; Você e Eu só quero um xodó;
• Década de 80: Um certo alguém, Eduardo e Mônica e Linda demais;
• Década de 90: Por você, É o amor e Evidências;
Século XXI
4.1 Década de 50
desquitadas eram vistas como párias sociais, separadas dos antigos casais amigos,
uma vez que, no imaginário das mulheres casadas, elas eram tidas como possíveis
sedutoras de seus maridos.
É claro que, de modo paralelo, havia sempre a possibilidade de uma vida
subterrânea, mas restrita aos homens que, mesmo casados, costumavam ter, durante
sua existência, vários casos extraconjugais, plenamente aceitos pela sociedade,
principalmente em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
O próprio presidente Juscelino Kubitschek manteve, durante seu casamento
com Sarah Kubitschek, um caso com uma socialite carioca de nome Maria Lúcia
Pedroso, ao longo de 20 anos. É claro que, sendo subterrâneos esses
relacionamentos, eram eles bastante sofridos, principalmente do lado das mulheres.
Separações, ciúmes, distância, tudo concorria para um grande e desproporcional
contrapeso de tristeza aos poucos momentos vividos de alegria. Um pouco desse
clima pode ser visto na leitura das crônicas de Nelson Rodrigues, em A cabra vadia,
e nas suas narrativas em A vida como ela é.
Era esse, portanto, o contexto em que a música foi escrita. Seu título foi
certamente inspirado no romance Bom dia Tristeza (Bonjour Tristesse) da escritora
francesa Françoise Sagan, publicado na França dois anos antes, em 1954, quando
ela tinha apenas 18 anos. “Sob esta estranha sensação de que o tédio, a tranquilidade
me obcecam, hesito em colocar o nome, o belo nome sério da tristeza”. Começa
assim o romance da autora francesa.
Além disso, esse título foi, também, inspirado nos versos iniciais do poeta
francês Paul Éluard, intitulado A Peine Défigurée (Quase desfigurada), publicado em
1932, que se inicia assim:
Adieu, tristesse,
Bonjour tristesse.
Tu es inscrite dans les lignes de
Plafond
Tu es inscrite dans les yeux que
J’aime.
(Adeus, tristeza
Bom dia, tristeza.
Você está gravada nas linhas do
Teto
Você está gravada nos olhos que
Eu amo. (ÉLUARD, 1932)
57
Mas, por que fizemos questão de pôr aqui o início tanto do romance de Sagan
quanto o início do poema de Éluard? É porque esses dois autores e, também, Vinícius
de Moraes fizeram uso de uma figura da retórica clássica, de grande poder retórico e
emocional: a diácope. A diácope consiste em repetir uma palavra ou expressão,
intercalando algo entre elas. Shakespeare fez uso dessa figura na célebre frase de
Hamlet: “Ser ou não ser, eis a questão”. Entre duas ocorrências de ser, aparece o
trecho ou não. Igualmente, em seu Ricardo III, encontramos outra célebre frase: “Um
cavalo, meu reino por um cavalo”. Entre duas ocorrências de “um cavalo”, o bardo
inglês encaixou o trecho “meu reino por”. Uma diácope famosa nos filmes de James
Bond, o agente 007, é a frase que aparece em algum momento em todos os seus
filmes, quando alguém lhe pergunta o nome. A resposta não é “James Bond”, mas
“Bond, James Bond”. Uma diácope perfeita!
No poema de Éluard, temos a diácope “tristesse bonjour tristesse”. No início
do romance de Sagan, temos a diácope “o nome, o belo nome sério da tristeza”. E
na letra de Vinícius, temos a diácope “tristeza que tarde, tristeza”
Vinícius de Moraes tinha formação clássica e conhecia as figuras retóricas.
Prova disso são seus sonetos de nítida inspiração camoniana. Mas há uma outra
“coincidência” entre esses três textos: o uso personificado ou prosopopeico do
substantivo abstrato “tristeza”.
Uma outra figura retórica utilizada por Vinícius nessa música é a anadiplose,
que consiste em iniciar uma frase com a palavra final da frase anterior, como em: “que
é para eu chorar / chorar de tristeza / tristeza de amar”. Fernando Pessoa usa a
anadiplose, no seu Guardador de Rebanhos quando escreve “Sou um guardador de
rebanhos,/ O rebanho é os meus pensamentos/ E os meus pensamentos são todos
sensações. (PESSOA, 1914, grifo nosso)
Como vemos, a letra da música Bom dia, tristeza foi construída em estilo
clássico e em forma de redondilha menor (versos pentassílabos ou com cinco sílabas
poéticas). As únicas exceções são os terceiros versos de ambas as estrofes, que são
livres. Uma outra concessão que Vinícius fez ao ideário modernista, em termo de
linguagem, foi empregar a colocação pronominal coloquial, iniciando oração com
pronome átono proclítico em: Se chegue, tristeza / Se sente comigo. Não nos
esqueçamos da lição de Oswald de Andrade em seu poema Pronominais:
58
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro. (ANDRADE, 1972,)
Concluindo a análise dessa música, podemos dizer que se trata de uma canção
em estilo bastante clássico, refletindo o clima de um amor frustrado, bastante comum,
como vimos, na cultura da época. Nada mais apropriado, portanto, que sua grande
intérprete, naquele momento, tenha sido Maysa Matarazzo, uma bela mulher que
encarnou de modo emblemático a condição da mulher rejeitada, triste e sofredora.
59
A música A noite do meu bem foi composta e gravada, no ano de 1959, por
Adileia Silvia da Rocha, conhecida artisticamente como Dolores Duran, uma grande
cantora e compositora brasileira.
Suas composições e gravações pertencem ao gênero samba-canção, que
retrata o amor romântico e o sofrimento amoroso. Esse gênero surgiu na década de
30 e antecedeu a bossa nova.
O tema da canção é a espera da mulher pessoa amada para uma noite de
amor. A letra é construída a partir do plot do encontro. Um plot compreende três
momentos: uma situação, uma complicação e uma solução. A parte do plot do
encontro explorado pela música é apenas a situação, a preparação do encontro na
mente de quem o está planejando. Não sabemos, ao final, se a pessoa amada de
fato chegou e, se chegou, qual o resultado do encontro.
Essa letra é construída por uma sucessão de comparações, objetivando
concretizar situações abstratas como abandono, ternura etc.
Na primeira estrofe, há uma antítese imagética, em termos de distância. Afinal,
rosa é próxima, podemos tocá-la com as mãos. A primeira estrela, ao contrário, está
bem distante no espaço.
Na segunda estrofe, há duas comparações, uma comparando paz à imagem
de uma criança dormindo e outra, comparando abandono com flores se abrindo. A
60
palavra “abandono”, que tem em seu sentido prototípico uma conotação negativa,
nesse contexto tem conotação positiva e, também, uma sugestão erótica.
Na terceira estrofe, alegria é comparada a um barco voltando, e ternura, a mãos
se encontrando, explorando a metonímia.
Na quarta estrofe, há o uso da hipérbole. Há exagero por parte do eu-lírico, ao
dizer que quer toda a beleza do mundo para enfeitar a noite da pessoa amada “Eu
quero toda a beleza do mundo/para enfeitar a noite do meu bem”. Na quinta estrofe,
temos o tema da demora e do desgaste da espera.
Resumindo, em termos de imagens, temos:
A música Morreu meu coração foi composta por Carlos Galhardo, juntamente
com José Carlos e Gaya, no ano de 1957.
Trata-se de uma canção que tem como tema a desilusão amorosa, de um eu-
lírico que perdeu a vontade de viver devido ao sofrimento amoroso. Temos retratado
o amor dependente, extremo, cuja ausência faz com que se perca o gosto pela vida,
que já não se enxergue razões para continuar a viver.
Em termos de construção sintática, temos o emprego da anadiplose em um
verso repetido no final da primeira e da segunda estrofe: “Meu sonho morreu, morreu
meu coração”. Essa figura se dá pode meio da repetição do verbo “morrer” e serve
para dar ênfase à ideia de morte, da falta de sentido para viver por parte do eu-lírico.
O uso do coração como contêiner do amor é uma tradição milenar. Isso se dá
a partir do ESQUEMA DE IMAGEM de CONTÊINER, proveniente da ideia de que
podemos guardar algo em algum recipiente ou entrar em algum lugar. Nessa canção,
bem como em nosso cotidiano, o coração é a parte do nosso corpo que funciona como
o recipiente dentro do qual guardamos o amor.
A metáfora “morreu meu coração” concretiza a perda do sentimento amoroso
provocado pela ausência da mulher amada. Durante toda a canção, fica implícita a
presença de seu corpo, sugerido pela palavra “vulto” e pela presença do perfume.
Em termos sociocognitivos, o frame está vinculado ao senso comum da época,
em uma espécie de romantismo tardio, em que o desespero pela perda da mulher
amada leva o homem a desinteressar-se de tudo em seu entorno.
A construção semântica é feita por indução de multimodalidade, empregando
sons (a fonte a murmurar), imagens visuais (luz do sol, sombras, vulto, olhos) e olfato
(teu perfume aqui ficou).
62
Na letra da canção, muitas imagens são criadas a partir dos nossos sentidos, o
que configura a multimodalidade. Nos versos “e o seu cabelo está enrolado no meu
peito” e “e agora como eu passo sem te ver / se o seu nome está gravado no meu
braço como um selo”, temos o sentido da visão. Construímos, a partir deles, uma
imagem visual daquilo que está sendo dito.
Em “se o seu cheiro ainda está no travesseiro”, temos o sentido do olfato e em
“se os teus lábios ainda estão molhando os lábios meus / e as lágrimas não secaram
com o sol que fez”, o sentido do tato, ao criarmos, por meio desse sentido, a imagem
de algo molhado (o rosto, pelas lágrimas e os lábios, pelo beijo).
4.2 Década de 60
Doce é sonhar
É pensar que você
Gosta de mim
Como eu de você!
Mas a ilusão
Quando se desfaz
Dói no coração
De quem sonhou, sonhou demais
A música Este seu olhar foi composta, em 1959, por Antônio Carlos Brasileiro
de Almeida Jobim, um dos grandes nomes da bossa nova. Tom Jobim teve muitas de
suas composições gravadas por grandes nomes da música brasileira. Suas músicas
chegaram a ser gravadas, inclusive, por artistas internacionais, o que o tornou um dos
principais responsáveis pela internacionalização da bossa nova.
Suas raízes se encontram no jazz e na música clássica. Sua harmonização
está vinculada, inclusive, em Chopin, especialmente em seus prelúdios.
65
Splish Splash!
Fez o beijo que eu dei
Nela dentro do cinema
Todo mundo olhou-me condenando
Só porque eu estava amando...
Agora lá em casa
Todo mundo vai saber
Que o beijo que eu dei nela
Fez barulho sem querer
Yeah!..
Splish Splash!
Todo mundo olhou
Mas com água na boca
Muita gente ficou
Hiê! Hiê!
Splish Splash!
Hiê! Hiê!
Splish Splash! Splish Splash!
Splish Splash! Splish Splash!
Ahran! Ahran! Ahran! Ahran!...
Splish Splash!
Fez o tapa que eu levei
Dela dentro do cinema
Todo mundo olhou-me condenando
Só porque eu estava apanhando...
Agora lá em casa
Todo mundo vai saber
Que tapa que eu levei
Fez barulho e fez doer
Yeah!..
Splish Splash!
Todo mundo olhou
Mas com água na boca
Ninguém mais ficou
Hiê! Hiê!
Splish Splash! Splish Splash!
Splish Splash!
Hiê! Hiê! Hiê! Hiê! Au!
Splish! Splish!
Splish Splash!... (CARLOS, 1963)
A música Splish Splash é uma versão, escrita por Erasmo Carlos, da música,
de mesmo título, composta por Bobby Darin e Murray Kaufman. A versão de Erasmo
foi gravada por Roberto Carlos, no ano de 1963
68
Garçom, amigo,
Apague a luz da minha mesa
Eu não quero que ela note
Em mim tanta tristeza.
Traga mais uma garrafa,
69
A dama de vermelho foi composta por Jeca Mineiro e Ado Benatti, no ano de
1963. Jeca Mineiro foi um cantor e compositor brasileiro. O artista formou várias
duplas durante sua carreira (com Chico Carretel, Motinha, Nininha, entre outros), além
de um trio (Trio Jeca Mineiro, Bambuí e Pirajá). Várias de suas composições
alcançaram grande sucesso nas vozes de outros artistas. Uma delas, por exemplo, é
a canção A dama de vermelho, que se tornou um dos maiores sucessos da música
sertaneja no Brasil.
