tese redobro do clitico
tese redobro do clitico
tese redobro do clitico
Belo Horizonte
Maio de 2016
RICARDO MACHADO-ROCHA
Belo Horizonte
Maio de 2016
2
3
Ficha catalográfica elaborada pelos Bibliotecários da Biblioteca FALE/UFMG
Machado-Rocha, Ricardo.
O redobro de clítico no português brasileiro dialetal [manuscrito] /
R672r
Ricardo Machado-Rocha. – 2016.
127p., enc. : il., tabs., p&b.
Bibliografia: f. 124-129.
4
Agradecimentos
5
Resumo
6
Abstract
7
Lista de símbolos e abreviações
* Sentença agramatical
? Sentença degrada/julgamento de gramaticalidade variável
1P.PL 1.ª pessoa do plural
1PS ou 1P.SG 1.ª pessoa do singular
2P.PL 2.ª pessoa do plural
2PS ou 2P.SG 2.ª pessoa do singular
ACU Acusativo
-AGR Agreement - concordância
AgrP Agreement Projection - projeção de concordância
au autor
Cl Clítico
ClP Clitic phrase - sintagma do clítico
CP Complementizer phrase - sintagma complementizador
DAT Dativo
DP Determiner phrase - sintagma determinante
ECM Exceptional case marking - marcação excepcional de caso
F Feature - traço
FF Formal Features - Traços Formais
GEN Genitivo
INF Infinitivo
IP Inflectional phrase - sintagma flexional
KP K phrase - sintagma K (sintagma de caso)
LF Logical Form - Forma Lógica
NOM Nominativo
NP Nominal phrase - sintagma nominal
nP Little n phrase - Sintagma do “enezinho” (projeção funcional de N)
Ø Marca zero default
OD Objeto direto
OI Objeto indireto
Part Participante
PASS Voz passiva
PB Português brasileiro
PE Português europeu
PF Phonological Form - Forma Fonológica
8
PP Prepositional phrase - sintagma preposicional
prep Preposição
pro little pro - “prozinho”
RC Redobro de clítico
RL Regência e Ligação
sing Singular
Spec Specifier - especificador
TP Tense phrase - sintagma de Tempo
VP Verb phrase - sintagma verbal
vP ou v*P Little v phrase - sintagma do “vezinho”
XP X phrase - sintagma X (hipotético)
φP φ phrase - sintagma φ (projeção de traços de gênero, n.º, pessoa)
9
Lista de diagramas e tabelas
10
Sumário
1. Introdução ..................................................................................................................... 13
11
Conclusões ...........................................................................................................................120
Referências ..........................................................................................................................124
12
1. Introdução
1) Redobros de clítico no PB
Com pronomes de 1.ª pessoa
a. Ele me ajuda eu
b. tinha cinco médico lá me oinano eu assim2
1
Os dados orais e escritos analisados neste trabalho são extraídos de RAMOS (2010) (Corpus do dialeto
mineiro: textos orais; textos escritos dos séculos XVIII, XIX e XX); MACHADO-ROCHA (2013) (Fala
espontânea - estudantes do Ensino Médio de Belo Horizonte. Corpus inédito); VITRAL (2014) (Projeto
Cartas ao Papai Noel - A escrita em Minas Gerais). Além dos dados reais, utilizamos também alguns
dados de introspecção, baseados no dialeto do autor.
2
Ramos (2010), fala de Piranga, MG.
3
Idem.
13
3) Tu to edhosa tu Jani to vivlio. (grego)
Cl-GEN Cl-ACU dei o Janis-GEN o livro-ACU
(“Eu dei o João o livro.”)
(ANAGNOSTOPOULOU, 2006, p. 545)
(ii) Quais são as estruturas especiais que licenciam o RC. Uma resposta inicial, com
grande adesão, foi a então chamada Generalização de Kayne, segundo a qual o
RC ocorreria apenas quando o DP redobrado fosse precedido de uma preposição
especial, como em (2), em que o DP é precedido da preposição a.
No entanto, não demorou muito para que esta generalização fosse desafiada. Os
dados em (3) do grego, por exemplo, mostram que o redobro é possível na ausência de
preposição. Em grego, ao contrário, a presença de preposição impede que o DP seja
redobrado:
Mesmo para o espanhol, Suñer (1988) mostrou que é possível encontrar RC sem
preposição:
14
5) Yo lo voy a comprar el diário justo antes de subir. (espanhol portenho)
Eu o vou prep comprar o jornal logo antes de subir
(“Eu vou comprar o jornal logo antes de subir.”)
(SUÑER, 1988, p. 180)
6)
a. Cê ia ajudar um camarada desse e se os camarada voltar e te matar você
também?
(Corpus de fala belo-horizontina)
(DINIZ, 2007, p. 71)
c. Ah... eu era menina, não tinha meio de ninguém me tratá de mim, né...
(Corpus de fala ouro-pretana)
(DINIZ, 2007, p. 49)
Diniz propõe que, por não serem argumentos verbais, os clíticos de redobro não
participariam das operações de valoração dos traços de Caso e da atribuição de papel
temático e, por essa razão, não fariam parte da sintaxe estrita. O clítico seria, então,
15
inserido diretamente no verbo, por meio de uma operação pós-Spell-out e este fato
evidenciaria, ou confirmaria, sua natureza afixal.
A autora postula que, para as construções com redobro, os pronomes clíticos
apresentariam uma natureza híbrida que permitiria classificá-los como uma espécie de
“clítico-afixo”. Diniz Sintetiza que redobros:
16
semelhante, os redobros analisados por Castilho ocorrem na presença de uma
preposição. Listamos a seguir alguns exemplos:
c. [XIII CA 754:1] Toda’-las gentes mi-a mi estranhas son, / e as terras, senhor, per u
eu ando / sen vos
(CASTILHO, 2005, p. 130)
17
Machado-Rocha argumenta que a entrada dos pronomes tardios você, a gente e o senhor
na série dos pronomes pessoais denuncia a tendência do paradigma de pronomes do PB
de se regularizar para conter apenas formas default para Caso. Essa regularização
estaria levando pronomes clíticos a perderem espaço no paradigma. Vários
pronomes clíticos deixaram de ser usados a partir da segunda metade do século
passado, como tem demonstrado extensivamente a literatura (KATO, 1993; CYRINO,
1994; GALVES & ABAURRE, 1996; CYRINO & REICH, 2002; entre vários outros).
Por outro lado, como aponta Diniz (2007), os clíticos me e te se mantêm firmes no
léxico, em estruturas simples e em estruturas de redobro. Nesse sentido, Machado-
Rocha argumenta que o uso dos redobros no PB atual começa a preencher lacunas no
sistema integrado do paradigma pronominal e das desinências de concordância. Como
atesta a literatura, uma nova marca morfológica de concordância surge historicamente
apenas em contextos do paradigma em que a marca pré-existente já não é distintiva
(FUß, 2005, retomando GIVÓN, 1976 e SIEWIERSKA, 1999). Nessa via de análise,
Machado-Rocha investigou a ocorrência de pronomes retos (default) em posição de
objeto, em oposição ao uso tradicional de forma clítica, como nos exemplos em (8):
8)
a. Ajuda eu.
b. Me ajuda.
c. Me ajuda eu.
(MACHADO-ROCHA, 2010, p. 102)
18
Embora os estudos sobre o PB, acima referidos, tenham avançado na
compreensão de alguns aspectos das construções com redobros pronominais, várias
questões permanecem em aberto. Entre os problemas presentes em Machado-Rocha
(2010, 2011), destaca-se a postulação de um efeito interpretativo para os RC que, como
veremos, parece não se sustentar. No presente trabalho, a correlação entre as formas
clíticas e as formas plenas nos pares me/eu, te/você serão tratadas como relações de
concordância puramente sintática, sem condicionamentos semânticos. Como
discutiremos, há várias evidências empíricas que determinam essa mudança de
perspectiva.
Quando comparado com os dados e análises interlinguísticas, o RC do PB é
curioso em vários aspectos. Por exemplo, o RC no PB ocorre apenas com a 1.ª e a 2.ª
pessoas pronominais, como mostrado nos exemplos em (1). A tentativa de formar RC
com a 3.ª pessoa, tendo-se em conta as variedades dialetais analisadas, é mal sucedida:
9)
a. *Eu o ajudo ele.
b. *Eu lhe falei pra ele.
10)
a. Português Medieval (século XIII)
e chagarom-no a el de muitas chagas
(CASTILHO, 2005, p. 33)
b. Português padrão
Viu-me a mim (e não a ele).
(CASTILHO, 2005, p. 35)
19
enclítico, padrão muito distante do PB atual, predominantemente proclítico. Os RC
apresentados em (1), por outro lado, não permitem leituras contrastivas4.
Embora os clíticos de 3.ª pessoa ainda estejam presentes na escrita padrão, é
amplamente aceito que essas formas são usadas na fala apenas como resultado de
escolarização e em registros bastante formais (CORREA, 1991; GALVES 2001;
KATO, 2005; NUNES, 2011a). Além disso, nas falas de Minas Gerais que estamos
investigando, o RC com 3.ª pessoa não ocorre, como também não há nenhuma
ocorrência de cliticização simples de 3.ª pessoa. Para a intuição da maioria dos falantes
(inclusive a do próprio autor), RC de 3.ª pessoa são agramaticais.
11)
a. *Eu o ajudo ele.
??
b. Eu o ajudo.
c. Eu ajudo ele.
4
Em várias situações em que apresentei esses dados a audiências de congressos, fui questionado sobre
uma possível focalização dos pronomes livres em (1) e (2). Mas não é isso o que acontece. (1b) e (2b) são
gravações da fala de Piranga/MG e revelam que a estrutura cl-V-pronome pleno acontece sem pausa em
sem destaque prosódico para o pronome livre. É verdade que esse pronome pode, obviamente, ser
focalizado. Mas isso não tem a ver diretamente com a presença do clítico.
Em vários momentos deste trabalho, me senti tentado e de fato procurei restrições semânticas para a
ocorrência dos redobros. O desenvolvimento dessas tentativas será apresentado no capítulo 3. Mas, como
veremos, restrições semânticas são próprias dos RC acusativos de 3.ª pessoa, analisados pela literatura,
quase que unanimemente, como marca de especificidade, o que também não parece se aplicar aos dados
do PB.
20
12) Construções de posse inalienável
b. Lo vimos.
Cl-ACU vimos
c. Lo vimos a él.
Cl-ACU vimos a ele
21
15) Prospathisa na episkefto ton Jani tin perasmeni edvomada ala
Tentei INF visitar o Janis na última semana mas
den boresa na ?*(ton) piso ton vlaka na me dhi
não pude INF o persuadir o idiota INF me ver
(“Tentei visitar o Janis na última semana, mas não conseguir persuadir o idiota a me
ver.)
16)
a. Al pi al mangia al pom (Dialeto do Leste da Lombardia)
O garoto ele-come a maçã
17)
a. Eu te ajudo você
b. Eu ajudo você
c. Eu te ajudo
d. * Eu ajudo (Em que pro é de 2.ª pessoa)5
5
Aqui não se trata, obviamente, de contextos com operadores, como em pares pergunta/resposta, do tipo
“Você me ajuda?/ Eu ajudo__ .”
6
Vamos discutir, no capítulo 5, que PPs não cliticizam no PB, e o item pra em (18-b) é uma marca de
Caso.
22
18)
a. Eu te ajudo você
b. Eu tô te falando pra você
Como se vê, o RC ocorre para acusativos e para dativos. Além disso, os clíticos
me e te aparecem em vários contextos de redobramento pronominal:
7
Ramos (2010), fala de Piranga.
8
Idem.
9
Idem.
10
Idem.
11
Machado-Rocha (2013), estudantes do Ensino Médio de Belo Horizonte.
12
Ramos (2010), fala de Piranga.
13
Machado-Rocha (2013), estudantes do Ensino Médio de Belo Horizonte.
23
24) RC com expressões idiomáticas
a. toda casa que ele ia, me metia ne mim o ferro14
b. num sei o quê que me deu na minha cabeça15
(ii) O fato de que, no PB dialetal, o RC não ocorre para a 3.ª pessoa, mas apenas
para a 1.ª e a 2.ª.
14
Ramos (2010), fala de Piranga.
15
Ramos (2010), fala de Acerburgo.
24
nossas explicações em um suposto efeito interpretativo para os RC no PB; no capítulo 4,
discutimos particularidades morfossintáticas dos elementos de 1.ª e 2.ª pessoas; o
capítulo 5 contém nossa proposta de análise central, as discussões finais e conclusões.
