apostila_dinamica_de_fluidos_GLV2017
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Giovani L. Vasconcelos
Departamento de Fı́sica
Universidade Federal de Pernambuco
50670-901 Recife, Brasil
2 Tensores Cartesianos 17
2.1 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2 Coordenadas e Mudança de Base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.3 Notação Diádica e Notação Indicial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.3.1 Contrações e Produto Diádico de Tensores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.4 Tensores Simétrico e Antissimétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.4.1 Pseudo Vetor como um Tensor Antissimétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.4.2 Eixos Principais de um Tensor Simétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.5 Cálculo Vetorial e Tensorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.6 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3 Cinemática de Fluidos 31
3.1 Descrições lagrangeana e euleriana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2 Derivada Material . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.3 Trajetórias e Linhas de Corrente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
3.4 Deslocamentos Elementares em um Fluido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3.4.1 Rotação em um Fluido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.4.2 Deformação Pura em um Fluido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.5 Taxa de Variação de Integrais Materiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
3.5.1 Volume e Superfı́cie Materiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
3.5.2 Teorema do Transporte de Reynolds . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.6 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
4 Leis de Conservação 57
4.1 Princı́pio Geral de Conservação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
4.2 Conservação da Massa: Equação da Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
4.3 Conservação do Momento Linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
4.4 Balanço do Momento Linear em um Volume Fixo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
4.5 Conservação da Energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
4.6 Balanço de Entropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
i
ii CONTEÚDO
5 Equações de Movimento 73
5.1 Equação de Euler para Fluidos Ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
5.2 Relação Constitutiva para Fluidos Newtonianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
5.3 Equações de Navier-Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
5.4 Similaridade e Números Adimensionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
5.5 Condições de Contorno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
5.5.1 Interface Fluido-Sólido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
5.5.2 Interface Lı́quido-Fluido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
5.5.3 Tensão Superficial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
5.6 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
6 Estática de Fluidos 87
6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
6.2 Atmosferas Estáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
6.3 Hidrostática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
6.3.1 Princı́pios de Pascal e de Arquimedes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
6.3.2 Força sobre Paredes Planas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
6.3.3 Efeitos de Capilaridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
6.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
1
2 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À MECÂNICA DE MEIOS CONTÍNUOS
x2 x2
a
F
(a) h g
x1 x1
x2 x2
V
F
(b)
x1 x1
y
P P
(x,y)
x
(a) (b)
Figura 1.2: Corpo deformável: (a) visão microscópica e (b) descrição como meio contı́nuo.
1.2. FORÇAS EM UM MEIO CONTÍNUO: TENSOR DAS TENSÕES 3
x2
F
m
x1
(ou tensões) atuando no interior e na superfı́cie do corpo. Veremos adiante que a descrição tanto das
deformações quanto das tensões em um meio contı́nuo é feita em termos de certos objetos matemáticos
chamados de tensores. É necessário saber ainda como o material responde quando submetido a tensões.
Em outras palavras, precisamos determinar a relação constitutiva do material, a qual nos dá a equação
matemática relacionando as tensões aplicadas às deformações resultantes. Como veremos na Sec. 1.4, o
fato de um material ser sólido ou fluido é determinado pelo tipo de relação constitutiva satisfeita pelo
material.
Em um meio contı́nuo, as leis da mecânica são naturalmente formuladas em termos de equações di-
ferenciais parciais (EDPs), em contraposição à mecânica de partı́culas cuja dinâmica é descrita através
de equações diferenciais ordinárias. De uma maneira simplificada, podemos dizer que ao aplicarmos a
segunda lei de Newton a corpos deformáveis teremos em um lado da equação as taxas de deformação,
correspondendo às acelerações dos distintos pontos do objeto, e no outro lado as tensões, representado as
forças atuando no mesmo, sendo necessária a relação constitutiva do material para “fechar” o sistema de
equações. Para especificar completamente o problema em mãos e garantir a unicidade das soluções das res-
pectivas EDPs, faz-se necessário ainda prescrever as condições de contorno a que está submetido o corpo.
Essas condições de contorno, como o nome sugere, expressam eventuais restrições externas impostas ao
corpo nas suas fronteiras. Por exemplo, no caso de uma barra sólida precisamos saber se as extermidades
estão fixas ou livres, e no caso de um fluido se o mesmo está em contato com alguma superfı́cie sólida (e.g.,
paredes do recipiente) ou se possui alguma superfı́cie livre (e.g., interface lı́quido-ar).
O programa genérico descrito no parágrafo anterior para tratar a dinâmica de corpos deformáveis será
desenvolvido em grande detalhe neste livro para o caso especı́fico de fluidos. A descrição do tensor das
tensões da próxima seção aplica-se, contudo, tanto a sólidos como lı́quidos e por isso será feita ainda
de forma genérica, ou seja, não particularizada para fluidos. Na Sec. 1.4 apresentaremos uma definição
matemática sucinta de sólidos e fluidos. Nosso estudo da dinâmica de fluidos propriamente dita começará
no capı́tulo 3, após uma breve discussão matemática no capı́tulo 2 sobre tensores cartesianos.
4 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À MECÂNICA DE MEIOS CONTÍNUOS
DF
F2
F1
DA n
x2 V2,
P
S
V1 V1
x1
x3 F
Figura 1.4: Forças emn um meio contı́nuo.
~
~t~n = lim ∆F . (1.1)
∆A→0 ∆A
A primeira parte do princı́pio das tensões de Euler e Cauchy postula que o campo vetorial das tensões existe
para toda superfı́cie S dividindo o corpo, ou seja, o limite acima existe para todos os pontos da superfı́cie
considerada. A componente do vetor ~t~n ao longo da direção definida por ~n é chamada, por razões óbvias,
de tensão normal, ao passo que as duas componentes perpendiculares a ~n e, portanto, contidas no plano
tangente ao ponto P , representam as tensões tangenciais ou de cisalhamento.
A partir da definição acima, vemos que a tensão ~t~n atuando em um dado ponto P depende da escolha
da superfı́cie S passando por esse ponto, ou seja, depende da direção normal ~n considerada, fato esse
que é indicado explicitamente pelo subı́ndice ~n. A segunda parte do princı́pio das tensões de Euler e
1.2. FORÇAS EM UM MEIO CONTÍNUO: TENSOR DAS TENSÕES 5
t22
x2 t23 t21
t12
t32
t11
t31 t13
x1 t33
t23
t21
x3 t22
Cauchy afirma que a tensão depende apenas do vetor normal ~n e não de outras propriedades da superfı́cie
considerada, como por exemplo, curvatura, etc. Portanto, para cada superfı́cie imaginária passando pelo
ponto P e dividindo o corpo em duas partes, nós teremos uma tensão ~t~n diferente. Entretanto essa
infinidade de vetores ~t~n no ponto P não são todos independentes. Basta considerar três planos mutuamente
perpendiculares passando pelo ponto P e determinar as tensões em cada um dos planos, pois a tensão em
qualquer outra superfı́cie será uma combinação linear das três tensões acima. Esse resultado é conhecido
como o teorema de Cauchy, o qual será formalizado mais precisamente na discussão que segue.
Considere um elemento de volume de forma cúbica no interior de um corpo deformável. Por con-
veniência, escolhemos um sistema cartesiano de coordenadas onde cada um dos eixos, x1 , x2 e x3 , é
perpendicular a uma das faces do cubo, conforme indicado na Fig. 1.5. Fixemos inicialmente nossa atenção
na face 1 do cubo, que é perpendicular ao eixo x1 . A tensão atuando sobre essa face é denotado por ~t1 , onde
o subı́ndice 1 serve para indicar o plano em que as tensões atuam. O vetor ~t1 possue três componentes,
que serão denotadas pela letra grega τ , a saber:
1. τ11 , tensão normal na direção x1 ,
As componentes normais da tensão correspondem às forças de compressão ou tração que tendem a
produzir um deslocamento de camadas contı́guas do material na direção perpendicular ao plano de contato
elas; Fig. 1.6a. As componentes tangenciais da tensão, por sua vez, corresponden às chamadas forças
cortantes ou de cisalhamento1 , que fazem com que camadas contı́guas deslizem, uma em relação às outras,
na direção paralela ao plano de contato entre elas; Fig. 1.6b.
1
Cisalhar significa, etmologicamente, cortar as bordas.
6 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À MECÂNICA DE MEIOS CONTÍNUOS
t 11 t 21
(a) (b)
Figura 1.6: Efeito das componentes normal (a) e tangencial (b) da tensão.
↔
Uma maneira conveniente de representar a Eq. (1.3) consiste em definirmos o tensor das tensões T ,
cujos elementos correspondem às componentes dos três vetores ~ti , i = 1, 2, 3, representados na seguinte
forma matricial:
τ11 τ12 τ13
T = τ21 τ22 τ23 . (1.4)
τ31 τ32 τ33
Mostraremos adiante que o tensor τij é simétrico nos ı́ndices i, j, ou seja,
τij = τji , (1.5)
↔
de modo que T possui apenas seis componentes independentes:
τ11 τ12 τ13
T = τ12 τ22 τ23 . (1.6)
τ13 τ23 τ33
↔
Vemos da discussão acima que o tensor das tensões T é definido tal que a tensão ~ti , para i = 1, 2, 3,
pode ser obtida através de uma simples multiplicação matricial:
↔
~ti = T · ~ei . (1.7)
O sı́mbolo “ · ” de produto interno usado acima denota a “contração”, i.e., o produto matricial da matriz
↔ ↔
T com o vetor linha ~ei . Mais precisamente, o vetor resultante da contração à direita de um tensor T com
um vetor ~a é definido pela relação abaixo:
↔ X
~b = T · ~a ⇐⇒ bi = τij aj ,
j
t21
t 12 + t 12
centróide
t 21
Figura 1.7: Tensões responsáveis por um possı́vel torque na direção x3 .
como desejado.
O teorema de Cauchy mencionado acima corresponde ao resultado de que a tensão ~t~n , atuando em um
ponto de uma superfı́cie qualquer de vetor unitário ~n, pode ser obtido através da expressão
↔
~t~n = T · ~n. (1.8)
Uma demostração formal desse fato é deixado como exercı́cio para o leitor (vide Exercı́cio 1 no final
do capı́tulo). O teorema de Cauchy nos diz, portanto, que para descrevermos completamente o estado
de tensão em determinado ponto de um meio contı́nuo seria necessário especificar as seis componentes
independentes, τij , do tensor das tensões.
A relação de simetria (1.5) é uma conseqüência do equilı́brio rotacional do elemento de volume. Para
ver isso, considere, por exemplo, a componente de torque na direção x3 aplicado sobre o elemento de volume
da Fig. 1.5. Esse torque (se não nulo) seria a resultante dos torques produzidos pela ação da tensão τ12 ,
nas faces direita e esquerda, e da tensão τ21 , nas faces superior e inferior; vide Fig. 1.7. Assim que, se
τ12 6= τ21 , haveria um torque resultante em relação ao centróide dado por
onde ∆x = ∆x1 = ∆x2 = ∆x3 denota o comprimento das arestas do cubo elementar. Por outro lado,
para o momento de inércia do cubo temos: I ∝ M (∆x)2 , onde M denota a massa do elemento de volume.
Como M = ρ∆V = ρ(∆x)3 , temos que I ∝ (∆x)5 . Segue, portanto, que o torque T , se não nulo, causaria
uma aceleração angular α infinita no limite em que ∆x → 0, pois terı́amos
T
α =
I
(τ12 − τ21 )(∆x)3
∝
ρ(∆x)5
τ12 − τ21
= .
(∆x)2
Logo, α −→ ∞ para ∆x → 0, se τ12 6= τ21 . Como uma aceleração infinita não é fisicamente aceitável, as
tensões tangenciais têm de se ajustar de modo a satisfazer a condição τ12 = τ21 , conforme antecipado na
Eq. (1.5).
8 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À MECÂNICA DE MEIOS CONTÍNUOS
Em resumo, para descrever o estado de tensão em um dado ponto de um meio contı́nuo são necessárias
6 componentes, as quais podem ser convenientemente representados em forma matricial (tensorial) através
do tensor das tensões como mostrado na Eq. (1.6). Conseqüentemente, para descrevermos os estados de
tensão em todo o meio contı́nuo, associamos a cada ponto ~x = (x1 , x2 , x3 ) desse meio um tensor τij , ou
↔
seja, as tensões em um meio contı́nuo são descritas por um campo tensorial T (~x).
Exemplo 1.1. Cisalhamento puro. Considere a situação ilustrada na Fig. 1.1. Nesse caso temos apenas
forças de cisalhamento na face perpendicular a x2 na direção do eixo x1 , ou seja, só existe a componente
τ21 = F/A, sendo A a área da placa superior, e por simetria τ12 = τ21 . Logo, o tensor das tensões nesse
caso é da forma
0 τ 0
T = τ 0 0 ,
0 0 0
onde τ = F/A.
Exemplo 1.2. Fluidos em repouso. Considere agora o caso de um fluido em equilı́brio hidrostático (i.e.,
em repouso). Claramente, nessa situação não pode haver tensões de cisalhamento, qualquer que seja a
superfı́cie escolhida, logo
τij = 0 para i 6= j. (1.9)
Além disso, como a tensão nesse caso não pode depender da orientação da superfı́cie, ou seja, o módulo da
tensão ~tn é o mesmo para qualquer ~n, segue que as três tensões normais devem ser idênticos:
onde p representa a pressão termodinâmica, que depende da densidade ρ e da temperatura T via a equação
de estado do material (por exemplo, para um gás ideal p = ρRT ). O sinal negativo em (1.10) é necessário
face à convenção usual de que uma pressão positiva corresponde a uma compressão, ao passo que uma
tensão normal positiva representa tração, conforme indicado na Fig. 1.5. As condições (1.9) e (1.10)
podem ser reescritas compactamente da seguinte forma:
onde δij é o delta de Kronecker: δii = 1 e δij = 0 se i 6= j. A equação acima indica, portanto, que o
tensor das tensões para um fluido em repouso é isotrópico ou esfericamente simétrico. Fisicamente, isso
significa, como já mencionado, que a tensão tem o mesmo valor (módulo) independentemente da direção
escolhida. Matematicamente, essa condição reflete-se no fato de que um tensor isotrópico é invariante por
uma rotação dos eixos coordenados, como veremos no Cap. 2.
!! "
# &!
!u
!! $
X
!x
%
!#
"
!""
em que usamos a atual posição ~x do ponto P para indexar as grandezas naquela ponto; outra possibilidade
~ corresponde à chamada descrição lagrangeana.]
de indexação usando como referência a posição inicial X
O campo de deslocamento, u(~x), em si não é uma boa medida do estado de deformação do corpo, uma
vez que valores não nulos do deslocamento não representam necessariamente uma deformação do corpo.
Por exemplo, no caso de uma translação rı́gida, i.e., sem deformação, o campo de deslocamento seria
uniforme
~
~u(~x) = R, (1.13)
~ é um vetor constante. De forma análoga, podemos verificar que um deslocamento da forma
onde R
0 −θ
~u(~x) = ~x, (1.14)
θ 0
representa uma rotação rı́gida infinitesimal de um ângulo θ ≪ 1, onde θ > 0 indica rotação no sentido
anti-horário. Em ambos os casos acima, o campo de deslocamento ~u(~x) é não nulo, mas não há deformação.
A discussão acima indica que para se estudar o estado de deformação de um corpo é mais relevante
analisar derivadas do tipo ∂ui /∂xj . Por exemplo, para uma translação rı́gida terı́amos
∂ui
= 0, para quaisquer i, j,
∂xj
ao passo que para uma rotação rı́gida em torno do eixo z temos
∂u1 ∂u2
+ = 0,
∂x2 ∂x1
∂ui
= 0, nos outros casos.
∂xj
∂ui
Comportamentos mais complicados do que os casos acima para as derivadas ∂x j
indicariam a existência
de deformações.
De uma maneira geral, pode-se mostrar que as deformações elementares de um corpo podem ser descritas
pelo chamado tensor das deformações de Cauchy, ↔
e , cujas componentes são definidas pela relação abaixo
" #
1 ∂ui ∂uj X ∂uk ∂uk
eij = + − . (1.15)
2 ∂xj ∂xi ∂xi ∂xj
k
Note que tanto para uma translação quanto para uma rotação rı́gida o tensor das deformações anula-se:
eij = 0, ∀ i, j, (1.16)
10 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À MECÂNICA DE MEIOS CONTÍNUOS
x2
F
v 1(x 1,x 2+Dx 2)
v 1(x 1,x 2)
x1
Figura 1.9: Deformação no interior de um fluido cisalhado.
como desejado, já que nesses casos não há deformação. Por outro lado, para um cisalhamento puro, como
indicado na Fig. 1.1a, temos um tensor de Cauchy na forma
0 tan γ 0
↔ 1
e = tan γ 0 0 , (1.17)
2
0 0 0
como o leitor pode facilmente verificar. Note, em particular, que para pequenas deformações, i.e., γ ≪ 1,
temos
0 γ 0
↔ 1
e = γ 0 0 , (1.18)
2
0 0 0
O tensor das deformações desempenha um papel fundamental na teoria da elasticidade mas não tem
muita utilidade em mecânica dos fluidos, uma vez que para descrever escoamentos é mais apropriado
considerarmos as taxas de deformação do fluido, correspondendo às derivadas temporais das deformações.
As taxas de deformação em um fluido podem ser expressas como derivadas espaciais do campo de velocidade
~v (~x), como podemos ver pela relação abaixo:
d ∂ui ∂ dui ∂vi
= = . (1.19)
dt ∂xj ∂xj dt ∂xj
As derivadas espaciais acima, para i 6= j, dão uma medida da taxa de cisalhamento entre camadas ad-
jacentes do fluido, sendo, portanto, uma maneira apropriada de medir o estado de deformação de um
fluido.
Para exemplificar esse fato, analisemos um cisalhamento puro ilustrado na Fig. 1.9, onde mostramos um
plano arbitrário no interior do fluido cisalhado. Consideremos então dois pontos P e Q próximos no interior
do fluido, sendo um ponto na camada inferior ao plano e o outra na camada superior, ambos com a mesma
coordenada x1 , ou seja, os pontos P e Q são dados por (x1 , x2 ) e (x1 , x2 + ∆), respectivamente. Sejam
v1 (x1 , x2 ) e v1 (x1 , x2 + ∆x2 ) as respectivas velocidades do fluido ao longo da direção x1 nas camadas de
profundidade x2 e x2 +∆x2 , de modo que a velocidade relativa entre as camadas é ∆v1 = v1 (x1 , x2 +∆x2 )−
v1 (x1 , x2 ). Após um intervalo de tempo dt, os pontos P e Q terão se movido de (∆x1 )P = v1 (x1 , x2 )dt e
(∆x1 )Q = v1 (x1 , x2 + ∆x2 )dt, respectivamente, de modo que a separação lateral entre eles será d(∆x1 ) =
(∆x1 )Q − (∆x1 )P = (∆v1 )dt. A deformação medida pelo ângulo infinitesimal dγ, definido pela separação
lateral entre as novas posições dos pontos P e Q (vide Fig. 1.9), será portanto
d(∆x1 ) ∆v1
dγ ≈ = dt.
∆x2 ∆x2
A taxa de deformação angular (cisalhamento) entre essas camadas pode então ser expressa como
dγ ∆v1 ∂v1
= = , (1.20)
dt ∆x2 ∂x2
1.4. SÓLIDOS, LÍQUIDOS E GASES 11
no limite em que ∆x2 → 0. Vemos assim que derivadas parciais da velocidade em relação às coordenadas
espaciais representam uma medida da taxa de deformação em um fluido.
De fato, veremos no Cap. 3 que as deformações elementares em um fluido podem ser completamente
↔
especificadas através do chamado tensor taxa de deformação, E, definido por
1 ∂vi ∂vj
Eij = + . (1.21)
2 ∂xj ∂xi
↔
Por analogia com o tensor das deformaçãoes, segue que o tensor E é identicamente nulo para translações
e rotações rı́gidas. Por outro lado, para o cisalhamento puro de um fluido ilustrado na Fig. 1.1b, obtemos
a partir de (1.18) ou por um cálculo direto do campo de velocidade que o tensor taxa de deformação é
0 s 0
↔ 1
E = s 0 0 , (1.22)
2
0 0 0
1.4.1 Sólidos
Consideremos um objeto sólido confinado entre duas placas paralelas rı́gidas, de área A cada uma, e
coladas ao corpo sólido, como ilustrado na Fig. 1.1a. Ao aplicarmos uma força tangencial na placa superior
(mantendo a inferior fixa), o objeto sofrerá uma deformação até atingir uma nova conformação na qual as
forças internas contrabalançam a força externa. Sabemos também, por experiência, que em um sólido a
deformação será tanto menor quanto menor for a força aplicada. Podemos então usar essa caracterı́stica
com como sendo a definição de um sólido.
Definição 1.1. Um sólido é um material em que as tensões necessárias para deformar o material vão a
zero quando as deformações vão a zero.
No caso de um cisalhamento puro (Fig. 1.1a), vimos que os tensores das tensões e das deformações
possuem, cada um deles, apenas uma componente independente não nula, a saber:
τ12 = τ,
e12 = γ.
A definição para sólidos dada acima significa que, em um sólido submetido a um cisalhamento puro,
devemos ter a seguinte condição:
τ = 0 ⇔ γ = 0. (1.24)
12 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À MECÂNICA DE MEIOS CONTÍNUOS
Se o material retomar sua forma original quando a força externa é retirada, dizemos que o sólido é
elástico. Isso significa que, para pequenas deformações, a tensão de cisalhamento será proporcional à
deformação, ou seja,
τ12 = Ge12 , (1.25)
onde G é uma constante chamada de módulo de cisalhamento do material. A equação acima representa
a lei de Hooke para o caso especial de um cisalhamento puro. Por outro lado, se o material não retornar
à sua forma original, ou seja, se permanecer uma deformação residual, após a força ser retirada, o sólido
é dito apresentar um comportamento plástico. Mencionamos ainda, a tı́tulo de informação geral, que a
forma generalizada da lei de Hooke para sólidos elásticos consiste em uma relação linear entre os tensores
↔ ↔
T e e da forma:
onde Cijkl denota o chamado tensor de elasticidade (de quarta ordem) que descreve as propriedades elásticas
do material. Com isso encerra-se nossa brevı́ssima discussão sobre teoria da elasticidade neste curso.
1.4.2 Fluidos
Considere agora o cisalhamento puro de um fluido, como mostrado na Fig. 1.1b. Nesse caso, a deformação
continuará indefinidamente enquanto houver força aplicada, ou seja, o material escoa. Da mesma forma
que em um sólido pequenas tensões implicam pequenas deformações, em um fluido uma pequena tensão
de cisalhamento deve causar uma pequena velocidade de escoamento ou, mais corretamente, uma pequena
taxa de deformação. Em vista dessa discussão, podemos oferecer a seguinte definição para fluidos.
Definição 1.2. Fluido é um material em que as tensões de cisalhamento vão a zero quando a taxa de
deformação vai a zero.
Para um cisalhamento puro (Fig. 1.1b), vimos acima que o tensor taxa de deformação possui apenas
uma componente independente não nula, a saber:
1
E12 = s.
2
Nesse caso, a definição acima para fluidos pode ser matematicamente expressa como
τ = 0 ⇔ s = 0. (1.27)
O regime linear para sólidos elásticos, expresso pela lei de Hooke (1.25), possui um análogo para fluidos,
onde nesse caso a tensão de cisalhamento é proporcional à taxa de deformação. Essa hipótese de linearidade
foi formulada pela primeira vez por Newton e posteriormente confirmada experimentalmente com boa
precisão para uma grande variedade de fluidos reais, o melhor exemplo sendo a água. Matematicamente, a
chamada lei de Newton para fluidos viscosos pode ser expressa, para o caso simplificado de um cisalhamento
puro, através da seguinte relação
∂v1
τ12 = η , (1.28)
∂x2
onde η é uma constante conhecida como a viscosidade dinâmica do fluido. Neste curso vamo-nos referir
a η simplesmente como a viscosidade, exceto quando quando houver risco de confusão com a chamada
viscosidade cinemática definida pela seguinte relação:
η
ν= , (1.29)
ρ
onde ρ é a densidade do fluido.
1.4. SÓLIDOS, LÍQUIDOS E GASES 13
superfícies
livres
líquido gás
Figura 1.10: Lı́quidos e gases.
Formulando a lei de Newton de modo mais geral, dizemos que um fluido newtoniano é aquele em que
↔ ↔
o tensor das tensões T varia linearmente com o tensor taxa de deformação E. Antecipando o resultado do
Cap. 5, veremos que a relação constitutiva para um fluido newtoniano incompressı́vel é precisamente da
forma
↔ ↔ ↔
T = −pI + 2η E, (1.30)
↔
onde I denota o tensor identidade: Iij = δij .
Fluidos não newtonianos, por outro lado, são aqueles em que as tensões de cisalhamento não variam
linearmente com as taxas de deformação. Por exemplo, em um cisalhamento unidirecional de um fluido
∂v1
não-newtoniano τ12 não seria proporcional a ∂x 2
. Entretanto, é conveniente às vezes representar a relação
constitutiva de um fluido não newtoniano de maneira formalmente análoga à Eq. (1.28) para fluidos new-
tonianos, ou seja, escreve-se
∂v1
τ12 = ηa , (1.31)
∂x2
∂v1
onde a grandeza ηa ≡ τ12 / ∂x 2
é chamada de viscosidade aparente do fluido, a qual não mais é uma constante
mas depende da taxa de cisalhamento. Um fluido não newtoniano muito conhecido é o mel, cuja viscosidade
aparente diminue com o aumento da taxa de cisalhamento.
Lı́quidos e Gases
Do ponto de vista da mecânica dos fluidos não existe uma grande distinção entre lı́quidos e gases. Esses
dois estados diferem apenas em dois aspectos básicos: i) coesão molecular e ii) compressibilidade. Em
um lı́quido, as forças entre as moléculas não é tão intensa a ponto de fazer com que o material assuma
uma forma preferida, como no caso de sólidos. Entretanto, a coesão molecular é suficientemente forte para
permitir a formação de superfı́cie livres, fazendo com que um lı́quido possa ocupar um recipiente com a
parte superior aberta ou mesmo existir na forma de uma gota (Fig. 1.10a). A capacidade de um lı́quido
formar superfı́cies livres é medida pela sua tensão superficial, σ, propriedade essa que será discutida em
maiores detalhes no Cap. 5. Em um gás, por outro lado, a baixa coesão entre os seus constituintes (átomos
ou moléculas) resulta em uma difusão dos mesmos, fazendo com que o material tenda a ocupar todo o
espaço disponı́vel (Fig. 1.10b).
Quanto à compressibilidade, a distinção entre lı́quidos e gases deve-se ao fato de que, quando submetido
a variações de pressão, um gás pode variar incrivelmente sua densidade, ao passo que um lı́quido pratica-
mente não varia sua densidade em condições normais. De uma maneira simplificada podemos dizer que,
em geral, um lı́quido comporta-se como um fluido em relação tensões de cisalhamento e como um sólido,
i.e., não se deforma, quando submetido a tensões normais. Efeitos de compressibilidade em lı́quidos são
importantes, entretanto, para a propagação de ondas nesses meios. Apesar da grande relevância prática
14 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À MECÂNICA DE MEIOS CONTÍNUOS
da dinâmica de gases bem como da teoria de ondas em lı́quidos, no presente curso lidaremos quase que
exclusivamente com fluidos incompressı́veis, para os quais a densidade ρ será constante no tempo e no
espaço.
Em resumo, as propriedades termodinâmicas que caracterizam um fluido incompressı́vel, i.e., um
lı́quido, são três, a saber: i) densidade ρ, ii) viscosidade η e iii) tensão superficial σ. Por outro lado,
↔
as grandezas dinâmicas necessárias para descrever o escoamento são o tensor das tensões T e o tensor taxa
↔
de deformação E, além da relação constitutiva conectando essas duas grandezas.
1.5 Exercı́cios
1. Esse exercı́cio oferece um esboço da prova do teorema de Cauchy como formulado na identidade (1.8).
Considere um elemento de volume correspondendo a um tetraedro com um dos vértices na origem e
três arestas alinhadas com os eixos x1 , x2 , x3 . Seja ~n o vetor normal à face maior do tetraedro (oposta
à origem) e ~t a tensão nessa face (omitimos o subı́ndice n por conveniência de notação). Analisando
o balanço de forças nas quatro faces do tetraedro, mostre que a força resultante na direção xi é
3
X
(ti − τij nj )∆A,
j=1
onde ∆A é área das faces. Conclua então que para evitar uma aceleração infinita devemos ter
3
X
ti = τij nj ,
j=1
2. Mostre a identidade (1.10) para fluidos em repouso de uma maneira direta, por exemplo, analisando
o balanço de forças ao longo de cada um dos planos diagonais do cubo.
onde a < 0, b > 0 e 2a+b = 0. Em particular, considere a ação do tensor acima sobre um elemento de
volume de fluido de formato esférico. Esboce um diagrama de forças indicando as tensões relevantes
e discuta qual a forma que a pequena esfera vai assumir ao sofrer a ação dessas forças (durante um
tempo infinitesimal).
4. Determine o vetor tensão e suas componentes normais e de cisalhamento, quando o estado de tensão
no ponto de interesse é descrito pelos tensores abaixo e o respectivo ponto está contido no plano dado
pela equação ao lado. Em cada caso, verifique se o ponto em questão está sob tração ou compressão.
a)
↔
4 −4 0 √
T = −4 0 0 , plano: 2x1 + 3x2 + 3x3 = 0.
0 0 3
1.5. EXERCÍCIOS 15
b)
↔
2 −1 1
T = −1 0 1 , plano: x1 − 2x2 + x3 − 2 = 0.
1 1 2
c)
√
↔ √5 3 0
T = 3 3 0 , plano: x1 − 2x2 + x3 − 2 = 0.
0 0 1
6. Considere um escoamento do tipo cisalhamento puro mostrado na Fig. 1b, onde a placa superior está
a uma distância h da base e move-se com velocide V . Tome o eixo x1 como sendo a direção do canal
e x2 a direção perpendicular.
a) Assumindo que o perfil de velocidade do fluido é linear, como mostrado na figura, obtenha as com-
ponentes v1 (x1 , x2 ) e v2 (x1 , x2 ) do campo de velocidade e verifique que o tensor taxa de deformações
↔
E é como mostrado na expressões (1.22) e (1.23).
↔
b) Usando a relação constitutiva (1.30), obtenha o tensor das tensões T para esse escoamento.
c) Calcule a tensão de cisalhamento na placa superior.
onde k é uma constante (relacionada com a diferença de pressão entre as extremidades do canal) e η
a viscosidade do fluido. ↔
a) Obtenha o tensor taxa de deformações E do escoamento.
↔
b) Usando (1.30), calcule o respectivo tensor das tensões T .
c) Calcule a tensão de cisalhamento nas seguintes posições: i) placa superior; ii) placa inferior; e iii)
no plano central do fluido x2 = h/2. Interprete seus resultados.
16 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À MECÂNICA DE MEIOS CONTÍNUOS
Capı́tulo 2
Tensores Cartesianos
Neste capı́tulo apresentaremos algumas propriedades básicas de tensores cartesianos. Nossa discussão
aqui será, contudo, bastante resumida, limitando-se aos aspectos que julgamos mais importantes para
propiciar ao leitor um embasamento matemático mı́nimo que permita a compreensão do conceito de tensor
e possibilite sua correta manipulação no contexto da dinâmica de fluidos.
2.1 Definições
O conceito de tensor é uma generalização da noção de vetor e matrizes. O conceito de espaço vetorial é
sem dúvida familiar à maioria dos leitores, que supomos cursaram uma disciplina de álgebra linear. Nesse
contexto, vetor é considerado um ente matemático primitivo, ou seja, um elemento de um espaço vetorial,
não carecendo de definição. Na fı́sica, por outro lado, como o espaço tem em geral a estrutura de R3 é
comum definirmos um vetor como um conjunto de três números que sob uma mudança de coordenadas
comportam-se de acordo com a lei de transformação de vetores. Isso significa, em outras palavras, que uma
dada grandeza fı́sica corresponderá a um vetor em R3 se para sua completa especificação forem necessários
três escalares, representando as respectivas componentes da grandeza em uma dada base, os quais devem
transformar-se como um vetor sob uma mudança de coordenadas.
Uma definição semelhante para tensores (de segunda ordem) é frequentemente utilizada na maioria
dos livros de fı́sica e engenharia: um tensor é um conjunto de nove números que sob uma mudança de
coordenadas comportam-se de acordo com a lei de transformação de tensores. Alternativamente, podemos
dizer que uma grandeza fı́sica é um tensor se ela puder ser representada por uma matriz 3 × 3, uma vez que
a lei de transformação de tensores corresponde exatamente à regra para a transformação de matrizes sob
uma mudança de bases. A definição usual de tensor dada acima apresenta contudo dois inconvenientes: i)
ela confunde a grandeza fı́sica propriamente dita com a sua representação em uma dada base e ii) requer a
introdução de sistemas de coordenadas. É possı́vel, como veremos a seguir, dar uma definição matemática
de tensor que não faz referência a qualquer base ou sistema de coordenadas.
Para motivar a definição de tensor a ser dada abaixo, convém lembrar do curso de álgebra linear que
uma matriz A quadrada, de ordem n × n, corresponde a uma representação em uma dada base de uma
dada tranformação linear, A : Rn → Rn , que leva vetores de Rn em vetores de Rn . Por essa razão, dizemos
que uma matriz n × n representa um operador atuando em Rn . Por exemplo, se ~v ∈ R3 e A é uma matriz
3 × 3, então a operação A~v resulta em um vetor em R3 . Podemos, alternativamente, identificar uma matriz
n × n como uma função bilinear definida em Rn . Ou seja, podemos pensar a matriz A como uma aplicação,
A : Rn × Rn → R, que atua em dois vetores de Rn e produz um número real, de acordo com a seguinte
definição
A(~u, ~v ) = ~u · (A~v ). (2.1)
17
18 CAPÍTULO 2. TENSORES CARTESIANOS
Como antecipado acima, a aplicação A(·, ·) é bilinear, ou seja, linear em cada um dos argumentos:
onde α, β ∈ R. A expressão (2.1) será nosso ponto de partida para a definição de tensores.
A : R3 × R3 × . . . × R3 → R.
| {z }
n vezes
A(·, ·, . . . , ·),
| {z }
n entradas
que dado n vetores produz um número real, e o faz de maneira linear em cada um dos argumentos. Da
definição acima segue que um escalar é um tensor de ordem zero, um vetor é um tensor de primeira ordem,
e uma matriz quadrada é um tensor de segunda ordem.
os quais são denominadas as coordenadas do tensor na base B. Considere agora uma nova base ortonormal
B ′ = {~e ′1 , ~e ′2 , ~e ′3 }. As coordenadas A′i1 ,i2 ,...,in do tensor A na nova base base são
onde
Na expressão (2.4) omitimos, por economia de notação, os limites de variação do ı́ndice j, convenção essa
que adotaremos de agora em diante. A matriz R formada pelos elementos ρij , ou seja, Rij = ρij , é dita a
matriz de transformação de coordenadas.
Em notação matricial, representamos o vetor ~v pela matriz coluna v definida por
v1
v = v2 . (2.6)
v3
2.3. NOTAÇÃO DIÁDICA E NOTAÇÃO INDICIAL 19
Se v ′ é o novo vetor na base B ′ , então a expressão (2.4) pode ser escrita em notação matricial como
v ′ = Rv, (2.7)
ou mais explicitamente
v1′ ρ11 ρ12 ρ13 v1
v2′ = ρ12 ρ22 ρ23 v2 . (2.8)
v3′ ρ13 ρ23 ρ33 v3
A expressão (2.4) pode ser facilmente generalizada para tensores de ordem arbitrária. De fato, podemos
mostrar que as novas coordenadas A′i1 ,i2 ,...,in do tensor A na base B ′ são obtidas da seguinte forma
X
A′i1 ,i2 ,...,in = ρi1 j1 ρi2 j2 . . . ρin jn Aj1 ,j2 ,...,jn , (2.9)
j1 ,j2 ,...,jn
O caso de tensores de segunda ordem é particularmente interessante porque a sua representação em uma
↔
dada base pode ser feita através de matrizes como já mencionamos. Seja então T um tensor de segunda
ordem cujas componentes na base B = {~e1 , ~e2 , ~e3 } são denotados por Tij , ou seja, Tij = T (~ei , ~ej ). Podemos
↔
portanto representar o tensor T através da matriz T definida por
T11 T12 T13
T = T21 T22 T23 . (2.10)
T31 T32 T33
↔
Sempre que julgarmos necessário, usaremos notações distintas para denotar um tensor T e sua representação
matricial, T , que será denotada pelo mesmo sı́mbolo do tensor mas sem as setas.
↔
Na nova base B ′ , o tensor T será representado por uma matriz T ′ , que em geral difere da matriz T .
Sabemos da álgebra linear, que a regra de transformação de matrizes sob mudanças de coordenadas pode
ser representada através da seguinte multiplicação matricial:
T ′ = RT Rt ,
onde Rt denota a matriz transposta de R. (Note que nesse caso estamos assumindo que ambas as bases
são ortogonais, donde segue que a matriz R é ortogonal, logo R−1 = Rt .) Em notação indicial, temos
X
Tij′ = ρik ρjl Tkl , (2.11)
k,l
de notação vetorial, para contrapor com a chamada notação tensorial ou notação indicial, em que os
tensores são representados pelas suas componentes em um dado sistema de coordenadas. Assim, o tensor
↔
A em uma dada base B ortonormal será representado por suas componentes Aij .
A grande vantagem da notação diádica é que ela permite escrever as equações fundamentais da mecânica
de meios contı́nuos em forma invariante, ou seja, sem fazer referência a qualquer sistema de coordenadas.
Quando escritas em notação indicial, essas equações assumem formas especı́ficas para cada sistema de
coordenadas escolhido. Embora a notação indicial possua várias vantagens, particularmente no tocante a
manipulações algébricas de tensores, há, contudo, o considerável inconveniente de que a forma das equações
muda quando mudamos de sistemas de coordenadas. Por essa razão, neste curso daremos preferência à
notação diádica ou vetorial para expressarmos as equações fundamentais da dinâmica de fluidos, mas
recorreremos frequentemente à notação indicial quando esta se mostrar mais conveniente, por exemplo,
para a resolução de problemas.
A notação diádica usada para tensores de segunda ordem pode, em princı́pio, ser estendida para tensores
de ordem superior, gerando assim uma notação “multiádica”, onde o número de setas em cima do respectivo
sı́mbolo indicaria a ordem do tensor. Por exemplo, o tensor das permutações ou tensor de Levi-Civitta,
↑
↔
a ser definido na próxima seção, será denotado pelo sı́mbolo ǫ , onde as três setas indicam tratar-se de
um tensor de terceira ordem. A notação multiádica entretanto não é muito prática (nem esteticamente
agradável), sendo preferı́vel usar a notação indicial para tensores de ordem superior a 2. Vamos contudo
utilizar a notação triádica para o tensor de Levi-Civitta em algumas expressões por esta se mostrar mais
↑
↔
conveniente nesses casos. Vale notar, porém, que ǫ é o único tensor de ordem superior a 2 que será
efetivamente usado neste curso.
Como o resultado da contração de um tensor com um vetor é um vetor, podemos contrair o vetor resultante
com um outro vetor, tendo como produto final um escalar:
↔ ↔ X
~a · (B · ~c) = (~a · B) · ~c = aj Bjk ck (2.12)
jk
diádica observando-se que na contração simples, uma seta de um tensor é contraı́da com uma seta do
outro tensor, restando assim duas setas livres, o que indica a natureza tensorial do produto resultante.
Na contração dupla, por outro lado, não há seta livre após a contração, o que revela a natureza escalar
do resultado. Formalmente, as definições em termos de componentes das contrações simples e dupla são
dadas pelas expressões abaixo
↔ ↔ X
(A · B)ij = Aik Bkj
k
↔ ↔ X
A:B = Aij Bij
ij
Existe ainda uma contração interna entre os ı́ndices de um tensor, correspondendo ao traço do tensor:
↔ X
Tr A = Aii .
i
Como mencionado acima, o único tensor de terceira ordem a ser usado neste texto é o tensor de Levi-Civitta,
↑
↔
ǫ , cujas componentes são definidas por
0, se quaisquer dois ı́ndices são iguais
ǫijk = +1, se ijk são uma permutação cı́clica de 123 . (2.13)
−1, caso contrário
↑
↔
Com a notaçao triádica, podemos representar a contração de ǫ com outro tensor (ou vetor) de modo
↑
↔ ↑
↔ ↔
análogo ao definido acima para tensores de segunda ordem. Por exemplo, as contrações ǫ · ~a e ǫ : A
correspondem, respectivamente, a um tensor de segunda ordem e a um vetor, cujas componentes são
↑
↔ X
( ǫ · ~a)ij = ǫijk ak , (2.14)
k
↑
↔ ↔ X
( ǫ : A)i = ǫijk Ajk . (2.15)
jk
Como já mencionamos anteriormente, a notação multiádica não se mostra muito conveniente para tensores
de ordem superior a dois. Em particular, há uma dificuldade natural em indicar contrações envolvendo os
↔
ı́ndices “internos” do tensor. Por exemplo, o tensor A resultante da contração de um vetor ~a com a seta
↔↑ P
do meio do tensor ǫ , que em notação indicial é definido pela equação Aij = k ǫikj ak , não possui uma
notação diádica óbvia. Isso poderia, em princı́pio, ser resolvido com um recurso extra de notação, como
por exemplo um traço conectando as setas a serem contraı́das. Entretanto, tal problema não ocorrerá neste
texto, uma vez que as únicas contrações envolvendo tensores de terceira ordem são aquelas definidas em
(2.14) e (2.15).
Além das operações de contração, que reduz a ordem do tensor resultante, existe um outro produto
de tensores que resulta em um tensor de ordem superior àquela dos tensores originais. Essa operação
corresponde ao produto tensorial ou multiplicação diádica de tensores. Do ponto de vista notacional, a
multiplicação diádica entre dois tensores corresponde à uma justaposição (i.e., sem contração) dos respec-
tivos tensores, criando assim um novo tensor de ordem igual à soma das ordens dos dois tensores originais.
Por exemplo, o produto diádico entre dois vetores ~a e ~b é denotado pelo sı́mbolo
~a ~b, (2.16)
22 CAPÍTULO 2. TENSORES CARTESIANOS
onde deve-se notar a ausência do sı́mbolo · de contração. Como a notação de setas sugere, o resultado do
produto (2.16) é um tensor de segunda ordem, cujas componentes são
↔ ↔
donde segue que cada componente Tij de T na base B = {~e1 , ~e2 , ~e3 } corresponde à contração de T com os
respectivos vetores da base:
↔
Tij = ~ei · B · ~ej .