Podemos pensar que uso da cor vermelha para descrição da roupa usada pela
mulher não se dá ao acaso, pois se trata da cor que representa a paixão, o desejo. O
vermelho é, também, uma cor que remete à sensualidade. Não é à toa que, no clássico
dos cinemas, Uma linda mulher, a protagonista aparece em cenas emblemáticas
usando um vestido vermelho.
No início da canção, nos versos “note que até a orquestra / fica toda em
festa/quando ela sai para dançar” somos colocados diante do frame dos bailes de
antigamente que são muito diferentes das festas de hoje em dia. A presença de uma
grande orquestra tocando em um baile é algo que não é comum atualmente.
A mulher é descrita pela visão daquele que a ama. Trata-se de uma visão
idealizada. Ela é, portanto, retratada como uma mulher linda que, segundo o eu-lírico,
chama atenção, pois “até a orquestra fica toda em festa” ao ver a mulher saindo para
dançar.
Uma passagem que reflete o senso comum da época está no verso “essa dama
já me pertenceu”. A mulher era vista como propriedade do homem, o homem era seu
dono, o que hoje já não é tão comum, devido às conquistas femininas que se deram
ao longo da história.
O tema da canção é a “dor de cotovelo”. O homem que “chora de ciúme” pela
mulher que perdeu, que quer “dormir para não ver outro homem em seu lugar”.
Nos versos “hoje choro de ciúme / ciúme até do perfume”, temos a figura da
anadiplose pela repetição última palavra de uma frase no início daquela que a sucede.
Além de contribuir para o ritmo da canção, podemos pensar que o uso dessa figura
serve para dar ênfase àquilo que o eu-lírico sente, o ciúme pelo medo de ver sua
amada com outro homem.
70
4.3 Década de 70
Na década de 70, Brasil, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos foram levados
à recessão em virtude da crise do petróleo. Enquanto isso, a economia de países
como a Alemanha e o Japão começava a crescer.
O Brasil, durante os anos 70, era governado pelo regime militar que, nessa
época, chegou ao auge de sua popularidade.
As discotecas, bem como o experimentalismo da música erudita, surgem nesse
período. Considerada por muitos como a era do individualismo, a década de 70 foi um
período marcado pelo crescimento das revoluções comportamentais que tiveram
início na década de 60.
Após o festival de música de Woodstock, em 1969, o movimento hippie se
difundiu e se tornou popular, passando a ser um dos estilos mais marcantes dessa
época e, juntamente com ele, o punk também marcou a década de 70 e foi
influenciado pela música.
No Brasil, o sertanejo e o samba passavam por um momento de declínio,
estando presentes apenas em áreas rurais, no caso do sertanejo, e o samba, nos
subúrbios das áreas urbanas. Músicas exuberantes e, por vezes, até mesmo com
apelo erótico faziam sucesso nas vozes de cantores como Gretchen e Sidney Magal.
Além disso, o movimento dos chamados “Novos Baianos” ganhava destaque por sua
oposição ao regime militar.
Após o fenômeno do rock and roll nos anos 60, surge, na década de 70, uma
MPB mais moderna. Nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Gal
Costa, Chico Buarque, entre outros, colocam esse segmento em evidência. Forma-
se, também, uma geração cujos membros seriam responsáveis por levar a MPB até o
início do século XXI. Dentre eles, podemos destacar Djavan, Fagner, Belchior, Alceu
Valença e Elba Ramalho, além de outros nomes.
71
4.3.1 Cotidiano
A letra da canção foi escrita por Chico Buarque e foi sucesso no ano de 1971,
na voz do próprio compositor.
Chico Buarque é um dos grandes nomes da MPB. Além de músico, é também
escritor, ator e dramaturgo. Começou a se destacar como cantor após lançar seu
primeiro álbum (Chico Buarque de Holanda) e vencer o Festival de Música Popular
Brasileira, com a canção A Banda.
Sua carreira musical é marcada pelo samba e pela MPB. A crítica ao regime
militar também foi algo muito presente em sua obra.
Chico escreveu muitas de suas composições com eu-lírico feminino, o que fez
com que suas canções fossem cantadas por mulheres. Dentre essas músicas,
podemos destacar Com açúcar, com afeto, que ele escreveu para Nara Leão, Olhos
nos olhos e Teresinha, que foram ambas gravadas por Maria Betânia.
A música Cotidiano retrata a rotina de um casal. Temos a representação de um
casal comum à época: o homem provedor, que trabalha para sustentar a família, e a
mulher dona-de-casa.
72
Temos o verbo “parar”, sem um objeto direto explícito, o que permite que o
ouvinte, tendo lido a primeira estrofe, infira, pragmaticamente, que o que deve ser
parado é a rotina de “fazer tudo igual”. Isso acontece no meio do dia, quando o homem
está sozinho. Note-se que essa é a única estrofe em que o verso final não inclui o
beijo. Como, na primeira estrofe, a companheira diz que o está esperando para o
jantar, deduz-se que ele, de fato, almoce sozinho, no trabalho. Daí a ausência do
73
beijo. A ação de calar-se refere-se, portanto, não a uma emissão de voz, mas ao
pensamento de querer mudar, que é refutado pela necessidade de ter a “vida pra
levar”.
O medo que a mulher tem de perder o companheiro é retratado pela hipálage
“boca de pavor”, o que nos coloca diante da situação de submissão de uma mulher
que tem medo de perder seu marido, contextualizada essa inferência pelo verso:
“Toda noite ela diz pra eu não me afastar”.
Levando em conta a cultura da época, isso nos pode fazer pensar que esse
medo se dá tanto pelo sentimento que ela tem por ele, quanto pelo fato de ela
depender do homem financeiramente, sendo ele o provedor. Além disso, na década
de 70, uma mulher separada do marido ainda não era vista com bons olhos, portanto,
ser deixada pelo marido era algo que despertava nas mulheres o sentimento de
“pavor”. Afinal, o divórcio foi instituído oficialmente no país, apenas no ano de 1977.
Antes disso, havia apenas o desquite, uma situação em que a mulher ficava, pelo
resto de sua vida, em uma espécie de limbo jurídico.
No verso “e essas coisas que diz toda mulher” podemos notar um
“desmerecimento” da figura feminina. Tal afirmação nos leva a uma outra, implícita,
de que, na época todas as mulheres eram iguais, ou seja, não importa qual fosse
escolhida, isso não faria diferença, já que todas agiriam da mesma maneira. A
expressão “e essas coisas que diz toda mulher” é utilizada de modo a retratar a visão
do homem de que as coisas ditas por uma mulher não têm importância.
Os verbos “dizer” e “pensar” são repetidos por diversas vezes na letra da
canção. O verbo “dizer” tem sempre como sujeito a mulher, enquanto o sujeito do
verbo “pensar” é o homem. Desse modo, nota-se que a mulher é apresentada como
alguém que fala muito, enquanto o homem é o ser racional, que pensa. Isso reflete o
senso comum de que mulher fala demais.
Por fim, podemos notar o uso da linguagem coloquial em “me sacode” e “me
sorri”, em que o pronome oblíquo átono é utilizado no começo da frase, o que, de
acordo com a norma culta da língua portuguesa, estaria equivocado. Tal uso se ajusta
à representação informal da rotina de um casal, tema de Cotidiano.
O relacionamento amoroso do casal é mostrado pela imagem física de ambos,
com foco na boca da mulher na ação de beijar. Em termos multimodais, o autor conduz
a rotina do casal pelo sentido do paladar que, com exceção do almoço (boca de feijão),
é veiculado pelo beijo com gosto denotativo de hortelã e café e, a seguir, com o “gosto
74
4.3.2 Você
De repente a dor
De esperar terminou
E o amor veio enfim
Eu que sempre sonhei
Mas não acreditei
Muito em mim
Vi o tempo passar
O inverno chegar
Outra vez mas desta vez
Todo pranto sumiu
Um encanto surgiu
Meu amor
Você
É mais do que sei
É mais que pensei
É mais que esperava, baby
Você
É algo assim
É tudo pra mim
É como eu sonhava, baby
A canção Você foi composta e gravada por Tim Maia, no ano de 1971.
Considerado um dos grandes ícones da música brasileira e dono de uma voz rouca e
75
inconfundível, o cantor lançou seu primeiro disco em 1970. Apesar de ter começado
sua carreira anos 14 anos de idade, foi com esse álbum, cujo título era o seu próprio
nome, que o artista começou a ter êxito, ficando durante 24 semanas nas paradas de
sucesso cariocas.
Tim Maia foi, além de cantor e compositor, síndico, datilógrafo, maestro,
instrumentista e produtor. Muitas de suas canções foram e ainda são grandes sucesso
na música brasileira.
Lançada no ano de 1971, a música Você tem como tema a necessidade de se
ter um amor na vida e a felicidade ao encontrá-lo.
Na primeira estrofe, temos retratada a espera pelo amor. A dor do eu-lírico
acaba quando ele encontra a pessoa pela qual esperava, e, na segunda estrofe, os
versos “vi o tempo passar / o inverno chegar / outra vez, mas desta vez” mostram que
essa espera foi longa. Isso nos remete ao senso comum da época, em que as pessoas
precisavam ter alguém para que fossem felizes, o que já não acontece com tamanha
frequência nos dias de hoje. Vivemos em uma época em que muitas pessoas optam
por sucesso profissional, realizações pessoais e acabam por deixar o amor em
segundo plano. Isso não significa que uma coisa exclua a outra, mas o amor já não é
prioridade para muitos. O fato de viver sozinho, de não se casar, já não “assusta”
como antigamente. Muitas pessoas, hoje, ficam sozinhas por opção.
A letra dessa música apresenta construções anafóricas. Em uma de suas
estrofes, temos os versos “é mais do que sei/ é mais que pensei / é mais que eu
esperava, baby”, onde a anáfora se dá por meio da repetição das palavras “é mais”.
Desse modo, é ressaltada a ideia de que o amor encontrado pelo eu-lírico superou
suas expectativas, além do fato de que a anáfora contribui para o ritmo da canção. Na
estrofe seguinte, a repetição do verbo ser é a responsável pela construção da anáfora
(é algo assim / é tudo pra mim / é como eu sonhava.)
A canção contém várias passagens que nos mostram que o eu-lírico sonhava
com um amor e o idealizava (é mais do que sei, é mais que pensei, é mais que eu
esperava, é como eu sonhava), ao final, podemos inferir que o eu-lírico não era feliz
antes de encontrar seu amor (sou feliz agora / não, não vá embora, não).
No verso “vou morrer de saudade”, repetido várias vezes durante música,
temos a figura da hipérbole, que consiste no exagero ao se afirmar alguma coisa, pois
o eu-lírico exagera ao citar a consequência da saudade (morrer).
76
A ideia de que para ser feliz é preciso ter um amor é tema também de um outro
grande sucesso da década de 70: a música Eu só quero um xodó, que foi composta
por Dominguinhos e Anastácia, sua companheira na época, no ano de 1968, e
gravada, pela primeira vez, por Gilberto Gil, no ano de 1974. O sucesso da música foi
tamanho que mais de 250 regravações foram feitas, em várias línguas, dentre elas,
inglês, holandês e italiano.
que esse senso comum do egocentrismo masculino não é restrito a essa década. É
universal, válido até os dias de hoje, em quase todo o planeta.
4.4 Década de 80
Além do rock, é necessário destacar um outro gênero musical nos anos 80.
Ouvido pela população que migrava do campo para a cidade, o sertanejo começou a
destacar-se nessa época, como um gênero de massa que passaria a se tornar cada
vez mais popular e ouvido pelo povo brasileiro.
Duplas como Pena Branca e Xavantinho, Pedro Bento e Zé da Estrada,
Milionário e José Rico, Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, Chico Rey e Paraná,
Chitãozinho e Xororó, Gian e Giovanni e Chrystian e Ralf são algumas das que fizeram
sucesso nessa década entre as classes mais baixas.
