Portfólio Final - MFC Einstein turma 06

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MÔNICA TAMMY YONAMINE

ESPECIALIZAÇÃO EM MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE:


A reflexão como uma ferramenta de ensino e aprendizado

Portfólio de acompanhamento de
atividades didáticas do curso de Pós-
Graduação em Medicina de Família e
Comunidade: Ensino e Assistência,
apresentado ao Instituto Israelita de
Ensino e Pesquisa Albert Einstein

Supervisor: Prof. Alexandre Sizilio

São Paulo
Março/2024
APRESENTAÇÃO PESSOAL

Filha de casal com ascendência japonesa; criação mesclada nipo-brasileira -


com certa cobrança, rigidez e disciplina relacionadas ao ensino e aprendizado -
associada às notas exemplares durante os anos escolares, levaram-me a crer que
não seria de grande dificuldade ser aprovada no vestibular de um dos cursos mais
concorridos: a Medicina. Mas não foi bem assim.

Cinco anos de curso preparatório: acordar cedo, pegar a linha vermelha do


metrô de São Paulo às 5h30, aulas o dia inteiro e pouco sono. Cinco anos nessa
rotina. Cinco. Quase a duração de um curso inteiro de Medicina. Talvez devesse ter
escolhido outro caminho, mas sentia que precisava provar algo para alguém. Talvez
para meus pais, talvez para a sociedade.

Detalhe: a faculdade não poderia ser particular, muito menos fora de São
Paulo. Só havia duas opções: USP ou UNIFESP e ninguém tirava isso da minha
cabeça - cabeça a qual vejo hoje como restrita, imatura e insegura. Ou seria
ambição? Ou necessidade de aprovação e validação?

Eis que em março de 2014 o sonho virou realidade, mas sempre com aquela
pitada de emoção: aprovada na última vaga da última lista em uma das faculdades
que eu mais desejava. Hoje, sou formada há 4 anos em Medicina pela octagésima
segunda turma da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - Escola Paulista
de Medicina (EPM). Trá-cá-trá!

A graduação foi como o esperado - não vou citar aqui algumas greves, falta
e/ou desvio de verba federal e coisas do tipo. Ao longo do último ano de graduação,
fui percebendo que algo na minha mentalidade estava indo contra o fluxo lógico (ou
o que eu e a maioria dos meus colegas achávamos lógico): eu não queria prestar
prova de residência. E a cabeça dizendo: “É sério mesmo? E o que você vai dizer
aos outros quando perguntarem sua especialidade? Não precisa prestar a prova
agora, então. Mas depois você vai prestar … Não é? Afinal de contas, todo médico
tem que ter uma especialidade”. Então, se, naquele momento, eu não prestaria a
prova de residência, o que eu faria?
Alguns plantões de (r)emoção até que decidi tentar o famoso “postinho de
saúde”, o mesmo onde havia estagiado durante o quinto ano da graduação. Minha
antiga preceptora ainda trabalhava lá e eu já conhecia algumas Agentes
Comunitárias de Saúde (ACSs). A ideia era trabalhar para juntar dinheiro para a
residência enquanto estudava em paralelo. Doce ilusão. A rotina na Unidade Básica
de Saúde (UBS) não é moleza; associada ao sentimento de recém-formada de
querer abraçar os problemas do mundo e a uma pandemia sem precedentes,
imagina só … O burnout veio. Trabalhei por 15 meses em uma determinada
Organização de Saúde (OS) e esse tempo não foi de todo ruim. Fui preceptora dos
alunos do quinto ano de Medicina da EPM, pois a antiga preceptora estava afastada
devido à gestação em contexto de Covid; aprendi a estabelecer meus próprios
limites e a cuidar da minha saúde mental. Decidi, então, sair do atendimento
presencial e tentar a telemedicina.

Por 17 meses, trabalhei na telemedicina para um convênio médico e fui


convidada a participar de um projeto de cuidado longitudinal à distância.
Acompanhei os pacientes buscando sempre promover saúde, prevenir doenças e
optar por projetos terapêuticos singulares (PTSs). Tomei gosto e sentia que faltava
algo. Talvez esse “algo” eu só conseguiria voltando para o atendimento presencial.

Há 16 meses, retornei à UBS - não a mesma, mas com novos desafios e


alguns outros semelhantes. Buscando aumentar a resolutividade no cuidado ao
paciente e com a possibilidade de receber alunos de graduação na unidade onde
trabalho, iniciei a pós-graduação em Medicina de Família e Comunidade (MFC).

