HISTÓRIA PÚBLICA E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

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HISTÓRIA PÚBLICA E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: UMA REFLEXÃO DA

DIDÁTICA DA HISTÓRIA

Juliana Gelbcke
(Universidade Estadual de Ponta Grossa)

Resumo: Não só como um ramo do conhecimento, a história pública pode ser


percebida enquanto um fenômeno que abrange os diversos tipos de produção de
história na nossa sociedade, tais como filmes, documentários, novelas, quadrinhos,
livros de ficção-histórica, dentre outros, ou seja, ela engloba não só as produções
feitas exclusivamente por historiadores acadêmicos e, ultrapassando os muros da
Academia, atinge grande circulação, envolvendo um público que não é,
necessariamente, especializado em História. Desta forma, essa história pública
influencia diretamente o processo de ressignificação temporal dos sujeitos, em que o
passado é evocado para responder indagações relacionadas às identidades no
tempo presente. Pensando nisso, pretende-se introduzir uma discussão teórica
através da perspectiva da Didática da História sobre esse fenômeno e as influências
que ele exerce no âmbito da consciência histórica dos sujeitos. A Didática da
História, nesse sentido, é pensada nas suas três funções, como foi proposto por
Bergman: empírica (o que é apreendido no ensino da História), reflexiva (o que pode
ser apreendido) e normativa (o que deveria ser apreendido), preocupações que não
se restringem ao método histórico e ao ensino de história escolar mas que
permeiam também as relações entre ciência especializada e vida prática, ou seja, os
diferentes discursos históricos produzidos na sociedade. Este artigo, portanto,
procura explicitar a importância de diálogo entre o campo da Didática da História e a
história pública.

Palavras-chave: história pública; Didática da História; consciência histórica; cultura


histórica.

Financiamento: Bolsa CAPES.

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Introdução

Dentre muitos dos problemas mal resolvidos de nossa história, a Ditadura


Militar é um dos que se mostram mais dolorosos. Permanecendo décadas depois
como uma ferida aberta que começa, lentamente, com a ajuda de algumas medidas,
a cicatrizar, ao exemplo da Comissão Nacional da Verdade, criada apenas
recentemente, no ano de 20121. Entre mortos, feridos e desaparecidos, há a ânsia, a
necessidade urgente em se esclarecer, julgar e, talvez, perdoar, os crimes que
violaram os direitos humanos de tanta gente. Recentemente, neste ano, os 50 anos
do Golpe Militar de 1964 foram “descomemorados”, relembrados e debatidos através
de diversos meios públicos. Houve, inclusive, comemorações saudosistas que
geraram muita polêmica e até mesmo indignação por parte de muitos, como foi o
caso da nova versão da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”2 que,
contando com algumas poucas dezenas de pessoas espalhadas nas capitais
brasileiras, pedia a intervenção militar no poder e, de uma maneira bastante frágil, o
fim da corrupção.
Frente a esse e outros eventos que impactaram a população contrária ao
período militar, várias questões começam a ser levantadas e, num primeiro
momento, não parecem possuir nexo. Podemos nos perguntar, por exemplo, o que
leva um político eleito democraticamente, a pendurar uma faixa parabenizando os
militares em uma sessão solene na Câmara dos Deputados3. Ou o que leva as
Forças Armadas a declararem em documento oficial não ter havido um golpe, nem
mesmo torturas contra presos políticos durante o período ditatorial4. Essas e outras