Me dê a mão
Vem ser a minha estrela
Complicação
Tão fácil de entender
Vamos dançar,
Luzir a madrugada
Inspiração
Pra tudo que eu viver
Me dê a mão
Vem ser a minha estrela
Complicação
Tão fácil de entender
Vamos dançar,
Luzir a madrugada
Inspiração
Pra tudo que eu viver
Que eu viver
A canção Um certo alguém foi composta e gravada por Lulu Santos em 1983.
Cantor, compositor e guitarrista, Luís Maurício iniciou sua vida na música aos
12 anos de idade, em uma banda que tinha como repertório canções da banda inglesa
The Beatles. Participou, ainda, de outros conjuntos musicais e, após alguns trabalhos
como músico freelancer, gravou seu primeiro compacto, que tinha como título seu
próprio nome, Luís Maurício. Seu primeiro sucesso aconteceu em 1982, com a canção
Tempos Modernos, faixa título de seu primeiro álbum.
Tendo como principal estilo o pop-rock, Lulu Santos teve também passagens
pelos gêneros disco e dance.
Sucesso na década de 80, a canção Um certo alguém tem como tema um
homem que se apaixona e que, apesar da relutância em se entregar ao sentimento
amoroso, acaba por fazê-lo.
No primeiro verso, podemos notar o uso da metonímia. Quando o eu lírico
afirma que quis evitar os olhos da mulher por quem se apaixonou, temos a utilização
de uma parte do corpo, os olhos, para se referir à mulher como um todo. Não são
apenas os olhos que ele quer evitar, ele não quer se entregar ao sentimento que sente
por ela. O uso dos olhos tem a ver com a metáfora conceptual de que os olhos são os
recipientes das emoções, descrita por Lakoff & Johnson (1980).
O uso da metáfora no verso “vem ser a minha estrela” se dá de modo a afirmar
que a mulher amada será o brilho da vida do eu-lírico. Podemos pensar, também, na
estrela-guia que conduziu os reis magos até a manjedoura onde estava o menino
Jesus. As estrelas podem ser guias, podem nos mostrar o caminho; essa é também
uma ideia que se quer passar de que a mulher amada serve como guia para o homem.
80
Lakoff & Johnson (1980) nos apresentam várias metáforas utilizadas em nosso
cotidiano para descrever o amor. Dentre elas temos: o amor é uma força física
(eletromagnética, gravitacional etc.), expressa por frases como “Eu podia sentir a
eletricidade entre nós.”; o amor é uma enfermidade. (Essa é uma relação doente.); o
amor é loucura. (Eu sou louco por ela.); o amor é mágico. (A magia se foi; ela me
hipnotizou.); o amor é guerra. (Ela lutou por ele, mas sua amante venceu.) Essa última
metáfora (o amor é guerra) pode ser notada na música no verso “é melhor não resistir
e se entregar”.
O paradoxo presente no verso “complicação tão fácil de entender” dialoga com
a contradição em que o eu-lírico se encontra por ter despertado um sentimento dentro
de si e não querer aceitá-lo. Segundo Forsyth (2013, p.141, tradução nossa),
12 Paradoxes are remarkably hard to define, but you know one when you see one.
Mathematicians, logicians, psychologists, sociologists and poets all compete for the word.
They all think they own it. But this is untrue. For paradoxes are quite paradoxal.
13
The true parado xis one of the more peculiar points of rethoric in its long war against reality.
We will happily dream the impossible dream, even if logic and the laws os the universe say
it’s...impossible. the true parado xis arresting because it breaks all laws, but calming because
that is so easy in language. It is easy to write that black is White, that up is down and that good
is evil. It’s as easy as typing, and as difficult. I can’t do it, and I just did.
81
A canção Eduardo e Mônica foi composta por Renato Russo e gravada, no ano
de 1986, pelo grupo Legião Urbana, do qual Renato era vocalista.
Essa banda foi uma das de maior sucesso no Brasil, responsável por uma
marca de mais de 25 milhões de discos vendidos, uma das recordistas de venda em
nosso país.
A banda lançou seu primeiro álbum no ano de 1985 e, a partir daí, emplacou
grandes sucessos que, até hoje, são cantados e ouvidos por grande parte da
população.
Renato Russo, vocalista, fundador e líder da banda, foi, também, compositor.
São de sua autoria sucessos como Eduardo e Mônica, Que país é esse?, Faroeste
caboclo, Tempo perdido, Pais e filhos (em parceria com Dado Villa Lobos e Marcos
Bonfá), entre outros
Lançada no ano de 1986, a canção Eduardo e Mônica consiste em uma longa
narrativa em terceira pessoa, desenvolvendo o plot do encontro. O autor da música é
84
Maria. Nesse filme, Maria trabalha num posto de gasolina e José era um taxista. No
ano de seu lançamento, o presidente Sarney conseguiu que a exibição do filme fosse
proibida no Brasil.
Mônica também gostava de Bandeira, Caetano, Rimbaud, Van Gogh, e
Bauhaus, artistas conhecidos como progressistas e inovadores.
Ela era punk, gostava de Bauhaus, uma banda que surgiu na Inglaterra, no ano
de 1978. O estilo musical do grupo era o pós-punk e, entre os nomes que a
influenciaram, está o cantor David Bowie. Entre as preferências musicais de Mônica
estava, também, Caetano, grande nome da MPB, um estilo de música mais elitizado.
Além disso, a moça se interessava por poesia (Bandeira e Rimbaud) e arte (Van
Gogh). Seus gostos nos mostram, pois, que se tratava de uma mulher culta e de
personalidade forte.
Na estrofe “Ela falava coisas sobre o Planalto Central / também magia e
meditação / E o Eduardo ainda tava no esquema / Escola, cinema, clube, televisão”,
temos ressaltada, mais uma vez, a diferença entre o nível cultural entre Eduardo e
Mônica. Após essa estrofe, no entanto, as diferenças deixam de ser apontadas para
que se mostre que, apesar delas, o amor entre os dois aconteceu. Mesmo
pertencendo a mundos distintos e apesar de todas as diferenças, o casal foi ficando
cada vez mais envolvido (E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente / uma
vontade de se ver / E os dois se encontravam todo dia / e a vontade crescia, como
tinha de ser). Temos, nesse último verso, uma referência aos relacionamentos em
geral, pois, ao dizer que a vontade dos dois crescia “como tinha de ser”, somos
colocados diante do frame da relação de um casal apaixonado, o que nos faz pensar
em pessoas que querem se ver cada vez com mais frequência, que não conseguem
mais passar muito tempo da pessoa amada.
Na canção, é Mônica que se interessa por Eduardo e consegue conquistá-lo.
A complicação do plot, a diferença de idade e de interesses, acaba sendo vencida. A
imagem apresentada para a relação dos dois é a de feijão com arroz, cereais
totalmente diferentes um do outro, mas que se completam na funcionalidade
alimentar. A solução é o casamento, de acordo com o modelo burguês: constroem
uma casa e têm filhos (gêmeos), batalham por dinheiro. O final tem uma leve sugestão
do esquema tradicional das narrativas cliffhanger (gancho de suspense), inaugurado
na Inglaterra por Charles Dickens. No final da música, o verso “porque o filhinho de
Eduardo tá de recuperação”, o que sugere que, entre os gêmeos, Eduardo tinha seu
86
filho “preferido”, aquele com que tinha mais afinidades. Isso nos coloca diante de uma
questão: será que o filho puxou o pai? O fato de estar de recuperação seriam as
características de Eduardo se repetindo em um de seus filhos?
Em termos dos frames que constroem o senso comum, essa música tem a
importância de “quebrar as regras”. Nela, é a mulher que toma a iniciativa em procurar
o homem (E a Mónica riu, e quis saber um pouco mais / sobre o boyzinho que tentava
impressionar). Ela encontra-se em um patamar intelectual e social superior ao
homem, mas, mesmo assim, leva a relação até o casamento, este, sim, construído
segundo o senso comum dos sonhos da classe média brasileira: casa própria e filhos.
A canção termina repetindo a estrofe inicial, reafirmando a tese inicial, o
paradoxo entre razão e sentimento. Há, no entanto, o acréscimo da conjunção “e”,
com valor conclusivo, para que se confirme a tese apresentada inicialmente.
O que podemos concluir a partir desses versos é que não há como afirmar se
existe ou não razão no amor, pois se trata de um sentimento imprevisível, capaz de
nos fazer quebrar regras, agir contra princípios, mudar nossos planos. Não existe
receita para o amor. Ele simplesmente acontece, sendo que, muitas vezes, isso corre
da maneira mais inesperada e improvável, dentro dos contextos mais imprevisíveis.
As diferenças podem afastar as pessoas, mas podem, também, ser motivo de
aproximação.
As personagens Eduardo e Mônica ficaram tão conhecidas e se tornaram tão
simbólicas, quando se fala em relacionamentos, que cientistas chegaram a fazer um
estudo sobre eles. Segundo esses cientistas, o casal jamais teria dado certo na vida
real. Esse estudo, desenvolvido na Universidade de Pittsburg, foi matéria na revista
Superinteressante, no ano de 2016. Os cientistas explicam, com base nos hábitos e
características das personagens, que as diferenças entre Eduardo e Mônica não
permitiriam que eles durassem muito tempo como um casal.
Tamanho sucesso vai levar história da música às telas de cinema. O filme
Eduardo e Mônica tem previsão de lançamento para o dia 19 de setembro de 2019.
87
Linda
Só você me fascina
Te desejo muito além do prazer
Vista meu futuro em teu corpo
E me ama como eu amo você
Vem
Fazer diferente
O que mais ninguém faz
Faz parte de mim
Me inventa outra vez
Vem
Conquistar meu mundo
Dividir o que é seu
Mil beijos de amor
Em muitos lençóis
Só eu e você
Linda
Conte a mim teu segredo
Pro meu sonho
Diga quem é você
Livre
Nunca mais tenha medo
Pois quem ama
Tudo pode vencer (KIKO; PAES, 1985)
O grupo Roupa Nova foi formado no ano de 1970. Representantes do estilo pop
rock, a banda alcançou seu maior sucesso nas décadas de 80 e 90. Com a marca de
mais de 20 milhões de discos vendidos ao longo de sua carreira, que dura até hoje, é
a banda com maior número de canções presentes em trilhas de novelas no Brasil (32
no total), dentre as quais podemos citar Amar é, A viagem, tema de uma novela com
o mesmo nome, da rede Globo de televisão, e Dona, que fez parte da trilha de Roque
Santeiro, também da mesma emissora.
Entre os grandes sucessos do grupo, podemos citar as canções Dona, Coração
pirata, Volta pra mim, Whisky a go go, Seguindo no trem azul, Anjo, Chuva de prata
(gravada com Gal costa), além de muitas outras.
A canção Linda demais foi composta por Kiko e Tavinho Paes e gravada pelo
grupo Roupa Nova, no ano de 1985. A música é um dos maiores sucessos da banda,
tendo sido regravada pelo cantor sertanejo Eduardo Costa, no ano de 2005.
A “história interna” da música parte de um pressuposto: a percepção do eu-
lírico de que sua parceira não o ama com a intensidade com que ele a ama, o que
pode ser notado no último verso da primeira estrofe: “me ama como eu amo você”.
88
Na primeira estrofe, como técnica argumentativa, ele tenta destruir o senso comum
de que os homens, diante de uma bela mulher, querem apenas obter prazer e, depois,
procuram outras, com o mesmo objetivo. “Só você me fascina”. A parceira é única.
“Te desejo muito além do prazer”. Não é apenas o prazer que o move, mas o desejo
de construir uma história com ela. Temos, pois, a imagem do homem romântico que
quer mais do que apenas sexo. Daí a metáfora: “Vista meu futuro em teu corpo”.
Nos versos “vem / fazer diferente / o que mais ninguém faz”, é possível pensar
que existe uma crítica à maneira como as pessoas vivem o amor, pois não estariam
vivendo tão intensamente quanto esse sentimento merece ser vivido, e a proposta do
eu-lírico à mulher que ama é que eles façam as coisas do modo como elas “devem”
ser. O eu lírico convida a parceira a fazer parte dele, a integrar-se, pois, em seus
valores, mas ameniza a proposta, quando propõe que ela divida o que é dela (Dividir
o que é seu).
