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Textos Selecionados de Filosofia Chinesa IV: Budismo Chinês

2023

SérieInvestigaçãoFilosófica TextosSelecionadosde FilosofiaChinesaIV JoaquimMonteiro ( Organizador) BudismoChinês? ? ? ? EdiçãoBilíngue ? ? ? ? TEXTOS SELECIONADOS DE FILOSOFIA CHINESA IV Budismo Chinês 汉传佛教 2 Série Investigação Filosófica TEXTOS SELECIONADOS DE FILOSOFIA CHINESA IV Budismo Chinês 汉传佛教 Joaquim Monteiro (Organizador) Rio de Janeiro/Pelotas, 2023 3 Projeto Orientalismo UERJ Reitora: Mario Sergio Alves Carneiro Pró-Reitor de Graduação: Lincoln Tavares Silva Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Luis Antonio Campinho Pereira da Mota Pró-Reitor de Extensão e Cultura: Cláudia Gonçalves de Lima Pró-Reitor de Assuntos Estudantis: Catia Antonia da Silva Projeto Orientalismo Direção: André Bueno www.orientalismo.net 4 CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. João Hobuss (Editor-Chefe) Prof. Dr. Juliano Santos do Carmo (Editor-Chefe) Prof. Dr. Alexandre Meyer Luz (UFSC) Prof. Dr. Rogério Saucedo (UFSM) Prof. Dr. Renato Duarte Fonseca (UFSM) Prof. Dr. Arturo Fatturi (UFFS) Prof. Dr. Jonadas Techio (UFRGS) Profa. Dra. Sofia Albornoz Stein (UNISINOS) Prof. Dr. Alfredo Santiago Culleton (UNISINOS) Prof. Dr. Roberto Hofmeister Pich (PUCRS) Prof. Dr. Manoel Vasconcellos (UFPEL) Prof. Dr. Marco Antônio Caron Ruffino (UNICAMP) Prof. Dr. Evandro Barbosa (UFPEL) Prof. Dr. Ramón del Castillo (UNED/Espanha) Prof. Dr. Ricardo Navia (UDELAR/Uruguai) Profa. Dra. Mónica Herrera Noguera (UDELAR/Uruguai) Profa. Dra. Mirian Donat (UEL) Prof. Dr. Giuseppe Lorini (UNICA/Itália) Prof. Dr. Massimo Dell'Utri (UNISA/Itália) DIREÇÃO DO IFISP Prof. Dr. João Hobuss CHEFE DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA Prof. Dr. Juliano Santos do Carmo COMISSÃO TÉCNICA (EDITORAÇÃO) Prof. Dr. André Bueno (Diagramador/Capista) 5 Série Investigação Filosófica A Série Investigação Filosófica, uma iniciativa do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Filosofia do Departamento de Filosofia da UFPel e do Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica do Departamento de Filosofia da UNIFAP, sob o selo editorial do NEPFil online e tem por objetivo precípuo a publicação da tradução para a língua portuguesa de textos selecionados a partir de diversas plataformas internacionalmente reconhecidas, tal como a Stanford Encyclopedia of Philosophy (https://plato.stanford.edu/), por exemplo. O objetivo geral da série é disponibilizar materiais bibliográficos relevantes tanto para a utilização enquanto material didático quanto para a própria investigação filosófica. EDITORES DA SÉRIE Rodrigo Reis Lastra Cid (IF/UNIFAP) Juliano Santos do Carmo (NEPFIL/UFPEL) ORGANIZADORES DO VOLUME Joaquim Monteiro CRÉDITO DA IMAGEM DE CAPA Detalhe de Estátua de Guayin Diponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Chinese__Seated_Guanyin_(Kuan-yin)_Bodhisattva_-_Walters_25256_-_Detail_A.jpg 6 © Série Investigação Filosófica, 2022. Universidade Federal de Pelotas Departamento de Filosofia Núcleo de Ensino e Pesquisa em Filosofia Editora da Universidade Federal de Pelotas Universidade Federal do Amapá Departamento de Filosofia Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica NEPFil online Rua Alberto Rosa, 154 – CEP 96010-770 – Pelotas/RS Projeto Orientalismo UERJ UERJ Campus Maracanã. Rua São Francisco Xavier 524, 9º andar, sala 9029A Os direitos autorais estão de acordo com a Política Editorial do NEPFil online. As revisões ortográficas e gramaticais foram realizadas pelos tradutores e revisores. A autorização para a tradução dos verbetes da Stanford Encyclopedia of Philosophy neste volume foi obtida pelo Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica. Primeira publicação em 2022 por NEPFil online e Editora da UFPel. Dados Internacionais de Catalogação _______________________________________________________________________________ N123 Textos selecionados de filosofia chinesa IV: Budismo Chinês [recurso eletrônico] Organizador: Joaquim Monteiro – Rio de Janeiro/ Pelotas: NEPFIL Online e Projeto Orientalismo UERJ, 2023. 348p. - (Série Investigação Filosófica). Modo de acesso: Internet <wp.ufpel.edu.br/nepfil> ISBN: 978-65-00-74871-0 1. Filosofia 2.China 3.Sinologia 4. Budismo COD 100 _________________________________________________________________ 7 SUMÁRIO Sobre os Textos Selecionados de Filosofia Chinesa 9 Introdução 10 导言 15 Budismo Tiantai 18 Suplemento ao Budismo Tiantai 61 天台佛教 75 Budismo Huayan 104 华严佛教 139 Budismo Chan 161 禅宗 181 Sobre os organizadores e tradutores 209 8 Sobre os Volumes de Textos Selecionados de Filosofia Chinesa A SIF (Série Investigação Filosófica) publicada pela Universidade Federal de Pelotas, objetivando ampliar a divulgação do pensamento de matriz não europeia no Brasil, apresentará quatro volumes dedicados à filosofia chinesa. ● Vol. 1 - “Textos Selecionados de Filosofia Chinesa I: áreas de investigação e perspectivas comparadas” ● Vol. 2 - “Textos Selecionados de Filosofia Chinesa II: Filosofia Pré-Imperial” (escolas e pensadores clássicos) ● Vol. 3 - “Textos Selecionados de Filosofia Chinesa III: Filosofia na Era Imperial” (escolas e pensadores do período Han ao Qing) ● Vol. 4 - “Textos Selecionados de Filosofia Chinesa IV: Budismo Chinês” (bilíngue: português/chinês) Cada um dos volumes reunirá traduções de verbetes da prestigiosa Stanford Encyclopedia of Philosophy (SEP) e serão organizados por professores e pesquisadores brasileiros dedicados ao estudo da filosofia chinesa. O primeiro volume contém nove verbetes publicados, e apresenta áreas filosóficas como ética, epistemologia e metafísica, conforme foram abordadas pelas tradições filosóficas chinesas. O segundo e o terceiro volumes (contendo dez e oito verbetes, respectivamente), introduzirão os principais pensadores e escolas filosóficas chinesas ao longo da história. O quarto volume (contendo três verbetes) será dedicado à filosofia budista de fonte chinesa. Este último volume será também bilíngue (português e chinês). A leitura desse conjunto expressivo e altamente especializado sobre o pensamento chinês trará ao público brasileiro, e lusófono em geral, uma visão mais aprofundada sobre as bases culturais e filosóficas da milenar civilização chinesa, contribuindo assim para a construção da pluralidade e da universalidade do saber em nosso meio. Antonio José Bezerra de Menezes Jr Pedro Regis Cabral Organizadores dos Volumes de Textos Selecionados de Filosofia Chinesa 9 Introdução Joaquim Monteiro Falar do importante papel exercido pelo Budismo no desenvolvimento da filosofia chinesa não é uma tarefa fácil e que exige a elucidação de alguns pressupostos. Acredito que os três pontos seguintes sejam bastante elucidadores no processo desta abordagem. O primeiro ponto importante aqui consiste em apontar para a especificidade da transmissão do Budismo na China e sua diferença em relação aos outros processos da transmissão do Budismo na Ásia. Os países do Sudeste asiático (Sri Lanka, Myanmar, Tailândia) e da Ásia central (Tibet, Mongólia) não possuíam uma civilização consolidada anteriormente à introdução do Budismo. Certamente todos estes países apresentaram