ESCREVER NA PEDRA, ESCREVER NO PAPEL
ESCREVER NA PEDRA, ESCREVER NO PAPEL
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©CACO XAVIER
PARTE II
CONHECIMENTOS E LUGARES:
ANÁLISES ETNOGRÁFICAS
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ESCREVER NA PEDRA, ESCREVER NO PAPEL 1
1 Este capítulo reproduz, de forma modificada, alguns materiais apresentados pela primeira vez na “Confe-
rência Magna” que abriu o Congresso Internacional de Antropologia e Historia, “Memoria Amazónica y los
paises andinos”. Gostaria de registrar meus agradecimentos aos seus organizadores e patrocinadores pelo
convite generoso e à Fundação Rainbird pelo financiamento generoso responsável pelo início do presente
trabalho sobre os cantos tukano.
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e em como formas orais e gráficas tradicionais perpassam documentos
escritos mais recentes.
Este capítulo divide-se em duas partes. Na primeira, “Escrever na
pedra”, exploro alguns dos sistemas mnemônicos gráficos e não gráficos
que sustentam várias formas de “mito” ou história indígena na região do
alto rio Negro. Esses sistemas mnemônicos correspondem ao que tenho
em mente quando me refiro a eles como “escrita”. Meu argumento é o
de que “mito” e “ escrita” devem ser compreendidos a partir de um pon-
to de vista indígena. Também sugiro que, mais do que insistir em distin-
ções rápidas e rígidas entre sociedades com ou sem escrita, ou perguntar
se petroglifos, pinturas de casas, padrões de cestaria e outras formas de
inscrição são ou não “verdadeira escrita”, é mais interessante e produtivo
alargar o campo da investigação ao examinar como o obviamente gráfico
e o aparentemente não gráfico, as formas arquitetônicas ou espaciais tra-
balham em conjunto com tradições orais.
Na segunda parte, “Escrever no papel”, pretendo explorar breve-
mente a continuidade entre essas formas mais velhas, tradicionais de “es-
crita” e a produção mais recente de livros, mapas, diagramas e calendários
indígenas. Esses documentos escritos estão sendo produzidos no contex-
to de programas de pesquisa e etnoeducação aliados à revitalização e
reivindicação do território e cultura tradicionais por organizações indí-
genas na área do alto rio Negro. Em um certo sentido, esses documentos
escritos são bem novos: apareceram há cerca de 30 anos e são produzidos
por membros da geração mais jovem, muitos dos quais foram educados
por missionários salesianos e javerianos que outrora dominaram o Uau-
pés. Por outro lado, no entanto, eles são bastante velhos: não apenas são
produzidos em colaboração com xamãs, cantadores, dançadores e outros
conhecedores seniores mas, de muitas maneiras, reproduzem também
formas de conhecimento que existiram muito antes da chegada dos es-
trangeiros ou do advento da educação missionária.
O trabalho que aqui apresento está ainda em progresso, é ao mes-
mo tempo incompleto e intencionalmente especulativo. Em vez de for-
necer respostas definitivas, meu objetivo é lançar questões, estimular o
debate, e sugerir caminhos para pesquisas futuras.
ESCREVER NA PEDRA
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2 No original: “La parole et l’image articulées ensemble en une technique de la mémoire, notamment dans
le contexte de l’énonciation rituelle, constituent l’alternative qui a prévalu, dans biens des sociétés, sur
l’exercice de l’écriture”.
