Pedro Alecrim PDF Tempo Trindade 5

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 1

Pedro Alecrim

Enviado por sandra

 74% (43) · 155K visualizações · 22 páginas


Título e descrição aprimorados por IA

Dados do documento 
Este texto é um relato sobre a vida de estudantes…

Fazer o download agora mesmo


Título original
pedro alecrim 
Fazer download em doc, pdf ou txt
Direitos autorais
© Attribution Non-Commercial (BY-NC)

Formatos disponíveis
DOC, PDF, TXT ou leia online no Scribd
PEDRO ALECRIM António Mota

Compartilhar este documento


Texto com supressões


Facebook Twitter
 1
Terminaram as aulas e começa a confusão. Parecemos carreiros de formigas a
correr para dentro das camionetas, quase sempre velhas e a largar fumaradas de
gasóleo queimado.


Não há respeitinho por ninguém, como costuma dizer a dona Judite, a contínua
plantada à entrada da escola que, dentro daquele cubículo, faz-me lembrar um
pássaro numa gaiola com telefone. O que importa é arranjar lugar sentado. Quem não

E-mail
chega a tempo faz a viagem de regresso a casa de pé.
O Luís nunca corre e é o último a chegar. Vem com muita calma porque sabe que
tem sempre lugar nos bancos de trás. Há um grupinho que se encarrega de lhe marcar
o assento.
Você considera estebem
Muito alto, sempre documento
vestido, de cabelosútil?
compridos e encaracolados, o Luís
pesa o dobro de mim e nunca está calado. Não sei onde aprendeu tantas anedotas e
adivinhas, nem como consegue inventar tantas piadas.
Em dias de prova de avaliação aparece sempre de gravatinha e cinto largo. A
principio era uma grande risota vê-lo assim encadernado. Havia piadas. Mas o Luís
não se aborrecia. E avisava:
– Podem rir mais, muito mais! Riam muito!... Mas fiquem sabendo que tenho muito
respeitinho pelas avaliações…
Este conteúdo é inapropriado?
Não demorei muito tempo a descobrir a razão daquela estranha forma de vestir em
dias de prova escrita. O Luís serve-se da gravata, do cinto e das mangas da camisa
para colocar copianços.
Ontem começámos a rir quando a professora de Português ameaçou que se
Relatório
descobrisse alguém a copiar, o punha logo fora da sala e lhe dava zero.
E o Luís, o gordo Luís, com o ar mais sério do mundo:
–Ó stôra! Copiar? Nós?!... Era o que faltava… A gente não sabe fazer destas
coisas… Ainda somos muito novinhos…
Não gosto muito do Luís porque, um dia, já lá vão alguns meses, resolveu por toda
a gente a rir na camioneta, afirmando que eu andava ali por engano. Que o meu lugar
era na escola primária, junto dos copinhos de leite, a fazer redacções sobre as

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Faça upload para baixar


estações do ano. Não gostei nada da piada. E cantei-lhe, enervado, tudo o que me
veio à cabeça.
Claro que levei uns sopapos, que nem doeram muito, fiquei com o olho esquerdo
Comece
inchado e seu período
dois botões da camisa de avaliação
arrancados. Por acaso uma gratuita dea 30
camisa novinha
estrear…
dias
Quando entrei em casa, a minha mãe afligiu-se. Queria saber pormenores. Mas eu
não lhe disse nada. Então ela começou uma conversa que nunca mais terminava. A
OU
minha mãe, quando começa a barafustar, é assim como uma trovoada em Abril: Fala,
fala, fala, fala e, de repente, cala-se.
A partir desse dia nunca mais quis conversas com o Luís nem me juntei ao
Desbloqueie
grupinho que esta
costuma página
acompanhá-lo. após um anúncio 8
estações do ano. Não gostei nada da piada. E cantei-lhe, enervado, tudo o que me
2
veio à cabeça.
Claro que levei uns sopapos, que nem doeram muito, fiquei com o olho esquerdo
A camioneta
inchado vai ficando
e dois botões vazia, paragem
da camisa após Por
arrancados. paragem.
acasoQuando eu e o novinha
uma camisa Nicolau, ea
também
estrear… a Rita, a Joana e o Martinho, descemos, o motorista tem a acompanhá-lo
ORIGEM
apenas o silêncio da camioneta, quemãe
arranca aos Queria
solavancos,
saber engasgada
pormenores.em fumo
Protetor
Quando
negro. de ecrã
entrei em casa, a minha afligiu-se. Mas eu
não lhe disse nada. Então ela começou uma conversa que nunca mais terminava. A
A Joana
minha não se cansa.
mãe, quando começaEntra logo em casa,
a barafustar, quecomo
é assim fica rente à estrada.em
uma trovoada Espera-a um
Abril: Fala,
cãoDESTINO
minúsculo, o Belói, que nos cumprimenta
fala, fala, fala e, de repente, cala-se. com meia dúzia de ladridos.
Já Quarto
com
A partircom
dessevista
a motorizada diaa nunca
trabalhar,
maisbem
quisacelerada,
conversas sem
com guarda-lamas
o Luís nem mee juntei
bastante
ao
amolgada,
grupinho o Afonso,
que costumairmão da Rita, aguarda-a com impaciência, prestes a começar
acompanhá-lo.
2
uma corrida louca. Não sei como é que a Rita ainda não nos apareceu com um braço
engessado, ou com a cara toda pintada com tintura! O Afonso Dora correr. Só não
treina a sério para campeão nacional de motocrosse porque não tem dinheiro para

