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Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do
Departamento de Educação e Ciências/Núcleo de História, do Instituto Federal do Sudeste de
Minas Gerais – Campus Juiz de Fora (MG). Este texto é resultado do projeto Jacques Bossuet na
diocese do Grão-Pará: trajetória [história e teologia] de Dom Frei Caetano Brandão (1740-
1805) e suas [possíveis] relações com as ideias políticas no Brasil no Oitocentos, apoiado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com bolsa de Iniciação
Científica para Vivianne Cobuci de Almeida.
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um único altar, mas foi revigorada em 1668 e sagrada a São Francisco Xavier (LOPES,
2014).
Ladeando a igreja, encontramos o Museu de Arte Sacra, instituído em 1991 como
um departamento da Fundação Cultural do Município de Belém que, por sua vez, pertence
à sua Prefeitura Municipal. Suas coleções originaram-se da Pinacoteca Municipal e do
Museu da Cidade de Belém e, muitas delas, fazem referência ao período da borracha na
Amazônia. Por entre estas galerias uma pintura, em especial, nos chamou a atenção:
“Retrato de Frei Caetano Brandão”, pintura em óleo sobre tela, datada de 1829,
procedente da própria diocese do Pará e cujo artista, natural da Bahia, foi Antônio
Joaquim Franco Velasco (1780-1833).
Até aqui tudo bem, não fosse o detalhe que o quadro apresentava: o bispo do Pará
segura um livro que, em letras bem grandes indica: Bossuet. Aos olhos de muitos nada
de errado, tendo em vista ser Jacques Bossuet (1627-1704) autor amplamente difundido
nos manuais de história como teórico do absolutismo e idealizador da “teoria do direito
divino dos reis” em seu livro, publicado postumamente, “A política tirada da Sagrada
Escritura” (1708). Em linhas gerais, atribui-se a esta teoria a defesa de que o poder real
advém diretamente do poder de Deus. Tem-se a ideia de que há uma aliança com o papa
para que esta relação se concretize, ou seja, a tese de que o absolutismo somente se
sustentava com o apoio do papa (FILORAMO; BARBERO, 2001:231). Em suas
reflexões, dizia Jacques-Bénigne Bossuet que “[...] O trono real não é o trono de um
homem, mas no trono do próprio Deus [...] O rei vê demais longe e de mais alto; deve
acreditar-se que ele vê melhor, e deve obedecer-se-lhe sem murmurar, pois o murmúrio
é uma disposição para a sedição” (FREITAS, 1976:201).
Entretanto, dadas as tensões entre o poder temporal e o espiritual na França, o que
a política daquele país desejava era, em verdade, reforçar a Igreja nacional, portanto, dar
força à Igreja galicana, sem que se precisasse do aval romano para a sagração real e para
que o rei, sagrado diretamente por sua Igreja e por Deus, conseguisse uma melhor gestão
sobre o “patrimônio de São Pedro”, entre outros. Conquistada esta autonomia religiosa,
sem necessariamente se romper com o catolicismo como o havia feito Henrique VIII
(1491-1547), na Inglaterra, os reis franceses conseguiriam uma melhor
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governabilidade do que aqueles reinos em que o Estado nacional ficava na dependência
dos ditames pontificais romanos.
É a partir da defesa desta ideia que entendemos ser possível iniciar uma discussão
para a compreensão da relação entre a imagem de bispo do Grão-Pará e um teórico do
absolutismo francês que viveu no século XVII, ao tempo de Luís XIV (1638-1715).
Assim também, um teórico do absolutismo que trabalhou para uma monarquia europeia
que tivera sérias contendas com os padres da Companhia de Jesus. Mas, principalmente,
de uma Companhia de Jesus que era papista, portanto, que trabalhava para a supremacia
do poder espiritual do papa e do Santo Ofício sobre o poder temporal, portanto,
ultramontana (LACOUTURE, 1993).