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algo equivalente ao málikai arawak. Em sentido mais amplo, keti oka apli-
ca-se não apenas aos cantos ou benzimentos xamânicos, mas também a
cantos de dança, aos cantos latentes nas melodias das flautas Jurupari, e a
objetos rituais, petroglifos e locais sagrados, todos eles evocando comentá-
rios exegéticos estendidos ou filiações ancestrais. Cantos, música, objetos,
desenhos e lugares podem ser todos equiparados a seções relevantes de
narrativas orais e, assim, servem como veículos ou manifestações de co-
nhecimento ou pensamento (ver também Hugh-Jones, 2009).
b) Tukano (Barasano)
Bükura Keti Keti oka Música instrumental
narrativa mítica, cantos rituais, cantos
história oral de dança, música de
Jurupari, sítios sagrados,
petroglifos, objetos sagrados
Fig. 1
3 Os “lugares” do ato de “amontoar nomes em um único lugar” não são simplesmente geográficos. Eles
podem ser também “lugares” no cosmos, na sociedade humana e no ciclo de vida individual, e “lugares”
musicais, como tons, tempos, timbres, ritmos e volumes – ver Hill (1993:23; 1998: 153).
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4 Ver S. Hugh-Jones (1979: 282, M4.H) para uma versão sumária desta história.
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~Rabe basa, a “dança de Rame”, uma peça cantada e dançada durante reu-
niões rituais na região do Pirá-Paraná; c) benzimentos xamânicos relativos
ao veneno curare; d) cantos relativos aos instrumentos Jurupari e outros
objetos sagrados dos Tatuyo, “gente de céu” e, por isso parentes de ~Rabe.
Na história, ~Waribi acerta ~Rabe com um dardo venenoso; deli-
rando, ~Rabe voa sobre a terra, percorrendo diversos lugares para, even-
tualmente, cair morto sobre o solo. Ao voar, gotas de sangue caem de
seu corpo dando origem aos diferentes cipós e plantas usados para fazer
curare, conhecidos por ocorrer em diferentes locais nomeados na região.
Cai então o seu bico, dando origem ao ~Igeaya ou “Rio do Bico”, o rio Tí,
afluente do Uaupés, localizado acima da cidade colombiana de Mitú. Por
fim, seu corpo inteiro cai no chão: seus ossos dão origem aos instrumen-
tos Jurupari, e seu crânio, a duas cuias sagradas que contêm a coca e o
rapé, todos pertencendo aos Tatuyo.
~Rabe basa, a “dança de Rame”, é o canto que Rame cantou ao mor-
rer; as poucas palavras identificáveis de seus versos aludem a lugares,
itens e locações, sempre associados à sua morte lenta. Essa sequência de
versos, cada um intercalado por uma sessão de canto ritual, marca a sequ-
ência temporal da reunião ritual, na qual o canto é entoado e dançado. Ao
recitar o benzimento para o veneno curare, o xamã viaja em sua mente,
valendo-se dos rios como dispositivo mnemônico e contando cada fon-
te conhecida de curare. Em cada lugar por onde passa, lista os nomes,
propriedades, grupos a que pertence e outros atributos relevantes das
plantas, proferindo uma série de injunções performativas, que tanto for-
talecem como diminuem e removem os efeitos do veneno, a depender
do propósito do benzimento. Temos também ~Rabeü ou ~Rabe bota, o
“morro / poste de ~Rabe”, um sitio sagrado no Caño Tatú afluente do Pirá-
-Paraná, onde ~Rabe empoleirou.5 Finalmente, as flautas e as cuias sagra-
das dos Tatuyo evocarão a história de Rame, assim como os benzimentos
e cantos proferidos, quanto ao uso de objetos, aludem aos eventos e lu-
gares da história. Nesse sentido, lugar, objeto, nome, narrativa, benzimen-
to, canto e música podem ser todos considerados como diferentes partes
ou manifestações de uma mesma e única entidade.
Narrados, os mitos são portanto mais descritivos; são também sem-
pre marcados como discurso indireto, e considerados menos potentes.
Canto ritual, benzimento e canto de dança são opacos e alusivos, são
diretamente identificados com o falante e considerados como formas
verbais transformativas, mais potentes, podendo agir sobre o mundo.
Por sua qualidade transparente, mais direta, os mitos falados funcionam
5 O fato que os morros são “postes da casa” (bota) sublinha a transposicão mais geral entre casa/maloca e
paisagem (ver abaixo).