A noção de produto diádico pode ser estendida para tensores de quaisquer ordens. Por exemplo, o
↔↔
produto diádico A B de dois tensores é um tensor de quarta ordem com componentes
↔↔
(A B)ijkl = Aij Bkl . (2.18)
Em face da definição acima, decorre imediatamente que um tensor simétrico possui apenas seis com-
↔
ponentes independentes. Ou seja, se S é um tensor simétrico, então S12 = S21 , S13 = S31 e S23 = S32 , ou
em representação matricial:
S11 S12 S13
S = S12 S22 S23 . (2.19)
S13 S23 S33
↔
Um tensor antissimétrico A, por outro lado, possui apenas três componentes independentes, pois além da
relação entre os elementos de fora da diagonal, A12 = −A21 , A13 = −A31 e A23 = −A32 , temos ainda que
os elementos da diagonal são necessariamente nulos: A11 = A22 = A33 = 0. Em notação matricial temos
0 A12 A13
A = −A12 0 A23 . (2.20)
−A13 −A23 0
↔
Um tensor A, que não seja simétrico nem antissimétrico, pode ser sempre decomposto em uma soma
de um tensor simétrico e um tensor antissimétrico:
↔ ↔ ↔
A = As + Aa , (2.21)
↔ ↔
onde as partes partes simétrica, As , e antissimétrica, Aa , são dadas por
↔ 1 ↔ ↔ ↔ 1 ↔ ↔t
As = (A + At ) e Aa = (A − A ). (2.22)
2 2
2.4. TENSORES SIMÉTRICO E ANTISSIMÉTRICO 23
↔ ↔
É um exercı́cio trivial verificar que os tensores As e Aa definidos acima satisfazem as propriedades de
simetria e antissimetria, respectivamenteas. É também imediato verificar que a contração dupla de um
↔ ↔
tensor simétrico S com um tensor antissimétrico A é zero:
↔ ↔
S : A = 0. (2.23)
↔ ↔
Da relação anterior segue que a contração dupla de um tensor simétrico S com um tensor B qualquer
↔ ↔
é igual à contração dupla de S com a parte simétrica de B:
↔ ↔ ↔ ↔
S : B = S : Bs
1 ↔ ↔ ↔t
= S : (B + B ). (2.24)
2
↔ ↔
De forma análoga, temos que a contração dupla de um tensor antissimétrico A com um tensor B equivale
↔ ↔
à contração dupla de A com a parte antissimétrica de B:
↔ ↔ ↔ ↔
A : B = A : Ba
1 ↔ ↔ ↔t
= A : (B − B ). (2.25)
2
↔
Um caso particular da identidade (2.23) é a contração dupla de um tensor antissimétrico A com um vetor
~a: ↔ ↔
~a · A · ~a = A : (~a~a) = 0. (2.26)
O tensor de Levi-Civita, ǫijk , definido em (2.13), é antissimétrico em relação à troca de quaisquer dois
ı́ndices:
ǫijk = −ǫjik = −ǫikj = −ǫkij . (2.27)
↑
↔
Dessa propriedade, segue uma relação análoga a (2.23) envolvendo a contração dupla do tensor ǫ com um
↔
tensor simétrico S , cujo resultado é nulo,
↑ ↔
↔
ǫ : S = 0. (2.28)
↑
↔
Isso implica, por sua vez, uma relação análoga (2.25) envolvendo a contração dupla de ǫ com um tensor
↔
B qualquer:
↔↑ ↔ ↔↑ ↔ 1↔↑ ↔ ↔
ǫ : B = ǫ : B a = ǫ : (B − B t ). (2.29)
2
ou em notação indicial
1X
ai = ǫijk Ajk . (2.32)
2
jk
↔
Podemos inverter a relação (2.31) de modo a expressar o tensor A em função do vetor ~a. Deixamos a cargo
do leitor verificar que nesse caso temos
↔ ↑
↔
A = ǫ · ~a. (2.33)
Deixamos ainda como exercı́cio para o leitor verificar que a quantidade ~a definida em (2.30) comporta-se
como um vetor sob uma transformação de coordenadas, ou seja,
X
a′i = ρij aj . (2.34)
j
Entretanto, sob uma inversão de coordenadas do tipo x → −x, y → −y, z → −z, a quantidade ~a não
se comporta como vetor. Para ver isso, convém lembrar que, sob inversão, as componentes de um vetor
são multiplicadas por −1, ou seja, ~v → −~v . Por outro lado, as componentes de uma matriz permanecem
invariantes sob uma inversão de coordenadas, o que pode ser facilmente demonstrado com ajuda da notação
↔ ↔
diádica. Se ~u for um vetor e A um tensor, então ~v = A · ~u é um vetor, e como sob inversão ambos ~u e
↔ ↔ ↔
~v adquirem um sinal de menos, que se cancelam, resulta que A permanece invariante: A → A quando
~x → −~x. Retornando agora à expressão (2.30), fica claro que como as componentes Aij são invariantes sob
inversão, então o mesmo acontece com as componentes de ~a.
Transformações de coordenadas que não envolvem inversão de eixos são ditas transformações próprias.
Uma grandeza que se comporta como vetor em relação a transformações próprias mas que permanece
invariante por uma inversão de coordenadas é dita ser um pseudo vetor. Convém enfatizar, contudo, que
um pseudo vetor não é de fato um vetor mas tão somente um tensor antissimétrico travestido de vetor.
Um exemplo de um pseudo vetor comumente encontrado em fı́sica e matemática é o produto vetorial,
~b × ~c, entre dois vetores ~b e ~c, cuja definição é
X
(~b × ~c)i = ǫijk bj ck . (2.35)
jk
Podemos exibir a natureza tensorial do produto vetorial se reescrevermos a identidade anterior em notação
diádica:
↑
~b × ~c = ↔
ǫ : (~b ~c ). (2.36)
Por outro lado, em face de (2.29) podemos reescrever (2.36) como
↑
~b × ~c = ↔
ǫ : (~b ~c )a
1↔ ↑
= ǫ : (~b ~c − ~c ~b ). (2.37)
2
Comparando (2.37) com (2.31), concluimos que o produto vetorial entre dois vetores ~b e ~c quaisquer
↔
corresponde simplesmente à representação em forma de pseudo vetor do tensor antissimétrico A = ~b ~c −~c ~b.
↔
A contração de um tensor antissimétrico A com um vetor ~b pode ser expresso como o produto vetorial de
↔
~b com o pseudo vetor ~a associado ao tensor A, conforme as identidades abaixo:
↔
A · ~b = ~b × ~a, (2.38)
↔
~b · A = ~a × ~b, (2.39)
↔
É possı́vel definir também o produto vetorial de um vetor ~b com um tensor A a partir da seguinte
igualdade:
↔ ↔
(~b × A) · ~c = ~b × (~c · A), (2.40)
↔
válida para um vetor ~c qualquer. Essa relação implica por sua vez a seguinte definição de ~b × T em termos
de coordenadas:
↔ X
(~b × A)ij = ǫikl bk Ajl . (2.41)
kl
Gradiente
~ assume a seguinte forma
Em coordenadas cartesianas, o operador ∇
X
~ =
∇ ∂i ~ei ,
j
~ i = ∂i φ = ∂φ
(∇φ) . (2.42)
∂xi
A noção de gradiente estende-se naturalmente para vetores e tensores, como descrito a seguir.
Dado um campo vetorial ~u(~x), definimos o gradiente de ~u como o produto diádico, ∇ ~ ~u, do operador
~ ~
nabla ∇ com o vetor ~u. Em notação indicial, o tensor gradiente ∇ ~u expressa-se da seguinte forma1 :
~ ~u)ij = ∂i uj = ∂uj
(∇ . (2.43)
∂xi
↔
~ ~v , cujas componentes são
Um exemplo desse tipo de tensor é o tensor gradiente de velocidade, G = ∇
~ ~v )ij = ∂vj .
Gij = (∇ (2.44)
∂xi
↔
Convém observar aqui que o tensor taxa de deformação, E, definido na expressão (1.21), corresponde à
↔
parte simétrica de G:
↔ 1 ↔ ↔t
E= G+G . (2.45)
2
De fato, em notação indicial temos que
1 1 ∂vj ∂vi
Eij = (Gij + Gji ) = + , (2.46)
2 2 ∂xi ∂xj
Divergência
Sabemos do cálculo vetorial que a divergência de um vetor ~v é um escalar definido pela relação
X X ∂vi
~ · ~v =
∇ ∂i vi = . (2.48)
∂xi
i i
↔ ↔
~ · T , que produz um vetor
De modo análogo, definimos a divergência de um tensor T como a contração ∇
cujas componentes são
↔ X X ∂Tji
(∇~ · T )i = ∂j Tji = . (2.49)
∂xj
j j
Rotacional
~ × ~v , de um vetor ~v é definido pela seguinte expressão:
O rotacional, ∇
~ × ~v )i =
X X ∂vk
(∇ ǫijk ∂j vk = ǫijk . (2.50)
∂xj
jk jk
A partir da definição de produto vetorial de um vetor por um tensor, dada em (2.41), é possı́vel generalizar
↔ ↔
~ ×T de um tensor T resulta em um tensor
o conceito de rotacional para tensores. Nesse caso, o rotacional ∇
de mesma ordem, cujas componentes são
↔
~ × T )ij =
X X ∂Tjl
(∇ ǫikl ∂k Tjl = ǫikl . (2.51)
∂xk
kl kl
Embora o rotacional de um campo vetorial seja bastante utilizado na fı́sica em geral e na dinâmica de fluidos
em particular, a operação de tomar o rotacional de um campo tensorial é menos comum e normalmente
não aparece em mecânica dos fluidos.
Teorema da divergência
Os teoremas fundamentais do cálculo vetorial também possuem extensões naturais para campos tensoriais.
Considere, por exemplo, o teorema da divergência para campo vetoriais:
ˆ ˆ
~ · ~v dV =
∇ ~n · ~v dS, (2.52)
V S
onde dV denota o elemento de volume, ~n é o vetor normal à superfı́cie e dS o elemento de área. Definindo o
~ = ~ndS, podemos reescrever a expressão acima em forma mais conveniente:
elemento orientado de área, dS
ˆ ˆ
~ · ~v dV =
∇ ~ · ~v .
dS (2.53)
V S
↔ ↔
Para obter o teorema da divergência para um campo tensorial T , basta substituir ~v por T na fórmula
acima: ˆ ˆ
↔ ↔
~
∇ · T dV = ~ · T.
dS (2.54)
V S
28 CAPÍTULO 2. TENSORES CARTESIANOS
Teorema de Stokes
O teorema de Stokes usual permite expressar a integral de área (fluxo) do rotacional de um vetor em termos
da integral de linha (circulação) do vetor correspondente:
ˆ ˛
~ × ~v ) dS =
~n · (∇ ~v · d~x, (2.55)
S C
onde C denota a curva que delimita a superfı́cie S. Reescrevendo a expressão acima em termos do elemento
~ temos
orientado de área dS, ˆ ˛
dS~ · (∇~ × ~v ) = ~v · d~x. (2.56)
S C
2.6 Exercı́cios
1. Verifique que a regra genérica de transformação de tensores (2.9) se reduz, para o caso de um tensor
~ de segunda ordem, à conhecida regra de transformação de matrizes
A
A′ = RARt ,
5. Mostre que um pseudo vetor, definido pela expressão (2.30), transforma-se como um vetor sob uma
transformação de coordenadas (entre bases ortonormais), como indicado em (2.34).
↔
6. Mostre que todo tensor A pode ser decomposto em uma soma de um tensor isotrópico e um tensor
com traço nulo, ou seja,
↔ ↔ ↔
A = Aesf + Adev ,
↔ ↔ ↔ ↔ ↔
onde Aesf = λI , sendo I o tensor identidade, e Tr Adev = 0. O termo Aesf é dito a parte esférica e
↔ ↔
Adev , a parte desviante do tensor A. Sugestão: basta determinar λ tal que o traço da parte desviante
se anule.
2.6. EXERCÍCIOS 29
Considere um elemento de volume esférico e faça um diagrama de forças (no plano x1 -x2 ), indicando
as respectivas tensões ao longo dos eixos principais.
30 CAPÍTULO 2. TENSORES CARTESIANOS
Capı́tulo 3
Cinemática de Fluidos
Descrição lagrangeana
~
Uma maneira de identificar as partı́culas de um fluido é atribuir a cada partı́cula um rótulo vetorial, X,
correspondendo à posição ~x0 da partı́cula no instante t = 0:
~ = ~x0 .
X
F~ (X,
~ 0) = X.
~ (3.2)
O problema central da dinâmica de fluidos consiste, precisamente, em se obter a função F~ para uma dada
configuração inicial do fluido, a partir das equações básicas (leis de Newton) da mecânica dos fluidos e
das condições de contorno impostas ao sistema. Na matemática, uma aplicação parametrizada por um
número real t, como é o caso da função F~ acima, é chamada de fluxo. Assim, na descrição lagrangeana um
escoamento é descrito por um fluxo F (X, ~ t) .
~ vide Fig. 3.1.
A equação (3.1) descreve a trajetória da partı́cula de fluido cuja posição inicial era X;
Por simplicidade de notação, é conveniente reescrever (3.1) na forma
~ t),
~x = ~x(X, (3.3)
eliminando assim a necessidade de um sı́mbolo adicional, qual seja a função F , para designar as trajetórias
~ da partı́cula de rótulo X
da partı́culas. A partir de (3.3), segue que a velocidade V ~ é
h i ~
~ (X,
V ~ t) = ∂~x(X, t)
~ t) = d ~x(X, (3.4)
dt ∂t
31
32 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA DE FLUIDOS
x
X
x2
x1
x3
Vamso supor aqui que a função ~x(X, ~ t) satisfaz as condições necessárias e suficientes para ser inversı́vel,
ou seja, é diferenciável e possui jacobiano não nulo:
∂xi
J= 6= 0.
∂Xj
~ = X(~
X ~ x, t). (3.5)
A descrição acima, em que seguimos o movimento de cada ponto material, é conhecida como a des-
~ (rótulo da partı́cula) é chamada de coordenada material ou
crição lagrangeana ou material, e a variável X
coordenada lagrangeana.
Descrição euleriana
Apesar de sua clareza conceitual (e de seu largo emprego na mecânica dos sólidos), a descrição lagrangeana
não é muito prática para estudar o movimento de fluidos, salvo raras exceções. De fato, na maioria dos
escoamentos, estamos mais interessados no que acontece em uma dada região do espaço à medida que o
tempo passa e não exatamente no movimento especı́fico das partı́culas de fluido. Por essa razão, torna-se
mais conveniente fixarmos nossa atenção em um dado ponto ~x do espaço e descrever as propriedades das
partı́culas de fluido que passam sucessivamente por este ponto. Em outras palavras, é preferı́vel usarmos
como variáveis independentes a posição ~x e o tempo t, ao invés das variáveis X~ e t usadas na descrição
lagrangeana. Essa descrição alternativa é conhecida como a descrição euleriana ou descrição espacial,
sendo a variável ~x chamada de coordenada espacial ou coordenada euleriana.
A conversão de uma descrição para a outra consiste em uma mera mudança de coordenadas. Por
exemplo, seja G(X, ~ t) uma dada grandeza fı́sica na descrição lagrangeana. Então se denotarmos por g(~x, t)
o valor dessa mesma grandeza quando expressa em coordenadas eulerianas, temos que
~ x, t), t).
g(~x, t) ≡ G(X(~ (3.6)
3.2. DERIVADA MATERIAL 33
Em palavras: o valor da grandeza em um dado ponto no espaço e em um dado instante de tempo é o valor
da grandeza “transportado” pela partı́cula de fluido que está passando por aquele ponto naquele tempo.
De modo análogo, a passagem da representação euleriana de uma dada grandeza para a sua representação
lagrangeana faz-se pela transformação inversa, ou seja,
~ t) = g(~x(X,
G(X, ~ t), t). (3.7)
~ (X(~
~v (~x, t) = V ~ x, t), t). (3.8)
representa a velocidade da partı́cula (de rótulo X)~ que está passando pelo ponto ~x no instante t.
Note que na descrição euleriana as grandezas fı́sicas são descritas em termos de campos (sejam escalares,
vetoriais ou tensoriais), de mode que em cada ponto do espaço a grandeza fı́sica assume um determinado
valor. Por exemplo, a Fig. 3.2 representa o campo de velocidades em uma dada região do espaço. Essa
descrição em termos de campos apresenta várias vantagens. Talvez a maior delas seja a eliminação da
dependência temporal em uma importante classe de escoamentos, os chamados escoamentos estacionários
(vide adiante), nos quais o campo de velocidade e os demais campos descrevendo o escoamento não apre-
senta qualquer dependência temporal. Ou seja, embora a velocidade de uma dada partı́cula X ~ varie no
tempo, a velocidade das partı́culas que passam por uma dada posição ~x é sempre a mesma se o escoa-
mentos for estacionário. Uma outra vantagem matemática da descrição euleriana é que não precisamos
nos preocupar com o movimento das partı́culas do fluido em si—basta conhecer o campo de velocidades,
~v (~x, t), em cada ponto da região ocupada pelo fluido e a cada instante de tempo. O preço que pagamos por
essa conveniência é que o cálculo de derivadas temporais na descrição euleriana não é tão simples quanto
na descrição lagrangeana, conforme discutiremos a seguir.
dG ~ t)
∂G(X,
= , (3.9)
dt ∂t ~ fixo
X
34 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA DE FLUIDOS
onde fizemos questão de indicar explicitamente que a derivada em relação ao tempo é calculada para um
valor fixo da coordenada lagrangeana X. ~ Por outro lado, como a taxa de variação da grandeza é a mesma
dg
nas duas representações, ou seja, dt = dG
dt , segue das relações (3.9) e (3.7) que
dg ~ t)
∂G(X, ∂
= = ~ t), t)
g(~x(X, .
dt ∂t ~ fixo
∂t ~ fixo
X
X
Logo, para obter a derivada total na descrição euleriana devemos usar a regra da cadeia:
dg ∂g X ∂g dxi
= +
dt ∂t ∂xi dt
i
∂g X ∂g
= + vi
∂t ∂xi
i
∂g ~
= + ~v · ∇g.
∂t
A derivada total acima é conhecida como derivada material, derivada substantiva ou derivada convectiva,
e recebe um sı́mbolo especial:
Dg ∂g ~
≡ + ~v · ∇g. (3.10)
Dt ∂t
O termo ∂g/∂t dá a contribuição para a derivada total resultante da dependência explı́cita da grandeza g
com o tempo, sendo também chamado de derivada local, uma vez que representa a taxa de variação de g
em um dado ponto fixo do espaço. Ou seja, se as partı́culas que passam sucessivamente por um dado ponto
~x tiverem valores distintos da grandeza g em questão, então a variação temporal da grandeza nesse ponto
devido à mudança no valor de g que as sucessivas partı́culas transportam é medida pelo termo ∂g/∂t. No
exemplo do campo de velocidades ilustrado na Fig. 3.2, se o escoamento for dependente do tempo as setas
em cada ponto variariam de direção e módulo ao longo tempo, sendo a taxa de variação em cada ponto
dada pela derivada parcial ∂~v /∂t.
~ por sua vez, é conhecido como o termo convectivo ou termo advectivo, pois esse termo
O termo ~v · ∇g,
responde pelas variações na grandeza “transportada” pela partı́cula de fluido que está passando pelo ponto
~x no tempo t. Ou seja, o valor da grandeza g que uma dada partı́cula transporta em geral não é o mesmo
ao longo da sua trajetória, sendo a variação temporal dessa grandeza descrita exatamente pelo termo ~v · ∇g. ~
Para exemplificar melhor a origem fı́sica do termo convectivo da derivada material, consideremos um es-
coamento estacionário, isto é, não dependente do tempo. Nesse caso a grandeza g teria apenas dependência
com a posição: g = g(~x). Suponha então que no instante t a partı́cula X ~ esteja no ponto ~x = ~x(X, ~ t) e
possuı́a um valor g(~x) = G(X(~~ x, t), t) da grandeza em questão. Após um intervalo infinitesimal de tempo,
~ t + dt) = ~x + d~x, onde d~x = ~v (~x, t)dt, e terá o valor g(~x + d~x)
dt, a partı́cula estará em uma posição ~x(X,
da respectiva grandeza. Isso resultará em uma variação dg dada por
t
x2 t=0
x=F(X,t)
X
x1
x3
De forma mais abstrata, podemos reescrever (3.10) em termos do operador derivada material D/Dt:
D ∂ ~
= + ~v · ∇, (3.11)
Dt ∂t
o qual pode ser aplicado a qualquer grandeza dinâmica, seja ela escalar, vetorial ou tensorial. Em particular,
temos que a aceleração na descrição euleriana escreve-se na forma
D~v ∂~v ~ ~v .
= + (~v · ∇) (3.12)
Dt ∂t
Na notação diádica, os parênteses podem ser omitidos da equação acima:
D~v ∂~v ~ v,
= + ~v · ∇~ (3.13)
Dt ∂t
d~x
= ~v (~x, t) (3.14)
dt
~x(t = 0) = X. ~
A equação acima é meramente a expressão do fato de que a velocidade ~v (~x, t) é tangente à trajetória da
partı́cula de fluido que passa pelo ponto ~x no tempo t. A solução de (3.14) nos dá, portanto, a função
~x = ~x(X,~ t), que corresponde à trajetória da partı́cula X;
~ vide Fig. 3.3. Em matemática, problemas do
tipo definido em (3.14) são conhecidos como problemas de valor inicial.
36 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA DE FLUIDOS
d~x
= ~v (~x, t), t = constante, (3.15)
ds
~x(s = 0) = ~x0 ,
onde s é um parâmetro, por exemplo o comprimento de arco, usado para rotular os pontos ao longo da
linha de corrente.
As linhas de corrente correspondem, portanto, a uma “fotografia” do campo de velocidade em um
dado instante de tempo, a partir da qual podemos ter uma noção geral e bastante informativa sobre a
distribuição de velocidades do escoamento. Não apenas sabemos a direção da velocidade em cada ponto
do espaço, mas temos também informação sobre a intensidade relativa da velocidade, uma vez que quanto
maior for a densidade de linhas de corrente em um dado ponto tanto maior será a magnitude da velocidade
do escoamento nesse ponto. (Situação análoga acontece, por exemplo, com as linhas de campo elétrico
ou magnético, onde u,a maior densidade de linhas significa maior intensidade do campo.) Outro conceito
importante é o de tubo de corrente que é definido como o conjunto de todas as linhas de corrente que
passam por uma dada curva fechada no interior do fluido; vide Fig. 3.4.
Se o campo de velocidades de um dado escoamento não variar no tempo, dizemos então que o escoamento
é estacionário; do contrário, dizemos que o escoamento é não estacionário ou dependente do tempo. Em
escoamentos estacionários as linhas de corrente coincidem com as trajetórias. De fato, como a velocidade
não depende do tempo, temos ~v (~x, t) = ~v (~x), logo as Eqs. (3.14) e (3.15 ) definem o mesmo problema de valor
inicial. Para escoamentos não estacionários, por outro lado, as linhas de corrente em geral variam no tempo
e não guardam nesse caso qualquer semelhança com as trajetórias das partı́culas de fluido; vide Fig. 3.5.
Em outras palavras, sucessivas ‘fotografias’ do campo de velocidades de um escoamento não estacionário
apresentarão padrões distintos a cada instante de tempo, ao passo que em um escoamento estacionário
a fotografia se mantém inalterada. (À primeira vista o termo ‘escoamento estacionário’ pode parecer
paradoxal, mas há que se notar que o termo estacionário neste caso refere-se ao campo de velocidade, o
qual não depende do tempo1 .)
1
Em engenharia, escoamentos não dependentes do tempo são chamados de permanentes, ao passo que escoamentos de-
pendentes do tempo são ditos transientes. Neste texto, entretanto, nós preferimos usar o termo estacionário para o primeiro
caso e não estacionário para o segundo, uma vez que ‘estacionário’ nos parece a tradução mais usual em fı́sica para o termo
em inglês steady.
3.3. TRAJETÓRIAS E LINHAS DE CORRENTE 37
linha de corrente
v
s v
x(x 0,s)
x2 trajetórias
x(X ,t)
x0
x1
O
x3
Em geral, torna-se mais prático calcular as linhas de corrente a partir de (3.16) do que pela integração
direta da Eq. (3.15), como veremos nos exemplos a seguir.
Exemplo 3.1. Escoamento uniforme. O escoamento estacionário mais simples é sem dúvida aquele em que
a velocidade é a mesma em todos os pontos do espaço, ou seja, o escoamento é espacialmente uniforme:
~ , onde U
~v (~x) = U ~ é um vetor constante. Obviamente, a linhas de corrente nesse caso são linhas retas
paralelas na direção da velocidade (Fig. 3.6).
onde Q ∈ R é uma constante. Neste e no próximo exemplo vamos adotar por conveniência a notação (x, y)
ao invés de (x1 , x2 ). Usando agora (3.16) e (3.17), temos
ˆ x ˆ y
dx dy dx dy x y
= ⇒ = ⇒ ln = ln ⇒ y = Cx,
x y x0 x y0 y x 0 y 0
com C = y0 /x0 , onde (x0 , y0 ) é um ponto arbitrário. Logo, as linhas de corrente são retas passando pela
origem. Para descobrir a orientação das linhas de corrente é necessário analisarmos o campo de velocidades
38 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA DE FLUIDOS
(a) (b)
Figura 3.7: Linhas de corrente de uma fonte (a) e de um sorvedouro (b).
(a) (b)
Figura 3.8: Linhas de corrente de um vórtice e um anti-vórtice: (a) Γ < 0 e (b) Γ > 0.
(3.17). Considere, por exemplo, um ponto (x, y) localizado no primeiro quadrante. Como as coordenadas
x e y são ambas positivas nesse caso, concluimos de (3.17) que a velocidade ~v aponta radialmente para fora
se Q > 0 e na direção contrária se Q < 0; vide Fig. 3.7. O caso Q > 0 corresponde, portanto, a uma fonte
puntiforme e o caso Q < 0, a um sorvedouro ou sumidouro.
onde C = x20 + y02 . As linhas de corrente são cı́rculos concêntricos, sendo que o sinal da constante Γ
determina a direção da circulação, conforme indicado na Fig. 3.8.
Exemplo 3.4. Cilindro movendo-se com velocidade constante em um fluido. Considere um cilindro sólido,
de raio a e comprimento infinito, move-se com velocidade constante U para a esquerda ao longo da direção
x em um fluido invı́scido e incompressı́vel em estado quiescente. Visto de um referencial que se move com
3.4. DESLOCAMENTOS ELEMENTARES EM UM FLUIDO 39
o cilindro, é o fluı́do que incide da esquerda para a direita com uma velocidade uniforme U , estando o
cilindro em repouso. No referencial do cilindro, o escoamento é estacionário, sendo descrito, como veremos
mais adiante neste curso, pelo seguinte campo de velocidades:
a2
v1 = U 1 − 2 cos 2θ , (3.19)
r
a2
v2 = −U 2 sin 2θ, (3.20)
r
onde (r, θ) são as coordenadas polares no plano x1 -x2 : r 2 = x21 + x22 e tan θ = x2 /x1 . (Sem perda de
generalidade podemos restringir nossa análise a um plano.) Usando-se o computador para integrar o
sistema de equações diferenciais ordinárias que define as linhas de corrente (vide Exercı́cio 11), pode-se
facilmente obter as linhas de corrente para o escoamento acima, um conjunto representativo das quais está
mostrado na Fig. 3.9.
Visto do laboratório, o escoamento claramente não é estacionário, uma vez que a velocidade de uma
dada partı́cula de fluido vai variar no tempo à medida que o cilindro viaja pelo fluido. O campo de
velocidades, ~v ′ (x′1 , x′2 , t), no referencial do laboratório pode ser obtido das expressões (3.19) e (3.20) por
uma simples transformação de Galileu:
x′1 = x1 − U t, x′2 = x2
v1′ = v1 − U, v2′ = v2 ,
onde as grandezas indicadas por linha são medidas no referencial do laboratório. Algumas linhas de
corrente, para um dado tempo t, estão mostradas na Fig. 3.10. Nessa figura, indicamos também com
linhas tracejadas as trajetórias de duas partı́culas do fluido durante a passagem do cilindro por essas
partı́culas. É interessante observar ainda que partı́culas de fluidos que inicialmente estavam na superfı́cie
do cilindro permanecem sobre o cilindro. Esse caso está ilustrado na Fig. 3.11. Nessa figura, a posição
inicial do cilindro está indicada pelo cı́rculo branco e a posição final pelo cı́rculo hachuriado; são mostradas
três trajetórias iniciando em: i) um ponto na frente do cilindro, ii) um ponto atrás e iii) um ponto no topo.
Perceba que no instante final (e em qualquer tempo intermediário) as partı́culas permanecem na superfı́cie
do cilindro.
Figura 3.10: Linhas de corrente para o escoamento causado pelo movimento de um cilindro em um fluido
quiescente. As linhas tracejadas representam trajetórias.
de um elemento de fluido pode ser descrito completamente em termos de três deslocamentos elementares:
translação, rotação rı́gida e deformação pura.
Considere um dado ponto P localizado em uma posição ~x e no qual a velocidade do fluido no tempo t
é ~v (~x, t). Nesta seção, nosso interesse é investigar como pontos na vizinhança de P movem-se em relação
a ele, após um intervalo infinitesimal de tempo dt. Seja então Q um ponto que dista de d~x do ponto P ,
como mostrado na Fig. 3.12, e cuja velocidade no instante t é ~v (~x + d~x, t). Após um tempo dt, o ponto Q
sofrerá um deslocamento infinitesimal dR ~ dado por
~ i.
= vi (~x, t) + d~x · ∇v
x2
P dx
Q
x
R
x1
x3
↔
~ v representa o tensor gradiente de velocidade, cujas componentes, como vimos no Cap. 2, são
onde G = ∇~
definidas da seguinte forma
~ v )ij = ∂i vj = ∂vj .
Gij = (∇~ (3.23)
∂xi
↔
Decompondo agora o tensor G em suas partes simétrica e anti-simétrica, temos
↔ ↔ ↔
G = E + Ω, (3.24)
onde
↔ 1 ↔ ↔ ↔ 1 ↔ ↔
E = (G + Gt ) e Ω = (G − Gt ) (3.25)
2 2
ou, alternativamente, em notação indicial:
com
1 ∂vj ∂vi 1 ∂vj ∂vi
Eij = + e Ωij = − . (3.27)
2 ∂xi ∂xj 2 ∂xi ∂xj
↔
O tensor simetrico E é chamado, como visto no Cap. 1, de tensor taxa de deformação, enquanto o tensor
↔
antissimétrico Ω é chamado de tensor de vorticidade.
Inserindo agora (3.24) em (3.22), obtemos
↔ ↔
~v (~x + d~x, t) = ~v (~x, t) + d~x · Ω + d~x · E, (3.28)
segundo termo corresponde a uma rotação de Q em torno de P , ao passo que o terceiro termo representa
uma deformação pura, onde a distância (linear ou angular) entre P e Q aumenta ou diminui. Esses três
tipos de deslocamentos elementares estão ilustrados na Fig. 3.13.
Para o estudo de rotações e deformações pura, basta portanto considerar a velocidade relativa d~v entre
os pontos P e Q, uma vez que na translação a velocidade relativa é nula. De (3.28) temos
↔
d~v = d~x · G = d~vΩ + d~vE , (3.30)
onde
↔
d~vΩ = d~x · Ω, (3.31)
↔
d~vE = d~x · E. (3.32)
↑ ↔
↔
~ = ǫ : Ω.
ω (3.36)
~ × ~v .
~ω = ∇ (3.38)
↔ 1
d~vΩ = d~x · Ω = w
~ × d~x = ~ω × d~x. (3.39)
2
Esse termo corresponde, portanto, à velocidade linear associada a uma rotação do vetor dx ~ com velocidade
1
angular w ~ = 2~ ω ; vide (3.33). Vemos assim que, se em um ponto P de coordenadas ~x a vorticidade é não
nula, i.e., ~ω (~x, t) 6= 0, então pontos na vizinhança de P vão rotacionar (instantaneamente) em torno de P
com uma velocidade angular 21 ~ ω. Em outras palavras, um elemento de fluido tende a girar em torno do
seu centro com uma velocidade angular igual ao dobro da vorticidade no centro.
Considere, por exemplo, o caso de uma rotação rı́gida em torno da origem com uma velocidade angular
w0 , como ilustrado na Fig. 3.14(b). Nesse caso, a vorticidade é constante, ω = 2w0 . Logo cada elemento
de volume rotaciona em torno do seu centro com a mesma velocidade angular w0 com que rotaciona em
torno da origem.
Se ~ω (~x, t) = 0, para todo ~x e todo t, então o escoamento é dito irrotacional. Um escoamento uni-
forme é obviamente irrotacional, pois nesse caso um elemento de volume de fluido sofre simplesmente uma
translação rı́gida; vide Fig. 3.14(a). É importante enfatizar, contudo, que a ausência de vorticidade não
quer dizer, necessariamente, ausência de rotação. Por exemplo, no caso do escoamento gerado por um
vórtice puntiforme (vide exemplo 3.3), pode-se verificar que a vorticidade é nula, logo não há a tendência
de um elemento de fluido girar em torno de seu centro; ou seja, as partı́culas de fluido giram apenas em
torno da origem. Dizemos então que o escoamento possui “circulação” em torno da origem, mas não há
vorticidade. (Uma definição mais precisa de circulação será dada mais adiante.) Escoamentos irrotacionais
são de grande interesse (teórico e prático) e serão discutidos detalhadamente em capı́tulos posteriores.
44 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA DE FLUIDOS
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w
d~v · ~t = d~vE ↔· ~t
= d~
x · ↔E · ~t
= ~
t · E · ~t ds. (3.41)
D(ds) ~ ↔ ~
= t · E · t ds. (3.45)
Dt
↔
Vemos, assim, que a contração dupla do tensor E com o versor ~t dá precisamente a taxa relativa de
deformação (estiramento ou contração) do elemento de comprimento ds na direção definida por ~t.
Se agora escolhermos o versor ~t ao longo de um dos eixos xi , de modo que ds = dxi e ~t = ~ei , a expressão
(3.45) reduz-se a
D(dxi ) ↔
= ~ei · E · ~ei dxi
Dt
= Eii dxi . (3.46)
↔
A interpretação dos elementos da diagonal do tensor E torna-se então óbvia: Eii representa a taxa relativa
de deformação do elemento de comprimento dxi . Se Eii > 0 temos uma distensão ou estiramento ao longo
da direção xi , ao passo que para Eii > 0 ocorre uma contração ou encurtamento nessa direção. Veremos
↔
no próximo capı́tulo que em um escoamento de um fluido incompressı́vel o traço do tensor E é nulo, o que
implica que pelo menos um dos autovelores é negativo, ou seja, se há distensão em uma direção, deve haver
compressão em outra de modo a conservar o volume; vide Fig. 3.15.
↔
Como já antecipado, os elementos fora da diagonal do tensor E corresponderão às taxas de deformação
angular. Para entender esse efeito, considere dois elementos de linha d~x e d~x′ que inicialmente eram
perpendiculares entre si; vide Fig. 3.16. Então de acordo com (3.34) os vetores d~x e d~x′ vão rotacionar
com as seguintes velocidades angulares, respectivamente,
Dϕ d~v ~ ′
= ·t , (3.47)
Dt ds
Dϕ′ d~v ′
= − ′ · ~t. (3.48)
Dt ds
O sinal negativo no segundo termos advém do fato de que o versor normal a d~x′ é −~t. Por outro lado,
~ i · d~x
= ∇v
ds
~ i.
= ~t · ∇v (3.49)
D(ϕ′ − ϕ) ↔ ↔
= −~t · G · ~t ′ − ~t ′ · G · ~t
Dt ↔ ↔
= −~t · G + Gt · ~t ′
↔
= −2 ~t · E · ~t ′ , (3.52)
↔ ↔ ↔
onde usamos o fato de que ~t ′ · G · ~t = ~t · Gt · ~t ′ . Vemos assim que a contração de E com dois versores
ortogonais ~t e ~t ′ nos dá a metade da velocidade angular relativa entre eles. Em particular se escolhermos
dois elementos de linha ao longo de dois eixos coordenados distintos, por exemplo, ~t = ~e1 e ~t ′ = ~e2 , então
temos
Dϕ12
= −2E12 , (3.53)
Dt
onde ϕ12 denota o ângulo delimitado pelos respectivos elementos de linha. Assim se E12 > 0, esses elementos
de linha sob ação do escoamento tendem a rotacionar um em direção ao outro, causando um “fechamento”
do ângulo entre eles; o contrário acontecendo se E12 < 0. Interpretação similar vale obviamente para os
demais elementos Eij fora da diagonal.
A distinção entre deformação angular e deformação linear feita acima é meramente uma questão de
conveniência que depende da escolha do sistema de coordenadas. De maneira geral, podemos dizer que
↔ ↔
há somente deformações lineares, uma vez que o tensor E é diagonalizável. De fato, como o tensor E é
simétrico, sabemos da álgebra linear que seus autovalores, que denotaremos por ei , i = 1, 2, 3, são reais e
os respectivos autovetores, denotados por ξ~i , são mutuamente ortogonais: ξ~i · ξ~j = 0 para i 6= j. No sistema
↔
de coordenadas x′i definido pelos autovetores ξ~i o tensor E é obviamente diagonal
′
Eij = ei δij , (3.54)
D(dx′i )
= ei dx′i . (3.55)
Dt
↔
Os autovalores ei do tensor E são chamados de taxas principais de deformação e os eixos definidos pelos
respectivos autovetores ξ~i são ditos os eixos principais de deformação.
3.4. DESLOCAMENTOS ELEMENTARES EM UM FLUIDO 47
↔
Notemos ainda que no sistema de coordenadas x′i o termo d~vE = d~x · E reduz-se a
↔
(d~vE )′i = (d~x · E)′i = ei dx′i . (3.56)
Dizemos então que esse termo consiste em uma deformação pura do vetor d~x, correspondendo a uma
contração ao longo das direções principais de deformações com autovalor negativo e distensão ao longos
↔
das direções principais com autovalor positivo. Note ainda que o tensor E define um campo tensorial, de
modo que em cada ponto do escoamento teremos um conjunto de direções principais de deformação com
respectivas taxas de deformação.
Em resumo, mostramos nesta seção que um deslocamento arbitrário dR ~ em um fluido pode ser decom-
posto na soma de três termos,
Exemplo 3.5. Cisalhamento simples. Nesse caso, o campo de velocidade (Fig. 3.17) é
~v = (sy, 0, 0),
ω ~ × ~v = (0, 0, −s),
~ =∇
logo,
0 s 0
↔ 1 ↔ ↔t 1
E = (G + G ) = s 0 0 .
2 2
0 0 0
Uma vez que o escoamento é efetivamente bidimensional, ou seja, v3 = 0 e não há dependência das
outras componentes de velocidade com a coordenada x3 , podemos então nos restringir à versão 2 × 2 do
↔
tensor E,
↔ 0 12 s
E= 1 .
2s 0
48 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA DE FLUIDOS
x2 x2
x 2' x 1'
1
g= s
2
x1 x1
1
g= - s
2
Figura 3.18: (a) Eixos principais do tensor taxa de deformação e respectivas taxas de deformação para um
cisalhamento puro; (b) deformação de um elemento de volume esférico após um intervalo infinitesimal de
tempo.
Dq
Para determinar os eixos principais de deformação e respectivas taxas de deformação devemos calcular
↔
os autovalores e autovetores do E. Para obter os autovalores λ da matriz acima procedemos da maneira
usual:
−λ 21 s 1
|E − λI| = 0 ⇒ 1 = 0 ⇒ λ± = ± s.
2 s −λ 2
Para o cálculo dos autovetores ξ~ resolvemos a equação matricial abaixo
1 ∓1 ±1 a
(E − λ± I)ξ~ = 0 ⇒ s =0 ⇒ a = ±b.
2 ±1 ∓1 b
Os eixos principais de deformação definidos pelo autovetores ξ~1 e ξ~2 acima formam, portanto, um ângulo
de 45◦ com os eixos x1 e x2 , respectivamente, e as correspondentes taxas de deformação são e1,2 = ± 12 s.
↔
Dito de outra forma, os eixos de coordenadas x′1 e x′2 definidos pelos autovetores de E correspondem a
uma rotação de 45◦ dos eixos x1 e x2 em torno do eixo x3 ; vide Fig. 3.18.
Concluı́mos então da análise acima que um elemento de volume circular de fluidos sofrerá, após um
pequeno intervalo de tempo ∆t, uma deformação correspondendo a um ‘alongamento’ ao longo da direção
x′1 e um ‘achatamento’ ao longo da direção x′2 , passando a ter a forma de uma elipse com semieixos maior
e menor ao longo das direções x′1 e x′2 , como mostrado na Fig. 3.18. [Note que, rigorosamente falando,
deverı́amos considerar um elemento esférico de volume, cuja forma deformada seria então um elipsóide.
3.5. TAXA DE VARIAÇÃO DE INTEGRAIS MATERIAIS 49
"
1 s e Dt
2
Dq =
1 s Dt
2
e
deformação rotação
Mas como o escoamento é efetivamente bidimensional, podemos restringir nossa análise ao plano x1 -x2 ,
conforme já explicado.]
Além da deformação pura descrita acima, temos ainda o efeito da rotação causada pela vorticidade
(Fig. 3.19), cuja velocidade angular é θ̇ = 12 ω = − 21 s, que leva a uma rotação de um ângulo ∆θ dado por
1
∆θ = θ̇∆t = − s∆t.
2
Deste modo, a forma final de um elemento de volume circular será uma elipse, cujo eixo maior está um
pouco abaixo de 45◦ ; vide Fig. 3.20. Em resumo, mostramos que um cisalhamento simples pode ser visto
como uma combinação de uma deformação pura e uma rotação. No caso de um elemento de volume
quadrado, a sequência de deformação mais rotação está ilustrada na Fig. 3.21
Vt = F (V0 , t).
50 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA DE FLUIDOS
Vt
V0
~
∇f
~n = . (3.58)
~ |
|∇f
df ∂f ∂f d~x
= + ·
dt ∂t ∂~x dt
∂f ~ · ∇f
~ = 0,
= +V (3.59)
∂t
contato’ com St , garantindo assim que a superfı́cie vai se mover/deformar como uma superfı́cie material;
ou seja, as partı́culas de fluido no interior da superfı́cie em um dado instante de tempo permanecem no
interior da mesma para todos os tempos. A propriedade (3.63) que define superfı́cies materiais será bastante
utilizada, por exemplo, no Cap. 5, quando discutirmos a chamada condição de contorno cinemática para
superfı́cies livres.
É importante saber também como um elemento de volume material dV = dx1 dx2 dx3 varia no tempo à
medida que ele é transportado pelo escoamento. Aplicando o operador D/Dt a dV , temos
D(dV ) ~ · ~v ) dV,
= (∇ (3.66)
Dt
Vemos, portanto, que a divergência do campo de velocidade fornece a taxa de variação do elemento de
volume dV em um fluido. Decorre daı́, por exemplo, o importante resultado de que para um escoamento
ser incompressı́vel devemos ter a condição ∇ ~ · ~v = 0. No Cap. 4 veremos um dedução alternativa desse
resultado através da lei de conservação da massa.