1
Criada pela Lei 12528 no ano de 2011 e instituída em 16 de maio de 2012.
2
“Os manifestantes, que tinham a expectativa de refazer o percurso da primeira edição do evento –
da praça da República até a praça da Sé – gritaram, por vezes, fora Dilma, e entoaram melodias
pedindo a prisão da presidenta e a volta dos militares: Um, dois, três, quatro, cinco mil, queremos os
militares protegendo o Brasil, e um, dois, três, Dilma no xadrez. Disponível em:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/queremos-os-militares-protegendo-o-brasil-gritam-
manifestantes-2537.html Acesso em: 20/08/2014.
3
“Uma faixa que dizia Parabéns aos militares. Graças a vocês o Brasil não é Cuba! foi estendida por
militantes na galeria do plenário enquanto discursava a deputado Luiz Erundina (PSB-SP). Segundo a
segurança da Câmara, a faixa foi trazida pelo deputado conservador Jair Bolsonaro (PP-RJ)”.
Disponível em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/04/bolsonaro-e-apoiadores-tumultuam-
sessao-dos-50-anos-golpe-de-1964.html Acesso em: 20/08/2014.
4
“Comissão Nacional da Verdade pede esclarecimentos às Forças Armadas sobre conclusões de
sindicâncias que desconsideraram provas de tortura”. Disponível em: <
http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/524-cnv-pede-esclarecimentos-as-forcas-armadas-
sobre-conclusoes-de-sindicancias-que-desconsideraram-provas-de-tortura> Acesso em: 20/08/2014.
525
questões foram amplamente debatidas entre aqueles que defendem o Golpe Militar
e aqueles que o enxergam como um problema a ser superado. Ambos os lados
recorrem ao passado para justificar, validar, legitimar seus respectivos argumentos,
e, embora se reconheça não haver na História uma verdade absoluta, há a
possibilidade de um consenso minimamente humanista em que vale a força do
melhor argumento, pautado na racionalidade científica. Por isso, a racionalidade
histórica não permite que enxergamos na ditadura e em seus princípios a
valorização da cidadania, da democracia, dos direitos humanos...
Essa é uma das funções da Ciência Histórica, garantir que versões já
superadas e distorcidas da história não se multipliquem e ganhem forças nos
discursos públicos. É isso que a diferencia, por exemplo, das outras formas de
história, tais como as de grande circulação. Como afirma SADDI (2010, p.76):

O que diferencia a Ciência Histórica de todas as outras formas de história é


justamente o seu acréscimo de racionalidade, “que está presente na
referência a um sistema teórico, no método histórico e no conhecimento
histórico”. (BERGMANN, 1989). Ou, como afirmava Rüsen (2007), a Ciência
Histórica metodiza sua relação com as fontes (pertinência experiencial ou
empírica), a sua relação com as ideias (pertinência interpretativa) e a sua
relação com a narrativa (pertinência narrativa). Ao produzir um acúmulo
sistemático no processo de elaboração de afirmações sobre o passado
humano, a Ciência Histórica torna-se a ciência competente para refletir
sobre o modo como a Consciência Histórica é produzida.

Isso não quer dizer que essas outras formas de história que não são
científicas devam ser desconsideradas, deslegitimadas, ou que somente o
historiador tenha propriedade para falar sobre história, ao contrário, esse é um dos
papéis colocados pela Didática da História, ou seja, investigar as diferentes formas
narrativas que se expressam, por exemplo, através dos meios de comunicação de
massa, de instituições culturais e religiosas, de discursos políticos; assim como
investigar a consciência histórica produzida por esses meios e de que forma essas
reflexões acerca do passado atuam na consciência histórica dos indivíduos.
Essas produções normalmente surgem em tempos de crise, onde as
identidades passam a ser questionadas e há a necessidade de se recorrer ao
passado para encontrar justificativas, explicações ou até mesmo dar legitimidade ao
tempo presente. Esse foi o caso, por exemplo, das inúmeras reflexões (seja na
forma de textos, seja na forma de discursos) relacionadas à Ditadura Militar, que

526
tomaram espaços em destaque nas diversas livrarias do país, mídias televisivas,
revistas, internet, debates na esfera política, dentre outros. Essas diversas
produções compõem o fenômeno que tem sido chamado de História Pública.
Segundo Sara Albieri (2011, p.19):

A expressão "história pública" pode ser entendida de várias maneiras. De


imediato, ela evoca a ideia de acesso irrestrito, isto é, de um conhecimento
histórico franqueado a todos. Especialmente em nossos dias, entende-se
que clausuras serão abertas e que informações, antes censuradas ou
veladas, doravante ocuparão espaços de domínio público.

A autora cita o exemplo da abertura dos arquivos da Ditadura Militar e


comenta o período de grande efervescência que passou a historiografia do Brasil
contemporâneo naquele momento, em que se tornavam acessíveis os documentos
militares e policiais relacionados aos opositores do regime e presos políticos, que
permaneceram em segredo por tanto tempo, ocultando parte importante e ansiada
por ser desvelada de nossa história. A autora ainda ressalta:

Vale notar que, nesses casos, a publicação não é de interesse apenas para
o trabalho historiográfico, mas, com frequência, é reivindicada em meio à
discussão de direitos políticos ou civis. O interesse histórico mistura-se à
agenda de movimentos sociais, e as manifestações desse interesse vem
por vezes impregnada das paixões que mobilizam os grupos que
reivindicam publicação. (ALBIERI, 2011, p. 19)

