Metodologia Do Ensino de Hist No Ensino Fund 2019

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Metodologia do Ensino de História no Ensino Fundamental

Metodologia do Ensino
O estudo das metodologias de ensino é fundamental para os cursos de licenciatura porque é
por meio dele que se verticalizam assuntos próprios do ensinar. Nesta obra, longe de conceber
de História no
de maneira dicotômica a teoria e a prática, a metodologia do ensino de História para o ensino
fundamental articula as duas esferas do saber, papel que, inclusive, deveria ser atribuído a todas Ensino Fundamental
as disciplinas curriculares em cursos de licenciatura.

O estudante, no decorrer de sua formação, depara-se com indagações inerentes à sua atuação
profissional e apenas com o estudo das metodologias de ensino se sentirá preparado para refletir
sobre elas. Portanto, esta obra pretende suscitar a reflexão e o caráter investigativo em relação
ao ensino, organizando-se em capítulos que favorecem a construção dessas reflexões.

www.iesde.com.br
facebook.com/iesdebrasil Nadia
Nadia Guariza
Guariza
Nadia Guariza

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6466-3

58455 9 788538 764663


Metodologia do ensino
de História no ensino
fundamental

Nadia Guariza

IESDE BRASIL S/A


2019
© 2019 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem
autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE BRASIL S/A.


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Rido/ Shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G949m Guariza, Nadia
Metodologia do ensino de História no ensino fundamental /
Nadia Guariza. - 1. ed. - Curitiba : IESDE BRASIL S.A, 2019.
174 p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6466-3

1. História (ensino fundamental) - Estudo e ensino.


2. Professores de história - Formação. I. Título.
CDD: 372.89044
19-56624
CDU: 37.026:94

Todos os direitos reservados.


IESDE BRASIL S/A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Nadia Guariza
Doutora e mestre em História pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Especialista em Linguagens e Ensino de História
e graduada em História pela mesma instituição. Atua como
professora adjunta de disciplinas como Estágio Supervisionado
e História e Cinema em cursos de graduação em História na
Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro). Também
leciona e orienta em um programa de pós-graduação em
História na mesma universidade. Publica livros e artigos
relacionados às áreas de ensino, gênero e religião. É integrante
e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR.
Sumário

Apresentação 7

1. Ensino de História no Brasil 9


1.1 Ensino de História no Império (1822-1889) 10

1.2 Ensino de História na Primeira República (1889-1930) e no


Período Vargas (1930-1946) 14

1.3 Ensino de História na República Populista (1946-1964) e


na ditadura civil-militar (1964-1985) 19

2. Ensino de História na contemporaneidade 27


2.1 A década de 1990 e as políticas de Estado para a
educação 27

2.2 Estudo dos Parâmetros Curriculares Nacionais e das


Diretrizes Nacionais para História 33

2.3 A educação brasileira no início do século XXI: BNCC 41

3. A formação do professor de História 49


3.1 Últimas reformas curriculares dos cursos de licenciatura e
o lugar do estágio supervisionado 49

3.2 Superação da dicotomia entre teoria e prática: o professor


pesquisador 53

3.3 Para além da ideia de transposição didática 56

4. Metodologias de ensino de História 63


4.1 História das metodologias de ensino de História 63

4.2 Uso de fontes no ensino de História 70

4.3 Educação Histórica 73


5. O livro didático de História 79
5.1 O livro didático e o ensino de História 79

5.2 PNLD e os livros didáticos de História 85

5.3 Uso do livro didático nas aulas de História 88

6. O uso das fontes escritas no ensino de História 97


6.1 O ensino de História e as fontes escritas 97

6.2 Imprensa, documentos oficiais e literatura 100

6.3 As cartas e os diários 106

7. Imagens, cinema e música no ensino de História 115


7.1 O ensino de História e as fontes não escritas 115

7.2 Iconografia e cultura material 116

7.3 Música e cinema 120

8. Ensino de História e diversidade 129


8.1 A Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003 129

8.2 As relações de gênero nos Parâmetros Curriculares


Nacionais 137

8.3 Diversidade e inclusão no espaço escolar 143

9. Pedagogia de projetos, interdisciplinaridade e ensino de


História 149
9.1 A pedagogia de projetos 149

9.2 Interdisciplinaridade e suas propostas 156

9.3 Projetos interdisciplinares e o ensino de História 159

Gabarito 165
Apresentação

O estudo das metodologias de ensino é fundamental


para os cursos de licenciatura porque é por meio dele que se
verticalizam assuntos próprios do ensinar. Nesta obra, longe
de conceber de maneira dicotômica a teoria e a prática, a
metodologia do ensino de História para o ensino fundamental
articula as duas esferas do saber, papel que, inclusive, deveria
ser atribuído a todas as disciplinas curriculares em cursos
de licenciatura.

O estudante, no decorrer de sua formação, depara-se com


indagações inerentes à sua atuação profissional e apenas com
o estudo das metodologias de ensino será possível refletir
sobre elas. Portanto, esta obra pretende suscitar a reflexão e o
caráter investigativo em relação ao ensino, organizando-se em
capítulos que favorecem a construção dessas reflexões.

O Capítulo 1 trata do ensino de História no Brasil,


abordando a história da disciplina escolar do período imperial
(século XIX) à redemocratização (1985). No Capítulo 2, optou-
-se por desenvolver discussões em torno do ensino de História
na contemporaneidade, do final do século XX ao início do
século XXI. O Capítulo 3 discute a formação do professor
de História, compreendendo a importância da construção
do campo de formação inicial de seu curso. Por isso, são
apresentadas as propostas curriculares para a formação de
professores, verticalizando as discussões sobre a necessidade
de superação da dicotomia teoria e prática.
8 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

O Capítulo 4 aborda as metodologias do ensino de


História, apresentando o percurso delas no ensino brasileiro,
evidenciando como na atualidade várias metodologias
ainda convivem, como a memorização e os métodos ativos.
No Capítulo 5, apresenta-se uma discussão acerca do livro
didático de História, tratando desde as pesquisas em torno
desse recurso até as formas de trabalhar com ele em sala de
aula. Os Capítulos 6 e 7 também têm abordagens práticas,
debatendo a utilização das fontes escritas e as especificidades do
uso das imagens, do cinema e da música no ensino de História.

No Capítulo 8, discute-se a diversidade, apresentando


noções da Lei n. 10.639/2003 e questões de gênero.
O Capítulo 9, por sua vez, aborda a pedagogia de projetos,
a interdisciplinaridade e o modo como o ensino de História
está atrelado a esses assuntos, discorrendo sobre a proposta de
pesquisa por meio de projetos na educação básica.

Os temas escolhidos para compor esta obra consideram a


atuação profissional e têm o propósito de articular o ensino e
a pesquisa.

Bons estudos!
1
Ensino de História no Brasil

Em nosso país, existe, atualmente, uma discussão sobre quais


conteúdos devem integrar os programas do ensino fundamental -
anos finais. A seleção de conteúdos de uma disciplina ou matéria
escolar é orientada pela concepção de educação, pela cultura
escolar, pela ciência de referência e pelos interesses sociais diversos.
Portanto, a matéria escolar, muitas vezes, desenvolve-se de maneira
diferente da produção acadêmica e se constitui como um saber
específico, e não como mera reprodução do saber de determinada
ciência de referência. É isso o que será estudo neste capítulo em
relação à história do ensino de História no Brasil.
Em seus programas, a escola busca suprir demandas sociais do
período histórico em que está inserida. Essas demandas podem
estar relacionadas à necessidade de formação de quadros para a
elite ou para a classe média, a investimentos no ensino secundário
e no colegial, ou mesmo a investimentos na formação da classe
trabalhadora, postulando um ensino mais técnico. A escola também
pode ser imbuída de ideias nacionalistas e patrióticas ou estimular
o ensino crítico para formar o cidadão (BITTENCOURT, 2011).
Nesse sentido, refletir sobre como ocorreu o ensino de História
no Brasil é estudar um pouco sobre a sociedade e as demandas
atribuídas à escola em certo período.
Neste capítulo, você conhecerá um pouco sobre como se deu o
processo de ensino de História no Brasil em diferentes períodos:
Império (1822-1889), Primeira República (1889-1930), Era Vargas
(1930-1946), República Populista (1946-1964) e ditadura militar
(1964-1985).
10 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

1.1 Ensino de História no Império


(1822-1889)
Neste livro, optou-se por iniciar a contextualização do ensino de
História no Brasil a partir do século XIX, mais precisamente após
a declaração da independência do país em relação a Portugal, visto
que, no período colonial, a disciplina de História não existia nos
currículos escolares. Academicamente, ela viria a ser construída
apenas no século XIX na Europa, estando ligada à emergência das
ideias nacionalistas e das novas nações construídas nessa época.
A disciplina de História serviu como uma forma de criar coesão
social nas populações europeias tão heterogêneas (FONTANA,
2004), pois a instrução pública foi uma maneira eficaz de criar uma
cultura comum por meio da língua oficial e da História. Esta deveria
criar o sentimento de pertencimento à comunidade nacional, dando
a sensação de que a nação era muito antiga (HOBSBAWM, 1990).
O historicismo desenvolvido a partir das primeiras décadas do
século XIX permitiu a legitimidade para a formação, na década de
1870, da nação alemã, mostrando, na construção do passado desse
povo, justificativas para anexar territórios e criar um Estado-nação.
Há casos de Estados historicamente unificados, como o francês,
em que a construção de um passado unificador permitiu legitimar
o poder em novas bases, não mais a dinástica (ANDERSON, 2008).
A construção de um passado unificador significava que os conflitos
sociais e as especificidades regionais haviam sido silenciados,
criando a ideia de uma nação harmônica.
O conceito de nação, tão usado atualmente, foi forjado no século
XIX. A compreensão de que uma nacionalidade correspondia
a uma única língua e aos costumes em comum – como alguns
critérios definidores da nação – não estava dada, foi construída
sistematicamente pelo sistema educacional e pela propaganda do
Estado (HOBSBAWM, 1990). Nesse sentido, o sistema educacional
Ensino de História no Brasil 11

exerceu um papel importante na construção da comunidade


nacional – alfabetizando as novas gerações com base no ensino de
uma língua oficial, tornando as outras línguas dialetos – e de uma
cultura uniforme baseada na elite (HOBSBAWM, 1979).
Contudo, Chervel (1990) assevera que as disciplinas escolares
no século XIX não eram apenas uma imposição do Estado, mas
também constituídas por elementos oriundos da cultura escolar e da
sociedade como um todo. De qualquer forma, podemos afirmar que
a disciplina escolar de História teve propósito similar à acadêmica:
ela deveria ensinar aos alunos que eles pertenciam à nação e que
deveriam respeitá-la.
No caso brasileiro, o pensamento do século XIX foi marcado
pela urgência em se criar uma história unificadora do passado,
que não rompesse com o passado da coroa portuguesa, justamente
porque os imperadores eram de ascendência dessa mesma realeza.
Para tanto, em 1838, foi criado o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), que deveria inventariar documentos sobre o
passado e as fronteiras do país, criando legitimidade à nova nação.
As pesquisas do IHGB eram financiadas pelo imperador Dom Pedro
II (GUIMARÃES, 1988).
Em 1847, o IHGB lançou um concurso cuja finalidade era
receber propostas de como escrever a história do Brasil, e o
prêmio seria pago por Dom Pedro II. A proposta vencedora foi
de Karl Philipp von Martius, naturalista alemão que propunha
compreender o passado brasileiro com base na ideia da mistura
entre as raças. Citando o próprio Von Martius: “devia ser um
ponto capital para o historiador reflexivo mostrar como no
desenvolvimento sucessivo do Brasil se acham estabelecidas as
condições para o aperfeiçoamento de três raças humanas, que
nesse país são colocadas uma ao lado da outra, de uma maneira
desconhecida na história antiga” (VON MARTIUS, 1845 apud
GUIMARÃES, 1988, p. 16).
12 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

A preocupação de Von Martius não era apenas com uma escrita


acadêmica, mas com a propagação de uma história patriótica para
os leitores: “uma obra histórica sobre o Brasil deve, segundo a minha
opinião, ter igualmente a tendência de despertar e reanimar em seus
leitores brasileiros amor da pátria, coragem, constância, indústria,
fidelidade, prudência, em uma palavra, todas as virtudes cívicas”
(VON MARTIUS, 1845 apud GUIMARÃES, 1988, p. 17).
A proposta de Von Martius apenas tornou-se realidade com a
obra de Francisco Adolfo Varnhagen, chamada História geral do
Brasil (1857). Em carta para Dom Pedro II, Varnhagen esboçou
suas intenções ao escrever o livro: “Em geral busquei inspirações
de patriotismo sem ser no ódio a portugueses, ou à estrangeira
Europa, que nos beneficia com ilustrações; tratei de pôr um
dique a tanta declamação e servilismo à democracia; e procurei ir
disciplinando produtivamente certas ideias soltas de nacionalidade”
(VARNHAGEN, 1857 apud GUIMARÃES, 1988, p. 18).
A história escrita por Varnhagen pretendia criar uma ideia
de coesão diante das diferenças regionais e sociais. Essa coesão,
no entanto, não foi criada com base em uma ideia republicana
ou de oposição ao imperador, e sim de enaltecimento da herança
portuguesa para a civilização brasileira.
Indígenas e africanos apareciam em sua narrativa para ressaltar o
valor civilizatório dos portugueses: enquanto os dois primeiros eram
considerados selvagens e incultos, os últimos representavam, para o
Brasil, uma salvação. A visão de Varnhagen do passado brasileiro
foi de uma mistura harmoniosa entre as raças e de protagonismo
português. Uma história de heróis e vilões, em que os heróis eram
os portugueses e seus aliados, enquanto os vilões eram todos os
inimigos dos portugueses (REIS, 2003).
Era uma história que pretendia estabilizar o governo imperial
diante de várias resistências internas, como a oposição ao
colonizador português representado pelo imperador, as tendências
Ensino de História no Brasil 13

contrárias ao governo centralizado no monarca, as revoltas devido


às desigualdades sociais e à escravidão (REIS, 2003).
A história produzida pelo IHGB foi disseminada nas escolas
brasileiras por intermédio do Colégio Dom Pedro II (Rio de Janeiro),
pois muitos dos intelectuais do IHGB lecionavam nesse colégio.
Um desses intelectuais, no século XIX, foi Joaquim Manuel de
Macedo, que era sócio ativo do IHGB e foi autor de um dos livros
didáticos mais usados no período (FONSECA, 2003).
Com seu livro intitulado Lições de História do Brasil para uso dos
alunos do Imperial Colégio de Pedro II, publicado em 1861, Joaquim
Manuel de Macedo contribuiu, segundo Fonseca (2003), para
fazer a ligação entre a produção do IHGB com a disciplina escolar
no país. Contudo, Macedo foi além de simplesmente transpor o
conhecimento do IHGB, porque instituiu, em seu manual, métodos
e procedimentos para o estudo da História.
O colégio foi criado em 1837 e a disciplina de História passou a
ser escolar, pois esse estabelecimento a instituiu como parte de seu
programa nas oito séries que ofertava (FONSECA, 2003). Observe a
Figura 1, que mostra o Colégio Dom Pedro II na atualidade.
Figura 1 – Colégio Dom Pedro II na atualidade
Cyro A. Silva/ Wikimedia Commons
14 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

As reformas curriculares a partir da metade do século XIX


organizaram os conteúdos de História no decorrer das séries da
seguinte forma: História Sagrada, Antiga, Medieval, Moderna e
Contemporânea. O conjunto dessas histórias formava a História
Geral, que depois passou a se chamar Universal (FONSECA, 2003).
É importante esclarecer, neste ponto, que aqui compreendemos,
assim como muitos estudiosos das disciplinas escolares, que elas não
são meras reproduções do meio acadêmico, pois são criadas com
base em outros conhecimentos e entendidas por meio do papel
exercido pela escola em determinado contexto (BITTENCOURT,
2011).
A organização dos conteúdos proposta pelo Colégio Dom Pedro
II não se configurou como mera reprodução automática dos estudos
do IHGB, até porque o instituto concentrava sua produção na
História brasileira, enquanto a ênfase da disciplinar escolar era
na História Geral. Essa opção feita pelos programas escolares indica
a visão eurocêntrica, sobretudo francesa, na forma de interpretar e
de ensinar o passado brasileiro.
Outra questão interessante é a existência da História Sagrada,
que pode ser justificada pelo fato de a religião oficial, à época, ser o
catolicismo, o qual teve papel importante no que eles consideravam
o processo civilizatório das populações nativas.

1.2 Ensino de História na Primeira


República (1889-1930) e no Período Vargas
(1930-1946)
O ensino de História no período da Primeira República
(1889-1930), segundo Gontijo (2006), recebeu pouca atenção dos
pesquisadores. Geralmente é apresentado como um contraponto ao
que seria o ensino no Período Vargas, minimizando as diferenças
entre o ensino do período imperial e do republicano. Contudo,
Ensino de História no Brasil 15

é importante considerar a necessidade do novo regime de criar uma


legitimação de seu poder para sua efetiva consolidação.
Para compreender as mudanças na disciplina escolar nesse
período histórico, deve-se estar atento aos problemas colocados
para a educação na época, somando-se os esforços para fortalecer as
ideias de Estado, povo e nação sob o novo regime (GONTIJO, 2006).
Assim, não era apenas uma continuidade da História da Nação
do século XIX, pois o nacionalismo naquele século procurava
reforçar a autoridade do imperador, ainda mais diante do convívio
com nações vizinhas que eram republicanas. Enquanto isso,
o nacionalismo do início do século XX pretendia criar um novo
significado a si mesmo, considerando cidadãos os antigos súditos
do imperador.
Nesse sentido, após a Proclamação da República, em 1889,
criaram-se as ideias de que a escola deveria denunciar os atrasos
decorrentes dos anos de monarquia e de que o regime republicano
teria a missão, junto aos cidadãos, de colocar o “país na rota do
progresso e da civilização” (GONTIJO, 2006, p. 2).
Para o novo regime, era urgente mostrar os novos contornos que o
país assumiria a partir de então, justamente porque parte significativa
da população assistiu “bestializada” à Proclamação da República,
surpreendida com o fim da monarquia (CARVALHO, 1987).
A criação de símbolos da República foi estratégica para
alimentar o patriotismo e a obediência ao novo regime, partindo
do imaginário social da população brasileira (CARVALHO, 1990).
Nesse sentido, da mesma forma que as disciplinas escolares não são
meras imposições do Estado, os símbolos que pretendiam estimular
o sentimento cívico no brasileiro deveriam conter elementos de
identificação que mobilizassem suas mentes e seus corações.
Portanto, a natureza do nacionalismo republicano era
diferente daquele difundido no século XIX. Quanto aos conteúdos
16 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

selecionados para compor a disciplina de História, Maria Aparecida


da Silva Cabral (2010), ao analisar os exames aplicados aos alunos
do ensino secundário e os planos de ensino dos professores de dois
estabelecimentos de ensino no estado de São Paulo, documentos
esses de 1897, constatou algumas permanências e mudanças no
ensino de História. Segundo a autora, o IHGB e o Colégio Dom
Pedro II ainda exerciam influência na perspectiva e nos conteúdos
da disciplina de História nas escolas brasileiras.
Pelos planos de aula do ensino primário analisados, manteve-
se a História Universal dividida em períodos baseados no modelo
quadripartite francês, enquanto a História do Brasil tinha início com
as viagens marítimas. No ensino secundário, os alunos aprendiam os
mesmos conteúdos a partir do 4º ano (CABRAL, 2010).
A forma de organizar os conteúdos pouco mudou em relação
ao período imperial, contudo, como assevera Bittencourt (2011),
os métodos e os procedimentos sim se modificaram. Na análise de
Cabral (2010, p. 4), o livro de Joaquim Macedo, até então referência
para ensino de História, orientava, ao final dos capítulos, os alunos
a realizarem um quadro sinótico, “dividido em ‘personagens’,
‘atributos’, ‘feitos e acontecimentos’ e ‘datas’”. Enquanto isso, o livro
didático de João Ribeiro, intitulado História do Brasil, apresentou
inovações, propondo unidades de estudo em vez das lições e dos
pontos do livro de Macedo.
Essa mudança também é apontada pela autora no estudo dos
exames aplicados aos alunos e das suas respostas. Analisando esses
dados, Cabral (2010) percebeu que as respostas aprofundadas
para além dos fatos, as quais procuravam relacioná-las ao período
estudado, eram as que recebiam melhores notas. Portanto, o aluno
não era avaliado apenas por sua capacidade de decorar datas e
nomes, mas por relacionar fatos e personagens a determinados
contextos históricos.
Ensino de História no Brasil 17

Fonseca (2003) afirma que a proclamação da República não


alterou a essência do ensino de História, mas apresenta mudanças
em relação aos métodos empregados. As orientações para o
professor nos manuais do período são um indício disso. Em 1912,
Jonatas Serrano propunha, por exemplo, o uso de filmes nas aulas de
História, a fim de torná-las mais atrativas (BITTENCOURT, 2011).
Sem dúvida, alguns pontos de inflexão foram importantes, nas
primeiras décadas do século XX, para modificar os parâmetros
educacionais no país. Na década de 1920, o desenvolvimento da
Escola Nova no Brasil influenciou as críticas feitas à educação e ao
ensino de História, especialmente em três aspectos: a limitação da
História escolar a um viés político e linear, a sua aprendizagem pela
memorização e seu cunho nacionalista e militar (GONTIJO, 2006).
A Reforma Rocha Vaz, em 1925, tornou obrigatório que
os programas das escolas secundárias fossem elaborados por
professores catedráticos e, posteriormente, aprovados pelo Colégio
Dom Pedro II. Na prática, isso obrigava as escolas a seguirem a
distribuição dos conteúdos de acordo com o Colégio Dom Pedro II
(ABUD, 1997).
Nas décadas de 1930 e 1940, durante o governo Vargas,
foi empreendido um grande esforço para adotar políticas de
centralização administrativa no governo federal e para tornar mais
racional a estrutura do Estado. Entre as medidas, estava a criação
do Ministério da Educação e da Saúde, em 1931. Houve a Reforma
Francisco Campos, que instituiu um programa e uma instrução
uniforme para todas as escolas do país, retirando a autonomia
delas na redação de suas propostas (FONSECA, 2006), e, ao mesmo
tempo, criou um sistema de inspetorias para fiscalizar as escolas no
cumprimento das novas diretrizes (ABUD, 1997).
A partir de então, a História passou a ser considerada a peça
principal na educação política, compreendendo que os alunos
deveriam conhecer as origens, a estrutura e o funcionamento das
18 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

instituições sociais. Além da recomendação de diminuir o estudo das


sucessões de governos, o programa estimulava o estudo da história
biográfica (FONSECA, 2006). Como indica o programa de 1931:
“conquanto pertença a todas as disciplinas do curso de formação
da consciência social do aluno, é nos estudos de História que mais
eficazmente se realiza a educação política e no conhecimento das
origens, dos caracteres e da estrutura das atuais instituições políticas
e administrativas” (HOLANDA apud ABUD, 1997, p. 35).
A Reforma Francisco Campos recebeu muitas críticas dos
professores, pois diminuiu a carga horária da História do Brasil,
diluindo-a na História Geral (FONSECA, 2006). Segundo Abud
(1997), quando houve a fusão da História Geral com a do Brasil,
aumentou-se a carga horária total da disciplina de História nas
escolas secundárias, passando de três para cinco cadeiras
obrigatórias. Contudo, a História do Brasil perdeu a importância
como elemento central da formação do aluno, pois passou a ser
apenas uma parte da História Geral.
Mais tarde, em 1942, foi realizada a Reforma Gustavo
Capanema, que separou novamente a História Geral da do Brasil,
indicando que a História do país deveria formar moralmente o
cidadão e torná-lo patriótico (FONSECA, 2006).
As instruções metodológicas publicadas em 1945, por sua vez,
explicitavam os objetivos do ensino de História, que eram de fazer
conhecer os grandes acontecimentos históricos, compreendendo-
-os em seu contexto; descrever as instituições sociais e estudar a
cultura de outras populações, exercitando o espírito de tolerância e
estimulando o civismo (ABUD, 1997).
Um elemento interessante é que a colonização portuguesa
começa então a ser entendida como a responsável pelas mazelas
e pelo retardamento do desenvolvimento do país, com a sua
ineficiência administrativa (MATHIAS, 2011), o que indica uma
mudança em relação à perspectiva do século XIX.
Ensino de História no Brasil 19

Sobre essa questão, é importante pontuar que, na década de


1930, novas interpretações sobre o passado brasileiro começaram
a ser escritas, procurando explicar o “atraso” brasileiro, não como
resultado da miscigenação, mas como produto de elementos
constituintes da sociedade brasileira.
Neste tópico, o Período Vargas ganha relevo, pois se configurou
como uma primeira tentativa de centralizar administrativamente
a educação brasileira, procurando uniformizar os conteúdos
ministrados nas escolas brasileiras.

1.3 Ensino de História na República


Populista (1946-1964) e na ditadura civil-
-militar (1964-1985)
O ensino de História nas décadas de 1940 a 1960 sofreu
influências multifatoriais tanto no plano externo quanto no
interno. No contexto global, as incertezas e as desilusões após a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) preocupavam os governos
e as populações. Logo após o final da guerra, na década de 1950,
o Ocidente temia uma nova crise econômica aos moldes da de 1929,
e a crença de que a racionalidade levaria a humanidade ao progresso
cairia por terra diante da hecatombe nuclear (HOBSBAWM, 1995).
A década de 1960 chegou e a temida crise não se concretizou, o
que gerou um espírito de euforia no Ocidente capitalista. Contudo,
desde a década anterior, a desconfiança em relação ao socialismo foi
alimentada, gerando um clima não só de perseguição à URSS, mas
também de competição entre os sistemas capitalista e comunista
(HOBSBAWM, 1995).
No Brasil, o final da Segunda Guerra Mundial colocou fim a um
período ditatorial e promoveu o retorno da democracia. No entanto,
era uma democracia cerceada pela influência ideológica da Guerra
Fria, em que o Partido Comunista foi colocado na ilegalidade.
20 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Era, ainda, uma democracia de massa, na qual os governantes


não podiam ficar indiferentes à população, agora cada vez mais
concentrada nas áreas urbanas.
Nas décadas de 1950 a 1970, o país passou por consideráveis
mudanças, oriundas de novos investimentos em infraestrutura
e da construção de hidroelétricas e estradas, o que estimulou a
produção industrial. O setor industrial passou por um processo
de modernização e novos bens de consumo duráveis, como os
automóveis, passaram a ser fabricados no Brasil.
O crescimento econômico das cidades e as péssimas condições
de vida no campo, devido à seca e à mecanização da agricultura, que
fez com que muitos perdessem suas ocupações, provocaram uma
grande migração das pessoas do campo para a cidade, em busca de
uma oportunidade de emprego (MELLO; NOVAIS, 1998).
Nesse contexto de capitalismo tardio, segundo Mello e Novais
(1988), o sistema educacional teve que se expandir, a fim de formar
mão de obra habilitada para ingressar no setor industrial mais
sofisticado e no setor de serviços. Por isso, houve ampliação da
oferta de vagas para o colegial e para a universidade. Além disso,
a nova percepção educacional teve grande repercussão sobre o
ensino de História.
A conjuntura da Guerra Fria e o processo de modernização
e industrialização da economia brasileira provocaram uma
americanização da educação, tornando-a mais técnica e menos
humanística. Essa mudança causou a diminuição da carga horária
da disciplina de História nas grades curriculares, tornando o
seu conteúdo superficial (ABUD, 1997). Sobre isso, Abud (1997,
p. 39-40) afirma:
das quatro séries do curso ginasial, somente três tinham
aulas de História e Geografia. Isto porque as outras
disciplinas mais “úteis” tinham sido incorporadas ao
currículo e precisavam de espaço. Nas escolas paulistas,
nas 1ª e 2ª séries do ginásio, deveria ensinar História do
Ensino de História no Brasil 21

Brasil e na última série a História Geral... No curso colegial,


História e Geografia foram substituídas por Estudos Sociais,
perdendo autonomia e seu caráter científico.

Os conteúdos que predominavam eram de viés político e, devido


ao contexto da Guerra Fria, as ideias da defesa de valores liberais e a
luta contra o comunismo estavam presentes, bem como o pacifismo
pós-guerra (ABUD, 1997).
Em 1951, o Ministério da Educação indicou a reformulação nos
programas de ensino de História. Para isso, solicitou ao Colégio
Dom Pedro II que redistribuísse os conteúdos nas séries dos cursos
ginasial e colegial (FONSECA, 2006).
De acordo com Fonseca (2006), pelas fontes que temos
disponíveis sobre o ensino de História (os livros didáticos, os planos
de aulas e os cadernos dos alunos), a disciplina pouco se afastou dos
parâmetros tradicionais anteriores.
Abud (1997) corrobora as ideias de Fonseca, afirmando que os
programas posteriores ao Período Vargas mantiveram uma visão
pragmática do ensino de História, enxergando-o como meio para
formar cidadãos que se adaptassem aos interesses do Estado. Com a
Lei n. 4.024/1961, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira, o governo federal tornou responsabilidade dos governos
estaduais a elaboração dos programas das escolas secundárias
(BRASIL, 1961).
No período que compreende as décadas de 1950 e 1960, o
ensino de História, mesmo baseado em uma educação mais técnica
e menos humanística, sofreu uma diminuição considerável de sua
carga horária. Isso não ocorreu, porém, pelo fato de essa disciplina
ser uma ameaça ao capitalismo, já que a História ensinada até então
nas escolas era a de cunho tradicional.
Sem sombra de dúvida, um ponto de inflexão no ensino de
História foi o Golpe Militar de 1964. A partir da implantação
e do gradual endurecimento desse regime, a educação sofreu
22 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

modificações no sentido de limitar o pensamento crítico e incutir


a obediência.
No caso do ensino de História, a sua interpretação tradicional,
já usual nas escolas, condizia com os interesses do Estado ditatorial.
Ainda assim, a disciplina escolar passou por uma reforma que
transformou as disciplinas de História e de Geografia em uma só, a
de Estudos Sociais. Com a criação dos Estudos Sociais, os conteúdos
de História passaram a ocupar menos espaço na carga horária dos
programas escolares, dividindo-a com os de Geografia.
Uma nova formação foi pensada e instituída para os professores
de Estudos Sociais, mais aligeirada: com dois anos de duração,
os cursos habilitavam para a licenciatura curta. Os programas das
disciplinas eram enviados diretamente do governo, como uma
forma de garantir o cumprimento das disposições do Estado.
Ao mesmo tempo em que os Estudos Sociais esvaziavam os
conteúdos de História, o governo intensificou a educação cívica
nas escolas com a redefinição de duas disciplinas já existentes,
a Educação Moral e Cívica e a Organização Social e Política
Brasileira (OSPB), para o ensino fundamental e o médio. Essas
disciplinas começaram a ser lecionadas com base nas ideias da
Doutrina de Segurança Nacional, com evidente papel moralizador
e ideológico (FONSECA, 2003). Segundo a autora, essas medidas
tentavam
impor uma visão harmônica da sociedade, em que a
“espontânea colaboração” de todos os grupos sociais aparece
como a ordem natural das coisas. Segundo as determinações
do próprio Conselho Federal de Educação, a finalidade
básica dos Estudos Sociais seria ajustar o aluno ao seu
meio, preparando-o para a “convivência cooperativa” e para
suas futuras responsabilidades como cidadão, no sentido
do “cumprimento dos deveres básicos para a comunidade,
o Estado e a Nação”. (FONSECA, 2003, p. 57-58)
Ensino de História no Brasil 23

Fonseca (2003) também aponta o caráter autoritário das


relações entre professores e alunos do período, assim como se via
na metodologia e nas atividades, indicativas de que o ensino que
se desejava era diretivo, e não crítico, com o ensino apenas de fatos
sucessivos na História.
Este quadro se modifica na década de 1980, com o processo de
redemocratização, que veremos no próximo capítulo.

Considerações finais
A história de uma disciplina escolar não coincide com a
produção acadêmica da sua ciência de referência. Isso porque,
muitas vezes, o que mais importa para compreender a perspectiva e
a seleção dos conteúdos de determinada disciplina escolar é analisar
o contexto de sua proposição, tentando compreender os sentidos de
sua organização e de sua prática nas escolas do período.

Ampliando seus conhecimentos


• CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões
sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educação, n. 2, p.
177-229, 1990. Disponível em: https://moodle.fct.unl.pt/
pluginfile.php/122510/mod_resource/content/0/Leituras/
Chervel01.pdf. Acesso em: 22 maio 2019.
O linguista André Chervel é reconhecido por sua intensa
pesquisa sobre disciplinas escolares e apresenta uma
compreensão mais ampla de disciplina escolar, que vai além
da ideia de transposição didática.

• FONSECA, T. N. L. História e ensino de História. Belo


Horizonte: Autêntica, 2003.
A historiadora Thais Fonseca apresenta, nesse livro, uma
série de capítulos que discutem as pesquisas na área da
24 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

História e do ensino de História no Brasil. É indicado, para o


aprofundamento deste capítulo, o segundo capítulo do livro
dela, denominado “Exaltar a pátria ou formar o cidadão”.

Atividades
1. Explique o processo de formação da disciplina escolar de
História no século XIX, na Europa e no Brasil.

2. Disserte sobre as continuidades e as mudanças no ensino de


História nos períodos do Império e da Primeira República,
explicando-as.

3. O Período Vargas é reconhecido por ter organizado a


administração pública com base em uma racionalidade
moderna. Como isso pode ser percebido nas duas reformas
empreendidas na época, a de Francisco Campos (1931) e a de
Gustavo Capanema (1942)? Como isso repercutiu no ensino
de História naquele período?

4. Considerando o ensino de História no período de 1946 a


1964, disserte sobre os contextos internacional e nacional
e sobre como eles interferiram na educação brasileira e no
ensino de História.

5. Quais foram as consequências da criação da disciplina escolar


Estudos Sociais para o ensino de História?

Referências
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História do Brasil na escola secundária. In: BITTENCOURT, C. O saber
histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997.

ANDERSON, B. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a


difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Ensino de História no Brasil 25

BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e técnicas. São


Paulo: Editora Cortez, 2011.

BRASIL. Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diário Oficial da União,


Poder Legislativo, Brasília, DF, 20 dez. 1961. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4024compilado.htm. Acesso em: 23 maio
2019.

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História na Primeira República: a constituição do saber histórico. XX
Encontro Regional de História: História e Liberdade. Anais […]. São
Paulo: ANPUH-SP, 2010. Disponível em: https://www.anpuhsp.org.br/
sp/downloads/CD%20XX%20Encontro/PDF/Autores%20e%20Artigos/
Maria%20Aparecida%20da%20Silva%20Cabral.pdf. Acesso em: 22 maio
2019.