Teorema 3.1. Seja Vt um domı́nio material e f (~x, t) uma função arbitrária de ~x e t, então
D Df
ˆ ˆ
ρf (~x, t)dV = ρ dV. (3.67)
Dt Vt Vt Dt
Demonstração. Seja M a massa do volume Vt e dm = ρdV o elemento de massa. Temos então que
D D Df Df
ˆ ˆ ˆ ˆ
ρf (~x, t)dV = f (~x, t)dm = dm = ρdV,
Dt Vt Dt M M Dt Vt Dt
onde usamos o fato de que Vt representa um volume material, logo sua massa é conservada, isto é, DM /Dt =
0, com o mesmo valendo para dm.
Vamos agora considerar integrais materiais cujo integrando não contém a densidade ρ, de modo que
nesse caso a estaratégia anterior de simplesmente mudar a variável de integração para a massa não é mais
possı́vel. Entretanto, ainda é possı́vel obter uma integral cujo domı́nio não varia no tempo se fizermos uma
mudança para as coordenadas materiais X, ~ visto que nessas coordenadas o domı́nio de integração V0 é fixo
52 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA DE FLUIDOS
no tempo. Lembre da discussão na Sec. 3.1 que podemos ver a posição ~x de uma partı́cula de fluido no
~ ou seja,
tempo t como sendo uma mudança de variáveis obtida a partir da posição inicial X,
~ → ~x = ~x(X,
X ~ t). (3.68)
O elemento de volume, dV = dxdydz, nas ‘novas coordenadas’ está relacionado ao elemento de volume,
dV0 = dXdY dZ, nas ‘coordenadas antigas’ através da relação
dV = JdV0 , (3.69)
A evolução temporal do jacobiano J é dado pelo lema abaixo, que será útil na demonstração do teorema
do transporte de Reynolds.
Lema 3.1 (Fórmula da Expansão de Euler). Seja ~x = ~x(X, ~ t) um escoamento visto como uma trans-
formação (dependente do tempo) das coordenadas materiais X~ para as coordenadas espaciais ~x. Então o
jacobiano J dessa transformação satisfaz a relação
DJ ~ · ~v ) J.
= (∇ (3.71)
Dt
D(dV ) DJ
= dV0 , (3.72)
Dt Dt
que em vista de (3.66) torna-se
~ · ~v )dV = DJ
(∇ dV0 . (3.73)
Dt
O uso de (3.69) mais uma vez na equação acima imediatamente resulta em (3.71).
Teorema 3.2 (Teorema do Transporte de Reynolds). Seja Vt um domı́nio material e f (~x, t) uma função
arbitrária, então
D ∂f
ˆ ˆ ˛
f (~x, t)dV = dV + ~
f ~v · dS, (3.74)
Dt Vt Vt ∂t St
D D
ˆ ˆ
f (~x, t)dV = f (~x, t)JdV0
Dt Vt ˆDt V0
Df DJ
= J +f dV0
ˆV0 Dt Dt
∂f ~ + f (∇ ~ · ~v ) JdV0 ,
= + (~v · ∇)f (3.75)
V0 ∂t
3.6. EXERCÍCIOS 53
onde na última passagem usamos (3.71). Por outro lado, temos a seguinte identidade vetorial
Substituindo essa identidade em (3.75) e voltando para as variáveis originais de integração, obtemos
ˆ
D ∂f
ˆ
f (~x, t)dV = +∇~ · (f~v ) JdV0
Dt Vt V0 ∂t
∂f
ˆ ˆ
= dV + ~ · (f~v ) dV.
∇
Vt ∂t Vt
Após usarmos o teorema da divergência (2.12) no último termo da equação acima, obtemos a fórmula de
Reynolds (3.74), como desejado.
3.6 Exercı́cios
1. A descrição lagrangeana de um dado escoamento é
t2
1 t 2
~x = 0 1 ~
t X.
0 0 1
vx = U , vy = V cos(kx − αt) ,
9. Considere o escoamento de um fluido viscoso confinado em um canal formado por duas placas paralelas
situadas em x2 = ±h/2, cujo campo de velocidade é da forma
k h2
v1 (x1 , x2 ) = ( − x22 ), v2 = 0,
2η 4
onde k é o gradiente de pressão ao longo do canal e η é a viscosidade do fluido.
↔ ↑
↔ ↔
a) Calcule o tensor de vorticidade Ω e determine a vorticidade ~ω = ǫ : Ω. Verifique sua resposta
calculando também a vorticidade a partir da definição: ~ω = ∇ ~ × ~v .
↔
b) Obtenha o tensor taxa de deformação E e calcule as taxas principais de deformação e os respectivos
eixos principais de deformação. Mostre que, embora as taxas de deformação dependam da posição
ao longo da direção transversal do canal, as direções principais são sempre as mesmas.
c) Esboce, cuidadosamente, a deformação sofrida por um elemento de volume inicialmente de forma
quadrada. Considere dois casos: i) o centro do elemento de volume encontra-se no eixo central do
canal (y = 0); e ii) o centro do elemento de volume encontra-se fora do eixo do canal, por exemplo,
y > 0. Justifique sua resposta.
d) Repita a letra c) para o caso de um elemento de volume de forma circular.
1 2
ˆ ˆ ˆ
K(t) = ρ v dV,
Vt 2
b) Calcule DK/Dt tanto por diferenciação direta como usando a fórmula de Reynolds.
dx1
= v1 (x1 , x2 ),
ds
dx2
= v2 (x1 , x2 ),
ds
onde v1 (x1 , x2 ) e v1 (x1 , x2 ) são as componentes do campo de velocidade no referencial do cilindro
mostradas no Exemplo 3.4; vide Eqs. (3.19) e (3.20). Obtenha um conjunto representativo de linhas
de corrente e faça um gráfico das mesmas, incluindo na sua figura o cı́rculo que representa o cilindro.
Verifique se sua resposta está de acordo com o padrão de linhas de corrente mostrado na Fig. 3.9.
b) Obtenha as velocidades v1′ (x′1 , x′2 , t) e v2′ (x′1 , x′2 , t) no referencial do laboratório. Utilize seu pro-
grama para calcular algumas linhas de corrente em t = 0. Faça um gráfico dessas novas linhas de
corrente e compare-as com a Fig. 3.10.
c) Adapte seu programa para calcular a trajetória de uma partı́cula de fluido que no instante t = 0
56 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA DE FLUIDOS
estava em uma dada posição inicial (x′10 , x′20 ). Escolha alguns valores representativos das posições
iniciais e faça o gráfico das respectivas trajetórias. Em particular mostre que partı́culas de fluidos
que estavam inicialmente sobre a superfı́cie do cilindro permanecem sobre o cilindro para qualquer
tempo posterior, conforme mostrado na Fig. 3.11.
Capı́tulo 4
Leis de Conservação
onde f (~x, t) é uma função arbitrária de ~x e t. Na verdade, f pode ser tanto um escalar, ou seja, uma
função propriamente dita, como um tensor.
Considere agora uma grandeza fı́sica U cuja densidade é denotada por µ(~x, t), de modo que o valor
total de U em um dado volume material Vt é dado pela integral
ˆ
U= µ(~x, t)dV . (4.3)
Vt
A taxa de variação de U no volume material Vt , à medida que esse volume é transportado pelo escoamento,
é
D
ˆ
U̇ = µ(~x, t)dV . (4.4)
Dt Vt
Se a grandeza U for conservada ao longo do escoamento, isto é, U̇ = 0, segue imediatamente de (4.1) e
(4.4) que nesse caso temos ˆ
∂µ ~
+ ∇ · (µ~v ) dV = 0 . (4.5)
Vt ∂t
Como Vt é um volume material arbitrário, então para a integral acima ser nula, o integrando deve se
identicamente zero:
∂µ ~
+ ∇ · (µ~v ) = 0 . (4.6)
∂t
Essa equação expressa, portanto, a lei de conservação da grandeza U em forma diferencial. O termo µ~v
em (4.6) pode ser interpretado como a densidade de corrente, J~, da grandeza U :
J~ = µ ~v . (4.7)
Com isso, a lei de conservação (4.6) pode ser reescrita em sua forma canônica
∂µ ~ ~
+ ∇ · J = 0. (4.8)
∂t
57
58 CAPÍTULO 4. LEIS DE CONSERVAÇÃO
Um versão alternativa para (4.6) pode ser obtida se expandirmos o termo da divergência,
∂µ ~ + µ∇
~ · ~v = 0 ,
+ ~v · ∇µ (4.9)
∂t
e agruparmos os dois primeiros termos acima, resultando assim na equação
Dµ ~ · ~v = 0 .
+ µ∇ (4.10)
Dt
No caso em que há “produção” ou “consumo” da grandeza no interior do volume Vt (por exemplo, se U
representa a massa M , pode haver uma fonte ou sorvedouro no interior do volume Vt ), deve-se acrescentar
o chamado “termo de fonte” no lado direito de (4.6). Seja então Q a taxa de produção por unidade de
volume da grandeza U . Nesse caso, temos
ˆ
U̇ = Q dV . (4.11)
Vt
Repetindo os passos que nos levaram a (4.6), obtemos a versão mais geral da lei de conservação para a
grandeza U , qual seja
∂µ ~
+ ∇ · (µ~v ) = Q , (4.12)
∂t
ou
Dµ ~ · ~v = Q .
+ µ∇ (4.13)
Dt
Como decorrência imediata de (4.2) e (4.11), temos ainda que a lei de conservação pode ser escrita em
forma integral como indicado abaixo
∂µ
ˆ ˛ ˆ
dV + ~
µ~v · dS = Q dV . (4.14)
Vt ∂t St Vt
A integral de superfı́cie acima representa, como sabemos, o fluxo da grandeza U através da superfı́cie
St delimitando o volume Vt ; vide Fig. 4.1. Em particular, se o volume Vt não variar no tempo, isto é,
Vt = V0 = V , a equação (4.14) assume uma forma mais conhecida:
d
ˆ ˛ ˆ
~
µ dV = − µ~v · dS + Q dV . (4.15)
dt V S V
A equação acima expressa o conhecido fato de que a variação temporal de uma grandeza U no interior de
um volume fixo deve-se ao fluxo de U através da superfı́cie (o sinal negativo indica que um fluxo positivo
resulta em um diminuição do valor da grandeza no interior do volume), mais uma eventual produção de U
no interior do volume; vide Fig. 4.1.
dS
U=ò mdV
fluxo=v . dS
V S
Dρ ∂ρ ~ = 0.
= + ~v · ∇ρ (4.18)
Dt ∂t
Em face de (4.17), vemos então que a condição de incompressibilidade corresponde a
~ · ~v = 0 ,
∇ (4.19)
D~p ~,
=F (4.20)
Dt
onde p~ é o momento linear total em um dado volume de fluido:
ˆ
p~ = ρ ~v dV , (4.21)
Vt
e F~ é a resultante de todas as forças atuando sobre o elemento de volume. Vamos agora denotar por f~ a
densidade de força (ou taxa de produção de momento) no interior do fluido, de modo que podemos escrever
ˆ
~
F = f~ dV . (4.22)
Vt
D D~v
ˆ ˆ ˆ
ρ~v dt = ρ dV = f~dV , (4.23)
Dt Vt Vt Dt Vt
60 CAPÍTULO 4. LEIS DE CONSERVAÇÃO
onde na primeira identidade usamos o Teorema 3.1. Como o volume Vt é arbitrário segue que
D~v
ρ = f~ . (4.24)
Dt
A equação acima corresponde, portanto, à segunda lei de Newton para meios contı́nuos.
Outra maneira de obter a equação de conservação do momento seria partir diretamente da lei de
conservação genérica da Sec. 4.1. Nesse caso, identificando a densidade do momento linear como sendo o
↔
vetor ~µ = ρ~v e a ‘densidade de corrente’ do momento como o tensor J = ~µ~v = ρ ~v ~v , tem-se que a lei geral
de conservação (4.8) resulta
∂(ρ ~v ) ~
+ ∇ · (ρ ~v ~v ) = f~. (4.25)
∂t
Deixamos como exercı́cio para o leitor mostrar que as duas equações (4.24) e (4.25) são equivalentes, uma
vez que se verifica a seguinte identidade
D~v ∂(ρ ~v ) ~
ρ = + ∇ · (ρ ~v ~v ) . (4.26)
Dt ∂t
Obtida a expressão geral para a conservação do momento linear, resta ainda determinar a densidade
de força f~. Em um fluido, há dois tipos de forças, a saber: i) forças externas e ii) forças internas, como
discutido abaixo.
i) Forças externas atuam indistintamente sobre todas as partı́culas do fluido como resultado da ação
de um campo externo, sendo por essa razão também chamadas de forças de volume. Como exemplo,
temos a força gravitacional e a força elétrica, se o fluido contiver partı́culas carregadas e estiver na
presença de um campo elétrico. Por simplicidade, vamos supor neste curso que a única força externa
é a força gravitacional, ou seja, ˆ
~
Fext = ρ ~g dV . (4.27)
Vt
ii) Forças internas correspondem às forças superficiais (de compressão e cisalhamento) que atuam entre
elementos de volume adjacentes no interior do fluido. Vimos na Sec. 1.2, que a tensão ~t em um ponto
de uma superfı́cie St com vetor normal ~n é dada por
↔
~t = T · ~n , (4.28)
↔
onde T é o tensor das tensões. Então a força interna atuando sobre um volume material Vt será
˛ ˛ ˆ
↔ ↔
~
Fint = ~t dS = ~
T · dS = ~ · T )dV ,
(∇ (4.29)
St St Vt
que é conhecida como a primeira lei de movimento de Cauchy. Alternativamente, usando (4.26), temos
∂(ρ ~v ) ~ ↔
~ ·T .
+ ∇ · (ρ ~v ~v ) = ρ ~g + ∇ (4.33)
∂t
Vimos no Exemplo 1.2 que para fluidos em repouso o tensor das tensões é isotrópico:
↔ ↔
T = −p I
↔
onde p é a pressão termodinâmica e I , o tensor identidade. Nesse caso, a densidade de força interna
atuando sobre o fluido torna-se simplesmente o gradiente da pressão
↔ ↔
~ · T = −∇
∇ ~ · (p I ) = −∇
~ p.
f~ext = −∇φ
~ , (4.37)
com
φ = ρgz . (4.38)
Substituindo (4.37) em (4.35) resulta
D~v ~ + φ) + ∇
↔
~ ·P .
ρ = −∇(p (4.39)
Dt
Vemos assim que a presença de uma força externa conservativa aparece nas equações de movimento apenas
como um ‘termo de pressão’ adicional.
∂(ρ ~v )
ˆ ˆ
dV + ~ · (ρ~v~v ) dV = F~ .
∇ (4.40)
V ∂t V
Após usarmos o teorema da divergência no segundo termo e o fato de que o volume V é fixo no tempo no
primeiro, obtemos então
d
ˆ ˛
~ =F
ρ ~v dV + ρ(~v ~v ) · dS ~. (4.41)
dt V S
62 CAPÍTULO 4. LEIS DE CONSERVAÇÃO
O primeiro termo acima dá a taxa de variação do momento no interior do volume V , ao passo que o segundo
representa o fluxo de momento para fora desse volume.
De particular interesse é o caso de escoamentos estacionários, onde o primeiro termo em (4.41) se anula,
logo ˛
~
F = ~.
ρ(~v~v ) · dS
S
Desconsiderando forças externas, temos que a força total atuando sobre a massa de fluido contida no
volume de controle V envolvido pela superfı́cie S é
˛ ˛
↔
~
F = ~
T · dS = ~.
ρ(~v~v ) · dS (4.42)
S S
A equação acima dá, portanto, a segunda lei de Newton para um volume fixo de fluido em um escoamento
estacionário na ausência de forças externas. Essa fórmula é bastante útil em aplicações na engenharia,
como por exemplo, no cálculo de força sobre tubulações curvas discutido no exemplo abaixo.
Exemplo 4.1. Força em tubulações curvas. Considere um escoamento estacionário de um fluido ideal e
incompressı́vel em uma tubulação curva, como mostrado na Fig. 4.2. Para aplicar a Eq. (4.42), escolhemos
como volume de controle toda a região ocupada pelo fluido, de modo que a superfı́cie fechada S consiste
das duas seções transversais nas extremidadades, S1 e S2 , e uma superfı́cie ‘cilı́ndrica’, S3 , junto às paredes
da tubulação. Nesse caso, a equação (4.42) torna-se
ˆ ˆ ˆ ˛
↔ ↔ ↔
~+
T · dS ~+
T · dS T · dS~= ~.
ρ(~v~v ) · dS
S1 S2 S3 S
O último termo no lado esquerdo corresponde exatamente à força, F~T , exercida pelas paredes da tubulação
´ ↔
~T =
sobre o fluido, ou seja, F ~
S3 T · dS. Logo,
˛ ˆ ˆ
↔ ↔
F~T = ~−
ρ(~v~v ) · dS ~−
T · dS ~.
T · dS
S S1 S2
No caso de um fluido ideal, em que não há forças dissipativas, veremos adiante que o tensor das tensões é
↔ ↔ ↔
simplesmente T = −pI . Usando o fato de que I · dS ~ = dS,
~ obtemos
˛ ˆ ˆ
~
FT = ~
ρ(~v~v ) · dS + ~
pdS + ~
pdS
˛ S S 1 S 2
= ~ ~ ~
ρ(~v~v ) · dS + p1 S1 + p2 S2 , (4.43)
S
~ isto é, ~v · dS
Na primeira superfı́cie a velocidade ~v é antiparalela ao elemento de área dS, ~ = −vdS, logo,
ˆ ˆ
~
ρ~v (~v · dS) = −ρv1~v1 ~1 ,
dS = −ρv1~v1 S1 = ρv12 S
S1 S1
onde na última passagem usamos mais uma vez o fato de que ~v1 e S ~1 são antiparalelos, o que permite
~
escrever que ~v1 S1 = −v1 S1 . Uma expressão análoga vale para o fluxo de momento através de S2 . Em S3
4.4. BALANÇO DO MOMENTO LINEAR EM UM VOLUME FIXO 63
-F T
F2
F1
FT
a velocidade é tangente à superfı́cie do tubo, ou seja, ~v · dS ~ = 0, logo a integral sobre essa superfı́cie se
anula. Usando esses resultados em (4.44), obtemos
˛
~ = ρv12 S
ρ(~v~v ) · dS ~1 + ρv22 S
~2 .
S
onde
F~i = (pi + ρvi2 )S
~i .
Como F~T representa a força das paredes do tubo sobre o fluido, então obviamente a força do fluido
sobre o tubulação será −F~T ; vide Fig. 4.2.
Exemplo 4.2. Força de um jato sobre um anteparo. O exemplo acima pode ser facilmente adaptados para
o caso de um jato de água com velocidade U , incidindo sobre um anteparo colocado perpendicularmente à
direção do jato, como mostra a Fig. 4.3. Nesse caso, o volume de controle seria equivalente a uma tubulação
em forma de T, indicado pela linha tracejada na Fig. 4.3. Por simetria, tanto as forças devido à pressão e
ao fluxo de momento nas superfı́cies S2 e S3 são iguais em módulos, têm mesma direção e possuem sentidos
contrários. Logo as forças atuando nessas duas superfı́cies cancelam-se mutuamente, de tal sorte que a
força, F~P , do fluido sobre a parede é devida apenas à pressão e fluxo de momento na superfı́cie S1 . De
acordo com a fórmula (4.49), temos então F~P aponta na direção horizontal com módulo igual a
FP = (patm + ρU 2 )A .
onde A é seção transversal do jato. Como o outro lado da parede está à pressão atmosférica, segue que a
força F resultante sobre a parede será apenas
F = ρU 2 A . (4.46)
Note, em particular, que a pressão aplicada (isto é, F/A) varia com o quadrado da velocidade. Uma
aplicação dessa fórmula pode ser encontrada em canhões de água, onde possı́vel gerar um força considerável
(suficiente para derrubar pessoas) em um jato de seção transversal relativamente pequena (da ordem de
centı́metros), usando-se um fluxo de água suficientemente intenso. No exercı́cio 4, o leitor será requisitado
64 CAPÍTULO 4. LEIS DE CONSERVAÇÃO
U O
1
3
a generalizar a fórmula acima para o caso em que o jato incide sobre uma placa inclinada (Fig. 4.4),
mostrando que nessa situação a força resultante é
F = ρU 2 A sin θ , (4.47)
ao longo da direção normal à placa, sendo θ o ângulo que a placa faz com a horizontal.
(Estamos aqui usando a notação ~v 2 ≡ ~v · ~v = v 2 .) Seja agora u a densidade especı́fica de energia interna
do fluido, definida como energia interna por unidade de massa, isto é, u = dU/dm; ou alternativamente
dU = ρ u dV . Logo a energia interna U contida em um volume material Vt é
ˆ
U= ρu dV .
Vt
Em sua versão puramente mecânica, a conservação da energia (i.e., teorema trabalho-energia) nos daria
que a variação da energia E corresponde à potência P gerada pelas forças atuando no sistema, ou seja,
4.5. CONSERVAÇÃO DA ENERGIA 65
x2
p atm
2
U
1
U
p atm O x1
U q
3
p atm
DE
= P . Entretanto, no caso de fluidos, pode haver uma variação de energia interna na região devido a
Dt
um possı́vel fluxo de calor através da superfı́cie que a envolve. (Tal fluxo de calor certamente acontecerá
se a distribuição de temperatura não for uniforme no interior do fluido.)
Se denotarmos por ~q o vetor fluxo de calor, ou mais apropriadamente a corrente de calor, definido como
energia interna por unidade de área por unidade de tempo, temos então que a taxa de calor transportado
para o interior do volume Vt será:
˛
Q̇ = − ~q · dS~.
S
O sinal negativo reflete o fato de que um fluxo negativo, i.e., para dentro do volume Vt , corresponde a um
aumento na energia interna. Alternativamente, após usarmos o teorema da divergência, temos
ˆ
Q̇ = − ~ · ~q dV .
∇ (4.49)
Vt
D(~v 2 ) D~v
onde usamos o fato de que = 2~v · .
Dt Dt
A potência mecânica P corresponde à potência total gerada pelas forças externas e internas. Clara-
mente, a potência da força externa é ˆ
Pext = ρ~g · ~v dV . (4.51)
Vt
66 CAPÍTULO 4. LEIS DE CONSERVAÇÃO
Consideremos agora a potência produzida pela tensões que atuam na superfı́cie St que delimita o volume
~int atuando em um elemento de superfı́cie dS é dF~int = ~t dS,
Vt . Primeiramente, note que, como a força dF
↔
tem-se que a potência gerada nesse elemento de área será: dPint = ~v · dF~int = ~v · ~t dS = ~v · T · dS.
~ Logo, a
potência interna será ˛
↔
Pint = ~,
~v · T · dS
St
que combinada com (4.51) nos dá a potência total P em um dado volume Vt :
ˆ ˛
↔
P = ρ~g · ~v dV + ~
~v · T · dS
ˆVt h St
↔ i
= ~ · (~v · T ) dV ,
ρ~g · ~v + ∇ (4.52)
Vt
ou
D~v Du ↔
~ · (~v · T ) − ∇
~ · ~q .
ρ~v · +ρ = ρ ~g · ~v + ∇ (4.53)
Dt Dt
Usando agora a identidade
↔ ↔ ↔
~ · (~v · T ) = ~v · (∇
∇ ~ · T ) + T : (∇~
~ v) , (4.54)
du = dw
¯ + dq
¯ ,
onde du representa a variação de energia interna no intervalo de tempo dt, dw ¯ é o trabalho realizado
nesse tempo e dq
¯ é o respectivo calor produzido (todos por unidade de massa). [Usamos os sı́mbolos dw ¯
e dq,
¯ porque essas variações elementaress não são diferenciais exatas.] Dividindo a equação acima por dt,
obtemos no lado esquerdo du/dt = Du/Dt, ao passo que os termos no lado direito, dw/dt ¯ e dq/dt,
¯ dão as
respectivas taxas de realização de trabalho e de geração de calor, as quais serão denotadas por d¯ẇ e d¯q̇,
respectivamente. Assim temos
Du
= d¯ẇ + d¯q̇
Dt
4.5. CONSERVAÇÃO DA ENERGIA 67
Comparando a equação acima com (4.55), vemos que as taxas de realização de trabalho e de produção de
calor (por unidade de massa) são, respectivamente,
1↔ ↔
d¯ẇ = T :G (4.56)
ρ
1~
d¯q̇ = − ∇ · ~q . (4.57)
ρ
↔ ↔ ↔
Se separarmos o tensor das tensões em suas partes isotrópica e desviante, T = −pI + P , temos
↔ ↔ ↔ ↔ ↔ ↔
T : G = −p I : G + P : G
~ · ~v ) + Φ ,
= −p (∇ (4.58)
T ds = du + p dv
onde T é a temperatura e s denota a entropia (por unidade de massa). Decorre dessa equação
Ds Du Dv
T = +p ,
Dt Dt Dt
que em vista de (4.63) torna-se
Ds Φ 1~
T = − ∇ · ~q . (4.64)
Dt ρ ρ
A equação acima deixa claro que as contribuições para variação da entropia vêm exatamente da dissipação
de energia devida às forças viscosas (representada na função Φ) e do fluxo de calor (representado por ~ q ).
Por outro lado, sabemos que, em processos reversı́veis, é possı́vel reduzir a entropia pela realização de
trabalho, ao passo que em um processo irreversı́vel a entropia sempre aumenta. Vale a pena, portanto,
explicitar as contribuições reversı́veis e irreversı́veis. Primeiramente, vamos reescrever (4.64) da seguinte
forma
Ds Φ ∇~ · ~q
ρ = − ,
Dt T T
que em vista da identidade
~ · q
~ 1 ~ 1 ~ ,
∇ = ∇ · ~q − 2 ~q · ∇T
T T T
resulta
Ds Φ 1 ~ ~ ~q
ρ = − 2 ~q · ∇ T − ∇ · . (4.65)
Dt T T T
Os termos entre colchetes representam as contribuições irreversı́veis para a variação de entropia, ou seja,
Ds Φ 1 ~ T
ρ = − 2 ~q · ∇ (4.66)
Dt irrev. T T
correspondendo aos efeitos de dissipação de energia e de condução de calor devido a gradientes de tempe-
raturas. O último termo em (4.65), contendo a divergência de um vetor fluxo de entropia, ~qs = ~ q /T , é a
parte reversı́vel da variação de entropia:
Ds ~ · ~q .
ρ = −∇ (4.67)
Dt rev. T
Ds
≥ 0.
Dt irrev.
Φ≥0 e ~ T > 0.
− ~q · ∇
4.7. RESUMO DAS EQUAÇÕES FUNDAMENTAIS 69
A primeira condição expressa simplesmente o fato de que, durante a deformação do material, a energia
mecânica é dissipada em forma de calor (não podendo, obviamente, acontecer a situação reversa). A
segunda desigualdade acima também será sempre verdadeira, pois a experiência mostra que o fluxo de calor
dá-se da região mais quente para a mais fria, ou seja na direção contrária ao gradiente de temperatura.
A parte reversı́vel (4.67), por sua vez, representa o fluxo de entropia para o volume de fluido a partir das
regiões vizinhas, que pode ser tanto positivo (partı́culas mais “entrópicas” entram no volume) ou negativo
(partı́cula mais “entrópicas” deixam o volume).
D~v ~ + ρ~g + ∇
↔
~ ·P
ρ = −∇p (4.69)
Dt
Du ~ ~ Ds Φ 1 ~
ρ = −p ∇ · ~v + Φ − ∇ · ~q ou ρ = − ∇ · ~q . (4.70)
Dt Dt T T
Temos, portanto, 5 equações diferenciais parciais para 6 variáveis, a saber: i) três grandezas termo-
dinâmicas, ρ, p e u (ou s); e ii) três grandezas dinâmicas, correspondendo às três componentes da ve-
locidade ~v . Precisamos, então, de uma sexta equação para “completar” o sistema. Essa última relação é
determinada pela termodinâmica do fluido ou, mais precisamente, pela sua equação de estado, relacionando
a pressão p com a densidade ρ e a temperatura T :
p = p(ρ, T )
Por exemplo, no caso de gases ideais temos
p = ρ RT .
Além da equação de estado do fluido, precisamos também conhecer a sua relação constitutiva, que
↔
expressa a dependência do tensor das tensões de fricção P (e, portanto, da função de dissipação Φ) com o
↔
tensor taxa de deformação E, para que possamos “fechar” o sistema de equações acima. Esse será o tema
do próximo capı́tulo.
4.8 Exercı́cios
1. Considere um escoamento unidimensional da forma ~v = (v1 , 0, 0), com v1 = v1 (x1 , t), e suponha que a
densidade do fluido varia de acordo com a expressão ρ = ρ0 (1 − cos ωt). Calcule a velocidade v1 (x1 , t)
se v1 (0, t) = U , sendo U uma constante.
2. Mostre a identidade (4.26) por diferenciação direta.
3. Considere o problema 3 do Cap. 3. Usando a equação da continuidade, obtenha a densidade do fluido
~ t) em coordenadas materiais para o caso em que
ρ(X,
~ 0) = ρ0 X1
ρ(X, , ρ0 = constante.
X2
Determine também a densidade ρ(~x, t) em coordenadas eulerianas.
70 CAPÍTULO 4. LEIS DE CONSERVAÇÃO
4. Considere o problema de um jato incidindo sobre uma placa inclinada, conforme ilustrado na Fig. 4.4.
Mostre que nessa situação a força resultante sobre a placa atua ao longo da direção normal à placa
e é dada pela expressão (4.47).
5. Mostre que a força de propulsão produzida um foguete (em regime estacionário) é dada por F =
ρAU 2 + A(p − patm ), onde p, ρ, A, e U são, respectivamente, a pressão, a densidade, a área e a
velocidade do fluido na (parte interna da) válvula de escape do tanque de combustão, e patm é a
pressão atmosférica.
6. Considere um escoamento de um fluido compressı́vel e invı́scido, em que o tensor das tensões tem a
seguinte forma
↔ ↔
T = −pI − ρ~v~v .
↔
Mostre que nesse caso a densidade de forças internas f~int = ∇
~ · T corresponde a uma derivada em
relação ao tempo
∂(ρ~v )
f~int = .
∂t
Logo para escoamentos estacionários temos f~int = 0, e o fluido é dito estar auto-equilibrado.
Sugestão: use que para um fluido invı́scido a equação de conservação do momento linear para um
fluido na ausência de forças externas corresponde à equação de Euler:
D~v ~
ρ = −∇p.
Dt
↔
7. O objetivo deste problema é mostrar, a partir da conservação do momento angular, que tensor T
é simétrico, formalizando assim o argumento heurı́stico apresentado no Cap. 1. A conservação do
momento angular para meios contı́nuos é da forma
~
DL
= T~ ,
Dt
~ é o momento angular e T~ , o torque resultante, cujas respectivas expressões são
onde L
ˆ ˆ ˛
~
L= ~x × (ρ~v ) dV e T = ~ ~x × (ρ~g ) dV + ~x × ~t dS .
Vt Vt St
Equações de Movimento
Neste capı́tulo vamos particularizar as equações fundamentais obtidas no capı́tulo anterior (que valem
para qualquer meio contı́nuo) para o caso especı́fico de fluidos. Começaremos considerando uma situação
ideal em que desprezaremos completamente as forças viscosas entre as partı́culas de fluido ou entre essas
e superfı́cies sólidas, de modo que não há dissipação de energia pelo fluido. Embora claramente uma
abstração, o conceito de um fluido ideal ou invı́scido é de grande interesse teórico porque permite estudar
efeitos puramente dinâmicos, sem nos preocuparmos com efeitos de viscosidade. Neste capı́tulo vamos
apenas deduzir a equação de movimento para fluidos ideais, postergando um estudo mais detalhado das
suas consequências para o Cap. 7. Discutiremos também a relação constitutiva para um fluido viscoso
linear ou newtoniano e deduziremos a equação de movimento correspondente. Por fim, analisaremos as
condições de contorno que devem ser satisfeitas pelos campos de velocidade e tensão tanto na superfı́cie de
contato com um sólido quanto na superfı́cie de separação entre dois fluidos.
Um gás ideal é obviamente um fluido invı́scido. Um lı́quido ideal ou invı́scido, por sua vez, pode ser pensado
como um gás ideal que se condensou mas manteve sua caracterı́stica de só suportar tensões normais, de
forma que camadas adjacentes do fluido podem deslizar uma em relação a outra sem haver necessidade
de tensões cisalhantes e, portanto, sem dissipação de energia—seria como uma “água seca”, no dizer de
Feynman.
↔
Fazendo agora P = 0 em (4.35), segue então que a dinâmica de um fluido invı́scido é governado pela
equação
D~v ~ + ρ~g ,
ρ = −∇p (5.2)
Dt
que é conhecida como a equação de Euler. Em termos do potencial gravitacional, ~g = −∇χ, ~ com χ = gz,
a equação de Euler lê-se
D~v ~
∇p
=− ~
− ∇χ. (5.3)
Dt ρ
Como em um fluido invı́scido não há efeitos de dissipação, ou seja, a função de dissipação é identicamente
nula, Φ = 0, então não haverá produção de calor no interior do fluido. Se desprezarmos também um eventual
73
74 CAPÍTULO 5. EQUAÇÕES DE MOVIMENTO
transporte de calor através das paredes do recipiente que contém o fluido (isto é, o fluido está em equilı́brio
térmico com o recipiente), então teremos que o vetor fluxo de calor será identicamente nulo, ~ q = 0, em
toda região do fluido. Com isso a equação do balanço de entropia (4.72) torna-se simplesmente
Ds
=0, (5.4)
Dt
ou seja, a entropia é conservada. Escoamentos em que a entropia é constante são ditos isentrópicos ou
adiabáticos. Completando o sistema de equações para um fluido invı́scido, temos a equação da continuidade
Dρ ~ · ~v = 0 .
+ρ∇ (5.5)
Dt
Em resumo, em um escoamento isentrópico de um fluido invı́scido, precisamos considerar apenas as
equações (5.2) e (5.5), além da equação de estado p = p(ρ, T ). Seria desejável podermos separar a mecânica
de um fluido invı́scido de sua termodinâmica. Isso pode ser obtido em alguns casos de interesse, como o
caso de escoamentos incompressı́veis barotrópicos que serão estudados no Cap. 7.
∂v1
τ12 = η .
∂x2
1. Não pode haver tensões de fricção se o fluido executa um movimento de corpo rı́gido. Há dois casos
a considerar.
1a. Translação. A inexistência de forças de atrito em um movimento de translação pura implica que
o tensor Pij deve depender apenas de gradientes de velocidade ∂vi /∂xj , e não da velocidade vi
↔
isoladamente; ou seja, P deve depender da velocidade apenas através do tensor gradiente de
↔
velocidade G.
5.2. RELAÇÃO CONSTITUTIVA PARA FLUIDOS NEWTONIANOS 75
↔
1b. Rotação pura. A ausência de tensões de fricção nesse caso significa que P só deve depender da
↔ ↔
parte simétrica de G, ou seja, do tensor taxa de deformação E. Temos, portanto, que
Pij = fij (Ekl ) ,
onde fij denota funções genéricas. (Há certos tipos de fluidos com propriedades estruturais tais
↔ ↔
que P pode depender ainda de derivadas temporais de E. Tais fluidos são ditos possuir memória,
significando que deformações passadas podem ter efeito na resposta presente do fluido. Muitos fluidos
de interesse prático apresentam algum tipo de memória, entretanto o estudo desse tipo de fluidos
está além do escopo desse texto.)
↔ ↔
2. A relação constitutiva entre P e E deve ser independente da orientação do sistema de coordenadas.
Isso implica que a relação desejada deve ser uma relação tensorial, de tal modo que ambos os lados
da equação transformem-se da mesma forma. Isso nos diz que o conjunto de funções fij devem
corresponder a um tensor, ou seja,
↔ ↔ ↔
P = f (E). (5.6)
A relação constitutiva mais simples que satisfaz os requerimentos acima consiste em escrevermos o
↔ ↔
tensor P como uma função linear de E, ou seja,
↔ ↔
P = α I~ + β E, (5.7)
↔
onde os coeficientes α e β só podem depender de E através dos seus invariantes, a saber:
↔
~ · ~v
I1 = Tr E = E11 + E22 + E33 = ∇ (5.8)
1X 1
I2 = (Eii Ejj − Eij Eji ) = (Tr E)2 − Tr(E 2 ) (5.9)
2 2
ij
↔
I3 = det E = e1 e2 e3 , (5.10)
↔
onde ei são os autovalores de E. ↔ ↔
Vemos a partir de (5.7) que para garantir a linearidade entre P e E devemos ter
~ · ~v ,
α = λI1 = λ∇ com λ = constante,
β = constante ≡ 2η ,
de modo que
↔ ↔ ↔
~ · ~v )I + 2η E .
P = λ(∇ (5.11)
A relação constitutiva para um fluido linear torna-se
↔ ↔ ↔ ↔
~ · ~v )I + 2η E .
T = −pI + λ(∇ (5.12)
Como já antecipamos, fluidos que satisfazem essa relação constitutiva são chamados de fluidos newtonianos.
As constantes λ e η que aparecem em (5.11) devem satisfazer algumas restrições fı́sicas, como discutido
a seguir. A função de dissipação Φ calculada a partir da relação constitutiva (5.11) resulta
↔ ↔ ↔ ↔ ↔ ↔
Φ = P : E = λ(∇ ~ · ~v )I : E + 2η E : E
X
~ · ~v )2 + 2η
= λ(∇ (Eij )2
ij
= λ(Tr E) + 2η Tr(E 2 ) .
2
76 CAPÍTULO 5. EQUAÇÕES DE MOVIMENTO
↔
No sistema de coordenadas em que E é diagonal, Φ reduz-se a
Pela segunda lei da termodinâmica devemos ter Φ ≥ 0. Segue então que as desigualdades
2
ηB ≡ λ + η ≥ 0 e η≥0
3
são condições suficientes para garantir que Φ ≥ 0. A constante η é a viscosidade molecular do fluido,
também chamada de viscosidade dinâmica, que carateriza as forças de atrito entre camadas adjacentes do
fluido. O parâmetro ηB , por outro lado, é chamado de viscosidade de “bulk”. Para termos uma intuição
sobre ηB , lembre que a tensão normal média p̄ foi definido como
1X 1
p̄ = − τii = − (τ11 + τ22 + τ33 )
3 3
i
de modo que, no caso de um fluido em repouso ou um fluido invı́scido, p̄ corresponde exatamente à pressão
termodinâmica:
p̄ = p
~ · ~v ) − 2 η ∇
p̄ = p − λ(∇ ~ · ~v
3
ou seja,
~ · ~v .
p̄ = p − ηB ∇
Então, se o fluido for incompressı́vel a pressão média corresponde também à pressão termodinâmica: p̄ = p.
Por outro lado, para fluidos compressı́veis, isso só será verdade se ηB = 0.
A hipótese de que ηB = 0 para fluidos newtonianos foi feita originalmente por Stokes, com a seguinte
justificativa. Considere uma expansão radial de um gás. Como não há dissipacação nesse caso, segue que
Φ = 0. Por outro lado, temos
2
~v = α ~x ⇒ Eij = α δij ⇒ Φ = λ + η (3α)2
3
e
↔
~ · Gt = ∇
∇ ~ · (∇~
~ v )t = ∇(
~ ∇~ · ~v ). (5.16)
(A segunda identidade acima não é tão óbvia quanto a primeira mas pode ser facilmente demonstrada
↔
~ · Gt )i = P ∂j Gij = P ∂j (∂i vj ) = ∂i P ∂j vj = [∇(
através da notação indicial: (∇ ~ ∇~ ·~v )]i .) Usando (5.15)
j j j
e (5.16) em (5.14), resulta
↔
~ · P = η∇2 ~v + (λ + η)∇(
∇ ~ ∇~ · ~v ),
que inserida em (5.13) nos dá a equação de movimento genérica para fluidos newtoniano
D~v ~ + ρ~g + η∇2~v + (λ + η)∇(
~ ∇~ · ~v ) .
ρ = −∇p (5.17)
Dt
~ · ~v = 0, a relação constituitiva (5.12) torna-se
No caso particular em que o fluido é incompressı́vel, ∇
simplesmente
↔ ↔
P = 2η E, (5.18)
e (5.17) reduz-se a
D~v ~ + ρ~g + η∇2~v ,
ρ = −∇p (5.19)
Dt
que é a equação de Navier-Stokes para fluidos newtonianos incompressı́veis. Lembrando que o lado direito
de (5.19) contém as densidades de força atuando no fluido, fica claro que o termo η∇2~v representa a
densidade das forças de atrito (ou forças viscosas) entre as camadas adjacentes do fluido. Outra observação
importante é que a equação (5.19) só vale em conjunto com a condição de incompressibilidade:
~ · ~v = 0.
∇ (5.20)
Sendo assim, seria mais correto dizer que as equações de Navier-Stokes correspondem ao conjunto das
quatro equações listadas em (5.19) e (5.20).
Note agora que o termo ∇2~v pode ser expresso como
~ ∇
∇2~v = ∇( ~ · ~v ) − ∇
~ × (∇
~ × ~v ) . (5.21)
~ vi = U 2 ~′ ~ ′ ~′
(~v · ∇)~ (v · ∇ )v ,
L
logo
D~v U 2 D ′ v~′
=
Dt L Dt′
Aplicando procedimento semelhante aos outros termos, obtemos
U 2 D ′ v~′ ~ ′p
∇ ηU 2
ρ ′
=− + ρ~g + 2 ∇′ v~′
L Dt L L
ou
D ′ v~′ ~′ p gL ν ′2 ′
= −∇ + ĝ + ∇ ~v ,
Dt′ ρU 2 U2 UL
D ′ v~′ ~ ′ p′ + 1 ĝ + 1 ∇′ 2 v~′ ,
= −∇ (5.24)
Dt ′ Fr2 Re
onde os parâmetro adimensionais são
UL
Re ≡ = número de Reynolds
ν
U
Fr ≡ √ = número de Froude.
gL
O número de Reynolds pode ser interpretado como a razão entre as ‘forças inerciais’, representadas pelo
termo U L, e as forças viscosas, representadas pelo termo ν. De modo análogo, o número de Froude mede
a razão entre forças inerciais e gravitacionais.
Em particular, se efeitos de gravidade não forem relevantes a equação de Navier-Stokes passa a ser
caracterizada por um único número adimensional, qual seja o número de Reynolds:
D ′ v~′ ~ ′ p′ + 1 ∇′ 2 v~′ .