desenvolvimentos extremamente consistentes e criativos do pensamento budista, mas o processo de formação de suas civilizações tradicionais praticamente coincide com a introdução do Budismo. Ou seja, juntamente com o Budismo ocorre a transmissão das ciências e artes indianas que se constituíram na base dos desenvolvimentos criativos conforme presentes na constituição mesma destas civilizações. Em um claro contraste com isto, a introdução do Budismo na China representa o primeiro caso de uma transmissão do Budismo em uma civilização plenamente consolidada a partir de suas próprias bases. Ou seja, a China não só possuía um desenvolvimento equivalente ao indiano em termos das artes e das ciências, como também já possuía uma tradição filosófica plenamente desenvolvida. O segundo ponto possui uma relação essencial com esta tradição filosófica e diz respeito à importância das traduções na constituição do pensamento filosófico do Budismo chinês. Ou seja, este processo denominado de “comparação de conceitos” (Ge Yi) se constituiu como a formação de um conjunto de conceitos próprios ao Budismo chinês através de um diálogo com as categorias do pensamento Daoista. O ponto importante aqui é que este processo conduziu tanto ao desenvolvimento de um “Budismo com características chinesas” quanto a um movimento de retorno ás fontes normativas do Budismo indiano. No entanto, o ponto central aqui é que o processo de traduções próprio ao Budismo chinês nunca se constituiu como um empreendimento puramente histórico ou filológico, mas que assumiu desde o seu início o caráter de um diálogo filosófico. Em função do exposto acima, não é difícil deduzir qual é o terceiro ponto decisivo neste contexto: a influência assumida pelo Budismo enquanto uma religião estrangeira na constituição do pensamento filosófico chinês. O Budismo foi durante muito tempo e acredita-se que continue sendo a mais influente das religiões 10 chinesas. No entanto, muitas outras religiões exerceram uma influência considerável na história chinesa. Mas o ponto decisivo aqui é que é que nenhuma destas religiões influenciou a filosofia chinesa de uma forma comparável à do Budismo. Neste sentido, esta influência pode ser considerada como um primeiro exemplo em toda a história do pensamento chinês, podendo contribuir de forma essencial para a elucidação dos processos de absorção da modernidade por parte da China a partir do final do século XIX. No que diz respeito ao processo de interação entre o Budismo e a filosofia chinesa existem diversos autores que empregam o esquema supostamente hegeliano da relação entre a tese, a antítese e a síntese, como um esquema interpretativo deste processo. O caráter autenticamente hegeliano deste esquema é pelo menos duvidoso, mas a maneira como ele é empregado por diversos historiadores da filosofia chinesa é bastante claro: o desenvolvimento do Confucionismo em sua forma clássica constitui aqui a tese, o Daoismo e o Budismo seriam a antítese e o Neoconfucionismo a síntese, síntese esta que possuiria um caráter final que concluiria este processo. Este esquema parece bastante pobre na medida em que ignora diversos aspectos concretos da interação entre o Budismo e o pensamento chinês, mas possui uma falha decisiva: encobre o fato de que é a interação entre o Budismo e o Neoconfucionismo (ou entre o Budismo e o Novo Confucionismo na modernidade chinesa) que abre caminho para uma dialética sem síntese característica da filosofia chinesa, dialética esta que exclui por completo a possibilidade de uma síntese final. Assim sendo, mesmo tendo em mente as limitações essenciais de todo esquema interpretativo, gostaria de descrever através dos pontos seguintes minha compreensão da interação entre o Budismo e a filosofia chinesa. -A interação entre o Budismo e as categorias do pensamento Daoista presentes no processo de tradução conduz gradualmente à formação de um “Budismo com características chinesas”. -Este “Budismo com características chinesas” se expressa no terreno filosófico como as escolas Tiantai e Huayan, o surgimento do Chan se constitui como o momento final deste processo dentro dos limites do próprio Budismo. -O processo de interação entre o Budismo e o pensamento chinês conduz pela primeira vez à constituição do Neoconfucionismo das Dinastias Song e Ming, ultrapassando os limites do próprio Budismo. -Ocorre em um momento cronologicamente anterior o retorno ás fontes normativas do Budismo indiano conforme presentes nas traduções de Xuanzang (596-664 era comum) 11 na Dinastia Tang e o surgimento de um pensamento radical distinto do “Budismo com características chinesas” mas que não representa um retorno ás fontes normativas do Budismo indiano como é o caso de Shan-Dao (613-681 era comum) nesta mesma Dinastia. Curiosamente, estes movimentos de pensamento se extinguem rapidamente levando diversos estudiosos do Budismo chinês a pressupor sua incompatibilidade essencial com uma “mentalidade chinesa” concebida de uma forma estreita e esquemática. -No entanto, o grande paradoxo aqui é que os textos da escola de Xuanzang são reintroduzidos na China no final do século XIX se constituindo como a corrente intelectualmente hegemônica no moderno Budismo chinês. No entanto, o supremo paradoxo aqui é que esta corrente vai exercer uma influência central no desenvolvimento do Novo Confucionismo do século XX, instaurando assim a “dialética sem síntese” característica da filosofia chinesa em sua forma mais radical. Esclarecido o acima, vamos adentrar em seguida na consideração dos três capítulos que compõe esta obra. Na medida em que dizem respeito ás escolas Tiantai, Huayan e Chan eles pertencem naturalmente ao “Budismo com características chinesas” acima referido. Também na medida em que o Chan é um fenômeno complexo que sofreu múltiplas influências em seu processo de desenvolvimento torna-se difícil falar com rigor de seu pano de fundo filosófico. No entanto, parece-me certo que as escolas Tiantai e Huayan são tributárias das traduções de Kumarajiva (343-413), considerado como um dos quatro grandes tradutores na história do Budismo chinês. Assim sendo, impõe-se aqui a necessidade de uma breve explanação a respeito da perspectiva filosófica instaurada por suas traduções. Embora o pensamento de Kumarajiva e das escolas que derivam de suas traduções seja bastante complexo e apresente diversas nuances, não existe dúvida alguma que seu ponto central radica na assim chamada “Ideologia mahayanista” que iria constituir a tendência central deste “Budismo com características chinesas”. Esta “Ideologia mahayanista” que presume uma superioridade essencial do “Mahayana” sobre o “Hinayana” fundamenta-se através de dois tópicos centrais. O primeiro deles estabelece esta distinção definindo o “Mahayana” como o “ensinamento do não surgimento e da não extinção” e o “Hinayana” como o “ensinamento do surgimento e extinção”, o segundo que possui um caráter bem mais complexo define a teoria das “Duas verdades” no “Mahayana” como consistindo nas “Duas verdades que tem o ensinamento por seu domínio”, relativizando estas “Duas verdades” como procedimentos pedagógicos que conduzem à experiência de uma realidade inefável (Li) e a teoria das “Duas verdades” no 