Entre si e o seu destino existe um voo ao


comprar uma máquina potente.

melhor preço
O Martinho entra na loja da mãe, um pomar ali perto da paragem da camioneta,
A camioneta vai ficando vazia, paragem após paragem. Quando eu e o Nicolau, e
sempre cheio de abelhas que se fartam de reinar sobre a fruta.
também a Rita, a Joana e o Martinho, descemos, o motorista tem a acompanhá-lo
Ficámos eu e o Nicolau. Para chegarmos a casa temos de andar um bom pedaço
apenas o silêncio da camioneta, que arranca aos solavancos, engasgada em fumo
por entre campos e montes. De vez em quando, assustamo-nos quando, saído duma
negro.
lura, salta um coelho bravo e foge a grande velocidade, ou vemos as perdizes a
A Joana não se cansa. Entra logo em casa, que fica rente à estrada. Espera-a um
levantar voo, assustadas com a nossa presença.
cão minúsculo, o Belói, que nos cumprimenta com meia dúzia de ladridos.
E lá vamos nós a subir, sempre a subir. Que ideia tola foi essa dos nossos pais em
Já com a motorizada a trabalhar, bem acelerada, sem guarda-lamas e bastante
terem resolvido morar numa aldeia tão pequena! São vinte casas, contadas e
amolgada, o Afonso, irmão da Rita, aguarda-a com impaciência, prestes a começar
recontadas, com cinco lâmpadas públicas quase sempre fundidas, dois fontanários e
uma corrida louca. Não sei como é que a Rita ainda não nos apareceu com um braço
engessado, ou com a cara toda pintada com tintura! O Afonso Dora correr. Só não
treina a sério para campeão nacional de motocrosse porque não tem dinheiro para
comprar uma máquina potente.
O Martinho entra na loja da mãe, um pomar ali perto da paragem da camioneta,
sempre cheio de abelhas que se fartam de reinar sobre a fruta.
Ficámos eu e o Nicolau. Para chegarmos a casa temos de andar um bom pedaço

Anúncio Baixe para ler sem anúncios


por entre campos e montes. De vez em quando, assustamo-nos quando, saído duma
lura, salta um coelho bravo e foge a grande velocidade, ou vemos as perdizes a
levantar voo, assustadas com a nossa presença.
E lá vamos nós a subir, sempre a subir. Que ideia tola foi essa dos nossos pais em
terem resolvido morar numa aldeia tão pequena! São vinte casas, contadas e
recontadas, com cinco lâmpadas públicas quase sempre fundidas, dois fontanários e