= −∇ (5.25)
Dt′ Re
Assim, em situações com geometrias semelhantes e mesmo número de Reynolds, os escoamentos serão
exatamente os mesmos. Essa fenômeno é conhecido como similaridade dinâmica. Isso valida, por exemplo,
o uso de modelos de aeronaves ou carros em escalas reduzidas para serem testados em túneis de vento
que reproduzem as mesmas condições (isto é, o mesmo número de Reynolds) dos escoamentos reais que
se deseja estudar. As forças (e outras grandezas fı́sicas) medidas no modelo podem então ser facilmente
‘reescaladas’ para o sistema em tamanho real.
onde ~n é o vetor normal à superfı́cie em um ponto P arbitrário. Se o sólido estiver movendo-se com
velocidade V~s , então a equação acima torna-se
~s ) · ~n = 0 em
(~v − V S, (5.27)
indicando que a componente normal da velocidade do fluido em qualquer ponto da superfı́cie do sólido é
a mesma que a velocidade normal do sólido no respectivo ponto. Essa é a chamada condição de contorno
cinemática para interfaces sólidas.
Consideremos agora a condição de contorno para a componente tangencial da velocidade. No caso de
fluidos viscosos, há a tendência de as moléculas do fluido em contato com a superfı́cie sólida moverem-se
com a mesma velocidade do sólido. De uma maneira simplificada, podemos dizer que há uma força de atrito
entre a superfı́cie “rugosa” do sólido e o fluido, a qual provoca uma aderência do fluido à superfı́cie—é a
chamada condição de não deslizamento. Embora essa explicação seja meramente qualitativa, experimentos
mostram que essa hipótese é satisfeita com uma precisão muito boa.
A condição de não deslizamento para um sólido em repouso é, portanto, escrita como
~v · ~t = 0 em S, (5.28)
onde ~t é o vetor tangente em um ponto arbitrário da superfı́cie S. No caso de o sólido mover-se com
velocidade V ~s , temos
~s ) · ~t = 0 em S .
(~v − V (5.29)
A condição de não deslizamento corresponde à condição de contorno dinâmica para sólidos.
Combinando as equações (5.27) e (5.29), temos que a condição de contorno em uma superfı́cie sólida é
dada por uma única relação:
~s em S ,
~v = V (5.30)
ou ainda
~v = 0 em S, (5.31)
se o sólido estiver em repouso.
Em um fluido invı́scido, por outro lado, não há efeitos de fricção, logo o fluido poderá deslizar livre-
mente sobre a superfı́cie sólida, não havendo portanto qualquer restrição sobre a componente tangencial
da velocidade do fluido. Ou seja, para fluidos invı́scidos temos apenas a condição de contorno cinemática
(5.27).
n t1
1 t2
2
S
Seja S a superfı́cie separando os dois fluidos (considerados imiscı́veis) e sejam ~v1 e ~v2 as respectivas
velocidades dos dois fluidos. Como S é uma superfı́cie material, ou seja, que se move com os fluidos, então
sobre S devemos ter a seguinte condição
(~v1 − ~v2 ) · ~n = 0,
onde ~n é um vetor normal a S. Se a interface S for dada por uma equação do tipo
F~ (~x, t) = 0, para ~x ∈ S ,
onde F é uma função conhecida, então conforme demonstrado no Cap. 3 a condição para a superfı́cie S
ser material pode ser escrita da seguinte forma
DF ∂F ~ =0,
= + ~vi · ∇F i = 1, 2,
Dt ∂t
Para uma superfı́cie fixa no espaço (∂F /∂t = 0), a condição de contorno acima reduz-se a
~v1 · ~n = ~v2 · ~n = 0.
A condição de contorno dinâmica para este caso reflete o equilı́brio de forças na interface entre os
dois fluidos. De fato, se as tensões em ambos os lados da interface não fossem iguais em módulo e de
sinais opostos haveria uma aceleração infinita sobre as partı́culas de fluidos na superfı́cie. Denotando por
↔ ↔
~t1 = T 1 · ~n1 a tensão em um dado ponto no lado 1 da interface e por ~t2 = T 2 · ~n2 a tensão correspondente
no lado 2, vide Fig. 5.4, a condição de contorno dinâmica é
interface
líquido-gás
gás
líquido
ar
líquido
Fazendo ~n1 = ~n e usando o fato de que ~n2 = −~n, segue que a equação anterior pode ser rescrita da seguinte
forma ↔ ↔
T 1 − T 2 · ~n = 0, (5.33)
que expressa a continuidade da componente normal do tensor das tensões através da interface entre os dois
↔ ↔
fluidos. Em particular, no caso de um fluido invı́scido, temos T = −pI , logo
p1 = p2 em S. (5.34)
A condição de contorno dinâmica expressa em (5.32) e suas conseqüências, Eqs. (5.33) e (5.34), são
relações aproximadas, uma vez que não levam em consideração tensões adicionais que surgem sobre as
moléculas do fluido que estão na superfı́cie livre. Esses efeitos de tensão superficial serão discutidos a
seguir.
n
t 1dS
S
C dS
dl A t 2dS
q
m q R
dF
A descrição matemática da tensão superficial é feita de maneira análoga àquela utilizada para descrever
as forças (volumétricas) no interior de um fluido, com a diferença que as regiões de interesse possuem uma
dimensão espacial a menos. Seja então S uma superfı́cie livre fechada de um lı́quido e considere uma curva
C que separa S em duas partes S1 e S2 . Suponha, por exemplo, que a S é uma superfı́cie esférica de raio
R. Façamos então um corte dessa superfı́cie com um plano. Nesse caso S1 seria uma calota esférica e C
seria a borda dessa calota esférica, como indicado na na Fig. 5.5. A força resultante F~ devido ao efeito de
tensão superficial sobre a calota S1 pode ser calculada se conhecermos a distribuição de força ao longo da
curva C. Denotando por dF ~ a força que atua em um segmento dℓ da curva C (vide Fig. 5.5), definimos o
vetor tensão superficial como sendo
~
dF
~σ = , (5.35)
dℓ
de modo que a força superficial total F~σ sobre S1 será
˛
~
Fσ = ~σ dℓ. (5.36)
C
~σ = σ m,
~ σ = constante ,
onde σ é uma constante, dita a tensão superficial do lı́quido, e m ~ é o vetor tangente à superfı́cie S e normal
à curva C. (Para superfı́cies em movimento, ~σ não é necessariamente perpendicular a C, mas não vamos
considerar esse caso aqui.) Note que em vista da definição (5.35) a tensão superficial σ tem a dimensão de
força por unidade de comprimento ou energia por unidade de área.
A condição de equilı́brio de forças nos diz que a força F~σ devido à tensão superficial deve ser contraba-
lançada pelas forças F~1 e F~2 exercidas pelos fluidos nos dois lados da superfı́cie:
ou mais explicitamente ˆ ˆ
↔ ↔
(T 1 − T 2) · ~n dS + σ mdℓ
~ = 0. (5.37)
S C
No limite de uma uma calota elementar em que θ → dθ (vide Fig. 5.5), temos dS = π(dr)2 , com dr = R dθ.
Por simetria, a força resultante devido à tensão superficial será na direção oposta à do vetor ~n e com
módulo igual a σ2πdr(m~ · ~n) = 2πσdrdθ = σ2πRdθ 2 , onde usamos que m ~ · ~n = sin θ = dθ no limite θ → dθ.
Assim, nesse limite, a condição (5.37) torna-se
↔ ↔
πR2 dθ 2 (T 1 − T 2 ) · ~n = 2πRσdθ 2 ~n. (5.38)
ou
↔ ↔2σ
(T 1 − T 2 ) · ~n =
~n. (5.39)
R
Sendo uma equação vetorial, a condição de contorno acima contém duas condições escalares, quais sejam,
a igualdade das componentes tangenciais das tensões em ambos os lados da superfı́cie,
cuja demonstração não será apresentada aqui. Supondo que a tensão superficial é constante ao longo da
~ = 0), e comparando (5.37) e (5.42), concluı́mos que
superfı́cie (∇σ
↔ ↔
~ · ~n)
(T 1 − T 2 ) · ~n = σ~n(∇ (5.43)
Pode-se mostrar ainda que a divergência do vetor normal é relacionada à curvatura média, κ, da superfı́cie,
~ · ~n = κ ≡ 1 + 1 .
∇ (5.44)
R1 R2
onde R1 e R2 são os raios de curvatura principais em um dado ponto da superfı́cie; vide Fig. 5.6. A equação
(5.43) então assume a seguinte forma
↔ ↔
(T 1 − T 2 ) · ~n = σ κ ~n . (5.45)
Essa equação representa, portanto, a condição de contorno dinâmica em um superfı́cie livre com a inclusão
dos efeitos de tensão superficial. Para uma superfı́cie esférica (R1 = R2 = R), a relação (5.45) reproduz
(5.39) como esperado. Para uma superfı́cie plana (R1 = R2 → ∞), o tensor das tensões é contı́nuo através
das interface. Logo, efeitos de tensão superficial, também chamados de efeitos de capilaridade, só aparecem
quando as superfı́cies são curvas.
↔ ↔
No caso de fluidos em repouso, T = −pI , a condição de contorno acima torna-se simplesmente
p2 − p1 = σ κ, (5.46)
indicando que há um gradiente de pressão através da superfı́cie de separação entre dois fluidos em repouso
sempre que essa interface for curva.
5.6. EXERCÍCIOS 85
R2
R1
5.6 Exercı́cios
↔
1. Nós vimos que o tensor das tensões de friccão P deve ser nulo se o o fluido executar um movimento
de corpo rı́gido. Considere o movimento de rotação rı́gida, cujo campo de velocidade é
~v (~x) = ~ω × ~x,
onde ~ω é um vetor constante. Mostre por um cálculo direto que, para um fluido newtoniano, o tensor
↔
P é, de fato, identicamente nulo.
2. Considere o cisalhamento puro de um fluido newtoniano incompressı́vel em que o campo de velo-
cidades, como vimos no Cap. 3, é ~v = (V y/h, 0, 0), onde V é a velocidade da placa superior e h a
distância entre elas. Suponha que as placas tenham uma largura L, na direção x3 , e um comprimento
muito grande (ao longo da direção x1 ).
a) Calcule a força de atrito por unidade de comprimento atuando sobre a placa superior, e determine
então a potência aplicada PA (por unidade de comprimento) necessária para mantê-la em movimento.
↔ ↔
b) Calcule a função de dissipação Φ = P : E e integre-a sobre o volume de fluido para determinar a
energia PD dissipada por unidade de tempo e comprimento. Compare o resultado com sua resposta
para o item a).
3. Considere o problema de um fluido confinado em um canal de altura h, discutido no exercı́cio 9 do
capı́tulo 3, em que o fluido é incompressı́vel e newtoniano e o escoamento é causado por um gradiente
de pressão aplicado ao longo do canal, resultando no seguinte campo de velocidade
k h2
v1 (x1 , x2 ) = ( − x22 ), v2 = 0,
2η 4
onde k é o gradiente de pressão e η é a viscosidade. Suponha ainda que o canal possui uma largura
L na direção x3 e comprimento ℓ na direção x1 .
↔
a) Calcule o tensor das tensões viscosas P e determine a tensão de cisalhamento: i) na placa superior,
ii) na placa inferior e iii) no plano central do canal. Interprete fisicamente seus resultados.
↔ ↔
b) Calcule a função de dissipação, Φ = P : E. Em que região do canal observa-se o máximo e o
mı́nimo de Φ? Interprete seu resultado.
c)
´ Integre a função de dissipação sobre todo o volume de fluido para determinar a potência, PD =
Φ dV , dissipada pelas forças viscosas.
d) Nesse escoamento, a força (por unidade de volume) que realiza´ trabalho sobre o fluido é devida
ao gradiente de pressão f~ = −∇p ~ = kx̂1 . Calcule potência, PA = f~ · ~v dV , aplicada por essa força
sobre todo o volume do fluido. Compare o resultado com sua resposta para o item c) e interprete
fisicamente esse resultado.
86 CAPÍTULO 5. EQUAÇÕES DE MOVIMENTO
4. Considere o mesmo escoamento do exercı́cio 2 acima, mas agora com um fluido não-newtoniano cuja
relação constitutiva é ↔ ↔ ↔
P = 2η E + 4ζ E 2 ,
onde η e ζ são constantes. Suponha que a temperatura TB na placa inferior é mantida constante e
que forças externas são desprezı́veis.
a) Calcule a potência aplicada PA (por unidade de comprimento) necessária para manter a placa
superior em movimento.
b) Supondo que a energia interna u é uma função linear da temperatura, isto é, u = cT , com
c = constante, determine a distribuição de temperatura T (x, y) no interior do fluido. Suponha que a
~ , onde D é o coeficiente de difusão, e que
difusão do calor no fluido obedece a lei de Fick, ~q = −D ∇T
não há fluxo de calor através da placa inferior (apenas da superior).
5. Um material viscoelástico comporta-se como um sólido elástico quando submetido a baixas tensões
de cisalhamento, mas passa a fluir como um lı́quido viscoso quando as tensões aplicadas ultrapassam
um certo valor de limiar (o chamado yield stress). Considere um material viscoelástico em que na
fase fluida (considerada incompressı́vel) a relação constitutiva é
↔ ↔
P = β E,
onde o coeficiente β depende do invariante I2 do tensor taxa de deformação através da seguinte forma
ϑ
β = 2η1 + √ ,
−I2
sendo ϑ uma constante (o yield stress). Mostre que no caso especial de um cisalhamento puro,
~v = (sy, 0, 0), o material acima comporta-se como um fluido newtoniano cuja viscosidade depende
da taxa de cisalhamento s. Discuta os casos s → ∞ e s → 0 (esse segundo caso rigorosamente não
se aplica, já que nesse limite o material ‘sai’ do regime fluido, contudo é instrutivo considerá-lo).
6. Uma esfera sólida de raio a move-se em um fluido ao longo de um cı́rculo de raio c, de modo que o
seu centro no instante de tempo t está na posição (0, c cos ωt, c sin ωt).
a) Obtenha a equação da interface na forma implı́cita F (~x, t) = 0.
b) Mostre que a condição de contorno cinemática implica que um partı́cula de fluido adjacente à
esfera satisfaz a condição
c) Supondo que o fluido é viscoso, determine agora a condição de contorno (dinâmica) para a veloci-
dade do fluido junto à esfera.
Capı́tulo 6
Estática de Fluidos
6.1 Introdução
Para um fluido em repouso temos ~v = 0, logo a equação da continuidade (11.7) reduz-se a
∂ρ
= 0, (6.1)
∂t
donde segue que a densidade ρ é constante no tempo, mas pode em princı́pio variar com a posição. De
forma análoga, a equação de Euler (5.3) reduz-se
~ = −ρ∇χ,
∇p ~ (6.2)
onde lembramos que χ é o potencial da força externa. Em particular, no caso em que a única força externa
é a força gravitacional, temos χ = gz; logo a densidade só pode ser, no máximo, uma função da coordenada
z, isto é, ρ = ρ(z). Isso implica que a pressão também só pode depender de z, de modo que (6.2) torna-se
simplesmente
dp
= −ρ(z)g. (6.3)
dz
Para resolver (6.3) é necessário conhecermos a equação de estado do fluido, a qual relaciona a pressão
com a densidade e a temperatura: p = p(ρ, T ). A seguir discutiremos alguns casos de interesses. Começaremos
discutindo a estática de gases, em que consideraremos o gás como obedecendo a equação de estado dos
gases ideais. Em seguida analisaremos a estática de lı́quidos incompressı́veis (hidrostática), cuja “equação
de estado” é deveras simples, ou seja, ρ = constante.
Atmosfera Isotérmica
87
88 CAPÍTULO 6. ESTÁTICA DE FLUIDOS
Atmosfera Adiabática
Aqui supomos um processo adiabático de um gás ideal em que
p = Aργ , (6.7)
onde A é uma constante e γ = cp /cv , sendo cp e cv os calores especı́ficos do gás a pressão e volume
constantes, respectivamente. Nesse caso, a equação (6.3) torna-se
dp g
= − 1/γ p1/γ . (6.8)
dz A
Rearrumando os termos, temos
dp g
= − dz,
p1/γ A1/γ
cuja integração nos dá
γ−1
γ−1 γ − 1 gz
p γ − p0 γ = − . (6.9)
γ A1/γ
Note agora que da comparação entre (6.3) e (6.8), temos
γ−1
g mgp0 γ
= ,
A1/γ kT0
que inserida em (6.9) resulta
γ−1
p γ γ − 1 mgz
=1− ,
p0 γ kT0
e finalmente γ
γ − 1 mgz γ−1
p = p0 1− , (6.10)
γ kT0
onde T0 é a temperatura em z = 0. Deixamos como exercı́cio para o leitor verificar que, no limite γ → 1,
a fórmula acima reduz-se à equação barométrica (6.6), como esperado; vide exercı́cio 6.1.
É conveniente reescrever (6.10) da seguinte forma alternativa
mg
αz αk
p = p0 1− , (6.11)
T0
onde
γ − 1 mg
α= . (6.12)
γ k
6.2. ATMOSFERAS ESTÁTICAS 89
Para compreender o significado fı́sico da constante α, analisemos a variação da temperatura com a altitude.
Usando (6.4) e (6.7), temos
mA1/γ γ−1
T = p γ ,
k
logo
dT mA1/γ γ − 1 −1/γ dp
= p .
dz k γ dz
Usando (6.8) e (6.12) na equação anterior segue então que
dT
= −α, (6.13)
dz
ou seja, na atmosfera adiabática a temperatura decresce linearmente com a altitude com um taxa deter-
minada pela constante α definida em (6.12). Integrando (6.13) temos
T = T0 − αz, (6.14)
Como um exemplo de uma atmosfera adiabática, consideremos a atmosfera terrestre que é constituı́da
principalmente de nitrogênio gasoso (N2 ), para o qual γ ≈ 7/5. Usando a massa molecular do nitrogênio
e demais constantes (que podem ser encontrada em tabelas) na definição (6.12), obtemos
dT
≈ −9, 8◦ /km (ou 1◦ a cada 100 m) . (6.16)
dz
Na troposfera (camada da atmosfera mais próxima da Terra), observa-se que a temperatura decresce
linearmente com a altitude com uma taxa α ≈ −6◦ /km, mostrando que a aproximação adiabática não é
muito boa (principalmente devido à umidade do ar). Note, contudo, que a equação (6.11) permanece válida
se tomarmos como hipótese básica, não o modelo adiabático, mas sim o fato de que a temperatura varia
linearmente com a altitude como mostrado em (6.13). Ou seja, podemos usar o valor real de α observado
na atmosfera para calcular a variação da pressão com a altitude a partir de (6.11).
Antes de concluir esta seção, vale observar que nem todas as atmosferas estáticas ‘matematicamente
possı́veis’, isto é, que sejam soluções de (6.3), são fisicamente aceitáveis. É necessário também que essas
soluções sejam estáveis. Por exemplo, uma situação em que camadas mais densas do fluido estejam na
parte de cima da atmosfera é uma situação instável, pois haverá a tendência de o fluido mais denso “descer”
e o mais leve subir, o que pode acontecer como resultado de pequenas perturbações da solução original.
Esse fenômeno é a conhecido como a instabilidade de Rayleigh-Taylor. (No Cap. 12 faremos uma discussão
mais detalhada dessa e de algumas outras instabilidades hidrodinâmicas.) Vemos assim que a situação
estável acontece quando o fluido mais denso está na parte de baixo. Outra possı́vel fonte de instabilidade é
quando existe um forte gradiente de temperatura ao longo da atmosfera. Nesse caso, o fluido mais quente
(próximo à terra) tenderá a subir e o mais frio, a descer, iniciando assim um processo de convecção. Essa
é a chamada instabilidade de Rayleigh-Bernard. Por outro lado, se o fluido mais quente estiver em cima,
a situação é estável—é a chamada inversão térmica, tão temida nas grandes cidades com alto ı́ndice de
poluição, pois o ar frio poluı́do permanece junto à superfı́cie.
90 CAPÍTULO 6. ESTÁTICA DE FLUIDOS
A B C D isobárica
6.3 Hidrostática
6.3.1 Princı́pios de Pascal e de Arquimedes
O princı́pio dos vasos comunicantes de Pascal e o princı́pio do empuxo de Arquimedes podem ser facilmente
obtidos como conseqüência direta da equação de Euler estacionária (6.3) para um fluido com densidade
constante. Integrando (6.3) resulta imediatamente que
p = p0 − ρgz, (6.17)
onde p0 é a pressão em z = 0. Se consideramos que o lı́quido está em contato com o ar, vide Fig. 6.1, e se
denotarmos por patm a pressão atmosférica, então podemos reescrever (6.17) em termos da profundidade
h medida a partir da superfı́cie:
Ou seja, a pressão no interior de um lı́quido em repouso só depende da profundidade h (e não da forma do
recipiente). Esse resultado é às vezes chamado de Teorema de Stevin.
Se a pressão na superfı́cie do fluido aumentar por alguma razão (por exemplo, se comprimirmos com
um pistão um dos vasos da Fig. 6.1), é claro que a expressão (6.18) permanece válida com a única mudança
que no lugar de patm devemos usar a nova pressão de referência. Isso explica o Princı́pio de Pascal dos
vasos comunicantes, o qual pode ser enunciado da seguinte forma:
Considere, por exemplo, a situação ilustrada na Fig. 6.1 onde se tem um lı́quido em repouso em um
recipiente composto de vários vasos comunicantes entre si. Então pelo princı́pio de Pascal temos que as
pressões nos pontos A, B, C e D da figura são as mesmas,
pA = pB = pC = pD ,
dado que os respectivos pontos encontram-se todos à mesma altura em relação à base do recipiente.
A eq. (6.18) também explica o princı́pio do empuxo de Arquimedes. Considere um corpo cilı́ndrico,
com base de área A, altura h e volume V = Ah, em repouso no interior de um lı́quido em equilı́brio como
ilustrado na Fig. 6.2. A força, FE , exercida pelo lı́quido sobre o corpo pode ser facilmente obtida, como
indicado abaixo:
FE = (p1 − p2 )A = ρghA = ρgV = mg, (6.19)
6.3. HIDROSTÁTICA 91
pA
h FE
pB
onde m é a massa de fluido que foi deslocada pelo corpo. A expressão (6.19) é a conhecida fórmula do
empuxo descoberta originalmente por Arquimedes. O Princı́pio de Arquimedes pode então ser enunciado
da seguinte forma:
O princı́pio de Arquimedes pode ser demonstrado rigorosamente para um objeto de forma arbitrária
(v. Cattani, p.23), mas não faremos essa discussão aqui.
onde L é a largura da parede e x′max = h/ sin β é o comprimento da parede. Após integração de (6.21)
obtem-se,
1 2
F = ρgL sin βx′max . (6.22)
2
92 CAPÍTULO 6. ESTÁTICA DE FLUIDOS
z
z
x
g
h dF
b
x
0
y x
F
p
F = pc A, (6.23)
onde pc = ρghc é a pressão manométrica no centro da parede. Logo, a força sobre uma parede plana é
igual à pressão no centro da parede vezes a sua área . Entretanto, a força não atua no centro da parede,
como veremos a seguir.
Para encontrar o ponto de atuação da força resultante devemos obter o seu respectivo momento (torque).
Vamos denotar por dM ~ o momento com respeito ao ponto O (base da barragem) de uma força dF~ exercida
pelo fluido em uma área elementar dA da parede. Lembrando que o momento M ~ de uma força F~ atuando
em um ponto ~x é dado por M ~ = ~x × F
~ , segue que no nosso caso temos
~
dM = −(x′max − x′ )x̂′ × dF~
′ ′
= (xmax − x )dF ŷ
= (x′max − x′ )p dA ŷ,
onde o eixo y está orientado para dentro da página; vide Fig. 6.3. Integrando a equação anterior, obtemos
ˆ
M = (x′max − x′ )pdA.
6.3. HIDROSTÁTICA 93
p0
p1
Fd = M
1 ′2 1
ρgL sin βxmax d = ρgL sin β x′max ,
2 6
donde segue que
1
d = x′max . (6.24)
3
Logo, o ponto de aplicação da força resultante, ou centro de pressão, está situado a uma altura H (medida
a partir da base) igual a 13 da altura h da barragem; vide Fig. 6.4
Uma superfı́cie livre tende a se curvar nas regiões de fronteira em que três fluidos se encontram, ou
em que dois fluidos entram em contato com uma superfı́cie sólida. Considere o caso em que temos uma
superfı́cie livre entre um lı́quido e um gás (digamos ar) em contato com um recipiente sólido (Fig. 6.6).
Nesse caso, a linha de interseção da superfı́cie livre com o sólido é chamada uma “linha de contato”. Na
linha de contato aparecem três tensões superficiais: C12 devido à interface lı́quido-ar, C13 devido à interface
lı́quido-sólido, e C23 devido à interface gás-sólido; vide Fig. 6.6. O equilı́brio das tensões na direção paralela
à parede exige que
onde α representa o ângulo de contato entre a superfı́cie livre e a parede sólida. Resolvendo a equação
anterior para α, obtemos
C23 − C13
cos α = . (6.26)
C12
94 CAPÍTULO 6. ESTÁTICA DE FLUIDOS
C23
linha de ar
contato
sólido
a
líquido C12
sólido C13
Figura 6.7: Gota de um lı́quido sobre uma superfı́cie sólida nos casos em que o lı́quido: (a) molha comple-
tamente, (b) molha parcialmente, ou (c) não molha o sólido.
Se C23 − C13 > C12 , o equilı́brio não pode ser atingido e o fluido vai recobrir toda a parede: dizemos
então que o lı́quido “molha completamente” o sólido. Esse é o caso, por exemplo, de água em um vidro
limpo ou petróleo em um recipiente metálico. Se 0 < C23 − C13 < C12 , o ponto de contato eleva-se até uma
certa altura determinada. Nesse caso, o ângulo de contato estará no intervalo 0 < α < π/2, e diz-se que
o lı́quido “molha parcialmente” ou simplesmente “molha” o sólido—é o que acontece, por exemplo, com
água na maioria das superfı́cies sólidas. Por outro lado, se 0 < C13 − C23 < C12 , teremos π/2 < α < π, e
diz-se que o lı́quido “não molha” o sólido. Nessa situação, o ponto de contato estará abaixo da altura que
a superfı́cie livre teria na ausência de efeitos de capilaridade, razão pela qual dizemos que lı́quido “desce” a
parede. Como exemplo desse último caso temos o mercúrio em uma superfı́cie sólida como madeira, vidro,
etc. A discussão acima se aplica também a gotas sobre uma superfı́cie sólida, como ilustrado na Fig. 6.7.
Considere agora uma superfı́cie livre lı́quido-ar semi-infinita na presença da gravidade. Suponha que a
superfı́cie livre seja descrita por uma equação da forma
z = z(x, y).
Vamos tomar z = 0 como a altura da coluna de lı́quido no limite y → ∞; vide Fig, 6.8. Como a superfı́cie
livre assume uma forma plana no limite y → ∞, temos que p(z = 0) = p0 . Para determinar a forma da
interface, aplicamos a condição (6.25):
1 1
∆p = p(z) − p0 = ρgz(x, y) = σ + .
R1 R2
6.3. HIDROSTÁTICA 95
ar
g
p0 = 0
p1 y
líquido
Por simplicidade, vamos considerar apenas o caso em que z = z(y); logo R1 = ∞ e R2 = R, onde R é o
raio de curvatura da curva z = z(y), o qual é dado por
z ′′
R−1 = , (6.27)
(1 + z ′2 )3/2
onde as linhas denotam derivadas; a dedução dessa fórmula é deixada como exercı́cio para o leitor (Exercı́cio
6). Temos então que
σ z ′′
ρgz(y) = =σ
R (1 + z ′2 )3/2
ou ainda
z ′′ z
′2 3/2
− 2 = 0, (6.28)
(1 + z ) ℓ
onde
r
σ
ℓ= .
ρg
A grandeza ℓ tem dimensão de comprimento (verifique isso), sendo denominada de comprimento de ca-
pilaridade ou comprimento de Laplace, e representa a escala tı́pica de comprimento na qual as forças de
capilaridade são importantes. Por exemplo, no caso da água, ℓ ≈ 0.3 cm. Isso explica por que efeitos de
tensão superficial na água só acontecem em escalas milimétricas.
Multiplicando (6.28) por z ′ , temos
z ′′ z ′ zz ′
− = 0,
(1 + z ′2 )3/2 ℓ2
ou
2
d 1 d z
+ = 0,
′2
dz (1 + z ) 1/2 dz 2ℓ2
96 CAPÍTULO 6. ESTÁTICA DE FLUIDOS
1 1 z2
+ = C, (6.29)
(1 + z ′2 )1/2 2 ℓ2
onde C é uma constante de integração. Para determinar C, usemos a condição de contorno no infinito: no
ponto y = ∞, tanto a função z(y) quanto a sua derivada se anulam, ou sejam z = z ′ = 0. Logo a equação
anterior caso nos dá
1+0=C ⇒ C = 1,
z 2 − 2ℓ2
dy = √ dz,
z 4ℓ2 − z 2
cuja integração resulta r
z 2
y 2ℓ
= cosh−1 − 4− + C ′, (6.31)
ℓ z ℓ
onde C ′ é outra constante de integração. Para determinar C ′ usamos a condição
z ′ (y = 0) = − cot α,
que substituı́da em (6.30) dá a altura h = z(y = 0) que o fluido sobe ao longo da parede:
h2 = 2ℓ2 (1 − sin α) .
Fazendo então y = 0 e z = h em (6.31), obtemos C ′ , de modo que o resultado final para a interface (em
forma implı́cita) é
s 2 r z 2
y −1 2ℓ −1 2ℓ h
= cosh − cosh + 4− − 4− . (6.32)
ℓ z h ℓ ℓ
Outro efeito de capilaridade interessante é a “subida” (ou “descida”) de um lı́quido através de um vaso
estreito (capilar). Para ilustrar esse efeito, considere a Fig. 6.9. No ponto P1 localizado no interior do
tubo e na altura da superfı́cie livre externa, a pressão é p1 = p0 . Por outro lado, no ponto P2 situado
imediatamente abaixo da superfı́cie livre no interior do tubo, temos p0 − p2 = σκ, onde κ é a curvatura da
superfı́cie livre no interior do tubo. Mas p1 = p2 + ρgh, logo
Se aproximarmos a superfı́cie livre dentro do tubo por uma calota esférica, temos
2
κ= , (6.34)
R
6.4. EXERCÍCIOS 97
✧☎ ✩ ✧★
✧✄
✁✂
2r
Figura 6.9: Subida de uma coluna de lı́quido no interior de um vaso capilar por efeito da tensão superficial.
Figura 6.10: Descida de uma coluna de lı́quido no interior de um capilar, quando o lı́quido não molha a
parede do tubo.
onde R é o raio da calota, o qual por sua vez depende do raio r do tubo e do ângulo de contato α através
da relação
R cos α = r. (6.35)
2σ 2ℓ2
h= cos α ⇒ h= cos α.
ρgr r
Vê-se, portanto, que a “subida” do lı́quido só será significativa se o raio do tubo for comparável ao compri-
mento de capilaridade do lı́quido. Note ainda que, se o lı́quido “não molhar” as paredes do tubo (α > 90◦ ),
então o lı́quido “desce” o tubo, como ilustrado na Fig. 6.10.
6.4 Exercı́cios
1. Verifique que no limite γ → 1 a fórmula (6.10) reduz-se à equação barométrica (6.6). Dado:
a bm
lim 1+ = eab ,
m→∞ m
98 CAPÍTULO 6. ESTÁTICA DE FLUIDOS
2. Um tanque está preenchido com um fluido até uma altura h. Na base do tanque existe um orifı́cio
que está coberto com uma tampa em forma de semi-esfera de raio r0 < h e massa M . Calcule a força
F necessária para remover a “tampa” do orifı́cio.
3. Um carro (com as janelas fechadas) acaba de cair em um rio, de modo que a pressão no seu interior
ainda é igual à pressão atmosférica p0 . A porta do carro pode ser considerada de formato retangular,
com altura a e largura b. O nı́vel de água acima do lado superior da porta é h.
a) Calcule a força F necessária para abrir a porta do carro. Considere que a força é normal à porta
e atua a uma distância 3b/4 do eixo da porta. Obtenha o valor de F para a situação em que h = 5
cm, a = 95 cm, b = 60 cm e ρ = 1 g/cm3 .
b) Até que altura z a água pode subir no interior do carro, para que uma pessoa com força muscular
FM = 500 N ainda possa ser capaz de abrir a porta.
4. Mostre que a expressão (6.23) para a força hidrostática permanece válida mesmo no caso de uma
parede plana retangular cujo lado externo não está em contato com o ar, com a diferença que pc
agora representa a pressão absoluta no centro da parede. Obtenha também o centro de pressão. para
esse caso. Note, contudo, que para sabermos a força resultante sobre a parede devemos conhecer a
pressão atuando do outro lado da parede.
5. Mostre que a expressão (6.23) permanece válida para o caso geral de uma parede plana mas não
necessariamente retangular, sendo que agora pc passa a ser a pressão na posição do centróide da
parede. Suponha por simplicidade que o outro lado da parede está em contato com o ar. Mostre
então que o centro de pressão tem como coordenadas
Iyy Ixy
x′ = xc + , y ′ = yc + ,
Axc Axc
´ 2
onde (xc , yc ) é a posição do centróide, A é a área
´ da parede, Ixx = x dA é o segundo momento da
área em torno do eixo y e analogamente Ixy = xydA.
6. Mostre que a curvatura, κ = R−1 , da curva descrita por uma equação da forma z = z(y) é dada por
z ′′
κ= .
(1 + z ′2 )3/2
7. Mostre que a altura da coluna de lı́quido que desce um vaso capilar no caso em que fluido não molha
a parede do vaso (ou seja α > 90◦ ) é dada por
2ℓ2
h= | cos α|.
r
8. Considere uma gota de um lı́quido confinada entre duas placas paralelas, sendo que o lı́quido não
molha as placas. Aplica-se uma força F sobre a placa superior, comprimindo a gota até que a
espessura h da camada de lı́quido seja bem menor que o raio a da coluna de lı́quido, conforme
ilustrado na figura. Obtenha uma expressão para a força F necessária para manter as placas no
lugar. Para o caso de um lı́quido completamente não molhante (i.e., θ = 180◦ ), qual seria a força
para manter uma gota de mercúrio de volume V = 2 mm3 formando uma coluna de raio a = 2 cm?
A tensão superficial do mercúrio com o ar é σ = 0.48 N/m.
6.4. EXERCÍCIOS 99
100 CAPÍTULO 6. ESTÁTICA DE FLUIDOS
Capı́tulo 7
Neste capı́tulo vamos discutir alguns escoamentos laminares básicos para os quais as equações de Navier-
Stokes podem ser resolvidas exatamente. Isso é possı́vel quando há um elevado grau de simetria no
problema, o que leva a uma considerável simplificação das equações diferenciais a serem resolvidas.
vx = vx (y) e vy = vz = 0. (7.1)
p = p(x). (7.2)
Como o escoamento é estacionário e não incluı́mos efeitos gravitacionais, a equação de Navier-Stokes assume
a forma
0
D~v ∂~v✁✕ ~ v = −∇p
~ + η∇2~v ,
= ✁ + ρ(~v · ∇)~
Dt ✁∂t
y
✦
x
Figura 7.1: Escoamento de Couette.
101
102 CAPÍTULO 7. ESCOAMENTOS LAMINARES: SOLUÇÕES ANALÍTICAS
ou
∂~v ∂~v ∂~v ~ + η∇2~v .
ρ vx + vy + vz = −∇p (7.3)
∂x ∂y ∂z
Em vista de (7.1) e (7.2), apenas a componente x da equação anterior resulta em uma equação não
trivial, a saber:
∂p ∂ 2 vx
0=− +η 2 ,
∂x ∂y
ou seja,
d2 vx dp
η 2
= , (7.4)
dy dx
onde passamos de derivada parciais para derivada ordinárias, dado que vx e p são funções apenas de uma
variável. Como o lado esquerdo de (7.4) é função apenas de y e o lado direito, apenas de x, a igualdade
acima só é possı́vel se ambos os lados forem iguais a uma constante, ou seja,
d2 vx
η = −k , (7.5)
dy 2
dp
= −k, (7.6)
dx
onde k é uma constante que representa um possı́vel gradiente de pressão ao longo do canal. No caso de
um cisalhamento simples, não há gradiente de pressão aplicado, logo k = 0, resultando em
dp
=0 ⇒ p = constante. (7.7)
dx
d2 vx
=0 ⇒ vx = C 1 y + C 2 , (7.8)
dy 2
onde C1 e C2 são constantes de integração a serem determinadas pelas condições de contorno do problema.
Nesse caso, temos duas condições de não deslizamento nas placas inferior e superior do canal:
vx (y = 0) = 0,
vx (y = h) = V.
vx (y = 0) = C1 = 0 ⇒ C1 = 0,
vx (y = h) = C2 h = V ⇒ C2 = V /h,
V
vx (y) = y,
h
que reproduz o perfil linear de velocidade de um cisalhamento simples já mencionado anteriormente.
7.1. ESCOAMENTOS COM SIMETRIA PLANAR 103
k 2
vx (y) = − y + C1 y + C2 .
2η
vx (y = 0) = 0 ⇒ C2 = 0 ,
vx (y = h) = 0 ⇒ C1 = kh/2η .
kh2
Vmax = vx (y = h/2) = . (7.11)
8η
A velocidade média do fluido através de uma dada seção transversal pode ser obtida a partir da expressão
h
1
ˆ
v̄ = v dy (7.12)
h 0
kh2 2
v̄ = = Vmax . (7.13)
12η 3
v ′ = 4y ′ (1 − y ′ ) , (7.16)
que é o perfil universal para o escoamento de Poiseuille bidimensional, válido para qualquer fluido newto-
niano e quaisquer que sejam as dimensões do canal.
vx = v(y), vy = vz = 0, p = p(y).
C = p0 + ρg(cos β)h,
7.1. ESCOAMENTOS COM SIMETRIA PLANAR 105
logo
p = p0 + ρg(cos β)(h − y) . (7.20)
Isso simplesmente evidencia que há um pressão hidrostática ao longo da direção normal ao plano, como
esperado, já que não escoamento nessa direção.
A integração de (7.17), por sua vez, nos dá
ρg sin β 2
v=− y + C1 y + C2 . (7.21)
2η
Como antes, as constantes C1 e C2 devem ser determinadas a partir das condições de contorno do problema.
Note, contudo, que temos apenas uma condição de não deslizamento no plano inclinado:
v(y = 0) = 0 ⇒ C2 = 0 .
Para determinar a constante C1 , precisamos de uma segunda condição de contorno. Neste caso, a condição
adicional vem do fato de que a superfı́cie y = h corresponde à interface entre o lı́quido e o ar, através da
qual o tensor das tensões deve ser contı́nuo:
T~ · ~n = T~ · ~n , (7.22)
1 2
onde tomamos o lado 1 como sendo o lado do lı́quido. Note que estamos considerando que a superfı́cie
livre é plana, logo não há efeitos de tensão superficial, o que implica a condição de contorno acima; vide
Sec. 5.5.3.
Fazendo ~n = (0, 1) e usando T~ = −pI~ + 2η E, ~ obtemos
∂vx
~ 0 ∂y
T · ~n = −p +η ,
1 0
ou seja,
∂vx ~
T~ · ~n = −p~n + η t, (7.23)
∂y
onde ~t = (1, 0) denota o versor tangente à superfı́cie. Em vista de (7.23), a componente normal da condição
de contorno (7.22) corresponde a
p1 = p2 ⇒ p(y = h) = p0 ,
que já foi usada. Por outro lado, a continuidade da componente tangencial da tensão resulta
∂vx ∂vx
η1 = η2 .
∂y 1 ∂y 2
Se consideramos que o ar está parado (ou que a ‘força de atrito’ do ar sobre o lı́quido pode ser desprezada),
o lado direito da equação anterior se anula, logo
∂vx
η =0.
∂y y=h
v ′ = y ′ (2 − y ′ ) .
Temos também nesse caso um perfil parabólico de velocidade, mas cujo máximo está no topo da camada
de lı́quido; vide Fig. 7.3.
onde f (y) é uma função complexa a ser determinada, com o entendimento que ao final devemos tomar
a parte real de (7.27) para obtermos a solução do problema. Usando (7.27) em (7.26) resulta a seguinte
equação diferencial para f (y):
d2 f ω
= ik 2 f, k2 = , (7.28)
dy 2 η
cuja solução geral é da forma
√ √
f (y) = Ae(1+i)ky/ 2
+ Be−(1+i)ky/ 2
,
onde A e B são constantes a serem determinadas pelas condições de contorno. Como f (∞) < ∞, segue
que A = 0 para evitar o crescimento exponential de f (y), logo
√
f (y) = Be−(1+i)ky/ 2
,
7.2. ESCOAMENTOS COM SIMETRIA AXIAL 107
y′
t′ = 0
v′
Figura 7.4: Distribuição de velocidade para o escoamento gerado por uma placa oscilante.
e
√ h √ i
v(y, t) = Re eiωt f (y) = Be−ky/ 2 Re eiωt−iky/ 2
√
−ky/ 2 ky
= Be cos √ − ωt .
2
y t v
y′ = p , t′ = = ωt, v′ = , (7.29)
2η/ω T /2π U
temos
′
v ′ (y ′ , t′ ) = e−y cos y ′ − t′ .
A distribuição de velocidade acima está representada na Fig. 7.4 para diferentes valores de t′ .
Pode-se mostrar que nessas coordenadas as três componentes da equação de Navier-Stokes são
( )
vφ2
∂vr ∂vr 1 ∂vr ∂vr ∂p 2 vr 2 ∂vφ
r: ρ + vr + vφ + vz − =− + η ∇ vr − 2 − 2 (7.30a)
∂t ∂r r ∂φ ∂z r ∂r r r ∂φ
∂vφ ∂vφ 1 ∂vφ ∂vφ vr vφ 1 ∂p 2 vφ 2 ∂vr
φ: ρ + vr + vφ + vz + =− + η ∇ vφ − 2 + 2 (7.30b)
∂t ∂r r ∂φ ∂z r r ∂φ r r ∂φ
∂vz ∂vz 1 ∂vz ∂vz ∂p
z: ρ + vr + vφ + vz =− + η∇2 vz , (7.30c)
∂t ∂r r ∂φ ∂z ∂z
onde ∇2 denota o laplaciano em coordenadas cilı́ndricas:
2 1 ∂ ∂ 1 ∂2 ∂2
∇ = r + 2 2+ 2 . (7.31)
r ∂r ∂r r ∂φ ∂z
A seguir, consideraremos alguns escoamentos básicos para os quais as equações acima podem ser resolvidas
exatamente.
vr = vφ = 0 , vz = vz (r) , p = p(z) .