12 “Hinayana” como as “Duas verdades que tem o princípio por seu objeto”. É desnecessário dizer que esta visão do “Mahayana” como o “ensinamento do não surgimento e da não extinção”, assim como a visão das “Duas verdades que tem o ensinamento por seu domínio” constituem-se como um pano de fundo indispensável para a compreensão das escolas Tiantai e Huayan, sendo sua influência particularmente visível na formulação da doutrina das “Três verdades” na escola Tiantai. Os artigos sobre as escolas Tiantai, Huayan e Chan aqui publicados se constituem como exposições amplas, abrangentes e competentes dos tópicos centrais destas escolas merecendo se tornar objeto de uma leitura atenta e criteriosa. No entanto, diferentemente do que ocorre com os artigos sobre as escolas Tiantai e Huayan, o texto sobre o Chan possui um conteúdo bastante polêmico que merece ser objeto de uns breves comentários. Existe em primeiro lugar uma referência a critica aos conceitos da “Natureza búdica” e da “Iluminação original” por parte do Budismo derivado das traduções de Xuanzang. Embora se trate de questões bastante complexas e de um caráter polêmico, não é possível negar que esta crítica se alinha com o retorno ás fontes normativas do Budismo indiano anteriormente mencionado. No entanto, o mais importante aqui é que o autor procede a uma referência extremamente relevante ao problema da ética no Chan, mas sem comentar a respeito das temáticas éticas concretas presentes no Chan contemporâneo. Chama a atenção aqui a falta de uma referência à relação existente entre estas críticas aos conceitos da “Natureza búdica” e da “Iluminação original” e as temáticas éticas do Chan contemporâneo. Este é um debate que precisa ser desenvolvido em um momento oportuno e que mereceria uma menção detalhada por parte do autor. Referências Ychikawa Hakugen, “Bukkyosha no senso sekinin”, Ychikawa Hakugen chosakushu, Vol.3, Editora Hozokan. Kyoto, 1984. Noriaki Hakamaia, “Hongaku shisô hihan”, editora Daizo Shuppan, Tóquio, 1989. “Hihan Bukkyo”, editora Daizo Shuppan, Tóquio, 1990. “Pruning the Bodhi Tree: the storm over critical Buddhism”, edited by Jamie Hubbard&Paul L.Swanson, University of Hawaii Press, Honolulu, 1997. James Mark Shieldes, “Critical Buddhism: engaging with modern Japanese buddhist thought”, Ashgate, Burlington, 2011. Brian Victoria, “Zen at war”, Weatherhill, New York, 1997. 13 14 导言 若阿金·蒙特罗 (Joaquim Monteiro) 译文: 张敏芬 谈论佛教在中国哲学发展进程中所扮演的重要角色并非易事,需要对一 些假设论点作清晰的诠释。我认为以下三点对这一议题的讨论具有启发性。第 一个要点是要指出佛教在中国传播的特征,以及这些特征与佛教在亚洲其它地 区的传播过程有何不同。东南亚国家(斯里兰卡、缅甸、泰国)和中亚国家与 地区(西藏、蒙古)在佛教传入之前均无一个根深蒂固的文明。诚然,所有这 些国家的佛教思想发展都极为牢固且富于创造性,但其传统文明的形成过程实 际上与佛教的传入相伴相生。换言之,伴随着佛教的传入,同时也引入了印度 的科学与艺术,它们和这些国家和地区的已有文化一样,成为这些国家和地区 文明创造性发展的基础。较之明显不同的是,佛教传入中国是佛教传入一个依 靠自身基础已经形成深厚文明国家的第一个例子。换句话说,当时中国不仅在 艺术和科学方面具备与印度相当的发展成就,而且也已拥有发展成熟的哲学传 统。第二点与中国的哲学传统有着根本性关系,与翻译在中国佛教哲学思想建 构中的重要性亦紧密相关。也就是说,这个被称为“格义”(Ge Yi)的过程是通过 与道家思想范畴的对话,形成一套中国佛教自己的概念。这里重要的一点是, 这个过程不仅推动了“中国特色佛教”的发展,而且也引起了印度佛教教义本源的 回归。然而,这里关键的一点在于,中国佛教经文的翻译过程本身从来都不是 一项存粹历史性或文献性的事业,而是从一开始就体现出哲学对话的特点。基 于此,我们不难推断出第三个要点:佛教作为外来宗教在中国哲学思想建构中 的影响。在过去漫长的历史长河中,佛教曾是中国多个宗教中最具影响力的一 个,且被认为将继续成为中国影响力最大的一个宗教。然而,其它多个宗教亦 对中国历史产生了相当大的影响。但关键在于,没有一个宗教能与佛教对中国 哲学的影响力相比拟。因此,佛教的影响力可视为整个中国思想史上的首例, 为阐释十九世纪末以来中国吸收现代性进程作出了根本性的贡献。 关于佛教与中国哲学之间的互动,多位作者采用假设为黑格尔辩证法中正 题、反题、合题之间的关系作为诠释它们互动过程的方法论。该方法论是否真 的具有黑格尔性质至少令人存疑,然而多个中国哲学史家采用这个方法论的方 15 式是相当明确的:经典儒家思想的发展构成正题,道教与佛教是反题,而新儒 学则是合题,即具备这个互动过程结束后最终特征的合题。这个分析方法论因 忽略了佛教和中国哲学思想互动的诸多具体方面而显得贫乏无力,此外,它还 有一个很关键的缺陷:掩盖了佛教和新儒学(或者说佛教和近代中国新儒学) 之间的互动,而正是这种互动为没有合题的中国特色哲学辩证法开辟了道路。 该辩证法完全排除中国哲学具备最终合题的可能性。然而,即使意识到这整个 诠释方法论存在根本性的局限,我仍然想通过以下几点来谈谈我对佛教与中国 哲学之间互动的理解。 - 在翻译过程中,佛教与道家思想范畴之间的互动逐渐形成了“中国特色 佛教”。 - 这种“中国特色佛教”在天台宗、华严宗等佛教宗派的哲学体系中得到体 现;而禅宗的出现则表明佛教自身在这互动过程中进入了最后阶段。 - 佛教与中国思想的互动也首次推动了宋明时期超越佛教教义的新儒家 思想的诞生。 - 在此早之前,唐代曾出现过回归玄奘(596-664)所翻译的佛经中印度 佛教教义本源,以及以善导法师(613-681)为代表的,既不同于“中国特色佛教”也 有异于原始教义的激进思想。但令人奇怪的是,这些思潮很快就销声匿迹。据 此,研究中国佛教的多个学者推测这是因为它们与狭隘且模块固化的中国思维 方式本质上不能相容。 - 然而,令人费解的是,玄奘派佛经十九世纪末在中国又得以引进, 并成 为中国现代佛教占主导地位的流派。然而,最令人不得其解的是这个流派对二 十世纪新派儒学的发展产生了重大影响,并以更为激进的方式塑造了“没有合题 辩证法”特色的中国哲学。 澄清上述论点之后,接下来我们来讨论构成本书的三个章节内容。其中提 到的天台宗、华严宗和禅宗自然而然属于上述提到的“中国特色佛教”。另外,禅 宗在其发展演变过程中曾受到多重影响,是一种复杂现象,因此很难准确地谈 论其哲学背景。但是,我认为,可以确定的是,天台宗和华严宗思想都源于中 16 国佛教史上四大翻译家之一鸠摩罗什(343-413)的译著。因此,有必要简要介 绍其译著所塑造的哲学观。尽管鸠摩罗什的思想以及源于其译著的流派的思想 异常复杂,彼此之间也存在诸多细微差异,但毋庸置疑的是,他的中心思想确 立于所谓的“大乘佛教思想”,这是“中国特色佛教”的主要思想。“大乘佛教思想”基 于两个核心论点假设“大乘佛教”在本质上优于“小乘佛教”。第一,设立了二者之 间的区别,即将“大乘佛教”定义为“不生不灭之教”,而 “小乘佛教”为“生灭之教”。 第二,“大乘佛教”对“二谛”理论的阐释更为复杂,为“由言教得二谛”,将“二谛”与 教化过程联系起来,给予修者言语不可及之体验(理);而小乘佛教的二谛论 则认为“二谛以领悟佛性为目的”。毋庸讳言,这种将“大乘佛教”视为“不生不灭之 教”的观点及其“由言教得二谛”的思想,对理解天台、华严两宗派来说,是不可 或缺的思想基础,对天台宗“三谛”教义的形成具有尤为显著的影响。 这里发表的有关天台宗、华严宗和禅宗的文章,对这些宗派的核心主题进 行了广泛、全面和恰当的阐述,值得仔细认真阅读。然而,不同于谈论天台宗 和华严宗的文章,关于禅宗的文章存在颇具争议的内容,需要作简要评论。首 先,文章提到对玄奘译文中关于佛教的“佛性”和“开悟”概念翻译的批判。虽然这 些都是相当复杂且颇有争议之问题,但也不能否认该批判与上述提到的回归印 度佛教教义本源是相契合的。然而,最重要的是,虽然作者对禅宗伦理问题作 了极为贴切的论述,但却未对任何当代禅宗具体的伦理主题进行评论。需要注 意的是,这是一个需要适时展开论述的话题,作者要进行详细论述。 参考书目 Ychikawa Hakugen, “Bukkyosha no senso sekinin”, Ychikawa Hakugen chosakushu, Vol.3, Editora Hozokan. Kyoto, 1984. Noriaki Hakamaia, “Hongaku shisô hihan”, editora Daizo Shuppan, Tóquio, 1989. “Hihan Bukkyo”, editora Daizo Shuppan, Tóquio, 1990. “Pruning the Bodhi Tree: the storm over critical Buddhism”, edited by Jamie Hubbard&Paul L.Swanson, University of Hawaii Press, Honolulu, 1997. James Mark Shieldes, “Critical Buddhism: engaging with modern Japanese buddhist thought”, Ashgate, Burlington, 2011. Brian Victoria, “Zen at war”, Weatherhill, New York, 1997. 17 Budismo Tiantai1 Autor: Brook Ziporyn Tradutores: Guilherme Amaral Luz e Matheus Landau Revisor: Joaquim Monteiro Tiantai2 é o nome de uma montanha e dos seus arredores geográficos na China, significando, literalmente, “plataforma do céu”, mas o termo e tradicionalmente utilizado para nomear uma escola particular de Budismo Mahayana conectada historicamente àquele local. Neste artigo, o termo “Tiantai” será usado para se referir às ideias filosóficas desenvolvidas do século VI ao século VII por essa escola, tal como expostas nos escritos de três das suas figuras mais representativas: Tiantai Zhiyi (538-597), Jingxi Zhanran (711-782) e Siming Zhili (960-1028). Para traduzir a terminologia escolástica um tanto quanto técnica de Tiantai e a sua orientação soteriológica tipicamente budista para categorias filosóficas tradicionais aproximadas, nós podemos começar identificando um conjunto de temas gerais que são característicos do pensamento de Tiantai. Tiantai é: um contextualismo consciencioso, um holismo consciencioso, um monismo consciencioso e uma teoria da imanência absoluta. Ele assevera uma impermanência sem exceções, um anti-substancialismo sem exceções e uma ambiguidade de identidade sem exceções para todas as entidades finitas e condicionadas. Epistemologicamente, isso implica ceticismo consciencioso acerca de toda reivindicação incondicional e antirrealismo consciencioso. Eticamente, implica uma ZIPORYN, Brook. Tiantai Buddhism. In: Zalta, E. N. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Fall 2021 Edition), Stanford, CA: The Metaphysics Research Lab, 2021. Disponível em : <https://plato.stanford.edu/cgi-bin/encyclopedia/archinfo.cgi?entry=buddhism-tiantai>. Acesso em 11 jun. 2022. The following is the translation of the entry on Tiantai Buddhism, in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the version of the entry in the SEP’s archives at <https://plato.stanford.edu/cgi-bin/encyclopedia/archinfo.cgi?entry=buddhism-tiantai >. This translated version may differ from the current version of the entry, which may have been updated since the time of this translation. The current version is located at <https://plato.stanford.edu/entries/buddhism-tiantai/>. We’d like to thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to translate and to publish this entry. 2 NT. Em caracteres chineses: 天台 18 1 renúncia conscienciosa de todos os objetivos finitos, da mesma forma que um repúdio consciencioso a todas regras morais, consequências morais ou virtudes morais determinadas. Mas o nosso entendimento de cada um desses pontos deve ser meticulosamente modificado pela premissa mais característica de todo o pensamento de Tiantai, que determina o sentido que pretendemos para o termo “consciencioso” aqui: a ideia de “autorecontextualização”, conforme a qual a completa expressão de qualquer elemento da experiência, de toda e qualquer entidade determinada, implica intrinsecamente a sua auto-superação. Essa mudança de pensamento pode ser chamada de dialética, porém, num sentido distinto tanto das noções hegelianas quanto marxianas de dialética, no qual não seja nem teleologicamente progressiva nem hierárquica. Ela tem raízes em: 1) no interesse nativo dos chineses nos “reversos” observados nos ciclos da natureza, concebidos conforme a antiga generalização ingênua de que quando algo chega ao seu extremo, esse algo irá seguir em direção “reversa”, que o aumento na extensão ou intensidade de uma coisa leva a sua auto-debilitação (ex.: algo esfria até chegar ao mais frio possível e, a partir daí, começa a esquentar) e nas 2) ruminações sofisticadas sobre a natureza do condicionamento desenvolvido nas doutrinas do Vazio e as Duas Verdades expressas na lógica Budista Indiana. Isto quer dizer que, em Tiantai, “contextualismo consciencioso” reverte-se na afirmação de que toda entidade valida-se em si mesma, sem exceção, que “holismo consciencioso”, em Tiantai, reverte-se também em individualismo consciencioso, “monismo consciencioso” também em pluralismo consciencioso, “imanentismo consciencioso” também em transcendentalismo consciencioso, juntamente com a reivindicação de que esses extremos são, na verdade, quando considerados de modo meticuloso, sinônimos uns dos outros. Isso significa que, para todas as entidades finitas e condicionadas, impermanência sem exceções é percebida como sendo também eternalismo sem exceções, anti-substancialismo sem exceções é percebido como sendo também substancialismo sem exceções, antirrealismo sem exceções é percebido como sendo também realismo sem exceções, de novo, suplementado pela reivindicação a respeito da intercambialidade dessas afirmações aparentemente opostas. De maneira similar, ceticismo consciencioso a respeito de todas as reivindicações é visto também como “trivialismo” consciencioso (o argumento de que todo possível argumento seja verdadeiro); antirrealismo consciencioso, também um realismo fanaticamente absoluto mesmo para as mais fugazes aparências; renúncia conscienciosa de objetivos finitos, regras morais, consequências morais e virtudes morais é vista como sendo também aceitação sem exceções de todos os objetivos finitos e como o endossar de todas as regras, consequências e virtudes morais determinadas. 19 Quando baixa a poeira dessas reviravoltas, Tiantai acaba por apresentar uma visão ímpar da estrutura da realidade: todo evento, toda função ou toda característica que ocorre em qualquer experiência em qualquer lugar é a ação de todos os seres sencientes e insencientes trabalhando juntos. Todo instante da experiência é o todo da realidade manifestando a sua forma particular como essa entidade ou experiência particulares. Cada um desses instantes não é, contudo, meramente forma acidental, dispensável; mais do que isso, é, em si mesmo, incondicional e inerradicável, eterno e onipresente. Ademais, esse “todo da realidade” é irredutivelmente múltiplo e irredutivelmente unificado de uma só vez, da seguinte maneira: todos os possíveis aspectos conflituosos, contrastantes e axiologicamente variados estão irrevogavelmente presentes – no sentido de serem “localizáveis” – na e como cada uma dessas totalidades-efeitos individuais determinadas. Bem e mal, engano e iluminação, estado de Buda e estado diabólico estão todos “inerentemente vinculados” em cada e todo evento. Essas entidades múltiplas não são “simplesmente localizadas”, seja virtual ou conceitualmente: o “todo” que é o agente performador de toda experiência não é uma coleção dessas entidades variadas “inerentemente vinculadas” ou as qualidades arranjadas lado a lado, como moedas em um bolso. Mais do que isso, são “intersubsuntivas”. Isto é: qualquer uma delas subsome todas as outras e, ainda assim, por causa da visão do que a “subsumissão” realmente é, cada uma é subsumida por cada uma das outras também: toda relação é subsumissão e toda subsumissão é intersubsumissão. Cada parte é o todo, cada qualidade subsome todas outras qualidades e, ainda assim, nenhuma é nunca erradicável. Um Buda no mundo torna o mundo todo Buda, saturado em cada lugar com a qualidade da “condição de Buda”; um demônio no mundo torna o mundo todo demônio, permeado pelo “demoníaco”. Tanto o Buda quanto o demônio estão sempre no mundo. Assim, todo evento no mundo é sempre inteiramente estado de Buda e, inteiramente, demoníaco. Todo momento da experiência é sempre completamente engano, mal e dor, inteiramente, e também completamente iluminação, bem e prazer, inteiramente. O budismo tradicional dá uma explicação de relativo bom senso para a experiência senciente: cada momento da experiência senciente é um aparato sensório que encontra um objeto, dando origem, assim, a um momento particular de plena consciência. Mas, na visão de Tiantai, cada uma desses três – órgão sensório, objeto e momento de consciência – é em si mesma absoluta, a inteireza da realidade, expressa sem resíduos na forma temporária peculiar do órgão sensório, do objeto e dessa consciência. Por isso, cada momento da experiência de todos os seres é descrito, para parafrasear um dos primeiros trabalhos canônicos do Tiantai, como segue: 20 A totalidade absoluta encontra a totalidade absoluta, e o resultado é a origem da totalidade absoluta. (法界對法界起法界3) O Absoluto, o todo da realidade, é único e eterno, sempre o mesmo e onipresente, mas ele é também o tipo de todo que se divide de si mesmo, encontra a si mesmo, origina-se como novo a cada momento, engendra-se a si mesmo como o fluxo transiente de cada momento único e individual da experiência de todo ser senciente. Como essa visão se estabeleceu e quais as suas consequências é aquilo que se pretende explicar neste artigo. 