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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
IMPRESSO NO BRASIL
154p.; 21x29,7cm
ISBN: 978-85-66564-05-1
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Corpo Deliberativo
Conselheiro Waldir Neves Barbosa
PRESIDENTE
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Escoex
Cecília Luna
COORDENADORIA DA BIBLIOTECA
Cezar L. V. Galhardo
COORDENADORIA DE PUBLICAÇÕES
Danielle Sá Antonelli
SECRETARIA GERAL
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
APRESENTAÇÃO
Na condição de coordenador do II CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO FI-
NANCEIRO, realizado de 10 a 12 de junho de 2015, em Campo Grande, MS, e por ter a honra
de integrar as instituições promotoras: Sociedade Paulista de Direito Financeiro – SPDF, Aca-
demia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ e Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo –
FADISP, e ser o Vice-Presidente da anfitriã, Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do
Sul, apresento a coletânea dos estudos, conferências e intervenções, com o repositório das
conferências e intervenções realizadas no evento.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Destaco nesta apresentação, que três juristas do mais alto nível, apoiadores de pri-
meira hora do projeto, fazem-se presentes, contribuindo com esta coletânea, dando a honra
de sua participação com importantes trabalhos. Trata-se do Dr. Régis Fernandes de Oliveira,
patrono da Sociedade Paulista de Direito Financeiro, e do Dr. Ives Gandra da Silva Martins, cujo
apoio e participação no I Congresso foi essencial, e o jurista espanhol (salmantino) Dr. José
Maria Lago Montero.
RONALDO CHADID
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
• MARCUS ABRAHAM
• LAURO ISHIKAWA
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
A CONTABILIDADE PÚBLICA
EM MUTAÇÃO E OS TRIBUNAIS
DE CONTAS
Por Inaldo da Paixão Santos Araújo*
(*) Mestre em Contabilidade. Conselheiro-presidente do Tribunal de Contas do Estado da Bahia.
Professor. Escritor. inaldo_paixao@hotmail.com
O IASB, com sede em Londres, tem como missão estudar, preparar e emitir normas de
padrões internacionais de contabilidade. O Instituto Brasileiro de Contadores (IBRACON) e o
Conselho Federal de Contabilidade (CFC) representam o Brasil no IASB.
O processo de convergência possui como respaldo legal o art. 177, §5º, da Lei n.º
6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas). Esse dispositivo estabelece que as normas ex-
pedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) devem ser elaboradas em consonância
com os padrões internacionais de contabilidade. Fato inevitável, pois se torna cada vez mais
necessária nesse “mundo plano”, tão somente para usar expressão de Thomas Friedman, a
adoção de um único padrão contábil.
Esse processo de convergência foi tão relevante no meio contábil societário que, nos
últimos anos, foram sancionadas duas leis ordinárias (Lei n.º 11.638/2007 e Lei n.º 11.941/2008),
alterando significativamente a Lei das Sociedades Anônimas de 1976.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
No setor público brasileiro, alguns fatos foram marcantes para a evolução da Conta-
bilidade Pública, tais como o Alvará de 28 de junho de 1808; o Código de Contabilidade de
1922; a Lei n.º 4.320/1964 (Lei de orçamento e balanço públicos) e a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), de 2000.
A LRF, em especial, preconiza em seu art. 50 que a escrituração das contas públicas,
além de observar regras específicas, deve também obedecer às demais normas de Contabili-
dade Pública.
Ao comentar esse dispositivo, Figueiredo et al. (2001, p. 246) preconizam que “o artigo
50 reforça e explicita normas de Contabilidade Pública já previstas pela Constituição de 1988
e pela Lei n.º 4.320/64, algumas das quais ainda não aplicadas em sua plenitude”.
Razão assiste aos autores em seus comentários, pois as demais normas de Contabili-
dade Pública podem ser encontradas de forma esparsa na Constituição Federal, e em vários
dispositivos da Lei n.º 4.320/1964, em especial no seu título IX – Da Contabilidade, e até mes-
mo na própria LRF.
Embora a LRF tenha definido que a escrituração das contas públicas deve também
obedecer às normas de Contabilidade Pública, o Brasil se ressentia de procedimentos contá-
beis específicos pautados pelo consenso profissional.
Ciente dessa lacuna, a partir de 2004 o CFC envidou esforços para apresentar suges-
tões de reforma da Lei n.º 4.320/1964, que, como dito, estabelece normas para elaboração e
controle dos orçamentos e dos balanços, assim como elaborar um conjunto normativo espe-
cífico para a Contabilidade Pública, pautado em parâmetros internacionais.
Assim é que foi aprovada a Resolução n.º 1.111/2007 do CFC, que apresenta a inter-
pretação dos Princípios Fundamentais de Contabilidade sob a perspectiva do Setor Público.
Também foi aprovado um novo padrão contábil, denominado de Normas Brasileiras de Con-
tabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBC TSP).
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Registre-se, por importante, que esse novel arcabouço foi incorporado aos manuais
de procedimentos contábeis da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), enquanto órgão cen-
tral de Contabilidade Pública do Governo Federal. A adoção definitiva desses novos parâme-
tros foi estabelecida para 2014.
Essas normas se aplicam às entidades do setor público, entendidas como tais aquelas
que recebam recursos públicos. Todavia, de forma integral pelos entes governamentais, pe-
los órgãos do sistema “S”, pelos conselhos profissionais e, parcialmente, por todas as outras,
de modo a favorecer a prestação de contas e o controle social. Elas – as normas – também
definiram que o objeto da Contabilidade Pública é o patrimônio público, que compreende o
conjunto de bens tangíveis e intangíveis e os direitos, onerados ou não, que geram benefício
econômico.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Embora seja ponto pacífico a importância da adoção dessas normas, em face da cul-
tura jurídica estritamente positivista do nosso país, não se entende a demora em se aprovar
na Casa Legislativa Federal as mudanças na Lei n.º 4.320/1964. Frise-se que essa lei de orça-
mento e balanço públicos, apesar de não impedir a citada adoção dos padrões internacionais,
necessita de ajustes, até mesmo em face dos seus 51 anos de vigência.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Entre as mais relevantes inovações do novo padrão contábil para o setor público, po-
de-se destacar: adoção integral do Princípio da Competência (com o reconhecimento das re-
ceitas em face do fato gerador, dos pagamentos antecipados, provisão de férias, gratificação
natalina, licença-prêmio, entre outros); classificação como circulante do almoxarifado; regis-
tro da equivalência patrimonial, da depreciação, amortização, exaustão e reavaliação; registro
da redução ao valor recuperável de ativos; reconhecimento do intangível e dos bens de uso
comum; tratamento contábil adequado de arrendamentos, concessões e contingências; além
de novos modelos de demonstrações contábeis.
Contudo, para que essa importante missão constitucional dos Tribunais de Contas seja
desenvolvida, torna-se necessária a realização de auditorias contábeis (abarcando aspectos
orçamentários, financeiros e patrimoniais) e operacionais (abrangendo questões de econo-
micidade, eficiência, eficácia e efetividade), também em observância a padrões internacionais
já incorporados – frise-se – pelas Normas Brasileiras de Auditoria Governamental aprovadas
pelo Instituto Rui Barbosa (IRB).
Sobre essa questão, impende registrar o pensar de Paulo Henrique Feijó, que, em en-
trevista publicada na Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (4º trimestre
2012), assim se manifestou:
Como fazer uma boa avaliação de uma prestação de contas sem uma contabilidade
bem feita? Sem uma contabilidade que apresente todos os ativos e passivos? No novo modelo
a análise das contas será mais complexa e os Tribunais precisarão capacitar fortemente seus
servidores, senão teremos um contador no futuro e um auditor no passado.
Assim, os Tribunais de Contas, além da tradicional análise da execução dos gastos e
dos aspectos de legalidade, precisarão ampliar o escopo de sua atuação. As auditorias reali-
zadas pelos Tribunais de Contas necessitam, cada vez mais, abarcar aspectos da propriedade,
existência e realização de ativos; da ocorrência de transações; da devida abrangência dos
registros; do reconhecimento tempestivo da receita; da correta avaliação e mensuração de
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Dessa forma, resta evidenciado que essas práticas modificam significativamente o le-
que dos procedimentos auditoriais adotados pelos Tribunais de Contas brasileiros, de modo a
fundamentar as decisões relacionadas às prestações de contas.
Nesse caminho, sabiamente trilhou o saudoso professor Lino Martins da Silva, ao afir-
mar, em sua última postagem em blog pessoal, que o reconhecimento de todos os ativos
possibilitará que os Tribunais de Contas ultrapassem a “zona de conforto” do exame orçamen-
tário para verificar se os administradores:
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Uma vez criado o Estado (seja por que versão se entenda que ele é instituído – pacto
ou dominação) ele passa a titularizar uma série de intervenções junto à sociedade. Este é o
outro lado da moeda. Como Juno, com duas faces cada qual olhando para um lado. Rara-
mente os olhares convergem.
As necessidades públicas são definidas na Constituição ou nas leis. Ora são atribui-
ções do próprio Estado (atendimento dos interesses da sociedade) ora que ele monopoliza. A
Constituição Federal, ao dispor sobre as necessidades públicas, distribui seu atendimento pe-
los três entes federativos. À União reserva interesses nacionais (art. 21, em seus diversos itens
e outros, esparsos, tais como educação, art. 215, saúde, art. 196 etc.). Aos Municípios aponta
atribuições locais, tal como prevê o art. 30 e aos Estados, a competência remanescente (pa-
rágrafo 1º do art. 25).
Os entes federativos devem, a partir daí, exercer suas atribuições específicas, dentro
da regra de competência. Por isso é que se diz que competente não é quem quer, mas aquele
a quem a norma designa.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
É o caso dos serviços de saúde. Dispõe o art. 23 ser devido à União, aos Estados-mem-
bros, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência para “cuidar da saúde e assistência
pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” (inciso I).
A saúde é, pois, necessidade pública tida como primária, no linguajar preciso de Rena-
to Alessi. A secundária não atende a um interesse essencial do Estado, mas propicia recursos
para aquisição de bens e servidores para atender ao interesse primário. É o que se passa a ver
pela análise de dispositivo constitucional.
Para o notável autor polonês, a vida líquida ”é uma vida precária, vivida em condições
de incerteza constante” (“Vida líquida”, ed. Zahar, 2ª. ed., 2009, pág. 8). Não há segurança nem
garantias de que teremos emprego, atendimento médico, escola, creche, etc. O ser humano
permanece instável em sua vida. Não tem sequer a garantia do emprego em que está. Depen-
de de qualquer alteração na China, nos Estados Unidos ou na Comunidade Europeia que seu
emprego pode desaparecer no dia seguinte.
Criam-se, então, rótulos que podem ser úteis para demandas futuras. Hoje, os deno-
minados direitos humanos outra coisa não significam senão “o direito a ter a diferença reco-
nhecida e a continuar diferente sem temor a reprimendas ou punição” (Bauman (“Comunida-
de” – a busca por segurança no mundo atual”, Zahar, 2001, pág. 71). Somente a luta coletiva
pode garanti-los, ainda que sejam meros rótulos. Mas, concretamente, significam o direito à
diferença.
Daí pode originar-se o que se denomina sociedade justa, ou seja, “a eliminação dos
impedimentos à distribuição equitativa das oportunidades uma a uma, à medida que se reve-
lam e são trazidas à atenção pública graças à articulação, manifestação e esforço das suces-
sivas demandas por reconhecimento” (ob. Cit., pág. 73).
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Há sonora diferença entre situações descritas e outras em que pessoas abastadas vi-
vem em locais de total canalização, serviços de água e esgoto, prevenção de risco, hospitais
de boa qualidade, etc.
Dentro de tal felicidade enquadra-se a busca pela boa prestação dos serviços e ações
de saúde. A garantia do pertencimento a uma sociedade de garantia de igualdade de oportu-
nidades.
Além de ser de competência comum dos entes federativos sua prestação, a prestação
dos serviços de saúde constitui-se em dever do Estado. A Constituição, ao utilizar o conceito
Estado, nele engloba todas as entidades federadas. É o Estado que é rotulado como “Repúbli-
ca Federativa do Brasil”. É a pessoa jurídica de direito público que identifica o Brasil.
O dever vem previsto ao longo da Constituição e das leis e identifica uma posição jurí-
dica, ou seja, uma atribuição que não ingressa em relações jurídicas e não se esgota pelo uso.
Dever e poder são correlatos. Mantêm-se sobranceiros. Diferem do direito e da obrigação.
Estes são relacionais e se exaurem quando exercidos. Esta é a preciosa classificação de Santi
Romano em seus “Frammenti di un dizionario giuridico”.
Por isso é que a saúde é um direito de todos, o que consagra a prerrogativa que todos
têm de serem atendidos pelo Poder Público, dentro de suas possibilidades, evidentemente,
mas, por ser um direito primário, pode e deve ser exercido não apenas na via administrativa
como também mediante ingresso junto ao Poder Judiciário.
O direito deve ser exercido em face do Estado (aqui englobando todos os entes fede-
rativos). Do outro lado está a segunda face de Juno, ou seja, a obrigação de atender, especi-
ficamente, aquele indivíduo.
Assume, de outro lado, um dever, ou seja, atendido determinado indivíduo que exer-
ceu seu direito e, ainda que o Estado tenha satisfeito sua obrigação, o dever prossegue, não
apenas em relação àquele indivíduo, mas também genericamente a toda coletividade (socie-
dade) porque se cuida de dever de destinatário anônimo.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Como disse Bobbio “o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do
homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los” (Norberto Bobbio, “A era
dos direitos”, 4ª. reimpressão, ed. Campus, 1992, pág. 25).
A previsão constitucional está no art. 196. Como diz Jürgen Habermas,: “O Estado é
necessário como poder de organização, de sanção e de execução, porque os direitos têm
que ser implantados, porque a comunidade de direito necessita de uma jurisdição organizada
e de uma força para estabilizar a identidade, e porque a formação da vontade política cria
programas que têm que ser implementados” (‘Direito e democracia”, ed. Tempo brasileiro, Rio
de Janeiro, 2010, vol. 1º., pág. 171). E complementa: “O poder político só pode desenvolver-se
através de um código jurídico institucionalizado na forma de direitos fundamentais” (idem,
ibidem).
Os direitos estão consagrados em normas jurídicas constitucionais e legais. Há, pois,
dever do Estado em atender às determinações normativas. Por política social entende-se o
dever do Estado de propiciar aos indivíduos, às coletividades e à sociedade em geral mecanis-
mos de atender a suas necessidades. Coletivamente, pode-se falar em segurança, em infraes-
trutura urbana, em vias de circulação, em estradas não apenas para o lazer ou movimentação,
mas também para destinação das safras, etc. Individualmente, cada ser humano tem seus
problemas pessoais. Quando e enquanto tem condições de resolvê-los direta e pessoalmen-
te, deve fazê-lo.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
entre os diversos indivíduos. Alguns, bem aquinhoados pela natureza ou pela riqueza, têm
condições de realizar o atendimento a problemas de saúde em hospitais, centros de saúde e
clínicas particulares, pagando planos de saúde. No mais das vezes, cargos. A maioria da so-
ciedade, no entanto, não dispõe de recursos para ter suas deficiências ou meros problemas
físicos atendidos por planos particulares. Logo, dependem dos serviços públicos. Estes devem
ser estruturados de molde a propiciar felicidade aos indivíduos. A felicidade se reflete por pro-
piciar conforto a cada um. Pode consistir na mera diminuição da dor ou em sua eliminação.
De outro lado, nada se faz de política econômica para abastecer os cofres dos hos-
pitais, creches, centros de saúde, unidades básicas, etc. para que a estrutura seja adequada e
suficiente para propiciar a redução dos incômodos, das dores e dos desconfortos que atin-
gem o indivíduo em seu corpo ou na sua mente.
Em sua forma preventiva, da mesma forma, deve o Estado manter número de pessoal
suficiente, viaturas, remédios, etc. para evitar ou impedir que sobrevenha qualquer doença,
seja em forma individual, seja por transmissão coletiva de males, epidemias, etc. A redução do
risco é dever do Estado.
A busca das atividades, então, torna-se universal e igualitária, ou seja, os serviços pú-
blicos de saúde devem atender a todos que dele necessitarem e deve tratar a todos de forma
igual.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
A lei é complementar, também, porque invade a intimidade dos demais entes da fe-
deração. Caso fosse lei ordinária não poderia atingir Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios. Como lei complementar ela alcança as demais entidades federativas. Assim, às
disposições da lei complementar n. 141/12, todos estão subordinados.
Requisito primeiro instituído pela lei é que os “serviços públicos de saúde” sejam “de
acesso universal, igualitário e gratuito” (inciso I do art. 2º da lei em comento). Referido dispo-
sitivo busca cumprir o que determina o art. 196 caput da Constituição da República.
Acesso universal significa que ninguém pode ficar fora dos serviços de saúde propi-
ciados pela estrutura governamental. Todos, sem distinção de raça, sexo e idade poderá ser
excluído do sistema gerador das políticas públicas de saúde.
Evidente está que se busca atender àquele que não tem condições de pagar por um
plano particular de saúde. Não é necessariamente o desvalido, o farrapo humano, o pária,
mas aquele que não tem condições de pagar um plano particular. Como ensina Amartya Sen,
“muitas pessoas têm pouco acesso a serviços de saúde, saneamento básico ou água tratada,
e passam a via lutando contra uma morbidez desnecessária, com frequência sucumbindo à
morte prematura” (“Desenvolvimento como liberdade”, Cia. das Letras, São Paulo, 2002, pág.
29).
É que a falta do acesso universal significa a castração da cidadania. Aquele que não
tem acesso a certos serviços públicos sente a sociedade desequilibrada. O Estado é o pêndulo
que equilibra a sociedade. Deve ser, pelo menos. Daí a conclusão de Amartya Sen de que “a
pobreza deve ser vista como privação de capacidades básicas em vez de meramente como
baixo nível de renda, que é critério tradicional de identificação da pobreza” (ob. cit., pág. 109).
Vê-se que o afastamento dos bens da vida significa desequilíbrio social. Daí a impor-
tância de que o serviço de saúde tenha acesso universal. Num país em que a camada mais
pobre da população convive com baixa infraestrutura urbana, com poluição, com insetos
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Aqui, a lei busca equiparar o que a natureza desequilibrou, como disse Rousseau.
Daí o Estado tem que exercitar seu poder para intervir na sociedade. Antigamente o
poder era utilizado para a morte. O domínio, as guerras que se fizeram, os conflitos perma-
nentes para a conquista do poder mantinham a afirmativa de que havia um direito de fazer
morrer. Era quase um direito de matar para subsistir. Mas, como afirma Foucault, “o poder é
cada vez menos o direito de fazer morrer e cada vez mais o direito de intervir para fazer viver,
e na maneira de viver, e no “como” da vida, sobretudo nesse nível para aumentar a vida, para
controlar seus acidentes, suas eventualidades, suas deficiências, daí por diante a morte, como
termo da vida, é evidentemente, o termo, o limite, a extremidade do poder” (“Em defesa da
sociedade”, ed. Martins Fontes, 2005, pág. 296).
Como bem diz Hanna Arendt, “a tarefa, a finalidade última, da política é salvaguardar a
vida em seu sentido mais amplo” (“A promessa da política”, 2ª. ed., Rio de Janeiro, Difel, 2009,
pág. 169).
Vê-se, pois, que a norma inserida no inciso I do art. 2º da lei em exame outra coisa não
faz senão retratar a essência da política na modernidade, ou seja, proteger a vida em todo seu
sentido.
Referido dispositivo determina que a lei seja reavaliada pelo menos a cada cinco anos
estabelecerá: a) os percentuais de aplicação de tributos; b) critérios de rateio entre os entes
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Este o conteúdo formal da lei. O parágrafo 3º do art. 198 não se confunde com o
disposto no parágrafo 10 do art. 195, ambos da Constituição Federal. Neste, a previsão é de
transferência de recursos para o denominado SUS (Serviço único de Saúde). Parte dos recur-
sos arrecadados pelo INSS deve ser transferido para o serviço de saúde, porque o INSS tem,
em seu objeto social também a prestação de serviços de saúde. Os critérios de tal repasse
vêm dispostos em lei ordinária. Aqui, exige o constituinte a lei complementar e cuida do mon-
tante a ser repassado pela União a Estados e Municípios. De igual maneira, cuida da transfe-
rência de recursos dos Estados que devem ser transferidos aos Municípios. A explicação de
José Afonso da Silva é bastante esclarecedora (“Comentário contextual á Constituição”, 4ª.
ed., Malheiros, pág. 771).
Se o problema tópico foi superado, justo é e legítimo que os recursos sejam então
destinados a outro local ou região que exija mais pronta atuação do poder público. Daí a ne-
cessária revisão a que alude o preceito normativo.
A cada cinco anos será feita reavaliação da lei. Não significa que deva ser feita uma
nova lei com todos os requintes formais de aprovação. O que o texto está exigindo é que seja
feita avaliação administrativa. Verificados equívocos na distribuição dos recursos ou a impe-
riosidade de sua alteração, exige-se, então, a edição de nova lei para redistribuição equitativa
dos recursos.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
O art. 3º da lei em comento traça uma série de ações para identificar o que sejam ou não
os serviços de saúde e onde devam ser alocados recursos e se possam efetuar a despesas.
De outro lado, a lei (art. 4º) aponta o que não é considerado para que possa haver
alocação de recursos previstos na lei em tela. Pagamento de pessoal inativo (próprio de outra
atribuição do INSS) ou de pessoal afastado da área (sem identificar o desvio de função), me-
renda escolar, saneamento básico (que deve ser atendido com recursos adequados em outro
item orçamentário), limpeza pública (vale o mesmo argumento anterior entre parêntesis), pre-
servação do meio ambiente, ações de assistência social, obras de infraestrutura.
Tais itens se resolvem quando da edição da lei orçamentária anual. Nela é que são
discriminadas as despesas que se referem aos serviços específicos de saúde ou não. O legis-
lador, no entanto, foi prudente, ou seja, preferiu discriminar logo o que é serviço que deve
ser atendido pelas verbas discriminadas na lei complementar em comento e o que não deve
ser carreado a ela. Evita-se que haja deturpação dos recursos que podem esvaziar o objetivo
específico da lei.
O art. 5º estabelece o mínimo que deverá ser aplicado pela União, ou seja, “o montan-
te correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos
da lei complementar, acrescido de, no mínimo percentual correspondente à variação nominal
do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual”.
Cabem, aqui, algumas palavras sobre o orçamento e a dominação dos grupos parla-
mentares na aprovação das emendas e da alocação de recursos.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
O que é justiça efetiva? O justo não se define, mas decorre de um sentimento preva-
lente na sociedade de que as coisas não podem se passar de determinada maneira. Se alguém
(autoridade policial ou não) agride outrem em um grupo (cinco pessoas) e nele batem com
socos e pontapés e este se mostra absolutamente indefeso, há um sentimento de repulsa
sobre tal conduta.
Ganha o justo este aspecto subjetivo de forma a ser perquirido naquela sociedade e
naquele instante. O conjunto das normas vigentes, como vive a população reprimida ou aten-
dida pelo Poder Público, como ela se sente, é isso que dá o sentido do justo. O problema do
justo decorre dos valores imperantes ou recebidos pela comunidade em determinado mo-
mento histórico. Não se trata de ter ideais, mas de detectar na sociedade aquele sentimento
de adequação dos comportamentos aos resultados buscados.
Deixa o orçamento, então, de ser analisado pela ótica meramente formal. Há uma
essência. Esta é a destinação adequada dos recursos aos objetivos maiores que devem ser
atingidos.
Normalmente, o que ocorre é que o Congresso é dominado por uma maioria parla-
mentar que busca dar sustentação ao governo para se beneficiar da liberação de recursos de
seu interesse individual ou do partido a que pertença. São maiorias ocasionais e, pois, ocasio-
nalmente mudam as soluções.
É possível que o Congresso faça o reexame e deve fazê-lo a cada cinco anos dos
montantes transferidos para o sistema de saúde. Mas, como fazê-lo se está sob dominação
do Executivo e a este cabe encaminhar o projeto de lei?
Fácil a solução. O Congresso Nacional, embora possa ter, ao longo da história, cenas e
episódios de independência, normalmente está subjugado e dominado pelo Executivo. O que
deveria ser uma relação de independência e autonomia, revela-se numa relação de sujeição.
Logo, a proposta que é encaminhada é aprovada ou se houver qualquer alteração é porque
houve um diálogo com o Executivo e este, movido por sentimentos altruístas ou políticos
concordou com a alteração proposta pelo Parlamento.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Saliente-se que os órgãos jurisdicionais têm entendido que a falta de previsão orça-
mentária de recursos para o atendimento de situações com moléstias não desobriga o Poder
Público de atender as demandas em tal sentido (VER DECISÕES DO STF.)
O art. 6º da lei em tela estabelece que Estados e Distrito Federal aplicarão 12% dos
impostos que lhes são próprios (incisos I a III do art. 155 da Constituição Federal) e também
dos tributos transferidos (art. 157 e 159,§ 3º da Constituição da República). O Distrito Federal,
como recolhe tributos estaduais e municipais, deve aplicar percentual de ambos. Os Municí-
pios aplicarão 15% dos recursos próprios e transferidos, de acordo com o art. 7º da lei com-
plementar ora apreciada.
Tal como prevê o art. 12 os recursos da União são repassados a um fundo. Os recursos
vão, posteriormente, somar-se aos depósitos de Estados, Distrito Federal e Municípios para
formar um só item e se constitui em unidade orçamentária e gestora dos recursos.
Cuida-se aqui de parte executiva e administrativa da gestão dos fundos. A lei em seu
art. 17 traça critérios para o desembolso dos recursos tendo em vista as necessidades da saú-
de da população, “as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de
capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde” (art. 17).
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
A lei estabelece toda uma série de procedimentos para o uso dos recursos e sua ade-
quada aplicação. Diga-se o mesmo em relação aos recursos dos Estados e dos transferidos
aos Municípios.
Assegura-se a Estados e Municípios que possam celebrar consórcios e outras formas legais de
cooperativismo (art. 21) para melhor desenvolver a execução das ações e serviços de saúde.
Como o bem jurídico protegido pela lei é essencial, ela não admite qualquer protela-
ção na operacionalização dos repasses e das despesas (art. 22 da lei). Por ser fundo de desti-
nação e funcionando este como mera conta corrente a legitimar os recursos, não deve haver
qualquer obstáculo na arrecadação e entrega dos recursos. É automático.
Claro está que o fundo deve estar já em funcionamento, o que elimina a restrição pre-
vista no inciso I do parágrafo único do art. 22 e a elaboração do plano de saúde (inciso II do
parágrafo único do art. 22) já deve ter sido elaborado pelos entes federativos.
Claro que o ser humano é quem regerá tais providências. Logo, sujeito a toda sorte de
afecções. O ser humano está em contato permanente com o mundo que o afeta e é por ele
afetado. Move-o o desejo (conatus na expressão de Spinoza) e este significa que o homem
quer cada vez mais. Seja em termos de poder, de dinheiro, posição social e bens de consumo.
O capital passou a ser uma nova religião, na feliz expressão de Walter Benjamin.
Em sendo assim, não há como dominar as paixões através da razão. A legislação es-
tabelece uma série de procedimentos que devem ser atendidos, prevê o processo licitatório,
a celebração de contratos, a prestação de contas e diversos tipos de atos de controle e de
fiscalização. Tudo elaborado de forma a minimizar a atuação do comportamento desviante.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Nenhum agir humano fica imune a tais desvios. O Fundo Nacional de Saúde é abas-
tecido por recursos dos entes federativos. Terá que utilizá-los em prol das ações em prol do
indivíduo. Logo, alguém terá que lidar com estes recursos e, pois, estará propenso a desviá-
-los em seu prol. Cuidei do tema. Entendi que “se entendermos os direitos humanos como
aqueles bens da vida consagrados nas Constituições e que permitem uma vida digna, inequí-
voca a conclusão de que a corrupção impede a plena preservação dos direitos sagrados do
indivíduo” (Regis Fernandes de Oliveira, “Curso de direito financeiro”, citado, capítulo 14, item
14.11, pág. 310).
Diante de tal problema, como proceder? O que prevalece? Cede-se ante a finitude e
nada se atende ou o governo há que atender tais serviços básicos que deve prestar, sob pena
de falência das instituições.
A Suprema Corte brasileira já analisou o assunto (RE 271.286/RS, rel. Celso de Melo) e
esclareceu que “o direito público subjetivo à saúde representa uma prerrogativa jurídica não
disponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art.