25
2. Revisão da literatura sobre os RC
25)
a. Miguelito (le) regaló un caramelo a Mafalda (todos os dialetos do espanhol)
Miguelito lhe deu um doce a Mafalda
Barbiers (2008) aponta que uma análise unificada para os RC nas ínguas é
inviável, dada a heterogeneidade dos fenômenos reunidos sob este rótulo. Segundo este
autor (BARBIERS, 2008, p. 23), há três grandes grupos de abordagens para os
redobramentos de clíticos na literatura:
27
2.1 O dilema movimento X inserção
26)
a. Je le vois
Eu o vejo
28
27)
a. Me le arruinaron la vida a mi hijo (todos os dialetos do espanhol)
Me lhe arruinaram a vida a meu filho
28)
a. Jean me connaît moi
Jean me conhece (a) mim
29
29)
a. *Jean lui parle à Marie
Jean lhe fala a Marie
As análises reunidas neste grupo assumem que o que aparece na superfície como
a múltipla ocorrência de um constituinte se origina como um grande constituinte que
contém todas as ocorrências visíveis. Iniciada em Uriagereka (1988), essa abordagem
ficou conhecida como a hipótese do “Grande DP”.
Seguindo Torrego (1988), Uriagereka (1988, 1995) argumentou que clíticos de
3.ª pessoa são determinantes transitivos.
30
a. DP b. DP
(redobrado) D’ D’
D NP D NP
clítico pro Determinante nominal
regular lexical
30)
a. El/la que vino (espanhol)
O/a que veio
b. El/la de Francia
O/a da França
31
licenciado dentro do DP complexo, resultando em RC. Em línguas com determinantes
fracos, um redobro não pode ser licenciado, e o RC é proibido16.
Para o argumento (iii), Uriagereka (1995, p. 80-82) oferece um número de
evidências para sustentar que clíticos são determinantes. Primeiro, clíticos de 3.ª pessoa
e determinantes nas línguas românicas derivam diacronicamente da mesma fonte, qual
seja, dos demonstrativos latinos illum, illam, etc. (cf. WANNER, 1987). Segundo, do
ponto de vista sincrônico, clíticos são ou semelhantes ou idênticos aos determinantes.
No galego, por exemplo, as formas são idênticas.
Clítico Determinante
Masc. sing. o (ouvimo-lo) o (o neno)
Fem. sing. a (ouvimo-la) a (a nena)
Masc. pl. os (ouvimo-los) os (os nenos)
Fem. pl. as (ouvimo-las) as (as nenas)
31)
a. Comemos o caldo
b. Comemo-lo caldo
(URIAGEREKA, 1988, p.403)
16
Anagnostopoulou (2015, p. 36) aponta, porém, que esta correlação não se sustenta para o grego, língua
em que os determinantes são fracos, ou seja, não permitem construções como em (30), mas mesmo assim
o redobro é largamente atestado.
32
como determinantes, as propriedades de movimento das construções com clíticos
derivam do pressuposto geral de que clíticos uniformemente saem de sua posição
interna ao VP e se movem para o domínio funcional.
Uriagereka ainda faz uma pequena menção aos clíticos de 1.ª e 2.ª pessoas.
Numa nova oposição forte X fraco, o autor propõe que clíticos de 1.ª e 2.ª são clíticos
fortes, comparando-os estruturalmente aos clíticos de 3.ª, da seguinte forma:
a. Clíticos fracos (de 3.ª pessoa) b. Clíticos fortes (de 1.ª e 2.ª pessoas)
DP DP
D NP
clítico pro
Diagrama 2 - Clíticos fracos vs. clíticos fortes
(URIAGEREKA, 1995, p. 113)
33
Poletto defende, porém, que a existência dos redobros se adequada a uma
exigência de economia, quando um XP precisa checar mais de um traço funcional na
sintaxe, podendo recorrer a uma forma de fracionamento do constituinte, ao invés da
realização de movimentos com pied-piping integral. O redobro ocorre, então, quando há
fracionamento dos traços do DP, para checagem separada no domínio de IP. Isso
garantiria que apenas a parte relevante da projeção funcional do DP fosse movida, sem
cópias desnecessárias de traços.
A autora sustenta que este tipo de operação não depende de nenhuma estrutura
especial ou DPs complexos, como proposto originalmente por Uriagereka (1988, 1995).
Ao contrário, o redobro estaria relacionado ao quanto de pied-piping pode ocorrer.
Segundo Poletto, as configurações que permitem o RC deveriam ser universais. Seria
então a possibilidade de realizar o fracionamento do XP e evitar a cópia completa que
estaria na base das línguas que permitem o redobro. Para trazer de volta os RC para a
esfera do DP comum, Poletto modifica levemente a estrutura proposta por Uriagereka
(1988), como apresentada no diagrama (1). De acordo com Kayne e Uriagereka, num
DP complexo, o DP redobrado é inserido no Spec do clítico, e a posição do NP
complemento é ocupada por um pro. Poletto, por outro lado, argumenta que essa
postulação não é necessária, se se assumir que o fracionamento da parte relevante da
estrutura funcional do DP é precedido de movimento do DP (do NP, na estrutura de
Uriagereka) para a posição de especificador do clítico. Poletto (2006, p. 218-219),
propõe, então, a seguinte estrutura:
32)
a. [[KP [Kº cl] [DP]]
b. [[XP DP [Xº [KP [Kº cl] [DP]]
34
palavras, o redobro pode se visto como o oposto do pied-piping, com a adição de um
movimento interno ao DP, que cria as duas peças (no caso acima KP e DP), um dos
quais é então movido, enquanto o outro permanece no lugar (POLETTO, 2006, p. 219).
Segundo Poletto, esta análise prediz que os dois duplos não são idênticos: um
contém apenas a parte funcional, o mais alto, enquanto que outro contém a porção mais
baixa da estrutura interna do DP, incluindo-se aí o núcleo lexical. Nessa hipótese, o
redobro não depende da porção lexical da estrutura do DP, mas da porção funcional e,
portanto, de quantos traços precisam ser checados na estrutura funcional. Quanto mais
traços funcionais, mais provável se torna que o fracionamento possa ocorrer.
A autora discute que o processo de fracionamento segue uma ordem: ele vai
arrancar do item inicial um subconjunto próprio de projeções funcionais, começando da
camada mais alta (ver Cardinaletti & Starke (1999), para uma ideia similar sobre a
derivação de clíticos, pronomes fracos e pronomes fortes tônicos). Portanto, ou F1 é
arrancado e movido (ou seja, copiado) em direção a uma projeção em IP ou CP, ou
F1+F2, mas nunca F2 sozinho, ou F2+F3 deixando F1 para traz.
35
de especificidade. Para lidar com esses problemas, Roberts propõe uma variante da
análise de Uriagereka (1988, 1995), ao invés de assumir um traço-D em v*.
Sua análise parte da reformulação da seguinte estrutura proposta em Uriagereka:
Para adaptar esta estrutura à sua análise, Roberts propõe duas modificações,
como representado em (33) (acrescento um diagrama arbóreo, para clareza de
compreensão):
DP
D’
D φP
[la]
[nP ninã] φ’
φ nP
[la]
Uma das modificações introduzidas diz respeito ao NP pro. Roberts assume que
pro é o resultado do apagamento de um pronome fraco, garantidas certas condições
36
especificas (ver Roberts 2010a). No caso do DP redobrado, há duas possibilidades. Uma
delas é assumir que não há uma “fase interna” a esses DPs, ou seja, não há nP/NP.
Nesses casos haveria simplesmente D e φ (e Roberts ainda vai sugerir adiante que seria
apenas φ). A outra possibilidade é assumir que o redobro constitui a parte mais baixa
dessa fase.
Deixando de lado o status de a (em 34-35) por um momento, Roberts supõe que
o nome niña vai subir de N para D, para ser licenciado como um sintagma referencial,
conforme os critérios gerais descritos em Longobardi (1994). Essa ideia não pode ser
mantida em sua forma simples, uma vez que, como o próprio exemplo (34) demostra,
DPs plenos podem ser redobrados. A suposição então é que o elemento redobrado
corresponde à raiz NP da fase (provavelmente com subida de N para n). Após a subida
de N para n, nP sobe para o Spec-φP. Ambos φ e D são ocupados por um cacho de
traços realizado como la (3.ª P, Fem, Sing.), com a diferença de que laD também porta
um traço de definitude. Assim tem-se uma estrutura parcial para o DP com redobro de
clítico.
Nessas circunstâncias, o RC envolve explicitamente a reduplicação do formativo
la, com um ocorrendo em D e outro em φ, embora os dois tenham uma composição de
traços diferente: o primeiro tem um traço-D além de seus traços-φ, e laφ tem um
traço-N.
Roberts advoga que é possível motivar a subida do nP por meio de traços,
atribuindo um traço-N não interpretável e um traço-EPP a φ. A presença desses traços
constituiria a “força” dos determinantes em espanhol, como apontado por Uriagereka
(1995)17. Dessa forma, a subida do nP para o spec-φP seria o análogo nominal da subida
de vP para o Spec-TP na sentença (de acordo com Biberauer (2003), Richards e
Biberauer (2005) e Biberauer e Roberts (2005)). Uma vez que o redobro é
essencialmente opcional nas línguas mencionadas por Roberts (espanhol, romeno e o
dialeto napolitano, do italiano), φ em (36) precisa ter uma realização visível opcional.
A outra modificação na estrutura (35) de Uriagereka proposta por Roberts é
colocar o clítico em φ. Assim, haveria também um artigo D. De acordo com Roberts,
isso soluciona um problema. Se o clítico for colocado exclusivamente em D, ao invés de
em φ, então é preciso assumir um traço-D em v*, para que a cliticização seja possível
17
Aqui Roberts está se referindo à primeira distinção “forte X fraco”, proposta por Uriagereka (1995),
segundo a qual algumas línguas possuem determinantes fortes, que permitem o licenciamento de NPs pro
e, por isso, o RC, enquanto outras possuem determinantes fracos, que não permitem RC.
37
dentro do modelo de Roberts (2010b). Isso, por sua vez, implica a expectativa geral de
objetos nulos definidos e referenciais em línguas com larga ocorrência de redobros de
clíticos, como, por exemplo, no espanhol rio-platense. Mas não é isso que ocorre.
Essa segunda modificação altera bastante o modelo inicial de Uriagereka (1988,
1995), para quem a cliticização de OD de 3.ª pessoa é o movimento de um determinante
para fora do DP em direção ao domínio funcional do verbo. Para Uriagereka, esses
clíticos são sempre determinantes. No modelo e Roberts, há uma especialização bem
delimitada dos traços de D e dos traços de φ, e o elemento responsável pelos fenômenos
de redobramento de objeto é φ e não D.
Roberts aponta ainda que, diferentemente dos redobros de clíticos sujeitos, que
estão associados a sujeitos nulos, redobros de clíticos objetos não estão associados a
objetos nulos. Uma vez que objetos nulos definidos e referenciais não estão disponíveis
em línguas com ampla ocorrência de redobro de clítico objeto, é preciso assumir que v*
não tem nenhum traço-D. Portanto, para que a cliticização de objeto seja possível, o
sintagma correspondente ao clítico não pode ser um DP (ou seja, ele deve ser φP).
No modelo de Roberts (2010b), a cliticização é analisada como incorporação de
traços-φ em v*. v*, por sua vez, é inserido com um traço-V interpretável e traços-φ não
interpretáveis (ver Roberts 2010b, seções 3.1 e 3.2). Neste ponto, Roberts retoma a
Generalização de Kayne. Segundo ele, é preciso garantir que será laφ, e não laD nem
niña, que será sondado por v*. O problema aqui é que ambas as ocorrências de la e
também niña possuem traços-φ interpretáveis. Além disso, niña possui um traço de
Caso não interpretável e laD possui um traço-D.
Depois de subir para o Spec-φP, niña está mais perto de uma sonda-φ externa do
que laφ, uma vez que o primeiro c-comanda assimetricamente o segundo. Além disso,
laD também está obviamente mais próximo de uma sonda-φ externa do que laφ. Uma
vez que se assume que v* não tem um traço-D no espanhol, laD não representa um alvo
defectivo para v*, e portanto este elemento não pode cliticizar, embora ele ainda possa
atuar como um alvo regular. Se nada mais acontece, então laD atua como o alvo de v* e
laφ falha em cliticizar. Nesse caso, não há cliticização, mas apenas Agree entre v* e la
nina, com a consequente checagem de Caso.
