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JOAGDA REZENDE ABIB

O AMOR NA MÚSICA
BRASILEIRA: um
percurso cognitivo
sobre frames e valores

ARARAQUARA – SP
2019
unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP

JOAGDA REZENDE ABIB

O AMOR NA MÚSICA BRASILEIRA: um percurso


cognitivo sobre frames e valores

ARARAQUARA – S.P.
2019
JOAGDA REZENDE ABIB

O AMOR NA MÚSICA BRASILEIRA: um percurso


cognitivo sobre frames e valores

Tese de Doutorado, apresentada ao Conselho


do Programa de Pós-Graduação em
Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade
de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara,
como requisito para obtenção do título de
Doutora em Linguística e Língua Portuguesa.

Linha de pesquisa: Análise Fonológica,


Morfossintática, Semântica e Pragmática

Orientador: Prof. Dr. Antônio Suárez Abreu

ARARAQUARA – S.P.

2019
Abib, Joagda Rezende
O AMOR NA MÚSICA BRASILEIRA: um percurso cognitivo
sobre frames e valores / Joagda Rezende Abib — 2019
164 f.

Tese (Doutorado em Linguistica e Lingua


Portuguesa) — Universidade Estadual Paulista "Júlio
de Mesquita Filho", Faculdade de Ciências e Letras
(Campus Araraquara)
Orientador: Antônio Suárez Abreu

1. Amor. 2. Frames. 3. Música Brasileira. 4.


Linguística Cognitiva. 5. Figuras retóricas. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada pelo sistema automatizado


com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
JOAGDA REZENDE ABIB

um percurso cognitivo
sobre frames e valores

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Linguística e Língua
Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras
– UNESP/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Doutor em Linguística e
Língua Portuguesa.

Linha de pesquisa: Análise Fonológica,


Morfossintática, Semântica e Pragmática

Orientador: Prof. Dr. Antônio Suárez Abreu

Data da defesa: 24/05/2019

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Presidente e Orientador: Prof. Dr. Antônio Suárez Abreu


Faculdade de Ciências e Letras – Unesp / Araraquara

Membro Titular: Profª. Dra. Gabriele Damada


Centro Paula Souza/ Escola Técnica

Membro Titular: Profª. Dra. Aline Pereira de Souza


Secretaria do Estado de São Paulo / São Carlos

Membro Titular: Profª. Dra. Carolina Sperança Criscuolo


PROFLetras – Unesp / Assis e Araraquara

Membro Titular: Profª. Dra. Maria Alves de Toledo Bruns


Universidade de São Paulo – USP / Ribeirão Preto

Local: Universidade Estadual Paulista


Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
A meus pais, por me ensinarem que um “não” nunca é o fim, que nenhuma dor é tão
grande que não possa ser suportada e que nenhuma dificuldade é tão grande que
não possa ser vencida. A eles todo meu amor e gratidão!
AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida e pelos dons a mim concedidos. Sem Ele, nada seria possível!

A meus pais, meus exemplos e minha base, que me disseram “Vai!”, mesmo quando o
coração deles pedia para que eu ficasse, que abriram mão de vontades próprias para que eu
pudesse realizar o meu sonho, que me ensinaram valores, que soltaram minha mão para que
eu pudesse seguir, mas estiveram sempre presentes em sentimentos e orações. Pai, Mãe, eu
amo vocês! MUITO obrigada por tudo!

A minha irmã, minha fã número um, que sempre me incentivou e me ajudou em tudo que
podia, que aguentou minhas crises de estresse e sempre caminhou ao meu lado, mesmo
quando eu não merecia. Sis, agradeço a Deus todos os dias por tê-la como irmã! Você foi o
melhor presente que o pai e a mãe poderiam ter me dado nesta vida. Te amo!

A meu querido orientador, um profissional impecável e um homem de caráter exemplar. Tom,


muito obrigada por me ensinar, por acreditar em mim, por ser calmaria quando eu era
tempestade, por me fazer acreditar que eu era capaz e, acima de tudo, por me enxergar
sempre como um ser humano, antes de qualquer coisa. Obrigada pela compreensão, pelo
socorro nas horas de aflição... Eu aprendi muito com você e espero poder aprender ainda
mais! Você é meu espelho de profissional! MUITO obrigada por tudo!

A Aline e Ana Carolina, que, gentilmente, aceitaram participar das minhas bancas de
qualificação e de defesa. Agradeço as dicas e sugestões! Vocês contribuíram muito para este
trabalho.

A Gabriele e Maria Bruns, que participaram da banca de defesa, tendo contribuído para a
finalização deste trabalho com dicas e sugestões muito pertinentes e enriquecedoras.

A minhas amigas e colegas de “pousa”, Márcia e Carla. Meninas, muito obrigada pela
paciência nos momentos de estresse, pelas dicas e pela ajuda na formatação deste trabalho!
Vocês moram no meu coração.

A minha amiga de uma vida inteira, Cristiane, por sempre estar por perto mesmo quando
estava distante. Cris, obrigada por me oferecer um ombro amigo nos momentos em que
precisei, por me aconselhar e por cuidar da nossa amizade, mesmo nesse fim de doutorado,
em que estive tão ausente.
A minha prima e colega de pós, Tamires, pela ajuda com a parte “burocrática” e, também, por
me receber, sempre que precisei, em sua casa. Obrigada, prima!!! Você faz parte dessa
conquista.

A todos os profissionais da música, compositores, produtores, músicos e cantores, por


produzirem a trilha sonora que embala nossas vidas.

“God has given us music so that above all it can lead us upwards.
Music unites all qualities: it can exalt us, divert us, cheer us up,
or break the hardest of hearts with the softest of its melancholy
tones. But its principal task is to lead our thoughts to higher
things, to elevate, even to make us tremble… The musical art
often speaks in sounds more penetrating than the words of
poetry, and takes hold of the most hidden crevices of the heart…
Song elevates our being and leads us to the good and the true.
If, however, music serves only as a diversion or as a kind of vain
ostentation it is sinful and harmful.”
Friedrich Nietzsche (apud YOUNG,
2010)
RESUMO

O objetivo desta tese foi realizar uma análise de músicas brasileiras populares, de
grande sucesso, desde 1950 até o início do século XXI, para descrever a natureza e
as mudanças evidenciadas no discurso amoroso durante esse período. Para isso,
ancoramos a letra de cada uma das canções que constituem o corpus desta pesquisa
em seu momento histórico e realizamos uma análise cognitiva e funcional (retórica), a
partir dos frames do auditório da época. O referencial teórico utilizado foi a Linguística
Cognitiva, principalmente o conceito de frames, exposto por Robin Lakoff (2000) em
seu livro The language war, em que a autora nos fala do senso comum criado por
frames semânticos, o que está ligado intrinsecamente a valores e varia de época para
época. Para realizar as análises, nos baseamos também no trabalho de Forsyth
(2013), de modo a perceber e explicitar a funcionalidade das figuras retóricas de
construção usadas nas letras. Assim, foi possível conseguir uma descrição sobre
aspectos sociais e emocionais do relacionamento amoroso e entender como as letras
de música refletem o senso comum da época em que foram escritas, o que nos
mostrou que alguns aspectos sofrem mudanças ao longo do tempo, enquanto outros
permanecem iguais. Pudemos perceber, também, a recorrência do uso de figuras de
retórica na construção das letras, o que faz com que haja, por parte do auditório, maior
aproximação e identificação com as músicas.

Palavras-chave: Amor. Linguística Cognitiva. Figuras retóricas. Frames. Música


Brasileira.
ABSTRACT

The aim of this thesis was to analyse Brazilian popular songs, which had great success,
recorded from 1950 to the beginning of century XXI, in order to describe the nature and the
changes in the discourse of love along this period. For that, we anchored the lyrics which
constitute the corpus of this research in their historical moment and did a cognitive and
functional (rethorical) analysis, based on the frames and public of each time. The theoretical
framework used in this work was Cognitive Linguistics, mailny the concept of frames,
discussed by Robin Lakoff (2000) in her book The language war, in which the author talks
about the common sense, created by semantic frames, what is intrinsically linked to values
and varies from time to time. In order to carry out the analises, we also used the book The
elements of Eloquence, wtitten by Forsyth (2013), to help us realize and make explicit the
functionality of rethorical figures This way it was possible to make a description of social and
emotional aspects of romantic relationships and understand how lyrics show the common
sense of the decade in which they were written, what led us to the finding of some aspects
change along time, while others remain the same. It was also possible to realizethe recurrence
of rethorical figures in the construction of lyrics, what causes more approximation and
identificaton from the auditory.

Keywords: Love. Cognitive Linguistics. Rethorical. Figures. Frames. Brazilian Music.


Sumário

Introdução ................................................................................................................ 11

1 Linguística Cognitiva: um breve resumo direcionado à nossa pesquisa .... 14

1.1 Metonímia ................................................................................................... 16

1.2 Metáfora ...................................................................................................... 17

1.3 Categorização ............................................................................................. 24

1.4 ESQUEMAS DE IMAGEM ........................................................................... 25

1.5 Frames e Scripts ........................................................................................ 26

1.6 Os afetos ..................................................................................................... 30

2 Figuras retóricas de construção ..................................................................... 34

2.1 Poliptoto ...................................................................................................... 35

2.2 Antítese ....................................................................................................... 37

2.3 Merisma....................................................................................................... 38

2.4 Aposiopese ................................................................................................. 39

2.5 Anadiplose .................................................................................................. 40

2.6 Diácope ....................................................................................................... 41

2.7 Paradoxo ..................................................................................................... 41

2.8 Sinédoque ................................................................................................... 42

2.9 Epanalepse ................................................................................................. 43

2.10 Personificação ............................................................................................ 44

2.11 Hipérbole..................................................................................................... 45

2.12 Anáfora ........................................................................................................ 48

2.13 Hipálage ...................................................................................................... 49

2.14 Oximoro ...................................................................................................... 49

3 Material e métodos ........................................................................................... 51

4 Uma viagem no tempo: história, música e amor ........................................... 54


4.1 Década de 50 .............................................................................................. 54

4.1.1 Bom dia, tristeza .................................................................................. 54

4.1.2 A noite do meu bem ............................................................................ 59

4.1.3 Morreu meu coração ........................................................................... 61

4.2 Década de 60 .............................................................................................. 63

4.2.1 Este seu olhar ...................................................................................... 64

4.2.2 Splish splash........................................................................................ 66

4.2.3 A dama de vermelho ............................................................................ 68

4.3 Década de 70 .............................................................................................. 70

4.3.1 Cotidiano .............................................................................................. 71

4.3.2 Você ...................................................................................................... 74

4.3.3 Eu só quero um xodó .......................................................................... 76

4.4 Década de 80 .............................................................................................. 77

4.4.1 Um certo alguém.................................................................................. 78

4.4.2 Eduardo e Mônica ................................................................................ 82

4.4.3 Linda demais ........................................................................................ 87

4.5 Década de 90 .............................................................................................. 89

4.5.1 Por você ............................................................................................... 90

4.5.2 É o amor ............................................................................................... 92

4.5.3 Evidências ............................................................................................ 95

4.5.4 Garçom ................................................................................................. 98

4.6 Década de 2000 ........................................................................................ 100

4.6.1 Velha infância..................................................................................... 101

4.6.2 Pássaro de fogo ................................................................................. 106

4.6.3 Se eu não te amasse tanto assim..................................................... 110

4.7 Década de 2010 ........................................................................................ 112

4.7.1 Esse cara sou eu ............................................................................... 115


4.7.2 Moda derramada ................................................................................ 117

4.7.3 Dez por cento ..................................................................................... 119

Considerações finais ............................................................................................ 131

Referências Bibliográficas ................................................................................... 136

ANEXO ................................................................................................................... 145


11

Introdução

Without music, life would be a mistake.


Friedrich Nietzsche

Nem sempre o pesquisador consegue obter seus dados, pondo foco


diretamente no seu objeto de pesquisa. Informações sobre como os egípcios viviam
em seu dia a dia, por exemplo, só puderam ser obtidas por meios indiretos,
observando achados arqueológicos, fragmentos de utensílios, de moradias e de
documentos escritos da época. Mesmo quando a observação direta é possível, a
observação indireta não apenas a complementa como pode, algumas vezes, mostrar
aspectos inéditos do objeto em estudo. Para estudar as formas de lazer de uma
pequena comunidade, podemos entrevistar uma amostra representativa de seus
membros e fazer perguntas. Mas, ao entrar na casa de um morador e ver que ele tem
sobre a mesa um jogo de gamão bastante usado, podemos inferir que várias pessoas
da comunidade o jogam e que costumam fazer isso com frequência, uma vez que
ninguém joga gamão sozinho e que o desgaste do tabuleiro e das peças é um indício
de que é usado frequentemente.
Nosso objetivo, nesta pesquisa, é descobrir como as pessoas da segunda
metade do século passado até hoje utilizavam e utilizam a linguagem para conceituar
e vivenciar o amor. Escolhemos, para isso, a análise das letras de músicas que tratam
desse tema, organizadas, década por década, a partir dos anos 50. Como ferramenta
teórica básica, utilizamos a teoria desenvolvida por Robin Lakoff em seu livro The
Language War (1999), que se baseia na construção social de um senso comum
fundamentado em diversos frames semânticos, entendidos não apenas como um
conjunto de elementos que gravitam em torno de um conceito, mas, sobretudo, como
um conjunto de expectativas que forma o background das crenças e vivências de uma
determinada comunidade linguística. Por meio da análise da linguagem dessas
músicas, é possível inferir essas expectativas a partir de sua expressão artístico-
musical.
A música faz parte de nossas vidas, desde crianças, quando nossas mães nos
cantam canções de ninar. Mais à frente, vêm as músicas infantis, as cantigas de roda
e, na adolescência, passamos a nos interessar pelas canções de amor.
12

As canções despertam em nós todos os tipos de emoção: alegria, tristeza,


melancolia. Ouvimos músicas para relaxar, para lembrar um amor perdido, chorar sua
ausência, ou para celebrar a alegria de estar vivendo um grande amor. Muitos casais
atribuem a uma determinada música o título de “sua”, por haver uma identificação de
sua história com a letra da canção ou, simplesmente pelo fato de que ela tenha
marcado algum momento ou acontecimento importante em sua vida.
Ao entrar na igreja, noivo e noiva são embalados por uma trilha sonora. A cada
momento importante na cerimônia do casamento, uma música é tocada, de maneira
a tornar aquele instante ainda mais bonito e especial. As cenas de amor em filmes e
novelas não teriam a mesma beleza e não nos emocionariam tanto, se não houvesse,
ao fundo, uma música romântica.
Quando estamos no carro, ligamos o sistema de som para nos distrair, para
que o percurso rumo ao trabalho ou a casa seja mais prazeroso. Uma festa não é
festa, se não houver música, seja ela tocada ao vivo ou reproduzida por algum
equipamento sonoro.
Podemos dizer que cada um de nós possui uma espécie de “trilha sonora” em
nossa vida, pois sempre há uma ou mais canções que marcam momentos importantes
vividos por nós, sejam eles felizes ou tristes.
Apesar de veicularem diversos sentimentos, é o amor um dos temas mais
presentes em canções. Ele sempre foi cantado, desde o Trovadorismo, em que as
cantigas de amor e de amigo o tinham como tema. Como se sabe, as cantigas de
amor retratavam o amor proibido de um homem por uma mulher, que se referia a ela
como idealizada, colocando-se o homem a serviço dela, assumindo a posição de
vassalo. O amor nutrido pela senhora (a mulher amada) era impossível, pois eles
pertenciam a diferentes classes sociais ou porque, muitas vezes, se tratava de uma
mulher casada.1 O eu lírico sempre cantava a dor de amar; assim, o sofrimento
amoroso estava presente em todas essas cantigas.

1
De acordo com Denis Rougemont, em seu livro O Amor e o Ocidente, os casamentos entre
as pessoas da elite europeia, principalmente na Idade Média, sempre foram feitos apenas por
conveniência, o que levou ao surgimento do amor romântico ou cortês e à ideia de que a
felicidade amorosa somente poderia existir em situações de adultério. Segundo ele: Como se
sabe, no século XII, o casamento se havia tornado para os senhores um puro e simples meio
de enriquecimento e de anexação de terras oferecidas em dote ou prometidas em herança.
Quando o "negócio" fracassava, repudiava-se a mulher. O pretexto do incesto, curiosamente
explorado, não sofria objeção por parte da Igreja: bastava alegar, sem muitas provas, um
13

Nas cantigas líricas, embora tivessem um homem por autor, o eu lírico era
feminino; têm elas origem mais popular e, por isso dispõem de paralelismo, refrão,
estribilhos e reiterações, o que as assemelha muito às canções populares que, ainda
hoje, lançam mão desses recursos. Nessas cantigas, a mulher cantava seu amor por
seu amigo (o homem a quem amava). Tratava-se de uma jovem que estava
descobrindo o amor e ora lamentava a ausência do amado, ora regozijava-se na
alegria de um futuro encontro com ele.
Na verdade, as músicas românticas podem ser vistas como modernas cantigas
de amor, como aquelas que existiram no período trovadoresco, agora, dentro de um
contexto totalmente diverso.
O objetivo deste trabalho é analisar letras de músicas populares brasileiras cujo
tema é o amor e que fizeram sucesso em suas épocas, procurando ver como o
momento histórico de cada época e sua cultura as influenciaram.
O intuito é destacar, por meio dessas análises, como o tema do amor é
abordado, levando em consideração o contexto histórico e a maneira como as
pessoas viam e lidavam com esse sentimento em cada um desses momentos. Para
isso, relacionamos o discurso presente nessas músicas ao senso comum de cada
época, usando como referencial teórico a Linguística Cognitiva e, como ferramenta de
análise, os recursos estilísticos e retóricos utilizados por seus autores.

parentesco até o quarto grau para obter a anulação. (ROUGEMONT, 1988, p. 28)
14

1 Linguística Cognitiva: um breve resumo direcionado à nossa pesquisa

Cognição é o processo pelo qual os seres humanos interagem com seu meio
ambiente e com seus semelhantes, abastecendo sua memória de longo prazo que,
em ações seguintes, será utilizada para novas interações. Uma criança que tenta
atravessar precipitadamente uma cerca de arame farpado e se machuca, na próxima
vez que quiser atravessá-la, terá mais cuidado, pois fará um pareamento prévio entre
a experiência anterior e a realidade que tem diante de si. Se essa mesma criança, ao
receber a visita de um tio, ganhar dele uma barra de chocolate, da próxima vez que o
receber em casa, terá a expectativa de que poderá ganhar de novo uma guloseima,
em função da lembrança da visita anterior.
Podemos dizer que essa capacidade não é exclusiva dos seres humanos. Um
cão é capaz de procedimentos bem semelhantes. O que nos difere como humanos é
a capacidade de, por meio da linguagem, nomear objetos, ações e pessoas e de
sermos capazes de transmitir nossas experiências a outros humanos. Suponhamos
que essa criança receba a visita de um amiguinho. Se ele quiser atravessar uma
cerca de arame farpado, será advertido pela criança, por meio da linguagem, de que
pode ser ferido, se não tomar cuidado em fazê-lo. A linguagem se insere, pois, no
comportamento cognitivo humano em geral. Ela nos permite abstrair, trocar ideias e,
por isso, permite que nos adaptemos com maior facilidade ao nosso meio ambiente e
ao nosso convívio social.
A Linguística Cognitiva aborda a linguagem em conexão com a experiência
humana de mundo, como meio de conhecimento. As unidades e estruturas da
linguagem não são estudadas como entidades autônomas e sim como manifestações
de capacidades cognitivas gerais. Tal ciência postula que a linguagem é parte da
cognição humana e reflete a interação de fatores psicológicos, culturais,
comunicativos e funcionais.
O princípio da Linguística Cognitiva é o fato de que a linguagem não pode ser
separada de outras faculdades humanas, tais como os cinco sentidos. O que importa,
portanto, é o uso e as relações que se estabelecem entre linguagem e cognição, pois
a linguagem não apenas representa o significado, mas está em sua construção. Ela
parte do princípio que pensamento e linguagem são corporificados, o que faz com que
criemos estruturas conceptuais a partir de nossas experiências sensório-motoras.
15

Sendo assim, a Linguística Cognitiva não se atém à estrutura da língua, mas busca
nos processos cognitivos as razões de uma língua ser como é.

Uma escola de linguística e ciência cognitiva que emergiu do início dos


anos 80 para frente. Coloca importância central no papel do sentido,
processos conceptuais e experiência corporificada no estudo da
linguagem e da mente e o modo como elas se cruzam. A linguística
cognitiva é um empreendimento ou uma abordagem para o estudo da
linguagem e da mente em vez de uma única estrutura teórica
articulada.2 (EVANS, 2017, p.22, tradução nossa)

Essa relação entre a linguagem e os cinco sentidos pode ser notada nos
trechos de duas canções apresentados a seguir. Primeiramente, temos os versos da
música Pele de maçã, gravada pela dupla Matogrosso e Mathias.

Olhos de paixão, lábios de carmim


Beijo de hortelã, pele de maçã, cheiro de jasmim
Sorriso inocente, a me iludir
Voz de sedução, você é a canção mais linda que eu ouvi (NENA;
PRADO, 2004)

Essa relação está presente, também, na canção Sorte grande, um grande


sucesso da cantora Ivete Sangalo.

É lindo teu sorriso


O brilho dos teus olhos
Meu anjo querubim
Doce dos teus beijos
Calor dos teus braços
Perfume de jasmim (SANTOS, 2003)

Nos trechos citados, podemos notar a descrição da pessoa amada por meio de
palavras e expressões que nos remetem aos sentidos: em “olhos de paixão”, “lábios
de carmim”, “o brilho dos teus olhos”, temos a visão; “beijo de hortelã” e “doce dos
teus beijos” têm relação com o paladar; “pele de maçã” e “calor dos teus braços”, com

2
A school of linguistics and cognitive science which emerged from the early 1980s onwards.
Places central importance on the role of meaning, conceptual processes and embodied
experience in the study of language and the mind and the way in which they intersect.
Cognitive linguistics is an enterprise or an approach to the study of language and the mind
rather than a single articulated theoretical framework.
16

o tato, “voz de sedução”, audição, e, por fim, “cheiro de jasmim” e “perfume de jasmim”
nos remetem ao olfato.

1.1 Metonímia

A metonímia consiste em integrar parte de algo que vemos em um todo que


existe em nossa memória de longo prazo. Evans define metonímia da seguinte
maneira:
Uma operação conceptual na qual uma entidade, o veículo, pode ser
empregada de modo a identificar uma outra entidade, o alvo (1), ao
qual está associada. Como com a metáfora conceptual, a metonímia
conceptual licencia expressões linguísticas.3 (EVANS, 2007, p. 141,
tradução nossa)

Só vivemos o presente, como foi dito no início deste capítulo, graças ao nosso
passado. Temos uma memória de longo prazo que nos possibilita inferir coisas e
entendê-las a partir de algo que acontece em nosso presente.
O nosso pensamento se dá de forma metonímica. Isso ocorre, por exemplo,
quando vemos apenas parte do corpo de uma pessoa atrás de uma mesa e inferimos,
por meio do nosso conhecimento de mundo, que aquilo que estamos vendo não é um
todo, mas parte dele. Ao assistirmos a um jornal na tv, vemos apenas parte do corpo
dos apresentadores, mas sabemos que existe algo além daquilo que nosso campo de
visão consegue abranger. O mesmo acontece quando vemos um carro sendo dirigido
por alguém. Nosso conhecimento de mundo nos permite concluir que existe uma outra
parte daquela pessoa além daquela que podemos ver pela janela do veículo.
Langacker (1991), ao nos falar sobre zonas ativas, se refere justamente ao fato
de utilizarmos a parte mais representativa de um todo para identificar esse todo. Abreu
(2010) cita como exemplo o fato de pedirmos que alguém nos dê uma mão, para nos
referimos à ajuda que essa pessoa nos dará utilizando não apenas a mão, mas o
corpo todo, assim como o ombro amigo que solicitamos quando precisamos de

3
A conceptual operation in which one entity, the vehicle, can be employed in order to
identify another entity, the target (1), with which it is associated. As with conceptual
metaphor, conceptual metonymy licenses linguistic expressions.
17

alguém que nos ouça e console em função de algum problema pelo qual estamos
passando.
Quando um homem pede a mão da noiva, trata-se também de uma metonímia,
pois sua intenção não é casar-se apenas com a mão de sua namorada, mas tomá-la
por inteiro em matrimônio.
Encontramos este exemplo no nosso dia a dia e também em músicas, como é
o caso da canção Amor de violeiro, gravada pelo cantor sertanejo Eduardo Costa:

Moça, eu já sei que o papo agora é só ficar


Mas eu tô querendo mesmo é me casar
Se me achar careta, eu te peço perdão
Mas eu quero falar com seus pais, pedir a sua mão (GOMES, 2004)

Um outro exemplo é a imagem sonora que construímos, por exemplo, quando


conseguimos reconhecer algo ou alguém pelo som. Isso acontece quando falamos
com alguém conhecido ao telefone e sabemos de quem se trata porque
reconhecemos sua voz, da mesma forma que ao ouvir uma canção de um artista
famoso pela primeira vez conseguimos, muitas vezes, saber quem está cantando.
O olfato também nos ajuda no reconhecimento de coisas e pessoas. É comum
sabermos quem está se aproximando de nós, ao sentir o perfume usado por aquela
pessoa, ou até mesmo nos lembrarmos de alguém que faz parte de nosso passado
apenas por sentir um cheiro que nos liga a ela. O perfume de uma boa comida pode
nos fazer lembrar de nossas avós e mães, por exemplo. Muitos de nós temos
sensações olfativas que nos remetem à infância. Isso tudo se dá por imagens
sensoriais que criamos a partir do olfato, devido à capacidade de nosso cérebro de
trabalhar de forma metonímica.

1.2 Metáfora

A metáfora consiste em entender uma coisa em termos de outra, como afirmam


Lakoff e Johnson (1985).
De acordo com Abreu (2010), a metáfora, além de ser uma figura de linguagem,
é muito utilizada em nosso dia a dia como recurso conceptual, principalmente quando
nos referimos às nossas emoções.
Evans define metáfora como sendo
18

Uma forma de projeção conceptual envolvendo mapeamentos ou


correspondências mantidas entre domínios conceptuais distintos.
Metáforas conceptuais geralmente consistem emu ma série de
mapeamentos convencionais que relacionam aspectos de dois
domínios conceptuais distintos. O propósito de um conjunto de
mapeamentos como esse é fornecer estrutura de um domínio
conceptual, o domínio de origem, projetando a estrutura no domínio
alvo. Isso permite inferências que se sustentm na origem para ser
aplicadas no alvo. Por esse motive, metáforas conceptuais são tidas
como instrumentos básicos e indispensáveis de pensamento.4
(EVANS, 2007, p 136, tradução nossa)

Em seu livro Metaphors we live by (1985), Lakoff e Johnson constataram que


existem metáforas que são utilizadas amplamente, em diversas línguas, sendo quase
sempre as mesmas. Elas estão sempre relacionadas às nossas experiências e
servem para representar nosso modo de pensar e agir. Tais metáforas recebem o
nome de metáforas conceptuais, dentre as quais podemos encontrar o que os autores
chamam de metáforas primárias.
As metáforas primárias, de acordo com Lakoff e Johnson (1985) são aquelas
que adquirimos ao longo da vida apenas pelo simples fato de existirmos neste mundo.
Algumas delas são: “afeição é quente”, “tempo é movimento”, “intimidade é
proximidade”, “importante é grande”, “felicidade é para cima”, “amor é guerra”, “amor
é loucura”, etc. Essas metáforas são motivadas por nossas experiências de vida.
Segundo Abreu (2010), a metáfora “importante é grande” se dá pelo fato que nós,
quando pequenos, temos nossos pais como as pessoas mais importantes de nossas
vidas. Eles são muito maiores que nós e isso nos faz entender que aquilo que é
importante é grande fisicamente. Daí o fato de dizermos, por exemplo, que uma data
importante será um grande dia.
Vejamos alguns exemplos dessas metáforas em letras de músicas:

4
A form of conceptual projection involving mappings or correspondences holding between
distinct conceptual domains. Conceptual metaphors often consist of a series of conventional
mappings which relate aspects of two distinct conceptual domains. The purpose of such a set
of mappings is to provide structure from one conceptual domain, the source domain, by
projecting the structure onto the target domain. This allows inferences which hold in the source
to be applied to the target. For this reason, conceptual metaphors are claimed to be a basic
and indispensable instrument of thought.
19

Afeição é quente:

Eu quis até morrer depois que foi embora


E volta tão tranquila
Depois que já não tem mais amor
E sem você ficou mais frio o meu inverno
Parecia frio eterno
Você é minha dor (BRUNO; ANA PAULA, 2014)

Nos versos “Sem você ficou mais frio meu inverno / parecia frio eterno / você é
minha dor”, da música Agora, gravada por Bruno e Marrone, podemos notar que a
separação é ligada à ausência de calor, estar longe de quem se ama torna os dias de
inverno mais frios, pois não se tem o calor que é conferido pelo afeto. Isso pode ser
notado também na canção Cê que sabe, gravada por Cristiano Araújo.

Foi ontem mas eu já sinto vontade


Das bocas juntas e o calor
Do nosso lugarzinho de amor

Já é tarde, tá frio, é noite, eu sozinho


Minhas mãos tão comichando pra ligar
Final 1504 pra falar, ôuô (KAUAN; NETTO; RAFAEL, 2014)

Também podemos notar a relação entre calor e afeição em um verso da canção


Do seu lado, gravada pelo grupo Jota Quest e também por Nando Reis, o autor da
música.

O amor é o calor
Que aquece a alma
O amor tem sabor
Pra quem bebe a sua água (REIS, 2003)

O mesmo acontece na música As quatro estações, gravada pela dupla Sandy


e Júnior, que começa da seguinte maneira:

A noite cai, o frio desce


Mas aqui dentro predomina
Esse amor que me aquece
Protege da solidão (LEAH; SOCCI, 1999)

É perceptível, por meio dos versos citados, como o amor é capaz de aquecer
mesmo sendo inverno.
20

Tempo é movimento: essa metáfora pode ser notada na música Cadê você,
que se tornou um grande sucesso sertanejo nas vozes de Leandro e Leonardo:

O tempo vai
O tempo vem
A vida passa
E eu sem ninguém (JOSÉ, 1990)

Intimidade é proximidade: Nos versos da canção Estranho, da cantora


sertaneja Marília Mendonça, podemos perceber essa metáfora, pois o não estar
próximos fisicamente mostra a falta de intimidade conferida pela crise de um
relacionamento que se encaminha para o fim:

Minha mão já não tá mais na sua


A gente anda pela rua separados
Nem parecemos namorados
A aliança virou enfeite do dedo
Nossa cama agora é só pra dormir mesmo
E, no carro, parece que eu tô levando um simples passageiro
(ALVES; CÉSAR, RIBEIRO, 2018)

Importante é grande: Na canção Outra vez, gravada pelo rei, Roberto Carlos,
vemos que o amor mais importante da vida do eu lírico é aquele que ele afirma ter
sido o maior dos seus casos:

Você foi o maior dos meus casos


De todos os abraços
O que eu nunca esqueci
Você foi, dos amores que eu tive
O mais complicado e o mais simples pra mim (BOURDOT, 1977)

Em O grande amor da minha vida, música gravada pela dupla Gian e Giovanni,
vemos uma expressão muito utilizada por nós, quando nos referimos àquele amor que
consideramos o mais importante como o grande amor de nossas vidas. O refrão dessa
música diz o seguinte:

O tempo passou e eu sofri calado


Não deu pra tirar ela do pensamento
Eu ia dizer que estava apaixonado
Recebi o convite do seu casamento
Com letras douradas num papel bonito
Chorei de emoção quando acabei de ler
Num cantinho rabiscado no verso
Ela disse meu amor eu confesso
21

Estou casando mas o grande amor


Da minha vida é você (FARIAS, 1998)

Amor é loucura: essa metáfora serve para ilustrar o fato de que o amor nos
faz, muitas vezes, agir irracionalmente quando estamos apaixonados, é normal
deixarmos de lado a razão e agirmos levados pela emoção, o que muitas vezes nos
faz fazer coisas que não faríamos se pensássemos racionalmente.
Podemos notar a presença dessa metáfora na canção Acorrentado em você,
gravada pela dupla Bruno e Marrone:

Eu não sei o que é que eu faço


Estou num beco sem saída
Não consigo tirar você da minha vida
Era só uma brincadeira
Era só uma aventura
De repente virou um vício
De repente virou loucura (VÍVIA, 2000)

No verso citado acima, o eu lírico diz que seu amor virou loucura, o que nos
leva a crer que esse sentimento o fez perder um pouco ou muito de seu lado racional.
Podemos pensar, também, que se trata de uma espécie de obsessão pela pessoa
amada, já que descreve seu amor como vício e loucura.
O uso da metáfora está relacionado às nossas emoções. De acordo com Abreu,

[...] ela acrescenta um aspecto emocional àquilo que falamos, ao


trabalhar com imagens, potencializando a comunicação. Afinal,
segundo a moderna neurociência, os seres humanos possuem “duas
mentes” corporificadas, uma emocional, bastante antiga, pré-histórica,
e outra, racional, bastante recente. A mente emocional é mais rápida
e leva à ação. [..] A mente racional é mais lenta e costuma pesar prós
e contras. (ABREU, 2010, p.51)

Quando dizemos que estamos com calor, por exemplo, estamos transmitindo
uma mensagem racional, enquanto quando utilizamos uma metáfora e dizemos que
estamos derretendo, criamos imagens que veiculam emoções de intensidade muito
maior.
Essa possibilidade de intensificar as coisas que são ditas pode explicar o fato
de a metáfora ser uma figura de linguagem tão recorrente em canções de amor. Definir
o amor é algo complicado e expressar o que sentimos por vezes também não é uma
tarefa fácil. Quantas vezes dizemos ou ouvimos alguém dizer que faltam palavras para
22

expressar o que estamos sentindo? Recorrer a metáforas, nesses casos, pode ser
uma ótima opção, fazendo com que elas possam veicular toda a intensidade daquilo
que queremos transmitir.
Alguns exemplos podem ser citados para exemplificar o que acabamos de
dizer. As músicas 100% você, gravada pelo grupo Chiclete com Banana e a canção
Fico assim sem você, gravada por Claudinho e Buchecha e também por Adriana
Calcanhoto, têm suas letras construídas basicamente por metáforas que expressam
a falta de sentido da vida do eu-lírico longe da pessoa amada. As metáforas nos
ajudam a criar imagens que mostram que viver longe de quem se ama não tem graça.
Vejamos as letras:

Um céu Sem Estrela, Uma Praia Sem Mar


Um amor Sem Carinho, Um Romance Sem Par
Carnaval sem festa, Um Jardim sem flor
É assim que eu me sinto longe do seu amor !
Como enganar um coração tão ligado nesse amor ?
Como viver a minha vida sem teu jeito sedutor ?
Não dá mais pra segurar
Tô viciado em você !

Não dá..., Não dá..., Pra ficar..., Pra ficar Sem te Ver
Já estou ficando louco
Não dá..., Não dá..., Pra ficar..., Pra ficar Sem te Ver
Sou 100% você!

Lê Lê Lê Lê Lê Lê Lê Lê
Lê Lê Lê Lê Lê Lê Lê Lê

Estrada sem rumo, Saudade sem dor


Tv sem novela, Arco Íris sem cor
Chiclete sem Nana, Verão sem calor
É assim que eu me sinto longe do seu amor
Como enganar um coração tão ligado nesse amor ?
Como viver a minha vida sem teu jeito sedutor ?
Não dá mais pra segurar
Tô viciado em você ! (PEIXE, 2004)

Na canção 100% você, temos as metáforas: “um céu sem estrela”, “uma praia
sem “mar”, “amor sem carinho”, “romance sem par”, “carnaval sem festa”, “um jardim
sem flor”, “estrada sem rumo”, “saudade sem dor”, “TV sem novela”, “arco-íris sem
cor”, “Chiclete sem Nana” e “verão sem calor”. Todas elas retratam coisas não se
separam, pois, dessa forma, não fariam sentido ou estariam incompletas. O uso
dessas metáforas para criar imagens confere à letra muito mais emoção do que
23

apenas dizer que não se pode viver longe de quem se ama. O mesmo acontece na
letra de Fico assim sem você:

Avião sem asa,


fogueira sem brasa,
sou eu assim sem você.
Futebol sem bola,
Piu-piu sem Frajola,
sou eu assim sem você.

Por que é que tem que ser assim


se o meu desejo não tem fim.
Eu te quero a todo instante
nem mil alto falantes
vão poder falar por mim.