CARVALHO, J. M. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não


foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

CARVALHO, J. M. A formação das almas: o imaginário da República


no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo


de pesquisa. Teoria e Educação, n. 2, p. 177-229, 1990. Disponível em:
https://moodle.fct.unl.pt/pluginfile.php/122510/mod_resource/content/0/
Leituras/Chervel01.pdf. Acesso em: 22 maio 2019.

FONSECA, T. N. L. História e ensino de história. Belo Horizonte: Autêntica,


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FONTANA, J. Historicismo e nacionalismo. In: FONTANA, J. A História


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resources/rj/Anais/2006/conferencias/Rebeca%20Gontijo.pdf. Acesso em:
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REIS, J. C. Identidades do Brasil. v. 1. Rio de Janeiro: FGV, 2003.


2
Ensino de História na
contemporaneidade

Estudar a história da educação e do ensino de História nas


últimas décadas permite pensar a própria educação nos dias atuais,
porque muitas políticas públicas implantadas nas décadas de
1980, 1990 e 2000 ainda estão em vigor. Além disso, o contexto de
produção das políticas públicas daquele período é praticamente o
mesmo do atual, com pequenas variações. Esse é o tema que será
estudado neste capítulo.
Como vimos no capítulo anterior, o ensino de História esteve
articulado à política mais ampla do Estado brasileiro para a educação;
por isso, sua importância e sua abordagem dependiam das intenções
do governo de cada período. Nas décadas de 1980, 1990 e 2000,
existiram fatores internos e externos que influenciaram as políticas
públicas e as propostas curriculares para o ensino de História.
Neste capítulo, você estudará o contexto mais amplo da sociedade
brasileira no processo de redemocratização e de globalização, as
ações das agências internacionais nos planos e nos programas para a
educação no Brasil e os seus desdobramentos no ensino de História.

2.1 A década de 1990 e as políticas de Estado


para a educação
Antes de começarmos a abordar as políticas públicas da década
de 1990, é interessante lembrar que elas fazem parte de um processo
que tem início internacionalmente na década de 1970 – após a
crise do petróleo, em 1973 – e que converge para o processo de
redemocratização no Brasil.
28 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Logo após a Segunda Guerra Mundial, os países ocidentais


demonstravam grande temor em relação à possibilidade de uma
nova crise econômica e da expansão do socialismo. Por isso, adotam
políticas de Estado baseadas nas ideias de Keynes, que concebia um
Estado intervencionista na economia como grande promotor da
industrialização e da assistência à população.
Apesar de não ser uma ideia econômica hegemônica,
o neoliberalismo também se desenvolve nesse mesmo período,
apesar de só se tornar política de Estado no governo Pinochet
(1973-1990), no Chile, em 1973, e, posteriormente, nos governos
de Margareth Thatcher (1979-1990), na Inglaterra, e de Ronald
Reagan (1981-1989), nos EUA.
Nesse sentido, para compreender as intenções das agências
internacionais, deve-se considerar a mudança provocada, após a
crise de 1973, no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco
Internacional para o desenvolvimento e a reconstrução (Bird),
que foram criados em 1944, na Conferência de Bretton Woods.
A princípio, o FMI e o Bird foram criados com as finalidades
de assegurar a estabilidade financeira após a guerra e de ajudar
na reconstrução dos países após o conflito. Mais tarde, essas
instituições assumiram o papel de promover o desenvolvimento dos
países denominados, à época, do Terceiro Mundo. Contudo, após
a crise de 1973, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990, o FMI e o
Bird assumiram uma postura mais agressiva em relação aos países
em desenvolvimento, controlando suas políticas internas por meio
de empréstimos.
O Brasil começou suas relações com o Bird em 1946, financiando
o projeto da escola técnica de Curitiba, no governo de Eurico Gaspar
Dutra; nas décadas subsequentes, a cooperação se intensificou. Na
década de 1980, o Brasil passou por uma crise econômica e, nesse
contexto, o Bird e o FMI impuseram ao país a agenda do Consenso
de Washington, baseado na tese de Hayek (1987), segundo a qual
Ensino de História na contemporaneidade 29

“as políticas sociais conduzem à escravidão e a liberdade do mercado


à prosperidade” (OLIVEIRA, 2010, p. 16).
Segundo Mészáros (2002), o contexto pós-crise de 1973 marca
uma nova fase no sistema capitalista, na qual, para manter as
taxas de exploração, o capital esgota a sua capacidade civilizatória,
destruindo os direitos conquistados durante o Estado de bem-estar
social. Nesse sentido, as ideias neoliberais – as quais embasaram as
ações do FMI e do Bird na América Latina – estariam associadas
à nova fase do capitalismo, em que as políticas sociais ligadas à
educação começaram a ser entendidas como um ônus para o Estado.
Simultaneamente, os países latino-americanos deveriam se
adaptar ao processo de globalização e de flexibilização da economia,
adotando uma agenda pró-capital internacional e financeiro
(OLIVEIRA, 2010). De acordo com Bauman (1999), no processo de
globalização, os Estados perderam autonomia diante dos interesses
do capital financeiro, pois os governos deveriam apenas administrar
os efeitos nefastos da globalização sobre suas populações e permitir
a liberdade ao capital financeiro.
É nesse contexto que as políticas públicas brasileiras para
educação se desenvolveram, nas décadas de 1980, 1990 e 2000. Na
década de 1980, o quadro de crise e de redemocratização provocou
tensões entre um modelo austero na economia e um desejo de
participação na política, conjuntura em que movimentos sociais,
sindicatos e associações foram fundamentais para a discussão da
nova constituição e das propostas educacionais.
No caso do ensino de História, nos anos 1980, a movimentação
da Associação Nacional de História (Anpuh) e de outros grupos
no sentido de defender o retorno da disciplina escolar de História
surtiram efeito, provocando a discussão em vários estados sobre
os programas curriculares. As duas propostas mais conhecidas do
período foram a de São Paulo e a de Minas Gerais (FONSECA, 2003).
30 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Sobre a proposta de São Paulo, Fonseca (2003, p. 60) observa que


“ela propunha um ensino de História voltado para a análise crítica
da sociedade brasileira, reconhecendo seus conflitos e abrindo
espaço para as classes menos favorecidas como sujeitos da História”.
Contudo, a demora em ser implantada a proposta curricular abriu
o precedente para que os professores e as editoras fizessem seus
próprios currículos.
Quanto à proposta de Minas Gerais, segundo Fonseca (2003), foi
considerada a personificação de um ensino de História em período
democrático. Implantada em 1986, tinha como referencial teórico o
marxismo e deu origem a uma coleção de livros didáticos intitulada
Construindo a História, escrita por Adhemar Marques, Flávio
Berutti e Ricardo Faria.
Sobre as características dessa proposta, Fonseca (2003, p. 64)
comenta:
relegaram o processo histórico brasileiro, de certa forma
“encaixado” num processo mais amplo e sujeito às mesmas
“leis” e generalizações impostas pelo modelo teórico
adotado. Além disso, a substituição da cronologia linear da
história tradicional pela evolução dos modos de produção
acabou por não romper substancialmente com o princípio
etapista do programa tradicional, apenas abandonando
um esquema fechado em função de outro, igualmente
determinado.

Nesse sentido, apesar do desejo de criar uma nova abordagem


da História, a proposta soterrava os sujeitos históricos sob a força
das estruturas sociais, pois a interpretação marxista adotada
era mecanicista e evolucionista. De maneira geral, as propostas
curriculares da década de 1980 adotaram o materialismo histórico
como linha mestra. Esse panorama modificou-se no final da
década com a inserção de novas perspectivas historiográficas
oriundas das pesquisas acadêmicas internacionais e brasileiras
(FONSECA, 2003).
Ensino de História na contemporaneidade 31

Nota-se aí a inclusão gradativa da Nova História francesa junto


a uma historiografia tradicional e marxista. Guimarães (2012),
ao estudar as correntes historiográficas mais comuns no ensino na
década de 1990, constatou que as três perspectivas caminhavam
juntas na disciplina escolar de História.
Na década de 1990, o ensino de História teve direta influência
das políticas públicas neoliberais, sobretudo pela aprovação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei n. 9.394/1996, e do
estabelecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
As políticas educacionais brasileiras na década de 1990, sobretudo
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003),
foram influenciadas por documentos redigidos em conferências
internacionais. A partir da Conferência Mundial de Educação de
Qualidade para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em
março de 1990, algumas políticas públicas para a educação passaram
a ser implementadas no Brasil, como as leis e os projetos de inclusão
escolar de estudantes com necessidades educacionais especiais,
a progressão continuada e os PCN (OLIVEIRA, 2010).
A Conferência de Jomtien foi financiada pela Unesco, pela Unicef
e pelo Bird e apresentava uma noção de educação que concebia
o conhecimento científico reproduzido na escola de maneira
fragmentada, mais técnica e menos humanista. A educação passou
a ser vista como uma questão de gestão, e a lógica mercadológica
ganhou preeminência diante do conhecimento intelectual
(OLIVEIRA, 2010).
Nesse modelo educacional marcado pelo pragmatismo
imediatista, o conhecimento escolar é relativizado, a escola e o
professor passam a ser desqualificados e o fracasso dos alunos é culpa
apenas deles mesmos, eximindo o Estado de sua responsabilidade
(OLIVEIRA, 2010).
Entre 1993 e 1996 a Comissão Internacional sobre Educação para
o Século XXI, convocada pela Unesco sob a coordenação de Jacques
32 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Delors, produziu o relatório denominado Delors, que influenciaria


as políticas públicas para educação no Brasil. Esse documento
recomendava a cooperação e a solidariedade para enfrentar as
tensões diante da mundialização.
Em 1995, o Bird publicou o conjunto de documentos intitulado
Prioridades y estrategias para la educación, cujos objetivos eram
eliminar o analfabetismo e melhorar a eficácia e o atendimento
escolares por meio da gestão de recursos, indicando uma redefinição
do papel do Estado na educação e da parceria com o setor privado
(OLIVEIRA, 2010).
Portanto, o Brasil, para receber o financiamento na área
educacional, deveria adequar suas políticas públicas às novas
diretrizes, que foram traduzidas em política por meio da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do
Plano Nacional de Educação (PNE).
O principal eixo era a ideia de satisfação das necessidades
básicas de aprendizagem, e a prioridade passou a ser o ensino
fundamental. Outros níveis, como o médio e o superior, ou
mesmo outras modalidades, como a Educação de Jovens e
Adultos, começaram a receber pouco ou nada de financiamento.
O projeto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental (Fundef), amparado pela Lei n. 9.424/1996 (BRASIL,
1996), visava o financiamento da educação; no entanto, passou a
restringir as verbas para o ensino fundamental ao enfrentar um
processo de descentralização administrativa: os anos iniciais do
ensino fundamental tornaram-se responsabilidade dos municípios,
enquanto os anos finais, dos estados (OLIVEIRA, 2010).
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o poder
executivo desempenhou grande influência sobre o legislativo,
aprovando medidas para implantar a agenda imposta pelo Bird.
Entre essas medidas estavam: prioridade no ensino fundamental,
Ensino de História na contemporaneidade 33

privatização do ensino médio e do superior, convocação das


comunidades para participarem como parceiras das escolas em
programas como “Escola da família” e “Amigos da escola”, parcerias
com o setor privado e com ONGs, política do Estado mínimo,
sistemas nacionais de avaliação (como o Saresp, por exemplo) e a
institucionalização dos sistemas nacionais de conteúdos escolares
(como os PCN) de acordo com as demandas internacionais
(OLIVEIRA, 2010).
Tais medidas reduziram o direito à educação, tornaram a
formação de professores mero treinamento e atribuíram aos
programas curriculares da rede estadual acentuado pragmatismo,
focando nas habilidades e nas competências. O Bird fiscalizava a
eficácia das políticas públicas por intermédio dos seguintes critérios:
produzir livros didáticos de acordo com os PCN; capacitar docentes
da rede estadual e realizar processos avaliatórios; realizar instalação
de equipamentos escolares por pessoas capacitadas; e monitorar
o desempenho dos alunos por meio de avaliações permanentes
(OLIVEIRA, 2010).
Como veremos mais adiante, o Bird influenciou as políticas
públicas para a educação nas décadas de 1990 e 2000 e, portanto,
exerceu influência também nas configurações curriculares do
ensino de História.

2.2 Estudo dos Parâmetros Curriculares


Nacionais e das Diretrizes Nacionais para
História
Com base no que foi exposto na seção anterior, podemos afirmar
que a criação dos PCN visava atender às demandas solicitadas
pelas agências internacionais, sobretudo o Bird. Os PCN fariam
parte de uma nova forma de gestão educacional, que combinava
ações descentralizadas com decisões centralizadas. Isso porque
34 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

era necessário um rol de conteúdos uniformizados que abrangesse


todo o país, a fim de possibilitar a avaliação nacional a partir de
exames externos, os quais forneceriam dados estatísticos para o
cumprimento das exigências que o Bird impunha para a realização
de empréstimos (OLIVEIRA, 2010).
Dessa maneira, a autonomia das escolas, descrita no texto da LDB
e nos próprios PCN, ficaria comprometida, justamente porque os
exames externos cobrariam os conteúdos indicados no documento
(OLIVEIRA, 2010). Outra questão pontuada por diversos autores
é a ausência da experiência das escolas públicas (ARELARO, 2000,
p. 108) e das universidades, apesar de o documento apontar que
consultou as propostas curriculares dos municípios, dos estados e
de outros países, bem como o plano decenal, as pesquisas nacionais
e internacionais e as estatísticas do desempenho dos alunos.
De acordo com Moreira (1996), o consultor dos PCN foi César Coll,
professor de psicologia educacional de Barcelona.
A finalidade dos PCN era subsidiar as ações pedagógicas das
secretarias municipais e estaduais, no sentido de orientar as escolas.
O texto está organizado da seguinte forma: documento introdutório
do PCN e dos temas transversais, os temas transversais e as áreas
do conhecimento.
De maneira geral, o documento apresentou maior preocupação
com os conteúdos atitudinais, ou seja, aqueles associados aos valores
e aos sentimentos de alteridade e tolerância. Não demonstrou
preocupação com a aprendizagem do conhecimento acumulado pela
sociedade; nele, o importante é que o indivíduo aprenda a aprender
(OLIVEIRA, 2010). Enfatizou, nesse sentido, as habilidades e
as competências dos alunos, não a quantidade de conteúdos
apreendidos, minimizando a importância dos conhecimentos
eruditos antes transmitidos pela escola (OLIVEIRA, 2010).
Especificamente em relação aos PCN de História, Fonseca
(2003) observou que, apesar de não se configurar como um
Ensino de História na contemporaneidade 35

documento obrigatório, ele tornou-se um referencial para os


documentos estaduais e municipais, para a prática docente e para
a produção didática.
Além disso, Ribeiro (2004, p. 81), ao analisar os parâmetros
curriculares de História, afirmou que se deve compreender o
currículo para além de um esforço desinteressado de um corpo de
técnicos (professores e acadêmicos), pois a seleção e a organização
do conteúdo não é meramente uma transposição da ciência de
referência; o currículo é um lugar de disputa de interesses,
de conflitos simbólicos, de legitimação e de controle.
Portanto, ao estudar os PCN, é interessante ficar atento às
diferentes vozes e influências presentes neles para compreender por
que alguns conteúdos foram selecionados, enquanto outros foram
deslocados ou rejeitados.
Ribeiro (2004) apontou que o contexto de produção dos
PCN coincide com um momento de revisão historiográfica,
de questionamento da disciplina escolar de História e das
metodologias de ensino de forma geral.
A historiografia internacional e nacional, desde a década de 1950,
vinha passando por uma reformulação. No âmbito internacional,
houve vários movimentos de renovação historiográfica, como a Nova
Esquerda Inglesa, a terceira geração da Escola dos Annales, a Micro-
-história italiana e a Nova História Cultural. No Brasil, a proliferação
dos cursos de pós-graduação na década de 1970, a criação da Anpuh
no início da década de 1960, a inclusão dos professores de primeiro
e de segundo grau nessa associação nas décadas seguintes, a criação
de várias revistas especializadas na área, a reformulação nacional
culminaram em uma renovação historiográfica ocorrida em meados
da década de 1980 (RIBEIRO, 2004).
As discussões historiográficas contribuíram para o ensino
de História no sentido de ampliar o leque temático, incluindo o
cotidiano e as mentalidades no rol de conteúdos a serem ensinados
36 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

na escola, além de terem redimensionado a noção de documento


(RIBEIRO, 2004).
Isso foi visível nas discussões curriculares que aconteceram
na década de 1980 e, também, nos questionamentos levantados
nesse período, como a inviabilidade de ensinar toda a história da
humanidade e a visão eurocêntrica ensinada na época (RIBEIRO,
2004).
Ao mesmo tempo, as pesquisas do campo de psicologia social
e cognitiva, de Piaget e de Vygotsky, ganhavam fôlego no Brasil.
Essas pesquisas influenciaram as propostas curriculares das
décadas de 1980 e 1990, que passaram a compreender os estudantes
como participantes ativos no processo de ensino-aprendizagem
(RIBEIRO, 2004).
No caso dos PCN, é importante comentar a influência de
Perrenoud (1999), que embasou o conceito de competência na
educação. Para esse autor, o conceito de competência remeteria a
situações em que o indivíduo tomaria decisões a fim de resolver
problemas e, para tanto, teria que compreender, avaliar e mobilizar
saberes para agir de modo adequado (DIAS, 2010).
Nesse quadro educativo, o estudante deve se envolver com
o processo de ensino-aprendizagem, enquanto o professor
assume o papel de facilitador no processo de desenvolvimento de
competências e habilidades. Para Perrenoud (1999), educar para o
desenvolvimento de competências não é descartar o conhecimento
escolar, é não o entender isoladamente. Assim, a escola não deve
apenas transmitir o conhecimento, pois, na sociedade atual,
é necessário construir com os estudantes o conhecimento de saber
agir em uma sociedade em mudança.
O estudante deve desenvolver a capacidade de adaptar-se e de
estar em contínua aprendizagem, deve “aprender a aprender”. É desse
entendimento de competência que deriva a ideia de que existem,
Ensino de História na contemporaneidade 37

por exemplo, vários tipos de conteúdos relacionados a atitudes,


não apenas à atividade intelectual.
No texto dos PCN, o professor é considerado “um informante
valorizado perante os alunos” (RIBEIRO, 2004, p. 105); no entanto,
não são abordadas as condições de trabalho do professor, tampouco
sua formação inicial e continuada. Todos os documentos de área dos
PCN têm os mesmos tópicos, que são: caracterização da área para o
ensino fundamental e definição dos objetivos gerais e dos conteúdos
da área (critérios de seleção e organização).
Os PCN do ensino fundamental estão divididos em 4 ciclos:
o primeiro e o segundo abrangem da 1ª à 4ª séries, enquanto o
terceiro e o quarto ciclos englobam da 5ª à 8ª séries1. Abordaremos
aqui o terceiro e o quarto ciclos que, comumente, são os anos em que
o licenciado em História atua.
Após um breve histórico da disciplina de História no Brasil,
esse documento passa para a organização dos ciclos, expondo os
objetivos, os eixos temáticos e os critérios de avaliação. Finaliza
indicando os métodos didáticos que devem ser observados pelos
professores.
Os conteúdos sugeridos, organizados em eixos temáticos, são
bem abrangentes e têm a finalidade de possibilitar aos professores
adaptarem-se à realidade de sua escola e de sua localidade.
No terceiro ciclo, o eixo temático é “História das relações sociais,
da cultura e do trabalho”, subdividido em “As relações sociais,
a natureza e a terra” e “As relações de trabalho”. No quarto ciclo,
o eixo temático é “História das representações e das relações de
poder”, subdividido em “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”
e “Cidadania e cultura no mundo contemporâneo”.
Oliveira (2010, p. 43) afirma que “a perspectiva teórica da
História encontrada no PCN e que fundamenta o Ensino de História

1 É importante salientar que os PCN são anteriores ao ensino atual, de 9 anos.


38 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

a partir dos anos de 1990 é a Nova História – corrente de pensamento


oriunda da Escola dos Annales”. Contudo, acrescentamos que a
Nova Esquerda Inglesa também está presente – o que é perceptível
nos eixos temáticos e na bibliografia.
De maneira geral, não se pode afirmar com certeza qual foi
o impacto real dos PCN na prática docente, porque há poucas
pesquisas a esse respeito; sabe-se apenas que influenciou a produção
didática e os programas de ensino.
Outro documento importante em relação ao ensino de História,
nesse contexto, é o das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Básica – (DCN, 2013). As DCN pretendem fazer
cumprir algo que está disposto na LDB: a União deve estabelecer as
competências e as diretrizes para a educação infantil e para o ensino
fundamental e médio, em colaboração com os estados, Distrito
Federal e municípios. A finalidade das DCN é a de indicar um
“conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos
e procedimentos na Educação Básica […] que orientarão as escolas
brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, na articulação,
no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas”
(BRASIL, 2013, p. 7).
As autoras Maria Ciavatta e Marise Ramos (2012) afirmam que
o período que compreende os governos de Fernando Henrique
Cardoso, Lula e Dilma até 2011 seria a “Era das Diretrizes de
Curriculares”. Assim, as DCN poderiam ser entendidas como
documentos orientadores, circunstanciados jurídica, histórica e
filosoficamente e emitidos pelo CNE – o qual tem desempenhado
um papel fundamental nas propostas educacionais. Transcendendo
a sua finalidade original, estipulada na LDB, de órgão autônomo em
relação ao Ministério da Educação, o CNE, na prática, passou a se
constituir como uma instância de poder paralelo ao MEC. Sobre a
composição do CNE, as autoras afirmam que parte
Ensino de História na contemporaneidade 39

de sua composição advém da sociedade civil, porém, como


sugestão, já que a indicação final de cada conselheiro cabe
ao Ministro da Educação. Como instância de poder, torna-
-se campo de disputa por hegemonia entre classes e frações
de classes, sendo a política curricular o objeto específico
dessa disputa. (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 19)

Para Ciavatta e Ramos (2012, p. 33), “as DCN […] tornam-


-se instrumento de direção política e cultural da sociedade”,
compreendendo a escola como um lugar estratégico para as
ideias hegemônicas, associadas às contradições provocadas pela
reestruturação produtiva com base na especialização flexível.
Ao tratar da educação profissional nas discussões das diretrizes
em 2010, as autoras observam que o parecer do conselheiro Cordão
indicava um currículo baseado em competências, assim como
nos PCN, em flexibilidade curricular e em interdisciplinaridade
(CIAVATTA; RAMOS, 2012). As competências apresentam-se como
conceitos chave, embasadas na concepção do saber fazer, do saber
ser e do saber conviver. Os componentes das competências seriam,
então, os conhecimentos, as habilidades, as atitudes, os valores e as
emoções (CIAVATTA; RAMOS, 2012).
As DCN da educação básica, objeto de nosso estudo, mais
especificamente a do ensino fundamental apresenta os seguintes
fundamentos: o direito à educação e a educação com qualidade
social. Os princípios dividem-se em éticos e políticos:
Éticos: de justiça, solidariedade, liberdade e autonomia; de
respeito à dignidade da pessoa humana e de compromisso
com a promoção do bem de todos, contribuindo para
combater e eliminar quaisquer manifestações de preconceito
e discriminação.
Políticos: de reconhecimento dos direitos e deveres de
cidadania, de respeito ao bem comum e à preservação do
regime democrático e dos recursos ambientais, de busca da
equidade no acesso à educação, à saúde, ao trabalho, aos bens
culturais e outros benefícios; de exigência de diversidade de
tratamento para assegurar a igualdade de direitos entre os
40 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

alunos que apresentam diferentes necessidades; de redução


da pobreza e das desigualdades sociais e regionais. (BRASIL,
2013, p. 107-108)

As DCN apontam os componentes curriculares obrigatórios


do ensino fundamental, organizados em relação às áreas do
conhecimento:
I – Linguagens:
a) Língua Portuguesa
b) Língua materna, para populações indígenas
c) Língua Estrangeira moderna
d) Arte
e) Educação Física
II – Matemática
III – Ciências da Natureza
IV – Ciências Humanas:
a) História
b) Geografia
V – Ensino Religioso. (BRASIL, 2013, p. 114)

Os conteúdos estipulados pela Base Nacional Comum Curricular


devem se articular aos componentes e às áreas com base em seus
referenciais, relacionando-os a temas contemporâneos importantes,
tanto globais quanto locais. Por isso, uma das maneiras de trabalhar
os componentes curriculares é a transversalidade (BRASIL, 2013).
Observa-se que as diretrizes para o ensino fundamental não
estão pautadas apenas na noção de competência para orientar a
seleção dos conteúdos, como o texto indica:
quanto ao planejamento curricular, há que se pensar na
importância da seleção dos conteúdos e na sua forma de
organização. No primeiro caso, é preciso considerar a
relevância dos conteúdos selecionados para a vida dos
alunos e para a continuidade de sua trajetória escolar,
bem como a pertinência do que é abordado em face da
diversidade dos estudantes, buscando a contextualização
dos conteúdos e o seu tratamento flexível. Além do que,
Ensino de História na contemporaneidade 41

será preciso oferecer maior atenção, incentivo e apoio aos


que deles demonstrarem mais necessidade, com vistas a
assegurar a igualdade de acesso ao conhecimento. (BRASIL,
2013, p. 118)

O documento assevera que os segmentos populares não podem


ser privados dos conhecimentos mais abstratos e lógicos que são
ensinados para o restante da população. A questão não é apenas
garantir o acesso à educação, mas uma educação que possa equiparar
os mais pobres às demais classes da população brasileira (BRASIL,
2013).
Os conteúdos, então, seriam indicados pela Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), que veremos adiante.

2.3 A educação brasileira no início do


século XXI: BNCC
A BNCC tem por finalidade apresentar os direitos e os objetivos
de aprendizagem, bem como os conteúdos que devem orientar a
elaboração de currículos da educação básica no Brasil, cumprindo
o que define o Plano Nacional de Educação (PNE) e a Conferência
Nacional de Educação (Conae). O Ministério da Educação (MEC)
considera que a BNCC é um importante instrumento de gestão
pedagógica e de orientação da formação integral dos educandos
(TRICHES; ARANDA, 2016).
Triches e Aranda (2016) afirmam que a maior parte da literatura
dedicada à análise da BNCC a insere numa política de Estado
neoliberal (como a LDB e os PCN), que tem por meta melhorar
as economias nacionais com uma educação focada na aquisição de
competências e habilidades relacionadas ao trabalho.
Os mesmos textos, segundo as autoras, apontam ainda como
os sujeitos individuais e coletivos e as organizações que possuem
interesses mercantis privados, como a Fundação Lemann (2002)
e o Movimento pela BNCC (2013), têm procurado direcionar as
42 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

políticas educacionais. Essas instituições são constituídas por


grandes corporações financeiras e estão articuladas a instituições
educacionais globais, promovendo reformas similares às
empreendidas nos EUA, na Austrália, no Chile e no Reino Unido,
que implantaram padrões curriculares nacionais (TRICHES;
ARANDA, 2016).
Os estudos analisados pelas autoras compreendem o currículo
e, nesse caso, a BNCC como um campo de disputas, uma prescrição
curricular, uma colcha de retalhos feita de descritivo de saberes e de
conteúdos, um currículo homogeneizador (TRICHES; ARANDA,
2016).
Há muitas críticas em relação à BNCC, como a padronização,
que interfere na autonomia das escolas e dos professores, impondo
uma identidade, e a exclusão social e escolar que a Base reproduz
(TRICHES; ARANDA, 2016). No caso da BNCC de História,
a polêmica foi a sua marca desde a primeira versão em 2015, quando
o então Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, a criticou
como parcial ou ideológica, porque teria feito a opção de organizar os
conteúdos de História a partir da América e do Brasil, minimizando
ou cortando conteúdos até então tradicionais na disciplina escolar
de História, como a História Antiga.
Houve reações também por parte dos professores universitários
das cadeiras de História Antiga e de História Medieval (SILVA
JUNIOR, 2016). Devido a essas manifestações, a BNCC de História
passou por novas rodadas de discussões antes de ser apresentada sua
versão final, em 2017.
Na BNCC, a parte que corresponde ao ensino de História para
os anos finais do ensino fundamental apresenta orientações gerais e
um quadro com os temas a serem trabalhados. As orientações gerais
focam no próprio oficio do historiador, propondo que docentes e
discentes assumam uma “atitude historiadora” (BRASIL, 2017,
p. 401).
Ensino de História na contemporaneidade 43

A atitude historiadora comportaria algumas habilidades, como


os processos de identificação, comparação, contextualização,
interpretação e análise de um objeto, habilidades essas que estimulam
o pensamento (BRASIL, 2017). Entre os objetivos indicados no
documento estão o de estimular a autonomia de pensamento e o de
reconhecer que os indivíduos agem de acordo com a época e o lugar
nos quais vivem (BRASIL, 2017).
Os educandos também deveriam aprender as bases da
epistemologia da História, como: a natureza compartilhada do
sujeito e do objeto de conhecimento; o conceito de tempo histórico;
a concepção de documento; as várias linguagens por meio das quais
o ser humano se apropria do mundo (BRASIL, 2017).
Mais adiante no texto da BNCC, são expostas as competências
específicas de História para o ensino fundamental e, em seguida,
são apontados três procedimentos básicos:
1. Pela identificação dos eventos considerados importantes
na história do Ocidente (África, Europa e América,
especialmente o Brasil), ordenando-os de forma
cronológica e localizando-os no espaço geográfico.
2. Pelo desenvolvimento das condições necessárias para
que os alunos selecionem, compreendam e reflitam
sobre os significados da produção, circulação e utilização
de documentos (materiais ou imateriais), elaborando
críticas sobre formas já consolidadas de registro e de
memória, por meio de uma ou várias linguagens.
3. Pelo reconhecimento e pela interpretação de diferentes
versões de um mesmo fenômeno, reconhecendo as
hipóteses e avaliando os argumentos apresentados com
vistas ao desenvolvimento de habilidades necessárias
para a elaboração de proposições próprias. (BRASIL,
2017, p. 367)
Em seguida, o documento apresenta um quadro de distribuição
de conteúdos por ano, com a seguinte divisão: unidades temáticas;
objetos de conhecimento; e habilidades. As unidades temáticas estão
organizadas conforme demonstrado no Quadro 1, a seguir.
44 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Quadro 1 – Organização das unidades temáticas

6º ano
• História: tempo, espaço e formas de registros.
• A invenção do mundo clássico e o contraponto com outras sociedades.
• Lógicas de organização política.
• Trabalho e formas de organização social e cultural.

7º ano
• O mundo moderno e a conexão entre sociedades africanas, americanas e
europeias.
• Humanismo, renascimentos e o Novo Mundo.
• A organização do poder e as dinâmicas do mundo colonial americano.
• Lógicas comerciais e mercantis da modernidade.

8º ano
• O mundo contemporâneo: o Antigo Regime em crise.
• Os processos de independência nas Américas.
• O Brasil no século XIX.
• Configurações do mundo no século XIX.

9º ano
• O nascimento da República no Brasil e os processos históricos até a metade do
século XX.
• Totalitarismo e conflitos mundiais.
• Modernização, ditadura civil-militar e redemocratização: o Brasil após 1946.
• A História recente.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 2017.

De maneira geral, as habilidades exigidas se referem ao


conteúdo em si e não ao pensar historicamente. Assim, ainda
que, na apresentação, o documento aponte quais procedimentos
são importantes no estudo da História, esses procedimentos não
aparecem nas habilidades que se espera desenvolver nos alunos.
É nessa organização dos conteúdos da BNCC que os programas
escolares e os materiais didáticos devem orientar-se.

Considerações finais
Para o professor de História, é importante ter o conhecimento
sobre os documentos que orientam a sua disciplina na escola,
compreendendo também os contextos das políticas públicas que
Ensino de História na contemporaneidade 45

serviram de base para a construção desses documentos. Dessa


forma, além de fazer cumprir a legislação educacional, é preciso
fazê-lo de maneira crítica.

Ampliando seus conhecimentos


• BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário
Oficial da União. Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
L9394compilado.htm. Acesso em: 12 abr. 2019.
Nesse endereço você encontra a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação – Lei n. 9.394/1996 – na íntegra. Ela é essencial
para o conhecimento dos parâmetros da lei na construção das
políticas públicas posteriores.

• BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


Curriculares Nacionais (5ª a 8ª séries). 1998. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_5a8_historia.
pdf. Acesso em: 12 abr. 2019.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, especialmente os
de História, são importantes para o conhecimento das
orientações para os programas escolares no final da década
de 1990.

• BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares


nacionais da educação básica (DCN). Brasília, DF: Ministério da
Educação, 2013. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&view=download&alias=15548-
d-c-n-educacao-basica-nova-pdf&Itemid=30192. Acesso em:
12 abr. 2019.
Documento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica. As DCN são fundamentais para conhecer
as orientações que deram suporte à redação da BNCC.
46 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

• BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum


Curricular: educação é a base. Brasília, DF: Ministério da
Educação, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.
mec.gov.br/. Acesso em: 12 abr. 2019.
A Base Nacional Comum Curricular, especialmente a parte
que corresponde aos anos finais do ensino fundamental,
é essencial para o conhecimento das atuais orientações do
MEC em relação à disciplina de História.

Atividades
1. Articule o contexto de flexibilização do capitalismo e do
neoliberalismo com as políticas educacionais das décadas
de 1990.

2. Em linhas gerais, como está organizada a disciplina de


História segundo os PCN e a BNCC?

3. Após a comparação entre os PCN e a BNCC, indique


as aproximações e os distanciamentos entre esses dois
documentos em relação à disciplina escolar de História.

Referências
ARELARO, L. R. G. Resistência e submissão: a reforma educacional na
década de 1990. In: KRAWCZYK, N.; CAMPOS, M.; HADDAD, S. (org).
O cenário educacional latino-americano no limiar do século XXI: reformas
em debate. Campinas, SP: Autores Associados, 2000. p. 95-116.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de


Janeiro: Zahar, 1999.
Ensino de História na contemporaneidade 47

BRASIL. Lei n. 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União,


Poder Legislativo, Brasília, DF, 26 dez. 1996. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9424compilado.htm. Acesso em: 12 maio
2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Básica. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2013. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-
educacao-basica-2013-pdf/file. Acesso em: 11 maio 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular:


educação é a base. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2017. Disponível
em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_
versaofinal_site.pdf. Acesso em: 12 maio 2019.

CIAVATTA, M.; RAMOS, M. A “era das diretrizes”: a disputa pelo projeto


de educação dos mais pobres. Revista Brasileira de Educação, v. 17, n. 49,
jan/abr, 2012, p. 11-37. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/
v17n49/a01v17n49.pdf. Acesso em: 12 maio 2019.

DIAS, I. S. Competências em educação: conceito e significado pedagógico.


Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional,
São Paulo, v. 14, n. 1, jan/jun, 2010. p. 73-78. Disponível em: http://www.
scielo.br/pdf/pee/v14n1/v14n1a08.pdf. Acesso em: 11 maio 2019.