Roberts prossegue e aponta que a deve ser considerado, como proposto por
Kayne e Jaeggli, essencialmente como um atribuidor de Caso. Assim sendo, pode-se
classificar essa partícula tanto como um PP quanto como um KP. Roberts usa a notação
KP.
38
37) [KP a [DP [D la] [φP [nP niña] [φ la] (nP)]]]
38)
a. Tin efage tin turta o Janis
o comeu o bolo o Janis
(“Janis comeu o bolo.”)
18
Roberts emprega alternadamente as expressões “atribuidor de Caso” e “marcador de Caso” para se
referir à partícula a. Nesta revisão, optei, porém, por empregar sempre o termo “atribuidor de Caso”,
porque esses dois termos já renderam muita discussão na literatura, considerando-se que eles se referem a
elementos de natureza diferentes (ver, por exemplo, Bayer et al (2001), Pesetsky & Torrego (2011), entre
muitos outros). O atribuidor seria um elemento responsável pela checagem de traços não interpretáveis
em outro elemento. Assim, verbos e preposições seriam atribuidores, enquanto que o marcador
representaria uma manifestação morfológica de traços de Caso em um dado nominal, como, por exemplo,
as marcas de acusativo ou dativo em nominais e pronomes. A não distinção entre marcador e atribuidor
de Caso obscurece a análise da partícula a. Tendo-se em conta a formulação de Roberts, em que a tem
traços de Caso interpretáveis e traços-φ não interpretáveis, o que qualifica este elemento como uma
sonda-φ, julgo mais adequado tratá-lo como um atribuidor de Caso, e não como um marcador, ou marca.
39
c. *Tu edhosa to vivlio s-ton Jani
lhe dei o livro para-o Janis
Roberts defende que estes fatos são completamente compatíveis com sua análise.
Para ele, o grego difere do espanhol, do romeno e do napolitano, por possuir marcação
morfológica de caso em artigos e nominais. Dessa maneira, podem-se tratar formas
como ‘tin turta’ e ‘to vivlio’ em (38) como casos de incorporação de D por K em
estruturas como a em (37). Essa incorporação é presumivelmente desencadeada pelo
fato de os Ds em grego terem um traço não interpretável de Caso que não está presente
nos Ds do espanhol. Portanto, em grego, D é um alvo defectivo em relação a K (e por
isso pode ser incorporado). O clítico tin/to é incorporado por v* da mesma forma que
acontece com o clítico laφ do espanhol. A impossibilidade de RC com PP é diretamente
comparável com as situações gerais das línguas românicas, em que a cliticização de
objetos de preposição é geralmente impossível.
40
tratado como fortes, equivalem a um DP, e não a um D, e por isso não permitem
a operação de movimento de D para v, pré-requisito para o redobramento.
41
aqui concordância-φ), ao passo que RC/OD envolvem a checagem de um traço de
especificidade.
Os RC/OD em várias línguas possuem a propriedade comum de apresentarem
efeitos interpretativos, codificando principalmente especificidade19 de várias formas, ao
passo que RC/OI não apresenta efeitos interpretativos.
O trabalho de Borer (1984) é visto como o primeiro a propor que clíticos são
marcas de concordância, assumindo que clíticos são [+V] em romance. Seguindo este
insight, Suñer (1988) propôs que clíticos são flexões geradas como parte de V. Para
Suñer, clíticos são listados no léxico, de modo que seus traços podem ser especificados
lá. Clíticos de OD e clíticos de OI seriam definidos para os traços [específico],
[animado], [gênero], [número] e [pessoa], sendo a diferença entre os dois o fato de que
clíticos de OD são inerentemente [+específico]. Por serem marcas de concordância,
clíticos precisam concordar em traços com o constituinte com qual eles formam cadeia
(o Princípio de Equivalência). Isso, segundo Suñer, explica o requerimento de
especificidade para os casos de RC/OD. Uma cadeia só é bem formada, quando não há
quebra na relação de traços, e um NP [-específico] não pode formar cadeia com um
clítico [+específico].
19
Especificidade é um conceito semântico que recebe vários tratamentos na literatura (ver, por exemplo,
Rijkhoff & Seibt (2005), Ionin (2006), von Heusinger (2011), que variam de perspectivas semântico-
pragmáticas a abordagens formalistas, relacionando especificidade a efeitos de escopo, topicalidade e
partitividade (von HEUSINGER, 2011). De um modo geral, pode-se distinguir entre dois tipos de
indefinidos: os específicos e os não específicos (von HEUSINGER, 2011, p. 1027):
Em (i), “um aluno” se refere a um elemento preciso, pertencente a um conjunto saliente no contexto. Não
se trata de um estudante qualquer, mas de um elemento previamente selecionado em um conjunto que ao
menos o falante tem em mente; (i) apresenta um caso de indefinido específico. Em (ii), por outro lado,
“um aluno” é um elemento cuja existência é pressuposta, mas que não pode ser identificado prontamente
num conjunto saliente; assim, a referência de “um aluno” em (ii) é indefinida e inespecífica. Situação
semelhante ocorre numa sentença como “Estamos procurando um aluno para vaga de estágio”, em que
“um aluno” não faz referência a nenhum elemento específico de um conjunto previamente dado.
Embora a distinção “específico X inespecífico” seja mais associada a NPs indefinidos, Rijkhoff & Seibt
(2005) apontam que as oposições “definido X indefinido” e “específico X inespecífico” não estão
condicionadas, uma vez que há, também, definidos inespecíficos, com se vê em (iii):
(iii) É um caso de NP definido, pois pressupõe existência e unicidade. Porém, sua referência é
inespecífica, no sentido de que, embora haja um conjunto saliente no contexto do qual o elemento “o
aluno” faz parte, não é possível retornar o elemento preciso desse conjunto.
42
Em (39), temos exemplos do espanhol de RC/OD que, por redobrarem DPs
específicos, são gramaticais. (40) exemplifica tentativas mal sucedidas de redobramento
de DPs não específicos (Bleam, 1999, p. 12).
39)
a. (Lo) ví a Juan
o vi a Juan
40)
a. No (*lo) oyeron a ningún ladrón
Não (*o) ouviram a nenhum ladrão
41)
[-específico, -definido]
a. Les ofrecerion queso y leche a familias de pocos medios
Lhes ofereceram queijo e leite a famílias de poucos recursos
[-específico, +definido]
b. Les dejaré todo mi dinero a los pobres
Lhes deixarei todo meu dinheiro a os pobres
43
Como aponta Bleam (1999), Suñer (1988) considera clíticos como morfemas de
concordância que, como tal, precisam se adequar à Princípio de Equivalência (Matching
Principle), como proposto originalmente em Borer (1984). Esse princípio prediz que
clíticos precisam concordar em traços com o NP pleno que eles redobram. Porque os
clíticos acusativos do espanhol são [+específico], o NP redobrado precisa ser
igualmente marcado como [+específico]. Os clíticos dativos, por outro lado, por serem
subespecificados para o traço de especificidade, podem redobrar tanto NPs específicos
com os inespecíficos.
a. Lo ví a Juan
[+espec.] [+espec.]
20
“Forma Lógica” (de Lofical Form).
44
Diagrama 4 - Projeções Clíticas de Sportiche (1996)
45
i. O movimento de XP* para XP^ pode ocorrer de modo visível ou de
modo encoberto;
ii. O núcleo (ou seja, o clítico) pode ser visível ou nulo;
iii. XP* (ou seja, DP) pode ser visível ou nulo.
O movimento de XP* para XP^ é atribuído ao Critério do Clítico, que, por sua
vez, se encaixa no Critério Generalizado de Licenciamento (ver Rizzi (1991), para o
Critério Wh, a partir do qual Sportiche deriva o Critério do Clítico e o Critério
Generalizado de Licenciamento):
Na LF:
a. Um clítico precisa estar numa relação Spec-núcleo com um XP [+F];
b. Um XP [+F] precisa estar numa relação Spec-núcleo com um clítico.
Na LF:
a. Um núcleo [+F] precisa estar numa relação Spec-núcleo com um XP [+F];
b. Um XP [+F] precisa estar numa relação Spec-núcleo com um núcleo [+F].
21
Compare esta hipótese à proposta por Roberts (2010b) (discutida na seção 2.2), em que o clítico é a
expressão morfológica de Agree em v*.
47
modo mais ou menos acentuado, assume-se que fenômenos de RC envolvem operações
de concordância.
concordância
48
Neste esquema, um núcleo funcional (abstrato) F está numa relação de
concordância com um constituinte ou núcleo que compartilha traços morfossintáticos
com F. Barbiers aponta que configurações tais como a em (45) podem dar origem a dois
tipos diferentes de redobramento. Quando não há movimento, o redobro envolve um
elemento funcional alto na estrutura e um elemento concordante baixo na estrutura.
Quando há movimento, o redobro envolve o que se convencionou chamar de
configuração Spec-núcleo, na qual o constituinte movido é adjacente à esquerda do
núcleo funcional concordante.
As análises do RC como uma instância de concordância parecem mais
compatíveis com o fenômeno do PB que estamos investigando, principalmente porque:
49
2.3.2 Evidências a favor de uma hipótese de concordância para os RC do PB
46) PB
a. ele não quer me ajudar eu/pro
b. *ele não me quer ajudar eu/pro
50
47) PE:
a. Os alunos ofereceram-te todos flores.
b. Os alunos ofereceram-te também flores.
c. Todos os alunos te ofereceram flores.
d. Os alunos também te ofereceram flores.
e. O que te ofereceram os alunos?
(MAGALHÃES, 2006, pp. 14-15.)
f. Eles não te querem fazer mal.
48)
a. aí começô a me xingá eu
b. cê pode intrá qu’eu te ajudo ocê no qu’eu pudé
51
Por fim, o estudo pioneiro de Zwicky & Pullum (1983) para a distinção entre
clíticos e marcas de concordância defende que clíticos aparecem em paradigmas
completos, enquanto que marcas de concordância apresentam lacunas e sincretismos no
paradigma. Quando comparamos o quadro de clíticos do PE aos clíticos que resistem
nas variedades orais do PB, percebemos uma grande diferença:
52
casos de RC OD. O segundo grupo é composto por análises que relacionam RC com
fenômenos de concordância mais gerais e em sua maioria atribuem ao clítico uma
projeção funcional dedicada. Comum às duas vertentes é a tendência de se elaborarem
explicações diferenciadas para RC/OD e RC/OI. Os RC/OD são, em quase todas as
análises, associados ao efeito interpretativo de especificidade. Um conceito que parece
instável através destes trabalhos é a perspectiva de um parâmetro que dê conta dos RC,
numa perspectiva interlinguística. Vimos que o modelo de RC como concordância é
mais atraente para uma análise dos dados do PB dialetal, língua que oferece várias
evidências de que as marcas me e te foram reanalisadas como afixos de concordância.
53
3. RC no PB, efeitos interpretativos e cadeias paralelas
54
3.1 RC como uma estrutura de “pessoa específica”
49)
a. Estrutura simples com o pronome pleno - leitura ambígua entre genérica e
específica:
E quando você tenta sair dessa vida, ninguém ajuda você não.
(Aqui, pode-se interpretar o pronome você como “qualquer pessoa”.)
50) 23
a. Hoje vê eu fumando um cigarro, amanhã pega eu experimentado coisa pior.
(Aqui, o emissor está criando uma situação hipotética. A referência do pronome
eu é arbitrária, podendo significar eu, você, qualquer pessoa.)
22
Perceba que esta aplicação na noção de especificidade para pronomes de 1.ª e 2.ª pessoas é compatível
com o conceito de especificidade que leva em conta o pertencimento a um conjunto dado no contexto.
Ver nota 18.
23
Esses exemplos são uma adaptação de exemplos apresentados em Carvalho (2008).
55
b. Hoje vê você fumando um cigarro, amanhã pega você experimentado coisa
pior.
(Leitura ambígua, entre a genérica e a específica.)
Como pode ser visto nos exemplos (50-a) e (50-b), os pronomes de 1.ª e 2.ª
pessoas permitem uma interpretação ambígua, e a leitura genérica é permitida. Em
(50-c), por outro lado, em que o pronome é de 3.ª pessoa, a leitura é obrigatoriamente
específica, e a interpretação do pronome ele precisa de um antecedente no discurso ou
um referente dêitico. Para os pronomes de 1.ª e 2.ª, não há obrigação de antecedentes, e
mesmo a leitura dêitica desses pronomes pode ser diluída, como se vê nos casos dos
contextos genéricos/hipotéticos. Com pronomes de 3.ª pessoa, quando se quer atingir a
interpretação genérica/hipotética, é preciso usar a variante nula pro. Veja a comparação
entre (51-a) e (51-b):
51)
a. E você acha que empresa de telefone está preocupada em ajudar ele?