Hoje, sinto que estou em paz com as minhas escolhas. Não prestei a prova
de residência e estou no caminho para minha especialização. As próximas
conquistas serão: concluir a pós-graduação e prestar o Teste de Especialista em
MFC (TEMFC) após completar 48 meses na Atenção Primária à Saúde (APS) em
julho de 2025.
REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE O APRENDIZADO

Dia 10 de março de 2023. Início das aulas de pós-graduação em uma das


instituições mais bem conceituadas do país. Estava ansiosa pelas aulas, pelos
professores, pelos colegas de turma. A aula era online e eu estava terminando o
expediente na UBS quando começou. Tema: princípios e diretrizes do Sistema
Único de Saúde (SUS), da APS e da MFC. Pensei comigo: “Poxa vida, tive isso
durante toda a graduação na matéria de Saúde Coletiva - carinhosamente chamada
de “SaCo” - e é sempre a mesma história. Mas vamos ver como vai ser, afinal, é a
pós do Einstein!”. E, para a minha surpresa, a experiência foi diferente dessa vez.
Os conceitos são os mesmos, mas a minha cabeça não. Acredito que o tempo de
experiência me fez amadurecer tais conceitos e internalizá-los a cada dia de UBS e
a cada vivência com meus pacientes.

Em relação ao nosso Sistema de Saúde, identifico na prática todos os


princípios teóricos (Universalidade, Integralidade e Equidade). Já quanto às
diretrizes, percebo tentativas efetivas, como a descentralização com a atuação das
OSs, mas algumas que precisam de melhora, como a participação popular. Entendo
que, infelizmente, ainda existe uma hierarquia de ações e controle principalmente
financeiro, sendo muitas dessas informações fiscais turvas aos olhos da população.
É contraditório da minha parte perceber a falta de participação popular e pouco me
animar para tal. Confesso que ainda sou desprovida de esperança quando se trata
de política e investimento adequado em saúde e educação no nosso país. “Tá aí”
um ponto a ser melhorado e refletido com mais calma e maturidade.

Quanto aos atributos da APS, confesso que só me lembro dos essenciais.


Percebi que há, da minha parte, uma real necessidade de melhora em relação aos
atributos derivados, tanto teórico quanto prático. Confesso que a sigla MFC sempre
me prendeu muito mais ao “MF” do que ao “C”; além disso, o prontuário é familiar e,
na minha cabeça, “MF” cuida de família e ponto final. Coitado do “C” … E coitada de
mim por não ter percebido isso antes. Há tantas potencialidades e possibilidades
quando se conhece o território em que se atua - locais de maior vulnerabilidade com
necessidade de ações pontuais, locais para realização de grupos para promoção de
saúde, entre outros. Eu não havia percebido isso até conhecer o Módulo 1 da pós-
graduação.

Falando em MFC, tive um verdadeiro apreço pela aula sobre seus princípios.
Obviamente, essa aula foi ministrada muito bem (Tita, te adoro!). Antes, quando
diziam “postinho de saúde”, soava-me como algo de baixa estima devido ao
diminutivo associado. Hoje, “postinho de saúde” traz um significado carinhoso e de
acolhimento (acolhimento de aconchego mesmo e não dos 37 atendimentos diários
de síndrome gripal, mais os 17 de diarreia e outros 12 de conjuntivite). Saber que a
especialidade que escolhi para chamar de minha tem como foco o ser humano é
algo que me maravilha. Desde pré-natal até cuidados paliativos … Tem ideia do
privilégio que é isso? Pois é, essa aula me fez ressignificar muita coisa.
Independentemente do que os outros pensem, hoje faço o que faz sentido para mim
e me orgulho em saber que a comunidade é quem colhe os frutos. O único ponto
que acho difícil de cumprir é o de morar no mesmo território de cobertura da UBS -
aí entra aquela questão de saber estabelecer meus próprios limites.

Pensando na lógica do cuidado singular, direcionado para cada paciente em


cada contexto inserido, chegou o momento de citar o Método Clínico Centrado na
Pessoa (MCCP). Eu sabia que já tinha ouvido esse termo antes e confesso que o
confundia com o PTS. Agora sei que o MCCP trabalha com a experiência da
doença, buscando um entendimento integrado do processo e não somente da
história natural da doença. Aprendi a sigla SIFE (sentimentos, ideias, funcionamento
e expectativas) e, aí, algumas abordagens começaram a ser facilitadas. Por
exemplo, antes de iniciar uma insulinoterapia, aplico o SIFE e, assim, o MCCP.
Muitos pacientes apresentam medo em relação ao uso da insulina; trazem traumas
familiares e até mesmo pessoais de episódios de hipoglicemia - nesses últimos
casos, refiro-me às consultas em que tenho que aumentar a dosagem de insulina,
pois a iniciação já havia sido feita e estava insuficiente. Entender o medo dos
pacientes, como isso os afeta e quais são suas expectativas em relação ao meu
atendimento, auxiliam demais no cuidado, fortalecem o vínculo e aumentam as
chances de uma terapêutica mais efetiva.

Outra sigla não tão nova assim foi o SOAP (subjetivo, objetivo, avaliação,
plano). Confesso que já sabia usá-lo devido ao Prontuário Eletrônico do Cidadão
(PEC) que usamos na UBS, mas a aula me auxiliou a lapidar tal uso e otimizar a
maneira de registro.