196). Traduz o bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de
maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar políticas so-
ciais e econômicas idôneas que tendam a garantir aos cidadãos, inclusive àqueles portadores
do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar”.
E acrescenta que “o direito à saúde ademais de qualificar-se como direito fundamental que
assiste a todas as pessoas, representa a consequência constitucional indissociável do direito
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
à vida”.
Vê-se, pois, que não se pode furtar o Poder Público de cumprir a determinação cons-
titucional e prestar os serviços de saúde, de forma equitativa, universal e isonômica.
Não pode ficar a critério do governante o atendimento a tal direito básico equiparado
à vida. Não se cuidar de matéria discricionária que possa eleger seu cumprimento. Não, a de-
corrência do atendimento da norma é obrigatória.
Como disse Horácio Corti “la violación de un derecho fundamental como consecuen-
cia de una asignáción insuficiente de recursos torna inequitativa a la ley de presupuesto” (ob.
cit., pág. 690).
Em nosso meio, a lei orçamentária anual seria inconstitucional, por não alocar, nos
itens adequados, recursos suficientes para cumprir o mandamento constitucional. Não po-
dendo descumprir a lei constitucional, sob pena de responsabilidade política do governante,
evidente que dotar a menor as necessidades relativas aos serviços de saúde, invalida o item
orçamentário, obrigando a intervenção judicial.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Executivo tem a possibilidade do uso dos créditos adicionais e suplementares para atender a
demanda postulada.
Sabidamente, as normas em direito não são de mera recomendação. Todas têm efi-
cácia jurídica e, pois, são imperativas ao destinatário. Na hipótese, o Executivo não se pode
furtar a cumpri-la. Se o fizer, cabível a intervenção judicial para sanar a incompetência ou a
previsão insuficiente de recursos.
O art. 23 cuida da fixação inicial dos valores. O art. 24 estabelece dispositivos sobre
o cálculo dos recursos mínimos e aponta o que deve ser considerado. O art. 25 prevê como
se resolve eventual diferença no repasse dos recursos por parte de algum ente federativo.
O parágrafo único do art. 25 explicita a competência do Tribunal de Contas para “verificar a
aplicação dos recursos mínimos” de cada ente federativo, sob sua jurisdição. A explicitação
significa que deverão agir os Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios onde houver.
O § 1º. Do art. 26 estabelece a providência que pode ser adotada pela União, Estados
e Distrito Federal no caso de não cumprimento dos repasses nos percentuais legais que pode
envolver a restrição do repasse previsto no art. 198 da Constituição Federal. É o exercício de
faculdade de retaliação, mas que pode equilibrar ou constranger ou forçar o ente a cumprir o
compromisso constitucional e legal com relação aos serviços de saúde.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
que possa comprometer a aplicação contínua e fluente dos recursos afetos ao Fundo. A Lei
de Responsabilidade Fiscal proíbe, taxativamente, a limitação de recursos em determinadas
hipóteses. Aqui, a lei explicita a proibição constitucional e legal.
Os arts. 31 a 42 da lei ora comentada cuidam do controle dos recursos afetos e vincu-
lados às ações e serviços de saúde.
A prestação de contas (art. 34) decorrerá de relatórios, auditorias. São papéis e cabe
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
A fiscalização incide sobre a prestação de contas (art. 37) para saber se as normas
constitucionais e legais foram cumpridas. O Poder Legislativo controlará, juntamente com o
Tribunal de Contas, todas as despesas efetuadas.
O ideal seria o controle não apenas dos papéis que acompanham a prestação de con-
tas, ou, pior, o relatório eletrônico (portanto sem as notas fiscais e os contratos e as notas de
empenho, as liquidações e os pagamentos), mas dos contratos enquanto vigentes. Auditorias
seriam ótimas para apurar se, no curso do contrato, remédios, consultas, internações, etc.
estão sendo feitos na medida adequada e correta. Fiscalizações presenciais pelos agentes
públicos a qualquer hora e dia, sem aviso prévio, apanhando os executores das despesas e
contratos durante a flagrância dos fatos. Aí sim, os resultados seriam melhores.
Assinalei em meu livro “Gastos públicos” que o grande problema agora são os peque-
nos gastos. É por aí que se pode detectar condutas desviadas e desaparecimento de dinheiro.
É a conferência de quantas drágeas foram consumidas, de quantos vidros de Mertiolate foram
utilizados. Nos pequenos frascos os grandes perfumes. Os desvios ocorrem à luz do dia e não
nos desvãos e descaminhos das madrugadas e das noites.
Deverá haver, também, cooperação técnica e financeira entre os entes federativos (art.
43 da lei em comento).
A lei não traz rol de infrações e sanções. Nem havia necessidade que o fizesse. Como
disse Norberto Bobbio (“A era dos direitos”) os direitos já estão devidamente declarados. O
importante, agora, é dar-lhes execução.
31
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
previsto no art. 46 da lei em tela. A legislação esparsa dá guarida a todos os atos infracionais
que forem praticados.
Como disse Hans Kelsen, não há norma sem sanção. Toda norma impõe um compor-
tamento, seja obrigatório, seja proibido ou, então, permitido. Para a conduta contrária àquela
prevista pela norma (infração) a lei prevê uma reação do ordenamento jurídico que se destina
a obrigar a prática do comportamento exigido, que é a sanção.
Não pode haver a suspensão das transferências obrigatórias, ou seja, as previstas nos
arts. 157/162 da Constituição Federal. Nestas, o ente federativo maior é apenas o arrecadador
dos tributos tendo a obrigação de repassar parte deles aos entes menores. Cuida-se de direito
de Estados e Municípios, sem que a União possa reter recursos ou criar dificuldades no repas-
se. Diga-se o mesmo em relação aos Estados e Municípios.
Existem, pois, receitas obrigatórias transferidas e receitas voluntárias (que podem ser
transferidas). As primeiras são obrigatórias e não podem ser recusadas. As segundas são atos
de disponibilidade de um ente federativo a outro ou a particulares. Apenas estas últimas que
podem ser suspensas.
O valor saúde é dos mais caros e importantes dentro de qualquer sociedade. Esta
nasce com uma reunião de pessoas que delibera abrir mão da subjugação de outras pessoas
ou tribos, sujeitando-se a um Estado que logrará, por estar acima dos interesses individuais
em jogo, manter a paz social. Tal garantia permite o desenvolvimento das potencialidades de
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
todos os indivíduos e da coletividade. Pode nascer, também, não do pacto, mas da dominação
de um grupo por outro e imposição de suas regras.
Elabora-se, então, um pacto escrito (Constituição) que irá dirigir a vida em sociedade
e garantir os bens primeiros e essenciais da vida. Um desses bens é a saúde.
É o serviço de saúde que se desenvolve por meio de ações e serviços que garantem o
bem estar da coletividade. Num Estado Federal como o nosso, é absolutamente importante
que os serviços sejam integrados entre os três entes federativos. Daí ser imprescindível que
uma lei complemente (que por força de ser complementar atinge e obriga as três entidades
que integram a federação) que discipline a forma do atendimento de tal bem essencial.
Resta que os envolvidos na execução da lei estejam atentos para as dolorosas carên-
cias dos brasileiros, especialmente aqueles marginalizados dos bens da vida, os abandonados,
os coitados, os desesperados, os humilhados e ofendidos (Dostoiévski).
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Transcrevo o início do artigo 165 da CF/88 sobre o qual me debruçarei neste breve
artigo, ou seja, o caput e os incisos I, II e III:
01. INTRODUÇÃO
Assim, a seção da Constituição Federal de 1988, referente aos orçamentos (artigo 165)
principia por outorgar, como nas Constituições anteriores, a iniciativa legislativa ao Poder
Executivo.
¹Sobre o Texto pretérito, José Celso de Mello Filho escreveu: “Em consequência, disciplinam-no as seguintes regras: a) é da competência do
Presidente da República a iniciativa do projeto de lei que disponha sobre o orçamento plurianual de investimentos; b) o poder de emenda dos
parlamentares submete -se às mesmas restrições e limitações estipuladas nos §§ 1.º e 2.º do art. 65 do texto constitucional; c) o projeto de
lei, dispondo sobre o orçamento plurianual de investimentos, deverá ser remetido ao Legislativo até 4 meses (31 de agosto) antes do início do
exercício financeiro seguinte; d) o Congresso Nacional apreciará esse projeto no prazo máximo de 90 dias, sob pena deste vir a ser tacitamente
aprovado e promulgado como lei” (Constituição Federal anotada, Saraiva, 1984, p. 178).
34
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Um dos problemas mais sérios que a Assembleia Nacional Constituinte não conseguiu
contornar foi o relacionado não à técnica orçamentária constante do capítulo que se está
examinando, mas às atribuições de funções, encargos, distribuição de receitas tributárias e
de benefícios funcionais por texto superior. O completo desconhecimento da realidade ad-
ministrativa e financeira das pessoas jurídicas de direito público fez com que a iniciativa do
constituinte se revelasse inadequada e desfiguradora dos caminhos indicados nesta seção por
alguns outros dispositivos povoando outras seções².
²Manoel Gonçalves Ferreira Filho nem por isso deixa de criticar o Texto passado ao dizer sobre o art. 65: “Competência do Poder Executivo. O
preceito em exame é um dos exemplos irretorquíveis da má qualidade técnica da Constituição vigente. Em primeiro lugar, está mal colocado.
Dispõe sobre processo legislativo e, sem embargo de a Constituição prever toda a seção anterior para regular essa matéria, está inscrito na
que versa sobre o orçamento. Em segundo lugar, praticamente repete o que já foi estabelecido, e melhor, no lugar próprio. E, com efeito,
as matérias que aqui se enumeram já estão mais sinteticamente compreendidas no art. 57, I e II (vide supra), que pertencem à seção sobre o
Processo Legislativo. A única utilidade deste dispositivo é explicitar qual é a ‘matéria financeira’ a que se refere o art. 57, I, e o que se entende
por aumento da despesa pública, mencionado pelo art. 57, II. Deve -se concluir que a matéria financeira abrange as leis orçamentárias, as
aberturas de crédito, as concessões de subvenções ou auxílios. Igualmente, que o aumento da despesa pública compreende também as auto-
rizações e criações da mesma, além do aumento propriamente dito. Não resta dúvida alguma, outrossim, que o aumento de vencimentos dos
servidores públicos que o art. 57, II, reserva à iniciativa exclusiva do Presidente da República envolve a fixação de vantagens. Em terceiro lugar,
como se lembrou logo acima, o art. 57, caput, reserva à iniciativa exclusiva do Presidente da República as matérias enumeradas em seus itens.
Esquecido disso, o constituinte, no dispositivo em tela, as atribui à competência do Poder Executivo... Sem dúvida, o chefe do Poder Executivo
é o Presidente da República, o que retira caráter prático à imperfeição, conquanto não desculpe o constituinte de 1967 ou o revisor de 1969”
(Comentários à Constituição brasileira, 6. ed., Saraiva, 1986, p. 335).
³Ricardo Lobo Torres ensina: “A Constituição Orçamentária é um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado da Constituição Tri-
butária e da Monetária. Não é uma Superconstituição, mas uma das Subconstituições que compõem o quadro maior da Constituição do
Estado de Direito, em equilíbrio e harmonia com outros subsistemas, especialmente a Constituição Econômica e a Política. É materialmente
constitucional, posto que essencial ao Estado de Direito, que se constitui na via fiscal e na dos gastos públicos. A disciplina básica da receita
e da despesa estabelece -a a Constituição, que deve estampar os princípios e as normas que tratam simultaneamente de ambas as faces da
mesma moeda — as entradas e os gastos públicos. São de natureza meramente constitucional o prever o equilíbrio orçamentário, o distribuir a
competência para autorizar a cobrança de impostos e a realização de gastos, o exigir a periodicidade do controle legislativo e o estabelecer as
diretrizes para a redistribuição das rendas. Do ponto de vista formal a Constituição Orçamentária brasileira não se esgota na Seção II do Cap.
II do Titulo VI, denominada ‘Dos Orçamentos’ (arts. 165 a 169), pois abrange também as normas sobre o controle da execução orçamentária
(arts. 70 a 75), o orçamento do Poder Judiciário (art. 99) e a fiscalização orçamentária dos Municípios (art. 31)” (Comentários à Constituição
financeira, Freitas Bastos, p. 8 -9 do original — no prelo).
⁴Como instrumento econômico, há de se relembrar a lição de Jesse Burkhead: “La aportación keynesiana a la teoría y a la práctica presupues-
tarias puede reducirse a la proposición de que la actividad pública debe emplearse para estabilizar el nivel de la actividad económica total. Los
clásicos subrayaron el control presupuestario; los keyne-sianos, los efectos del presupuesto. Desgraciadam ente, la atención keynesiana a los
efec-tos del presupuesto ha ido acompañada de una falta de atención al problema del control. Esta podría ser la tarea a emprender por los
críticos de la política fiscal conservadora: proporcionar una guía par la formación del presupuesto que atendiese simultáneamen¬te a las dos
finalidades. La primera consiste en guiar la transferencia de recursos del sector privado al público; la segunda consiste en guiar la selección de
los neveles globales de ingresos y gastos con vistas a la estabilización. Las directrices han de ser fácilmente inteligibles y capaces de instrumen-
tación política” (Lecturas sobre política fiscal, Revista de Occidente, Madrid, Biblioteca de la Ciencia Económica, 1959, p. 33).
35
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Como instrumento técnico, torna público de que maneira deve ser administrado o
País no exercício seguinte, na linha de imposição dos barões ao Rei João Sem Terra, em 1215.
Naquela ocasião, embora o princípio da anualidade tributária tenha sido consagrado, objeti-
varam os senhores feudais ingleses muito mais ter um controle do orçamento real, que se fa-
zia pela coluna das receitas programadas e previsíveis, mas também pela coluna das despesas
vinculadas àquelas.
Aliás, a boa regra da Administração impõe a vinculação das despesas às receitas, e não
como se tem feito, no Brasil, das receitas às despesas programadas⁵.
É um instrumento jurídico, pois apenas ganha forma e obriga quando aprovado nos termos
do processo legislativo, tornando -se lei e tendo a eficácia de qualquer lei.
Por fim, é um instrumento econômico, uma vez que, conforme a sua maior ou menor
pressão sobre a sociedade, ter-se-á o perfil da atuação do Estado e dos cidadãos na economia,
sendo que os traços mestres da atividade dos cidadãos vinculam-se à política da presença gover-
namental nessa matéria⁶.
Por todas essas razões é que a iniciativa legislativa não poderia deixar de ser dada ao
Executivo, embora a aprovação seja feita pelos representantes da sociedade, vale dizer, pelos
parlamentares.
⁵Em conferência no Congresso Nacional da OAB de Advogados Pró-Constituinte, disse: “A boa regra do planejamento exige que as despesas
públicas sejam programadas a partir da estimativa das receitas. A boa regra do planejamento exige, também, que mecanismos constitucionais
sejam criados para que os planejadores governamentais não invertam a fórmula para projeção de receitas em função de despesas. Por fim, a
boa regra do planejamento exige, nas Federações, que as unidades federativas tenham condições de viver autonomamente, no plano finan-
ceiro, por força dos ingressos próprios derivados da imposição tributária. À evidência, a boa regra do planejamento não existe no Brasil. Em
relação à programação de despesas, não obstante as sucessivas imposições de sacrifícios sobre o segmento privado da Nação, responsável
por mais de 40 milhões de empregos, o Governo Federal, que se utiliza de pouco mais de 1 milhão de brasileiros, tem-nas projetado sem qual-
quer preocupação com a receita. E, por via de consequência, a contrapartida ao sacrifício imposto aos governados é o desperdício permitido
aos governantes” (Anais do Congresso Nacional de Advogados Pró -Constituinte, OAB/SP, 1983, p. 151).
36
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Poder-se-ia dizer que o primeiro grande plano de metas plurianuais que o Brasil hos-
pedou, na esfera federal, surgiu com Juscelino Kubitschek, tendo o Governador Carvalho Pinto
adotado para o Estado de São Paulo idêntica concepção⁸.
Os insucessos dos planos quinquenais dos soviéticos durante toda a sua história demons-
traram que sua “verdade” era falsa e que mesmo a crise de 1929, a de 1973 ou as de 1979 e 1982
⁷O art. 63 da Emenda Constitucional n. 1/69 tinha a seguinte dicção: “Art. 63. O orçamento plurianual de investimento consignará dotações
para a execução dos planos de valorização das regiões menos desenvolvidas do País”.
⁸Pontes de Miranda, ao comentar o art. 63, escreve: “Orçamento anual e orçamento de investimento para pluriênio. Se o projeto, o programa, a
obra ou a despesa implica destinação de verba para mais de um ano, somente pode constar do orçamento anual se o projeto ou programa foi
iniciado, ou se a obra foi contratada depois de inclusão no orçamento para o pluriênio, ou com prévia lei que o estabeleça e fixe o montante
das verbas que têm de constar do orçamento, durante todo o prazo para a execução. Assim, se se tratar de projeto ou programa, tem de ter
havido a) lei que o autorizou e fixou o quanto das verbas anuais, para todo prazo para a execução, b) a inclusão no orçamento plurienal de
investimento, c) ainda não se ter iniciado. Se se trata de obra, o início depende de lei, que a autorize e fixe o quanto das verbas anuais, até que
se leve a termo o contrato, e de ter havido o contrato antes de qualquer inserção no orçamento plurienal, pois somente após isso é que se
pode incluir em cada orçamento anual” (Comentários à Constituição de 1967, Forense, 1987, t. 3, p. 207).
⁹Os governos avançavam mais, visto que seus planos plurianuais eram inclusive orientados pelo Conselho de Assistência Mútua Econômica,
decantado por Altshúler, como alavanca de desenvolvimento do Leste europeu:
“El fortalecimiento de la comunidad socialista y el crecimiento de su poderío económi¬co y político se exteriorizan tanto en los factores ob-
jetivos, que despejan el camino ante esta tendencia, como en la actividad consciente de los partidos comunistas y obreros dirigentes, cuya
política permite a todos los países de la comunidad socialista conjugar los intereses nacionales e internacionales y contribuir a una interacción
más profunda y completa en la solución de los cardinales problemas de su desenvolvimiento interior y en la palestra internacional. Estos
problemas se resuelven con eficacia por el Consejo de Asistencia Mutua Económica, y gracias a la coordinación más y más estrecha de la
polí¬tica exterior socialista.
La labor del CAME tiene mucha importancia en cuanto a la organización de la colabo¬ración económica y científico -técnica de los países
socialistas y a la aplicación de me¬didas trazadas por el Programa Complejo de integración económica socialista, com-prendidas las referentes
al sucesivo desarrollo y perfeccionamiento de los vínculos monetario-financieros.
El Programa Complejo estipula que al Consejo de Asistencia Mutua Económica se le irá atribuyendo un papel cada vez mayor en el ahonda-
miento de la colaboración multilate¬ral de sus países miembros.
A los organismos del CAME les incumbe ayudar activamente a esta colaboración eco-nómica, estudiar y sintetizar sus resultados y preparar
las recomendaciones para su constante perfeccionamiento. Los Estados miembros del Consejo resolvieron asimismo e hicieron constar, en
el Programa Complejo, que ellos aplicarán las medidas tendentes a elevar más aún el papel del CAME en la organización y realización de su
colaboración multilateral” (La integración económica socialista: las divisas y el derecho financiero, URSS, Ed. Progreso, 1978, p. 15-6).
37
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
foram mais facilmente controladas em economia de mercado que nas economias estatizadas, sem-
pre desestimuladas em criatividade e interesses¹⁰.
A própria crise de 2008 até o presente é mais sentida nos países bolivarianos ou simpatizan-
tes que nas economias de mercado, exceção feita ao descalabro grego.
É que o mercado, quanto mais cresce, mais livre fica, e os interesses capitalistas vivem
do crescimento do mercado, o que vale dizer, geram desenvolvimento, emprego, condição de
vida e justiça social¹¹.
Em outras palavras, o plano plurianual a que faz menção o legislador não cuida somente
de meras sugestões desenvolvimentistas, mas impõe ao Poder Público limites à sua atuação in-
tervencionista e parâmetros à programação que implique despesas e receitas, vinculadas a mais
de um exercício¹².
Por essa razão, tais planos, por serem mais amplos, prevalecem sobre as leis orçamen-
tárias anuais naquilo em que cuidar da mesma matéria, sendo a ordem de indicação do art. 165
preferencial. Vale dizer, a sociedade, a partir do plano plurianual, sabe o comportamento que
espera do governo no concernente aos projetos de longo alcance, sendo os orçamentos mero
¹⁰Esta realidade, muitas vezes, leva os economistas de formação socialista a procurar justificações de natureza global para o realinhamento
conceitual a uma economia mais flexível: “The change of epoch in the world economy raises a new aspect of space in economic thinking.
Up to now space has occurred in economic thinking only as a relative notion, namely as the distance between the place of production and
consumption...”. “... induces also the belief that the rational statements made by economics may come to a role in national and international
political decisions more rapidly and more efficiently than it has happened in the past” (E. Kemenes, Cyclical and secular changes in the world
economy, in Trends in world economy, Budapest, v. 35).
¹¹“Os apologistas intelectuais do planejamento econômico centralizado cantaram loas à China de Mao até que seus sucessores trombetearam
o atraso do país e lamentaram a falta de progresso nacional nos últimos 25 anos” (Milton e Rose Friedman, Liberdade de escolher, Record Ed.,
1981, p. 68).
¹²A equipe da Price Waterhouse assim o comenta: “Do plano plurianual, chamado pela Constituição de 1967 de ‘Orçamento Plurianual de
Investimento’, devem constar as despesas cuja execução avance por mais de um exercício financeiro. Tais despesas consistem basicamente
nas chamadas despesas de capital, cujo objetivo é, na maioria das vezes, a construção de grandes obras públicas, necessárias para a promoção
do desenvolvimento econômico” (A Constituição do Brasil 1988, Price Waterhouse, 1989, p. 698).
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
reflexo daquela parte do planejamento que se esgota no exercício. E essa parece ter sido a grande
evolução em relação ao Texto anterior, que os limitava, de rigor, a mera sugestão sobre o desen-
volvimento nacional.
É de lembrar que a Lei n. 9.989, de 21 de julho de 2000, dispôs sobre o Plano Plurianual
para o período 2000 -2003. Já para o período de 2004-2007 o tema foi disciplinado pela Lei n.
10.933, de 11 de agosto de 2004. Tais diplomas foram modificados pela Lei 11.653/2008 (perío-
do de 2008 a 2011) e pela Lei 12.593/12 (período de 2012 a 2015).
Nessa ordenação, o custo de sua atuação reguladora deve ser suportado pela socieda-
de, que, nos regimes democráticos, determina o nível de sua presença e da participação que
deseja. Em outras palavras, a sociedade, por seus representantes, deve impor as linhas funda-
mentais dos gastos oficiais, que pretende suportar para que o Estado, meio e não fim, preencha
suas finalidades essenciais de serviço ao povo, por intermédio do governo. E, à evidência, em
matéria de despesas, as finanças públicas esclarecem tal dimensão¹⁵.
Essa é a razão pela qual a iniciativa do Executivo, que conhece de perto a Administração,
ao apresentar a proposta da lei de diretrizes orçamentárias, busca ofertar respaldo à discussão
da conveniência de adotar este ou aquele projeto orçamentário para exercício subsequente.
¹³Ricardo Lobo Torres escreve: “A CF 88 introduziu uma novidade, inspirada em parte nas Constituições da República Federal da Alemanha e
da França: a lei de diretrizes orçamentárias, que compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas
de capital, para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação
tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento” (Comentários à Constituição financeira, Freitas
Bastos, no prelo).
¹⁴Helmut Kuhr, em seu livro El Estado (Ed. Rialp), chega a afirmar que não existem Estados, mas governos, alicerçado na doutrina de Carl
Schmit.
¹⁵Sobre a lei de diretrizes orçamentárias, assim comenta a equipe da Price Waterhouse: “Não havia previsão no texto constitucional anterior a
respeito das diretrizes orçamentárias. O estabelecimento de diretrizes na questão orçamentária é a ela inerente, principalmente levando -se em
conta que o orçamento é, antes de tudo, uma previsão” (A Constituição do Brasil 1988, Price Waterhouse, 1989, p. 699).
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Tal categoria intermediária entre os planos plurianuais e os orçamentos anuais não exis-
tia no passado, tendo, a meu ver, representado evidente avanço¹⁷.
As cíclicas conjunturas negativas, não poucas vezes, podem levar os governos à tenta-
ção de buscar mudanças nas regras orçamentárias, sendo o governo destes últimos anos triste
exemplo do exercício de tal “tentação”. As bruscas mudanças, sobre se terem revelado inúteis
e de consequências desastrosas, trouxeram como complemento a insegurança econômica,
que é aquele elemento que mais deve um governo evitar. As rápidas mudanças geram incon-
fiabilidade, principalmente se, em curto espaço de tempo, revelam -se frustradas. E nenhuma
economia avança, e nenhum país sai da crise, com governos sem credibilidade.
Esse é o motivo pelo qual mais importantes que as linhas dos orçamentos anuais são
aquelas das diretrizes orçamentárias, capazes de estabelecer confiabilidade e impor regras fir-
mes aos governos¹⁸.
16
José Afonso da Silva ensina:
“A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da Administração Pública federal, incluindo as despesas de capital para
o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e es-
tabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (art. 165, § 2.º). Trata -se de lei anual. Não se estabelece quando
ela deve ser submetida à consideração do Congresso Nacional. Dispôs-se apenas que o seu projeto, assim como os da lei do plano plurianual e
do orçamento anual, seja enviado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, nos termos da lei complementar de caráter financeiro
já indicada. Mas por sua natureza ela deve preceder à elaboração orçamentária, porque ela é que vai dar as metas e prioridades que hão de
constar do orçamento anual” (Curso de direito constitucional positivo, 5. ed., Revista dos Tribunais, 1989, p. 613).
17
Wolgran Junqueira Ferreira esclarece:
“Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais da União. São três
previsões distintas de três fatos distintos mas que se interligam, necessariamente” (Comentários à Constituição de 1988, Ed. Julex, 1989, v. 2,
p. 920).'
18
O art. 47 da Constituição francesa tem a seguinte dicção: “Le Parlement vote les projets de loi de finances dans les conditions prévues par une
loi organique. Si l’Assemblée Nationale ne s’est pas prononcée en première lecture dans le délai de qua¬rante jours après le dépôt d ’un projet,
le Gouvernement saisit le Sénat qui doit statuer dans un délai de quinze jours. II est ensuite procédé dans les conditions prévues à l’article 45.
Si le Parlement ne s’est pas prononcé dans un délai de soixante -dix jours, les disposi¬tions du projet peuvent être mises en vigueur par ordon-
nance. Si la loi de finances fixant les ressources et les charges d ’un exercice n’a pas été déposée en temps utile pour être promulguée avant
le début de cet exercice, le Gouvernement demande d’urgence au Parlement 1’autorisation de percevoir les impôts et ouvre par décret les
crédits se rapportant aux services votés. Les délais prévus au présent article sont suspendus lorsque le Parlement n’est pas en session. La Cour
des Comptes assiste le Parlement et le Gouvernement dans le contrôle de l’exécution des lois de finances” (La Constitution française, p. 32).
40
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Grande parte dos descontroles financeiros e a inflação, que recomeçou no país, apesar
do brilhantismo do Plano Real, decorrem dessa tripartição orçamentária e, principalmente, do
desequilíbrio provocado pelas denominadas pedaladas fiscais, ou seja, gastar sem recursos or-
çamentários, utilizando-os de recursos dos Bancos oficiais para cobrir tais juros vedados pela
lei maior.
19
Aliomar Baleeiro, de forma clássica, ensina:
“Os orçamentos documentam expressivamente a vida financeira de um país ou de uma circunscrição política em determinado período, geral-
mente de um ano, porque contêm o cálculo das receitas e despesas autorizadas para o funcionamento dos serviços públicos ou para outros
fins projetados pelos governos. A sua importância, sob vários pontos de vista, é imensa, como a própria evolução das ideias orçamentárias o
testifica. Nos Estados democráticos, o orçamento é considerado o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por
certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica
ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei” (Uma introdução à ciência das finanças, 6. ed., Forense, 1969, p. 397).