É possível concluir durante a canção que existe algo que faz com que a mulher
tenha medo de viver esse amor. Ela tem consigo um segredo (conte a mim teu
segredo/pro meu sonho diga quem é você). Talvez seja o medo de que ele seja “igual
a todos os outros homens” que querem apenas desfrutar o prazer físico, sem
comprometer-se. Em “Mil beijos de amor / em muitos lençóis / só eu e você, muitos
lençóis” sugere a repetição do amor físico dos dois, ou seja, que esse amor é algo que
o eu lírico pretende que seja duradouro
Apesar de haver divergências com relação à escrita do verso “vista meu futuro
em teu corpo”, que, por vezes, aparece com uma vírgula após a palavra vista, em
diferentes sites na internet, na maioria das ocorrências, não há vírgula. Desse modo,
temos o verbo “vestir” com objeto direto “meu futuro”, o que contribui para a ideia de
que o eu lírico quer que sua amada faça parte de seu futuro. O corpo da amada
aparece como um CONTÊINER em que ela o deve colocar.
4.5 Década de 90
A década de 90 foi marcada por uma revolução tecnológica. Além disso, trata-
se de um período em que se fazia presente o descontentamento com a política.
Após 20 anos de governo militar, os anos 90 foram a primeira década
democrática em sua totalidade. Isso fez com que se acreditasse que a eleição de um
presidente escolhido unicamente pelo povo poderia mudar as coisas. O resultado
disso foi a frustração popular, quando o então presidente Fernando Collor de Melo
sofreu impeachment, em 1992.
Nessa década, a tecnologia possibilitou o fácil acesso à informação, o que, de
acordo com Essinger apud Lemos (2008), fez dos anos 90 em um período que “teve
de tudo, mas nada de novo”, pois, devido ao avanço tecnológico, tornou-se possível
o acesso a obras do passado, o que resultou em uma mistura de referências.
Os anos 90 foram democráticos não apenas na política. A democracia que
marcou a década se estendeu a outros segmentos, dentre eles, a música. Nessa
época, todos os ritmos tiveram seu lugar ao sol. Surge a banda Mamonas Assassinas,
que trouxe um estilo musical inusitado, com letras licenciosas, que teriam sido
censuradas, se tivessem sido lançadas durante o período de governo militar.
Ritmos como o axé music, o pagode e o sertanejo, que passou a ter um cunho
mais romântico e urbano, fizeram sucesso nesse período.
Grandes artistas da música foram revelados nessa década, dentre os quais
podemos destacar Marcelo D2 e Carlinhos Brown, que foram responsáveis por pela
mistura de ritmos.
90
Por você
Eu dançaria tango no teto
Eu limparia
Os trilhos do metrô
Eu iria a pé
Do Rio a Salvador.
Eu aceitaria
A vida como ela é
Viajaria a prazo
Pro inferno
Eu tomaria banho gelado
No inverno.
Por você
Eu deixaria de beber
Por você
Eu ficaria rico num mês
Eu dormiria de meia
Pra virar burguês.
Eu mudaria
Até o meu nome
Eu viveria
Em greve de fome
Desejaria todo o dia
A mesma mulher.
Por você! Por você!
Por você! Por você!
Por você
Conseguiria até ficar alegre
Pintaria todo o céu
De vermelho
Eu teria mais herdeiros
Que um coelho. (CECÍLIA; FREJAT; GOFFI, 1998)
A música Por você foi composta por Mauro Santa Cecília, com música
de Roberto Frejat, Guto Goffi, e gravada pelo grupo Barão Vermelho, no ano de 1998.
A banda de rock brasileira Barão Vermelho teve sua primeira formação em
1981. No início, eles se limitavam a tocar sucessos de outros grupos, mas, aos
poucos, passaram a ter repertório próprio, com as composições de Frejat e Cazuza,
ambos integrantes da banda.
O grupo não alcançou o sucesso com o lançamento de seu primeiro álbum. O
reconhecimento veio com a canção Bete Balanço, que foi composta para a trilha
sonora de um filme que tinha como título o mesmo nome da música. O sucesso fez
91
parte do álbum Menor Abandonado, cuja faixa título foi destaque, lançado no ano de
1984.
Frejat, vocalista e líder do grupo, iniciou carreira solo em 2001 e, em 2016,
deixou definitivamente o grupo, sendo substituído por Rodrigo Suricato.
A letra da canção Por você nos apresenta um eu-lírico apaixonado que se
mostra disposto a conquistar a mulher que ama, independentemente do que seja
necessário fazer para que isso aconteça. Ele se propõe a fazer coisas absurdas e até
mesmo impossíveis para conseguir o seu amor.
A construção da letra acontece com uma figura de linguagem intitulada
epanalepse, que consiste em terminar um texto da mesma maneira que se começou.
Forsyth afirma que “terminar onde você começou tem dois efeitos que são, à primeira
vista, contraditórios. Isso dá a impressão de ir a lugar nenhum e dá a impressão de,
inevitavelmente, seguir em frente”.14 (FORSYTH, 2013, p. 186, tradução nossa) O uso
dessa figura na construção da letra de Por você funciona, pois, de modo a mostrar
que a mulher amada é a única motivação para o eu-lírico, que é apenas por ela que
ele faria todas as loucuras relatadas durante a música, que tudo parte do amor que
sente por ela e termina nesse mesmo amor. Ainda de acordo com Forsyth (2013) “a
epanalepse implica circularidade e continuação”15.
No sétimo e no oitavo versos, “Eu aceitaria / a vida como ela é”, temos uma
referência intertextual à A vida como ela é, de Nelson Rodrigues, uma coluna diária
escrita por ele, no jornal A Última Hora, entre os anos 50 e 60, que trazia histórias de
adultério, escândalos, pecados, desejos e moral em que os homens geralmente eram
vítimas.
A questão da fidelidade é trazida nos versos “Desejaria todo dia / a mesma
mulher”, mostrando que, dentre todas as coisas difíceis ou impossíveis que o eu lírico
faria para conquistar sua amada, uma delas é ser fiel, o que nos remete à figura
masculina burguesa machista. Afinal, para provar que é bom, o homem de verdade
precisaria ter mais de uma mulher.
Ao afirmar que “conseguiria até ficar alegre”, temos o conhecimento da tristeza
do eu lírico, que é infeliz por não ter sua amada. Novamente, temos retratado o
sofrimento amoroso. Durante toda a canção, essa tristeza é um pressuposto. Apenas
14
Ending where you began has two effects that are, at first sight, condradictory. It gives the
impression of going nowhere, and it gives the impression of moving inevitably on.
15 Epanalepsis implies circularity and continuation.
92
nessa última estrofe o ouvinte percebe que o eu-lírico estava triste, que a tristeza era
seu estado comum na ausência de um amor.
O uso do futuro do pretérito serve como tentativa, por parte do eu-lírico, de
persuadir a pessoa amada. Existe uma condicional implícita que funciona como
subordinada a todas essas orações construídas no futuro do pretérito, mostrando que
todos esses atos dependem única e exclusivamente do “sim” da mulher amada: “Se
você ficasse comigo, eu dançaria tango no teto, eu limparia os trilhos do metrô...”, etc.
A letra dessa música constrói-se dentro de uma linha de hipérboles e non
senses, como dançar um tango no teto, limpar trilhos de metrô e viajar para o inferno,
e reflete o senso comum da época de 90, em que a fidelidade era vista, sobretudo nos
meios artísticos, como algo burguês. Alguns atributos da burguesia aparecem no
texto, como “dormir de meia” e “eu teria mais herdeiros que um coelho”. Afinal, filhos
de burgueses são herdeiros e não filhos, simplesmente.
4.5.2 É o amor
É o amor
Que mexe com minha cabeça
E me deixa assim
Que faz eu pensar em você esquecer de mim
Que faz eu esquecer que a vida é feita pra viver
93
É o amor
Que veio como um tiro certo no meu coração
Que derrubou a base forte da minha paixão
E fez eu entender que a vida é nada sem você (CAMARGO, 1991)
A canção É o amor foi escrita por Zezé di Camargo e gravada por ele,
juntamente com seu irmão Luciano, no ano de 1991. Trata-se de um dos maiores
sucessos da época e uma das músicas sertanejas mais conhecidas e mais tocadas
no Brasil.
Os irmãos Mirosmar José de Camargo e Welson David de Camargo,
conhecidos pelo nome artístico Zezé di Camargo e Luciano, formam uma das duplas
de maior sucesso na música sertaneja brasileira.
Eles lançaram seu primeiro álbum em 1991. Foi nesse álbum que emplacaram
o grande sucesso É o amor, que, em dois meses, colocou a dupla no hit parade; seis
meses após o lançamento, o álbum já havia vendido mais 750.000 cópias, o que
rendeu aos intérpretes o disco de platina.
A dupla se caracteriza pelo estilo romântico, que o gênero sertanejo passou a
ter a partir dos anos 80. Zezé e Luciano são grande sucesso até hoje. A vida dos dois
chegou às telas de cinema no ano de 2005, com o filme Dois filhos de Francisco, que
alcançou um público de mais de 5.300.000 espectadores, o que mostra o sucesso e
a popularidade dessa dupla.
O tema da música É o amor é o amor romântico, pois se trata de um eu-lírico
apaixonado que se declara à mulher amada.
A anáfora se faz presente nas três primeiras estrofes dessa canção, pois todas
começam, exatamente, com o mesmo verso “eu não vou negar”. Isso é feito de modo
a enfatizar a ideia de que o eu-lírico tenta esconder, mas não consegue tudo aquilo
que sente por sua amada, pois não quer negar nada com relação aos seus
sentimentos.
Ainda nos versos “eu não vou negar que sou louco por você / tô maluco pra te
ver”, temos presente a metáfora “o amor é loucura”, apresentada por Lakoff e Johnson,
no livro Metaphors we live by, pois afirmações como ser louco por alguém ou estar
maluco pra ver alguém são decorrentes dessa metáfora que, segundo os autores, faz
parte do nosso dia a dia. Outro verso que também retrata essa metáfora é “um louco
alucinado, meio inconsequente”.
94
Quando se diz, que o amor mexe com a cabeça, temos uma referência
metonímica a essa parte do corpo, por ser ela a representante do nosso lado racional.
Podemos inferir, pois, que o amor afeta nossa racionalidade, nos tornando mais
emocionais. É comum deixarmos a emoção falar mais alto que a razão, quando
estamos apaixonados.
Uma outra metáfora mencionada pelos autores e que também está presente na
letra da canção é “o amor é guerra”, como podemos notar nos versos “É o amor / que
veio como um tiro certo no meu coração / que derrubou a base forte da minha paixão”.
Quando o eu-lírico afirma ter sido o amor um tiro em seu coração, ele se refere à sua
emoção, ao seu amor que foram “atingidos” pela mulher por quem ele está
apaixonado.
Um fato a ser levado em consideração no estudo da metáfora, segundo Abreu
(2010) é que, juntamente com a transferência do(s) traço(s) selecionado(s) do domínio
de origem, são transferidos valores. Vejamos quais são as metáforas utilizadas para
descrever a mulher amada e o porquê de seu uso.
As duas estrofes iniciais, trabalham com metáforas / hipérboles (sou louco, sou
maluco), mas não saem do plano abstrato. A primeira metáfora em plano concreto
surge no início da terceira estrofe, em “Você é meu doce mel”. Temos aqui a indução
do sentido do paladar que progride no primeiro verso da estrofe seguinte (você é
minha doce amada). Na verdade, a letra é construída por meio de várias definições
da mulher amada: doce mel, pedacinho de céu, conto de fada, fantasia, paz.
“Você é meu doce mel” – temos a tendência a descrever aquilo que é bom
como doce. Sabemos que, quando ingerimos algo doce, nosso corpo libera um
hormônio (a serotonina), que é responsável pela sensação de felicidade e bem-estar.
Ao compará-la ao mel, o eu-lírico atribui à mulher amada o “poder de trazer alegria à
sua vida.
“Meu pedacinho de céu” – é muito comum, em situações e momentos em que
nos encontramos em estado de tranquilidade e paz, dizermos que “estamos no céu”.
Esta metáfora tem a ver com o fato de o céu representar esse lugar onde se “vive” ou
se “descansa” em paz, além de ser também algo sagrado. Ao estabelecer, pois, uma
comparação entre a mulher que ama e o céu, o eu-lírico confere a ela a capacidade
de fazê-lo sentir-se em paz. É com ela que ele encontra a felicidade, a calma, o
sossego, a tranquilidade.