(O pronome pleno ele precisa de um referente no contexto. A leitura genérica é
proibida.)
56
pronomes plenos eu e você, seriam ambíguas entre a interpretação específica e a
genérica. A não ocorrência de RC para a 3.ª pessoa se explica então, porque não há
traços de [falante] e [destinatário] nessas formas para serem redobradas. A oposição
específico/genérico para a 3.ª pessoa é feita com a alternância ele/pro.
24
“Forma Fonológica” (de Phonological Form).
57
a. Estrutura enviada para Spell-out:
58
como a realização de mais de um elo da cadeia argumental. Além disso, associamos
essa perspectiva à postulação de Chomsky (2005) sobre cadeias paralelas.
No quadro teórico de Chomsky (2005), operações sintáticas são reduzidas a dois
tipos básicos de Merge: o Merge Externo, que toma itens da Numeração e os insere na
derivação; e o Merge Interno, que toma objetos sintáticos presentes na derivação, para
inseri-los (movê-los) em outra posição. Ambas as formas de Merge teriam por propósito
a checagem/valoração de traços não interpretáveis e, portanto, atenderiam ao Princípio
de Interpretação Plena (Full Interpretation Principle - FI).
Também os traços não interpretáveis passam a ser considerados como
pertencentes a apenas dois grupos: os Traços de Margem, os quais ou ativam a seleção
de itens da Numeração ou a cópia sintática de objetos presentes no curso da derivação; e
os Traços de Concordância (Agree Features), responsáveis pelas operações Agree, que
podem resultar ou em cópia/movimento de objetos inteiros (pied-piping), ou na
cópia/movimento de Traços Formais (FF)25, o que dá origem a Agree a longa distância,
como proposto anteriormente em Chomsky (1993, 1995).
Chomsky (2005) ainda revê alguns aspectos da Ciclicidade de Movimento.
Antes, um mesmo elemento podia passar por múltiplos movimentos e formar uma
cadeia com três ou mais elos. Abandonando essa visão tradicional, e considerando a
abordagem de cópias, Chomsky (2005, p. 16) assume que, quando um elemento parece
se mover mais de uma vez, formando cadeias do tipo A’-A-A, o que de fato está
acontecendo é a construção de cadeias distintas, a partir do mesmo elemento de base.
52)
a. C [T [who [v* [see John]]]]
b. whoi [C [whoj [T [whok v* [see John]]]]]
c. who saw John
53)
a. C [T [v [arrive who]]]
b. whoi [C [whoj [T [v [arrive whok ]]]]]
c. who arrived
25
“Traços Formais” (de Formal Features).
59
Considerando (52), Chomsky argumenta que na fase v*, a operação de
concordância entre v* e John valora todos os traços não interpretáveis. Na fase C,
ambos os traços de margem e os traços Agree de C sondam o alvo who em Spec-v*. Os
traços Agree, herdados de T por C, atraem o elemento sondado, ou seja, acionam a
operação de cópia, para o Spec-T, enquanto que os traços de margem de C atraem o
mesmo elemento (resultando numa nova operação de cópia) para o Spec-C. O resultado
dessas duas operações de cópia/movimento é representado em (52-b). Chomsky ressalta
que uma cadeia é construída com as cópias {whoi, whok}, e outra com as cópias {whoj e
whok}, sem nenhuma relação direta entre whoi e whoj.
Portanto, em (52-b), são formadas duas cadeias-A. O mesmo raciocínio se aplica
a (53), em que duas cadeias paralelas são formadas pelos traços Agree e os traços de
margem de C.
Com esse aparato em mãos, consideramos, primeiramente, que, numa estrutura
de RC, um pronome pleno e um clítico podem ser a realização de dois elos de uma
mesma cadeia.
O problema aqui é explicar por que a cópia mais baixa você sobreviveu à
operação de redução de cadeia (NUNES, 2011b), que prediz que todas as cópias, exceto
a cabeça, devem ser apagadas. De acordo com Chomsky (2005), cadeias paralelas
podem ser construídas a partir de um único elemento de base, quando mais de um traço
não interpretável sonda o mesmo item. Relembre que estamos considerando haver um
efeito interpretativo na cliticização, o efeito de especificidade, que em Machado-Rocha
(2010, 2011) é tido como a leitura não genérica de pronomes de 1.ª e 2.ª pessoas. O
pronome pleno na posição argumental também precisa ter seus traços de Caso checados.
Então, nesta situação, temos dois traços a serem checados: [uCaso] e [uespecífico]. A
checagem desses dois traços resultaria na emergência de cadeias paralelas.
Num primeiro passo, o traço [uN] de v sonda o pronome objeto e valora seu traço
[uCaso]. Vamos assumir que esta operação ocorre como Agree à longa distância, com
movimento de traços formais (FF) apenas, e a matriz pronominal permanece in situ.
Essa operação resulta na primeira cadeia:
60
55) Cadeia I: {iFF/Caso-pronome, matriz-pronominalargumento-licenciado}
Com essas duas cadeias enviadas para o Spell-out, temos a estrutura redobrada.
Uma primeira pergunta a ser respondida sobre essa estrutura é: Por que a cauda dessas
cadeias conseguiu escapar à redução de cadeia?
Quando consideramos a cadeia II, não haveria nenhuma razão para se manter a
cópia mais baixa, uma vez que as duas cópias são formalmente idênticas, e a cópia mais
alta tem mais traços valorados. A redução de cadeia deveria se aplicar normalmente
aqui. As condições mudam, no entanto, quando inspecionamos a cadeia I. Porque não
houve a cópia integral, mas apenas cópia/movimento de traços formais FF, a
interpretabilidade dos traços movidos dependem da cadeia como ela foi formada, e por
isso a cópia mais baixa não pode ser apagada. Por essa razão, as duas cópias do
pronome são enviadas para o Spell-out e a estrutura redobrada aparece.
Esta análise encontra ressonâncias com a proposta de Poletto (2006). Como
vimos, Poletto considera o redobro um recurso de economia, quando um XP precisa
checar mais de um traço funcional na sintaxe, embora ela adote uma perspectiva de
fracionamento do DP. Colocando de lado essa diferença teórica, podemos reconhecer os
seguintes pontos de contato entre as duas abordagens: (i) em ambas as propostas,
considera-se que a sintaxe pode operar com apenas cópias/movimentos de partes
relevantes da estrutura funcional, sem cópias desnecessárias, em respeito ao princípio de
economia; (ii) ambas abrem mão de uma projeção funcional dedicada para o clítico,
61
contrariamente ao que propõe Sportiche (1996); (iii) as duas abordagens predizem a
criação de duas peças sintáticas, uma que é movida e outra que permanece in situ; (iv)
tanto em Poletto quanto em nossa análise, os dois duplos não são idênticos.
Apesar de esta hipótese apresentar certa coerência teórica interna, ela nos deixa
às voltas com alguns problemas difíceis de resolver. Basicamente, conseguimos aqui
explicar a restrição da categoria de pessoa, para a ocorrência dos RC, e associar a ela
um fator interpretativo. Entre os problemas não resolvidos, há alguns fundamentais: Por
que a estrutura redobrada é necessária? Por que a estrutura simples com apenas o clítico
não é capaz de checar ambos os traços de Caso e o traço D? E por que a opcionalidade,
se estamos lidando com um traço com implicações semânticas? Este é um problema que
demanda refinamentos dessa hipótese. Além disso, a análise dos dados do PB nos levou
a alguns contraexemplos para a hipótese do efeito interpretativo que não podemos
ignorar. Considere, por exemplo, o dado em (57) 26:
26
Machado-Rocha (2013), estudantes do Ensino Médio de Belo Horizonte.
27
Ramos (2010), fala de Belo Horizonte.
62
58) Achou por bem eu fazer natação e lá é
o seguinte: ou você faz ou eles te dispensa você
59)
a. Esta professora, eu a conheço.
b. * Alguma professora, eu a conheço.
28
Não faz sentido tentar construir a estrutura redobrada cl-V-DP no padrão escrito (*Eu a conheço (a)
esta professora), por isso vamos considerar uma construção com deslocamento de objeto à esquerda
topicalizado. Esse paralelo hipotético é também bastante complicado. Os redobros encontrados na escrita
do tipo de “viu-me a mim (e não a ele)” não refletem sequer a escrita contemporânea. Atualmente, o
padrão de colocação do clítico é principalmente a próclise (“me viu”); algo como “me viu a mim”, é
estranho, nada usual na escrita. Com pronomes de 3.ª pessoa, a situação é ainda pior (“?Eu o vi (a) ele”).
63
Essas comparações colocam alguns problemas quanto à assunção da literatura de
que clíticos seriam intrinsecamente específicos ou definidos29. Ao menos para os dados
do PB, parece que as leituras genérica ou específica dos pronomes não residem num
traço lexical dos pronomes, mas resultam de efeitos composicionais em relações com
operadores. Há aqui diversos pontos a serem analisados. No PB, alguns tempos e modos
verbais parecem permitir a leitura genérica de pronomes (como sentenças condicionais e
subjuntivas), enquanto outros a bloqueiam (como os tempos perfectivos). Esses aspectos
semânticos não compõem, obviamente, o foco de análise desta tese, e deixamos essas
questões em aberto.
29
No capítulo 4, vamos apresentar um trabalho que desafia a hipótese de que clíticos são intrinsecamente
específicos: Bleam (1999).
64
sentença. Por isso, abandonamos esta hipótese, rumo a uma análise em termos de
concordância puramente formal.
65
4. Particularidades morfossintáticas dos pronomes de 1.ª e
2.ª pessoas
61)
a. (Les) pagamos las deudas a todos los / algunos /muchos acreedores
lhes pagamos as dívidas a todos os alguns muitos credores
66
O&R discutem também os clíticos de 1.ª e 2.ª pessoa e pontam que eles teriam o
mesmo comportamento dos clíticos OI: eles não exibem nenhum tipo de restrição
quanto ao tipo de argumento que eles possam redobrar. Como apontam os autores,
contextualmente é mais difícil encontrar interpretações não específicas para argumentos
de 1.ª e 2.ª pessoas; mas, quando essas dificuldades são controladas, os RC OD de 1.ª e
2.ª se agrupam ao lado dos OI, no sentido de não exibirem restrições e poderem
aparecer em contextos não específicos e com quantificadores, contrariamente aos Cl-3.ª-
OD.
62)
a. Os veré a los que vayáis pronto
vos verei a os que chegardes cedo
c. Os he encontrado a vosotros
vos hei encontrado a vocês
e. No os encontramos a nadie/ninguno
não vos encontramos a ninguém nenhum
67
63)
a. Nos mandarán a algunos a resolver el problema
nos mandarão a alguns a resolver o problema
A partir desses dados, O&R defendem que esses clíticos de 1.ª e 2.ª devem ser
agrupados com as marcas de concordância. Então todos os clíticos da série dos OI e os
clíticos de 1.ª e 2.ª, que não distinguem OD e OI, seriam marcas de concordância
geradas no núcleo verbal ou flexional (podemos dizer, gerados no domínio funcional do
verbo). O sistema de concordância de objeto do espanhol, segundo O&R, é o seguinte:
Sing Pl Sing Pl
2.ª P te os te os
68
A autora explica que, na visão de Uriagereka (1988, 1995), qualquer que seja a
propriedade inerente responsável pela interpretação específica de determinantes
definidos (veja que aqui não estão sendo considerados os definidos não específicos),
esta mesma propriedade é responsável pela interpretação específica dos clíticos. Esta
seria uma via para se explicar a interpretação dos clíticos propriamente, ou seja, dos
clíticos em estruturas simples.
64) La vi (pro)
a vi
65)
a. Carmen le entregó el libro.
Carmen lhe entregou o livro
b. Carmen entregou o livro para ele/ela
c. * Carmem entregou o livro para alguém/ninguém
69
66) Le entregó el libro a alguien.
Lhe entregou o livro a alguém
Dessa forma, é razoável assumir que, em (65), o pro associado ao clítico dativo é
que está dando origem à interpretação específica, e não o clítico em si. Uma vez que se
assume que na estrutura com clítico acusativo, como em (64), há também um pro
associado ao clítico (ambos originados em um DP complexo), não é coerente atribuir a
leitura específica ao clítico propriamente.