FONSECA, T. N. L. História e ensino de história. Belo Horizonte: Autêntica,


2003.

GUIMARÃES, S. Abordagens historiográficas recorrentes no ensino


fundamental. In: GUIMARÃES, S. Didática e prática de ensino de História.
13. ed. Campinas: Papirus, 2012. p. 39-54.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002.

OLIVEIRA, A. F. I. Estado, sociedade e políticas públicas de educação: o


PCN de História para o ensino fundamental I no contexto das políticas
neoliberais dos anos de 1990. 68 f. Dissertação (Metrado em Sociologia)
– Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual de São Paulo,
Araraquara, 2010. Disponível em: http://wwws.fclar.unesp.br/agenda-pos/
ciencias_sociais/1998.pdf. Acesso em: 12 maio 2019.

PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre:


Artmed, 1999.

RIBEIRO, R. O saber (histórico) em parâmetros: o ensino da História e as


reformas curriculares das últimas décadas do século XX. Mneme - Revista
de Humanidades, v. 5, n. 10, 7 jul. 2010.
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SILVA JUNIOR, A. F. BNCC, componentes curriculares de história:


perspectivas de superação do eurocentrismo. EccoS – Revista Científica,
São Paulo, n. 41, set/dez, 2016, p. 91-106. Disponível em: http://
periodicos.uninove.br/index.php?journal=eccos&page=article&op
=view&path%5B%5D=6776&path%5B%5D=3431. Acesso em: 12 maio
2019.

TRICHES, E. F. ARANDA, M. A. M. A formulação da base nacional comum


curricular (BNCC) como ação da política educacional: breve levantamento
bibliográfico (2014-2016). Realização, v. 3, n. 5, 2016, p. 81-98. Disponível
em: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/realizacao/article/view/6362/3320.
Acesso em: 12 maio 2019.
3
A formação do professor de História

Uma das críticas aos cursos de licenciatura em História é


a dicotomia entre pesquisa e ensino, privilegiando a pesquisa
em detrimento do ensino. Ainda que se perceba, atualmente,
uma tentativa de reverter esse quadro, as disciplinas de ensino ainda
são compreendidas apenas como instrumentais, não como espaço
de reflexão e pesquisa.
Este capítulo, então, trata da formação docente do profissional de
História, abordando o histórico das reformas curriculares dos cursos
de licenciatura em História e a dicotomia entre teoria e prática,
e discutindo a escola enquanto espaço de pesquisa e investigação.

3.1 Últimas reformas curriculares dos


cursos de licenciatura e o lugar do estágio
supervisionado
De acordo com Sobanski (2017, p. 152) as discussões sobre a
importância da universalização da educação elementar no Brasil e,
consequentemente, da formação de docentes começaram na virada
do século XIX para o XX. Para tanto, foram criadas as Escolas
Normais para formar professores primários e instituídos os cursos
superiores para formar professores do ensino secundário.
A década de 1930 foi de inflexão na formação de professores,
iniciada com a criação dos institutos de educação. Esses institutos
baseavam-se nas ideias da Escola Nova e, por isso, além de espaço
educativo, configuraram-se como lugar para o desenvolvimento
de pesquisa. Com a nova concepção de formação pedagógica
50 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

dos professores, os institutos impulsionaram a formação desses


profissionais em nível superior.
Em 1939, com o Decreto-Lei n. 1.190/1939 e a criação da
Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil,
os cursos de formação de professores passaram a se organizar em
três anos mais um: os primeiros três anos seriam dedicados ao
estudo da disciplina específica, e o último ano, de formação didática
(COSTA, 2007, p. 26).
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), as primeiras universidades
que ofertaram o curso de História foram: Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1931; Universidade de São Paulo
(USP), em 1934; Universidade do Distrito Federal (UDF-RJ), em
1935; Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1938; Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em 1940;
PUC Rio de Janeiro (PUC-RJ), em 1940; Universidade Federal da
Bahia (UFBA), em 1941; Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UFRJ), também em 1941; PUC-Campinas, em 1942; PUC Minas
Gerais (PUC-MG), em 1943; Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), também em 1943; e Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG), em 1950 (BRASIL, 2019 apud SOBANSKI,
2017, p. 154).
O Decreto-lei n. 1.190/1939 (BRASIL, 1939) também
determinava, no art. 5º, a existência de cursos concomitantes, entre
eles História e Geografia, e, no art. 20, determinava que cursar três
anos equivaleria a receber o diploma de bacharel e, com o acréscimo
de um ano de estudos nesses cursos, o diploma de licenciatura.
Apenas em 1955, por meio da Lei n. 2.594/1955, os cursos de
História e de Geografia foram separados (SOBANSKI, 2017).
Em 1962, o Parecer CNE 292/1962, aprovado em 14 de
novembro, estabelecia a separação entre as disciplinas de conteúdo
específico e as de formação pedagógica. Esse parecer legitimou a
A formação do professor de História 51

separação entre teoria e prática na formação docente, o que ainda


se mantém em grande parte dos cursos de licenciatura em História,
reforçando a dicotomia entre ensino e pesquisa (BRASIL, 1962).
Em 1968, foi decretada a Lei n. 5.540/1968 (BRASIL, 1968), que,
entre outras medidas, estabelecia a criação da disciplina escolar de
Estudos Sociais. No entanto, essa disciplina foi extinta na década
de 1980, dando lugar à História e à Geografia, novamente separadas,
como estudamos no Capítulo 1.
Após o período de democratização, uma das reformas mais
importantes nos cursos de licenciatura se deu com o Parecer
CNE/CP 9/2001 (BRASIL, 2001), quando estes passaram a ser
ofertados independentemente dos cursos de bacharelado. No ano
seguinte, a Resolução CNE/CP 1/2002 (BRASIL, 2002a) instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
da educação básica.
O Parecer 492/2001 foi contestado pela Associação Nacional dos
professores universitários de História (Anpuh), que demonstrava
preocupação com a separação da formação do pesquisador e do
professor (SOBANSKI, 2017).
De acordo com Sobanski (2017, p. 161), um dos pontos mais
polêmicos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores era o acréscimo significativo de carga horária para a
Prática como componente curricular e de Estágio Supervisionado.
Assim, a resolução CNE/CP 2/2002 (BRASIL, 2002b), em seu art. 1º,
estabelece a carga horária mínima de 2800 horas, das quais 400
horas são de Prática como componente curricular no decorrer do
curso, 400 horas de Estágio Supervisionado, a partir da metade
do curso, 200 horas em atividades acadêmicas e 1800 horas de aulas
com conteúdos.
De acordo com Caimi (2015), o acréscimo na carga horária de
Estágio Supervisionado e de Prática como componente curricular
diminuiu o espaço na grade horária das disciplinas consideradas
52 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

clássicas nos currículos dos cursos de História no Brasil, porque, via


de regra, os cursos continuaram a durar quatro anos e grande parte
deles eram ofertados no período noturno, para atender o aluno
trabalhador que dispunha de menos tempo para os estudos.
Com a reforma curricular, há um aumento significativo das
horas para Estágio Supervisionado. Silva (2010), em seu texto
Atualizando a Hidra? O estágio supervisionado e a formação docente
inicial em História, analisa o estágio nos cursos de História em
Santa Catarina e a reforma curricular promovida pelas resoluções
do CNE/CP 1/2002 e 2/2002. A autora observa que há relações de
poder e posições sociais em jogo na hierarquização da parte teórica
e prática, bem como entre pesquisa e ensino nas licenciaturas. De
acordo com Silva (2010, p. 135), há “dificuldades em empreender
operações que substantivamente possam estabelecer o rompimento
definitivo com a noção que reduz os componentes curriculares
relacionados às práticas e ao estágio à ‘parte prática e instrumental’
do curso, subordinada à ‘teoria’”.
Silva (2010) realizou entrevistas com egressos dos cursos,
formados no final das décadas de 1970 a 1990, e uma professora de
Prática de Ensino anterior à reforma.
Sobre os professores entrevistados, a autora expõe o seguinte
balanço:
construíram suas narrativas buscando operações que
pudessem reconstituir um pouco da forma como o estágio
estava organizado e de como se relacionavam com ele.
Observar aulas no campo de estágio, preparar aulas,
pensar conteúdos e formas de repassá-los são noções
atravessadas pelo nervoso de uns, a maior tranquilidade
de outros, deslocamentos, afetos e frustrações. Para além
dessas questões, importa pensar que a forma como cada
um procurou estabelecer uma narrativa que traduzisse
suas representações sobre a disciplina de Prática de
Ensino e o próprio momento do estágio docente remete
a permanências sobre o lugar que essa etapa ocupava no
currículo do curso. (SILVA, 2010, p. 145).
A formação do professor de História 53

A dicotomia entre teoria e prática permanece nas próprias


narrativas dos entrevistados. Por isso, Silva (2010) afirma que o
estágio supervisionado se caracteriza como uma formalização
prática, constituindo-se como uma fronteira que separa a teoria
e os conteúdos específicos da aplicação. O estágio seria, então,
como disciplina de instrumentalização, subordinado à produção
científica. É como se o estágio supervisionado ocupasse um não
lugar, desprovido de epistemologia, de pesquisa e de produção
de conhecimento.
Essa dicotomia é alimentada pela concepção de que o saber
estaria apenas na teoria, pois a prática seria desprovida de saber ou
apresentaria um falso saber, compreendendo que a única relação
possível entre teoria e prática seria a aplicação técnica (SILVA, 2010).
Para Silva (2010, p. 151), o estágio deveria ser compreendido
como um componente curricular que permitisse a pesquisa, e a
prática seria, assim, problematizada e investigada. Nesse sentido,
Pimenta e Lima (2004) afirmam que entender o estágio como campo
de pesquisa desenvolve nos estudantes uma postura de investigador,
permitindo a reflexão sobre a prática. Um dos campos de pesquisa
sobre a prática em sala de aula é desenvolvida pela Educação
Histórica, que veremos mais adiante, em outro capítulo.

3.2 Superação da dicotomia entre teoria e


prática: o professor pesquisador
Como vimos, há uma tradição, nos cursos de licenciatura em
História, de dicotomia entre pesquisa e ensino, estabelecendo uma
relação hierárquica entre eles. Contudo, grupos de estudos sobre
ensino de História têm desenvolvido pesquisas na área, procurando
possibilitar a formação do professor pesquisador e compreendendo
que o espaço escolar é também um lugar de construção do
conhecimento.
54 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Nas décadas de 1960 e 1970, na Inglaterra, teve início a


discussão sobre a concepção de professor pesquisador no School
Councils Humanities Project (1967-1972), coordenado por Lawrence
Stenhouse, redimensionando o papel do professor. Stenhouse
compreendia a pesquisa como uma indagação, que estimularia a
“busca contínua pelo conhecimento” (SOBANSKI, 2017, p. 31-32).
A redefinição do papel do professor também se tornou
preocupação em outros países, como Canadá, França e EUA,
considerando o docente como prático e reflexivo. Essa discussão
mundial sobre o papel do professor teve desmembramentos na
década de 1990, em que se passa a observar a importância da
pesquisa na formação dos professores, sobretudo para formar um
professor capaz de transformar sua realidade e de refletir sobre sua
prática (SOBANSKI, 2017).
No Brasil, Pedro Demo, na década de 1980, tornou-se uma
referência importante na educação com base em projetos. Para
Demo, a pesquisa era entendida como científica e educativa,
compreendendo o professor como responsável pela elaboração
dos projetos. Esse autor aponta a pesquisa como uma competência
metodológica de dialogar com a realidade de maneira crítica,
interferindo nela (SOBANSKI, 2017).
Na década de 1990, as discussões sobre pesquisa e ensino
promoveram um repensar do papel do professor no processo de
ensino-aprendizagem e do conceito de professor pesquisador.
As pesquisas de ação nas escolas se desenvolveram, sobretudo, com
a influência de estudiosos dos saberes docentes, como Tardif.
De acordo com Tardif (2010), os saberes docentes não se limitam
à formação inicial destes, pois envolvem questões de ordem pessoal,
social e cultural nas quais o professor está inserido. Um dos pontos
que confere relevância social ao saber docente é o fato de instruir e
educar o cidadão, com a finalidade de colaborar para as mudanças
na sociedade (BEZERRA, 2018).
A formação do professor de História 55

Os professores não são meros reprodutores dos conhecimentos


da ciência de referência, isso porque, em sua prática docente, utilizam
teorias, conceitos e técnicas de acordo com as circunstâncias da
escola (TARDIF, 2010). Segundo Bezerra (2018, p. 298),
os saberes raramente são construídos da mesma forma
que a universidade e a formação inicial os elaboram. Pelo
contrário, o docente, conscientemente, ou não, à medida que
vai apropriando-se de outros e novos saberes, vai filtrando-os
de acordo com seus caracteres pessoais e os põem em prática
de forma personalizada.

Assim, o saber docente, segundo Tardif (2010), baseia-se em


quatro pilares: disciplinar, pedagógico, curricular e experiencial.
O professor, então, está em constante formação, para além da sua
graduação, pautada por saberes disciplinares e pedagógicos, pois esses
saberes, na escola, são fruto da ação docente, a partir de sua prática
social (BEZERRA, 2018).
É necessário apostar em uma prática pedagógica reflexiva,
na qual se concebe que a teoria e a prática estão indissolúveis,
superando dicotomias. Os conteúdos escolares devem promover
uma mudança qualitativa, munindo os alunos com conhecimento
crítico em relação à realidade (SCHMIDT, RIBAS, CARVALHO,
1999).
Contudo, os estudos na prática docente exigiram uma renovação
na própria concepção de pesquisa. Para Liston e Zeichner (1997), o
reconhecimento acadêmico das pesquisas educacionais realizadas
pelos professores enriqueceria a pesquisa educacional e permitiria
a aproximação das universidades dos reais problemas vividos pelo
professor.
Até então, segundo Liston e Zeichner (1997), as universidades
estavam preocupadas em formar mestres e doutores sem preocupar-
se com as necessidades da educação básica. As pesquisas elaboradas
por eles tinham respeitabilidade profissional, mas deixavam de lado
as questões ligadas ao ensino, tratadas como coisas sem importância.
56 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Mais adiante, porém, os pesquisadores passaram a se dividir em dois


grupos: um que ainda está focado em pesquisas disciplinares e outro
que se volta para o campo prático da educação (SOBANSKI, 2017).
Caimi (2015) assevera que foi apenas na última década que
os pesquisadores da aprendizagem da história escolar passaram a
pesquisar as salas de aula com a finalidade de compreender como
o processo de ensino e aprendizagem se desenvolve, sobretudo na
construção das noções e das ideias históricas de crianças e de jovens.
Essas pesquisas se preocupam mais com os resultados qualitativos,
testando novos instrumentos metodológicos de investigação e se
aproximando da etnografia.
Nesse sentido, as discussões sobre o ensino de História se
desenvolveram para além da ideia de transposição didática, como
veremos adiante.

3.3 Para além da ideia de transposição


didática
A discussão em torno da transposição didática está associada
à didatização dos conteúdos escolares. O processo de didatização
ocorreu a partir do início do século XX, com a necessidade de
elencar os conteúdos que comporiam as disciplinas escolares. Essa
didatização era influenciada pela pedagogia e pela psicologia e
tinha o intuito de tornar os conteúdos compreensíveis aos alunos
(SOBANSKI, 2017).
Um dos autores mais reconhecidos nas discussões sobre
a transposição didática é Chevallard (2013), que escreveu sobre a
didatização da matemática na escola. Para o autor, um dos grandes
problemas que os didáticos enfrentavam nas escolas dizia respeito
ao fato de que eles oferecem aos alunos explicações em termos de
fenômenos, enquanto os alunos respondem com fatos que, por si só,
não analisam o objeto estudado.
A formação do professor de História 57

Chevallard (2013) demonstra a especificidade do didático


em relação à sua ciência de referência, porque o que interessa ao
didático não é o fenômeno ensinado, mas como ensiná-lo. Ou seja,
o autor compreende que há uma transformação do conhecimento
dentro do sistema de ensino. Essa transformação ocorre por causa
da relação didática que une três objetos: o professor, o ensino e o
conhecimento ensinado.
Mas o que é escolhido da ciência de referência para tornar
ensinável nas escolas? Para Chevallard (2013), a sociedade deve
reconhecer o suposto corpo de conhecimento ensinável nas escolas,
em detrimento de outros conhecimentos. Em alguns momentos, há
um esforço de grupos para que conteúdos que não eram ensináveis
passem a sê-lo, criando um contrato didático legitimado socialmente
– ao que o autor denomina transposição didática.
Ensinar um corpo de conhecimento é, portanto, uma
tarefa altamente artificial. A transição do conhecimento
considerado como uma ferramenta a ser posto em prática,
para o conhecimento como algo a ser ensinado e aprendido,
é precisamente o que eu tenho chamado de transposição
didática do conhecimento. (CHEVALLARD, 2013, p. 9,
grifo do original)

Para Chevallard (2013), os usos efetivos e múltiplos do


conhecimento na prática social não são automaticamente os mesmos
que se tornam ensináveis. Isso acontece por duas razões: i) os
conhecimentos, nas práticas sociais efetivas, apresentam-se de maneira
fragmentada, porém, para serem ensináveis, devem constituir-se
como um todo organizado e integrado; ii) o conhecimento utilizado
precisa mostrar a sua relevância, enquanto o conhecimento ensinável
deve apenas ser legitimado. Em outras palavras,
o ensino de um corpo de conhecimento não pode ser
justificado apenas no fato de que o conhecimento ensinado
poderia ser útil em atividades sociais tais e tais. Pois, mesmo
no caso da formação profissional, abre-se uma lacuna que
58 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

não pode ser preenchida entre a aprendizagem, ou mesmo


aprender a usar, e o uso. (CHEVALLARD, 2013, p. 11-12)

Portanto, a legitimação do conhecimento escolar passa por


processos diferentes daqueles pelos quais passa o conhecimento
acadêmico. Ainda assim, o autor acredita que, de maneira geral,
os conhecimentos ensináveis são derivados dos acadêmicos
(CHEVALLARD, 2013). Nos casos em que não exista um
correspondente acadêmico ao conhecimento ensinável, há uma
tentativa de criar um corpo de conhecimento acadêmico ou
pseudoacadêmico.
Chevallard (2013) estava ciente das críticas em relação à
ideia de transposição didática, mas apontava, ainda assim, que o
conhecimento acadêmico, ao adentrar no sistema escolar, passa por
transformações da própria ecologia de saberes existentes na escola,
uma vez que os saberes ensinados são regidos por leis específicas,
limitadas pela relação didática.
Por outro lado, Chervel (1990) compreende que, ao estudar a
disciplina escolar, deve-se considerar o papel histórico da escola
no período analisado. Por isso, o autor assevera que, ao estudar as
disciplinas escolares, deve-se investigar sua integração com a cultura
escolar, relacionando o ensino da disciplina com as finalidades e os
resultados concretos esperados.
Nesse sentido, Chervel (1990) parte da premissa de que a escola é
um espaço de criação – não apenas de reprodução – de valores, visto
que as disciplinas são produzidas no interior da escola e a cultura
escolar molda um tipo de saber. O autor recomenda ao historiador
das disciplinas escolares optar por analisar momentos de mudança
ou de crise das disciplinas, porque é justamente nos momentos de
reformulação das finalidades e dos objetivos que os elementos para
investigação das disciplinas ficam visíveis. Nos momentos de crise,
o professor procura soluções para enfrentar as mudanças, revelando
as finalidades do ensino daquela disciplina.
A formação do professor de História 59

As atuais pesquisas na área da educação, segundo Caimi (2015),


demonstram que o saber escolar obedece a uma lógica própria,
relacionada à cultura escolar; reconhecem, porém, a necessidade
de diálogo com a disciplina de referência e, por isso, realizam
investigações sobre as especificidades da aprendizagem de noções
e conceitos da História, como o tempo, a causalidade, a empatia etc.
Outro tema investigado na área da educação e do ensino de
História é a formação do professor. Esse tema objetiva produzir
conhecimentos para promover um impacto positivo nos processos
de aprendizagem do pensamento histórico dos alunos. Há também
outras pesquisas que se dedicam ao estudo da cognição histórica nos
processos de aprendizagem de História na sala de aula, subsidiados
pelas ideias piagetianas e vygotskyanas (CAIMI, 2015).

Considerações finais
As pesquisas sobre o ensino de História têm indicado que
os cursos de licenciatura dessa área devem rever sua estrutura
curricular e a forma como compreendem as disciplinas associadas
ao ensino. Nos novos estudos, é defendido que o ensino e a pesquisa
não devem caminhar separadamente, entendendo que a escola
pode se transformar em um espaço para a pesquisa. Além disso,
essa perspectiva sobre o espaço escolar pode estimular a formação
de um professor pesquisador, que não é um mero reprodutor do
conhecimento acadêmico.

Ampliando seus conhecimentos


• LAPEDUH. Laboratório de pesquisa em Educação Histórica.
Curitiba: UFPR. Disponível em: https://lapeduh.wordpress.
com/. Acesso em: 15 maio 2019.
60 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Site do Laboratório de pesquisa em Educação Histórica


(Lapeduh), que apresenta o histórico do grupo, os eventos
promovidos por ele e artigos da Revista de Educação Histórica.
O Lapeduh faz parte do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e é
um dos principais grupos do Brasil que estuda e promove
pesquisa sobre a Educação Histórica.

• LABHIS. Laboratório de Ensino de História. Londrina:


UEL. Disponível em: http://www.uel.br/laboratorios/labhis/.
Acesso em: 15 maio 2019.
Site do Laboratório de Ensino de História da Universidade
Estadual de Londrina, que apresenta o histórico do
laboratório, os projetos e as linhas de pesquisa em ensino
de História.

Atividades
1. Escreva, em linhas gerais, como Chevallard compreende a
transposição didática.

2. Escreva, em linhas gerais, como Chervel entende a


constituição das disciplinas escolares.

3. Quais são as propostas possíveis para romper com a dicotomia


entre teoria e prática nos cursos de licenciatura em História?
A formação do professor de História 61

Referências
BEZERRA, R. J. L. Interpretando a contribuição de Maurice Tardif:
reflexões sobre a prática educativa a partir dos saberes curriculares e saberes
experienciais docentes. Revista Diálogos. n. 19, mar./abr. 2018. p. 292-325.
Disponível em: http://www.revistadialogos.com.br/Dialogos_19/Dial_19_
Ricardo.pdf. Acesso em: 15 maio 2019.

BRASIL. Decreto-Lei n. 1.190, de 4 de abril de 1939. Diário Oficial da União,


Poder Executivo, Brasília, DF, 4 abr. 1939. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del1190.htm. Acesso em:
14 maio 2019.

BRASIL. Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diário Oficial da União,


Brasília, DF, 20 dez. 1961. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/LEIS/L4024compilado.htm. Acesso em: 15 maio 2019.

BRASIL. Lei n. 5.540 de 28 de novembro de 1968. Diário Oficial da União,


Brasília, DF, 23 nov. 1968. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/LEIS/L5540compilada.htm. Acesso em: 14 maio 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer


CNE/CP 9/2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 jan. 2002.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/009.pdf. Acesso
em: 15 maio. 2019.

BRASIL. Parecer CNE/CES 492/2001. Diário Oficial da União, Brasília,


DF, 9 jul. 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
CES0492.pdf. Acesso em: 15 maio 2019.

BRASIL. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002. Diário Oficial


da União, Brasília, DF, 9 abr. 2002. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
cne/arquivos/pdf/rcp01_02.pdf. Acesso em: 15 maio 2019.

BRASIL. CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002. Diário Oficial da União,


Brasília, DF, 4 mar. 2002. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/
arquivos/pdf/CP022002.pdf. Acesso em: 15 maio 2019.

CAIMI, F. E. Investigando os caminhos recentes da história escolar:


tendências. In: ROCHA, H.; MAGALHÃES, M.; GONTIJO, R. (org.). O
ensino de História em questão: cultura histórica, usos do passado. Rio de
Janeiro: FGV, 2015. p. 17-36.

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo


de pesquisa. Revista Teoria e Educação, Porto Alegre, v. 2, 1990, p. 177-229.
62 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

CHEVALLARD, Y. Sobre a teoria da transposição didática: algumas


considerações introdutórias. Revista de Educação, Ciências e Matemática,
v. 3, n. 2, maio/ago., 2013. p. 1-14. Disponível em: http://publicacoes.
unigranrio.edu.br/index.php/recm/article/view/2338/1111. Acesso em: 15
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COSTA, J. C. V. Os estágios na formação do professor de História: significados


e reflexões. 2007. 123 f. Dissertação (Mestrado em Educação e inclusão
social) – Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.
Belo Horizonte: UFMG, 2007. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.
ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/FAEC-85JKCA/1000000655.
pdf?sequence=1. Acesso em: 15 maio 2019.

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio


Teixeira. Relatórios. Disponível em: http://inep.gov.br/relatorios. Acesso em:
15 maio 2019.

LISTON, D. P.; ZEICHNER, K. M. Formación del profesorado y condiciones


de la escolarización. Madrid: Morata, 1997.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.

SCHMIDT, L. M., RIBAS, M. H.; CARVALHO, M. A. A prática pedagógica


como fonte de conhecimento. In: LONSO, M. O trabalho docente: teoria e
prática. São Paulo: Pioneira, 1999. p. 19-33.

SILVA, C. B. Atualizando a Hidra? O estágio supervisionado e a formação


docente inicial em História. Educ. rev. v. 26, Belo Horizonte, n. 1,
p. 131-156, abr. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/edur/
v26n1/07.pdf. Acesso em: 15 maio 2019.

SOBANSKI, A. Q. Formação de professores de História: educação histórica,


pesquisa e produção de conhecimento. Curitiba: UFPR, 2017.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 11. ed. Petrópolis:


Vozes, 2010.
4
Metodologias de ensino de História

Você se lembra da forma como aprendeu História no ensino


fundamental? Os professores optavam por aulas expositivas?
Você realizava muitas atividades como questionários e resumos?
Os professores usavam recursos didáticos, como quadro, giz, TV,
computador? As aulas eram mais centradas nos professores ou nos
alunos? Este capítulo trata das metodologias de ensino de História,
abordando sua trajetória, o uso da fonte histórica em sala de aula e a
proposta da Educação Histórica.
Como vimos no Capítulo 1, a disciplina de História faz parte
dos currículos escolares desde o século XIX, pautada pela ideia
de criar uma consciência nacional. Em boa parte do século XX,
houve poucas modificações na perspectiva da História considerada
tradicional, pautada pela biografia política. Por conta dessas poucas
alterações, a história tradicional passou a ser criticada, de forma
mais contundente, a partir da década 1980. Contudo, na tradição
escolar, muitos elementos dessa tradição ainda prevalecem.
Em termos metodológicos, as aulas de História também seguiram
parâmetros mais tradicionais, como veremos adiante.

4.1 História das metodologias de ensino de


História
A trajetória das metodologias de ensino de História no Brasil se
desenvolve conjuntamente à própria disciplina escolar de História e
do desenvolvimento da educação no país. Ao final do século XIX,
intensificou-se a preocupação com a formação das classes populares,
pois a maioria dos educadores acreditava que a educação deveria
64 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

inculcar valores de ordem, obediência e hierarquia, seguindo os


modelos dos países europeus (BITTENCOURT, 2011).
Na escola primária, a História estava associada às lições de leitura
e tinha forte conotação moralista e patriótica. Em relação ao tipo de
História lecionada, é importante apontar que havia, no currículo
da escola primária, a História Sagrada, na qual estava integrada a
doutrina religiosa; os estudos de História da pátria, por sua vez,
eram optativos (BITTENCOURT, 2011).
A História da pátria era contada como obra dos feitos de grandes
homens pertencentes a uma elite predestinada, protagonistas na
construção da nação brasileira. A disciplina escolar de História
tinha a finalidade de ensinar as tradições inventadas e despertar o
patriotismo (BITTENCOURT, 2011). As atividades mais comuns
eram de perguntas que focavam justamente na história de “heróis” e
de datas, como se pode observar a seguir, no exercício de um manual
didático do período.

Pergunta: Quais foram os principais atos do príncipe


regente depois da partida da esquadra portuguesa?
Resposta: D. Pedro partiu a 25 de março de 1822 para
Minas Gerais, a fim de chamar à obediência a junta
governativa daquela província; a 13 de maio aceitou
o título de Defensor Perpétuo do Brasil para si e seus
sucessores, e a 3 de junho convocou uma Assembleia
Constituinte.
LACERDA, 2011, p. 68.

Azevedo e Stamatto (2010, p. 706) asseveram que “o exercício


‘Responda’, com variantes como: citar, preencher lacunas, escrever
nomes copiar informações do texto, entre outras” era o eixo central
Metodologias de ensino de História 65

da metodologia da memorização. Essa atividade tinha como objetivo


a fixação dos conteúdos trabalhados em aula. A memorização se
pautava em métodos mnemônicos propostos por Ernest Lavisse,
que desejava desenvolver a inteligência da criança por meio da
memorização. O processo de memorização se daria com base na
relação entre a palavra escrita e imagens. O método de Lavisse serviu
como base para os livros didáticos franceses no final do século XIX,
nos quais as atividades eram sempre acompanhadas por imagens
(BITTENCOURT, 2011).
Essa memorização visava apenas saber de cor os nomes e as datas
da História. Além dos textos e das atividades dos manuais didáticos,
as escolas também reforçavam a memória histórica por meio das
comemorações e das festas cívicas. Nessas ocasiões, as famílias
eram convidadas a assistir desfiles, peças de teatro e exposições
com os temas dos acontecimentos históricos considerados mais
significativos para a história tradicional (BITTENCOURT, 2011).
Nas escolas do século XIX, segundo Azevedo e Stamatto (2010,
p. 704), “em termos metodológicos, ensino e aprendizagem eram
tidos como processos separados, correspondendo o primeiro ao
professor, identificado por preleções; e o segundo, ao aluno, marcado
pela memorização”.
É importante pontuar que, desde o fim do século XIX e início
do XX, existiam críticas em relação ao método de memorização
no ensino. Era o caso de Maria Montessori, que apostava no
protagonismo das crianças no processo de aprendizagem,
não apenas no do professor (BITTENCOURT, 2011).
Outras experiências foram desenvolvidas, como as escolas
modernas anarquistas que se baseavam na pedagogia de Ferrer
Guardia. As ideias da pedagogia libertadora de Ferrer Guardia
foram difundidas pelas escolas Modernas criadas por anarquistas e
membros anarcossindicais (AZEVEDO; STAMATTO, 2010 p. 707).
Margareth Rago (1985), ao analisar as Escolas Modernas no Brasil,
66 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

observa a grande influência de Ferrer nas propostas das escolas


mantidas pelos anarquistas:
Ferrer criticava os métodos de ensino da escola tradicional,
instrumento da dominação de classe: a escola racionalista
não deveria ser esta “espécie de aparelho para exame
ininterrupto que acompanha em todo o seu cumprimento
a operação de ensino” […]. Nada de exames codificando,
registrando, anotando, informando-se sobre cada gesto do
aluno. Nem prêmios, nem punições, nem castigos físicos
ou morais, hierarquizando os indivíduos, distribuindo-os
nas escolas do melhor ao pior, do mais bem-comportado
ao preguiçoso, estimulando as rivalidades, e catalogando…
Ferrer pretende que a escola moderna consiga fazer de cada
aluno seu próprio professor. (RAGO, 1985, p. 149)

Contudo, a proposta anarquista não era praticada na maior parte


das escolas brasileiras. A memorização era ainda um dos métodos
mais empregados, e uma das formas de exercitar a memória era o
uso do catecismo, em que eram apresentadas perguntas e respostas,
e os alunos que não acertavam eram castigados com a palmatória
(BITTENCOURT, 2011).
Em 1917, Jonathas Serrano publicou o livro Metodologia da
História na aula primária, no qual propunha que a história biográfica
fosse narrada de maneira que pudesse despertar o interesse dos
alunos, recomendando, inclusive, o uso de outros recursos didáticos,
como gravuras e mapas (BITTENCOURT, 2011).
Segundo Bittencourt (2011), o método de memorização
adequou-se muito bem ao Brasil, porque essa sociedade tinha uma
cultura ágrafa, mais baseada na comunicação oral, já que a cultura
letrada era reservada à elite. Nesse sentido, ainda que a escola
estivesse imprimindo uma nova cultura, não poderia descartar a
tradição oral da sociedade brasileira.
De qualquer forma, Azevedo e Stamatto (2010) observam
que o método de memorização foi usado em larga escala também
em outros períodos da educação brasileira, como na Pedagogia
Metodologias de ensino de História 67

Tecnicista e na Pedagogia de Competências. As autoras descrevem,


por outro lado, um conjunto de práticas pedagógicas, denominado
construção ativa, que valorizava a participação dos alunos,
a criatividade e a variedade de procedimentos e de recursos
didáticos. Nesse conjunto de práticas pedagógicas, pode-se citar
“o Escolanovismo, o Construtivismo cognitivista, o Construtivismo
Socio-histórico e o Cognitivismo por tratamento da informação”
(AZEVEDO; STAMATTO, 2010, p. 709, grifo do original).
Na década de 1930, os métodos ativos tomaram corpo com os
programas de Estudos Sociais. Neles eram propostos estudos que
partissem da realidade mais próxima da criança, tanto no tempo
como no espaço, para gradativamente, ampliar a abordagem para
realidades mais distantes. Esse método baseava-se na ideia dos
círculos concêntricos, para a qual o estudo se iniciava no passado
da família, da escola e do município e, mais tarde, aos oito anos,
a criança poderia apreender sobre espaços e tempos mais distantes
(BITTENCOURT, 2011).
Os Estudos Sociais fundamentavam seu método nas ideias de
Herbart e Dewey, da psicologia cognitiva, que compreendiam que as
crianças deveriam ser estimuladas pela observação e pela descrição
do meio; por isso, visitas a diferentes lugares eram incentivadas
(BITTENCOURT, 2011).
No caso dos Estudos Sociais nas séries iniciais, a disciplina visava
formar um indivíduo colaborativo para a manutenção da ordem
estabelecida, sobretudo tentando frear as mudanças do mundo
moderno, que ameaçavam os valores tradicionais (BITTENCOURT,
2011).
No ensino secundário, desde o final do século XIX, ocorreu
a divisão entre o Humanismo Clássico e o Científico. Até então,
o enfoque era apenas na formação humanística, com o objetivo de
formar a elite brasileira; contudo, esse tipo de educação passou a
68 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

sofrer críticas por parte daqueles que defendiam a modernização do


país (BITTENCOURT, 2011).
Na prática, segundo Bittencourt (2011), prevaleceu, no início
do século XX, uma espécie de hibridação entre o Humanismo
Clássico e o Científico. Durante muito tempo, o ensino secundário
ficou restrito a uma elite brasileira, pois dominar a cultura clássica
era um elemento de distinção social. Assim, mesmo incorporando
aspectos científicos, a elite deveria ser educada para reproduzir a sua
distinção em relação aos outros grupos sociais por meio do domínio
de conteúdos e conhecimentos provenientes da cultura considerada
clássica.
O ensino secundário se dividia em dois níveis: o ginasial, com
duração de quatro anos, e o colegial, com duração de três anos,
no qual o estudante poderia escolher entre o humanístico e o
científico. A inclusão do ensino científico, no entanto, não alterou
as aulas de História, que continuavam a usar a memorização
(BITTENCOURT, 2011).
Na escola secundária, um dos métodos empregados nas
instituições do Rio de Janeiro e da Bahia na década de 1870 era o
Zaba. Esse método de ensino da história universal consistia em usar
mapas e uma linha do tempo para ajudar os alunos a responderam
às perguntas. O uso da linha do tempo era uma forma de facilitar a
memorização dos acontecimentos considerados importantes para a
história tradicional (BITTENCOURT, 2011).
As aulas geralmente eram centradas nas palestras dos professores
e na leitura dos livros, os conteúdos eram fixados com o questionário
e avaliados por meio de arguições orais ou provas escritas. Um dos
livros usados era Lições de História do Brasil, de Joaquim Manuel
de Macedo, no qual as lições eram acompanhadas por um quadro
sinótico para servir de roteiro para o resumo que o aluno deveria
fazer (BITTENCOURT, 2011).
Metodologias de ensino de História 69

A formação específica de professores para atuar no ensino


secundário, a partir de 1934, promoveu, nas décadas de 1950
e 1960, uma geração de profissionais que iniciou uma crítica aos
métodos de ensino até então empregados nas aulas de História
(BITTENCOURT, 2011).
No ensino secundário, também foram empregados os métodos
ativos, porém a memorização foi mantida tanto por causa do sistema
de avaliação como pelo fato de a escola secundária ser considerada
um preparatório para o ensino superior. As renovações no ensino
se limitavam a técnicas e recursos didáticos, como livros e textos
históricos (BITTENCOURT, 2011).
Nessas décadas ocorreu o domínio do tecnicismo na educação.
Várias técnicas foram desenvolvidas a fim de inovar no ensino, como
a realização de excursões e dos estudos dirigidos (BITTENCOURT,
2011).
Durante o Regime Militar, os estudos dirigidos, os jogos
de memória, os debates e a produção de textos começaram a ser
considerados subversivos (BITTENCOURT, 2011), permanecendo
apenas os questionários e os resumos como forma de memorização.
Com a redemocratização, na década de 1980, os professores
começaram a retomar os antigos recursos didáticos e a utilizar
novos, como a televisão e o videocassete, com outras perspectivas
teórico-metodológicas (GERMINARI, 2011).
Nas décadas subsequentes, novos recursos foram incorporados,
como a informática, o que incentivou cada vez mais o uso de fontes
históricas em sala de aula.
Segundo Azevedo e Stamatto (2010), as pesquisas sobre as
metodologias de ensino de História na atualidade apontam para a
convivência entre práticas antigas e recentes, conforme demonstrado
no Quadro 1, a seguir.
70 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Quadro 1 – Metodologias de ensino de História: práticas antigas e


recentes

Antigas práticas Recentes práticas

Ensino marcado pela memorização Ensino caracterizado pela produção


sobre o conhecimento produzido do conhecimento

Unidade como marca da história da História humana marcada pela di-


humanidade versidade e contradição

Promoção de uma cidadania política Promoção de uma cidadania social

Ensino temático e datas contextua-


Cronologia
lizadas

História narrativa História problema

História entendida como ciência do História compreendida como leitura


passado do presente

História-episódio, ênfase nos fatos História-processo

Fonte: Azevedo e Stamatto, 2010, p. 720.