Amor sem beijinho,


Buchecha sem Claudinho,
sou eu assim sem você.
Circo sem palhaço,
namoro sem amasso,
sou eu assim sem você

Tô louca pra te ver chegar,


Tô louca pra te ter nas mãos.
Deitar no teu abraço,
Retomar o pedaço
que falta no meu coração.

Eu não existo longe de você


e a solidão é o meu pior castigo.
Eu conto as horas pra poder te ver
mas o relógio tá de mal comigo
Por quê?
Por quê?

Neném sem chupeta,


Romeu sem Julieta,
sou eu assim sem você.
Carro sem estrada,
queijo sem goiabada,
sou eu assim sem você

Por que é que tem que ser assim


se o meu desejo não tem fim.
Eu te quero a todo instante
nem mil auto falantes vão poder
falar por mim (ABDULLAH; MORAES, 2002)

Nessa letra, as metáforas que encontramos para representar a tristeza de estar


longe de quem se ama são: “avião sem asa”, “fogueira sem brasa”, futebol sem bola”,
24

Piu-piu sem Frajola”, amor sem beijinho”, “Buchecha sem Claudinho”, “circo sem
palhaço”, “namoro sem amasso”, “neném sem chupeta”, “Romeu sem Julieta”, “carro
sem estrada” e “queijo sem goiabada”. Todas essas metáforas nos trazem imagens
de coisas que, comumente, estão juntas, são relacionadas entre si por pertencerem a
um mesmo frame, o que nos remete ao amor entre duas pessoas que não conseguem
viver longe uma da outra.
Dessa forma, podemos notar a funcionalidade da metáfora, pois o uso dessa
figura na construção das letras das canções serve para que os sentimentos sejam
veiculados de forma mais concreta e mais intensa.

1.3 Categorização

O ser humano tem uma habilidade natural de colocar duas ou mais entidades
semelhantes dentro de um mesmo grupo com base nas similaridades que pode
reconhecer entre elas. Esse processo recebe o nome de categorização. Nós
entendemos o mundo por meio de categorias e não de coisas individuais.
George Lakoff (1990) em seu livro Women, fire and dangerous things, afirma
que, de acordo com a visão clássica, categorias se baseiam em propriedades
compartilhadas pelos itens que a compõem, o que não está totalmente errado. No
entanto, o processo de categorização é algo bem mais complexo que isso. Para dar
conta dela, urge, portanto, a teoria dos protótipos, que vem para mostrar que a
categorização humana é baseada em princípios que vão além daqueles considerados
pela teoria clássica.
De Aristóteles a Wittgenstein, pensava-se que as categorias eram fáceis de
ser entendidas e não apresentavam problemas. Eram consideradas caixas abstratas,
dentro das quais eram colocados os itens que apresentam propriedades em comum,
e tais propriedades seriam responsáveis por definir a categoria.
Essa teoria clássica não se baseia em estudo empírico e apresenta três
problemas, um com relação aos princípios que guiam a formação das categorias na
mente humana, um relacionado aos não se encaixam em uma categoria específica,
embora apresentem propriedades semelhantes a outros seres de a ela pertencem, o
que os coloca em uma espécie de “zona cinzenta” e, por fim, o fato de que as
categorizações mudam de uma cultura para outra.
25

A abordagem “teoria dos protótipos” sugere que a categorização humana


envolve experiência e imaginação. A experiência diz respeito à percepção dentro de
uma determinada cultura e também a imaginação, que inclui metáfora, metonímia e
imagens mentais.
De acordo com Lakoff (1990), essa mudança de categorias clássicas para
categorias baseadas em protótipos implica outras mudanças com relação aos
conceitos de verdade, conhecimento, significado, racionalidade e até de gramática.

1.4 ESQUEMAS DE IMAGEM

Os ESQUEMAS DE IMAGEM são esqueletos conceptuais utilizados por nós,


para estruturar conceitos complexos. De acordo com Mark Johnson (2005), trata-se
de padrões estruturais, cuja origem está ligada à nossa estrutura física e que são
recorrentes de nossa experiência sensório-motora.
Nós percebemos a realidade por meio do nosso corpo, pois, de acordo com
Abreu (2010), é a partir dele que criamos conceitos como “frente e trás”, “direita e
esquerda”, “alto e baixo” etc.
Nosso corpo interage com o ambiente em que vivemos e essa interação levou
à criação de ESQUEMAS DE IMAGEM. Esses esquemas podem ser, de acordo com
Lakoff e Johnson: de EQUILÍBRIO, pois necessitamos dele para nos mantermos em
pé; de PERCURSO, pois nossa movimentação no mundo tem sempre uma ORIGEM,
um TRAJETO e uma META; de CONTATO, que surge a partir da possibilidade de
encontrarmos alguém ou algo em nosso caminho; de DINÂMICA DE FORÇAS, que
resulta dos obstáculos que temos que enfrentar, de CONTÊINER, que se dá pelo fato
de podermos entrar em algum lugar ou colocar um objeto dentro de um recipiente.
Quando dizemos que o país precisa sair do buraco, estamos utilizando o esquema de
CONTÊINER. Quando dizemos que nos falta ainda um longo caminho para o pleno
emprego, estamos utilizando o esquema de PERCURSO.
26

1.5 Frames e Scripts

O conceito de frame começou a ser desenvolvido em 1970 por teóricos


cognitivistas. Surgiu como uma maneira diferente de perceber como linguagem e
experiência afetam uma à outra.
Lakoff (2000) define um frame como um conjunto de expectativas. A autora
parte das definições de Tannen (1979) e Levinson (1983)5, que apresentam,
respectivamente, os frames como “estrutura de expectativa” e “um corpo de
conhecimento que é invocado com o intuito de proporcionar uma base de inferências
para o entendimento de um discurso.”
De acordo com ela, diante de uma situação, nós criamos expectativas acerca
do que faz sentido para nós, à medida que percebemos estar operando em um frame
pré-determinado. Assim, sabemos o que fazer, sabemos o que é esperado de nós.
Quando há uma mudança nesse frame, sentimo-nos desconfortáveis e temos que
fazer o que a autora chama de reframe, ou seja, adaptarmo-nos a uma nova situação
que se apresenta diferente do esperado.
Frames são, portando, segundo Lakoff, partes essenciais de nosso repertório
cognitivo e, por meio deles, podemos fazer previsões e generalizações acerca de algo.
Quando passamos por experiências que nos permitem identificar um frame, é
extremamente difícil nos desvincularmos dele e mudar nossas expectativas, uma vez
que, vinculado a ele, existe um forte componente emocional.
Quando ouvimos a palavra casamento, imagens que estão ligadas ao
conhecimento de mundo que adquirimos durante nossa vida vêm à nossa mente.
Igreja enfeitada, noiva vestida com um belo vestido branco, noivo, padrinhos,
daminhas e pajens, convidados, festa. Todas essas imagens constituem aquilo que
chamamos de frame.
Frames são filtros mentais com que modelamos nossa percepção de mundo.
Vyvyam Evans define um frame da seguinte maneira:

5
As definições de Tannen e Levinson citadas por Lakoff pertencem às seguintes obras:
Tannen, Deborah. What’s in a Frame? Surface Evidence for Underlying Expectations. In R.
O. Freedle, ed., New Directions in Discourse Processing. Norwood, N.J.: Ablex, pp. 137–81,
1979.
Levinson, Stephen C. Pragmatics. Cambridge, Eng.: Cambridge University
Press, 1983.
27

Uma esquematização de experiência (uma estrutura de


conhecimento) que é representada em nível conceptual e armazenada
na memória de longo prazo e que relaciona elementos e entidades
associadas com uma determinada cena, situação ou evento da
experiência humana inseridos culturalmente. Frames incluem
diferentes tipos de conhecimento, incluindo características e relações
entre características [...]6 (EVANS, 2017, p.85, tradução nossa)

Os frames são responsáveis pelo surgimento do senso comum, discutido por


Robin Lakoff (2000) em The Language War. Para ela, quando pensamos em senso
comum, pensamos nas observações que fazemos da realidade a partir de uma
determinada visão de mundo. No entanto, não é sempre que essa idealização faz
sentido, pois o senso comum muda de época para época e de uma sociedade para
outra.
A canção Pra viver um grande amor, composta por Vinícius de Moraes, no ano
de 1962, pode ser tomada como exemplo de um frame de relacionamento amoroso,
pois retrata todos os elementos necessários e esperados de um bom relacionamento
a dois, de acordo com o senso comum da época em que foi escrita.

Eu não ando só
Só ando em boa companhia
Com meu violão
Minha canção e a poesia
Para viver um grande amor, preciso
É muita concentração e muito siso
Muita seriedade e pouco riso
Para viver um grande amor, mister
É ser homem de uma só mulher
Pois ser de muitas - Poxa! - É pra quem quer
Nem tem nenhum valor
Para viver um grande amor, primeiro
É preciso sagrar-se cavalheiro
E ser de sua dama por inteiro
Seja lá como for
Há que fazer do corpo uma morada
Onde clausure-se a mulher amada
E portar-se de fora como uma espada
Eu não ando só
Só ando em boa companhia

6
A schematization of experience (a knowledge structure), which is represented at the
conceptual level and held in long-term memory and which relates elements and entities
associated with a particular culturally embedded scene, situation or event from human
experience. Frames include different sorts of knowledge including attributes, and relations
between attributes […]
28

Com meu violão


Minha canção e a poesia
Para viver um grande amor, direito
Não basta apenas ser um bom sujeito
É preciso também ter muito peito
Peito de remador
É sempre necessário ter em vista
Um crédito de rosas no florista
Muito mais, muito mais do que na modista!
Conta ponto saber fazer coisinhas
Ovos mexidos, camarões, sopinhas
Molhos, filés com fritas - comidinhas
Para depois do amor
E o que há de melhor para ir pra cozinha
E preparar com amor uma galinha
Com uma rica e gostosa farofinha
Para o seu grande amor?
Eu não ando só
Só ando em boa companhia
Com meu violão
Minha canção e a poesia
Para viver um grande amor, é muito
Muito importante viver sempre junto
E até ser, se possível, um só defunto
Pra não morrer de dor
É preciso um cuidado permanente
Não só com o corpo, mas também com a mente
Pois qualquer "baixo" seu a amada sente
E esfria um pouco o amor
Há que ser bem cortes sem cortesia
Doce e conciliador sem covardia
Saber ganhar dinheiro com poesia
Não ser um ganhador
Mas tudo isso não adianta nada
Se nesta selva escura e desvairada
Não se souber ganhar a grande amada
Para viver um grande amor!
Eu não ando só
Só ando em boa companhia
Com meu violão
Minha canção e a poesia (MORAES, 1962)

Como podemos notar, a letra fala do homem perfeito, de tudo aquilo que é
necessário para que ele seja o par ideal para sua amada ideal, de acordo com o senso
comum da época. A letra da canção mostra, inclusive, o homem indo para a cozinha
para preparar uma refeição para sua mulher, algo não comum aos homens da época
e que serviria, portanto, como uma qualidade a mais na tentativa de conquistar o
coração da amada.
29

O que nos afeta não são os fatos, mas a percepção que temos deles. Se algo
foge àquilo que esperamos como base nos frames que constituem nosso repertório,
temos grande dificuldade em aceitar e assimilar esse novo modelo.
Se formos, por exemplo, a um casamento e virmos a noiva entrando na igreja
antes do noivo, isso, provavelmente, nos parecerá estranho e teremos uma certa
dificuldade de “aceitação”.
Como afirma Robin Lakoff,

[...]Uma vez que nós nos identificamos com um frame e decidimos o


que é certo e apropriado dentro dele, nós nos unimos a ele: torna-se
extremamente difícil alterá-lo, mudar nossas expectativas. Nós vemos
exigências ou solicitações para fazê-lo como ameaças ao nosso bem-
estar e até mesmo ao nosso status como seres humanos com plenos
direitos. Mudanças de frame parecem contraintuitivas. Novas
percepções não fazem sentido, se elas não podem ser postas em um
frame familiar. Dentro de um frame conhecido, as coisas são normais,
previsíveis, neutras, ordenadas e simples. Elas não precisam de
explicações. Uma vez mudado o frame, tudo muda. Nós voltamos, de
certo modo, à nossa incompetência infantil.7 (LAKOFF, 2000, p. 48,
tradução nossa)

Ao entrarmos em um supermercado, temos uma ideia prévia de como estarão


dispostos os produtos, mesmo que se trate de um estabelecimento que nunca
tenhamos frequentado anteriormente. Se não encontrarmos os produtos separados
por seção, certamente esse fato nos causará incômodo e desconforto, pois nosso
frame de supermercado consiste em um local onde produtos estão separados por
categorias. Não é normal encontrarmos alimentos misturados aos produtos de
limpeza, por exemplo.

Nós temos necessidade de nossos modelos e hipóteses. Eles formam


a cola que mantém ligadas as culturas e permitem que indivíduos
dentro delas se sintam membros competentes de uma comunidade
coesa. Nós nos apegamos até mesmo a crenças desacreditadas, não
apenas por ignorância, mas também por medo de que sejamos
deixados sós, confusos e incompletamente humanos sem elas.

7 [...] once we identify a frame and decide what is appropriate whithin it, we become wedded
to it: it becomes extremely difficult to reframe, to change our expectations. We experience
demands or requests to do so as threats to our weel-being and indeed even our status as full-
fledged competente human beings. Frame-shifting seems counterintuitive. New perceptions
don’t make sense, since theu cannot be placed in a familiar frame. Whithin the frame, things
are unmarked: normal, predictable, neutral, orderly, natural and simple. They do not require
expanation. Once a frame shifts, everything changes. We are, in a way, back to infantile
incompetence.
30

[...] Vivemos por estereótipos, alguns explicitamente reconhecidos,


outros implícitos e não examinados, sobre o que somos e os outros
são. 8 (LAKOFF, 2000 p. 49-50, tradução nossa)

Os frames incluem os domínios de latência. O domínio de latência de um ser


inclui tudo aquilo que ele pode e tudo o que não pode fazer. Inclui também tudo o que
ele pode sofrer; acidentes a que está sujeito e também o que pode ser feito com ele.
Se organizarmos cronologicamente os elementos que constituem um
determinado frame, temos o surgimento de um roteiro, de uma narrativa, que recebe
o nome de script. Se temos de ir a um hospital para ser submetidos a uma cirurgia,
ao acessarmos o frame de hospital, sabemos, também, antecipadamente, que há um
script, uma narrativa ordenando os eventos desse frame. Não podemos, por exemplo,
entrar com nossa mala e ir diretamente ao centro cirúrgico. O script diz que
precisamos, primeiramente, nos registrar na recepção e nos dirigir a uma
acomodação. Mais à frente, apenas, seremos conduzidos à sala de cirurgia.

1.6 Os afetos

Embora pareça um truísmo, é importante também levar em conta a questão


dos afetos. Damásio (2018) nos traz uma importante contribuição a esse tema,
demonstrando que imagens vinculadas aos nossos cinco sentidos ativam nossas
emoções – sensações físicas inconscientes – e sentimentos – percepções
conscientes e parciais das nossas emoções, contribuindo, segundo ele para uma
homeostase sociocultural.

Teleologicamente, os sentimentos servem para regular a vida,


fornecem informações necessárias para a homeostasia individual e
social. Anunciam riscos, perigos e crises que têm de ser evitados.
Anunciam, também, oportunidades. (DAMÁSIO, 2018, p. 130)

8 We need our frames and conventional assumptions. These form the glue that holds culture
together and allows individuals whithin those cultures to feel like competente members of a
cohesive community. We cling to even discredited beliefs, not only out of ignorance, but
equallyin fear that we would be left alone, bewildered, and not fully human without them.
[...] We live by stereotypes, some explicitly recognized,others implicit and unexamined, about
who we and others are.
31

O termo “homeostase” tem sua origem na biologia, sendo utilizado para


descrever a estabilidade necessária para que um organismo esteja em equilíbrio. Um
exemplo é a homeostasia térmica, que consiste no equilíbrio e controle da temperatura
corporal, o que se dá por meio da pele e da circulação sanguínea.
No entanto, apesar de ser um termo originalmente utilizado na biologia, o
neurologista Antônio Damásio desenvolveu o conceito de “homeostase sociocultural”.
Segundo o autor, nós possuímos, além da homeostase básica, responsável pelo
nosso equilíbrio fisiológico, que é programado em nosso genoma, a homeostase
sociocultural, que se desenvolve ao longo de nossas vidas no relacionamento com
nossos semelhantes e que é responsável pela busca do bem-estar.
Para Damásio, os responsáveis por dizer à nossa mente quais são os bons e
os maus caminhos na vida são os sentimentos, pois eles são uma parceria entre nosso
corpo e nosso cérebro e nos mostram, portanto, se o modo como estamos vivendo
nos levará ou não ao bem-estar e à prosperidade. O autor afirma que os sentimentos
funcionam em nossa vida como motivos de resposta a um problema e também operam
no monitoramento do sucesso ou da falta de respostas.

Os objetos e os acontecimentos influenciam a homeostasia positiva ou


negativamente e, como resultado, produzem sentimentos positivos ou
negativos. Ao mesmo tempo, e também naturalmente, as
características separadas dos objetos e dos acontecimentos – os seus
sons, formas, cores texturas, movimentos, estrutura temporal etc. –
passam a ser associados, pela aprendizagem, às emoções e
sentimentos, positivos ou negativos, que estão ligados ao
objeto/acontecimento completo.” (DAMÁSIO, 2018, p. 247-248, grifo
do autor)

É importante, pois, diferenciar os sentimentos das emoções. Damásio faz essa


distinção em seu livro E o cérebro criou o homem (2010). De acordo com ele, as
emoções são físicas, são uma maneira que a natureza tem de fazer com que o ser
humano aja sem perder tempo e têm tudo a ver com ação. Elas são automáticas e
garantem nossa sobrevivência, pois fazem com que nos comportemos de maneira
vantajosa frente a uma necessidade.
Os responsáveis por gerar em nós emoções são estímulos que podem ser
internos ou externos. Os externos são, por exemplo, uma pessoa que amamos ou
alguém que odiamos, um animal perigoso, um alimento do qual gostamos ou não, etc.
32

Os estímulos internos são aqueles que derivam de contextos mentais, como quando
pensamos em alguém.
As emoções possuem, portanto, de acordo com Damásio (2010), uma escala
de valência, pois podem ser positivas ou negativas. Uma emoção de valência positiva
causa comportamentos de aproximação, pois, se uma coisa nos faz feliz, nós nos
aproximamos dela, enquanto as emoções de valência negativa desencadeiam
comportamentos de afastamento.
Segundo o autor, as emoções são inconscientes e quando tomamos
consciência delas ocorre, em nosso cérebro, um outro processo, o “sentimento”.
Sentimentos são, pois, percepções conscientes e parciais das nossas emoções e
envolvem memórias. Emoções e sentimentos compõem aquilo que o autor chama de
afetos.
A homeostase sociocultural pode, pois, ter valência positiva ou negativa.
Damásio, nós, seres humanos, temos a necessidade de lidar com conflitos presentes
em nosso coração e temos o desejo de conciliar contradições que são despertadas
em nós pelo medo, pela raiva etc. Além disso, segundo ele, estamos em uma busca
constante pelo bem-estar. Isso tudo fez com que os humanos descobrissem a
chamada cultura hedonística, cuja expressão mais refinada é a arte, como a música,
a pintura, a dança, a literatura etc.
Segundo o autor, nosso processamento cerebral funciona a partir de imagens.
O autor afirma que “toda a mente é composta por imagens, desde a representação de
objetos e acontecimentos aos seus conceitos e traduções verbais correspondentes.
As imagens são a moeda universal da mente.” (DAMÁSIO, 2018, p. 132)
Quando utilizamos expressões como “agarrar-se a um fio de esperança”, “sair
do buraco”, “estar em maus lençóis”, temos imagens que nos remetem a um
determinado tipo de situação, boa ou ruim.
As imagens estão ligadas aos afetos e são trazidas, de maneira multimodal,
por aquilo que está presente diante de nós e também pela memória. Se falamos com
nossa mãe, por telefone, quando ouvimos sua voz, fazemos um pareamento entre as
sensações auditivas arquivadas em nossa mente e a voz que ouvimos no outro lado
da linha e, imediatamente, nosso cérebro nos informa que é nossa mãe que nos está
telefonando.
Sobre isso o autor afirma:
33

A nossa experiência dos objetos e acontecimentos do mundo que nos


rodeia é naturalmente multissensorial. Os órgãos da visão, da
audição, do tato, do paladar e do cheiro ativam-se apropriadamente
de acordo com o momento perceptual. (DAMÁSIO, 2018, p. 129)

As letras das canções refletem os afetos e refletem, também, o modelo


cognitivo-cultural da época em que foram escritas. As canções que alcançam grande
sucesso certamente refletem de maneira mais clara os afetos dos ouvintes, pois,
quando nos identificamos coma uma letra, tendemos a gostar mais e ouvir com mais
frequência uma determinada música.

Existe um outro mundo mental, paralelo, um mundo que acompanha


essas imagens […] trata-se do mundo paralelo dos afetos, um mundo
em que encontramos os sentimentos a acompanhar as imagens mais
marcantes da nossa mente. (DAMÁSIO, 2018, p. 145)

Desse modo, podemos concluir que tendemos a gostar de ouvir músicas


quando nos identificamos com suas letras; quando elas refletem o senso comum da
época em que vivemos, nossos afetos, acontecimentos que se assemelham à nossa
vida.
As canções podem veicular sentimentos de valência positiva ou negativa.
Podemos, no caso das letras que falam de amor, ser colocados diante de situações
de amor bem-sucedido ou de situações que representem o sofrimento amoroso, como
o término de um relacionamento, uma traição, um amor não correspondido etc.
Veremos, pois, a partir de agora, como as letras refletem o amor, os afetos e o
senso comum de cada década, desde 1950 até agora, de modo que seja possível
notar como se dá essa construção e como a mudança senso comum ao longo do
tempo se apresenta nas letras dessas canções. As letras de música podem ser vistas
como indicadores do passado cognitivo que os brasileiros usavam para modelar o
mundo amoroso à sua volta. Como os afetos humanos variam muito pouco no
decorrer do tempo, a maioria delas ainda costuma ainda colorir nossos afetos, mesmo
nos tempos de hoje.
34

2 Figuras retóricas de construção

A retórica é a arte do convencimento e da persuasão, da qual lançamos mão


quando queremos convencer ou persuadir alguém, pois não importa apenas aquilo
que dizemos, mas como fazemos isso. As figuras retóricas de construção são meios
pelos quais expressamos, de maneira mais persuasiva e convincente, aquilo que
queremos dizer a um determinado público.

A retórica é um grande tema. Ela consiste na total arte da persuasão.


O muito. Ela inclui lógica (ou o tipo de lógica desleixada que a maioria
das pessoas entende, chamada entimema), ela inclui falar alto e
claramente e inclui decidir sobre quais tópicos falar. Qualquer coisa
que tenha a ver com persuasão é retórica, bem abaixo do argumentum
ad baculum, que significa ameaçar alguém com um bastão até que
essa pessoa concorde com você. Uma parte minúscula desse tema
maciço são as figuras de retórica, que são as técnicas para fazer que
uma frase seja surpreendente e memorável, apenas alterando as
palavras. Não dizendo algo diferente, mas dizendo algo de uma
maneira diferente. Elas são as fórmulas para produzir ótimas linhas.9
(FORSYTH, 2013, p.3, tradução nossa)

Forsyth (2013) afirma que os poetas não são aqueles que têm grandes ideias
ou pensamentos, mas aqueles que conseguem expressar algo, por mais comum que
seja, de maneira requintada e primorosa. Para o autor, Shakespeare não era um gênio
e sim um homem que aprendeu a escrever e foi se aprimorando e se tornando cada
vez melhor nessa arte.
Em seu livro A arte de argumentar, Abreu fala sobre as figuras retóricas e sua
funcionalidade. Segundo o autor, trata-se de recursos estilísticos que utilizamos na
arte da persuasão, pois elas “possuem um poder persuasivo subliminar, ativando
nosso sistema límbico, região do cérebro responsável pelas emoções.” (ABREU,

9
Rhetoric is a big subject. It consists of the whole art of persuasion. The lot. It includes logic
(or the kind of sloppy logic most people understand, called enthymemes), it includes speaking
loudly and clearly, and it includes working out what topics to talk about. Anything to do with
persuasion is rhetoric, right down to the argumentum ad baculum, which means threatening
somebody with a stick until they agree with you. One minuscule part of this massive subject is
the figures of rhetoric, which are the techniques for making a single phrase striking and
memorable just by altering the wording. Not by saying something different, but by saying
something in a different way. They are the formulas for producing great lines.
35

p.109) Ainda de acordo com o autor, é necessário que saibamos diferenciar as figuras
retóricas, que se caracterizam pela sua funcionalidade, das estilísticas, que têm
objetivo apenas estético.
As figuras têm efeito sobre o auditório a quem se direcionam. Por meio delas
os textos podem se tornar marcantes e serem lembrados com maior facilidade. Ao
fazer uso de figuras de retórica em um texto, seu autor, com certeza, conseguirá
emocionar e persuadir seu auditório com maior facilidade. Forsyth, ao tratar do efeito
que as figuras podem causar no público, afirma o seguinte:

As figuras são vivas e florescentes. Aquela linha daquela música ou


filme lembramos e não sabemos por que lembramos é quase com
certeza devido a uma das figuras, uma das flores da retórica
crescendo selvagem/desenfreada. Elas estão nas canções que
cantamos e nos poemas que amamos, apesar de isso ser escondido
de nós na escola.10 (FORSYTH, 2013, p.5, tradução nossa),

As letras das músicas analisadas neste trabalho apresentam construções e


figuras retórica em sua composição, fato que não se dá ao acaso. Como vimos, as
figuras têm caráter funcional e podemos, portanto, perceber que seu uso se dá de
modo a tocar o público a quem são dirigidas.
Faremos, agora, uma breve definição de cada uma das figuras de construção
que aparecerão, novamente, mais à frente, nas análises das canções.

2.1 Poliptoto

O poliptoto é uma figura que se caracteriza pelo uso de uma palavra em formas
gramaticais diversas. Acontece também, quando as palavras se aproximam quanto à
sua etimologia. Na canção Quando o mel é bom, gravada pela dupla sertaneja Simone
e Simaria, podemos notar a presença do poliptoto:

Quando o mel é bom


A abelha sempre volta

10
The figures are alive and thriving. The one line from that song or film that you remember and
don’t know why you remember is almost certainly down to one of the figures, one of the flowers
of rhetoric growing wild. They account for the songs you sing and the poems you love, although
that is hidden from you at school.
36

Olha você me ligando


Passando mensagens
Se não ligasse eu iria ligar (MENDES; NERY; PAZ, 2015, grifo
nosso)

O verbo “ligar” aparece, no mesmo verso, em três formas distintas, o que


caracteriza o poliptoto. O mesmo acontece com os verbos “doer” e “fazer” na música
Notificação preferida, gravada por Zé Neto e Cristiano:

Já doeu
Mas hoje não dói mais
Tanto fiz
Que agora tanto faz (ALVES et. al., 2018, grifo nosso)

E, ainda nessa mesma música, temos, no refrão, mais uma ocorrência de


poliptoto, que se dá pelo uso, no mesmo verso, das palavras “mas” e “mais”
(conjunção e advérbio, respectivamente):

Foi, mas não é mais a minha notificação preferida


Já foi, mas não é mais a número um da minha vida
Sinto em te dizer
Mas eu já superei você (ALVES et. al., 2018, grifo nosso)

Na canção Garotos, do cantor Leoni, também podemos notar a presença do


poliptoto quando, em um único verso, há a presença das palavras olhos e olhares,
palavras essas que possuem a mesma etimologia:

Seus olhos e seus olhares


Milhares de tentações
Meninas são tão mulheres
Seus truques e confusões (LEONI, 1993, grifo nosso)

Um outro exemplo de poliptoto encontra-se na música Para viver um grande


amor, de Vinícius de Moraes:

Eu não ando só
Só ando em boa companhia
Com meu violão
Minha canção e a poesia (MORAES, 1962, grifo nosso)

No verso “eu não ando só, só ando em boa companhia”, temos a ocorrência
do poliptoto pela repetição da palavra “só”. Na primeira ocorrência, só é adjetivo; na
segunda, advérbio.
37

2.2 Antítese

A antítese, de maneira geral, pode ser entendida como a oposição entre duas
palavras. Forsyth (2013) apresenta a fórmula básica da antítese: “X é Y, e não X é
não Y”. Trata-se, portanto, do uso de palavras antônimas, como claro/escuro,
perto/longe, belo/feio. Para Abreu (2009, p.135), “a antítese consiste em contrapor
uma palavra ou uma frase a outra de significação oposta”
Na canção Detalhes, grande sucesso de Roberto Carlos, temos a presença da
antítese:

Detalhes tão pequenos de nós dois


São coisas muito grandes pra esquecer
E a toda hora vão estar presentes
Você vai ver (CARLOS, E.; CARLOS, R., 1971, grifo nosso)

Nos versos “detalhes tão pequenos de nós dois/são coisas muito grandes para
esquecer”, a ocorrência da antítese se dá pela oposição entre as palavras pequeno e
grande, utilizadas na descrição de uma mesma coisa, os detalhes do relacionamento
amoroso que são difíceis de esquecer.
O hit Apelido carinhoso, uma das músicas mais tocadas nas rádios do Brasil no
ano de 2018, gravada pelo cantor Gusttavo Lima, também traz em sua letra um
exemplo de antítese:

Eu sei que você poderia ter escolhido alguém menos complicado


Que não tivesse, no presente, uma pessoa do passado
Aceitar essa situação é uma forma de amor
Mas eu preciso que você me faça só mais um favor (ANGELIM,
2017, grifo nosso)

A antítese se dá, nesse caso, pela presença dos antônimos presente e


passado, nos versos “eu sei que você poderia ter escolhido alguém menos
complicado/que não tivesse no presente uma pessoa do passado”. servindo para
enfatizar a ideia de que o eu-lírico encontra dividido entre um amor que ainda não
conseguiu esquecer completamente e um novo amor que quer fazer com dê certo.
De acordo com Fiorin (2014, p.152)

A antítese é um acúmulo de significados, porque se explicitam as


oposições implícitas na construção dos sentidos. Isso para intensificar
38

o que se diz, mostrando contradições e contrariedade presentes no


objeto de que se fala.

Um outro exemplo de ocorrência de antítese são os verbos “ir” e “voltar” e “abrir”


e “fechar”, presentes na canção Bebida na ferida, gravada pela dupla Zé Neto e
Cristiano:

Agora tá de standby
Vai fazer isso com os outros, vai
Tudo que vai, volta, ai, ai, ai
Quem abre também fecha a porta (ALVES et. al., 2018, grifo nosso)

2.3 Merisma

Recebe o nome de merisma a figura de retórica que consiste em nomear as


partes de algo em vez de dizer do que se trata.
Podemos notar, por exemplo, um merisma na canção Amo noite e dia, gravada
pela dupla Jorge e Mateus. A figura de retórica em questão aparece no título da
música e, também, em sua letra no seguinte trecho:

Passa o dia, passa a noite, tô apaixonado


Coração no peito sofre sem você do lado
Dessa vez tudo é real, nada de fantasia
Saiba que eu te amo, amo noite e dia (TEIXEIRA, 2010, grifo nosso)

Amar noite e dia significa amar o tempo todo, mas em vez de dizer isso, as
partes são nomeadas de modo a dar ênfase à constância do amor que o eu-lírico
sente.
Na letra de Garotos, a pessoa amada é descrita por meio de um merisma, pois
são citadas suas partes e atitudes (mãos, braços, beijos, abraços, pele, barriga e seus
laços) como responsáveis pelo fascínio que exerce sobre o eu-lírico:

Então são mãos e braços, beijos e abraços


Pele, barriga e seus laços
São armadilhas, e eu não sei o que faço
Aqui de palhaço, seguindo seus passos (LEONI, 1993, grifo nosso)

Se não houvesse merisma, bastaria dizer que o corpo todo é uma armadilha.
39

2.4 Aposiopese

A aposiopese pode ser definida como o ato de calar-se, tornar-se silencioso.


Ela é marcada, segundo Forsyth (2013), por reticências, que indicam que ainda há
algo a se dizer, mas que não será dito.
Podemos notar a presença dessa figura ao final da canção Amor e sexo,
gravada pela cantora Rita Lee:

Amor é um livro
Sexo é esporte
Sexo é escolha
Amor é sorte

Amor é pensamento, teorema


Amor é novela
Sexo é cinema

Sexo é imaginação, fantasia


Amor é prosa
Sexo é poesia

O amor nos torna patéticos


Sexo é uma selva de epiléticos

Amor é cristão
Sexo é pagão
Amor é latifúndio
Sexo é invasão
Amor é divino
Sexo é animal
Amor é bossa nova
Sexo é carnaval

Amor é para sempre


Sexo também
Sexo é do bom...
Amor é do bem...

Amor sem sexo,


É amizade
Sexo sem amor,
É vontade

Amor é um
Sexo é dois
Sexo antes,
Amor depois

Sexo vem dos outros,


E vai embora
40

Amor vem de nós,


E demora

Amor é cristão
Sexo é pagão
Amor é latifúndio
Sexo é invasão
Amor é divino
Sexo é animal
Amor é bossa nova
Sexo é carnaval

Amor é isso,
Sexo é aquilo
E coisa e tal.
E tal e coisa.

Ah, o amor...
Hum, o sexo... (CARVALHO; JABOR; LEE, 2003, grifo nosso)

Nessa letra, encontramos uma contraposição entre amor e sexo, do início ao


fim, feita, majoritariamente, por metáforas. Após a definição, temos, no final da
canção, os versos “Ah, o amor... / Hum, o sexo...”, ambos terminados com reticências.
Essa pontuação marca a existência da aposiopese, pois se trata de um silêncio
intencional para que fique subentendido que algo a mais poderia ser dito, mas não foi.
Podemos pensar que esse calar-se se deu pelo fato de ainda haver muitas outras
comparações a se fazer entre amor e sexo, ou que o eu-lírico quebra opta pelo silêncio
para poder apenas pensar nessas duas coisas das quais vinha falando ao longo de
toda a música.

2.5 Anadiplose

A anadiplose acontece quando repetimos a última palavra de uma frase ou


verso no início da seguinte, o que pode ser notado na canção Se, sucesso de Djavan:

Você sabe que eu só penso em você


Você diz que vive pensando em mim
Pode ser, se é assim
Você tem que largar a mão do não
Soltar essa louca, arder de paixão
Não há como doer pra decidir
Só dizer sim ou não
Mas você adora um se (DJAVAN, 1992, grifo nosso)
41

A utilização da palavra “você” para terminar o primeiro verso do trecho citado e


iniciar o segundo serve não apenas como artifício rítmico, mas também como uma
maneira de colocar em destaque o interlocutor, que é a pessoa por quem o eu-lírico
sente amor. Dessa forma, podemos notar que a intenção é colocá-la como
responsável pela concretização ou não do romance entre eles, pois tudo depende de
uma tomada de decisão desse alguém que adora um “se”.

2.6 Diácope

A diácope é uma espécie de “sanduíche de palavras”, segundo Forsyth (2013).


Essa figura ocorre quando repetimos uma palavra após uma pequena interrupção que
se dá pela interposição de uma palavra distinta.
Como exemplo, podemos citar o verso “Amor, meu grande amor” (RO RO;
TERRA, 1996), que é também o título da música gravada por Frejat, em que entre
duas ocorrências da palavra “amor”, temos a sequência “meu grande”.
Por fim, um outro exemplo dessa figura pode ser visto em Aquela pessoa,
música gravada pela dupla Henrique e Juliano, no seguinte trecho:

Todo mundo tem uma pessoa, aquela pessoa


Não precisa dia e nem hora pra chegar
Na portaria do meu coração já tem seu nome
Pode entrar (CARVALHO; FERREIRA; LESSA, 2017, grifo nosso)

Aqui, entre duas ocorrências da palavra “pessoa”, temos o demonstrativo


“aquela”.
O efeito causado pela diácope é a ênfase.

2.7 Paradoxo

O paradoxo é uma figura de pensamento que consiste na oposição de ideias.