Uma das hipóteses deste trabalho vem reforçar o que tem sido discutido nos
estudos históricos a respeito da relação entre a cultura religiosa e a cultura política no
mundo luso-brasileiro. Mais especificamente, vem discutir as relações entre o Estado
português com as reformas pombalinas e sua influência no campo das ideias políticas que
incidiriam na formação política do Brasil após a independência. Ao nos referirmos às
reformas pombalinas estamos nos remetendo ao reforço do regalismo português, quando
o Marquês de Pombal esteve à frente da política lusitana e, portanto, ao tempo em que
expulsou a Companhia de Jesus do reino e das colônias e reformou o ensino, no âmbito
das universidades e dos seminários, todos nas mãos dos inacianos e do Santo Ofício
português. (BEAL, 1977:238). Assim também, Pombal conseguiu justificar teoricamente
o regalismo português por meio da introdução de uma literatura de base jansenista e que
circulava pela Europa, em países como a Áustria, onde foi embaixador, e na França, onde
o regalismo era mais conhecido por galicanismo. Galicanismo este que, como dissemos,
pode ser entendido a partir da teoria política defendia por Jacques Bossuet, portanto, autor
conhecido do bispo do Grão-Pará (SANTOS, 2007:38-39).
A princípio acreditávamos que a referência no quadro de Antônio Joaquim Franco
Velasco seria algo isolado, portanto, pouquíssimas seriam as outras referências a Dom
Frei Caetano Brandão. Entretanto, a pesquisa acabou revelando uma série de outras
referências que acabam por projetar o bispo para o Oitocentos. É relevante que ao longo
do século XIX foi relativamente constante a produção bibliográfica sobre o personagem
em questão, assim como foram sendo editadas a posteriori outros de seus escritos. Estas
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obras destacam com frequência as memórias do bispo (AMARAL, 1818) tendo por
referência sua atuação frente aos (arce)bispados do Grão-Pará e de Braga, os diários de
suas visitas pastorais (BRANDÃO, 1991), suas instruções pastorais (PASTORAES,
1824) e as obras que realizou por onde governou, sobretudo, no tocante à educação
(BRANDÃO, 1991), entre outras produções bibliográficas (OLIVEIRA, 1987).
É relevante, neste plano, lembrar que em 2005, ano do bicentenário de morte de
Dom Frei Caetano Brandão, teve lugar na Universidade do Minho e na Universidade
Católica, em Braga, um vasto conjunto de conferências que abarcaram as diversas áreas
do saber e da cultura em que o prelado bracarense se envolveu. As conferências tiveram
por finalidade contextualizar e dar luz a novos fatos que contribuíam para o
conhecimento da trajetória de Dom Frei:
[...] seu zelo episcopal à benemerência; à criação de escolas de
primeiras letras; à fundação de colégios para meninos órfãos e meninas órfãs;
à instrução geral à formação profissional; à intervenção social e à
participação política; à pedagogia à filosofia; à interferência no
desenvolvimento das artes e ofícios, ao exemplo e pastoral evangélica
(DIÁRIO DO MINHO, 2005).
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Misericórdia de Braga); “Leonardo Caetano de Araújo, benfeitor do Colégio de S.
Caetano” pelo Padre António de Sousa Araújo (DIÁRIO DO MINHO, 2005).
As atas deste evento, em sua maior parte, foram reunidas em uma das edições
da Bracara Augusta, Revista Cultural da Câmara Municipal de Braga. O acesso a esta
documentação nos serviu para pensar o que havíamos proposto até então em relação a
Dom Frei Caetano Brandão, isto é, quais teriam sido suas concepções político-teológicas.
E como o bispo se inseria em um contexto pós-reformas pombalinas que reforçaram o
aspecto regalista da Igreja portuguesa. Esta análise nos levaram a ver que Dom Frei
Caetano Brandão esteve envolvido com homens e letras que dialogavam com o
jansenismo, mas, sobretudo, com o regalismo português do século XVIII. São de seu
círculo de amizades, por exemplo, o Frei Manuel do Cenáculo (1724-1814),
nomeadamente vinculado às ideias ragalistas, religioso da Congregação dos
Franciscanos, e que lhe seria importante referencial, não somente intelectual, mas
também material, isto é, tudo leva a crer que os custos da formação de Caetano Brandão
foram bancados por Cenáculo (PEIXOTO, 2005:145).