20
Escrevi:
“Por representar um retrato futuro do comportamento econômico nacional, deve ser sopesado, discutido e aprovado pelos representantes do
povo que o suportará. Ora, no Brasil, apenas o orçamento fiscal é submetido ao Congresso Nacional. O orçamento monetário somente o é na
medida dos estouros ocorridos em sua dinâmica, para efeitos de suplementação de verba. Finalmente, o orçamento vulgarmente denominado
‘das estatais’ está fora de qualquer controle ou aprovação pelo Legislativo, sendo, de direito, auto independente e auto -outorgado. Por essa
razão, se fora dos controles do Legislativo, é ainda administrável pelo Executivo, servindo o Tribunal de Contas da União de mero indicador
moral, destituído de força, dos caminhos que deveriam ser seguidos e normalmente não o são na gestão da coisa pública.
Ora, a deformação provocada pelo tríplice orçamento, sobre tornar inócuo o exame de apenas um deles pelo Legislativo, torna impossível um
controle racional do déficit público, em face da autonomia gerada pelos descompassos compartimentalizados, com o que o país tem três or-
çamentos e, a rigor, não tem nenhum. São os orçamentos as projeções de receitas e despesas futuras. As variações, no curso de sua execução,
nos países civilizados são pequenas. No Brasil são assustadoras, carecendo de elementos de estabilização pela desastrosa independência de
sua execução simultânea e, muitas vezes, conflitante. Samuelson escreve na introdução de seu mais famoso livro, Foundations of economic
analysis, que: ‘as obras econômicas são repletas de falsas generalizações’. Diríamos que as execuções econômicas, no Brasil, estão também
repletas de falsas generalizações e — o que é pior — sem que o erro detectado seja corrigido, pois, muitas vezes, as falsas generalizações são
tidas por verdadeiras.
Assim é que o tríplice orçamento, a título de dar maior flexibilidade à política econômica, permite, de um lado, maior irresponsabilidade, e,
de outro lado, menor concentração de objetivos, tornando-os inatingíveis e conflitantes. Urge, pois, o retorno à teoria clássica de um único
orçamento, submetido e aprovado, por inteiro, pelo Legislativo, e controlado, simultaneamente, pelo Legislativo e pelo Tribunal de Contas,
aquele no concernente às metas propostas e este no que diz respeito ao cumprimento dos roteiros técnicos, despesas e receitas” (O poder,
Saraiva, 1984, p. 80-1).
21
José Luís de Carvalho, cético, sobre o controle do déficit público e a participação das estatais, escreve:
“Até o momento, decorridos 40 dias da publicação do Plano Collor, o setor público não passou pelo ajustamento necessário ou mesmo
prometido. As medidas provisórias ativadas instantaneamente provocarão apenas um aumento de arrecadação. Os cortes nos gastos públicos
ainda são bastante tímidos e se concentram nas chamadas mordomias, que têm impacto publicitário grande, porém muito pequeno em ter-
mos de orçamento. A reforma administrativa que extingue ou funde instituições públicas ainda não foi implementada, e a eficiência do setor
público deve ter -se reduzido ainda mais, pela confusão quanto às atribuições dos órgãos remanescentes. Aparentemente a máquina pública
parou, embora os custos de sua manutenção não tenham sido reduzidos. A reforma administrativa contém, pelo menos em tese, dois grandes
erros: o de fundir o IAPAS com o INPS, duas instituições com funções inteiramente diversas, e o de agregar na Companhia Nacional de Abas-
tecimento a CFP, a Cobal e a Cibrazem. Estes dois exemplos atestam que a reforma administrativa foi feita sem um conhecimento adequado
do papel de cada órgão público na produção dos serviços que são de atribuição do Estado. Isso explica a extinção de alguns órgãos como
a CAPES ou o INEP, para citar apenas dois exemplos, e a sua recriação quase que instantaneamente. A proposta de privatização contida nas
medidas provisórias 155 (Programa Nacional de Desestatização) e 157 (Certificados de Privatização) é autoritária e fadada ao insucesso. Todos
os exemplos históricos de privatização bem-sucedida fundamentaram -se no funcionamento do mercado de capitais como instrumento
indispensável para tal privatização. Na realidade, acredito que teríamos um sucesso maior em termos de redução da atividade empresarial do
Estado, pela simples eliminação dos privilégios que qualquer empresa de economia mista tenha. Como estas empresas, hoje, estão sujeitas à
mesma legislação que as empresas privadas, sem a proteção dos privilégios concedidos pelo Estado, tais empresas se tornariam eficientes ou
entrariam em processo de falência” (Plano Collor — avaliações e perspectivas, LTC Ed., 1990, p. 226-7).
41
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Gastando o que não tinham, à falta de controle orçamentário, no que não sabem fazer
e deixando de gastar, à falta de recursos, no que sabem fazer, exigiram os governos passados
esforços superiores ao que a sociedade podia ofertar para atender sua notória incapacidade
empresarial.
O atual Texto Constitucional corrigiu as reticências, mas não corrigiu os hábitos políti-
cos, infelizmente. O orçamento é um só. Já a legislação ordinária anterior pretendeu a unifica-
ção, nada obstante a prática demonstrar que tal unificação fora incorretamente projetada22.
Pelo atual Texto Constitucional, necessária se faz a projeção unificada de todas as des-
pesas da Administração direta e indireta do governo federal e dos diversos entes federados, nos
termos de suas leis maiores, desde que obedecidas as regras deste dispositivo, de tal forma que
as Casas Legislativas poderão exercer sua fiscalização absoluta sobre todos os gastos, assim
como a discussão ampla do que se pretende executar no ano seguinte23.
Lamenta -se apenas que não se tivesse dado aos Tribunais de Contas a dimensão que
propugnei no livro Roteiro para uma Constituição, ou seja, integrá-los como parte do Poder
Judiciário e não como órgão vicário do Poder Legislativo. Por tal proposta, poder-se-ia aprovar
o orçamento nas Casas Legislativas e controlá-lo, com poderes de execução, via Judiciário,
22
Nesta linha, leia -se a lição de Antonio Luciano de Sousa Franco, ao dizer:
“a) Noção e origem
I.Em sentido amplo, orçamento será qualquer previsão de receita e despesa a realizar por um sujeito (durante um período de tempo; ou
com determinados empreendimentos e finalidades). Não basta isso, porém, para caracterizar o orçamento do Estado, pois este surgiu como
instituição jurídico -política típica do constitucionalismo liberal, designadamente na prática constitucional inglesa, depois progressivamente
acolhida por todo o mundo. O constitucionalismo estruturou -se com base em duas ideias nucleares: o equilíbrio dos poderes do Estado (não
necessariamente na forma de separação de poderes) e a defesa dos direitos individuais (designadamente a propriedade privada). Dessas duas
preocupações, numa ordem liberal burguesa, nasceu o orçamento (infra, cap. XII).
II. Este é uma instituição consistente na autorização política para cobrar receitas e efetuar despesas durante um certo período (em regra anual),
a qual condiciona a atividade de toda a administração durante o ano financeiro.
Assim, o orçamento nasceu como: a) uma previsão cada vez mais perfeita de receitas e despesas; e b) uma autorização política das assem-
bleias legislativas. Por esta autorização se limitam os poderes do Executivo em função da competência própria do Legislativo; e se garantem
os direitos individuais, pois os representantes dos contribuintes votam autorizando a cobrança de impostos.” (Manual de finanças públicas e
direito financeiro, Lisboa, Tipografia Guerra -Viseu, 1974, v. 1, p. 367-8).
23
Celso Bastos ensina:
“A lei orçamentária anual é aquela que prevê de forma estimativa as receitas da União, assim como autoriza a realização das despesas. A lei
orçamentária é anual, isto é, válida para o exercício financeiro que tem a duração de um ano. Conterá um orçamento fiscal, é dizer, uma peça
prevendo as receitas fiscais da União, de seus fundos, de órgãos e entidades da Administração direta e indireta. Deverá conter também um
orçamento de investimento daquelas empresas em que a União detenha a maioria do capital votante. E finalmente um orçamento da seguri-
dade social, com abrangência de todos os órgãos a ela vinculados. A lei orçamentária anual não pode conter dispositivo estranho à previsão
da receita e à fixação da despesa. Ficam proibidas o que ficou conhecido como caldas orçamentárias, matérias de natureza não financeira,
cuja aprovação era forçada por via da aprovação da lei orçamentária. A Constituição permite, no entanto, que na lei orçamentária se inclua a
autorização para a abertura de créditos orçamentários bem como a contratação de crédito por antecipação” (Curso de direito constitucional,
11. ed., Saraiva, 1989, p. 356).
42
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
através das Cortes de Contas, verdadeiro poder responsabilizador que, de rigor, é. Certamente
haveria sensível melhora da moral pública, se tal ocorresse24.
De qualquer forma, pelo novo Texto, os orçamentos anuais devem ser elaborados com
a inclusão de todas as despesas e receitas programadas para o ano seguinte, seja da Adminis-
tração direta, seja da indireta.
“Por fim, transformar-se-iam os Tribunais de Contas de órgãos de assessoria do Poder Legislativo para órgãos do Poder Judiciário, com o
24
direito de executar as suas decisões. Tornar-se-iam, portanto, os Tribunais de Contas verdadeiro poder responsabilizador dos atos do Poder
Executivo e Legislativo.
Esta terceira vertente do Poder Judiciário reduziria sensivelmente a absoluta irresponsabilidade que o atual sistema propicia, obrigando as
autoridades a profunda reflexão na prática de todos os seus atos” (Roteiro para uma Constituição, cit., Forense, 1987, p. 54).
43
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
DIREITO FINANCEIRO NO
SÉCULO XXI - PERSPECTIVAS
Francisco Pedro Jucá*
(*) Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Doutor em Direi-
to das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Doutor em
Direito do Estado pela Universidade de São Paulo - USP. Livre Docente em Direito Financeiro pela
USP. Pós Doutorado pela Universidad de Salamanca. Professor Titular da Faculdade Autônoma de
Direito de São Paulo – FADISP nos Programas de Doutorado e Mestrado. Pesquisador da Fundação
Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular - FUNADESP. Juiz do Trabalho da 2ª
Região, Titular da 14ª Vara do Trabalho de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Magistra-
dos e da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Sociedade Paulista de Direito Financeiro e Socie-
dade Hispanobrasileira de Direito Comparado.
As reflexões que se vai fazer e que significam de certa forma a redescoberta do Direito
Financeiro têm a motivação mais importante na realização do II CONGRESSO INTERNACIO-
NAL DE DIREITO FINANCEIRO acontecido em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e que teve
como locomotiva o Tribunal de Contas do Estado e o esforço incomparável do Cons. Ronaldo
Chadid, também Vice-Presidente da Sociedade Paulista de Direito Financeiro, e Diretor da
Sociedad Hispanobrasileña de Derecho Comparado. É significativo ser a segunda experiência,
sucedendo a acontecida em 2014, em São Paulo e que contou com apoio decisivo do Tribunal
Regional do Trabalho da 2º Região.
Dois eventos reunindo especialistas de países diversos, neste ramo do Direito Público, o
qual se vê amadurecendo progressivamente, mobilizando corações e mentes, despertando inte-
resse da comunidade jurídica e tornando possíveis debates cada vez mais substanciosos, eviden-
ciando-se, assim, a fundamental importância da compreensão e do estudo das finanças públicas
e sua regulação jurídica, mormente do seu estatuto constitucional, com especial destaque para o
fato de, em nossos dias, de intensas relações econômicas, com dinâmica própria e antes inexis-
tente, envolver cada vez mais o Estado, exigindo que seja repensado o processo de criação, cons-
trução e hermenêutica do Direito Público, impondo a compreensão sistêmica dele e albergando
em especial espaço o Direito Financeiro.
O caminho a percorrer é imenso, imensurável, até. Porém, é preciso ter claro que toda
a grande caminhada começa com um primeiro passo e que dois já foram dados, avizinhando-
-se o terceiro, previsto para 2016. Vem-se notando cada vez maior e mais intensa participa-
ção das Cortes de Contas no processo, ativa nas discussões e reflexões, naquilo que sempre
se cogitou de construção do novo tempo, por imperativo de necessidade social inadiável;
afinal, o tempo é agora.
44
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
tempo, vem progressivamente ganhando cada vez mais complexidade, e vendo ser ampliadas
suas atribuições e encargos, resultando deste processo a inclusão no estatuto do poder de
disposições relativas à obtenção destes recursos e, mais adiante, da disposição concreta de-
les.
Com efeito, decorrendo disto, é imperioso registrar que, desde o período embrionário
do que chamamos de constitucionalismo, identifica-se a preocupação com o problema dos
recursos, envolvendo não apenas a sua obtenção, como também seu dispêndio ou gasto,
como se vê nas raízes anglo saxônicas: “não tributos sem consentimento”. Desde aí, percebe-
-se a associação profunda entre o exercício do poder político e o que se convencionou mais
adiante chamar de vida financeira do Estado.
A primeira preocupação se dá no que respeita à obtenção dos recursos feita pela cria-
ção da figura dos tributos, desde a antiguidade, e que apenas depois se volta ou se estende
até o dispêndio ou os gastos destes recursos. As primeiras ações foram no sentido de limitar
ou condicionar o pagamento destes tributos, observando-se ao longo da história sucessivos
conflitos entre governantes e governados exatamente sobre o binômio: cobrar/pagar.
Na leitura que se faz, o ponto nodal está na inclusão do que chamamos de poder tri-
butário ou fiscal no quadro do poder político exercido pelo Estado através do Governo e dos
governantes. Em sendo manifestação clara e inquestionável de poder político, por óbvio que
se incorpora à necessidade de limitação e controle, nos moldes que dão origem e sustenta-
ção ao movimento político e jurídico do constitucionalismo, no contexto do qual surge o Es-
tado Moderno e acerca do qual o saudoso jurista pernambucano Nelson Saldanha comenta¹:
45
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
A ação estatal limitada e condicionada pelo direito evoluiu no tempo, e para abreviar,
destacamos dois aspectos.
Num primeiro estágio, tivemos o processo e sistema normativo tendo como destina-
tário o Estado, com mandamentos negativos ou vedatórios, onde se continham proibições
ou restrições, estabelecendo “o que não poderia ser feito”. Releva notar que, considerada a
historicidade do direito, este elabora respostas para problemas e questões que a sociedade
formula diante de necessidades reais postas pelas circunstâncias na etapa do processo evolu-
tivo. Ora, originariamente, e mesmo durante largo período, a necessidade posta era a da limi-
tação, condicionamento e regulação do poder político e do seu exercício. Daí, a preocupação
central ser a de restringir, limitar, deter.
É exatamente a este período que corresponde a figura do Direito Político, visto que,
no seu cerne, as Constituições se ocupavam da organização e exercício do poder político,
estabelecendo limitações e condições, consistindo em estatuto jurídico do poder político.
²op.cit.p.20
46
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
do estatuto constitucional dos fatores de produção, capital e trabalho, como observa Manoel
Gonçalves Ferreira Filho no seu Direito Constitucional Econômico³, que lançam as bases para
os irmãos, Direito Econômico e Direito do Trabalho, conforme explica Geraldo Vidigal no seu
Princípios de Direito Econômico⁴.
Particularmente para o que nos interessa neste brevíssimo estudo, consideramos a exis-
tência de um Sistema de Direito Público aproximadamente em afinidade com o que propõe
Maurice Duverger no seu Institutions de Droit Publique⁵, consistindo na formulação integrada e
interativa entre: Direito Constitucional, Administrativo, Financeiro, Tributário e Econômico, dan-
do forma à regulação jurídica da ação estatal no universo da economia e das relações sociais,
sobressaindo principalmente o papel de agente que objetiva manter relativo equilíbrio nas rela-
ções privadas, de sorte a imprimir o conteúdo de justiça norteador do direito para, mais adiante,
buscar a preservação da estabilidade das instituições e do processo social.
Para cumprir este papel que toca ao Estado na contemporaneidade, a formulação acima
referida tem a utilidade de permitir compreender a ordem jurídica como um sistema amplo, in-
tegrado por diversos subsistemas, articulados entre si, que se amoldam aos campos da atividade
e das necessidades humanas e sociais dando-lhes forma jurídica, unificados e harmonizados
pela Constituição que desempenha o papel de base, porque fundamento de todo o sistema,
como também de cúpula, quando o harmoniza e unifica. Assim, em tal leitura, tem razão Ricar-
do Lobo Torres⁶ quando observa que:
47
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Nesta concepção vamos constatar que há enorme relevo dado à idéia de Serviço Pú-
blico, entendido como ação permanente do Estado e dos seus agentes no atendimento das
necessidades coletivas públicas, e que aí ganha guarida a intervenção do Estado na economia,
direta ou indiretamente; a regulação de atividades; a disciplina das relações de mercado, de
trabalho, de consumo e a tecnização da gestão pública com o imperativo do planejamento de
ação estatal nestes campos.
Ora, neste quadro, cresce o volume dos recursos financeiros necessários a custear as
atividades e incumbências estatais, sejam em investimentos ou em custeio de atividades, para
a realização das políticas públicas, projetos e programas de atividades governamentais, com
incorporação de tecnologia e sofisticação crescente de mão de obra para fazer frente às novas
demandas.
É neste cenário que se pretende vislumbrar o Direito Financeiro do século XXI, trazendo
a idéia da cidadania fiscal como conseqüência para participação da soberania popular e cidadã
na vida financeira do Estado, e o estabelecimento de regras fortes disciplinando-a, dando azo
ao surgimento neste subsistema de uma “constituição financeira”, que no dizer lúcido de Ri-
cardo Lobo Torres⁷: “Compõem basicamente a subconstituição Financeira propriamente dita a
limitação do poder financeiro do Estado ou, especificamente, a limitação do poder de gastar.”
Durante largo tempo, a parte da vida financeira do estado que mais diretamente refletia
(de forma realmente perceptível) na vida social e do cidadão (indivíduo), dizia respeito à obten-
ção dos recursos pela via da tributação. A atenção era mais fixada na receita estatal porque a
consciência da obrigação de pagar (compulsoriamente) os tributos atingia diretamente o indi-
víduo.
Daí, durante larguíssimo tempo, o centro das atenções, quando se tratava do tema, era
a tributação: formas, tipos, modo, quantidade, freqüência, etc. Com isso, ganhou impulso sig-
nificativo o ramo do direito que de tal se ocupava, qual seja o Direito Tributário, de importância
fundamental no sistema, vez que disciplina a arrecadação e, sobretudo, a relação entre o Fisco e
o cidadão, sendo assim útil valer-se do magistério de Regina Helena Costa quando diz: “o con-
ceito de Direito Tributário como o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a instituição, a
arrecadação e a fiscalização de tributos.” No mesmo sentido Luciano Amaro, no seu premiado
Direito Tributário Brasileiro pontua⁸:
48
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Fixando o objeto e finalidade do Direito Tributário, Sacha Calmon Navarro Coelho⁹, le-
ciona com maestria:
Está desde logo muito claro o caráter e natureza de garantia de direitos do cidadão atri-
buído ao Direito Tributário, considerando-se que a atividade arrecadatória atinge diretamente o
indivíduo e sua atividade na sociedade, restringindo-lhe o direito e a possibilidade de apreender,
apropriar-se e conservar riqueza, já que compulsoriamente, ao fundamento da solidariedade
social, abre mão de parte não desprezível desta riqueza em favor do Estado, com a finalidade de
atender aos interesses maiores da coletividade. Ora, a formulação é simples e explícita. Exercí-
cio do poder de cobrar, necessidade de limitação e controle (proteção), valendo lembrar a lição
de Aliomar Baleeiro11, clássica entre nós: “O tributo é vetusta e fiel sombra do poder político, há
mais de 20 séculos. Onde se ergue um governante, ela se projeta sobre o solo de sua domina-
ção.”
9
in Curso de Direito Tributário Brasileiro, Ed. Forense, RJ, 2006, p.34
10
in Curso de Direito Tributário, 36ª Ed., Malheiros, SP, 2015, p.52
11
in Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, Ed. Forense, RJ, 1974, p.1 e 3
49
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Há quem especule, inclusive, que este eclipse do Direito Financeiro em relação ao Di-
reito Tributário possa ter um quê de conveniência, de neutralização de eventual exame crítico
sobre a destinação e forma de aplicação dos recursos públicos, e até mesmo no que respeita à
gestão da máquina estatal. Isto porque se passa ao largo da regulação. Afinal, sendo conside-
rado secundário e quase “burocrático” e mascarando-se sua real importância, muitas respostas
embaraçosas não precisam ser dadas, muitas explicações podem ser omitidas e muitos erros
podem ganhar o perdão tácito do silêncio; até porque, o que os olhos não vêem, o coração não
sente.
Este quadro começa a mudar quando a sociedade começa a perceber e tomar consci-
ência de que as finanças públicas são fundamentais para a sobrevivência da organização social,
para o Estado de Bem Estar Social, para o desenvolvimento econômico, para a redistribuição
das riquezas e para o atendimento das demandas sociais. Exatamente assim, configurando que
o poder de utilização, destinação e gestão dos recursos é igualmente exercício, e forte, de po-
der político, e com o mesmo fundamento, tem-se que ele demanda de limitação, controle e
responsabilidade, vindo a constituir em limitações ao poder do Estado de gastar, como antes se
mencionou, referindo a Lobo Torres.
Começa, então, a reflexão sobre as finanças e sua regulação. Ganha espaço no noticiá-
rio da imprensa e nas discussões públicas, problemas como dívida pública, pagamento de juros
e serviço da dívida, necessidade de investimentos públicos, custo de funcionalismo, problema
previdenciário, déficit público e seus reflexos. Isto porque a sociedade começa a tomar cons-
ciência das implicações e efeitos das finanças públicas sobre a vida cotidiana, o que significa
dizer, os olhos passam a procurar porque o coração começa a sentir, como antes acima se
referiu.
É o começo da grande virada que agora vivemos. O sistema arrecadação (sujeita a con-
troles e limitações)/dispêndio (igualmente sujeito a controles e limitações) vem ganhando os
contornos jurídicos preconizados no sistema constitucional, correspondendo ao direito funda-
mental ao Bom Governo.
50
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Daí resulta que, como nunca, começam a ser discutidos temas como Orçamento, des-
pesas públicas, relações do Estado com a economia, responsabilidade fiscal de governantes e
controle de gastos: forma, volume e destinação começam a figurar na pauta da sociedade.
E, mais adiante completa13: “Quando se fala em finanças alude-se aos fins, isto é, o tér-
in. Tratado de Direito Financeiro, Coord. Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Valder do Nascimento, Ed. Saraiva, SP,
13
2013, p.10
51
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
mino, o fim, o pagamento. Em sentido amplo, haveria de se ter o aumento da dimensão a ser
alcançada na compreensão da matéria.”
É quando se atenta para a extensão do conteúdo que se tem a noção clara da importân-
cia do Direito Financeiro no quadro do Direito Público, contextualizado ao Estado Democrático
de Direito constitucionalmente gizado entre nós pela Constituição Brasileira de 1988.
14i
n Curso de Direito Financeiro Brasileiro, Ed. Campus Elsevier, RJ, 2015, p. 29
52
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
15
op.cit. p.10-11
16
Uma Introdução à Ciência das Finanças, Ed. Forense, RJ, 2010 p. 7
53
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Tal quadro impôs a revisão. Esta revisão vai aos poucos acontecendo, principalmente e
em primeiro lugar no campo da arrecadação. A matéria tributária, já há algum tempo, vem sen-
do discutida com intensidade; questiona-se os tributos, as formas arrecadatórias e já se cogita
de pôr em pauta dois aspectos fundamentais a este respeito: a capacidade contributiva, real
possibilidade de pagar dos indivíduos e entes; e o caráter não confiscatório da tributação, cone-
xo a isto, reconhecendo-se que, em não raras hipóteses, a tributação subtrai riqueza exagerada
do particular. Toda esta temática é importante e vem sendo tratada.
54
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Abrem-se as portas para a discussão dos investimentos públicos, seus objetivos e resul-
tados. As autoridades governantes começam a prestar contas reais da gestão; tal dimensão da
vida política escapa da situação antes “quase exotérica” e desembarca no cotidiano das pessoas.
Anuncia-se a etapa da exigência de bom governo como sendo aquela capaz de atender
adequadamente as demandas da sociedade, o que passa pela utilização correta e séria dos re-
cursos públicos.
Neste cenário já se percebe que o controle das contas públicas começa a reocupar a
devida importância, e, com isso, as Cortes de Contas e o Ministério Público que autuam junto a
elas ganham valorização e visibilidade, têm a sua atividade mais compreendida pela sociedade
e, em conseqüência, crescem em valorização.
Tudo isso passa pelo cuidado permanente com os recursos públicos, porquanto está na
ordem do dia a repulsa aos desperdícios e aos desmandos que, lamentavelmente, estavam na
tradição brasileira. Todos são passos importantes da longa caminhada da maturação no com-
preender a coisa pública.
18
op.cit.vol.V,p.79
55
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
que ora se constrói em favor desta evolução, recorrendo, inclusive, ao conhecimento da ex-
periência em outros países, que certamente auxiliará em muito esta caminhada de todos nós,
estudantes do Direito Financeiro.
O jurista de São Paulo, José Maurício Conti, nos expôs sobre o Planejamento e a Res-
ponsabilidade Fiscal, e o Min. Benjamim Zymler nos trouxe a reflexão sobre A Governança Pú-
blica na perspectiva do TCU: a contratação como instrumento de gestão, fazendo a preciosa
intersecção entre o Direito Financeiro e o Direito Administrativo, compartilhando o domínio que
tem de ambos os ramos do Direito.
Da nação irmã República Argentina, o Dr. Daniel Reposo incorpora a experiência latino-
-americana, dissertando sobre o Controle Externo na Argentina feito pela Sindicatura General
de La Nación.
Da Bahia veio a contribuição preciosa do Cons. Inaldo da Paixão Santos Araujo que, com
o talento da Terra Boa, fez portentoso exame da Lei de Contabilidade Pública, a n.4.320/64, que
completa 51 anos; e, também do norte, da Atenas brasileira, o Cons. José Ribamar Caldas Fur-
tado expôs sobre o Controle da Renúncia Fiscal.
Vale uma atrevida reflexão. À riqueza e variedade da temática abordada, que ao mesmo
tempo guarda conexão e estrutura sistemática na ordem dos trabalhos, nos fornece um painel
precioso para a meditação atenta e cuidadosa. Juntam-se os aspectos teóricos e a conside-
ração sobre as vicissitudes cotidianas, hauridas da experiência e dos estudos, que nos aponta
o sentido do caminhar do processo – a evolução gradativa e sólida – da ascensão do Direito
Financeiro à sua posição e à sua inserção justa no subsistema do Direito Público, como antes se
56
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
referiu, tudo em um painel rico porque percorre o fundo e forma das questões postas.
Exatamente em razão disto, torna-se possível compreender com clareza os passos evo-
lutivos que vão sendo dados gradativamente pelo Direito Financeiro e com o adicional de que
se o faz com a adequada inserção no sistema do Direito Público, como já visto, porque em ar-
ticulação com o Direito Constitucional, base e unificação sistêmica do conjunto, mas também
do Direito Administrativo, do Econômico e do Tributário. Isto nos permite, ainda, compreender
melhor o papel desempenhado pelo Direito Financeiro, a nobreza e a importância da sua fun-
ção no Estado de Direito Democrático, deixando ver que também desempenha mister relevante
para a consolidação da democracia e seu aprofundamento, precisamente, pela submissão ade-
quada à ordem jurídica.
Neste horizonte também está a percepção mais clara da relação entre as finanças pú-
blicas e a economia, vez que a conduta estatal na gestão de suas finanças, com manutenção
ou não de equilíbrio de contas, com atos de gestão adequados e consequentes, traz consigo
aumento ou diminuição da repartição das riquezas e das rendas, enriquecendo ou empobre-
cendo as pessoas, produzindo efeitos diretos e imediatos na vida real, com inflação, capacidade
de compra ou consumo, preservação de poupança ou não, intensidade de carga tributária, ca-
pacidade de previdência social e extensão de políticas e serviços públicos.