Segundo Abreu (2009), o paradoxo “reúne ideias contraditórias em uma mesma frase”
(p.136)
Um exemplo dessa figura pode ser retirado da música Quem de nós dois,
gravada por Ana Carolina e, também, pela dupla Victor e Léo.
42

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais


E te perder de vista assim é ruim demais
E é por isso que atravesso o teu futuro
E faço das lembranças um lugar seguro
Não é que eu queira reviver nenhum passado
Nem revirar um sentimento revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saída
Acabo entrando sem querer na sua vida (ANA CAROLINA;
FALCÃO, 2001, grifo nosso)

Os versos “E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais” e “mas toda vez que
eu procuro uma saída / acabo entrando sem querer na sua vida” marcam a oposição
de ideias que caracteriza o paradoxo. Nessa canção, essa oposição é utilizada para
marcar o conflito em que o eu-lírico se encontra após o término de um relacionamento.
A música Sinônimos, gravada pela dupla Chitãozinho e Xororó, em parceria
com o cantor Zé Ramalho, também apresenta um paradoxo:

Quanto tempo o coração leva pra saber


Que o sinônimo de amar é sofrer?
No aroma de amores pode haver espinhos
É como ter mulheres e milhões e ser sozinho (AUGUSTO; NOAM;
VALLE, 2004, grifo nosso)

No verso “é como ter mulheres e milhões e ser sozinho”, o uso da oposição de


ideias serve para que seja expressa a necessidade do eu-lírico em estar com quem
ama, pois só a presença da pessoa amada importa.

2.8 Sinédoque

Considerada uma forma de metonímia, a sinédoque é o uso da parte pelo todo.


Um exemplo disso é quando nos referimos a uma pessoa utilizando, para isso, uma
parte de seu corpo. Para Forsyth (2013), o poder da sinédoque está no fato de ela nos
possibilitar um vislumbre. É como se estivéssemos vendo apenas uma parte de algo
devido a um close dado por uma câmera. Um belo exemplo é o que apresenta Vinícius
de Moraes em sua música Samba em Prelúdio:

Ah, que saudade


Que vontade de ver renascer nossa vida
Volta, querida
Os meus braços precisam dos teus
Teus abraços precisam dos meus (MORAES; POWELL, 1962,
grifo nosso)
43

Aqui, o autor põe foco nos braços, parte da sua amada e de si próprio, induzindo
o leitor / ouvinte a fazer um close nos braços e na ação de abraçar. A ocorrência de
braços e abraços em sequência é, também, um exemplo de poliptoto.
Fiorin, por sua vez, define sinédoque da seguinte maneira:

A sinédoque é um tipo de metonímia, em que a relação de


contiguidade é do tipo pars pro toto (parte pelo todo), o que significa
que a transferência sêmica se faz entre dois sentidos que constituem
um todo. Sinédoque, em grego, quer dizer “compreensão simultânea”,
ou seja, o que apresenta traços que coocorrem necessariamente num
significado. Nela. Há uma inclusão, um englobamento. (FIORIN, 2014,
p.38)

Um outro exemplo de sinédoque pode ser encontrado na música O que falta


em você sou eu, gravada pela cantora Marília Mendonça:

O que falta em você sou eu


Seu sorriso precisa do meu
Sei que tá morrendo de saudade
Vem buscar logo a sua metade (TCHULA et.al., 2016)

No trecho acima, podemos notar que o sorriso é uma parte utilizada para se
referir à pessoa como um todo (seu sorriso precisa do meu).

2.9 Epanalepse

A epanalepse ocorre quando começamos e terminamos uma estrofe, um


poema ou uma canção com a mesma palavra. Essa figura contribui para que haja uma
ideia de circularidade. É como se, ao final, voltássemos para o mesmo lugar de onde
partimos.
Um exemplo de epanalepse é a música Só hoje, gravada pela banda mineira
Jota Quest. A letra da canção começa e termina com a palavra “hoje”:

Hoje eu preciso te encontrar de qualquer jeito


Nem que seja só pra te levar pra casa
Depois de um dia normal
Olhar teus olhos de promessas fáceis
E te beijar a boca de um jeito que te faça rir
44

(Que te faça rir)

Hoje eu preciso te abraçar


Sentir teu cheiro de roupa limpa
Pra esquecer os meus anseios e dormir em paz

Hoje eu preciso ouvir qualquer palavra tua


Qualquer frase exagerada que me faça sentir alegria
Em estar vivo

Hoje eu preciso tomar um café, ouvindo você suspirar


Me dizendo que eu sou o causador da tua insônia
Que eu faço tudo errado sempre, sempre

Hoje preciso de você


Com qualquer humor, com qualquer sorriso
Hoje só tua presença
Vai me deixar feliz
Só hoje (FLAUSINO; MELLO, 2002, grifo nosso)

A letra é construída como um apelo do eu-lírico à pessoa amada para que ela
ceda diante dos pedidos feitos por ele, quando ele diz que precisa estar com seu amor
apenas no dia de “hoje”. A canção nos remete, de certa forma, a crianças em situações
de apelo a seus pais quando querem repetir alguma atividade como, por exemplo, ir
mais vezes em um brinquedo no parque de diversões. O “só hoje” dito pelo eu-lírico
pode ser comparado ao “só mais uma vez” de uma criança. Isso evidencia a carência
e necessidade do eu-lírico de estar com a pessoa que ama, mesmo que seja apenas
mais uma vez, o que, no fundo, não é realmente o que ele deseja. O fato, pois, de
começar e terminar a música com a palavra “hoje” pode ser entendido como uma
espécie de promessa feita (fique comigo hoje e não te incomodarei mais).

2.10 Personificação

Conhecida também como prosopopeia, a personificação é uma figura de


retórica que consiste em atribuir propriedades e ações humanas a seres inanimados
ou animais.
Na canção Choram as rosas, gravada pela dupla sertaneja Bruno e Marrone,
encontramos, logo no título, uma prosopopeia, que se repete ao longo da canção.
Trata-se do verso “choram as rosas” que constitui uma personificação, visto que rosas
são plantas, ou seja, são seres inanimados incapazes de realizar ações humanas, tais
45

como o choro. Ainda temos, na mesma canção uma outra prosopopeia que é “chora
minh’alma”; mais uma vez a ação de chorar atribuída a uma entidade abstrata: a alma.

Choram as rosas
Seu perfume agora se transforma em lágrimas
E eu me sinto tão perdido,
Choram as rosas

Chora minha alma


Como um pássaro de asas machucadas
Nos meus sonhos, te procuro
Chora minh'alma

Lágrimas, que invadem meu coração


Lágrimas, palavras da alma,
Lágrimas, a pura linguagem do amor

Choram as rosas
Porque não quero estar aqui
Sem seu perfume
Porque já sei que te perdi
E entre outras coisas
Eu choro por ti

Falta seu cheiro


Que eu sentia quando você me abraçava
Sem teu corpo, sem teu beijo
Tudo é sem graça (JOQUINHA; MATHEUS, 2005, grifo nosso)

No trecho abaixo, retirado da música Que sorte a nossa, sucesso na voz da


dupla Mateus e Kauan, encontramos, também, uma personificação no verso “se o
amor bateu na nossa porta”, pois o amor aparece exercendo uma ação humana:

Tantos sorrisos por aí, você querendo o meu


Tantos olhares me olhando e eu querendo o seu
Eu não duvido não, que não foi por acaso
Se o amor bateu na nossa porta, que sorte a nossa (MATTOS;
PALONI; PALONI, 2015, grifo nosso)

2.11 Hipérbole

A hipérbole é a figura do exagero. De acordo com Forsyth (2013), trata-se de


uma figura muito comum, devido ao nosso hábito e tendência constante a exagerar.
Encontramos a figura da hipérbole na música Mil vezes cantarei, que foi
gravada por Rick e Renner e, recentemente, regravada pelo cantor Gusttavo Lima.
46

Se não fosse por essa canção


Já teria morrido de amor
Mas eu tenho a estranha ilusão
Que me escute e volte para mim
Mais de mil vezes cantarei
Porque não morre a ilusão
E onde quer que você vá
Escutará seu coração
Mais de mil vezes cantarei
Porque não morre essa paixão
E eu estou seguro que escutará seu coração
O seu coração (PINTO, 1998, grifo nosso)

Os versos “se não fosse por essa canção/já teria morrido de amor” e, também,
o verso “mais de mil vezes cantarei”, presente no refrão, mostram o exagero
característico da hipérbole e servem para conferir um caráter dramático à canção.
A música Exagerado, grande sucesso de Cazuza, é hiperbólica por essência;
o próprio tema da canção já é uma hipérbole, pois se trata de coisas exageradas e
absurdas que o eu-lírico afirma ser capaz de fazer por sua amada.

Amor da minha vida


Daqui até a eternidade
Nossos destinos foram traçados
Na maternidade

Paixão cruel, desenfreada


Te trago mil rosas roubadas
Pra desculpar minhas mentiras
Minhas mancadas

Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado

Eu nunca mais vou respirar


Se você não me notar
Eu posso até morrer de fome
Se você não me amar

Por você eu largo tudo


Vou mendigar, roubar, matar
Até nas coisas mais banais
Pra mim é tudo ou nunca mais

Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado
47

Que por você eu largo tudo


Carreira, dinheiro, canudo
Até nas coisas mais banais
Pra mim é tudo ou nunca mais (CAZUZA; LEONI; NEVES, 1985,
grifo nosso)

Várias passagens da música constituem hipérboles, tais como “daqui até a


eternidade”, “te trago mil rosas roubadas”, “jogado a seus pés”, “eu nunca mais vou
respirar”, “eu posso até morrer de fome”, dentre outras. Tudo isso contribui para
marcar a “devoção” e entrega do eu-lírico à pessoa que ama.
Por fim, um outro exemplo que podemos citar se encontra na canção Pra não
pensar em você, gravada por Zezé di Camargo e Luciano.

Mas eu me engano, me desespero


Porque te amo, porque te quero
E a minha vida é só pensar em você
O tempo todo, o dia inteiro
Sinto seu corpo, sinto seu cheiro
E a minha vida é só pensar em você (AUGUSTO; PISKA, 1998, grifo
nosso)

Os versos “e a minha vida é só pensar em você” e “o tempo todo, o dia


inteiro/sinto seu corpo, sinto seu cheiro” são marcas do exagero característico da
hipérbole, pois ninguém vive uma vida apenas pensando na pessoa amada, assim
como não é possível sentir o corpo ou o cheiro de alguém o tempo todo. Tais
construções vêm servir como meio de expressão para o amor e a saudade intensa
sentidos pelo eu-lírico quando longe de quem ama.
Por fim, podemos citar um trecho da canção Clichê, uma parceria entre as
duplas Jorge e Mateus e João Neto e Frederico:

Você é o primeiro pensamento do meu dia


Se eu não te vejo quase morro de agonia
Sou dependente desse amor, o seu beijo vicia
Eu quero todo dia! (AGRA, 2013, grifo nosso)

A hipérbole “quase morro de agonia” serve para representar a intensidade do


amor sentido pelo eu lírico que não consegue desviar seus pensamentos da amada e
que considera impossível a vida sem ela.
48

2.12 Anáfora

Forsyth (2013) afirma que a anáfora é a rainha das figuras retóricas. Ela
consiste em começar frases com a mesma palavra. Para o autor, a anáfora é poderosa
e muito útil; é como uma arma, mas temos, segundo ele, que saber a hora certa de
puxar o gatilho, pois ela pode fazer-nos lembrar as primeiras palavras da frase e
esquecer as demais. A anáfora tem, de acordo com ele, um feito hipnótico.
Para Abreu (2009, p.132), “a função da anáfora é manter o fluxo de atenção do
interlocutor sobre um conceito, durante a exposição.”
Como exemplo de anáfora, podemos citar uma música já antes mencionada
neste trabalho. Na letra de Garotos, o refrão é construído anaforicamente pela
repetição da palavra garotos no início de versos do refrão:

Garotos não resistem aos seus mistérios


Garotos nunca dizem não
Garotos, como eu, sempre tão espertos
Perto de uma mulher, são só garotos. (LEONI, 1993, grifo nosso)

Um outro exemplo de anáfora pode ser notado na canção Apelido carinhoso:

Ainda não me chame de meu nego


Ainda não me chame de bebê
Porque era assim que ela me chamava
E um apelido carinhoso é o mais difícil de esquecer (ANGELIM,
2017, grifo nosso)

Podemos notar que a letra retrata alguém que, no momento, não se pode
entregar completamente ao relacionamento atual devido ao término recente que ainda
mexe com seus sentimentos. A anáfora vem, portanto, com a palavra ainda, para
enfatizar o caráter temporário dessa situação, para reforçar a ideia de que o eu-lírico
ainda não superou o relacionamento anterior, mas que isso é apenas uma questão de
tempo.
A música Tudo que você quiser, gravada pelo cantor Luan Santana também
traz tem seu refrão construído de maneira anafórica:

Eu troco minha paz por um beijo seu


Eu troco meu destino pra viver o seu
Eu troco minha cama pra dormir na sua
Eu troco mil estrelas pra te dar a lua
E tudo que você quiser
49

E se você quiser te dou meu sobrenome (ALEIXO; BORGES; OLIVER,


2013, grifo nosso)

A anáfora, que se dá, nesse caso, pela repetição da sequência “eu troco”, serve
para reforçar a ideia de que o eu-lírico está disposto, a trocar a vida de solteiro por um
relacionamento, a liberdade pelo compromisso, a viver sua vida para a felicidade da
pessoa que ama. O verbo “trocar” é utilizado para mostrar que para estar com alguém
temos que abrir mão de muitas coisas e que o eu-lírico está disposto a fazer essa
troca.

2.13 Hipálage

A hipálage é a utilização de um adjetivo que usamos para descrever um ser


humano na descrição de algo inanimado. Abreu (2009, p.130) define hipálage como
“a transferência de uma qualidade humana para entidades não humanas.”
Na música Medo bobo, gravada pela dupla Maiara e Maraisa, temos, já no
título, a presença da hipálage, devido à atribuição de uma qualidade humana (bobo)
a um sentimento, algo abstrato e não humano (o medo). A expressão “medo bobo”
aparece não só no título, mas também na letra da música:

E na hora que eu te beijei


Foi melhor do que eu imaginei
Se eu soubesse tinha feito antes
No fundo sempre fomos bons amantes
No fundo sempre fomos bons amantes
É o fim daquele medo bobo (MARAISA et. al., 2016, grifo nosso)

Ao caracterizar o medo e não a pessoa como bobo, o romantismo característico


da letra da canção não se perde, o que não aconteceria se o eu-lírico atribuísse essa
característica a si próprio.

2.14 Oximoro

O oximoro se caracteriza pela combinação de palavras com sentidos opostos


que, a princípio, parecem se excluir, mas acabam por atuar como um reforço para
aquilo que se quer expressar. Por meio do uso dessa figura de retórica, dizemos
verdades que parecem mentiras.
50

Um exemplo de oximoro se encontra no verso “mentiras sinceras me


interessam”, da canção Maior abandonado, gravada pelo cantor Cazuza. Mentiras não
podem ser sinceras; uma coisa exclui a outra. Temos, portanto a presença do oximoro.

Migalhas dormidas do teu pão


Raspas e restos
Me interessam
Pequenas porções de ilusão
Mentiras sinceras me interessam
Me interessam. (FREJAT, 1984, grifo nosso)

As figuras retóricas de construção, servem, pois, como vimos neste capítulo,


para que possamos dizer algo de maneira mais persuasiva e convincente. Foi possível
notar, por meio das músicas utilizadas como exemplos, como o uso dessas figuras
confere às letras um valor emocional mais forte do que se tivessem sido escritas sem
o uso desses recursos retóricos, o que resulta em uma maior identificação do público
com as canções, fazendo com que elas “caiam” no gosto dos ouvintes e, muitas vezes,
se tornem grandes sucessos. Isso poderá ser visto de maneira mais clara e detalhada
nas análises das músicas que apresentaremos mais à frente neste trabalho.
51

3 Material e métodos

Para a realização deste trabalho, analisamos as letras das músicas que


constituem o corpus desta pesquisa. Ancoramos cada uma delas em seu momento
histórico, fazendo uma análise cognitiva e funcional (retórica), a partir dos frames do
auditório da época. Nossa hipótese é que essas músicas funcionam como um
documento do elo emocional entre a maneira como as pessoas viviam e, sobretudo,
sentiam os acontecimentos de sua própria existência. O processo cognitivo a ser
explorado nesse momento é, por excelência, a analogia. Analogia que o ouvinte
vislumbra entre a narrativa da letra e a narrativa de sua própria vida. O que é vivido
por ele funciona como uma espécie de passado.
A memória passada e a narrativa da música são entendidas e sentidas em um
novo espaço mental. Afinal, é assim que, de modo geral, funciona a nossa própria
inteligência diante de qualquer situação nova, permitindo-nos sobreviver a ela.
Segundo Hofstadter & Sander (2013, p. 125, tradução nossa), “[inteligência] é a arte
de, quando alguém está diante de uma nova situação, rapidamente e certamente
direcionar-se a um precedente perceptivo (ou precedentes familiares) armazenados
no recesso de sua memória.”11
Ao ouvir uma música e emocionar-se com ela, por meio dessa identificação,
cria-se uma espécie de cola emocional vinculada aos valores da própria existência,
dentro de um momento histórico e de uma dada cultura.
Para selecionarmos as músicas que constituem o corpus de nossa pesquisa,
visitamos sites como Vagalume e Mais Tocadas, que apresentam listas das músicas
mais executadas no Brasil a cada década. Escolhemos, em média, três músicas por
década, desde os anos 50 do século passado, até nossos dias. As letras foram
selecionadas de modo a atender ao nosso propósito de mostrar, por meio delas, como
era constituído o frame do amor, em cada uma dessas décadas.
A escolha de um recorte temporal extenso neste trabalho (sete décadas) foi
feita de modo que fosse possível mostrar, de maneira clara, as mudanças e, também,
as não mudanças no senso comum ao longo do tempo.
É importante esclarecer que quando falamos de música popular brasileira não
estamos nos referindo à MPB, pois trata-se de coisas distintas. Popular é tudo aquilo

11
“[intelligence] Is the art of, when one is facing a new situation, swiftly and surely homing in
on an insightful precedent (or familiar precedents) stored in the recess of one’s memory.”
52

que não é erudito. Desse modo rotulamos como música popular aquela que toca nas
rádios e faz sucesso entre a grande massa da população. A MPB é uma sigla que se
refere a um estilo de música elitizada, que abrange a bossa nova e o samba, não
sendo, pois, um estilo estritamente popular.
Tal diferenciação é explicada por José Roberto Zan, que afirma que, ao longo
da história da música brasileira,

[...] forma-se um segmento “intelectualizado” da música popular, como


uma continuidade da Bossa Nova, que passa a atuar como parâmetro
para a definição de uma hierarquia de legitimidades no mercado. Os
limites entre esse segmento e a cultura erudita tornam-se muito
tênues. [...] Definida num primeiro momento como Moderna Música
Popular Brasileira, mais tarde simplesmente como MPB, esse
segmento vai reunir, além do próprio samba, toda uma gama de
gêneros regionais que passam a receber um tratamento musical e
poético mais “erudito”. (ZAN, 1997, p.2)

Apresentamos, a seguir, as músicas selecionadas dentro de cada uma dessas


décadas:

Século XX

• Década de 50: Bom dia, tristeza; A noite do meu bem e Morreu meu coração;
• Década de 60: Este seu olhar; Splish splash e A dama de vermelho;
• Década de 70: Cotidiano; Você e Eu só quero um xodó;
• Década de 80: Um certo alguém, Eduardo e Mônica e Linda demais;
• Década de 90: Por você, É o amor e Evidências;

Século XXI

• Década de 2000: Velha infância, Pássaro de fogo e Se eu não te amasse tanto


assim;
• Década de 2010: Esse cara sou eu; Moda derramada e Dez por cento.

A partir da análise das canções, estabelecemos as relações entre elas e o


senso comum de cada década, no que diz respeito ao amor, sendo possível avaliar
até que ponto as letras o refletem e a maneira como isso é feito.
53

Procuramos traçar um panorama histórico do amor com base nos resultados


obtidos, observando as mudanças com relação ao modo como esse sentimento era
visto e vivido em cada momento.
Com o levantamento dos recursos estilísticos e retóricos utilizados,
observamos quais são os temas mais recorrentes na construção das letras, o motivo
pelo qual são utilizados e qual sua contribuição para a construção do sentido.
54

4 Uma viagem no tempo: história, música e amor

Apresentamos, a seguir, as análises das músicas que constituem o corpus


desta pesquisa.

4.1 Década de 50

Grandes avanços científicos, tecnológicos e mudanças culturais e


comportamentais marcaram os anos 50. As transmissões de televisão tiveram início,
o que acarretou uma grande mudança nos meios de comunicação.
A Guerra Fria, conflito entre capitalistas e Socialistas, ganhava cada vez mais
força.
Foi nessa década que a Seleção Brasileira de Futebol conquistou seu primeiro
título em Copas do Mundo.
Em 1953, a descrição da estrutura do DNA (ácido desoxirribonucleico) foi
apresentada por Francis Crick e James Watson. Ainda nessa década, a NASA foi
criada, no ano de 1958.
No âmbito das comunicações, ocorreu a inauguração da primeira TV da
América Latina, a TV Tupi, em setembro de 1950.
A Revolução Cubana aconteceu em 1959 e seu líder, Fidel Castro, se tornou
presidente vitalício de Cuba. Ainda nesse mesmo ano, teve início a Guerra do Vietnã.
No ano de 1950, Getúlio Vargas foi eleito presidente do Brasil e, no ano de
1954, cometeu suicídio. No ano seguinte, Juscelino Kubitscheck foi eleito presidente
com um plano de governo que prometia um avanço de 50 anos em 5. Importante
destacar, também, a criação da Petrobrás, no ano de 1953.
No que diz respeito à música nessa década, podemos destacar, em 1956, o
início do sucesso de Elvis Presley, o grande nome do rock internacional e a formação
da banda The Beatles no final da década. No Brasil, a Bossa Nova começou a fazer
sucesso, tendo como seus maiores representantes Tom Jobim, Vinícius de Morais e
João Gilberto.

4.1.1 Bom dia, tristeza

Bom dia, tristeza


Que tarde, tristeza
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Você veio hoje me ver


Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você
Se chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar (MORAES, 1957)

A letra dessa música foi composta por Vinícius de Moraes, em 1957.


Conhecido, principalmente, por ser um dos maiores poetas brasileiros, Vinícius foi
também cantor, compositor, dramaturgo, jornalista e diplomata.
Dono de uma vasta obra, o “poetinha”, como era chamado por Tom Jobim, ficou
conhecido, em especial, por seus poemas líricos. Na música, Vinícius pertenceu à
bossa nova e estabeleceu parcerias com outros grandes nomes, como Chico
Buarque, Tom Jobim, Toquinho, entre outros.
Nessa época, o Brasil era governado por Juscelino Kubitscheck, Brasília já
estava sendo construída e o país vivia uma fase de euforia, com a efetivação dos
planos de metas (50 anos em 5) e a industrialização do país. No ano seguinte, 1958,
o Brasil seria, pela primeira vez, campeão do mundo de futebol, na Suécia, tendo
como principal jogador o famoso Pelé, então com 17 anos.
Vinícius de Moraes deu a letra dessa música à cantora Aracy de Almeida que,
por sua vez, a repassou ao compositor paulista Adoniran Barbosa, para que a
musicasse.
Aracy de Almeida ficou conhecida por ser uma das grandes intérpretes das
canções de Noel Rosa. O próprio artista afirmou, em uma entrevista dada a Orestes
Barbosa, no ano de 1933, que a artista interpretava suas composições com exatidão.
O primeiro disco dela foi gravado em 1934. Suas músicas pertenciam ao gênero
samba.
O sucesso da canção foi absoluto nas paradas de sucesso da época. O tema
é a famosa “dor de cotovelo”, metáfora utilizada para descrever o sofrimento amoroso.
É preciso entender que, nos anos 50, os chamados de anos dourados, o amor era
vinculado a uma série de restritas regras sociais. A mulher deveria se casar virgem e
o divórcio não existia. No lugar dele, havia o chamado desquite, e as mulheres
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desquitadas eram vistas como párias sociais, separadas dos antigos casais amigos,
uma vez que, no imaginário das mulheres casadas, elas eram tidas como possíveis
sedutoras de seus maridos.
É claro que, de modo paralelo, havia sempre a possibilidade de uma vida
subterrânea, mas restrita aos homens que, mesmo casados, costumavam ter, durante
sua existência, vários casos extraconjugais, plenamente aceitos pela sociedade,
principalmente em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
O próprio presidente Juscelino Kubitschek manteve, durante seu casamento
com Sarah Kubitschek, um caso com uma socialite carioca de nome Maria Lúcia
Pedroso, ao longo de 20 anos. É claro que, sendo subterrâneos esses
relacionamentos, eram eles bastante sofridos, principalmente do lado das mulheres.
Separações, ciúmes, distância, tudo concorria para um grande e desproporcional
contrapeso de tristeza aos poucos momentos vividos de alegria. Um pouco desse
clima pode ser visto na leitura das crônicas de Nelson Rodrigues, em A cabra vadia,
e nas suas narrativas em A vida como ela é.
Era esse, portanto, o contexto em que a música foi escrita. Seu título foi
certamente inspirado no romance Bom dia Tristeza (Bonjour Tristesse) da escritora
francesa Françoise Sagan, publicado na França dois anos antes, em 1954, quando
ela tinha apenas 18 anos. “Sob esta estranha sensação de que o tédio, a tranquilidade
me obcecam, hesito em colocar o nome, o belo nome sério da tristeza”. Começa
assim o romance da autora francesa.
Além disso, esse título foi, também, inspirado nos versos iniciais do poeta
francês Paul Éluard, intitulado A Peine Défigurée (Quase desfigurada), publicado em
1932, que se inicia assim:

Adieu, tristesse,
Bonjour tristesse.
Tu es inscrite dans les lignes de
Plafond
Tu es inscrite dans les yeux que
J’aime.
(Adeus, tristeza
Bom dia, tristeza.
Você está gravada nas linhas do
Teto
Você está gravada nos olhos que
Eu amo. (ÉLUARD, 1932)
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Mas, por que fizemos questão de pôr aqui o início tanto do romance de Sagan
quanto o início do poema de Éluard? É porque esses dois autores e, também, Vinícius
de Moraes fizeram uso de uma figura da retórica clássica, de grande poder retórico e
emocional: a diácope. A diácope consiste em repetir uma palavra ou expressão,
intercalando algo entre elas. Shakespeare fez uso dessa figura na célebre frase de
Hamlet: “Ser ou não ser, eis a questão”. Entre duas ocorrências de ser, aparece o
trecho ou não. Igualmente, em seu Ricardo III, encontramos outra célebre frase: “Um
cavalo, meu reino por um cavalo”. Entre duas ocorrências de “um cavalo”, o bardo
inglês encaixou o trecho “meu reino por”. Uma diácope famosa nos filmes de James
Bond, o agente 007, é a frase que aparece em algum momento em todos os seus
filmes, quando alguém lhe pergunta o nome. A resposta não é “James Bond”, mas
“Bond, James Bond”. Uma diácope perfeita!
No poema de Éluard, temos a diácope “tristesse bonjour tristesse”. No início
do romance de Sagan, temos a diácope “o nome, o belo nome sério da tristeza”. E
na letra de Vinícius, temos a diácope “tristeza que tarde, tristeza”
Vinícius de Moraes tinha formação clássica e conhecia as figuras retóricas.
Prova disso são seus sonetos de nítida inspiração camoniana. Mas há uma outra
“coincidência” entre esses três textos: o uso personificado ou prosopopeico do
substantivo abstrato “tristeza”.
Uma outra figura retórica utilizada por Vinícius nessa música é a anadiplose,
que consiste em iniciar uma frase com a palavra final da frase anterior, como em: “que
é para eu chorar / chorar de tristeza / tristeza de amar”. Fernando Pessoa usa a
anadiplose, no seu Guardador de Rebanhos quando escreve “Sou um guardador de
rebanhos,/ O rebanho é os meus pensamentos/ E os meus pensamentos são todos
sensações. (PESSOA, 1914, grifo nosso)
Como vemos, a letra da música Bom dia, tristeza foi construída em estilo
clássico e em forma de redondilha menor (versos pentassílabos ou com cinco sílabas
poéticas). As únicas exceções são os terceiros versos de ambas as estrofes, que são
livres. Uma outra concessão que Vinícius fez ao ideário modernista, em termo de
linguagem, foi empregar a colocação pronominal coloquial, iniciando oração com
pronome átono proclítico em: Se chegue, tristeza / Se sente comigo. Não nos
esqueçamos da lição de Oswald de Andrade em seu poema Pronominais:
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Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro. (ANDRADE, 1972,)

O tema é a tristeza da separação, comum ao cenário social da década de 50,


como vimos. Como os momentos de tristeza eram maiores do que os da plenitude do
amor, era importante acomodar-se a eles. Daí a confissão masoquista “Já estava
ficando / até meio triste / de estar tanto tempo / longe de você.”
É possível notar a corporificação da tristeza, que até mesmo possui um ombro
sobre o qual a pessoa que sofre de amor poderá debruçar-se e chorar. O cenário é
um bar, local onde, nessa década, as pessoas costumavam beber com algum
excesso, para esquecer suas mágoas amorosas.
O contraponto entre o uso de “tristeza” e “triste” caracteriza também uma figura
retórica, o poliptóton, que acontece quando empregamos uma mesma palavra em
uma frase, sob diferentes formas gramaticais. Vejamos alguns outros exemplos dessa
figura:

Stranger in a strange land. (Estranho em uma terra estranha)


(HEILEIN, 1961, grifo nosso)

Caminhante, não há caminho; se faz caminho ao andar.


(MACHADO, s/r, grifo nosso)

Trata-se de um governante errado cometendo os mesmos erros.


(anônimo, grifo nosso)

Este outro é do próprio Vinícius:

Dentro dos meus braços, os abraços


Hão de ser milhões de abraços (JOBIM; MORAES, 1958, grifo nosso)

Concluindo a análise dessa música, podemos dizer que se trata de uma canção
em estilo bastante clássico, refletindo o clima de um amor frustrado, bastante comum,
como vimos, na cultura da época. Nada mais apropriado, portanto, que sua grande
intérprete, naquele momento, tenha sido Maysa Matarazzo, uma bela mulher que
encarnou de modo emblemático a condição da mulher rejeitada, triste e sofredora.
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4.1.2 A noite do meu bem

Hoje eu quero a rosa mais linda que houver


E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem

Hoje eu quero paz de criança dormindo


E abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero a alegria de um barco voltando


Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Hoje eu quero o amor, o amor mais profundo


Eu quero toda beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem

Ah, como este bem demorou a chegar


Eu já nem sei se terei no olhar
Toda ternura que eu quero lhe dar (DURAN, 1959)

A música A noite do meu bem foi composta e gravada, no ano de 1959, por
Adileia Silvia da Rocha, conhecida artisticamente como Dolores Duran, uma grande
cantora e compositora brasileira.
Suas composições e gravações pertencem ao gênero samba-canção, que
retrata o amor romântico e o sofrimento amoroso. Esse gênero surgiu na década de
30 e antecedeu a bossa nova.
O tema da canção é a espera da mulher pessoa amada para uma noite de
amor. A letra é construída a partir do plot do encontro. Um plot compreende três
momentos: uma situação, uma complicação e uma solução. A parte do plot do
encontro explorado pela música é apenas a situação, a preparação do encontro na
mente de quem o está planejando. Não sabemos, ao final, se a pessoa amada de
fato chegou e, se chegou, qual o resultado do encontro.
Essa letra é construída por uma sucessão de comparações, objetivando
concretizar situações abstratas como abandono, ternura etc.
Na primeira estrofe, há uma antítese imagética, em termos de distância. Afinal,
rosa é próxima, podemos tocá-la com as mãos. A primeira estrela, ao contrário, está
bem distante no espaço.
Na segunda estrofe, há duas comparações, uma comparando paz à imagem
de uma criança dormindo e outra, comparando abandono com flores se abrindo. A
60

palavra “abandono”, que tem em seu sentido prototípico uma conotação negativa,
nesse contexto tem conotação positiva e, também, uma sugestão erótica.
Na terceira estrofe, alegria é comparada a um barco voltando, e ternura, a mãos
se encontrando, explorando a metonímia.
Na quarta estrofe, há o uso da hipérbole. Há exagero por parte do eu-lírico, ao
dizer que quer toda a beleza do mundo para enfeitar a noite da pessoa amada “Eu
quero toda a beleza do mundo/para enfeitar a noite do meu bem”. Na quinta estrofe,
temos o tema da demora e do desgaste da espera.
Resumindo, em termos de imagens, temos:

Paz – criança dormindo

Abandono – flores se abrindo

Alegria – barco voltando

Ternura – mãos se encontrando

O refrão – “para enfeitar a noite do meu bem” – focaliza na pessoa amada. A


letra, quase um poema, trabalha com a introspecção feminina, como fazem Clarice
Lispector ou Katherine Mansfield, em seus contos.
Além do uso das imagens, há também recursos estilísticos como a anáfora,
pela repetição da palavra “quero” (Quero a alegria[...] / Quero ternura de mãos[...]) e
a anadiplose (Quero o amor, o amor mais profundo), que se dá pela utilização da
palavra “amor” no final de uma frase e início da seguinte.
Em termos de análise de frames, a música apresenta a situação passiva da
mulher em relação homem, remetendo ao senso comum da década de 50 do século
passado. A ação acontece apenas projetada em sua mente. O homem é aquele que
controla o momento do encontro. O clima da canção é de euforia. Apenas a última
estrofe apresenta alguma disforia, causada pela demora, na verdade, a complicação
do plot. A solução, ou desfecho, com vimos, fica indefinida
61

4.1.3 Morreu meu coração

Que importa ouvir a fonte a murmurar


Meu sonho morreu, morreu meu coração

Que importa a luz do sol se apagar


Meu sonho morreu, morreu meu coração

As sombras esquecidas do jardim


O teu vulto pouco a pouco se apagou

Em vão os olhos volto em torno a mim


Pois somente o teu perfume aqui ficou (GAYA; GALHARDO, 1957)

A música Morreu meu coração foi composta por Carlos Galhardo, juntamente
com José Carlos e Gaya, no ano de 1957.
Trata-se de uma canção que tem como tema a desilusão amorosa, de um eu-
lírico que perdeu a vontade de viver devido ao sofrimento amoroso. Temos retratado
o amor dependente, extremo, cuja ausência faz com que se perca o gosto pela vida,
que já não se enxergue razões para continuar a viver.
Em termos de construção sintática, temos o emprego da anadiplose em um
verso repetido no final da primeira e da segunda estrofe: “Meu sonho morreu, morreu
meu coração”. Essa figura se dá pode meio da repetição do verbo “morrer” e serve
para dar ênfase à ideia de morte, da falta de sentido para viver por parte do eu-lírico.
O uso do coração como contêiner do amor é uma tradição milenar. Isso se dá
a partir do ESQUEMA DE IMAGEM de CONTÊINER, proveniente da ideia de que
podemos guardar algo em algum recipiente ou entrar em algum lugar. Nessa canção,
bem como em nosso cotidiano, o coração é a parte do nosso corpo que funciona como
o recipiente dentro do qual guardamos o amor.
A metáfora “morreu meu coração” concretiza a perda do sentimento amoroso
provocado pela ausência da mulher amada. Durante toda a canção, fica implícita a
presença de seu corpo, sugerido pela palavra “vulto” e pela presença do perfume.
Em termos sociocognitivos, o frame está vinculado ao senso comum da época,
em uma espécie de romantismo tardio, em que o desespero pela perda da mulher
amada leva o homem a desinteressar-se de tudo em seu entorno.
A construção semântica é feita por indução de multimodalidade, empregando
sons (a fonte a murmurar), imagens visuais (luz do sol, sombras, vulto, olhos) e olfato
(teu perfume aqui ficou).
62

Multimodalidade é o emprego de recursos baseados em mais de um sentido,


no processo da comunicação. Quando falamos, evocamos predominantemente o
sentido da audição, por meio da linguagem articulada, mas usamos também a
gestualidade, que acessa o sentido da visão, por parte do interlocutor. Quando
escrevemos, podemos fazer isso geralmente de maneira monomodal, induzindo
apenas os sons das palavras, por meio das letras escritas, ou podemos desenhar e
acrescentar imagens, por meio de fotos.
Na outra ponta do processo comunicativo, quem ouve ou lê pode usar seus
cinco sentidos, na construção de seu discurso. A construção do discurso é sempre
multimodal. Construindo o sentido de um texto, podemos usar a visão, quando alguém
diz que era um dia lindo de sol; podemos usar o olfato, quando alguém diz que a
atitude do político X não cheira bem; podemos usar o sentido da audição, quando
alguém diz que tocou a buzina do carro; podemos usar o sentido do tato, quando
alguém diz que é preciso aparar as arestas entre os partidos políticos; podemos usar
o sentido do paladar, quando alguém diz que as reformas são um remédio amargo,
mas necessário.
Como um outro exemplo da ocorrência da multimodalidade em canções,
podemos citar a canção N, gravada pelo cantor Nando Reis.

E agora, o que eu vou fazer?