Uma vez que no PB não estamos lidando com RC OD de 3.ª pessoa, faz sentido
que não se esperem efeitos interpretativos dessas estruturas. Como no caso dos clíticos
em geral do espanhol, tudo parece indicar que estamos diante de elementos de
concordância. Vimos, no capítulo 2, que há boas evidências sintáticas de que as formas
me e te se comportem como marcas de concordância no PB dialetal.
70
67) F pode concordar com XP em +1 ou +2, apenas se uma projeção de F se junta
(merges) com um elemento +1 ou +2 e F projeta.
Segundo Baker, essa condição altamente específica não é parte da teoria padrão
de concordância. Um dos fatos levantados na formulação dessa postulação é a
impossibilidade muito comum das línguas de concordância para 1.ª e 2.ª pessoas em
adjetivos. Todos os elementos de 1.ª e 2.ª pessoas, incluindo-se aí os pronomes,
precisam ser ligados por um operador mais próximo do tipo relevante. Nesse sentido,
elementos de 1.ª e 2.ª pessoas diferem dos de 3.ª, os quais não estariam sujeitos a
nenhum tipo de condição de ligação local. Considerando-se a SCOPA, a concordância
de pessoa (vista aqui como a concordância para 1.ª e 2.ª pessoas) seria relativamente
frágil, e as condições para que ela ocorra precisariam ser precisamente atendidas.
Para Baker, há pelo menos mais um tipo de concordância operando nas línguas
naturais, além da relação entre núcleos funcionais e NPs próximos. Esse segundo tipo
de concordância ocorre entre um operador e uma variável ligada a esse operador, como
ilustrado em (68).
68)
a. Every boyk hopes that hek (*shek , *theyk , *Ik ) will pass the test.
Todo garoto espera que ele (*ela *eles *eu) vai passar o teste
(“Todo garoto acredita que vai passar no teste.”)
b. Every girlk hopes that someone will hire herk (*himk , *themk , *mek ).
Toda garota espera que alguém vai contratar ela-acu (*ele-acu *eles-acu *eu-acu)
(“Toda garota acredita que alguém irá contratá-la.”)
c. Only the Yankeesk think that theyk (*hek , *wek ) will win the championship.
Apenas os Yankees acham que eles (*ele *nós) vão vencer o campeonato
(“Apenas os Yankees acham que eles vão vencer o campeonato.”)
71
singular (her, em (68-b)). E quando o pronome é ligado por um quantificador plural
como only the Yankees, ele precisa ser 3.ª pessoa plural (they, em (68-c)). Baker aponta
que isso também é uma forma de concordância, num sentido amplo.
Essa operação de concordância entre operador-variável é um fenômeno
claramente diferente da concordância que se aplica aos núcleos funcionais. Por
exemplo, sabe-se que um núcleo funcional pode concordar com um NP, apenas se
ambos estão contidos no mesmo CP flexionado para Tempo (a condição de fase). Essa
restrição não se aplica para a concordância operador-variável: em todos os exemplos em
(68), o pronome ligado está contido no CP finito encaixado, uma fase que não contém o
quantificador antecedente. Mesmo assim, a concordância entre o pronome e seu
operador não apenas é possível, ela é obrigatória.
Além disso, em inglês e em várias outras línguas, a concordância de núcleo
funcional só é possível na presença de uma relação de valoração de Caso (a condição de
alvo ativo). Para a concordância operador-variável, essa restrição também não é
relevante. Por exemplo, a variável em (68-b) está no acusativo, enquanto que a
expressão quantificada está no nominativo. Ainda assim, uma concordância para
traços-φ ocorre. Esse tipo de concordância, portanto, não depende de valoração de Caso,
como pode ocorrer com outras formas de concordância.
E ainda, um núcleo funcional pode concordar com um dado NP Y apenas se não
há outro NP Z mais próximo do núcleo funcional que Y (a condição de intervenção).
(69) mostra que a concordância operador-variável também está livre dessa condição.
69) Every girlk told every boy about herk troubles with herk parents.
Toda garota contou todo garoto sobre dela problemas com dela pais
(“Toda garota contou a todo garoto sobre os problemas dela com os pais.”)
Os dois pronomes her em (69) concordam com o sujeito every girl para o traço
feminino, apesar do fato de haver um NP quantificado mais próximo (every boy) na
posição de objeto, que possui um valor diferente para o mesmo traço (masculino). A
concordância aqui é claramente com o NP que liga o pronome, independentemente de
sua posição sintática. Novamente, isso é bastante diferente da concordância com
núcleos funcionais, em que a posição sintática relativa é determinante.
72
Por fim, Baker aponta que mesmo condições de c-comando não afetam a
concordância operador-variável. Isso é ilustrado em (70), em que o NP quantificado não
c-comanda o pronome referencialmente dependente.
Esses testes demonstram que nenhuma das condições sintáticas que são
características da relação Agree entre um núcleo funcional e um NP se aplicam à
concordância operador-variável. Dessa forma, essas duas operações devem ser
fundamentalmente diferentes, embora ambas façam com que traços que são inerentes
em uma expressão sejam também realizados em outra.
Baker formula então esse tipo de concordância da seguinte maneira (Baker,
2008, p. 122):
72) Every boyk says that hek finished hisk (*herk , *theirk , *ourk ) homework.
Todo garoto diz que ele terminou dele (*dela *deles *nosso) dever de casa
(“Todo garoto diz que ele terminou o dever de casa dele.”)
Neste exemplo, o pronome his concorda com he, que por sua vez é dependente
do operador da sentença matriz, o que estabelece uma relação de dependência indireta
entre his e every boy, para a concordância-φ.
Baker aponta que traços de 1.ª e 2.ª pessoas também participam da concordância
operador-variável e ilustra com os exemplos em (73) (extraídos de um manuscrito de
Irene Heim).
73
73)
a. Only Ik finished myk (*hisk , *herk , *ourk ) homework.
Apenas eu terminei meu (*dele *dela *nosso) dever de casa
(“Apenas eu terminei meu dever de casa.”)
(Para x = eu, x terminou o dever de casa de x;
Para todo x, x ≠ eu, não: x terminou o dever de casa de x.)
Nesses exemplos, o pronome pode ser interpretado como uma variável ligada
pelo sujeito da sentença mais alta, se e somente se o pronome concorda com aquele
sujeito em pessoa e também em número. Dessa forma, traços de pessoa participam
ativamente no sistema de concordância operador-variável.
A partir dessas evidencias, Baker adota a seguinte conjectura:
75) Se F concorda com XP, então F conta como uma variável que depende
referencialmente de XP.
74
Dessa maneira, além de copiar traços de número e gênero de um XP em F,
Agree torna F dependente de XP. Baker relembra que é recorrente a intuição de que
morfemas de concordância possuem algo de pronominal: a correlação de traços e a
relação de diacrônica são as intuições mais discutidas. Se um núcleo funcional F numa
relação Agree é dependente do XP com o qual ele concorda, e se esse XP é um pronome
dependente de algum operador mais alto Z, então F é (indiretamente) dependente de Z e
deve concordar com ele. Se Z é um elemento de 1.ª ou 2.ª pessoa, então F também
exibirá traços de 1.ª ou 2.ª pessoa. Essa seria a maneira como um núcleo numa relação
Agree poderia vir a ter também traços de 1.ª e 2.ª pessoas, não diretamente como
resultado de Agree, mas indiretamente, como resultado da concordância operador-
variável que ela torna possível.
Essa formulação de Baker lança um pouco de luz sobre as diferenças nos
padrões de concordância para traços de 1.ª e 2.ª e também sobre o comportamento
sintático tão peculiar dos pronomes de 1.ª e 2.ª em relação aos pronomes de 3.ª.
Diante dessas considerações, Baker discute o caráter dos operadores especiais
que ligam pronomes de 1.ª e 2.ª e questões de localidade para variáveis de 1.ª e 2.ª.
Nessa discussão, ele argumenta que algumas hipóteses amplamente aceitas sobre
pronomes de 1.ª e 2.ª precisam ser revistas, a saber: (i) “pronomes de 1.ª sempre
incluem, em sua referência, a pessoa que fala (ou escreve, ou emite) a sentença”; (ii)
“pronomes de 2.ª sempre incluem, em sua referência, a pessoa para quem a sentença é
endereçada”. Baker diz que essas hipóteses enfrentam contraexemplos. Kayne (2000, p.
154), apresenta um exemplo em que um pronome de 1.ª pessoa não pode ser usado para
se fazer referência ao falante, porque o sujeito da sentença é um NP de 3.ª pessoa que,
ele próprio, se refere ao falante. Em tal contexto, o pronome me não pode ser
interpretado e a sentença é agramatical.
76) The man who is t alking to you wants you to give him/*me some money.
O homem que está falando com você quer você dar ele-DAT me-DAT algum ...
(“O homem que está falando com você quer que você dê a ele algum dinheiro.”)
75
77)
(“John diz que ele é um herói.” Literalmente: “John diz que eu ser um herói.”)
Baker salienta que Schlenker revê várias evidencias para mostrar que a sentença
encaixada em (77) não é um caso de discurso direto. Ele ainda aponta que esse tipo de
construção é específico para o verbo ‘dizer’.
A partir desses exemplos, Baker propõe que há categorias vazias especiais
introduzidas em no nível do CP que designam o falante e o destinatário da sentença,
como formulado em (78):
78)
a. Toda sentença matriz e certas sentenças encaixadas possuem dois argumentos
nulos especiais gerados dentro da projeção CP, um designado como S (para
speaker) e outro como A (para addressee).
A ideia aqui é que certos aspectos fundamentais do que se pode considerar como
o “ponto de vista” a partir do qual a sentença é interpretada são expressos por elementos
representados na sintaxe. Assim, todos os usos de um pronome de 1.ª pessoa devem ser
interpretados como sendo ligados pelo operador S, e todos os usos de um pronome de
2.ª pessoa devem ser interpretados como sendo ligados pelo operador A, de acordo com
a Condição de Licenciamento de Pessoa, como descrito em (79):
76
b. Um DP/NP é 2.ª pessoa, apenas se ele é ligado localmente por um A numa
estrutura de c-comando ou por outro elemento que seja 2.ª pessoa.
Baker aponta que a PLC explica o fato de NPs não pronominais ordinários nunca
serem 1.ª ou 2.ª pessoa, mesmo quando eles se referem ao falante ou ao destinatário.
Exemplos em (80) mostram isso, em que DPs sujeitos ordinários não podem acionar a
concordância distintiva de 1.ª e 2.ª pessoas no verbo ser.
80)
a. The man who is talking to you is/*am hoping to get some money.
O homem que está falando com você está/*estou esperando receber algum...
(“O homem que está falando com você está esperando receber algum dinheiro.”)
b. Sorry honey, but Daddy is/*am too tired to play with you tonight.
Desculpa querido(a) mas papai está/*estou muito cansado para brincar com...
(“Desculpa, querido(a), mas o papai está muito cansado para brincar com você esta
noite.”)
Baker explica que é um fato geral que pronomes possam ser ligados por
operadores em construções com pronome resumptivo, por exemplo, enquanto que NPs
lexicais não o podem normalmente (a menos que eles contenham um elemento
pronominal).
81)
a. ?Johnk, whok we all wonder whether hek will actually show up, . . .
John, que nós todos nos perguntamos se ele vai de fato aparecer
(“John, sobre o qual nós todos nos perguntamos se ele de fato vai aparecer...”)
77
b. *Johnk , whok we all wonder whether the boyk will actually show up, . . .
John, que nós todos nos perg. se o garoto vai de fato aparecer
(“John, sobre o qual nós todos nos perg. se o garoto de fato vai aparecer...”)
Então, se NPs lexicais não podem ser ligados por operadores, como
exemplificado em (81-b) e expressões só podem ser 1.ª ou 2.ª pessoa, se elas são ligadas
por um operador especial (79-a,b), isso explica por que NPs lexicais não podem ser
nunca 1.ª ou 2.ª pessoa. Eles sempre vão terminar na condição geral apresentada em
(79-c). (82) exemplifica uma configuração relevante, em que o pronome de 1.ª pessoa
me é ligado indiretamente pelo operador S.
83)
a. I got a question from the audience
Eu recebi uma questão de a plateia
(“Eu recebi uma questão da plateia.”)