Todo este universo de questões passa necessária e inafastavelmente pelas finanças pú-
blicas porque a inserção do Estado no processo da economia é profunda e intensa, e, como
ator neste painel, suas ações repercutem, estando aí a sede daquilo que usamos qualificar como
renascimento do Direito Financeiro, com a compreensão do seu papel político e de sua função
social no Estado Democrático de Direito, o que elevará, a seu turno, ao aprofundamento da
57
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
democracia no processo decisório a ele relativo, incorporando-lhe cada vez mais a cidadania,
valendo colacionar a observação sempre rica de Lobo Torres19 a respeito:
Tudo isto a que sumariamente se refere sempre existiu, embora com percepção ex-
cessivamente tênue. Ocorre que nos nossos dias de economia mais complexa, globalizada e
interdependente, agigantam-se, mostram-se com bem mais clareza a sua conexão como o
“leviathan hobbesiano’, impondo novo modo de enfrentar estas questões como imperativo de
sobrevivência, conduzindo a viver no mundo novo do século XXI, ao qual corresponde neste
particular o papel renovado, a releitura, a revalorização do Direito Financeiro, incluindo aí o
controle técnico das Cortes e político dos parlamentos, mas também da sociedade, com a
redução da discricionariedade administrativa da gestão orçamentária que vem ganhando nova
feição, mais ajustada ao Estado de Direito Democrático, mais sensível à cidadania e menos ex-
cludente dela, superando etapa anterior, como observa Lobo Torres20:
19
op.cit.vol.V, p.125
20
op. cit.
58
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
O processo de alteração das coisas, a experiência que se vai adquirindo na prática dos
institutos, toda esta vivência nos traz, a seu turno, uma carga de responsabilidade imensa e de-
safiante, mas a um só tempo gratificante e compensadora porque a tarefa que nos atribuímos,
malgrado seja imensa e complexa, é enriquecedora, tanto para quem a desempenhe, quanto
para a sociedade e as gerações vindouras.
Certamente não nos iremos daqui da mesma forma que chegamos. Saímos muitíssimo
mais enriquecidos e motivados a seguir nas reflexões que apenas se iniciaram há pouco. Saímos
em condições de formular novas perguntas e de elaborar novas problematizações, e, assim,
com nossa reflexão e pesquisa, buscar as respostas que significarão novos passos.
É fato que muito a caminhar ainda resta. O horizonte que se tem não é tão imediato e
próximo como desejamos, mas é fato também que os primeiros passos estão dados e são ir-
reversíveis, que antecedem a outros tantos incontáveis e que certamente serão dados; isto nos
consola, motiva, aquece o coração e aguça as mentes porque seguramente estamos contri-
buindo para a construção de um mundo melhor, e, consequentemente, de homens melhores.
59
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
BIBLIOGRAFIA
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60
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
ÍNDICE
¹Trabajo que se realiza amparado por el I MAS D del que el autor es investigador principal: LA REDUCCIÓN DE LA LITIGIOSIDAD ADMINISTRA-
TIVA, FINANCIERA Y TRIBUTARIA, DER2012 34413, del Ministerio de Economía y Competitividad del Gobierno de España.
²Actúa como Magistrado de refuerzo en el Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León, adscrito a la Sala de lo Contencioso Administrativo
de Valladolid, de la que emanan buena parte de sus reflexiones, vertidas en la conferencia seguida de coloquio celebrada en la Facultad de
Derecho F.A.D.I.S.P. de Sao Paolo (Brasil) el 28 de agosto de 2014.
³A favor de los tribunales económico-administrativos introducidos recientemente también en la esfera local se muestra ESEVERRI MARTÍNEZ,
Ernesto: “Aspectos litigiosos del sistema tributario local”, Tributos Locales número 117/2014, página 11. HUELÍN MARTÍNEZ DE VELASCO, Jo-
aquín: “La creación de una jurisdicción fiscal en España. Reflexiones previas”, Intervención en el Seminario del Centro de Investigación sobre
Justicia Administrativa”, Universidad Autónoma, Madrid, 2014, cree innecesaria la creación de una jurisdicción fiscal independiente de la con-
tencioso administrativa, pero sí cree viable una sección separada dentro de ésta y servida por jueces crecientemente especializados.
4
De ellas nos ocupamos hace ya años en LAGO MONTERO, José María: “De la litigiosidad y la justicia tributaria”, Revista Técnica Tributaria
número 69/2005, páginas 53-94. De las conclusiones del Seminario recién citado da cuenta VELASCO CABALLERO, Francisco: “La creación
de una jurisdicción fiscal en España. Conclusiones”, Seminario del Centro de Investigación sobre Justicia Administrativa”, Universidad Autóno-
ma, Madrid, 2014, para quien las cifras de litigiosidad no son elevadas en comparación con el altísimo número de resoluciones que dictan las
Administraciones Tributarias, si bien, una vez superada la vía administrativa, cuadriplican en términos relativos a las de Alemania, superan en un
tercio a las de Francia y son 20 veces superiores a las de Inglaterra y Galés.
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manera menos onerosa legalmente posible. De este choque de trenes es natural que resulten
conflictos. Y las causas más mediatas, la tantas veces denunciada, por excesiva, complejidad
normativa, prolija en regímenes especiales y beneficios fiscales que excepcionan el general
cumplimiento del deber de contribuir; la proliferación incesante de conceptos jurídicos inde-
terminados, de presunciones limítrofes con ficciones, de claúsulas antiabuso colindantes con el
abuso mismo; la agobiante, sólo para algunos, presión fiscal directa e indirecta, hoy informáti-
camente extenuante a veces⁵, pero verdaderamente onerosas ambas, en estos tiempos de crisis
económica y fiscal, para con aquellos grupos de contribuyentes más fácilmente controlables
por las Agencias Tributarias.
Las causas más inmediatas de la litigiosidad las fijan los operadores y comentaristas en
la prepotencia de los administradores tributarios, presentes y pasados, que malentienden el
interés público y lo identifican con la consecución de la mayor recaudación posible. A nuestro
juicio, es la incapacidad de las Administraciones Tributarias para reducir el fraude a niveles tole-
rables, a la media europea o de la O.C.D.E., lo que genera en sus responsables una catarata den-
sa e interminable de malas mañas en la aplicación diaria de los tributos, que desemboca en la
litigiosidad⁶. La plantilla decreciente no se corresponde con las necesidades crecientes, lo que
genera frustración, antesala de la prepotencia, de una Administración conceptuada doctrinal y
jurisprudencialmente como potentior personae. Y tanto que lo es en su actuación diaria…⁷.
5
Cfr. GAMERO CASADO, Eduardo: “Las relaciones obligatorias por medios electrónicos en la Administración Tributaria”, en Estudios sobre el
sistema tributario actual y la situación financiera del sector público. Homenaje al Profesor Dr. D. Javier Lasarte Álvarez, que coordinan Francisco
Adame Martínez y Jesús Ramos Prieto, I.E.F., Madrid, 2014, páginas 2.169.2.196.
6
Según el estudio realizado por el sindicato de técnicos de Hacienda G.E.S.T.H.A. y coordinado por Jordi SARDÁ, de la Universidad Rovira i
Virgili “La economía sumergida pasa factura. El avance del fraude en España durante la crisis”, localizable en internet desde enero de 2014, la
economía sumergida la cifra en España la O.C.D.E. en 2012 en el 19,2 %, pero los estudios más recientes la estiman entre un 20% y un 25%
del P.I.B. Destacan que “España es el país con menor número de trabajadores a tiempo completo en funciones tributarias generales, ya sea
respecto al número total de ciudadanos o ya sea respecto a la población activa. En España por cada trabajador en funciones tributarias le
corresponden 1.928 ciudadanos, mientras que para países como Alemania, Luxemburgo, Francia o Dinamarca les corresponden 729, 551, 860
o 719, respectivamente…Solo Estonia dedica menos recursos a la Administración Tributaria que España”. PULIDO ALBA, Emilio: “El fraude fiscal
en España. Una estimación con datos de contabilidad nacional”, ponencia en Seminario de la Universidad de Salamanca, 15 de mayo de 2014,
cree que la percepción de que el sistema es injusto y los casos de corrupción alientan la destrucción de la barrera moral antifraude. Cree que
la A.E.A.T. se está descapitalizando y cifra el fraude en el I.V.A. en un escandaloso 35,35%, y en el I.R.P.F. en el 26,26%.
7
Con el peligro de incurrir en los abusos denunciados por CASADO OLLERO, Gabriel: “La impugnación jurisdiccional de las vías de hecho en
los procedimientos de aplicación de los tributos”, en Estudios sobre el sistema tributario actual y la situación financiera del sector público.
Homenaje al Profesor Dr. D. Javier Lasarte Álvarez, que coordinan Francisco Adame Martínez y Jesús Ramos Prieto, I.E.F., Madrid, 2014, pá-
ginas 2063-2083. Sostiene que la litigiosidad fiscal creciente la desencadena la propia Administración al comprobar las autoliquidaciones, en
procedimientos que son reglados e insoslayables. Aunque la estadística judicial es “enjuta y testimonial”, se producen con más frecuencia de
la deseable actuaciones materiales que carecen de la necesaria cobertura jurídica, en un hacer desmesurado y abusivo, sin amparo en las ya
de por si exorbitantes potestades de que disfrutan las Administraciones Tributarias.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
imposición con los impuestos sobre la renta, en los que ya se gravan los rendimientos de capital
inmobiliario efectivos y los presuntos, a través de la figura de las imputaciones inmobiliarias de
renta. A mi juicio, el objeto imponible, la riqueza gravada en los impuestos inmobiliarios y en
los impuestos sobre la renta es distinta, estática en los primeros y dinámica en los segundos,
y no creo que deba fincarse en ello la litigiosidad que padece la aplicación de estos tributos8.
Lo que realmente irrita a los contribuyentes son las revisiones de valor desproporcionadas y las
deficiencias en las motivaciones y notificaciones de las mismas, amén de las subidas tarifarias
no anunciadas y aprobadas recién transcurridas unas elecciones...
La litigiosidad en el Impuesto sobre Circulación de Vehículos viene dada por las com-
probaciones de domicilio real y efectivo que realizan las Administraciones Tributarias a los su-
jetos pasivos que huyen de tributar en el municipio de su residencia habitual y dicen residir en
otro, ya sea en el que tienen una segunda residencia, un local de negocio o un familiar que los
acoge. Estas prácticas de gamberrismo fiscal las fomentan algunos ayuntamientos con sus tipos
de gravamen extraordinariamente bajos, y el propio legislador que las permite, bajo una sacrali-
zada concepción de la autonomía local. Como ya llevamos 37 años de desarrollo constitucional
autonómico, creo que va siendo hora de que revisemos y abandonemos ciertos dogmatismos
propios de creyentes conversos, y reconduzcamos la autonomía local a cauces que no generen
situaciones histriónicas de desimposición10.
8
También es objeto de polémica frecuente la valoración de los llamados B.I.C.E.S., bienes inmuebles de características especiales (centrales
eléctricas y petrolíferas, autopistas, puertos y aeropuertos) enormemente valiosos y llamados a contribuir más que ninguno en el impuesto
inmobiliario. Concentran una gran riqueza estática, razón por la que el legislador los ha convertido en un objeto imponible de especial rele-
vancia. Si su valoración es proporcionada, no hay por qué rasgarse las vestiduras por que tengan un tipo de gravamen un poco más alto. Pero
tampoco debe perderse de vista que cualquier gravamen a estos grandes contribuyentes termina siendo repercutido en el precio del producto/
servicio que prestan, y soportado a la postre por los contribuyentes de a pie, pequeños, grandes y medianos.
9
Permítasenos de nuevo la autocita pues a éstas cuestiones me he referido más ampliamente en LAGO MONTERO, José María: La reordena-
ción de la Hacienda Local en la Segunda Descentralización, Thomson Reuters Aranzadi, Cizur Menor, 2013, páginas 245-251. Recientemente
GARCÍA-FRESNEDA GEA, Francisco: “El principio constitucional de capacidad económica en el I.A.E. Nuevas perspectivas y análisis crítico”, en
Estudios sobre el sistema tributario actual y la situación financiera del sector público. Homenaje al Profesor Dr. D. Javier Lasarte Álvarez, que
coordinan Francisco Adame Martínez y Jesús Ramos Prieto, I.E.F., Madrid, 2014, páginas 2.991-3.022.
10
Clarividente el estudio de Andrés GARCÍA MARTÍNEZ en la obra colectiva electrónica Unión Europea, armonizacióny coordinación fiscal tras
el Tratado de Lisboa, dirigida por el profesor Javier Lasarte Álvarez y coordinada por los profesores Francisco Adame Martínez y Jesús Ramos
Prieto, Universidad Pablo Olavide de Sevilla-Scuola di Alto Studi Tributari de la Universidad de Bolonia.
63
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
En el impuesto sobre el incremento del valor de los terrenos de naturaleza urbana está
generando alarma y litigiosidad la práctica diaria de la exigencia del impuesto por razón de
plusvalías inexistentes, o inferiores a las legalmente estimadas. Como hemos señalado en otro
lugar, en estos tiempos de crisis en que tantas personas han tenido que vender sus inmuebles a
precio semejante o inferior al de adquisición (más o menos inflado por la burbuja inmobiliaria)
chirría la imperatividad legal en el cálculo de la plusvalía, que se presume existente en todo caso
y valorada en un porcentaje del valor catastral. Algunos órganos judiciales están declarando,
previa práctica de prueba suficiente, que no se produce el hecho imponible si el transmitente
demuestra esa inexistencia de ganancia, lo que da al traste con la presunción legal de incre-
mento de valor existente en toda transmisión. La solución judicial hace justicia obviando la letra
y el espíritu de la ley, que es el de no dejar sin gravamen transmisión alguna por entender que
todas las transmisiones generan plusvalía11.
El legislador ha sido sensible, por fin, a la especial situación económica de quienes pierden su casa en esta crisis económica de larga duración:
11
el Real Decreto-Ley 8/2014, de 4 de julio, de aprobación de medidas urgentes para el crecimiento, la competitividad y la eficiencia (B.O.E. del
5 siguiente), incorpora una nueva exención en el Impuesto sobre el Incremento del Valor de los Terrenos de Naturaleza Urbana, añadiendo
una letra c al artículo 105.1 L.H.L., para liberar de gravamen a las presuntas plusvalías que se produzcan con ocasión de la transmisión de la
vivienda habitual que sea dada en pago por el deudor hipotecario o su garante, o entregada en procedimiento de ejecución hipotecaria notarial
o judicial. El elemento objetivo de la exención aparece así perfectamente delimitado y vinculado al pago, mediante la entrega de la vivienda
habitual, de deuda garantizada con hipoteca que recayera sobre la propia vivienda que más tarde se entrega para saldar la deuda. Se entrega la
vivienda hipotecada, ya sea mediante acuerdo voluntario de dación en pago, ya sea en procedimiento forzoso que la ejecuta. Se considerará
vivienda habitual, dice el precepto, aquella en la que hubiera estado empadronado el contribuyente de forma ininterrumpida durante, al menos,
los dos años anteriores a la transmisión o desde el momento de la adquisición si dicho plazo fuese inferior. Se establece, pues, un concepto
de vivienda habitual ad hoc para esta exención de este impuesto, cuando más lógico hubiera sido que se siguiera el asentado concepto de
vivienda habitual del que ya disfrutamos desde hace décadas en la ley del I.R.P.F. El legislador tributario local no se fía del legislador tributario
estatal (¡como si fueran personas distintas!), lo cual es chocante viniendo este beneficio local precisamente de la ley del I.R.P.F. que lo adoptó
primero, declarando exenta la plusvalía de marras –Disposición Adicional trigésimo sexta de la Ley 35/2006, de 28 de noviembre, añadida por
Real Decreto Ley 6/2012, de 9 de marzo, de medidas urgentes de protección de deudores hipotecarios sin recursos-. Parece obvio que el
precepto local quiere circunscribir el beneficio fiscal a la vivienda habitual y más actual del contribuyente del impuesto que nos ocupa, que es
el transmitente en las transmisiones onerosas.
64
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
La inseguridad jurídica que padece el sistema es combatible con una decidida volun-
tad de simplificar el ordenamiento tributario, aligerándolo de piezas anacrónicas, de regímenes
especiales, de beneficios fiscales que han perdido su fundamento y eficacia –si alguna vez tu-
vieron uno u otra-, de conceptos jurídicos indeterminados e indeterminables pacíficamente, de
normas singulares para casos supuestamente específicos. Es una cuestión de talante y talento.
Una sección de Derecho Financiero y Tributario en la Comisión General de Codificación quizá con-
tribuiría a poner algo de sosiego y claridad en las reformas, a veces atropelladas, de textos funda-
mentales como las leyes de los grandes tributos del sistema o la propia Ley General Tributaria14.
12
Le dedicamos a esto especial atención en nuestra monografía LAGO MONTERO, J.M.-GUERVÓS MAÍLLO, M.A.: Tasas Locales: cuantía, Marcial
Pons, Madrid, 2004. La Sentencia del Tribunal Supremo de 24 de febrero de 2014, recogida en Tributos Locales nº 115/2014 ratifica el criterio
del Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León (Sala de Burgos aunque nos consta que la de Valladolid sostiene el mismo) acerca del papel
esencial que la memoria económico-financiera juega en la vida de las tasas. La memoria ha de acompañar inseparablemente a la ordenanza
fiscal establecedora o modificadora de la tasa, explicando cómo se reparte el coste previsible del servicio entre los previsibles usuarios, y razo-
nando cómo se adopta el criterio cuantificador de las cuotas, necesariamente vinculado a la intensidad del uso que realiza cada cual. Cuando
se aprueban coeficientes multiplicadores para usos concretos hay que motivarlos justificando el por qué de los mismos. No basta con hacer un
estudio genérico de costes sino que ha de fundamentarse el criterio de distribución de los mismos entre los usuarios, justificando la presencia
de factores multiplicadores, que no pueden ser voluntaristas so riesgo de arbitrarios. Cuando en la memoria no se explican suficientemente
las razones de la composición de la tarifa, de las diferencias de trato que se adoptan en virtud de índices correctores no motivados, el informe
económico-financiero preceptivo no cumple con su función, por lo que se tiene por inexistente y por viciada la aprobación de la ordenanza a
la que necesariamente debe acompañar, que debe ser por ello anulada. Ahorramos la cita de las ya numerosas Sentencias en el mismo sentido
dictadas por T.S. y Tribunales Superiores de Justicia.
13
Interesantes reflexiones vierten MARTÍNEZ ÁLVAREZ, J.A.-MIQUEL BURGOS, A.B.: “Instrumentos clave en la lucha contra el fraude: la impor-
tancia de la educación fiscal”, Crónica Tributaria número 146/2013, páginas 179-192, acerca del despilfarro como enemigo a combatir para
mejorar la percepción que los ciudadanos tienen del sistema tributario y del gasto público social que con él se financia. Educación cívico-tri-
butaria y tolerancia cero con los defraudadores, claves para la aplicación efectiva de ambos.
14
Me consta que insta su creación Antonio MARTINEZ LAFUENTE, egregio tributarista, jurista lígrimo y mejor persona. En el estudio coordinado
por Alejandro MENÉNDEZ MORENO: “Consenso fiscal. La reforma tributaria y su efecto en las empresas”, PWC, Madrid, 2014, se valora como
baja (53%) o muy baja (23%) la seguridad jurídica en el sistema tributario español; alto (45%) o muy alto (9%) el nivel de conflictividad, que se
piensa aumentará en los próximos años (69%). Crece el escepticismo sobre la conveniencia de introducir instancias arbitrales o de mediación
pre-contenciosas. Se considera que el sistema es nada efectivo (29%) o poco efectivo (46%) para la resolución de los conflictos, superando
quienes piensan que favorece a la posición de los contribuyentes (54%) respecto a los que opinan que favorece a la posición de la Adminis-
tración (46%).
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Aliviar la presión fiscal directa que soportan las rentas medias del trabajo, exprimidas
hasta la extenuación durante la crisis, reduciría en modo notable la tensión en que se está de-
senvolviendo el cumplimiento de las obligaciones tributarias en estos últimos años, sin que las
reformas últimas aprobadas aligeren el peso de las contribuciones de forma apreciable más que
para las rentas muy modestas. La simplificación de los deberes formales y el establecimiento
de su cumplimiento por medios electrónicos sólo con carácter facultativo mejoría también
notablemente el clima enrarecido en que se desarrolla la presentación ordinaria y millonaria de
autoliquidaciones, declaraciones y comunicaciones de un sinfín de datos, particularmente por
los pequeños empresarios y profesionales15.
Para reducir la litigiosidad en sede judicial se han adoptado dos medidas a cual más
contundente, la regla general del vencimiento objetivo como determinante de la condena en
costas y el endurecimiento de las tasas jurisdiccionales, en medio de una sonora polémica. En
mi opinión, y sin perjuicio de cuanto avanzaremos en otro lugar merced al estudio detenido que
de esta última figura llevamos a cabo en nuestro proyecto de investigación, se está jugando de
manera frívola a favor y en contra de las tasas judiciales. La exigencia de tasas moderadas y de
cobro aplazado, como las costas, al final del procedimiento, no cercena el derecho a la tutela
judicial efectiva. La fijación de cuantías superadoras del coste del servicio que se presta y que le
es imputable al usuario, y, sobre todo, su cobro por adelantado, sí. Es menester reformarlas, si
bien es previsible que el Tribunal Constitucional diga algo sobre el particular en breve16.
En la necesidad de simplificar el ordenamiento tributario incide especialmente ROZAS VALDÉS, J.A.: “La pacificación del sistema tributario”,
15
Blog elEconomista.es, 28 de mayo de 2014: “Con la generalidad de los ciudadanos que contribuimos razonablemente con normalidad, el
esfuerzo de la Administración se habría de volcar en simplificarnos la vida. Es mucho y bueno, por cierto, lo que la A.E.A.T. ha hecho en este
sentido, desde el borrador de la declaración hasta la cita previa o el programa INFORMA. Hay mucho, con todo, por hacerse al respecto”.
16
Mientras tanto Isabel GIL RODRÍGUEZ está poniendo orden, con su destreza habitual, en este desbocado mundo de las tasas. Su estudio
“Tasas Jurisdiccionales: proporcionalidad” se publicará en breve el libro que genera nuestro I MAS D. Lamentablemente, la STC 71/2014, de
21 de mayo ha admitido la compatibilidad de la tasa autonómica catalana con la tasa estatal, gravadoras ambas de la recepción de servicios
jurisdiccionales, con el artificioso argumento de que financian servicios distintos. Para el sujeto pasivo, las tasas se cualifican y distinguen por
su hecho imponible, no por los servicios que sufragan. Y el hecho imponible de la tasa jurisdiccional catalana se solapa contundentemente
con el hecho imponible de la tasa jurisdiccional estatal, como bien esclarece el voto particular del magistrado OLLERO TASSARA, vulnerando
la prohibición contenida en el artículo 7 L.O.F.C.A. Ahondando en el confuso criterio mayoritario del T.C, AGULLÓ AGÜERO, Antonia: “Tasas y
Autonomías”, en la obra electrónica Estudios sobre el sistema tributario actual y la situación financiera del sector público, Homenaje al Profesor
Doctor Don Javier Lasarte Álvarez, dirigida por Francisco Adame Martínez y Jesús Ramos Prieto, I.E.F., Madrid, 2014.
17
CHICO DE LA CÁMARA, Pablo: “La revisión de actos tributarios en la esfera local”, Tributos Locales monografía número 1-noviembre 2012,
páginas 16-17, propone para reducir la litigiosidad y la dilación en el fallo de las resoluciones y sentencias juicios breves y sumarísimos que no
produjeran fuerza de cosa juzgada, tal como existe en el Derecho Francés con los referé provision. Cree que los tribunales económico-admi-
nistrativos locales deberían integrarse en las Diputaciones Provinciales. Son un filtro adecuado dada su desvinculación del órgano revisado, su
carácter colegiado, servido por expertos y gratuito.
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En el ámbito local entiendo que la litigiosidad en el I.B.I. es reducible a medida que las
revisiones catastrales vayan conviertiéndose en rítmicas y proporcionadas al valor del mercado.
El catastro no debe dejar que los valores se anquilosen y luego actualizarlos repentinamente.
También se puede mejorar aún bastante en materia de notificaciones y motivaciones, menos
jeroglíficas, que den cuenta comprensible de las razones de los nuevos valores. Y en materia de
tarifas o tipos de gravamen, creo que el impuesto ganaría en aceptación popular si distinguiera
tres tarifas: una muy reducida para la vivienda habitual de las familias de baja renta; otra reducida
para el resto de viviendas habituales hasta cierto valor e inmuebles rústicos; y una ordinaria para
el resto de los inmuebles, ya sean vivienda habitual cara, segunda residencia o local de negocio.
18
Ideas siempre atinadas en TEJERIZO LÓPEZ, José Manuel: “Algunas reflexiones sobre el proceso contencioso administrativo en materia tri-
butaria”, Civitas Revista Española de Derecho Financiero nº 140/2009. Por nuestra parte, y defendiendo el extraordinario papel que desarrollan
los jueces contencioso-tributarios, LAGO MONTERO, José María: “La Sentencia Contenciosa Tributaria. Pronunciamientos y efectos”, Estudios
sobre el sistema tributario actual y la situación financiera del sector público. Homenaje al Profesor Dr. D. Javier Lasarte Álvarez, I.E.F., Madrid,
2014, dirigida por los profesores Francisco Adame Martínez y Jesús Ramos Prieto.
LAGO MONTERO, José María: La reordenación de la Hacienda Local en la Segunda Descentralización, Thomson Reuters Aranzadi, Cizur
19
Menor, 2013, páginas 244-251. Decíamos entonces que no se comprende la desfiscalización regalada a los profesionales por cuenta propia en
este tributo, sector de por sí muy propenso a la defraudación, que bien podría ser incluido en el régimen de módulos del I.R.P.F., con cesión
de una parte de su contribución a la Hacienda Local.
La introducción de tarifas más severas para los vehículos más contaminantes es algo que ya tiene asumida la ciudadanía y que no generará
20
especial litigiosidad, tal y como hemos explicado en LAGO MONTERO, José María: La reordenación…, cita, páginas 258-9.
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Para reducir la ligiosidad en materia de tasas y precios nada mejor que suprimir estos
últimos, lamentable figura que en mala hora algún iluminado/iluminati incorporó a nuestro or-
denamiento jurídico, y que ha llenado las Salas de lo Contencioso de miles de pleitos, a cual
más absurdo. Todos los servicios públicos singularmente receptibles por un usuario deberían
devengar tasas, retributivas del coste del servicio que se presta que nunca pueden exceder,
proporcionadas en su cuantía y ponderadas, cuando su naturaleza lo permita, con criterios de
capacidad económica de los usuarios. Sobran los precios y siguen faltando memorias económi-
co-financieras acreditativas de la realidad de los costes y de los criterios de distribución de los
mismos entre los usuarios previsibles, en función de la intensidad del uso de cada cual22.
Cfr. GARCÍA MORENO, Alberto: “Últimas tendencias de los tribunales sobre la existencia y la cuantía del incremento del valor de los terrenos
21
en la base imponible del impuesto sobre el incremento del valor de los terrenos de naturaleza urbana”, en el libro electrónico Estudios sobre
el sistema tributario actual y la situación financiera del sector público. Homenaje al Profesor Doctor Don Javier Lasarte Álvarez, I.E.F., Madrid,
2014, que coordinan Francisco Adame Martínez y Jesús Ramos Prieto, páginas 1.443-1.465. Y en esta misma obra colectiva LUQUE MATEO,
Miguel Ángel: “Cuestiones problemáticas del impuesto sobre el incremento del valor de los terrenos de naturaleza urbana”, páginas 1.571-1.603.