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Para resumir: vimos, até então, que os locais sagrados são também
locais de memória que funcionam como um dispositivo mnemônico, que
muitos desses locais são marcados por petroglifos, e que cantos estrutu-
rados em relação a locais sagrados podem fazer também referência explí-
cita a esses petroglifos. Para dar um exemplo: cantadores barasana sabem
que quando seu canto chega a ~Yedodi, certa cachoeira e importante
“casa de transformação” (~basa yuhiri wii) no rio Pirá-Paraná, eles devem
mudar a melodia do canto de um tom ascendente repetitivo e cadente
para uma melodia mais plana que desce ao fim de cada estrofe.
Para além das principais características lineares de sua paisagem – os
rios, frequentemente cortados por cachoeiras e quedas – os povos do alto
rio Negro também fazem uso de vários outros dispositivos mnemônicos.
O formato usual da maloca – fileiras paralelas de colunas e uma grade de
vigas longitudinais e laterais em intersecção no telhado – fornece de ime-
diato um teatro da memória. Os desenhos pintados na fachada da maloca
ou trançados na cestaria e repetidos em muitos dos petroglifos são outras
manifestações desses dispositivos. Munidas de papel e caneta, as pesso-
as reproduzirão espontaneamente esses desenhos, oferecendo seções de
cantos como um comentário explicativo à medida que traçam seus dedos
ao longo de fileiras de pontos ou zigags repetidos ou ondulações. Apro-
priadamente, ukari, o termo para desenho, padrão ou para as marcas em
um corpo de animal, é também empregado como termo para “escrita”.
O que temos aqui é um sistema no qual elementos iconográficos
espacialmente ordenados – petroglifos ao longo dos rios ou elementos
repetidos em desenhos em fachadas, cestaria e petroglifos – operam em
conjunto com outros elementos não-iconográficos que estão “diante de
nossos olhos” na paisagem – pedras não marcadas porém impressionan-
tes, cachoeiras, montanhas e outras características naturais – ou no es-
paço das casas – as fileiras de colunas e a intersecção das vigas. Severi
decerto considera essa ênfase nos esquemas arquiteturais ao focalizar
as técnicas europeias de memória (ver Yates, 1966), mas estes teatros da
memória dificilmente figuram em sua discussão sobre os exemplos ame-
ríndios. Não é de modo simples que a arquitetura ou os elementos geo-
gráficos, iconográficos ou não iconográficos, operam juntos como partes
separadas e complementares; no pensamento indígena eles são efetiva-
mente a mesma coisa.6
Cachoeiras, seixos, afloramentos rochosos, montanhas que figu-
ram nos cantos são eles mesmos casas ou malocas, moradas de espíritos
e lugares de origem de seres humanos; alguns deles são também sítios
6 Referindo-se aos Yecuana, Guss (1998: 168) escreve: “O cesto deriva muito de seu poder metafórico de sua
relação estrutural com a casa”.
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8 No original: “Toute image qui, désignant à travers une seule représentation un être pluriel, mobilise, par
des moyens purement optiques ou par un ensemble d’inférences, ses parties invisibles”.
9 Ver também Xavier, neste volume.
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eles não são representações; eles são a coisa real. Petroglifos são Jurupari
em uma outra forma.10 Isso explica a necessidade de desviar o olhar para
não encará-los. Por isso mesmo, para os Tukano, os seus ancestrais anacon-
da não chegaram meramente pelos rios; os rios são aqueles ancestrais e
foram criados conforme as anacondas se movimentavam.