Faça upload para baixar


um lavadouro público, uma capela e uma venda onde há de tudo, desde fósforos a
panelas.
Felizmente que a luz eléctrica chegou ao Pragal quando eu andava na escola
Comece seu período
primária. Lembro-me que, nesse dia,de avaliação
estoiraram foguetes e o gratuita deo 30
tio Zé Maria Coxo,
dono da venda, ligou a televisão a cores e fartou-se de vender bebidas e rebuçados.
O Nicolau e eu sabemos os caminhosdias de cor. Sabemos o sítio onde fica uma pedra
mais escura, onde brota a mais pequenina nascente, o local exacto dum buraco mais
OU
avantajado. E somos amigos das rãs, que vivem descansadas nas poças de água,
cobertas por uma manta de limos verdes.
Um dia apareceu, numa poça de água, sempre coberta por mosquitos, uma grande
Desbloqueie esta página após um anúncio
quantidade de cabeçudos. O Nicolau disse que estávamos com sorte, pois o que nós 8
tínhamos descoberto na poça eram peixinhos acabados de nascer. Qualquer dia
ficariam grandes; depois era só ter o trabalho de os agarrar e levá-los para casa.
um lavadouro público, uma capela e uma venda onde há de tudo, desde fósforos a
Custou-me a acreditar, mas calei-me.
panelas.
– Não duvides, tu vais ver! – dizia o Nicolau, todas as vezes que parávamos junto
Felizmente que a luz eléctrica chegou ao Pragal quando eu andava na escola
da poça.
primária. Lembro-me que, nesse dia, estoiraram foguetes e o tio Zé Maria Coxo, o
– Como é que vieram aqui nascer? – perguntei um dia, farto de esperar pelos
dono da venda, ligou a televisão a cores e fartou-se de vender bebidas e rebuçados.
peixes.
O Nicolau e eu sabemos os caminhos de cor. Sabemos o sítio onde fica uma pedra
Nicolau pôs-se a olhar o céu, a ver se a resposta caía das nuvens. Daí a
mais escura, onde brota a mais pequenina nascente, o local exacto dum buraco mais
pedacinho, íamos já a subir a encosta, explicou muito sério:
avantajado. E somos amigos das rãs, que vivem descansadas nas poças de água,
– Tão fácil! Um pássaro apanhou um peixe no rio. O peixe estava cheio de ovos.
cobertas por uma manta de limos verdes.
Pois! O pássaro ia levá-lo para cima de um penedo para o comer com muita calma,
Um dia apareceu, numa poça de água, sempre coberta por mosquitos, uma grande
mas o espertalhão do peixe escapou-se-lhe do bico!... Foi isso!
quantidade de cabeçudos. O Nicolau disse que estávamos com sorte, pois o que nós
– E depois? – perguntei sem perceber nada.
tínhamos descoberto na poça eram peixinhos acabados de nascer. Qualquer dia
– Põe a cabeça a funcionar, rapaz! O peixe veio aos trambolhões por ali abaixo,
ficariam grandes; depois era só ter o trabalho de os agarrar e levá-los para casa.
por acaso caiu na poça cheio de susto e desovou. Quando o pássaro apanhou o
Custou-me a acreditar, mas calei-me.
peixe, claro que não viu os ovos!
– Não duvides, tu vais ver! – dizia o Nicolau, todas as vezes que parávamos junto
Aquela explicação convenceu-me.
da poça.
E já eu sonhava com os olhares admirados de meus irmãos ao verem a sacalhada
– Como é que vieram aqui nascer? – perguntei um dia, farto de esperar pelos
de peixes, quando o encanto se quebrou. Um dia fomos à poça espreitar e vimos uma
peixes.
grande quantidade de rãs pequeninas, com aqueles olhos muito abertos!...
Nicolau pôs-se a olhar o céu, a ver se a resposta caía das nuvens. Daí a
Ficámos calados, desanimados. E depois desatámos a rir como loucos. Só
pedacinho, íamos já a subir a encosta, explicou muito sério:
parámos quando as barrigas nos começaram a doer.
– Tão fácil! Um pássaro apanhou um peixe no rio. O peixe estava cheio de ovos.
– Ai, Pedro, é tão triste ser analfabeto! — costuma agora dizer o Nicolau quando
Pois! O pássaro ia levá-lo para cima de um penedo para o comer com muita calma,
passamos na poça e ouvimos o coaxar das rãs.
mas o espertalhão do peixe escapou-se-lhe do bico!... Foi isso!
– E depois? – perguntei sem perceber nada.
– Põe a cabeça a funcionar, rapaz! O peixe veio aos trambolhões por ali abaixo,
por acaso caiu na poça cheio de susto e desovou. Quando o pássaro apanhou o
peixe, claro que não viu os ovos!
Aquela explicação convenceu-me.
E já eu sonhava com os olhares admirados de meus irmãos ao verem a sacalhada
de peixes, quando o encanto se quebrou. Um dia fomos à poça espreitar e vimos uma
grande quantidade de rãs pequeninas, com aqueles olhos muito abertos!...
Anúncio Baixe para ler sem anúncios
Ficámos calados, desanimados. E depois desatámos a rir como loucos. Só
parámos quando as barrigas nos começaram a doer.
– Ai, Pedro, é tão triste ser analfabeto! — costuma agora dizer o Nicolau quando
passamos na poça e ouvimos o coaxar das rãs.