22
Quizá las más litigiosas, en términos de deuda tributaria recurrida, en estos últimos años hayan sido las tasas por utilización privativa del do-
minio público por empresas no propietarias de la red. Aunque ya han pasado más de dos años, todavía colean los efectos de la Sentencia del
Tribunal de Justicia de la Unión Europea de 12 de junio de 2012, que declaró contrarias al Derecho Comunitario las tasas exigibles por aprove-
chamiento especial del dominio público a los operadores no propietarios de las redes de telefonía móvil. Y ello porque el Tribunal consideró
contrario al artículo 13 de la Directiva 2002/20, de autorización de redes y servicios de comunicaciones electrónicas esta exigencia de presta-
ciones, que el Tribunal llama cánones y que en España son tasas, a quienes no aprovechan directamente el dominio público por no ser titulares
de las redes sino operadores con derecho de conexión. La Sentencia ha sido tan aplaudida por éstos como criticada por los Ayuntamientos y
parte de la doctrina, que ven en el T.J.U.E. una visión demasiado estrecha de lo que es aprovechamiento especial, olvidadiza de que además
de con la propiedad se puede disfrutar de los derechos de instalación por otros títulos, como lo son los acuerdos de interconexión. A nuestro
juicio, en este conflicto ha faltado respeto al inexcusable principio de proporcionalidad, tanto por el legislador español, que no discrimina entre
aprovechamientos no iguales, el del propietario y del operador conectado, como por las ordenanzas fiscales empeñadas en gravar a ambos
por igual con una tasa que se desliza hacia el impuesto cuando se cuantifica con tan desbordante alegría. Como hemos explicado en otros
lugares, ni esta tasa ni ninguna tasa se puede cuantificar atendiendo al volumen de negocio o cifra de facturación pues éste no es un indicador
fiable de la intensidad del uso que realiza cada cual. El Tribunal anula lo que tenía que anular. Si se hubiera legislado y reglamentado con tino
y proporcionalidad la fijación de la cuantía, probablemente el resultado impugnatorio hubiera sido otro. Esto es lo que ocurre cuando se ceba
uno con la gallina de los huevos de oro, que acaba reventado la pobre…Al Tribunal Supremo, después de haber abierto el melón con sus Autos
de 28 de octubre, 29 de octubre y 3 de noviembre de 2010, planteando la cuestión de ilegalidad al T.J.U.E., no le queda otra que acatar el fallo
y dictar Sentencias anulatorias en consecuencia y en ristra, siguiendo la estela de la S.T.S. de 10 de octubre de 2012 (recurso de casación nº
4.307/2009, Ar. 9656) y las dos S.T.S. de 15 de octubre de 2012 (recurso de casación nº 1085/2010, Ar. 9668 y nº 861/2009), anulatorias todas
de ordenanzas fiscales descarriadas.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
cional sobre Litigiosidad en los Tributos Locales, celebrado en la F.A.D.I.S. brasileña, Facultad de
Derecho de la ciudad de Sao Paolo, y a todos preocupaba el uso y abuso de tales beneficios por
parte de las autoridades tributarias locales. Ciertamente, la delimitación de cualquiera clase de
beneficio fiscal debería de desarrollarse en el nivel legislativo, para así garantizar su utilización
con criterios de generalidad e igualdad. Hemos advertido en otros lugares que la espita abierta
por la Ley de Haciendas Locales en favor de bonificaciones potestativas, de establecimiento
facultativo por cada ente local, es una trampa saducea para la Hacienda de éste, que en uso de
su autonomía puede hacer de su capa un sayo agujereado…como ya hemos advertido en otros
lugares. Porque las deducciones y las bonificaciones agujerean la recaudación y crean proble-
mas de aplicación efectiva e igualitaria. Problemas que se acrecientan cuando el beneficio fiscal
es de los de carácter potestativo, vista la presión que ejercen los grupos de presión sobre las
autoridades locales para conseguir ese trato favorable a cambio de no se sabe bien qué cosas…
Son reflexiones que me hago al hilo de algunas lecturas y debates recientes y que ya he
vertido parcialmente en otros lugares, y que me sirven para concluir esta pequeña colaboración
sobre la litigiosidad en los tributos locales.
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71
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E
LIMITAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS
Abstract: The paper, adapted from a speech delivered to the II International Seminary of
Fiscal Law, deals with the controversial issue of judicial intervention in public health care policy
in Brazil. It investigates the possible grounds for such judicialization, its role in conferring effec-
tiveness to the social right to health laid down in the Constitution, its impact on the traditional
theory of separation of powers in the field of public policies, the current positions of national
courts on the matter and its relation to the allocation of budgetary resources, especially regar-
ding the topic of budget limitation.
01. INTRODUÇÃO
72
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Este cenário pode ser justificado por algumas razões: primeiro, porque a Constituição
Federal de 1988, ao mesmo tempo em que foi pródiga ao arrolar e assegurar os direitos sociais,
inclusive o da saúde, garantiu maior acesso à justiça, em ambas as concepções – formal e ma-
terial; segundo, porque na visão jurídica moderna esses direitos, constitucionalmente previstos,
passam a ter efetividade, criando para o Estado um poder-dever de oferecê-los ao cidadão;
terceiro, devido ao amadurecimento da democracia brasileira, com a inquestionável conscien-
tização da população dos seus direitos de cidadania; quarto, porque o administrador público
nem sempre dimensiona corretamente ou confere prioridade a certas rubricas orçamentárias,
especialmente, como infelizmente temos visto, para a área da saúde; e, finalmente, em quinto
lugar, por incapacidade de gestão da Administração Pública ou ineficiência na aplicação dos
recursos destinados à saúde, revelando a precariedade do sistema de saúde brasileiro.
Não obstante, de nada adiantam exaustivos debates sobre a efetividade e o alcance dos
direitos fundamentais e sociais, sobre a possibilidade de judicializar estes direitos ou sobre as
atribuições mínimas e máximas do Estado perante a coletividade se não houver recursos finan-
ceiros suficientes para atender aos anseios de uma sociedade mais consciente e ativa. Afinal,
não basta arrecadar o necessário, de forma equitativa e equilibrada, uma vez que a adminis-
¹De acordo com dados do Ministério da Saúde obtidos pela Folha de São Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011)
e publicados em matéria jornalística intitulada "Ação judicial para acesso ao SUS explode em cinco anos". Segundo a mesma reportagem, os
gastos do Ministério da Saúde com a judicialização da saúde apenas no âmbito da União foram assim distribuídos: 2010 - 183 milhões; 2011
- 272 milhões; 2012 - 408 milhões; 2013 - 607 milhões; 2014 - 871 milhões. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/03/
1599582-acao-judicial-para-acesso-ao-sus-explode-em-cinco-anos.shtml> Acesso em: 06.04.2015.
73
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
tração dos recursos deve ser feita de forma eficiente, e a sua aplicação precisa ser realizada
criteriosamente para que se possa atender às necessidades públicas da maneira mais ampla e
satisfatória possível, em todos os cantos deste imenso país, de dimensões continentais e repleto
de desigualdades regionais, demográficas, econômicas e sociais.
Reconhece-se que essa problemática não é nova e muito menos simples, sendo o as-
sunto já componente de inúmeros estudos, inclusive objeto do "Fórum da Saúde" criado pelo
CNJ². Por isso pretende-se, a partir deste singelo estudo, promover reflexões sobre o tema, par-
tindo-se de uma revisão geral da questão para a análise específica da situação perante a Justiça
Federal brasileira.
A Constituição de 1988 relaciona e assegura uma série de direitos sociais, que criam
direitos para os cidadãos e fixam deveres para o Estado nessas áreas. Isso porque, como ensina
Luís Roberto Barroso³,
Barroso⁴ denomina esses direitos que o cidadão pode exigir em face do Estado de "direi-
tos subjetivos públicos". Segundo o constitucionalista, um direito subjetivo cumula três carac-
terísticas: a) corresponde sempre a um dever jurídico; b) é violável; c) a ordem jurídica coloca à
disposição de seu titular um meio jurídico - que é a ação judicial - para exigir-lhe o cumprimen-
to, deflagrando os mecanismos coercitivos e sancionatórios do Estado.
²Resolução CNJ nº 107 instituiu o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à Saúde –
Fórum da Saúde.
³BARROSO, Luís Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e
Parâmetros para Atuação Judicial. In: SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e
Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 875-904.
⁴BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 99-100.
74
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
A base normativa das políticas públicas em saúde apresenta-se na denominada Lei Or-
⁵BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. In: QUARESMA, Regina; OLIVEI-
RA, Maria Lucia de Paula; OLIVEIRA, Farlei Martins Riccio de (Org.). Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 803.
⁶GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 160.
⁷TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjorn (Org.). The Global Expansion of Judicial Power. New York: New York University Press, 1995.
75
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
gânica da Saúde – LOS (Lei 8.080/90), que regula, em todo o território nacional, as ações e
serviços de saúde, estabelecendo que a execução poderá ser realizada de forma isolada ou
em conjunto e que a organização do sistema será regionalizada e hierarquizada em níveis de
complexidade crescente. Fixa, ainda, regras de distribuição da competência entre a direção
nacional, a direção estadual e a direção municipal do SUS. Juntamente com a LOS, existe a Lei
nº 8.142/90, tratando da participação da comunidade na gestão e planejamento da saúde, das
transferências intergovernamentais e do financiamento do sistema.
Para tanto, os recursos financeiros da saúde são movimentados por meio de fundos
contábeis, cabendo à direção do SUS em cada esfera de governo a sua utilização e ordenação
de despesa. Tais fundos são: o Fundo Nacional de Saúde (FNS), gerido pelo Ministério da Saúde;
o Fundo Estadual de Saúde (FES), administrado pelo Secretário Estadual de Saúde; e o Fundo
Municipal de Saúde (FMS), conduzido pelo Secretário Municipal de Saúde ou pelo Diretor de
Saúde quando não houver Secretaria.
A esse respeito, o Poder Judiciário tem sido constantemente procurado para manifes-
tar-se na garantia e obtenção do acesso a medicamentos e procedimentos na área da saúde,
pronunciado-se no sentido de que as ações e serviços de saúde devem ser assegurados de
forma integral de modo que não estarão limitados àqueles procedimentos e aos medicamentos
introduzidos nas políticas públicas, mas decidiu que, em geral, deve ser privilegiado o tratamen-
to fornecido e os medicamentos disponibilizados nas políticas públicas, ressalvadas as hipóte-
ses específicas nas quais estiver comprovado que o tratamento não é eficaz (STA n. 175).
76
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
77
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Nesta linha, o Supremo Tribunal Federal realizou, no ano de 2009, uma audiência públi-
ca para discutir com a sociedade civil, juntamente com a participação de profissionais da área,
o tema da saúde. A Audiência Púbica subsidiou, em especial, a relevante decisão na Suspensão
de Tutela Antecipada – STA nº 175-CE.
Por sua vez, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou a Recomendação nº 31/2010,
sugerindo, dentre outras providências, a criação de uma interlocução do Poder Judiciário com
os órgãos gestores da saúde. Na Recomendação nº 31, o CNJ sugere aos órgãos do Poder
Judiciário que evitem o deferimento do fornecimento de medicamentos não aprovados pela
ANVISA, assim como os que estiverem em fase experimental.
78
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79
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9
STF: ARE 639.337 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23/08/2011, 2a Turma, DJE de 15/09/2011.
80
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81
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82
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Como vimos, ocorre uma assunção, pelo Judiciário, de uma alocação de recursos que
tradicionalmente deve ser feita pelo Executivo, quando este último não chega a ofertar as ações
necessárias à garantia da saúde dos cidadãos. Esta atuação do Judiciário é subsidiária, ou seja,
83
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
somente entra em cena quando há falha na prestação a contento do serviço público de saúde
pelo Executivo (ou ao menos quando o cidadão reputa que a prestação que lhe fora dada não
é suficiente). Sendo a preservação e restauração da saúde necessárias a uma vida digna, o Ju-
diciário tende a buscar garantir a dignidade do cidadão-paciente, por entender que o Executivo
descumpriu a função constitucional a que foi chamado de ser, em primeiro lugar, o provedor
das políticas públicas de saúde. Subjaz a esta posição a noção de um mínimo existencial que,
acaso negado pelo Executivo, deve ser afiançado pelo Judiciário.
Neste sentido, Élida Graziane Pinto13, ao reconhecer que a execução de políticas pú-
blicas é dever estatal inserido na sistemática constitucional de condensação de direitos fun-
damentais, afirma que, “por mais que a tutela desses direitos passe por uma via complexa de
fixação do ‘mínimo existencial’ (garantidor do fundamento da dignidade da pessoa humana) e
de respeito à ideia de ‘reserva do possível’, tais políticas públicas não podem simplesmente ser
preteridas”.
"Daí que uma qualquer teoria dos direitos fundamentais, que pretenda
naturalmente espelhar a realidade jusfundamental com um mínimo
de rigor, não possa prescindir dos deveres e dos custos dos direitos.
Assim, parafraseando Ronald Dworkin, tomemos a sérios os deveres
fundamentais e, por conseguinte, tomemos a sério os custos orça-
mentais de todos os direitos fundamentais. Pois, somente com uma
consideração adequada dos deveres fundamentais e dos custos dos di-
reitos, poderemos lograr um estado em que as ideias de liberdade e de
O princípio refere-se ao conjunto de ações e serviços necessários para o tratamento integral da saúde, com foco nas medidas preventivas
11
SCHULZE, Clenio Jair; CHIARELI, Graziella. O Princípio da Integralidade na Saúde e sua Compatibilidade com a Escassez de Recursos. Revista
12
PINTO, Élida Graziane. Financiamento dos Direitos à Saúde e à Educação: Uma Perspectiva Constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2015. p.
13
45.
14
NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. In: NABAIS, José Casalta (Org.) Por uma
Liberdade com Responsabilidade – Estudos sobre Direitos e Deveres Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 24.
84
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Uma tentativa possível de resposta poderia estar na análise dos tipos de gastos que figu-
ram no orçamento público. Embora todas as despesas públicas, em regra, atendam a finalidades
públicas, é inegável reconhecer que há uma hierarquia de prioridades nos gastos. Já é conso-
lidada na doutrina publicista a distinção feita entre os interesses públicos primários e os inte-
resses públicos secundários. Enquanto os primeiros estão relacionados à atuação estatal para
o atendimento de necessidades dos cidadãos, como educação, saúde, segurança, os segundos
voltam-se para o atendimento de necessidades internas da máquina burocrática, de modo que
a Administração Pública possa funcionar devidamente. É que a noção contemporânea de Es-
tado o vê não como um fim em si mesmo, mas como um instrumento a serviço do cidadão,
para que este detenha as condições mínimas para seu florescimento humano. O Estado está
ordenado ao ser humano, e não ao revés.
Deste modo, por exemplo, as prestações estatais na área de saúde atendem a um inte-
resse público primário. Já gastos com locomoção de servidores públicos ou com publicidade
institucional de ações governamentais, por sua vez, atendem a um interesse público interno
da burocracia estatal (aquilo que Diogo de Figueiredo Moreira Neto chamou de Administração
introversa):
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Edição eletrônica. nº. 25.1 - Ad-
15
85
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Conquanto estes interesses secundários não sejam irrelevantes, não se pode equipará-
-los às ações estatais que atendem diretamente a população, sob pena de se perder de vista o
fim ou objetivo para o qual o próprio Estado é constituído, a saber, prover necessidades concre-
tas da coletividade em primeiro lugar.
Atendo-nos aos dados do orçamento público federal, é possível fazer uma interessante
constatação: embora as despesas realizadas para atender a demandas judiciais na área de saúde
(interesse primário) sejam reconhecidamente elevadas, outros interesses públicos meramente
secundários também são igualmente responsáveis por consideráveis dotações de recursos.
Não se está a dizer que as despesas acima são ilegais. Apenas se chama a atenção de
que, embora relevantes, não atendem a um interesse primário, nem podem ser equiparadas a
ações de atendimento à população na área de saúde, as quais estão diretamente relacionadas
à preservação da vida ou da manutenção de uma vida digna. A racionalização do gasto público,
sobretudo em um país que ainda apresenta várias demandas sociais a serem satisfeitas, passa
também por uma análise criteriosa da prioridade da despesa a ser executada.
Mas existe uma interrogação ainda mais contundente em torno da alocação de recursos
na área de saúde: estaria o Judiciário, de fato, retirando recursos orçamentários de outras áreas
da saúde para deferi-los aos cidadãos que se valeram de medidas judiciais, em prejuízo de todos
aqueles que não possuem tutela jurisdicional em seu favor? Ou, em tom mais popularesco, o
"cobertor" da saúde no Brasil é curto, e o Judiciário só agravaria ainda mais o problema ao "pu-
xá-lo" apenas para um lado?
06.04.2015.
17
Dados do Portal da Transparência. Disponíveis em: http://www.portaldatransparencia.gov.br/PortalComprasDiretasEDDespesas.asp?A-
no=2014&Pagina=5 Acesso em: 06.04.2015.
18
BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Relatório Sistêmico de Fiscalização da Saúde 2013. TC 032.624/2013-1 Disponível em: <http://por-
tal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/032.624-2013-1%20Fisc%20Saude.pdf > Acesso em: 06.04.2015.
p. 7.
86
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
dente: as dotações orçamentárias na área de saúde não são integralmente utilizadas pelo Poder
Executivo. À página 7 do referido relatório, constata-se (Tabela 2 - Função Saúde - execução
orçamentária 2012 e 2013) que a dotação orçamentária federal de 2012 para a saúde foi de R$
89,015 bilhões, mas só houve empenho efetivo de R$ 79,917 bilhões. Ou seja, cerca de 9 bilhões
de reais deixaram de ser empenhados (empenho de cerca de 90% da dotação orçamentária
autorizada).
Também no ano de 2012, os gastos federais com ações judiciais apenas para forneci-
mento de medicamentos foram de R$ 355.825.334,93.19 Ora, o valor despendido por ordem
judicial representa pouco mais de 3% do valor de 9 bilhões de reais que sequer chegou a ser
utilizado pelo Executivo federal. Esta constatação indica que, na verdade, ocorre uma omissão
do Executivo, em área bastante sensível de política pública (por lidar com o bem vida), quanto à
utilização de recursos que lhe são disponibilizados para este fim.
BRASIL. ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (Consultoria Jurídica / Ministério da Saúde). Intervenção judicial na saúde pública: panorama no âm-
19
bito da Justiça Federal e apontamentos na seara das Justiças Estaduais. Brasília, 2012. Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/
maio/29/Panorama-da-judicializa----o---2012---modificado-em-junho-de-2013.pdf . Acesso em: 06.04.2015. p. 16.
20
BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. op. cit. p. 50.
21
PINTO, Élida Graziane. op. cit. p. 26.
87
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
tegra o núcleo mínimo intangível do direito à educação e à saúde o cumprimento das obri-
gações legais de fazer."
Finalmente, este cenário que vivemos na área da saúde no Brasil pode ser avaliado a
partir da Teoria do “Estado de Coisas Inconstitucional”, conceito criado pela Corte Constitucio-
nal da Colômbia, que legitimaria a atuação do Poder Judiciário diante de um quadro extremo
de inércia estatal e de omissões sistêmicas e recorrentes de outros poderes. O assunto foi pro-
fundamente analisado por Carlos Alexandre de Azevedo Campos22, o qual explica que uma vez
“presente a violação massiva de direitos fundamentais decorrente de omissões caracterizadas
como falhas estruturais, a Corte Constitucional colombiana declara a vigência de um estado de
coisas inconstitucional. Ao assim decidir, a Corte passa a adotar remédios estruturais dirigidos a
superar esse quadro negativo”. Mas, para tanto, revela o constitucionalista a necessidade de três
pressupostos: a) o primeiro pressuposto é o da constatação de um quadro não simplesmente
22
CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Da Inconstitucionalidade por Omissão ao “Estado de Coisas Inconstitucional”. Tese de Doutoramen-
to apresentada no ano de 2015 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Texto resumido publicado em 04/05/2015 no sítio eletrônico
WWW.JOTA.INFO. (http://jota.info/jotamundo-estado-de-coisas-inconstitucional).
88
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
05. CONCLUSÕES
Não há mais espaço para escolhas políticas ou discricionárias pelos governantes na ini-
ciativa e na implementação das políticas públicas, pois elas já estão pré-estabelecidas no texto
e no espírito da Carta Maior, como um dever prioritário que urge ser cumprido pelo Estado
perante o cidadão que tem pressa em ver e usufruir o resultado da efetivação dos seus direitos,
e que não pode mais ficar alijado de tão relevante processo.
Isto foi possível devido ao instrumental de efetivação dos direitos públicos subjetivos
assegurado pela Constituição cidadã de 1988. Embora a posição de intervenção judicial nestas
políticas não seja a mais ortodoxa, de acordo com a teoria tradicional da repartição de poderes,
o Judiciário se viu constrangido a, na omissão do Executivo, avançar sobre áreas classicamente
afetas a este último, sobretudo diante do dilema moral que lhe era colocado de negar tratamen-
to e ver o cidadão falecer.
Aos olhos da população, esta reação positiva da maior parte dos magistrados configu-
rou um verdadeiro atalho judicial para a obtenção de prestações estatais de saúde, gerando um
novo desafio: o tema tornou-se uma verdadeira questão de demandas de massa, com aumento
a cada ano das ações judiciais que buscam este tipo de tutela, concorrendo com as atividades
ordinariamente programadas de atenção à saúde.
As soluções para esta delicada situação que cotidianamente bate às portas dos Tribunais
ainda estão por ser construídas. A judicialização das políticas públicas nasce da resposta de um
dos poderes da República aos anseios de uma população que, durante séculos, viu suas carên-
cias básicas negligenciadas pelo Estado e que agora vislumbra, nos mecanismos democráticos
de acesso à Justiça, uma via mais célere de acesso a serviços públicos essenciais, dentre os
quais aqueles da área de saúde, intimamente ligados à necessidade humana mais basilar de
preservar a própria vida.
É, pois, dentro deste cenário que se propõe oferecer uma crítica inicial ao recorrente
argumento da reserva do possível como limitação financeira estatal ao cumprimento dos seus
deveres constitucionais, e validar, dentro dos parâmetros e condições abordados, o controle
89
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
judicial nos casos em que se verificar uma efetiva e recorrente omissão do Poder Público nas
políticas públicas na área da saúde.
Justifica-se tal controle judicial diante de leis orçamentárias que desconsideram a pre-
ponderância das despesas com a saúde e minimizam os recursos a ela direcionados em face de
outros gastos de menor casta valorativa, ou mesmo diante dos repetidos contingenciamentos
financeiros fundados na necessidade de obtenção de superávits, o que beira, a nosso ver, a
imoralidade administrativa, desbordando para o absurdo de tornar o objetivo de realização de
economia financeira governamental (superávit primário) um valor hierarquicamente superior ao
direito constitucional à saúde e à vida.
06. BIBLIOGRAFIA
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91
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
O CONTROLE DA IMPESSOALIDA-
DE ADMINISTRATIVA NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Tarcisio Vieira de Carvalho Neto1
1
Ministro Substituto do Tribunal Superior Eleitoral, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Fa-
culdade de Direito da Universidade de São Paulo – FD/USP, Professor da Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília – FD/UnB, Subprocurador-Geral do Distrito Federal e advogado.
No Estado de Direito, o Estado se subordina por inteiro ao Direito. Nele, há respeito aos
limites de sua atuação e também à esfera da liberdade dos indivíduos, não mais tratados como
súditos. Algumas das suas características básicas são facilmente percebidas. Nele há supre-
macia da Constituição, separação de poderes, superioridade da lei e, finalmente, garantia dos
direitos individuais.
92
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
cerne do Absolutismo, em que todo o poder estava reunido nas mãos dos déspotas. No Estado
de Direito, cada poder exerce funções principais, embora não exclusivas.
A superioridade da lei está em que, sendo ela a expressão da vontade geral, deve ser
observada por todos, inclusive pelo próprio Estado. Por ser superior, a lei condiciona atos admi-
nistrativos e jurisdicionais.
Não menos importante é a Garantia dos Direitos Individuais, razão maior da existência
do próprio Estado de Direito. Enquanto produto da Constituição, o Estado deve respeitar os
direitos individuais assegurados na Constituição e nas leis com ela amalgamadas. O particular
está protegido do arbítrio, até mesmo em forma de legislação.
Em boa hora, relembra Odete Medauar² (2014, p. 426) que a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, de 1789, contém no art. 15 o seguinte preceito: “A sociedade tem o
direito de pedir conta, a todo agente público, quanto à sua administração”.
Luís Roberto Barroso3 tem inteira razão ao dizer que o direito constitucional contempo-
râneo só pode ser bem compreendido a partir dos valores e da ética, deve ser lido pelas lentes
da filosofia moral.
²Direito Administrativo Moderno. 18ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 426.
³O Novo Direito Constitucional Brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Hori-
zonte: Fórum, 2012, p. 99 e seguintes.
93
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
4
No pós-positivismo, como assinala Barroso (O Novo Direito Constitucional Brasileiro..., p. 122-123): “os princípios constitucionais, portanto,
explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postu-
lados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas.
De parte isso, servem de guia para o intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior que rege o tema apreciado,
descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie".
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Revelar sua textura aberta é comprovar sua natureza de princípio e permitir ao exegeta
uma atuação construtiva de maior envergadura, compatível com os desafios hermenêuticos da
contemporaneidade.
⁷El carácter multidimensional de la imparcialidad administrativa y el principio de objetividad: reflexiones sobre la experiencia italiana. In: DA.
Revista Documentación Administrativa nº 289, enero-abril 2011, p. 305-366.
95
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Para Monteduro, “em virtude dos princípios em questão, os órgãos administrativos en-
⁸Apesar da separação teórica entre imparcialidade organizativa e funcional, estas estão interconectadas de forma inseparável, como faces da
mesma moeda.
⁹Em outros termos, a imparcialidade em sentido subjetivo gera normas sobre quem, de forma legítima, deve tomar as decisões administrativas,
e a imparcialidade em sentido objetivo regula como devem ser tomadas as referidas decisões.
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A objetividade da ação administrativa pode então ser considerada como princípio deri-
vado da imparcialidade. Para Monteduro, a atuação objetiva do Poder Público representa ape-
nas uma das facetas do “polítopo” multidimensional do princípio da imparcialidade e, portanto,
mais próxima da 3ª forma de compreensão.
A objetividade pode ser vista como uma técnica de redução da parcialidade, ao estabe-
lecer parâmetros para a dessubjetivização das valorações discricionárias realizadas pela Admi-
nistração Pública. De acordo com Monteduro, não se trata de abstrair das escolhas do adminis-
trador toda e qualquer valoração subjetiva, mas definir, do ponto de vista dos destinatários da
decisão ou ato administrativos, critérios que não os julguem ou qualifiquem por suas caracte-
rísticas ou atributos pessoais. Para tanto deve haver um estabelecimento prévio dos métodos
e cânones que levarão à formação do juízo discricionário. Nas suas palavras, eis uma síntese
da ideia: “Dessa forma, a Administração Pública, ao se caracterizar como parte interessada en-
tre sujeitos interessados, não privilegiará quaisquer destes e não será privilegiada, encontrando
seus critérios de objetividade numa abertura plena e integral a intersubjetividade, segundo um
modelo que encontra sua fórmula conceitual mais acertada na expressão “parte imparcial”.
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Ana Paula Oliveira Ávila10, com apoio em Humberto Ávila, esclarece que “o interesse pú-
blico somente restará definido após um processo de ponderação concreta e sistematicamente
orientada, com padrões de decisão flexíveis e adaptáveis a cada caso concreto, dos interesses
públicos com todos os demais interesses individuais que residam nas circunstâncias do caso
concreto”. Em percuciente observação, a autora revela que “sendo o interesse público o resul-
tado dessa operação de ponderação, produzido, portanto, ao final, sua determinação ocorre
sempre a posteriori e in concreto, e nunca a priori e in abstrato”.
Para ser impessoal, a decisão deve conter fundamentação suficiente e adequada. Tal
exigência é consectário lógico do Estado Democrático de Direito. Deve ser convincente, sob
pena de comprometimento do controle e de malferimento do desígnio de justiça da decisão.
Também deve haver transparência, publicidade, por meio da qual se exterioriza a impessoalida-
de.
10
O princípio da impessoalidade da administração pública: para uma administração imparcial. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 132.
Procedimentalização, participação e fundamentação: para uma concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro
11
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Para que isso ocorra é necessário, por exemplo, que o julgador (decisor) seja uma pes-
soa qualificada e motivada. De preferência, servidor efetivo, menos infenso a pressões ilegíti-
mas. Por outro lado, o decisor não pode nutrir interesse primário sobre o objeto do litígio, isto
é, não pode ser suspeito ou impedido.
Tanto quanto possível, também devem ser estabelecidas rotinas administrativas estáveis,
baseadas em critérios objetivos. Procedimentos ad hoc e critérios subjetivos conduzem mais
facilmente a resultados vedados e, por isso mesmo, devem ser rechaçados.
“A ausência de ponderação dos diferentes interesses em jogo – a qual, na maioria dos casos, é
detectada pela fundamentação – é, pois, o vício em que o princípio da imparcialidade aparece
a suportar, ao lado dos restantes princípios jurídicos, a injunção de racionalidade decisória,
caracterizando-se, justamente, ‘por não reflectir a decisão que não é sustentada numa pon-
deração. A ausência de ponderação é, portanto, um vício da decisão que traduz a realização
de um processo de decisão aleatório, no qual não são ponderados os interesses’ em jogo”.