1. As Três Verdades: Vazio, Postulado Provisional e Centro ( 空假中 kong, jia, zhong) 1.1 Arcabouço do Argumento das Três Verdades: Chegando ao “Nem-IgualNem-Diferente” 1.2. A Autossuperação do Holismo no Onirreducionismo 1.3 De Duas para Três Verdades: a Autossuperação da Apophasis no Trivialismo 2. Contextualismo e Ambiguidade Ontológica 3. Auto-recontextualização Transformativa (開權顯實 kaiquanxianshi) 3.1 A Estrutura de Ponto de Partida e Agudeza da Realidade 3.2 Ensinamentos de Tiantai sobre Ensinamentos: “Impermanência” como Oposição e Sinônimo de “Permanência” (em Quatro Passos) 3.3 Tempo e Fatos 3.4 Autossuperação do Todo em Qualquer parte Upayática 4. A Realidade Definitiva de Todas as Aparências(諸法實相 zhufashixiang ) 4.1 Mal Inerente Inerradicável do Estado de Buda e da natureza-de-Buddha dos Seres Insencientes 4.2 Estado de Buda como Realização Completa da Condição da Larva de Escaravelho et alia 5. Diversidade Prática e Doutrinal 5.1 Autossuperação da Hierarquia Doutrinal em Oniultimato 5.2 A Contemplação da mente como os Três Mil (觀心 guanxin, 一念三 千 yiniansanqian) Referências 3 NT. Em Pinyin: Fǎjiè duì fǎjiè qǐ fǎjiè. 21 Ferramentas Acadêmicas Outros Recursos na Internet Verbetes Relacionados 1. As Três Verdades: Vazio, Postulado Provisional e o Centro (空假中 kong, jia, zhong) O argumento meta-nivelar da auto-recontextualização como auto-reversão, que se aplica a todos os níveis das doutrinas de Tiantai, é ele próprio consequência de algumas considerações a respeito do contextualismo, do holismo e da condicionalidade, com as quais é, portanto, conveniente iniciar a nossa exposição. O cerne da questão, a renovação mais fundamental e abrangente do Budismo concebido pela escola Tiantai, é a mudança do modelo de Duas Verdades para o de Três Verdades. As Duas Verdades é um heurístico epistemológico e pedagógico da maior parte do Budismo Mahayana, mas em Tiantai as Três Verdades são tomadas como corolário lógico necessário para qualquer determinação proposta e, por isso, a serem aplicadas igualmente a quaisquer entidades ontológicas, epistemológicas e éticas. Elas podem ser resumidas pelo argumento de que nenhuma entidade pode ser igual ou diferente de qualquer outra entidade. Esta relação de nem-igualdade-nem-diferença é a relação de “enquanto-idade”4: cada coisa determinada é a totalidade de todas as outras coisas possíveis enquanto coisa. A não-igualdade implica que as características específicas de todas as outras coisas são, em algum sentido, encontráveis em cada coisa, que todas as suas múltiplas propriedades e funções serão simultaneamente operantes nela. 1.1 Arcabouço do Argumento das Três Verdades: Chegando ao “Nem-Igual-NemDiferente” Podemos reconstruir o argumento a favor desta afirmação como segue: 1. Para qualquer coisa ser o que é, ela deve ser mutuamente excludente com qualquer coisa que ela não seja. Se ela tem aspectos ou qualidades em comum com algo além dela, não obstante, isso é estipulado para que seja especificamente ela mesma e não na medida em que os possua em comum. Por 4 NT. Tradução neologística para o neologismo “asness” em inglês. Trata-se de uma tentativa de transformar a conjunção “enquanto” (as) em substantivo abstrato por meio do sufixo “idade” (ness). 22 isso, é indistinguível de outras coisas que compartilhem deles, mas, ainda assim, enquanto seja diferente delas. 2. Ser é ser determinado. Ser determinado é ser finito, não-tudo. Ser finito é ser condicionado. Qualquer coisa estritamente incondicionada seria ipso facto onipresente (nenhum outro lugar particular pode ser a “condição” para a sua existência) e estaria sempre ocorrendo (nenhum outro tempo particular pode ser a “condição” para a sua existência) e, portanto, indistinguível de qualquer outra coisa. Isso seria equivalente a não ser de modo algum determinado, pois seria impossível a uma entidade incondicionada ser mutuamente excludente com qualquer coisa, uma vez que tal exclusão teria que ser “condição” da sua existência. 3. Qualquer entidade deve ser co-presente com alguma alteridade; deve existir em um mundo que inclua aquilo que ela não é; por exemplo, (pelo item n. 1), algo que seja mutuamente excludente àquilo (mesmo que seja apenas o espaço vazio ao seu redor). Alguma forma de co-presença-com-a-alteridade é uma característica essencial da existência de todas as entidades. Todas as formas de relação, inclusive as de causalidade e de contraste conceitual, são instâncias dessa necessidade de co-presença-no-mundo. 4. As condições a partir das quais ela deve ser diferente, embora relacionada, incluem não apenas fatores causalmente eficientes e imediatamente contíguos, mas também estados de coisas prévios. Indo mais a fundo, a alteridade copresente constitutiva não pode ser não-X em geral, pois, assim, seria meramente a repetição da determinação de X em si mesmo, ao reverso; na medida em que não há mais em não-X do que a negação de X, nenhum conteúdo novo é oferecido em contraste, o que, portanto, pressupõe X. Mais do que isso, as exclusões que tornam a determinação de X devem ser outras determinações específicas, outras exclusões; em princípio, devem incluir toda e qualquer coisa da qual a entidade em questão seja diferente: ser determinada enquanto X é uma exclusão específica de todas as coisas e estados não-X específicos. Nós adquirimos m a maior compreensão do que seja a essência de um cão, aprendendo mais sobre toda e qualquer coisa em particular que não seja um cão; como ele se difere especificamente de um gato, de um porco-espinho, de uma mesa, de uma toalha... (Nosso conhecimento é, assim, sempre constitutivamente parcial e em processo; conhecer X está sempre em compasso com saber mais sobre X. Conhecimento per se é não-onisciência.) 23 5. Entretanto, toda co-presença-no-mundo, todo condicionamento, toda relação, toda causalidade entre duas entidades requerem algum entrecruzamento ou interface entre elas. Deve haver algum lugar, coisa, tempo, meio ou conceito que simultaneamente as inclua ou que ambas possam incluir. Quaisquer duas entidades devem ter algo em comum para que possam estar co-presentes – para terem relações causais ou mesmo para serem contrastadas. 6. Mas não há entidades genuinamente distintas, na medida em que sejam distintas e, portanto, determinadas, que tenham qualquer coisa em comum. 7. Portanto, duas entidades mutuamente excludentes não podem ter relações condicionantes entre si. 8. Portanto não há entidades que sejam genuinamente excludentes mutuamente. Assim, a natureza da determinação estipulada no item n. 1 deve ser suplementada. Este reescrever da natureza da determinação é as Três Verdades. 9. Qualquer coisa que pareça ser, por exemplo, pareça ser apenas o que é e nada mais, não pode ser mutuamente excludente com qualquer coisa que ela não seja. X é “não-diferente” de não-X. Esta não-diferença é chamada de vazio ( 空 kong, Śūnyatā) de X. Porque X é não-diferente de não-X, ele não consegue preencher a condição de ser o X estipulado no item n. 1 e, então, X não é X; X é “vazio”. 