Faça upload para baixar


3

Comece seu período de avaliação gratuita de 30


Para que a mãe possa tratar da lida da casa, o Martinho toma conta do pomar até
serem horas de fechar a porta. À noite apetece-lhe muito quieto a ver televisão. Mas a

dias
mãe, que não é para brincadeiras, começa a ralhar e obriga-o a estar em frente dela,
sentado à mesa, com os livros abertos.
A mãe do Martinho mal sabe ler, mas de contas percebe ela! Faz mais depressa
OU
uma conta de cabeça que o freguês com uma máquina de calcular. De vez em
quando, deita uma olhadela ao livro que o filho está a ler, a ver se ainda não virou a
página. Na ideia dela um quarto de hora é mais que suficiente para se estudar uma
Desbloqueie
página… esta página após um anúncio 8
3
O Martinho conta essas coisas rindo muito. E eu calo-me. A minha vida é diferente.
Mal entro em casa, pouso a pasta e corro para o campo cortar erva tenra para os

Continua Para
vitelos, que se fartam de reclamar no estábulo. Vou a outro campo buscar as ovelhas e
as cabras que me aguardam, presas a estacas. Corto lenha e acarreto-a para a
Para que a mãe possa tratar da lida da casa, o Martinho toma conta do pomar até
cozinha; vou à fonte buscar regadores de água, e encho as pias dos porcos que não
serem horas de fechar a porta. À noite apetece-lhe muito quieto a ver televisão. Mas a

Ver Conteúdo
param de foçar no estrume, sempre sujos e esfomeados.
mãe, que não é para brincadeiras, começa a ralhar e obriga-o a estar em frente dela,
Só depois do jantar é que começo a fazer os deveres de casa.
sentado à mesa, com os livros abertos.
Apesar dessas canseiras, não me tenho saído mal. Claro que não sou bom aluno;
A mãe do Martinho mal sabe ler, mas de contas percebe ela! Faz mais depressa
de vez em quando, tenho negativas, mas lá me vou aguentando.
uma conta de cabeça que o freguês com uma máquina de calcular. De vez em
Difícil foi o primeiro ano. Eu ia da escola primária com os olhos tapados, e toda
quando, deita uma olhadela ao livro que o filho está a ler, a ver se ainda não virou a
aquela barafunda confundiu-me. Sobretudo as salas de aula. Sala A, pavilhão C, Sala
página. Na ideia dela um quarto de hora é mais que suficiente para se estudar uma
D no pavilhão A, agora numa, depois noutra, em baixo, em cima… que grande
página…
confusão para entender aquilo!
O Martinho conta essas coisas rindo muito. E eu calo-me. A minha vida é diferente.
Numa parede estava afixada uma lista com os nomes dos livros e dos materiais
Mal entro em casa, pouso a pasta e corro para o campo cortar erva tenra para os
que era preciso comprar. Quanto tempo não estive ali a passar para um caderno, com
vitelos, que se fartam de reclamar no estábulo. Vou a outro campo buscar as ovelhas e
a letra muito bem feitinha, aquele batalhão de palavras intermináveis?!…
as cabras que me aguardam, presas a estacas. Corto lenha e acarreto-a para a
Depois o dinheiro não chegava para tudo. E a mãe dizia, aflita:
cozinha; vou à fonte buscar regadores de água, e encho as pias dos porcos que não
– Já estou arrependida de te pôr a estudar. Se ficasses aqui talvez fosse melhor;
param de foçar no estrume, sempre sujos e esfomeados.
podias aprender uma profissão. Então fica assim tudo tão caro? Não andarás a jogar
Só depois do jantar é que começo a fazer os deveres de casa.
Abrir
numas máquinas que só sabem comer moedas?
Apesar dessas canseiras, não me tenho saído mal. Claro que não sou bom aluno;
Eu jurava que não, que era mesmo assim: tudo caro.
de vez em quando, tenho negativas, mas lá me vou aguentando.
O meu pai suspirava fundo uma série de vezes. E em seguida desabafava:
Difícil foi o primeiro ano. Eu ia da escola primária com os olhos tapados, e toda
– Está muito bem! O baile anda a ficar cada vez mais lindo! Hum, se continua
aquela barafunda confundiu-me. Sobretudo as salas de aula. Sala A, pavilhão C, Sala
assim, acaba-se depressa a dança… E dizem eles que o ensino é de graça.
D no pavilhão A, agora numa, depois noutra, em baixo, em cima… que grande
Conversas… Só conversas…
confusão para entender aquilo!
Numa parede estava afixada uma lista com os nomes dos livros e dos materiais
que era preciso comprar. Quanto tempo não estive ali a passar para um caderno, com
a letra muito bem feitinha, aquele batalhão de palavras intermináveis?!…
Depois o dinheiro não chegava para tudo. E a mãe dizia, aflita:
– Já estou arrependida de te pôr a estudar. Se ficasses aqui talvez fosse melhor;
podias aprender uma profissão. Então fica assim tudo tão caro? Não andarás a jogar