Nesse sentido, o que se encontra nas aulas de História nas escolas


brasileiras é uma hibridação, ou seja, não houve o abandono dos
métodos considerados tradicionais pelos “inovadores”, mas, sim, a
convivência entre ambos.

4.2 Uso de fontes no ensino de História


Segundo Guimarães (2012), uma das áreas de maior discussão
nos últimos anos – não só no ensino de História, mas na educação
em geral – é a renovação a partir do uso de diferentes fontes e
linguagens. No caso da História, essa discussão é acompanhada pelo
desenvolvimento dos debates historiográficos que influenciaram
a própria história da disciplina escolar. Uma das propostas que se
encontra em documentos oficiais sobre o ensino de História, como
os PCN, é a utilização das fontes históricas em aula.
Metodologias de ensino de História 71

Bittencourt (2011) afirma que as fontes históricas nas aulas de


História há muito tempo são usadas pelos professores, mas apenas
como forma de ilustrar o conteúdo. Atualmente, alguns professores
entendem a fonte como mais um instrumento pedagógico,
que permite o contato com um passado abstrato e que colabora com
o desenvolvimento intelectual dos alunos. Pode ainda substituir
uma pedagogia limitada, pautada em fatos e em uma história linear.
De forma geral, as fontes históricas podem ser usadas como
forma de problematizar um tema, como ilustração ou como parte
de uma metodologia. Porém, antes de abordarmos a utilidade das
fontes históricas, vamos ver um pouco sobre a história do uso dessas
fontes em sala de aula no Brasil.
O uso das fontes históricas nas aulas de História está associado à
própria forma de compreendê-la na construção do saber histórico.
O Historicismo e a Escola Metódica francesa consideravam apenas
as fontes escritas e oficiais, o que atribuía aos historiadores o
papel de apenas relatar o que estava nesses documentos de forma
cronológica. A crítica dizia respeito a verificar a autenticidade do
documento, não a interrogá-lo, o que garantiria a cientificidade da
História (REIS, 2004).
Portanto, a fonte histórica nas aulas do século XIX servia para
provar um determinado acontecimento ou informação do passado
que deveria ser comunicada aos alunos. Estes, por sua vez, eram
considerados receptores que deveriam decorar o ponto ensinado,
enquanto o professor explicava a fonte e suas características
(SCHMIDT; CAINELLI, 2009).
Essa forma de abordar as fontes históricas estava mais associada
à escola que enfatizava a memorização, enquanto os defensores
dos métodos ativos consideravam as fontes em sala de aula mais
estimulantes aos alunos (BITTENCOURT, 2011). Schmidt e Cainelli
(2009) confirmam essa ideia ao comentarem sobre a Escola Nova,
que se interessou pelo trabalho com documentos históricos porque
72 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

poderia ser uma maneira de o aluno tornar-se protagonista de seu


próprio aprendizado. Porém, não houve mudança em relação à
forma de compreender a fonte, que continuou a ser vista como mera
ilustração e comprovação. As autoras observam ainda que
no caso do ensino de História, a utilização de documentos
tornou-se uma forma de o professor motivar o aluno para
o conhecimento histórico, de estimular suas lembranças e
referências sobre o passado e, dessa maneira, tornar o ensino
menos livresco e dinâmico. Esperava-se, também, que, por
meio da utilização do documento em sala de aula, o aluno
pudesse ter contato pessoal e próximo com as realidades
passadas. (SCHMIDT; CAINELLI, 2009, p. 115)

Com a renovação historiográfica do final da década de 1920,


houve uma ampliação da noção de fonte histórica, incluindo-se
jornais, literatura, objetos, entre outros, e essas novas fontes
também foram incorporadas em sala de aula. Décadas mais tarde,
nos anos 1960, uma nova renovação historiográfica questionou o
lugar de produção das fontes, ou seja, começou a problematizar
os interesses nas entrelinhas dos enunciados dos textos ou das
construções e dos objetos.
Os documentos e outros vestígios do passado passaram a ser
considerados produtos de uma determinada sociedade e estariam
marcados pelas relações de poder. Nesse sentido, a forma de tratar
as fontes históricas em sala de aula não seria reflexo do real, mas
de representações do passado (SCHMIDT; CAINELLI, 2009). As
autoras afirmam ainda que “os documentos não serão tratados
como fim em si mesmos, mas deverão responder às indagações
e às problematizações de alunos e professores, com o objetivo de
estabelecer um diálogo com o passado e o presente, tendo como
referência o conteúdo histórico a ser ensinado” (SCHMIDT;
CAINELLI, 2009, p. 117).
Bittencourt (2011), por outro lado, assevera que trabalhar fontes
históricas com os alunos em sala de aula não os torna historiadores,
Metodologias de ensino de História 73

pois a natureza da pesquisa histórica é de um profissional que tem o


conhecimento sobre o contexto, a teoria e a metodologia, enquanto
que os alunos não possuem esses conhecimentos.
Atualmente, uma das linhas de pesquisa e de estudo na área
de ensino de História, denominada Educação Histórica, aposta
no desenvolvimento com os alunos de competências ligadas à
epistemologia da História, inclusive, por meio da análise de fontes,
considerando, obviamente, o nível de escolaridade deles.

4.3 Educação Histórica


O campo da pesquisa em ensino de História no Brasil teve um
ponto de inflexão com base na realização de dois eventos: o Encontro
Nacional Perspectivas do Ensino de História, realizado em 1988 na
USP, e o Encontro Nacional de Pesquisadores de Ensino de História,
em 1993 (GERMINARI, 2011).
No Brasil atual, uma área de grande influência e de produção de
pesquisas na questão do ensino de História é a Educação Histórica,
que se desenvolveu a partir das ideias e dos conceitos de Rüsen. No
contexto da crise dos paradigmas e da História na década de 1990, a
grande questão era se a História ainda seria importante para existir.
Rüsen desenvolveu, então, uma série de textos em que demonstra,
por meio de bases filosóficas hegelianas e das ideias históricas de
Droysen, a importância da História para a sociedade do final do
século XX. Esses textos fundamentam teoricamente as pesquisas
da Educação Histórica que se desenvolveram intensamente na
Inglaterra, em Portugal e no Brasil (BAROM, 2015).
Na década de 1970, na Inglaterra, segundo Lee (2001),
o currículo era descentralizado, e a maior parte dos alunos não
optava pela História. Isso porque a História ensinada nas escolas
não era atraente para os alunos, então eles preferiam as histórias da
televisão em vez das estudadas na escola.
74 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Nesse contexto, foi criado o Projeto 13-16, coordenado por


Denis Shemit, no qual se propunha que a disciplina escolar de
História ensinasse as crianças a pensar historicamente. Em 1978,
Dickinson e Lee desenvolveram um estudo com alunos entre 12 e 18
anos de idade, muito importante na área da pesquisa em ensino de
História, questionando as pesquisas anteriores sobre aprendizagem
das noções da cognição psicológica (GERMINARI, 2011).
Na década de 1980, Ashby e Lee (1987) desenvolveram uma
nova pesquisa sobre aprendizagem histórica com alunos na faixa
etária de 11 a 18 anos. Com base nessa pesquisa, os autores criaram
um modelo de progressão das ideias relacionadas à empatia e à
compreensão histórica, conforme demonstrado no Quadro 2,
a seguir.

Quadro 2 – Modelo de progressão de Ashby e Lee

1. O passado opaco, quando as ações e as instituições do passado pare-


cem ininteligíveis.
2. Estereótipos generalizados, quando as ações e as instituições do pas-
sado são compreendidas por referência ao tempo atual, sem distinção
entre o passado e o presente.
3. Empatia com a história com base no quotidiano, quando as ações e as
instituições do passado são compreendidas por referência ao tempo
atual, sem distinção entre o passado e o presente.
4. Empatia histórica restrita, quando as ações e as instituições do passado
são compreendidas com base na evidência sobre a situação histórica
específica.
5. Empatia histórica contextualizada, quando as ações e as instituições do
passado são compreendidas com base na evidência sobre a situação
específica e explicadas em um conjunto mais vasto.

Fonte: Ashby; Lee (1987) apud Barca, 2005, p. 17.

O modelo proposto pelos autores observa uma progressão


dos alunos em relação à cognição histórica em duas dimensões:
nos conceitos substantivos e nos conceitos de segunda ordem (LEE,
2001). As autoras Barca e Cainelli (2018, p. 4) distinguem esses
conceitos com base nas ideias de Lee:
Metodologias de ensino de História 75

por conceitos substantivos podem ser entendidos os


conteúdos da história, como, por exemplo, o conceito
de industrialização, Renascimento, revolução. Quanto
aos conceitos de segunda ordem, são aqueles que estão
envolvidos em quaisquer que sejam os conteúdos a serem
aprendidos, dentre os quais podemos citar noções temporais
como continuidade, progresso, desenvolvimento, evolução,
época, enfim, aqueles que se referem à natureza da história.

Segundo Barca e Cainelli (2018), os conceitos de segunda ordem


estão associados ao entendimento que Rüsen apresenta sobre
a meta-história que se constitui como uma forma de refletir sobre a
própria História e o passado. A História é uma forma de dar sentido
ao passado, orientando as pessoas no presente e criando perspectivas
para o futuro.
Barca (2004) observa que, na Inglaterra, os planos de ensino em
História se orientam por competências que enfoquem o domínio
da cronologia, das interpretações históricas, das ferramentas da
pesquisa histórica, sobretudo a análise de fontes, e a comunicação.
Essas competências estão organizadas em uma ideia de progressão
de complexidade no decorrer da vida escolar do estudante.
O campo da Educação Histórica tem interesse em analisar
como as fontes, os materiais didáticos, as metodologias de ensino,
os objetos históricos, entre outros aspectos, contribuem para a
formação da consciência histórica de professores e alunos (BARCA;
CAINELLI, 2018).
Como já apontamos, as pesquisas sobre aprendizagem histórica
são tributárias das ideias de Jörn Rüsen sobre a Didática da História,
as quais promoveram a aproximação da teoria da História com a
prática de ensino, mostrando que elas não são dicotômicas. Assim,
as práticas de ensino recebem o lócus científico (LEAL, 2011).
Em países como Alemanha, Inglaterra, Portugal e Brasil têm
sido desenvolvidas pesquisas na área da Educação Histórica, as
quais ocorrem, muitas vezes, em sala de aula, pois têm a finalidade
76 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

de compreender e analisar como a consciência histórica torna-se


significativa em termos pessoais aos alunos e aos professores, para
que ambos compreendam a profundidade da vida humana (LEAL,
2011).
A Educação Histórica, além de uma linha de pesquisa na área
da metodologia do ensino de História, também fornece a própria
metodologia para as aulas de História, enfocando a forma como
o conhecimento histórico é produzido e, mais especificamente,
a análise de fontes históricas.

Considerações finais
Neste capítulo, você teve a oportunidade de estudar sobre as
metodologias de ensino desenvolvidas nas aulas de História, desde
a memorização, os métodos ativos, as transformações nos usos das
fontes históricas e, por fim, a proposta da Educação Histórica como
linha de pesquisa e de metodologia de ensino.

Ampliando seus conhecimentos


• EDUCAR EM REVISTA. Curitiba: UFPR. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-
4060&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 18 maio 2019.
Educar em Revista é um periódico mantido pelo Programa
de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do
Paraná. Nele é possível encontrar edições sobre História da
Educação e Educação Histórica.

• HISTÓRIA & ENSINO. Londrina: UEL. Disponível em:


http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/histensino. Acesso
em: 18 maio 2019.
A revista História & Ensino é mantida pelo Laboratório
de Ensino de História do Departamento de História da
Universidade Estadual de Londrina. Publica artigos e resenhas
na área de ensino de História.
Metodologias de ensino de História 77

Atividades
1. Escreva um texto sobre o método de memorização que
foi e ainda é muito usado nas aulas de História do ensino
fundamental.

2. Comente sobre os métodos ativos e como eles se distinguiam


dos métodos da escola tradicional.

3. Disserte sobre as formas como as fontes históricas foram e


ainda são trabalhadas em sala de aula.

4. Em termos metodológicos, como a Educação Histórica pode


contribuir para modificar a forma de pensar e organizar as
aulas de História?

Referências
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history. In: PORTAL, C. (Ed.). The History curriculum for Teacher. Londres:
The Falmer Press, 1987.

AZEVEDO, C. B.; STAMATTO, M. I. S. Teoria historiográfica e prática


pedagógica: as correntes de pensamento que influenciaram o ensino
de História no Brasil. Antíteses, v. 3, n. 6, jul./dez, 2010. p. 703-728.
Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/
view/4571/7043. Acesso em: 17 maio 2019.

BARCA, I. Aula oficina: do projecto à avaliação. In: BARCA, I. (org.).


Para uma Educação Histórica de qualidade. Actas das Quartas Jornadas
Internacionais de Educação Histórica. Braga: Universidade do Minho, 2004.
p. 131-144.

BARCA, I. Educação Histórica: uma nova área de investigação? In: ENPEH


– Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História, 6, 2005,
Londrina. Anais [...]. Londrina: Atrito Art, 2005. p. 15-28.

BARCA, I.; CAINELLI, M. A aprendizagem da história a partir da


construção de narrativas sobre o passado. Educação Pesquisa, São Paulo,
78 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

v. 44, 2018. p. 1-16. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v44/1517-


9702-ep-44-e164920.pdf. Acesso em: 18 maio 2019.

BAROM, W. C. C. A teoria da história de Jörn Rüsen no Brasil e seus


principais comentadores. História Hoje: revista de História e Ensino, v. 4,
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reflexões e aprendizados. 13. ed. Campinas: Papirus, 2012.

LACERDA, J. M. Pequena História do Brasil. In: BITTENCOURT, C. Ensino


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LEAL, F. M. Educação histórica e as contribuições de Jörn Rüsen. In: XXVI


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I. (org.). Perspectivas em educação histórica. Actas das Primeiras Jornadas
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RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar (Brasil, 1890-


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REIS, J. C. A História: entre a Filosofia e a Ciência. Belo Horizonte:


Autêntica, 2004.

SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione,


2009.
5
O livro didático de História

No ensino fundamental e no ensino médio, você possivelmente


estudou utilizando um livro didático. Por isso, muito do que as
pessoas sabem de História é proveniente das lembranças que têm
dos livros que estudaram na escola. No Brasil, todas as escolas
recebem exemplares de livros didáticos para que os alunos possam
estudar as disciplinas escolares. Neste capítulo, abordaremos esse
recurso didático muito usado nas escolas brasileiras.
Para tratar do livro didático de História, este capítulo está
dividido em tópicos que pretendem discutir a história do uso
do livro didático no Brasil, as pesquisas desenvolvidas em torno do
livro didático, o Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) e
os usos do livro didático nas aulas de História.

5.1 O livro didático e o ensino de História


O livro didático é um dos recursos mais usados em sala de aula
em todas as disciplinas, inclusive em História. Contudo, ele não deve
ser analisado apenas como um recurso que orienta unilateralmente
o trabalho em sala de aula. Atualmente, muitos estudos foram
desenvolvidos para compreender a produção, a circulação e o
consumo desses livros.
Para começarmos a discutir sobre o livro didático de História é
interessante definirmos, em linhas gerais, o que os pesquisadores
da área de educação compreendem como livro didático. Segundo
Munakata (2016, p. 121), livro didático é “qualquer livro, em
qualquer suporte – impresso em papel, gravado em mídia eletrônica
80 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

etc. –, produzido explicitamente para ser utilizado na escola,


com fins didáticos”.
De acordo com esse autor, o livro didático se originou junto à
própria escola, pensado com a finalidade específica de auxiliar a
aprendizagem nesse espaço, pois apresentava o que se esperava ser
ensinado na escola naquele período, sendo portador dos saberes
escolares e da cultura escolar. Munakata (2016) afirma que, até
o século XIX, na Europa ocidental, o livro didático, no ensino
elementar, estava voltado a ensinar a ler, contar, escrever e rezar.
Na França, isso foi possível após a revolução do final do século
XVIII, por meio da catequese revolucionária.
Lembre-se de que a escola pública foi criada apenas no século
XIX, para auxiliar na construção da comunidade nacional, tornando
a língua, os costumes e a História uniformes e contribuindo para o
engendramento do sentimento de pertencimento nacional.
Na virada do século XIX para o XX, existiam dois padrões de
livros didáticos: o de leitura e o de lições. Os livros de leitura eram
constituídos de narrativas de assuntos diversos, com um caráter
edificante e moralizante. Enquanto os livros de lições pretendiam
expor os conteúdos de forma pura (MUNAKATA, 2016). Para
Munakata (2016), no entanto, os livros de lições deveriam não
existir, porque o método de ensino dos assuntos abordados neles
deveria ser construído a partir da observação direta das coisas pelos
sentidos dos alunos.
Novamente, é importante esclarecer que, no século XIX, a ciência
e a razão tornaram-se o centro da produção do conhecimento.
Assim, o sistema educacional também acompanhou essa forma de
ver o mundo, procurando incutir nos alunos a ideia de explicar
cientificamente o mundo natural que os cercava.
Outro ponto interessante é que a história do livro didático
caminha em conjunto com a história da disciplina escolar; por isso
os pesquisadores da disciplina escolar usam como fonte as produções
O livro didático de História 81

didáticas. A análise dos livros didáticos permite que o pesquisador


estude os conteúdos, as atividades e os exercícios que eram adotados
em determinado período. Dessa forma, esses livros, sobretudo no
que se refere a períodos mais afastados no tempo, possibilitam
pesquisar as disciplinas escolares (MUNAKATA, 2012).
Os livros didáticos permitem a análise do desenvolvimento
das disciplinas escolares a partir da escolha de conteúdos e das
atividades propostas. Por meio deles pode-se perceber a concepção
de educação e de História de determinado período.
Bittencourt (2011) indica que os estudos a respeito dos livros
didáticos começaram com a criação, em 1975, do Instituto Georg
Eckert, na Alemanha. Esse instituto tinha a finalidade de fiscalizar
as produções didáticas e, portanto, tinha uma interseção entre
política e ciência. O instituto atraía pesquisadores de todo mundo
e, preferencialmente, os que estudavam livros didáticos de História.
É interessante pontuar que, nesse período, boa parte da Europa
adotou o estado de bem-estar social na perspectiva dos governos,
que conceberam a educação como um dos focos importantes,
considerando não apenas a ampliação de vagas, com a construção
de escolas, mas também a distribuição de materiais didáticos, como
livros. Por isso é que foi criado um instituto para a fiscalização deles.
De acordo com Bittencourt (2011, p. 490), “no Brasil, as
pesquisas acadêmicas sobre livros didáticos tiveram um constante
crescimento em programas de pós-graduação a partir da década
de 1980, com análises desse material em diversas áreas e em várias
disciplinas escolares”. É interessante observar que esse fenômeno
estava ligado também à expansão dos programas de pós-graduação
na década anterior.
Em 1971, o governo brasileiro criou o Programa de Pós-
-Graduação no país; consequentemente, as pesquisas educacionais e
o número de pesquisadores ampliaram-se.
82 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Bittencourt (2011), ao comparar a produção acadêmica sobre


livros didáticos nos anos 1990 com a do início do século XXI,
observa uma continuidade e um crescimento. A autora aponta,
como promotora do crescimento da pesquisa nessa temática,
a atuação dos grupos de pesquisas financiados, como o Projeto
Livres, que agrega pesquisadores da Universidade de São Paulo
(USP), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e
de Minas Gerais (PUC-MG), da Universidade Federal Fluminense
(UFF) e das federais de Minas Gerais (UFMG) e da Paraíba
(UFPB), além de pesquisadores do Núcleo de Documentação e
Memória (Nudom) do Colégio Dom Pedro II. O Projeto Livres
desenvolve pesquisas que resultam em relatórios de Iniciação
Científica, dissertações, teses e artigos sobre a temática.
Para além dos números, Bittencourt (2011) analisa o conteúdo
e as perspectivas adotadas pela produção acadêmica das décadas
de 1980 e 1990 e aponta que a maior parte da produção optava pela
ótica de compreender o livro didático como produto de interesses
ideológicos. As primeiras análises nesse viés teórico inspiravam-
-se em Althusser e Establet, entendendo a escola como inserida
no mundo capitalista e o livro didático como veículo de uma falsa
ideologia burguesa.
Posteriormente, algumas pesquisas acadêmicas empregaram
como referencial as ideias de Marc Ferro, nas quais associa o livro
didático à formação da memória coletiva da sociedade. Segundo
Bittencourt (2011), no livro intitulado Manipulação da História no
ensino e nos meios de comunicação, de 1989, Marc Ferro procurou
demonstrar como o Estado pode manipular a história contada,
principalmente por meio da produção de material didático.
Ambas as perspectivas foram abandonadas diante da crise de
paradigmas no final da década de 1980. Os grandes paradigmas
forneciam explicações generalizantes e deterministas, muitas vezes
desconsiderando os dados empíricos.
O livro didático de História 83

Para Munakata (2012), os estudos sobre livros didáticos devem


evitar esquemas explicativos simplistas que o compreendem
apenas como uma mercadoria da indústria cultural. Nesse sentido,
os estudos que analisam os livros didáticos para além da percepção
de que eles seriam apenas um meio de manipulação do sistema
capitalista caminham em direção aos teóricos da recepção, como
Certeau e Chartier.
Com base nessas novas perspectivas, o livro didático, ainda que
entendido como um produto, pode ser consumido de maneiras
diversas pelo público, já que os leitores não são passivos nem meros
manipulados.
Outra questão apontada por Bittencourt (2011) sobre as pesquisas
que tratam dos livros didáticos, é que estas, na maior parte das vezes,
criticam as produções didáticas pela falta de embasamento teórico
ou de evidências empíricas. No entanto, a autora assevera que
essas pesquisas ignoram os vários “sujeitos envolvidos no processo
de consumo e formas de apropriação dos conteúdos escolares no
espaço escolar” (BITTENCOURT, 2011, p. 499).
Assim, essas pesquisas acabam reproduzindo a mesma lógica
aplicada a outras disciplinas escolares, entendidas como meras
transposições didáticas das ciências de referência. Nesse caso, o livro
didático deveria fazer a mediação entre o conteúdo acadêmico e o
escolar, ignorando completamente a própria historicidade do saber
escolar, pois, segundo Munakata (2012, p. 185),
a escola institui um espaço e uma temporalidade que não se
reduz, como espelho ou reflexo, à sociedade que a contém,
mas inaugura práticas e cultura que lhe são específicas.
O livro didático, portanto, deve se adequar a esse mercado
específico. Isso significa que a escola, tomada como
mercado, determina usos específicos do livro (didático),
também mediados pela sua materialidade.

Além de associar a história do livro didático à disciplina escolar,


é interessante associá-lo também à trajetória da historiografia e da
84 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

educação. Em relação à história da educação, na década de 1990,


as pesquisas voltaram-se para o interior da escola, questionando
os paradigmas estruturalistas e genéricos, compreendendo a escola
como um “lugar de produção cultural e de conhecimento específico”
(BITTENCOURT, 2011, p. 501).
Na área de pesquisa do ensino de História, iniciou-se uma
nova perspectiva, considerando os sujeitos que participam
de sua constituição e de suas práticas. Nesse sentido, os livros
didáticos também passaram a ser analisados com base em novas
problematizações e as pesquisas ficaram atentas às apropriações
dessas produções no contexto material (BITTENCOURT, 2011).
A concepção de livro didático foi repensada, porque além de
portador de uma ideologia, ele é uma mercadoria que é fabricada
passando por uma série de intervenções – da autoria, da edição,
do mercado e dos consumidores. O livro didático também é
depositário dos conteúdos das disciplinas escolares, ou seja, de sua
seleção, sua metodologia e seus outros atributos.
Choppin (2004) aponta as funções do livro didático na escola:
referencial, instrumental, ideológica/cultural e documental. A
função referencial diz respeito ao fato de o livro conter o programa
da disciplina, ou uma interpretação dele. A função instrumental se
refere à metodologia de ensino e aos exercícios apresentados no livro.
A função ideológica ou cultural consiste na divulgação da cultura e
dos valores das classes dirigentes. Por fim, a função documental
relaciona-se ao texto e à iconografia do livro, pois podem servir
como subsídio para uma crítica à própria sociedade que o produziu.
Portanto, a escola e o livro didático não podem ser
compreendidos apenas como um microespaço determinado
pela esfera macro. Para tanto, deve-se analisá-los mais de perto,
procurando suas especificidades (MUNAKATA, 2016).
Bittencourt (2011) afirma que essa nova forma de compreender
os livros didáticos permitiu o aprofundamento do estudo desse
O livro didático de História 85

gênero específico de literatura, analisando desde a sua autoria, que


geralmente é coletiva, até sua forma de consumo. É perceptível a
influência da história da leitura e suas práticas nas novas pesquisas
sobre livros didáticos, proporcionando a ampliação das fontes
documentais para além do próprio livro didático, com a inclusão de
toda documentação que envolve o mercado editorial, bem como a
de entrevistas com professores e alunos que consomem esse corpus
textual.
Nesse contexto, as primeiras décadas do século XXI apresentam
um grande crescimento no campo de pesquisa dos livros didáticos,
o que aparentemente é um paradoxo, porque o livro didático, como
conhecemos, parece caminhar para a extinção (BITTENCOURT,
2011).

5.2 PNLD e os livros didáticos de História


Munakata (2012) assevera que as análises dos livros didáticos que
se dedicam à pesquisa de sua produção dão visibilidade aos vários
sujeitos que participam desse processo, como autores, editores,
consultores, publicitários e leitores.
Uma das especificidades do livro didático diz respeito à sua
distribuição, a qual, no caso brasileiro, é regulada pelo Estado
(MUNAKATA, 2012). O montante dos livros produzidos e
distribuídos pelo Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD)
chega a 160 milhões de exemplares por ano no país (MUNAKATA,
2012). Faz-se necessário, então, historicizar a construção do PNLD,
que foi criado em 1985. No PNLD de 2019 foram distribuídos
126.099.033 exemplares no país mantendo a importância da
produção didática no mercado editorial (BRASIL, 2019).
Na década de 1990, o campo educativo passou por imensa
transformação, a qual também teve desdobramentos na produção do
livro didático. A reorganização do sistema educativo nessa década
86 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

tinha como objetivo a universalização da educação, sobretudo no


nível fundamental (CHAVES, 2015).
A universalização, sobretudo do ensino fundamental, acordada
desde a década de 1970 entre o governo civil militar e os organismos
internacionais começou a se efetivar apenas na década de 1980.
Além disso, a discussão sobre uma educação que promovesse
a cidadania abriu caminho para a ampliação de vagas no sistema
público de educação. Paulatinamente, tornou-se necessária a
produção didática para atender a essa demanda.
Em 1994, tornou-se pública a criação de uma comissão de
especialistas para avaliação dos livros didáticos (CHAVES, 2015) e,
a partir de 1996, o PNLD iniciou um sistema de avaliação prévia dos
livros submetidos a aprovação, indicando inclusive os critérios que
deveriam ser observados pelas editoras (MUNAKATA, 2012).
A política estatal do PNLD causou um grande impacto no
mercado editorial, atraindo várias editoras para esse programa,
inclusive internacionais e sobretudo as espanholas (MUNAKATA,
2012).
Segundo Bittencourt (2011), a política do PNLD é um indício de
que o livro didático é valorizado no espaço escolar, deslocando as
críticas a esse material para o formato de avaliação do governo e a
interferência das grandes editoras nas produções.
Não obstante às críticas ao uso do livro didático em sala de aula,
é inegável que ele faz parte da cultura escolar brasileira e movimenta
um grande mercado editorial. Assim, não é possível discutir
metodologia de ensino sem tratar do livro didático.
O Ministério da Educação, a cada três anos, divulga o edital com
as condições e os critérios, gerais e por disciplina, que orientam
as produções didáticas das editoras. Chaves (2015, p. 29) descreve
como a comissão avalia os livros didáticos com base em indicadores:
esses indicadores são traduzidos posteriormente pelas
equipes de avaliação em fichas com itens como: conteúdos,
O livro didático de História 87

metodologia de ensino, programação visual e qualidade


gráfica, construção da cidadania. Há critérios eliminatórios
e critérios classificatórios, as fichas e os resultados de
avaliação são divulgados por meio de um Guia do Programa
de Livros Didáticos, no qual é tornado público o resultado
da avaliação de cada obra apresentada pelas editoras e
aprovada pelos avaliadores.

Muitos critérios da comissão estão presentes desde 1997,


como a exclusão de manifestações de preconceitos, de erros
conceituais e das contradições entre a proposta metodológica e a
obra produzida. A comissão avalia tanto o livro do aluno quanto o
do professor (CHAVES, 2015).
Nos últimos anos, outros critérios foram inseridos, como
a obrigatoriedade do ensino de história da África e da cultura
afrodescendente e do ensino de história indígena. Essas inserções,
segundo Bittencourt (2011), retomam o sentido político da disciplina,
visto que tais exigências são fruto dos movimentos sociais.
Chaves (2015) aponta que, além dos critérios eliminatórios dos
livros didáticos, há os classificatórios, que dizem respeito às opções
teórico-metodológicas dos autores, a forma de abordagem e os
aspectos didáticos e metodológicos. É interessante observar que
muitos critérios utilizados pela comissão de avaliação contemplam
as transformações ocorridas na disciplina escolar de História
(CHAVES, 2015).
O PNLD favoreceu pesquisas sobre outras áreas do mercado
editorial, como a publicidade e os guias de escolha de livros que
são enviados para as escolas, inclusive sobre como os professores
escolhem os livros. Outra temática estimulada nas pesquisas é o
livro didático no cotidiano escolar, como afirma Bittencourt (2011,
p. 507):
as pesquisas empíricas têm demonstrado muitas das
disparidades entre o que o está escrito no livro, tanto em
relação aos textos como propostas pedagógicas, como
o modo pelo qual ele é utilizado. Desta forma, têm sido
88 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

problematizadas as formas de assimilação incondicional


dos conteúdos históricos escritos, uma vez que o livro
escolar possui, sempre, intermediários em sua leitura na
figura do professor com seus saberes e experiências e os
alunos e seu mundo cultural.

Os livros didáticos, assim como os demais livros, são apropriados


e consumidos de formas múltiplas por seus leitores. Mesmo com as
intencionalidades de seu autor e os dispositivos incorporados pelos
editores, os leitores são livres para criar suas interpretações.
Nesse sentido, a política de Estado do PNLD universalizou o uso
do livro didático no espaço escolar brasileiro, bem como inspirou
novas pesquisas acerca do ensino de História no país.