10. Porém, X é também “não-igual” a não-X. Empiricamente, se fosse igual, não haveria um X a ser considerado não-diferente: sua presença não é nada a não ser a sua não-identidade com todos outros estados. Logicamente, a alternativa para a concepção de Tiantai é a hipótese bivalente padrão de que ou algumas entidades existem ou de que nenhuma entidade existe; mas ambas existirem e não-existirem é algo que requer não-igualdade. Por exemplo, a não-igualdade entre existente e não-existente. Qualquer coisa determina seu não-igual com aquilo que não é ela mesma, de acordo com o idem n. 1. Esta é a razão pela qual não há nada além de nada: mesmo o nada total ainda seria determinado e não-igual àquilo que não é; por exemplo, não-igual a “algo-idade”5. Nada seria, portanto, alguma coisa, assim, a questão sobre o porquê de haver algo ao invés de nada é, na verdade, discutível. Não-igualdade àquilo que não é é analiticamente necessário a qualquer entidade sugerida. Mesmo que nenhuma 5 NT. Tradução neologística para o neologismo “somethingness”. Entender por: “a condição ou o estado de ser alguma coisa” 24 11. 12. 13. 14. 15. entidade seja sugerida, “nenhuma-entidade-sendo-sugerida” não obterá a menos que o postulado de entidades seja, de tal feita, excluído e não-igualdade seja necessária para conseguir excluir o postulado de qualquer entidade. Essa nãoigualdade a não-X é chamada de Postulado Provisional ou Verdade Convencional (假 jia) de X. A não-igualdade de X e não-X e a não-diferença entre X e não-X são, em si mesmas, não-iguais uma a outra e não-diferentes uma da outra. Não-igual, apesar de ser não-diferente, é Postulado Provisional. Não-diferente, apesar de ser não igual, é Vazio. Essas são apenas maneiras reversas de dizer a mesma coisa, mas o reverso é, em si mesmo, inegligenciável. Eles são dois sentidos opostos e mutuamente excludentes dados a um referente singular e idêntico. Eles são sinônimos e, ainda assim, contrastes. Isso se chama Centro ( 中 zhong). X deve ser um aspecto ou uma parte de mais do que qualquer coisa que pareça ser e, mesmo como parte ou aspecto, não pode realmente ser um singular idêntico (ex.: simples e bivalentemente mesmo e diferente) aspecto ou parte do que pareça ser. Mas ele também parece e deve parecer ser o que é e nada mais e pode aparentar apenas se inicialmente apareça como mutuamente excludente com aquilo que não é: aparecer é aparecer como alguma coisa, com algo que apareça como finito. O todo do qual cada aparência é parte ou aspecto nunca pode simpliciter aparecer, ainda que em pensamento. Estará sempre aparecendo como uma coisa específica (ou conceito ou pensamento) ou outra. Estar presente como X não é ser X, mas é algo como este não-X estar se mostrando apenas como X. Ser X é excluir não-X, mas apenas de modo a necessariamente envolver não-X, o que só pode ser feito por meio de mostrar a si mesmo exclusivamente como X. Então, as Três Verdades são: i. Postulado Provisional: algum X é sempre aparente. ii. Vazio: X não é (somente) X. iii. O Centro (ou Meio): A simultaneidade, inseparabilidade, igualdadeenquanto-diferença de X aparecendo e X não sendo apenas X (este é o Centro na sua formulação mais simples, enquanto “o Centro exclusivo” ( 但中 danzhong) que, em si mesmo, não é nem Vazio nem Postulado Provisional, está além de ambos e é mais definitivamente real que ambos, mas apenas pode aparecer enquanto um ou outro). 25 16. Uma implicação adicional do Centro, chamada “Centro não-exclusivo” (不但中 budan zhong): Duas coisas putativamente distintas, Y e X, são também nãoiguais-e-não-diferentes uma da outra. Uma vez que o Centro nunca pode simpliciter aparecer, ele sempre aparece enquanto alguma coerência específica que se mostra, da qual é não-diferente. Postulado Provisional é intrínseco a toda instância tanto do Vazio quanto do Centro e Postulado Provisional é sempre um postulado provisional específico (mesmo o conceito abstrato “postulado provisional” ou o conceito abstrato “vazio” ou “o centro” ainda é um postulado provisional específico.) Cada postulado provisional envolve outro postulado provisional, especificamente. Y é uma instanciação de X. X é uma instanciação de Y. Todas as outras aparências são, assim, “intersubsuntivas” com X. O Centro, no limite, não está além nem é mais real que o Vazio ou o Postulado Provisional, mas é, em si mesmo, sinônimo-enquanto-constraste com eles, de tal modo que ao ser Vazio, Provisionalmente Postulado ou ser algum postulado provisional é o Centro, o agente que subsome e é subsumido por todos postulados provisionais – e vice-versa. 1.2 A Autossuperação do Holismo em Onirreducionismo A partir disso, nós talvez possamos ver de que modo a Tiantai é capaz de estipular, ao mesmo tempo, autopreservação e autossuperação tanto do holismo quanto da apophasis. Primeiramente, atomismo de qualquer tipo é rejeitado como ininteligível e um contextualismo radical é reivindicado: as coisas apenas podem ser determinadas em relação a um contexto e não pode haver limitações não-arbitrárias da extensão e da multiplicidade de contextos, já que cada cada contexto será ele próprio inteligível apenas em relação a um contexto maior. Isso parece levar a um holismo de alguma espécie: cada coisa aparentemente isolada é, na verdade, um aspecto ou expressão de algum todo mais abrangente, e cada um desses todos finitos deve ser um aspecto ou expressão de outra totalidade ainda mais abrangente. A parte é dependente do todo, o condicionado é dependente do incondicionado. Porém, o incondicionado não pode ter qualquer identidade específica separada, nem mesmo como “o incondicionado per se”. Qualquer determinação para o todo acaba por se reverter em outras determinações, precisamente, graças ao seu sucesso em ser uma determinação para o todo sem exceção. Por exemplo, Tales diz que a Terra é feita de água. Isso é estipulado após isolar outras totalidades menores: água, terra, fogo, ar. Cada uma dessas totalidades já era um 26 todo finito, envolvendo um alegado colapso desde a aparência até a realidade mais profunda: o que parecia serem árvores, pedras e pilares passou a ser parte de um todo maior, “terra”, modos pelos quais a terra aparece ou se manifesta. O que parecia serem calor corporal, chamas e sol tornaram-se parte de um todo maior, “fogo”, modos pelos quais o fogo aparece ou se manifesta. Agora, Tales diz que ambos são realmente partes de um todo maior, “água”, modos pelos quais ela aparece e se manifesta. Porém, cada uma dessas afirmações generalizantes envolve uma mudança-de-significado para o termo em questão. “Água”, inicialmente, significava “aquilo que não é fogo, terra, vento, que os exclui, o que é contrastado a eles”. Depois de Tales, “água” significa também “aquilo que se expressa às vezes como aguado, às vezes como fogoso, às vezes como terreno, às vezes como ventoso”. Junto vem Heráclito e reivindica que tudo é, na verdade, “fogo”. “Fogo” agora também significa “aquilo que se expressa às vezes como aquoso, às vezes como fogoso, às vezes como terreno, às vezes como ventoso”. O que se pretende com reivindicações desta natureza, permitindo-os parecer como realizando trabalho explanatório, é a manutenção de uma distinção entre qual dessas expressões é primária e quais são secundárias, quais são diretas e indiretas; mas Tiantai negaria que essas distinções possam ser significativamente mantidas uma vez que essa totalização tenha sido efetuada. Porque cada um agora significa o todo, eles perdem seus sentidos originais, pois aquele sentido era inteiramente dependente de um contraste a algo que foi excluído. Se fogo é tudo, então, fogo não é fogo. Se água é tudo, então, água não é água. Se fogo é tudo, então água é, na verdade, fogo. Se água é tudo, então, fogo é, na verdade, água. Se fogo é, na verdade água, então, água é, na verdade, fogo. Portanto, por meio da universalização de qualquer entidade determinada, nós alcançamos a reversão daquela determinação em algo que se expressa como todas as demais determinações e, ao mesmo tempo, isso mina o seu próprio status privilegiado de fundação última, tornando todas as outras determinações possíveis igualmente incondicionadas, onipresentes, universais, absolutas. Identificar o absoluto de uma entidade é, assim, desabsolutizar aquela entidade e absolutizar cada uma das demais entidades. 