Ou seja, todas as vezes que nos deparamos com questões que


desestabilizam nossa percepção sobre nós mesmo e sobre aquilo e aqueles que nos
cercam, evocamos o passado para tentar responder nossas angústias e
conseguirmos encontrar novo sentido para a vida, ressignificando o tempo. Dessa
forma, a história pública merece uma atenção especial, tendo em vista as inúmeras
formas de publicação das diferentes reflexões acerca do passado, tais como: filmes,
revistas em quadrinhos, livros de caráter histórico, novelas, documentários, livros
didáticos e paradidáticos, etc. Ou seja, ela “explora e apresenta o conhecimento
histórico - em uma variedade de formas - para além dos foros acadêmicos
tradicionais” (ZAHAVI, 2011, p. 53). Podemos afirmar, portanto que a história pública
possui uma sensibilidade com as necessidades de orientação temporal do presente,

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sendo por elas motivada. Beatriz Sarlo chama esse campo de “história da grande
circulação” e, tratando-o como modalidade não acadêmica, afirma:

(...) a história de grande circulação é sensível às estratégias com que o


presente torna funcional a investida do passado e considera totalmente
legítimo pô-lo em evidência. Se não encontra respostas na esfera pública
atual, ela fracassa e perde todo o interesse. A modalidade não acadêmica
(ainda que praticada por um historiador de formação acadêmica) escuta os
sentidos comuns do presente, atende às crenças de seu público e orienta-
se em função delas. Isso não a torna pura e simplesmente falsa, mas ligada
ao imaginário social contemporâneo, cujas pressões ela recebe e aceita
mais como vantagem do que como limite. (SARLO, 2007, p. 13)

É válido ressaltarmos aqui que as discussões acerca da história pública e sua


importância na academia começam na Inglaterra, em meados dos anos 1970,
emergindo “como prática do uso público da história com fins político-ideológicos,
influenciados pela busca de justiça social” (ALMEIDA; ROVAI, 2011, p.7). Os
historiadores ingleses, segundo Almeida e Rovai, naquele momento buscavam
construir uma história voltada para as inter-relações de memória e narrativa,
valorizando a construção de identidades coletivas (ALMEIDA; ROVAI, 2011, p.7).
Essa preocupação que inclui as discussões sobre história pública à escrita da
história foi, nos anos seguintes, ganhando cada vez mais espaço nas universidades
europeias e para além-mar, ao exemplo dos Estados Unidos, em que a preocupação
de historiadores passou a ser a divulgação da ciência para além da esfera
acadêmica. Sobre o caso estadunidense, as autoras afirmam que a história pública
nasceu como área através da criação e consolidação de espaços próprios para a
discussão sobe o conhecimento acadêmico na esfera pública, refletindo sobre essas
produções e sua relação com as mídias e os sujeitos.
Ou seja a história pública começa a ser vista não só como um fenômeno que
abarca os diferentes tipos de produções históricas, sejam elas científicas ou
(principalmente) extracientíficas, mas passa a se legitimar enquanto área do
conhecimento, ganhando, aos poucos, cada vez mais importância dentro do campo
da história acadêmica. Percebe-se, portanto, que a história pública agrega várias
preocupações ao conhecimento histórico, tais como: questões metodológicas,
historiográficas, narrativas, dentre outras.
É importante lembrarmos que o contexto em que surgem as discussões sobre
história pública, marcado, principalmente, pelo pós-Segunda Guerra Mundial, é
528
caracterizado por profundas mudanças políticas, culturais e sociais, tais como o
desenvolvimento da indústria cultural e de massas, o aceleramento do processo de
globalização, o processo de desintegração colonial, a expansão dos direitos civis,
assim como a emergência de inúmeros grupos sociais, como estudantes,
trabalhadores, mulheres, dentre outros que passam a contestar seus direitos, bem
como seu espaço dentro da história. Stuart Hall, traçando uma discussão a respeito
das identidades após a quebra das grandes estruturas, afirma que:

As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social,


estão em declino, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim
chamada "crise de identidade" é vista como parte de um processo mais
amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais
das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam
aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (HALL, 2011, p. 7)

Esse advento de uma nova sociedade marcada pela crise das múltiplas
identidades, fez com que se refletisse sobre a função social da história. Pois o
interesse coletivo e individual pela história passa a ser cada vez mais reivindicado
por esses grupos que procuram sanar suas carências de orientação temporal. Ou
seja, esses sujeitos procuram respostas no passado para resolver as questões
levantadas no tempo presente que desestabilizaram as percepções que tinham se si
mesmos, daquilo e daqueles que lhes cercavam. Desta forma, a história científica
passou a se preocupar cada vez mais sobre a necessidade, a importância de
expandir seu conhecimento para além dos muros acadêmicos e também de refletir o
conhecimento produzido fora deles5.
Dessa forma, a história pública vem se expandindo como uma preocupação
entre os historiadores em refletir sobre a própria função, compromisso social da
História. Almeida e Rovai colocam a história pública como:

uma possibilidade não apenas de conservação e divulgação da história,


mas de construção de um conhecimento pluridisciplinar atento aos
processos sociais, às suas mudanças e tensões. Num esforço colaborativo,
ela pode valorizar o passado para além da academia; pode democratizar a