5.3 Uso do livro didático nas aulas de


História
É perceptível que, apesar das críticas, o livro didático é
valorizado no espaço escolar, porque, segundo Abud (1984), esse
tipo de livro torna-se responsável pelo conhecimento histórico do
homem comum. Inclusive, esse conhecimento é considerado como
verdadeiro e legítimo por parte da população, pois tiveram contato
com ele por meio do livro didático.
Não obstante, antes de os alunos usarem o livro didático em sala
de aula, os primeiros consumidores são os professores, pois são eles
que escolhem a obra e, muitas vezes, organizam a sua aula com base
no livro. Miranda e Luca (2004), ao analisarem as coleções de livros
didáticos de História na década de 1990 e início da década de 2000,
observam quatro temáticas centrais nas coleções: a visão de História,
o processo de construção do conhecimento pelo aluno permitido
pela obra, a orientação curricular e a relação com o desenvolvimento
historiográfico.
De maneira geral, as autoras (MIRANDA; LUCA, 2004)
classificam as coleções em três grupos. O primeiro desses grupos
O livro didático de História 89

é formado por aquelas que adotam uma postura procedimental,


que procura demonstrar como o conhecimento histórico é
construído, problematizando fontes históricas, promovendo a
interpretação e a leitura, exercitando a análise, a comparação e a
discussão e enfatizando um olhar sobre o contemporâneo. Em um
segundo grupo estão as coleções que optam por uma narrativa de
acontecimentos do passado, calcadas na seleção de conteúdos, na
cronologia e nos textos com caráter informativo. O terceiro grupo,
por sua vez, pretende unir as posturas adotadas pelas coleções dos
dois anteriores, não abrindo mão dos conteúdos e da cronologia
tradicional, mas inserindo problematizações em relação a fontes
históricas e questionamentos sobre a provisoriedade da interpretação
histórica.
Miranda e Luca (2004) avaliam as coleções por meio da forma
como essas produções didáticas compreendem o aprendizado dos
alunos. Há coleções que, segundo as autoras, seguem o paradigma
informativo, cujos objetivos educacionais, na obtenção de informação
e de conteúdo, não apresentam problematizações e comparações
temporais. Outras coleções assumem o paradigma cognitivista,
partindo do diálogo e de um recorte que possa ser significativo para
os alunos. Essas coleções consideram os saberes prévios dos alunos no
processo de ensino e aprendizagem, valorizando a problematização
entre o passado e o presente. Além disso, as coleções priorizam a
aquisição gradual dos conceitos, e as atividades são propostas para
propiciar a construção dialógica destes.
Em relação à historiografia das coleções, as autoras apontam
algumas tendências globais. Um grupo de coleções tradicionais,
que aborda a História de maneira apenas informativa, usa
recortes cronológicos e temáticos consagrados, além de fontes
históricas meramente ilustrativas. Há um grupo que pode ser
considerado eclético, uma vez que mantém os recortes clássicos,
mas amplia as discussões desses recortes com base em uma
90 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

renovação historiográfica. Por fim, o último grupo está associado


a uma historiografia renovada, rompendo com as interpretações
tradicionais e, também, com a seleção de conteúdos dessa mesma
tradição escolar (MIRANDA; LUCA, 2004).
Ao analisarem especificamente as coleções inscritas no PNLD
de 2005, Miranda e Luca (2004) indicam que 76% apresentavam
a história integrada, 17% a história temática e 7% a história
tradicional. A escolha da maioria recaiu sobre a história integrada,
em que se organiza os capítulos de forma eurocêntrica, ou seja, a
História é contada a partir do ponto de vista e de partida da Europa.
É interessante observar que as editoras, muitas vezes, oferecem
mais de uma coleção de História, tanto para contemplar os que
preferem a história integrada quanto os que tem predileção pela
história temática. A opção da maioria dos professores acaba sendo
pela história integrada. Durante muito tempo se culpabilizou
os livros didáticos, atribuindo-lhes a responsabilidade pela
manipulação dos professores; no entanto, essa forma de interpretar
o livro didático e o próprio professor é considerá-lo um sujeito
desprovido de crítica e de vontade.
Segundo Guimarães (2012), alguns defendem a abolição do livro
didático da sala de aula, o que poderia ser considerada uma posição
legítima e de reconhecimento da autonomia docente; contudo,
a autora acredita ser precipitado retirar os livros didáticos das salas,
porque a disciplina de História necessita de textos escritos. Assim,
para retirar o livro didático, o professor deveria contar com textos
alternativos. Essa questão torna-se relevante, então, quando é feito
o uso exclusivo do livro didático, sem interpretações diferentes
daquelas apresentadas pelo material.
De acordo com Ribeiro (2018), o uso de outros materiais ou
recursos, inclusive das novas tecnologias, não garante um ensino
de História de excelência, capaz de tornar o aluno um cidadão
crítico. Schmidt e Cainelli (2009) distinguem o método de ensino e
O livro didático de História 91

o recurso didático: o primeiro é mais amplo e diz respeito à forma


como a aula é organizada metodologicamente, enquanto o segundo
é um meio para colocar em prática a ação didática.
Dessa forma, o que importa é a maneira como organizamos
a aula metodologicamente, pois é isso o que influenciará a forma
como o professor utilizará os recursos didáticos, qualquer um deles,
inclusive o livro didático. Bittencourt (2018, p. 296-298) indica os
recursos didáticos disponíveis atualmente para os professores:
1. suportes informativos: aqueles produzidos com a
finalidade de servir ao trabalho em sala de aula – livros
de leitura, livros didáticos, paradidáticos, apostilas,
atlas, dicionários, vídeos, CDs, DVDs e softwares de
computador. [...]
2. documentos visuais ou textuais: que não foram
originalmente produzidos para fins escolares e
educativos, mas podem ser apropriados pelo professor
para criar situações de ensino – romances, peças
teatrais, contos, poesias, artigos em jornais e revistas,
cartas, leis, pinturas, fotografias, filmes, músicas,
objetos e construções, paisagens etc. [...]
3. produção dos professores: formada por textos
diversos, como relatórios, diários, cadernos de campo,
anotações, monografias, sínteses e esquemas. [...]
4. produção dos alunos: aquilo que foi elaborado a partir
do domínio dos conteúdos e atividades propostas em
sala de aula – redações, relatórios, tarefas, fichamentos,
anotações e esquemas, mapas, maquetes, painéis,
monografias, roteiros para apresentações e seminários.

Todos esses recursos podem ser utilizados pelo professor,


mas o que orienta a forma de usá-los é a metodologia escolhida.
Isso também se aplica ao livro didático: o professor pode optar
por uma aula expositiva, centrada nele e no livro, ou decidir
por uma aula dialógica, trabalhando com o livro didático, mas
problematizando o texto por meio da interferência dos alunos e,
com eles, incluir outras fontes de informação. Outros professores
92 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

podem escolher, ainda, a aula construtivista, em que o professor é


mais um mediador no processo de ensino e aprendizagem na sala
de aula e, nesse sentido, pode usar vários recursos didáticos. Em
todos os casos, é possível usar outros recursos didáticos além do
livro, já que o que diferencia uma aula da outra é a metodologia
escolhida pelo professor.
Bittencourt (2018) propõe um itinerário para a análise dos livros
didáticos, considerando a ideologia, a forma, o conteúdo histórico-
escolar e o conteúdo pedagógico. Sobre os aspectos formais, a autora
afirma que as editoras tentam seduzir os professores por meio da
parte gráfica do livro, que é uma das primeiras impressões que eles
têm do material (BITTENCOURT, 2018). Diversas capas de livros
apresentam avisos aos professores de que a obra segue os documentos
oficiais do Estado para o ensino de História, legitimando, assim,
a coleção. A diagramação, geralmente, não é realizada pelo autor,
mas por uma pessoa diferente, a qual faz as suas escolhas baseadas
em parâmetros diferentes das que o autor, que é ligado à disciplina
escolar, faria.
Em relação ao conteúdo dos históricos escolares, Bittencourt
(2018) afirma que, muitas vezes, a concepção de História do autor
não está explicita e tampouco mantém-se coerente no livro. Há uma
tendência ao ecletismo nas coleções didáticas; no entanto, alguns
indícios podem facilitar a identificação da linha historiográfica
do autor, como as referências bibliográficas e os excertos
historiográficos. O problema do texto didático é que ele é categórico,
não deixa margem para várias interpretações, pelo fato de o autor
ter que escrever sobre muitos conteúdos em um número de páginas
pré-determinado, tentando ainda usar uma linguagem adequada ao
público leitor.
No que diz respeito aos conteúdos pedagógicos, Bittencourt
(2018) assevera que os livros didáticos não são portadores
unicamente dos conteúdos disciplinares, mas também de uma
O livro didático de História 93

forma pedagógica de aprendizagem. A ordenação do texto e o


tipo de atividades demonstram uma intencionalidade pedagógica.
Porém, é importante ressaltar que, em alguns casos, não é o autor
quem idealiza as atividades do livro.
Devido à natureza do livro didático, o seu consumo não deve
ser compreendido como o de qualquer outro livro, porque a leitura
dele realizada pelo aluno é mediada pelo professor, que interfere
no texto, inclusive escolhendo os capítulos que deseja trabalhar em
sala de aula. Muitas vezes, os professores não gostam das atividades
do livro e fazem as suas próprias, ou, pelo contrário, apenas gostam
das atividades e não do texto. Assim, é o professor quem direciona
o consumo do livro pelos alunos em sala de aula (BITTENCOURT,
2018).
Para a autora, seria interessante que os professores aproveitassem
sua interferência problematizando o livro didático e demonstrando
que ele é uma narrativa específica, e não uma descrição do passado
exatamente como aconteceu (BITTENCOURT, 2018).

Considerações finais
Como foi possível observar, o livro didático é muito criticado
pelos especialistas em educação, por se configurar como única
fonte de informação utilizada pelos professores. Entretanto, neste
capítulo, você estudou que os livros didáticos apresentam um
campo interessante e frutífero de pesquisa e também que podem ser
empregados de maneiras diversas nas aulas de História.

Ampliando seus conhecimentos


• NÚCLEO DE PESQUISAS EM PUBLICAÇÕES DIDÁTICAS.
Curitiba: UFPR. Disponível em: http://www.nppd.ufpr.br/
nppd/?page_id=159. Acesso em: 18 maio 2019.
94 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

O site indicado é o do Núcleo de Estudos em Produções


Didáticas (NPPD) da Universidade Federal do Paraná, que
tem como objetivos: investigar publicações didáticas, discutir
e propor alternativas aos materiais didáticos, realizar ações
de extensão, divulgar a produção acadêmica sobre produções
didáticas, fazer intercâmbio entre pesquisadores e grupos
de pesquisa, além de debater sobre as condições de trabalho
docente. O site apresenta informações sobre produções
acadêmicas, materiais didáticos e projetos de pesquisa do
grupo.

• O LIVRO didático de História e os conceitos de tempo e


evidência histórica. 1 vídeo (31 min). Publicado pelo canal
Ensinar História. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=veiW4P6pmk4. Acesso em: 18 maio 2019.
O vídeo aborda o uso do livro didático e o funcionamento
do PNLD, além de analisar especificamente o edital de 2015
desse programa.

Atividades
1. Comente sobre as pesquisas desenvolvidas no Brasil, nas
décadas de 1990 e 2000, a respeito do livro didático.

2. Explique a amplitude e o desenvolvimento do PNLD no


Estado brasileiro.

3. Com base nos dados levantados por Miranda e Luca (2004),


disserte sobre o tipo de livro didático majoritariamente
escolhido pelos professores de História.
O livro didático de História 95

Referências
ABUD, K. M. O livro didático e a popularização do saber histórico. In:
SILVA, M. A. (org.). Repensando a história. Rio de Janeiro: Marco Zero,
1984. p. 81-87.

BITTENCOURT, C. M. F. Produção didática de História: trajetórias


de pesquisas. Revista de História, São Paulo, n. 164, p. 487-516, jan./jun.
2011. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/
view/19206/21269. Acesso em: 18 maio 2019.

BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 5. ed.


São Paulo: Cortez, 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Dados estatísticos do Fundo Nacional


de Desenvolvimento da Educação. Brasília, DF: Ministério da Educação,
2019. Disponível em: https://www.fnde.gov.br/index.php/component/k2/
item/514?Itemid=890. Acesso em: 21 maio 2019.

CHAVES, E. A. A presença do livro didático de História em aulas do


Ensino Médio: estudo etnográfico em uma escola do campo. 2015. Tese
(Doutorado em Educação) – Setor de Educação, Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2015. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.
br/bitstream/handle/1884/40387/R%20-%20T%20-%20EDILSON%20
APARECIDO%20CHAVES.pdf?sequence=2&isAllowed=y. Acesso em: 18
maio 2019.

CHOPPIN, A. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da


arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 3, p. 549-566, set./dez. 2004.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n3/a12v30n3.pdf. Acesso
em: 18 maio 2019.

GUIMARÃES, S. Didática e prática de ensino de História. 13. ed. São Paulo:


Papirus, 2012.

MIRANDA, S. R.; LUCA, T. R. O livro didático de história hoje: um


panorama a partir do PNLD. Revista Brasileira de História, São Paulo,
v. 24, n. 48, p. 123-144, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/
v24n48/a06v24n48.pdf. Acesso em: 18 maio 2019.

MUNAKATA, K. O livro didático: alguns temas de pesquisa. Revista


brasileira de história da educação, Campinas, v. 12, n. 3 (30), p. 179-197,
set./dez. 2012. Disponível em: http://eduem.uem.br/ojs/index.php/rbhe/
article/view/38817/20335. Acesso em: 18 maio 2019.
96 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

MUNAKATA, K. Livro didático como indício da cultura escolar. História


Educação. Porto Alegre, v. 20, n. 50, set./dez. 2016, p. 119-138. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/heduc/v20n50/2236-3459-heduc-20-50-00119.
pdf. Acesso em: 18 maio 2019.

RIBEIRO, R. R. Fazer História: a importância de ler, interpretar e escrever


em sala de aula. Curitiba: Appris, 2018.

SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione,


2009.
6
O uso das fontes escritas
no ensino de História

Vimos que uma das tendências no ensino de História é empregar


fontes históricas nas aulas, não meramente como ilustração, mas
como uma forma de entender como o historiador constrói o
conhecimento sobre o passado. Neste capítulo, você verá como as
fontes escritas podem ser fecundas para as aulas de História no
ensino fundamental.

6.1 O ensino de História e as fontes escritas


Vamos nos dedicar, agora, à trajetória do ensino de História e
do uso das fontes históricas em sala, especialmente fontes históricas
escritas, como documentos oficiais do Estado e da Igreja, a imprensa,
a literatura, as cartas e os diários, respeitando as particularidades
de cada tipologia de fonte. Também apresentaremos uma proposta
didática para trabalhar uma fonte escrita em sala de aula.
Nos capítulos anteriores, você teve a oportunidade de estudar
como a metodologia de ensino de História e o uso do livro didático
se desenvolveram em conjunto com a disciplina escolar de História.
De métodos que frisavam o papel do professor e da memorização
para outros que compreendiam os alunos como protagonistas e os
professores como mediadores no processo de aprendizagem.
A história da metodologia de ensino de História também
está associada à própria compreensão de fonte histórica pela
historiografia. Nesse sentido, em muitos momentos as fontes
históricas foram empregadas nas aulas; porém, na maior parte das
vezes, foram usadas apenas como algo comprobatório ou ilustrativo.
98 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Pereira e Seffner (2008) afirmam que o emprego da fonte como


comprovação pelos professores de História surge do incômodo destes
diante de outras disciplinas escolares pautadas pela experiência
empírica e pela lógica. Assim, os professores usam as fontes como
prova do acontecimento do passado.
É muito comum o professor de História abordar temas como
a Revolução Francesa e usar a Declaração dos Direitos dos Homens
e do Cidadão (1789) para comprovar os ideais dessa revolução.
Contudo, acaba não problematizando a fonte, nem sua autoria,
suas intencionalidades e suas contradições.
Empregar a fonte histórica em sala de aula apenas como
comprovação ou ilustração reforça uma visão tradicional da
História em que o relato e o fato são coincidentes, uma visão
recorrente na própria memória coletiva de nossa sociedade.
Portanto, os professores de História seriam compelidos a repetir
a ilusão da teoria da correspondência com a intenção de conferir
objetividade à disciplina na escola (PEREIRA; SEFFNER, 2008).
provisoriedade: Como explicar aos alunos a provisoriedade da História? Como
característica
do que é
evidenciar a sua fragilidade epistemológica diante das fontes
provisório. históricas e das várias interpretações sobre o passado? Para lidar com
isso, muitos professores usam as fontes como prova de veracidade,
mas sem problematizá-las como indícios parciais do passado.
Segundo Xavier e Cunha (2010), as fontes históricas devem ser
entendidas como artefatos culturais que traduzem uma série de
intencionalidades:
as fontes devem assumir um papel fundamental de
significação na estrutura cognitiva do aluno: demonstrar as
representações que determinados grupos forjaram sobre a
sociedade em que viviam como pensavam ou sentiam, como
se estabeleceram no tempo e no espaço; como servir para
que o aluno seja capaz de fazer diferenciações, abstrações
que o permitam fazer a leitura das distintas temporalidades
as quais estamos submetidos. (XAVIER; CUNHA, 2010,
p. 651-652)
O uso das fontes escritas no ensino de História 99

Simplificar a fonte histórica como uma ilustração é submeter a


epistemologia da História à didática, tornando o documento um
objeto concreto que o aluno seria capaz de compreender e por meio
do qual poderia aprender o conceito. Esse processo entende o aluno
a partir de uma noção essencialista (PEREIRA; SEFFNER, 2008).
Para escapar da ilusão de correspondência ao trabalhar com
fontes históricas em sala de aula, Xavier e Cunha (2010) propõem
transformar as fontes em ferramentas para demonstrar aos alunos
como o conhecimento histórico é construído, evidenciando a
parcialidade das próprias fontes, que são discursos situados e,
por isso, representam interesses específicos de cada sujeito do
passado. Além disso, é importante mostrar o papel interpretativo
do historiador diante dos fragmentos do passado que as fontes
representam.
A partir da década de 1960, os documentos deixaram de ser
sinônimos de verdade: a distinção entre documento e monumento
foi questionada. O caráter intencional de enviar uma mensagem
para as gerações futuras não seria exclusividade dos monumentos;
os documentos também possuem intencionalidades que devem ser
analisadas pelos historiadores (LE GOFF, 2013).
A título de exemplo, pode-se citar os relatos de viajantes.
Gilberto Freyre, em sua obra Casa-grande & senzala (2018),
inovou ao usar essas fontes para criar uma explicação sobre o
Brasil colonial. Contudo, ainda compreendia esses relatos como a
expressão da realidade do passado, enquanto os historiadores pós-
-década de 1960, como Certeau (2006), analisavam o relato viajante
considerando mais o autor do relato do que o aquilo que ele relata –
porque o seu texto diz mais sobre o autor do que sobre a realidade
que este observava.
Nesse sentido, as fontes são olhares sobre o passado, olhares
que foram escolhidos para permanecer no tempo e chegar ao nosso
presente. A seleção do que é preservado e do que é esquecido é
100 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

permeada por relações de poder e constantemente atualizada pelas


gerações. Por isso, a ideia de que o documento corresponde a uma
realidade não se sustenta atualmente nos quadros historiográficos –
uma coisa é o passado, outra, a História.
Portanto, trabalhar com fontes históricas em sala de aula, de
acordo com Pereira e Seffner (2008), propicia a problematização dos
estudantes, que passam a enxergar essas fontes como representações
que as gerações passadas fizeram de si, e, simultaneamente, permite o
questionamento das nossas próprias representações sobre o passado.
As maneiras como a nossa sociedade representa o passado fazem
parte da memória coletiva. Por isso, é papel da escola problematizar
essas representações por meio da produção historiográfica recente
– não apenas reproduzi-las nas aulas e nos materiais didáticos
(PEREIRA; SEFFNER, 2008).
Para Xavier e Cunha (2010, p. 1102), o professor de História
assume uma função mediadora, não como mero reprodutor do
conhecimento, mas também como transmissor de sua própria
representação sobre o passado. De qualquer forma, a proposta aqui
é mostrar possibilidades de trabalhar fontes históricas em sala de
aula a partir dos parâmetros atuais do entendimento delas no campo
historiográfico. A pretensão, portanto, não é realizar o mesmo
trabalho de pesquisa do historiador com os alunos, mas desenvolver
neles a habilidade de interpretar e problematizar as fontes históricas
a partir de seu repertório.

6.2 Imprensa, documentos oficiais


e literatura
Primeiramente, conheceremos um pouco da natureza das fontes
da imprensa, dos documentos oficiais e da literatura para, depois,
no final do capítulo, observar uma possibilidade de trabalho com
uma dessas fontes em sala de aula, com alunos do ensino fundamental.
O uso das fontes escritas no ensino de História 101

Quanto às fontes da imprensa, Luca (2008) aponta uma variedade


de materiais, como revistas, jornais e publicidade. Entre os jornais,
é possível analisar os mantidos tanto por empresários quanto por
operários, possibilitando vários olhares sobre um determinado
evento ou período. Pode-se estudar muitas facetas do passado
pelas fontes da imprensa, assim como é possível, pelas revistas e
publicidades, analisar o cotidiano e as transformações das cidades
no início do século XX, no Brasil (LUCA, 2008).
Nas primeiras décadas do século XX, originou-se no país a
revista ilustrada (ou de variedade), que teve grande repercussão nas
décadas seguintes, devido ao seu formato, como afirma Luca (2008,
p. 121):
com apresentação cuidadosa, de leitura fácil e agradável,
diagramação que reservava amplo espaço para as imagens e
conteúdo diversificado, que poderia incluir acontecimentos
sociais, crónicas, poesias, fatos curiosos do país e do mundo,
instantâneos da vida urbana, humor, conselhos médicos,
moda e regras de etiqueta, notas policiais, jogos, charadas
e literatura para crianças, tais publicações forneciam um
lauto cardápio que procurava agradar a diferentes leitores,
justificando o termo variedades.

As revistas de variedades possibilitam a análise de vários


aspectos da sociedade brasileira dessas primeiras décadas, entre
eles os costumes, a infância, as mulheres e os padrões de beleza e
de consumo. O professor pode selecionar fragmentos ou colunas
específicas das revistas para problematizar com os alunos os
temas propostos.
Luca (2008) indica ainda outras possibilidades na pesquisa em
relação à imprensa, como a questão da censura e da sua materialidade.
O estudo de períodos em que o Estado interferiu diretamente nos
meios de comunicação, como no Estado Novo (1937-1945) e na
ditadura militar (1964-1985). No que diz respeito à materialidade,
os estudos direcionam a análise na questão do mercado editorial,
102 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

compreendendo a imprensa como produtora de mercadorias que


eram consumidas.
No que concerne aos documentos oficiais, podemos listar os
arquivos municipais, estaduais e nacionais, bem como os ligados ao
judiciário e à Igreja católica. Você pode encontrá-los nos próprios
arquivos públicos, que muitas vezes não estão organizados – ou,
na melhor das hipóteses, estão organizados e dispõem, inclusive,
de documentos digitalizados em sites oficiais. Outra possibilidade
para o trabalho do professor é pesquisar dissertações e teses em
História que citam e analisam essas documentações, facilitando
sobremaneira a procura do docente.
De acordo com Bacellar (2008, p. 27), “as correspondências
enviadas ou recebidas pelas autoridades no exercício de suas
funções formam grandes conjuntos documentais em todos os
arquivos”. A tipologia da documentação oficial do Estado pode ser
encontrada em forma de correspondências, ofícios e requerimentos.
O professor de História que encontra a correspondência enviada
está em posse de uma cópia do documento; já a correspondência
recebida é a versão original – mesmo que, muitas vezes, possa estar
desfalcada em seu conteúdo, visto que as solicitações específicas que
faziam parte desta correspondência podem ter sido encaminhadas
para os órgãos responsáveis
Nesses arquivos, é possível ainda encontrar as listas nominativas
de habitantes a partir do século XVIII. Por meio delas, é possível ter
acesso a informações sobre a composição de cada domicílio, com
indicação de nome, cor, idade, estado civil e ocupação econômica
de determinada população local. Isso possibilita a análise dos
costumes e das condições materiais desses habitantes (BACELLAR,
2008).
Durante as décadas de 1950 a 1970, boa parte da historiografia
mundial utilizou fontes seriadas, que eram passíveis de quantificação.
Inspirados na demografia e nos estudos da Segunda Geração dos
O uso das fontes escritas no ensino de História 103

Annales, procuravam nessas fontes criar um efeito de objetividade


técnica (BURKE, 1997).
As matrículas de classificação de escravos, por exemplo,
podem fornecer indícios sobre a organização da força de trabalho
dos escravos e a questão do seu tráfico interno no final do
Império. Isso porque essas matrículas foram criadas e registradas
nesse período com a intenção de controlar o processo de gastos
das verbas do Fundo de Emancipação, explanado na Lei n. 2.040,
de 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do Ventre Livre
(BACELLAR, 2008).
Atualmente, existe uma profícua produção historiográfica que
analisa conjuntos de escravos e aprofunda discussões em relação
à população escrava nos períodos colonial e imperial. Isso permite
compreender o mercado escravo, os caminhos de liberdade para
os alforriados, as famílias escravas, entre outros temas (MOTTA,
2001).
Outros documentos na categoria de oficiais de Estado são os
referentes à imigração e aos núcleos coloniais. Eles possibilitam
conhecer a forma como os imigrantes foram trazidos ao território
brasileiro e inseridos no mercado de trabalho, desde a chegada ao
país até os núcleos coloniais (BACELLAR, 2008).
Estudos com cartas de imigrantes escritas no século XIX
permitem, por exemplo, inferir como eles viveram no país, suas
condições de trabalho e de vida e as formas que encontraram
para manter seus costumes mesmo longe de sua terra natal. Os
documentos sobre os núcleos coloniais podem apresentar indícios
que permitem a análise do cotidiano e das relações familiares.
Um trabalho que permite perceber como essas fontes são oportunas
é o de Andreazza (1999), que estudou os ucranianos da colônia de
Antonio Olyntho.
Nesses arquivos, também se encontram registros das matrículas
e das frequências dos alunos, o que permite um trabalho interessante
104 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

em sala de aula ao comparar os dados dos períodos imperial e


republicano com o atual (BACELLAR, 2008).
Os arquivos escolares são de grande valia e apresentam
um conjunto interessante de documentos. Eles possibilitam,
por exemplo, analisar como os currículos em determinado período
(como o da Primeira República) ensinavam comportamentos distintos
para os meninos e para as meninas. Um trabalho de pesquisa que
trata dessa questão é o de Trindade (1996), que analisa currículos de
escolas católicas e públicas em Curitiba, durante as primeiras décadas
do século XX.
Outros tipos de documentos são os da polícia e do judiciário,
que permitem discutir um pouco sobre a história do crime no país.
As pequenas contravenções eram registradas pela polícia em livros
de ocorrência, enquanto os casos mais graves tornavam-se processos
criminais, hoje preservados em arquivos judiciais (BACELLAR,
2008). As fontes judiciais permitem também estudar um pouco
sobre a história do cotidiano de determinada sociedade.
Um trabalho historiográfico interessante para perceber como
as fontes judiciais permitem analisar o cotidiano das pessoas
no passado é o de Sidney Chalhoub, em sua obra Trabalho, lar e
botequim (2012). Nela, o autor analisa as relações entre os indivíduos
envolvidos nos processos.
É possível, ainda, estudar um pouco sobre como o espaço
da cidade se modificou durante as décadas com o acesso aos
documentos referentes às obras públicas, bem como, no caso do
campo, analisar a distribuição de terras a partir de documentos
relativos a elas (BACELLAR, 2008). Esse é um trabalho interessante
a ser desenvolvido com os alunos para conhecer a história do
município e as transformações da paisagem urbana.
Os arquivos cartoriais possuem uma série rica de documentação,
como notas e escrituras, registros civis e procurações, as quais
dão pistas do cotidiano das populações. Esse também é o caso
O uso das fontes escritas no ensino de História 105

dos inventários e testamentos depositados nos arquivos judiciais,


os quais elucidam os bens de determinada família e mostram como
estes eram distribuídos após a morte de um indivíduo (BACELLAR,
2008).
O trabalho com inventários e testamentos, por exemplo, tem
permitido uma série de pesquisas sobre o cotidiano das populações
e das relações intra e extrafamiliares. Um livro notável que emprega
essas fontes é o de Levi, chamado A herança imaterial (2000).
Os arquivos eclesiásticos, principalmente os registros paroquiais,
fornecem dados sobre quantidade de batismos, casamentos e óbitos
em período em que ainda não existiam os cartórios, oferecendo
ao pesquisador acesso a informações que permitem mensurar o
tamanho da população, a política de casamentos e a expectativa de
vida das pessoas do período (BACELLAR, 2008).
No tocante à literatura, Ferreira (2012) observa que, em termos
de historiografia, o emprego dela como fonte histórica é recente –
foi a partir da Escola dos Annales que se ampliou o leque de fontes.
Pesavento (2003) assevera que a literatura, para a historiografia
do século XIX, era compreendida como confirmação de um fato
ou de uma ideia. Esse quadro se alterou com o avanço das ideias
metódicas, que passaram a considerar menos confiável a literatura
como fonte devido a seu caráter ficcional (FERREIRA, 2012).
Atualmente, a literatura representa a possibilidade de
compreender contextos sociais e culturais do passado. Qualquer que
seja o gênero ou a natureza do texto literário, ele fornece indícios
preciosos para estudar o passado. A literatura tornou possível a
análise de temas apreciados pela Nova História, como a sexualidade,
o trabalho, a família e a própria literatura (FERREIRA, 2012).
A historiografia atual é herdeira de uma discussão das décadas
de 1970 e 1980, na qual a forma como os historiadores escrevem a
História não é igual às Ciências Naturais e Físicas. A História não
consegue cumprir os requisitos científicos dessas ciências, porque
106 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

o objeto da História é a humanidade no passado. Essa dificuldade


está relacionada ao fato de não haver uma única interpretação do
passado, visto que existem variáveis que influenciam a forma de
interpretar o tempo.
Além disso, mesmo as outras ciências foram questionadas em
sua neutralidade. O pós-estruturalismo apontou as fragilidades do
pensamento científico, evidenciando que esse discurso legitimou,
no passado, ações e relações de dominação de um grupo sobre outro.
Assim, os historiadores atualmente compreendem que não
há uma única interpretação e que o conhecimento não é neutro.
Contudo, isso não significa que o discurso histórico é uma ficção
ou mentira, porque ele obedece a parâmetros metodológicos, como
o uso de teoria, de método e de fontes que conferem veracidade à
sua escrita.
Atualmente, a historiografia compreende que literatura e
História são narrativas que projetam expectativas, desejos e temores
de determinados contextos, configurando-se como representações
sobre o passado (PESAVENTO, 2003).
A literatura permite ao professor problematizar, junto aos
alunos, muitas questões, como a história do cotidiano, dos
sentimentos e das ideias. Permite também uma proposta
interdisciplinar, sobretudo com a Língua Portuguesa e as Artes,
mostrando a relação entre as áreas do conhecimento.

6.3 As cartas e os diários


As cartas, pelo menos as pessoais, e os diários se configuram
como parte de arquivos privados. Segundo Bacellar (2008), no Brasil
não há uma prática comum de preservação documental privada.
Muitas vezes, perdem-se muitos documentos porque são destruídos.
Quando não são destruídos, essa documentação não está organizada
O uso das fontes escritas no ensino de História 107

e tampouco disponível para consulta pública, permanecendo nas


mãos de famílias ou empresas.
As cartas pessoais e os diários se enquadram na categoria de
escritos autobiográficos, que resultaram de uma atividade solitária e
introspectiva, configurando-se como uma escrita de si. Nessa escrita,
o indivíduo assume uma postura reflexiva sobre a sua história e
sobre o mundo que o cerca (MALATIAN, 2012).
Em relação às cartas, Malatian (2012) afirma que a cultura
epistolar cresceu concomitantemente a outros estilos autobiográficos
a partir do século XVIII, com a emergência da privacidade e da
intimidade burguesa no Ocidente. Foi nesse contexto que a troca
de correspondências se difundiu em diversas camadas sociais.
As cartas se tornam uma maneira de expressar sentimentos,
emoções e experiências.
A pesquisadora Paula Sibilia, em seu livro intitulado O show do
eu: a intimidade como espetáculo (2008), observa que, a partir do
século XVIII, ocorreu o início de um processo em que o eu privado
tornou-se mais importante do que a figura do homem público. Foi
nesse contexto que as escritas íntimas se desenvolveram com vigor.
Escrever cartas era tão comum no século XIX que se tornou
objeto da educação formal. Manuais foram criados para prescrever
como elas deveriam ser elaboradas, observando o grau de
proximidade com o correspondente e o cuidado do sigilo em
relação às cartas (MALATIAN, 2012).
O acesso a esse tipo de documento pode ser difícil aos
historiadores, principalmente no que se refere às pessoas comuns
– a censura familiar e a própria autocensura dos autores das cartas
podem levar à destruição desses registros. Perrot (1989) assevera que
esse processo de autocensura era muito comum nas cartas escritas
por mulheres que, diante da eminente morte, destruíam as epístolas.
108 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Assim como na imprensa, outro aspecto analisado é o suporte


material das cartas. Este poderia variar nos papéis utilizados,
em seus formatos e em suas cores, bem como nos timbres e
monogramas personalizados (MALATIAN, 2012). A discussão
sobre o suporte material das cartas parte das considerações de
Chartier (1988) sobre a história da leitura e dos livros.
A materialidade das fontes impressas é uma questão debatida
há algum tempo na historiografia, como no caso dos livros, em que
Chartier (1988) indica a importância em se estudar os formatos e
os processos de produção. Essa materialidade está presente desde o
tipo de material empregado na reprodução dos livros até as técnicas
aplicadas na edição.
As especificidades das cartas como fonte histórica, tanto em sua
materialidade quanto em sua narrativa, não impediram que fossem
utilizadas na escrita da História.
Mesmo com essas dificuldades, os historiadores têm usado as
cartas como fonte, como no caso da história intelectual, em que elas
podem fornecer pistas de como determinado intelectual construiu
o seu pensamento para além dos seus textos sistematizados,
procurando os bastidores dessa construção nas cartas e na dinâmica
dialógica delas (GONTIJO, 2005).
Muitos aspectos podem ser analisados por meio das cartas,
como questões relacionadas ao cotidiano, à sensibilidade, à história
intelectual, à intimidade e à vida privada. O historiador deve estar
atento ao caráter subjetivo dessas fontes, visto que,
ao analisar a correspondência como objeto, o historiador
levará em conta seu caráter altamente subjetivo e, mais do
que a veracidade dos fatos e a sinceridade do escritor, irá
buscar, nesses documentos, a expressão e contenção do eu,
em seus diversos papéis sociais, em termos de sentimentos,
vivências e, principalmente, práticas culturais. (MALATIAN,
2012, p. 204)
O uso das fontes escritas no ensino de História 109

A escrita de si não é uma escrita livre. Ela é pensada para se criar


uma imagem de si para os outros, sobretudo para quem receberá a
carta. A sua escrita muitas vezes não obedece a uma ordem ou uma
sequência na exposição (MALATIAN, 2012). E o trabalho em sala
de aula com esse material pode ser fascinante, porque permite a
comparação com a cultura digital dos alunos. Contudo, é necessário
ter cuidados em relação ao respeito à privacidade dos remetentes.
Assim, procure trabalhar com cartas de domínio público ou que
preservem anônima a identidade do remetente.
O mesmo cuidado tem que ser observado nos diários pessoais,
que são fecundos por se aproximarem aos blogs, aos diários e aos
cadernos de confidência, que já foram muito comuns entre os
adolescentes. A identidade do autor do diário também deve receber
cuidados relativos à privacidade. Uma estratégia é a substituição de
nomes, porque não é a identidade do sujeito que importa, mas como
ele personifica uma dada sociedade e dado grupo social.
Cunha (2012) afirma que os diários são considerados escritos
ordinários, porque são narrativas escritas por pessoas comuns.
Isso permite que o historiador consiga pistas sobre as maneiras
de viver e de pensar de uma determinada época.
Os diários, durante muito tempo, foram desprezados pela
historiografia. Mas, a partir da década de 1980, com a Nova
História Cultural, tornaram-se uma fonte profícua da história
das sensibilidades. As páginas dos diários estão repletas de cenas
cotidianas, de gestos de amor, amizade e ressentimento e dos freios
morais de dada sociedade.
Os diários como fontes históricas apresentam várias
possibilidades de análise, seja no estudo da linguagem, da maneira
de narrar de um período ou de sua materialidade, seja no debate
da relação entre memória individual e coletiva a partir da narrativa
escrita (CUNHA, 2012).
110 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Veremos, agora, uma possibilidade de trabalhar uma fonte


histórica escrita em sala de aula que reúne a imprensa e as cartas. A
carta apresentada em “Suplemento do 14° Exemplar do Rudolstädter
Wochenblatt de 1853” (ALVES, 2003) foi publicada em Rudolstadt
(cidade do território que posteriormente se tornaria a Alemanha),
em um jornal de emigrantes que mudaram para o Brasil no século
XIX, e foi escrita por um alemão que estava em uma fazenda de café
fluminense no sistema de parceria (muito criticado em São Paulo
pelos imigrantes).
Esse jornal foi criado em 1846, por Fröbel, e estava associado
a uma agência de emigração na cidade. Assim, era um jornal
especializado em emigração que pretendia informar e orientar
os emigrantes. A pretensão do editor do jornal era apenas ajudar
e orientar, e não incentivar a emigração. Ele criticava os governos
alemães porque não reconheciam o movimento emigratório como
um problema social – e não desenvolviam uma política oficial sobre
isso (ALVES, 2003).
A sugestão é trabalhar a imigração no Brasil do século
XIX apresentando o tema a partir da fonte e, por meio da sua
problematização, construir o conhecimento com o aluno. Nesse
caso, o professor seria mais um mediador ou estimulador no
processo de problematização da fonte. Para isso, seguimos alguns
passos sugeridos por Schmidt e Cainelle (2009), que propõem
algumas etapas para trabalhar com fontes históricas em sala de aula.
O primeiro passo é identificar a natureza e o gênero da fonte.
Nesse sentido, o professor pode chamar a atenção para alguns
elementos que permitem identificar a fonte que está sendo
trabalhada como uma carta (como a abertura e o final do texto).
Depois, contextualizar a fonte, ou seja, situá-la no tempo e no espaço.
Geralmente, o indício do tempo está no início da carta; o lugar
exigirá uma pesquisa extra (no caso da carta que estamos tratando,
para localizar Santa Justa, no Rio de Janeiro). Nessa etapa, Schmidt
O uso das fontes escritas no ensino de História 111

e Cainelle (2009) indicam que os alunos devem ser estimulados a


descrever o documento. Nesse processo, o professor pode auxiliar
procurando o significado de palavras pouco usuais entre os alunos.
Na segunda etapa, o aluno deve explicar a fonte, cruzando
as informações das fontes com as pesquisas realizadas para
compreendê-la, mobilizando também os seus conhecimentos
prévios sobre a temática (SCHMIDT; CAINELLI, 2009).
Veja na Figura 1, a seguir, os passos sugeridos para o trabalho
com a fonte escrita em sala de aula.