78
84)
a. Only I got a question that I understood (nobody else did)
Apenas eu recebi uma questão que eu entendi (ninguém mais recebeu)
= (i) λx [x recebeu uma questão que y FALANTE entendeu]
(… nenhuma outra pessoa recebeu uma questão que eu entendi)
= (ii) λx [x recebeu uma questão que x entendeu]
(… nenhuma outra pessoa recebeu uma questão que ela entendeu)
79
a. b.
D D Indicial
D φP Não indicial D φP
φ N
[Pessoa] φ N
[Pessoa] we
my you [Pessoa]
your we
our us
you guys’s
Esse esquema ilustra que elementos de 1.ª e 2.ª podem corresponder ao nível D
ou ao nível φ da estrutura interna do DP. Quando corresponde ao D, o pronome possui
referência indicial. Quando corresponde a φ, a interpretação do elemento-φ é de uma
variável ligada.
As línguas, nessa análise, podem variar na forma como exibem elementos D e
elementos φ, da seguinte maneira:
D φP
φ N
Homofonia α α
Morfologia aditiva α- β β
Morfologia supletiva α β
80
As línguas podem apresentar homofonia entre os elementos D e φ, morfologia
aditiva D sobre φ ou itens supletivos D e φ. O inglês exemplifica casos de pronomes de
1.ª e 2.ª com o padrão da homofonia, como também é o caso do PB. Assim, a mesma
forma é mapeada para D ou φ, como no (diagr. 8). Isso faz com que a mesma forma
possa ser usada como indicial ou não indicial.
D φP
α φ N
81
85)
a. ... de-s/*det doow morge kum-s
que-2PS/que você amanhã vem
(“... que você vai vir amanhã”)
Van Koppen argumenta que a diferença entre os dois dialetos pode ser
explicada, se C não sonda o mesmo alvo nos dois dialetos. Nos dialetos com
concordância dupla, a concordância de complementizador é resultado de uma sonda
concordando com traços de participante dentro da estrutura pronominal, enquanto que a
concordância em C em outros dialetos reflete concordância com o nó mais alto dessa
estrutura pronominal.
Assim há dois tipos de concordância:
Tipo 1: a marca em C é igual à do verbo;
Tipo 2: a marca em C é diferente da do verbo.
Há dois afixos que aparecem em C: -e, que van Koppen analisa como [1PSing] e
-t, que seria o afixo elsewhere (que também podemos chamar de defualt).
Para explicar essa variação, van Koppen assume que pronomes contêm traços de
participante e traços de individuação, seguindo Harley & Ritter (2002). Esses traços
seriam inseridos como grupos discretos de traços, de modo que eles podem ser alvo de
operações sintáticas como Agree independentemente de outros traços-ϕ associados aos
82
pronomes. Durante a derivação, esses traços são unidos por Merge e terminam na
projeção máxima como um conjunto de traços.
Van Koppen (2012) conjuga a proposta de Déchaine & Wiltschko (2002), para a
estrutura interna dos pronomes (D&W, 2002, p. 410), e a proposta de Harley & Ritter
(2002) para os traços presentes na projeção pronominal. Ela argumenta que traços de
participante ([falante] e [destinatário]) podem engatilhar concordância,
independentemente de outros traços pronominais. A estrutura de D&W (2002, p. 410) é
como a seguir:
a. b. c.
83
participante e os traços de individuação. A geometria proposta é a seguinte (H&R, 2002,
p. 486):
Partindo da proposta de H&R (2002), van Koppen (2012) defende que traços de
participante e traços de individuação não constituem, inicialmente, um conjunto de
traços. De acordo com van Koppen, esses grupos de traços entram na derivação em
posições discretas e são juntados posteriormente. Para van Koppen, o traço de
participante ocupa o Spec-PhiP. Os traços de individuação ocupariam uma posição
hierarquicamente mais baixa. Essa posição poderia ser NP, ou poder-se-ia assumir que o
termo PhiP é um rótulo para duas projeções mais básicas: ParticipantP e IndividuationP.
A categoria Participante tem os traços dependentes “falante” e “destinatário”. A
categoria de individuação tem os traços dependentes “grupo” e “mínimo”. E a categoria
“Classe”, dependente da Individuação, possui os traços dependentes “animado” e
“inanimado”.
Van Koppen (2012, p. 146) interpreta essa estrutura de forma que, quando a
categoria participante possui o traço dependente falante, o valor do traço participante é
1.ª pessoa singular. Isso equivaleria a dizer que ambas as formas singular e plural
conteriam uma singular: os traços de participante em si seriam sempre singular. Van
Koppen salienta que essa posição está de acordo com o sentido dos pronomes de 1.ª
pessoa plural. Um pronome de 1.ª pessoa plural não constitui uma pluralidade de 1.as
pessoas do singular (LYONS, 1968; ILJIC, 1994; BESTEN, 1996). O sentido de um
pronome de 1.ª pessoa plural é o de que há um grupo que minimamente contém o
falante. Da mesma forma, quando o traço subsequente a [participante] é o traço
[destinatário], o valor de participante é 2.ª pessoa. Van Koppen argumenta que o traço
84
de destinatário não é especificado para número, ao contrário de falante, uma vez que o
papel de destinatário não é necessariamente singular ou plural (CYSOUW, 2001).
O nó de Individuação especifica se o pronome se refere a um grupo mínimo ou a
um grupo maior. Van Koppen assume que, quando o pronome se refere a um grupo
mínimo, o valor do traço de individuação é singular, do contrário, plural.
Van Koppen (2012) associa as propostas de D&W (2002) e H&R (2002), de
modo a identificar como os traços propostos em H&R estão distribuídos na projeção
pronominal apresentada em D&W. Para van Koppen, os traços de participante são
inseridos como um conjunto discreto de traços na periferia esquerda da projeção
pronominal, mais especificamente em Spec-PhiP. A autora explica que há uma razão
interna à teoria para se acreditar que os traços de participante ocupam uma posição de
Spec ao invés de uma posição de núcleo, que tem a ver com o fato de traços de
participante não necessariamente determinarem a especificação de traços de todo o
sintagma. O fato de traços de participante serem dêiticos, no sentido de que a referência
deles muda quando o falante muda, sustentaria esta hipótese, uma vez que isso significa
que traços de participante precisam estar disponíveis no discurso. Isso levou alguns
autores a situarem tais traços na periferia esquerda. Por exemplo, Bianchi (2006) propõe
que traços de pessoa estão ligados à periferia esquerda da sentença.
A partir das propostas de D&W (2002) e H&R (2002), van Koppen apresenta os
esquemas em (86), para os pronomes de 1.ª e 2.ª pessoas (a autora não esquematiza
pronomes de 3.ª, uma vez que eles não são relevantes para sua análise). A estrutura no
(diagr. 11-a) é destacada: nela, há uma discrepância entre a especificação de traços de
participante e os outros traços do pronome completo. Nesse caso, os traços de
participante inseridos na posição de especificador de PhiP são singular (1.ª pessoa), ao
passo que a acumulação de traços nessa projeção são plural (1.ª pessoa). Van Koppen
salienta que esta estrutura captura o sentido dos pronomes de 1.ª pessoa plural: há um
falante singular inserido num grupo.
85
a) 1.ª pessoa singular b) 1.ª pessoa plural
86
O pronome reflexivo ourselves em (87) carrega traços e 1.ª pessoa plural. O
sujeito, porém, consiste de uma parte que é 3.ª pessoa singular (John) e outra parte que é
1.ª pessoa singular (I). A pergunta aqui seria com qual elemento o pronome reflexivo
concorda, uma vez que nenhuma das partes tem traços de 1.ª pessoa plural. Dalrymple
and Kaplan (1997) argumentam que o pronome reflexivo concorda o conjunto unificado
de traços dos dois componentes do sujeito, que constituem um conjunto de 1.ª pessoa
plural: basicamente um conjunto constituído por mais de uma entidade, incluindo-se aí
o falante. Van Koppen explica que, em termos minimalistas, pode-se dizer que, dentro
de um sintagma com coordenação, os traços das partes são unidos pela operação Merge:
quando os traços de Jonh e os traços de me passam por Merge, um conjunto de traços
mais bem representado como 1.ª pessoa plural passa a existir. Van Koppen sugere que
um mecanismo similar opera nas estruturas pronominais: os traços na projeção
pronominal, ou seja, os traços de participante e individuação, são unidos por Merge e,
dessa forma, se tornam um único conjunto de traços no nó final da projeção pronominal,
ou seja, PhiP.
É a partir dessas associações teóricas que van Koppen analisa a concordância de
complementizadores em dialetos do holandês. É central nesta análise a ideia de que os
traços de participante, por serem inseridos separadamente dos traços de individuação, e
por serem inseridos na periferia esquerda (no caso, da projeção pronominal), podem
participar de relações Agree independentemente de outros traços na projeção
pronominal. Dessa forma, os dois tipos dialetos são explicados. Os dialetos que
apresentam concordância em C idênticos à marca que aparece no verbo refletem casos
de Agree com o nó PhiP integral, mais alto. Os dialetos de concordância dupla, que
apresentam uma marca em C e outra no verbo surgem de uma relação Agree com um
alvo interno a PhiP, ou seja, com o traço de participante na periferia de PhiP.
87
muitos traços. Há algumas evidências de que os clíticos me e te não carregam mais que
um traço. Por exemplo, é possível encontrar estruturas redobradas com mismatch de
traços de número:
88)
a. Ô zé, ô te contá p’cês qui...30
b. que Deus te ilumine você e sua família
É bem verdade que essa não identidade de traços não pode ocorrer para a 1.ª
pessoa do plural, em uma estrutura do tipo “*ele me ajuda nós/ a gente”. Mas vimos,
por outro lado, o argumento de van Koppen (2012), para quem traços de participante
(associados à categoria de pessoa) e traços de individuação (associados à categoria de
número) não estão interligados. Para esta autora, o traço da série de participante que
equivale ao falante é sempre singular, e um pronome de 1.ª pessoa plural não equivale a
uma pluralidade de 1.as pessoas, mas a um conjunto que contém o falante. O traço
destinatário, porém, não seria especificado para número, uma vez que a categoria de
destinatário não é necessariamente singular ou plural. Essa perspectiva parece
conciliável com os dados em (88). Mesmo assim, um paralelo de (88-b) com a forma me
é possível: “Ele me ajudou eu e meus irmãos”.
Além disso, os clíticos me e te não estão envolvidos na checagem de Caso do
pronome associado. O caso do objeto é valorado por v, e por isso mesmo a estrutura
redobrada é possível. Se os clíticos me e te recebessem caso de v, não haveria uma fonte
atribuidora de Caso para os DPs redobrados, a menos que eles fossem sempre
preposicionados. Como vimos em todos os exemplos de RC acusativos, não é isso o que
acontece.
Embora tenhamos abandonado a hipótese apresentada no capítulo 3, há alguns
insights lá que devemos considerar. A ocorrência dos RC no PB com apenas as formas
me e te indicam que os traços [falante] e [destinatário] são determinantes nessas
estruturas. Não parece haver outros traços, além da série de participante, presentes na
realização dos RC no PB: as formas me e te não codificam outros traços-φ (número e
gênero) e não estão envolvidos com traços de Caso.
30
Machado-Rocha (2013), estudantes do Ensino Médio de Belo Horizonte.
88
O trabalho de van Koppen (2012) oferece alguns elementos para postularmos
que RC no PB, e a cliticização de objeto em geral, estão associados a um traço de
participante da fase-v. Nos dados analisados para a concordância dupla com
complementizadores do holandês, van Koppen assume que traços de participante
desencadeiam concordância de modo independente. Para os nossos dados, vamos
assumir que a projeção de concordância em questão não possui outros traços, para além
do traço da série de participante. Além disso, vamos adotar um sistema de traços
diferentes do proposto em van Koppen. Vamos assumir, baseados em Adger (2006),
apenas um traço bivalente, responsável pela codificação tanto do falante, quanto do
destinatário. Este traço será [uautor:±]. Dependo do valor atribuído a este traço na
relação de concordância, ele resulta em uma forma associada ao falante [autor:+] ou ao
destinatário [autor:-]. Vamos desenvolver esta hipótese no capítulo 5.