Anúncio Baixe para ler sem anúncios


numas máquinas que só sabem comer moedas?
Eu jurava que não, que era mesmo assim: tudo caro.
O meu pai suspirava fundo uma série de vezes. E em seguida desabafava:
– Está muito bem! O baile anda a ficar cada vez mais lindo! Hum, se continua
assim, acaba-se depressa a dança… E dizem eles que o ensino é de graça.
Conversas… Só conversas…

Faça upload para baixar


Eu entendia-os, mas não podia fazer nada. E por mais voltas que desse à cabeça,
também não conseguia perceber para que eram precisos tantos livros, tantas coisas e
coisinhas.
Comece Mas seu
tudo se período depaiavaliação
foi arranjando. Meu vendeu um bezerrogratuita de 30
na feira e o dinheiro
apareceu. E quando disse que precisava de um fato de treino e sapatilhas para as
dias
aulas de Educação Física, meu pai irritou-se:
– Que pouca vergonha! Na escola aprende-se, não se joga! Francamente, é de
OU
mais! Para que servem estas modernices?!... Anda tudo maluco!... Paciência,
enquanto andares lá, não te vou deixar ficar mal.
E não deixou. Comprou-me um fato de treino e umas sapatilhas, coisas fracas,
Desbloqueie
baratinhas… esta página após um anúncio 9
Agora, pensando nesse primeiro mês de aflições, apetece-me rir.
E não posso esquecer a falta que a professora de Português me marcou logo na
Eu entendia-os, mas não podia fazer nada. E por mais voltas que desse à cabeça,
segunda aula.
também não conseguia perceber para que eram precisos tantos livros, tantas coisas e
Tocou a campainha e eu, não sei por que razão, deixei-me ficar no recreio.
coisinhas.
Quando dei conta que os meus colegas de turma tinham desaparecido, desatei a
Mas tudo se foi arranjando. Meu pai vendeu um bezerro na feira e o dinheiro
correr. Com a pressa, baralhei portas, salas e pavilhões. Finalmente bati na porta
apareceu. E quando disse que precisava de um fato de treino e sapatilhas para as
certa, aflitíssimo.
aulas de Educação Física, meu pai irritou-se:
O Luís escancarou um sorriso trocista na porta aberta e a professora perguntou
– Que pouca vergonha! Na escola aprende-se, não se joga! Francamente, é de
com espinhos na voz:
mais! Para que servem estas modernices?!... Anda tudo maluco!... Paciência,
– Que aconteceu, rapaz?
enquanto andares lá, não te vou deixar ficar mal.
– Perdi-me, senhora doutora. Não sabia qual era a sala.
E não deixou. Comprou-me um fato de treino e umas sapatilhas, coisas fracas,
Uma gargalhada de toda a turma bateu-me em cheio na cara.
baratinhas…
– Que engraçadinho! O menino pode entrar, mas fica já a saber que não lhe vou
Agora, pensando nesse primeiro mês de aflições, apetece-me rir.
tirar a falta. Olha o espertinho!
E não posso esquecer a falta que a professora de Português me marcou logo na
A professora tem um feitio esquisitíssimo. Até parece que não gosta de estar
segunda aula.
naquela escola a dar aulas! Como é que se pode gostar de Português com uma
Tocou a campainha e eu, não sei por que razão, deixei-me ficar no recreio.
professora assim?
Quando dei conta que os meus colegas de turma tinham desaparecido, desatei a
correr. Com a pressa, baralhei portas, salas e pavilhões. Finalmente bati na porta
certa, aflitíssimo. 4
O Luís escancarou um sorriso trocista na porta aberta e a professora perguntou
Por causa da falta de dinheiro, eu e o Nicolau fizemos uma sociedade que durou
com espinhos na voz:
três meses. Infelizmente não deu os resultados previstos e agora, quando nos
– Que aconteceu, rapaz?
lembramos dessa loucura, dá-nos vontade de gargalhar.
– Perdi-me, senhora doutora. Não sabia qual era a sala.
Quem teve a ideia foi o Nicolau. Em meados de Outubro, andávamos já no sexto
Uma gargalhada de toda a turma bateu-me em cheio na cara.
ano, o Nicolau, depois de muitos rodeios, perguntou-me:
– Que engraçadinho! O menino pode entrar, mas fica já a saber que não lhe vou
– Ó Alecrim, não queres ficar rico?
tirar a falta. Olha o espertinho!
A professora tem um feitio esquisitíssimo. Até parece que não gosta de estar
naquela escola a dar aulas! Como é que se pode gostar de Português com uma
professora assim?