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos13 confessam que o princípio da im-
parcialidade não permite dizer o resultado correto da ponderação de interesses, nem sequer se
contém os critérios de tal ponderação. Mostram que “os critérios e resultados de ponderação
decorrerão de outras normas, designadamente do princípio da proporcionalidade, mas não
pelo princípio da imparcialidade”, já que dele resulta “apenas uma proibição da ponderação dos
interesses irrelevantes e uma prescrição da ponderação dos interesses relevantes”. Acrescem
que a afirmação do princípio da imparcialidade não contradiz a parcialidade como característica
12
Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. 2ª reimp. – 2º v. Coimbra: Almedina, 2013, p. 145.
13
Direito Administrativo Geral - introdução e princípios fundamentais. Tomo I. 3ª ed. Alfragide: Dom Quixote, 2008, p. 217.
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inerente do agir administrativo, já que ambas atuam em planos diferentes. Assim, “a adminis-
tração é necessariamente parcial na prossecução do interesse público, mas é também neces-
sariamente imparcial na ponderação dos interesses públicos e privados sobre os quais a sua
actuação repercute”.
Adverte Humberto Ávila15, merece revisão a própria análise do Direito Administrativo de-
senvolvida sob o influxo da contraposição entre o Estado e o cidadão e entre o interesse público
e o interesse privado. Diferentemente, a realidade do Direito Administrativo se projeta sobre
uma multiplicidade de relações jurídicas, também definidas como “relações jurídicas multipola-
res (‘multipolare Verwaltungsrechtsverhältnisse’)”. Num tal contexto, novidadeiro e desafiador:
“Em vez de uma relação bipolar, esclarece SCHMIDT-PREUSS sobre a relação administrativa,
‘direciona-se esta para a forma de [relações administrativas poligonais], nas quais direitos
subjetivos se defrontam entre si (‘untereinander in Frontstellung stehen’). A seguir aumentam
as vozes que partem da orientação global do Direito Administrativo baseada na relação bipo-
lar-clássica Estado-cidadão e de seus decorrentes limites para referirem-se à compreensão
de relações multipessoais’. A contraposição de ambos os interesses não ocorre nesses casos,
muito menos, e por consequência, uma relação de prevalência.”16
Em sentido amplo, ponderar é medir e pesar, para equilibrar. E conciliar é extrair a máxi-
ma efetividade possível – com o mínimo sacrifício – de todos os interesses envolvidos em uma
decisão administrativa.
14
Como assinala Humberto Ávila (Repensando..., p. 207-208): “...na definição de interesse público estão também contidos interesses privados.
ISENSEE esclarece: ‘na prática política é bastante discutido o que proporciona o interesse público numa concreta situação, se ele obtém
primazia frente a interesses particulares colidentes ou como deve ser obtido um ajuste. Mas não se trata de medidas inconciliáveis ou anti-
nômicas. Então o bem comum inclui o bem de suas partes (...) Interesses privados podem transformar-se em públicos. Bonum commune e
bonum particulare exigem-se reciprocamente. Essa principal coordenação exclui uma irreconciliável contraposição. A tensão entre ambos é,
no entanto, evidente’”.
15
Repensando..., p. 209.
Na mesma trilha exegética, confira-se o pensamento de Paulo Otero (Manual..., p. 429): “A existência de uma relação administrativa multipolar
16
ou poligonal, envolvendo conflitos de interesses tendencialmente inconciliáveis protagonizados por privados perante a Administração Pública,
gera uma decisão assente numa verdadeira relação trilateral ou triangular, expressa num ‘triângulo jurídico’ que compreende a autoridade
administrativa decisória, o destinatário da decisão e um (ou vários) terceiro (s)”.
17
La ponderación de bienes e intereses en el derecho administrativo. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 2000, p. 9-10.
18
Manual de Direito Administrativo, p. 409-496.
101
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dicial em torno de conflitos entre privados ou de colisões normativas envolvendo direitos fun-
damentais, transformou-se numa técnica decisória comum às diversas áreas do ordenamento
jurídico positivo, podendo dizer-se que todo o Direito é ponderação, já que, segundo o seu
pensamento: (I) pondera-se a solução abstrata a adotar na feitura da norma20; (II) pondera-se na
determinação do sentido interpretativo da norma21; (III) pondera-se no momento da aplicação
da norma ao caso concreto22.
Se assim é, não pode a Administração Pública, subordinando-se ao Direito, ficar imune à
19
Manual..., p. 432-433.
Eis os exemplos de Paulo Otero: “deve preferir-se uma diminuição das despesas públicas através da redução dos salários dos funcionários
20
públicos ou da redução do montante das reformas dos aposentados e reformados? Face à ausência de verbas para a contratação de novo
pessoal docente para a Faculdade de Direito, deve reduzir-se o numerus clausus ou aumentar o número de alunos em aulas práticas?”
Para Paulo Otero, como exemplos de ponderação interpretativa, dentre muitos outros: “o conceito constitucional de ‘ambiente familiar nor-
21
mal’, nos termos do art. 69º, nº 2, compreende casais homossexuais? O conceito constitucional de ‘casamento’ compreende a união de duas
pessoas do mesmo sexo ou o designado casamento poligâmico?”
Eis os exemplos de Paulo Otero: “o exame oral realizado pelo aluno A merece a classificação de aprovado ou de reprovado e, em qualquer
22
dos casos, qual a classificação entre zero e vinte valores? Deve a polícia dispersar a manifestação ilegal e violenta que está a ocorrer junto à
A.R., usando uma simples ordem verbal, recorrer a canhões de água ou avançar com bastonadas e disparar balas de borracha?”
102
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Ponderar é difícil, por ser difícil eleger o interesse público em cada caso concreto sub-
metido ao descortino do decisor (julgador). Por duas razões: (I) o interesse público não é sequer
determinável objetivamente24; (II) o julgador é uma pessoa humana, dotada de razão e emoção.
Para ponderar, necessário ter em mente que não há uma norma-princípio da suprema-
cia do interesse público sobre o interesse particular, ou melhor, como revela Humberto Ávila25,
“a Administração não pode exigir um comportamento do particular (ou direcionar a interpreta-
ção das regras existentes) com base nesse ‘princípio’”, sobretudo em relação às atividades que
imponham restrições ou obrigações. Segundo o autor:
(...) a única ideia apta a explicar a relação entre interesses públicos e interesses particulares,
pessoalidade de propósito multifacetada, para dar maior cobertura aos valores constitucional-
mente protegidos e, por isso mesmo, dada a algumas imprecisões, juridicamente toleráveis, se
exercitada com critérios e procedimentos objetivados.
23
Para Paulo Otero (Manual..., p. 433-434): “Se todo o Direito assenta numa metodologia de ponderação, a Administração Pública – subordi-
nando-se ao Direito, criando Direito, interpretado Direito e aplicado Direito – não pode deixar de também usar uma metodologia decisória
assente em ponderações: (i) Tal como se diz existir um “Estado de ponderação”, pode falar-se numa Administração Pública de balanceamento
ou de ponderação; (ii) A normatividade reguladora da Administração Pública encontra-se “minada” de “cláusulas de ponderação”, tal como
o resultado da atividade administrativa assenta em procedimentos e decisões de ponderação; (iii) A ponderação administrativa de interesse
assume-se como exigência decorrente do próprio Estado de Direito”.
24
É de Humberto Ávila (Repensando..., p. 211-212) a seguinte lição: “(...) é importante lembrar que ‘o’ interesse público não é determinável ob-
jetivamente. Há muitas dificuldades para a determinação do significado de ‘interesse’: ele representa, antes de tudo, um fenômeno psíquico,
cuja descrição deve ser necessariamente feita com referência ao ordenamento jurídico. Igualmente a expressão ‘público’. (...) A possibilidade
de uma definição abstrata mínima sem o recurso à concretização das normas constitucionais apresenta-se da mesma forma questionável. A
mesma dificuldade apresenta-se na aplicação das normas (...)”.
25
Repensando..., p. 214.
26
Para Paulo Otero (obra citada, p. 433-434): “Se todo o Direito se assenta numa metodologia de ponderação, a Administração Pública – subor-
dinando-se ao Direito, criando Direito, interpretando Direito e aplicando Direito – não pode deixar de também usar uma metodologia decisória
assente em ponderações: (i) Tal como se diz existir um ‘Estado de ponderação’, pode falar-se numa Administração Pública de balanceamento
ou de ponderação; (ii) A normatividade reguladora da Administração Pública encontra-se ‘minada’ de ‘cláusulas de ponderação’, tal como
resultado da atividade administrativa assenta em procedimentos e decisões de ponderação; (iii) A ponderação administrativa de interesses
assume-se como exigência decorrente do próprio Estado de Direito”.
27
Correto Gustavo Binenbojm (Da Supremacia..., p. 143) quando afirma que “não há como conciliar no ordenamento jurídico um ‘princípio’ que,
ignorando as nuances do caso concreto, preestabeleça que a melhor solução consubstancia-se na vitória do interesse público”.
103
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
06. CONCLUSÕES
Uma impessoalidade que se preste a dar cabo das numerosas tarefas estatais endere-
çadas no texto constitucional não pode desconsiderar o seu caráter abrangente, policefático,
multifacetado. A não ser assim, sua cobertura seria irrisória.
104
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Ponderar é medir e pesar, para equilibrar. A ponderação não é apenas um método, mas
uma forma racional de atuar e de decidir.
Embora seja tarefa complexa, a ponderação administrativa pode ser determinável cir-
cunstancialmente, desde que executada com critérios e procedimentos objetivados. As ponde-
rações administrativas são as “ponderações possíveis” e só se revelam em casos concretos.
07. BIBLIOGRAFIA
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São Paulo: Malheiros, 2011.
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__________________. O direito administrativo em Evolução. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2003.
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SOUSA, Marcelo Rebelo de. MATOS, ANDRÉ Salgado de. Direito administrativo geral – introdu-
ção e princípios fundamentais. Tomo I. 3ª ed. Alfragide: Dom Quixote, 2008.
107
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
O CONTROLE DA RENÚNCIA DE
RECEITA
José de Ribamar Caldas Furtado*
(*)Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão. Mestre em Direito pela UFPE. Pós-
-graduado em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola Nacional de Administração
Pública (ENAP). Professor de Direito Financeiro da UFMA. Professor convidado da Escola Superior
da Magistratura do Maranhão e da Escola Superior do Ministério Público do Maranhão. Ex-Auditor
Substituto de Conselheiro do TCE-MA. Ex-Auditor-Fiscal da Receita Federal. Ex-Analista de Finan-
ças e Controle do Ministério da Fazenda. Autor do livro Direito Financeiro, publicado pela Editora
Fórum. Autor de vários artigos publicados em revistas especializadas.
Para que se tenha ideia da importância desse tipo de controle, basta informar que a
União deixou de arrecadar cerca de R$ 216,5 bilhões em 2012, em razão de benefícios fiscais
concedidos.1
1
TCU, Plenário, TC 018.259/2013-8, Rel. Min. Raimundo Carreiro, 14/05/2014, Ata de Sessão nº 16/2014, publicada em 30/05/05.
108
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Para os efeitos da incidência de seu artigo 14, a Lei Complementar nº 101/00 (LRF)
expressa que a renúncia compreende a anistia2, remissão3, subsídio, crédito presumido, con-
cessão de isenção em caráter não geral4, alteração de alíquota ou modificação de base de cál-
culo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que
correspondam a tratamento diferenciado (art. 14, §1º). Como se vê, em razão dessa expressão
constante na parte final do citado parágrafo, o elenco desses institutos é meramente exempli-
ficativo.
a) isenção é a dispensa do pagamento de tributo ainda não lançado (CTN, art. 175, I).5 A
Lei Complementar nº 101/00 (LRF) excluiu do conceito de renúncia de receita a isenção con-
cedida em caráter geral (art. 14, §1º);
d) subsídio é a concessão de dinheiro feita pelo governo às empresas para lhes aumen-
tar a renda ou abaixar os preços, ou para estimular as exportações do País. Pode também haver
concessão diretamente ao consumidor. Em termos orçamentários, caracteriza uma subvenção
econômica.8 Observa-se que o conceito de renúncia de receita alcança também benefícios fi-
nanceiros que operam na vertente da despesa. Exemplo é o denominado subsídio do trigo, que
tinha como objetivo a redução do preço do produto no mercado interno;
2
Note-se que a LRF não faz distinção entre anistia em caráter geral ou não (CTN, arts. 181 e 182).
3
Da mesma forma, a LRF não faz distinção entre remissão em caráter geral ou não (CTN, art. 172).
4
Cabe observar que:
a) a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua
concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração (CTN, art. 176, caput); a isenção pode ser restrita a determinada
região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares (parágrafo único);
b) a isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento
com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua
concessão (CTN, art. 179, caput).
5
Existem muitas teorias sobre a natureza da isenção. Aqui se utilizou a que foi adotada pelo Código Tributário Nacional, que é fruto da mente
prodigiosa de Rubens Gomes de Sousa. Sobre o assunto, boa exposição é feita por Sacha Calmon Navarro Coêlho (COÊLHO, Sacha Calmon
Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 176-182).
6
A obrigação tributária principal tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se com o crédito dela decorrente
(CTN, art. 113, §1º). A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penali-
dade pecuniária (§3º).
7
Lançamento tributário é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da pena-
lidade cabível (CTN, art. 142, caput). Em outras palavras, lançamento é o ato da repartição competente, que verifica a procedência do crédito
tributário e a pessoa que lhe é devedora e inscreve o débito desta (Lei nº 4.320/64, art. 53). O crédito tributário é constituído pelo lançamento.
8
Conceito extraído do site www.tesouro.fazenda.gov.br/serviços/glossário/, em 28/06/06.
109
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
g) base de cálculo é o valor sobre o qual incidirá a alíquota para se obter o quantum do
tributo.
Com efeito, o tema renúncia de receita está no cerne do regime de gestão fiscal respon-
sável, preconizado pela Lei Complementar nº 101/00 (LRF), que pressupõe a ação planejada e
transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das
contas públicas, mediante — dentre outros aspectos — a obediência a condições no que tange
a renúncia de receita (art. 1º, §1º).
b) a renúncia será sempre ex lege, vale dizer, qualquer subsídio ou isenção, redução de
base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, ta-
xas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou mu-
nicipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo
ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, §2º, XII, g, da Constituição Federal (CF,
art. 150, §6º);10
9
Diz-se que um imposto é não cumulativo quando é possível compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas
anteriores. A não cumulatividade sucede, por exemplo, com o ICMS (CF, art. 155, §2º, I), o IPI (CF, art. 153, §3º, II), com os impostos da compe-
tência residual (CF, art. 154, I) e também com as contribuições da competência residual (CF, art. 195, §4º).
10
No mesmo sentido, Resolução do Senado Federal estabelece que é vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios conceder qual-
quer subsídio ou isenção, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido, incentivos, anistias, remissão, reduções de alíquotas
e quaisquer outros benefícios tributários, fiscais ou financeiros, não autorizados na forma de lei específica, estadual ou municipal, que regule
exclusivamente as matérias retroenumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição (Resolução SF nº 43/01, art. 5º, V, com a redação
dada pela Resolução SF nº 3/02).
110
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A Lei Complementar nº 101/00 (LRF), artigo 14, §1º, submeteu apenas as isenções em
caráter não geral (específicas) ao regime de concessão de renúncia de receita. A contrario sen-
su, as outorgas de isenções gerais não estão submetidas às condições estipuladas nos inci-
sos do mencionado dispositivo. Nesse aspecto, a LRF sobrevalorizou as funções extrafiscais
da tributação — resguardando seu objetivo de indutor do desenvolvimento econômico e sua
missão de redistribuir renda, promovendo justiça fiscal, mediante a concretização do princípio
tributário da capacidade contributiva —, deixando em menor patamar o interesse pelo equilíbrio
orçamentário.
Ricardo Lobo Torres narra que “o trabalho dos americanos Stanley S. Surrey e Paul R. Mc Daniel, ao denominar de ‘gasto tributário’ (tax expen-
11
diture) o incentivo sediado na receita e equipará-lo ao verdadeiro gasto representado na despesa (subvenção), contribuiu decisivamente para
clarear o assunto, repercutindo sobre a doutrina, a legislação e a jurisprudência de diversos países e fazendo com que o próprio orçamento
dos Estados Unidos, após 1975, passasse a conter uma análise especial intitulada ‘Tax Expenditures’, que motivou o art. 165, §6º, da CF” (TOR-
RES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Orçamento na Constituição. Vol. V. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 260).
Nesse caso, por estimativa do impacto orçamentário-financeiro deve-se entender a quantificação da queda na arrecadação de receitas,
12
em valores aproximados, que resultará do implemento da renúncia (impacto financeiro), indicando-se a parte desse valor que já consta no
orçamento em execução, bem como a origem dos recursos que irão ocorrer à diferença (impacto orçamentário), e ainda a forma como será
compensada a redução de receitas nos anos fiscais subsequentes.
13
A CF, art. 165, §2º, prevê que a LDO disporá sobre as alterações na legislação tributária.
111
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Nesse passo, pode-se concluir que a remissão concedida em caráter geral não está
sujeita às restrições do caput do artigo 14, mormente quando consubstancia mera estratégia
adotada para estimular o pagamento do tributo. É o que ocorre quando a Fazenda Pública mu-
nicipal concede abatimento para os contribuintes que pagarem, no início do ano, o IPTU em
cota única.14
Com efeito, a Lei Complementar nº 101/00 (LRF) impõe para as renúncias de receitas
a mesma regra determinada para a geração ou ampliação de despesas: a necessidade da res-
pectiva compensação pela adoção de medidas que aumentem a receita tributária ou diminuam
permanentemente outras despesas, de modo a manter o equilíbrio fiscal. Assim, a LRF, da mes-
ma forma que busca conter a geração descompensada de despesa (arts. 15, 16 e 17), pretende
sofrear as perdas de receita, não raro produtos de decisões político-administrativas inconse-
quentes, igualmente danosas ao equilíbrio orçamentário.
Vale ressaltar que o dispositivo legal em tela cuida de condições restritivas para novas
concessões ou novas ampliações de incentivo ou benefício de natureza tributária anteriormen-
te outorgado do qual decorra renúncia de receita. Isso significa que situações já constituídas por
ocasião da publicação da Lei Complementar nº 101/00 (LRF) ou renúncias de receitas, conce-
didas ou ampliadas, em exercícios financeiros anteriores, que já foram incorporadas ao sistema
orçamentário, estão imunes às restrições do artigo 14 da LRF. Sendo assim, o ente da Federação
pode, sem essas restrições, continuar cumprindo as leis concessivas de benefícios fiscais edita-
das antes da vigência da LRF; e a observância do procedimento previsto no mencionado artigo
é necessária apenas no período que compreende o exercício em que deva iniciar sua vigência e
os dois seguintes.
14
Nesse ponto, houve evolução em relação ao texto constante até a 4ª edição.
112
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
O certo é que o Poder Executivo, ao encaminhar ao Legislativo projeto de lei que esta-
beleça renúncia de receita, deve demonstrar, em documento anexo, que as exigências impostas
no artigo 14 da Lei Complementar nº 101/00 (LRF) serão atendidas, em caso de aprovação da
proposta.15 A demonstração de que a renúncia de receita não comprometerá as metas fiscais
estabelecidas na LDO, observam Carlos Maurício Figueiredo e outros, “deve pautar-se por pro-
jeções de comportamento da economia e estratégias governamentais.16 É claro que esse inciso
I (do art. 14 da LRF) refere-se a uma estimativa que pode, evidentemente, não se realizar. Caso
as premissas explicitadas no inciso I se frustrem, a renúncia de receita somente poderá ser con-
cedida via mecanismo de compensação, inspirada no Budget Enforcement Act (BEA – 1990)
dos Estados Unidos,17 que parte do princípio de que novos gastos deverão ser compensados ou
pelo aumento da receita ou pela diminuição da despesa”.18
A Lei Complementar nº 101/00 (LRF), artigo 14, §3º, I, estabelece que não serão neces-
sárias medidas de compensação quando o benefício fiscal se referir à alteração de alíquota do
15
Note-se que, conforme consta no item 3.7.2, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de que o disposto no artigo 61,
§1º, II, b, da Carta da República (são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre organização administrativa e
judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios) tem aplicação circunscrita às iniciati-
vas privativas do Chefe do Poder Executivo Federal na órbita exclusiva dos territórios federais (STF, Plenário, ADI 2.464-7 / AP, Rel. Min. Ministra
Ellen Gracie, 11/04/07, D.J. 25/05/07).
Esses autores observam que a melhoria da arrecadação, inclusive resultante do combate à sonegação, poderá estar contemplada dentre es-
16
sas estratégias governamentais, fato que prejudica o argumento de inconstitucionalidade do art. 14 da LRF em razão da lei não mencionar uma
possível compensação resultante do combate à sonegação, o que determinaria a oneração do contribuinte (FIGUEIREDO, Carlos Maurício et
al. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 105 e 106).
17
Lei, editada em 1990, que estabelece normas rígidas, onde o Congresso americano fixa antecipadamente metas de superávit e mecanismos
de controle de despesas, no âmbito do Governo Federal, objetivando o combate do déficit no orçamento da União, mediante dois instrumen-
tos fundamentais:
a) o sequestration, que consiste em critérios de limitações de empenho (proibição de gastos) para as despesas discricionárias;
b) o pay as you go, que se traduz no uso de medidas compensatórias diante do aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado,
mediante a diminuição de outros gastos ou aumento de receitas.
18
FIGUEIREDO, Carlos Maurício et al. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.
105 (o parêntese não consta do original).
a) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (CF, art. 150, III, b);
b) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea
anterior (CF, art. 150, III, c).
A vedação do art. 150, III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do art. 150, III, c, não se
aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III,
e 156, I (CF, art. 150, §1º).
20
Paulo de Barros Carvalho explica que, com as alterações da EC nº 42/03, “podemos afirmar a existência de quatro regimes para vigência
das leis que instituem ou aumentam tributos, decorrentes da conjugação dos princípios da anterioridade e da noventena, bem como suas
exceções: (i) a regra geral é a aplicação cumulada desses dois princípios; (ii) em se tratando de empréstimos compulsórios motivados por
calamidade pública ou guerra externa, imposto de importação, imposto de exportação, imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro,
ou relativas a títulos ou valores mobiliários, e impostos extraordinários, não se aplica a anterioridade nem o prazo nonagesimal; (iii) o imposto
sobre a renda e a fixação da base de cálculo dos impostos sobre a propriedade de veículos automotores e sobre a propriedade predial e ter-
ritorial urbana sujeitam-se à anterioridade, mas estão excluídas da exigência de vacância legislativa por noventa dias; e (iv) ao imposto sobre
produtos industrializados e às contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social, conquanto excepcionados da anteriori-
dade, aplica-se a noventena” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 161)
113
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Em verdade, esse dispositivo da Lei Complementar nº 101/00 (LRF) tem harmonia com
o artigo 153, §1º, da Lei Suprema, que excepciona esses impostos do princípio da legalidade,
quando dispõe que é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e limites estabe-
lecidos em lei, alterar suas alíquotas. Também está em sintonia com o artigo 150, §1º, do Texto
Constitucional, que excepciona tais impostos do princípio da anterioridade, quando prevê que
o II, o IE e o IOF podem ser cobrados no mesmo exercício em que haja sido publicada a lei que
os instituiu ou aumentou e antes de decorridos noventa dias da data da referida publicação, e
que o IPI pode ser cobrado no mesmo exercício em que haja sido publicada a lei que o instituiu
ou aumentou, observada, entretanto, a anterioridade nonagesimal.
Pode-se, então, apontar o caminho a ser percorrido na autorização legal dessas conces-
sões. O primeiro passo é incluir na lei de diretrizes orçamentárias a previsão de que a legislação
tributária será alterada no sentido de conceder o correspondente benefício fiscal (CF, art. 165,
§2º). Além disso, o Anexo de Metas Fiscais que integrará essa lei deverá conter a estimativa dessa
renúncia de receita (LRF, art. 4º, §2º, V). O segundo passo é demonstrar, por ocasião do projeto
de lei orçamentária anual, o efeito sobre as receitas — no caso de isenções, anistias, remissões
e outros benefícios de natureza tributária — ou sobre as despesas — tratando-se de subsídio ou
qualquer outro benefício de natureza financeira ou creditícia —, decorrente da renúncia (LRF,
art. 5º, II, e CF, art. 165, §6º). A última providência é a aprovação do favor fiscal, por meio de lei
específica, que regule exclusivamente a matéria ou o correspondente tributo (CF, art. 150, §6º).
Nesse tema, uma questão é recorrente: pode o ente da Federação, unicamente com o
fito de aumentar a arrecadação de determinado tributo, estimular o seu pagamento, mediante
a redução do valor devido do tributo, condicionada ao seu recolhimento? Acredita-se que sim.
Não se deve perder de vista que a vontade da norma é justamente bloquear perda de receita, em
favor do equilíbrio fiscal. Medidas que comprovadamente estimulem o crescimento da arreca-
dação devem ser sempre bem-vindas. Essa comprovação será evidenciada com o efeito positi-
vo no crescimento da arrecadação, no exercício financeiro no qual entrar em vigor o incentivo.
Não se pode admitir que o gestor público seja punido por promover o crescimento da receita
do ente que administra. Seria um contrassenso. Também não estão sujeitas a controle pelo
comando do artigo 14 da Lei Complementar nº 101/00 (LRF) outras medidas de administração
114
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
“Esse mecanismo”, assinalam Carlos Maurício Figueiredo e outros, “à primeira vista, pa-
rece trazer benefícios. Onde (praticamente) inexiste atividade econômica — portanto, nenhuma
arrecadação de ICMS —, a instalação de uma indústria, conquanto, ela mesma, isenta do impos-
to, traz consigo, a seu redor, iniciativa comercial ou industrial, serviços. A renda gerada por essas
novas atividades não é isenta e o Estado, isoladamente, desfruta do ganho líquido de receita. O
problema surge quando os outros Estados da Federação descobrem que esse mecanismo pode
ser um bom negócio (...). Como todos concedem benefícios semelhantes, as indústrias instalar-
-se-ão onde existirem condições mais favoráveis, como boas estradas, mercado consumidor,
fornecimento de matéria-prima (...). Nesse momento, a guerra fiscal acaba punindo os Estados
mais pobres e exacerbando a concentração industrial”.21
É muito importante salientar que, em face do disposto no artigo 155, §2º, XII, g, da Lei
Fundamental, a concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos
ao ICMS deverá ser precedida de deliberação dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito do
Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).
FIGUEIREDO, Carlos Maurício et al. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.
21
98 e 99.
22
Estudo veiculado no Informe-sf nº 04 do BNDES (FERREIRA, Sérgio Guimarães. Guerra fiscal: competição tributária ou corrida ao fundo do
tacho? INTERNET: http://federativo.bndes.gov.br/f_palavra.html – 24/08/06, p. 1).
115
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Essa é a interpretação do Supremo Tribunal Federal, que, em decisão plenária, nos autos
da ADI nº 3.246/PA,23 declarou inconstitucional parte da lei estadual do Pará, que permitia a
concessão de benefícios fiscais a empresas participantes da política de incentivos ao desenvol-
vimento do Estado. Os Ministros julgaram inconstitucional o inciso I do artigo 5º da Lei Estadual
nº 6.489/02. Essa norma prevê a possibilidade de concessão de isenção, redução da base de
cálculo, diferimento, crédito presumido e suspensão do ICMS relativo aos empreendimentos.
Na ação, a Procuradoria Geral da República sustentou que os benefícios concedidos de forma
unilateral pela Lei paraense ferem o artigo 155, §2º, XII, g, da Constituição Federal, que exige a
celebração de convênio entre os Estados-Membros da Federação e o Distrito Federal para a
concessão de incentivos fiscais. Ao analisar a ação, o Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, enfa-
tizou a necessidade de decisão conjunta dos Estados para a concessão dos incentivos, “de for-
ma a evitar a competição predatória entre os entes federados, usualmente chamada de guerra
fiscal”. Diante disso, o Ministro votou pela inconstitucionalidade, com efeito retroativo (ex tunc),
do dispositivo da Lei estadual. Entendeu o Relator que deve ser dada à parte questionada da Lei
estadual a interpretação conforme o artigo 155, §2º, XII, g, da Constituição. Tal interpretação
é no sentido de que sejam excluídos os créditos fiscais relativos ao ICMS, decorrentes de in-
centivo fiscal não previsto em convênio entre os Estados, mais o Distrito Federal. A decisão foi
unânime.24
Essa posição da Suprema Corte atinge frontalmente a guerra fiscal, uma vez que a con-
cessão de benefícios do ICMS é a sua principal fonte. Ressalte-se que a concessão de benefí-
cios, resultante de convênios aprovados no âmbito do CONFAZ, dependerá sempre de decisão
unânime dos Estados-Membros representados (Lei Complementar nº 24/75, art. 2º, §2º).