As abordagens de Baker (2008) e D&W (2010) criam um cenário em que a
referência de pronomes de 1.ª e 2.ª pessoas não é inerentemente específica (indicial, nos
termos de D&W), como defendido pela maior parte da literatura, mas depende da
estrutura interna da projeção do DP e da relação com operadores específicos na
sentença. Esses trabalhos formalizam a intuição de Bleam (1999), para quem a noção de
especificidade não está associada a um traço sintático. Essa perspectiva é mais
conciliável com os dados do PB que, como vimos, permite leituras genéricas de clíticos
simples e RC. Nesse sentido, temos que considerar que os clíticos me e te são elementos
φ, apenas. Essa hipótese é consonante com a maioria das análises para elementos
clíticos.
Neste capítulo, discutimos trabalhos que preparam o terreno para nossa hipótese
central, orientada para uma análise dos RC do PB como relações de concordância. O&R
(2010), de modo semelhante ao que propusemos para o PB, no capítulo 2, assumem que
os clíticos do espanhol participam de um sistema único de concordância de objeto, com
a exceção de que a os clíticos acusativos de 3ª pessoa que não fazem parte desse
89
sistema. Bleam (1999) questiona o status inerentemente específico de clíticos
acusativos, demonstrando que a interpretação específica é composicional e não depende
do clítico, propriamente. Baker (2008) propõe que as relações de concordância para
elementos de 1ª e 2ª pessoa fazem parte de um sistema diferente de Agree: a
concordância operador-variável. Essa hipótese encontra sustentação no trabalho de
D&W (2010), que demonstram que pronomes-φ são pronomes não indicias, ou seja, que
podem exibir comportamento de variáveis. Por fim, van Koppen oferece um exemplo de
concordância independente para traços de participante, o que oferece um paralelo para a
concordância do traço-φ envolvido nos RC do PB.
90
5. Os RC no PB como instâncias de concordância de objeto
31
Os dados de (a) a (g) são de Ramos (2010), fala de Piranga; (h) é da fala de Belo Horizonte; (i) e (j) são
de Machado-Rocha (2013), alunos de Ensino Médio de Belo Horizonte; os dados de (k) a (n) são de
Vitral (2014), projeto Cartas ao Papai Noel.
32
Os dados de (a) a (c) são de Ramos (2010), fala de Piranga; (d) e (e) são de Machado-Rocha (2013),
fala de alunos de Ensino Médio de Belo Horizonte.
91
91) RC com sujeitos ECM33
a. tem vez quês num gosta munto de me dexá eu ficá lá não
b. ela pidiu pai pa me dexá eu ficá com ela uns tempo
33
Ramos (2010), fala de Piranga.
34
De (a) a (c): Ramos (2010), fala de Piranga; (d): Machado-Rocha (2013), estudantes do Ensino Médio
de Belo Horizonte.
35
(a): Ramos (2010), fala de Piranga; (b) a (d): Machado-Rocha (2013), estudantes do Ensino Médio de
Belo Horizonte.
36
(a): Ramos (2010), fala de Piranga; (b) Ramos (2010), fala de Acerburgo.
92
95)
a. cê pode intrá qu’eu te ajudo ocê no qu’eu pudé
b. cê pode intrá qu’eu te ajudo no qu’eu pudé
c. cê pode intrá qu’eu ajudo ocê no qu’eu pudé
93
(iii) Os RC no PB não estão associados a efeitos interpretativos. Isso nos leva a
acreditar que tais estruturas, então, refletem apenas instâncias de concordância. Vamos
discutir a noção de Cadeia de Concordância Pura, como proposto em Adger (2006). A
partir deste trabalho, vamos também identificar o traço envolvido na concordância dos
RC do PB, qual seja, o traço de [autor].
Vamos começar a construção de nossa hipótese, considerando que a estrutura
básica do RC no PB é cl-V-DP. Para isso, vamos assumir que, mesmo no caso dos
redobros com DPs dativos, estamos diante de um DP de fato, e os elementos pra e com
não são preposições reais, nestes contextos, mas marcas de caso. PPs no PB não aceitam
cliticização em hipótese alguma, o que faz dessa operação um diagnóstico para se
diferenciarem preposições de marcas de caso.
96)
a. A Maria falou a verdade com/pra você
b. A Maria te falou a verdade
c. A Maria te falou a verdade com/pra você
d. A Maria te falou com/pra você a verdade
97)
a. A Maria conversou com você
b. * A Maria te conversou
c. * A Maria te conversou com você
94
5.1 Fundamentação da hipótese
95
do argumento. De modo semelhante, o problema da distribuição complementar entre
clíticos e argumentos, como discutido inicialmente em Kayne (1975) também se
resolve.
No caso dos argumentos acusativos, o clítico seria responsável pelo
licenciamento do traço de especificidade no XP principal. Quanto aos clíticos dativos,
eles são considerados com marcas de concordância pura, uma vez que carecem do traço
de especificidade.
Para motivar o movimento de XP* para XP^, Sportiche alinha o movimento dos
clíticos à sintaxe geral do movimento. Para tal, ele propõe o Critério do Clítico, segundo
o qual o clítico e seu XP associado devem estar numa estrutura de Spec-núcleo em LF
(ver capítulo 2, p. 44). É a partir desse critério que Sportiche vai derivar as várias
possibilidades de realização de clíticos e argumentos, que podem ser visíveis ou
encobertos, de acordo com os parâmetros de construções com clíticos, que predizem
que:
96
Um ponto central nesta abordagem é a assunção de que toda construção com
clítico é de fato uma construção de redobro. A cliticização simples é uma instância de
XP* não visível (um objeto pro), enquanto que a estrutura redobrada tem um DP
visível. O argumento não cliticizados, por outro lado, é um caso de XP* visível com um
XP^ (o clítico) nulo.
McCloskey (1996) propõe que projeções Agr possam ser opcionais dentro de
uma dada língua, no sentido de que elas podem estar presentes ou ausentes na
derivação. Essa hipótese é elaborada a partir de formas “analíticas” de verbos do
irlandês, como exemplificado em (98). Verbos na forma analítica apresentam flexão de
Tempo, mas não são especificados para nenhum traço de concordância. Compare (98)
com (99), em que o verbo concorda normalmente com o sujeito.
98)
D' eirigh go maith leofa.
TEMPO subir.PASS bem com-eles
(“Eles agiram bem.”)
99)
Neartaigh a ghlor.
Fortaleceu dele voz
(“A voz dele se fortaleceu.”)
De acordo com McCloskey, verbos na forma analítica, como em (98), por não
serem especificados para traços de concordância, não requerem a presença de nenhuma
projeção de concordância. Projeções de concordância, por sua vez, não têm função em
LF (Chomsky, 1991) e, portanto, quando elas não são requeridas pela sintaxe, podem
ser deixadas de fora da derivação. O problema para o irlandês é explicar a alternância
97
entre os verbos regulares, que concordam normalmente, e os verbos analíticos
impessoais. A solução proposta por McCloskey é representada no (diagr. 12):
98
próxima seção, vamos discutir como a presença da projeção clítica é condicionada pela
presença de um traço-φ em particular, qual seja, o traço [uautor:±], seguindo Adger
(2006). É a partir deste trabalho também que vamos defender que o RC do PB é um
caso de cadeia de concordância pura, desvinculada de efeitos interpretativos.
Adger (2006) adota um sistema de traços formais bivalentes. Ele explica que um
traço bivalente expressa uma noção de contraste. Por exemplo, [singular:±] é um traço
bivalente capaz de classificar pronomes como singulares ou plurais.
Para o sistema pronominal do inglês, o autor propõe que os traços [singular:±],
[participante: ±] e [autor: ±] são suficientes para gerar todas as formas. O traço
[singular: ±] seria bastante para gerar toda a variação de número necessária, porque
nesta língua não há duais ou outras formas para número, nem na morfologia nem na
sintaxe. O traço [participante: ±] indica se o pronome se refere a um participante do ato
discursivo ou não. E o traço [autor: ±] (Halle, 1997) é responsável pela diferenciação
entre falante e destinatário. A relação entre os traços [autor: ±] e [participante: ±] é tal
que, se há uma especificação para o traço [autor: ±], consequentemente o traço
[participante: ±] tem uma especificação positiva. E o contrário também é verdadeiro: se
um pronome é especificado como [participante:+], então ele necessariamente deve ter
uma especificação para [autor: ±], ao menos em línguas como o inglês, uma vez que não
há formas pronominais que não distinguem entre falante e destinatário. Essas
observações são sintetizadas na Restrição de Coocorrência de Traços (FCR, do inglês
Feature Co-occurrence Restriction):
99
Tabela 5 - Composição de traços dos pronomes do inglês, de acordo com Adger (2006)
101) Uma cadeia de concordância é um par de itens lexicais (ILs), em que os traços
não interpretáveis de um IL é um subconjunto dos traços interpretáveis do outro
IL.
100
O problema aqui estaria relacionado à incompatibilidade na especificação de
traços do pronome e do verbo, porque a especificação [usingular:-] em were não está
numa cadeia de concordância e, por isso, viola o princípio de Interpretação Plena, como
representado em (104):
101
Cl
v
uautor:
±
(i) o clítico está relacionado com o domínio funcional do verbo. No PB, a cliticização é
possível unicamente com esse domínio, seja com a raiz verbalizada ou com o v:
105)
a. Ele me ajuda eu
b. ele me fez eu sair
106)
a. ele não quer me ajudar eu
b. *ele não me quer ajudar eu
Os clíticos objetos não podem ocorrer com nenhum outro núcleo a não ser os
núcleos verbais, em PB. Essa fixação da posição, como discutimos, é um indício forte
de que essas marcas são elementos de concordância.
Seguindo a proposta de McCloskey, vamos assumir que a projeção do clítico é
opcional, uma vez que os dados do PB sugerem que a entrada do clítico na derivação é
opcional, condicionada pela presença de um traço valorado na sentença: o traço de
[autor]. A terceira peça de construção de nossa análise é a proposta de Adger (2006), em
102
que traços formais são tratados como bivalentes e não valorados. Na projeção clítica do
PB, o traço relevante é [uautor: ±].
Ainda com base em Adger (2006), vamos assumir que os traços relevantes na
configuração das formas clíticas são as seguintes (considerando-se também a forma de
3.ª pessoa, não atestada nas variantes orais investigadas):
[participante:+, autor:+] me
[participante:+, autor:-] te
[participante:-] o
103
Na literatura, há várias maneiras de se formalizar a operação de concordância
entre o objeto e domínio de v que gera as formas clíticas. Podemos propor uma projeção
de concordância, como estamos fazendo, seguindo Sportiche (1996) e McCloskey
(1996). De outra forma, podemos propor que as marcas me e te são a expressão
morfológica de traços-φ em v, sem a projeção dedicada para a concordância, como faz
Roberts (2010). Estamos optando pela primeira forma, por dois motivos principais: (i) o
modelo de incorporação de Roberts (2010) precisa necessariamente considerar a
Generalização de Kayne, para que o redobro possa ocorrer, visto que v está associado a
Caso e concordância. Assim, a preposição licenciadora do caso do DP é indispensável,
para que v fique livre para licenciar Caso no clítico. Como discutimos amplamente ao
longo deste trabalho, as marcas me e te do PB não estão associadas a caso; (ii) Roberts
(2010b) aponta o problema do traço D em v, que prediz definitude/especificidade para
elementos cliticizados. Nossos dados não permitem uma tal predição. Para
dispensarmos a projeção clítica, precisaríamos adaptar os mecanismos do modelo de
incorporação de Roberts (2010b). Esta é uma escolha teórica que não vamos fazer,
embora julguemos que ela não seja de todo inconciliável com nossa análise. Embora o
modelo corrente de Chomsky (1995) e Chomsky (2005) sugira que a projeção Agr seja
abandonada, vamos rever, fim desse capítulo, uma sugestão de Adger (2006), segundo
ao qual há motivos internos à teoria para se adotar esse construto teórico.
Vamos considerar, primeiro, como nossa hipótese se aplica a estrutura de
cliticização simples. Vamos ilustrar isso com um argumento de 2.ª pessoa, mas a
contraparte de 1.ª pessoa funciona da mesma forma. Relembre que, de acordo com
Sportiche (1996), todas as estruturas de clítico objeto são estruturas redobradas, sendo
que a única diferença é o tipo de DP na posição de objeto: um DP/pronome visível ou
um objeto pro.