Se os seus lábios ainda estão molhando os lábios meus?
E as lágrimas não secaram com o sol que fez?
E agora como posso te esquecer?
Se o teu cheiro ainda está no travesseiro?
E o teu cabelo está enrolado no meu peito
Espero que o tempo passe
Espero que a semana acabe
Pra que eu possa te ver de novo
Espero que o tempo voe
Para que você retorne
Pra que eu possa te abraçar
E te beijar
De novo
E agora, como eu passo sem te ver?
Se o seu nome está gravado no
Meu braço como um selo?
Nossos nomes que tem o "N"
Como um elo
E agora como posso te perder?
Se o teu corpo ainda guarda o
Meu prazer?
E o meu corpo está moldado com o teu? (REIS, 2006)
63

Na letra da canção, muitas imagens são criadas a partir dos nossos sentidos, o
que configura a multimodalidade. Nos versos “e o seu cabelo está enrolado no meu
peito” e “e agora como eu passo sem te ver / se o seu nome está gravado no meu
braço como um selo”, temos o sentido da visão. Construímos, a partir deles, uma
imagem visual daquilo que está sendo dito.
Em “se o seu cheiro ainda está no travesseiro”, temos o sentido do olfato e em
“se os teus lábios ainda estão molhando os lábios meus / e as lágrimas não secaram
com o sol que fez”, o sentido do tato, ao criarmos, por meio desse sentido, a imagem
de algo molhado (o rosto, pelas lágrimas e os lábios, pelo beijo).

4.2 Década de 60

No cenário musical brasileiro, muita coisa aconteceu na década de 60. Foi no


primeiro festival de MPB, em 1965, que Elis Regina começou a fazer sucesso, com a
canção Arrastão, composta por Edu Lobo e Vinícius de Moraes. Nesse mesmo ano,
um programa de televisão intitulado “Jovem Guarda” foi lançado pela TV Record,
dedicado a um tipo de rock de caráter juvenil e nacional.
No final dessa década, ocorre o Tropicalismo, um movimento de ruptura. Os
tropicalistas, dentre os quais se destacam Caetano Veloso e Gilberto Gil, procuravam
universalizar a linguagem da MPB, colocando-se contra as posições tradicionais e
nacionalistas que dominavam o cenário musical. Para isso, trouxeram para a música,
além do rock, a psicodelia e a guitarra elétrica, elementos da cultura jovem mundial.
Foi nessa década, mais precisamente em 1966, que Chico Buarque, com sua
canção A Banda, apareceu como revelação ao público brasileiro. A canção foi
interpretada por Nara Leão durante o Festival de Música Popular Brasileira e foi
campeã, juntamente com Disparada, de Geraldo Vandré que, em 1968, lançou a
música Pra não dizer que não falei das flores, que seria, logo depois, censurada
pelo AI-5
Uma certa inocência marca as manifestações socioculturais no início da década
de 60, e o idealismo e o entusiasmo estavam presentes no cenário político. Na
segunda metade da década, no entanto, o clima era outro. Em março de 1964, teve
início o governo militar que tira do poder o então presidente João Goulart. Surgiu,
então, a busca por um outro tipo de manifestação cultural. Um movimento que recebe
64

o nome de Contracultura teve início a partir de 1960. A juventude dos anos 60 se


caracterizava pelo desejo de se rebelar, buscando a liberdade de expressão e a
liberdade sexual.
As mulheres passaram a ter um comportamento sexual mais liberal, devido ao
surgimento da pílula anticoncepcional. Além disso, o desejo de igualdade levou as
mulheres a queimar os sutiãs em praça pública, nos Estados Unidos, um movimento
que simbolizava a libertação e que marca o início do feminismo.
O movimento hippie ganhou força nessa década. Em 1969, ocorreu, nos
Estados Unidos, o Festival de Woodstock, em que jovens se reuniram durante três
dias para desfrutar de paz, amor e música.
Tendo feito um breve panorama do cenário brasileiro nos anos 60, passemos
às análises das músicas pertencentes a essa década.

4.2.1 Este seu olhar

Este seu olhar


Quando encontra o meu
Fala de umas coisas
Que eu não posso acreditar

Doce é sonhar
É pensar que você
Gosta de mim
Como eu de você!

Mas a ilusão
Quando se desfaz
Dói no coração
De quem sonhou, sonhou demais

Ah! Se eu pudesse entender


O que dizem os teus olhos... (JOBIM, 1960)

A música Este seu olhar foi composta, em 1959, por Antônio Carlos Brasileiro
de Almeida Jobim, um dos grandes nomes da bossa nova. Tom Jobim teve muitas de
suas composições gravadas por grandes nomes da música brasileira. Suas músicas
chegaram a ser gravadas, inclusive, por artistas internacionais, o que o tornou um dos
principais responsáveis pela internacionalização da bossa nova.
Suas raízes se encontram no jazz e na música clássica. Sua harmonização
está vinculada, inclusive, em Chopin, especialmente em seus prelúdios.
65

Logo no início da canção, notamos a presença da sinédoque que, segundo


Mark Forsyth (2013) é a forma extrema da metonímia. De acordo com o autor, a
metonímia ocorre quando, ao invés de mencionar pessoas, é mencionado algo que
esteja fisicamente vinculado a elas. Uma pessoa deixa de ser ela e passa a ser suas
roupas, o prédio onde está, as medalhas penduradas em seu peito ou o chapéu em
sua cabeça. Na sinédoque, nos tornamos das partes de nosso corpo: pés, lábios,
fígado. Isso fica claro nos primeiros versos da canção de Tom Jobim: “Este seu olhar
/ quando encontra o meu”. O encontro de olhares é utilizado para se referir ao encontro
das pessoas.
A escolha do olhar como parte do corpo para se referir ao corpo não acontece
por acaso. De acordo com Lakoff & Johnson (1980), “the eyes are containers for the
emoticons” (os olhos são contêineres para s emoções), ou seja, os olhos são uma
parte do nosso corpo que funciona como um contêiner, um recipiente para nossas
emoções.
Por meio da metonímia, enviamos informação da parte de um todo ao nosso
ouvinte/leitor, e ele, fazendo uma busca dentro de sua memória de longo prazo,
recupera esse todo. Normalmente, a metonímia é entendida em termos de imagem
visual, como em: “Vejo caras novas por aqui”. Mas, do ponto de vista cognitivo, todos
os nossos cinco sentidos podem atuar no processo. Quando atendemos ao telefone
e ouvimos a voz de um conhecido, essa voz (parte auditiva) é suficiente para identificá-
lo.
Uma das ferramentas utilizadas no processo de sinestesia é a metonímia.
Encontramos fartos exemplos disso em nosso dia a dia. Na música “Este seu olhar”,
percebemos a presença da imagem vinculada à memória gustativa (paladar) no verso
“Doce é sonhar”.
No final da canção, temos a figura que chamamos de aposiopese, nome que
vem do grego e significa ficar em silêncio. É geralmente marcada pelas reticências e
ocorre quando deixa de ser dito, ficando apenas sugerido. Segundo Forsyth (2013),
existem três motivos usuais para a ocorrência da aposiopese: 1) não conseguir
continuar a frase; 2) não precisar continuar, deixar o interlocutor deduzir o que seria
dito em continuação; 3) querer deixar a audiência esperando. Às vezes, a aposiopese
é utilizada simplesmente porque não sabemos o que dizer.
Nos últimos versos da música de Tom Jobim, a presença dessa figura fica clara
ao nos depararmos com uma oração subordinada condicional que não tem uma
66

oração principal. As orações subordinadas condicionais têm com a oração principal a


relação prótase-apódose, ou seja, as condicionais criam uma expectativa (prótase)
para a ocorrência de um segundo estado de coisas, a apódose, que está presente na
oração principal. Quando nos deparamos, pois, com uma condicional, esperamos a
principal. E nos versos “Ah! Se eu pudesse entender/o que dizem seus olhos”, não
temos a presença dessa oração principal, o que nos deixa em um silêncio proposital,
que nos leva a imaginar o que o eu-lírico faria caso entendesse o que é dito pelos
olhos da amada.
Podemos dizer que a letra dessa canção possui quatro momentos. O primeiro
é o momento da dúvida: “Este seu olhar / Quando encontra o meu / Fala de umas
coisas / Que eu não posso acreditar”. O segundo é o do sonho, da idealização, o eu-
lírico sonha com aquilo que quer: ter seu amor correspondido: “Doce é sonhar / É
pensar que você / Gosta de mim / Como eu de você”. No terceiro, temos o sofrimento
do amor não correspondido, na prática: “Mas a ilusão / Quando se desfaz / Dói no
coração / De quem sonhou, sonhou demais”. E, por fim, temos o momento do “E
se...?”, da hipótese, momento de deixar subentendido o que aconteceria, caso o amor
fosse correspondido.
Aparece, novamente, nessa canção, a figura do homem sofrendo por um amor
insinuado e não correspondido.

4.2.2 Splish splash

A canção que analisaremos a seguir faz parte da Jovem Guarda, movimento


cultural que teve seu início em meados da década de 60, e que, além da música,
outros setores tais como moda e comportamento.
Seu surgimento se deu a partir de um programa de TV apresentado pelos
cantores Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderleia, transmitido pela Rede Record
de televisão.
A Jovem Guarda teve como principal influência o rock and roll do fim dos anos
50 e início dos anos 60, sintonizando, assim, a música brasileira com o rock que fazia
grande sucesso mundialmente nessa época.
As temáticas das canções eram geralmente ligadas ao amor. Tratava-se do
amor adolescente, extremamente romântico e apaixonado.
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Splish Splash!
Fez o beijo que eu dei
Nela dentro do cinema
Todo mundo olhou-me condenando
Só porque eu estava amando...

Agora lá em casa
Todo mundo vai saber
Que o beijo que eu dei nela
Fez barulho sem querer
Yeah!..

Splish Splash!
Todo mundo olhou
Mas com água na boca
Muita gente ficou
Hiê! Hiê!
Splish Splash!
Hiê! Hiê!
Splish Splash! Splish Splash!
Splish Splash! Splish Splash!
Ahran! Ahran! Ahran! Ahran!...

Splish Splash!
Fez o tapa que eu levei
Dela dentro do cinema
Todo mundo olhou-me condenando
Só porque eu estava apanhando...

Agora lá em casa
Todo mundo vai saber
Que tapa que eu levei
Fez barulho e fez doer
Yeah!..

Splish Splash!
Todo mundo olhou
Mas com água na boca
Ninguém mais ficou
Hiê! Hiê!
Splish Splash! Splish Splash!
Splish Splash!
Hiê! Hiê! Hiê! Hiê! Au!
Splish! Splish!
Splish Splash!... (CARLOS, 1963)

A música Splish Splash é uma versão, escrita por Erasmo Carlos, da música,
de mesmo título, composta por Bobby Darin e Murray Kaufman. A versão de Erasmo
foi gravada por Roberto Carlos, no ano de 1963
68

O título da canção é uma onomatopeia: “splish splash”, utilizada para


representar o beijo (splish) e o tapa (splash).
A canção tem como temática um beijo roubado dentro de um cinema, algo
condenável para a época em que foi lançada, tanto que, como resposta, o eu-lírico
recebe um tapa como condenação pelo ato de ter beijado a amada sem a sua
permissão. Essa letra nos coloca diante do senso comum da época, pois mostra o
beijar em público como algo condenável: “Todo mundo olhou me condenando / Só
porque eu estava amando.”
Nos versos “Mas com água na boca / Muita gente ficou”, podemos inferir a
vontade que muitos tinham de beijar a pessoa amada em público, mas não o faziam
em respeito às “regras” estabelecidas pela sociedade.
A importância dada na época ao que a família pensava, aos valores pode ser
notada nos versos “Agora lá em casa / Todo mundo vai saber”.
Concluindo, podemos perceber que essa canção revela o senso comum que
regia o comportamento dos adolescentes em termos amorosos, nessa década. Os
jovens enamorados tinham de apresentar à sociedade uma imagem bem comportada,
sem grandes contatos físicos. A garota que devolve o beijo com um tapa revela um
comportamento de censura que se dá não por não ter gostado do beijo, mas porque,
como uma moça de boa família dos anos 80, ser beijada pelo namorado em lugar
público era algo que ia contra às regras sociais.

4.2.3 A dama de vermelho

Garçom, olhe pelo espelho


A dama de vermelho
Que vai se levantar.
Note que até a orquestra
Fica toda em festa
Quando ela sai para dançar.
Essa dama já me pertenceu
E o culpado fui eu da separação.
Hoje eu choro de ciúme,
Ciúme até do perfume
Que ela deixa no salão.

Garçom, amigo,
Apague a luz da minha mesa
Eu não quero que ela note
Em mim tanta tristeza.
Traga mais uma garrafa,
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Hoje eu vou me embriagar.


Quero dormir para não ver
Outro homem em meu lugar. (BENATTI, MINEIRO, 1963)

A dama de vermelho foi composta por Jeca Mineiro e Ado Benatti, no ano de
1963. Jeca Mineiro foi um cantor e compositor brasileiro. O artista formou várias
duplas durante sua carreira (com Chico Carretel, Motinha, Nininha, entre outros), além
de um trio (Trio Jeca Mineiro, Bambuí e Pirajá). Várias de suas composições
alcançaram grande sucesso nas vozes de outros artistas. Uma delas, por exemplo, é
a canção A dama de vermelho, que se tornou um dos maiores sucessos da música
sertaneja no Brasil.
Podemos pensar que uso da cor vermelha para descrição da roupa usada pela
mulher não se dá ao acaso, pois se trata da cor que representa a paixão, o desejo. O
vermelho é, também, uma cor que remete à sensualidade. Não é à toa que, no clássico
dos cinemas, Uma linda mulher, a protagonista aparece em cenas emblemáticas
usando um vestido vermelho.
No início da canção, nos versos “note que até a orquestra / fica toda em
festa/quando ela sai para dançar” somos colocados diante do frame dos bailes de
antigamente que são muito diferentes das festas de hoje em dia. A presença de uma
grande orquestra tocando em um baile é algo que não é comum atualmente.
A mulher é descrita pela visão daquele que a ama. Trata-se de uma visão
idealizada. Ela é, portanto, retratada como uma mulher linda que, segundo o eu-lírico,
chama atenção, pois “até a orquestra fica toda em festa” ao ver a mulher saindo para
dançar.
Uma passagem que reflete o senso comum da época está no verso “essa dama
já me pertenceu”. A mulher era vista como propriedade do homem, o homem era seu
dono, o que hoje já não é tão comum, devido às conquistas femininas que se deram
ao longo da história.
O tema da canção é a “dor de cotovelo”. O homem que “chora de ciúme” pela
mulher que perdeu, que quer “dormir para não ver outro homem em seu lugar”.
Nos versos “hoje choro de ciúme / ciúme até do perfume”, temos a figura da
anadiplose pela repetição última palavra de uma frase no início daquela que a sucede.
Além de contribuir para o ritmo da canção, podemos pensar que o uso dessa figura
serve para dar ênfase àquilo que o eu-lírico sente, o ciúme pelo medo de ver sua
amada com outro homem.
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A letra dessa canção explora a multimodalidade. Temos a imagem da dama de


vermelho que é uma metonímia (visão), a presença do espelho e do perfume (olfato).
Reflete, também, o senso comum da época em que a mulher amada era propriedade
do homem.

4.3 Década de 70

Na década de 70, Brasil, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos foram levados
à recessão em virtude da crise do petróleo. Enquanto isso, a economia de países
como a Alemanha e o Japão começava a crescer.
O Brasil, durante os anos 70, era governado pelo regime militar que, nessa
época, chegou ao auge de sua popularidade.
As discotecas, bem como o experimentalismo da música erudita, surgem nesse
período. Considerada por muitos como a era do individualismo, a década de 70 foi um
período marcado pelo crescimento das revoluções comportamentais que tiveram
início na década de 60.
Após o festival de música de Woodstock, em 1969, o movimento hippie se
difundiu e se tornou popular, passando a ser um dos estilos mais marcantes dessa
época e, juntamente com ele, o punk também marcou a década de 70 e foi
influenciado pela música.
No Brasil, o sertanejo e o samba passavam por um momento de declínio,
estando presentes apenas em áreas rurais, no caso do sertanejo, e o samba, nos
subúrbios das áreas urbanas. Músicas exuberantes e, por vezes, até mesmo com
apelo erótico faziam sucesso nas vozes de cantores como Gretchen e Sidney Magal.
Além disso, o movimento dos chamados “Novos Baianos” ganhava destaque por sua
oposição ao regime militar.
Após o fenômeno do rock and roll nos anos 60, surge, na década de 70, uma
MPB mais moderna. Nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Gal
Costa, Chico Buarque, entre outros, colocam esse segmento em evidência. Forma-
se, também, uma geração cujos membros seriam responsáveis por levar a MPB até o
início do século XXI. Dentre eles, podemos destacar Djavan, Fagner, Belchior, Alceu
Valença e Elba Ramalho, além de outros nomes.
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4.3.1 Cotidiano

Todo dia ela faz tudo sempre igual


Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café
Todo dia eu só penso em poder parar
Meio dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão
Seis da tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão
Toda noite ela diz pra eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pra eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã (BUARQUE, 1971)

A letra da canção foi escrita por Chico Buarque e foi sucesso no ano de 1971,
na voz do próprio compositor.
Chico Buarque é um dos grandes nomes da MPB. Além de músico, é também
escritor, ator e dramaturgo. Começou a se destacar como cantor após lançar seu
primeiro álbum (Chico Buarque de Holanda) e vencer o Festival de Música Popular
Brasileira, com a canção A Banda.
Sua carreira musical é marcada pelo samba e pela MPB. A crítica ao regime
militar também foi algo muito presente em sua obra.
Chico escreveu muitas de suas composições com eu-lírico feminino, o que fez
com que suas canções fossem cantadas por mulheres. Dentre essas músicas,
podemos destacar Com açúcar, com afeto, que ele escreveu para Nara Leão, Olhos
nos olhos e Teresinha, que foram ambas gravadas por Maria Betânia.
A música Cotidiano retrata a rotina de um casal. Temos a representação de um
casal comum à época: o homem provedor, que trabalha para sustentar a família, e a
mulher dona-de-casa.
72

A construção da letra se dá de maneira simples, dialogando com a simplicidade


rotineira da vida a dois de um casal de classe média. São utilizadas orações
coordenadas e justapostas, sendo que todas as estrofes terminam com uma oração
coordenada sindética aditiva, que, narra, na maior parte das vezes, o beijo dado pela
mulher. Tal construção nos transmite a ideia do acumulado de coisas que acontecem
durante o dia, como se, ao final, o beijo da mulher fosse apenas mais um
acontecimento como qualquer outro.
A repetição da primeira estrofe no final da música representa o recomeço da
rotina, mostrando que, no dia seguinte, tudo ocorre da mesma forma.
O ritmo e as notas que se repetem do início ao fim, sem qualquer alteração,
também contribuem para a ideia que se quer passar de que se trata de uma rotina
dentro da qual as mesmas coisas acontecem, cansativamente, dia após dia.
No verso “me sorri um sorriso pontual” temos a presença do chamado objeto
direto interno ou cognato. O verbo “sorrir” é intransitivo, mas é usado como transitivo,
tendo como complemento a versão nominalizada do próprio verbo, o sorriso. O
adjetivo “pontual”, aplicado a “sorriso” configura a figura chamada de hipálage. Afinal,
a pontualidade dela, a esposa, é atribuída a uma ação realizada por ela, o sorriso.
O eu-lírico se utiliza da imagem da boca de sua mulher para retratar, por
metonímia, momentos diferentes do dia. Cada sabor se refere a um período distinto:
boca de hortelã, para se referir ao hálito fresco de quem acaba de escovar os dentes
pela manhã; boca de café, refere-se ao momento em que o homem vai para o trabalho
após tomar café da manhã e, à tarde, boca de paixão, sugerindo o desejo amoroso
pelo companheiro.
Na segunda estrofe da música,

Todo dia eu só penso em poder parar


Meio dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão

Temos o verbo “parar”, sem um objeto direto explícito, o que permite que o
ouvinte, tendo lido a primeira estrofe, infira, pragmaticamente, que o que deve ser
parado é a rotina de “fazer tudo igual”. Isso acontece no meio do dia, quando o homem
está sozinho. Note-se que essa é a única estrofe em que o verso final não inclui o
beijo. Como, na primeira estrofe, a companheira diz que o está esperando para o
jantar, deduz-se que ele, de fato, almoce sozinho, no trabalho. Daí a ausência do
73

beijo. A ação de calar-se refere-se, portanto, não a uma emissão de voz, mas ao
pensamento de querer mudar, que é refutado pela necessidade de ter a “vida pra
levar”.
O medo que a mulher tem de perder o companheiro é retratado pela hipálage
“boca de pavor”, o que nos coloca diante da situação de submissão de uma mulher
que tem medo de perder seu marido, contextualizada essa inferência pelo verso:
“Toda noite ela diz pra eu não me afastar”.
Levando em conta a cultura da época, isso nos pode fazer pensar que esse
medo se dá tanto pelo sentimento que ela tem por ele, quanto pelo fato de ela
depender do homem financeiramente, sendo ele o provedor. Além disso, na década
de 70, uma mulher separada do marido ainda não era vista com bons olhos, portanto,
ser deixada pelo marido era algo que despertava nas mulheres o sentimento de
“pavor”. Afinal, o divórcio foi instituído oficialmente no país, apenas no ano de 1977.
Antes disso, havia apenas o desquite, uma situação em que a mulher ficava, pelo
resto de sua vida, em uma espécie de limbo jurídico.
No verso “e essas coisas que diz toda mulher” podemos notar um
“desmerecimento” da figura feminina. Tal afirmação nos leva a uma outra, implícita,
de que, na época todas as mulheres eram iguais, ou seja, não importa qual fosse
escolhida, isso não faria diferença, já que todas agiriam da mesma maneira. A
expressão “e essas coisas que diz toda mulher” é utilizada de modo a retratar a visão
do homem de que as coisas ditas por uma mulher não têm importância.
Os verbos “dizer” e “pensar” são repetidos por diversas vezes na letra da
canção. O verbo “dizer” tem sempre como sujeito a mulher, enquanto o sujeito do
verbo “pensar” é o homem. Desse modo, nota-se que a mulher é apresentada como
alguém que fala muito, enquanto o homem é o ser racional, que pensa. Isso reflete o
senso comum de que mulher fala demais.
Por fim, podemos notar o uso da linguagem coloquial em “me sacode” e “me
sorri”, em que o pronome oblíquo átono é utilizado no começo da frase, o que, de
acordo com a norma culta da língua portuguesa, estaria equivocado. Tal uso se ajusta
à representação informal da rotina de um casal, tema de Cotidiano.
O relacionamento amoroso do casal é mostrado pela imagem física de ambos,
com foco na boca da mulher na ação de beijar. Em termos multimodais, o autor conduz
a rotina do casal pelo sentido do paladar que, com exceção do almoço (boca de feijão),
é veiculado pelo beijo com gosto denotativo de hortelã e café e, a seguir, com o “gosto
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conotativo” das metáforas da paixão e do medo (boca de paixão, boca de pavor). O


ato de beijar induz também o sentido do tato. A sugestão da rotina cíclica surge, como
vimos, pela repetição da primeira estrofe da música. Trata-se de uma canção inserida
no frame do senso-comum dessa década, em que predominava a figura do homem
provedor, para quem o casamento era uma rotina sufocante e em que a mulher tinha
de fazer de tudo para mantê-lo preso dentro do casamento.

4.3.2 Você

De repente a dor
De esperar terminou
E o amor veio enfim
Eu que sempre sonhei
Mas não acreditei
Muito em mim

Vi o tempo passar
O inverno chegar
Outra vez mas desta vez
Todo pranto sumiu
Um encanto surgiu
Meu amor

Você
É mais do que sei
É mais que pensei
É mais que esperava, baby

Você
É algo assim
É tudo pra mim
É como eu sonhava, baby

Sou feliz agora


Não não vá embora não
Não não não não não

Não não vá embora


Não não vá embora
Não não vá embora
Não não vá embora
Vou morrer de saudade
Vou morrer de saudade
Vou morrer de saudade (MAIA, 1971)

A canção Você foi composta e gravada por Tim Maia, no ano de 1971.
Considerado um dos grandes ícones da música brasileira e dono de uma voz rouca e
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inconfundível, o cantor lançou seu primeiro disco em 1970. Apesar de ter começado
sua carreira anos 14 anos de idade, foi com esse álbum, cujo título era o seu próprio
nome, que o artista começou a ter êxito, ficando durante 24 semanas nas paradas de
sucesso cariocas.
Tim Maia foi, além de cantor e compositor, síndico, datilógrafo, maestro,
instrumentista e produtor. Muitas de suas canções foram e ainda são grandes sucesso
na música brasileira.
Lançada no ano de 1971, a música Você tem como tema a necessidade de se
ter um amor na vida e a felicidade ao encontrá-lo.
Na primeira estrofe, temos retratada a espera pelo amor. A dor do eu-lírico
acaba quando ele encontra a pessoa pela qual esperava, e, na segunda estrofe, os
versos “vi o tempo passar / o inverno chegar / outra vez, mas desta vez” mostram que
essa espera foi longa. Isso nos remete ao senso comum da época, em que as pessoas
precisavam ter alguém para que fossem felizes, o que já não acontece com tamanha
frequência nos dias de hoje. Vivemos em uma época em que muitas pessoas optam
por sucesso profissional, realizações pessoais e acabam por deixar o amor em
segundo plano. Isso não significa que uma coisa exclua a outra, mas o amor já não é
prioridade para muitos. O fato de viver sozinho, de não se casar, já não “assusta”
como antigamente. Muitas pessoas, hoje, ficam sozinhas por opção.
A letra dessa música apresenta construções anafóricas. Em uma de suas
estrofes, temos os versos “é mais do que sei/ é mais que pensei / é mais que eu
esperava, baby”, onde a anáfora se dá por meio da repetição das palavras “é mais”.
Desse modo, é ressaltada a ideia de que o amor encontrado pelo eu-lírico superou
suas expectativas, além do fato de que a anáfora contribui para o ritmo da canção. Na
estrofe seguinte, a repetição do verbo ser é a responsável pela construção da anáfora
(é algo assim / é tudo pra mim / é como eu sonhava.)
A canção contém várias passagens que nos mostram que o eu-lírico sonhava
com um amor e o idealizava (é mais do que sei, é mais que pensei, é mais que eu
esperava, é como eu sonhava), ao final, podemos inferir que o eu-lírico não era feliz
antes de encontrar seu amor (sou feliz agora / não, não vá embora, não).
No verso “vou morrer de saudade”, repetido várias vezes durante música,
temos a figura da hipérbole, que consiste no exagero ao se afirmar alguma coisa, pois
o eu-lírico exagera ao citar a consequência da saudade (morrer).
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Em termos de organização estrutural, a canção é construída pelo plot do


encontro. A complicação do plot é o inverno, sugerindo solidão, tristeza. A solução é
a felicidade do reencontro amoroso que, contudo, pode correr perigo, se a mulher o
abandonar. O senso comum é o fato de, mesmo em situação de paz amorosa, o
homem sempre correr o risco de ser abandonado e se desespera. Ousamos dizer
que esse senso comum se estende aos dias de hoje, pois muitos homens – sobretudo
os de baixa condição social –, ao serem abandonados por suas companheiras, se
destemperam a ponto de cometer o feminicídio.

4.3.3 Eu só quero um xodó

A ideia de que para ser feliz é preciso ter um amor é tema também de um outro
grande sucesso da década de 70: a música Eu só quero um xodó, que foi composta
por Dominguinhos e Anastácia, sua companheira na época, no ano de 1968, e
gravada, pela primeira vez, por Gilberto Gil, no ano de 1974. O sucesso da música foi
tamanho que mais de 250 regravações foram feitas, em várias línguas, dentre elas,
inglês, holandês e italiano.

Que falta eu sinto de um bem


Que falta me faz um xodó
Mas como eu não tenho ninguém
Eu levo a vida assim tão só
Eu só quero um amor
Que acabe o meu sofrer
Um xodó pra mim do meu jeito assim
Que alegre o meu viver (ANASTÁCIA; DOMINGUINHOS, 1974)

Nessa música o plot é antagônico ao da música anterior. O foco é a


complicação, o sofrimento por não ter uma companheira. Note-se que não se trata de
uma mulher singular que se espera, mas qualquer mulher (Eu só quero um amor que
acabe o meu sofrer). A escolha do pronome indefinido “um” corrobora a ideia de que
o eu-lírico não quer alguém em específico, não existe uma pessoa amada, ele apenas
quer ter alguém, não importa quem seja.
O leimotiv é o egocentrismo. O homem não pensa em fazer feliz uma mulher,
mas em encontrar uma que o faça feliz. Podemos dizer, sem muito medo de errar,
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que esse senso comum do egocentrismo masculino não é restrito a essa década. É
universal, válido até os dias de hoje, em quase todo o planeta.

4.4 Década de 80

A década de 80 marcou um período de mudanças no Brasil, pois o país estava


reordenando seu quadro político, após um longo período de governo militar. Houve,
nessa década, uma mobilização da sociedade para participar do Estado.
Surgiram, nesse contexto, novos partidos políticos, organização de sindicatos,
associações científicas e ONGs, e as eleições diretas foram retomadas. Além disso,
foram criados movimentos e organizações que buscavam conscientizar os indivíduos,
por meio da educação, de seus direitos e deveres.
Tancredo Neves foi eleito de forma indireta, mas, devido a problemas de saúde
que culminaram em sua morte, José Sarney assumiu a presidência no dia 15 e março
de 1985. Uma nova emenda constitucional foi criada em 10 de maio do mesmo ano.
Para conter a inflação, criou-se o Plano Cruzado, o que fez com que a
população tivesse, provisoriamente, seu poder aquisitivo aumentado. Desse modo, o
consumo cresceu, mas, pouco tempo depois, a inflação voltou a subir, fazendo com
que os produtos começassem a sumir das prateleiras.
Ainda nessa década, foi fundado o partido dos trabalhadores (PT), a
constituição de 1988 foi promulgada e a primeira eleição direta para presidente foi
realizada no ano de 1989.
A música, na década de 80, deixou de se caracterizar pela crítica ao regime
militar, característica da década anterior, e assumiu um caráter mais cotidiano,
passando a retratar temas do dia a dia da vida urbana em grandes centros. O rock
brasileiro, ou pop rock nacional, como é chamado por muitos, emergiu nessa década,
influenciado pela música internacional, passando por movimentos como o new wave,
o punk e a música pop, que surgia no final da década anterior. Os temas abordados
pelo rock nacional passaram a ser mais relacionados ao amor, retratando histórias
bem-sucedidas ou não, sem deixar de lado algumas temáticas sociais. Essa
abordagem, no entanto, era feita de forma mais leve, assim como os amores perdidos
ou correspondidos eram retratados sem sentimentalismo exacerbado.
78

Além do rock, é necessário destacar um outro gênero musical nos anos 80.
Ouvido pela população que migrava do campo para a cidade, o sertanejo começou a
destacar-se nessa época, como um gênero de massa que passaria a se tornar cada
vez mais popular e ouvido pelo povo brasileiro.
Duplas como Pena Branca e Xavantinho, Pedro Bento e Zé da Estrada,
Milionário e José Rico, Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, Chico Rey e Paraná,
Chitãozinho e Xororó, Gian e Giovanni e Chrystian e Ralf são algumas das que fizeram
sucesso nessa década entre as classes mais baixas.

No cenário do rock nacional, temos a consolidação de bandas e cantores como


Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor, Titãs, Legião Urbana, 14
Bis, Barão Vermelho, RPM, Kid Abelha, Ira, Blitz, Lulu Santos, entre outros.

4.4.1 Um certo alguém

Quis evitar teus olhos


Mas não pude reagir
Fico à vontade então
Acho que é bobagem
A mania de fingir
Negando a intenção

Quando um certo alguém


Cruzou o teu caminho
E te mudou a direção

Chego a ficar sem jeito


Mas não deixo de seguir
A tua aparição

Quando um certo alguém


Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar

Me dê a mão
Vem ser a minha estrela
Complicação
Tão fácil de entender
Vamos dançar,
Luzir a madrugada
Inspiração
Pra tudo que eu viver

Quando um certo alguém


Cruzou o teu caminho
79

É melhor não resistir


E se entregar

Me dê a mão
Vem ser a minha estrela
Complicação
Tão fácil de entender
Vamos dançar,
Luzir a madrugada
Inspiração
Pra tudo que eu viver
Que eu viver

Quando um certo alguém


Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar (SANTOS, 1983)

A canção Um certo alguém foi composta e gravada por Lulu Santos em 1983.
Cantor, compositor e guitarrista, Luís Maurício iniciou sua vida na música aos
12 anos de idade, em uma banda que tinha como repertório canções da banda inglesa
The Beatles. Participou, ainda, de outros conjuntos musicais e, após alguns trabalhos
como músico freelancer, gravou seu primeiro compacto, que tinha como título seu
próprio nome, Luís Maurício. Seu primeiro sucesso aconteceu em 1982, com a canção
Tempos Modernos, faixa título de seu primeiro álbum.
Tendo como principal estilo o pop-rock, Lulu Santos teve também passagens
pelos gêneros disco e dance.
Sucesso na década de 80, a canção Um certo alguém tem como tema um
homem que se apaixona e que, apesar da relutância em se entregar ao sentimento
amoroso, acaba por fazê-lo.
No primeiro verso, podemos notar o uso da metonímia. Quando o eu lírico
afirma que quis evitar os olhos da mulher por quem se apaixonou, temos a utilização
de uma parte do corpo, os olhos, para se referir à mulher como um todo. Não são
apenas os olhos que ele quer evitar, ele não quer se entregar ao sentimento que sente
por ela. O uso dos olhos tem a ver com a metáfora conceptual de que os olhos são os
recipientes das emoções, descrita por Lakoff & Johnson (1980).
O uso da metáfora no verso “vem ser a minha estrela” se dá de modo a afirmar
que a mulher amada será o brilho da vida do eu-lírico. Podemos pensar, também, na
estrela-guia que conduziu os reis magos até a manjedoura onde estava o menino
Jesus. As estrelas podem ser guias, podem nos mostrar o caminho; essa é também
uma ideia que se quer passar de que a mulher amada serve como guia para o homem.
80

Lakoff & Johnson (1980) nos apresentam várias metáforas utilizadas em nosso
cotidiano para descrever o amor. Dentre elas temos: o amor é uma força física
(eletromagnética, gravitacional etc.), expressa por frases como “Eu podia sentir a
eletricidade entre nós.”; o amor é uma enfermidade. (Essa é uma relação doente.); o
amor é loucura. (Eu sou louco por ela.); o amor é mágico. (A magia se foi; ela me
hipnotizou.); o amor é guerra. (Ela lutou por ele, mas sua amante venceu.) Essa última
metáfora (o amor é guerra) pode ser notada na música no verso “é melhor não resistir
e se entregar”.
O paradoxo presente no verso “complicação tão fácil de entender” dialoga com
a contradição em que o eu-lírico se encontra por ter despertado um sentimento dentro
de si e não querer aceitá-lo. Segundo Forsyth (2013, p.141, tradução nossa),

Paradoxos são, notavelmente, difíceis de definir, mas você conhece


um quando o vê. Matemáticos, lógicos, psicólogos e poetas, todos
competem pela palavra. Todos eles pensam que a possuem, mas isso
é irreal. Para paradoxos, são bem paradoxais.” 12

Ainda de acordo com o autor,

O verdadeiro paradoxo é um dos pontos mais peculiares da retórica


em sua longa guerra contra a realidade. Nós sonharemos o sonho
impossível de maneira feliz, mesmo que a lógica e as leis o universo
digam que é...impossível. O verdadeiro paradoxo é impressionante
porque ele quebra as leis, mas calmante porque isso é fácil na língua.
É fácil escrever que preto é branco, que o pra cima é pra baixo e que
o bom é mau. É tão fácil quanto digitar, e tão difícil quanto. Eu não
posso fazê-lo, e eu acabei de fazer.13 (FORSYTH, 2013, p.144,
tradução nossa)

Nos versos “Quando um certo alguém cruzou o teu caminho, te mudou a


direção”, podemos notar a construção de uma imagem para representar a mudança
que o amor provoca em nossas vidas. Temos aqui o uso do ESQUEMA DE IMAGEM

12 Paradoxes are remarkably hard to define, but you know one when you see one.
Mathematicians, logicians, psychologists, sociologists and poets all compete for the word.
They all think they own it. But this is untrue. For paradoxes are quite paradoxal.
13
The true parado xis one of the more peculiar points of rethoric in its long war against reality.
We will happily dream the impossible dream, even if logic and the laws os the universe say
it’s...impossible. the true parado xis arresting because it breaks all laws, but calming because
that is so easy in language. It is easy to write that black is White, that up is down and that good
is evil. It’s as easy as typing, and as difficult. I can’t do it, and I just did.
81

de PERCURSO: “um certo alguém cruzou o teu caminho”. Esse ESQUEMA DE


IMAGEM se dá, como vimos anteriormente, pela nossa experiência física no mundo
de nos deslocarmos de um local (origem) a outro (meta) utilizando, para isso, um
caminho (trajeto). Quando alguém cruza nosso caminho, nosso trajeto é, de certa
forma, interrompido. O que podemos concluir, a partir do uso dessa metáfora na
música, é que o aparecimento da pessoa amada na vida do eu-lírico pode acarretar
mudança de planos, ou seja, pode mudar sua meta inicial.
O endeusamento da mulher amada se faz presente no verso: “mas não deixo
de seguir a tua aparição”, pois, quando pensamos em aparição, somos levados a
pensar em deuses e santos.
No verso “vamos dançar, luzir a madrugada”, temos retratado o senso comum
da época, pois o eu-lírico quer passar a madrugada dançando com sua amada, o que
dificilmente acontecia, por exemplo, de acordo com o senso comum da década de 50.
A construção da letra se dá de modo a mostrar que o eu-lírico acaba por se
render ao amor. No início, ele afirma que “quis evitar” e ao final, as últimas palavras
são “é melhor não resistir e se entregar”, o que mostra que toda a relutância e o querer
lutar contra o amor são em vão, pois, no final, devemos nos deixar arrebatar por esse
sentimento quando ele surge.
A metonímia também se faz presente no verso “me dê a mão”, pois o “dar as
mãos” significa seguir juntos, não apenas unindo as mãos, mas unindo suas vidas.
Temos aqui, também, o esquema de imagem do CONTATO.
O verso “inspiração pra tudo o que eu viver” nos remete às musas, figuras da
mitologia que eram invocadas pelos poetas como fonte de inspiração para suas
criações. Cada uma dessas musas protegia uma arte ou ciência, sendo 9 no total:
Calíope, musa da eloquência e do poema épico; Clio, da história; Érato, da poesia
lírica; Talía, da comédia; Melpômene, da tragédia; Terpsícore, da dança; Euterpe, do
verso erótico e da música; Polímnia, da retórica e Urânia, da astronomia.
Nessa canção, temos foco metonímico em olhos e mãos, dentro dos esquemas
de imagem de PERCURSO e CONTATO. Essas imagens materializam a ação e
reação motivadas pelo sentimento amoroso. Em termos de senso comum, essa
canção é mais ou menos atemporal, ou seja, seu conteúdo não está especificamente
vinculado ao momento histórico em que foi composta.
82

4.4.2 Eduardo e Mônica

Quem um dia irá dizer


Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?

Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar


Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque
No outro canto da cidade, como eles disseram

Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer


E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer
Um carinha do cursinho do Eduardo que disse
Tem uma festa legal, e a gente quer se divertir

Festa estranha, com gente esquisita


Eu não tô legal, não aguento mais birita
E a Mônica riu, e quis saber um pouco mais
Sobre o boyzinho que tentava impressionar
E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa
É quase duas, eu vou me ferrar

Eduardo e Mônica trocaram telefone


Depois telefonaram e decidiram se encontrar
O Eduardo sugeriu uma lanchonete
Mas a Mônica queria ver o filme do Godard

Se encontraram, então, no parque da cidade


A Mônica de moto e o Eduardo de camelo
O Eduardo achou estranho e melhor não comentar
Mas a menina tinha tinta no cabelo

Eduardo e Mônica eram nada parecidos


Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês

Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus


Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol de botão com seu avô

Ela falava coisas sobre o Planalto Central


Também magia e meditação
E o Eduardo ainda tava no esquema
Escola, cinema, clube, televisão

E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente


Uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia
E a vontade crescia, como tinha de ser
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Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia


Teatro, artesanato, e foram viajar
A Mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar

Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer


E decidiu trabalhar (não!)
E ela se formou no mesmo mês
Que ele passou no vestibular

E os dois comemoraram juntos


E também brigaram juntos muitas vezes depois
E todo mundo diz que ele completa ela
E vice-versa, que nem feijão com arroz

Construíram uma casa há uns dois anos atrás


Mais ou menos quando os gêmeos vieram
Batalharam grana, seguraram legal
A barra mais pesada que tiveram

Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília


E a nossa amizade dá saudade no verão
Só que nessas férias, não vão viajar
Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação

E quem um dia irá dizer


Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão? (RUSSO, 1986)

A canção Eduardo e Mônica foi composta por Renato Russo e gravada, no ano
de 1986, pelo grupo Legião Urbana, do qual Renato era vocalista.
Essa banda foi uma das de maior sucesso no Brasil, responsável por uma
marca de mais de 25 milhões de discos vendidos, uma das recordistas de venda em
nosso país.
A banda lançou seu primeiro álbum no ano de 1985 e, a partir daí, emplacou
grandes sucessos que, até hoje, são cantados e ouvidos por grande parte da
população.
Renato Russo, vocalista, fundador e líder da banda, foi, também, compositor.
São de sua autoria sucessos como Eduardo e Mônica, Que país é esse?, Faroeste
caboclo, Tempo perdido, Pais e filhos (em parceria com Dado Villa Lobos e Marcos
Bonfá), entre outros
Lançada no ano de 1986, a canção Eduardo e Mônica consiste em uma longa
narrativa em terceira pessoa, desenvolvendo o plot do encontro. O autor da música é
84

um conhecido do casal, e os fatos narrados são fruto de um depoimento atestado pelo


verso “como eles disseram”. O cenário é uma cidade grande. No final, ficamos
sabendo que é Brasília (Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília). A abertura é uma
espécie de “moral da história” antecipada: existe razão / não existe razão em coisas
feitas pelo coração?
Os atores, homem e mulher, pertencem a níveis intelectuais diferentes. Mônica
é mais velha (cursa Medicina), enquanto Eduardo tem dezesseis anos e ainda faz
cursinho. Ela se formou no mesmo mês que ele passou no vestibular. Eduardo gosta
de novela e futebol de botão, coisas simples, corriqueiras. É um boyzinho de classe
média, com horário de voltar para casa (só pensava em ir pra casa / É quase duas,
eu vou me ferrar). “Ainda tava no esquema de escola cinema, clube e televisão”, ou
seja, sua rotina se resumia a ir para a escola e voltar para a casa e, como diversão,
fazia coisas simples, tais como ir ao cinema. Mônica é “descolada”, anda de moto,
põe tinta no cabelo.
Para enfatizar a grande quantia de diferenças entre os dois, o narrador utiliza
muitas vezes a conjunção “e” e, por meio de orações coordenadas aditivas” vai
acrescentando os pontos de divergência de gostos, opiniões, hábitos, etc., que
existem entre Eduardo e Mônica.
O fato de Mônica ter ido ao parque de moto e o Eduardo de Camelo é mais
uma construção que se dá de modo a ressaltar a diferença de idade entre os dois. Em
Brasília, local onde se passa a história de Eduardo e Mônica, camelo é uma gíria para
bicicleta. Desse modo, o fato de Eduardo utilizar uma bicicleta como meio de
locomoção para chegar a seu encontro com Mônica dá destaque à sua pouca idade,
pois ele ainda não tinha chegado aos 18 anos, o que não lhe permitia ter habilitação.
Enquanto isso, Mônica, mais velha e experiente, chega de moto. Podemos pensar,
também, que o fato de a moça chegar de moto e não de carro, confere a ela o caráter
“descolado” que é reafirmado durante toda a letra da canção.
Mônica é progressista, com viés de esquerda (queria ver o filme de Godard).
Jean-Luc Godard foi um cineasta que ficou conhecido por seus filmes de temática
polêmica e caráter vanguardista. Foi um dos nomes mais importantes da Nouvelle
Vague, um movimento cujo intuito era renovar o cinema francês.
A música Eduardo e Mônica foi composta em 1986. O filme mais recente do
cineasta franco-suíço comunista Jean Luc Godard, na época, tinha sido lançado dois
anos antes, em 1984, Je vou salue Marie, uma versão escandalosa da vida da virgem
85

Maria. Nesse filme, Maria trabalha num posto de gasolina e José era um taxista. No
ano de seu lançamento, o presidente Sarney conseguiu que a exibição do filme fosse
proibida no Brasil.
Mônica também gostava de Bandeira, Caetano, Rimbaud, Van Gogh, e
Bauhaus, artistas conhecidos como progressistas e inovadores.
Ela era punk, gostava de Bauhaus, uma banda que surgiu na Inglaterra, no ano
de 1978. O estilo musical do grupo era o pós-punk e, entre os nomes que a
influenciaram, está o cantor David Bowie. Entre as preferências musicais de Mônica
estava, também, Caetano, grande nome da MPB, um estilo de música mais elitizado.
Além disso, a moça se interessava por poesia (Bandeira e Rimbaud) e arte (Van
Gogh). Seus gostos nos mostram, pois, que se tratava de uma mulher culta e de
personalidade forte.
Na estrofe “Ela falava coisas sobre o Planalto Central / também magia e
meditação / E o Eduardo ainda tava no esquema / Escola, cinema, clube, televisão”,
temos ressaltada, mais uma vez, a diferença entre o nível cultural entre Eduardo e
Mônica. Após essa estrofe, no entanto, as diferenças deixam de ser apontadas para
que se mostre que, apesar delas, o amor entre os dois aconteceu. Mesmo
pertencendo a mundos distintos e apesar de todas as diferenças, o casal foi ficando
cada vez mais envolvido (E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente / uma
vontade de se ver / E os dois se encontravam todo dia / e a vontade crescia, como
tinha de ser). Temos, nesse último verso, uma referência aos relacionamentos em
geral, pois, ao dizer que a vontade dos dois crescia “como tinha de ser”, somos
colocados diante do frame da relação de um casal apaixonado, o que nos faz pensar
em pessoas que querem se ver cada vez com mais frequência, que não conseguem
mais passar muito tempo da pessoa amada.
Na canção, é Mônica que se interessa por Eduardo e consegue conquistá-lo.
A complicação do plot, a diferença de idade e de interesses, acaba sendo vencida. A
imagem apresentada para a relação dos dois é a de feijão com arroz, cereais
totalmente diferentes um do outro, mas que se completam na funcionalidade
alimentar. A solução é o casamento, de acordo com o modelo burguês: constroem
uma casa e têm filhos (gêmeos), batalham por dinheiro. O final tem uma leve sugestão
do esquema tradicional das narrativas cliffhanger (gancho de suspense), inaugurado
na Inglaterra por Charles Dickens. No final da música, o verso “porque o filhinho de
Eduardo tá de recuperação”, o que sugere que, entre os gêmeos, Eduardo tinha seu
86

filho “preferido”, aquele com que tinha mais afinidades. Isso nos coloca diante de uma
questão: será que o filho puxou o pai? O fato de estar de recuperação seriam as
características de Eduardo se repetindo em um de seus filhos?
Em termos dos frames que constroem o senso comum, essa música tem a
importância de “quebrar as regras”. Nela, é a mulher que toma a iniciativa em procurar
o homem (E a Mónica riu, e quis saber um pouco mais / sobre o boyzinho que tentava
impressionar). Ela encontra-se em um patamar intelectual e social superior ao
homem, mas, mesmo assim, leva a relação até o casamento, este, sim, construído
segundo o senso comum dos sonhos da classe média brasileira: casa própria e filhos.
A canção termina repetindo a estrofe inicial, reafirmando a tese inicial, o
paradoxo entre razão e sentimento. Há, no entanto, o acréscimo da conjunção “e”,
com valor conclusivo, para que se confirme a tese apresentada inicialmente.

E quem um dia irá dizer


Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão? (RUSSO, 1986)

O que podemos concluir a partir desses versos é que não há como afirmar se
existe ou não razão no amor, pois se trata de um sentimento imprevisível, capaz de
nos fazer quebrar regras, agir contra princípios, mudar nossos planos. Não existe
receita para o amor. Ele simplesmente acontece, sendo que, muitas vezes, isso corre
da maneira mais inesperada e improvável, dentro dos contextos mais imprevisíveis.
As diferenças podem afastar as pessoas, mas podem, também, ser motivo de
aproximação.
As personagens Eduardo e Mônica ficaram tão conhecidas e se tornaram tão
simbólicas, quando se fala em relacionamentos, que cientistas chegaram a fazer um
estudo sobre eles. Segundo esses cientistas, o casal jamais teria dado certo na vida
real. Esse estudo, desenvolvido na Universidade de Pittsburg, foi matéria na revista
Superinteressante, no ano de 2016. Os cientistas explicam, com base nos hábitos e
características das personagens, que as diferenças entre Eduardo e Mônica não
permitiriam que eles durassem muito tempo como um casal.
Tamanho sucesso vai levar história da música às telas de cinema. O filme
Eduardo e Mônica tem previsão de lançamento para o dia 19 de setembro de 2019.
87

4.4.3 Linda demais

Linda
Só você me fascina
Te desejo muito além do prazer
Vista meu futuro em teu corpo
E me ama como eu amo você

Vem
Fazer diferente
O que mais ninguém faz
Faz parte de mim
Me inventa outra vez
Vem
Conquistar meu mundo
Dividir o que é seu
Mil beijos de amor
Em muitos lençóis
Só eu e você

Linda
Conte a mim teu segredo
Pro meu sonho
Diga quem é você
Livre
Nunca mais tenha medo
Pois quem ama
Tudo pode vencer (KIKO; PAES, 1985)

O grupo Roupa Nova foi formado no ano de 1970. Representantes do estilo pop
rock, a banda alcançou seu maior sucesso nas décadas de 80 e 90. Com a marca de
mais de 20 milhões de discos vendidos ao longo de sua carreira, que dura até hoje, é
a banda com maior número de canções presentes em trilhas de novelas no Brasil (32
no total), dentre as quais podemos citar Amar é, A viagem, tema de uma novela com
o mesmo nome, da rede Globo de televisão, e Dona, que fez parte da trilha de Roque
Santeiro, também da mesma emissora.
Entre os grandes sucessos do grupo, podemos citar as canções Dona, Coração
pirata, Volta pra mim, Whisky a go go, Seguindo no trem azul, Anjo, Chuva de prata
(gravada com Gal costa), além de muitas outras.
A canção Linda demais foi composta por Kiko e Tavinho Paes e gravada pelo
grupo Roupa Nova, no ano de 1985. A música é um dos maiores sucessos da banda,
tendo sido regravada pelo cantor sertanejo Eduardo Costa, no ano de 2005.
A “história interna” da música parte de um pressuposto: a percepção do eu-
lírico de que sua parceira não o ama com a intensidade com que ele a ama, o que
pode ser notado no último verso da primeira estrofe: “me ama como eu amo você”.
88

Na primeira estrofe, como técnica argumentativa, ele tenta destruir o senso comum
de que os homens, diante de uma bela mulher, querem apenas obter prazer e, depois,
procuram outras, com o mesmo objetivo. “Só você me fascina”. A parceira é única.
“Te desejo muito além do prazer”. Não é apenas o prazer que o move, mas o desejo
de construir uma história com ela. Temos, pois, a imagem do homem romântico que
quer mais do que apenas sexo. Daí a metáfora: “Vista meu futuro em teu corpo”.
Nos versos “vem / fazer diferente / o que mais ninguém faz”, é possível pensar
que existe uma crítica à maneira como as pessoas vivem o amor, pois não estariam
vivendo tão intensamente quanto esse sentimento merece ser vivido, e a proposta do
eu-lírico à mulher que ama é que eles façam as coisas do modo como elas “devem”
ser. O eu lírico convida a parceira a fazer parte dele, a integrar-se, pois, em seus
valores, mas ameniza a proposta, quando propõe que ela divida o que é dela (Dividir
o que é seu).

É possível concluir durante a canção que existe algo que faz com que a mulher
tenha medo de viver esse amor. Ela tem consigo um segredo (conte a mim teu
segredo/pro meu sonho diga quem é você). Talvez seja o medo de que ele seja “igual
a todos os outros homens” que querem apenas desfrutar o prazer físico, sem
comprometer-se. Em “Mil beijos de amor / em muitos lençóis / só eu e você, muitos
lençóis” sugere a repetição do amor físico dos dois, ou seja, que esse amor é algo que
o eu lírico pretende que seja duradouro
Apesar de haver divergências com relação à escrita do verso “vista meu futuro
em teu corpo”, que, por vezes, aparece com uma vírgula após a palavra vista, em
diferentes sites na internet, na maioria das ocorrências, não há vírgula. Desse modo,
temos o verbo “vestir” com objeto direto “meu futuro”, o que contribui para a ideia de
que o eu lírico quer que sua amada faça parte de seu futuro. O corpo da amada
aparece como um CONTÊINER em que ela o deve colocar.

Em termos de construção, temos no verso “e me ama como eu amo você”, a


presença do poliptoto com duas formas de conjugação do verbo “amar”. Essa figura
de retórica serve, nesse caso, para dar ênfase ao amor que o eu lírico sente por essa
mulher.
No final da canção temos um clichê apresentado pelos versos “pois quem ama
tudo pode vencer”. Essa é uma ideia romântica, que faz parte do senso comum ao
longo dos tempos, ideia de que o amor supera tudo e com ele podemos vencer
89

qualquer barreira ou obstáculo. Há também a oferta de proteção: “nunca mais tenha


medo”. Isso cai dentro senso comum cultural de que o homem deve proteger a
mulher. Pelo contexto, contudo, ele quer protegê-la do medo que ela tem de que o
amor por ela seja apenas fruto de um prazer físico, com data de vencimento.
Temos, nessa música, uma espécie de circularidade. O homem quer
comprometer-se com a mulher, não apenas pelo prazer físico que ela lhe proporciona,
mas para construir com ela uma história. Para isso, tem de apaziguá-la, mostrando
que o amor de ambos é único. Isso reflete o senso comum de milhares de casais
apaixonados que se sentem únicos em uma relação amorosa.

4.5 Década de 90

A década de 90 foi marcada por uma revolução tecnológica. Além disso, trata-
se de um período em que se fazia presente o descontentamento com a política.
Após 20 anos de governo militar, os anos 90 foram a primeira década
democrática em sua totalidade. Isso fez com que se acreditasse que a eleição de um
presidente escolhido unicamente pelo povo poderia mudar as coisas. O resultado
disso foi a frustração popular, quando o então presidente Fernando Collor de Melo
sofreu impeachment, em 1992.
Nessa década, a tecnologia possibilitou o fácil acesso à informação, o que, de
acordo com Essinger apud Lemos (2008), fez dos anos 90 em um período que “teve
de tudo, mas nada de novo”, pois, devido ao avanço tecnológico, tornou-se possível
o acesso a obras do passado, o que resultou em uma mistura de referências.
Os anos 90 foram democráticos não apenas na política. A democracia que
marcou a década se estendeu a outros segmentos, dentre eles, a música. Nessa
época, todos os ritmos tiveram seu lugar ao sol. Surge a banda Mamonas Assassinas,
que trouxe um estilo musical inusitado, com letras licenciosas, que teriam sido
censuradas, se tivessem sido lançadas durante o período de governo militar.
Ritmos como o axé music, o pagode e o sertanejo, que passou a ter um cunho
mais romântico e urbano, fizeram sucesso nesse período.
Grandes artistas da música foram revelados nessa década, dentre os quais
podemos destacar Marcelo D2 e Carlinhos Brown, que foram responsáveis por pela
mistura de ritmos.
90

4.5.1 Por você

Por você
Eu dançaria tango no teto
Eu limparia
Os trilhos do metrô
Eu iria a pé
Do Rio a Salvador.
Eu aceitaria
A vida como ela é
Viajaria a prazo
Pro inferno
Eu tomaria banho gelado
No inverno.
Por você
Eu deixaria de beber
Por você
Eu ficaria rico num mês
Eu dormiria de meia
Pra virar burguês.
Eu mudaria
Até o meu nome
Eu viveria
Em greve de fome
Desejaria todo o dia
A mesma mulher.
Por você! Por você!
Por você! Por você!
Por você
Conseguiria até ficar alegre
Pintaria todo o céu
De vermelho
Eu teria mais herdeiros
Que um coelho. (CECÍLIA; FREJAT; GOFFI, 1998)

A música Por você foi composta por Mauro Santa Cecília, com música
de Roberto Frejat, Guto Goffi, e gravada pelo grupo Barão Vermelho, no ano de 1998.
A banda de rock brasileira Barão Vermelho teve sua primeira formação em
1981. No início, eles se limitavam a tocar sucessos de outros grupos, mas, aos
poucos, passaram a ter repertório próprio, com as composições de Frejat e Cazuza,
ambos integrantes da banda.
O grupo não alcançou o sucesso com o lançamento de seu primeiro álbum. O
reconhecimento veio com a canção Bete Balanço, que foi composta para a trilha
sonora de um filme que tinha como título o mesmo nome da música. O sucesso fez
91

parte do álbum Menor Abandonado, cuja faixa título foi destaque, lançado no ano de
1984.
Frejat, vocalista e líder do grupo, iniciou carreira solo em 2001 e, em 2016,
deixou definitivamente o grupo, sendo substituído por Rodrigo Suricato.
A letra da canção Por você nos apresenta um eu-lírico apaixonado que se
mostra disposto a conquistar a mulher que ama, independentemente do que seja
necessário fazer para que isso aconteça. Ele se propõe a fazer coisas absurdas e até
mesmo impossíveis para conseguir o seu amor.
A construção da letra acontece com uma figura de linguagem intitulada
epanalepse, que consiste em terminar um texto da mesma maneira que se começou.
Forsyth afirma que “terminar onde você começou tem dois efeitos que são, à primeira
vista, contraditórios. Isso dá a impressão de ir a lugar nenhum e dá a impressão de,
inevitavelmente, seguir em frente”.14 (FORSYTH, 2013, p. 186, tradução nossa) O uso
dessa figura na construção da letra de Por você funciona, pois, de modo a mostrar
que a mulher amada é a única motivação para o eu-lírico, que é apenas por ela que
ele faria todas as loucuras relatadas durante a música, que tudo parte do amor que
sente por ela e termina nesse mesmo amor. Ainda de acordo com Forsyth (2013) “a
epanalepse implica circularidade e continuação”15.
No sétimo e no oitavo versos, “Eu aceitaria / a vida como ela é”, temos uma
referência intertextual à A vida como ela é, de Nelson Rodrigues, uma coluna diária
escrita por ele, no jornal A Última Hora, entre os anos 50 e 60, que trazia histórias de
adultério, escândalos, pecados, desejos e moral em que os homens geralmente eram
vítimas.
A questão da fidelidade é trazida nos versos “Desejaria todo dia / a mesma
mulher”, mostrando que, dentre todas as coisas difíceis ou impossíveis que o eu lírico
faria para conquistar sua amada, uma delas é ser fiel, o que nos remete à figura
masculina burguesa machista. Afinal, para provar que é bom, o homem de verdade
precisaria ter mais de uma mulher.
Ao afirmar que “conseguiria até ficar alegre”, temos o conhecimento da tristeza
do eu lírico, que é infeliz por não ter sua amada. Novamente, temos retratado o
sofrimento amoroso. Durante toda a canção, essa tristeza é um pressuposto. Apenas

14
Ending where you began has two effects that are, at first sight, condradictory. It gives the
impression of going nowhere, and it gives the impression of moving inevitably on.
15 Epanalepsis implies circularity and continuation.
92

nessa última estrofe o ouvinte percebe que o eu-lírico estava triste, que a tristeza era
seu estado comum na ausência de um amor.
O uso do futuro do pretérito serve como tentativa, por parte do eu-lírico, de
persuadir a pessoa amada. Existe uma condicional implícita que funciona como
subordinada a todas essas orações construídas no futuro do pretérito, mostrando que
todos esses atos dependem única e exclusivamente do “sim” da mulher amada: “Se
você ficasse comigo, eu dançaria tango no teto, eu limparia os trilhos do metrô...”, etc.
A letra dessa música constrói-se dentro de uma linha de hipérboles e non
senses, como dançar um tango no teto, limpar trilhos de metrô e viajar para o inferno,
e reflete o senso comum da época de 90, em que a fidelidade era vista, sobretudo nos
meios artísticos, como algo burguês. Alguns atributos da burguesia aparecem no
texto, como “dormir de meia” e “eu teria mais herdeiros que um coelho”. Afinal, filhos
de burgueses são herdeiros e não filhos, simplesmente.

4.5.2 É o amor

Eu não vou negar que sou louco por você


Tô maluco pra te ver
Eu não vou negar

Eu não vou negar sem você tudo é saudade


Você traz felicidade
Eu não vou negar

Eu não vou negar você é meu doce mel


Meu pedacinho de céu
Eu não vou negar

Você é minha doce amada


Minha alegria
Meu conto de fada
Minha fantasia
A paz que eu preciso pra sobreviver

Eu sou o seu apaixonado de alma transparente


Um louco alucinado meio inconsequente
Um caso complicado de se entender

É o amor
Que mexe com minha cabeça
E me deixa assim
Que faz eu pensar em você esquecer de mim
Que faz eu esquecer que a vida é feita pra viver
93

É o amor
Que veio como um tiro certo no meu coração
Que derrubou a base forte da minha paixão
E fez eu entender que a vida é nada sem você (CAMARGO, 1991)

A canção É o amor foi escrita por Zezé di Camargo e gravada por ele,
juntamente com seu irmão Luciano, no ano de 1991. Trata-se de um dos maiores
sucessos da época e uma das músicas sertanejas mais conhecidas e mais tocadas
no Brasil.
Os irmãos Mirosmar José de Camargo e Welson David de Camargo,
conhecidos pelo nome artístico Zezé di Camargo e Luciano, formam uma das duplas
de maior sucesso na música sertaneja brasileira.
Eles lançaram seu primeiro álbum em 1991. Foi nesse álbum que emplacaram
o grande sucesso É o amor, que, em dois meses, colocou a dupla no hit parade; seis
meses após o lançamento, o álbum já havia vendido mais 750.000 cópias, o que
rendeu aos intérpretes o disco de platina.
A dupla se caracteriza pelo estilo romântico, que o gênero sertanejo passou a
ter a partir dos anos 80. Zezé e Luciano são grande sucesso até hoje. A vida dos dois
chegou às telas de cinema no ano de 2005, com o filme Dois filhos de Francisco, que
alcançou um público de mais de 5.300.000 espectadores, o que mostra o sucesso e
a popularidade dessa dupla.
O tema da música É o amor é o amor romântico, pois se trata de um eu-lírico
apaixonado que se declara à mulher amada.
A anáfora se faz presente nas três primeiras estrofes dessa canção, pois todas
começam, exatamente, com o mesmo verso “eu não vou negar”. Isso é feito de modo
a enfatizar a ideia de que o eu-lírico tenta esconder, mas não consegue tudo aquilo
que sente por sua amada, pois não quer negar nada com relação aos seus
sentimentos.
Ainda nos versos “eu não vou negar que sou louco por você / tô maluco pra te
ver”, temos presente a metáfora “o amor é loucura”, apresentada por Lakoff e Johnson,
no livro Metaphors we live by, pois afirmações como ser louco por alguém ou estar
maluco pra ver alguém são decorrentes dessa metáfora que, segundo os autores, faz
parte do nosso dia a dia. Outro verso que também retrata essa metáfora é “um louco
alucinado, meio inconsequente”.
94

Quando se diz, que o amor mexe com a cabeça, temos uma referência
metonímica a essa parte do corpo, por ser ela a representante do nosso lado racional.
Podemos inferir, pois, que o amor afeta nossa racionalidade, nos tornando mais
emocionais. É comum deixarmos a emoção falar mais alto que a razão, quando
estamos apaixonados.
Uma outra metáfora mencionada pelos autores e que também está presente na
letra da canção é “o amor é guerra”, como podemos notar nos versos “É o amor / que
veio como um tiro certo no meu coração / que derrubou a base forte da minha paixão”.
Quando o eu-lírico afirma ter sido o amor um tiro em seu coração, ele se refere à sua
emoção, ao seu amor que foram “atingidos” pela mulher por quem ele está
apaixonado.
Um fato a ser levado em consideração no estudo da metáfora, segundo Abreu
(2010) é que, juntamente com a transferência do(s) traço(s) selecionado(s) do domínio
de origem, são transferidos valores. Vejamos quais são as metáforas utilizadas para
descrever a mulher amada e o porquê de seu uso.
As duas estrofes iniciais, trabalham com metáforas / hipérboles (sou louco, sou
maluco), mas não saem do plano abstrato. A primeira metáfora em plano concreto
surge no início da terceira estrofe, em “Você é meu doce mel”. Temos aqui a indução
do sentido do paladar que progride no primeiro verso da estrofe seguinte (você é
minha doce amada). Na verdade, a letra é construída por meio de várias definições
da mulher amada: doce mel, pedacinho de céu, conto de fada, fantasia, paz.
“Você é meu doce mel” – temos a tendência a descrever aquilo que é bom
como doce. Sabemos que, quando ingerimos algo doce, nosso corpo libera um
hormônio (a serotonina), que é responsável pela sensação de felicidade e bem-estar.
Ao compará-la ao mel, o eu-lírico atribui à mulher amada o “poder de trazer alegria à
sua vida.
“Meu pedacinho de céu” – é muito comum, em situações e momentos em que
nos encontramos em estado de tranquilidade e paz, dizermos que “estamos no céu”.
Esta metáfora tem a ver com o fato de o céu representar esse lugar onde se “vive” ou
se “descansa” em paz, além de ser também algo sagrado. Ao estabelecer, pois, uma
comparação entre a mulher que ama e o céu, o eu-lírico confere a ela a capacidade
de fazê-lo sentir-se em paz. É com ela que ele encontra a felicidade, a calma, o
sossego, a tranquilidade.
95

“Meu conto de fadas” – Uma das características dos contos de fada é o final
feliz: “e viveram felizes para sempre”. Trata-se sempre de histórias em que o casal
que se ama vive uma linda história de amor e, após enfrentar obstáculos e
diversidades, tem um final feliz que durará para sempre. O eu-lírico descreve sua
amada como um conto de fadas. Podemos, portanto, inferir, por meio dessa metáfora,
a beleza da história de amor entre os dois e também o desejo do eu-lírico de viver
com sua amada pelo resto de sua vida.
“Minha fantasia” – fantasia pode ser aquilo que foge à realidade, geralmente
ligado a algo bom. Fantasias também podem estar ligadas ao sonho. Sendo assim,
seria a mulher amada algo tão bom que chega a ter características daquilo que não é
real, que é sonho.
“A paz que eu preciso pra sobreviver” – novamente é atribuído à mulher amada
o papel de trazer paz para a vida do eu-lírico. Podemos, pois, inferir que se trata de
um relacionamento feliz, calmo, tranquilo, sem brigas, pois traz paz àqueles que se
amam.
A canção inteira é uma sequência de definições, tanto do eu-lírico quanto da
mulher amada. O refrão de É o amor aparece como uma sequência de orações
causais desgarradas, com o objetivo de explicar as definições escolhidas.
Na estrofe final, quando se diz que o amor mexe com a cabeça, temos a
referência a essa parte do corpo por ser ela a representante do nosso lado racional.
Podemos inferir, pois, por meio dessa metonímia, que o amor afeta nossa
racionalidade, influi em nossas decisões, nos tornando mais emocionais. É comum
deixarmos a emoção falar mais alto que a razão quando estamos apaixonados. O
refrão É o amor, confirma essa ideia.
Em termos de senso comum, podemos dizer que essa canção tem caráter
universal. Não está vinculada a nada específico da época em que foi composta.
Talvez por isso mesmo tenha feito tanto sucesso.

4.5.3 Evidências

Quando eu digo que deixei de te amar


É porque eu te amo
Quando eu digo que não quero mais você
É porque eu te quero
Eu tenho medo de te dar meu coração
96

E confessar que eu estou em tuas mãos


Mas não posso imaginar
O que vai ser de mim
Se eu te perder um dia

Eu me afasto e me defendo de você


Mas depois me entrego
Faço tipo, falo coisas que eu não sou
Mas depois eu nego
Mas a verdade
É que eu sou louco por você
E tenho medo de pensar em te perder
Eu preciso aceitar que não dá mais
Pra separar as nossas vidas

E nessa loucura de dizer que não te quero


Vou negando as aparências
Disfarçando as evidências
Mas pra que viver fingindo
Se eu não posso enganar meu coração?
Eu sei que te amo!
Chega de mentiras
De negar o meu desejo
Eu te quero mais que tudo
Eu preciso do seu beijo
Eu entrego a minha vida
Pra você fazer o que quiser de mim
Só quero ouvir você dizer que sim!

Diz que é verdade, que tem saudade


Que ainda você pensa muito em mim
Diz que é verdade, que tem saudade
Que ainda você quer viver pra mim (AUGUSTO; VALLE, 1990)

A dupla formada pelos irmãos José Lima Sobrinho (Chitãozinho) e Durval de


Lima (Xororó) teve seu nome inspirado na canção Chitãozinho e Xororó, composta
por Serrinha e Athos Campos.
Chitãozinho e Xororó são um dos maiores nomes da música brasileira. O
primeiro disco da dupla foi gravado em 1970 e, a partir daí, iniciou-se uma carreira de
grande sucesso. Eles são recordistas em vendas de discos no Brasil, tendo alcançado
a marca de mais de 37 milhões de cópias vendidas.
A grande ascensão da carreira da dupla aconteceu em 1983, quando gravaram
a música Fio de cabelo em seu disco Somos apaixonados. O álbum vendeu mais de
um milhão de cópias.
Nessa trajetória de sucesso, que dura até os dias atuais, a dupla chegou a
apresentar programas de TV. Gravaram músicas a música Word, com a banda Bee
Gees, no ano de 1993, e as músicas She’s not crying anymore e Pura emoção, versão
97

do hit americano (Achy breaky heart), com o cantor Billy Ray Cyruz. Essa última
canção foi trilha da personagem Cristina, na novela Corpo Dourado, transmitida pela
rede Globo de televisão. A dupla também teve várias outras músicas utilizadas como
trilha sonora em novelas globais.
Em 1993, a canção Guadalupe, que aparecia na abertura da novela mexicana
de mesmo nome, levou a dupla ao primeiro lugar na parada latino-americana Hot Latin
Singles da revista Bill Board.
A dupla conta com muitos prêmios conquistados durante sua carreira. Foram,
inclusive, ganhadores do Grammy latino por duas vezes (2012 e 2018), com o prêmio
de Melhor álbum de música sertaneja.
Entre seus grandes sucessos, que são inúmeros, podemos destacar: No
rancho fundo, Nuvem de lágrimas, Fio de cabelo, Nascemos pra cantar, Brincar de
ser feliz, Evidências, Se Deus me ouvisse, Página de amigos, e Sinônimos.
A canção Evidências alcançou a marca de música mais executada em karaokês
no Brasil. Composta por José Augusto e Paulo Sérgio Valle, sua primeira gravação se
deu no mesmo ano, pelo canto Leonardo Sullivan. No entanto, foi nas vozes de
Chitãozinho e Xororó, em 1990, que a canção alcançou grande sucesso. Mas as
gravações não pararam por aí. Outros artistas, tais como Bruno e Marrone e Daniel
regravaram a canção que até hoje é sucesso.
O tema da música é a luta do eu-lírico contra seu próprio sentimento. Trata-se
de um amor antigo do qual não consegue se desvencilhar após um aparente término.
Nessa canção, um dos recursos utilizados para retratar seu dilema em querer negar
um amor do qual não consegue se afastar é o paradoxo. Podemos notar isso nos
versos: “eu me afasto e me defendo de você / mas depois me entrego/ faço tipo, falo
coisas que eu não sou/mas depois eu nego”.
O uso da metonímia no verso “eu tenho medo de te dar meu coração” é utilizado
para que o eu-lírico afirme o medo que tem de se entregar à pessoa amada. A escolha
do coração como parte para representar o todo é feita devido ao fato de termos a
imagem do coração como o CONTÊINER dentro do qual guardamos nossos
sentimentos.
Quando o eu-lírico afirma estar nas mãos da pessoa amada, no verso “e
confessar que eu estou em tuas mãos”, temos mais uma metonímia. As mãos são a
parte do corpo que nos permite manusear objetos, trocá-los de lugar, ou seja,
98

podemos fazer o quisermos com aquilo que temos em mãos. Isso serve para mostrar
que o eu-lírico se põe totalmente sob o controle a pessoa amada.
Nos versos “mas pra que viver fingindo/se eu não posso enganar meu
coração?”, temos a presença de uma pergunta retórica, que, de acordo com Forsyth
(2013), podemos notar nesses versos, mais uma vez, o uso metonímico do coração,
pois, ao afirmar que não consegue enganá-lo, o eu-lírico se refere a seus sentimentos
e a si próprio, não é possível mais mentir para si mesmo fingindo não querer esse
amor.
No verso “eu me afasto e me defendo de você”, temos a presença da metáfora
conceptual “Amor é guerra” (Love is war), o que fica claro pela utilização do verbo
defender. Trata-se de um embate do eu-lírico contra o amor que sente. A metáfora
“Amor é loucura” (Love is Madness) também está presente na canção, no verso “mas
a verdade é que eu sou louco por você”. Essa metáfora corrobora a ideia de que o
amor é capaz de nos fazer perder a razão, de agir irracionalmente, como loucos.
Em termos de senso comum, essa música reflete a dor sentida por alguém que
ama e não quer se entregar a esse sentimento. Temos a representação do orgulho de
alguém que, após o término de um relacionamento, que fazer de tudo para esquecer
a pessoa amada e mostrar que está bem, mas que não consegue fazê-lo. Ao final da
canção, é o amor que fala mais alto e o eu-lírico acaba por se render ao amor. Esse
tema é atemporal. Muitas pessoas, independentemente de idade ou gênero, já
passamos por isso, por essa luta contra um amor do passado, ao qual nos acabamos
por entregar. Talvez seja esse o motivo do enorme sucesso que a canção fez e ainda
faz, pois, ainda hoje, é um dos grandes títulos da música sertaneja romântica no Brasil.