Figura 1 – Etapas para o trabalho com a fonte escrita

Identificação Descrição Contextualização Análise da fonte

Fonte: Elaborada pela autora com base em Schmidt e Cainelli, 2009.

A forma como o aluno pode mostrar a sua análise é variável:


pode ser por meio de uma narrativa escrita, uma apresentação
ou um desenho. A partir dessa sugestão, é possível pensar outras
possibilidades de trabalhar fontes históricas nas aulas de História.

Considerações finais
O trabalho com fontes históricas em sala de aula exige pesquisa
e conhecimento. Além da formação inicial, o professor deve estar
constantemente estudando e precisa compreender que não é mero
reprodutor de conteúdos, mas um pesquisador – que, em sala de
aula, atua também como tal.

Ampliando seus conhecimentos


• URBAN, A. C. O trabalho com fontes históricas no ensino
fundamental. Cadernos de pesquisa: pensamento educacional,
Curitiba, v. 9, n. 21, p. 144-157, jan./abr. 2014. Disponível em:
112 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

https://seer.utp.br/index.php/a/article/download/377/355/.
Acesso em: 19 maio 2019.
Nesta obra, Ana Claudia Urban discute, com base em uma
experiência realizada no ensino fundamental da cidade de
Ponta Grossa (PR), como os alunos se relacionam com as
ideias históricas – entre elas a problematização das fontes
históricas.

• ASHBY, R. O conceito de evidência histórica: exigências


curriculares e concepções de alunos. In: BARCA, I. (org.).
Educação histórica e museus. Braga: CIED; Universidade do
Minho, 2003. p. 37-55.
A autora discute nesse texto o conceito de evidência histórica,
no sentido de fonte histórica, por meio da perspectiva da
Educação Histórica. Seu texto permite pensar em formas
de investigação da aprendizagem em sala de aula, unindo a
prática docente à ideia de pesquisa.

Atividades
1. Você viu, neste capítulo, que, muitas vezes, os professores
usam as fontes históricas em sala de aula como comprovação.
Explique o que significa usar as fontes para comprovação
e por que isso está associado a uma visão tradicional
da História?

2. O texto menciona que, no trabalho em sala de aula,


o professor deve escapar da ilusão da correspondência das
fontes com a realidade. Como isso pode ser realizado?

3. Com base no universo das fontes escritas, suponha a


proposição de um exercício de análise com seus alunos em
sala de aula, articulando um recorte temático e os passos
metodológicos propostos no final do capítulo. A quais
resultados o aluno deveria chegar?
O uso das fontes escritas no ensino de História 113

Referências
ALVES, D. B. Cartas de imigrantes como fonte para o historiador: Rio de
Janeiro – Turíngia (1852-1853). Revista Brasileira de História, São Paulo,
v. 23, n. 45, p. 155-184, jul. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/
rbh/v23n45/16524.pdf. Acesso em: 19 maio 2019.

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ucraniana (1895-1995). Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999.

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BURKE, P. A escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da


Historiografia. Tradução: Nilo Odalia. São Paulo: UNESP, 1997.

CERTEAU, M. A escrita da História. Tradução de: Maria de Lourdes


Menezes. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

CHALHOUB, S. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no


Rio de Janeiro da belle époque. 3. ed. Campinas: Unicamp, 2012.

CHARTIER, R. Textos, impressos, leituras. In: CHARTIER, R. A História


Cultural entre práticas e representações. Tradução de: Maria Manuela
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CUNHA, M. T. Diários pessoais: territórios abertos para a História. In:


PINSKY, C. B.; LUCA, T. R. de (org.). O historiador e suas fontes. São Paulo:
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FERREIRA, A. C. Literatura: a fonte fecunda. In: PINSKY, C. B.; LUCA, T.


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FREYRE, G. Casa-grande & senzala. 2. ed. São Paulo: Gaia, 2018.

GONTIJO, R. História e historiografia nas cartas de Capistrano de Abreu.


História, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 159-185, 2005. Disponível em: http://www.
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LE GOFF, J. História e Memória. Tradução de: Bernardo Leitão et al. 7. ed.


Campinas: Unicamp, 2013.

LEVI, G. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do


século XVII. Tradução de: Cynthia Marques de Oliveira. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000.
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LUCA, T. R. História dos, nos e por meio dos periódicos: fontes impressas.
In: PINSKY, C. B. (org.). Fontes históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
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MALATIAN, T. Cartas: narrador, registro e arquivo. In: PINSKY, C. B.;


LUCA, T. R. de (org.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2012.
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MOTTA, J. F. Demografia histórica, família escrava e historiografia: relações


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PERROT, M. Práticas da memória feminina. Tradução de: Cláudio


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TRINDADE, E. M. C. Clotildes e Marias: mulheres de Curitiba na Primeira


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XAVIER, E. S.; CUNHA, M. F. Ensino e História: o uso das fontes históricas


como ferramentas na produção de conhecimento histórico. In: Seminário
de Pesquisa em Ciências Humanas, 8., 2010, Londrina, PR. Anais [...].
Londrina: Eduel, 2010. Disponível em: http://www.uel.br/eventos/sepech/
sumarios/temas/ensino_e_historia_o_uso_das_fontes_historicas_como_
ferramentas_na_producao_de_conhecimento_historico.pdf. Acesso em: 19
maio 2019.
7
Imagens, cinema e música
no ensino de História

A nossa sociedade é muito pautada em uma cultura visual:


o tempo todo somos estimulados com imagens pela televisão
e pelas telas dos computadores, tablets, celulares, entre outros
aparatos tecnológicos. Além disso, também vivemos uma grande
influência dos meios de comunicação de massa e da internet: somos
bombardeados com informações fragmentadas e, muitas vezes,
sem a devida comprovação de sua veracidade. Portanto, o ensino
de História deve estar atento a essa cultura visual e da informação
para possibilitar o desenvolvimento de posicionamento crítico dos
estudantes frente a esses meios de comunicação.
Neste capítulo, veremos como os professores de História
podem analisar com os estudantes fontes históricas não escritas,
problematizando-as e desenvolvendo a habilidade dos alunos de
questionar os produtos da cultura de massa e das informações que
circulam na internet. Nosso foco estará voltado para as discussões,
especificamente das imagens, da cultura material, da música e
do cinema.

7.1 O ensino de História e as fontes não


escritas
Como você estudou em capítulos anteriores, houve uma
ampliação daquilo que se entende como fonte histórica a partir
da criação da Escola dos Annales, em 1929. Marc Bloch e Lucien
Febvre defenderam a escrita de uma Nova História, aproximando
a História de outras disciplinas, como a Sociologia, a Geografia e
116 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

a Economia. Pretendiam, assim, uma História que fosse para além


da superfície dos fatos, aprofundando as análises sobre o passado.
A partir da incorporação de novos conceitos e metodologias de
análise, foram repensadas as concepções de fonte histórica. Nesse
sentido, além de novas fontes escritas, como a literatura e a imprensa,
fontes não escritas passaram a ser passíveis de análise, como objetos
e construções da cultura material e toda espécie de iconografia.
Com o desenvolvimento de novas tecnologias, a fotografia e o
cinema também passaram a figurar entre as possíveis fontes para
o historiador. Inicialmente, porém, seu uso gerou desconforto e
desconfiança entre os historiadores, como veremos mais adiante,
no tópico específico sobre cinema.
Em relação ao ensino de História, assim como as outras fontes
históricas, as fontes não escritas muitas vezes também serviam
(e ainda servem) meramente como ilustração ou comprovação do
texto escrito. No caso das imagens, o seu caráter de ilustração é ainda
mais ressaltado, justamente por sua linguagem gráfica.
O cinema, especificamente, vivencia situações em sala de aula
bem particulares, porque ele pode produzir imagens em movimento
sobre o passado e, muitas vezes, pode ser usado como ilustração de
um tempo que não corresponde ao período de sua produção – o que
pode levar a alguns problemas, como veremos adiante.

7.2 Iconografia e cultura material


A iconografia e a cultura material passaram a figurar entre
as fontes históricas a partir da escrita da História pela Escola dos
Annales. Assim como as demais fontes não oficiais, estudar a
Antiguidade a partir de ânforas ou do período medieval, analisando
as iluminuras, tornou-se algo muito comum, não despertando
desconfianças no campo historiográfico.
Imagens, cinema e música no ensino de História 117

No âmbito do ensino de História, segundo Bittencourt (2018),


um dos obstáculos para o uso da iconografia é que esse material
exige um tratamento metodológico, por parte do professor,
para que não seja usado meramente como ilustração. Neste tópico,
você verá uma iconografia específica: a produzida mecanicamente
pela fotografia.
Para compreender a fotografia como fonte histórica, deve-
-se estar atento aos vários usos sociais dela nos séculos XIX e XX.
Criada entre 1839 e 1850, a fotografia pretendia atender a várias
demandas sociais, e acabou se tornando um grande negócio (LIMA;
CARVALHO, 2012).
As fotografias permitiram o acesso de muitas pessoas a lugares
distantes, aos quais não podiam ir pessoalmente, assim como
auxiliou os alunos de arte a visualizarem pinturas para reproduzi-
-las. Contudo, a fotografia também provocou uma reviravolta no
campo da pintura, que teve que abandonar os retratos realistas e
apostar em outros experimentos para se distinguir da exatidão do
registro fotográfico.
Um dos usos sociais da fotografia que se popularizou foram os
retratos. A partir deles, e de sua coleção em álbuns, foram criadas
narrativas familiares que atravessam gerações, preservando a
memória doméstica (LIMA; CARVALHO, 2012).
As fotografias tornaram-se uma forma de autorrepresentação
social. No século XIX e em boa parte do XX, a ocasião de posar
para uma fotografia envolvia um cuidado das pessoas: as melhores
roupas eram escolhidas, a ambientação era selecionada (algumas
fotografias eram tiradas em estúdio) e a sua realização era monopólio
de profissionais – fotógrafos ou retratistas.
Outros usos sociais eram o de controle e vigilância das autoridades
do Estado em relação à população urbana crescente, que despertava
desconfiança, e, também, o de catalogação de estudos científicos,
como o registro de partes humanas na medicina. Outra forma de
118 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

uso social da fotografia foi o registro de paisagens, o que permite ao


historiador analisar as transformações do espaço urbano e rural de
vários lugares (LIMA; CARVALHO, 2012).
Lima e Carvalho (2012) apontam que, atualmente, os estudos
históricos sobre fotografia procuram analisar o papel social desta
na construção da cultura visual contemporânea. Para tanto,
o historiador analisa pelo menos dois aspectos da fotografia: os
atributos formais da imagem e sua circulação. Portanto, não basta
analisar a imagem em si, a sua produção e a intencionalidade do
fotógrafo, mas também é preciso estudar as formas de circulação e
de apropriação social dessa imagem (LIMA; CARVALHO, 2012).
Os historiadores que usam as fotografias como fonte geralmente
não analisam uma fotografia isoladamente. Eles procuram montar
uma série documental para compreender os padrões visuais de
determinada sociedade (LIMA; CARVALHO, 2012). No que
concerne aos critérios para a composição de séries, a fotografia,
quando realizada, revelada e impressa, é selecionada a partir de
preferências. Deve haver um sentido na construção de uma série
fotográfica, pois a abundância de imagens pode causar mais
confusão do que riqueza de informações (GUIMARÃES, 2012).
Bittencourt (2018) afirma que, devido a essa grande quantidade
de imagens, deve-se selecionar as mais significativas, aquelas que
provocam um impacto visual motivador aos alunos e que podem
fornecer informações ou questionamentos sobre o tema estudado.
No ensino de História, segundo Guimarães (2012), os álbuns
de fotografia dos próprios alunos podem ser uma fonte fortemente
mobilizadora para o estudo do passado. Esses álbuns podem servir
como porta de entrada para outras fontes, como testemunhos de
familiares e objetos da cultura material familiar. Eles ainda fornecem
um recorte cronológico que cria uma narrativa para a história
pessoal. De acordo com Guimarães (2012, p. 61):
Imagens, cinema e música no ensino de História 119

ela [a fotografia] corresponderá à imagem que a família


construiu de si mesma – tão importante quanto o que de
fato sucedeu é a representação que os grupos humanos dão
a eles mesmos. Essas imagens revelam aspirações, desejos e
carências que interessam ao historiador. A narrativa mostra
que comemorações, passeios, brinquedos, etc. dependiam
de contingências da economia doméstica, da situação dos
provedores, que, se fosse mediada convenientemente,
encontraria (des)amparo na economia do estado ou do
país. As roupas e penteados revelam ainda as inspirações
de uma época.

Além do fator mobilizador das fotografias, Bittencourt (2018)


sugere que se faça a leitura interna e externa da imagem, tal qual
se faz com outras fontes. Assim, o professor deve fazer os alunos
exercitarem a habilidade deles de contextualizar as fotografias e os
interesses que acionaram os sujeitos envolvidos nelas.
No que concerne à cultura material, o papel dos museus é de
fundamental importância. Como bem apontou Pierre Nora (1993),
são lugares da memória pensados no contexto da aceleração das
mudanças sociais do século XIX. Por isso, foi preciso criar espaços
para preservar as lembranças do passado, para que não caíssem
no esquecimento.
Muitos museus se originaram de coleções particulares e a maioria
deles possui em seu acervo objetos provenientes da elite – o que
suscita discussões sobre o que merece ser preservado diante da ação
do tempo e do esquecimento. Atualmente, procura-se criar lugares
de memória também para os que foram esquecidos ou silenciados.
Para tanto, ampliou-se o leque de representações da cultura
material, incluindo os grupos silenciados, e propôs-se coletar novos
objetos como suportes de memória. Martins (2012) afirma que
essas mudanças nas discussões sobre lugares da memória tiveram
desdobramentos no próprio entendimento de patrimônio cultural,
compreendendo como um bem em um conjunto e em um contexto
específicos.
120 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Em relação às visitas a museus no ensino de História, Bittencourt


(2018) aponta as críticas em relação às práticas mais costumeiras
dos professores: levar os alunos a visitações guiadas por um roteiro.
Para Bittencourt (2018), isso limita a experiência dos alunos, que
ficam mais preocupados em fazer anotações do que em observar o
acervo. A visita deve despertar o olhar de curiosidade e de indagação
dos estudantes.
Bittencourt (2018) recomenda alguns cuidados na preparação
dos alunos para uma ida ao museu. Primeiramente, o professor deve
esclarecer que os museus são lugares de memória e que os objetos
que nele se encontram são frutos do trabalho humano. Deve-
-se problematizar a seleção de objetos que fazem parte do acervo,
mostrando o trajeto do objeto de seu lugar de uso até o museu,
tornando-se peça de apreciação.
A visita ao museu requer um planejamento do professor,
sendo necessário pensar nos objetivos dela, selecionar o museu
mais adequado para o tema pretendido, conhecer o museu
antecipadamente e descobrir se há visita guiada, preparar os alunos
para a visita, elaborar uma atividade para ser realizada após a visita e
avaliar se os objetivos previstos foram alcançados com esse exercício
(BITTENCOURT, 2018).
Os alunos devem ser orientados a contextualizar os objetos do
museu como produtos de uma sociedade, seguindo alguns passos:
identificar e descrever o objeto, comparar os objetos do acervo, criar
uma tipologia e, por fim, produzir uma síntese (BITTENCOURT,
2018).

7.3 Música e cinema


O cinema e a música na historiografia acompanham as
discussões em relação aos meios de comunicação de massa. Isso
porque a música já existia antes da reprodução mecânica, como
menciona Benjamin (1955), enquanto o cinema só foi possível a
Imagens, cinema e música no ensino de História 121

partir dessa reprodução. Além disso, hoje, se o historiador analisa


músicas contemporâneas, principalmente as produzidas nos
séculos XX e XXI, não tem como desenvolver uma discussão sem
mencionar os teóricos da indústria cultural.
Nesse sentido, é importante apontar algumas ideias recorrentes
entre os estudiosos em relação a esses produtos culturais. Neste texto,
você poderá ver duas perspectivas em relação à indústria cultural:
a da Escola de Frankfurt e a dos teóricos da recepção.
Os ensaios de Adorno e Horkheimer (1947) sobre a indústria
cultural tornaram-se clássicos para discutir a temática, mesmo
que para criticá-los. Esses autores ficaram conhecidos pela
crítica ácida que fizeram aos meios de comunicação de massa
e a seus produtos. Para os autores, a emergência da indústria
cultural colaborou para a mediocridade e para a morte da arte.
A produção artística virou apenas entretenimento e uma fórmula
repetida incessantemente, com a justificativa da mediocridade dos
consumidores (da massa). Segundo eles, todos os filmes e músicas
passaram a ter uma sequência esperada e repetida, para garantir que
seriam apreciados e consumidos pela maioria.
Portanto, artistas e consumidores estariam submetidos aos
interesses da indústria. Os primeiros seriam aceitos apenas se
produzissem a partir dos parâmetros da indústria, enquanto os
segundos consumiriam em grande quantidade, mas sempre do
mesmo produto.
Walter Benjamin (1955), apesar de pertencer à Escola de
Frankfurt, tinha uma interpretação diferente em relação à indústria
cultural. Para o autor, essa indústria de fato colaborava para que a
obra de arte perdesse a sua áurea, por causa da reprodução mecânica
– já que a reprodução não era a original e a obra de arte original
carrega em si o valor do seu autor, enquanto a reprodução é apenas
uma cópia. Porém, a reprodução mecânica permitiu a ampliação do
122 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

acesso aos bens culturais para uma maior parte da sociedade, a qual,
até então, estava excluída do consumo da arte.
Dessa forma, ainda que a indústria cultural tenha modificado
o campo artístico, tornando a arte uma mercadoria, ela também
permitiu maior acesso aos bens culturais. Benjamin, em seu texto
A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica (1955), enfoca
especialmente o cinema, comparando-o inicialmente ao teatro
– até porque o próprio cinema, em sua história, desde o início,
aproxima-se da linguagem teatral para realizar filmes encenados.
O autor comenta que os atores que migraram do teatro para o
cinema viviam uma experiência fantasmagórica ao encenar para a
câmera, sem público e sem interlocutor, e, posteriormente, ao ver
sua própria imagem fora de si, no filme projetado.
O cinema como linguagem apresenta características próprias,
como a possibilidade de ver situações que os olhos naturalmente
não enxergam, como imagens mais amplas e de lugares improváveis.
Além disso, a produção dos filmes é industrial, ou seja, é dividida
em etapas, provocando a alienação dos envolvidos na concepção
final – os quais, muitas vezes, acabam conhecendo o produto final
apenas na exibição de estreia.
Os teóricos da recepção, como Certeau (2014), defendem que
os consumidores dos produtos culturais não são passivos como
imaginavam Adorno e Horkheimer, tampouco um espectador
distraído. Para Certeau (2014), os consumidores se apropriam dos
produtos de formas variadas, inclusive criando interpretações e
consumos diferentes do esperado pela indústria cultural.
Napolitano (2008) indica que, durante algum tempo, as análises
sobre o cinema criaram uma diferenciação entre os documentários
e os filmes encenados, como se os primeiros fossem mais confiáveis
do que os segundos. No entanto, a nova historiografia compreende
que todo o gênero fílmico é uma representação e não a realidade –
inclusive os documentários.
Imagens, cinema e música no ensino de História 123

A nova historiografia entende que a manipulação é própria da


linguagem do cinema. Por isso, analisa as escolhas dos realizadores,
que se expressam nos enquadramentos, na edição e nos diálogos
(NAPOLITANO, 2008).
Napolitano (2008) afirma, ainda, que existem três visões
distorcidas sobre os filmes: empregar o filme apenas como
complemento da fonte escrita; compreendê-lo como registro do real;
e entendê-lo como resgate do passado, testemunho do presente e
prenúncio do futuro.
Essas visões não tratam os filmes como outras fontes. Confrontar
o filme com outras fontes, como faz a primeira visão, denota o fato
de não considerá-lo confiável. A segunda visão parte da ilusão
objetiva da imagem registrada, segundo a qual as imagens fílmicas
são a própria realidade. Já a terceira visão pretende, com o filme,
conseguir o que não é possível com nenhuma fonte: resgatar o
passado exatamente da forma como aconteceu.
Se, por um lado, o filme é compreendido como a verdade,
por outro existe a interpretação de que ele reforça a subjetividade
dos autores ou suas manipulações – o que tornaria essa fonte não
confiável. Para os historiadores, atualmente, as manipulações e as
contradições dos filmes não diminuem a sua validade como fontes
– é justamente esses elementos que pode ser interessante analisar
(NAPOLITANO, 2008).
De acordo com Napolitano (2008), existem três possibilidades
para estudar o cinema a partir da perspectiva da história: como
fonte histórica; a história do cinema; e a representação do passado
no cinema.
No sentido de compreender o cinema como fonte histórica,
Napolitano (2008) indica os passos metodológicos para analisar essas
fontes: o historiador deve analisar as representações transmitidas
pelo filme e, também, a linguagem. Algumas informações essenciais
do filme devem ser sistematizadas, como o gênero, o suporte,
124 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

a origem, a duração, a autoria, o tema tratado e o acervo em que se


pode encontrá-lo.
Portanto, o historiador deve primeiramente identificar os
elementos narrativos, os planos e as sequências do filme. Em
seguida, deve analisar sua natureza representacional, observando os
eventos, os personagens e os processos históricos representados no
filme (NAPOLITANO, 2008).
É interessante, ao trabalhar com os alunos, que o professor
mostre como os filmes são produzidos, expondo as etapas de
produção: o argumento, o roteiro, o diretor, a produção, a montagem,
a divulgação e a distribuição (NAPOLITANO, 2009).
Bittencourt (2018) indica alguns passos para trabalhar filmes em
sala de aula: primeiro, preparar os alunos para uma leitura crítica
do filme, realizando um levantamento entre eles dos filmes que
mais assistem; segundo, despertar o olhar dos alunos no sentido
de desconstruir o filme, ressaltando a sua forma de produção;
terceiro, realizar uma crítica interna do filme, analisando conteúdo,
personagens, cenários, enredo, lugares e tempo em que acontece a
história contada, ficha técnica etc.
Outra fonte não escrita e que já é trabalhada em sala de aula é
a música. Napolitano (2008) menciona que as fontes audiovisuais
são desafiadoras e que durante muito tempo as interpretações
oscilaram entre o objetivismo e o subjetivismo, ou seja, a crença de
que essas fontes são reflexo da realidade ou totalmente insondáveis
devido à subjetividade de seu autor.
Napolitano (2008) comenta que a análise da música deve
interpretar sua linguagem técnico-estética e as representações que
ela expressa. Para tanto, metodologicamente o autor sugere alguns
passos, como a decodificação da natureza técnica da música e de sua
natureza representacional.
Imagens, cinema e música no ensino de História 125

O autor observa, ainda, que se deve considerar na música dois


tipos de escuta: sincrônica, que procura compreendê-la em seu
tempo, e diacrônica, que a analisa em tempos distintos de sua
produção (NAPOLITANO, 2008). O pesquisador deve ter uma
escuta atenta, não se restringindo à letra, mas se debruçando na
estrutura musical, nas sonoridades e nas performances. Além da
crítica interna, o historiador deve analisar o contexto extramusical,
como a biografia dos compositores e cantores, assim como críticas e
dados do consumo.
Na análise contextual, é preciso observar as intenções, as técnicas
em torno da criação e da produção da música, a circulação do
material musical e a recepção dos ouvintes (NAPOLITANO, 2008).
Sobre o uso da música nas aulas de História, Bittencourt (2018)
afirma que as mais recorrentes são as que correspondem a períodos
ditatoriais – especialmente as pertencentes à música popular
brasileira (MPB). Para a autora, o importante em trabalhar música
na sala de aula é se utilizar de um meio de comunicação próximo do
aluno. Contudo, há diferenças entre apenas ouvir a música e refletir
sobre ela.
Para planejar uma atividade de análise de fontes históricas não
escritas com os alunos do ensino fundamental, deve-se considerar a
faixa etária padrão, que varia dos 11 aos 15 anos. Por isso, é preciso
observar a indicação etária dos filmes. Essa atenção também deve ser
dispensada a outras fontes que não indicam a faixa etária adequada,
como as músicas e as fotografias.
No decorrer deste texto, foram indicadas formas possíveis de
desenvolver um trabalho em sala de aula com as fontes não escritas.
Agora, então, você verá uma proposta pedagógica específica,
empregando o cinema.
Napolitano, em sua obra Como usar o cinema em sala de aula
(2009), afirma que o filme pode ser usado para problematizar uma
questão ou como uma fonte. Uma questão que o autor coloca é a
126 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

duração do filme e o tempo de aula – um filme pode ocupar muitas


aulas. Ele sugere que o professor indique aos alunos que assistiam ao
filme em casa para, em sala, trabalhar apenas trechos.
Quando mencionamos Chaplin e ensino de História, logo vem à
mente o filme Tempos Modernos (1936), que é o mais recorrente nas
indicações didáticas e na prática de sala de aula. Contudo, sugerimos
aqui outro filme de Chaplin, O garoto (1921), com roteiro e direção
do próprio Chaplin. Veja a seguir a sinopse.
Uma mãe solteira deixa um hospital de caridade com seu
filho recém-nascido. A mãe percebe que ela não pode dar
para seu filho todo o cuidado que ele precisa, assim ela
prende um bilhete junto a criança, pedindo que quem o
achar cuide e ame o seu bebê, e o deixa no banco de trás de
um luxuoso carro. Entretanto, o veículo é roubado por dois
ladrões, que, quando descobrem o menino, o abandonam
no fundo de uma ruela. Sem saber de nada, um vagabundo
faz o seu passeio matinal e encontra a criança. Inicialmente,
o homem quer se livrar dele, mas diversos fatores sempre o
impedem e, gradativamente, ele passa a amá-lo. Enquanto
isso, a mãe se arrepende e tenta reencontrar seu filho,
mas quando descobre que o carro foi roubado, pensa que
nunca mais verá sua criança. (O GAROTO, 2019)

Como muitos filmes de Chaplin, O garoto é uma crítica à


sociedade estadunidense e à vida dura dos pobres nas cidades
grandes do país. É possível discutir questões relacionadas à condição
feminina e à condição infantil no país do período narrado.

Considerações finais
As aulas de História podem adquirir um colorido diferente ao
usar as fontes não escritas. Contudo, estas não devem ser encaradas
apenas como uma forma lúdica de ensinar História, mas como uma
oportunidade de problematizar a cultura visual em que vivemos.
Imagens, cinema e música no ensino de História 127

Ampliando seus conhecimentos


• NAPOLITANO, M. Como usar o cinema em sala de aula.
4. ed. São Paulo: Contexto, 2009.
Indicamos a obra Como usar o cinema em sala de aula por não
se limitar às aulas de História. Napolitano propõe o uso do
cinema em várias disciplinas, indica projetos interdisciplinares
e ainda apresenta em detalhes aspectos importantes para se
trabalhar com os alunos em sala de aula, como a questão da
produção e da distribuição dos filmes, os gêneros e a história
do cinema.

• SÃO PAULO. Fundação para o Desenvolvimento da


Educação. O cinema vai à escola. São Paulo: Fundação para
o Desenvolvimento da Educação. Disponível em: http://
culturaecurriculo.fde.sp.gov.br/cinema/cinema.aspx. Acesso
em: 19 maio 2019.
O cinema vai à escola é um projeto da Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo. É mantido um site que disponibiliza
materiais de apoio sobre cinema e educação.

Atividades
1. Quais as possibilidades de análise de fotografias em sala
de aula?

2. Aponte os passos sugeridos por Bittencourt (2018) para as


visitações aos museus.

3. Indique algumas especificidades da análise do cinema e da


música em sala de aula.
128 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Referências
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. A indústria cultural: o esclarecimento
como mistificação das massas. In: ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M.
Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. [S. l.: s. n.], 1947. p. 57-
79. Disponível em: https://nupese.fe.ufg.br/up/208/o/fil_dialetica_esclarec.
pdf. Acesso em: 19 maio 2019.

BENJAMIN, W. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. [S. l.:


s. n.], 1955. Disponível em: https://philarchive.org/archive/DIATAT. Acesso
em: 19 maio 2019.

BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 5. ed.


São Paulo: Cortez, 2018. (Coleção Docência em Formação).

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Tradução de: Ephraim


Ferreira Alves. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

GUIMARÃES, M. L. Capítulos de História: o trabalho com fontes. Curitiba:


Aymará Educação, 2012.

LIMA, S. F.; CARVALHO, V. C. Fotografias: usos sociais e historiográficos.


In: PINSKY, C. B.; LUCA, T. R. de (org.). O historiador e suas fontes. São
Paulo: Contexto, 2012. p. 29-60.

MARTINS, A. L. Fontes para o patrimônio cultural: uma construção


permanente. In: PINSKY, C. B.; LUCA, T. R. (org.). O historiador e suas
fontes. São Paulo: Contexto, 2012. p. 282-308.

NAPOLITANO, M. Fontes audiovisuais: a História depois do papel. In:


PINSKY, C. B. (org.). Fontes históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
p. 235-290.

NAPOLITANO, M. Como usar o cinema em sala de aula. 4. ed. São Paulo:


Contexto, 2009.

NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução


de: Yara Aun Khoury. Projeto História, São Paulo, n. 10, dez. 1993. Disponível
em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/download/12101/8763.
Acesso em: 19 maio 2019.

O GAROTO. AdoroCinema. 2019. Disponível em: http://www.adorocinema.


com/filmes/filme-2255/. Acesso em: 19 maio 2019.

TEMPOS modernos. Direção de Charles Chaplin. EUA: United Artists,


1936. 1 vídeo (87 min).
8
Ensino de História e diversidade

No ambiente escolar, assim como na sociedade, há diversidade


étnica, de classe, de gênero e religiosa e, muitas vezes, também
como na sociedade, as diferenças provocam situações de conflito
e incompreensão. Por isso, é importante estudarmos e debatermos
temas e conteúdos que se relacionam a essa temática nas aulas
de História.
Neste capítulo, você verá uma discussão sobre as necessidades
e as formas pelas quais podemos inserir temas que tratam da
diversidade. Na primeira seção, é analisada a Lei n. 10.639/2003 e
sua relação com a superação do racismo na escola e na sociedade.
Na segunda seção, o foco está nas relações de gênero e nos PCNs,
contextualizando como a categoria gênero foi criada e analisando
seus desdobramentos na educação. Por fim, na terceira seção,
é abordada a Resolução do Conselho Nacional de Educação
n. 2, de 2015, que propõe a reformulação curricular dos cursos
de licenciatura no Brasil – particularmente a questão da inclusão
escolar e da diversidade.