7.2. ESCOAMENTOS COM SIMETRIA AXIAL 109
Analisando a componente z da equação de Navier-Stokes, vê-se que todos os termos do lado esquerdo de
(7.30c) se anulam, logo
∂p
0=− + η∇2 vz . (7.32)
∂z
Na equação acima apenas a parte radial do laplaciano tem contribuição não nula, já que vz é função apenas
de r, de modo que (7.32) torna-se
1 ∂ ∂vz ∂p
η r = . (7.33)
r ∂r ∂r ∂z
Como o lado esquerdo dessa equação só depende de r e o lado direito, só de z, devemos ter
dp
= −k, (7.34)
dz
1 d dvz
η r = −k, (7.35)
r dr dr
onde k representa o gradiente de pressão ao longo do duto (da esquerda para a direita), sendo dado pela
mesma expressão (7.9) obtida no escoamento de Poiseuille retangular, sedo L agora o comprimento do
duto. Rearrumando (7.35), temos
d dvz kr
r =− , (7.36)
dr dr η
que integrada uma vez resulta
dvz k
r = − r 2 + C1 , (7.37)
dr 2η
ou
dvz k C1
=− r+ . (7.38)
dr 2η r
Após uma segunda integração, obtemos
k 2
vz = − r + C1 ln r + C2 . (7.39)
4η
k 2
vz (r) = − r + C2 .
4η
A constante C2 pode ser determinada pela condição de contorno de não deslizamento sobre a parede do
tubo, ou seja,
vz (r = a) = 0 ⇒ C2 = k a2 /4η.
k 2
vz (r) = (a − r 2 ). (7.40)
4η
ka2
Vmax = vz (r = 0) ⇒ Vmax = , (7.41)
4η
110 CAPÍTULO 7. ESCOAMENTOS LAMINARES: SOLUÇÕES ANALÍTICAS
~ = 2πrdrẑ, temos
Como ~v = vz (r)ẑ e dS
ˆ a
Q= vz 2πrdr
0
2πk a
ˆ
= r(a2 − r 2 )dr,
4η 0
que após integração resulta
πka4
Q= .
8η
Se agora usarmos k como dado em (7.9), temos
πa4 ∆p
Q= , (7.43)
8ηL
que é conhecida como a lei de Hagen-Poiseuille ou apenas lei de Poiseuille. A velocidade média do fluido
através da seção transversal do tubo é
Q Q Vmax
V = = 2
= .
A πa 2
A dependência da vazão com a quarta potência do raio do tubo é verificada experimentalmente com
grande precisão; fato esse que valida tanto a equação de Navier-Stokes como a condição de contorno de
não deslizamento. A lei de Hagen-Poiseuille pode ser usada, também, para medidas da viscosidade η de
um dado fluido.
Como uma extensão natural do exemplo acima, vamos considerar a situação em que o fluido escoa entre
dois cilindros coaxiais de raios a e b, como mostrado na Fig. 7.7. Como as simetrias são as mesmas do
escoamento de Hagen-Poiseuille, então vale a solução geral da equação de Navier-Stokes dada em (7.39).
As condições de contorno nesse caso são
ka2
vz (r = a) = − + C1 ln a + C2 = 0,
4η
7.2. ESCOAMENTOS COM SIMETRIA AXIAL 111
kb2
vz (r = b) = − + C1 ln b + C2 = 0.
4η
Resolvendo as duas equações acima, obtemos
k(b2 − a2 ) k 2 (b2 − a2 ) ln b
C1 = e C2 = b −
4η ln(b/a) 4η ln(b/a)
de modo que o perfil de velocidade nesse caso é
k 2 2 2 2 ln(r/b)
vz (r) = b − r + (b − a ) . (7.44)
4η ln(b/a)
Usando essas simetrias em (7.30), vemos que apenas as componentes r e φ da equação de Navier-Stokes
resultam em equações não triviais, a saber:
vφ2 ∂p
ρ = , (7.46)
r ∂r
h vφ i
0 = η ∇ 2 vφ − 2 . (7.47)
r
A equação (7.46) expressa o balanço de forças na direção radial, indicando que o gradiente de pressão
ao longo da direção radial provê a força centrı́peta necessária para manter as partı́culas de fluido em
movimento circular uniforme.
112 CAPÍTULO 7. ESCOAMENTOS LAMINARES: SOLUÇÕES ANALÍTICAS
Para que a série acima seja zero, cada termo deve ser identicamente nulo. Logo, só haverá soluções se
ii) Escoamento irrotacional: ΩE /ΩI = (RI /RE )2 . Neste caso, a solução reduz-se a
2
ΩE RE ΩI RI2
vφ (r) = = , (7.55)
r r
que corresponde ao campo de velocidade de uma linha vórtice no eixo z. Visto no plano x-y, o
escoamento corresponde a um vórtice puntiforme na origem (às vezes chamado de um vórtice potencial
para indicar explicitamente que o escoamento é irrotacional). Note, ainda, que a solução (7.55) pode
ser estendida para toda região exterior ao cilindro interno, ou seja, podemos fazer RE → ∞ e ΩE → 0,
mantendo o produto ΩE RE 2 constante. Podemos também contrair o cilindro interno a zero, fazendo
RI → 0 e ΩI → ∞, com ΩI RI2 constante. Em outras palavras, a solução nesse caso vale pode ser
estendida para toda a região do espaço, como esperado para o caso de um vórtice potencial.
iii) Escoamento de Couette: a partir de (7.53), podemos recuperar o campo de velocidade de um
cisalhamento simples. Para isso, devemos tomar os seguintes limites:
RI → ∞, RE → ∞ , ΩI → 0, ΩE → 0, (7.56)
sujeitos às condições
RE − RI = h, ΩE RE → V, ΩI RI → 0. (7.57)
Além disso, devemos fazer
r = RI + y.
Partindo da solução (7.52), temos então
a−1
v = a1 (RI + y) + .
RI + y
Expandindo o segundo termo em série de Taylor em y, obtemos
a−1 a−1
v = a1 RI + + a1 − 2 y. (7.58)
RI RI
É possı́vel mostrar (deixamos como exercı́cio) que nos limites (7.56) e (7.57) temos
a−1
a 1 RI + = ΩI RI = 0,
RI
a−1 Ω E RE V
a1 − 2 = = ,
RI h h
V
logo a solução (7.58) torna-se v = h y, como obtido na Sec. 7.1.1.
7.3 Exercı́cios
1. Calcule o campo de velocidade para um escoamento estacionário em um canal horizontal com placas
localizadas em y = 0 e y = h, para o caso em que a placa superior move-se com velocidade V e a
placa inferior move-se com velocidade −V .
2. Considere o escoamento estacionário em um canal horizontal com placas localizadas em y = 0 e
y = h, em que a placa superior move-se com velocidade V , a placa inferior é mantida fixa, e aplica-se
um gradiente de pressão, k = ∆p/L = (p1 − p2 )/L, onde L é o comprimento do canal e p1 e p2 são
as pressões nas suas extremidades esquerda e direita, respectivamente.
a) Resolva as equações de Navier-Stokes e calcule o campo de velocidade do escoamento.
b) Esboce o perfil de velocidade correspondente. Obtenha o plano em que se dá a máxima velocidade
e determine o seu valor.
114 CAPÍTULO 7. ESCOAMENTOS LAMINARES: SOLUÇÕES ANALÍTICAS
3. Repita o problema anterior para o caso em que o canal está inclinado de um ângulo β com a horizontal,
de modo que efeitos de gravidade devem ser considerados. Esboce o perfil de velocidade para o caso
β = π/2, tomando ∆p = V = 0, e compare com o escoamento de Poiseuille usual (β = 0 e V = 0).
4. Considere o problema de um escoamento gerado por uma placa oscilante. Suponha, contudo, que o
fluido está confinado entre duas placas separadas por uma distância h, estando a placa oscilante em
y = 0 e a placa estacionária em y = h. Obtenha a distribuição de velocidade para esse caso.
5. Considere o escoamento de um fluido newtoniano em um duto formado por dois cilindros coaxiais
de raios externo e interno, a e b, respectivamente. O cilindro externo move-se com uma velocidade
constante, V , e o cilindro interno permanece fixo.
a) Usando as simetrias do problema e condições de contorno apropriadas, resolva as equações de
Navier-Stokes e obtenha o campo de velocidade do escoamento.
b) Considere agora o limite em que o raio externo aproxima-se do raio interno, ou seja, a = b + h
e r = b + y, com h ≪ b e y ≪ b. Mostre que nesse limite sua resposta reduz-se à solução para o
escoamento de Couette em um canal de altura h.
6. Repita o problema anterior para o caso em que o cilindro interno move-se com velocidade −V (man-
tendo o cilindro externo com velocidade V ) e mostre que a velocidade é vz (r) = V ln(r 2 /ab)/ln(a/b).
Analise o limite em que o raio externo aproxima-se do raio interno e mostre que o resultado do
exercı́cio 1 acima é recuperado.
7. Considere o escoamento de um fluido newtoniano em um duto coaxial formado por dois cilindros
coaxiais de raios externo e interno a e b, respectivamente, submetido a um gradiente de pressão
k = ∆p
L , onde L é o comprimento do duto e ∆p, a diferença entre as pressões na entrada e na saı́da
do mesmo.
a) Resolva as equações de Navier-Stokes para o problema e obtenha o campo de velocidade corres-
pondente dado em (7.44).
b) Considere o limite em que o raio interno vai a zero, b → 0 e mostre que (7.44) reproduz o resultado
(7.40) para o escoamento de Hagen-Poiseuille.
c) Considere agora o limite em que o raio externo aproxima-se do raio interno, ou seja, a = b + h
e r = b + y, com h ≪ b e y ≪ b. Mostre que nesse limite sua resposta reproduz a solução para o
escoamento de Poiseuille para um canal retangular de altura h.
8. Mostre que a perda de carga (vide Sec. 8.2.1) ao longo de uma linha de corrente de um escoamento
em um tubo cilı́ndrico (escoamento de Hagen-Poiseuille) de raio a e comprimento L é dado por
HL = 8ηLV /ρa2 , onde V é a velocidade média do escoamento.
10. A partir da solução para o campo de velocidade do escoamento de Taylor-Couette dado em (7.53),
determine o campo de pressão correspondente.
irrotacional (correspondendo a uma linha de vórtice ideal). Justifique por que se diz que o modelo de
Taylor representa uma linha de√ vórtice com um ‘núcleo’ que gira aproximadamente como um corpo
rı́gido e cujo raio cresce com t.
116 CAPÍTULO 7. ESCOAMENTOS LAMINARES: SOLUÇÕES ANALÍTICAS
Capı́tulo 8
Fluidos Ideais
Vimos no Cap. 5 que em um escoamento isentrópico de um fluido invı́scido, precisamos considerar apenas
as equações (5.2) e (5.5), além da equação de estado p = p(ρ, T ). Seria desejável podermos separar a
mecânica de um fluido invı́scido de sua termodinâmica. Como mostraremos a seguir, isso pode ser obtido
em dois casos de interesse.
~
∇p ~
= ∇h, (8.2)
ρ
onde
dp
ˆ
h(ρ) = . (8.3)
ρ(p)
A função h(ρ) corresponde à entalpia por unidade de massa (ou entalpia especı́fica) do fluido, como pode
ser visto se lembrarmos da termodinâmica que a entalpia é definida por H = U + pV , onde U é a energia
interna, p a pressão e V o volume. Usando a primeira lei da termodinâmica, dU = T dS − pdV , podemos
mostrar que numa transformação isentrópica (ou adiabática) temos dH = V dp. Considerando a entalpia
especifica, h = H/m, segue então que dh = dp/ρ. Em face de (8.2), vemos que a equação de Euler (5.3)
torna-se simplesmente
D~v ~ + χ).
= −∇(h (8.4)
Dt
117
118 CAPÍTULO 8. FLUIDOS IDEAIS
Mostramos assim que, de fato, em escoamentos barotrópicos o lado direito da equação de Euler corresponde
a um termos de gradiente, indicando que as forças atuando no fluido são todas forças “conservativas”
Algumas consequências importantes desse fato serão exploradas neste capı́tulo.
Antes, porém, vamos mencionar alguns exemplos de fluidos barotrópicos de interesse em aplicações
práticas, a saber:
kB T
pV = n R T ⇒ p= ρ, T = constante ,
m
onde m denota a massa da molécula do gás e kB é a constante de Boltzmann.
pV γ = C ,
onde C é uma constante e γ = Cp /CV , sendo Cp (CV ) a capacidade calorı́fica à pressão (volume)
constante.
c) gás “politrópico”:
pV α = C ,
onde α é o chamado expoente politrópico, a ser determinado empiricamente. Por exemplo, na atmosfera
terrestre, a troposfera (0 a 10 km) pode ser descrita com α ≈ 1, 2, ao passo que a estratosfera (10 m a 50
km) pode ser considerada isotérmica (α = 1).
~ v = −∇(h
~v · ∇~ ~ + χ).
~ v ] = −~v · ∇(h
~v · [~v · ∇~ ~ + χ) . (8.6)
Vê-se, portanto, que o lado esquerdo de (8.8) é uma derivada ao longo de linhas de corrente:
d 1 2
v + h + χ = 0,
ds 2
donde concluı́mos então que ao longo de uma dada linha de corrente temos
1 2
v + h + χ = C,
2
onde C é uma constante que depende da linha de corrente considerada. Dito de outra forma, entre quaisquer
dois pontos A e B ao longo de uma mesma linha de corrente estacionária (vide Fig. 8.1), verifica-se a
igualdade
1 2 1 2
v +h+χ = v +h+χ .
2 A 2 B
A relação (8.5) é conhecida como a equação de Bernoulli, em homenagem a Daniel Bernoulli (1700-
1781) que a obteve pela primeira vez. Deve-se registrar, contudo, que originalmente Bernoulli demonstrou
apenas o caso particular para escoamentos incompressı́veis, como estabelecido no corolário abaixo.
120 CAPÍTULO 8. FLUIDOS IDEAIS
v1 v2
2
1
A equação de Bernoulli na forma (8.9) expressa a conservação da energia para escoamentos invı́scidos,
incompressı́veis e estacionários. De fato, se considerarmos dois pontos A e B ao longo de uma linha de
corrente (vide Fig. 8.1), então a aplicação da equação de Bernoulli (8.9) nos dá
1 2 1 2
(pA − pB ) + ρg(zA − zB ) = ρ vB − ρ vA . (8.10)
2 2
A equação acima expressa mais claramente a conservaçao da energia: o primeiro termo do lado esquerdo
de (8.10) corresponde ao trabalho realizado pelas forças internas—representadas pela pressão apenas já
que em um fluido invı́scido não há forças dissipativas—, ao mover as partı́culas de fluido de A para B,
o segundo termo nos dá o trabalho realizado pela força externa, ao passo que o termo do lado direito
representa a variação correspondente da energia cinética (sendo todas as contribuições para o trabalho e
energia expressas por unidade de volume do fluido). É interessante observar que, como a conservação da
energia é uma conseqüência direta da segunda lei de Newton, uma relação à la Bernoulli deve valer também
para partı́culas sujeitas a forças conservativas; vide exercı́cio 1.
No curso básico de Fı́sica Geral são apresentandas várias aplicações de interesse prático da equação de
Bernoulli, tais como os tubos de Venturi e de Pitot, a fórmula de Torricelli para a velocidade na saı́da de um
orifı́cio de um reservatório, entre outras, as quais não seram revistas aqui. Vamos, entretanto, considerar
no exemplo abaixo uma aplicação da equação de Bernoulli para o cálculo de forças sobre tubulações curvas.
Exemplo 8.1. Força sobre uma tubulação com constrição. Considere uma tubulação com eixo ao longo
da horizontal mas que sofre uma constrição, como indicado na Fig. 8.2. Como vimos no exemplo 4.1, a
força F~ sobre a tubulação será F~ = −F~T , com F~T dado em (4.49). No caso da Fig. 8.2, as áreas S1 e S2
~T será ao longo da
são ao longo da direções negativa e positiva do eixo x1 , respectivamente, logo a força F
horizontal com módulo FT = F2 − F1 , logo a força F sobre a tubulação será
F = F1 − F2
= p1 S1 − p2 S2 + ρv12 S1 − ρv22 S2 . (8.11)
Usando agora a equação da continuidade
v1 S 1 = v2 S 2 ,
e a equação de Bernoulli (8.9), podemos eliminar v1 e p1 , respectivamente, de (8.11). Assim temos
S2
v1 = v2 ,
S1
8.2. TEOREMA DE BERNOULLI 121
" 2 #
1 2 S2
p1 = p2 + ρv2 1 − ,
2 S1
Exemplo 8.2. Empuxo de uma hélice. Considere uma hélice de um avião que se desloca com velocidade
constante U1 . Para efeitos de simplificação, vamos tratar a hélice como se fosse um disco. (Por essa razão,
o modelo descrito aqui é chamado da teoria do disco atuador para uma hélice.) Considere um volume de
controle no referencial do avião como representado na Fig. 8.3, onde a velocidade na região 1, situada à
montante e suficientemente longe da hélice, é igual a U1 e a velocidade na região 2 à jusante da hélice é
denotada por U2 . A ação da hélice consiste, portanto, em acelerar o ar da velocidade U1 até a velocidade
U2 . Isso cria um diferencial de pressão, ∆p = p4 − p3 , entre os dois lados do disco, gerando um empuxo
dado por
FE = ∆pA,
onde A representa a área do disco. Para calcular ∆p, vamos considerar que o fluido é incompressı́vel e
aplicar a equação de Bernoulli do ponto 1 ao ponto 3, e depois do ponto 4 ao ponto 2. Note, contudo, que
devido à ‘descontinuidade’ da pressão ao passarmos pelo disco não podemos aplicar a equação de Bernoulli
diretamente entre os pontos 1 e 2. Assim, entre os pontos 1 e 3, temos
1 1
patm + ρU12 = p3 + ρU32 ,
2 2
e similarmente entre os pontos 4 e 2
1 1
p4 + ρU42 = patm + ρU22 .
2 2
Subtraindo essas equações, e notando que a velocidade é contı́nua através do disco (U3 = U4 ), temos
1
p4 − p3 = ρ(U22 − U12 ),
2
donde segue que
ρA 2
FE = (U2 − U12 ). (8.12)
2
122 CAPÍTULO 8. FLUIDOS IDEAIS
Por outro lado, sabemos do Cap. 4 que a força resultante sobre o volume de controle mostrado na Fig. 8.3
(pensado como uma ‘tubulação curva’), pode ser escrita como
FE = ρU22 S2 − ρU12 S1
= Q(U2 − U1 ), (8.13)
onde Q = ρU S2 = ρU1 S1 é o fluxo de ar passando pela hélice. Temos ainda que Q = ρUd A, onde Ud
é a velocidade do fluido na passagem pela hélice. Logo comparando (8.13) com (8.12), concluimos que
Ud = (U2 + U1 )/2. Ou seja, a velocidade do fluido na hélice é igual à média das velocidades à montante e
à jusante.
H2 = H1 .
HL = H1 − H2
1
A origem histórica da nomenclatura head (cabeça) está ligada a moinhos de água, em que a distância vertical do topo da
roda ao espelho d’água era chamada de “cabeça” do moinho.
8.2. TEOREMA DE BERNOULLI 123
Figura 8.4: (a) Expansão brusca de um duto; em (b) duto entrando em um reservatório.
(v12 − v22 ) p1 − p2
= + + z1 − z2 . (8.15)
2g ρg
A seguir, vamos ilustrar os conceitos acima com um exemplo de cálculo de perda de carga para o caso de
uma expansão ou contração súbita de uma tubulação.
Exemplo 8.3. Perda de carga em uma expansão súbita. Considere uma expansão súbita de uma tubulação
como indicado na Fig. 8.4. Denotemos por p1 e v1 a pressão e velocidade do fluido na entrada A1 da
tubulação, e por p2 e v2 a pressão e velocidade na saı́da A2 após a expansão. Em um fluido real (i.e.,
viscoso), forma-se-á um jato na entrada da expansão que fará com que o escoamento “separa-se” da
parede, formando uma zona turbulenta próxima aos cantos da expansão brusca, conforme indicado na
figura. Mais a jusante, o escoamento “cola” novamente nas parede do tubo e voltamos a ter um escoamento
aproximadamente estacionário. Podemos supor ainda que os perfis de velocidade na entrada e na saı́da da
tubulação são aproximadamente uniformes.
Na região da expansão súbita (ponto 1′ na Fig. 8.4a), onde a área muda A1 para A2 , a pressão pode ser
tomada como igual a p1 . De fato, próximos aos cantos forma-se uma região aproximadamente estagnante
cuja pressão será próxima ao valor da pressão na região do jato, que por sua vez pode ser considerado igual
à pressão de entrada p1 . Aplicando agora a equação de balanço de momento em um volume de controle
envolvendo toda a parte expandida do tubo, temos
Note que nesse caso o fluxo de momento entrando na região expandida da tubulação dá-se somente através
da área A1 , ao passo que o fluxo de momento saindo da tubulação envolve toda a área A2 . Por outro lado,
pela equação da continuidade, temos
v1 A1 = v2 A2 ,
que inserida em (8.16) resulta
p1 − p2 = ρv2 (v2 − v1 ). (8.17)
Substituindo agora (8.17) em (8.15), e fazendo z1 = z2 , temos que a perda de carga será
Alternativamente temos
2 2
A1 v1
HL = 1 − . (8.19)
A2 2g
v12
HL = . (8.20)
2g
Esse limite corresponde ao caso que a tubulação termina em um grande reservatório, como ilustrado na
Fig. 8.4b.
Exemplo 8.4. Perda de carga em uma contração súbita. Considere agora o caso de uma contração súbita
de uma tubulação, como mostrado na Fig. 8.5. Nesse situação, a perda de carga não se deve à contração
propriamente dita mas sim à expansão que acontece um pouco mais a jusante. Forma-se então a chamada
“vena contracta” (região 1′ na figura), que é a região de menor diâmetro, maior velocidade e menor pressão.
Denotando a área da vena contracta por Ac , podemos então aplicar a fórmula (8.19), substituindo A1 por
Ac e expressando o resultado em função de v2 , o que resulta na expressão
2 2
A2 v2
HL = −1 .
Ac 2g
v22
HL = K ,
2g
onde K é o chamado coeficiente de perda de carga, sendo nesse caso dado por
2
A2
K= −1 .
Ac
O coeficiente de perda de carga deve ser determinado empiricamente, uma vez que a área Ac não é conhecida
a priori e depende da razão A2 /A1 . No limite em que A1 → ∞, verifica-se empiricamente que K = 0.5.
Esse caso corresponde a um duto saindo de um grande reservatório, situação oposta à ilustrada na Fig. 8.4b
8.3. DINÂMICA DA VORTICIDADE 125
em que temos um duto entrando no reservatório. Note, contudo, que as expressões para as respectivas
perdas de carga são idênticas nesses dois casos.
As perdas de carga podem ser substancialmente reduzidas se fizermos tubulações com expansões ou
contrações graduais, uma vez que nesse caso tende-se a reduzir a formação de zonas de recirculação,
reduzindo desse modo a separação das linhas de corrente. Frequentemente usam-se os chamados difusores
para suavizar uma expansão e bocais para suavizar contrações, como indicado na Fig. 8.6. Nesses casos
os coeficientes de perda de carga dependem da geometria, ou seja, do ângulo α, devendo ser determinados
empiricamente. Se fizermos uma variação ainda mais suave da tubulação, de modo a evitar a separação
das linhas de corrente, é possivelmente anular quase que completamente a perda de carga.
Um tubo de vorticidade é definido como o conjunto de linhas de vorticidade que passam através de uma
dada curva fechada C, como ilustrado na Fig. 8.7. Definição análoga aplica-se para tubo de corrente.
Obviamente o campo de vorticidade possui divergência nula:
~ · ~ω = 0.
∇
Algumas conseqüências importantes desse fato podem ser facilmente antecipadas se lembramos que a
condição análoga,
~ · ~v = 0,
∇ (8.22)
126 CAPÍTULO 8. FLUIDOS IDEAIS
para o campo de velocidade implica que o fluxo de massa é constante ao longo de um tubo de corrente.
Por exemplo, no caso particular em que a velocidade é constante ao longo de uma dada seção transversal
do tubo de corrente (vide Fig. 8.8), temos
A1 v1 = A2 v2 .
onde S é a superfı́cie fechada envolvendo o tubo de corrente. Como em um tubo de corrente, por definição,
o vetor ~v não atravessa as paredes laterais, ou seja, ~v · dS~ = 0 nas laterais, temos então que a equação
anterior reduz-se a ˆ ˆ
~
~v · dS + ~ = 0.
~v · dS (8.23)
A1 A2
As integrais acima são, portanto, iguais em magnitude mas com sinais opostos. A razão do sinal oposto
~ é o elemento de área orientado na direção da normal
deve-se, obviamente, à nossa convenão de que dS
8.3. DINÂMICA DA VORTICIDADE 127
~1 = ~n1 dS e dS
exterior, ou seja, dS ~2 = ~n2 dS; vide Fig. 8.8. Se, por outro lado, adotarmos a convenção
de que o vetor normal ~n seja tomado ao longo das linhas de corrente, então (8.23) implica que a vazão Q
através de qualquer seção transversal de um tubo de corrente é a mesma:
ˆ
Q≡ ~v · ~n dS = C, (8.24)
A
onde C é uma constante se o escoamento for estacionário, podendo ser no máximo uma função do tempo
caso o escoamento não seja estacionário.
A conservação do fluxo expressa em (8.24) é uma conseqüência direta da condição (8.22) para esco-
amentos incompressı́veis. O mesmo argumento aplica-se, portanto, para o campo de vorticidade, cuja
divergência é sempre nula. Assim temos que o fluxo de vorticidade através de um tubo de vorticidade é
constante ˆ
~ω · ~n dS = constante. (8.25)
A
A grandeza acima é chamada de intensidade do tubo de vorticidade e está associada, como veremos a
seguir, a uma outra quantidade importante, qual seja a circulação do campo de velocidade em torno de
uma curva.
Vamos agora considerar a taxa de variação da circulação em torno de uma curva material. Para isso, vamos
precisar do seguinte Lema.
Lema 8.1. Seja C uma curva material com pontos extremos denotados por A e B. Então
D D~v 1 2
ˆ ˆ
2
~v · d~x = · d~x + vA − vB , (8.27)
Dt C C Dt 2
onde ~vA e ~vB são as velocidades do escoamento nos respectivos pontos extremos.
A demonstração do lema acima é deixada como exercı́cio para o leitor. Note agora que se C for uma
curva fechada, o termo entre parênteses em (8.27) anula-se, logo nesse caso o lema acima implica que
D D~v
˛ ˛
~v · d~x = · d~x. (8.28)
Dt C C Dt
Suponha agora que o fluido é barotrópico, para o qual a equação de Euler pode ser escrita na forma
D~v ~ + χ),
= −∇(h
Dt
que substituı́da em (8.28) resulta
D
˛ ˛ ˛
~v · d~x = − ~ + φ) · d~x = d(h + φ) = 0.
∇(h (8.29)
Dt C C
Teorema 8.2 (Kelvin). Para um escoamento barotrópico de um fluido invı́scido sujeito a forças externas
conservativas, a circulação em torno de uma curva material é constante para todo tempo:
DΓ
= 0. (8.30)
Dt
O teorema de Kelvin implica, em particular, que se em t = 0 a vorticidade é nula em todo a região
ocupada pelo fluido, ou seja, ~ ω0 = 0, então ~ω (~x, t) = 0, para todo t > 0. Em outras palavras, se um fluido
ideal barotrópico for inicialmente irrotacional, ele permanecerá irrotacional para todo tempo posterior.
Em particular, vemos que não é possı́vel gerar vorticidade em um fluido ideal que inicialemnte estava
em repouso. No caso de um fluido real (viscoso), bastaria mover (por exemplo, girar) o recipiente que
eventualmente o fluido adquiriria alguma vorticidade. Nesse caso, a vorticidade é gerada na região de
contato com as paredes sólidas, devido aso efeitos de viscosidade (atrito). Na prática a região onde há
criação de vorticidade fica confinada em uma pequena camada próxima à superfı́cie sólida (a chamada
“camada limite”), sendo que, longe das paredes sólidas, podemos freqüentemente tratar o fluido como
invı́scido.
Pelo teorema de Stokes vemos que a circulação definida em (8.26) pode ser escrita em função da
vorticidade como ˛ ˆ
Γ= ~v · d~x = ~ω · ~n dS, (8.31)
C A
onde A é uma superfı́cie limitada pela curva C. No caso de um tubo de vorticidade em particular, vemos
que a sua intensidade corresponde exatamente à circulação do campo de velocidade em torno da curva C
que define a seção transversal A considerada. Segue, portanto, da comparação entre (8.25) e (8.31) que a
circulação em torno de uma curva enlaçando um tubo de vorticidade é sempre a mesma, independente, da
curva considerada, ou seja, a intensidade de um tubo de vorticidade é constante ao longo do tubo; vide
Fig. 8.9. Esse resultado corresponde ao chamado primeiro teorema de Helmholtz enunciado abaixo.
Teorema 8.3 (Helmholtz). A circulação de um tubo de vorticidade é constante ao longo do tubo, ou seja,
se C1 e C2 são duas curvas enlaçando um tubo de vorticidade, então
˛ ˛
~v · d~x = ~v · d~x. (8.32)
C1 C2
O chamado segundo teorema de Helmholtz garante que um tubo de vorticidade é um domı́nio material.
8.3. DINÂMICA DA VORTICIDADE 129
~ = 0 na superfı́cie A0 . Por outro lado, como Ct é uma curva material, segue pelo teorema de
pois ~ω · dS
Kelvin que DΓ ~ = 0, logo a curva
´
Dt = 0, que implica ΓCt = ΓC0 = 0. Donde concluı́mos que ΓCt = At ω ~ · dS
Ct permanece sempre sobre a superfı́cie do tubo, ou seja, um tubo de vorticidade é um tubo material.
Como uma conseqüência direta do teorema de Kelvin e do segundo teorema de Helmholtz, obtemos o
chamado terceiro teorema de Helmholtz.
Teorema 8.5 (Helmholtz). Em um escoamento barotrópico de um fluido invı́scido, a circulação (ou in-
tensidade) de um tubo de vorticidade permanece constante no tempo.
Demonstração. Considere uma curva C que enlaça o tubo de vorticidade. Pelo segundo teorema de
Helmholtz, C é uma curva material, e pelo teorema de Kelvin sua circulação é constante no tempo. Isso é
ilustrado na Fig. 8.11.
~ × ∇f
Tomando agora o rotacional e lembrando que ∇ ~ = 0, temos
∂~ω ~ × (~v × ~ω )
=∇ (8.33)
∂t
~ × ~v . A equação acima representa, portanto, a equação de Euler para a vorticidade no caso de
onde ~ω = ∇
escoamentos barotrópicos. Além disso temos a equação da continuidade
Dρ ~ · ~v = 0 .
+ ρ∇ (8.34)
Dt
Como um campo vetorial é unicamente determinado (a menos de uma constante aditiva) pelo seu rotacional
e sua divergência, seque então que as equações (8.33) e (8.34) [juntamente com as condições de contorno do
problema; vide Sec. 5.5] especificam completamente o campo de velocidades para um escoamento isentrópico
de um fluido barotrópico.
Em vista da igualdade vetorial
~ × (~a × ~b) = ~a(∇
∇ ~ · ~b) − ~b(∇
~ · ~a) + (~b · ∇)~ ~ ~b,
~ a − (~a · ∇)
temos
~ × (~v × ~
∇ ~ · ~v ) + (~ω · ∇)~
ω ) = −~ω(∇ ~ v − (~v · ∇)~
~ ω,
que substituı́da em (8.33) resulta
∂~
ω ~ ω + ~ω (∇
~ · ~v ) = (~ω · ∇)~
~ v.
+ (~v · ∇)~ (8.35)
∂t
D~
ω
Combinando os dois primeiros termos na derivada material Dt e usando a equação da continuidade (8.34)
~ · ~v , obtemos
para eliminar o termo ∇
D~ω ~ω Dρ ~ v.
− = (~ω · ∇)~
∂t ρ Dt
D 1 1 Dρ
Dividindo ambos os lados da equação acima por ρ e usando que Dt ρ = − ρ2 Dt , temos
1 D~ω D 1 ~ω ~
+ ~ω = · ∇ ~v , (8.36)
ρ Dt Dt ρ ρ
8.3. DINÂMICA DA VORTICIDADE 131
ou mais compactamente.
D ~ω ~ω ~
= · ∇ ~v . (8.37)
Dt ρ ρ
Note, em particular, que no caso de um fluı́do imcompressı́vel temos simplesmente
D~ω ~
= ~ω · ∇ ~v . (8.38)
Dt
A equação da vorticidade para fluidos barotrópicos na forma acima permite estabelecer o seguinte resultado.
~ t) o
Proposição 8.1. Suponha que (8.37) seja satisfeita em um domı́nio material Dt , e seja ~x = ~x(X,
fluxo que descreve o escoamento. Então
~
ω ~ω0 ↔
(~x, t) = · J , (8.39)
ρ ρ0
~ → ~x, ~ω0 = ~
onde Jij = ∂xj /∂Xi representa a matriz jacobiana da transformação de coordenadas X ~ 0)
ω (X,
~ 0).
e ρ0 = ρ(X,
~
ω ↔
~ · J,
=C (8.40)
ρ
ou seja,
↔
DJ ↔
~ v.
= J · ∇~
Dt
Substituindo esse resultado em (8.41) obtemos
↔ h i
~ · DJ
↔
C = ~ ·J ·∇
C ~ ~v
Dt
~ω ~
= · ∇ ~v
ρ
D(~ω /ρ)
= (8.42)
Dt
onde usamos a definição (8.40) e a equação da vorticidade (8.37). Substituindo (8.42) em (8.41) resulta
~
DC
=0 ⇒ ~ = C(
C ~ X).
~
Dt
132 CAPÍTULO 8. FLUIDOS IDEAIS
~ para uma dada partı́cula material não varia no tempo. Temos então que
Logo, o vetor C
~
ω ~ X)
↔
~ · J,
= C(
ρ
~ X)
com o vetor C( ~ sendo determiando pela condição inicial
↔
~ ~ · J0
ω0 /ρ0 = C ⇒ ~ = ~ω0 /ρ0 ,
C
↔ ↔
~ 0) = X.
onde usamos que em t = 0 a matriz jacobiana é a identidade, isto é, J 0 = I , pois ~x(X, ~
Quando (8.39) é satisfeita, dizemos que a “vorticidade é transportada pelo fluido”. A justificativa para
essa terminologia vem do fato de que ~ω varia em função do tempo da mesma forma que um elemento de
linha d~x o faz, uma vez que pela definição de J~ temos que
↔
~ · J,
d~x = dX (8.43)
O corolário acima é uma demonstração direta do resultado, já obtido em conexão com o teorema da
circulação de Kelvin, segundo o qual um fluido invı́scido permanecerá irrotacional para todo tempo se
inicialmente o escoamento era irrotacional. A equação (8.39) mostra ainda que, se o fluido, por ventura,
adquirir vorticidade (i.e., ~ ω 6= 0), então formou-se alguma superfı́cie de descontinuidade, onde alguma
↔
componente de J tornou-se infinita (ou seja, J = det[J ] = ∞). Essa situação está ilustrada na Fig. 8.12,
quando um aerofólio é colocado em movimento (em um fluido invı́scido) a partir do repouso (~ω0 = 0). (Na
presença de viscosidade, mesmo que pequena, a descontinuidade é “suavizada”, e nessa pequena região de
transição, as partı́culas de fluido rotacionam, logo há vorticidade.) Na prática, a linha de descontinuidade
torna-se instável (a chamada instabilidade de Kelvin-Helmholtz) e começa a se curvar, produzindo vórtices
no interior do fluido (Fig. 8.13).
Note ainda que o teorema da circulação de Kelvin não se aplica, se a curva C cruza uma superfı́cie de
descontinuidade, como é o caso das curvas C1 e C2 na Fig. 8.14. Entretanto, para uma curva enlaçando
tanto o aerofólio quanto o vórtice produzido, como a curva C na Fig. 8.14, a circulação é nula.
Considere uma curva C que enlaça o obstáculo sólido, como mostrada na Fig. 8.15. Imagine agora que
dividimos a curva C em duas curvas fechadas, conforme indicado na figura da direita da Fig. 8.15. Por
hipótese, o escoamento é irrotacional, logo a circulação em torno de cada uma dessas curvas (que estão
completamente imersas no fluido) é zero. Ou seja,
ˆ ˆ ˆ ˆ
~v · d~x + ~v · d~x + ~v · d~x + ~v · d~x = 0, (8.44)
C1 C2 C3 C4
com o mesmo valendo para as curvas Ci′ . Se o campo de velocidade for contı́nuo em C4 e C2 , então as
circulações em C2 e C2′ (e em C4 e C4′ ), são iguais em magnitude e de sinais opostos. Portanto, se somarmos
os termos de (10.31) com a equação correspondente para as curvas Ci′ , obtemos
˛ ˛
~v · d~x + ~v · d~x = 0, (8.45)
C CS
onde C = C1 + C1′ nos dá a curva original e CS = C3 + C3′ é uma curva junto à parede do sólido. Note que
a orientação de CS é contrária àquela de C. Se adotarmos como convenção uma orientação anti-horária
ou seja, a circulação é a mesma para qualquer curva C. Como CS é uma curva material, temos pelo
teorema de Kelvin que ‰
ΓC = ~v · d~x = constante, (8.47)
C
para qualquer curva C que enlaça o sólido.
Note que, rigorosamente, o argumento acima só se aplica em duas dimensões (ou se o sólido for um
cilindro infinitamente longo), quando faz sentido falar em uma curva que “enlaça” o sólido. Entretanto,
o resultado obtido pode ser usado (embora de maneira aproximada) para estudarmos o problema de um
longo aerofólio (e.g., uma asa de avião), como será discutido oportunamente.
A equação (8.47) nos dá uma versão particular do teorema de Lagrange: se não há circulação em torno
de um sólido em t = 0, não haverá tampouco circulação para t > 0. Como a circulação em torno de
um aerofólio dá origem à força de sustentação, o fato de um avião decolar (a partir do repouso) parece
violar o teorema de Lagrange. O problema é que nesse caso (em um fluido aproximadamente invı́scido)
desenvolvem-se superfı́cies de descontinuidades, e portanto a dedução que levou a (8.46) não se aplica. Por
isso, uma curva que enlaça apenas o sólido (mas não o vórtice gerado, vide figura na subseção anterior)
possui circulação não nula; ao passo que uma curva que enlaça ambos, sólido e vórtice, não possui circulação,
pois, nesse caso, vale (8.47).
um tubo de vorticidade que foi esticado infinitamente até se reduzir a uma única linha, ao longo da qual
toda a vorticidade do tubo ficou concentrada. Tal como acontece para um tubo de vorticidade, uma linha
de vórtice também é caracterizada pela sua intensidade (strength), a qual corresponde à circulação Γ em
torno de qualquer curva C que enlaça a linha de vórtice:
˛
Γ= ~v · d~x.
C
(Pela discussão da seção anterior, segue que a quantidade Γ é bem definida para uma linha de vórtice
infinita.)
No caso de uma linha de vórtice retilı́nea, como mostrado na Fig. 8.17, podemos facilmente calcular a
“velocidade induzida” pela linha vórtice. Por simetria, o campo de velocidade (em coordenadas cilı́ndricas)
deve ser da forma
vr = 0, vφ = vφ (r), vz = 0,
ou seja, ~v está contido no plano normal à linha de vórtice e as linhas de corrente são cı́rculos concêntricos.
Logo, ˛ ˆ
Γ = ~v · d~x = vφ dℓ = vφ · 2πr,
com a integral sendo feita sobre uma superfı́cie definida por uma circuito enlaçando o fio.
No caso de fluidos temos ∇ ~ × ~v = ~
ω , logo a lei de Biot-Savart (8.49) assume a forma
1 ~ω (~x′ ) × ~r 3 ′
ˆ
ω (~x) =
~ d ~x . (8.52)
4π r3
No caso em que a vorticidade está confinada a uma linha de vórtice C, temos que a circulação da linha de
vórtice é arbitrária é ˆ
Γ= ~
~ω · dS, (8.53)
S
de modo que a lei de Biot-Savart (8.50) para uma linha de vórtices pode ser escrita como
Γ d~x′ × ~r
ˆ
~v (~x) = . (8.54)
4π C r3
8.4 Exercı́cios
1. Considere uma partı́cula de massa m movendo-se sob a ação de uma força conservativa da forma
F~ = −m∇χ,
~ onde χ é uma função conhecida. Mostre que a quantidade
1 2
v +χ
2
é constante ao longo de trajetórias da partı́cula. Sugestão: a partir da segunda lei de Newton,
decomponha a aceleração em suas componentes tangente e normal à trajetória (respectivamente, as
acelerações ‘translacional’ e ‘centrı́peta’), e então repita o procedimento usado na dedução do teorema
8.1. Note ainda que nesse caso podemos usar o próprio tempo t como a variável que parametriza a
curva da trajetória.
3. Mostre que a força de um jato sobre um anteparo perpendicular dada em (4.46) pode ser escrita como
a pressão máxima (no ponto de estaganação junto à placa) vezes uma área equivalente ao dobro da
seção transversal do jato.
4. Considere o problema de um jato incidindo sobre uma placa inclinada, conforme mostrado na Fig. 4.4.
a) Obtenha a expressão (4.47) para a força sobre a placa.
b) Mostre que o torque resultante sobre a placa é
1
Tz = ρU 2 L(l22 − l32 ) ,
2
onde L é a largura do jato e li , com i = 1, 2, 3, a espessura do mesmo na secção Si , tal que Si = Lli .
5. Mostre que a força de empuxo produzido por um foguete estacionário é dada por
VB
p¥ B p0
h g
t V
9. Calcule a velocidade induzida por uma linha de vórtice retilı́nea de tamanho finito. Expresse sua
resposta em função da distância r do ponto P à linha de vórtice e dos ângulos ϕ1 e ϕ2 que as linhas
que ligam as extremidades da linha de vórtice ao ponto P fazem com o eixo z (definido como sendo
ao longo da direção da linha de vórtice). A partir da sua solução, obtenha a expressão (8.48) para o
caso particular de uma linha de vórtice infinita.
Capı́tulo 9
Escoamentos Irrotacionais
Tridimensionais
de modo que
~ × ~vI = 0
∇ e ~ · ~vR = 0.
∇
determinados (pelo menos formalmente) como soluções das equações diferenciais (9.2) e (9.3), sujeitas às
condições de contorno pertinentes ao problema.
As equações (9.2) e (9.3) podem ser resolvidas formalmente pelo método da função de Green. Aqui,
entretanto, vamos fazer uma discussão mais simplificada a partir da analogia com o Eletromagnetismo.