4.5.4 Garçom

Garçom

Garçom! Aqui!
Nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor...

Garçom!
No bar todo mundo é igual
Meu caso é mais um, é banal
Mas preste atenção por favor...
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Saiba que o meu grande amor


Hoje vai se casar
Mandou uma carta pra me avisar
Deixou em pedaços meu coração...

E pra matar a tristeza


Só mesa de bar
Quero tomar todas
Vou me embriagar
Se eu pegar no sono
Me deite no chão!...

Garçom! Eu sei!
Eu estou enchendo o saco
Mas todo bebum fica chato
Valente, e tem toda a razão...

Garçom! Mas eu!


Eu só quero chorar
Eu vou minha conta pagar
Por isso eu lhe peço atenção...

Na música Garçom, gravada em 1998 pelo cantor Reginaldo Rossi, conhecido


por suas músicas bregas, podemos perceber a presença de uma linguagem coloquial
na presença de expressões como “enchendo o saco”, “bebum”, “tomar todas”. Temos
essa marca de coloquialidade não apenas no vocabulário utilizado, mas também na
estrutura gramatical, pois o verso “me deite no chão” é iniciado por um pronome
oblíquo, o que, de acordo com a norma culta da língua, é incorreto.

O ambiente já não é tão requintado como em A dama de vermelho, pois não se


trata de um baile com uma orquestra, mas de um bar onde o eu-lírico está para
esquecer um amor que o faz sofrer.

A própria maneira de se referir a seu caso “meu caso é mais um, é banal”
mostram como é comum sofrer por amor, ser deixado por uma mulher ou não ter seu
amor correspondido. Isso também é retratado nos versos: “você já cansou de
escutar/centenas de casos de amor”

A carta que é mandada ao eu-lírico mostra que se trata de um período em que o


domínio da tecnologia ainda não é tão intenso quanto atualmente.

Há também, nessa canção, a personificação da tristeza, como um ser vivo, o que


pode ser notado no verso “E pra matar a tristeza”. Além disso, no verso “Deixou em
100

pedaços o coração”, temos uma imagem criada com base no senso comum de que o
coração é o centro dos sentimentos.

4.6 Década de 2000

A década de 2000 foi marcada pelo ataque terrorista ao World Trade Center,
em 11 de setembro de 2001. Esse ataque desencadeou os conflitos entre os Estados
Unidos e o Oriente Médio.
As ditaduras de Sadan Hussein e dos Talibãs, no Iraque e no Afeganistão,
respectivamente, chegaram ao fim.
O euro foi adotado como moeda pela maioria dos países da União Europeia.
Na América Latina, o antiamericanismo se intensificou. Ocorreu uma pequena
abertura no regime socialista de Cuba, que continua tendo, como líder, Fidel Castro.
A chegada de Vladimir Putin à presidência da Rússia fez com que a política do
país sofresse mudanças drásticas, o que aconteceu também na economia. Estados
Unidos e Rússia passaram a ter relações mais intensas.
No Brasil, foi na década de 2000 que a esquerda chegou ao poder com a
eleição de um presidente que pertencia a um partido socialista. Luiz Inácio Lula da
Silva, do PT (Partido dos Trabalhadores), foi eleito no ano de 20012, por voto popular.
Lula foi o primeiro operário a chegar à presidência do país, governando-o por 8 anos,
pois, em 2006, foi reeleito. O pré-sal, uma reserva de petróleo encontrada sob uma
profunda camada de rocha salina, foi descoberto.
Vários casos de corrupção, porém, marcaram essa década em nosso país.
Como exemplo, podemos citar o Mensalão, um esquema de corrupção política que
consistiu na compra de voto de parlamentares durante o primeiro governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2005 e 2006, e o Petrolão, um esquema de
corrupção e desvio de dinheiro que ocorreu na maior estatal brasileira, a Petrobrás.
A música dos anos 2000, no Brasil, é marcada pelo surgimento e ascensão de
ritmos bem populares que ganharam as grades massas. O funk carioca e o sertanejo
universitário são os gêneros predominantes nesse período.
Não podemos, no entanto, deixar de destacar o que aconteceu em outros
gêneros musicais. Na MPB, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes
formaram um grupo e lançam, em 2002, um álbum, sob o título de Tribalistas.
101

Maria Rita, filha de Elis Regina, surgiu como a grade sensação nesse
segmento. Além disso, outros nomes merecem destaque, pois fizeram bastante
sucesso nessa década. Cantores como Ana Carolina, Seu Jorge, Lenine, Jorge
Vercilo, entre outros, apareceram com grande força, representando a MPB.
Bandas de rock e pop rock como Jota Quest, Skank e Charlie Brown Júnior
continuaram a fazer sucesso nessa década, acompanhadas de algumas bandas da
década de 80, como Capital Inicial e Titãs e de novas bandas como CPM 22, NX Zero,
Detonautas, entre outras, que apresentavam um pop rock mais alternativo.
O funk carioca alcançou a popularidade e a manteve durante toda a década.
Nomes como Bonde do Tigrão, Tati Quebra Barraco, Mc Leozinho, entre outros,
fizeram sucesso e ficaram entre os mais tocados nas rádios.
A música gospel também ganhou lugar de destaque. Entre cantores
evangélicos e padres, destacou-se o Padre Marcelo Rossi, um dos artistas mais
populares da década.
O axé perdeu a força que tinha nos anos 90; no entanto, nomes como Ivete
Sangalo, que deixou, em 1999, a Banda Eva, grupo de axé do qual era vocalista e
Cláudia Leitte que, em 2001, deixou a banda Babado Novo, para seguir carreira solo,
são dois nomes de grande sucesso na década de 2000. Ivete foi uma das artistas
mais populares nesse período.
O sertanejo universitário surgiu com força total, passando a ter cada vez mais
popularidade. Esse gênero se tornaria, na década seguinte, o mais popular entre o
povo brasileiro, o mais tocado e ouvido nas rádios de todo o país.
Destacam-se, nesse segmento, nomes como César Menotti e Fabiano, João
Bosco e Vinícius, Victor e Léo, Luan Santana, Jorge e Mateus, entre outros.

4.6.1 Velha infância

Você é assim
Um sonho pra mim
E quando eu não te vejo
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito

Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
102

O meu melhor amigo


É o meu amor

E a gente canta
E a gente dança
E a gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
Na nossa velha infância

Seus olhos, meu clarão


Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só

Você é assim
Um sonho pra mim
Quero te encher de beijos
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito (ANTUNES et.al., 2002)

A canção Velha infância foi composta pelos seus intérpretes, Marisa Monte,
Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, juntamente com Pedro Baby.
Marisa Monte, Brown e Arnaldo, três artistas brasileiros consagrados como
cantores e compositores em carreira solo, formaram o grupo Tribalistas, que deu
origem a dois álbuns, o primeiro lançado em 2002 e o segundo, no ano de 2017. Esses
álbuns venderam, respectivamente, 1,5 e 2,1 milhões de cópias.
A letra da canção usa linguagem extremamente coloquial. Fala do amor puro,
que nasce da amizade, o amor ideal, correspondido, que não causa sofrimento.
Para demonstrar isso, o sentimento é comparado à infância, período da vida
em que não enxergamos problemas, em que, geralmente, tudo é bom, bonito. Trata-
se de uma fase durante a qual enxergamos graça e beleza em tudo a nossa volta,
quando não temos preocupações, quando a vida é doce e pode ser desfrutada sem
medos e receios devido à inocência que nos é característica.
Casimiro de Abreu em seu poema Meus Oito Anos, retrata toda essa beleza da
infância.

Oh! que saudades que eu tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
103

Naquelas tardes fagueiras


À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias


Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

Que auroras, que sol, que vida,


Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !

Oh! dias de minha infância !


Oh ! meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã !
Em vez de mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã !

Livre filho das montanhas,


Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos


Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo,
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que eu tenho


Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
104

À sombra das bananeiras,


Debaixo dos laranjais! (ABREU, 1859)

Publicado em 1859 no livro I da coletânea As primaveras, esse poema pertence


à segunda fase do romantismo, dentre cujas características se encontram o
saudosismo e o nacionalismo. O poeta retrata, pois, a saudade da infância,
descrevendo-a como um período cheio de alegrias. Apesar de não se tratar de
intertextualidade, trouxemos este poema para mostrar que a infância é vista, ao longo
dos tempos, como uma época bela e feliz. Trata-se de uma visão atemporal. Essa
beleza da infância é trazida à letra da canção para que, assim, seja possível descrever
a doçura, a alegria, o quanto é bom ter um amor correspondido.
Voltando à canção, temos, em sua estrutura, uma letra composta,
majoritariamente, por orações coordenadas e justapostas, o que nos remete à
simplicidade da infância, à ausência de complicações.
Nos primeiros versos, o eu-lírico compara seu amor a um sonho, fazendo uso
de uma metáfora. Os sonhos nos remetem a coisas boas. Pensando na definição de
metáfora dada por Forsyth – em que o autor diz que para que ela exista é necessário
que as coisas comparadas tenham, pelo menos, duas coisas em comum – podemos
pensar que, ao afirmar que seu amor é um sonho, as duas características do sonho
trazidas à tona nessa comparação são o fato de se tratar de algo que vem do nosso
inconsciente e também ao fato de estarem relacionados aos nossos desejos, medos,
anseios, que se manifestam enquanto dormimos.
Nos versos “e a gente canta / e a gente dança / e a gente não se cansa” temos
a repetição da conjunção “e”. A essa repetição dá-se o nome de polissíndeto, figura
de linguagem que consiste na repetição “desnecessária” de uma conjunção. Podemos
pensar que, nesses versos, a repetição da conjunção “e” se dá de modo a enfatizar a
soma de coisas boas que o amor proporciona, pois se trata de uma conjunção aditiva.
Ainda nos mesmos versos “e a gente canta / e a gente dança”, tempos a figura
do isócolon, também conhecido como paralelismo, que consiste na repetição de
construções sintaticamente idênticas. O uso de tal figura também contribui para a ideia
que se quer passar da soma de coisas conferidas à vida daqueles que amam e tem
seu amor correspondido.
105

A função do paralelismo é mostrar que os significados transmitidos


pelas construções paralelas são simétricos. Dessa forma, intensifica-
se o sentido veiculado por elas.
O que hoje se chama de paralelismo era denominado isócolon na
retórica clássica. O termo é formado do grego iso, que significa “igual”,
“semelhante”, “mesmo”, e kólon, que quer dizer “membro”, “parte”. É,
pois, a figura em que se repetem várias orações ou sintagmas com a
mesma extensão e a mesma organização sintática. Normalmente, os
isócolos são bimembres, trimembres (chamados tricolos) ou
quadrimembres (chamados tetracolos). [...] (FIORIN, 2014, p. 138)

Cantar, dançar e brincar nos remetem à felicidade. Ninguém canta, dança ou


brinca quando está triste.
O título da canção é um oximoro: Velha Infância. O oximoro consiste na
justaposição de duas palavras cujos conteúdos são contraditórios. São também
exemplos dessa figura justaposições como fogo frio ou silêncio ensurdecedor. Nos
dois últimos versos da terceira estrofe (a gente brinca / na nossa velha infância).
Podemos inferir do título que, embora o casal esteja na fase adulta, o amor que vivem
é belo e doce como a infância e traz a eles a felicidade característica dessa fase da
vida. É como se eles estivessem tendo uma infância tardia, devido ao sentimento que
os une.
Nos versos “e quando eu não te vejo / eu penso em você / desde o amanhecer
/ até quando eu me deito”, somos colocados diante de um eu-lírico que pensa o tempo
todo em seu amor, pois, quando não está junto dele, seus pensamentos são ocupados
pelo/a amado/a. Para intensificar, pois, essa ideia, é utilizada uma figura de linguagem
que recebe o nome de merisma, figura essa que consiste em falar de algo referindo-
se às partes que o compõem.
De acordo com Forsyth (2013, p.28-29, tradução nossa)

Merisma é quando você não diz sobre o que você está falando e, ao
invés disso, nomeia todas as suas partes. Senhoras e senhores, por
exemplo, é um merisma para pessoas, porque todas as pessoas são
senhoras ou senhores. A beleza do merisma é que ele é
absolutamente desnecessário. São palavras por amor às palavras:
uma torrente jorrante de invenções preenchida com nomes e nomes e
significando nada.16

16Merism is when you don’t say what you are talking about, and instead name all of its parts.
Ladies and Gentlemen, for example, is a merism for people, because all people are either
ladies or gentlemen. The beauty of merism is that it’s absolutely unnecessary. It’s words for
words’ sake: a gushing torrente of invention filled with noun and noun signifying nothing.
106

Desse modo, a ideia de que o eu-lírico pensa em seu amor o tempo todo é
intensificada.
No verso “Seus pés me abrem o caminho”, a sinédoque é utilizada, pois o eu-
lírico se refere aos pés de seu amor como abridor de caminhos, que representa a ideia
de que as coisas se tornam mais fáceis em sua presença, pois é mais fácil caminhar,
é mais fácil viver quando se tem alguém que nos ame, nos apoie e nos ajude a superar
os obstáculos impostos pela vida. Infere-se, também, aqui, a ideia de guiar alguém,
dentro do esquema de imagem de PERCURSO. Abrir caminho, significa, traçar um
percurso, onde ele ainda não existe.
Olhos como clarão eliminando a escuridão configuram uma metáfora
conceptual, em que ver é interpretado como conhecer, ou seja, só conhecemos, de
fato, aquilo que nossos olhos conseguem enxergar. Para ver, é necessário que haja
luz, obviamente. Pelo contexto, infere-se que o eu-lírico necessita da pessoa amada
para seguir sua vida, pois é esse amor que traz à sua vida a luz que permite conhecer
(ver) o caminho por onde andam.
Temos, também, a figura da hipálage, no verso “meu riso é tão feliz contigo”,
onde o adjetivo feliz usado para descrever o sorriso, quando, na verdade, está se
referindo ao eu-lírico.
Em termos de senso comum, essa canção tem, também caráter universal. Não
se prende a nada de concreto que representa a década em que foi composta.

4.6.2 Pássaro de fogo

Vai se entregar pra mim


Como a primeira vez
Vai delirar de amor
Sentir o meu calor
Vai me pertencer

Sou pássaro de fogo


Que canta ao teu ouvido
Vou ganhar esse jogo
Te amando feito um louco
Quero teu amor bandido

Minha alma viajante


Coração independente
Por você corre perigo
Tô afim dos teus segredos
De tirar o teu sossego
107

Ser bem mais que um amigo

Não diga que não


Não negue a você
Um novo amor
Uma nova paixão
Diz pra mim

Tão longe do chão


Serei os teus pés
Nas asas do sonho rumo ao teu coração
Permita sentir
Se entrega pra mim
Cavalgue em meu corpo, minha eterna paixão (FERNANDES, 2009)

A canção Pássaro de fogo foi escrita e gravada pela cantora Paula Fernandes
no ano de 2009.
Paula Fernandes é uma cantora e compositora brasileira, cujas canções
pertencem ao gênero sertanejo.
Embora o cenário da música sertaneja seja marcado pela predominância de
cantores solo e duplas masculinos, a cantora e compositora mineira conseguiu se
inserir nesse meio, sendo um dos destaques entre os artistas do gênero.
Foi com seu quinto álbum gravado em estúdio que Paula Fernandes alcançou
o sucesso nacional, no ano de 2009. A canção Pássaro de fogo, faixa título desse
álbum, ficou na primeira posição em várias paradas de música no Brasil. A partir de
então, a cantora emplacou vários sucessos e teve, inclusive, músicas suas em trilhas
de novelas da rede Globo. Algumas delas são a canção Jeito de Mato, que fez parte
da trilha sonora da novela Paraíso e Um ser amor, tema do casal protagonista de
Amor à vida.
Pássaro de fogo, apesar de ter sido composta e interpretada por uma artista
mulher, conta com um eu-lírico masculino, como podemos perceber em passagens
como “te amando feito louco” e ser bem mais que um amigo”.
O título da música tem dupla referência. Uma delas remete ao folclore russo,
em que o pássaro de fogo é um pássaro mágico de penas brilhantes e que tem a
propriedade tanto de orientar positivamente os humanos quanto a de trazer-lhes
ilusões inúteis. A outra referência é o balé L’oiseau de feu, obra do compositor russo
Igor Stravinsky, levada à cena em 1910, com o mesmo tema do pássaro do folclore
russo.
108

O eu-lírico, agindo como o pássaro de fogo do folclore russo, tanto pode ser
honesto quanto usar truques para conquistá-la. O autor usa, logo a seguir, a metáfora
do jogo (vou ganhar esse jogo). Os jogos, como sabemos, são eventos de soma zero.
Para que um ganhe, o outro tem de perder.
Os versos “Vai se entregar pra mim / como a primeira vez / vai delirar de amor
/ sentir o meu calor / vai me pertencer” sugerem, ainda, com uma conotação sexual,
o antigo frame em que, no relacionamento amoroso, a mulher passa a ser posse do
homem. O penúltimo verso da música “Se entrega para mim” corrobora essa ideia.
Nos versos “Vai delirar de amor” e “te amando feito um louco” somos colocados
diante de uma metáfora da vida cotidiana descrita por Lakoff e Johnson (1985), em
que os autores afirmam que, dentre as metáforas que descrevem o amor, se encontra
aquela que diz que “o amor é loucura” (love is madness). Daí o fato de dizermos que
somos loucos por alguém, ou, no caso da canção “delirar de amor” e “amar feito louco”
vão ao encontro dessa metáfora.
Nos versos “minha alma viajante, coração independente / Por você corre
perigo”, podemos notar a afirmação indireta de que o amor é perigoso para o homem,
pois tira sua independência. Temos, nesses versos, a personificação metonímica do
coração e da alma, pois lhes são conferidas características humanas como o fato de
ser viajante e a independência.
Lakoff e Johnson (1985) afirmam que a personificação é um tipo de metáfora
ontológica, que, de acordo com os autores, é o tipo de metáfora que tem como base
nossas experiências com objetos ou com nosso próprio corpo, ou seja, nos faz ver
eventos, atividades, emoções, ideias, etc., como entidades como ou substâncias.
Sobre a personificação, os autores fazem as seguintes considerações.

Provavelmente as metáforas ontológicas mais óbvias são aquelas


onde o objeto físico é mais profundamente especificado como sendo
uma pessoa. Isso nos permite compreender uma vasta variedade de
experiências com entidades não humanas em termos de motivações,
características e atividades humanas.17 (LAKOF & JOHNSON, 2003,
p.33, tradução nossa)

Ainda sobre a personificação, os autores dizem o seguinte:

17 Perhaps the most obvious ontological metaphors are those where the physical object is
further specified as being a person. This allows us to comprehend a wide variety of
experiences with nonhuman entities in terms of human motivations, characteristics, and
activities.
109

O ponto aqui é que a personificação é uma categoria geral que cobre


uma série muito grande de metáforas cada uma selecionando
diferentes aspectos de uma pessoa ou maneiras de olhar para uma
pessoa. O que elas todas têm em comum é que elas são extensões
de metáforas ontológicas e que elas nos permitem fazer sentido de
fenômenos do mundo em termos humanos – termos que nós podemos
entender com base em nossas próprias motivações, objetivos, ações
e características.18 (LAKOF; JOHNSON, 2003, p.34, tradução nossa)

A metonímia está presente na substituição do topo por uma parte nos versos
“tão longe do chão/serei os teus pés”. Trata-se da utilização da imagem dos pés para
se referir a um todo. Ao afirmar que serão os pés de sua amada, o eu-lírico se refere
ao fato de guiá-la, de conduzi-la e de ajudá-la a “voltar à realidade”, caso seja
necessário, pois uma metáfora que faz parte de nossas vidas é a de “ter os pés no
chão”, que representa a ideia de sermos racionais, de não nos iludirmos, de estarmos
atentos à realidade.
Amor bandido sugere um relacionamento amoroso fora das convenções. No
último verso, (cavalgue com meu corpo) há a sugestão de amor físico, com energia,
de caráter animal. Encontramos algo semelhante no último verso do poema de
Drummond, Quarto em Desordem:

Quarto Em Desordem

Na curva perigosa dos cinquenta


derrapei neste amor. Que dor! que pétala
sensível e secreta me atormenta
e me provoca à síntese da flor

que não sabe como é feita: amor


na quinta-essência da palavra, e mudo
de natural silêncio já não cabe
em tanto gesto de colher e amar

a nuvem que de ambígua se dilui


nesse objeto mais vago do que nuvem
e mais indefeso, corpo! Corpo, corpo, corpo

verdade tão final, sede tão vária

18
The point here is that personification ia a general category that covers a very wide range of
metaphors, each picking out different aspects of a person or ways of looking at a person. What
they all have in common is that they are extensions of ontological metaphorsand that they
allow us to make sense of phenomena in the world in human terms – terms that we can
understand on the basis o four own motivations, goals, actions and, characteristics.
110

a esse cavalo solto pela cama


a passear o peito de quem ama. (ANDRADE, s/r)

Apesar de não haver intertextualidade, trouxemos o poema para mostrar a


utilização da figura do cavalo e do ato de cavalgar para se referir ao amor físico,
sexual.
Nessa música, encontramos, ainda, o frame de que o amor é um sentimento
que oferece perigo ao homem, tira sua liberdade, e de que a mulher é algo que se
ganha em um jogo, em que o homem pode até mesmo usar recursos ilegítimos (o
pássaro de fogo pode mentir, para seduzir). O amor é reduzido ao seu aspecto físico,
sexual, e o esquema de imagem é o de CONTATO, portanto, indução do sentido do
tato, incluindo o calor, que é induzido pelo próprio título: Pássaro de Fogo.

4.6.3 Se eu não te amasse tanto assim

Meu coração, sem direção


Voando só por voar
Sem saber onde chegar
Sonhando em te encontrar
E as estrelas
Que hoje eu descobri
No seu olhar
As estrelas vão me guiar

Se eu não te amasse tanto assim


Talvez perdesse os sonhos
Dentro de mim
E vivesse na escuridão
Se eu não te amasse tanto assim
Talvez não visse flores
Por onde eu vim
Dentro do meu coração

Hoje eu sei, eu te amei


No vento de um temporal
Mas fui mais, muito além
Do tempo do vendaval
Nos desejos
Num beijo
Que eu jamais provei igual
E as estrelas dão um sinal (VALLE; VIANA, 1999)

Ivete Sangalo iniciou sua carreira no ano de 1983, mas o grande sucesso da
cantora viria em 1993, quando foi convidada pelo produtor Jorge Cunha para integrar
111

a Banda Eva, da qual foi vocalista por 6 anos. Em 1999, Ivete deixou a banda para
seguir carreira solo.
Ivete é até hoje um dos grandes nomes da música brasileira. A cantora conta
com um histórico cheio de premiações. Indicada ao Grammy vinte e uma vezes, a
cantora levou para casa três troféus. Venceu, também, dezenove vezes o Prêmio
Multishow da música Popular Brasileira, ao qual teve um total de trinta e cinco
indicações. Em 2002, a música Festa foi uma espécie de hino do pentacampeonato
da seleção brasileira de futebol. Além disso, Ivete alcançou a incrível marca de mais
de um milhão e oitocentas mil cópias vendidas de seu DVD Ao vivo no Maracanã, no
ano de 2008, o que rendeu à cantora o status de maior vendedora de DVDs no mundo.
Alguns dos grandes sucessos da cantora, além das músicas Festa e Se eu não
te amasse tanto assim, mencionados anteriormente, são: Beleza rara e Eva (em
carreira na Banda Eva); Flor do reggae, Carro velho, A lua que eu te dei, Quando a
chuva passar, Abalou, Canibal e Sorte grande (em carreira solo).
A música Se eu não te amasse tanto assim foi gravada por Ivete, no ano de
1999, em um álbum que tinha como título o nome da cantora (Ivete Sangalo). No
entanto, a canção foi lançada no ano seguinte, como terceira música de trabalho do
álbum, tornando-se um grande sucesso romântico que alavancou sua carreira solo.
No início da canção, temos a imagem do PERCURSO, pela figura do coração
que voa sem saber onde chegar. Sabemos que o PERCURSO é composto por três
partes (ORIGEM, TRAJETO e META). O fato de não saber onde chegar configura ao
coração, que representa o eu-lírico, a ausência de uma meta, o que caracteriza um
andar sem rumo, mostrando que ele se encontra perdido, buscando por seu amor.
No entanto, essa situação muda logo em seguida, quando o eu-lírico descobre
em seu amor uma luz capaz de guiá-lo (E as estrelas / que hoje eu descobri / no seu
olhar / as estrelas vão me guiar). As estrelas aparecem como guias, em uma alusão
à estrela que conduziu os Reis Magos até a manjedoura onde estava o Menino Jesus.
A imagem do coração como contêiner aparece nessa canção nos versos “talvez
não visse flores/por onde eu vim/dentro do meu coração”. As flores, nesse caso, são
uma metáfora que utilizamos muito em nosso dia a dia, a partir do senso comum de
que flores são coisas boas, têm valência positiva. Um exemplo disso é a expressão
“nem tudo são flores”. Essa metáfora é utilizada para construir a imagem de algo bom.
As flores dentro do coração corroboram a ideia de que o amor traz para o eu-lírico
coisas boas, sentimentos bons, alegria.
112

Outro exemplo da presença da imagem do contêiner pode ser notado no verso


“talvez perdesse os sonhos dentro de mim”, pois o eu-lírico aparece como o contêiner
dentro do qual estão guardados os seus sonhos. Essa imagem contribui para a ideia
que se quer passar de que, se não houvesse o amor, ela poderia deixar de ter sonhos
e até mesmo deixar de acreditar que esses eles poderiam se realizar.
Em termo de construção, temos o poliptoto, figura de retórica que consiste no
uso de uma mesma palavra em formas distintas, ou palavras de mesma origem
etimológica, dento de uma mesma frase. Essa figura é utilizada na canção no verso
“mas fui mais, muito além”, com o uso das palavras mas (conjunção adversativa) e
mais (advérbio).
O uso da oração condicional “se eu não te amasse tanto assim” serve de modo
a criar uma imagem de como seria a vida do eu-lírico na ausência do amor.
Nos versos “Hoje eu sei, eu te amei / no vento de um temporal / mas fui mais,
muito além/do tempo do vendaval”, temos a presença de uma figura retórica de som,
que recebe o nome de paronomásia. Essa figura consiste no uso de palavras que tem
sons parecidos, mas que diferem em significado. Segundo Abreu (2009), a
paronomásia “consiste em utilizar palavras de sonoridades parecidas e sentidos
diferentes.” (p.112).
Em termos de senso comum, temos a mulher apaixonada, que acredita que a
vida é muito melhor quando se tem um grande amor. Por se tratar de uma música da
década de 2000, em que as mulheres são mais independentes e empoderadas e
muitas delas priorizam a vida profissional, deixando o pessoal em segundo plano,
podemos dizer que não se trata de uma música que retrata o senso comum das
mulheres em geral, mas apenas de uma parte do público feminino.

4.7 Década de 2010

Uma crise econômica mundial afetou, principalmente, os países da União


Europeia. A crise migratória na Europa também aconteceu nesse período.
Regimes ditatoriais foram depostos no norte da África com a Primavera Árabe.
O grupo Estado Islâmico emergiu, tendo como forma de intimidação a morte de reféns.
Devem-se destacar os ataques por parte desse grupo na cidade de Paris, em
113

novembro de 2015, que fizeram com que a França se aliasse à Rússia em


bombardeios às áreas controladas pelo Estado Islâmico.
Casos de corrupção no Vaticano foram denunciados devido ao roubo de
documentos secretos do Estado. Em 2013, o papa Bento XVI abdicou do pontificado
por problemas de saúde e foi sucedido pelo Papa Francisco, primeiro latino-americano
a ocupar o posto mais alto na Igreja Católica.
No Brasil, a década foi marcada por tragédias e escândalos. Dentre os
acontecimentos trágicos que ocorreram em nosso país durante esse período,
devemos destacar o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, no
dia 27 de janeiro de 2013, que resultou em 242 mortes, além de deixar outras 680
pessoas feridas.
Um outro evento que marcou de maneira trágica a história do país nesse
período foi a ruptura de uma barragem da empresa Vale, em Mariana, no estado de
Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015. O desastre foi o responsável pelo maior
impacto ambiental na história do Brasil.
No dia 25 de janeiro de 2019, houve o rompimento de uma outra barragem da
mesma empresa, desta vez, na cidade de Brumadinho, MG. A tragédia resultou na
morte confirmada de 165 pessoas e, até maio, do mesmo ano, 155 corpos ainda
estavam desaparecidos.
Vários escândalos políticos chamaram atenção no cenário brasileiro nesta
década. Ocorreu o julgamento do Mensalão, que resultou na condenação de ex-
ministros com penas que variaram de multa a prisão em regime fechado.
A operação Lava Jato foi responsável pela apuração de um rombo na Petrobrás
e ocasionou a prisão de vários políticos, dentre os quais se encontrava o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
Também na década de 2010, tivemos, no Brasil, a primeira presidente mulher.
Dilma Roussef foi eleita no ano de 2010, como sucessora de Lula. Em 2013, protestos
aconteceram em todo o país devido ao aumento da inflação. Com isso, a presidente
propôs uma reforma política, que não chegou a ocorrer. Dilma foi reeleita em 2014,
no entanto, não chegou a concluir seu segundo mandato, pois, acusada de crimes de
responsabilidade fiscal, sofreu o impeachment, e seu vice, Michel Temer, assumiu a
presidência do país.
No ano de 2018, o ex-presidente Lula foi preso, acusado de corrupção e
lavagem de dinheiro.
114

Nesse mesmo ano, Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil em uma
eleição marcada pela divisão entre uma esquerda defensora de Lula e do Partido dos
Trabalhadores, que tentou eleger Fernando Haddad, para que ele desse continuidade
ao governo esquerdista que já estava no poder há 16 anos, e uma direita insatisfeita
com o rumo tomado pela política no país e, na tentativa de mudanças, elegeu
Bolsonaro.
Na música, devemos destacar, no cenário mundial, artistas pop como Lady
Gaga, Rihanna, Katy Perry, entre outras, que tiveram grande sucesso nessa década.
Adele, com uma vertente mais romântica, também foi um nome a ser destacado nesse
período. Entre o público teen, artistas como o cantor Justin Bieber e a banda One
Direction foram grandes destaques. Importante ressaltar que todos esses artistas
foram muito escutados no Brasil, tendo suas músicas nas paradas de sucesso,
juntamente com canções nacionais.
A parada americana Billboard Hot 100 teve, pela primeira vez, uma artista a ter
cinco músicas do mesmo álbum ocupando o primeiro lugar entre as músicas de maior
sucesso. A cantora Katy Perry foi responsável por esse marco, com seu álbum
Teenage Dream, lançado em 2010.
O pop e a dance music foram ritmos de grande popularidade mundial na década
de 2010.
No Brasil, o funk e o arrocha alcançaram significante popularidade entre as
grandes massas. Na MPB, tivemos cantores como Sandy, Maria Gadu, Tiago Iorc,
entre outros, que se destacaram no cenário musical. No entanto, o sertanejo continuou
a ser o ritmo mais popular entre os brasileiros. Duplas já consagradas, como Zezé di
Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, Chitãozinho e Xororó, juntamente com um
grande número de novas duplas e artistas solo, como Gusttavo Lima, Luan Santana
e Michel Teló, continuaram a emplacar grandes sucessos e fizeram com que esse
gênero fosse o mais tocado nas rádios do país.
Algo importante a ser mencionado é o surgimento e estabelecimento, na mídia,
de duplas e artistas solo femininas, como Paula Fernandes, Simone e Simaria, Maiara
e Maraisa, Naiara Azevedo e Marília Mendonça, que, pela primeira vez, conseguiram
posição de destaque no universo sertanejo, até então dominado por homens.
115

4.7.1 Esse cara sou eu

O cara que pensa em você toda hora


Que conta os segundos se você demora
Que está todo o tempo querendo te ver
Porque já não sabe ficar sem você

E no meio da noite te chama


Pra dizer que te ama
Esse cara sou eu

O cara que pega você pelo braço


Esbarra em quem for que interrompa seus passos
Está do seu lado pro que der e vier
O herói esperado por toda mulher

Por você ele encara o perigo


Seu melhor amigo
Esse cara sou eu

O cara que ama você do seu jeito


Que depois do amor você se deita em seu peito
Te acaricia os cabelos, te fala de amor
Te fala outras coisas, te causa calor

De manhã você acorda feliz


Com um sorriso que diz
Esse cara sou eu
Esse cara sou eu

Eu sou o cara certo pra você


Que te faz feliz e que te adora
Que enxuga seu pranto quando você chora
Esse cara sou eu
Esse cara sou eu

O cara que sempre te espera sorrindo


Que abre a porta do carro quando você vem vindo
Te beija na boca, te abraça feliz
Apaixonado te olha e te diz
Que sentiu sua falta e reclama
Ele te ama
Esse cara sou eu

Esse cara sou eu


Esse cara sou eu
Esse cara sou eu
Esse cara sou eu (CARLOS, 2012)

Um dos artistas de maior sucesso na música brasileira é Roberto Carlos. O Rei,


como é conhecido, iniciou sua carreira em 1960, transitando, a partir daí, por
diferentes estilos musicais. O cantor e compositor começou sua história na música
116

sob influência da bossa nova e do samba-canção, migrando tempos depois para o


rock, fazendo sucesso com inúmeras composições e gravações, muitas delas em
parceria com Erasmo Carlos, que, juntamente com o Rei, fez parte do movimento da
jovem-guarda. Na década de 70, Roberto passa a adotar um estilo mais romântico,
deixando, então, o rock “de lado”.
Sucesso até hoje, Roberto Carlos é o artista solo a vender mais álbuns na
história da música brasileira história. Prova de seu sucesso atemporal é a canção que
analisaremos a seguir, Esse cara sou eu, um grande sucesso nacional composto e
interpretado pelo Rei.
A canção Esse cara sou eu, escrita e gravada por Roberto Carlos, no ano de
2012, foi um grande sucesso. Trilha sonora da novela global Salve Jorge, transmitida
em horário nobre, a canção, apesar de dividir opiniões, foi uma das mais tocadas na
época. Sua temática trata do “homem ideal” para uma mulher.
Em uma época de independência feminina, em que as mulheres estão cada
vez mais “empoderadas”, sendo que muitas não aceitam depender de seus cônjuges,
tendo seu próprio trabalho, ganhando seu próprio dinheiro, além de muitas não
quererem chegar ao matrimônio, afirmando serem a independência e a liberdade as
melhores escolhas, muitas mulheres ainda sonham com um grande amor, com aquele
homem ideal, perfeito.
É esse o homem apresentado por Roberto Carlos nessa canção. O homem que
faz tudo que a mulher, teoricamente, gostaria que ele fizesse.
O título da canção contém uma referenciação catafórica: “esse cara”. As
referências vão sendo incluídas na letra, por meio de orações adjetivas que incluem
os valores que se espera sejam apreciados pela mulher em seu companheiro:
necessidade de presença, proteção, amizade, sexo, carinho, bom humor, capacidade
de ajudar a superar problemas pessoais (que enxuga seu pranto quando você chora).
Pode-se dizer que essa letra configura uma espécie de paradoxo. Enquanto o mais
comum é o homem exaltar, em uma música, a figura da mulher amada, essa canção
é uma espécie de autoexaltação.
Em termos retóricos, pode-se dizer que o autor faz uso de um lugar da
argumentação chamado de lugar de pessoa. Se o título é catafórico, os versos finais
(refrão repetido) têm um caráter anafórico. Em termos de esquemas de imagem,
temos o esquema do contato social, materializado por pegar no braço; de percurso,
117

quando impede que alguém lhe interrompa os passos; de contato físico amoroso,
durante a noite em que o casal faz amor.
Em um momento histórico-social em que a mídia põe foco na figura da mulher,
levantando temas objetivos como paridade salarial, de papeis sociais etc., Roberto
Carlos inverte a equação, trazendo o tema da visão subjetiva dos afetos, por meio da
realização amorosa.