1.3 De Duas para Três Verdades: A autossuperação da Apophasis em Trivialismo A posição de Tiantai sobre as Três Verdades deriva de uma compreensão particular da doutrina das Duas Verdades avançada pelos filósofos budistas indianos da escola Madhyamaka, interpretada como defensora de que qualquer coisa específica que possamos falar sobre o mundo seria, na melhor das hipóteses, uma “Verdade 27 Convencional”, e que serviria como uma espécie de “jangada” para a superar em direção à “Verdade Definitiva” do Vazio – determinações de qualquer tipo, portanto, seriam, na melhor das hipóteses, meios indispensáveis para ir além de si mesmas, a serem descartadas quando seu trabalho tiver sido feito. A própria estipulação do Vazio (Śūnyatā) seria uma jangada para ir além não só de outras visões determinadas, mas também do próprio Vazio enquanto “visão”, teoria ou conceito. A Verdade Definitiva, verdadeira realização do Vazio, seria, assim, no melhor dos cenários, um termo celebratório utilizado para apontar a uma experiência inefável de liberação de todas as visões, de todas as concepções definidas de “coisas” determinadas. A motivação para isso seria soteriológica em um sentido pan-budista específico: o objetivo de toda iniciativa humana, incluindo a filosofia, a ética, a epistemologia, é tomado como sendo a redução ou eliminação do sofrimento. O Budismo defende que isso é o que nós estamos sempre tentando fazer, mas, normalmente, de um modo ignorante e autodestrutivo. Ele arroga prover um modo mais eficaz. Note-se que isso não reclama o que seja valioso, antes, direciona-se ao que é assumido como um necessário envolvimento com o que significa considerar algo valioso, a saber: o que estrutura um desejo enquanto desejo. Desejar é dar valor e sofrer, simplesmente a insatisfação do nosso desejo. Portanto, todas as iniciativas são esforços para eliminar algum sofrimento, isto é: para satisfazer um desejo. A contribuição característica do Budismo é, assim, notar que o desejo por qualquer objeto ou estado condicionado é necessariamente autodestrutivo. Isso porque ser condicionado é ser trazido à existência por uma causa qualitativamente distinta, heterogênea e extrínseca. Porém, indo mais a fundo, essa não pode ser uma causa extrínseca singular, pois se algum efeito foi produzido por uma causa singular, aquela causa e seu efeito estariam sempre co-presentes – em quaisquer espaço e tempo em que tenha ocorrido aquela causa, o efeito iria também ocorrer. Porém, isso significaria que a causa não mais seria extrínseca ao efeito; eles seriam, ao contrário, necessários e intrinsecamente conjugados, na verdade, seriam dois aspectos de uma única e irredutível entidade, o que significaria que nenhum evento causal, na verdade, nunca ocorre. Isso quer dizer que todas as coisas condicionadas requerem múltiplas causas, cada qual, em si mesmo, por sua vez, requer múltiplas causas. Isso introduz uma instabilidade intrínseca e um conflito interno em qualquer coisa que exista condicionalmente; isto é: o que quer que seja finito é determinado. O incondicionado teria que ser onipresente, onitemporal e indeterminado. Mas a natureza do desejo é ter condições específicas de satisfação: desejar é requerer algumas circunstâncias ao invés de, em detrimento de algumas outras – minimamente, prazer ao invés de dor. Isso quer dizer que desejo enquanto desejo é desejo por algo condicionado; 28 caso contrário, não haveria necessidade alguma para o desejo, já que o estado desejado estaria sempre e em todo lugar presente. O desejo deseja um efeito singular em detrimento de qualquer outro, mas a recusa da efetividade para qualquer causa singular também implica que o que é produzido por qualquer processo causal nunca pode ter um efeito singular único. Já que o que é produzido não depende somente de uma única causa ou mesmo de um conjunto finito de causas consideradas como unidade, a produção de um novo evento sempre requer a conjunção com alguma condição até então excluída. Já que, por hipótese, esta nova condição não é uma parte consistente do conjunto original, ela não será sempre a mesma e, portanto, o efeito não será único e o mesmo. Cada conjunção irá produzir seus próprios efeitos e, por hipótese, não há limite para o conjunto de conjunções (pois isto faria delas uma simples causa singular). Menos rigorosamente, sustenta-se que os objetivos-cruzados e as tendências conflitivas assim construídos em qualquer efeito tornam impossível para que ele seja uma entidade estável e homogênea, consistentemente, isolável dos estados condicionados opostos que pretende excluir, tal como requer a estrutura exclusiva de desejos específicos. O que quer que seja desejado deve estar presente em um espaço e tempo particulares de modo identificável; o que quer que seja assim é condicionado e o que quer que seja condicionado supõe impermanência e, então, sofrimento. A negação pan-budista da existência de um “si mesmo” reside no mesmo ponto: a impossibilidade de eventos de causa-singular. O si-mesmo aqui negado é precisamente aquele que reivindica a causalidade-singular: o agente de ações cuja putatividade não requer nenhuma condição segunda para produzir um efeito, por exemplo, intentar algo, fazer algo, querer algo, experimentar algo. O si-mesmo nunca age sozinho, não possui efeitos independentes quaisquer e, assim, na verdade, não é um si-mesmo-enquantoagente-eficaz. “Si-mesmo”, neste sentido, essencialmente, significa “controlador”. Já que não existe causalidade singular, não há qualquer controlador singular e, portanto, nenhum “si-mesmo”. Também por essa razão, a satisfação do desejo não é sustentável. Ao se fazer o que o si-mesmo deseja, outras causas colaterais à atividade do si-mesmo também estão sempre envolvidas; o efeito não está sob o controle do si-mesmo e, assim, inevitavelmente, irá contrariar seus desejos, suas próprias contribuições causais ao efeito. Realmente, as análises dos primeiros budistas sobre a condição humana colaboram para a afirmação de que todo desejo é, na verdade, uma versão-fiduciária desse desejo impossível por controle, por causalidade de agente-singular, por pura autonomia, por individualidade; portanto, todo desejo é condenado. As mesmas considerações também possuem sérias consequências epistemológicas. Os budistas consideravam posturas teóricas e posições filosóficas como, 29 elas próprias, objetos de desejo, de apego. Já que tais posturas são elas próprias específicas, determinadas, elas são ipso facto condicionadas. Como condicionadas, elas são ipso facto sofrimento. Portanto, apego a concepções era visto como uma forma de sofrimento e obstáculo para a liberação. Todas as