5
Nesse contexto, simultaneamente às preocupações levantadas a respeito da história pública, vários
autores, como, por exemplo, Hartog, Koselleck, Michel Pollack, Agnes Heller, Paul Ricoeur, Jörn
Rusen, Klaus Bergmann, dentre outros, trazem a importância em discutir sobre as relações entre
passado e presente, a função social da história, dentre outras questões que perpassam as formas
que a história vai sendo construída de acordo com as memórias em função da identidade de grupos
coletivos e individuais.
529
história sem perder a seriedade ou o poder de análise. Nesse sentido, a
história pública pode ser definida como um ato de "abrir portas e não de
construir muros", nas palavras de Benjamin Filene. (ALMEIDA; ROVAI,
2011, p.7)

Também Zahavi afirma que a história pública é um veículo para ampliar nossa
visão sobre o passado. Segundo o autor:

Trata-se de um campo ambicioso, que geralmente tenta construir uma ponte


entre as análises detalhadas, nuançadas e profundamente investigadas dos
historiadores acadêmicos e uma curiosidade histórica aparentemente
insaciável, embora às vezes restrita e impaciente, do público em geral.
(ZAHAVI, 2011, p.53)

Ou seja, há um esforço em tornar o conhecimento histórico cada vez mais


acessível aos sujeitos, permitindo-os fazer usos desses conhecimentos no âmbito da
vida prática. No entanto, vale lembrar que muitas dessas produções são feitas por
diversos agentes (como jornalistas, literatos, cineastas, museólogos, dentre uma
série de outros profissionais) que não são, necessariamente, especializados em
História. Tais profissionais, portanto, não possuem os mesmos interesses e
preocupações teórico-metodológicas que os historiadores acadêmicos. Sendo
assim, é possível percebermos em algumas dessas produções intenções e
características que a ciência histórica procura evitar, como, por exemplo, interesses
mercadológicos que tratam o passado como negócio, colocando também a narrativa
histórica como produto de uma indústria cultural, ou seja, inserida em uma lógica de
mercado que leva em conta tiragens, versões, disputas editoriais e a própria lógica
do consumo, inserida dentro de uma conjuntura capitalista. Outro exemplo pode ser
percebido em Beatriz Sarlo (2007) quando a autora comenta que o sucesso da
sustentação do interesse público pela história de grande circulação é decorrência de
seu esquema explicativo pautado na redução do campo das hipóteses (considerado
pela academia influenciado por princípios múltiplos), que produz uma “clareza
argumentativa e narrativa que falta à história acadêmica”; “portanto, impõe unidade
sobre as descontinuidades, oferecendo uma „linha do tempo‟ consolidada em seus
nós e desenlaces” (SARLO, 2007, p. 14).
Portanto, esses diversos profissionais não especializados em história, nem
sempre possuem as mesmas preocupações citadas pelos autores Almeida, Rovai e
Zahavi: a de construir uma ponte entre as produções acadêmicas e o interesse do
530
público em geral, sem perder a seriedade ou o poder de análise. Em alguns
momentos, percebe-se o uso de versões já ultrapassadas e distorcidas da história
para a construção de suas narrativas, como é o caso, por exemplo, das visões
saudosistas da ditadura militar que a colocam como uma época sem corrupção, em
que havia segurança, onde não se violou os direitos humanos, não havendo torturas,
etc. Desta forma, há que se reconhecer a importância dessas produções na vida
prática, a influência que possuem na formação histórica dos indivíduos. Segundo
RÜSEN (2001, p. 48):

Com a expressão “formação histórica” refiro-me aqui a todos os processos


de aprendizagem em que “história” é o assunto e que não se destinam, em
primeiro lugar, à obtenção de competência profissional. Trata-se de um
campo a que pertencem inúmeros fenômenos do aprendizado histórico: o
ensino de história nas escolas, a influência dos meios de comunicação de
massa sobre a consciência histórica na formação dos adultos como
influente sobre a vida cotidiana – em suma, esse campo é extremamente
heterogêneo. É nele que se encontram, além dos processos de
aprendizagem específicos da ciência da história, todos os demais que
servem à orientação da vida prática mediante consciência histórica, e nos
quais o ensino da história (no sentido mais amplo do termo: como exposição
de saber histórico com o objetivo de influenciar terceiros) desempenha
algum papel.