95
“Meu conto de fadas” – Uma das características dos contos de fada é o final
feliz: “e viveram felizes para sempre”. Trata-se sempre de histórias em que o casal
que se ama vive uma linda história de amor e, após enfrentar obstáculos e
diversidades, tem um final feliz que durará para sempre. O eu-lírico descreve sua
amada como um conto de fadas. Podemos, portanto, inferir, por meio dessa metáfora,
a beleza da história de amor entre os dois e também o desejo do eu-lírico de viver
com sua amada pelo resto de sua vida.
“Minha fantasia” – fantasia pode ser aquilo que foge à realidade, geralmente
ligado a algo bom. Fantasias também podem estar ligadas ao sonho. Sendo assim,
seria a mulher amada algo tão bom que chega a ter características daquilo que não é
real, que é sonho.
“A paz que eu preciso pra sobreviver” – novamente é atribuído à mulher amada
o papel de trazer paz para a vida do eu-lírico. Podemos, pois, inferir que se trata de
um relacionamento feliz, calmo, tranquilo, sem brigas, pois traz paz àqueles que se
amam.
A canção inteira é uma sequência de definições, tanto do eu-lírico quanto da
mulher amada. O refrão de É o amor aparece como uma sequência de orações
causais desgarradas, com o objetivo de explicar as definições escolhidas.
Na estrofe final, quando se diz que o amor mexe com a cabeça, temos a
referência a essa parte do corpo por ser ela a representante do nosso lado racional.
Podemos inferir, pois, por meio dessa metonímia, que o amor afeta nossa
racionalidade, influi em nossas decisões, nos tornando mais emocionais. É comum
deixarmos a emoção falar mais alto que a razão quando estamos apaixonados. O
refrão É o amor, confirma essa ideia.
Em termos de senso comum, podemos dizer que essa canção tem caráter
universal. Não está vinculada a nada específico da época em que foi composta.
Talvez por isso mesmo tenha feito tanto sucesso.
4.5.3 Evidências
do hit americano (Achy breaky heart), com o cantor Billy Ray Cyruz. Essa última
canção foi trilha da personagem Cristina, na novela Corpo Dourado, transmitida pela
rede Globo de televisão. A dupla também teve várias outras músicas utilizadas como
trilha sonora em novelas globais.
Em 1993, a canção Guadalupe, que aparecia na abertura da novela mexicana
de mesmo nome, levou a dupla ao primeiro lugar na parada latino-americana Hot Latin
Singles da revista Bill Board.
A dupla conta com muitos prêmios conquistados durante sua carreira. Foram,
inclusive, ganhadores do Grammy latino por duas vezes (2012 e 2018), com o prêmio
de Melhor álbum de música sertaneja.
Entre seus grandes sucessos, que são inúmeros, podemos destacar: No
rancho fundo, Nuvem de lágrimas, Fio de cabelo, Nascemos pra cantar, Brincar de
ser feliz, Evidências, Se Deus me ouvisse, Página de amigos, e Sinônimos.
A canção Evidências alcançou a marca de música mais executada em karaokês
no Brasil. Composta por José Augusto e Paulo Sérgio Valle, sua primeira gravação se
deu no mesmo ano, pelo canto Leonardo Sullivan. No entanto, foi nas vozes de
Chitãozinho e Xororó, em 1990, que a canção alcançou grande sucesso. Mas as
gravações não pararam por aí. Outros artistas, tais como Bruno e Marrone e Daniel
regravaram a canção que até hoje é sucesso.
O tema da música é a luta do eu-lírico contra seu próprio sentimento. Trata-se
de um amor antigo do qual não consegue se desvencilhar após um aparente término.
Nessa canção, um dos recursos utilizados para retratar seu dilema em querer negar
um amor do qual não consegue se afastar é o paradoxo. Podemos notar isso nos
versos: “eu me afasto e me defendo de você / mas depois me entrego/ faço tipo, falo
coisas que eu não sou/mas depois eu nego”.
O uso da metonímia no verso “eu tenho medo de te dar meu coração” é utilizado
para que o eu-lírico afirme o medo que tem de se entregar à pessoa amada. A escolha
do coração como parte para representar o todo é feita devido ao fato de termos a
imagem do coração como o CONTÊINER dentro do qual guardamos nossos
sentimentos.
Quando o eu-lírico afirma estar nas mãos da pessoa amada, no verso “e
confessar que eu estou em tuas mãos”, temos mais uma metonímia. As mãos são a
parte do corpo que nos permite manusear objetos, trocá-los de lugar, ou seja,
98
podemos fazer o quisermos com aquilo que temos em mãos. Isso serve para mostrar
que o eu-lírico se põe totalmente sob o controle a pessoa amada.
Nos versos “mas pra que viver fingindo/se eu não posso enganar meu
coração?”, temos a presença de uma pergunta retórica, que, de acordo com Forsyth
(2013), podemos notar nesses versos, mais uma vez, o uso metonímico do coração,
pois, ao afirmar que não consegue enganá-lo, o eu-lírico se refere a seus sentimentos
e a si próprio, não é possível mais mentir para si mesmo fingindo não querer esse
amor.
No verso “eu me afasto e me defendo de você”, temos a presença da metáfora
conceptual “Amor é guerra” (Love is war), o que fica claro pela utilização do verbo
defender. Trata-se de um embate do eu-lírico contra o amor que sente. A metáfora
“Amor é loucura” (Love is Madness) também está presente na canção, no verso “mas
a verdade é que eu sou louco por você”. Essa metáfora corrobora a ideia de que o
amor é capaz de nos fazer perder a razão, de agir irracionalmente, como loucos.
Em termos de senso comum, essa música reflete a dor sentida por alguém que
ama e não quer se entregar a esse sentimento. Temos a representação do orgulho de
alguém que, após o término de um relacionamento, que fazer de tudo para esquecer
a pessoa amada e mostrar que está bem, mas que não consegue fazê-lo. Ao final da
canção, é o amor que fala mais alto e o eu-lírico acaba por se render ao amor. Esse
tema é atemporal. Muitas pessoas, independentemente de idade ou gênero, já
passamos por isso, por essa luta contra um amor do passado, ao qual nos acabamos
por entregar. Talvez seja esse o motivo do enorme sucesso que a canção fez e ainda
faz, pois, ainda hoje, é um dos grandes títulos da música sertaneja romântica no Brasil.
4.5.4 Garçom
Garçom
Garçom! Aqui!
Nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor...
Garçom!
No bar todo mundo é igual
Meu caso é mais um, é banal
Mas preste atenção por favor...
99
Garçom! Eu sei!
Eu estou enchendo o saco
Mas todo bebum fica chato
Valente, e tem toda a razão...
A própria maneira de se referir a seu caso “meu caso é mais um, é banal”
mostram como é comum sofrer por amor, ser deixado por uma mulher ou não ter seu
amor correspondido. Isso também é retratado nos versos: “você já cansou de
escutar/centenas de casos de amor”
pedaços o coração”, temos uma imagem criada com base no senso comum de que o
coração é o centro dos sentimentos.
A década de 2000 foi marcada pelo ataque terrorista ao World Trade Center,
em 11 de setembro de 2001. Esse ataque desencadeou os conflitos entre os Estados
Unidos e o Oriente Médio.
As ditaduras de Sadan Hussein e dos Talibãs, no Iraque e no Afeganistão,
respectivamente, chegaram ao fim.
O euro foi adotado como moeda pela maioria dos países da União Europeia.
Na América Latina, o antiamericanismo se intensificou. Ocorreu uma pequena
abertura no regime socialista de Cuba, que continua tendo, como líder, Fidel Castro.
A chegada de Vladimir Putin à presidência da Rússia fez com que a política do
país sofresse mudanças drásticas, o que aconteceu também na economia. Estados
Unidos e Rússia passaram a ter relações mais intensas.
No Brasil, foi na década de 2000 que a esquerda chegou ao poder com a
eleição de um presidente que pertencia a um partido socialista. Luiz Inácio Lula da
Silva, do PT (Partido dos Trabalhadores), foi eleito no ano de 20012, por voto popular.
Lula foi o primeiro operário a chegar à presidência do país, governando-o por 8 anos,
pois, em 2006, foi reeleito. O pré-sal, uma reserva de petróleo encontrada sob uma
profunda camada de rocha salina, foi descoberto.
Vários casos de corrupção, porém, marcaram essa década em nosso país.
Como exemplo, podemos citar o Mensalão, um esquema de corrupção política que
consistiu na compra de voto de parlamentares durante o primeiro governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2005 e 2006, e o Petrolão, um esquema de
corrupção e desvio de dinheiro que ocorreu na maior estatal brasileira, a Petrobrás.
A música dos anos 2000, no Brasil, é marcada pelo surgimento e ascensão de
ritmos bem populares que ganharam as grades massas. O funk carioca e o sertanejo
universitário são os gêneros predominantes nesse período.
Não podemos, no entanto, deixar de destacar o que aconteceu em outros
gêneros musicais. Na MPB, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes
formaram um grupo e lançam, em 2002, um álbum, sob o título de Tribalistas.
101
Maria Rita, filha de Elis Regina, surgiu como a grade sensação nesse
segmento. Além disso, outros nomes merecem destaque, pois fizeram bastante
sucesso nessa década. Cantores como Ana Carolina, Seu Jorge, Lenine, Jorge
Vercilo, entre outros, apareceram com grande força, representando a MPB.
Bandas de rock e pop rock como Jota Quest, Skank e Charlie Brown Júnior
continuaram a fazer sucesso nessa década, acompanhadas de algumas bandas da
década de 80, como Capital Inicial e Titãs e de novas bandas como CPM 22, NX Zero,
Detonautas, entre outras, que apresentavam um pop rock mais alternativo.
O funk carioca alcançou a popularidade e a manteve durante toda a década.
Nomes como Bonde do Tigrão, Tati Quebra Barraco, Mc Leozinho, entre outros,
fizeram sucesso e ficaram entre os mais tocados nas rádios.
A música gospel também ganhou lugar de destaque. Entre cantores
evangélicos e padres, destacou-se o Padre Marcelo Rossi, um dos artistas mais
populares da década.
O axé perdeu a força que tinha nos anos 90; no entanto, nomes como Ivete
Sangalo, que deixou, em 1999, a Banda Eva, grupo de axé do qual era vocalista e
Cláudia Leitte que, em 2001, deixou a banda Babado Novo, para seguir carreira solo,
são dois nomes de grande sucesso na década de 2000. Ivete foi uma das artistas
mais populares nesse período.
O sertanejo universitário surgiu com força total, passando a ter cada vez mais
popularidade. Esse gênero se tornaria, na década seguinte, o mais popular entre o
povo brasileiro, o mais tocado e ouvido nas rádios de todo o país.
Destacam-se, nesse segmento, nomes como César Menotti e Fabiano, João
Bosco e Vinícius, Victor e Léo, Luan Santana, Jorge e Mateus, entre outros.
Você é assim
Um sonho pra mim
E quando eu não te vejo
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito
Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
102
E a gente canta
E a gente dança
E a gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
Na nossa velha infância
Você é assim
Um sonho pra mim
Quero te encher de beijos
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito (ANTUNES et.al., 2002)
A canção Velha infância foi composta pelos seus intérpretes, Marisa Monte,
Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, juntamente com Pedro Baby.
Marisa Monte, Brown e Arnaldo, três artistas brasileiros consagrados como
cantores e compositores em carreira solo, formaram o grupo Tribalistas, que deu
origem a dois álbuns, o primeiro lançado em 2002 e o segundo, no ano de 2017. Esses
álbuns venderam, respectivamente, 1,5 e 2,1 milhões de cópias.
A letra da canção usa linguagem extremamente coloquial. Fala do amor puro,
que nasce da amizade, o amor ideal, correspondido, que não causa sofrimento.
Para demonstrar isso, o sentimento é comparado à infância, período da vida
em que não enxergamos problemas, em que, geralmente, tudo é bom, bonito. Trata-
se de uma fase durante a qual enxergamos graça e beleza em tudo a nossa volta,
quando não temos preocupações, quando a vida é doce e pode ser desfrutada sem
medos e receios devido à inocência que nos é característica.
Casimiro de Abreu em seu poema Meus Oito Anos, retrata toda essa beleza da
infância.