AnúncioPor causa da falta de dinheiro, eu e o NicolauBaixe para ler sem anúncios


fizemos uma sociedade que durou
4 previstos e agora, quando nos
três meses. Infelizmente não deu os resultados
lembramos dessa loucura, dá-nos vontade de gargalhar.
Quem teve a ideia foi o Nicolau. Em meados de Outubro, andávamos já no sexto
ano, o Nicolau, depois de muitos rodeios, perguntou-me:
– Ó Alecrim, não queres ficar rico?

Claro que essa pergunta não tem resposta. Quem me dera!


– Tenho andado a pensar e acho que com alguma sorte podemos ser ricos! Bem,
não pode ser já, ainda temos de esperar algum tempo. Se tu quisesses, fazíamos
uma sociedade… É que para ficarmos milionários temos de gastar algum dinheiro…
Eu não estava a perceber nada, mas agradava-me ouvir aquela estranha conversa.
Sentámo-nos num penedo e o Nicolau, cada vez mais entusiasmado com as
próprias palavras, contou-me pormenorizadamente o plano que não havia de demorar
muito tempo a pôr-nos a nadar em dinheiro.
– Bem, a nossa sociedade tem de ser secreta, ninguém pode saber. Tem de ser um
segredo entre nós, um segredo tão bem guardado que nem a nossa sombra pode
saber. Por isso, temos de jurar. Juras, Pedro?
E eu, concordando em absoluto com as palavras de Nicolau, jurei de olhos bem
fechados e com os dedos em cruz encostados à boca:
– Juro, pelas alminhas do outro mundo, que vou guardar este segredo. E se falar,
ceguinho seja eu!
O Nicolau repetiu as mesmas palavras. E nessa noite, alvoroçado com a riqueza
que não tardaria, custou-me a adormecer. Revirava-me na cama e sorria com os olhos
fechados. Imaginava o espanto de toda a gente quando eu e o Nicolau anunciássemos
com grande solenidade: “Pois é verdade! Nós somos ricos!”
No dia seguinte, acordei mais cedo e corri pelos atalhos para encurtar caminho.
Esbaforido com a correria, encontrei o Nicolau junto de uma ribeira onde cresciam
agriões em barda .
– És sempre a mesma lesma! – disse o Nicolau.
Pusemo-nos a cortar e a escolher com mil cuidados os agriões e metemo-los em
duas sacas de plástico.
Como o Nicolau tinha previsto, quando chegámos ao pomar da mãe do Martinho,
conseguimos vendê-los.
– Para começar não está nada mal! – regozijou-se o Nicolau, metendo no bolso
amoeda que a mãe do Martinho nos dera, recomendando que lhes levássemos mais.
À tarde, pelo caminho, achámos que era melhor guardarmos o dinheiro num
esconderijo seguro. Assim não havia tentações de o gastar.
Arranjámos uma lata vazia de leite em pó, metemos lá dentro o dinheiro e demos
voltas e mais voltas à procura de um sítio seguro. Depois de muitas hesitações,
acabámos por enfiar a lata no buraco do troco de um carvalho velho que ficava rente
ao caminho. E sem nunca abrirmos a boca, fomos metendo na lata o dinheiro que
íamos ganhando com a venda dos agriões.