8.1 A Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003


A aprovação e a implantação da Lei n. 10.639/2003, que torna
obrigatório o ensino da História da África, dos afrodescendentes
e indígenas, acompanha muitas discussões, como a sua ligação
com o Movimento Negro brasileiro, as políticas estatais brasileiras
influenciadas por organismos internacionais e a discussão sobre a
episteme colonial e decolonial.
130 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Os estudiosos da decolonialidade afirmam que o sistema cultural


e, por conseguinte, o educacional são dominados pela forma
colonial de ver o mundo, ignorando o conhecimento dos outros
povos que não os europeus ocidentais. Essa forma de ver o mundo é
chamada de colonialidade do saber, em que se opera a inferiorização
dos grupos humanos não europeus, criando uma divisão racial da
produção cultural e dos conhecimentos. Além de impor sua visão e
explicação sobre o mundo, a colonialidade do saber “nega o legado
intelectual e histórico de povos indígenas e africanos, reduzindo-os,
por sua vez, à categoria de primitivos e irracionais, pois pertencem a
‘outra raça’” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 20).
Nesse contexto, as ciências humanas, entre elas a História,
cumpriram a função de inventar o outro com a chancela do
Estado. A modernidade europeia criou teorias, conhecimentos e
paradigmas (como a ilusão de universalidade) silenciando outros
tipos de conhecimento. Defender um processo de decolonialidade
do conhecimento é dar visibilidade às lutas contra a colonialidade a
partir dos sujeitos e das suas práticas sociais, epistêmicas e políticas,
possibilitando a construção do saber por novos parâmetros
(OLIVEIRA; CANDAU, 2010).
Para Santos (2007), o conhecimento sobre a África, no Brasil,
deu-se dentro do sistema de relações raciais. Assim, mais do que
africanismo: preservar o africanismo, foram produzidas interpretações sobre o
estudo das
civilizações
continente africano a partir do lugar do conformismo ou do protesto.
africanas. Não é possível historicizar a Lei n. 10.639/2003 sem evidenciar o
papel importante que o Movimento Negro exerceu nesse processo.
Pontuamos aqui que existiram vários movimentos que
defenderam a conquista de direitos por parte da população negra
antes do período militar. Contudo, para fins didáticos, enfocaremos
esse estudo no movimento negro que foi construído no Brasil
durante a ditadura militar. Foi durante esse período de repressão
e de censura que muitos movimentos sociais se organizaram no
Ensino de História e diversidade 131

país, como os de associação de bairros, o movimento feminista,


o movimento gay e o movimento negro. Em 1978, foi fundado o
Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNU)
e os Blocos Afros de Salvador: o Ilê Ayrê (1974), Malê de Balê (1979),
Ara Ketu (1980) e o Muzenza (1981). A proposta desses grupos era
aumentar a autoestima da população afro-brasileira, identificando-
-se como negra, valorizando a sua cultura e a sua ancestralidade,
além de denunciar toda forma de discriminação racial (SANTOS,
2007).
A atuação do movimento negro foi importante para a aprovação
da Lei n. 10639/2003, contudo, para Santos (2007), não é possível
explicar a promulgação da lei sem considerar outros fatores. Além
do importante papel do movimento negro, a aprovação dessa lei está
associada a uma agenda das relações internacionais brasileiras.
Portanto, é interessante estudar outros marcos legais de maneira
geral, na área educacional, que antecederam a promulgação da Lei
n. 10.639/2003, como a promulgação da Constituição de 1988, em que a
discriminação racial passa a ser um crime inafiançável, as manifestações
na ocasião do Centenário da Abolição e a criação da Fundação Palmares,
ligada ao Ministério da Cultura. Essas ações desmascararam o mito da
democracia racial (SANTOS, 2007).
No final da década de 1990, a deputada Nice Leão apresentou
ao Congresso Nacional o projeto de Lei n. 73/1999, propondo o
Sistema Especial de Reserva de Vagas. Esse projeto abriu um grande
debate em torno da política de ações afirmativas (SANTOS, 2007).
De acordo com Silva (2007), na década de 1990 teve início
um aparato jurídico normativo que visava garantir o respeito
à diversidade étnico-racial, promovendo mudanças tímidas,
mas significativas, na proposta curricular. A autora aponta que,
em relação à Constituição Federal – especificamente no que diz
respeito à educação –, o art. 27, inciso I, indica que os conteúdos
curriculares devem observar a difusão de valores fundamentais do
132 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

interesse comum e da manutenção da ordem democrática. Contudo,


não havia um dispositivo legal que tratasse da questão racial.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), publicados
em 1996, a questão racial foi contemplada parcialmente no tema
transversal “Pluralidade cultural”. Os temas transversais não se
limitavam a um campo disciplinar e deveriam ser trabalhados em
diferentes disciplinas escolares. Nesse sentido, abordar a pluralidade
cultural deveria contribuir para o cumprimento dos princípios
constitucionais de igualdade, promovendo a discussão sobre a
diversidade cultural e étnico-racial para considerar a cultura de
diversos grupos étnicos (SILVA, 2007).
Para Gomes (2011, p. 114), o tema pluralidade cultural “não
apresenta um posicionamento explícito de superação do racismo
e da desigualdade racial na educação nas suas propostas”. Ainda,
o fato de os PCN serem conteudistas – tratando, inclusive, os temas
sociais apenas como mais alguns tipos de conteúdo no currículo – não
orienta como eles devem ser introduzidos pedagogicamente nas aulas.
As pré-conferências estaduais e a Conferência Nacional contra o
Racismo e a Intolerância, em julho de 2001, foram preparatórias para
a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação
Racial e Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida
pela Organização das Nações Unidas (ONU), de 31 de agosto a 8
de setembro de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul. Esses
eventos marcaram a construção de consenso entre as entidades do
movimento negro no sentido de exigir a criação de ações afirmativas
na área da educação básica e superior e no mercado de trabalho
(GOMES, 2011).
O direito à educação tornou-se uma das bandeiras mais
importantes do movimento negro brasileiro. “Esse movimento
traz à cena pública e exige da política educacional a urgência da
construção da equidade como uma das maneiras de se garantir aos
Ensino de História e diversidade 133

coletivos diversos [...] a concretização da igualdade” (GOMES, 2011,


p. 114).
Foi em meio a esse processo que a Lei n. 10.639/2003 foi
promulgada, em 9 de janeiro de 2003. Ela adiciona à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) os artigos 2º, 26 e 79B, além
de estabelecer a obrigatoriedade do ensino de história e cultura
afro-brasileira no currículo da rede de ensino. No ano de 2004, o
Conselho Nacional de Educação (CNE), com a Resolução 1, de 17
junho de 2004, concedeu o voto favorável à redação de diretrizes
específicas para a educação das relações raciais (SILVA, 2007).
A Lei n. 10.639/2003, portanto, é muito importante para a
inserção dos conteúdos de História da África, afro-descentes e
indígenas, porque altera a LDB – e isso tem amplitude nacional,
no que tange à educação.
A partir de 2003, com o governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, nota-se o aprofundamento desse debate.
Algumas iniciativas de mudança merecem destaque: no
governo federal, pela primeira vez é instituída a Secretaria
Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir),
em 2003, e, no Ministério da Educação, a Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(Secad), em 2004.
No tocante à educação, é nesse contexto que, finalmente, é
sancionada a Lei n. 10.639, em janeiro de 2003, alterando
a Lei n. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Em 2004, o Parecer CNE/CP 03/2004 e a Resolução CNE/
CP 01/2004 são aprovados pelo Conselho Nacional de
Educação. Ambos regulamentam e instituem as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-
-Brasileira e Africana. Em 2009, é lançado pelo Ministério
da Educação e pela Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial, o Plano Nacional de
Implementação das referidas diretrizes curriculares.
Tais ações no campo da política educacional devem ser
compreendidas como respostas do Estado às reivindicações
políticas do Movimento Negro. (GOMES, 2011, p. 115)
134 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

De acordo com Silva (2007), as políticas públicas específicas


para dar visibilidade à população negra provocaram um processo
de reformulação dos currículos e materiais didáticos em todas
as modalidades e níveis de ensino, incluindo a comunidade
escolar nas discussões sobre a História. A Lei n. 10.639/2003 teve
desdobramentos também no ensino superior, com a inclusão da
cadeira de História da África nos cursos de licenciatura em História.
Outro marco para a educação das relações raciais são os fóruns
estaduais e o fórum permanente de educação e diversidade étnico-
-racial em 18 estados da federação entre os anos de 2004 e 2005
(SILVA, 2007). Em 2008, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE) distribuiu uma série de livros sobre a temática
racial para as escolas da rede pública, para todas as modalidades e
níveis (JESUS, 2012).
Gomes (2011) afirma que os programas e os projetos
direcionados para a questão da diversidade étnico-racial se deram de
forma descontínua e aleatória, o que tornou difícil a sua efetivação.
Por isso, a autora lembra que uma educação étnico-racial apenas
se efetivará se as metas estiverem previstas no Plano Nacional de
Educação (PNE).
Ampliar as discussões sobre a diversidade étnico-racial é um
elemento importante para uma parcela significativa da população
brasileira, especialmente por possibilitar que essas pessoas se
reconheçam na história de seu país. Além disso, essas discussões
permitem que a população branca chegue o mais perto possível de
compreender o que é ser negro, negra e indígena no Brasil. A história
ensinada nas escolas brasileiras sedimentou algumas representações
naturalizadas de que ser negro no Brasil corresponde a ser escravo,
não problematizando a escravidão ou passando a ideia de que ser
negro é sinônimo de inferioridade (CAMPOS, 2004). A história
ensinada na escola deveria:
Ensino de História e diversidade 135

compreender que as experiências dos negros africanos e


afro-brasileiros não se resumem a episódios trágicos, tramas
ilegais, vivências indistintas ou comportamentos desviantes
com os quais foram constantemente identificados. Para
tanto, é preciso ressignificar atuações do movimento e
experiências afro-brasileiras que, no âmbito do ensino
formal, ainda são estudadas a partir do desvio, interpretadas
por uma perspectiva unilateral que direciona o olhar e
impõe aos negros uma permanência marginal na história,
como páreas da sociedade – mesmo que imageticamente,
mesmo que tais imagens não correspondam com o real.
(CAMPOS, 2004, p. 43)

A intenção ao inserir conteúdos de História da África e dos


afrodescendentes e indígenas é questionar a visão a partir da qual
tradicionalmente se ensina nas aulas de História. A proposta é
mostrar que esses sujeitos históricos têm presença maior do que o
papel de escravos e não estão limitados à contribuição de costumes.
Com isso, pode-se pensar em uma outra história, que não continue
perpetuando estereótipos e ideias de democracia racial.
A história tradicionalmente ensinada legitima práticas de
racismo – e uma delas, como afirma Jones (1973 apud LOPES,
2010), é a institucional. As instituições educacionais promovem esse
racismo institucional de três maneiras:
1) ao dar educação inferior às crianças negras; 2) ao
intencionalmente deixar de educar crianças negras, a fim de
perpetuar as desigualdades raciais existentes; 3) e ao educar
mal as crianças brancas ao que se refere a sua herança
racista, e as crianças negras quanto a sua história racial.
(JONES, 1973, p. 123 apud LOPES, 2010, p. 27)

Campos (2004) menciona que, na organização do sistema


educacional, existem mecanismos discriminatórios em relação ao
aluno negro: as crianças negras repetem mais de ano, estudam nas
escolas mais precárias e frequentam os piores cursos, que dispõem
profissionais mal formados e desvalorizados em seu ofício.
136 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Os professores possuem a visão de que os alunos negros vivem em


famílias desestruturadas, cujos pais são bêbados e desempregados;
que são crianças que não cuidam de sua higiene pessoal e que são
indisciplinadas. Essa visão age como uma profecia sobre os alunos
negros, mesmo que eles não se enquadrem nela (CAMPOS, 2004).
Lopes (2010) acredita que, além de as crianças negras serem
estigmatizadas na sociedade brasileira, isso fica mais evidente para
elas no ambiente escolar. É na escola que elas percebem que suas
diferenças étnicas possuem significados e influenciam suas relações
na sociedade.
É o momento em que a criança ou (jovem) toma consciência
não de suas diferenças raciais, pois disso sempre estiveram
cientes, mas do significado dessas diferenças e da
importância que elas têm para suas futuras relações sociais,
uma vez que representam a fonte de todo preconceito que
aparecerá nos momentos em que foram confrontados com
brancos, e que, agora, passam para um nível consciente.
(BARBOSA, 1987, p. 54).

A discussão de conteúdos da História da África e dos


afrodescendentes proporciona a essas crianças a possibilidade de
se identificarem com uma outra história sobre suas origens, não
aquela em que seus antepassados eram exclusivamente escravos e
que com nada contribuíram para o desenvolvimento da sociedade
(LOPES, 2010).
De acordo com Campos (2004), é um passo importante
perceber conscientemente que o ambiente escolar favoreceu a
autodepreciação das crianças negras e a propagação do racismo de
forma institucional. Isso porque uma forma de superar esse quadro
é construir uma prática pedagógica inclusiva.
A história ensinada tradicionalmente, pautada em uma visão
eurocêntrica, deve ser repensada, pois é uma imposição do olhar
do colonizador sobre outras populações. Ela se reveste da ilusão
de uma universalidade: o sujeito universal dela é branco, homem e
Ensino de História e diversidade 137

heterossexual. Por isso, apenas a presença de alunos negros não é o


suficiente para o sistema educacional reconhecer que essa maneira
de olhar o passado é parcial (LOPES, 2010).
Como exemplo, temos o ensino do “descobrimento do Brasil”.
Nesse conteúdo, a tradição da narrativa é ocultar a presença indígena
em prol da chegada dos portugueses. Ao fazer isso, ressalta-se o
papel do colonizador como civilizador, isto é, como se não houvesse
civilização antes de sua presença. Essa narrativa oculta “o genocídio
e etnocídio praticados contra as populações indígenas no Brasil”
(FERNANDES, 2005, p. 380).
Nessa história, os negros são apresentados como mercadorias
em sua condição de escravos e sua cultura é abordada de maneira
folclorizada, como meros legados – enquanto o europeu seria o
portador de uma cultura superior e civilizada (FERNANDES, 2005).

8.2 As relações de gênero nos Parâmetros


Curriculares Nacionais
Antes de tratar das relações de gênero nos PCN, é importante
fazer alguns apontamentos sobre o histórico dessa categoria
analítica. O gênero é empregado em várias disciplinas, como
História, Sociologia, Direito, Enfermagem, Psicologia etc., contudo,
vamos nos debruçar apenas sobre a disciplina de História.
A categoria gênero no campo da História se originou a partir do
debate em torno da história das mulheres. Ela começou a ser escrita
na década de 1970, por historiadoras que desejavam dar visibilidade
a esses sujeitos históricos. Mas, no princípio, ela foi apenas mais um
complemento da história dita universal, assim como muitas outras
histórias.
A produção da história das mulheres – e outras concomitantes
à história universal – provocou um questionamento: afinal, por
que seria preciso escrever histórias complementares se a História
138 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

escrita até então era universal? Esse debate levou à reflexão de que o
simples registro escrito desse outro lado já demonstra que a história
universal era a história de apenas uma parte, a do homem branco
e heterossexual.
Nesse sentido, a escrita da História das mulheres e os estudos
pós-coloniais contribuíram para a emergência de uma nova História.
Concomitantemente a isso, a própria História das mulheres passou
a ser questionada na década de 1980: usar a categoria “mulheres”
poderia restringir o conteúdo às mulheres brancas e de classe média,
além de colaborar para uma interpretação essencialista da natureza
feminina (SCOTT, 1992).
Como escrever, então, uma história que evidenciasse as
diferenças entre as mulheres, cruzando com conceitos de classe
social e etnia? Como superar a visão essencialista em relação à
mulher, na qual ela é compreendida a partir de uma forma natural
que a distingue do homem? Tentando responder a essas questões,
Joan Scott (1995) propôs, em meados da década de 1980, o emprego
de uma categoria analítica chamada gênero.
Ao invés de estudar as mulheres, as historiadoras deveriam
analisar os papéis sociais de gênero, compreendendo que esses
papéis se modificam porque são construídos historicamente.
Portanto, os papéis atribuídos aos homens a às mulheres e por
eles assumidos nas sociedades são construções sociais, e não
características inerentes à natureza de cada um. Esses papéis
parecem naturais porque estão associados às diferenças biológicas e
fisiológicas entre mulheres e homens; ainda assim, não são naturais.
A autora também ressalta o caráter relacional da categoria
gênero, ou seja, estudar as mulheres em relação aos homens e não
isoladamente, entendendo que essa relação cria hierarquias entre
os gêneros. Essa relação seria a primeira instância do exercício de
poder na sociedade (SCOTT, 1995).
Ensino de História e diversidade 139

As historiadoras, para estudar o passado a partir da perspectiva


de gênero, poderiam analisar quatro elementos: os símbolos ou
representações, os discursos normativos, a fixidez do binarismo dos
gêneros e a constituição das subjetividades (SCOTT, 1995).
No início da década de 1990, Butler (2003) publicou a obra
Problemas de gênero, em que questionou os estudos feministas
produzidos até então. No que diz respeito à categoria proposta por
Scott (1995), o gênero, apontou muitas ressalvas, sendo uma delas
o fato de que a ideia da construção dos papéis de gênero se dá a
partir de uma base biológica – e isso seria problemático. Para Butler
(2003), tanto os papéis de gênero quanto as diferenças sexuais são
produções discursivas.
Partimos das ideias de Foucault (1982), que afirma que a matriz
cultural de poder é ser heterossexual e, então, nada “é fundado e
produzido” (BUTLER, 2003, p. 54) na sexualidade fora dessa matriz.
Isto é, Butler (2003) e Foucault (1982) dão luz a outras formas de
sexo e sexualidade. Nesse sentido, o binarismo masculino e feminino
não é algo dado na natureza; são os corpos que se conformam a um
discurso produzido sobre eles.
As ideias de Butler (2003) tiveram grande impacto no campo
dos estudos feministas e criaram desdobramentos, como os estudos
Queer e os da masculinidade. Os estudos Queer investigam formas
consideradas “estranhas” pela matriz heterossexual, como gays,
lésbicas, travestis e transexuais, enquanto os da masculinidade
discutem a construção em torno do papel masculino nas sociedades.
Atualmente, os estudos feministas envolvem uma multiplicidade
de temáticas e variações teóricas. No âmbito da educação, a
categoria gênero pode ser empregada para a análise dos espaços e
dos currículos escolares, da cultura escolar, entre outros; também
pode ser usada para repensar os conteúdos tratados nas aulas.
Louro (2014) assevera que a escola que herdamos na tradição
europeia ocidental se constituiu a partir de critérios classificatórios,
140 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

separando adultos de crianças, católicos de protestantes, meninas de


meninos, ricos de pobres etc. Por isso, a escola não apenas reproduz
a diferença, mas também fabrica. Ela delimita espaços por meio de
códigos e regras e sanciona ou veta comportamentos, estipulando os
devidos lugares para os indivíduos que a frequentam.
Quando as escolas eram divididas por sexo, as que se dedicavam
à educação das meninas e das moças apresentavam em seus
currículos disciplinas para formar futuras esposas e mães – que
soubessem cozinhar, costurar e ter boas maneiras. Isso prova que a
educação não é apenas aquisição de conhecimentos, mas é também
uma forma de construir comportamentos e corpos (LOURO, 2014).
A escola incorpora comportamentos que passam a ser
considerados naturais. A naturalidade é tão fortemente construída
que mesmo em nossas escolas atuais, sem divisão da educação por
sexo, algumas fronteiras invisíveis permanecem. Os meninos e as
meninas, as moças e os rapazes, movimentam-se e agrupam-se de
maneiras distintas. Segundo Louro (2014), parece que os meninos
precisam de mais espaço que as meninas, preferem ficar ao ar livre
e quase sempre gostam de interromper as brincadeiras das meninas.
Quando as meninas têm um desempenho acima da média, são
elogiadas por sua disciplina e dedicação, não por sua inteligência,
enquanto o baixo desempenho dos meninos é atenuado por seu
temperamento (LOURO, 2014). Isso faz com que a escola, apesar
de negar que aborda assuntos relacionados a gênero ou sexualidade,
a todo momento reafirme estereótipos em relação ao que seriam
atividades de meninos e o que seriam atividades de meninas.
Na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental
isso é ainda mais notável, já que se delimita até as cores – azul para os
meninos e rosa para as meninas – e as brincadeiras de cada gênero –
carrinhos para meninos e bonecas para as meninas.
Além da divisão entre masculino e feminino, Louro (2014)
observa que a escola age a partir da matriz cultural heterossexual.
Ensino de História e diversidade 141

Assim, alunos e professores com outras orientações sexuais são


considerados patológicos ou anormais, dificultando a sua aceitação
por seus colegas e por si mesmos.
Durante muito tempo, a homofobia foi responsável por
um número significativo de desistência de alunos da escola. O
bullying diário, com xingamentos, surras e humilhações na escola
e no seu entorno, provocava a desistência das pessoas que não se
enquadravam nos parâmetros heterossexuais.
Infelizmente, isso ainda ocorre nas escolas brasileiras – talvez
com menor abandono escolar por parte dos alunos, que agora
tentam se impor como pessoas de orientação homossexual ou de
identidade de gênero fora da matriz heterossexual. Contudo, essa
mudança parece ser fruto mais da luta de poucos indivíduos do que
de uma política pública centralizada e efetiva.
As poucas tentativas no sentido de lidar com as questões de
gênero, particularmente no que se refere à homofobia, sofreram
ataques e enfrentaram resistência por parte de grupos políticos e
religiosos. Um caso exemplar é o material Escola sem homofobia.
Mas em que momento a categoria gênero foi inserida nos
documentos educacionais no Brasil?
Na década de 1990, diante da epidemia de Aids – em que os
números de infectados entre adolescentes e jovens era alarmante,
assim como o crescente índice de adolescentes grávidas –, abordar
sexualidade nas escolas tornou-se assunto de saúde pública.
Nesse contexto, os PCN propuseram como um tema transversal
a “orientação sexual”. Esse tema deveria ser estudado em várias
disciplinas, não apenas nas tradicionalmente trabalhadas, como
Ciências e Biologia (BRASIL, 1998a).
O caderno que tratava do tema transversal “orientação sexual”
(BRASIL, 1998b) explicitava que não bastava abordar a sexualidade
em termos fisiológicos, explicando como funcionam os sistemas
reprodutores masculino e feminino e como se prevenir das doenças
142 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

sexualmente transmissíveis. Era necessário debater com os alunos os


papéis de gênero para mudar comportamentos, como a submissão
feminina – que inibe as moças de pedirem ao seu parceiro sexual
que faça uso de preservativo, por exemplo.
Assim, gênero seria discutido em todas as disciplinas, incluindo
História, para problematizar os papéis e as relações travadas na
sociedade. Em relação aos PCN específicos de História, não há
indicação explícita nos temas e nos conteúdos dos estudos de gênero
– apenas quando comenta sobre os eixos temáticos e transversais;
é aí que o documento cita a possibilidade de a análise histórica
considerar o gênero (GUARIZA, 2017), como se pode observar no
seguinte trecho:
as diferenças culturais, étnicas, etárias, religiosas, de
costume, gênero e poder econômico, na perspectiva do
fortalecimento de laços de identidade e reflexão crítica sobre
as consequências históricas das atitudes de discriminação
e segregação; [...]
as imagens, representações e valores em relação ao corpo, à
sexualidade, aos cuidados e embelezamento do indivíduo,
aos tabus coletivos, à organização familiar, à educação
sexual e à distribuição de papéis entre homens, mulheres,
crianças e velhos nas diferentes sociedades historicamente
constituídas. (BRASIL, 1998a, p. 48-49)

A partir da década de 1990, outras medidas foram adotadas


pelo governo federal, como a inclusão das questões de gênero
entre os critérios para a avaliação dos livros didáticos submetidos
ao Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).
Atualmente, mesmo que de maneira precária, ainda se pode
encontrar um box ou outro se referindo à participação das mulheres
na História. Ou seja, a maior parte da produção didática, ao tratar
do tema, ainda o faz pelos parâmetros da história das mulheres,
não de gênero.
Ensino de História e diversidade 143

8.3 Diversidade e inclusão no espaço escolar


Em 1º de julho de 2015, o CNE aprovou a Resolução n. 2, que
propõe a reformulação dos cursos de licenciatura em todo o país.
Esses cursos teriam que ofertar 3.200 horas, distribuídas em um
mínimo de oito semestres ou quatro anos. Dessas 3.200, 2.200 horas
deveriam ser divididas de acordo com os incisos I e II, do art. 12:
I - núcleo de estudos de formação geral, das áreas
específicas e interdisciplinares, e do campo educacional,
seus fundamentos e metodologias, e das diversas realidades
educacionais […].
II - núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos
das áreas de atuação profissional, incluindo os conteúdos
específicos e pedagógicos, priorizadas pelo projeto
pedagógico das instituições, em sintonia com os sistemas
de ensino, que, atendendo às demandas sociais. (BRASIL,
2015, p. 9-10)

A questão da diversidade aparece de maneira fortemente


marcada no parecer e na resolução do CNE, como destaca o artigo
3, parágrafo 6, incisos V e VI:
V - A ampliação e o aperfeiçoamento do uso da Língua
Portuguesa e da capacidade comunicativa, oral e escrita,
como elementos fundamentais da formação dos professores,
e da aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais (Libras);
VI- As questões socioambientais, éticas, estéticas e relativas
à diversidade étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa,
de faixa geracional e sociocultural como princípios de
equidade. (BRASIL, 2015, p. 5)

A data-limite para os cursos de licenciatura reformularem seu


currículo já foi prorrogada duas vezes, o que torna incerta a sua
efetivação.
Tratar da diversidade em sala de aula é uma forma interessante
de exercitar a empatia histórica, isto é, de desenvolver com os alunos
a capacidade de se colocar no lugar do outro e compreender sua
forma de viver e de ver o mundo. Para isso, muitas atividades podem
144 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

ser elaboradas nas aulas de História, abordando as diversidades


étnica, sexual e de gênero.
Uma forma é estudar em sociedades do passado as formas
como se constituíram as relações entre grupos étnicos e entre os
gêneros, questionando os papéis sociais atuais. É possível realizar
esse processo elegendo um tema, por exemplo, o protagonismo
das mulheres negras nos processos de emancipação escrava no
século XIX. A discussão desse tema é possível pelo fundamento
da historiografia que analisa os processos de alforria nesse período
– evidenciando que as mulheres realizavam atividades, como no
comércio ambulante, que gerassem renda e guardavam dinheiro
para comprar a alforria de outros escravos.
Para tanto, é interessante levar aos alunos extratos de fontes e
de textos historiográficos adaptados para a investigação do tema,
questionando o lugar ocupado pelas mulheres naquela época
e procurando aproximar essa discussão das situações atuais de
liderança das mulheres na maior parte das famílias brasileiras.

Considerações finais
Neste capítulo você teve a oportunidade de refletir sobre a
importância da inserção de temas e de conteúdos relacionados à
diversidade étnica e de gênero e sobre como esses temas tornaram-
-se uma preocupação na educação brasileira nas últimas décadas.

Ampliando seus conhecimentos


• LOPES, J. S. C.; SILVA, C. F. J. (org.). Neabi indica:
sugestões de filmes e atividades para abordar a história e
cultura africana, afro-brasileira e indígena na sala de aula.
n. 2. São Paulo: IFSP, 2017. Disponível em: https://www.ifsp.
edu.br/images/pdf/NEABI-Indica-N2---2017.pdf. Acesso
em: 20 maio 2019.
Ensino de História e diversidade 145

Promovido pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e


Indígenas (Neabi) e pelo Instituto Federal de São Paulo (IFSP),
esse caderno apresenta sugestões didáticas de materiais
para o trabalho em sala de aula sobre a temática africana,
afrodescendente e indígena.

• NÓS da educação Guacira Lopes Louro completo. [S. l.: s. n.],


2015. 1 vídeo (53 min). Publicado pelo canal Ded.Semed
Blog. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-
GYXuuRA6Ws. Acesso em: 20 maio 2019.
Nesta edição do programa Nós da educação, com a autora
Guacira Lopes Louro, é abordado o tema das relações de
gênero na educação. Louro é graduada em História pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
e doutora em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Fundou e coordena o Grupo de
Estudos de Educação e Relações de Gênero.

• GEERGE – Grupo de Estudos de Educação e Relações de


Gênero. Porto Alegre: UFRGS. Disponível em: https://www.
ufrgs.br/geerge/. Acesso em: 20 maio 2019.
O Geerge é um dos grupos de estudo sobre educação e
relações de gênero mais antigos do Brasil. É reconhecido pelo
CNPq e formado por pesquisadores, estudantes e docentes
que se debruçam sobre essa problemática. O site indicado
expõe publicações e documentos do grupo.

Atividades
1. Quais as repercussões da Lei n. 10.639/2003 no combate ao
racismo institucional?

2. Quais as possibilidades de aplicação da categoria gênero na


prática educacional? Explique-as.
146 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

3. De que forma a diversidade está contemplada pela Resolução


CNE 2, de 1º de julho de 2015?

Referências
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São Paulo, n. 63, p. 54-55, nov. 1987. Disponível em: http://publicacoes.fcc.
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Resolução n. 2, de 1 de julho de 2015. Brasília, DF: Ministério da Educação,
2015. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-
pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file. Acesso em: 20 maio 2019.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares


Nacionais: história. Brasília, DF: Ministério da Educação, 1998a. Disponível
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BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: orientação sexual. Brasília, DF:


Ministério da Educação, 1998b. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
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SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Tradução de:


Guacira Lopes Louro. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2,
p. 71-99, jul./dez. 1995. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/
educacaoerealidade/article/view/71721/40667. Acesso em: 20 maio 2019.

SCOTT, J. História das mulheres. In: BURKE, P. (org.). A escrita da história:


novas perspectivas. Tradução de: Madga Lopes. São Paulo: UNESP, 1992.
p. 62-95.

SILVA, I. S. As inquietações no currículo educacional a partir da Lei 10639/03.


Padê, Brasília, v. 1, n. 2, p. 33-51, jul./dez. 2007. Disponível em: https://www.
publicacoesacademicas.uniceub.br/pade/article/download/578/517. Acesso
em: 20 maio 2019.
9
Pedagogia de projetos,
interdisciplinaridade e ensino
de História

O sistema escolar constantemente recebe críticas pela forma


como ensina, pelos conteúdos que ensina e pelas disciplinas que
oferta. No final do século XX, dois alvos frequentes das críticas eram
a forma estanque e isolada da organização curricular e o ensino
baseado na repetição dos saberes acumulados. Uma maneira de
superar essa forma de organização escolar era desenvolver o ensino
a partir de projetos de pesquisa.
Neste capítulo, estudaremos um pouco sobre as propostas de
ensino por projeto de pesquisa e por projetos interdisciplinares e
sobre como isso pode ser viabilizado no ensino de História.

9.1 A pedagogia de projetos


A pedagogia de projetos pressupõe que o espaço escolar seja um
lugar de pesquisa, e não de repetição e memorização. Por isso, antes
de entrarmos na pedagogia de projetos, é interessante pensarmos
a escola como espaço de produção de conhecimento, e não apenas
de reprodução.
Para Pedro Demo (2011), a escola que se limita a repassar o
conhecimento ou a socialização mais atrapalha do que ajuda o aluno,
porque o torna objeto de ensino e de instrução. O ensino pela pesquisa
deveria ser algo tipicamente escolar. Os indivíduos são educados em
outros ambientes e grupos, como a família, porém, é só na escola que
são educados a partir do pensamento científico.
150 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Educar pela pesquisa pressupõe o questionamento reconstrutivo


de qualidade e com vistas a uma postura ética. Educar o aluno para
ser questionador a partir de argumentos válidos e múltiplos favorece
uma sociedade mais inclusiva e democrática (DEMO, 2011).
Para tal, a pesquisa deve ser uma atitude cotidiana praticada
pelos professores e pelos alunos. Isso é o fundamento de uma
educação emancipatória, que coloca o aluno como participante
e não objeto do conhecimento. Ele busca e constrói com o
professor o conhecimento. Essa é uma educação contrária à cópia,
à manipulação, à ignorância e que tenta aliar teoria e prática
(DEMO, 2011).
De acordo com Morin (2001), a educação como está organizada
– de forma fragmentada e compartimentada – traz dificuldade para
os alunos compreenderem os problemas globais e complexos, que
muitas vezes geram incertezas. Por isso, a escola não deve apenas
replicar os conhecimentos acumulados, mas ensinar como estar em
contínua aprendizagem, mesmo após a formação escolar.
A educação do futuro, para Morin (2001), deve promover a
rearticulação dos conhecimentos das ciências humanas, da filosofia,
da literatura, das artes e da poesia, procurando reestabelecer
a integralidade da condição humana. Em concordância, Fleck
(2007) alega que não é mais suficiente formar um cidadão que atue
localmente, mas é preciso pensar a cidadania em termos planetários,
porque os problemas e as possibilidades mundiais tornaram-se mais
próximos.
Além disso, a mundialização da economia e a emergência de
uma nova concepção de trabalho exige aptidões diferenciadas
dos jovens trabalhadores, como “competências para resolução de
problemas, tomada de decisões autônomas e competência verbal
e escrita” (FLECK, 2007, p. 123). A escola tem sido alheia a essas
mudanças, insistindo em um sistema educacional do século XIX.
Pedagogia de projetos, interdisciplinaridade e ensino de História 151

Por isso, Demo (2011) afirma que a educação pela pesquisa é


possível – e, ousamos dizer, é também necessária – tanto na educação
básica quanto na superior. Mas, nesta obra, focaremos apenas na
proposta da primeira.
Para Demo (2011), a educação básica não é apenas ensinar,
instruir, treinar e domesticar os alunos. É, principalmente, formar
a autonomia crítica do aluno e a sua criatividade. O trabalho com
pesquisa geralmente é realizado em grupos; contudo, é importante
avaliar o aluno não apenas como parte do grupo, mas também em
sua individualidade.
Para transpor o mero aprender para o aprender a aprender,
Demo (2011) indica a diferença. No mero aprender, o aluno realiza a
cópia direta, a prova é a reprodução do que aprendeu e o aluno ficha
e resume o texto indicado. O foco da aprendizagem é na disciplina
e na reprodução do conhecimento. Aprender a aprender, por outro
lado, incentiva o controle, a argumentação e a reelaboração, além de
instigar atitudes como refazer com linguagem própria, reescrever
criticamente, redigir seu próprio texto e formular propostas
e contrapropostas.
Para que a educação pela pesquisa tenha êxito, são necessárias
algumas estratégias didáticas, como a motivação lúdica por parte do
professor, o desenvolvimento do hábito da leitura, o exercício das
habilidades no manejo eletrônico, o uso intensivo do tempo escolar,
extrapolando a ideia de aulas de 50 minutos, e o apoio da família
para acompanhamento da pesquisa fora da escola (DEMO, 2011).
Entre os cuidados propedêuticos apontados por Demo (2011) propedêuticos:
ensinar
estão os que inovam na educação no sentido de contribuir para previamente.
a capacidade de reconstruir, como o saber pensar, aprender a
aprender, avaliar-se e avaliar e desenvolver qualidade formal e
política, que têm implicações éticas e solidárias.
Para educar para a pesquisa é necessário que o professor
também se compreenda como pesquisador. Não necessariamente
152 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

como um “profissional da pesquisa”, mas que, no espaço escolar,


compreenda o seu trabalho como um meio diário de pesquisa,
criando oportunidades ao reconstruir o seu projeto pedagógico,
elaborar os textos científicos próprios, refazer o material didático,
inovar em suas práticas didáticas e recuperar constantemente a sua
competência (DEMO, 2011).
O professor deve ver-se como sujeito do conhecimento, e não
mero reprodutor do saber acadêmico. Além de pesquisar e produzir
no ambiente escolar, é preciso procurar formas de divulgação e
de interlocução sobre o que produziu (DEMO, 2011). Do ponto
de vista ético, o professor deve investigar e encontrar maneiras de
compreender e solucionar a questão do fracasso escolar, longe de
culpabilizar o aluno – mas compreender como o sistema educacional
pode contribuir para resolver tal problema.
A reprodução de conhecimento deve ser substituída pelo saber
em ciclo: proposição de situações-problema e investigação de
fontes de informação contrapostas ou complementares, e como a
síntese desse processo, tem início um novo processo de investigação
(FLECK, 2007).
A educação por meio de projetos de pesquisa pode ser a
possibilidade de criação de uma nova forma de ensinar – que é o que
conhecemos como pedagogia de projetos. Para tanto, alguns passos
são recomendados na elaboração de projetos de pesquisa no espaço
escolar, porque a proposta não é desenvolver a pesquisa nos mesmos
termos em que é desenvolvida no ensino superior. Hernández e
Ventura (1998) recomendam os seguintes passos para a elaboração
de projetos na educação básica:

1. A partir de um diálogo com os alunos, deve-se


escolher um tema. É importante lembrar que
eles são parceiros na proposta da pedagogia de
projetos. A ideia é que eles escolham um tema
Pedagogia de projetos, interdisciplinaridade e ensino de História 153

não apenas baseando-se em seus gostos pessoais,


já que muitas vezes não gostamos de algo
justamente porque não conhecemos. O papel da
escola é ampliar o conhecimento do aluno.
2. Depois da escolha do tema, deve-se partir dos
conhecimentos prévios dos alunos sobre ele,
pedindo que levem informações e materiais
para a aula. Após o compartilhamento entre
todos da turma dos resultados dessa primeira
pesquisa sobre os conhecimentos prévios – por
meio de relatos orais, cartazes, apresentações,
entre outras formas –, segue-se para a pesquisa
a respeito daquilo que não se sabe sobre o tema,
procurando várias fontes de informação dentro e
fora da escola.
3. Com base no tema escolhido, deve-se criar,
coletivamente, um problema de investigação,
hipóteses e objetivos. Os objetivos darão o fio
condutor da pesquisa, permitindo a redação
de um sumário provisório e a discussão de
estratégias possíveis para o desenvolvimento.
4. Com base no problema, das hipóteses e dos
objetivos, os alunos iniciam a pesquisa. Para
a sistematização dos resultados no decorrer
do processo, crie uma agenda de relatos, de
apresentação de trabalhos, de visitas etc. Ela deve
conter datas marcadas para que todos estejam
atentos aos passos da pesquisa.
5. A avaliação é processual, individual e grupal.
É interessante que o professor preveja uma
sequência avaliativa a partir do planejamento
do projeto. Todo o processo do projeto deve ser
154 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

avaliado, assim como a participação individual e


do grupo como um todo.