Merisma é quando você não diz sobre o que você está falando e, ao
invés disso, nomeia todas as suas partes. Senhoras e senhores, por
exemplo, é um merisma para pessoas, porque todas as pessoas são
senhoras ou senhores. A beleza do merisma é que ele é
absolutamente desnecessário. São palavras por amor às palavras:
uma torrente jorrante de invenções preenchida com nomes e nomes e
significando nada.16
16Merism is when you don’t say what you are talking about, and instead name all of its parts.
Ladies and Gentlemen, for example, is a merism for people, because all people are either
ladies or gentlemen. The beauty of merism is that it’s absolutely unnecessary. It’s words for
words’ sake: a gushing torrente of invention filled with noun and noun signifying nothing.
106
Desse modo, a ideia de que o eu-lírico pensa em seu amor o tempo todo é
intensificada.
No verso “Seus pés me abrem o caminho”, a sinédoque é utilizada, pois o eu-
lírico se refere aos pés de seu amor como abridor de caminhos, que representa a ideia
de que as coisas se tornam mais fáceis em sua presença, pois é mais fácil caminhar,
é mais fácil viver quando se tem alguém que nos ame, nos apoie e nos ajude a superar
os obstáculos impostos pela vida. Infere-se, também, aqui, a ideia de guiar alguém,
dentro do esquema de imagem de PERCURSO. Abrir caminho, significa, traçar um
percurso, onde ele ainda não existe.
Olhos como clarão eliminando a escuridão configuram uma metáfora
conceptual, em que ver é interpretado como conhecer, ou seja, só conhecemos, de
fato, aquilo que nossos olhos conseguem enxergar. Para ver, é necessário que haja
luz, obviamente. Pelo contexto, infere-se que o eu-lírico necessita da pessoa amada
para seguir sua vida, pois é esse amor que traz à sua vida a luz que permite conhecer
(ver) o caminho por onde andam.
Temos, também, a figura da hipálage, no verso “meu riso é tão feliz contigo”,
onde o adjetivo feliz usado para descrever o sorriso, quando, na verdade, está se
referindo ao eu-lírico.
Em termos de senso comum, essa canção tem, também caráter universal. Não
se prende a nada de concreto que representa a década em que foi composta.
A canção Pássaro de fogo foi escrita e gravada pela cantora Paula Fernandes
no ano de 2009.
Paula Fernandes é uma cantora e compositora brasileira, cujas canções
pertencem ao gênero sertanejo.
Embora o cenário da música sertaneja seja marcado pela predominância de
cantores solo e duplas masculinos, a cantora e compositora mineira conseguiu se
inserir nesse meio, sendo um dos destaques entre os artistas do gênero.
Foi com seu quinto álbum gravado em estúdio que Paula Fernandes alcançou
o sucesso nacional, no ano de 2009. A canção Pássaro de fogo, faixa título desse
álbum, ficou na primeira posição em várias paradas de música no Brasil. A partir de
então, a cantora emplacou vários sucessos e teve, inclusive, músicas suas em trilhas
de novelas da rede Globo. Algumas delas são a canção Jeito de Mato, que fez parte
da trilha sonora da novela Paraíso e Um ser amor, tema do casal protagonista de
Amor à vida.
Pássaro de fogo, apesar de ter sido composta e interpretada por uma artista
mulher, conta com um eu-lírico masculino, como podemos perceber em passagens
como “te amando feito louco” e ser bem mais que um amigo”.
O título da música tem dupla referência. Uma delas remete ao folclore russo,
em que o pássaro de fogo é um pássaro mágico de penas brilhantes e que tem a
propriedade tanto de orientar positivamente os humanos quanto a de trazer-lhes
ilusões inúteis. A outra referência é o balé L’oiseau de feu, obra do compositor russo
Igor Stravinsky, levada à cena em 1910, com o mesmo tema do pássaro do folclore
russo.
108
O eu-lírico, agindo como o pássaro de fogo do folclore russo, tanto pode ser
honesto quanto usar truques para conquistá-la. O autor usa, logo a seguir, a metáfora
do jogo (vou ganhar esse jogo). Os jogos, como sabemos, são eventos de soma zero.
Para que um ganhe, o outro tem de perder.
Os versos “Vai se entregar pra mim / como a primeira vez / vai delirar de amor
/ sentir o meu calor / vai me pertencer” sugerem, ainda, com uma conotação sexual,
o antigo frame em que, no relacionamento amoroso, a mulher passa a ser posse do
homem. O penúltimo verso da música “Se entrega para mim” corrobora essa ideia.
Nos versos “Vai delirar de amor” e “te amando feito um louco” somos colocados
diante de uma metáfora da vida cotidiana descrita por Lakoff e Johnson (1985), em
que os autores afirmam que, dentre as metáforas que descrevem o amor, se encontra
aquela que diz que “o amor é loucura” (love is madness). Daí o fato de dizermos que
somos loucos por alguém, ou, no caso da canção “delirar de amor” e “amar feito louco”
vão ao encontro dessa metáfora.
Nos versos “minha alma viajante, coração independente / Por você corre
perigo”, podemos notar a afirmação indireta de que o amor é perigoso para o homem,
pois tira sua independência. Temos, nesses versos, a personificação metonímica do
coração e da alma, pois lhes são conferidas características humanas como o fato de
ser viajante e a independência.
Lakoff e Johnson (1985) afirmam que a personificação é um tipo de metáfora
ontológica, que, de acordo com os autores, é o tipo de metáfora que tem como base
nossas experiências com objetos ou com nosso próprio corpo, ou seja, nos faz ver
eventos, atividades, emoções, ideias, etc., como entidades como ou substâncias.
Sobre a personificação, os autores fazem as seguintes considerações.
17 Perhaps the most obvious ontological metaphors are those where the physical object is
further specified as being a person. This allows us to comprehend a wide variety of
experiences with nonhuman entities in terms of human motivations, characteristics, and
activities.
109
A metonímia está presente na substituição do topo por uma parte nos versos
“tão longe do chão/serei os teus pés”. Trata-se da utilização da imagem dos pés para
se referir a um todo. Ao afirmar que serão os pés de sua amada, o eu-lírico se refere
ao fato de guiá-la, de conduzi-la e de ajudá-la a “voltar à realidade”, caso seja
necessário, pois uma metáfora que faz parte de nossas vidas é a de “ter os pés no
chão”, que representa a ideia de sermos racionais, de não nos iludirmos, de estarmos
atentos à realidade.
Amor bandido sugere um relacionamento amoroso fora das convenções. No
último verso, (cavalgue com meu corpo) há a sugestão de amor físico, com energia,
de caráter animal. Encontramos algo semelhante no último verso do poema de
Drummond, Quarto em Desordem:
Quarto Em Desordem
18
The point here is that personification ia a general category that covers a very wide range of
metaphors, each picking out different aspects of a person or ways of looking at a person. What
they all have in common is that they are extensions of ontological metaphorsand that they
allow us to make sense of phenomena in the world in human terms – terms that we can
understand on the basis o four own motivations, goals, actions and, characteristics.
110
Ivete Sangalo iniciou sua carreira no ano de 1983, mas o grande sucesso da
cantora viria em 1993, quando foi convidada pelo produtor Jorge Cunha para integrar
111
a Banda Eva, da qual foi vocalista por 6 anos. Em 1999, Ivete deixou a banda para
seguir carreira solo.
Ivete é até hoje um dos grandes nomes da música brasileira. A cantora conta
com um histórico cheio de premiações. Indicada ao Grammy vinte e uma vezes, a
cantora levou para casa três troféus. Venceu, também, dezenove vezes o Prêmio
Multishow da música Popular Brasileira, ao qual teve um total de trinta e cinco
indicações. Em 2002, a música Festa foi uma espécie de hino do pentacampeonato
da seleção brasileira de futebol. Além disso, Ivete alcançou a incrível marca de mais
de um milhão e oitocentas mil cópias vendidas de seu DVD Ao vivo no Maracanã, no
ano de 2008, o que rendeu à cantora o status de maior vendedora de DVDs no mundo.
Alguns dos grandes sucessos da cantora, além das músicas Festa e Se eu não
te amasse tanto assim, mencionados anteriormente, são: Beleza rara e Eva (em
carreira na Banda Eva); Flor do reggae, Carro velho, A lua que eu te dei, Quando a
chuva passar, Abalou, Canibal e Sorte grande (em carreira solo).
A música Se eu não te amasse tanto assim foi gravada por Ivete, no ano de
1999, em um álbum que tinha como título o nome da cantora (Ivete Sangalo). No
entanto, a canção foi lançada no ano seguinte, como terceira música de trabalho do
álbum, tornando-se um grande sucesso romântico que alavancou sua carreira solo.
No início da canção, temos a imagem do PERCURSO, pela figura do coração
que voa sem saber onde chegar. Sabemos que o PERCURSO é composto por três
partes (ORIGEM, TRAJETO e META). O fato de não saber onde chegar configura ao
coração, que representa o eu-lírico, a ausência de uma meta, o que caracteriza um
andar sem rumo, mostrando que ele se encontra perdido, buscando por seu amor.
No entanto, essa situação muda logo em seguida, quando o eu-lírico descobre
em seu amor uma luz capaz de guiá-lo (E as estrelas / que hoje eu descobri / no seu
olhar / as estrelas vão me guiar). As estrelas aparecem como guias, em uma alusão
à estrela que conduziu os Reis Magos até a manjedoura onde estava o Menino Jesus.
A imagem do coração como contêiner aparece nessa canção nos versos “talvez
não visse flores/por onde eu vim/dentro do meu coração”. As flores, nesse caso, são
uma metáfora que utilizamos muito em nosso dia a dia, a partir do senso comum de
que flores são coisas boas, têm valência positiva. Um exemplo disso é a expressão
“nem tudo são flores”. Essa metáfora é utilizada para construir a imagem de algo bom.
As flores dentro do coração corroboram a ideia de que o amor traz para o eu-lírico
coisas boas, sentimentos bons, alegria.
112
Nesse mesmo ano, Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil em uma
eleição marcada pela divisão entre uma esquerda defensora de Lula e do Partido dos
Trabalhadores, que tentou eleger Fernando Haddad, para que ele desse continuidade
ao governo esquerdista que já estava no poder há 16 anos, e uma direita insatisfeita
com o rumo tomado pela política no país e, na tentativa de mudanças, elegeu
Bolsonaro.
Na música, devemos destacar, no cenário mundial, artistas pop como Lady
Gaga, Rihanna, Katy Perry, entre outras, que tiveram grande sucesso nessa década.
Adele, com uma vertente mais romântica, também foi um nome a ser destacado nesse
período. Entre o público teen, artistas como o cantor Justin Bieber e a banda One
Direction foram grandes destaques. Importante ressaltar que todos esses artistas
foram muito escutados no Brasil, tendo suas músicas nas paradas de sucesso,
juntamente com canções nacionais.
A parada americana Billboard Hot 100 teve, pela primeira vez, uma artista a ter
cinco músicas do mesmo álbum ocupando o primeiro lugar entre as músicas de maior
sucesso. A cantora Katy Perry foi responsável por esse marco, com seu álbum
Teenage Dream, lançado em 2010.
O pop e a dance music foram ritmos de grande popularidade mundial na década
de 2010.
No Brasil, o funk e o arrocha alcançaram significante popularidade entre as
grandes massas. Na MPB, tivemos cantores como Sandy, Maria Gadu, Tiago Iorc,
entre outros, que se destacaram no cenário musical. No entanto, o sertanejo continuou
a ser o ritmo mais popular entre os brasileiros. Duplas já consagradas, como Zezé di
Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, Chitãozinho e Xororó, juntamente com um
grande número de novas duplas e artistas solo, como Gusttavo Lima, Luan Santana
e Michel Teló, continuaram a emplacar grandes sucessos e fizeram com que esse
gênero fosse o mais tocado nas rádios do país.
Algo importante a ser mencionado é o surgimento e estabelecimento, na mídia,
de duplas e artistas solo femininas, como Paula Fernandes, Simone e Simaria, Maiara
e Maraisa, Naiara Azevedo e Marília Mendonça, que, pela primeira vez, conseguiram
posição de destaque no universo sertanejo, até então dominado por homens.
115
quando impede que alguém lhe interrompa os passos; de contato físico amoroso,
durante a noite em que o casal faz amor.
Em um momento histórico-social em que a mídia põe foco na figura da mulher,
levantando temas objetivos como paridade salarial, de papeis sociais etc., Roberto
Carlos inverte a equação, trazendo o tema da visão subjetiva dos afetos, por meio da
realização amorosa.