Ainda sobre as ideias envoltas na formação e trajetória de Dom Frei Caetano
Brandão, José Carlos Gonçalves Peixoto nos diz que:
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1797); Frei Ruperto de Jesus (?-?), Gobinet, Pierre Nicole (1625-1695), Charles Joachim
Colbert, bispo de Montpellier (1667-1738); além do próprio Jacques Bossuet (PEIXOTO,
2005:152-154).
Fato é que Dom Frei Caetano Brandão vivia em um universo católico que o
remetia às discussões que se passavam no campo político português quando à
supremacia do poder temporal sobre o espiritual. Desta feita, a partir destas referências
presentes na trajetória do bispo, propomos pensar suas memórias para o século XIX,
sobretudo levando-se em consideração, o quadro de Antônio Joaquim Franco Velasco
“Retrato de Dom Frei Caetano Brandão” e a peça de teatro escrita por Antonio da Silva
Gayo1 “D. Frei Caetano Brandão. Drama em cinco actos com um escorço biographico”
(GAYO, 1869).
No que toca ao quadro, nos perguntamos sobre o porquê da diocese do Grão-Pará
encomendar um quadro a Velasco sobre Dom Frei Caetano Brandão em uma década de
1820 em que também eram conturbadas as pressões entre o governo imperial e as elites
locais. Estas elites do Pará, embora não seja uma exclusividade, eram muitas vezes
compostas por elementos do clero imperial, portanto, um clero que, na visão de muitos,
mais se preocupava com a política do que com o seu rebanho de fieis (RICCI, 2008). Em
relação à peça, embora esta tenha sido escrita para ser representada em Portugal, teve seus
direitos comprados por Araújo Porto Alegre (1806-1869) para ser encenada no Rio de
Janeiro na década de 1860.2
Este é um dado importante, pois a este tempo a Corte estava envolta em uma
atmosfera político-teológica muito complexa, em que o papel da Igreja frente ao Estado
imperial regalista estava sendo rediscutido, como tivemos a oportunidade de pesquisar
em recente projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas
Gerais, FAPEMIG (PINTO, 2015). Havia um embate entre a Igreja Ultramontana e o
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Professor de Medicina na Universidade de Coimbra, foi fundador e diretor do
Comércio de Coimbra. A sua veia literária leva-o à escrita de Mário - Episódios das Lutas Civis
Portuguesas -1820–1834, de 1868, narrativa histórica romanceada, com em que celebra a
liberdade e promove a revolta contra a tirania. No ano seguinte publica D. Frei Caetano Brandão,
drama histórico baseado numa uma peripécia de identidades, de gosto romântico, a propósito do
famigerado Bispo de Belém do Pará.
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A carta de Araújo Porto Alegre comprando os direitos de encenação da peça de
teatro no Brasil encontra-se disponível na Biblioteca Nacional (BN).
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campo político imperial em que estava em jogo uma série de reformas das quais dependia
o Brasil para inserir-se na modernidade oitocentista. Tudo no leva a crer que a peça de
teatro de Silva Gayo dialogava com os embates que também ocorriam ao longo do século
XIX, em Portugal [assim como no Brasil] entre ultramontanos e republicanos daquele
país (GARCÍA, 2008).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, António Caetano de. Memórias para a história da vida do
venerável D. Frei Caetano Brandão. 2 vols. Lisboa, Na Impressão Régia, 1818. 2ª ed.
Braga, 1867.
LOPES, Rhuan Carlos dos Santos. "O melhor sítio da Terra". Colégio e Igreja
dos jesuítas e a paisagem da Belém do Grão-Pará. Belém: Editora Açaí, 2014.