104
108) Eu te ajudo pro
Cl
v
[au:-] = te uau: ±
v
eu
v V
ajud- pro
Part:+
au:-
sing:+
105
especificadas para Tempo, mas não para traços de concordância. Quando, por outro
lado, a Numeração contém um verbo transitivo, que subcategoriza para um NP
nominativo, F2 precisa ser inserido como um requisito de convergência da sentença. De
modo semelhante, (108) exemplifica uma Numeração que contem um objeto pro com
traços de 2.ª pessoa e, consequentemente, requer a presença do ClP. Uma vez inserida, a
projeção clítica entra numa relação Agree com pro e tem seu traço [uautor:±] valorado
pelos traços-φ de pro como [autor:-]. Essa operação vai resultar na forma clítica
relevante, no caso, o clítico de 2.ª pessoa te. Tal operação de concordância é possível,
quando consideramos a hipótese de van Koppen (2012), segundo a qual traços de
participante podem concordar de modo independente dos demais traços pronominais. A
diferença entre van Koppen (2012) e nossa análise é que a concordância para o traço de
participante no holandês ocorre em C e no PB, em v.
Consideremos agora que, no lugar de pro, o objeto inserido seja o pronome
visível você, como em (110):
Cl
v
[au:-] = te uau: ±
v
eu
v V
ajud- você
Part:+
au:-
sing:+
106
Aqui, embora não seja obrigatório, ClP pode ser inserido, uma vez que, na
derivação, vai haver um alvo potencial para a valoração dos traços desse núcleo. Nesse
caso, o resultado é a estrutura redobrada.
Diante dessas estruturas, surge a pergunta: Por que a projeção clítica “ignora” o
sujeito em Spec-v no momento da sondagem? Em (110), o pronome sujeito eu está mais
próximo de ClP do que o pronome objeto você. Esse pronome também possui um traço
de autor valorado [autor:+], mas, mesmo assim, ClP “salta” Spec-v e sonda o objeto
para sua valoração. Podemos aqui lançar mão de duas hipóteses.
A primeira delas leva em conta a proposta de Baker (2008) de que a
concordância de 1.ª e 2.ª pessoas depende de condições especiais e não dos critérios de
localidade da relação Agree canônica. Assim, a concordância da projeção clítica se daria
pela ligação indireta com o pronome você, vista como uma variável ligada ao operador
A da sentença, que designa o destinatário. Relembre que, de acordo com Baker, um DP
pronominal se torna uma variável no momento mesmo que ele entra numa relação
Agree, tornando-se elegível para uma relação e concordância operador-variável. Um
problema imediato dessa hipótese é que a concordância clítica do PB ocorre, ao que
tudo indica, na fase v, e os operadores S e A pertencem à fase C. Poderíamos
simplesmente assumir uma versão adaptada de Baker (2008) e propor que esses
operadores precisam estar presentes na fase v, uma vez que é na fase v que os
argumentos são inseridos na sentença e assim, é de se esperar que as referência de
falante e destinatário já estejam definidas lá. Mas há uma alternativa que dispensa o
recurso à operação de concordância operador-variável.
Como discutimos, os clíticos não estão envolvidos na checagem de Caso do
pronome associado, porque, no momento em que v é inserido, ele checa o caso do
objeto. Na sondagem que o traço não valorado da projeção clítica faz, o sujeito em
Spec-v, por possuir um traço de Caso não valorado, não conta como alvo possível.
Levando-se em conta a generalização de Adger (2006), como apresentada em (101),
uma cadeia de concordância se estabelece entre um item lexical LI1 e um item lexical
LI2, garantindo-se que os traços de um seja um subconjunto dos traços do outro. No
momento em que ClP é inserido, e assim, sonda a estrutura, o pronome sujeito em Spec-
v sempre vai apresentar um traço de Caso não valorado (e por isso, não deletado). Por
possuir mais traços que a sonda clítica, o elemento em Spec-v é opaco para a sondagem
de ClP, e dessa forma essa projeção vai sempre sondar o objeto, que tem seu caso já
valorado por v, e nunca o sujeito em Spec-v, cujo caso será valorado apenas na próxima
107
fase. Isso captura o fato de a projeção clítica no domínio verbal do PB ser uma
concordância de objeto e não de sujeito. A única situação em que os prefixos me e te
redobram um pronome sujeito é em contextos de sujeito ECM ou sujeitos de
minioração, como nos exemplos (111) e (112):
108
113) Eu ajudo você.
v
eu
v V
ajud- você
Part:+
au:-
sing:+
Uma vez que o ClP carrega apenas um traço não interpretável não valorado, a
ausência dessa projeção não possui qualquer efeito semântico e, por isso, ela pode ser
deixada de fora, como proposto em McCloskey (1996). Como vimos, este seria o
sentido da opcionalidade do clítico nos dados dialetais do PB. Diante de um objeto
visível, a projeção clítica é permitida, mas não obrigatória.
Temos ainda de lidar com a situação em que objeto presente na Numeração é um
pronome visível de 3.ª pessoa (ele). Por que, neste caso, não possível a inserção de ClP
e a estrutura em (114) é mal formada?
O problema aqui é que pronomes de 3.ª pessoa não são especificados para o
traço relevante da projeção clítica [uautor:±], porque a sua especificação para o traço
[participante:±] é negativa: [participante:-]. Como vimos na formulação de Adger
(2006), apenas elementos especificados como [participante:+] possuem um valor para o
traço [autor]. Por essa razão, ClP não pode ser inserido, porque não vai haver nenhum
alvo de valoração para o traço [uautor:±] e assim a derivação fracassa neste ponto.
109
Cl
v
??? uau: ±
v
eu
v V
ajud- ele
Part:-
sing:+
110
?
115) Eu o ajudo
Cl
v
??? uau: ±
v
eu
v V
ajud- pro
Part:-
sing:+
111
116) Eu ajudo ele
v
eu
v V
ajud- ele
Part:-
sing:+
112
117) Eu tô te falando pra você (pro/ a verdade/que...)
Cl
v
[au:-] = te uau: ±
v
eu
v V
fal- Apl
113
(meu/minha, seu/sua), um NP passa a ser constituído por um traço [autor] valorado, o
que permite a inserção e a valoração do traço do ClP. A existência desses casos de RC
dá grande força à nossa hipótese da projeção clítica composta apenas pelo traço
[autor:±].
Cl
v
[au:+] = me uau: ±
v V
pag- DP
meu dinheiro
Part:+
au:+
sing:+
...
114
Expressões idiomáticas deram margem para muita discussão na literatura a
respeito de sua interpretação semântica. Num horizonte vasto de abordagens, Nunberg,
Sag & Wasow (1994) aparecem como um marco na discussão do dilema
composicionalidade vs. não composicionalidade, mostrando que é possível encontrar
expressões idiomáticas nas duas situações. Para nossa análise, interessam apenas a as
estruturas e operações sintáticas mais fundamentais, que vão permitir ou não a inserção
da projeção de concordância clítica. Nesse sentido, as expressões em (119) se
conformam com nossa estrutura fundamental. Assumindo-se que expressões idiomáticas
entram na derivação em bloco, em (119-a) o VP meter o ferro em seria invariável, e a
pessoa alvo da ação seria variável. Quando o complemento dessa expressão é um
pronome de 1.ª ou 2.ª pessoa, a cliticização é possível, o que indica que esse
complemento pode ser visto como um DP aplicado, com caso inerente, e por isso o
clítico pode ser inserido e valorado. Dessa maneira, a valoração do clítico aqui se dá de
modo semelhante aos dativos regulares. Igualmente, a expressão dar na cabeça é
invariável, e a pessoa experienciadora pode variar. Aqui, porém, estamos diante de um
caso de DP com determinante possessivo. É curioso notar que a posse inalienável, que
permite a cliticização simples (me deu na cabeça) sugere que o determinante possessivo
aqui pode ser nulo, embora os traços de pessoa relevante ainda estejam lá. Caso
contrário, a cliticização não seria possível. Nesse sentido, a presença do clítico é um
diagnóstico para a presença desse determinante encoberto.
120)
a. num sei o quê que me deu na minha cabeça
b. num sei o quê que deu na minha cabeça
c. num sei o quê que me deu na [ ] cabeça
d. *num sei o quê que deu na cabeça
115
5.4 O traço [uautor: ±] na concordância do PB
116
121) 1.ª P.Sing
a. eu moro ca minha mãe
b. eu nem gosto de ficá per dele
117
127)
Eu fal-o
Você fala-Ø
Ele fala-Ø
A gente/nós fala-Ø
Vocês fala-Ø
Eles fala-Ø
38
128)
Ainda assim, mesmo essas formas irregulares permitem a flexão default como
em “nós vai”, “cês vai”. Essas evidências são bastante sugestivas no que diz respeito ao
sistema de concordância do PB dialetal em geral. Parece que a concordância com traço
[autor] é determinante tanto no domínio de v-V, quando no domínio C-T. Estes pontos,
no entanto, fogem ao foco do presente trabalho e deixamos essas questões em aberto
para pesquisas futuras. De toda forma, a análise de van Koppen (2012), para quem
traços de participante podem concordar independentemente parecem se confirmar no
PB.
Em nossos dados, todos os casos de concordância parecem coincidir com Agree
e por isso não precisamos lançar mão, diretamente, da conjectura de Baker (2008),
segundo a qual concordância de 1.ª e 2.ª pessoas é sempre uma concordância operador-
38
Ramos (2010), fala de Piranga.
118
variável. Mesmo em casos de objeto dativo, assumimos que não estamos diante de PPs,
mas de DPs aplicados. Mesmo assim, o fato de a concordância de objeto nos dados do
PB dialetal ocorrerem apenas para a 1.ª e a 2.ª pessoa parecem correlacionados com essa
hipótese.
Se as estruturas apresentadas por van Koppen (2012) estiverem corretas, então
podemos supor que o traço [autor] se realiza morfologicamente tanto na sonda T, quanto
na sonda v em PB dialetal. Obviamente, há a realização de outros traços-φ nessas
sondas em outros registros e variedades do PB, que possuem paradigmas mais ricos.
119
Conclusões
(ii) No PB dialetal, o RC não ocorre para a 3.ª pessoa, mas apenas para a 1.ª e a 2.ª.
Vimos que a projeção clítica possui apenas um traço: [uautor:±]. Quando o ClP é
inserido, este traço precisa ser checado contra algum alvo potencial. Se o objeto é 1.ª
pessoa, o traço do clítico é valorado como [autor:+]. Se o objeto é 2.ª pessoa, ClP
120
adquire [autor:-]. Uma vez que pronomes de 3.ª pessoa são subespecificados para traços
do ato discursivo, sendo compostos basicamente por [participante: –], a projeção do
clítico não pode ser inserida quando o objeto em questão é um elemento de 3.ª pessoa,
seja ele pleno ou nulo. Se ela for, seu traço não interpretável leva a derivação a
fracassar. Por isso, os RC ocorrem apenas para elementos de 1.ª e 2.ª pessoas, e mesmo
a cliticização simples para 3ª pessoa no PB dialetal é mal formada.
121
estejamos rotulando a projeção que resulta nessas formas de ClP, me e te são analisadas
neste trabalho como marcas de concordância de objeto.
A ideia de um núcleo que carrega apenas traços-φ não interpretáveis vai contra o
argumento teórico de Chomsky (1995), para quem AgrP deveria ser banido do modelo.
No entanto, esse argumento pode ser relativizado, como nosso trabalho sugere. Núcleos
que carregam apenas traços não interpretáveis são plausíveis, do ponto de vista teórico,
mas sua instabilidade reflete uma instabilidade do sistema, do ponto de vista diacrônico.
Para o caso do PB, essa perspectiva parece correta e pode ser relacionada com a perda
gradual da riqueza de traços do sistema pronominal (cf. Nunes, 2011a). Neste sentido, o
redobro de clítico na PB é um caso de cadeia de concordância pura (Adger, 2006), não
relacionado diretamente com nenhum efeito interpretativo. De Acordo com Adger
(2006, p. 508), nas cadeias de concordância pura,
122
grego. No PB dialetal, a estrutura básica do RC acusativo não requer nenhum elemento
preposicional, o que afasta mais uma vez o fenômeno de RC no PB de outras línguas
estudas para esse fenômeno.
O redobramento sintático é, como discutido em Barbiers (2008), um
propriedade comum das operações de concordância. Nesse sentido, as operações de
concordância em geral replicam traços de um elemento em outro. Como os fenômenos
de concordância são muito variados de língua para língua, é bastante improvável que
haja um parâmetro universal específico para o RC. Os RC nas línguas parecem
relacionados com as operações de concordância num sentido mais amplo. Se há que se
pensar em um parâmetro, ele estaria ligado à concordância em si, e os RC
representariam apenas um aspecto particular desse princípio geral.
123
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