4.7.2 Moda derramada

Se o seu plano era me ver sofrer


Cê ta de parabéns
Ele ta dando certo
Eu já tô no boteco
E não paro de beber

Não desejo o que tô passando pra ninguém


Nem meu melhor amigo, bebe mais comigo
Cansou de ouvir sobre você

A mesma conversa de sempre


Você some, não responde, não me atende
E todo mundo tá sabendo tudo que você apronta
Eu fico remoendo

Garçom desce mais uma


Mas pode trazer a mais gelada
Aumenta o som aí que a moda é derramada
Eu viro outro copo e grito a ô paixão
Essa tá gelada igual o seu coração (AGRA et.al., 2015)

A música Moda derramada foi composta por Gabriel Agra, Leandro Rojas,
Gregory Castro e Celi Junior e gravada pela dupla sertaneja João Neto e Frederico,
no ano de 2015.
João Neto e Frederico formam uma das duplas que compõem o cenário do
sertanejo universitário. A dupla foi revelada ao país no ano de 2007, com o lançamento
de um álbum intitulado Acústico ao vivo. Após isso, os irmãos se tornaram conhecidos
em todo o país.
No título, Moda Derramada, moda é derivada da palavra modinha que
significava uma antiga composição popular urbana surgida no século XVIII, em
Portugal e no Brasil, com temática amorosa e, muitas vezes de caráter humorístico.
118

Derramada é uma metáfora para apaixonada. Numa tradução literal, o título da


música poderia ser “Canção apaixonada”.
Temos, na letra dessa canção, uma linguagem bem mais coloquial, presente
em um grande número de palavras e expressões, tais como “cê tá”, “tô passando”,
“todo mundo tá sabendo”, “você apronta”, “desce mais uma”, “moda derramada”, “aô,
paixão”, “tá gelada”, “boteco”, “viro outro copo”. O ambiente em que o eu lírico se
encontra é simples, informal (um boteco), cenário comum às músicas sertanejas
atuais.
O uso da linguagem coloquial e a simplicidade do cenário servem como meio
de aproximação do público. Desse modo, os ouvintes conseguem, por muitas vezes,
se identificar com aquilo que é cantado, pois se trata de expressões, gírias e locais
comuns a grande parte do auditório que se interessa por essas canções.
O verso “você some, não responde, não me atende” nos remete ao uso da
tecnologia e das redes sociais. Diferentemente da carta presente na música Garçom,
temos, nessa canção, referências a ligações e mensagens não respondidas,
mensagens essas que trazem para o cenário da música as redes sociais tão utilizadas
por nós nos dias de hoje, tanto que têm, na maioria das vezes, substituído as ligações.
Uma figura de linguagem muito conhecida é a comparação, que pode ser
notada no verso “essa tá gelada igual seu coração” nos traz. De acordo com Forsyth
(2013), na comparação e na metáfora, apontamos algumas características que os
elementos comparados têm em comum. Essas características devem ser, no mínimo,
duas, uma que seja óbvia e outra que fique subentendida. O autor afirma que dizer
que o coração de alguém é “gelado como o gelo” não é a mesma coisa de dizer que
ele é “gelado como o sorvete”, pois quando comparado ao gelo, temos uma
característica óbvia, que é a temperatura, mas não é apenas isso que assemelha os
dois elementos comparados. Existe uma outra qualidade, esta subentendida, que é a
dureza. O coração não é apenas gelado, mas também duro como o gelo.
O tom geral da música é a ironia, pois o eu-lírico acredita que o objetivo da
pessoa amada era vê-lo sofrendo de amor e ele a parabeniza, de maneira irônica, por
ter conseguido fazer isso. (Se seu plano era me ver sofrer / Cê tá de parabéns).
A ação de “matar as mágoas na mesa de um bar” repete a tradição das
décadas de 50 e 60. A modernidade do século XXI aparece na sugestão do uso da
comunicação a distância por meio de dispositivos tecnológicos, tais como o telefone
celular.
119

4.7.3 Dez por cento

Tô escorada na mesa
Confesso que eu quase caí da cadeira
E esse garçom não me ajuda
Já trouxe a vigésima saideira

Já viu o meu desespero


E aumentou o volume da televisão
Sabe que sou viciada
E bebo dobrado ouvindo um modão

A terceira música nem acabou


Eu já tô lembrando da gente fazendo amor
Celular na mão, mas ele não tá tocando
Se fosse ligação, nosso amor seria engano, seria engano

Garçom, troca o DVD


Que essa moda me faz sofrer
E o coração não guenta
Desse jeito você me desmonta
Cada dose cai na conta e os 10% aumenta

Garçom, troca o DVD


Que essa moda me faz sofrer
E o coração não guenta
Desse jeito você me desmonta
Cada dose cai na conta e os 10% aumenta

Aí cê me arrebenta!
E o coração não guenta
E os 10% aumenta (AGRA; DÁVILLA, 2016)

Dez por cento é uma música que foi composta por Gabriel Agra / Danillo
Dávilla e gravada pela dupla Maiara e Maraísa, em 2016.
A dupla é, hoje, um dos grandes nomes da música sertaneja no Brasil. Cantoras
e compositoras, as gêmeas começaram a conhecer o sucesso com a gravação da
música No dia do seu casamento, no ano de 2013; a canção obteve mais de 1 milhão
de acessos na internet. No mesmo ano, as irmãs lançaram um álbum com
composições próprias e, em 2015, gravaram seu primeiro DVD, no qual foi gravada a
canção Dez por cento, que foi uma das músicas mais tocadas no Brasil, no ano de
2016. Desde então, a dupla ocupa posição de destaque no cenário da música
sertaneja brasileira.
A letra da canção Dez por cento nos apresenta uma diferença muito
significativa quando comparada a outras letras sertanejas, como, por exemplo, Moda
derramada, canção analisada anteriormente, pois, desta vez, é a mulher quem
120

assume o lugar de sofredora e é ela quem está no bar bebendo para esquecer um
amor. A mulher, ocupando um lugar que até então era retratado como um ambiente
masculino, mostra o empoderamento feminino e sua ascensão na sociedade.
A linguagem é bastante coloquial, assim como na música Moda derramada, o
que podemos notar na presença de palavras e expressões como “tô escorada na
mesa”, “saideira”, “modão”, “não tá tocando”, “essa moda”, “não guenta”. Isso faz com
que haja uma identificação maior do público com a a canção, por ouvirem expressões
comuns àquelas que utilizam no dia a dia.
Os elementos tecnológicos estão fortemente presentes nessa letra: “aumentou
o volume da televisão”, “garçom, troca o DVD”, “celular na mão”, o que nos remete
mais uma vez à forte presença da tecnologia em nosso cotidiano. Hoje em dia,
praticamente todos nós saímos e levamos conosco o celular.
Encontramos ainda, na letra dessa música, uma referência prosaica ao frame
da gorjeta, hoje chamada de taxa de serviço, que são os 10% mencionados no verso
“cada dose cai na conta e os 10% aumenta”.
Nos versos “Desse jeito você me desmonta” e “Aí cê me arrebenta”, temos a
presença de metáforas não elaboradas, bastante prosaicas empregadas na
linguagem do dia a dia. Arrebentar e desmontar nos remetem a imagens de coisas
que não estão em seu estado perfeito. Coisas desmontadas e arrebentadas não
funcionam. Ao utilizar essas metáforas, o eu-lírico mostra o estado decadente em que
se encontra devido ao sofrimento amoroso.
Em termos de senso comum, essa música reflete o momento atual em que a
mulher é protagonista, mas mimetiza o comportamento masculino tradicional desde o
século passado, o de “afogar as mágoas na mesa de um bar”. Seria uma espécie de
cantiga de amigo do século XXI. Essas cantigas tinham como característica um eu-
lírico feminino que cantava o amor e dialogava com suas amigas ou com sua mãe,
relatando a alegria de ter encontrado o amado ou a tristeza de sua ausência, muitas
vezes devido ao fato de ele ter ido para a guerra.
As duas músicas analisadas anteriormente, pertencem a um gênero musical de
sucesso nessa época: o sertanejo universitário. Ouvido por grande parte da população
brasileira e sendo um dos ritmos mais tocados nas rádios de nosso país, trata-se uma
vertente de um gênero que começou a ser produzido no Brasil em 1910.
A primeira música sertaneja, como se conhece hoje, surgiu, de acordo com
informações encontradas no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, no
121

ano de 1929, “quando Cornélio Pires, pesquisador, compositor, escritor e humorista,


começou a gravar "causos" e fragmentos de cantos tradicionais rurais da região
cultural caipira”. Naquela época, as letras tinham como tema principal a vida no
campo, em oposição à vida nas grandes cidades. Havia, nas letras, uma atmosfera
bucólica. Esse sertanejo era e ainda hoje é chamado de sertanejo raiz, metáfora
utilizada para nos remeter à ideia de algo que vem da terra, pois trata-se de uma
música de origem rural, absolutamente ligada à vida no campo.
Após a Segunda Guerra Mundial, alguns novos instrumentos passaram a ser
usados na interpretação dessas músicas, e as letras passaram a apresentar alguns
traços de romantismo. Então, em 1960, a guitarra elétrica foi incorporada e, em 1980,
as letras passaram a ficar cada vez mais românticas. Havia também a influência da
música country norte-americana, assim como o estilo cowboy de vida (roupas,
rodeios, feiras agropecuárias).
Finalmente, nos anos 2000, um novo tipo de sertanejo, o “sertanejo
universitário”, surge no cenário musical do nosso país. A metáfora que dá título a esse
gênero musical surge devido ao fato de ser um tipo de música escutado,
majoritariamente, por alunos de universidades. É uma música mais urbana e mais
jovem. Trata-se de um tipo de música que podemos separar em três diferentes
vertentes: a primeira trata daquele sertanejo que é cantado por duplas que
denominamos, neste trabalho, “novos caipiras”, já que são, de certa forma, similares
àquelas do sertanejo raiz; a segunda é o sertanejo romântico, que nos traz músicas
que falam, na maioria das vezes, do sofrimento amoroso, que seguem, em alguns
aspectos, a tendência das músicas sertanejas dos anos 80; por fim, a terceira é o
sertanejo cujas letras têm como tema bebidas, festas, dinheiro e mulheres.
O “novo caipira” tem como tema de suas letras o retrato da vida no campo ou
no interior e o homem que é, como eles gostam de se intitular, bruto, rústico e
sistemático. Esse tipo de música faz muito sucesso na região de Marília, SP e,
também, no Paraná, onde cursos de Ciências Agrárias são muito populares.
A canção apresentada a seguir ilustra muito bem essa vertente do sertanejo.
Intitulada Bruto, rústico e sistemático, a música gravada pela dupla João Carreiro e
Capataz retrata o pensamento e as opiniões desse tipo de homem:

Tudo que dá na TV minha muié qué fazê


Não mede as consequências
122

Fez um tar de topless


Quando vi me deu um stress
Perdi minha paciência
Por mim faltaram respeito
Na muié eu dei um jeito
Corretivo do meu modo
No quarto deixei trancada
Quinze dias aprisionada
E com ela não incomodo
Aqui não
Posso até não ser simpático
Comigo não tem desculpa
Minha criação é xucra
A verdade ninguém furta
Sou bruto, rústico e sistemático
Fim de semana passada
Conheci o namorado da minha filha caçula
Achei que não deu pareia
Tava de brinco na orelha
E o corpo cheio de figura
Não suportei muito tempo
Nesse relacionamento eu tive que opinar
Sujeitinho era roqueiro
Não dá certo com violeiro
Nós num ia combinar
Aqui não
Posso até não ser simpático
Comigo não tem desculpa
Minha criação é xucra
A verdade ninguém furta
Sou bruto, rústico e sistemático
Sistema que fui criado
Ver dois homem abraçado
Pra mim era confusão
Mulher com mulher beijando
Dois homens se acariciando
Meu Deus, que decepção
Mas nesse mundo moderno
Não tem errado e nem certo
Achar ruim é preconceito
Mas não fujo à minha essência
Pra mim isso é indecência
Ninguém vai mudar meu jeito (CAPATAZ; CARREIRO, 2009)

Podemos perceber, nessa letra, que um homem “bruto, rústico e sistemático” é


daquele que vive à moda antiga, que tem os mesmos princípios e valores do homem
do campo da época em que o sertanejo raiz era produzido. Esse homem é
preconceituoso, não aceita coisas da modernidade, tais como tatuagens, homens
usando brincos, relacionamentos homoafetivos, entre outras que são expressas na
canção.
123

O padrão de homem apresentado nessas músicas, que é aquele que se veste


como cowboy, que não fala o português padrão e que não é muito educado, tem se
tornado cada dia mais popular e, embora muitas pessoas tenham preconceito com
relação a esse tipo de pessoa, especialmente no que diz respeito à maneira como
eles falam (preconceito linguístico) e às roupas que eles vestem, não se sentem
discriminados; pelo contrário, eles gostam de ser reconhecidos por seus gostos,
preferências e pelo modo como falam e se comportam.

Demoremo, mas cheguemo


Nós cemo caipira memo
Cemo porque cemo e também porque queremo
Cemo porque cemo e também porque queremo
Nós não é tatu, mas nós gosta de raiz
Um par de buraco deixa nóis muito feliz
Buraco com cobra perto, Deus a livre, isola
Igual gato de chuteira, cavuco na capoeira
Eu vazo, eu tô fora!
Demoremo, mas cheguemo
Nós cemo caipira memo
Cemo porque cemo e também porque queremo
Cemo porque cemo e também porque queremo
Nós não é cabrito, com moda boa nóis berra
Viado nóis vê de longe, nóis atira e não erra
Se chamar nóis pro soco, é sete palmo de terra
Se chamá nóis pra jogá bola, pode levá a sacola porque nóis
atropela
Demoremo, mas cheguemo
Nós cemo caipira memo
Cemo porque cemo e também porque queremo
Cemo porque cemo e também porque queremo
Quem falou que nóis não vinha tava muito enganado
Quem jogou praga ni nóis e probrema deu errado
Tem uns tal de crítico com uns papo furado
Certeza é só dá morte, nós tem fé, nós tem sorte
O resto com Deus tá guardado
Demoremo, mas cheguemo
Nós cemo caipira memo
Cemo porque cemo e também porque queremo
Cemo porque cemo e também porque queremo (CARREIRO;
CAPATAZ, 2012)

Essa outra letra, também de uma música gravada por João Carreiro e Capataz,
mostra o uso da língua de forma bastante distante da língua padrão. Existem
problemas de conjugação verbal, bem como de concordância verbal e nominal.
A realidade do novo caipira, ou caipira moderno, é, portanto, diferente da
imagem que temos em mente, quando pensamos na figura do homem que
124

consideramos tradicionalmente como caipira. Os novos caipiras não são parte de uma
determinada classe social e não estão apenas entre os estudantes de Ciências
Agrárias ou pessoas que trabalham no ramo. Pessoas de classes sociais mais altas
ou que estudam e trabalham em áreas completamente diferentes das Agrárias
adotaram esse “estilo de vida”. Muitas vezes, a maneira como eles falam, não
seguindo os padrões da língua, não se dá pelo fato de não saberem a língua padrão
e, sim, pelo fato de que eles querem falar a variação que é falada pelo grupo, já que
querem pertencer a ele.
A segunda vertente do sertanejo universitário traz, em suas letras, relatos de
festas, muita bebida, mulheres. Essas músicas retratam um homem que bebe muito,
tem vários envolvimentos “amorosos” e passa noites em festas.
Um exemplo dessas canções é Balada Louca, gravada pela dupla Munhoz e
Mariano:

Meu Deus do céu aonde é que eu tô?


Alguém me explica, me ajuda por favor?
Bebi demais na noite passada
Eu só me lembro do começo da balada

Alguém do lado, aqui na mesma cama


Nem sei quem é mas tá dizendo que me ama
Cabeça tonta, cheirando cerveja
O som no talo só com moda sertaneja

Cadê meu carro, cadê meu celular?


Que casa é essa?
Onde é que eu vim parar?

O sol rachando, já passou do meio dia


Daqui não saio, daqui ninguém me tira
Achei meu carro dentro da piscina
E o celular no microondas da cozinha

DJ mais louco que o Padre do Balão


Remixando até as modas do Tião
Dá um remédio preciso "miorá"
Que pelo jeito a festa aqui não vai parar! (MACHADO; MARCO
AURÉLIO; PRATES, 2012)

A música é o relato de uma festa durante a qual o consumo de álcool foi tão
alto que o eu-lírico perdeu carro, celular, não sabe onde está nem com quem passou
a noite. Os locais onde seus pertences são encontrados (o celular no micro-ondas e
125

o carro na piscina) são coisas que beiram o absurdo e mostram, dessa maneira o
quão alcoolizadas as pessoas estavam nessa festa.
Temos, na letra da canção, uma referência ao padre Adelir Antônio de Carli,
que, em 2008, na tentativa de voar com balões de ar amarrados às costas acabou
desaparecendo. Essa atitude do padre foi tida por muitos como loucura e isso é
retratado na música, pois o eu-lírico afirma que o DJ estava louco por remixar músicas
do Tião Carreiro, comparando-o ao padre (DJ mais louco que o padre do
balão/remixando até as modas do Tião). É possível notar nesse trecho da música uma
crítica à música eletrônica e a preferência pelo sertanejo raiz de Tião Carreiro, pois
seria absurdo, segundo o eu-lírico, remixar as músicas gravadas por esse ícone da
música sertaneja.
Por fim, temos o sertanejo que se assemelha muito àquele das décadas de 80
e 90, quando as músicas passaram a ter um caráter extremamente romântico, em que
o sofrimento amoroso era constantemente trazido à tona nas letras. Hoje, o sertanejo
universitário que assume essas características passou a ser chamado de “sofrência”.
As músicas sertanejas de “sofrência” retratam, principalmente, relacionamentos que
não deram certo, homens ou mulheres traídas e sentimentos não correspondidos.
As duplas Henrique e Juliano, Jorge e Mateus e Zé Neto e Cristiano se
destacam nessa vertente, juntamente com cantores solo como Gustavo Lima e Luan
Santana. Esses artistas fizeram e fazem muito sucesso com o público, cantando o
amor e, principalmente, o sofrimento amoroso. Algo muito recorrente nessas letras é
a bebida como fuga para o sofrimento amoroso, o “beber para esquecer um amor que
não deu certo”.
Como exemplo, podemos citar a canção Largado às traças, gravada por Zé
Neto e Cristiano, que foi uma das mais tocadas nas rádios do Brasil no ano de 2018.
Tamanho sucesso rendeu à dupla o prêmio Melhores do ano, realizado pelo programa
Domingão do Faustão, na rede Globo. Zé Neto e Cristiano receberam o prêmio de
melhor música do ano com essa música.

Meu orgulho caiu quando subiu o álcool


Aí deu ruim pra mim
E, pra piorar, tá tocando um modão
De arrastar o chifre no asfalto

Tô tentando te esquecer
Mas meu coração não entende
126

De novo, eu fechando esse bar


Afogando a saudade num querosene

Vou beijando esse copo, abraçando as garrafas


Solidão é companheira nesse risca faca
Enquanto cê não volta, eu tô largado às traças
Maldito sentimento que nunca se acaba

Ô ô ô, ô ô ô
A falta de você, bebida não ameniza
Ô ô ô, ô ô ô
Tô tentando apagar fogo com gasolina (PANCADINHA; VOX; VITOR
HUGO, 2018)

A aproximação com o auditório se dá por meio de expressões coloquiais como


“deu ruim”, “modão”, “arrastar o chifre no asfalto”, “risca faca” e a frase que dá título à
música: “largado às traças”.
A expressão “arrastar o chifre no asfalto” surge da ideia de que, quando
estamos tristes, tendemos a andar com a cabeça baixa. Isso está relacionado à
metáfora conceptual “happy is up; sad is down” (feliz é para cima; triste é para baixo),
apresentada por Lakoff & Johnson (1980). Os autores afirmam que “a queda da
postura está, geralmente, relacionada à tristeza e depressão, e a postura ereta, a um
estado emocional positivo. (LAKOFF; JOHNSON, 1980, p.15, tradução nossa)19
A antítese presente no verso “meu orgulho caiu quando subiu o álcool” traz
ênfase à ideia de que, após o consumo de álcool, o eu-lírico deixa de lado seu orgulho,
ficando suscetível a fazer coisas que não deveria, principalmente pelo fato de que,
juntamente com o álcool, as músicas que está ouvindo o fazem sofrer ( pra piorar tá
tocando um modão / de arrastar o chifre no asfalto).
Ocorre a personificação do coração no verso “tô tentando te esquecer/mas meu
coração não entende”, pois entender é uma ação humana. Esses versos também nos
fazem concluir que a emoção se sobrepõe à razão na vida do eu-lírico, pois o órgão
que configura entendimento em nosso corpo é o cérebro e não o coração.
O copo e garrafa de bebida ocupam o lugar da pessoa amada, pois são eles
que são beijados e abraçados pelo eu-lírico. O sentimento é descrito como maldito,
pois é o responsável pelo sofrimento do eu-lírico, levando-o a beber em demasia, com
o intuito de tentar esquecer esse amor.

19Drooping posture typically goes along with sadness and depression, erect posture with a
positive emotional state.
127

Por fim, a expressão “tentando apagar fogo com gasolina”, nos leva a pensar
que tudo aquilo que o eu-lírico faz na tentativa de esquecer o amor que o faz sofrer
acaba por potencializar ainda mais seu sofrimento.
Um outro exemplo dessa vertente mais romântica do sertanejo é a canção Duas
metades, gravada pela dupla Jorge e Mateus, no ano de 2012:

Pra falar do amor de verdade


Vou começar pela melhor metade
Te mostrar tudo de bom que tenho
E se for preciso eu desenho
Que eu amo você
Que eu quero você
A outra metade é defeito
Você vai saber de qualquer jeito
Anjo ou animal, suave ou fatal
O que de um grande amor se espera
É que tenha fogo
Que domine o pensamento
E traga sentido novo
Que tenha paixão, desejo
Que tenha abraço e beijo
E seja a melhor sensação
Que preencha a vida vazia
Mande embora a agonia
E que traga paz pro coração
É você, é você
Que preencha a vida vazia
Manda embora a agonia
E que trouxe paz pro coração
Que preenche a vida vazia
Manda embora a agonia
E que é dona do meu coração
É você, é você (BARCELOS, 2012)

A letra dessa canção tem caráter extremamente romântico e traz o frame


daquilo que seria o amor ideal. Podemos notar que, de acordo com a letra dessa
música, a vida sem amor é vazia, ou seja, temos retratado o pensamento de que sem
amor a vida seria incompleta, de que para ser feliz é necessário ter alguém para amar,
o que retoma o frame de épocas mais antigas em quem o amor era visto como algo
necessário para se ter a felicidade completa.
O surgimento das mulheres no cenário da música sertaneja, como já foi
mencionado anteriormente, é, sem sombra de dúvida algo que merece ser destacado.
A ascensão feminina em um meio cheio de preconceitos retrata o empoderamento
128

das mulheres que, apesar de ainda sofrerem discriminação, têm ocupado cada vez
mais seu espaço na sociedade, o que se reflete na música.
Essas cantoras solo e, também, duplas, como Maiara e Maraisa, Simone e
Simaria, Marília Mendonça, entre outras, cantam a realidade de muitas mulheres. As
letras das canções interpretadas e, muitas vezes, compostas por elas retratam amores
não correspondidos, traições, bem como a mulher que sofre por se sujeitar a ser
amante. Isso as coloca nas paradas de sucesso, tendo um reconhecimento cada vez
maior do público, principalmente, do público feminino.
A canção Infiel é um exemplo desse grande sucesso. Gravada pela cantora e
compositora Marília Mendonça, a música chegou às paradas de sucesso no ano de
2016.

Isso não é uma disputa


eu não quero te provocar
Descobri faz um ano e tô te procurando pra dizer
Hoje a farsa vai acabar

Hoje não tem hora de ir embora


Hoje ele vai ficar
No momento deve estar feliz
E achando que ganhou
Não perdi nada, acabei de me livrar

Com certeza ele vai atrás


Mas com outra intenção
Tá sem casa, sem rumo
E você é a única opção

E agora será que aguenta


A barra sozinha
Se sabia de tudo
Se vira a culpa não é minha

O seu prêmio que não vale nada


Estou te entregando
Pus as malas lá fora e ele ainda saiu chorando
Essa competição por amor só serviu pra me machucar
Tá na sua mão
Você agora vai cuidar, de um traidor
Me faça esse favor

Iêê
Infiel
Eu quero ver você morar num motel
Estou te expulsando do meu coração
Assuma as consequências dessa traição
129

Iêêê
Infiel
Agora ela vai fazer o meu papel
Daqui um tempo você vai se acostumar
E ai vai ser a ela quem vai enganar

Você não vai mudar


aaaa (MENDONÇA, 2016)

A letra dessa canção representa o empoderamento feminino, do qual falamos


durante este trabalho. A mulher fala abertamente da traição sofrida e isso não é motivo
de vergonha, pelo contrário. Ela faz questão de trazer à tona o ocorrido, pois se trata
de um erro do homem e não dela. Diferentemente do que ocorria no passado, quando
as mulheres se sentiam envergonhadas e, muitas vezes, culpadas pela traição do
marido.
Além disso, no passado, essa traição era aceita pela esposa, pois uma mulher
divorciada não era vista com bons olhos pela sociedade. Hoje, as coisas mudaram
bastante. Apesar de ainda haver mulheres que se submetem a casos extraconjugais
do marido, isso não é mais uma regra.
A música Infiel nos traz esse retrato da mulher que não se submete a uma
traição, que deixa o marido e faz um alerta à amante, dizendo que esse homem com
quem ambas se relacionaram não é merecedor do amor por ser uma pessoa sem
caráter.
A letra da canção se divide em dois momentos. Um em que o eu-lírico fala com
a amante e outro (o refrão) em que ela conversa com seu amado infiel.
Essas canções interpretadas por mulheres mostram, muitas vezes, o
empoderamento feminino, como vimos na letra de Infiel. No ano de 2019, a dupla
Simone e Simaria gravou, em parceria com a cantora Ludmilla, a música Qualidade
de vida, que pode ser considerada um símbolo desse poder adquirido pela mulher
moderna, uma mulher que não mais se preocupa com convenções e que se coloca
em patamar de igualdade com o homem. Vejamos, a seguir, a letra dessa canção:

Hoje nem é sexta feira, nem quero saber


Quero aventura
Já trabalhei, tô cansada
Nessa vida louca ninguém me segura

Se quiser pegar, pego mesmo


Sem essa de rolar receio
Se quiser pegar, pego mesmo
130

Sem essa de rolar receio

E se meu ex me chamar
Eu bloqueio
Se ele me ligar
Eu rejeito

Solteira eu me deito
Sem chifre eu me levanto
Assim eu vou vivendo
A minha vida em todo canto

Solteira eu me deito
Sem chifre eu me levanto
Assim eu vou vivendo
A minha vida em todo canto

Ei, coleguinha
Ser solteira é ter qualidade de vida
Ei, coleguinha
Ser solteira é ter qualidade de vida

Ex é ex
Passado é passado
E quem não gostou vai pra casa do (caralho)
Ex é ex
Passado é passado
E quem não gostou vai pra casa do (caralho) (MENDES; QUEIROZ,
2019)

Como podemos notar, essa letra no traz o retrato de uma mulher que trabalha
(“já trabalhei, tô cansada”), independente (“nessa vida louca, ninguém me segura”) e
que não precisa estar envolvida emocionalmente para se relacionar com alguém, além
de não se importar que esses “relacionamentos” durem apenas uma noite, o que fica
claro com a expressão “pegar”, muito utilizada, atualmente, para se referir a relações
que não compreendem compromisso ou envolvimento emocional (se quiser pegar,
pego mesmo; sem essa de rolar receio”).
É possível perceber, também, que a figura da mulher representada na canção
é bem resolvida com relação a relacionamentos anteriores (e se meu ex me chamar;
eu bloqueio; se ele me ligar; eu rejeito”) e que, possivelmente, já foi traída por algum
ex (“solteira eu me deito; sem chifre eu me levanto; assim eu vou vivendo; minha vida
em todo canto”).
A letra dessa canção retrata essa mulher empoderada, que possui
independência emocional e financeira, a mulher que não precisa estar casada e seguir
padrões antigos para ser feliz, pois, para ela “ser solteira é ter qualidade de vida”.
131

Considerações finais

Ao longo deste trabalho, fizemos uma viagem pelo tempo, tendo como ponto
de partida a década de 1950, de modo a ver e entender um pouco a maneira como as
canções de amor brasileiras trazem, em suas letras, o retrato da relação amorosa
entre homem e mulher, de acordo com a visão de mundo de cada década, vinculada
aos diversos momentos culturais vividos pelos brasileiros.
Utilizamos, para isso, o conceito de frame, principalmente aquele desenvolvido
por Robin Lakoff em The Language War, em que a autora o define como um conjunto
de expectativas que temos com relação a diferentes temas baseadas em nossa
experiência de vida cultural e afetiva. De acordo com a autora, o conjunto dos frames
de uma certa época é responsável pelo surgimento do senso comum dessa época.
Além disso, lançamos mão das figuras de retórica, nas análises das canções,
para poder entender o estilo como as letras foram construídas, quais recursos foram
utilizados e com que intuito isso se deu em cada uma das músicas.
Foi possível verificar, por meio das análises realizadas, que alguns valores
mudam com o passar dos anos, mas outros, no entanto, que permanecem iguais.
As letras de música refletem não apenas a visão que se tem do amor e da
maneira como as pessoas vivem esse sentimento em cada uma das décadas, mas
trazem, também, características e elementos que, muitas vezes, são específicos do
momento em que foram compostas, uma vez que estão vinculados aos meios de
comunicação e sua evolução. A análise da música Garçom, por exemplo, nos mostrou
o uso da carta escrita como meio de comunicação, algo que praticamente não
utilizamos mais nos dias de hoje. A letra da canção, que tem como temática um eu-
lírico que sofre pela ausência da pessoa amada e desabafa suas mágoas para um
garçom é tema, também, de canções da década de 2010, como pudemos observar
nas canções Moda Derramada e Dez por cento. Há, no entanto, diferenças com
relação aos elementos presentes nessas canções, que retratam particularidades do
momento de sua composição. Enquanto na canção de Reginaldo Rossi, temos uma
carta escrita como instrumento de comunicação, nas canções sertanejas de nossa
década, temos a presença do celular, o dispositivo mais utilizado hoje em dia para
estabelece contato não apenas com as pessoas, mas com o mundo.
Em A dama de vermelho, temos o retrato de um baile, em que uma orquestra
é responsável pela música, algo acontece muito raramente nos tempos atuais. As
132

festas, hoje, diferem muito das festas do passado e isso se reflete, também nas letras
das canções.
O papel da mulher na sociedade mudou muito, ao longo dos anos, e isso fica
claro nas letras de algumas canções. Sabemos que, ainda hoje, existem diferenças,
preconceitos e desigualdades, e que ainda não atingimos o ideal, que seria de que
mulheres e homens fossem totalmente iguais perante a sociedade.
Muitas coisas, no entanto, foram conquistadas pelas mulheres, sobretudo a
partir do fim do século XIX, quando o movimento feminista passou a reivindicar direitos
como o voto, o divórcio, a educação e o trabalho.
No início do século XX, o marido podia aplicar até mesmo castigos físicos à
mulher, realidade que deixa de existir devido às conquistas do movimento feminista.
No ano de 1932, a mulher, no Brasil, passa a ter direito ao voto e, em 1962, deixa de
ser considerada civilmente incapaz.
No fim da década de 60, houve a liberação sexual, com o surgimento dos
contraceptivos orais, afastando, em grande parte, o medo de uma gravidez
indesejada. Ainda no fim dessa década, em 1967, a discriminação contra a mulher
passou a ser considerada incompatível com a dignidade humana e, na década de 70,
ocorre a luta feminina de caráter sindical.
Ocorreram, também, conquistas relacionadas ao combate à violência contra as
mulheres. Em 1985, o CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher) foi criado
com o intuito de aumentar a participação da mulher na política, na economia e na
cultura, eliminando, também, a discriminação nessa área.
A lei Maria da Penha, sancionada no ano de 2006, prevê proteção às mulheres
vítimas de agressão doméstica e familiar. Devemos destacar, também, a lei do
feminicídio, sancionada no ano de 2015, que fez com que o assassinato de mulheres
fosse colocado entre os crimes hediondos.
Tudo isso possibilitou à mulher alcançar seu lugar na sociedade, trabalhando,
ganhando seu próprio dinheiro, tendo vez e voz na política do país, sem ter que ficar
à margem e dever obediência aos homens, um empoderamento que, de certa forma,
é retratado em muitas letras de músicas românticas.
Pudemos ver, por meio de algumas canções que, no passado, a mulher era
tratada como posse do homem (“essa dama já me pertenceu”, em A Dama de
Vermelho). Além disso, existia também a preocupação da mulher em ser totalmente
devota a seu homem, a satisfazer-lhe todas as vontades e preocupar-se apenas em
133

agradar-lhe, algo que fica evidente na letra da canção A noite do meu bem. Outro fato
retratado nessa letra é a questão da pureza da mulher, pois ela deveria manter-se
virgem até o casamento para entregar-se sexualmente apenas àquele que se tornasse
seu marido. Algo nessa mesma linha pode ser notado na música Splish Splash, em
que o beijo em público é condenado, pois uma moça de família não poderia beijar seu
pretendente antes do casamento e, muito menos, deixar que as pessoas a vissem
beijando um homem.
Na canção Cotidiano, vimos o retrato da mulher dona de casa, que vive para
cuidar do marido e dos afazeres domésticos. Essa mulher apresentada por Chico
Buarque, nessa música, é a personificação da mulher perfeita, segundo os padrões
da época, e isso não se limita apenas ao Brasil. O filme O sorriso de Monalisa nos
mostra a realidade de mulheres na década de 50 em uma universidade nos Estados
Unidos. Tais moças eram treinadas para se tornar boas esposas e mães de família.
Totalmente em oposição a tudo isso, vimos, na década de 2010, a mulher em
ambientes que, até uma determinada época, eram estritamente masculinos. Isso fica
claro na letra da canção Dez por cento, em que temos uma mulher sofrendo por um
amor em um bar, bebendo para tentar esquecê-lo.
Temos, também, na letra da canção Infiel, uma amostra da mulher que se
empodera, que não se deixa abater por uma traição e que abre mão de um homem,
já que ele não lhe é fiel.
Com relação à construção das letras, pudemos observar, durante este trabalho,
que as figuras de linguagem estão quase sempre presentes nas canções. A retórica,
como vimos, é a arte de persuadir e as figuras de retórica são, portanto, elementos
utilizados na construção de um texto com o intuito de causar algum efeito sobre o
auditório, de modo que seja mais fácil persuadi-lo. O uso dessas figuras permite uma
maior aproximação do público.
Como exemplo desse efeito causado pelas figuras, no auditório, podemos citar
a metáfora, pois seu uso faz com que criemos imagens mentais que contribuem para
que o fator emocional seja mais aflorado do que quando, simplesmente, afirmamos
algo de maneira abstrata.
Existem, entretanto, algumas coisas que não mudam.
O sofrimento por um amor não correspondido ou pela perda de um grande amor
é algo muito recorrente em canções românticas, como pudemos observar ao longo
deste trabalho. A dor-de-cotovelo é cantada desde a década de 50 até hoje e é tema
134

de músicas que obtiveram e obtêm enorme sucesso junto ao público. Isso, talvez,
possa ser explicado pelo fato de que a maioria das pessoas já sofreu, alguma vez na
vida, por amor. Essa identificação com o tema gera aproximação do público, o que
leva as canções às paradas de sucesso e faz com que, cada vez mais, a dor de amor
seja cantada diversos estilos musicais.
Uma outra coisa que não muda é o olhar positivo que se tem da pessoa amada
e que faz com que a enxerguemos como motivo de nossa alegria, como algo
necessário para que sejamos completamente felizes ou até mesmo a intensidade de
um amor que, por vezes, é comparado à loucura, por meio da metáfora Love is
madness. Essas são coisas que podemos notar em canções de épocas distintas,
como, por exemplo, em Quando um certo alguém, É o amor e Linda demais.
O conceito de relacionamento que traz felicidade, a ideia do homem perfeito,
ainda permanecem, embora não se trate de opinião unânime. No entanto, pudemos
perceber que a canção Esse cara sou eu, gravada por Roberto Carlos, na década de
2010, teve enorme sucesso entre grande parte do público feminino, que mostrou ainda
acreditar no amor que é capaz de transformar a vida, de proteger, de fazer feliz.
Foi possível, ao longo deste trabalho, perceber que os frames de
relacionamento são retratados, nas letras das canções, mostrando que, como afirmou
Aristóteles, “a arte imita a vida”, e que a realidade é cantada, de modo a atrair o
público.
Aquilo que mexe com nossos sentimentos atrai muito mais nossa atenção.
Quando nos identificamos com uma história, em uma canção, temos tendência a ouvi-
la com maior frequência, seja porque ela nos deixa felizes, remetendo-nos a um amor
bem-sucedido, ou, se for algo triste, como o término de um relacionamento ou um
amor não correspondido, sendo-nos, de certa forma, “solidárias”.
A música tem o poder de nos emocionar. Um simples acorde, uma melodia,
notas bem pensadas conseguem nos causar diferentes reações. E quando isso se
junta a uma letra que nos toca, os sentimentos despertados em nós se tornam mais
intensos.
O amor é um sentimento universal. Todo mundo já amou, ama ou amará
alguém pelo menos uma vez na vida. Não importam as decisões que tomamos ou
opções que fazemos; o amor acontece, em diversas formas, em relações hetero ou
homoafetivas. É por isso que nunca se deixou de falar de amor em canções, pois trata-
135

se de algo que integra nossas vidas desde o início dos tempos e, acreditamos, até o
final dos tempos.
136

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BEBIDA na ferida. Intérprete: Zé Neto e Cristiano. Compositores: A. Torricelli, J. Melo,


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CÊ que sabe. Intérprete: Cristiano Araújo. Compositores: Rafel, Kauan e P. Netto.