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

E para termos a certeza de que não estávamos a ser roubados, todos os dias
enfiávamos os braços no buraco do carvalho, retirávamos a lata, sacávamos a tampa
e contávamos o dinheiro acumulado.
Um dia ficámos desolados! Os agriões tinham desaparecido, alguém os cortara
para dar ao gado.
– Lá se foi a nossa mina, acabou-se o nosso tesouro! – lamuriou-se o Nicolau.
Mas como tínhamos de continuar a juntar dinheiro para ganharmos a fortuna, e
depois de darmos muitas voltas ao miolo, resolvemos levar para o pomar da mãe do
Martinho molhos de nabos sempre bem atados quatro a quatro com folhas de piteira.
Nabos era coisa que não faltava nos campos do Nicolau, tantos eles eram que até os
arrancavam para dar aos animais.
Vendemos castanhas mais serôdias, grelos e pencas. E fartámo-nos de juntar
dinheiro com os cogumelos comestíveis que achávamos nas bordas dos campos e
entre as bouças.
Um dia, contámos e recontámos o dinheiro – algumas notas já tresandavam a mofo
– e começámos a saltar, loucos de alegria.
– Eu não disse? Conseguimos! O dinheiro chega e sobra!
E o meu coração batia com muita força quando entrámos na papelaria Sandra e
pedimos que nos vendesse quatro fracções do bilhete da lotaria do Natal que estava
exposto na montra.
–São para o meu tio! – disse o Nicolau, para não haver desconfianças.
– Calha bem ter mandado estes trocadinhos todos! – disse a empregada, toda
contente.
Sobraram duas moedinhas.
– Duas chicletes? – perguntou o Nicolau.
– Manda vir! – sussurrei eu, admirando os papelinhos mágicos que tinha na mão.
Entretanto, começaram as férias e eu esperei ansiosamente que o dia do sorteio
chegasse.
Na noite em que o sonho se desfez, senti-me o mais infeliz de todos os rapazes do
mundo! Inventei uma dor de barriga e deitei-me cedíssimo.
Tanto trabalho para nada! Que grande injustiça! Pensava eu, amargurado, com
uma vontade muito grande de chorar o mais possível, de gritar até ficar rouco, de
ferrar as mãos!
Que grande desilusão!
Claro que a sociedade se desfez. Eu e o Nicolau nunca mais levámos nada para o
pomar da mãe do Martinho. Ela, de vez em quando, dizia:
– Então?! Agora nem salsa trazem?!...

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

– Não temos tempo… Não temos tempo!...—inventávamos nós.