Fleck (2007) aponta as atividades que o docente deve realizar


após a escolha do tema para organizar o trabalho com projetos:
a primeira atividade deve relacionar o fio condutor do projeto com o
currículo da escola ou com um conteúdo significativo para a turma,
em termos locais ou globais; na segunda atividade, o professor deve
selecionar os materiais de pesquisa sobre o tema, verificando o que
sabe e o que se pode aprender ainda; a terceira atividade faz com
que o docente estude e prepare o tema, selecionando as informações
no sentido de ampliar o que a turma já sabe; na quarta atividade,
o professor deve promover o envolvimento dos participantes,
reforçando a consciência e o compromisso com a construção do
conhecimento; a quinta atividade se dá quando o professor avalia
o processo continuamente, verificando e retomando as hipóteses
e os objetivos iniciais e, até mesmo, reencaminhando a pesquisa,
se assim for necessário.
Fleck (2007) também aponta as atividades que os alunos devem
exercer na execução do projeto: a primeira atividade deve fazer com
que eles participem da escolha do tema e elaborem o problema,
as hipóteses, os objetivos e o sumário provisório; na segunda
atividade, eles devem planejar o desenvolvimento das tarefas e da
busca de informações, elaborando um roteiro e uma lista de fontes
de pesquisa de informações – para Demo (2011), esse momento da
pesquisa na escola colabora para habituar o aluno a ter iniciativa para
procurar informações em livros, textos etc. –; a terceira atividade do
aluno é aprender a tratar as informações coletadas, interpretando a
realidade, ordenando as informações e propondo novas perguntas.
De acordo com Demo (2011), uma coisa é copiar as informações,
outra é interpretá-las para saber fazê-las e refazê-las, relacionando
Pedagogia de projetos, interdisciplinaridade e ensino de História 155

com a vida concreta. A educação pela pesquisa incentiva o aluno a


uma interpretação própria e à elaboração própria.
Retomando as atividades indicadas por Fleck (2007), a quarta
atividade do aluno é contribuir para a redação do sumário proposto,
com sínteses, podendo incluir novos capítulos ao dossiê; a quinta
atividade, por fim, é participar da avaliação do processo de pesquisa,
inclusive com possível aplicação em situações simuladas dos
conteúdos estudados.
Pedro Demo (2011, p. 25) sugere formas de organizar o trabalho
em equipe a partir de algumas funções:
toda equipe deve ter um líder ou coordenador, responsável
pelo andamento adequado dos trabalhos e pela consecução
final dos objetivos: deve-se destacar um ou mais relatores,
que têm a tarefa de expressar de maneira elaborada as
contribuições do grupo; cada membro deve colaborar
de modo elaborado e concreto, além de estar presente,
participar ativamente nas discussões, colaborar para o
ambiente positivo etc.

Para o autor (2011), estipular as funções é uma boa forma


de manter o equilíbrio entre o trabalho individual e o coletivo.
O professor com certeza continua a ter um papel significativo
na pedagogia de projetos, podendo adotar uma postura mais
colaborativa com os alunos, além de ser fundamental para orientá-
-los na pesquisa e na organização.
A avaliação na pedagogia de projetos não é classificatória, ela se
dá de maneira mais dinâmica, compartilhada e processual. Algumas
etapas de avaliação são sugeridas por Nogueira (2004): inicial, que
seria uma avaliação diagnóstica do conhecimento prévio dos alunos
sobre o tema; formativa, realizada durante a pesquisa para verificar
se os alunos estão aprendendo; e final, quando se avalia o que foi
aprendido comparando com o que os alunos já sabiam sobre o tema.
Um instrumento de síntese e de avaliação valioso é o portfólio
que agrupa os materiais mais interessantes selecionados para
156 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

desenvolver a pesquisa. Ele pode ser em forma de pasta, de CD ou


em uma caixa (FLECK, 2007). Há também o processofólio, que é o
registro de todos os momentos, inclusive com pareceres individuais,
sem a seleção que ocorre em um portfólio.
Por fim, Demo (2011) sugere algumas formas de avaliação
da pesquisa na educação que, para ele, seriam indicadores de
competência: interesse por pesquisa, elaborações próprias e
participação ativa.
Portanto, os alunos devem ser avaliados por sua dedicação e
interesse pela pesquisa realizada, pelo domínio sobre as informações
coletadas a partir de suas próprias sínteses e pela participação em
todo o processo. Assim, a avaliação deve ser processual e contínua.

9.2 Interdisciplinaridade e suas propostas


De acordo com Fleck (2007), a abordagem interdisciplinar é
a mais adequada para a implantação da pedagogia de projetos na
escola. No entanto, nosso sistema escolar se organiza por disciplinas
e os professores são formados em seus cursos superiores de
licenciatura, que também são disciplinares. Assim, seria temerário
abolir as disciplinas quando não há um profissional para atuar fora
dos parâmetros disciplinares.
Na década de 1990, no Brasil, muitas experiências de projeto
nas escolas trabalhavam com a ideia de interdisciplinaridade.
Cursos de capacitação e semanas pedagógicas contemplavam dois
temas: pedagogia de projetos e interdisciplinaridade. A partir de
eixos temáticos por série, desenvolviam-se projetos em todas as
disciplinas, em que cada uma deveria abordar o tema a partir de
suas diretrizes disciplinares.
Nesse sentido, durante muito tempo, falar em pedagogia de
projetos era subentender que haveria um projeto que integrasse
várias disciplinas. No entanto, Fleck (2007) defende que a pedagogia
Pedagogia de projetos, interdisciplinaridade e ensino de História 157

de projetos não pode ser confundida com mais uma “modinha”,


“moderninha” ou de metodologia ativa. Por isso, a autora insiste
em uma discussão de currículo integrado – não que algumas
experiências em formatos alternativos deixem de ser um avanço em
direção à interdisciplinaridade –, isto é, um currículo que reorganize
os conteúdos para construir redes interligadas, mas que estão
compartimentadas nas disciplinas, com pouca comunicação entre
elas. Na vida prática, a superespecialização gera muitas dificuldades,
porque as várias disciplinas podem oferecer soluções antagônicas
para os problemas.
Na atualidade, é possível indicar pelo menos três razões para
organizar a escola a partir de um currículo integrado: a necessidade
de uma maior inter-relação entre as disciplinas; as particularidades
cognitivas e afetivas que influenciam os processos de aprendizagem;
e a consideração das necessidades da comunidade local e do mundo
(FLECK, 2007).
Outros argumentos são acionados para defender um currículo
integrado e interdisciplinar. Um deles é a defesa de uma educação
emancipatória, baseada na pesquisa e em valores éticos: a
interdisciplinaridade propiciaria uma comunicação entre conteúdos
e posicionamentos, “desenvolvendo o raciocínio e o senso crítico de
forma global e integradora” (FLECK, 2007, p. 126).
Outro argumento estaria ligado à psicologia do desenvolvimento
e da aprendizagem, respeitando o desenvolvimento cognitivo
dos alunos e considerando os interesses de sua comunidade
de pertencimento e da sociedade global. Esse objetivo está
relacionado à ideia de que educar “pessoas com maior amplitude
e flexibilidade de olhares é um dos caminhos indispensáveis no
sentido de construir sociedades mais humanas, democráticas e
solidárias” (FLECK, 2007, p. 126-127).
Portanto, o currículo integrado é, ao mesmo tempo, uma filosofia
sócio-política e uma estratégia didática. Ou seja, não é apenas uma
158 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

reorganização do currículo, mas uma forma de ver o conhecimento


e a sociedade (FLECK, 2007).
Para Demo (2011), a educação a partir da pesquisa requer
uma reorganização curricular: de um currículo extensivo para um
intensivo. O currículo extensivo é como a escola está organizada – em
várias salas, nas quais as aulas são expositivas e meras reproduções,
cópias, e a avaliação é uma cópia da cópia. No currículo intensivo,
a formação volta-se para o desenvolvimento das competências de
autonomia, crítica e criatividade do aluno – e o professor assume o
papel de orientador que trabalha com eles.
O currículo intensivo, para Demo (2011), teria as seguintes
características: aprofundamento dos estudos (em vez da
superficialidade da exposição), ritmo do trabalho pedagógico
respeitando os alunos e o projeto de pesquisa (não em aulas picadas)
e flexibilização do currículo para o desenvolvimento da pesquisa.
De qualquer forma, Demo (2011) e Fleck (2007) compreendem
que a organização curricular é um processo mais amplo e, por hora,
a realidade das escolas é de um currículo disciplinar. Por isso,
não se trata de propor, dessa forma, a eliminação das
disciplinas, mas a criação de movimentos que levem
ao estabelecimento de relações entre as mesmas, tendo
como ponto de convergência a ação que se desenvolve
num trabalho cooperativo e reflexivo. Assim, alunos e
professores – sujeitos de sua própria ação – se engajam num
processo de pesquisa, de redescoberta e construção coletiva.
Ao compartilhar ideias, ações e reflexões, cada participante
é, ao mesmo tempo, “ator” e “autor” do processo. (FLECK,
2007, p. 135)

Por enquanto, os professores podem adotar individualmente,


ou em conjunto com outros colegas que assim desejarem, projetos de
pesquisa em suas turmas. A seguir, você verá algumas possibilidades
de projetos no ensino de História.
Pedagogia de projetos, interdisciplinaridade e ensino de História 159

9.3 Projetos interdisciplinares e o ensino de


História
Em relação à disciplina de História, há muitas possibilidades de
projetos interdisciplinares, mesmo que os temas transversais não
sejam mais os norteadores do trabalho. Além disso, alguns temas
devem ser contemplados não apenas em História, como os direitos
humanos, ou em Ciências, como meio ambiente, pois possibilitam
abordagens interdisciplinares da História com outras disciplinas
escolares.
Excetuando esses casos que são previstos pela legislação, é
importante perceber que a abordagem interdisciplinar e a educação
por meio de projetos de pesquisa devem partir do interesse dos
alunos, não apenas pela força da lei.
Para Guimarães (2012), trabalhar com projetos na escola deve
partir de duas premissas: o trabalho com projetos é intencional,
compreendido e desejado pelos envolvidos, professores e alunos;
e o projeto pressupõe planejamento de atividades para executá-lo,
sendo essas atividades realizadas pelos alunos e orientadas pelo
professor.
Guimarães (2012) indica passos para a construção de um projeto
semelhantes aos mencionados em tópico anterior, neste capítulo,
mas especifica outros itens, como cronograma, recursos humanos
e materiais, fontes e bibliografia. A autora não acredita em receitas
prontas: os projetos devem ser flexíveis e, apenas no final do capítulo
de sua obra, expõe um exemplo de projeto interdisciplinar, cujo
tema é Rumo à Copa – a escola se une às emoções do futebol.
Para esse projeto interdisciplinar entre História e Geografia,
Guimarães (2012) selecionou textos para trabalhar com os alunos,
como a adaptação de um trecho do livro História política do futebol
brasileiro, de Joel Rufino dos Santos; depois, sugeriu a divisão
da turma em equipes para estudar a história das outras copas,
160 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

investigar o motivo da escolha da África do Sul como sede da Copa


de 2010, analisar a tabela da FIFA, visitar o Museu do Futebol,
em São Paulo, incentivar pesquisas em outros meios e assistir a
filmes e documentários sobre o tema.
Bittencourt (2018), por sua vez, trata mais especificamente da
interdisciplinaridade. Ela emprega como exemplo o tema meio
ambiente, mostrando que, à primeira vista, o tema não teria relação
com a História, mas recorda muitos trabalhos historiográficos que
trataram do meio ambiente, como o de Braudel – que analisou o
Mediterrâneo –, considerando que atualmente há uma linha da
historiografia ligada aos estudos ambientais.
Em relação ao ensino de História e essa temática, Bittencourt
(2018) aponta que ainda há pouca produção sobre como trabalhar
em sala de aula o meio ambiente na disciplina de História – o que
dificulta a atuação dos professores. Para o trabalho interdisciplinar,
é importante ter pontos em comum entre as disciplinas que
permitam o diálogo, como a compreensão de natureza como algo
dinâmico e a sua interação com o ser humano.
Nesse sentido, é possível aproximar as disciplinas de Ciências,
de Geografia, de História e de Língua Portuguesa, por exemplo,
em torno do tema meio ambiente: cada qual analisando o tema a
partir de seus instrumentais e métodos disciplinares.
Outra possibilidade apontada por Bittencourt (2018) é o estudo
do meio como uma prática interdisciplinar. Esse tipo de estudo
já pode ser considerado uma tradição escolar no Brasil, com as
propostas das escolas modernas anarquistas, do início do século
XX, e os métodos ativos da Escola Nova.
Na escola, ele geralmente é visto como um passeio, uma
excursão sem finalidade pedagógica. O estudo dos meios social
e físico para a Geografia, a História e as Artes pode se configurar
como um laboratório de ensino, visto que:
Pedagogia de projetos, interdisciplinaridade e ensino de História 161

a sociedade, em suas relações temporais e espaciais,


normalmente apresentada por textos escritos ou pela
iconografia, situa-se em outra dimensão e profundidade
ao ser observada diretamente, pois neste caso surge
a oportunidade de dialogar com pessoas, identificar
construções privadas e públicas, atentar para fatos
cotidianos que geralmente passam despercebidos
e transformá-los em objeto de estudo, de análise,
de descoberta. (BITTENCOURT, 2018, p. 274)

A autora aponta algumas vantagens do trabalho com o estudo do


meio na escola, como desenvolver nos alunos algumas capacidades
(de observação, de organização e de análise de registros orais e
visuais). Contudo, tal projeto requer alguns cuidados, como a
definição clara dos objetivos e a discussão destes com os alunos
(BITTENCOURT, 2018).
Uma questão é certa: o professor de História, para trabalhar com
projetos interdisciplinares, deve ter conhecimento da produção de
sua área de conhecimento e estar aberto a aprender constantemente
– inclusive com os alunos.

Considerações finais
A proposta da pedagogia de projetos e da interdisciplinaridade
exige que o professor de História se perceba também como
pesquisador, não apenas como professor nos moldes tradicionais,
nos quais ele deve transpor didaticamente o conteúdo pesquisado
pela sua ciência de referência. Novamente, como em outros
capítulos, é perceptível que uma das tendências atuais na formação
do professor de História é compreender que teoria e prática
caminham juntas.
162 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

Ampliando seus conhecimentos


• PEDAGOGIA de projetos. 1 vídeo (15 min). São Paulo:
Universidade de São Paulo, [s.d.]. Publicado por Ulisses
Ferreira de Araújo. Disponível em: http://eaulas.usp.br/
portal/video.action?idItem=675. Acesso em: 21 maio 2019.
O vídeo explica o que é a pedagogia de projetos e mostra alguns
casos realizados em escolas. Ele pode ser uma ferramenta
para compreender melhor como colocar em prática projetos
de pesquisa em sala de aula. Esse material faz parte do curso
Temas transversais e a estratégia de projetos, oferecido pela
Universidade de São Paulo (USP).

• PEDAGOGIA de projetos. [S. l.: s. n.], 2017. 1 vídeo (17 min).


Publicado pelo canal Clarissa Bezerra. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=Cst3AYZqEsk. Acesso em: 21
maio 2019.
A professora Clarissa Bezerra explica o que é e o que não é a
pedagogia de projetos; explana, de maneira simples, direta e
divertida, as características dos projetos na pesquisa.

• ZENTNER, C. 7 dicas para implementar a pedagogia de


projetos em sua escola. Nova escola: gestão, São Paulo,
19 set. 2017. Disponível em: https://gestaoescolar.org.br/
conteudo/1881/blog-coordenadoras-em-acao-7-dicas-
para-implementar-a-pedagogia-de-projetos-em-sua-escola.
Acesso em: 21 maio 2019.
Nesse texto, a educadora Camila Zentner aponta a
importância do projeto nas escolas e relata experiências
em seu trabalho na escola para a preparação e a execução
de um projeto. Ela ainda fornece dicas importantes para o
envolvimento de todos na tarefa.
Pedagogia de projetos, interdisciplinaridade e ensino de História 163

Atividades
1. Com as informações deste capítulo, como você descreveria
os passos para realizar um projeto na escola?

2. Com base nas ideias de Pedro Demo (2011), quais as


diferenças entre um currículo extensivo e um currículo
intensivo?

3. Quais as possibilidades apontadas por Guimarães (2012) e


Bittencourt (2018) para uma abordagem interdisciplinar no
ensino de História?

Referências
BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 5. ed.
São Paulo: Cortez, 2018.

DEMO, P. Educar pela pesquisa. 9. ed. Campinas, SP: Autores Associados,


2011.

FLECK, M. L. S. Pedagogia de projetos: o princípio, o fim e o meio. Diálogo,


Canoas, n. 11, p. 117-140, jul./dez. 2007. Disponível em: https://biblioteca.
unilasalle.edu.br/docs_online/artigos/dialogo/2007_n11/mlsfleck.pdf.
Acesso em: 21 maio 2019.

GUIMARÃES, S. Didática e prática de ensino de História. 13. ed. Campinas,


SP: Papirus, 2012.

HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do currículo por projetos


de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Tradução de: Jussara
Hauber Rodrigues. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 4. ed. São Paulo:


Cortez, 2001.

NOGUEIRA, N. R. Pedagogia de projetos: uma jornada interdisciplinar


rumo ao desenvolvimento das inteligências múltiplas. 6. ed. São Paulo:
Érica, 2001.
Gabarito

1 Ensino de História no Brasil


1. A criação da disciplina escolar de História na Europa e
no Brasil teve como finalidade alimentar o patriotismo e
o sentimento de pertencimento a uma nação. A História
deveria contar um passado de coesão social, evitando as
dissidências e os conflitos.

2. Império: História Sagrada, Antiga, Medieval, Moderna e


Contemporânea. O conjunto dessas histórias formava a
História Geral, que depois passou a chamar-se Universal.
No livro didático de Joaquim de Macedo, os exercícios eram
meramente de fixação, com pontos e lições dos capítulos.
Era ensinada uma história nacionalista, com a pretensão de
manter a ordem e a autoridade do imperador.

República: manteve-se a História Universal dividida em


períodos, com base no modelo quadripartite francês, e a
História do Brasil se iniciava com as viagens marítimas.
O livro didático de João Ribeiro propunha unidades de
estudo, e os exames exigiam dos estudantes algo a mais do
que os fatos, avaliando se o aluno conseguia correlacioná-
-los com o contexto. O nacionalismo dos programas e dos
livros escolares pretendia alimentar o patriotismo e se opor à
monarquia, legitimando o novo regime republicano.

3. As decisões passaram a ser centralizadas pelo Ministério


da Educação e da Saúde, criado em 1931, instituindo um
programa nacional e uma inspetoria para fiscalização das
escolas. A História do Brasil foi diluída na História Geral,
166 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

diminuindo sua carga horária nas escolas. O ensino de


História priorizava a abordagem biográfica.
A Reforma Gustavo Capanema separou a História Geral da
do Brasil, enfatizando o seu papel de alimentar o sentimento
patriótico.
Considerando a História ensinada na escola, é interessante
pontuar que procurou-se relacionar os fatos ao contexto e
inserir novas interpretações sobre a colonização brasileira.

4. Esse período é marcado pela Guerra Fria e por seus


desdobramentos em relação à política interna brasileira.
Devido a isso, os conteúdos eram de viés político, defendendo
os valores liberais, a luta contra o comunismo e o pacifismo
pós-guerra. A disciplina de História pouco se afastou dos
parâmetros tradicionais anteriores e, entre 1950 e 1960,
o ensino de História sofreu uma diminuição considerável
de sua carga horária, priorizando uma educação mais técnica
e menos humanística.

5. A criação dos Estudos Sociais esvaziou os conteúdos de


História nos programas curriculares escolares. Além disso,
a formação do docente era aligeirada e superficial.

2 Ensino de História na contemporaneidade


1. Estudiosos afirmam que, após a crise de 1973, ocorreu uma
modificação no capitalismo: saindo do modelo fordista,
passou a adotar uma abordagem mais flexível, intensificando
a volatilidade do capital e a diminuição da autonomia dos
Estados. Há uma grande influência das ideias neoliberais
nas políticas do Estado, inclusive na educação, que deveria
preparar as populações para as novas formas de trabalho
emergentes, dada a rápida modificação das tecnologias.
Os organismos internacionais, como o FMI e o Bird,
influenciaram as conferências internacionais que tratavam
Gabarito 167

da educação, como a de Jomtien, em 1990, e as políticas


educacionais do governo brasileiro, sobretudo o de Fernando
Henrique Cardoso.

2. PCN: centra mais atenção na aquisição de competências e


habilidades dos alunos, inclusive em aspectos específicos
da História, como a interpretação de fontes. Os terceiros
e quarto ciclos estão organizados em eixos temáticos.
No terceiro ciclo, o eixo temático é “História das relações
sociais, da cultura e do trabalho”, subdividido em “As
relações sociais, a natureza e a terra” e “As relações de
trabalho”. No quarto ciclo, o eixo temático é “História das
representações e das relações de poder”, subdividido em
“Nações, povos, lutas, guerras e revoluções” e “Cidadania e
cultura no mundo contemporâneo”.
BNCC: também centra a sua atenção nas competências,
apesar de apontar que estas estariam associadas aos
procedimentos; no entanto, quando indica as unidades
temáticas, restringe-se aos conteúdos da disciplina de
História. A organização dos conteúdos tem a seguinte
sequência: conhecimentos sobre o ofício de História, História
Antiga, História Medieval, História Moderna e História
Contemporânea. Além disso, propõe uma abordagem
integrada da História da Europa, da África e da América.

3. Os PCN estavam mais próximos das discussões do ensino de


História na década de 1990, questionando a história linear e
eurocêntrica, enquanto a BNCC retoma uma história linear e
eurocêntrica. Nos PCN, são levadas em conta as habilidades
e as competências dos alunos, não a quantidade de conteúdos
apreendidos, minimizando a importância dos conhecimentos
eruditos antes transmitidos pela escola. Enquanto isso,
na BNCC, é evidente a preocupação conteudista pela
quantidade exposta na proposta.
168 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

3 A formação do professor de História


1. Chevallard compreende que os conteúdos das disciplinas
escolares têm origem nas ciências de referência desenvolvidas
no mundo acadêmico. Contudo, esses conteúdos devem
passar por uma adaptação ao adentrar o espaço escolar,
porque não são os conhecimentos utilizáveis o que se
ensina nas escolas. Para o didático, importa mais como
algo é ensinado do que o que é ensinado; por isso, deve-se
valorizar o estudo da transposição didática, ou seja, de como
o conhecimento acadêmico é modificado para ser ensinável.

2. Chervel, ao tratar da história das disciplinas escolares,


observa que elas não são meras traduções do conhecimento
acadêmico; elas têm sua própria história e seu
desenvolvimento, muitas vezes mais ligados à cultura escolar
do que à ciência de referência.

3. Uma das formas defendidas para romper com a dicotomia


entre ensino e pesquisa é justamente fomentar pesquisas
associadas à área de ensino de História, mostrando que a
figura do professor não está dissociada da do pesquisador.

4 Metodologias de ensino de História


1. O método de memorização está presente nas aulas de
História desde o século XIX, quando essa disciplina escolar
focava em pessoas públicas e datas. No século XX, apesar de
ser criticada, a memorização continuou a ser uma prática
comum nas aulas de História por meio do catecismo,
do questionário e dos resumos.

2. Os métodos ativos nasceram como uma crítica ao método


tradicional, centrado no professor e na aula expositiva.
Gabarito 169

Nos métodos ativos, os alunos tornam-se protagonistas do


seu processo de aprendizagem, enquanto o professor assume
um papel de facilitador nesse processo.

3. Desde o século XIX, as fontes históricas eram usadas nas aulas


de História como ilustração, porque a própria historiografia
as enxergava como mera transcrição da realidade do passado.
No final da década de 1920, com o entendimento de que as
fontes históricas compreendiam outros itens do passado,
como a literatura e a imprensa, essas novas fontes começaram
a ser incorporadas às aulas de História. No final do século
XX, as propostas de trabalhar com fontes históricas em sala
de aula consideravam os novos debates sobre a natureza do
documento histórico e sua intencionalidade.

4. As pesquisas realizadas pela Educação Histórica nos


permitem repensar alguns conceitos da cognição psicológica
em relação à aprendizagem de conceitos e de conhecimentos
históricos. Além disso, suas pesquisas servem de norte para
a discussão sobre o uso das fontes históricas em sala de aula.

5 O livro didático de História


1. As pesquisas acadêmicas sobre livros didáticos de História
na década de 1990, no Brasil, enfatizavam o caráter
ideológico desses textos, tentando evidenciar os interesses
do Estado e das classes dominantes nas produções didáticas.
Nesse sentido, os livros didáticos eram vistos como uma
forma de manipular a população, contando uma versão da
história que interessava a essas classes. As produções mais
recentes ampliaram a discussão em torno do livro didático,
analisando-o de forma associada à própria história da
disciplina escolar e com o entendimento do livro como
mercadoria.
170 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

2. Com a universalização da educação pública, o governo criou,


na década de 1980, o Programa Nacional de Livros Didáticos
(PNLD), com a finalidade de adquirir material para o ensino
fundamental. Em 1994, a comissão de avaliação tornou-
-se pública e as exigências começaram a ser cada vez mais
rígidas, incorporando questões relativas à manifestação de
preconceitos, aos erros conceituais e às contradições entre a
proposta metodológica e a obra produzida, além de incluírem
o estudo da história da África, dos afrodescendentes e dos
indígenas. É importante comentar, também, que o mercado
de produção didática movimenta muito dinheiro, atraindo
editoras de todo o mundo, especialmente as espanholas, pois
o PNLD adquire cerca de 126 milhões de exemplares por ano.

3. Pelos dados do PNLD de 2005, 76% dos professores


preferiram coleções de história integrada, o que indica
que eles adotam uma perspectiva linear e eurocêntrica
da História. Nas coleções de história integrada, ainda é
possível encontrar, em relação à historiografia, as seguintes
tendências: tradicionais, que apostam nos recortes temáticos
e temporais clássicos; ecléticos, que mesclam a perspectiva
tradicional com algumas inovações historiográficas; e os
que adotam um posicionamento engajado com a renovação
historiográfica.

6 O uso das fontes escritas no ensino de


História
1. A fonte como comprovação é quando o professor, após a
explicação de um conteúdo, busca provar a veracidade do
que foi ensinado usando a fonte para ilustrar sua fala. Usar
a fonte como comprovação reforça a ideia de que ela é um
reflexo da realidade do passado e não atenta ao fato de ser
Gabarito 171

uma construção interessada, ou seja, que apresenta uma


visão parcial do passado permeada pelos interesses de quem
a produziu.

2. O professor deve atuar como mediador diante da fonte


histórica, levando o aluno à contextualização e à crítica.
Nesse processo, deve evidenciar como o historiador conduz
a sua pesquisa e esclarecer que a História não é apenas uma
descrição do que aconteceu no passado, mas o exercício de
um profissional para interpretar as fontes.

3. Seu aluno deveria escolher um tipo de fonte escrita tratada


no capítulo (documentos oficiais, imprensa, literatura, cartas
e diários), atentar para a sua especificidade e articulá-la
com um tema que é possível analisar seguindo os passos
propostos no final do capítulo: identificação, descrição,
contextualização e análise da fonte.

7 Imagens, cinema e música no ensino de


História
1. O trabalho com álbuns de família promove a busca de outras
fontes, como testemunhos de familiares. Com base nisso, o
aluno pode construir a sua própria trajetória de vida, por
meio da narrativa de sua família. Outra possibilidade é
selecionar poucas fotografias, mas que sejam significativas
e causem impacto aos alunos.

2. Bittencourt (2018) sugere que o professor, em seu


planejamento, pense nos objetivos da visita, escolha o museu
mais adequado ao tema pretendido, conheça o museu antes
da visita, prepare os alunos com conceitos básicos sobre
museus e, em especial, sobre o que visitarão. É preciso
planejar uma atividade ao retornar para sala e avaliar se os
objetivos iniciais foram atingidos pela visita.
172 Metodologia do ensino de História no ensino fundamental

3. Uma das especificidades é a tensão entre uma visão objetivista


e uma subjetivista sobre o cinema e a música. Outra questão
é que se deve analisar sua linguagem, não apenas o seu
conteúdo, bem como considerar aspectos extras da fonte,
como a crítica, as premiações, a distribuição etc.

8 Ensino de História e diversidade


1. A escola tem reforçado estereótipos em relação às populações
afrodescendentes e indígenas ao distanciá-los de uma
identificação positiva por parte dos alunos desses grupos.
Faz isso ao não questionar posturas racistas por parte da
população branca. Nesse sentido, a Lei n. 10. 639/2003
contribuiu para a inserção de uma nova história em relação à
África, aos afrodescendentes e aos indígenas, rompendo com
a visão eurocêntrica colonialista.

2. Pode-se empregar a categoria gênero para analisar as práticas


e o espaço escolar e para rever posturas de discriminação
e de reforço dos estereótipos de gênero. Uma possibilidade
também é dar visibilidade a outros sujeitos no estudo do
passado, como mulheres e homossexuais.

3. A Resolução CNE 2/2015 apresenta em seus artigos, incisos


específicos sobre a inclusão escolar, como o ensino da Língua
Brasileira de Sinais (Libras) e o não silenciamento das
diversidades étnica, de gênero e religiosa.

9 Pedagogia de projetos,
interdisciplinaridade e ensino de História
1. Primeiro, deve-se escolher um tema em conjunto com os
alunos; segundo, investigar os saberes prévios dos alunos
sobre o tema; terceiro, construir o problema, as hipóteses e
Gabarito 173

os objetivos com os alunos; quarto, coletar as informações


por meio de pesquisa; e quinto, sistematizar as informações
encontradas. A avaliação deve ser processual e precisa
verificar o desempenho e o interesse individual e do grupo
como um todo.

2. Currículo extensivo: ensinar o conteúdo por repetição,


por meio de aulas expositivas, e avaliar em prova, por meio
da reprodução do que foi aprendido. Currículo intensivo:
a formação prioriza a autonomia intelectual, a criticidade e a
criatividade dos alunos – professores e alunos são parceiros no
processo de pesquisa.

3. Guimarães (2012) segue os mesmos parâmetros tratados


no texto por Fleck (2007) e Demo (2011), acrescentando
alguns aspectos a serem incorporados no projeto, como
cronograma, recursos humanos e materiais, fontes e
bibliografia. Essa autora também aposta na perspectiva
interdisciplinar. Bittencourt (2018), por sua vez, não
menciona necessariamente a elaboração de um projeto,
apenas indica possíveis trabalhos interdisciplinares por tema
em comum ou pelo estudo do meio.
Metodologia do Ensino de História no Ensino Fundamental
Metodologia do Ensino
O estudo das metodologias de ensino é fundamental para os cursos de licenciatura porque é
por meio dele que se verticalizam assuntos próprios do ensinar. Nesta obra, longe de conceber
de História no
de maneira dicotômica a teoria e a prática, a metodologia do ensino de História para o ensino
fundamental articula as duas esferas do saber, papel que, inclusive, deveria ser atribuído a todas Ensino Fundamental
as disciplinas curriculares em cursos de licenciatura.

O estudante, no decorrer de sua formação, depara-se com indagações inerentes à sua atuação
profissional e apenas com o estudo das metodologias de ensino se sentirá preparado para refletir
sobre elas. Portanto, esta obra pretende suscitar a reflexão e o caráter investigativo em relação
ao ensino, organizando-se em capítulos que favorecem a construção dessas reflexões.

www.iesde.com.br
facebook.com/iesdebrasil Nadia
Nadia Guariza
Guariza
Nadia Guariza

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6466-3

58455 9 788538 764663

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