23
STF, Plenário, ADI 3.246 / PA, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, 19/04/06, D.J. 27/04/06.
24
De acordo com notícia divulgada no site do STF, http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas, em 19/04/2006. Na mesma direção, o STF
já havia declarado inconstitucional, por unanimidade, a Lei nº 6.004/98 do Estado de Alagoas (STF, Plenário, ADI 2.458 / AL, Rel. Min. Ilmar
Galvão, 23/04/03, D.J. 02/05/03). Esse dispositivo concedia créditos presumidos, isenção e benefícios fiscais em favor de usineiros do setor
sucroalcooleiro na arrecadação do ICMS. Na ação, o autor (governador de Alagoas) declarou que as finanças do Estado sofreram graves preju-
ízos depois da edição da Lei. Em 1997, por exemplo, a arrecadação era de R$ 6,6 milhões; em 1998, baixou para R$ 180 mil e em 2000 chegou
a R$ 33 mil. A receita bruta do setor canavieiro, no entanto, atingiu R$ 1,3 bilhão em 2000, sendo maior que a receita do Estado. Segundo o
Relator, Ministro Ilmar Galvão, ao editar a Lei, a Assembleia Legislativa do Estado não previu a assinatura de convênios com os outros Estados
para conceder os privilégios quanto ao ICMS, o que fere a Constituição Federal (art. 155, §2º, XII, g). A vedação de concessão unilateral de
isenções em matéria de tributo estadual serve para evitar a guerra fiscal entre os Estados (conforme notícia propagada no site do STF, http://
www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas, em 23/04/2003).
25
STF, Plenário, ADI 4481 / PR, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, 11/03/2015, D.J.E. 19/05/2015.
116
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
tem conformidade com o artigo 150, §6º, do Texto Supremo, o qual, como já foi dito, prevê, para
que se conceda benefício tributário ou financeiro, a edição de lei específica, federal, estadual ou
municipal.
Esse entendimento não prejudica a efetividade do artigo 155, §2º, XII, g, que estabelece
que cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do
Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Como
bem explica Sacha Calmon Navarro Coelho, “o que cabe à lei complementar é regular o modo
como (modus faciendi) se processarão os convênios. Evidentemente, a lei complementar não
poderá deferir a um colegiado interestadual de funcionários públicos poderes para dar e tirar
tributação (isenção e reduções e suas revogações) sem lei, contra o princípio da legalidade (...).
Nestas assembleias, são gestados os convênios, ou melhor, as ‘propostas’ de convênios. Em
verdade, o conteúdo dos convênios só passa a valer depois que as Assembleias Legislativas —
casas onde se faz representar o povo dos estados — ratificam os convênios pré-firmados nas
assembleias”.26
b) fazer constar no Anexo de Metas Fiscais, que integrará essa lei, a estimativa dessa re-
núncia de receita (LRF, art. 4º, §2º, V);
c) demonstrar, por ocasião do projeto de lei orçamentária anual, o efeito sobre as recei-
tas decorrente da renúncia (LRF, art. 5º, II, e CF, art. 165, §6º);
d) aprovar a correspondente lei específica (CF, art. 150, §6º). Desse modo, alguns Esta-
dos-Membros poderão conceder o benefício aprovado no CONFAZ e outros não.
Vale registrar que os tributaristas resistem aos termos do artigo 14 da Lei Complementar
26
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 223.
117
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
nº 101/00 (LRF). Roque Antônio Carraza aduz que, “sem embargo da oportunidade destas dis-
posições, que visam, incontendivelmente, a coibir a multiplicação, sem critério nem método, de
benefícios e incentivos tributários, temos para nós que elas não podem alcançar a competência
para isentar, que é a contrapartida da competência para tributar (...). Ocorre que o Brasil é uma
Federação, na qual os Estados Federados, os Municípios e o Distrito Federal, observada a parti-
lha constitucional de competências, gozam de prerrogativas legislativas e administrativas, que
a União não pode anular, nem mesmo por meio de lei complementar (...). Deu-se, pois, in casu,
inconstitucionalidade material, por vulneração do princípio federativo. Enfim, instituindo, ou
não, os tributos de sua competência e concedendo, a seu talante, isenções, benefícios e incen-
tivos fiscais, as pessoas políticas exercitam sua autonomia. Para que fiquem dentro da ordem
jurídica basta que observem as diretrizes e restrições contidas na própria Carta Magna”.27
Por outro lado, sabe-se que a concessão de renúncia de receita somente tem sentido se
estiver vinculada a objetivos a serem perseguidos na execução de determinada política pública;
daí a necessidade de o sistema de controle externo aferir se os resultados alcançados justificam
a respectiva perda de receita, por meio de auditoria operacional a ser efetivada a partir da iden-
tificação dos objetivos, metas e indicadores relacionados às políticas públicas financiadas pelas
renúncias de receita.
27
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 645.
28
A LDO da União para 2014 (Lei nº 12.919/13) afirma que as proposições que tratem de renúncia de receita, ainda que sujeitas a limites globais,
devem ser acompanhadas de estimativa do impacto orçamentário-financeiro e correspondente compensação, consignar objetivo, bem como
atender às condições do art. 14 da LRF (art. 95, §3º).
118
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
O PRECATÓRIO E O SEQUESTRO
HUMANITÁRIO EM FACE DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Lauro Ishikawa*
(*)Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP; Docente Titular e Coordenador Adjunto dos Cursos
de Doutorado e Mestrado em Direito do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade
Autônoma de Direito (FADISP); Docente do Curso de Graduação em Direito e Coordenador de
Extensão das Faculdades Integradas Rio Branco; Docente da Escola de Direito da Universidade
Anhembi Morumbi; Bolsista da Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Parti-
cular (FUNADESP); Advogado em São Paulo. E-mail: lauro.ishikawa@alfa.br.
01. RESUMO
02. ABSTRACT
In this article we discuss the possibility of humanitarian restraint in the order of court-or-
der debt security, as established by the 1988 Federal Constitution in view of the jurisprudence
of the Brazilian Courts of Justice, Supreme and Superior Courts. Therefore, first we will discuss,
as introduction, briefly on the concept of a court-order debt security, for then bringing the
main changes introduced by Constitutional Amendment 62/2009 on this theme. Later, we will
analyze some decisions of Brazilian jurisprudence on humanitarian restraint and therefore the
relationship between this kind of restraint and human dignity before and after Constitutional
Amendment 62/2009. Finally, we conclude the necessary observance of human dignity by the
judiciary to try cases of humanitarian restraint, as well as to apply the Amendment.t
119
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
03. INTRODUÇÃO
Por ser vedada a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam
os créditos orçamentários ou adicionais, conforme enunciado no artigo 167, II, da Constituição
Federal de 1988, os débitos da Fazenda Pública só podem ser satisfeitos se previsto no orçamento
respectivo, atingindo diretamente o detentor do direito de crédito (precatório) em face do Estado.
É importante elucidar que este mecanismo afeta somente a pessoa jurídica de direito
público – compreendendo esta os entes de direito público interno, ou seja, a União, os Estados,
os Municípios, o Distrito Federal, suas respectivas autarquias e fundações públicas. Como res-
salta Regis Fernandes de Oliveira, "as empresas públicas exploradoras de atividade econômica
1
OLIVEIRA, Regis Fernandes. Curso de Direito Financeiro. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, 1p. 669.
120
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
estão excluídas do regime dos precatórios, ou seja, seus credores devem promover 'execução
comum', para haver seus respectivos créditos"2.
Para satisfazer o direito de receber crédito da Fazenda Pública, o exequente, assim le-
gitimado, ajuizará a execução judicial do título, cujo procedimento, porém, tramitará de forma
diversa das regras previstas para a execução comum. Independentemente do título ser judicial
ou extrajudicial, cita-se a Fazenda Pública (CPC, art. 730), para opor embargos e, ao final do
procedimento, é expedido o precatório.
Isto porque, os bens da Fazenda Pública no ordenamento pátrio são regidos por norma-
tivas distintas daquelas referentes aos bens particulares, sendo inviáveis a penhora e a alienação
judicial indiscriminadas de seus bens, ipso facto, a sua responsabilidade patrimonial acaba por
assumir feição diversa, sendo inapto o procedimento padrão de execução patrimonial.
2
OLIVEIRA, Regis Fernandes. Curso de Direito Financeiro. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 669.
3
A Constituição Federal brasileira dispõe sobre o pagamento de precatórios em seu art. 100, in verbis: Art. 100. À exceção dos créditos de
natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusi-
vamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pes-
soas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. § 1º - É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de
direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, data em
que terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte. § 2º - As dotações orçamentárias e os créditos
abertos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição competente, cabendo ao Presidente
do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento, segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do
credor e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.
4
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José C. da; BRAGA, Paula S. (et. al.). Curso de Direito Processual Civil. Execução. Vol. 5. 4. ed.
Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 723, 724.
121
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Dessa maneira, tanto os créditos de natureza alimentícia quanto os demais, deveriam ser
realizados mediante a expedição de precatórios, diferenciando-se ambos somente pela prela-
ção dos primeiros diante da regra da ordem cronológica. Explica-se o destaque: - quais são os
créditos de natureza alimentícia?
Essa questão somente foi esclarecida com a edição da Emenda Constitucional nº 30/2000,
com a introdução do § 1º no artigo suprarreferido, o qual enunciava que os débitos de natureza
alimentícia compreendiam “aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e
suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas
na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado”; para então se consolidar,
com pequena alteração, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009: “Os débitos
de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos,
pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por
invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado,
e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no §
2º deste artigo".
5
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Execução. Vol. II. 49. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 409.
122
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
6
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança 33.388/SP. Relatora Ministra Eliana Calmon . Brasilia, 17 out. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 31.823/SP. Relator Ministro Mauro Campbell Marques.
7
123
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Porém, mesmo após essa mudança de entendimento do STF, alguns Tribunais de Justiça
continuaram a conceder pedidos de sequestro humanitário, fundamentando pela inconstitu-
cionalidade da EC 62/2009 mormente no que diz respeito aos precatórios já expedidos, em
face da necessidade de garantir o direito adquirido e a coisa julgada. É do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, por exemplo, a seguinte decisão:
8
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 3.539-8/PR. Relator Ministro Gilmar Mendes. Brasilia,
01 jul. 2009.
9
CONJUR. Fila do precatório pode ser furada se credor estiver muito doente. Revista Consultor Jurídico. 22 set. 2006. Disponível em: <http://
www.conjur.com.br/2006-set-22/stf_mantem_sequestro_verbas_determinado_tj-pb>. Acesso em 05 mai. 2015.
124
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, na decisão do ADI 4357/DF, ADI 4425/DF, ADI
4400/DF e ADI 4372/DF, que tinham como matéria a referida Emenda Constitucional, declarou,
por maioria de votos, ser constitucional o ditame de pagamento preferencial até o triplo do
pequeno valor definido infraconstitucionalmente. Dito de outra forma, o sequestro humanitário
teria perdido o seu fundamento a partir do momento em que a Constituição Federal dispôs
sobre mecanismos e critérios de desequiparação para expressamente conferir o direito dos
10
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.Mandado de Segurança nº 0079665-22.2010.8.26.0000. Relator: Desembargador Xavier
de Aquino. São Paulo, 22 jun. 2011.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Mandado de Segurança 2011.021550-2. Relator: Carlos Prudêncio. Santa Catarina,
11
19 jun. 2013.
125
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Seguindo, o referido art. 100 da Constituição Federal previa, na redação original, em seu
§2º, hipótese de sequestro de verba pública no caso de preterição na ordem de inscrição do
precatório. A Emenda Constitucional nº 62/2009 trouxe, ainda, a hipótese de sequestro tam-
bém em face da ausência de alocação orçamentária do valor determinado no precatório para
pagamento, como se vê no seu §6º:
12
Cita-se o argumento do Ministro Dias Toffoli, na decisão do processo 4357/DF, ressaltando os dizeres da Procuradoria Geral da República,
nestes termos: Já em relação à limitação da preferência ao triplo das obrigações consideradas de pequeno valor, admitido o fracionamento
para essa finalidade, como bem defende a Procuradoria-Geral da República: “Num quadro de escassez de recursos, é proporcional e razoável
que, ao mesmo tempo em que se assegura prioridade a tais pessoas, outras tantas, também credoras de prestações de natureza alimentar,
não fiquem ao desamparo. O limite, portanto, tem em conta o postulado da sociedade fraterna, que é atenta à diferença, acolhedora de seus
idosos e doentes, mas consciente também de outras urgências, e que e necessário equilibrar” (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo.Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4357. Relator Ministro Ayres Britto. Distrito Federal, 11 abr. 2013)
126
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
O sequestro pode ser requerido por qualquer credor preterido, não podendo ser deter-
minado de ofício, sendo necessário o seu requerimento prévio. Após a requisição, há a necessi-
dade de ser ouvido o chefe do Ministério Público para que, então, em seguida, seja determinada
a medida executiva do precatório.
Mais uma inovação trazida pela Emenda Constitucional nº 62/2009 diz respeito à atua-
lização dos valores devidos referentes ao precatório, conforme se verifica em parágrafo especí-
fico introduzido no artigo 100 da Constituição:
Dito termo acima grifado foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal,
tendo em vista ferir o direito fundamental de propriedade tão logo o índice de remuneração da
poupança não preserva o valor real do crédito devido ao titular do precatório. Assim, nos termos
do voto do então Ministro Ayres Britto:
127
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Vale salientar que o valor limite estabelecido neste parágrafo para pagamento preferen-
cial sobre todos os demais débitos é equivalente, em seu valor máximo, ao triplo do valor esta-
belecido no disposto no § 3º, parágrafo este que delega a lei infraconstitucional a definição de
“pequeno valor” – por exemplo, no caso do Estado de São Paulo, quando inferior a 1.135,2885
Unidades Fiscais do Estado (UFESP), conforme disposição da Lei Estadual nº 11.377/03. Até o tri-
plo deste valor é pago preferencialmente, ficando o restante da quantia total, assim, a ser pago
na ordem cronológica convencionada15.
13
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1270439/PR. Relator Ministro Castro Meira, 02 ago. 2013.
14
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1270439/PR. Relator Ministro Castro Meira, 02 ago. 2013.
15
A possibilidade de serem constituídos diferentes valores para diferentes entidades de direito público consta no §4º do artigo 100 da Consti-
tuição, também introduzido pela Emenda Constitucional nº 62/2009 da seguinte maneira: § 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser
fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínitmo
igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.
128
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
vismo judicial”. Tal argumento, para o autor, segue pari passu à necessidade de crítica a deci-
sões que condenem o Poder Público a “adquirir medicamentos caros, matricular crianças com
menos de 6 anos no ensino fundamental, abrir posto de saúde em comunidade indígena, arcar
com o custo de alimentos especiais a menor com distúrbio que o impede de se alimentar nor-
malmente”16. Fundamenta, enfim, o autor, nestas linhas:
COELHO, Fábio U. Dignidade da Pessoa na Economia Globalizada. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio M. da. (coord.) Tratado Luso-
16
GUERRA FILHO, Willis S. Dignidade Humana, Princípio da Proporcionalidade e Teoria dos Direitos Fundamentais. In: MIRANDA, Jorge; SILVA,
19
Marco Antonio M. da. (coord.) Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 313.
129
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
É de se concluir, portanto, que as decisões dos Tribunais de Justiça que acolhiam a de-
manda do sequestro humanitário estão muito mais próximas da concreção dos ditames consti-
tucionais do que aquelas do STF e do STJ que negavam tal pedido. Conforme já referido acima,
os portadores de grave doença e as pessoas com 60 anos ou mais de idade entram numa fila
para receber preferencialmente, no máximo, o pagamento do referente ao triplo do “pequeno
valor” determinado infraconstitucionalmente20, ficando o restante do débito a ser incluído na fila
cronológica ordinária de apresentação do precatório.
Espera-se com tal alteração que se efetive o princípio da dignidade da pessoa humana, es-
pecialmente naqueles casos mais sensíveis em que a necessidade do recurso financeiro do detentor
do precatório visa custear os problemas oriundos de doença ou da própria idade, sem depender do
atendimento público de saúde, no mais das vezes. Essa expectativa é o que já referimos, juntamente
com Francisco Pedro Jucá, se dá com fundamento a todas as pessoas "que têm o bom governo
como direito fundamental, essencial ao serviço do homem e da cidadania, donde a aplicação dos
recursos financeiros de maneira adequada, séria e eficiente é colorário"22.
Toda a questão, como se vê, encontra-se balizado pela própria dignidade da pessoa
humana, fundamento da República Federativa do Brasil como enuncia o art. 1º, inc. III da Cons-
tituição Federal brasileira.
07. CONCLUSÃO
Eis o desafio do Estado, posto exigir, no caso concreto, a eficácia imediata dos direitos
fundamentais ante o risco de vida do detentor do precatório, justificando o que se convencio-
O pequeno valor é definido por cada Unidade Pública Devedora e estabelecido em lei própria. Como exemplo, no Estado de São Paulo, a
20
quantia varia de R$ 5.000,00 (Prefeitura Municipal de Araras, Lei 3.289/2001) até R$ 30.000,00 (Prefeitura Municipal de Cajati, Lei 1.042/2010),
observando-se, assim, uma enorme discrepância de valores mesmo entre Unidades de um mesmo Estado. Sobre a União, o valor é, atual-
mente, de R$ 47.280,00 (sessenta salários mínimos, conforme art. 3º e art. 17, § 1º, da Lei 10.259/2001). E, nos casos em que a lei não fixar, em
180 dias, valor igual ou superior a 40 salários mínimos para os Estados e Distrito Federal e 30 salários mínimos para os Municípios, estes serão
observados, conforme o §12 do art. 97 do ADCT (art. 2º da EC).
21
A possibilidade de modulação dos efeitos está prescrita na lei 9.868/1999 nos seguintes termos: “art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Fede-
ral, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu
trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. Com dito instrumento, o Supremo tem a capacidade de adotar medidas
diferentes à declaração de nulidade total da norma, preservando a segurança jurídica e tendo sob o seu controle os efeitos da decisão sobre
a constitucionalidade.
JUCÁ, Francisco Pedro; ISHIKAWA, Lauro. Responsabilidade Fiscal, Algumas Reflexões. In: Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças
22
130
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
nou chamar de sequestro humanitário, cujo instrumento, de majoritária aceitação nos Tribunais
de Justiça, reverbera no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça com certa
divergência ao longo do tempo desde que fora instituído na Constituição Federal de 1988.
Nessa seara, as decisões das Cortes Suprema e Superior que negam o sequestro huma-
nitário, quando este se encontra devidamente fundamentado nos casos apresentados acima,
não caminham condizentes aos ditames do princípio da dignidade da pessoa humana, que
exigem, pela sua própria natureza hermenêutica, tratamento diferenciado a casos em que sua
proteção transparece de maior urgência, assim como para o consequente atendimento à ga-
rantia dos direitos humanos fundamentais e do mínimo existencial, indiscutível dever do Estado
nas relações verticais.
Ademais, importa que seja ampliado o debate sobre o parcelamento em dois momentos
do pagamento de precatórios nos casos previstos pela EC 62/2009, e decididos como constitu-
cionais, de prelação do pagamento do débito fazendário, tendo em vista mormente o respeito à
celeridade no cumprimento das ordens judiciais, à segurança jurídica e à real eficácia temporal
dos efeitos da decisão.
COELHO, Fábio Ulhoa. Dignidade da Pessoa na Economia Globalizada. In: MIRANDA, Jorge;
SILVA, Marco Antonio M. da. (coord.) Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo:
Quartier Latin, 2008.
CONJUR. Fila do precatório pode ser furada se credor estiver muito doente. Revista Consultor
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sequestro_verbas_determinado_tj-pb>. Acesso em 05 mai.2015.
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José C. da; BRAGA, Paula S. (et. al.). Curso de Direito
Processual Civil. Execução. Vol. 5. 4ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2012.
131
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
JUCÁ, Francisco Pedro; ISHIKAWA, Lauro. Responsabilidade Fiscal, Algumas Reflexões. In: Re-
vista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas. Porto Alegre: Magister, v. 50, p. 56-66,
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OLIVEIRA, Regis Fernandes. Curso de Direito Financeiro. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, Processo de Exe-
cução e Cumprimento da Sentença. Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 49ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2014.
132
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
ORÇAMENTO, PLANEJAMENTO
E GESTÃO: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS1
José Mauricio Conti*
(*)Professor de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP. Doutor e Livre-docente em
Direito Financeiro pela USP. Bacharel em Direito e em Economia pela USP. Juiz de Direito em São
Paulo.
Cada vez mais a preocupação com o bom uso dos recursos públicos se intensifica. Não
somente em razão do cuidado e atenção para evitar desvios de toda ordem, mas também e princi-
palmente pela aplicação eficiente dos recursos, sempre escassos. A disputa pelos recursos é cada
vez maior, pois não se concebe mais aumento na arrecadação que pressione a carga tributária, que
já atingiu seu limite, nem crescimento da dívida pública, que também não tem mais espaço para se
expandir.
Resta apenas melhor aplicar os recursos existentes, como único meio de atender as
1
Texto baseado em outras publicações do autor, conforme indicações bibliográficas ao final.
2
STF, ADI-MC 4048-1/DF, j. 14.5.2008, p. 92 dos autos.
133
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
sempre crescentes necessidades públicas. Sabe-se que muito dinheiro público é desperdiçado
por falta de uma melhor gestão, tornando imprescindível que a administração pública seja mais
eficiente, com técnicas mais modernas, associadas a mecanismos de contabilização orçamen-
tária das despesas que favoreçam o gasto público voltado a atender as finalidades para a qual
foi destinado.
134
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Outra questão que exige atenção relaciona-se à adaptação de nosso sistema orçamentário
ao federalismo fiscal cooperativo, especialmente por se constatar que as principais políticas públicas
exigem a participação dos vários entes da federação.
Aperfeiçoar a qualidade do gasto público é fazer mais com menos, ou seja, produzir
mais benefícios públicos com menos recursos, o que exige, entre outras medidas além das já
mencionadas, a modernização da gestão, aumento da participação popular nas decisões sobre
o gasto público, maior transparência e controle. São inúmeras as providências a serem tomadas
nesse sentido, que exigem não somente uma nova legislação, adaptada aos novos tempos e
técnicas, mas também, e principalmente, uma mudança de cultura na administração pública.
135
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
ca, nem sempre são executados, nem fiscalizados com o devido rigor, mitigando a credibilidade
que deveriam merecer.
Daí porque muitas vezes nos deparamos com planos plurianuais genéricos, excessiva-
mente abrangentes, incluindo praticamente tudo e para todos, deixando para a fase de execu-
ção, de forma opaca, a efetiva escolha do que vai ou não ser feito, tornando inúteis os instru-
mentos de planejamento para os fins a que se destinam. Muitas vezes elaborados sem estudos
e análises prévias sobre a realidade do município e seus problemas, transformam-se em do-
cumentos que não apontam as soluções adequadas e os meios para resolvê-los. Mais do que
isso, deixam a critério do governante decidir ao sabor dos acontecimentos, tomando decisões
aleatoriamente, para resolver problemas imediatos, de forma descoordenada e sem critérios, o
que só tende a agravar as distorções da administração pública no médio e longo prazo.
136
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Prevista no art. 165, parágrafo 2º da Constituição Federal, tem por função estabelecer
anualmente as metas e prioridades da administração pública para as despesas de capital (essen-
cialmente investimentos públicos) e programas de duração continuada. Trata-se de verdadeiro
“elo de ligação” entre o plano plurianual, com previsão para quatro anos, e a lei orçamentária,
que fixa as receitas e despesas de cada ano. Cumpre função relevante no sistema de planeja-
mento da ação governamental, pois obriga os administradores públicos a definir, a cada ano,
quais programas previstos no plano plurianual serão contemplados, e quanto se pretende re-
alizar. Evita-se, com isto, o irresistível hábito de “deixar para a última hora”, de modo a poster-
gar o cumprimento dos programas para o final do plano plurianual, o que no mais das vezes
inviabiliza alcançar as metas fixadas, até porque, no último ano do PPA, em regra quem está no
exercício do mandato é outro governante.
Já no próprio texto original da Constituição de 1988, vê-se, no artigo 99, §1º, que com-
pete à LDO, em ação conjunta dos Poderes, estipular os limites financeiros para a apresentação
das propostas orçamentárias dos Tribunais. Trata-se de um dos mais, se não o mais, relevante
instrumento para a plena eficácia da autonomia financeira do Poder Judiciário, pois retira do
Poder Executivo a possibilidade de interferir no orçamento do Poder Judiciário, uma vez que,
ao elaborar sua proposta dentro dos limites da LDO, aprovada pelo Poder Legislativo, não po-
dem ter os valores reduzidos ou modificados por ato do Poder Executivo; o mesmo vale para o
Ministério Público (CF, art. 127, § 3º). Com a Emenda Constitucional 45, de 2009, essa função da
LDO estendeu-se também à Defensoria Pública (CF, art. 134, § 2º).
O artigo 165, § 9º, da Constituição Federal, previu a edição de lei complementar para
dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano
plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual, além de estabelecer
normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como as con-
dições para instituição e funcionamento de fundos. Tal lei complementar ainda não foi publica-
da, não obstante os vários projetos em andamento, como já se referiu anteriormente, deixando
muitas lacunas, pois estes assuntos ainda estão sendo regulados pela Lei 4320, de 1964. Suprir
essas lacunas tem sido uma função inúmeras vezes cumprida pelas leis de diretrizes orçamen-
tárias, como se tem notado ao longo dos últimos anos.
Além disso, em 2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de
5 de maio), que estabeleceu normas de finanças públicas voltadas a responsabilidade na gestão
fiscal, a LDO passou a ser importante instrumento de viabilização de normas que pudessem
regular e limitar os gastos públicos, o que ampliou sobremaneira seu papel no ordenamento
jurídico das finanças públicas.
137
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Estabelecer normas para controle de custos e avaliação dos resultados dos programas
orçamentários (LFR, art. 4º, I, c) é fundamental para que se consolide um sistema eficaz de pla-
nejamento e orçamento preocupado com o bom desempenho da administração pública, pois
permite que se estabeleçam regras claras para avaliação do cumprimento das metas, asfixiando
os desvios ilegítimos de recursos públicos pela sua destinação a programas de difícil mensura-
ção, o que sempre facilitou a malversação de dinheiro público.
O Anexo de Metas Fiscais (LRF, art. 4º, § 1º), com a fixação de metas para o exercício em
curso e os dois subsequentes, a cada ano, é um avanço da legislação em matéria de planeja-
mento, institucionalizando o sistema de “planejamento deslizante” da ação governamental, em
que as necessárias alterações e adaptações dessas normas passam a ser feitas de forma gradual
e formal, mantendo a segurança jurídica e confiabilidade do sistema. Com a avaliação e acom-
panhamento das metas estabelecidas, por métodos precisos e transparentes, os gestores ficam
impedidos de fazer delas números voltados apenas a cumprir formalidades burocráticas.
O Anexo de Riscos Fiscais (LRF, art. 4º, § 3º) obriga também os administradores públicos
a pensar nos problemas futuros, exigindo que se preparem antecipadamente a eles e antecipem
as medidas a serem tomadas caso venham a se concretizar, evitando as sempre presentes ações
imediatas e improvisadas, resolvendo problemas ocorridos e que só tenderão a aumentar, fato
mais que conhecido em toda a burocracia estatal.
138
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
No que tange à lei orçamentária anual, que também exerce um papel relevante em ma-
téria de planejamento, sendo o documento responsável pelo planejamento de curto prazo, há
alguns pontos que merecem maior atenção.
É o caso, por exemplo, da adaptação de uma lei cuja vigência é anual, pelo princípio da
anualidade orçamentária, às novas situações com as quais se depara a administração pública,
cujas atividades se realizam continuamente, e no mais das vezes de forma que não se compa-
tibiliza com a rigidez do exercício financeiro.
É o caso, por exemplo, dos “restos a pagar”, instrumentos que permitem a postergação
de pagamentos para o exercício financeiro subsequente, mas que se nota haver uso abusivo,
generalizando-se a inscrição de valores em restos a pagar, fazendo com que o ano se inicie
com expressivos valores já empenhados, criando-se um verdadeiro “orçamento paralelo”, que
dificulta o planejamento e a gestão e torna menos transparentes os gastos públicos.