A música Moda derramada foi composta por Gabriel Agra, Leandro Rojas,
Gregory Castro e Celi Junior e gravada pela dupla sertaneja João Neto e Frederico,
no ano de 2015.
João Neto e Frederico formam uma das duplas que compõem o cenário do
sertanejo universitário. A dupla foi revelada ao país no ano de 2007, com o lançamento
de um álbum intitulado Acústico ao vivo. Após isso, os irmãos se tornaram conhecidos
em todo o país.
No título, Moda Derramada, moda é derivada da palavra modinha que
significava uma antiga composição popular urbana surgida no século XVIII, em
Portugal e no Brasil, com temática amorosa e, muitas vezes de caráter humorístico.
118
Tô escorada na mesa
Confesso que eu quase caí da cadeira
E esse garçom não me ajuda
Já trouxe a vigésima saideira
Aí cê me arrebenta!
E o coração não guenta
E os 10% aumenta (AGRA; DÁVILLA, 2016)
Dez por cento é uma música que foi composta por Gabriel Agra / Danillo
Dávilla e gravada pela dupla Maiara e Maraísa, em 2016.
A dupla é, hoje, um dos grandes nomes da música sertaneja no Brasil. Cantoras
e compositoras, as gêmeas começaram a conhecer o sucesso com a gravação da
música No dia do seu casamento, no ano de 2013; a canção obteve mais de 1 milhão
de acessos na internet. No mesmo ano, as irmãs lançaram um álbum com
composições próprias e, em 2015, gravaram seu primeiro DVD, no qual foi gravada a
canção Dez por cento, que foi uma das músicas mais tocadas no Brasil, no ano de
2016. Desde então, a dupla ocupa posição de destaque no cenário da música
sertaneja brasileira.
A letra da canção Dez por cento nos apresenta uma diferença muito
significativa quando comparada a outras letras sertanejas, como, por exemplo, Moda
derramada, canção analisada anteriormente, pois, desta vez, é a mulher quem
120
assume o lugar de sofredora e é ela quem está no bar bebendo para esquecer um
amor. A mulher, ocupando um lugar que até então era retratado como um ambiente
masculino, mostra o empoderamento feminino e sua ascensão na sociedade.
A linguagem é bastante coloquial, assim como na música Moda derramada, o
que podemos notar na presença de palavras e expressões como “tô escorada na
mesa”, “saideira”, “modão”, “não tá tocando”, “essa moda”, “não guenta”. Isso faz com
que haja uma identificação maior do público com a a canção, por ouvirem expressões
comuns àquelas que utilizam no dia a dia.
Os elementos tecnológicos estão fortemente presentes nessa letra: “aumentou
o volume da televisão”, “garçom, troca o DVD”, “celular na mão”, o que nos remete
mais uma vez à forte presença da tecnologia em nosso cotidiano. Hoje em dia,
praticamente todos nós saímos e levamos conosco o celular.
Encontramos ainda, na letra dessa música, uma referência prosaica ao frame
da gorjeta, hoje chamada de taxa de serviço, que são os 10% mencionados no verso
“cada dose cai na conta e os 10% aumenta”.
Nos versos “Desse jeito você me desmonta” e “Aí cê me arrebenta”, temos a
presença de metáforas não elaboradas, bastante prosaicas empregadas na
linguagem do dia a dia. Arrebentar e desmontar nos remetem a imagens de coisas
que não estão em seu estado perfeito. Coisas desmontadas e arrebentadas não
funcionam. Ao utilizar essas metáforas, o eu-lírico mostra o estado decadente em que
se encontra devido ao sofrimento amoroso.
Em termos de senso comum, essa música reflete o momento atual em que a
mulher é protagonista, mas mimetiza o comportamento masculino tradicional desde o
século passado, o de “afogar as mágoas na mesa de um bar”. Seria uma espécie de
cantiga de amigo do século XXI. Essas cantigas tinham como característica um eu-
lírico feminino que cantava o amor e dialogava com suas amigas ou com sua mãe,
relatando a alegria de ter encontrado o amado ou a tristeza de sua ausência, muitas
vezes devido ao fato de ele ter ido para a guerra.
As duas músicas analisadas anteriormente, pertencem a um gênero musical de
sucesso nessa época: o sertanejo universitário. Ouvido por grande parte da população
brasileira e sendo um dos ritmos mais tocados nas rádios de nosso país, trata-se uma
vertente de um gênero que começou a ser produzido no Brasil em 1910.
A primeira música sertaneja, como se conhece hoje, surgiu, de acordo com
informações encontradas no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, no
121
Essa outra letra, também de uma música gravada por João Carreiro e Capataz,
mostra o uso da língua de forma bastante distante da língua padrão. Existem
problemas de conjugação verbal, bem como de concordância verbal e nominal.
A realidade do novo caipira, ou caipira moderno, é, portanto, diferente da
imagem que temos em mente, quando pensamos na figura do homem que
124
consideramos tradicionalmente como caipira. Os novos caipiras não são parte de uma
determinada classe social e não estão apenas entre os estudantes de Ciências
Agrárias ou pessoas que trabalham no ramo. Pessoas de classes sociais mais altas
ou que estudam e trabalham em áreas completamente diferentes das Agrárias
adotaram esse “estilo de vida”. Muitas vezes, a maneira como eles falam, não
seguindo os padrões da língua, não se dá pelo fato de não saberem a língua padrão
e, sim, pelo fato de que eles querem falar a variação que é falada pelo grupo, já que
querem pertencer a ele.
A segunda vertente do sertanejo universitário traz, em suas letras, relatos de
festas, muita bebida, mulheres. Essas músicas retratam um homem que bebe muito,
tem vários envolvimentos “amorosos” e passa noites em festas.
Um exemplo dessas canções é Balada Louca, gravada pela dupla Munhoz e
Mariano:
A música é o relato de uma festa durante a qual o consumo de álcool foi tão
alto que o eu-lírico perdeu carro, celular, não sabe onde está nem com quem passou
a noite. Os locais onde seus pertences são encontrados (o celular no micro-ondas e
125
o carro na piscina) são coisas que beiram o absurdo e mostram, dessa maneira o
quão alcoolizadas as pessoas estavam nessa festa.
Temos, na letra da canção, uma referência ao padre Adelir Antônio de Carli,
que, em 2008, na tentativa de voar com balões de ar amarrados às costas acabou
desaparecendo. Essa atitude do padre foi tida por muitos como loucura e isso é
retratado na música, pois o eu-lírico afirma que o DJ estava louco por remixar músicas
do Tião Carreiro, comparando-o ao padre (DJ mais louco que o padre do
balão/remixando até as modas do Tião). É possível notar nesse trecho da música uma
crítica à música eletrônica e a preferência pelo sertanejo raiz de Tião Carreiro, pois
seria absurdo, segundo o eu-lírico, remixar as músicas gravadas por esse ícone da
música sertaneja.
Por fim, temos o sertanejo que se assemelha muito àquele das décadas de 80
e 90, quando as músicas passaram a ter um caráter extremamente romântico, em que
o sofrimento amoroso era constantemente trazido à tona nas letras. Hoje, o sertanejo
universitário que assume essas características passou a ser chamado de “sofrência”.
As músicas sertanejas de “sofrência” retratam, principalmente, relacionamentos que
não deram certo, homens ou mulheres traídas e sentimentos não correspondidos.
As duplas Henrique e Juliano, Jorge e Mateus e Zé Neto e Cristiano se
destacam nessa vertente, juntamente com cantores solo como Gustavo Lima e Luan
Santana. Esses artistas fizeram e fazem muito sucesso com o público, cantando o
amor e, principalmente, o sofrimento amoroso. Algo muito recorrente nessas letras é
a bebida como fuga para o sofrimento amoroso, o “beber para esquecer um amor que
não deu certo”.
Como exemplo, podemos citar a canção Largado às traças, gravada por Zé
Neto e Cristiano, que foi uma das mais tocadas nas rádios do Brasil no ano de 2018.
Tamanho sucesso rendeu à dupla o prêmio Melhores do ano, realizado pelo programa
Domingão do Faustão, na rede Globo. Zé Neto e Cristiano receberam o prêmio de
melhor música do ano com essa música.
Tô tentando te esquecer
Mas meu coração não entende
126
Ô ô ô, ô ô ô
A falta de você, bebida não ameniza
Ô ô ô, ô ô ô
Tô tentando apagar fogo com gasolina (PANCADINHA; VOX; VITOR
HUGO, 2018)
19Drooping posture typically goes along with sadness and depression, erect posture with a
positive emotional state.
127
Por fim, a expressão “tentando apagar fogo com gasolina”, nos leva a pensar
que tudo aquilo que o eu-lírico faz na tentativa de esquecer o amor que o faz sofrer
acaba por potencializar ainda mais seu sofrimento.
Um outro exemplo dessa vertente mais romântica do sertanejo é a canção Duas
metades, gravada pela dupla Jorge e Mateus, no ano de 2012:
das mulheres que, apesar de ainda sofrerem discriminação, têm ocupado cada vez
mais seu espaço na sociedade, o que se reflete na música.
Essas cantoras solo e, também, duplas, como Maiara e Maraisa, Simone e
Simaria, Marília Mendonça, entre outras, cantam a realidade de muitas mulheres. As
letras das canções interpretadas e, muitas vezes, compostas por elas retratam amores
não correspondidos, traições, bem como a mulher que sofre por se sujeitar a ser
amante. Isso as coloca nas paradas de sucesso, tendo um reconhecimento cada vez
maior do público, principalmente, do público feminino.
A canção Infiel é um exemplo desse grande sucesso. Gravada pela cantora e
compositora Marília Mendonça, a música chegou às paradas de sucesso no ano de
2016.
Iêê
Infiel
Eu quero ver você morar num motel
Estou te expulsando do meu coração
Assuma as consequências dessa traição
129
Iêêê
Infiel
Agora ela vai fazer o meu papel
Daqui um tempo você vai se acostumar
E ai vai ser a ela quem vai enganar
E se meu ex me chamar
Eu bloqueio
Se ele me ligar
Eu rejeito
Solteira eu me deito
Sem chifre eu me levanto
Assim eu vou vivendo
A minha vida em todo canto
Solteira eu me deito
Sem chifre eu me levanto
Assim eu vou vivendo
A minha vida em todo canto
Ei, coleguinha
Ser solteira é ter qualidade de vida
Ei, coleguinha
Ser solteira é ter qualidade de vida
Ex é ex
Passado é passado
E quem não gostou vai pra casa do (caralho)
Ex é ex
Passado é passado
E quem não gostou vai pra casa do (caralho) (MENDES; QUEIROZ,
2019)
Como podemos notar, essa letra no traz o retrato de uma mulher que trabalha
(“já trabalhei, tô cansada”), independente (“nessa vida louca, ninguém me segura”) e
que não precisa estar envolvida emocionalmente para se relacionar com alguém, além
de não se importar que esses “relacionamentos” durem apenas uma noite, o que fica
claro com a expressão “pegar”, muito utilizada, atualmente, para se referir a relações
que não compreendem compromisso ou envolvimento emocional (se quiser pegar,
pego mesmo; sem essa de rolar receio”).
É possível perceber, também, que a figura da mulher representada na canção
é bem resolvida com relação a relacionamentos anteriores (e se meu ex me chamar;
eu bloqueio; se ele me ligar; eu rejeito”) e que, possivelmente, já foi traída por algum
ex (“solteira eu me deito; sem chifre eu me levanto; assim eu vou vivendo; minha vida
em todo canto”).
A letra dessa canção retrata essa mulher empoderada, que possui
independência emocional e financeira, a mulher que não precisa estar casada e seguir
padrões antigos para ser feliz, pois, para ela “ser solteira é ter qualidade de vida”.
131
Considerações finais
Ao longo deste trabalho, fizemos uma viagem pelo tempo, tendo como ponto
de partida a década de 1950, de modo a ver e entender um pouco a maneira como as
canções de amor brasileiras trazem, em suas letras, o retrato da relação amorosa
entre homem e mulher, de acordo com a visão de mundo de cada década, vinculada
aos diversos momentos culturais vividos pelos brasileiros.