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CEMO porque cemo. Intérprete: João Carreiro e Capataz. Compositores: J. Carreiro


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CHEGA de saudade. Intérprete: João Gilberto. Compositores: T. Jobim e V. de


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CHORAM as rosas. Intérprete: Bruno e Marrone. Compositores: A. Matheus e


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MEDO bobo. Intérprete: Maiara e Maraisa. Compositores: J. Techula, Maraisa, V.


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MIL vezes cantarei. Intérprete: Rick e Renner. Compositor: M. N. Pinto. 1998.


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MODA derramada. Intérprete: João Neto e Frederico. Compositor: G. Agra, L. Rojas,


G. Castro e C. Junior. 2015. Disponível em: https://www.letras.mus.br/joao-neto-
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142

MORREU meu coração. Intérprete: Carlos Galhardo. Compositor: C. Galhardo e J. C.


Gaya. 1957. Disponível em: https://www.letras.mus.br/carlos-galhardo/1584802/
Acesso em: 10 mai. 2015.

N. Intérprete: Nando Reis. Compositor: N. Reis. 2006. Disponível em:


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NOTIFICAÇÃO preferida. Intérprete: Zé Neto e Cristiano. Compositores: J. Gomes, V.


Show, T. Alves e S. Alves. 2018. Disponível em: https://www.letras.mus.br/ze-neto-
cristiano/notificacao-preferida/ Acesso em: 26 mar. 2019.

O grande amor da minha vida. Intérprete: Gian e Giovani. Compositor: J. Farias. 1998.
Disponível em: https://www.vagalume.com.br/gian-e-giovani/convite-de-
casamento.html Acesso em: 26 mar. 2019.

O que falta em você sou eu. Intérprete: Marília Mendonça. Compositores: J. Tchula;
M. Mendonca; H. Del Vecchio e Frederico. 2016. Disponível em:
https://www.letras.mus.br/marilia-mendonca/o-que-falta-em-voce-sou-eu/ Acesso em
23 jul. 2019.

OUTRA vez. Intérprete: Roberto Carlos. Compositor: I. Bourdot. 1977. Disponível em:
https://www.vagalume.com.br/roberto-carlos/outra-vez.html Acesso em: 26 mar. 2019.

PÁSSARO de fogo. Intérprete: Paula Fernandes. Compositor: P. Fernandes. 2009.


Disponível em: https://www.letras.mus.br/paula-fernandes/1297677/ Acesso em: 10
mai. 2015.

PELE de maçã. Intérprete: Matogrosso e Mathias. Compositores: C. Nena e Lalo


Prado. 2004. Disponível em: https://www.letras.mus.br/matogrosso-e-
mathias/112661/ Acesso em: 26 mar. 2019.

PESSOA, F. O guardador de rebanhos. Disponível em:


http://arquivopessoa.net/textos/1488 Acesso em 30 mar. 2019.

POR você. Intérprete: Barão Vermelho. Compositor: G. Goffi, M. S. Cecília e R. Frejat.


1998. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/barao-vermelho/por-voce.html
Acesso em: 10 mai. 2015.

PRA não pensar em você. Intérprete: Zezé di Camargo e Luciano. Compositor: C.


Augusto e Piska. 1998. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/zeze-di-
camargo-e-luciano/pra-nao-pensar-em-voce.html Acesso em: 26 mar. 2019.
143

PRA viver um grande amor. Intérprete: Vinícius de Moraes. Compositor: V. de Moraes.


1962. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/vinicius-de-moraes/para-viver-
um-grande-amor.html Acesso em: 26 mar. 2019.

QUALIDADE de vida. Intérpretes: Simone e Simaria; Ludmilla. Compositores: S.


Mendes e R. Queiroz. 2019. Disponível em: https://www.letras.mus.br/simone-
simaria-as-coleguinhas/qualidade-de-vida-part-ludmilla/ Acesso em: 23 jul. 2019.

QUANDO o mel é bom. Intérprete: Simone e Simaria. Compositores: E. Nery, N. Paz


e S. Mendes. 2015. Disponível em: https://www.letras.mus.br/simone-simaria-as-
coleguinhas/quando-o-mel-e-bom/ Acesso em: 26 mar. 2019.

QUE sorte a nossa. Intérprete: Matheus e Kauan. Compositor: P. Mattos, F. Paloni e


L. Paloni. 2015. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/matheus-e-kauan/que-
sorte-a-nossa.html Acesso em: 26 mar. 2019.

QUEM de nós dois. Intérprete: Ana Carolina. Compositores: A. Carolina, D. Falcão.


2001. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/ana-carolina/quem-de-nos-
dois.html Acesso em: 26 mar. 2019.

ROUGEMONT, D. O Amor e o Ocidente. trad. de Paulo Brandi e Ethel Brandi


Cachapuz, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1988.

SAGAN, F. Bonjour tristesse. Paris: Éditions Julliard, 1954.

SAMBA em prelúdio. Intérprete: Odete Lara e Vinícius de Moraes. Compositores: V.


de Moraes e B. Powell. 1962. Disponível em: https://www.letras.mus.br/vinicius-de-
moraes/49283/ Acesso em: 26 mar. 2019.

SE. Intérprete: Djavan. Compositor: Djavan. 1992. Disponível em:


https://www.letras.mus.br/djavan/69400/ Acesso em: 26 mar. 2019.

SINÔNIMOS. Intéprete: Chitãozinho e Xororó (part. Zé Ramalho) Compositores: C.


Augusto, C. Noam, P. S. Valle. Disponível em:
https://www.vagalume.com.br/chitaozinho-e-xororo/sinonimos.html Acesso em: 01
abr. 2019.

SE eu não te amasse tanto assim. Intérprete: Ivete Sangalo. Compositor: H. Vianna e


P. S. Valle. 1999. Disponível em: https://www.letras.mus.br/ivete-sangalo/35008/
Acesso em: 10 mai. 2015.

SÓ hoje. Intérprete: Jota Quest. Compositor: R. Flausino e F. Mello. Disponível em:


https://www.letras.mus.br/jota-quest/63462/ Acesso em: 26 mar. 2019.
144

SORTE grande. Intérprete: Ivete Sangalo. Compositor: L. Olegário dos Santos Filho.
2003. Disponível em: https://www.letras.mus.br/ivete-sangalo/70951/ Acesso em: 26
mar. 2019.
SPLISH splash. Intérprete: Roberto Carlos. Compositor: E. Carlos. 1963. Disponível
em: https://www.letras.mus.br/roberto-carlos/48684/ Acesso em: 10 mai. 2015.

TUDO que você quiser. Intérprete: Luan Santana. Compositores: D. Borges, M. Aleixo
e F. Oliver. 2013. Disponível em: https://www.letras.mus.br/luan-santana/tudo-o-que-
voce-quiser/ Acesso em: 26 mar. 2019.

TURNER, M. The literary mind: the origins of thought and language, Oxford: Oxford
University Press, 1996.

UM certo alguém. Intérprete: Lulu Santos. Compositor: L. Santos. 1983. Disponível


em: https://www.vagalume.com.br/lulu-santos/um-certo-alguem.html Acesso em: 10
mai. 2015.

VELHA infância. Intérprete: Tribalistas. Compositores: A. Antunes, C. Brown e Marusa


Monte. 2002. Disponível em: https://www.letras.mus.br/tribalistas/64148/ Acesso em:
10 mai. 2015.

VOCÊ. Intérprete: Tim Maia. Compositor: T. Maia. 1971. Disponível em:


https://www.letras.mus.br/tim-maia/48941/ Acesso em: 10 mai. 2015.

ZAN, J.R. Do fundo de quintal à vanguarda: contribuição para uma história social
da música popular brasileira. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas
– Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 1996.

https://www.brainpickings.org/2015/09/18/nietzsche-on-music/

http://dicionariompb.com.br/musica-sertaneja/dados-artisticos

https://www.suapesquisa.com/musicacultura/anos_50.htm

https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/ao-vivo/barragem-da-vale-se-rompe-em-
brumadinho-na-grande-bh.ghtml

https://filmow.com/jean-luc-godard-a2477/

http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-145842/
145

ANEXO
146

Apresentamos, a seguir, na íntegra, as letras das canções cujos trechos


foram utilizados durante este trabalho.

Pele de maçã

Olhos de paixão, lábios de carmim


Beijo de hortelã, pele de maçã, cheiro de jasmim
Sorriso inocente, a me iludir
Voz de sedução, você é a canção, mais linda que eu ouvi
Minha loucura, minha ternura, ai se eu soubesse escrever
O quanto eu te amo, o quanto eu te adoro
Nessa canção seria pouco pra dizer

Doce paixão, no coração


Já não sei mais viver sem você
Doce paixão, no coração
Já não sei mais viver sem você (NENA; PRADO, 2004)

Sorte Grande

A minha sorte grande


Foi você cair do céu
Minha paixão verdadeira
Viver a emoção
Ganhar teu coração
Pra ser feliz a vida inteira
É lindo o teu sorriso
O brilho dos teus olhos
Meu anjo querubim
Doce dos teus beijos
Calor dos teus braços
Perfume de jasmim
Chegou no meu espaço
Mandando no pedaço
Com o amor que não é brincadeira
Pegou me deu um laço
Dançou bem no compasso
De prazer levantou poeira
Poeira
Poeira
Poeira
Levantou poeira! (SANTOS, 2003)

Amor de violeiro

Moça, eu não sei falar


Coisas bonitas pra te conquistar
147

Eu tenho só uma viola, moça


Eu só sei cantar
Moça, eu não tenho dinheiro
Minha riqueza eu vou te contar
É o braço da viola, moça
Eu só sei cantar
Moça, se você parar um pouco pra me ouvir
Em alguns minutos vai me descobrir
Enxergar o fundo do meu coração
Moça, eu já sei que o papo agora é só ficar
Mas eu tô querendo mesmo é me casar
Se me achar careta, eu te peço perdão
Mas eu quero falar com seus pais, pedir a sua mão

E se você aceitar o amor de um violeiro


O seu coração vai ser meu paradeiro
Eu e a viola e uma eterna canção
Moça, eu não tenho pressa pra te conquistar
O braço da viola vai me consolar
Até você abrir de vez seu coração
Seu coração, seu coração (GOMES, 2004)

Agora

Agora fala que me ama


Agora que não tem mais nada
Diz que morre de amor por mim
Agora, depois de ter chorado rios
Depois de tanto ter sofrido
Agora por fim, vai saber o que um dia eu vivi
Como dizer que não
Que nunca me fez nada?
Depois de tanta dor que causou pro meu coração
Eu quis até morrer depois que foi embora
E volta tão tranquila
Depois que já não tem mais amor
E sem você ficou mais frio o meu inverno
Parecia frio eterno
Você é minha dor
E agora, e agora fala que me ama
E agora que não tem mais nada
Diz que morre de amor por mim
E agora, depois de ter chorado rios
Depois de tanto ter sofrido
Agora por fim, vai saber o que um dia eu vivi
E quando a chuva, não batia na minha janela
Não podia dormir, te esperava, te buscava
Teu corpo, teu cheiro sumiu em um mar de dor (BRUNO; ANA
PAULA, 2014)
148

Cê que sabe

Amor, tenho uma coisa pra te contar


O que temos pra hoje é saudade
Mas qual de nós vai procurar
Um pretexto, um motivo pra voltar
Foi ontem mas eu já sinto vontade
Das bocas juntas e o calor
Do nosso lugarzinho de amor
Já é tarde, tá frio, é noite, eu sozinho
Minhas mãos tão comichando pra ligar
Liga o 1504 pra falar
Ôuô, cê que sabe, amor
Se a gente fica junto ou dá um tempo
Mesmo assim eu te espero, eu te espero
Ôuô, cê que sabe, amor
Nossa relação tem tudo pra dar certo
Nós já estamos tão perto, tão perto, coração (KAUAN; NETTO;
RAFAEL, 2014)

Do seu lado

Lá, Lalá Lalá! Lalá Lalá!


Lalalá!
Lá, Lalá Lalá! Lalá Lalá!
Lalalá!
Faz muito tempo
Mas eu me lembro
Você implicava comigo
Mas hoje eu vejo
Que tanto tempo
Me deixou muito mais calmo
O meu comportamento egoísta
O seu temperamento difícil
Você me achava meio esquisito
E eu te achava tão chata
Eh!
Mas tudo que acontece na vida
Tem um momento e um destino
Viver é uma arte, é um ofício
Só que precisa cuidado
Pra perceber
Que olhar só pra dentro
É o maior desperdício
O teu amor pode estar
Do seu lado
O amor é o calor
Que aquece a alma
O amor tem sabor
Pra quem bebe a sua água
Eu hoje mesmo quase nem lembro
Que já estive sozinho
149

Que um dia seria seu marido


Seu príncipe encantado
Ter filhos, nosso apartamento
Fim de semana no sítio
Ir ao cinema todo domingo
Só com você do meu lado (REIS, 2003)

As quatro estações

A noite cai, o frio desce


Mas aqui dentro predomina
Esse amor que me aquece
Protege da solidão
A noite cai, a chuva traz
O medo e a aflição
Mas é o amor que está aqui dentro
Que acalma meu coração
Passa o inverno, chega o verão
O calor aquece minha emoção
Não pelo clima da estação
Mas pelo fogo dessa paixão
Na primavera, calmaria
Tranquilidade, uma quimera
Queria sempre essa alegria
Viver sonhando, quem me dera
No outono é sempre igual
As folhas caem no quintal
Só não cai o meu amor
Pois não tem jeito, é imortal
No outono é sempre igual
As folhas caem no quintal
Só não cai o meu amor
Pois não tem jeito, não
É imortal
Uh, uh, uh, uh, é imortal (LEAH; SOCCI, 1999)

Cadê você

O tempo vai
O tempo vem
A vida passa
E eu sem ninguém
Cadê você
Que nunca mais apareceu aqui?
E não voltou pra me fazer sorrir
E nem ligou
Cadê você?
Que nunca mais apareceu aqui
E não voltou pra me fazer sorrir
Então cadê você?
Mas não faz mal
Pois eu me calo
150

Tá tudo bem
Eu sempre falo (JOSÉ, 1990)

Estranho

Deixa eu perguntar uma coisa


Não tá dando certo entre a gente?
Quem cala, consente
Eu acho que deu pra entender
Minha mão já não tá mais na sua
A gente anda pela rua separados
Nem parecemos namorados
A aliança virou enfeite do dedo
Nossa cama agora é só pra dormir mesmo
E, no carro, parece que eu tô levando um simples passageiro
Estranho
Você me beija e minha boca estranha
O seu carinho parece que arranha
O seu abraço é tão solto, não consegue me prender

Estranho
Você me beija e minha boca estranha
O seu carinho parece que arranha
O seu abraço é tão solto, não consegue me prender
Onde eu desconheci você? (ALVES; CÉSAR, RIBEIRO, 2018)

Outra vez

Você foi o maior dos meus casos


De todos os abraços
O que eu nunca esqueci
Você foi, dos amores que eu tive
O mais complicado e o mais simples pra mim

Você foi o melhor dos meus erros


A mais estranha história
Que alguém já escreveu
E é por essas e outras
Que a minha saudade faz lembrar
De tudo outra vez....

Você foi
A mentira sincera
Brincadeira mais séria que me aconteceu
Você foi
O caso mais antigo
O amor mais amigo que me apareceu

Das lembranças que eu trago na vida


Você é a saudade que eu gosto de ter
Só assim sinto você bem perto de mim
Outra vez
151

Esqueci de tentar te esquecer


Resolvi te querer por querer
Decidi te lembrar quantas vezes eu tenha vontade
Sem nada perder

Você foi
Toda a felicidade
Você foi a maldade que só me fez bem
Você foi
O melhor dos meus planos
E o maior dos enganos que eu pude fazer

Das lembranças que eu trago na vida


Você é a saudade que eu gosto de ter
Só assim sinto você bem perto de mim
Outra vez (BOURDOT, 1977)

O grande amor da minha vida

A gente morou e cresceu


Na mesma rua
Como se fosse o sol e a lua
Dividindo o mesmo céu

Eu a vi desabrochar
Ser desejada
Uma jóia cobiçada
O mais lindo dos troféus

Eu fui o seu guardião


Eu fui seu anjo amigo
Mas não sabia
Que comigo

Por ela carregava


Uma paixão
Eu a vi se aconchegar
Em outros braços

E sair contando os passos


Me sentindo tão
Sozinho
No corpo o sabor amargo do ciúme

A gente quando não se assume


Fica chorando sem carinho
O tempo passou e eu sofri calado
Não deu pra tirar ela do pensamento

Eu ia dizer que estava apaixonado


Recebi o convite do seu casamento
152

Com letras douradas num papel bonito


Chorei de emoção quando acabei de ler

Num cantinho rabiscado no verso


Ela disse meu amor eu confesso
Estou casando mas o grande amor
Da minha vida é você. (FARIAS, 1998)

Acorrentado em você

Eu não sei o que é que eu faço


Estou num beco sem saída
Não consigo tirar você da minha vida
Era só uma brincadeira
Era só uma aventura
De repente virou um vício
De repente virou loucura
Eu não sei o que é que eu faço
Por que é que eu fui brincar com fogo
O meu coração se distraiu
E entregou o jogo
Faço tudo que posso eu luto
Pra quebrar essa corrente
Eu me viro até do avesso
Pra parar de pensar na gente
Mas na hora que dá vontade
Não tem jeito eu não me seguro
Na batalha com a saudade
Eu me rendo e te procuro
Já cansei de brigar comigo
E não consigo te esquecer
Eu me sinto acorrentado em você (VÍVIA, 2000)

Quando o mel é bom

Quando o mel é bom


A abelha sempre volta
Olha você me ligando
Passando mensagens
Se não ligasse eu iria ligar
Mas esperei a tua reação
A verdade é que a noite passada
Ficou tatuada em meu coração
Você fez de um jeito gostoso
O teu cheiro ficou em meu corpo
E em minha boca o teu gosto
O gosto do mel
O cheiro da rosa, ai ai ai
Tuas mão tocando o meu corpo inteiro
Os teus dedos adentrando
O meu cabelo, ai ai ai, ai ai ai
153

Pensei que cê fosse embora


Eu fiquei sem resposta
Mas quando o mel é bom
A abelha sempre volta
Quê que isso menino?
Você veio do céu
E o nosso romance
Vai além de um quarto de motel
Tava esperando um sinal
Uma mensagem e uma resposta
Mas quando o mel é bom
Quando o mel é bom
Quando o mel é bom
A abelha sempre volta (MENDES; NERY; PAZ, 2015)

Notificação preferida

Já doeu
Mas hoje não dói mais
Tanto fiz
Que agora tanto faz
O nosso amor calejou
Apanhou, apanhou que cansou
Na minha cama cê fez tanta falta
Que o meu coração te expulsou
Não tem mais eu e você
Tá facin de entender
Você me deu aula de como aprender te esquecer
Foi, mas não é mais a minha notificação preferida
Já foi, mas não é mais a número um da minha vida
Sinto em te dizer
Mas eu já superei você (ALVES et. al., 2018)

Garotos

Seus olhos e seus olhares


Milhares de tentações
Meninas são tão mulheres
Seus truques e confusões
Se espalham pelos pêlos
Boca e cabelo
Peitos e poses e apelos
Me agarram pelas pernas
Certas mulheres como você
Me levam sempre onde querem
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu
Sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos
154

Perto de uma mulher


São só garotos
Seus dentes e seus sorrisos
Mastigam meu corpo e juízo
Devoram os meus sentidos
Eu já não me importo comigo
Então são mãos e braços
Beijos e abraços
Pele, barriga e seus laços
São armadilhas e eu não sei o que faço
Aqui de palhaço, seguindo os seus passos
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu
Sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos
Perto de uma mulher
São só garotos (LEONI, 1993)

Detalhes

Não adianta nem tentar me esquecer


Durante muito tempo em sua vida eu vou viver

Detalhes tão pequenos de nós dois


São coisas muito grandes pra esquecer
E a toda hora vão estar presentes
Você vai ver

Se um outro cabeludo aparecer na sua rua


E isso lhe trouxer saudades minhas, a culpa é sua
O ronco barulhento do seu carro
A velha calça desbotada ou coisa assim
Imediatamente você vai lembrar de mim

Eu sei que um outro deve estar falando ao seu ouvido


Palavras de amor como eu falei, mas, eu duvido
Duvido que ele tenha tanto amor
E até os erros do meu português ruim
E nessa hora você vai lembrar de mim

À noite, envolvida no silêncio do seu quarto,


Antes de dormir você procura o meu retrato
Mas na moldura não sou eu quem lhe sorri
Mas você vê o meu sorriso mesmo assim
E tudo isso vai fazer você lembrar de mim

Se alguém tocar seu corpo como eu, não diga nada


Não vá dizer meu nome sem querer à pessoa errada
Pensando ter amor nesse momento, desesperada,
Você tenta até o fim
155

E até nesse momento você vai lembrar de mim

Eu sei que esses detalhes vão sumir na longa estrada


Do tempo que transforma todo amor em quase nada
Mas quase também é mais um detalhe
Um grande amor não vai morrer assim
Por isso, de vez em quando você vai
Vai lembrar de mim

Não adianta nem tentar me esquecer


Durante muito e muito tempo em sua vida eu vou viver (CARLOS, E.;
CARLOS, R., 1971)

Apelido carinhoso

Amor, não é segredo entre a gente


Que o meu término é recente
E você tá arrumando o que ela revirou
E esse sentimento pendente
Que insiste em bagunçar a minha mente
Vai passar um dia, mas ainda não passou
Eu sei que você poderia ter escolhido alguém menos complicado
Que não tivesse, no presente, uma pessoa do passado
Aceitar essa situação é uma forma de amor
Mas eu preciso que você me faça só mais um favor
Ainda não me chame de meu nego
Ainda não me chame de bebê
Porque era assim que ela me chamava
E um apelido carinhoso é o mais difícil de esquecer
Ainda não me chame de meu nego
Ainda não me chame de bebê
Porque era assim que ela me chamava
E um apelido carinhoso é o mais difícil de esquecer (ANGELIM,
2017)

Bebida na ferida

Parecia um bom negócio


Você se desfazer de mim
Só não contava com os juros
Que a saudade, no futuro, ia te cobrar por mim
Agora tá de standby
Vai fazer isso com os outros, vai
Tudo que vai, volta, ai, ai, ai
Quem abre também fecha a porta
Te perder
Foi a dor mais doída que eu senti na vida
Sem você
Joguei bebida na ferida
Te perder
Foi a dor mais doída que eu senti na vida
Sem você
156

Joguei bebida na ferida


Que bom que o álcool cicatriza (ALVES et. al., 2018)

Amo noite e dia

Tem um pedaço do meu peito bem colado ao teu


Alguma chave, algum segredo, que me prende ao seu
Um jeito perigoso de me conquistar
Teu jeito tão gostoso de me abraçar
Tudo se perde, se transforma se ninguém te vê
Eu busco às vezes nos detalhes encontrar você
O tempo já não passa, só anda pra trás
Me perco nessa estrada, não aguento mais

Iê, iê
Passa o dia, passa a noite, tô apaixonado
Coração no peito sofre sem você do lado
Dessa vez tudo é real, nada de fantasia
Saiba que eu te amo, amo noite e dia (TEIXEIRA, 2010)

Se

Você disse que não sabe se não


Mas também não tem certeza que sim
Quer saber?
Quando é assim, deixa vir do coração
Você sabe que eu só penso em você
Você diz que vive pensando em mim
Pode ser, se é assim
Você tem que largar a mão do não
Soltar essa louca, arder de paixão
Não há como doer pra decidir
Só dizer sim ou não
Mas você adora um se
Eu levo a sério, mas você disfarça
Você me diz à beça e eu nessa de horror
E me remete ao frio que vem lá do sul
Insiste em zero a zero e eu quero um a um
Sei lá o que te dá, não quer meu calor
São Jorge, por favor, me empresta o dragão
Mais fácil aprender japonês em braile
Do que você decidir se dá ou não (DJAVAN, 1992)

Aquela pessoa

Você também tem que eu sei


Aquela pessoa, não adianta negar
Que tem passe livre
Carta branca na sua vida para ir e voltar
Quando quiser, nunca vai deixar de ser o que é éé
157

Todo mundo tem uma pessoa, aquela pessoa


Que te faz esquecer todas as outras

Todo mundo tem uma pessoa, aquela pessoa


Não precisa dia e nem hora pra chegar
Na portaria do meu coração já tem seu nome
Pode entrar (CARVALHO; FERREIRA; LESSA, 2017)

Quem de nós dois

Eu e você
Não é assim tão complicado
Não é difícil perceber

Quem de nós dois


Vai dizer que é impossível
O amor acontecer

Se eu disser
Que já nem sinto nada
Que a estrada sem você
É mais segura
Eu sei você vai rir da minha cara
Eu já conheço o teu sorriso
Leio o teu olhar
Teu sorriso é só disfarce
O que eu já nem preciso

Sinto dizer que amo mesmo


Tá ruim pra disfarçar
Entre nós dois
Não cabe mais nenhum segredo
Além do que já combinamos

No vão das coisas que a gente disse


Não cabe mais sermos somente amigos
E quando eu falo que eu já nem quero
A frase fica pelo avesso
Meio na contra mão
E quando finjo que esqueço
Eu não esqueci nada

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais


E te perder de vista assim é ruim demais
E é por isso que atravesso o teu futuro
E faço das lembranças um lugar seguro
Não é que eu queira reviver nenhum passado
Nem revirar um sentimento revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saída
Acabo entrando sem querer na sua vida

Eu procurei qualquer desculpa pra não te encarar


158

Pra não dizer de novo e sempre a mesma coisa


Falar só por falar
Que eu já não tô nem aí pra essa conversa
Que a história de nós dois não me interessa
Se eu tento esconder meias verdades
Você conhece o meu sorriso
Lê o meu olhar
Meu sorriso é só disfarce
O que eu já nem preciso

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais


E te perder de vista assim é ruim demais
E é por isso que atravesso o teu futuro
E faço das lembranças um lugar seguro
Não é que eu queira reviver nenhum passado
Nem revirar um sentimento revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saída
Acabo entrando sem querer na sua vida (ANA CAROLINA; FALCÃO,
2001)

Sinônimos

Quanto o tempo o coração, leva pra saber


Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
É como ter mulheres e milhões e ser sozinho
Na solidão de casa, descansar
O sentido da vida, encontrar
Quem pode dizer onde a felicidade está

O amor é feito de paixões


E quando perde a razão
Não sabe quem vai machucar
Quem ama nunca sente medo
De contar o seu segredo
Sinônimo de amor é amar

Quem revelará o mistério que tem a fé


E quantos segredos traz o coração de uma mulher
Como é triste a tristeza mendigando um sorriso
Um cego procurando a luz na imensidão do paraíso
Quem tem amor na vida, tem sorte
Quem na fraqueza sabe ser bem mais forte
Ninguém sabe dizer onde a felicidade está

O amor é feito de paixões


E quando perde a razão
Não sabe quem vai machucar
Quem ama nunca sente medo
159

De contar o seu segredo


Sinônimo de amor é amar (AUGUSTO; NOAM; VALLE, 2004)

Samba em prelúdio

Eu sem você não tenho por quê


Porque sem você não sei nem chorar
Sou chama sem luz
Jardim sem luar
Luar sem amor
Amor sem se dar
E eu sem você
Sou só desamor
Um barco sem mar
Um campo sem flor
Tristeza que vai
Tristeza que vem
Sem você, meu amor, eu não sou ninguém
Ah, que saudade
Que vontade de ver renascer nossa vida
Volta, querido
Os meus braços precisam dos teus
Teus abraços precisam dos meus
Estou tão sozinha
Tenho os olhos cansados de olhar
Para o além
Vem ver a vida
Sem você, meu amor, eu não sou ninguém (MORAES; POWELL,
1962)

O que falta em você sou eu

Falando em saudade
De novo eu acordei pensando em você
Já faz um mês que não te vejo
Trinta dias que eu acordo pensando em você

Não sei se você está bem


Se está gostando de outro alguém
O corte do cabelo tá do mesmo jeito
Aparentemente tudo igual

Vi uma foto sua com aquela roupa


Mas parecia que faltava alguma coisa
Nos traços do sorriso deu pra perceber
O que será que tá faltando em você?

O que falta em você sou eu


Seu sorriso precisa do meu
160

Sei que tá morrendo de saudade


Vem buscar logo a sua metade

O que falta em você sou eu


Seu sorriso precisa do meu
Sei que tá morrendo de saudade
Vem buscar logo a sua metade

Ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai
Ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai
Falando em saudade
Vem buscar logo a sua metade

Que sorte a nossa

Diz que pensa tanto em mim


Que tá querendo me ver
Diz que tá me lembrando bastante
Acredito em você

Tô sabendo de tudo, tô lendo seus recados


Minhas fotos que você curtiu, tô seguindo você
E aí, o que é que a gente vai fazer?
Diz aí, se você quer e eu também tô querendo você

Tantos sorrisos por aí, você querendo o meu


Tantos olhares me olhando e eu querendo o seu
Eu não duvido não, que não foi por acaso
Se o amor bateu na nossa porta, que sorte a nossa (MATTOS;
PALONI; PALONI, 2015)

Mil vezes cantarei

Toda vez que eu penso em você


Dói lembrar tanto amor que eu te dei
Teu amor que um dia foi meu
Hoje eu não sei
Quando o dia amanhece eu sinto que você ainda está nessa cama
E em minha emoção se derrama: Choro por ti
Se não fosse por essa canção
Já teria morrido de amor
Mas eu tenho a estranha ilusão
Que me escute e volte para mim
Mais de mil vezes cantarei
Porque não morre a ilusão
E onde quer que você vá
Me escutará seu coração
161

Mais de mil vezes cantarei


Porque não morre essa paixão
E eu estou seguro que me escutará seu coração
Oh, oh
Se não fosse por esta canção
Que não morra o nosso amor
Que não morra, por favor
Não nosso amor
Que não morra (PINTO, 1998)

Pra não pensar em você

Quando a saudade doer e a solidão machucar,


Pra não pensar em você, nem procurar seu olhar,
Vou enganar a paixão, mentir pro meu coração,
que já deixei de te amar, ah, ah, ah ...
Eu vou fingir que esqueci, que não chorei,
nem sofri vendo você me deixar,

E se a lembrança insistir em procurar por nós dois,


Vai encontrar seu adeus, dizendo volto depois,
É impossivel eu sei, mentir que nunca te amei,
que foi um sonho e acabou, oh, oh, oh ...
Mas tenho que aceitar, cuidar de mim e tentar,
me encontrar no outro amor

Mas eu me engano, me desespero,


porque te amo, porque te quero
e a minha vida é so pensar em você,
o tempo todo, o dia inteiro, sinto seu corpo,
sinto seu cheiro que a minha vida é so pensar em você...
(AUGUSTO; PISKA, 1998)

Clichê

Criei canções e melodias pra te conquistar,


Em cada verso, poesia pra me declarar.
Mas só palavras não vão traduzir o que é
Te olhar nos olhos e te ver sorrir.
E se eu parecer um bobo você pode rir,
É que esse seu jeito manhoso me deixou assim,
Completamente louco por você,
Fazendo minhas rimas só pra te dizer.
Você é o primeiro pensamento do meu dia,
Se eu não te vejo quase morro de agonia.
Sou dependente desse amor, seu beijo vicia,
Eu quero todo dia!
A noite cai, o meu sonho é você,
Dizer te amo já tá virando clichê.
Mas eu tô repetindo pra você saber,
Que eu adoro amar você! (AGRA, 2013)
162

Tudo que você quiser

Tem dias que eu acordo pensando em você


Em fração de segundos vejo o mundo desabar
Aí que cai a ficha que eu não vou te ver
Será que esse vazio um dia vai me abandonar?
Tem gente que tem cheiro de rosa, de avelã
Tem o perfume doce de toda manhã
Você tem tudo, você tem muito
Muito mais que um dia eu sonhei pra mim
Tem a pureza de um anjo querubim
Eu trocaria tudo pra te ter aqui
Eu troco minha paz por um beijo seu
Eu troco meu destino pra viver o seu
Eu troco minha cama pra dormir na sua
Eu troco mil estrelas pra te dar a lua
E tudo que você quiser
E se você quiser te dou meu sobrenome
Tem gente que tem cheiro de rosa, de avelã
Tem o perfume doce de toda manhã
Você tem tudo, você tem muito
Muito mais que um dia eu sonhei pra mim
Tem a pureza de um anjo querubim
Eu trocaria tudo pra te ter aqui
Eu troco minha paz por um beijo seu
Eu troco meu destino pra viver o seu
Eu troco minha cama pra dormir na sua
Eu troco mil estrelas pra te dar a lua
E tudo que você quiser
E se você quiser, te dou meu sobrenome
Eu troco minha paz por um beijo seu
Eu troco meu destino pra viver o seu
Eu troco minha cama pra dormir na sua
Eu troco mil estrelas pra te dar a lua
E tudo que você quiser
E se você quiser te dou meu sobrenome (ALEIXO; BORGES;
OLIVER, 2013)

Medo bobo

Iê Iê Iê Iê Iê Iê Iêêêê

Ah, esse tom de voz eu reconheço


Mistura de medo e desejo
Tô aplaudindo a sua coragem de me ligar...

Eu pensei que só tava alimentando


Uma loucura da minha cabeça
Mas quando ouvi sua voz, respirei aliviado

Tanto amor guardado tanto tempo


A gente se prendendo à toa
Por conta de outra pessoa
163

Só da pra saber se acontecer

É, e na hora que eu te beijei


Foi melhor do que eu imaginei
Se eu soubesse tinha feito antes
No fundo sempre fomos bons amantes

E na hora que eu te beijei


Foi melhor do que eu imaginei
Se eu soubesse tinha feito antes
No fundo sempre fomos bons amantes...
No fundo sempre fomos bons amantes

É o fim daquele medo bobo (MARAISA et. al., 2016)

Maior abandonado

Eu tô perdido
Sem pai nem mãe
Bem na porta da tua casa
Eu tô pedindo
A tua mão
E um pouquinho do braço

Migalhas dormidas do teu pão


Raspas e restos
Me interessam
Pequenas porções de ilusão
Mentiras sinceras me interessam
Me interessam...

Eu tô pedindo
A tua mão
Me leve para qualquer lado
Só um pouquinho
De proteção
A um maior abandonado

Seu corpo com amor ou não


Raspas e restos me interessam
Me ame como a um irmão
Mentiras sinceras me interessam
Me interessam...

Migalhas dormidas do teu pão


Raspas e restos me interessam
Pequenas poções de ilusão
Mentiras sinceras me interessam
Me interessam...

Eu tô pedindo
164

Que a tua mão


Me leve para qualquer lado
Só um pouquinho de proteção
A um maior abandonado (FREJAT, 1984)

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