Por exemplo, a equação análoga à (9.2) na eletrostática é a lei de Gauss, que em sua forma diferencial lê-se
~ 2φ = ρ ,
∇ (9.4)
ǫ0
139
140 CAPÍTULO 9. ESCOAMENTOS IRROTACIONAIS TRIDIMENSIONAIS
onde ρ é a densidade de carga e φ é o potencial elétrico, a partir do qual o campo elétrico pode ser calculado
como E~ = −∇φ.~ A solução de (9.4) é da forma
1 ρ(x~′ )
ˆ
φ(~x) = dV ′ , (9.5)
4πǫ0 V′ |~x − x~′ |
sendo a integral sobre a região V ′ onde há distribuição de carga elétrica. De modo análogo, vemos que a
solução formal de (9.2) é
1
ˆ ~ · ~v )(x~′ )
(∇
φ(~x) = − dV ′ , (9.6)
4π V ′ |~x − x~′ |
onde a integração é sobre a região V ′ onde há fontes e sorvedouros, na qual a divergência de ~v é não nula.
Note que o sinal negativo em (9.6), em comparação com (9.5), vem do fato de que o potencial elétrico é
definido tal que que o campo elétrico é o negativo do gradiente do potencial (vide acima), ao passo que em
mecânica dos fluidos adota-se a convenção contrária: ~vI = ∇φ.~
O potencial vetor A ~ também pode ser obtido como a solução formal da eq. (9.3). De fato, se escolhermos
o chamado calibre de Coulomb, em que ∇ ~ ·A~ = 0, então A~ também satisfaz a equação de Poisson:
~ = −~ω ,
∇2 A (9.7)
cuja solução é
~ x) = 1 ~ω (x~′ )
ˆ
A(~ dV ′ , (9.8)
4π V′ ~
|~x − x | ′
sendo a integração sobre o volume V ′ onde há ‘fontes’ de vorticidade. Em particular, se a vorticidade
estiver concentrada em uma linha, então, quando tomarmos o rotacional da expressão anterior, obtém-se
o seguinte resultado para a componente solenoidal do campo de velocidade
Γ dx~′ × ~r
ˆ
~vR (~x) = , (9.9)
4π C′ r3
onde a integração dá-se sobre a linha de vórtice, sendo Γ a sua circulação e r = |~x − x~′ |. A expressão
(9.9) é a conhecida (e já mencionada) lei de Biot-Savart. No caso geral em que a vorticidade ~ω não está
confinada a uma linha, deve-se usar (9.8), que por extensão também é chamada lei de Biot-Savart.
ω ~ × ~v = 0.
~ =∇
Nesse caso não há componente solenoidal, ou seja, ~vR ≡ 0, logo o campo de velocidade ~v (~x, t) pode ser
obtido simplesmente como o gradiente de um potencial escalar
~
~v = ∇φ, (9.10)
sendo φ(~x, t) conhecido como o potencial de velocidade. Por essa razão, escoamentos irrotacionais são
também chamados de escoamentos potenciais. Lembrando da propriedade ∇ ~ × (∇φ)
~ = 0, vemos imediata-
mente que (9.10) implica, de fato, que ∇ × ~v = 0.
9.3. TEOREMA DE BERNOULLI PARA ESCOAMENTOS IRROTACIONAIS 141
Para um escoamento potencial genérico, devemos suplementar (9.10) com a equação da continuidade.
Entretanto, no caso especial de um fluido incompressı́vel, a equação da continuidade torna-se simplesmente
~ · ~v = 0,
∇ (9.11)
que substituı́da em (9.10) resulta
~ · ∇φ
∇ ~ = ∇2 φ = 0 . (9.12)
Temos assim que para escoamentos irrotacionais incompreensı́veis o potencial φ obedece a equação de La-
place, cujas oluções são chamadas de funções harmônicas. Nesse caso, φ pode ser determinado de maneira
única (a menos de uma constante aditiva irrelevante), dadas as condições de contorno nas fronteiras do
domı́nio ocupado pelo fluido; vide Sec. 9.4 Escoamentos potenciais possuem várias propriedades importan-
tes que exploraremos no restante do capı́tulo para o caso de escoamentos tridimensionais. Escoamentos
potenciais planares serão discutidos no próximo capı́tulo.
∂F ~ · ∇F
~ = 0.
+ ∇φ
∂t
No caso de um fluido invı́scido temos apenas uma condição de contorno dinâmica, correspondendo à
continuidade da componente normal da tensão (ou seja, pressão) em uma superfı́cie livre, como discutido
no Cap. 5. Consideremos, por simplicidade, o caso em que do outro lado da superfı́cie livre há um gás
(digamos, ar) à pressão constante p0 , que tomamos com pressão de referência (p0 = 0). Temos então que
a pressão do fluido na superfı́cie é p = σκ, logo a equação de Bernoulli resulta na seguinte condição de
contorno para o potencial de velocidade
∂φ σκ 1 ~ 2
+ + gz + |∇φ| = c(t), em F (~x, t) = 0,
∂t ρ 2
onde c(t) é uma função arbitrária do tempo. A equação acima é chamada às vezes de condição de contorno
de Bernoulli.
Se o fluido ocupar um domı́nio D limitado e simplesmente conexo, e se a velocidade V ~ na fronteira ∂D
for conhecida, então o potencial φ é solução do chamado problema de Neumann:
∇2 φ = 0 em D (9.18)
∂φ ~ · n̂
=V em ∂D . (9.19)
∂n
~ é solução da equação
Por outro lado, se φ é solução do problema acima, então é fácil mostrar que ~v = ∇φ
estacionária de Euler:
~ v = −∇p
ρ(~v · ∇)~ ~
~ · ~v = 0
∇
~ · ~n
~v · ~n = V em ∂D ,
onde
1
p = − ρv 2 .
2
Podemos agora estabelecer um resultado interessante para escoamentos potenciais confinados por fron-
teiras rı́gidas.
1
Seção opcional.
9.4. ESCOAMENTOS IRROTACIONAIS INCOMPRESSÍVEIS: PROPRIEDADES GERAIS 143
Teorema 9.1. Para um escoamento irrotacional, incompressı́vel e invı́scido em um domı́nio limitado por
paredes sólidas em repouso, então o fluido também está em repouso.
~ · (φ∇φ)
φ∇2 φ = ∇ ~ − (∇φ)
~ 2.
Como ∇2 φ = 0, em D, temos:
ˆ ˆ h i
0 = φ∇2 φdV = ∇~ · (φ∇φ)
~ − |∇φ|
~ 2 dV
˛D ˆ h i
= ~
(φ∇φ) · ~ndS − ~ 2 dV ,
|∇φ|
∂D D
O argumento acima pode ser modificado para mostrar alguns resultados adicionais.
Corolário ~ a velocidade em ∂D, então ~v (mas não φ) é unicamente determinado se, e somente
9.1. Seja V
¸
se, ∂D Vn dS = 0.
∂φ
ˆ ˆ ˆ ˆ
0= 2
∇ φdV = ~ ~
∇ · (∇φ)dV = dS = ~ · ~n dS .
V
D D ∂D ∂n ∂D
Teorema 9.2 (Teorema de mı́nima energia de Kelvin). Seja ~v = ∇φ ~ um escoamento irrotacional satisfa-
zendo à condição ~v · ~n = Vn , em ∂D; e seja ~u um outro escoamento incompressı́vel qualquer satisfazendo
à mesma condição de contorno em ∂D. Então ~v possui a menor energia cinética.
1
ˆ
Kv − Ku = ρ ~v 2 − ~u 2
2
ˆ D
1 2
= ρ (~v − ~u) · ~v − (~v − ~u) dV .
2
144 CAPÍTULO 9. ESCOAMENTOS IRROTACIONAIS TRIDIMENSIONAIS
~n✘
✿0
˛
= ρ φ✘~✘· ✘
(w ) dS
∂D
= 0
Logo
Kv ≤ Ku .
Dizemos então que um escoamento potencial minimiza a energia cinética entre todos os possı́veis escoa-
mentos incompressı́veis que satisfazem às condições de contorno na fronteira.
dr dθ
= vr , r = vθ ,
ds ds
ou seja
dr r dθ
=
vr vθ
−vθ dr + r vr dθ = 0 . (9.24)
∂ψ ∂ψ
−r sin θ vθ dr + r 2 sin θ vr dθ = dr + dθ = dψ = 0 ,
∂r ∂θ
ψ(r, θ) = constante.
Da mesma forma que φ(r, θ) = constante são superfı́cies equipotenciais, as superfı́cies em que ψ(r, θ) =
constante correspondem a tubos de corrente
onde d~ = 2~a representa a separação entre o sorvedouro e a fonte, vemos de (9.27) que o potencial de um
dipolo pode ser escrito de maneira geral (sem fazer referência a um sistema de coordenadas especı́fico)
como
m
~ · ~x
φ=− .
4πr 3
Tal como no eletromagnetismo, adotamos a convenção de que o sentido do vetor d, ~ e portanto do momento
de dipolo m,
~ é do sorvedouro (‘carga negativa’) para a fonte (‘carga positiva’). Tomando o gradiente do
potencial acima, pode-se facilmente mostrar que o campo de velocidade de um dipolo pode ser escrito da
forma
3(m
~ · x̂)x̂ − m
~
~v = .
4πr 3
É comum alinharmos o eixo z com o momento de dipolo m.
~ Com essa escolha temos
m
φ=− cos θ,
4πr 2
cujo campo de velocidade é
∂φ m
=
vr = cos θ,
∂r 2πr 3
1 ∂φ m
vθ = = sin θ.
r ∂θ 4πr 3
As linhas de corrente e curvas equipotenciais de um dipolo em três dimensões estão ilustradas na Fig. 9.4.
148 CAPÍTULO 9. ESCOAMENTOS IRROTACIONAIS TRIDIMENSIONAIS
1 ∂φ
vθ = = V∞ sin θ. (9.30)
r ∂θ
Com base puramente em argumentos fı́sicos, concluı́mos que deve haver um ponto de estagnação, para
o qual ~v = 0, ao longo do eixo z a uma certa distância r0 à frente da fonte. Nesse ponto, o campo de
velocidade da fonte cancela exatamente a velocidade V∞ do fluxo incidente. Para determinar o valor de
r0 , façamos vr (θ = π) = 0 em (9.29):
Q
vr (θ = π) = −V∞ + = 0,
4πr02
logo
r
Q
r0 = . (9.31)
4πV∞
Um diagrama das linhas de corrente para esse escoamento está indicado na Fig. 9.5. Note que a linha
de corrente (no plano da figura) que passa pelo ponto de estagnação representa uma curva separatriz: não
há fluxo de partı́culas através da superfı́cie de revolução Σ gerada a partir dessa curva. Em outras palavras,
todo o fluxo injetado pela fonte permanece no interior da superfı́cie Σ, e da mesma forma todo o fluido que
9.7. PRINCÍPIO DA SUPERPOSIÇÃO: APLICAÇÕES 149
r0
A
V∞ z
Figura 9.5: Escoamento produzido por um escoamento uniforme na presença de uma fonte.
A V∞ = Q =⇒ πR2 V∞ = Q,
donde
r
Q
R= = 2r0 .
π V∞
A forma da separatriz Σ pode ser determinada analiticamente a partir da função de corrente de Stokes.
Da definição da função de corrente dada em (11.12), temos
∂ψ
= r 2 sin θvr
∂θ
∂ψ
= −r sin θvθ .
∂r
Usando (9.29) e (9.30) nas expressões acima, obtemos
∂ψ
= V∞ r sin2 θ (9.32)
∂r
∂ψ Q
= V∞ r 2 sin θ cos θ + sin θ. (9.33)
∂θ 4π
Integrando a segunda equação, temos
1 Q
ψ(r, θ) = V∞ r 2 sin2 θ − cos θ + f (r),
2 4π
onde f (r) é uma função a ser determinada. Em vista de (9.32), temos
∂ψ
= V∞ r sin2 θ + f ′ (r) = V∞ r sin2 θ,
∂r
donde concluı́mos que f ′ (r) = 0, ou seja f (r) = C, onde C é uma constante. Sem perda de generalidade
podemos fazer C = 0, já que a função de corrente (assim como o potencial φ) é definida a menos de uma
constante aditiva. Temos assim que
1 Q
ψ(r, θ) = V∞ r 2 sin2 θ − cos θ .
2 4π
150 CAPÍTULO 9. ESCOAMENTOS IRROTACIONAIS TRIDIMENSIONAIS
m
!
Entretanto, não precisamos fazer a integração acima para nos convencer de que a força sobre Σ é zero. De
fato, todo o trabalho da força exercida pela fonte é ‘usado’ para gerar o fluxo de momento (ρV∞2 πR2 = ρQ)
do fluido no interior do cilindro à jusante da fonte. Logo, a fonte não exerce nenhuma força sobre Σ e
portanto o fluido exterior tampouco exerce força sobre o fluido interior (isto é, sobre Σ). Desse argumento
concluı́mos que
Fz = 0.
Fisicamente, isso decorre do fato de que a força exercida sobre Σ na região π < θ < θmin é exatamente
contrabalançada pela força (na direção oposta) exercida na região 0 < θ < θmin .
9 2
v2 r=a
= vθ2 r=a
= V∞ sin2 θ.
4
Logo, a pressão ao longo da esfera é
1 2 1 2 9
p(a, θ) = ρ(V∞ − v2 ) 2
= ρV∞ 1 − sin θ .
2 r=a 2 4
Como o campo de pressão acima é simétrico em relação a θ/2, isto é, p(a, π/2 + θ) = p(a, π/2 − θ), então
é claro que a força resultante na direção do fluxo incidente é zero. [A componente perpendicular da força
também é zero devido à simetria em torno do eixo z.] Concluı́mos, portanto, que a força resultante sobre
uma esfera sólida, devido ao fluxo incidente, é nulo.
F~ = 0.
Esse fato, aparentemente contra-intuitivo (mas lembre que nossa intuição é baseada em fluidos viscosos),
é conhecido como o paradoxo de D’Alembert.
Note que, sobre a superfı́cie da esfera, as partı́culas de fluido aceleram a partir de v = 0 em θ = π até a
velocidade máxima vmax = 32 V∞ , em θ = π/2; e depois desaceleram até novamente v = 0 em θ = 0. Note,
ainda, que, do ponto de vista energético, a energia cinética máxima em θ = π/2 é exatamente suficiente
para vencer o trabalho negativo realizado pelo campo de pressão para θ > π/2, de modo que a partı́cula
de fluido atinge o ponto posterior (θ = 0) com velocidade nula (e daı́ é acelerada ao longo do eixo z até
atingir V∞ em r = ∞). No caso de um fluido viscoso, há dissipação ao longo da superfı́cie da esfera, de
modo que a energia cinética alcançada em θ = π/2 não é suficiente para “vencer”o campo de pressão, e a
partı́cula “desloca”da esfera em algum ponto 0 < θ = θ0 < π/2.
Note que, no caso de um fluido viscoso, a parte posterior da esfera (θ ≈ 0) não mais contém um ponto
de estagnação (ao passo que θ = π continua sendo um). Como v > 0, nessa região, é claro que a pressão aı́
será menor que na parte anterior (θ ≈ π). Logo haverá uma força resultante não nula ao longo do eixo z.
Note que essa força é devida, apenas, ao gradiente de pressão resultante. (Além disso, haverá uma força
de arrasto viscoso, conforme previsto pela Lei de Stokes.)
9.8. PARADOXO DE D’ALEMBERT 153
Teorema 9.3 (D’Alembert). Para escoamentos potenciais incompressı́veis em torno de um obstáculo sólido
em três dimensões com uma velocidade constante V no infinito, não pode haver força resultante sobre o
obstáculo.
Demonstração. Seja Σ a superfı́cie do sólido. Então Σ pode ser ‘obtida’ como a separatriz resultante da
superposição do fluxo uniforme com uma dada distribuição (geralmente contı́nua) de pontos de injeção de
fluido localizada no interior de Σ, seja ρ̃(~x) a “densidade de fonte”correspondente à distribuição necessária
para gerar Σ. Então o potencial resultante será:
1 ρ(x~′ )
ˆ
φ = V∞ r cos θ + dV ′ , (9.39)
4π V′ |~x − x~′ |
onde a integral é sobre a região V ′ no interior de Σ em que há fonte/sorvedouro. A integral acima é análoga
ao potencial elétrico gerado por uma distribuição de carga e pode ser expandida em potências de 1/r, para
r → ∞, correspondendo aos termos de monopolo (fonte), dipolo, quadrupolo, etc. É claro que a vazão V̇
resultante injetada no interior de Σ é zero, já que Σ é uma superfı́cie fechada. Isso nos diz que não pode
haver termo de monopólo; logo o primeiro termo da expansão em 1/r pode, no máximo, corresponder a
154 CAPÍTULO 9. ESCOAMENTOS IRROTACIONAIS TRIDIMENSIONAIS
Como frequentemente acontece nesses casos, não há nada paradoxal no paradoxo de D’Alembert. Se
houvesse força sobre o sólido, então o sólido responderia com a mesma força (sentido oposto) sobre o
fluido. Logo, para mantermos o escoamento, seria necessária a ação de uma força externa (no infinito)
sobre o fluido. Isso significa que energia seria injetada no sistema. Como um fluido invı́scido não dissipa
energia, haveria um aumento contı́nuo e indefinido da energia cinética do fluido, o que fisicamente não é
possı́vel. Portanto, o paradoxo de D’Alembert pode ser visto como uma mera consequência da conservação
da energia no contexto de fluidos invı́scidos.
9.9. MASSA VIRTUAL 155
Então para manter a esfera em movimento, precisamos de uma força externa F~ext tal que
dV 2
M = Fext + Fx = Fext − ρ π R3 V̇ ,
dt 3
que pode ser escrita como
dV
(M ′ + M ′ ) = Fext , (9.42)
dt
156 CAPÍTULO 9. ESCOAMENTOS IRROTACIONAIS TRIDIMENSIONAIS
onde
2
M′ = ρ π R3 .
3
A equação (9.42) seria a lei de Newton para uma esfera em movimento. Vemos, então, que a força externa
deve acelerar não só o sólido (de massa M ) mas também uma porção de fluido de massa M ′ . Por isso, M ′
é conhecida como a massa virtual ou massa adicional. Efeitos de massa virtual são importantes em muitas
aplicações em que há lâminas ou placas vibrando em um fluido.
9.10 Exercı́cios
1. Mostre que as superfı́cies equipotenciais [φ(~x) = constante] e as linhas de corrente [ψ(~x) = constante]
sempre interceptam-se em ângulo reto. Nesse problema use a definição para ψ(r, θ) em coordenadas
esféricas. [Pode-se mostrar, contudo, que esse fato é verdade em qualquer caso; por exemplo, para
ψ(z, R) e ψ(x, y) definidas no problema 2 abaixo.]
2. a) A função de corrente de Stokes, ψ(z, R), para escoamentos axissimétricos em coordenadas cilı́ndricas
∂ψ
(z, R), onde R é o raio polar (no eixo xy), é definida tal que vz = R1 ∂R e vR = − R1 ∂ψ
∂z . Mostre que
com essa escolha a condição de incompressibilidade é satisfeita automaticamente.
b) No caso de escoamentos planares a função de corrente, ψ(x, y), é definida da seguinte forma:
∂ψ ∂ψ
∂y = vx e ∂x = −vy . Verifique que essa definição garante a incompressibilidade do escoamento.
5. Mostre que no caso do escoamento uniforme na presença de uma fonte o campo de pressão sobre
a separatriz é p(θ) = − 18 (1 − cos θ)(1 + 3 cos θ). Determine então o ponto de máxima velocidade e
mı́nima pressão, e os valores correspondentes para vmax e pmin .
b) Faça um diagrama qualitativo ilustrando o padrão esperado para as linhas de correntes desse
escoamento. Identifique em seu diagrama a superfı́cie Σ de separação do escoamento.
c) Obtenha a função de corrente, ψ(z, R), em coordenadas cilı́ndricas.
d) Obtenha equação da superfı́cie Σ correspondendo ao tubo de corrente passando pelos pontos de
estagnação, ou seja, ψ(z, R) = 0. Essa superfı́cie é conhecida como o corpo de Rankine ou a ovoide
de Rankine. Faça z = 0 na equação para Σ e obtenha a equação que determina o raio máximo, Rmax ,
da ovoide.
7. No problema de massa virtual, mostre que o trabalho realizado sobre o fluido é exatamente igual à
energia cinética contida no escoamento dipolar.
158 CAPÍTULO 9. ESCOAMENTOS IRROTACIONAIS TRIDIMENSIONAIS
Capı́tulo 10
Em duas dimensões, o estudo de escoamentos potenciais conta com uma poderosa ferramenta: a análise
complexa ou teoria de funções de uma variável complexa. Portanto, vamos começar este capı́tulo com uma
breve revisão de análise complexa.
159
160 CAPÍTULO 10. ESCOAMENTOS POTENCIAIS BIDIMENSIONAIS
que são as famosas equações de Cauchy-Riemann. É possı́vel mostrar, também, que se u e v satisfazem às
equações de Cauchy-Riemann, então f (z) = u + iv possui derivada. Uma vez definida a derivada de uma
função de uma variável complexa, vamos relembrar o conceito de funções analı́ticas.
Definição 10.1. Uma função f (z) de uma variável complexa é dita analı́tica no ponto z0 se possuir
derivada em z0 e em todos os pontos de uma vizinhança de z0 suficientemente pequena.
Se uma função f (z) é analı́tica em uma dada região D, exceto em um subconjunto S de pontos, os
pontos de S são chamados de pontos singulares ou simplesmente singularidades da função. Em um ponto
singular, a função ou uma de suas derivadas tipicamente divergem. Se a função é singular em um ponto z0 ,
mas é analı́tica em todos os demais pontos de uma vizinhança de z0 , então z0 é dito ser uma singularidade
isolada. Por exemplo, z = 0 é uma singularidade isolada da função f (z) = 1/z.
Vimos acima que as equações de Cauchy-Riemann são uma condição necessária e suficiente para ana-
liticidade. Outra consequência importante das equações de Cauchy-Riemann é que elas implicam que as
funções u e v são soluções da equação de Laplace. De fato, derivando a primeira equação de (10.5) em
relação a x e a segunda em relação a y, temos
logo
∂2u ∂2v
∇2 u = + =0.
∂x2 ∂y 2
Argumento semelhante mostra o mesmo para v: ∇2 v = 0. Funções que são soluções da equação de Laplace
são ditas harmônicas. Logo, se f (z) = u + iv é analı́tica, então u e v são harmônicas. Em duas dimensões,
a maneira mais conveniente de encontrarmos uma solução da equação de Lapalce (que satisfaz a certas
condições de contorno) é procurando a função analı́tica correspondente, e depois tomar sua parte real (ou
imaginária).
É possı́vel definir também integrais complexas da forma:
ˆ z2
f (z)dz .
z1
Entretanto, como a variável de integração z “vive”no plano complexo, é necessário especificar o contorno
ou trajetória ou caminho no plano C conectando os pontos extremos z1 e z2 . São as chamadas integrais de
contorno ou de trajetória, denotadas como ˆ
f (z)dz ,
C
onde C é uma curva no plano complexo ao longo da qual se faz a integração. Dois resultados importantes
da análise complexa são o teorema de Cauchy e a fórmula de Cauchy, apresentados abaixo.
Teorema 10.1. Se f (z) é analı́tica no interior de uma curva C fechada simples (i.e., que não se auto-
intercepta), então,
˛
f (z)dz = 0 , (teorema de Cauchy)
f (z)
˛
dz = 2πi f (z0 ) , (fórmula de Cauchy) (10.6)
c z − z0
É fácil verificar que a função ψ corresponde exatamente à função de corrente de Stokes definida anterior-
mente. De fato, pelas equações de Cauchy-Riemann, temos:
∂ψ ∂φ
=− = −vy (10.8)
∂x ∂y
∂ψ ∂φ
= = vx . (10.9)
∂y ∂x
Em termos da função de corrente o campo de velocidade pode ser escrito da seguinte forma
~ × ẑ .
~v = ∇ψ (10.10)
Portanto, em 2D, podemos determinar o campo de velocidade tanto a partir do gradiente do potencial φ
como do gradiente da função de corrente ψ via a equação acima.
Outra interpretação fı́sica para ψ pode ser obtida da seguinte forma. Considere o fluxo de fluido entre
dois pontos A e B situados em linhas de corrente distintas:
ˆ B
V̇ = ~v · ~nds ,
A
onde V̇ denota o volume (i.e., área) que passa por unidade de tempo através de uma curva C conectando
os pontos A e B, sendo s o comprimento de arco ao longo dessa curva. Os vetores unitários tangencial e
normal à curva são
~t = dx , dy e ~n =
dy
,−
dx
, (10.11)
ds ds ds ds
onde s é o comprimento de arco da curva. Então
ˆ B B
dy dx
ˆ
V̇ = ~v · ~n ds = vx − vy ds
A A ds ds
ˆ B ˆ B
∂ψ ∂ψ
= (vx dy − vy dx) = dy + dx
A A ∂y ∂x
ˆ B
= dψ = ψB − ψA .
A
Portanto, o fluxo de volume (área) cruzando qualquer caminho ligando dois pontos quaisquer em duas
linhas de corrente distintas é igual à diferença ∆ψ entre os respectivos valores da função de corrente.
Note ainda que
dφ ∂ψ ∂φ ∂ψ
w′ (z) = +i = −i ,
dx ∂x ∂x ∂y
onde usamos as equações de Cauchy-Riemann. Temos então que
w′ (z) = vx − ivy , (10.12)
Figura 10.1: Linhas de corrente (linhas contı́nuas) e equipotenciais (linhas pontilhadas) de um escoamento
uniforme.
φ = V x = V r cos θ,
onde θ é o ângulo polar formado entre o raio vetor ~x e o eixo x. Claramente, neste caso, temos
w(z) = V z. (10.13)
No caso mais geral em que a velocidade está em uma direção arbitrária, ou seja, V ~ = (Vx , Vy ) =
~ |(cos α, sin α), onde α é o ângulo de V
|V ~ com o eixo x (vide Fig. 10.1), o potencial complexo assume a mesma
forma dada (10.13), mas agora V é a velocidade complexa do escoamento uniforme: V = Vx −iVy = |V ~ |e−iα ,
ou seja,
w(z) = V z = |V ~ |e−iα z . (10.14)
Figura 10.2: Linhas de corrente (linhas contı́nuas) e equipotenciais (curvas pontilhadas) de uma fonte e de
um sorvedouro.
Figura 10.3: Linhas de corrente (curvas contı́nuas) e equipotenciais (linhas pontilhadas) de um vórtice
puntiforme.
O potencial complexo de uma fonte pode ser obtido diretamente por inspeção de (10.15):
Q
w(z) = ln z . (10.17)
2π
De fato, fazendo z = reiθ , obtemos
Q Q
φ(r, θ) = ln r e ψ(r, θ) = θ. (10.18)
2π 2π
Como as linhas de corrente são são curvas de nı́veis da função de corrente ψ, ou seja, ψ(r, θ) = constante,
vemos que as linhas de corrente de uma fonte são raios (θ = const.) emanando da origem, ao passo que
as equipotenciais são cı́rculos concêntricos (r = const.). Para uma fonte localizada em uma posição z0 o
potencial complexo torna-se
Q
w(z) = ln(z − z0 ) . (10.19)
2π
10.3.4 Dipolo
O potencial complexo de um dipolo pode ser obtido como a derivada do potencial da fonte. Para ver isso,
considere uma fonte na posição dz = dx e um sorvedouro na origem, resultando no potencial
Q
w(z) = [ln(z − dz) − ln z]
2π
Qdz ln z − ln(z − dz)
=−
2π dz
m d
=− ln z
2π dz
m y m sin θ
ψ= 2 2
= . (10.25)
2π x + y 2π r
As linhas de corrente são obtidas fazendo-se
m y
ψ = =C ⇒ x2 + y 2 = 2αy
2π x + y 2
2
donde obtemos
x2 + (y − α)2 = α2 , α = const.
Logo, as linhas de corrente são cı́rculos tangentes à origem com centro no eixo y. Da mesma forma,
verifica-se que os equipotenciais são cı́rculos tangentes à origem com centro sobre o eixo x.
Considere agora um dipolo apontando em uma direção arbitrária definida pelo ângulo α em relação ao
eixo x, em que o momento de dipolo é m ~ = m(cos α x̂ + sin θ ŷ). O potencial complexo para esse caso pode
ser obtido simplesmente fazendo-se em (10.23) uma rotação de coordenadas z → e−iα z, que resulta
meiα
w(z) = − . (10.26)
2πz
10.4. ESCOAMENTO EM CANTOS E QUINAS 165
Figura 10.4: Linhas de corrente (curvas contı́nuas) e equipotenciais (curvas pontilhadas) de um dipolo.
w′ = vx − ivy = az α−1
1
Temos dois casos a considerar: i) α ≥ 1 e ii) 2 < α < 1.
i) α ≥ 1: escoamento em cantos.
Nesse caso o ponto z = 0 é sempre um ponto de estagnação. Os diversos casos especı́ficos estão
ilustrados na Fig. 10.5. Note em particular que o caso α = 2 representaria o escoamento em um canto
‘reto’, mas como o eixo y é uma linha de corrente, o escoamento pode ser ‘refletido’ para a esquerda,
como mostrado na figura acima; esse caso representa, portanto, o escoamento tı́pico em torno de um
ponto de estagnação sobre uma separatriz.
1
ii) 2 < α < 1: escoamento em uma quina.
Nesse caso, a velocidade complexa é singular na origem, pois w′ (z) = az α−1 diverge para z → 0 quando
α < 1. Essa singularidade em z = 0 (onde v → ∞) é necessária para forçar o fluido a “fazer a curva”
166 CAPÍTULO 10. ESCOAMENTOS POTENCIAIS BIDIMENSIONAIS
em torno da quina, do contrário, o fluido tenderia a seguir em frente. Note, em particular, que o caso
√
α = 1/2, para o qual w(z) = 2a z, representa o escoamento em torno de uma placa (bidimensional);
vide Fig. 10.6.
Im w = 0 , em |z| = 1 . (10.29)
onde f (z) deve ser uma função analı́tica em |z| > 1 e decair a zero no infinito: f (z) → 0 para |z| → ∞.
Devemos agora satisfazer a condição (10.29). Para tanto, note que sobre o cı́rculo unitário temos z = eiθ ,
logo o complexo conjugado de z é
1
z̄ = eiθ = e−iθ = iθ ,
e
ou seja,
1
z̄ = , em |z| = 1 .
z
A partir da relação acima vê-se que podemos satisfazer a condição (10.29) se escolhermos f (z) = V z̄ em
|z| = 1, resultando
1
w(z) = V (z + z) = V z + em |z| = 1 . (10.31)
z
De fato, nesse caso temos w(z) = 2V x, logo Im w = 0 em |z| = 1.
Ora, mas w(z) dado em (10.31) representa uma função analı́tica sobre o cı́rculo unitário. Logo, por
continuação analı́tica, essa função também é analı́tica no exterior do cı́rculo unitário (|z| > 1), além de
satisfazer a condição de contorno no infinito. Em outras palavras, a função w(z) em (10.31) é a solução
desejada. Dessa forma concluı́mos que o escoamento resultante da superposição de um escoamento uniforme
incidindo sobre o disco unitário é descrito pelo potencial complexo
1
w(z) = V z + . (10.32)
z
O argumento acima pode ser facilmente estendido para o caso de um disco de raio a qualquer, e o leitor
verificará que o potencial complexo no caso geral é
a2
w(z) = V z + . (10.33)
z
A equação acima é um caso particular de um resultado mais geral, conhecido como o teorema do cı́rculo.
Teorema 10.2. Seja f (z) uma função qualquer analı́tica em todo plano complexo. Então
a 2
w(z) = f (z) + f¯( ) (10.34)
z
é o potencial complexo para um escoamento no exterior do cı́rculo de raio a. Se f (z) possuir singularidades
isoladas no exterior do cı́rculo, então w(z) é um potencial complexo com as mesmas singularidades de f (z)
em |z| > a.
Na fórmula (10.34), f¯(z) denota a função conjugada de f (z) definida por
f¯(z) = f (z) . (10.35)
Deixamos a demonstração do teorema acima a cargo do leitor; basta repetir o argumento que levou a
(10.33) e verificar que Im w = 0 em z = aeiθ . Que w(z) possui as mesmas singularidades de f (z) é óbvio,
já que as singularidades de f¯(a2 /z) estão em um domı́nio não acessı́vel ao fluido (|z| < a).
onde escrevemos o termo do vórtice em função de z/a para que o argumento do logarı́timo seja adimensional.
Fazendo z = r eiθ , temos
r
a2 Γ a2 Γ
w = V∞ r + cos θ + θ + i V∞ r − sin θ − ln .
z 2π r 2π a
Logo,
a2 Γ
φ(r, θ) = V∞ r+ cos θ + θ
r 2π
que resulta no campo de velocidade
∂φ a2 1 ∂φ a2 Γ
vr = = V∞ 1 − cos θ , vθ = = −V∞ 1 + 2 sin θ + .
∂r r r ∂θ r 2πr
donde q
y 0 = a CΓ + CΓ2 −1 ,
onde a segunda raiz foi descartada pois representa um ponto de estagnação na região não fı́sica, ou seja,
y0 < a.
Considere agora o caso em que a velocidade do fluxo incidente faz um ângulo α com o eixo x. O
potencial correspondente pode ser obtido imediatamente de (10.36) por uma simples transformação de
variáveis. [Além da simplicidade, esse procedimento serve como um primeiro exemplo para ilustrar a
10.6. ESCOAMENTOS COM CIRCULAÇÃO 169
aplicação de transformações conformes para gerar novas soluções a partir de escoamentos conhecidos,
tópico esse que será bastante explorado na próxima seção.] No caso em questão, basta efetuarmos uma
rotação ζ = z eiα que transforma a situação original no plano z (fluxo incidindo ao longo do eixo x) na
situação desejada (no plano ζ) em que a velocidade no infinito forma um ângulo α com o eixo real; vide
Fig. 10.9.
Figura 10.9: Escoamentos com circulação em torno de um disco com ângulo de ataque α > 0.
W (ζ) = w(e−iα ζ)
2
−iα
−iα iα a Γ ζe
= V∞ e ζ + e + ln . (10.37)
ζ 2πi a
O método acima pode ser generalizado para o caso em que queremos um escoamento em torno de um
dado objeto. Nesse caso, basta encontrar a transformação z = f (ζ) que transforma o cı́rculo no plano ζ
no corpo B desejado, como ilustrado na Fig. 10.10. O potencial complexo no plano z é obtido a partir do
potencial W (ζ) para o escoamento em torno do cı́rculo fazendo a transformação inversa, ζ = f −1 (z), ou
seja,
Figura 10.10: Escoamentos com circulação em torno de um sólido obtido via transformação conforme.
Para uma dada forma B, nem sempre é possı́vel encontrar a transformação desejada (embora o teorema
de Riemann assegura que ela existe). Por isso, na prática, frequentemente trabalhamos na ordem inversa:
170 CAPÍTULO 10. ESCOAMENTOS POTENCIAIS BIDIMENSIONAIS
consideramos transformações cujas propriedades são conhecidas (ou fáceis de determinar) e nos pergutamos
quais delas geram escoamentos de interesse. Uma dessas transformações é a chamada transformação de
Joukwoski.
ρ
˛
M = − Re [w′ (z)]2 z dz , (10.40)
2 ∂B
logo
˛ ˛
Fx = − p dy , Fy = p dx . (10.41)
∂B ∂B
Então
˛
Fx − iFy = − p(dy + idx)
˛
= −i p(dx − idy)
˛
= −i p dz̄ . (10.42)
∂B
10.7. TEOREMAS DE BLASIUS E DE KUTTA-JOUKWOSKI 171
dψ = 0 em ∂B ⇒ dw = dφ em ∂B , (10.45)
Mas
x dx + y dy = Re[z dz̄] ,
como leitor pode facilmente verificar. Então
˛
M = Re pzdz̄ ,
∂B
F~ = −ρΓV ~n , (10.46)
~ | e ~n é a direção normal a V
onde Γ é a circulação em torno de B, V = |V ~.
Demonstração. Como w′ (z) é analı́tica no exterior de B e deve aproximar-se de uma constante quando
z → ∞, então ela pode ser expandida em uma série de potências na variável 1/z:
a−1 a−2
w′ (z) = V + + 2 + ··· , (10.47)
z z
onde V = U∞ − iV∞ é a velocidade complexa no infinito. A expansão acima em potências negativas z é
conhecida como uma série de Laurent. Elevando (10.47) ao quadrado, resulta
A integral fechada sobre o termo constante obviamente é zero. Da mesma forma as integrais zdzn , com
¸
n > 1, também são zero, como pode ser verificado por integração direta. Então o único termo com
contribuição não nula é o termo 1/z, logo
dz
˛
Fx − iFy = iρV a−1 . (10.49)
∂B z
A integral acima pode ser obtida imediatamente da fórmula de Cauchy. Entretanto, podemos calcuá-la
diretamente. Nesse caso, usamos o fato de que a integral sobre um cı́rculo C enlaçando B produz o mesmo
resultado que a integral sobre ∂B:
dz dz
˛ ˛
= .
∂B z C z
Mas
vx dx + vy dy = Re [w′ (z)dz] ,
logo ˛
Γ = Re w′ (z)dz .
∂B
10.8. TRANSFORMAÇÃO DE JOUKWOSKI E TEORIA DE AEROFÓLIOS 173
Usando (10.47) e o argumento anterior, vemos que a única contribuição não-nula vem do termo 1/z, que,
em vista de (10.50), resulta
logo
Como o fluxo de volume longe do objeto é nulo (por hipótese, temos apenas um fluxo incidente sobre um
corpo sólido), então
[Dito de outra forma, a condição (10.54) diz que não há fontes no exterior de B.] Inserindo (10.55) em
(10.51), obtemos finalmente
Fx − iFy = iρ V Γ = i ρ Γ(U∞ − iV∞ ) ,
logo
Fx = ρ Γ V∞ e Fy = −ρ Γ U∞ ,
que corresponde à expressão (10.46), como desejado.
Note que o paradoxo de D’Alembert continua válido no sentido de que não há força de arrasto sobre
o corpo B. De fato, a demonstração do teorema de Kutta-Joukwoski assemelha-se àquela do paradoxo
de D’Alembert dado no capı́tulo anterior. A diferença é que em 3D não pode haver circulação, pois
qualquer curva fechada pode ser continuamente deformada até um ponto, logo não há força de sustentação,
implicando o paraxodo de D’Alembert: a força total é zero.
logo ζ = ±1 são pontos crı́ticos. Por outro lado, a velocidade complexa no plano z é
dw dW dζ Wζ
w′ (z) = = = , (10.58)
dz dζ dz zζ
onde usamos o subı́ndice ζ para denotar derivadas. Vemos, assim, que o domı́nio a ser escolhido no plano
ζ deve evitar os pontos crı́ticos, uma vez que a velocidade complexa w′ (z) seria infinita nas imagens desses
pontos. Ou seja, os pontos crı́ticos do mapa z = f (ζ) representam, em geral, singularidades para w′ (z) e,
portanto, devem estar fora do domı́nio fı́sico. A única exceção é se o ponto crı́tico corresponder também
a um zero da derivada Wζ , de modo a cancelar o zero de zζ , vide (10.58), resultando assim em uma
velocidade finita w′ (z), como veremos em um exemplo abaixo. A seguir vamos discutir alguns escoamentos
de interesse que podem ser gerados a partir da transformação de Joukwoski.
i) Escoamento sobre uma haste inclinada. A transformação (10.56) leva o cı́rculo unitário |z| = 1
em um segmento de reta de comprimento 2|b| que forma um ângulo γ = arg(b) com o eixo real, conforme
mostrado na Fig. 10.11.
que para 0 ≤ θ ≤ 2π corresponde a um segmento de reto de comprimento 2b, centrado na origem e inclinado
de um ângulo γ = arg(b) em relação ao eixo real. Se agora escolhermos no plano ζ um potencial W (ζ) na
forma (10.37) com a = 1,
−iα iα 1 Γ
W (ζ) = V e ζ + e + ln(e−iα ζ), (10.59)
ζ 2πi
então no plano z a velocidade no infinito é
Wζ 2V e−iα
w′ (z) = ≈ , |z| → ∞.
zζ b
Se fizermos b = d e−iα , com d real, obtemos w′ (z) ≈ 2V /d. No plano z, o potencial (10.59) corresponde,
portanto, a um escoamento uniforme com velocidade V∞ = 2V /d na direção x incidindo sobre uma ‘haste’
(i.e. um segmento de reta) inclinada de um ângulo −α; vide Fig. 10.12.
10.8. TRANSFORMAÇÃO DE JOUKWOSKI E TEORIA DE AEROFÓLIOS 175
d 1
z = −i ζ+ . (10.61)
2 ζ
Note que, no caso acima, os pontos singulares ζ = ±1 correspondem aos extremos da haste, nos quais a
velocidade vai a infinito. Podemos evitar isso (pelo menos em um dos pontos) se considerarmos escoamentos
com circulação com uma escolha apropriada de Γ. Retornando ao potencial (10.59), obtemos
dV∞ −iα eiα Γ
Wζ = e − 2 + ,
2 ζ 2πiζ
176 CAPÍTULO 10. ESCOAMENTOS POTENCIAIS BIDIMENSIONAIS
onde fizemos V = dV∞ /2. Devemos agora escolher Γ de modo que ζ = 1 seja um zero de Wζ :
dV∞ −iα iΓ
Wζ (ζ = 1) = (e − eiα ) − = 0,
2 2π
donde obtemos
Γ = −2πd V∞ sin α . (10.63)
Com essa escolha, o leitor pode verificar que a velocidade w′ (z) = Wζ /zζ resulta finita em ζ = 1, pois o
zero em ζ = 1 no numerador cancela o respectivo pólo simples no denominador. A equação (10.63), que
garante que o ponto de estagnação posterior coincide com a extremidade da haste, é conhecida como a
condição de Kutta. O escoamento resultante nesse caso está ilustrado na Fig. 10.14.
Figura 10.14: Escoamento passando por uma placa inclinada satisfazendo a condição de Kutta.
ii) Escoamento em torno de uma elipse. Cı́rculos de raio a > 1 centrados na origem são mapeados
por (10.56) em elipses; vide Fig. 10.15. De fato, nesse caso o cı́rculo ζ = aeiθ é levado na curva
b iθ 1 −iθ
z = x + iy = ae + e
2 a
b 1 1
= a+ cos θ + i a − sin θ
2 a a
ou seja
x2 y2
b2 1 2
+ b2 1 2
= 1,
4 (a + a ) 4 (a − a )
que é uma elipse com o semi-eixo menor ao longo do eixo y. Por exemplo, o escoamento (sem circulação)
em torno de uma elipse (com b = 2) é descrito pelo potencial
W (ζ) = V∞ (ζ + a2 /ζ)
z = ζ + 1/ζ
V∞ h p i
w(z) = (1 + a)z + (1 − a) z 2 − 4 .