Utilizamos, para isso, o conceito de frame, principalmente aquele desenvolvido
por Robin Lakoff em The Language War, em que a autora o define como um conjunto
de expectativas que temos com relação a diferentes temas baseadas em nossa
experiência de vida cultural e afetiva. De acordo com a autora, o conjunto dos frames
de uma certa época é responsável pelo surgimento do senso comum dessa época.
Além disso, lançamos mão das figuras de retórica, nas análises das canções,
para poder entender o estilo como as letras foram construídas, quais recursos foram
utilizados e com que intuito isso se deu em cada uma das músicas.
Foi possível verificar, por meio das análises realizadas, que alguns valores
mudam com o passar dos anos, mas outros, no entanto, que permanecem iguais.
As letras de música refletem não apenas a visão que se tem do amor e da
maneira como as pessoas vivem esse sentimento em cada uma das décadas, mas
trazem, também, características e elementos que, muitas vezes, são específicos do
momento em que foram compostas, uma vez que estão vinculados aos meios de
comunicação e sua evolução. A análise da música Garçom, por exemplo, nos mostrou
o uso da carta escrita como meio de comunicação, algo que praticamente não
utilizamos mais nos dias de hoje. A letra da canção, que tem como temática um eu-
lírico que sofre pela ausência da pessoa amada e desabafa suas mágoas para um
garçom é tema, também, de canções da década de 2010, como pudemos observar
nas canções Moda Derramada e Dez por cento. Há, no entanto, diferenças com
relação aos elementos presentes nessas canções, que retratam particularidades do
momento de sua composição. Enquanto na canção de Reginaldo Rossi, temos uma
carta escrita como instrumento de comunicação, nas canções sertanejas de nossa
década, temos a presença do celular, o dispositivo mais utilizado hoje em dia para
estabelece contato não apenas com as pessoas, mas com o mundo.
Em A dama de vermelho, temos o retrato de um baile, em que uma orquestra
é responsável pela música, algo acontece muito raramente nos tempos atuais. As
132
festas, hoje, diferem muito das festas do passado e isso se reflete, também nas letras
das canções.
O papel da mulher na sociedade mudou muito, ao longo dos anos, e isso fica
claro nas letras de algumas canções. Sabemos que, ainda hoje, existem diferenças,
preconceitos e desigualdades, e que ainda não atingimos o ideal, que seria de que
mulheres e homens fossem totalmente iguais perante a sociedade.
Muitas coisas, no entanto, foram conquistadas pelas mulheres, sobretudo a
partir do fim do século XIX, quando o movimento feminista passou a reivindicar direitos
como o voto, o divórcio, a educação e o trabalho.
No início do século XX, o marido podia aplicar até mesmo castigos físicos à
mulher, realidade que deixa de existir devido às conquistas do movimento feminista.
No ano de 1932, a mulher, no Brasil, passa a ter direito ao voto e, em 1962, deixa de
ser considerada civilmente incapaz.
No fim da década de 60, houve a liberação sexual, com o surgimento dos
contraceptivos orais, afastando, em grande parte, o medo de uma gravidez
indesejada. Ainda no fim dessa década, em 1967, a discriminação contra a mulher
passou a ser considerada incompatível com a dignidade humana e, na década de 70,
ocorre a luta feminina de caráter sindical.
Ocorreram, também, conquistas relacionadas ao combate à violência contra as
mulheres. Em 1985, o CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher) foi criado
com o intuito de aumentar a participação da mulher na política, na economia e na
cultura, eliminando, também, a discriminação nessa área.
A lei Maria da Penha, sancionada no ano de 2006, prevê proteção às mulheres
vítimas de agressão doméstica e familiar. Devemos destacar, também, a lei do
feminicídio, sancionada no ano de 2015, que fez com que o assassinato de mulheres
fosse colocado entre os crimes hediondos.
Tudo isso possibilitou à mulher alcançar seu lugar na sociedade, trabalhando,
ganhando seu próprio dinheiro, tendo vez e voz na política do país, sem ter que ficar
à margem e dever obediência aos homens, um empoderamento que, de certa forma,
é retratado em muitas letras de músicas românticas.
Pudemos ver, por meio de algumas canções que, no passado, a mulher era
tratada como posse do homem (“essa dama já me pertenceu”, em A Dama de
Vermelho). Além disso, existia também a preocupação da mulher em ser totalmente
devota a seu homem, a satisfazer-lhe todas as vontades e preocupar-se apenas em
133
agradar-lhe, algo que fica evidente na letra da canção A noite do meu bem. Outro fato
retratado nessa letra é a questão da pureza da mulher, pois ela deveria manter-se
virgem até o casamento para entregar-se sexualmente apenas àquele que se tornasse
seu marido. Algo nessa mesma linha pode ser notado na música Splish Splash, em
que o beijo em público é condenado, pois uma moça de família não poderia beijar seu
pretendente antes do casamento e, muito menos, deixar que as pessoas a vissem
beijando um homem.
Na canção Cotidiano, vimos o retrato da mulher dona de casa, que vive para
cuidar do marido e dos afazeres domésticos. Essa mulher apresentada por Chico
Buarque, nessa música, é a personificação da mulher perfeita, segundo os padrões
da época, e isso não se limita apenas ao Brasil. O filme O sorriso de Monalisa nos
mostra a realidade de mulheres na década de 50 em uma universidade nos Estados
Unidos. Tais moças eram treinadas para se tornar boas esposas e mães de família.
Totalmente em oposição a tudo isso, vimos, na década de 2010, a mulher em
ambientes que, até uma determinada época, eram estritamente masculinos. Isso fica
claro na letra da canção Dez por cento, em que temos uma mulher sofrendo por um
amor em um bar, bebendo para tentar esquecê-lo.
Temos, também, na letra da canção Infiel, uma amostra da mulher que se
empodera, que não se deixa abater por uma traição e que abre mão de um homem,
já que ele não lhe é fiel.
Com relação à construção das letras, pudemos observar, durante este trabalho,
que as figuras de linguagem estão quase sempre presentes nas canções. A retórica,
como vimos, é a arte de persuadir e as figuras de retórica são, portanto, elementos
utilizados na construção de um texto com o intuito de causar algum efeito sobre o
auditório, de modo que seja mais fácil persuadi-lo. O uso dessas figuras permite uma
maior aproximação do público.
Como exemplo desse efeito causado pelas figuras, no auditório, podemos citar
a metáfora, pois seu uso faz com que criemos imagens mentais que contribuem para
que o fator emocional seja mais aflorado do que quando, simplesmente, afirmamos
algo de maneira abstrata.
Existem, entretanto, algumas coisas que não mudam.
O sofrimento por um amor não correspondido ou pela perda de um grande amor
é algo muito recorrente em canções românticas, como pudemos observar ao longo
deste trabalho. A dor-de-cotovelo é cantada desde a década de 50 até hoje e é tema
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de músicas que obtiveram e obtêm enorme sucesso junto ao público. Isso, talvez,
possa ser explicado pelo fato de que a maioria das pessoas já sofreu, alguma vez na
vida, por amor. Essa identificação com o tema gera aproximação do público, o que
leva as canções às paradas de sucesso e faz com que, cada vez mais, a dor de amor
seja cantada diversos estilos musicais.
Uma outra coisa que não muda é o olhar positivo que se tem da pessoa amada
e que faz com que a enxerguemos como motivo de nossa alegria, como algo
necessário para que sejamos completamente felizes ou até mesmo a intensidade de
um amor que, por vezes, é comparado à loucura, por meio da metáfora Love is
madness. Essas são coisas que podemos notar em canções de épocas distintas,
como, por exemplo, em Quando um certo alguém, É o amor e Linda demais.
O conceito de relacionamento que traz felicidade, a ideia do homem perfeito,
ainda permanecem, embora não se trate de opinião unânime. No entanto, pudemos
perceber que a canção Esse cara sou eu, gravada por Roberto Carlos, na década de
2010, teve enorme sucesso entre grande parte do público feminino, que mostrou ainda
acreditar no amor que é capaz de transformar a vida, de proteger, de fazer feliz.
Foi possível, ao longo deste trabalho, perceber que os frames de
relacionamento são retratados, nas letras das canções, mostrando que, como afirmou
Aristóteles, “a arte imita a vida”, e que a realidade é cantada, de modo a atrair o
público.
Aquilo que mexe com nossos sentimentos atrai muito mais nossa atenção.
Quando nos identificamos com uma história, em uma canção, temos tendência a ouvi-
la com maior frequência, seja porque ela nos deixa felizes, remetendo-nos a um amor
bem-sucedido, ou, se for algo triste, como o término de um relacionamento ou um
amor não correspondido, sendo-nos, de certa forma, “solidárias”.
A música tem o poder de nos emocionar. Um simples acorde, uma melodia,
notas bem pensadas conseguem nos causar diferentes reações. E quando isso se
junta a uma letra que nos toca, os sentimentos despertados em nós se tornam mais
intensos.
O amor é um sentimento universal. Todo mundo já amou, ama ou amará
alguém pelo menos uma vez na vida. Não importam as decisões que tomamos ou
opções que fazemos; o amor acontece, em diversas formas, em relações hetero ou
homoafetivas. É por isso que nunca se deixou de falar de amor em canções, pois trata-
135
se de algo que integra nossas vidas desde o início dos tempos e, acreditamos, até o
final dos tempos.
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brumadinho-na-grande-bh.ghtml
https://filmow.com/jean-luc-godard-a2477/
http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-145842/
145
ANEXO
146
Pele de maçã
Sorte Grande
Amor de violeiro
Agora
Cê que sabe
Do seu lado
As quatro estações
Cadê você
O tempo vai
O tempo vem
A vida passa
E eu sem ninguém
Cadê você
Que nunca mais apareceu aqui?
E não voltou pra me fazer sorrir
E nem ligou
Cadê você?
Que nunca mais apareceu aqui
E não voltou pra me fazer sorrir
Então cadê você?
Mas não faz mal
Pois eu me calo
150
Tá tudo bem
Eu sempre falo (JOSÉ, 1990)
Estranho
Estranho
Você me beija e minha boca estranha
O seu carinho parece que arranha
O seu abraço é tão solto, não consegue me prender
Onde eu desconheci você? (ALVES; CÉSAR, RIBEIRO, 2018)
Outra vez
Você foi
A mentira sincera
Brincadeira mais séria que me aconteceu
Você foi
O caso mais antigo
O amor mais amigo que me apareceu
Você foi
Toda a felicidade
Você foi a maldade que só me fez bem
Você foi
O melhor dos meus planos
E o maior dos enganos que eu pude fazer
Eu a vi desabrochar
Ser desejada
Uma jóia cobiçada
O mais lindo dos troféus
Acorrentado em você
Notificação preferida
Já doeu
Mas hoje não dói mais
Tanto fiz
Que agora tanto faz
O nosso amor calejou
Apanhou, apanhou que cansou
Na minha cama cê fez tanta falta
Que o meu coração te expulsou
Não tem mais eu e você
Tá facin de entender
Você me deu aula de como aprender te esquecer
Foi, mas não é mais a minha notificação preferida
Já foi, mas não é mais a número um da minha vida
Sinto em te dizer
Mas eu já superei você (ALVES et. al., 2018)
Garotos
Detalhes
Apelido carinhoso
Bebida na ferida
Iê, iê
Passa o dia, passa a noite, tô apaixonado
Coração no peito sofre sem você do lado
Dessa vez tudo é real, nada de fantasia
Saiba que eu te amo, amo noite e dia (TEIXEIRA, 2010)
Se
Aquela pessoa
Eu e você
Não é assim tão complicado
Não é difícil perceber
Se eu disser
Que já nem sinto nada
Que a estrada sem você
É mais segura
Eu sei você vai rir da minha cara
Eu já conheço o teu sorriso
Leio o teu olhar
Teu sorriso é só disfarce
O que eu já nem preciso
Sinônimos
Samba em prelúdio
Falando em saudade
De novo eu acordei pensando em você
Já faz um mês que não te vejo
Trinta dias que eu acordo pensando em você
Ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai
Ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai
Falando em saudade
Vem buscar logo a sua metade
Clichê
Medo bobo
Iê Iê Iê Iê Iê Iê Iêêêê
Maior abandonado
Eu tô perdido
Sem pai nem mãe
Bem na porta da tua casa
Eu tô pedindo
A tua mão
E um pouquinho do braço
Eu tô pedindo
A tua mão
Me leve para qualquer lado
Só um pouquinho
De proteção
A um maior abandonado
Eu tô pedindo
164