Se não chove, o Nicolau, antes de chegarmos ao Pragal, deixa de me fazer


companhia. Mete por uns atalhos e desaparece por entre um matagal de giestas que
no Verão fica infestado de cobras e das peles que elas largam. Os pais esperam-no
para os ajudar nas lides do campo.
Sozinho, continuo a caminhada. Vou sempre devagarinho e ainda mais devagar
quando é o tempo dos ninhos.
–Vem aí o Pedro! Vem aí o Pedro! – avisa minha irmã Rosália.
Estranho vê-la ali. Geralmente, quando chego a casa, encontro-a a fazer os
deveres da escola.
Jacinto, meu irmão mais novo meio gago, sai de casa a correr com os pés metidos
nas galochas do meu pai. É sempre isto: mal a gente se descuida, lá está ele a mudar
de calçado. Não adiantam os ralhos e os pequenos tabefes que às vezes a minha mãe
lhe dá.
Jacinto tropeça, cai, levanta-se, corre novamente e volta a tropeçar.
Levanto-o e ponho-o às cavalitas. E começo a correr, imitando o cavalo ruço do tio
Zé Maria Coxo. Faço-lhe cócegas na barriga e ele, agarrado ao meu cabelo, ri muito
feliz.
– Pedro! Pedro!, espera, espera! – grita Rosália.
– Que foi?! – pergunto, sem grandes amabilidades.
– O pai está doente. Vomitou a tarde inteira. Há tanto tempo que a mãe está a olhar
para o caminho a ver quando chegavas. Nunca mais vinhas!
Pego na pasta, deixo o Jacinto a choramingar, e corro para dentro de casa. Entro
na sala e vejo a porta do quarto dos meus pais aberta. Um cheiro bastante enjoativo
invade todos os cantos.
Se virar as costas, minha mãe recrimina-me suavemente:
– Gostava de saber para que tens as pernas, meu marmanjão!...
Faço de conta que não ouço e entro no quarto. Vejo meu pai estendido na cama,
pálido, com os olhos fechados. Fico especado a olhar para aquela cara que me faz
lembrar azeitonas verdes.
Correu-te bem o dia? – pergunta meu pai.
– Sim. Tive um três no teste de Matemática, mas houve muitas negativas.

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

– E o Nicolau? – quer saber minha mãe.


– Teve negativa.
– Vê lá o que andas a fazer…– insiste minha mãe.
– Que é que o pai tem?
– Uma pequena indisposição, passa já! – responde o pai.
– Não quer ir ao médico. Então se a gente tem a Caixa, porque é que não há-de
aproveitar?! Mas não, sua excelência não quer ser incomodado… Trata do gado, filho!
— diz minha mãe.
– Pois sim!
Não digo mais nada. Saio de casa a apertar as calças velhas, pego numa corda, na
gadanha e vou direito ao lameiro, ao fundo do Pragal.
Quando entro no campo não vejo nada. Limpo os olhos às mangas da camisa,
endireito o gume da gadanha com a lima que trago no bolso e começo a cortar erva :
zupa, zupa, zupa!
Pouco depois, tenho os braços cansados. Sento-me junto de um rego de água,
reparo que tenho uma bota encharcada, não ligo grande importância e ponho-me a
pensar, incomodado com a algazarra das pegas.
Já não é a primeira vez que o pai fica doente durante semanas seguidas. Nunca
quer ir ao médico. A mãe trava grandes batalhas verbais para que ele, finalmente,
ceda. E enquanto isso não acontece, a capoeira vai ficando cada vez mais vazia de
galos e galinhas para as canjas. Quando meu pai recupera, parece um esqueleto
ambulante, só pêlos, pele e ossos.
Enfeixo a erva, ato-a com a corda, ponho às costas o molho e carrego-o até às
manjedouras dos animais.
Distribuo o último braçado aos coelhos e vou espreitar a ninhada que nasceu há
uma semana. Estão lindos, os láparos, muito gordos, brincalhões. A mãe detesta que
lhe mexam nos filhotes e, sem avisar, de vez em quando, ataca à dentada, que não é
assim tão pequena e inofensiva. O Jacinto ainda tem na mão direita marcas de uma
ferradela que ela lhe pregou. Muito chorou o meu irmão quando isso aconteceu! Mas a
coelha teve razão: quem o mandou espetar a ponta de um arame ferrugento nos olhos
dos laparinhos, cegando dois, que acabaram por morrer?
O Jacinto é muito curioso! Um dia, fui encontrá-lo estendido no galinheiro, muito
quieto e calado, com a mão a levantar com jeitinho as penas duma galinha aninhada
no caixote para pôr (...)
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Já escurece quando solto as cabras e ovelhas que, presas a estacas, correm,
impacientes, para casa.

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Anúncio Baixe para ler sem anúncios

Baixar

Anúncio

Você também pode gostar

pFad - Phonifier reborn

Pfad - The Proxy pFad of © 2024 Garber Painting. All rights reserved.

Note: This service is not intended for secure transactions such as banking, social media, email, or purchasing. Use at your own risk. We assume no liability whatsoever for broken pages.


Alternative Proxies:

Alternative Proxy

pFad Proxy

pFad v3 Proxy

pFad v4 Proxy