2
O escoamento resultante nesse caso está ilustrado na Fig.10.16
10.8. TRANSFORMAÇÃO DE JOUKWOSKI E TEORIA DE AEROFÓLIOS 177
Figura 10.15: Transformação de Joukowski para um cı́rculo de raio maior que 1 com centro na origem.
iii) Obstáculos assimétricos. Cı́rculos de raio a > 1 com centro deslocado da origem são mapeados em
figuras assimétricas, como ilustrado na Fig. 10.17.
iv) Aerofólio de Joukowski. Cı́rculos de raio a > 1 passando pelo ponto ζ = 1 são mapeados em
“aerofólios”; vide Fig. 10.18. Nesse caso, devemos fazer no potencial (10.59) uma translação, ζ → ζ − ζ0 ,
onde ζ0 é o centro do cı́rculo:
−iα
|b| a2 Γ e
W (ζ) = V∞ e−iα (ζ − ζ0 ) + eiα + ln (ζ − ζ0 ) . (10.64)
2 ζ − ζ0 2πi a
Aqui fizemos mais uma vez V = |b|V∞ /2, de modo que V∞ /2 representa a velocidade em z = ∞. Devemos
agora ajustar Γ de modo que Wζ = 0 em ζ = 1. Para simplificar a notação vamos introduzir o ângulo β:
ζ0 = 1 − a e−iβ .
A fórmula (10.65) generaliza a condição de Kutta (10.63) obtida anteriormente para a = 1, |b| = d e β = 0.
O escoamento correspondente está ilustrado na Fig. 10.19.
A força de sustentação sobre o aerofólio é obtida substituindo-se (10.65) na fórmula de Kutta-Joukowski
(10.46):
2
F = 2π ρ |a|b V∞ sin(α + β) . (10.66)
178 CAPÍTULO 10. ESCOAMENTOS POTENCIAIS BIDIMENSIONAIS
Figura 10.17: Transformação de Joukowski para um cı́rculo de raio maior que 1 com centro deslocado da
origem.
Figura 10.18: Transformação de Joukowski para um cı́rculo de raio maior que 1 passando por ζ = 1.
Perceba o importante fato, do ponto de vista prático, de que a força de sustentação vai com o quadrado
da velocidade. Note ainda que a força de sustentação cresce com o ângulo de ataque α até atingir o valor
máximo para o ângulo α = π/2 − β. Na prática, a força de sustentação satura bem antes do previsto pela
teoria. Isso se deve à separação da camada limite na parte superior do aerofólio; vide Fig. 10.20.
αi
onde K é uma constante a ser determinada a posteriori. A justificativa para o fator (ζ − ξi ) π −1 na derivada
f ′ (ζ) é que ao cruzarmos uma singularidade ξi ao longo do eixo real ξ, andamos de um ângulo de −π. Mas
10.9. TRANSFORMAÇÃO DE SCHWARZ-CHRISTOFFEL 179
df αi
zζ = ≈ C (ζ − ζi ) π −1 , ζ → ζi
dζ
temos αi
z ≈ C ′ (ζ − ζi ) π , ζ → ζi .
Portanto, ao “saltarmos” de um ângulo −π sobre a singularidade ζi , estaremos girando no plano z de
αi
π (−π) = −αi , que é a variação angular desejada no vértice i; vide figura. Integrando (10.67) temos
ˆ ζ n
Y αi
z = f (ζ) = K (ζ − ξi ) π −1 dζ + C . (10.68)
ζ0 i=1
O ponto inicial ζ0 da integração pode ser escolhido arbitrariamente; depois devemos determinar as cons-
tantes K e C apropriadamente. A constante C controla a posição do polı́gono no plano z, já que representa
uma mera translação, ao passo que a constante K fixa a escala e a orientação do polı́gono. É importante
ressaltar que pelo teorema de Riemann temos “três de graus de liberdade” à nossa disposição. Por exem-
plo, podemos escolher arbitrariamente três vértices zk , zℓ , zm para serem mapeados em ξk = ∞, ξℓ = 0
e ξm = 1. Frequentemente, a geometria do problema em questão sugere a melhor escolha. A fórmula de
Schwarz-Christoffel permanece válida também no caso de “polı́gonos degenerados”, que são aqueles em que
um dos vértices está em z = ∞.
Como um exemplo, considere o problema de um escoamento potencial sobre uma parede sólida plana
com um degrau de altura h, como ilustrado na Fig. 10.21. Como a parede sólida é uma linha de corrente
com ψ = 0, concluimos que o domı́nio no plano w do potencial complexo corresponde simplesmente ao
semiplano superior. Logo o mapa w = W (ζ), do plano ζ para o plano w, é uma função linear de ζ:
W (ζ) = K1 ζ, (10.69)
180 CAPÍTULO 10. ESCOAMENTOS POTENCIAIS BIDIMENSIONAIS
z h
z1 = 0
Figura 10.21: Escoamento passando por um degrau.
O domı́nio no plano ζ está ilustrado na Fig. 10.22. A fórmula de Schwarz-Christoffel nesse caso nos dá
s
df ζ −1
zζ = = K(ζ + 1)1/2 (ζ − 1)1/2 = K , (10.70)
dζ ζ +1
donde obtemos
ˆ s
ζ −1
z = f (ζ) = K dζ + C .
ζ +1
Para determinar as constantes K e C, usamos as seguintes condições de contorno (vide Figs. 10.21 e 10.22):
f (1) = ih ⇒ 0 + C = ih ⇒ C = ih,
f (−1) = 0 ⇒ −K ln(−1) + C = 0, ⇒ K = h/π .
ξ2 = −1 , ξ3 = +1 , ξ4 = ν
α2 = π/2 , α3 = 3π/2 , α4 = 0,
donde
ˆ s
ζ − 1 dζ
z =f (ζ) = K +C .
ζ +1 ζ −ν
ou " r √ p !#
p 1 ν−1 ν2 − 1 ζ 2 − 1 + νζ − 1
z = f (ζ) = K ln(ζ + ζ 2 − 1) − ln √ p +C ,
2 ν+1 ν2 − 1 ζ 2 − 1 − νζ + 1
182 CAPÍTULO 10. ESCOAMENTOS POTENCIAIS BIDIMENSIONAIS
onde usamos que tanh−1 x = 21 ln x+1
x−1 .
As constantes C, K e ν são determinadas a partir de três condições de contorno. Primeiro temos que
f (−1) = 0, logo
" r #
1 ν−1
f (−1) = K ln(−1) − ln (−1) + C = 0,
2 ν+1
onde usamos que ln(−1) = ln(eiπ ) = iπ. Como segunda condição de contorno temos f (1) = ih, que resulta
" r #
1 ν−1
iπK − + C = ih. (10.77)
2 ν+1
A terceira condição de contorno pode ser determinada analisando o comportamento de f (ζ) ao cruzarmos
o ponto ξ4 = ν. De fato, para ζ ≈ ν, temos
r r
′ ν−1 1 ν−1
f (ζ) ≈ K ⇒ f (ζ) ≈ K ln(ζ − ν) .
ν+1 ζ −ν ν+1
Mas quando cruzamos do ponto D para o ponto E, o argumento de (ξ − ν) varia de −π, ao passo que ∆z
varia de i(L − h); vide figura. Logo
r r
ν−1 −iπ ν−1
∆z = i(L − h) = K ln e = −iπK ,
ν+1 ν+1
ou
r
ν−1
πK = L − h. (10.78)
ν+1
Resolvendo (10.76), (10.77) e (10.78), obtemos
r
L 1 ν−1 L−h
K=− , C = i (L + h), = . (10.79)
π 2 ν+1 L
Assim a solução final é
" !#
L p L−h νζ − 1 1
z = f (ζ) = − ln(ζ + ζ 2 − 1) − tanh−1 √ p + i (L + h) . (10.80)
π L ν2 − 1 ζ2 − 1 2
É possı́vel mostrar que no limite em que L → ∞, ou seja, ν → ∞, a expressão (10.80) reproduz (10.71),
como esperado. Entretanto esse é um cálculo um pouco delicado, sendo preciso expandir o segundo termo
dentro de colchetes até a ordem 1/L, pois o termo de ordem zero se anula, e não será mostrado aqui. Um
cálculo alternativo pode ser feito a partir de (10.75). Nesse caso, fazendo ν → ∞ temos,
s
′ −K ζ −1
f (ζ) = . (10.81)
ν ζ +1
Mas r
ν−1 1 − 1/ν p 1 ν−1
= ≈ (1 − 1/ν) (1 − 1/ν) = 1 − = , ν→∞
ν+1 1 + 1/ν ν ν
10.10. EXERCÍCIOS 183
e
L−h L/h − 1
=
L L/h
e igualando essas duas expressões, temos
L−h L hν
=ν ou L = hν , ν→∞. Então K=− =− , ν→∞
L π π
que substituı́do em (10.81) nos dá
s
h ζ−1
f ′ (ζ) = . (10.82)
π ζ+1
10.10 Exercı́cios
1. Verifique para o caso de um vórtice puntiforme a relação (10.22).
2. Verifique a partir de (10.26) que o potencial de um dipolo em 2D pode ser escrito como
m
~ · ~x
φ(~x) = − .
r2
3. Considere um escoamento quadrático produzido por um multipolo de ordem 2 no infinito, isto é,
w(z) ≈ bz 2 , |z| → ∞, incidindo sobre um disco de raio unitário; vide Fig. 10.23. Obtenha o potencial
complexo desse escoamento e determine a imagem correspondente do multipolo no infinito.
5. Analise o escoamento descrito pelo potencial complexo w(z) = z −α , com α > 0. Esboce as linhas de
corrente para os casos particulares: i) α = 2, ii) α = 1, iii) α = 2/3, e iv) α = 1/2.
184 CAPÍTULO 10. ESCOAMENTOS POTENCIAIS BIDIMENSIONAIS
6. Use o teorema do cı́rculo para obter o potencial complexo correspondendo ao escoamento gerado por
uma fonte de intensidade Q colocada em z = b, na presença de um disco sólido de raio a < b centrado
na origem. Mostre que o potencial resultante corresponde à superposição dos potenciais da fonte
original e de uma ‘fonte imagem’ situada no interior do disco. Determine a posição e intensidade da
fonte imagem.
7. a) Use o teorema do cı́rculo para obter o potencial complexo correspondendo ao escoamento (em 2D)
gerado por um dipolo de momento m ~ = mx̂ localizado em z = b, na presença de um disco sólido de
raio a < b centrado na origem.
b) Mostre que, exceto por uma constante aditiva, o potencial resultante corresponde à superposição
dos potenciais devidos ao dipolo original e a um “dipolo imagem” situado no interior do disco.
Determine a posição z = b′ e momento m ~ ′ do dipolo imagem.
c) Esboce as linhas de corrente do escoamento acima.
9. a) Use o teorema do cı́rculo para obter o potencial complexo correspondendo ao escoamento gerado
por um escoamento uniforme na presença de um disco unitário e de um par de vórtice e antivórtice,
de intensidade ±Γ, localizados em z = z0 e z = z0 , respectivamente.
b) Esboce as linhas de corrente do escoamento acima.
10. Vamos considerar aqui, sob a ótica da transformação de Schwarz-Christoffel, o problema discutido
na Sec. 10.8 de um escoamento uniforme com velocidade V na direção x incidindo sobre uma haste
vertical de comprimento 2d com centro na origem. Devido à simetria do problema é necessário con-
siderar apenas a região de fluido no semiplano superior.
a) A partir da fórmula de Schwarz-Christoffel determine a função z = f (ζ) que mapeia o semiplano
superior do plano complexo ζ na região ocupada pelo fluido no plano z.
b) Calcule o potencial W (ζ) e use a resposta do item anterior para obter o potencial complexo w(z).
Verifique que sua resposta reproduz o resultado (10.62).
c) Obtenha a função de corrente ψ(x, y) do escoamento e verifique que a fronteira sólida, corres-
pondendo ao eixo real, y = 0, e à haste, x = 0, 0 ≤ y ≤ d, é de fato uma linha de corrente (i.e.,
ψ = constante).
11. Obtenha a função z = f (ζ) dada em (10.73), correspondendo ao escoamento sobre uma parede sólida
com um degrau para baixo.
mas identifique se as constantes presentes são reais ou puramente imaginárias e indique como fazer
para determiná-las. Calcule qual deve ser o potencial W (ζ) para que no plano z a velocidade no
infinito seja V∞ .
186 CAPÍTULO 10. ESCOAMENTOS POTENCIAIS BIDIMENSIONAIS
Capı́tulo 11
Escoamentos Lentos
Neste capı́tulo vamos considerar escoamentos em que o fluido move-se “muito lentamente”, ou seja, quando
o número de Reynolds é muito baixo, de modo que podemos desprezar os termos não lineares das equações
de Navier-Stokes—essa é a chamada aproximação de Stokes. Escoamentos de Stokes são importantes em
muitas aplicações em fı́sica, engenharia e biologia. Uma aplicação muito conhecida é a força de arrasto
de um fluido viscoso sobre a esfera, cuja expressão é dada pela chamada lei de Stokes, a ser discutida
na Sec. 11.1.3. Outra situação em que a aproximação de Stokes é importante é para escoamentos na
chamada célula de Hele-Shaw, onde os fluidos estão confinados entre duas placas paralelas separadas por
uma pequena distância, sistema esse que será discutido na Sec. 11.3
Escoamentos que obedecem à equação acima são, em geral, conhecidos como escoamentos de Stokes.
Outra justificativa para aproximação de Stokes pode ser dada a partir da equação de Navier-Stokes em
forma adimensional. Vimos no Cap. 5, que se introduzirmos grandezas adimensionais,
xi vi t
x′i = , vi′ = , t′ = , (11.3)
L U (L/U )
187
188 CAPÍTULO 11. ESCOAMENTOS LENTOS
D v~′ ~ ′ + 1 ∇2 v~′ .
′
= −∇p
Dt Re
Essa forma adimensional da equação de Navier-Stokes é útil para o caso de escoamentos com número de
Reynolds muito elevado, Re ≫ 1, pois nesse limite os efeitos viscosos podem ser desprezados e obtemos
a equação de Euler. Entretanto, essa forma adimensional da equação de Navier-Stokes não é apropriada
no limite de baixos números de Reynolds, pois nesse caso as forças inerciais tornam-se desprezı́veis. Logo
devemos procurar uma forma adimensional em que o termo de inércia, corresppondendo ao lado esquerdo
da equação de Navier-Stokes, seja multiplicado por um fator pequeno.
Nesse caso a unidade caracterı́stica de pressão não deve ser ρU 2 , como adotado em (11.4). De fato,
como as forças de pressão devem contrabalançar as forças viscosos, vide (11.2), então devemos ter
~ ∼ η∇2~v p U2
∇p ⇒ ∼η 2 ⇒ p ∼ ηU/L. (11.5)
L L
Isso mostra que a escala caracterı́stica de pressão nesse caso é ηU/L, o que sugere definirmos a pressão
adimensional da forma
p
p′ = . (11.6)
(ηU/L)
Pode-se então facilmente mostrar que nesse caso a forma adimensional da equação de Navier-Stokes é
D v~′ ~ ′ + ∇2 v~′ .
Re = −∇p
Dt′
Fica claro então que no limite em que Re → 0, o termo inercial pode ser desprezado em comparação com o
termo de pressão e o termo viscoso. Nessa situação, o movimento do fluido é governado (aproximadamente)
pela equação de Stokes dada em (11.2), juntamente com a equação da continuidade
~ · ~v = 0 .
∇ (11.7)
∇2 ~ω = 0, (11.8)
onde lembramos que ~ ~ × ~v . Tomado agora a divergência de (11.2) e usando (11.7), obtemos
ω=∇
∇2 p = 0. (11.9)
Vemos assim que em escoamentos de Stokes tanto a pressão quanto a vorticidade são funções harmônicas,
ou seja, ambas satisfazem a equação de Laplace.
Consideremos inicialmente escoamentos bidimensionais. Nesse caso, a função de corrente ψ(x, y) é tal
que
∂ψ ∂ψ
vx = e vy = − ,
∂y ∂x
de modo que podemos escrever
~ × ẑ.
~v = ∇ψ
∇4 ψ = 0. (11.11)
Vemos assim caso que para escoamentos de Stokes planares a função de corrente ψ(x, y) satisfaz a chamada
equação bi-harmônica.
No caso de escoamentos axissimétricos devemos trabalhar com a função de corrente de Stokes, ψ(r, θ),
cuja definição vale relembrar:
1 ∂ψ 1 ∂ψ
vr = e vθ = − . (11.12)
r 2 sin θ ∂θ r sin θ ∂r
Notemos agora que nesse caso a vorticidade possui apenas a componente axial, ωϕ , dada por
~ × ~v )ϕ
ωϕ = (∇
1 ∂ ∂vr
= (rvθ ) −
r ∂r ∂θ
2
1 ∂ ψ sin θ ∂ 1 ∂ψ
=− + 2 . (11.13)
r sin θ ∂r 2 r ∂θ sin θ ∂θ
~ ×∇
~ × ~ω = 1
∇ L2 (L2 ψ)~eϕ (11.16)
r sin θ
190 CAPÍTULO 11. ESCOAMENTOS LENTOS
Figura 11.1: Escoamento laminar de um fluido viscoso passando por uma esfera.
temos que
~ ×∇
∇ ~ × ~ω = −∇2 ω
~ = 0, (11.17)
L4 ψ = 0, (11.18)
Inserindo essa equação em (11.18), podemos mostrar que a equação diferencial resultante para f (r) pode
ser escrita como
2 2
d 2
− f = 0. (11.22)
dr 2 r 2
f = rα, (11.23)
A
f (r) = + Br + Cr 2 + Dr 4 , (11.25)
r
e portanto a forma geral da função de corrente é
A
ψ= 2 4
+ Br + Cr + Dr sin2 θ. (11.26)
r
As constantes A, B, C e D são determinadas a partir das condições de contono discutidas acima. Primei-
ramente note que pela condição de contorno no infinito segue que D = 0 e C = U/2. Assim temos
A 1 2
ψ= + Br + U r sin2 θ. (11.27)
r 2
Agora para determinar as constantes A e B usamos a condição de não deslizamento, que implica,
A 1
ψ(r = a, θ) = 0 ⇒ + Ba + U a2 = 0
a 2
∂ψ A
(r = a, θ) = 0 ⇒ − 2 + B + U a = 0, (11.28)
∂r a
donde se obtem A = U a3 /4 e B = −3U a/4, que inseridos em (11.27) resulta finalmente
3
1 a
ψ= U 2
− 3ar + 2r sin2 θ. (11.29)
4 r
3a a3
vθ = −U sin θ 1 − − 3 . (11.31)
4r 4r
~ + (U
3a U ~ · r̂)r̂ a3 U
~ − 3(U~ · r̂)r̂
~v = − − ~,
+U (11.32)
4 r 4 r 3
192 CAPÍTULO 11. ESCOAMENTOS LENTOS
~
∇p = η ∇2~v .
Inserindo as expressões da velocidade em termos da função de corrente, pode-se mostrar que a equação
anterior resulta em
∂p η ∂ 2 ∂p η ∂ 2
= 2 (L ψ), = (L ψ).
∂r r sin θ ∂θ ∂θ sin θ ∂r
Inserindo (11.29) nas equação anteriores e integrando, pode-se mostrar que o resultado final para a pressão
é
3 U cos θ
p = p∞ − ηa , (11.33)
2 r2
onde p∞ é a pressão muito longe da esfera.
Uma vez obtidos os campos de pressão e velocidade, podemos determinar a força exercida pelo fluido
sobre a esfera. Em geral, temos
˛ ˛
↔
~
F = ~t dS = ~.
T · dS
S S
logo
↔
(T · r̂)z = Trr cos θ − Tθr sin θ . (11.35)
↔
Para fluidos viscosos (newtonianos) o tensor das tensões é dado por T = −pI~ + 2η E, ~ logo Trr =
−p + 2η Err e Tθr = Trθ = 2η Erθ . Pode-se mostrar, ainda, que em coordenadas esféricas o tensor taxa de
deformação é dado por
∂vr 1 1 ∂vr ∂vθ vθ
Err = e Erθ = + − . (11.36)
∂r 2 r ∂θ ∂r r
11.1. ESCOAMENTOS DE STOKES 193
Vemos, portanto, que para grandes distâncias da esfera a aproximação não é válida: a velocidade obtida
não corresponde a uma solução (nem mesmo aproximada) da equação de Navier-Stokes!
Em resumo, para grandes distâncias dos obstáculos devemos incluir o termo (~v · ∇)~~ v . Uma vez que
~ , podemos fazer a seguinte aproximação:
para r ≫ a temos ~v ≈ U
~ v ≈ (U
(~v · ∇)~ ~ · ∇~
~ v) , (11.42)
de modo que a equação de Stokes (11.2) torna-se
~ · ∇)~
ρ(U ~ v = −∇p
~ + η∇2~v . (11.43)
A aproximação (11.42) é conhecida como a correção de Oseen, de modo que (11.43) pode ser chamada da
equação de Stokes-Oseen. Como (11.43) é uma equação linear em ~v , ainda é possı́vel resolvê-la para o caso
do escoamento em torno de uma esfera, mas não apresentaremos esse desenvolvimento aqui.
Figura 11.2: Camada de esferas caindo em um lı́quido em repouso. No referencial das esferas, o lı́quido se
move através dos interstı́cios (‘poros’) entre elas.
onde F (φ) é alguma função apenas da fração de volume φ. [Por exemplo, em engenharia, uma relação
muito usada é F (φ) = (1 − φ)3 /10φ].
No referencial que se move com as esferas, o fluido está escoando através de um meio poroso com uma
velocidade V . Nessa perspectiva, para o fluido se mover através do meio poroso, é necessário aplicar um
diferencial de pressão. A diferença de pressão entre os dois lados da coluna de esferas deve contrabalançar
o peso aparente das esferas. Logo, temos
dp p2 − p1
= = −∆ρ g φ . (11.46)
dz d
Combinando (75) com (74), vemos que a velocidade do fluido, através do meio poroso, depende linearmente
do gradiente de pressão aplicado:
2R2 F (φ) dp
V =−
9η φ dz
ou mais geralmente
k~
~v = − ∇p , (11.47)
η
onde k é a permeabilidade do meio. A eq. (76) é conhecida como a lei de Darcy para escoamentos em
meios porosos. Essa é uma lei empı́rica.
já que
~ − 12η
0 = −∇p ~vmed
b2
ou seja,
b2 ~
~v (x, y) = − ∇p , (11.50)
12η
onde omitimos o subscrito med, ficando subentendido que o vetor ~v (x, y) representa a média da velocidade
ao longo da direção perpendicular às placas do canal para um dado ponto no plano x-y. A eq. (11.50)
possui a mesma forma da lei de Darcy para escoamento de fluidos viscosos em meios porosos, discutida
na seção anterior. Algumas soluções exatas da lei de Darcy para a célula de Hele-Shaw serão discutidas
abaixo.
onde o potencial de velocidade é φ = −(b2 /12µ)p; vide (11.50). Considerando o fluido incompressı́vel,
~ · ~v = 0, temos ∇2 φ = 0. Como o problema é bidimensional, é natural introduzir o potencial
ou seja, ∇
complexo w(z) = φ(x, y) + iψ(x, y).
11.3. ESCOAMENTO NA CÉLULA DE HELE-SHAW 197
Usando técnicas de transformações conformes, é possı́vel calcular soluções exatas para o problema de
bolhas de um fluido menos viscoso (digamos ar) movendo-se em uma célula de Hele-Shaw preenchida
com um fluido mais viscoso (digamos água). Como um exemplo, considere o caso de uma bolha semi-
infinita, também conhecida como um “dedo viscoso”, movendo-se com velocidade U constante em uma
célula retangular (ou canal) de Hele-Shaw de largura 2a. Na extremidade esquerda do canal, isto é, para
x → −∞, o fluido está em repouso e a interface ar-lı́quido é retilı́nea, sendo a largura do dedo viscoso
relativa à largura do canal denotada por 2λ; vide Fig. 11.5. Vamos supor ainda que longe da bolha (x → ∞),
o escoamento é uniforme com velocidade V . Logo o potencial complexo deve satisfazer a seguinte condição
de contorno no infinito:
w(z) ≈ V z, x → ∞. (11.51)
Além disso, a paredes do canal, em y = ±a, devem ser linhas de corrente, logo
ψ = ±aV em y = ±a.
Por outro lado, se desprezarmos efeitos de tensão superficial, então na interface ar-lı́quido a pressão do
fluido é igual à pressão, p0 , no interior da bolha que supomos constante, ou seja, p = p0 . Sem perda de
generalidade podemos fazer p0 = 0, de modo que temos a seguinte condição de contorno na interface:
φ=0 em C, (11.52)
onde C denota a superfı́cie da bolha. Ou seja, a interface é uma equipotencial. Vemos então que o
domı́nio do escoamento no plano do potencial complexo w é uma semifaixa retangular como mostrado na
Fig. 11.6(a).
Considere agora o problema visto de um referencial que se move com a bolha. O escoamento nesse
referencial é estacionário e descrito pelo potencial complexo τ (z) definido por
A equação acima corresponde a uma transformação de Galileu para o potencial complexo. A partir de
(11.51) e (11.53), vemos que o potencial complexo τ (z) satisfaz a condição
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(a) (b)
Figura 11.6: Planos dos potenciais complexos no laboratório (a) e no referencial da bolha (b).
Por outro lado, no referencial da bolha, tanto as paredes paredes do canal (y = ±a) quanto a interface C
são linhas de corrente, logo a parte imaginária de τ (z) deve ser constante nessas fronteiras, ou seja,
Im[τ ] = 0, em C. (11.55)
No plano do potencial complexo τ , o domı́nio corresponde a uma faixa lateral com um corte semi-infinito
ao longo do eixo real positivo, o qual corresponde ao dedo viscoso, como mostrado na Fig. 11.6(b).
A solução do problema pode ser obtida usando transformações conformes como descrito a seguir.
Primeiramente vamos introduzir uma transformação conforme z = f (ζ) que leva o exterior do cı́rculo
unitário em um plano complexo auxiliar ζ para a região ocupada pelo lı́quido no plano z, sendo que o
cı́rculo unitário é levado na interface. Um corte é inserido no exterior do cı́rculo unitário ao longo do eixo
real positivo, ou seja, para Im[ζ] = 0 e Re[ζ] ≥ 1, de modo que as partes de cima e de baixo do corte são
mapeadas, respectivamente, nas paredes inferior e superior do canal, sendo que os pontos ζ = 1 e ζ = ∞
são levados em x = −∞ e x = ∞, respectivamente; vide Fig. 11.7.
Vamos agora introduzir as seguintes funções:
A função W (ζ) mapeia o exterior do cı́rculo unitário na semifaixa retangular mostrada na Fig. 11.6(a),
sendo o cı́rculo unitário (ζ = eiθ ) levado em um segmento retilı́neo ao longo do eixo imaginário no plano
11.3. ESCOAMENTO NA CÉLULA DE HELE-SHAW 199
&'$%
!" $ & %
! "#$%
! # "
w. Deixamos para o leitor verificar que a função que implementa essa transformação é
aV
W (ζ) = ln ζ − iaV. (11.56)
π
A função T (ζ), por outro lado, deve levar o domı́nio de interesse no plano ζ (Fig. 11.7) em um faixa
retangular com um corte ao longo do eixo real positivo; vide Fig. 11.6(b). Nesse caso, os pontos ζ = 1 e
ζ = ∞ são levados em ∓∞, respectivamente, o que indica que esses pontos são singularidades logarı́tmicas
de T (ζ). Note ainda que ao passarmos do ponto E para o ponto F no plano ζ, correspondendo à um
variação angular de π/2 em torno do ponto ζ = 1, a função T (ζ) deve variar de −i(U − V )a, o que
determine a intensidade (ou seja, amplitude) da singularidade logarı́tmica em ζ = 1:
−2a(U − V )
T (ζ) ≈ ln(ζ − 1), ζ → 1,
π
Por outro lado, para ζ → ∞ devemos ter
−a(U − V )
T (ζ) ≈ ln ζ,
π
um vez que ao darmos uma volta de 2π ao longo um cı́rculo de raio muito grande a função T (ζ) deve variar
de −i2(U − V )a. Usando essas informações, vemos que a função desejada é da forma
a(U − V ) ζ
T (ζ) = ln + C,
π (ζ − 1)2
onde C é uma constante a ser determinada tal que o ponto ζ = −1 seja levado na origem do plano τ , ou
seja, T (−1) = 0. Pode-se verificar então que C = [a(U − V )/π][ln 4 − iπ], de modo que a forma final de
T (ζ) é
a(U − V ) 4ζ
T (ζ) = ln − iπ . (11.57)
π (ζ − 1)2
A partir de (11.53), vemos que a função f (ζ) pode ser obtida como uma combinação linear de W (ζ) e
T (ζ):
1
z = f (ζ) = [W (ζ) − T (ζ)] . (11.58)
U
200 CAPÍTULO 11. ESCOAMENTOS LENTOS
Consideremos agora o caso especial em que U = 2V , ou seja, λ = 1/2. Nesse caso a expressão (11.60)
reduz-se a
a 1
z= ln (1 − ζ)2 . (11.61)
2π 4
A interface é obtida fazendo-se ζ = eiθ , 0 < θ < 2π, na expressão acima, que resulta
a 1 a 1 h iθ/2 −iθ/2 i2
z= ln (1 − eiθ )2 = ln e (e − eiθ/2 )
2π 4 2π 4
a 1 h iθ/2 i2 a h i
= ln e 2(−i) sin(θ/2) = ln eiθ−iπ sin2 (θ/2)
2π 4 2π
a(θ − π) a
=i + ln sin(θ/2),
2π π
donde segue que
a
x(θ) = ln sin(θ/2)
π
a
y(θ) = (θ − π).
2π
Resolvendo a segunda equação para θ e inserindo o resultado na primeira, obtemos
a
x= ln cos(πy/a),
π
que é o famoso dedo de Saffman-Taylor.
11.4 Exercı́cios
1. Considere o escoamento de Stokes em torno de uma esfera. Resolva a equação de Laplace (11.9) para
a pressão p em coordenadas esféricas, usando os polinômios de Legendre, e depois resolva (11.2) para
determinar ~v ; vide livro do Cattani.
11.4. EXERCÍCIOS 201
5. Considere a solução geral para o movimento de um dedo viscoso na célula de Hele-Shaw dada em
(11.60). Mostre que a equação paramétrica da curva que descreve a interface é
a
x(θ) = (1 − λ) ln sin(θ/2)
π
aλ
y(θ) = (θ − π).
π
Eliminando θ das equações, verifique que a solução pode ser escrita como
2a(1 − λ) h πy i a(1 − λ) 1 h πy i
x= ln cos = ln 1 + cos .
π 2aλ π 2 aλ
Essa é a expressão para o dedo viscoso de Saffman-Taylor com meialargura λ arbitrária.
6. Considere o problema de uma bolha simétrica finita movendo-se em uma célula de Hele-Shaw de
largura L = 2a com velocidade U = 2V , onde V é a velocidade do fluido longe da bolha. Em face
da simetria, basta considerar a metade superior da célula. Considere a transformação z = f (ζ) do
semiplano superior no plano auxiliar ζ para região ocupada pelo lı́quido (exterior da bolha). Escolha
mapear x = ±∞ em ζ = ±1 e as extremidades da bolha em ζ = ±ν. Usando a transformação
de Schwarz-Christoffel, obtenha os potenciais W (ζ) e T (ζ) e depois determine a função z = f (ζ).
Mostre então que a equação da bolha pode ser escrita na forma
1
x= tanh−1 [sin2 (πλ) − cos2 (πλ) tan2 (πy)]1/2 ,
π
202 CAPÍTULO 11. ESCOAMENTOS LENTOS
onde 2λ é a altura máxima da bolha na direção perpendicular ao canal. Mostre ainda que alternati-
vamente podemos escrever a equação acima como
1 h cos πy i
x = cosh−1 .
π cos πλ
Essa solução é conhecida como a bolha de Taylor-Saffman. Por simplicidade considere V = a = 1.
Capı́tulo 12
12.1 Introdução
Vimos anteriormente que junto a uma superfı́cie sólida há geração de vorticidade, que posteriormente
se difunde para o interior do fluido, permanecendo entretanto concentrada, em geral, em pequenas regiões,
ao passo que o restante do fluido continua relativamente irrotacional. Em 2D, um modelo idealizado para
essa situação consiste em considerarmos que a vorticidade está, de fato, confinada em regiões finitas, os
chamados “vortex patches”, sendo o restante do fluido ambiente tratado como irrotacional. O interesse
nesse caso é, entre outros, entender a dinâmica desses “patches”(como eles se deformam e se movem ao
longo do tempo) e seus efeitos sobre o campo de velocidade do escoamento irrotacional que os cerca. Esse
é um problema de pesquisa atual, mas que, infelizmente, foge ao escopo deste curso.
Vamos considerar aqui um modelo ainda mais idealizado, em que as regiões de vorticidade não-nulas
reduzem-se, todas, a pontos, são os chamados “vortex points” ou vórtices puntiformes. Nesse caso, temos
então um escoamento irrotacional em todo o domı́nio ocupado pelo fluido, excetuando-se alguns pontos
singulares em torno dos quais temos uma circulação não nula. Veremos adiante que, nessa situação, o
movimento dos vórtices, devido à velocidade induzida pelos outros, obedece a uma dinâmica hamiltoniana.
ω = 0 para z 6= z0 . (12.4)
203
204 CAPÍTULO 12. DINÂMICA DE VÓRTICES PUNTIFORMES
Em z = z0 , a vorticidade ω é singular (i.e., infinita), uma vez que o fluido possui circulação em torno desse
ponto. De fato, para qualquer pequena região Dǫ contendo o ponto z0 , temos
ˆ ˛
ωdS = ~v · d~x = Γ . (12.5)
Dǫ Cǫ
No que se segue, entretanto, não vamos explorar essa abordagem mais rigorosa baseada em funções delta
(e funções de Green), limitando-nos a uma descrição mais heurı́stica do problema, em consonância com o
nı́vel matemático deste curso.
Considere agora o problema de N vórtices puntiformes, localizados em z1 , z2 , ..., zn . A velocidade
induzida pelo i-ésimo vórtice num ponto z no interior do fluido é
Γj 1
u − iv = . (12.7)
2πi z − zj
O escoamento resultante será a soma das contribuições de cada um dos N vórtices, de modo que uma
partı́cula de fluido na posição z mover-se-á com uma velocidade resultante, W ′ (z), correspondendo à soma
das velocidades induzidas por cada um dos vórtices, ou seja,
N N
′
X Γj 1 1 X Γj
W (z) = = . (12.8)
2πi z − zj 2πi z − zj
j=1 j=1
Vamos agora supor que um dado vórtice, digamos em zk , move-se com a velocidade induzida pelos
demais vórtices, excluindo-se a sua própria contribuição. A analogia com o eletrostática ajuda a compre-
ender essa hipótese, uma vez que no caso de um conjunto de cargas elétricas puntiformes uma dada carga
sente a força devida às demais cargas, ou seja, uma carga não faz força sobre ela mesma. A mesma ideia
está por trás do modelo de vórtices puntiformes, em que cada vórtice sente a ação dos demais (mas não
induz velocidade sobre si mesmo). Nesse contexto, podemos dizer que os vórtices comportam-se como uma
12.3. DINÂMICA DE VÓRTICES: EXEMPLOS 205
partı́cula de fluido, sendo “transportados” pelo escoamento produzido pelos outros vórtices. A velocidade
(uk , vk ) do vórtice em zk pode, portanto, ser calculada da seguinte forma:
N
′ Γk 1 1 X Γj
uk − ivk = W (z) − = , (12.9)
2πi z − zk z=zk 2πi zk − zj
j=1
j6=k
donde obtemos
N N
1 X zk − zj 1 X (yk − yj ) + i(xk − xj )
uk − ivk = Γj = − Γi . (12.10)
2πi |zk − zj |2 2π |zk − zj |2
j=1 j=1
j6=k j6=k
dyk
Usando o fato de que uk = dx dt e vk = dt , a equação anterior nos diz que a dinâmica de um sistema de N
k
N Vórtices Idênticos
O problema anterior de dois vórtices de mesma intensidade e sinal pode ser generalizado para o caso de
N vórtices dispostos nos vértices de um polı́gono regular, como mostrado na Fig. 12.4. Seja z0 = eiα a
posição do primeiro vórtice em t = 0. A posição do j-ésimo vórtice (em t = 0) pode então ser escrita como
2π
zj = ei N j z0 , j = 0, 1, ..., N − 1 , (12.17)
Fixemos nossa atenção, por exemplo, no primeiro vórtice em z0 . Em t = 0, sua velocidade será:
dz̄0 Γ X 1
= u0 − iv0 = . (12.18)
dt 2πi z0 − zj
j6=0
12.3. DINÂMICA DE VÓRTICES: EXEMPLOS 207
dz̄0 Γ m Γ mΓ
= = m e−iα = z̄0 . (12.22)
dt 2πi z0 2πi 2πi
Tomando o complexo conjugado, temos
dz0 mΓ
=i z0 em t=0.
dt 2π
Busquemos agora uma solução em que a equação acima seja válida também para t > 0. Integrando essa
equação segue então que existe uma solução da forma
onde
mΓ (N − 1)Γ
Ω= = . (12.24)
2π 4π
O cálculo acima pode ser repetido para os demais vórtices, resultando em
Vemos, então, que o polı́gono tendo os vórtices nos vértices executa uma rotação rı́gida com velocidade
angular Ω dada em (12.24).
O resultado acima pode ser trivialmente estendido para o caso de um número par de vórtices. Nesse
caso, a contribuição sobre um dado vórtice pode ser dividida em duas partes: uma correspondendo ao
vórtice oposto e a segunda devida aos outros N − 2 vórtices. Em outras palavras, além dos (N − 2)/2
pares de termos que aparecem na Eq. (12.19), temos ainda um termo adicional devido ao vórtice oposto,
situado em zN/2 = −z0 , cuja contribuição será da forma
Γ 1 Γ 1
= . (12.26)
2πi z0 − zN/2 2πi 2z0
Somando esse termo aos (N − 2)/2 pares que aparecem em (12.19) teremos
dz̄0 Γ N −2 1
= + , (12.27)
dt 2πi 2z0 2z0
logo
dz̄0 Ω dz0
= −i =⇒ = iΩz0 , (12.28)
dt z0 dt
onde usamos mais uma vez que z̄ = 1/z para z sobre o cı́rculo unitário. Da expressão anterior, concluı́mos
então que o sistema rotacionará com uma freqüência angular dada por
(N − 1)Γ
Ω= , (12.29)
4π
que é a mesma expressão obtida para o caso de N ı́mpar.
A fórmula (12.29) pode ser facilmente generalizada para o caso em que os vórtices estão nos vértices
de um polı́gono inscrito em um cı́rculo de raio a. Nesse caso, obtem-se
(N − 1)Γ
Ω= , N = 2, 3, ... (12.30)
4πa2
Na dedução da fórmula (12.29), usamos a = 1, mas o leitor pode facilmente repetir as etapas da dedução
e obter a fórmula (12.30) para a qualquer. Deixamos esse cálculo como exercı́cio para o leitor.
Figura 12.7: Linhas de corrente produzida por uma cadeia periódica vórtices.
A série acima pode ser somada exatamente; vide exercı́cio abaixo. Aqui, entretanto, vamos resolver o
problema através do método de transformações conformes. Primeiro note que podemos fazer antecipada-
mente um esboço das linhas de corrente do problema. De fato, próximo a um vórtice devemos ter linhas
de corrente fechadas, ao passo que longe do eixo x as linhas devem ser abertas. Além disso deve haver uma
separatriz, dividindo essas duas regiões; vide Fig. 12.7.
Devido à periodicidade do problema, basta considerar o escoamento em uma semifaixa |x| ≤ a/2 e
y > 0. Claramente as linhas x = a/2 são eqüipotenciais. Os segmentos de reta DE e BC sobre o eixo x
também são eqüipotenciais; de fato, esses segmentos são, respectivamente, a continuação das eqüipotenciais
em x = ±a/2. Então o domı́nio ocupado pelo fluido no plano W do potencial complexo é uma faixa vertical,
como mostrado na Fig. 12.8. Por simplicidade, escolhemos φ = 0 em x = a/2. Note, em particular, que,
na separatriz, temos ψ = 0, que corresponde ao segmento EB no plano W .
Vamos agora introduzir um plano complexo ζ auxiliar, onde o domı́nio de interesse é o semiplano
superior. Consideremos em seguida a transformação conforme z = f (ζ) que leva o semiplano superior do
plano ζ uma semifaixa vertical no plano z, como ilustrado na Fig. 12.8. Da mesma forma introduzimos
a transformação conforme W = W (ζ) que mapeia o semiplano superior do plano ζ em uma faixa vertical
no plano W (vide Fig. 12.8). Vimos no Cap. 10 que as funções f (ζ) e W (ζ) que fazem as transformações
acima são da seguinte forma:
W (ζ) = iK ln ζ + C (12.32)
z = f (ζ) = K1 cos−1 ζ + C1 . (12.33)
210 CAPÍTULO 12. DINÂMICA DE VÓRTICES PUNTIFORMES
Figura 12.8: Região de fluido no plano fı́sico z, no plano do potencial complexo W e no plano complexo
auxiliar ζ.
W (ζ) = iK ln ζ (12.34)
a nπ o
z= − cos−1 ζ . (12.35)
π 2
Resolvendo a segunda para ζ e inserindo o resultado na primeira, obtemos
πz
W (z) = iK ln sin . (12.36)
a
Para determinar a constante K analisaremos o comportamento de W (z) próximo ao vórtice localizado em
z = 0, onde obtemos
πz
W (z) ≈ iK ln ≈ iK ln z , z→0. (12.37)
a
Γ
Vemos então que iK = Γ/2πi, já que próximo ao vórtice devemos ter W ≈ 2πi ln z. Portanto a solução
final para o potencial complexo é:
Γ πz
W (z) = ln sin . (12.38)
2πi a
A velocidade complexa gerada pelo potencial acima é
iΓ πz
W ′ (z) = − cot (12.39)
2a a
A expressão (12.38) foi obtida considerando-se que um dado vórtice, tomado como o vórtice “central”,
estava na origem. Para o caso geral em que o vórtice central está em uma posição arbitrária z0 , a equação
(12.38) torna-se
Γ π(z − z0 )
W (z) = ln sin , (12.40)
2πi a
cuja velocidade complexa é
′ iΓ π(z − z0 )
W (z) = − cot . (12.41)
2a a
12.3. DINÂMICA DE VÓRTICES: EXEMPLOS 211
(β)
Por outro lado, para o vórtice na posição zk na mesma cadeia temos
(β) (β)
zk = zj + (k − j)a(β) , (12.43)
(β)
logo a velocidade do vórtice zk será
(β)
" #
dz̄k i X Γ(α) π (β) (α)
a (β)
=− (α)
cot (α) zj − z0 + (k − j)π (α) . (12.44)
dt 2 a a a
α6=β
Note que, nesse caso, não mais é necessário indicar que vórtice em uma dada cadeia estamos considerando,
já que todos movem-se com mesma velocidade. Da mesma forma, não faz diferença que vórtice de cadeia
α consideramos no argumento da cotangente.