Ou seja, essas produções colaboram com a formação histórica dos indivíduos


na medida em que tornam acessíveis as reflexões acerca do passado e assim
influenciam o processo de ressignificação temporal desses sujeitos, ajudando-os a
interpretar e reinterpretar o mundo que os cercam. Pois isso, é importante evidenciar
as implicações que essas produções de história pública, especialmente as
extracientíficas, trazem à ciência especializada. Nesse sentido, Bergmann traz a
importância da Didática da história como indispensável à Ciência histórica e explica
que:

Uma reflexão é histórico-didática na medida em que investiga seu objeto


sob o ponto de vista da prática da vida real, isto é, na medida em que, no
que se refere ao ensino e à aprendizagem, se preocupa com o conteúdo
que é realmente transmitido, com o que podia e com o que devia ser
transmitido. Refletir sobre a História a partir da preocupação da Didática da
História significa investigar o que é apreendido no ensino da História (é a
tarefa empírica da Didática da História), o que pode ser apreendido no
ensino da História (é a tarefa reflexiva da Didática da História) e o que
deveria ser apreendido (é a tarefa normativa da Didática da História). Esta
é, portanto, uma disciplina científica que, dirigida por interesses práticos,
indaga sobre o caráter efetivo, possível e necessário de processos de
ensino e aprendizagem e de processos formativos da História. Nesse

531
sentido, a didática da História se preocupa com a formação, o conteúdo e
os efeitos da consciência histórica num dado contexto sócio-histórico
(Jeismann, 1977). (BERGMANN, 1990, p. 29)

Bergmann afirma que a didática se vê obrigada a incluir nos objetos de sua


pesquisa empírica também as recepções extra-escolares e extracientíficas de
História, pois ela tem a pretensão, o compromisso em investigar a consciência
histórica dos sujeitos na intenção de impedir que se transmita ou amplie orientações
práticas ou motivações e práticas historicamente superadas (BERGMANN, 1990,
p.32). Além disso, o autor traz a Didática da História como indispensável à Ciência
Histórica para que esta não venha a se isolar das necessidades de orientação
histórica da sociedade, movendo suas produções através dessas carências, sempre
com o objetivo de melhorá-las através da racionalidade científica, reforçando, assim,
o compromisso, a função social da História.
Mas, percebe-se que os historiadores têm participado não tanto quanto
deveriam no âmbito da vida prática, portanto, cabe-nos repensar a função da
Didática da História e sua importância à ciência histórica. O historiador precisa
escrever para historiadores, mas não pode deixar de preocupar-se com as
necessidades de orientação do tempo presente, portanto necessita preocupar-se
cada vez mais com a história pública, a fim de garantir que a função da ciência
histórica seja cumprida. Não se trata de subjugar ou ainda de defender o extermínio
da história pública por outros agentes que não são historiadores acadêmicos, mas
de buscar que interfiramos cada vez mais nesses espaços, seja refletindo sobre
essas diversas produções, mas também produzindo nossas próprias reflexões
acessíveis a outros públicos.

Referências Bibliográficas

ALBIERI, Sara. História pública e consciência histórica. In: ALMEIDA, Juniele Rabêlo
de; ROVAI, Marta G. de Oliveira (org). Introdução à História Pública. São Paulo:
Letra e Voz, 2011. p.19-28.
ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; ROVAI, Marta G. de Oliveira. Introdução à História
Pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011. p.7-15.
BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 9, n.19, set.89/fev.90, p. 29-42, 1990.
532
HALL, Stuart. A identidade cultural da pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu
da Silva e Guacira Lopes Louro. 11ª ed., 1ª reimp., Rio de Janeiro: Editora DP&A,
2011.
RÜSEN, JÖRN. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência
histórica. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 2001.
SADDI, Rafael. Didática da História como sub-disciplina da Ciência Histórica.
História & Ensino, Londrina, v. 16, n. 1, p. 61-80, 2010.
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva.
Tradução de Rosa Freire d‟Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras; Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2007.
ZAHAVI, Gerald. Ensinando história pública no século XXI. In: ALMEIDA, Juniele
Rabêlo de; ROVAI, Marta G. de Oliveira (org). Introdução à História Pública. São
Paulo: Letra e Voz, 2011. p.53-63.

533

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