Trata-se de aspecto que merece maior atenção e regulamentação, a fim de que sejam
corrigidos os atuais problemas. Não obstante as várias limitações hoje impostas para a inscrição
em restos a pagar, com vedações voltadas a evitar abusos e descontrole das contas públicas,
além da previsão de relatórios que procuram dar maior transparência, não se tem logrado os
resultados esperados.
Note-se que muitas obras da maior relevância, como as voltadas a favorecer a mobi-
lidade urbana, problema crescente nas grandes metrópoles, exigem altos investimentos em
139
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
transportes coletivos de massa, como o metroviário, vias rápidas e outros; obras voltadas à pro-
dução de energia, como usinas hidrelétricas, são fundamentais para o país, e sua implantação
ultrapassa em muito o período do exercício financeiro. Os contratos com o Estado cada vez
menos se esgotam no curto prazo, e é necessário assegurar o seu cumprimento pelo poder
público. Nosso sistema jurídico precisa estar preparado e adequado para dar segurança jurídica,
em todos os aspectos, especialmente financeiros, para esses investimentos que ultrapassam a
vigência da lei orçamentária.
Ainda no que tange à lei orçamentária, já reconhecida como a lei mais importante de-
pois da Constituição, como mencionado no início deste texto, há que se dar maior ênfase à sua
execução, de modo a torná-la um instrumento que dê segurança jurídica a todos, dando-lhe a
merecida credibilidade, e espancando a tese de que se trata de uma peça de ficção.
Para isso, é importante que a lei executada seja a mais próxima possível da lei aprovada.
A fase de execução orçamentária torna-se, assim, da maior relevância.
A eficácia, credibilidade e respeito à lei orçamentária exige que, uma vez aprovada, sua
execução deva pautar-se pela busca do fiel cumprimento de seus dispositivos.
Não é o que se tem observado, dada a frequência com a qual os Poderes Executivos de
todas as esferas de governo abusam desses instrumentos, contingenciando dotações de modo
a impedir que sejam executadas antes de findo o exercício, realocando recursos com base em
140
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Daí porque são necessárias medidas voltadas a fazer com que a lei orçamentária venha a
cumprir efetivamente seu papel constitucional, de condutora da atividade financeira do Estado,
como é o caso da recente aprovação da “PEC do orçamento impositivo”, que resultou na Emen-
da Constitucional 86, de 2015, tornou obrigatória a execução orçamentária, mas restringiu-se
a pequena parte do conteúdo da lei orçamentária, limitando-se aos valores nela inseridos pelas
emendas parlamentares individuais.
Um avanço, sem dúvida, mas muito menor do que poderia, uma vez que nas propostas
originais previa-se a inclusão de dispositivo que considerava a programação constante da lei
orçamentária de execução obrigatória, exigindo autorização prévia e expressa do Congresso
Nacional para eventual cancelamento ou contingenciamento, parcial ou total, da dotação, não
se restringindo às emendas parlamentares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
CONTI, José Mauricio. Planejamento e responsabilidade fiscal. In SCAFF, Fernando F.; CONTI,
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141
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
CONTI, José Mauricio. Não falta dinheiro à administração pública brasileira. Falta gestão. In Re-
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Teoria e Experiência. Estudos em homenagem a Eros Roberto Grau. São Paulo: Malheiros, p.
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CONTI, José Mauricio. O final de ano, as dívidas e os “restos a pagar”. In Revista Consultor Jurí-
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CONTI, José Mauricio. Aprovação do orçamento impositivo não da credibilidade à lei orçamen-
tária. In Revista Consultor Jurídico, publicada em 10 de março de 2015.
142
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Já a União Europeia, que viria a seguir-se-lhe realmente, teria um pendor muito mais
político². E naturalmente institucional. Mas curiosamente (ou nem tão curiosamente assim, por-
que uma coisa tem tudo a ver com a outra) foi construída sobre as Finanças. Continuam a ser
as Finanças a sua sustentação... E, eventualmente, a sua perdição: o futuro dirá.
¹Francisco Pedro Jucá. Finanças Públicas e Democracia. São Paulo: Atlas, 2013, p. 63.
²Sobre aspetos constitucionais já da União Europeia, cf. o nosso livro Novo Direito Constitucional Europeu, Coimbra, Almedina, 2005. Evi-
dentemente, o Tratado de Lisboa viria a trazer ainda mais novidades, assim como a prática, a chamada “constituição real”. Mais recentemente,
sublinhe-se a proposta do presidente francês, François Hollande, do estabelecimento de uma espécie de "governo europeu", composto por
apenas seis países... Proposta que nos parece em si muito eloquente, e não comentamos.
³In the same vein the Portuguese Prime Minister Guterres is reported to have made the following statement at the summit in Madrid at the end
of 1995: "when Jesus Christ decided to found a church, he said to Peter: thou art Peter, and upon this rock I will build my church. You are the
euro, and on this new currency, the euro, we will build our new Europe" (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 13 December 1995)”, apud Professor
Dr. Dr. h.c. mult. Otmar Issing Mitglied des Direktoriums der Europäischen Zentralbank, Rede zur Verleihung der Würde eines Ehrendoktorsdes
Fachbereichs Wirtschaftswissenschaftender Johann Wolfgang Goethe-Universität, Frankfurt am Main, am 15. April 1999, in https://www.ecb.
europa.eu/press/key/date/1999/html/sp990415_2.de.html (consultado em 14 de junho de 2015), agradecemos a indicação por parte do Prof.
Doutor Vasco Pereira da Silva.
143
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Como todas as palavras políticas e jurídicas sonantes, a Soberania tem sido muito utili-
zada, quantas vezes de forma imprecisa, e até mesmo demagógica. É algo de conatural a estes
conceitos e expressões esse uso e mau uso, corrupção. Contudo, como sublinhou o malogrado
constitucionalista português Francisco Lucas Pires, a metodologia jurídica baseia-se grande-
mente na palavra e na sua conotação e denotação conceituais⁵, pelo que precisamos, como
diria aliás Confúcio, tratar antes de mais da retificação das palavras⁶, para que, tendo-as claras
com as suas ideias, se possa bem governar.
Quando Jean Bodin⁷ (de algum modo miticamente, é certo) "cunhou" o conceito de so-
berania, os problemas político-jurídicos em presença eram bem claros. Tratava-se sobretudo de
(em boa medida) ultrapassar a feudalidade, a desagregação ou inorganicidade da comunidade
política (e ele pensava especialmente na França). Por isso, a soberania é expressa como poder
que não tem par nem superior intra muros, embora com algumas limitações que não têm sido
devidamente sublinhadas no didatismo ulterior.
Na verdade, o monarca, o "soberano" concebido por Bodin, não está acima da lei, pelo
contrário, talvez até tivesse mais leis a limitá-lo que os atuais governantes constitucionais (pelo
menos em teoria, claro). Deveria obedecer, a mais que estes, à lei divina, certamente tanto
quanto estes deveriam, para alguns, seguir os ditames da lei natural e / ou lei racional (ou da ra-
zão; autonomizadas ou não, conforme os autores). Além de, evidentemente, deverem também
obediência às leis fundamentais do Estado (então ditas, fundamentalmente, dos reinos...), que
correspondem à formalização da Constituição material⁸, e ainda a várias leis humanas comuns
a todos os povos, o que dá uma excelente abertura para a cooperação internacional e não para
o isolacionismo sempre potencialmente belicista⁹.
E contudo não é bem assim que se aprende normalmente. Não é mesmo nada assim.
Não foi assim que eu aprendi, já nem me lembro com quem pela primeira vez, para falar verda-
de... Falava-se e ainda se fala muito frequentemente de um poder enorme, absoluto, quer do
ponto de vista interno, quer no plano externo. Enorme e em grande medida arbitrário (ou pelo
menos fica a sensação de que tal assim poderia ser, sem problemas). O rei estaria, pois, simul-
taneamente em luta (por vezes aparecendo associado à burguesia) quer contra os senhores
feudais, quer contra o Papa, que constituiria a ameaça ao seu poder no plano externo, repre-
sentando o pólo internacional da teorização.
⁵Francisco Lucas Pires. Teoria da Constituição de 1976. A Transição dualista, Coimbra: edição do autor, 1988.
⁶Confucius. Entretiens de…, trad. do chinês de Anne Cheng. Paris: Seuil, 1981, p. 102 (XIII, 3). Comentando, Simon Leys (dossier coordenado
por Minh Tran Huy). De -551 à Aujourd’hui. Confucius les voies de la sagesse. "Le Magazine Littéraire", novembro de 2009, n.º 491, p. 66. Anne
Cheng. Histoire de la Pensée Chinoise. Paris: Seuil, 1997, pp. 82 ss..
⁷Uma excelente síntese do que Bodin realmente disse (em 1576, nos Seis Livros da República, I, 8) sobre o assunto da soberania foi recolhida
na obra de Simone Goyard-Fabre. Qu-est-ce que la politique. Bodin, Rousseau et Aron. Paris: vrin, 1992, p. 56 ss..
⁸Cf. uma síntese em J. L. Brierly. The Law of Nations, ed. by Sir Humphrey Waldock, 6.a ed.. Oxford: The Clarendon Press, 1963, trad. port. de
M. R. Crucho de Almeida, prefácio de A. Rodrigues Queiró, Direito Internacional, 4.a ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p. 9.
⁹Jean Touchard (org.). História das Ideias Politicas, trad. port.. Lisboa: Edições Europa-América, 1970 (vários vols.), vol. 3, p. 63.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Talvez o tom haja sido como que contaminado pela visão hobbesiana do soberano, com
um estilo ou fraseologia totalmente antidemocrática, de que respigamos, só para exemplo, de
entre as epígrafes à margem de um capítulo fulcral do Leviathã:
Contudo, é muito curioso observar que clássicos de várias áreas do saber e de diversos
quadrantes geográficos há bastante tempo que não seguiam essa teorização atribuída a Jean
Bodin. Paremos um pouco. Na verdade, parece tratar-se de uma teorização que, partindo do
clássico jurista francês e invocando-o, vai muito mais longe. Passa para uma absolutização de
uma categoria - a Soberania - que deixa (pelo menos ao nível do pressuposto, do não-dito) de
ser uma perspetiva ou ponto de vista de um autor ou grupo de autores para encarnar o que se
pressupõe como essência, com algo de universal e dificilmente discutível, ou mesmo indiscutí-
vel. Tanto mais que convocando, por vezes, ou sendo associado por vezes, a questões de honra,
Nação, sangue, Pátria.
10
Thomas Hobbes (org. de Richard Tuck), Leviathan. 3. ed. port.. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 143 ss.. (parte 2, Cap. XVII).
145
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
sua inteireza, aos tempos contemporâneos. Pelo menos uma dificuldade de transposição cabal
e plácida. E um aproveitamento político muito perigoso por parte de hiper-nacionalismos de
um lado, a par de desvalorizadores de qualquer sentido de independência, por parte de outros.
A virtude estará algures no equilíbrio de um meio termo11: Soberania (ou algo como ela),
numa versão de autonomia e independência também internacionais, é importantíssima para as
questões vitais (chamemos-lhe, por exemplo, "soberania estratégica"): militar, educativa, cultu-
ral e de finanças, pelo menos. O grande educador António Sérgio dizia que a educação do Povo
equivalia a opor resistência a uma invasão estrangeira. Mas há muitas outras (e até certos aspe-
tos destas, o que complica as coisas) em que pode ser nociva aos próprios interesses nacionais.
Há assim que repensar este aspeto, com a maior atenção e cuidado. Um excesso solipsista de
soberania leva ao "orgulhosamente sós", talvez pobre e honrado (na mais idílica das versões),
mas pequeno e triste; uma ingénua ou laxista abertura em exagero e dissolução nacional são
ruína e aniquilamento certos, a prazo.
A meio de 2013, de novo a questão era ainda atual para alguns, e pelos vistos até mesmo
premente. Deveríamos por isso (referimo-nos a países como Portugal) fazer mais uma revisão
constitucional, ainda que, a exemplo de tantas em curso de há pelos menos alguns anos, de
alguma forma pela técnica do fait accompli? E ao fazê-la, se viesse a ser feita, não seria ela uma
revisão constitucional inconstitucional? Estamos em crer que sim.
Hoje de novo voltam alguns até a querer uma nova Constituição, obviamente por pro-
cedimento inconstitucional. E como os ventos que fazem soprar, por exemplo em Portugal,
estas ideias (que não são os mesmos por toda a parte: há que ter o maior cuidado quanto à di-
ferença de causas e de métodos de uns países para os outros - que fará de uns continentes para
os outros... como tantas coisas podem mudar...) são estrangeirados, de certo estrangeiramento
(porque o há vivificante, inspirador, também, desde sempre: no caso lusitano, desde o Bolonhês
No sentido da Ética aristotélica. Cf., v.g., Giorgios Iliopoulos. Mesotes und Erfahrung in der Aristotelischen Ethik. N.º 33, Atenas, 2003, p. 194
11
ss..
Para a elaboração desta síntese, fizemos questão de previamente consultar especialistas de diversos quadrantes. Agradecemos, entre outros
12
que nos comentaram, aos nossos amigos Prof. Dr. Jorge Bateira (professor de Economia Política na Universidade de Coimbra) e Dr. Rui Pedro-
to (administrador-executivo de uma Fundação), a leitura de uma anterior versão deste texto e as suas observações. Dos seus eventuais erros e
imperfeições assumimos naturalmente a exclusiva paternidade.
Cf., v.g., Achim Truger. The German Debt Brake – A shining Example for Europe?, in http://www.social-europe.eu/2012/03/the-german-de-
13
bt-brake-a-shining-example-for-europe.
146
COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
ao Príncipe das Sete Partidas, D. Pedro)14, certamente nessa nova constituição inconstitucional
viria a amarra financeira anti-soberania, ou, se preferirmos, contrária ao princípio da indepen-
dência nacional.
2. Sejamos razoáveis. Usemos desse bom senso que é a grande chave hermenêutica e
"pressuposto indescartável do direito, se não de todo o conhecimento humano", como escre-
veu o ministro Francisco Rezek15. É óbvio que nenhuma Constituição, e isso pela própria natu-
reza das coisas (natura rerum), especialmente pela sua própria natureza de magna carta em prol
do interesse e da felicidade de um Estado, poderia permitir endividamentos ruinosos.
Não queremos estar todos falidos em dez anos, como afirma o sugestivo título de Ja-
cques Atali, cuja tradução portuguesa já conta com metade desse tempo16. Tal parece uma
evidência. E assim não se precisa de marcar um limite quantitativo no texto da Constituição
formal (o limite, cautelar e não quantificado, está no coração e na cabeça das pessoas de bom
entendimento e boa fé, na constituição material), como quem determina o nível de alcoolemia
permitido num « bafômetro ». Nem é necessário explicitar muito esta elementar regra de bom
senso. Quantas mais teria que conter, então, uma pobre Constituição, e pior ainda uma Consti-
tuição de países não abastados? Não tem de o fazer, e não deve fazê-lo. Seria algo de contrário
à própria dignidade de uma Constituição, uma banalização.
A enumeração concreta (assim como a definição17) nos textos legais é uma técnica jurí-
dica primitiva. Todos os juristas o sabem.
Claro que disso não são obrigados a saber oficiais de outros ofícios: deviam era ter mais
respeito pelas áreas alheias, porque se metem e intrometem em técnicas que não dominam.
Então no Direito, não só toda a gente parece tudo saber, como os próprios juristas de novas
levas ou formadas em muitos casos trocaram a sua velha racionalidade, testada por séculos,
para aderirem a modas que levam, em não poucas situações, não apenas a renegar de tradição
(porque poderiam ser lufada de ar fresco), mas a enxertos que não resultam, porque colocando
água no fogo, e produzindo só fumaça.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
3. Desde logo, pela génese da mudança não provir do Povo ou de seus representan-
tes diretos e para tal mandatados, no exercício de genuíno poder constituinte nacional (nem
europeu), mas de uma cúpula, para mais, ao que tudo indica, com o fito de (certamente mais
uma vez em vão) acalmar uma insaciável entidade afinal juridicamente inexistente (além de que
não legitimada) no universo constitucional democrático: os “Mercados”. Não deixa de ser in-
teressante que um argumento soberanista (ou pelo menos de soberania) poderia ser invocado
contra tal intromissão no poder constituinte nacional.
Mas os ventos da concentração de poderes e decisões sobretudo não abrem mão das
decisões essenciais sobre a recolha e afetação de recursos financeiros. Aliás, a mentalidade
economicista imperante na política esquece tudo o mais. E procede como se nada mais existis-
se senão o seu bezerro de ouro19.
Acresce que a matéria dos limites expressos ao endividamento não é, para mais che-
gando a este pormenor quantitativo, de índole especificamente constitucional, mas de natureza
política e econômica. Assim, não adianta de nada estar a introduzir nela a alteração em causa,
apesar de saída da cimeira europeia de 9 de dezembro de 2011 como grande panaceia para os
males da União, que viria a ver e continua a presenciar grandes males sem os correspondentes
remédios grandes que se requereriam. A Grécia, para alguns, parece ser uma grande ameaça à
saúde das finanças europeias. E contudo a Grécia é a grande mártir... Independentemente de
ser necessário um dia apurar realmente todas as componentes da dívida helênica, portuguesa,
18
Francisco Pedro Jucá. Op. cit., p. 55.
19
Ex. 32; Deut. 9.
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espanhola... e de países de que se não fala com alarmismo ou escândalo, mas que a têm vultu-
osíssima. Interessante é notar como a linguagem politicamente correta inverte as situações... E
o público não está advertido para essa prestidigitação.
E, por outro lado, é muito complicado e perigosíssimo começar a instituir uma caça às
bruxas penalizando políticos por atos de liberdade política. A sanção por atos que não sejam
delituais (designadamente de corrupção) é, para eles, em democracia representativa, a do voto
popular.
Efabular um novo sistema não é utopicamente proibido, mas correr-se-ia o risco (que
já é real em alguns aspectos) de apenas se abalançarem a cargos públicos os muito ricos (para
poderem pagar eventuais e muito plausíveis multas e indemnizações) ou os muito atrevidos
(aqueles desprovidos de capacidade de previsão do que lhes poderia acontecer), ou ambos.
Finalmente, uma razão econômica e social a ter em conta neste debate: tal inclusão
muito plausivelmente seria invocada contra os prejudicados do costume pela crise, podendo
muito possivelmente revelar-se um garrote - mais um - ao desenvolvimento econômico e ao
Estado social, por via da autoasfixia de fundos. É que, como é por demais sabido (mas ainda
assim alguns se negam a reconhecer, não na teoria, quiçá, mas evidentemente na prática) as
economias precisam, para funcionar, da seiva dos meios financeiros, assim como da aceleração
propiciada pelo consumo.
O texto da aludida cimeira europeia deixava, apesar de tudo, uma tímida e formal aber-
tura, falando na possibilidade de consagração desse limite de forma equivalente ou análoga à
constitucional (no fundo, um texto materialmente constitucional ainda que não formalmente?
Mas como tal poderia ocorrer, se por natureza essa medida não poderia ser materialmente
constitucional?). Embora pensemos que se estaria a ter em mente a singularidade constitucio-
nal do Reino Unido (que contudo se afastaria das decisões do conclave), também já foi inter-
pretada esta fórmula como uma possibilidade de inscrição em documento jurídico formal ou
aparentemente infraconstitucional (porque não há realmente alternativa no plano da pirâmide
normativa).
149
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Alguns pensaram, certamente, que se poderia incluir o princípio nalguma lei de valor re-
forçado ou diploma afim, e assim se poderia fazer a experiência, como que "para tirar teimas". E
cremos que aqui, mais uma vez, a lógica economicista se iria enganar (oxalá não...). Até porque
se intromete em terreno que lhe é desconhecido e até de algum modo avesso, o constitucio-
nal. Que não é uma banalidade instrumental ao serviço de qualquer poder, mas (como alguém
classicamente disse) a question of art and time, profundamente ligada à alma dos Povos.
Porque a Economia, aliás uma excelente episteme, deve ser ciência (scientia) antes de
mais de saber, conhecimento de fatos, enquanto o Direito Constitucional deve ser arte de nor-
mas. Uma lidando rigorosa, escrupulosamente, com o domínio do ser (sein), o outro com não
menos rigor curando do dever-ser que quer ser (o sollen). Só não visando usurpar a dimensão
normativa as ciências do dinheiro e da riqueza e suas relações (crematísticas e cataléticas) po-
derão informar bem as artes da decisão sobre o que fazer. A decisão última é da política, isso se
sabe. Mas não olvidemos o contributo das ciências políticas, em que o direito tem parte, em-
bora uma parte muito especial. E nobre. Um economista reputado afirmou um dia que os da
sua classe são excelentes a prever as crises que passaram. Essa blague denota a ainda escassa
capacidade de previsão, mas ao mesmo tempo a tentação política dos economistas... Contudo,
há uma grande diferença entre Economics e a Economia Política.
Esperemos que os opinion makers sempre consultados pelos media (e estes mesmos)
não venham a curvar-se - ainda que por inércia - perante a moda, os poderes, ou a “força nor-
mativa dos fatos”. O economista francês Généreux já advertiu para um certo laxismo jornalístico
(no mínimo), que tende a dizer o que a opinião corrente diz. Corrente, ou dominante20... Seja ela
qual for, acrescentaríamos nós, que já vimos várias modas. Basta, aliás, deixar passar o tempo.
Como todos sabemos, nós juristas somos os primeiros dos nossos críticos. Não se trata,
pois, de defender corporativamente um terreno ou uma casta, mas de preservar a Constituição
de uma profanação, para mais sem nenhum efeito útil e muitas plausíveis consequências ad-
versas. E a Constituição é a última barreira que ainda resiste às investidas dos fantasmas e dos
monstros de que já falava Juncker, atual presidente da Comissão Europeia: “Die Dämonen sind
nicht weg, sie schlafen nur."21
Por isso é a Constituição (são muitas Constituições) tão atacada(s), ela(s) e os seus de-
fensores. As crises em que mais ou menos por toda a parte se vive hoje levam-nos frequente-
mente a um enorme descontentamento e ao desejo de mudar. Mas apenas a mudança segura
nos termos constitucionais nos livra de pecados originais que seriam pais e mães de múltiplos
pecados derivados, e maculariam o futuro. E as nossas constituições, hoje em dia, possuem
20
Jacques Généreux. Nous, on peut! Manuel anticrise à l’usage du citoyen, ed. rev. e atualizada. Paris: Seuil, 2012 (1.ª ed. 2011), p. 12.
Jean-Claude Juncker. Entrevista a “Der Spiegel”: Euro-Krise: Juncker spricht von Kriegsgefahr in Europa, in http://www.spiegel.de/politik/
21
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aberturas mais que suficientes para todas as regenerações. Assim haja pessoas e haja projetos.
4. Em síntese: As propostas a que nos vimos referindo são anticonstitucionais e uma sua
consagração normativa seria inconstitucional. É que, por um lado, "tornariam constitucional" o
que não só o não é materialmente (sem possuir dignidade constitucional), como assim se vio-
lariam limites implícitos de revisão constitucional.
Entre estes limites, de grande importância, se devem contar as regras lógicas (como a
que não permite a dupla revisão: por muito que Charlot entre na porta proibida simplesmente
removendo o cartaz que o proíbe, como lembrou Gomes Canotilho) e as de dignidade consti-
tucional (relevância, pertinência, estilo e tradição até).
A matéria não tem dignidade constitucional, está fora da tradição constitucional moder-
na de Constituições como grandes metanarrativas sobre o Político e não questões técnicas e
neste caso proprio sensu, contabilísticas.
Por outro lado, a asfixia ou garrote financeiro, seja no próprio texto da Constituição, seja
em lei de valor reforçado (mas a fortiori no primeiro caso) põe em causa o modelo ou projeto
constitucional das Constituições vigentes na Europa do modelo social europeu, nunca revoga-
do de jure em país nenhum. E que foi inspirador de muitos mais.
Ora o Estado Social de tipo democrático ocidental (pois outros são e foram possíveis,
como lembrou, por exemplo, e antes de mais, Paulo Bonavides22), de democracia representativa
e participativa, num Estado de Direito (portanto Estado de direito democrático, de social e de
cultura - ou Estado Constitucional moderno, como afirma Peter Haeberle23), tem frequente-
mente sido baseado em políticas que latamente poderíamos classificar como keynesianas, em
que o Estado assume o protagonismo (embora de forma articulada, moderada e pluralista, sem
totalitarismos) de dinamizar a economia, o que frequentemente leva a endividamento.
22
Paulo Bonavides. Do Estado Liberal ao Estado Social, 10.ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011.
23
Peter Haeberle. El Estado Constitucional, estudo introdutório de Diego Valadés, trad. e índices de Héctor Fix-Fierro. México: Universidad
Nacional Autónoma de México, 2003.
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COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO
Como o Estado Social democrático ainda não terá encontrado, sobretudo em tempos
de estagnação ou recuo da iniciativa privada, soluções muito diferentes das referidas, por uma
via aparentemente inócua de números e por um meio em teoria consensual de imprimir rigor e
parcimônia às contas públicas se poderá enfim estar a inviabilizar todo o projeto constitucional
europeu (geral e dos diferentes países) ao nível da Constituição Econômica e Social24.
Mais uma vez, são precisos constitucionalistas e cidadãos que defendam a Constituição.
E que compreendam como ela nos pode defender. E deveria de finalmente entender-se que
não são os números que devem mandar. Faz falta quem, como De Gaulle, afirme: A Intendência
seguirá! Primeiro estão o Direito e os Direitos das Pessoas.
Nem De Gaulle nem Churchill eram dinossauros, e muito menos "dinossauros verme-
lhos". Aliás, o que hoje parece ocorrer, na Europa, é um fenômeno curioso de coincidentia
oppositorum, de concordância até entre os contrários, uma quase unanimidade político-ide-
ológica que coincide na prática num diagnóstico negativo sobre o rumo de descaminho dos
últimos anos na União Europeia, em real risco de se desagregar. Ou de continuar agregada, mas
com profundos descontentamentos, sobretudo "periféricos".
A qual não se encontra isolada dos demais aspetos constitucionais e assim pode levar, com o agravamento da crise, a déficits democráticos
24
mais ou menos acentuados. Em suma, o que poderia parecer uma modesta cedência a uma exigência de economicistas, mais ou menos
supérflua, poderia redundar, na bola de neve das consequências, em graves danos à aplicação concreta da Constituição vigente. V. o nosso
Constituição & Política, Lisboa, Quid Juris, 2012, em que também apontamos já as grandes linhas do que aqui dizemos.
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rondar dos espectros de novos totalitarismos (e até velhos, que renascem), que "tudo vai bem,
e não podia ir melhor". Salvo talvez a culpa desses PI(I)GS preguiçosos, a começar pelos endi-
vidados Gregos. A quem, contudo, jamais pagaremos todos, o mundo inteiro, a dívida ancestral
da Civilização. Mesmo que nos perdoassem os justos juros compostos.
Liberais, se dizem, os dizem? Não nos parece. Basta ler o esquecido clássico Thomas Hill
Green, além da síntese de John Gray25.
Um dos grandes problemas nesta matéria foi já colocado por Bertrand Russel. Uma das
grandes questões políticas do nosso tempo é saber ou não saber Finanças, e, naturalmente,
Direito Financeiro. Evidentemente, neste Congresso de Direito Financeiro estamos num local
privilegiado, com um altíssimo índice desse conhecimento por metro quadrado.
Mas Russel achava, nesse belo livro que comprei em edição brasileira num sebo de São
Paulo, O Elogio do Lazer26, que o grande problema seria, na condução dos negócios públicos,
que poucos da opinião pública saberiam de duas questões todavia politicamente vitais: quer
de guerra, quer de Finanças. E nós acrescentaríamos que a muitos parece que nem mesmo os
especialistas, em sede política, muitas vezes posam muito bem para a História como conhece-
dores do seu ofício.
Esperamos que no futuro mais pessoas, dentro e fora dos Governos, saibam ao menos
mais de Finanças. Apesar do poema de Fernando Pessoa que termina, e à sua sombra nos aco-
lhemos nós, pessoalmente,
John Gray. Liberalism. 1986, trad. cast. de Maria Teresa de Mucha, Liberalismo, 1.ª reimp.. Madrid: Alianza Editorial, 2002, máx. p. 9, p. 57 ss.,
25
p. 113 ss..
26
Bertrand Russell. In Praise of Idleness, trad. port. de Luiz Ribeiro de Sena, O Elogio do Lazer, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1957.
153