Quanto ao raciocínio clínico, pude praticar mais durante o terceiro módulo


dado que, na verdade, era o módulo de número 2 na programação do curso. Aqui,
aprendi que realmente a ordem dos fatores não alteram o produto. Brincadeiras à
parte, trago algumas críticas a esse Módulo 2. Muitas das aulas me lembraram a
época da graduação: conteúdo expositivo com a sequência clássica de
epidemiologia, fatores de risco, diagnósticos diferenciais, terapêutica, prognóstico e
prevenção. Falando em prevenção, algo positivo foi que, na maioria das aulas, era
citada a prevenção quaternária, ponto de suma importância no atual contexto da
medicalização excessiva. No entanto, particularmente, buscava por ênfase em
resolutividade. E não entenda resolutividade como intervenção direta, mas, sim,
como expansão de possibilidades de abordagem terapêutica com o que nos é
possível no contexto da APS. Confesso que ainda não sei como estruturar essa
minha angústia, pois entendo que as possibilidades não são as mesmas nos
diversos estados e nem mesmo nos próprios municípios de um mesmo estado.
Talvez a beleza esteja nessa dificuldade, não sei. Por outro lado, gostaria que
algumas coisas fossem um pouco mais fáceis para nos ajudar como profissionais da
ponta e, assim, os pacientes também.

O Módulo 4 foi o segundo módulo dado. Seria uma bela metalinguagem


refletir sobre a aula “Portfólio como instrumento da prática de ensino reflexivo”, mas
não sei se tenho desenvoltura adequada para tal - talvez ela apareça nas
considerações finais. Nunca imaginei em registrar uma consulta minha com imagens
(e até hoje não fiz isso). Confesso que seria uma ótima maneira de avaliação e
melhora, mas mantenho algumas ressalvas - para não dizer inseguranças e medos.
Além de plantar a semente da reflexão e poupar meus direitos de imagem, tive a
possibilidade de iniciar o desenvolvimento de métodos de ensino para quando
receber alunos na UBS - espero que em um futuro breve.

Abordagem comunitária ... zero habilidades minhas, até porque eu não me


sentia tão inserida na comunidade. Como disse um sábio professor: “muitas vezes
achamos que estamos em uma ‘embaixada estrangeira’ quando estamos dentro da
UBS”. Entender quais são as dores da comunidade como um todo é também
planejar o seu cuidado. No atual contexto do aumento dos casos da dengue, é nítido
como conhecer o meio em que estamos faz a diferença. Conversei com a Agente de
Promoção Ambiental (APA) e ela me explicou o trabalho que está sendo fazer os
bloqueios dos casos de dengue e arredores. Por outro lado, ela citou pontos
estratégicos na comunidade e líderes comunitários que estão auxiliando a UBS
nesse bloqueio. A comunidade é viva. A dengue não está somente em uma casa,
ela afeta o todo. Para preencher a notificação da dengue, precisamos perguntar o
endereço do paciente e comecei a perguntar até mesmo nas consultas agendadas,
questionando o que há de potencialidades próximo ao endereço e quais as
dificuldades do local. Sinto que isso me ajuda a pertencer à comunidade, de certa
forma. Agora, planejo também mudar meus olhares durante os períodos de visita
domiciliar, não focando apenas na visita em si.

No mesmo Módulo 3 de Abordagem Comunitária, o professor Daniel trouxe


uma paciente em vídeo para conversarmos com ela sobre suas dores,
principalmente em relação ao casamento. Confesso que fiquei incomodada com
essa aula. Achei interessante, mas creio que não tenho ferramentas necessárias
para uma abordagem terapêutica assim. Sinto que valeu a experiência. É sobre
aquilo de saber quais são seus limites.

O módulo de prática foi o nosso último. Ótima abordagem para que


ampliemos nossa resolutividade no cuidado ao paciente. DIU e Implanon já estão na
minha prática diária. Gostaria de aperfeiçoar o agulhamento a seco e a retirada de
cistos e já pedi à gerente da UBS uma “salinha de procedimentos”, se possível.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de eu não ser católica, esse portfólio pareceu um confessionário de


tanto “confesso” que escrevi. Mas confesso que foi necessário (risos). Não quero
esconder o que aprendi, o que me falta aprender, as reflexões que fiz e como quero
agir a partir disso. Hoje entendo o princípio freiriano. O curso foi a ação; o portfólio, a
reflexão e a próxima ação será como minha cabeça, hoje mais segura e madura, irá
reger o meu corpo para as potencialidades do agora e os desafios que virão.

Hoje, após concluir todos os módulos do curso, sinto-me mais preparada


para lidar com os desafios na UBS e perceber a comunidade com outros olhos.
Ainda espero pela vinda de alunos.

Por fim, agradeço a cada professor pela troca.

Nota 1: ironicamente ou não, o dia em que escrevi a apresentação pessoal


coincidiu com o dia da prova de residência da EPM. Enquanto escrevia, sentia
realmente que fiz as pazes com as minhas escolhas.

Nota 2: só fui descobrir que não deveria provar nada a ninguém após alguns
anos de vida e de muita terapia, claro.

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