Este material conduz-me a uma conclusão mais ampla: petroglifos
e cachoeiras não são apenas uma forma de história materializada; eles
sintetizam modos diferentes de pensar o tempo. Petroglifos são os traços
dos ancestrais impressos nas pedras quando essas pedras eram ainda jo-
vens e moles; eles são aspectos ou dimensões do passado imutável que se
intrometem no presente mutável e, portanto, fornecem uma ponte entre
os dois tempos. Estendidas em sequências lineares ao longo dos cursos
dos rios como contas em um cordão, cachoeiras indicam a passagem do
tempo em narrativas e cantos, bem como em viagens, histórias e proces-
sos de transformação aos quais se referem essas narrativas e cantos. Nos
desenhos indígenas, as cachoeiras são representadas como uma suces-
são de casas, as paragens da canoa anaconda ancestral, cujos passageiros
saíram para a terra seca a fim de dançar, e então voltaram novamente
para o fundo das águas à medida que viajavam rio acima, movendo-se de
leste a oeste (ver figura 3). Mais uma vez, ancestrais deslocavam-se entre
a água e a terra assim como petroglifos emergem das águas e então de-
saparecem, e assim como as águas sobem na viagem que vai de leste a
oeste, viagem de transformação que conduz do espírito ao humano e do
passado ao presente. Ao recapitular em seus cantos essa viagem rio aci-
ma, os cantadores comparam a ascensão de seus ancestrais pela cadeia
de cachoeiras à sua escalada de uma série de degraus que conduzem da
água à terra.
TEMPO E GENEALOGIA
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13 Ichnosiphon sps.
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tes radicais entre povos com ou sem escrita não são produtivos, uma vez
que obscurecem o fato de que modos orais, visuais, gráficos, materiais,
arquiteturais e geográficos trabalham juntos em sistemas integrados de
memória e enumeração.
ESCREVER NO PAPEL
15 Estão incluídos aqui o Proyecto Educativo Indígena de ACAIPI e o Proyecto Educativo Indígena Maîrike
de ASATRIZY na Colômbia, a Escola Indígena Kotiria Khumuno Wu’u; Escola Indígena Tuyuka Utapinopona; e
a Escola Indígena Tukano Yupuri no Brasil.
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LIVROS
Nas últimas duas décadas autores indígenas do alto rio Negro pro-
duziram mais de vinte livros devotados à mitologia, história e conheci-
mento tradicional. Alguns dos volumes tukano publicados na série Nar-
radores Indígenas do Rio Negro16 foram organizados visando reproduzir a
estrutura tripartite da mitologia do noroeste amazônico acima mencio-
nada. Começam com uma versão da narrativa de origem tukano parti-
cular ao grupo ao qual pertencem os autores, narrativa que termina com
um relato da dispersão e dos sucessivos deslocamentos residenciais dos
clãs constituintes do grupo em questão, relato que é efetivamente uma
genealogia no sentido acima mencionado. A segunda seção dos livros é
devotada a um compêndio de mitos, cujas versões são bem conhecidas
em outros lugares da Amazônia. A seção final é devotada a histórias orais
de escravidão e guerras inter-grupais, movimentos messiânicos, depre-
dações feitas por seringueiros e a chegada de missionários.
Além dessa continuidade entre a mito-história oral e sua contra-
partida editorial em termos dessa estrutura tripartite global e desse con-
teúdo generalizado, uma versão da narrativa de origem tukano publicada
num livro desana reproduz, em forma escrita, o paralelismo característico
dos cantos e sistemas mnemônicos do noroeste amazônico. Ao longo de
170 páginas (pp. 73-248), o Livro dos Antigos Desana – Guahari Diputiro
Porã (2004) repete um texto mais ou menos idêntico, verso por verso,
como parte de um relato de quatro viagens de origem ancestral repeti-
das. O texto como um todo, que é com efeito um canto ou benzimento
transposto à forma escrita, lê as cachoeiras no curso do rio Negro e seus
afluentes como uma lista de casas de transformação ancestrais. Cada pa-
rágrafo reproduz uma estrutura padronizada: nome de lugar (em negrito
para ficar mais visível), canto/benzimento; ou nome de lugar, canto/ben-
zimento, aquisição de conhecimento ritual/objeto ritual. Isso pode ser
imediatamente observado nos excertos seguintes:
16 Para uma discussão mais extensa sobre esses textos, ver S. Hugh-Jones (2010).
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1. (pp. 215-218):
Eles prosseguiram a viagem até Dia Waña Wi’í, onde encosta-
ram. Kisibi e Deyubari Gõãmü começaram a benzer: Dia Waña
Wi’í masá suri wereri wi’í masá ehari wi’í masá suri wereri seka
masá ehari seka masá suri wereri yuhiro masá ehari yuhiro masá
suri wereri muruyukü masá ehari muruyukü masásuri wereri poga
kua masá ehari poga kua masá suri wereri waigõã masá ehari
waigõã. Os ancestrais da humanidade pegaram os seus bancos
e entraram na casa. Sentaram no seu banco, mascando ipadu
e fumando o cigarro, desmanchando um pouco a sua roupa de
invisibilidade. Enquanto eles embarcavam de novo, Kisibi e Deyu-
bari Gõãmü recomeçaram a benzer a Canoa de Transformação:
Pumüri Yuküsiro masá suri wereri yuküsiro masá ehari yuküsiro
masá gamesüri metapuri doahayuma.
Eles prosseguiram a viagem até Dia Nima Üta Wi’í, onde encos-
taram. Kisibi e Deyubari Gõãmü começaram a benzer: Dia Nima
Üta etc..
Eles prosseguiram a viagem até Dia Doe Wi’í Miriá Pora Wi’í, etc.
Eles prosseguiram a viagem até Dia Gãma Imikaya Wi’í, etc.
2. (pp. 271-272):
Eles embarcaram de novo e prosseguiram a viagem até Dia Wera
Paga Wi’í. Os ancestrais dos povos do rio Negro pegaram os seus
bancos, entraram na casa, sentaram, mascando ipadu e fuman-
do o cigarro, e ficam pensando. Enquanto isso Kisibi e Deyubari
Gõãmü começaram a benzer Dia Wera Paga Wi’í, kumuari wi’í,
bAiari wi’í weri wi’í kumuari seka bAiari seka weri sek kumuari
yuhiro bAiari yuhiro weri yuhiro kumuari koasoro bAiari koasoro
wei koasoro kumuari muruyukü byari muruyukü weri muruyukü
kuuari poga kua bAiari poga kua wei poga kua kumuari wai wai-
gõã. Por meio de um benzimento, Kisibi e Deyubari Gõãmü fize-
ram aparecer um beiju de tapioca para os ancestrais dos povos do
rio Negro, que já tinham tomado a planta de sabedoria bayapika
e caapi, comeram pela primeira vez. Até nesta casa, eles viviam
somente de fumo e pó de ipadu. Foi nesta casa que eles comeram
beiju de tapioca pela primeira vez. Eram como iniciantes.
Eles embarcaram de novo e prosseguiram a viagem até Dia
Mome Wi’í Bayiriko Wi’í onde encostaram. Os ancestrais dos
povos do rio Negro pegaram os seus bancos, entraram na casa,
sentaram, mascando ipadu e fumando o cigarro, e ficam pensan-
do. Enquanto isso Kisibi e Deyubari Gõãmü começaram a benzer
para transformar a casa em casa de mel: Dia Mome Wi’í Bayiriko
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©FOIRN / ISA.
pelo território. Por outro lado, histórias particulares servem também para
legitimar reivindicações pelo território, bem como o status de um gru-
po particular em face aos demais. Isso significa que, quando um grupo
publica a sua história, isso acaba por provocar o outro a fazer o mesmo.
Um exemplo seriam os quatro livros da série Narradores Indígenas do Rio
Negro publicados em nome de diferentes clãs desana. Essa corrida de pu-
blicações começou, em parte, como resposta ao Desana (1968) de Rei-
chel-Dolmatoff. Na colaboração entre Antonio Guzman e Reichel estava
implícita uma reivindicação pela autoridade do conhecimento por parte
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CALENDÁRIOS
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19 FOIRN/ISA, São Gabriel da Cachoeira, 11-15 de abril de 2010. Ver Cabalzar (org., 2011).
20 FOIRN/ISA, São Gabriel da Cachoeira, 24 de novembro de 2010, do qual reulta o presente volume.
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CONCLUSÃO
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