212 CAPÍTULO 12. DINÂMICA DE VÓRTICES PUNTIFORMES
dz̄1 iΓ(2) hπ i
=− cot z (1) − z (2) (12.48)
dt 2a a
dz̄2 iΓ (1) h π (2) i
=− cot z − z (1) (12.49)
dt 2a a
Usando o fato de que tan(ix) = i tanh x, cot(ix) = −i coth x, e cot(θ − π/2) = − tan θ, vemos que há
dois casos em que V = 0, como indicado abaixo.
Γ πb
U= coth (12.52)
2a a
Γ πb
U= tanh . (12.53)
2a a
12.4. DINÂMICA DE VÓRTICES NA PRESENÇA DE FRONTEIRAS 213
Essas configurações são conhecidas como “ruas de vórtices” (do inglês vortex street). Em particular, a
segunda configuração em que as cadeias estão maximamente desalinhadas, de modo que um dado vórtice
de uma cadeia está alinhadas com o ponto médio entre dois vórtices da outra cadeia, é conhecida como a
rua de vórtices de von Karman.
Uma vez obtidas essas soluções exatas seria necessário um cálculo de estabilidade para determinar em
que condições tais soluções seriam estáveis. (Soluções instáveis não são, em geral, observadas na prática,
e por isso são de menor interesse para aplicações). O cálculo de estabilidade é um tanto elaborado e
será postergado para o Cap. 12. Veremos que no caso das ruas alinhadas, as soluções são instáveis para
qualquer valor da razão de vórtice de von Kárman, a solução é instável para todo b/a, exceto para o valor
b/a = 0.281. Essa solução estável é, portanto, relevante para as estruturas periódicas de vórtices que se
formam na esteira do escoamento em torno de um cilindro ou esfera.
~v · ~n = 0 em C, (12.54)
onde ~n é normal à superfı́cie C. Podemos satisfazer trivialmente à condição acima através do método
das imagens: para cada vórtice, imaginamos um vórtice imagem (na região não fı́sica) cujas localização e
intensidade são escolhidas exatamente para que a velocidade induzida por esse par vórtice-imagem satisfaça
à condição cinemática:
(~vj − ~vj′ ) · ~n = 0 em C , (12.55)
onde ~vj e ~vj′ são as velocidades induzidas pelo j-ésimo vórtice e sua imagem, respectivamente. Entretanto,
o método acima só é útil na prática quando a superfı́cie sólida é demasiada simples, a tal ponto de permitir
uma identificação do sistema imagem através de uma simples inspeção visual (e talvez um cálculo simples
adicional).
Como exemplo, considere o problema de um único vórtice imerso em um fluido invı́scido, ocupando o
semiplano superior y > 0 e limitado por uma parede sólida em y = 0, conforme ilustrado na Fig. 12.13. A
condição de contorno na superfı́cie sólida é
ψ(x, 0) = 0 (12.56)
Então é claro que o vórtice imagem deve ser a imagem especular em relação ao eixo x do vórtice original.
Ou seja, o potencial complexo, nesse caso, é
Γ Γ
W (z) = ln(z − z1 ) − ln(z − z̄1 ) . (12.57)
2πi 2πi
214 CAPÍTULO 12. DINÂMICA DE VÓRTICES PUNTIFORMES
ou
Γ z − z1
W (z) = ln . (12.58)
2πi z − z̄1
É fácil verificar que para z = x, W (z) é puramente real, logo ψ(x, 0) = 0, como desejado.
Podemos agora tratar o vórtice em z1 e sua imagem em z̄1 como um par de vórtices, que estão separados
de uma distância d = 2y1 . Segue então da discussão da Sec. 12.3.1, que um vórtice colocado a uma distância
b acima de um plano sólido vai se mover, devido à sua imagem, paralelamente ao plano e com uma velocidade
U = Γ/4πb, conforme previsto pela Eq. (12.15).
d2 ~x ~ ,
m = −∇V (12.59)
dt2
sendo a energia total da partı́cula
1
E= m~v 2 + V (~x) (12.60)
2
conservada (i.e., dE/dt = 0). Uma descrição alternativa pode ser feita em termos do momento linear da
partı́cula
d~x
P~ = m~v = m , (12.61)
dt
dP~ ~ .
= −∇V (12.62)
dt
Em termos das componentes xi e Pi , as equações (12.61) e (12.62) lêem-se:
1
ẋi = Pi (12.63)
m
e
∂V
Ṗi = − , (12.64)
∂xi
12.5. DINÂMICA HAMILTONIANA 215
onde o ponto denota derivada temporal. Por outro lado, a energia E, vista como uma função das grandezas
~x e P~ , escreve-se na forma
P~ 2
H(~x.P~ ) = +V (~x) . (12.65)
2m
A função acima é dita a função hamiltoniana do sistema ou, simplesmente, a hamiltoniana do sistema.
Em termos da função H, as equações (12.63) e (12.64) podem ser escritas como
e
Ṗi = −∂H/∂xi , (12.67)
que são as famosas equações de Hamilton. Sistemas que obedecem às equações de Hamilton, ou seja,
sistemas para os quais existe uma função hamiltoniana H que “gera”a dinâmica correspondente, são ditos
sistemas hamiltonianos. Temo, portanto, que uma partı́cula (ou sistema de partı́cula) movendo-se em um
campo de força conservativa é um sistema hamiltoniano em que a função hamiltoniana é exatamente a
energia total do sistema. Note, entretanto, que não necessariamente a hamiltoniana deve corresponder à
energia, como veremos a seguir.
como podemos ver a partir de (12.8). Então a velocidade em um dado ponto do fluido (não coincidente
com um vórtice) é:
∂ψ
u ≡ ẋ = (12.69)
∂y
∂ψ
v ≡ ẏ = − (12.70)
∂x
As equações acima já possuem, intrinsecamente, uma “natureza hamiltoniana”. Entretanto, para um
dado vórtice é preciso excluir sua autocontribuição, logo ψ não pode ser a função hamiltoniana para a
dinâmica de vórtices dada em (12.11) e (12.12). Entretanto, é possı́vel modificar ligeiramente a expressão
(12.68) para obtermos a hamiltoniana desejada. De fato, note que as equações (12.11) e (12.12) podem ser
escritas como
1 X yj − yk ∂ 1 X
ẋk = − Γj = − Γ j ln |zj − zk | (12.71)
2π Γ2jk ∂yk 2π
j6=k j6=k
1 X xj − xk ∂ 1 X
ẏk = Γj =− − Γj ln |zj − zk | (12.72)
2π Γ2jk ∂xk 2π
j6=k j6=k
216 CAPÍTULO 12. DINÂMICA DE VÓRTICES PUNTIFORMES
Podemos reescrever as equações (12.75) e (12.76) na forma usual das equações de Hamilton se introdu-
zirmos a seguinte mudança de variáveis:
q q
x′j = |Γj |xj em yj′ = |Γj |sgn(Γj )yi , (12.78)
onde sgn(Γj ) é a função sinal (= ±1 se Γj ≤ 0). Nessas novas variáveis, é fácil verificar que as equações
(12.75) e (12.76) resultam simplesmente em
∂H
ẋ′j = (12.79)
∂yj′
∂H
ẏj′ = − ′ , i = 1, ..., N . (12.80)
∂xj
É fácil verificar também que, como em Mecânica, a hamiltoniana é uma quantidade conservada
( ) ( )
dH X ∂H ∂H X ∂H ∂H ∂H ∂H
= ẋ′ + ẏj = − ′ =0, (12.81)
dt ∂x′j j ∂yj′ ∂x′j ∂yj′ ∂yj ∂x′j
j j
ou seja, H é uma constante de movimento. (É claro, entretanto, que H não possui uma interpretação
de energia nesse caso.) Uma conseqüência importante e imediata da conservação de H é que se todos os
vórtices possuem o mesmo sinal, então eles não podem colidir entre si. De fato, se |zj − zx | =
6 0, j 6= k, em
t = 0, então assim permanece para todo t > 0, pois se |zj − zx | → 0, então H iria para infinito, o que não
pode acontecer já que H(t) = H(0) = 0 = constante.
Existem outras constantes de movimento, a saber:
X X
Q= Γ j xj , P = Γj y j (12.82)
j j
X
I= kj x2j + yj2 . (12.83)
12.6. EXERCÍCIOS 217
Deixamos como exercı́cio para o leitor verificar que as grandezas Q, P e I definidas acima são de fato
conservadas, ou seja, Q̇ = Ṗ = I˙ = 0.
As quantidades Q e P podem ser vistas como as coordenadas no “centro de massa” (ou melhor, “centro
de vorticidade”) do sistema, ao passo que I seria o “movimento de inércia”. Entretanto, as grandezas Q
e P não são independentes uma da outra. (Na linguagem de sistemas hamiltonianos, elas não estão em
involução, ou seja, {Q, P } =
6 0, onde o colchete de Poisson, nesse caso, é definido por
X 1 ∂F ∂G ∂F ∂G
{F, G} = − , (12.84)
Γj ∂xj ∂yj ∂yi ∂xj
j
H, I e P 2 + Q2 .
Uma questão de grande interesse teórico é se o sistema hamiltoniano dado em (12.75) e (12.76) ou
(12.79) e (12.80) é integrável, isto é, se possui 2N grandezas conservadas correspondendo aos 2N graus de
liberdade (i.e., as coordenadas xj e yj ) do sistema. Suspeita-se que sim (Chorin & Marsden, 1979).
12.6 Exercı́cios
1. Considere o problema de N vórtices idênticos situados em um polı́gono de lado d = 2a e deduza a
expressão (12.30).
2. Mostre que a função de corrente associada ao potencial complexo, dado em (12.38), para uma cadeia
periódica de vórtices é
Γ h πx πy i
ψ(x, y) = − ln sin2 + sinh2 .
4π a a
Esboce, no computador, um conjunto representativo de linhas de corrente, incluindo a separatriz
ψ = 0 e linhas de correntes abertas (ψ < 0) e fechadas (ψ > 0).
onde r 2 = x2 + y 2 . Mostre ainda que as trajetórias do vórtices são descritas pela equação
a2 (x2 + y 2 ) = 4x2 y 2 ,
onde a é uma constante arbitrária. Esboce algumas trajetórias do vórtice. Sugestão: use o método
das imagens.
4. Mostre que as grandezas Q, P e I dadas nas Eqs. (12.82) and (12.83) são conservadas, i.e., Q̇ = Ṗ =
I˙ = 0.
Instabilidades e Ondas
Nos capı́tulos anteriores, obtivemos soluções exatas para vários tipos de escoamento. Como uma prática
geral em Fı́sica, e particularmente em Dinâmica de Fluidos, sempre que uma solução exata é obtida para um
determinado problema, devemos em seguida tentar analisar sua estabilidade. Acontece freqüentemente que
tais soluções são estáveis apenas em certas situações, ou seja, para certas regiões no espaço de parâmetros.
Fora dessa região de estabilidade o sistema desenvolve uma instabilidade que, no caso de Hidrodinâmica,
freqüentemente leva à formação de padrões complexos. Neste capı́tulo, vamos estudar algumas das mais
importantes instabilidades hidrodinâmicas. Antes, porém, faz-se necessária uma breve discussão sobre
estabilidade de pontos fixos em um sistema dinâmico.
Substituindo a expressão acima em (1), fazendo uma expansão de Taylor e usando (2), obtemos
0
η̇ = f (x∗ + η) = ✚ ❃∗ ) + f ′ (x∗ )η + O(η 2 ) .
✚
✚
f (x (13.4)
η̇ = λη , λ = f ′ (x∗ ) . (13.5)
A equação acima corresponde à linearização de (13.1) em torno do ponto fixo x = x∗ . A solução de (13.5)
é imediata
η(t) = η(0)eλt . (13.6)
Se λ < 0, o ponto fixo x∗ é dito ser estável, uma vez que a perturbação decresce com o tempo: η → 0 para
t → ∞. De modo contrário, se λ > 0 o ponto de equilı́brio x∗ é instável, pois nesse caso a perturbação
219
220 CAPÍTULO 13. INSTABILIDADES E ONDAS
tende a crescer com o tempo. Se λ = 0, o ponto fixo x∗ é dito ser marginalmente estável—nesse caso é
necessário realizar uma análise não linear de estabilidade quando devemos considerar termos de ordem
quadrática (ou superior) na expansão (13.5) para descobrirmos a natureza da estabilidade do ponto fixo:
se estável ou instável.
Considere agora o caso de um sistema dinâmico multidimensional da forma
d~x ~ (~x) ,
=F (13.7)
dt
onde F~ é uma função (vetorial) de ~x. Em termos de componente, temos
dxi
= Fi (~x) . (13.8)
dt
Seja ~x = ~x∗ um ponto fixo do sistema acima, i.e., F ~ (~x∗ ) = 0. Para proceder à “linearização” do sistema
dinâmica acima em torno do ponto fixo, fazemos primeiro ~x = ~x∗ +~η, substituı́mos em (13.8) e consideramos
uma expansão em série de Taylor até a primeira ordem na perturbação ~η , que resulta
0 X ∂Fi
Fi✚
η̇i = Fi (~x∗ + ~η ) = ✚ ❃(~x∗ ) + ηj + O(η 2 ) . (13.9)
∂xj
j
Logo, X
η̇i = Aij ηj , (13.10)
j
onde a matriz A é conhecida como a matriz de Floquet, sendo definida por
∂Fi
Aij = . (13.11)
∂xj ~ x∗
x=~
Em notação vetorial, o sistema dinâmico linearizado torna-se
~η˙ = A ~η , (13.12)
cujas soluções são da forma
3
X
~η = ~ei eλi t , (13.13)
i=1
onde os números λi ’s são os autovalores da matriz A, também chamados de expoentes de Floquet, e os
vetores ~ei são os autovetores correspondentes.
Em geral os autovalores λi serão números complexos com parte real e parte imaginária não nulas.
Concluı́mos, portanto, que se a matriz de Floquet possuir pelo menos um autovalor com parte real positiva
então o ponto fixo será instável ao longo da direção definida pelo autovetor correspondente, uma vez que a
perturbação tenderá a crescer em magnitude ao longo desta direção. Diz-se ainda que nesse caso o ponto
fixo é instável em relação a perturbações genéricas, uma vez que as mesmas sempre terão uma componente
na direção instável, o que causará o sistema a se afastar do ponto fixo. Se, por outro lado, todos os
autovalores tiverem parte real negativa ou nula (mas que não sejam todas nulas), então o ponto fixo é dito
ser estável, uma vez que as perturbações tenderam a decrescer com o tempo. No caso em que os autovalores
são todos puramente imaginários, então o sistema é dito ser marginalmente estável, devendo ser necessário
nesse caso uma análise não linear de estabilidade para decidirmos sobre a natureza da estabilidade do
ponto fixo.
Nas seções abaixo, vamos aplicar dessas ideias para analisar a estabilidade de algumas configurações de
interesse em hidrodinâmica. Vamos começar analisando a solução para uma cadeia periódica de vórtices
obtida no capı́tulo anterior. Em seguida analisaremos a versão generalizada dessa solução, no limite em
que a distância entre os vórtices e a intensidade dos mesmos ambos vão a zero, quando se obtém então
uma “linha de vórtices”, em duas dimensões, ou uma “folha de vórtices”, se o sistema for visto em três
dimensões com simetria de translação na direção z .
13.2. ANÁLISE DE ESTABILIDADE DE UMA CADEIA DE VÓRTICES 221
que representa a versão linearizada de (13.15). [Note que a somatória dos termos que não dependem de ζi
em (13.16) é nula.]
O sistema de equação dado em (13.17) pode ser convenientemente escrito em notação matricial se
introduzirmos o vetor ζ~ de dimensão infinita, onde
..
.
ζ1
~
ζ= ζ 0
. (13.18)
ζ−1
..
.
Por conveniência de notação, vamos denotar por ζ~∗ o complexo conjugado de ζ,~ ou seja, ζ~∗ = ζ̄n ∞ .
n=−∞
A equação (13.17) torna-se então
dζ~∗
= i A ζ~ . (13.19)
dt
Os elementos da diagonal da matriz A são
Γ X 1 Γ 1 1
Akk = = 1 + 2 + 2 + ···
2πa2 (k − j)2 πa2 2 3
j6=k
πΓ
= 2, (13.20)
6a
222 CAPÍTULO 13. INSTABILIDADES E ONDAS
P∞ 2)
onde usamos que n=1 (1/n = π 2 /6. Os elementos de A fora da diagonal são dados por
Γ 1
Ajk = − , j 6= k. (13.21)
2πa (j − k)2
2
Como vimos na seção anterior, a estabilidade da solução depende da natureza dos autovetores da
matriz A. Devido à natureza periódica do sistema original, vamos procurar autovetores de A na forma
~
ζ(φ) = {ζn (φ)}∞
n=−∞ , onde
ζn (φ) = einφ .
Aqui o ângulo 0 ≤ φ ≤ 2π representa a mudança de fase, ou seja, a variação na direção da perturbação,
ao passarmos de um vórtice para o seu vizinho à direita, como ilustrado na Fig. 13.2.
~
Vamos agora verificar que o vetor ζ(φ) dado em (13.2) é de fato um autovetor de A e calcular o auto-
~
valor correspondente. Por conveniência de notação vamos omitir o argumento de ζ(φ) momentaneamente.
~
Atuando com a matriz A em ζ(φ) obtemos
∞
X ∞
X
(Aζ~ )j = Ajk ζk = Ajk eikφ
k=−∞ k=−∞
= Ajj e + ei(j+1)φ Aj(j+1) + ei(j−1)φ Aj(j−1) + · · · +
ijφ
+ ei(j+m) Aj(j+m) + ei(j−m) Aj(j−m) + · · · (13.23)
onde
Γ 1
A(m) = − , m 6= 0, (13.24)
2πa m2
2
conforme segue de (13.21). Por outro lado se denotarmos o termo da diagonal dado em (13.20) por A(0),
temos
Γ π2
A(0) = , (13.25)
2πa2 3
logo podemos reescrever (13.23) como
ou seja ( )
∞
X
(Aζ~ )j = eijφ A(0) + 2 A(k) cos kφ . (13.26)
k=1
Usando agora o fato de que a forma de onda “parabólica” possui a seguinte série de Fourier
∞
2π 2 X cos nx
x(2π − x) = −4 ,
3 n2
n=1
vemos então que a série entre chaves na Eq. (13.26), com os coeficientes A(0) e A(k) dados em (13.25) e
(13.24), corresponde exatamente à série de Fourier da seguinte função
Γ
λ(φ) = φ(2π − φ) . (13.27)
4πa2
Com isso, a Eq. (13.26) torna-se
(Aζ~ )j = λ(φ)eijφ =⇒ ~
Aζ(φ) ~
= λ(φ)ζ(φ) , (13.28)
confirmando assim que ζn (φ) = einφ é autovetor de A com autovalor λ(φ) dado em (13.27). Como o vetor
~
ζ(φ) é um vetor de elementos complexos podemos escrevê-lo com a soma de dois vetores reais:
~
ζ(φ) ~
= ξ(φ) + i~
η (φ), (13.29)
~
onde os vetores ξ(φ) e~
η (φ) possuem elementos puramente reais e são, obviamente, autovetores da matriz
~
A com o mesmo autovalor: Aξ(φ) ~
= λ(φ)ξ(φ) e A~η (φ) = λ(φ)~η (φ).
Vamos agora procurar soluções da equação linear (13.19) na forma
~ φ) = a(t, φ)ξ(φ)
ζ(t, ~ + b(t, φ)~η (φ) , (13.30)
~ φ) = λ(φ)ζ(t,
onde os coeficientes a e b são complexos (a, b ∈ C) e pequenos (|a|, |b| ≪ 1). Como Aζ(t, ~ φ),
segue de (13.19) que
dζ~∗ ~
= iλ(φ)ζ.
dt
Em particular, para uma dada componente ζj (t, φ) temos
dζ̄j
= iλ(φ)ζj .
dt
Escrevendo agora ζj (t, φ) = a1 (t, φ) + ia2 (t, φ), com a1 , a2 ∈ R, obtemos
ou
ȧ1 = −λ(φ) a2
ȧ2 = −λ(φ) a1 , (13.31)
cujas soluções são da forma ai (t) = C± e±λ(φ)t . Ora, mas como λ(φ) > 0, vide Eq. (13.27), resulta que
existe um modo instável, logo a cadeia de vórtices é instável para perturbações genéricas.
De particular interesse é o caso em que vórtices vizinhos são deslocados da mesma quantidade mas em
direções opostas (i.e., φ = π). Desprezando as contribuições dos vizinhos distantes, pode-se mostrar que
224 CAPÍTULO 13. INSTABILIDADES E ONDAS
a equação de movimento aproximada para o deslocamento de um dado vórtice, digamos ζ0 = ξ + iη, sob
ação dos dois vizinhos próximos é
2Γ 2Γ
ξ˙ = − 2 η, η̇ = − 2 ξ. (13.32)
πa πa
(A diferença do resultado anterior com o esperado de (13.31) para φ = π deve-se, precisamente, ao fato de
termos desprezados contribuições dos vórtices além dos primeiros vizinhos; vide exercicios.) Nesse caso,
os vórtices mover-se-iam (na aproximação linear) ao longo de hipérboles dadas por ξ 2 − η 2 = constante.
Analisando as trajetórias próximas de um par de vórtices, deixamos como exercı́cio para o leitor verificar
que a tendência do movimento é de vórtice vizinhos é de um circular em torno do outro, como indicado na
Fig. 13.3. Essa é a origem da instabilidade de Kelvin-Helmholtz que discutiremos em detalhe a seguir.
A instabilidade de Kelvin-Helmholtz diz respeito à instabilidade que se desenvolve quando uma folha de
vórtices (vortex sheet, em inglês) originalmente plana sofre pequenas deformações. Uma folha de vórtices
corresponde a uma situação idealizada em que a vorticidade está concentrada em uma dada superfı́cie
(folha). Essa situação pode ser imaginada como o limite de uma cadeia de vórtices em que ambos a
separação a entre os vórtices e a intensidade dos mesmos vão a zero na mesma proporção, de modo que
Γ/a permanece finito. Nesse limite, obtemos uma folha de vórtice situada em y = 0. A velocidade induzida
por essa folha de vórtice pode ser obtida da equação (12.39) do capı́tulo anterior, tomando-se o limite em
que a vai a zero. Nesse caso, é fácil verificar que
πz −i , y>0
lim cot = , (13.33)
a→0 a i, y<0
Vemos então que devemos tomar os limites a, Γ → 0, com Γ/2a → U . Nesse caso, o perfil de velocidade
induzido por essa folha de vórtices é uma função degrau (vide Fig. 13.4) da forma
−U x̂, y>0
~v (x, y) = (13.35)
U x̂, y < 0.
Suponha agora que em t = 0 a folha de vórtices sofra uma pequena deformação sinusoidal, como
indicado na Fig. 13.5, de modo que a posição inicial da folha de vórtices (após a perturbação) é
onde a amplitude ǫ é “pequena”. Como estamos considerando que a região ocupada pelos fluidos é infinita,
ou seja, não estamos considerando a influência das paredes que limitam os fluidos, o único comprimento
caracterı́stico no sistema corresponde ao comprimento de onda, 2π/k, da perturbação sinusoidal. Assim a
condição de pequena amplitude expressa-se da forma: kǫ ≪ 1.
Após a perturbação inicial, isto é, para t > 0, a superfı́cie da folha de vórtice será descrita pela equação
A questão aqui é saber se a perturbação tenderá a crescer ou a decrescer com o tempo. Veremos adiante
que no caso em que os fluidos acima e abaixo da linha de vórtices são idênticos (ou o fluido de cima é mais
denso) e efeitos de tensão superficial são desprezados, a perturbação tenderá a crescer para qualquer valor
do número de onda k. Em outras palavras, nesse casos a folha de vórtices é instável sob perturbações de
qualquer comprimento de onda.
A natureza qualitativa da instabilidade que se desenvolverá pode ser facilmente compreendida, com
auxı́lio da Fig. 13.5. Usando a regra da mão direita, podemos nos convencer de que a velocidade induzida
na região de fluido acima da folha de vórtice e abaixo do eixo x (região AB) sempre terá uma componente
positiva na direção x. Da mesma forma, a velocidade induzida na região BC tem componente x negativo.
O efeito resultante será uma tendência da crista da perturbação (ζ(x, t) > 0) “colidir” com a região do
vale (ζ(x, t) < 0), fazendo uma passar pela outra e causando uma corrugação adicional, como ilustrado no
painel esquerdo da Fig. 13.6. À medida que a instabilidade continua a se desenvolver (ou seja, para tempos
maiores), a folha de vórtices tende a se enrolar, espiralando, como mostrado no painel direito da Fig. 13.6.
Procederemos a seguir à análise matemática da instabilidade descrita acima.
Fluidos Idênticos
Inicialmente, vamos supor que os fluidos acima e abaixo da folha de vórtices são idênticos e que não há
efeitos gravitacionais. (O caso geral pode ser descrito de maneira análoga como será tratado mais adiante.)
226 CAPÍTULO 13. INSTABILIDADES E ONDAS
Como o escoamento acima e abaixo da folha de vórtices é irrotacional, vamos introduzir o seguinte potencial
de velocidade
φ1 (x, y, t), y > ζ(x, t),
φ(x, y, t) = , (13.38)
φ2 (x, y, t), y < ζ(x, t)
onde ambas as funções φi devem obedecer a equação de Laplace
∇2 φi = 0 , i = 1, 2, (13.39)
φ1,2 = ∓U x , y → ±∞ . (13.40)
Devemos satisfazer ainda às condições de contorno apropriadas na interface y = ζ(x, t). Nesse caso, temos
duas condições de contorno a considerar: i) condição de contorno cinemática e ii) condição de contorno
dinâmica.
Considere inicialmente a condição de contorno cinemática, segundo a qual a componente normal da
velocidade de um ponto na interface deve ser a mesma que a componente normal da velocidade do fluido.
Como a perturbação é pequena, i.e., |ζ(x, t)| ≪ 1, a folha de vórtices permanece aproximadamente planar,
de modo que podemos tomar a velocidade normal à interface como sendo a velocidade na direção y. Assim
temos
dζ(x, t) ∂ζ ∂ζ ∂x
Vy = = + = vy em y = ζ(x, t), (13.41)
dt ∂t ∂x ∂t
onde Vy e vy denotam, respectivamente, as velocidades da interface e do fluido na direção y. Por outro
lado, como vy = ∂φ/∂y, segue que
∂ζ ∂ζ ∂φi ∂φi
+ = em y = ζ(x, t), (13.42)
∂t ∂t ∂x ∂y
que vale tanto para um ponto na parte superior da folha de vórtices (i.e., para i = 1), como para um ponto
na parte inferior (i.e., para i = 2).
A condição de contorno dinâmica corresponde, nesse caso, à continuidade da pressão através da inter-
face, uma vez que vamos inicialmente desprezar efeitos de tensão superficial—a inclusão de tais efeitos será
discutida posteriormente. Pelo teorema de Bernouli para escoamentos potenciais, temos
1 ~ 2 ∂φi
ρ ∇φi + pi + ρgy + ρ = Ci , i = 1, 2. (13.43)
2 ∂t
Vale lembrar ainda que a identidade acima vale em qualquer ponto nas respectivas regiões ocupadas pelos
fluidos (e não apenas ao longo de linhas de corrente). As constantes Ci podem ser determinadas se
analisarmos a equação acima para pontos distantes da interface, ou seja, para y → ±∞. Nesse limite,
13.3. INSTABILIDADE DE KELVIN-HELMHOLTZ 227
2
~ i → U 2 , ∂φi → 0, e pi ≈ pgy, pois longe da folha de vórtices perturbada o escoamento é
temos ∇φ ∂t
uniforme e a pressão reduz-se à pressão hidrostática. Usando esses resultados em (13.43), concluı́mos que
1
ρU 2 .
C1 = C2 = (13.44)
2
Agora pela condição de contorno dinâmica devemos ter p1 = p2 em y = ζ(x, t), donde segue que
∂φ1 1 ~ 2 ∂φ2 1 ~ 2
+ ∇φ1 = + ∇φ2 em y = ζ(x, t). (13.45)
∂t 2 ∂t 2
As equações de movimento do problema são dadas, portanto, pelas Eqs. (13.39) e (13.45). Vamos
agora proceder à linerização desse problema em torno da solução estacionária, que corresponde a y = 0,
φ1 = −U x, e φ2 = U x. Façamos primeiramente
φi (x, y, t) = ∓U x + φ′i (x, y, t), i = 1, 2 (13.46)
onde as perturbações φ′i são consideradas pequenas. Substituindo (13.46) em (13.42) e (13.45), e mantendo
apenas os termos lineares em φ′i e ζ, temos
∂ζ ∂ζ ∂φ′i
∓U = , (13.47)
∂t ∂x ∂y
∂φ′1 ∂φ′ ∂φ′2 ∂φ′
−U 1 = + U 2, (13.48)
∂t ∂x ∂t ∂x
válidas em y = ζ(x, t).
O problema a ser resolvido agora é obter soluções da equação de Laplace satisfazendo φ′1 → 0 e φ′2 → 0
para |y| → ∞, juntamente com as condições de contorno dadas em (13.47) e (13.48). Para isso, vamos
procurar soluções em que a interface perturbada é da forma
y = ζ(x, t) = ǫ eikx eλt , (13.49)
com expressões análogas para as perturbações dos potenciais:
φ′i (x, y, t) = ǫ f (y) eikx eλt . (13.50)
Como φ′i deve ser solução da equação de Laplace, ∇2 φi = 0, segue que
−k2 f + f ′′ = 0 ⇒ f (y) = Ae±ky . (13.51)
Para satisfazer às condições no infinito, φ′1 → 0 para y → ∞ e φ′2 → 0 para y → −∞, devemos então
escolher
φ′1 (x, y, t) = ǫ A1 e−ky eikk eλt , (13.52a)
φ′2 (x, y, t) = ǫ A2 eky eikk eλt , (13.52b)
onde A1 e A2 são constantes de integração. Inserindo as Eqs. (13.49) e (13.52) em (13.47) e (13.48),
respectivamente, obtemos o seguinte sistema de equações algébricas
−kA1 = λ − iU k (13.53)
kA2 = λ + iU k (13.54)
(λ − iU k)A1 = (λ + iU k)A2 (13.55)
donde segue que
(λ − iU k)2 = −(λ + iU k)2 , (13.56)
cujas soluções são
λ = ±U k. (13.57)
Como há uma solução com λ > 0, concluimos que a solução estacionária correspondendo a uma folha de
vórtices é, de fato, instável.
228 CAPÍTULO 13. INSTABILIDADES E ONDAS
Fluidos Distintos
Vamos considerar o caso geral em que os fluidos acima e abaixo da folha de vórtice são distintos, com
densidades ρ1 e ρ2 , respectivamente, como mostrado na Fig. 13.7. Nesse caso, o teorema de Bernoulli
escreve-se na forma
1 ~
2 ∂φi
ρi ∇φ + pi + ρi gy + ρi = Ci , i = 1, 2. (13.58)
2 ∂t
A condição de contorno dinâmica, p1 = p2 , agora implica que
′ ′
∂φ1 ∂φ′1 ∂φ2 ∂φ′2
ρ1 −U + gζ = ρ2 +U + gζ , (13.59)
∂t ∂x ∂t ∂x
como o leitor pode facilmente verificar. Após usarmos (13.49) e (13.52) em (13.47) e (13.59), obtemos o
seguinte sistema de equações algébricas
−kA1 = λ − iU k (13.60a)
kA2 = λ + iU k (13.60b)
ρ1 (λ − iU k)A1 + ρ1 g = ρ2 (λ + iU k)A2 + ρ2 g (13.60c)
ou ainda p
λ± = ikrU ± k2 U 2 (1 − r 2 ) + kgr, (13.62)
onde
ρ1 − ρ2
r= .
ρ1 + ρ2
Logo, se ρ1 > ρ2 temos Re [λ+ ] > 0 para qualquer k, donde concluı́mos que a folha de vórtices com o
fluido mais denso em cima é instável para perturbações de qualquer comprimento de onda. Por outro lado,
se o fluido superior for menos denso, ρ1 < ρ2 , haverá uma tendência para estabilizar a interface. Nesse
caso, só haverá instabilidade se
ρ22 − ρ21
k > kc = , (13.63)
4U 2 ρ1 + ρ2
em cujo caso Re [λ+ ] > 0. Dizemos então que a interface é instável para ondas de pequeno comprimento
de onda (ou, alternativamente, grande número de onda v). Por outro lado, para k < kc a interface será
estável.
13.4. INSTABILIDADE DE RAYLEIGH-TAYLOR 229
p1 − p2 = σκ, (13.64)
onde σ é o coeficiente de tensão superficial e κ é a curvatura da interface, ou seja, κ = 1/R, onde R é o raio
de curvatura. No caso da folha de vórtices acima, a curvatura pode ser aproximada através da segunda
derivada da interface em relação à coordenada x:
d2 y ∂ 2 ζ(x, t)
κ= = = −k2 ζ(x, t), (13.65)
dx2 dx2
onde usamos (13.49). O equivalente da condição de condição de contorno (13.59) torna-se
′ ′
∂φ1 ∂φ′1 ∂φ2 ∂φ′2
ρ1 −U + gζ − ρ2 +U + gζ = σk2 . (13.66)
∂t ∂x ∂t ∂x
Repetindo os passos que conduziram a (13.61), obtemos
s
ρ1 − ρ2 4k2 U 2 ρ1 ρ2 kg(ρ1 − ρ2 ) σk3
λ = ik U± + − , (13.67)
ρ1 + ρ2 (ρ1 + ρ2 )2 ρ1 + ρ2 ρ1 + ρ2
Note que a tensão superficial tende a estabilizar perturbações de pequeno comprimento de onda, uma vez
que para k suficientemente grande o radicando na expressão acima será negativo, resultando em autovalores
puramente imaginários.
kg(ρ1 − ρ2 ) − σk 3
λ2 = . (13.69)
ρ1 + ρ2
Suponha agora que os fluidos estejam confinados em um recipiente paralelepipédico, com paredes verti-
cais nas posições x = 0 e x = L, e com a parede horizontal inferior localizada a uma distância muito
230 CAPÍTULO 13. INSTABILIDADES E ONDAS
grande da interface. Como nesse caso, as velocidades horizontais devem ser nulas nas paredes verticais, as
perturbações para a interface e para o potencial devem ser da forma
então a interface plana é estável. Os modos estáveis nesse caso correspondem a ondas de capilaridade-
gravidade, como veremos a seguir.
∂φ
vy = = ǫωeky sin(kx − ωt).
∂y
As trajetórias das partı́culas de fluido são obtidas integrando-se as equações dx/dt = vx e dy/dt = vy , que
resulta (até primeira ordem em ǫ):
(x − x0 )2 (y − y0 )2 ǫ2
+ = . (13.79)
cosh2 [k(y0 + d)] sinh2 [k(y0 + d)] sinh2 (kd)
Como no caso anterior, tanto o semieixo maior, a = ǫ cosh[k(y0 + d)]/ sinh(kd), quanto o semieixo menor,
b = ǫ sinh[k(y0 + d)]/ sinh(kd), decrescem com a profundidade, com o semieixo menor anulando-se em
y0 = −d. √
Em particular, no√limite de águas rasas, em que kd ≪ 1, temos ω = k gd, logo a velocidade de fase
da onda é c = ω/k = gd. Nesse caso as ondas são não dispersivas, uma vez que a velocidade de fase não
depende do comprimento de onda. As trajetórias das partı́culas de fluido permanecem elipses, mas agora
o semieixo maior, a = ǫ/kd, não depende da profundidade.
da região ocupada pelos fluidos (lı́quidos). Fazendo U = 0 em (13.61), obtemos que a frequência das ondas
agora é s
ρ2 − ρ1
ω = kg . (13.80)
ρ1 + ρ2
Pequenas perturbações que geram tais ondas internas acontecem, por exemplo, em regiões estuárias, onde
temos água doce (menos densa) sobre àgua do mar (mais densa). Nessa situação, (ρ2 −ρ1 )/(ρ1 +ρ2 ) ≈ 10−2
(tipicamente), então:
cint ≈ 0.1csup , (13.81)
ou seja, as ondas internas são de baixa velocidade, quando comparadas com as ondas superficiais.
σk3
ω2 = , (13.84)
ρ
p
que corresponde às chamadas ondas capilares. A velocidade de fase nesse caso é c = σk/ρ, logo as ondas
de menor comprimento propagam-se mais rapidamente. Para ondas longas, σk2 ≪ pρg, os efeitos de tensão
superficial podem ser desprezadas. Essa condição equivale a λ ≫ 2πℓ, onde ℓ = σ/ρg é o comprimento
de capilaridade do lı́quido; vide Cap. 6. Para a água, ℓ ≈ 0.3 cm, logo os efeitos de tensão superficial são
desprezı́veis para ondas de comprimento de onda λ ≫ 2 cm.
Entretanto, devemos satisfazer à condição de contorno cinemática, segundo a qual a interface deve inter-
ceptar as paredes do canal em ângulo reto, ou seja,
∂ζ
=0. (13.89)
∂y y=0,2
A condição em y = 0 implica que B(t) = 0, ao passo que a segunda nos dá os números de onda
admissı́veis:
nπ
sin kL = 0 ⇒ k = kn , n = 1, 2, · · · (13.90)
L
A interface perturbada pode, portanto, ser escrita como
∂ζ b2 ∂Pi
=− . (13.99)
∂t 12µi ∂x
b2 b2
Aλ= kn B1 e Aλ= kn B2 (13.100)
12µ1 12µ2
implicando que µ2 B1 = −µ1 B2 .
ii) Condição de contorno dinâmica. Levando em conta efeitos de tensão superficial, temos
d2 x ∂2ζ
P1 − P2 = σk = −σ = −σ . (13.101)
dy 2 ∂y 2
como ilustrado na Fig. 13.10. Vê-se, portanto, que, quando o fluido menos viscoso desloca o mais viscoso
em uma célula de Hele-Shaw, a interface plana é instável para perturbações de longos comprimentos de
onda. Note, ainda, que o modo de máximo crescimento corresponde a dλ/dk = 0, ou seja,
r
4(µ2 − µ1 )U
kmax = . (13.109)
σb2
Quando a interface torna-se instável são os modos de máxima taxa de crescimento, correspondendo a um
comprimento de onda 2π/kmax que se desenvolve mais rápido e tende a dominar as estruturas ramificadas
que começam a se formar nos instantes iniciais da instabilidade. Dizemos então há competição entre os
“dedos viscosos”, e eventualmente um deles ganha a corrida; vide Fig. 13.11.
Em estágios mais avançados da instabilidade, quando o dedo viscoso vitorioso encontra-se “sozinho” na
célula, ele terá espaço para se expandir à medida que avanço, até alcançar a forma, no regime estacionário,
de um dedo viscoso de Saffman-Taylor. Os experimentos indicam que o dedo viscoso se expande até ocupar
metade da célula. Dizemos então que da famı́lia de soluções exatas de Saffman-Taylor (obtidas para σ = 0),
apenas uma solução particular (correspondendo a um dedo viscoso de largura igual à metade da largura
da célula) é selecioanda no caso real. Atribue-se à tensão superficial o mecanismo de seleção.
13.7 Exercı́cios
1. Considere uma perturbação de uma cadeia periódica de vórtices, de circulação Γ e espaçamento a,
em que os vórtices vizinhos são deslocados da mesma quantidade ζ = ξ +iη, mas em direções opostas,
de modo que a posição perturbada do j-ésimo vórtice pode ser escrita como zj = ja + (−1)j ζ.
a) Calcule a velocidade induzida sobre o vórtice z0 , considerando apenas as contribuições dos seus
dois primeiros vizinhos, ou seja, dos vórtices z±1 , e mostre que as equações de movimento linearizadas
do sistema são
2Γ 2Γ
ξ˙ = − 2 η, η̇ = − 2 ξ.
πa πa
236 CAPÍTULO 13. INSTABILIDADES E ONDAS
b) Inclua agora as próximas contribuições devidas aos vórtices z±3 (e se necessário as contribuições
dos vórtices seguintes z±5 ). A partir desse resultado, conclua que no caso geral em que os demais
vórtices são sucessivamente incluı́dos o resultado é da forma
˙ξ = − 2Γ 1 + 1 + 1 · · · η, 2Γ 1 1
η̇ = − 2 1 + 2 + 2 · · · ξ.
πa2 32 52 πa 3 5
P
c) Usando o fato de que ∞ 2 2
i=0 1/(2n + 1) = π /8, determine as respectivas taxas de crescimento,
λ± , do sistema e compare com o esperado a partir da fórmula (13.27).
3. Instabilidade de Kelvin-Helmholtz com tensão superficial. Obtenha a fórmula (13.67) para os auto-
valores da instabilidade de Kelvin-Helmholtz no caso em que efeitos de tensão superficial são levados
em consideração.
4. Analise a instabilidade de Kelvin-Helmholtz para o caso de uma folha de vórtices em que o fluido
superior, de densidade ρ1 , move-se com velocidade U1 , ao passo que o fluido inferior, de densidade
ρ2 , move-se com velocidade U2 . Mostre que nesse caso a solução para os atuovalores do problem são
s
ρ1 U1 + ρ2 U2 ρ1 ρ2 k2 (U1 − U2 )2 kg(ρ1 − ρ2 )
λ± = −ik ± + .
ρ1 + ρ2 (ρ1 + ρ2 )2 ρ1 + ρ2
ρ = ρ0 eay ,
onde a é uma constante. Considere ainda que o fluido está confinado entre dois planos, y = 0 e y = d.
Mostre que nesse caso os autovalores do problema são obtidos como solução da seguinte equação
−1
2 a2 π 2 λ2
λ = ag 1 + 2 + 2 2 . (13.110)
4k k d
Verifique que se a densidade aumenta com y, ou seja, a > 0, então a solução é instável.
6. Faça uma análise da instabilidade de Kelvin-Helmholtz para o caso em que o fluido tem um perfil de
velocidade suave de espessura d, da forma
ux = U tanh(y/d).
Mostre que esse perfil de velocidade é instável para perturbações de longos comprimentos de onda,
i.e., com 0 < kd < 1. Mostre ainda que o modo de máximo crescimento acontece para kd ≈ 1/2.
7. Analise a formação de ondas de gravidade superficiais para o caso em que o lı́quido está confinado em
um recipiente cuja parede inferior está localizada em y = −d. Obtenha a relação de dispersão (13.78).
Calcule o potencial φ2 (x, y, t) para esse caso, determine o campo de velocidade correspondente e
mostre que as trajetórias das partı́culas de fluido são elipses da forma (13.79)
9. Mostre que, no caso de uma célula de Hele-Shaw na vertical, a solução para o expoente λ é
b2 k 12U 3
λ= (µ2 − µ1 ) + g(ρ2 − ρ1 ) − σk . (13.111)
12(µ1 + µ2 ) b2
b2 ~
~v = − ∇(ρ + ρgx) , (13.112)
12µ
onde x agora aponta na direção vertical.
238 CAPÍTULO 13. INSTABILIDADES E ONDAS