visões metafísicas determinadas sobre como ou o que as coisas são deveriam transcender e serem abandonadas. Na maioria das teorias indianas dominantes, aquelas ideias são tomadas como de validade temporária na qualidade de verdades convencionais: elas servem como “jangadas”, a serem agarradas temporariamente, mas apenas porque elas são meios eficientes para a superação delas próprias. Isso inclui tanto as doutrinas budistas específicas quanto o próprio discurso convencional ordinário (necessário até mesmo para comunicar as ideias budistas). Quaisquer que sejam as ideias que, dessa feita, não levem ao seu próprio abandono (e, portanto, não levem ao fim do sofrimento) não contam nem mesmo como verdades convencionais, por exemplo: 1) teorias metafísicas e religiosas sobre o Absoluto ou afirmações incondicionadas sobre o mundo como um todo e 2) visões não-convencionais de coisas do mundo, afirmações que contrariam a linguagem ordinária da comunidade. Há uma tendência hierárquica na teoria indiana das Duas Verdades: primeiro, falsidade simples, incluindo todas as teorias filosóficas sobre a realidade e as visões inconvencionais. Depois, as verdades convencionais, que incluem ideias do cotidiano comum a respeito de si-mesmo e do outro, causa e efeito e outras, assim como as ideias budistas sobre sofrimento, as Quatro Verdades Nobres, não-si-mesmo e até sobre o “Vazio”, considerado como um conceito. Essas ideias, instrumentalmente, levam além delas mesmas à experiência do Vazio, que é a liberação de todas as visões. As verdades convencionais possuíam um valor instrumental, mas nenhuma era, de fato, a “verdade” sobre as coisas – Vazio significava que todas elas eram, em última instância, falsas. Ademais, há, de fato, apenas um ou dois tipos de verdade convencional: primeiro, o discurso cotidiano de bom senso, os nomes gerais corretos para as coisas tal como utilizadas no dia a dia de uma comunidade particular. Em segundo lugar, as ideias budistas. A razão pela qual elas contem como “verdade” é porque elas são úteis para nos levar à liberação do sofrimento – e nos levar à liberação dessas próprias ideias. Proposições “verdadeiras” são proposições que têm o poder de levar para além delas mesmas. Isso leva a uma situação um tanto quanto paradoxal em diversos níveis. Há sempre um problema na teoria do Vazio: supõe-se que o Vazio não seja, de modo algum, uma “visão”; nada tem a predicar sobre a realidade. Mas se ele faz algo que seja, se ele nega ou exclui qualquer outra visão, ele ainda é, na visão de Tiantai, um tipo de visão. Ser algo em particular é o mesmo que excluir outra coisa em particular. Isto é tudo o que uma 30 “coisa” é, isto é tudo o que uma “visão” é. Ser algo é o mesmo que excluir outro algo; nada é mais necessário para contar como um ser. A teoria do Vazio pré-Tiantai leva a um regresso infinito, dando voltas em torno do próprio rabo quanto ao problema da transcendência do Vazio: nenhuma afirmação pode representá-lo, nem mesmo “todas as coisas são Vazio”. Ele está puramente sobre e além qualquer coisa que possa ser pensada ou dita, qualquer experiência ordinária de identidades no mundo. Ele é a negação que se supõe não possuir qualquer relação com tudo aquilo que ele nega; escapa completamente dos sistemas de relações, da condicionalidade. Supõe-se que o Vazio seja estritamente “inconcebível”. Em Tiantai, este problema desaparece. O Vazio ainda é muito importante, mas ele é simplesmente uma afirmação condicionada sobre a incondicionalidade. Nós não temos toda a condicionalidade (especificidade, particularidade) de um lado e toda a incondicionalidade (transcendência, inconceptibilidade) do outro. Tudo – toda experiência, toda identidade, toda ação – está no mesmo barco: elas são tanto condicionadas como incondicionadas, tanto concebíveis quanto inconcebíveis. O pensamento, a experiência, o conceito de “Vazio” são tanto condicionais quanto incondicionais, concebíveis e inconcebíveis, como “água” e “fogo” em nosso exemplo a respeito. Vazio é um marcador especialmente eficiente do holismo autoexplodido. É o termo que se aplica mais facilmente em qualquer lugar e, portanto, em última instância, em nenhum lugar, permitindo a todos outros termos fazerem o mesmo. Ele é Provisionalmente Postulado, o que significa ser ao menos localmente coerente (condicionado, determinado, concebível), mas é em si mesmo também Vazio, o que significa ser globalmente incoerente (incondicionado, indeterminado, inconcebível). Ele aparece na experiência como algo em particular (localmente coerente como precisamente esta palavra e este pensamento “Vazio”), mas esta coerência localizada, como qualquer outra, é assombrada pelo seu próprio e inseparável nimbo de infinitas exclusões, infinitos contextos, cada qual o contextualizando, diferentemente, e, assim, o conferindo identidades cambiantes: há mais nisso do que qualquer conceito singular, inclusive o conceito de “Vazio”, pode suportar. O vazio é, para utilizarmos uma palavra cunhada apenas para este uso em Tiantai, “maisqueissidade”6: e maisqueissidade é em si mesma maisqueissitiva7. Ele não aparece como apenas maisqueissidade, mas, na qualidade de entidades específicas, como algo mais, acima e além, simples maisqueissidade como tal. Ambiguidade é ambígua em si mesma: fogo não é apenas fogo, é ambíguo; mas 6 NT. Neologismo “moretoitivity”, em inglês. A expressão busca transformar, em substantivo abstrato de qualidade, a sentença “more to it”, literalmente, “mais do que isto”. Tentando ser o mais fiel possível a esta construção, propomos a palavra “maisqueissidade”. 7 NT. Neologismo “moretoitivity” adjetivado como “moretoitive”. 31 ambiguidade não é apenas ambiguidade, é também fogo. Isso também se aplica a tudo o mais. Coerência local e coerência global (Postulado Provisional e Vazio) são apenas duas maneiras de dizer a mesma coisa. Na teoria das “Três Verdades” em Tiantai, ao invés de se concluir que cada visão e coisa particular é falsa, nós concluímos que tudo é, no limite, verdadeiro. Toda visão possível é igualmente uma verdade. Não há mais uma hierarquia entre os níveis e nenhuma categoria de plena falsidade. “Verdade Convencional” em Tiantai não é algo a ser deixado de lado quando se alcança a iluminação, mas, antes, algo que se obtém, se domina e se intensifica naquela condição. Além disso, nada se deixa de fora disso – todos os possíveis enunciados, pontos de vista, ideias, conceitos, posições são verdades convencionais. O critério permanece o mesmo: todas as coisas podem ser utilizadas como “meios engenhosos” para levarem à condição de Buda. Agora, portanto, temos Três Verdades, que não são apenas instrumentos à maneira de jangadas para nos levar além de todos os enunciados e conceitos a uma verdade final mais elevada que não nos permita ter visões enviesadas e particulares, mas, antes, como três formas verdadeiras de enxergar qualquer coisa particular. Não se trata de uma jangada para alcançar além de todas as jangadas, mas uma jangada que leva à fábrica que produz e abriga todas as jangadas e que nos permite mover livremente de uma jangada a outra, incluindo a primeira. Contudo, talvez você veja uma parte particular do mundo como o mundo todo. Isso é “convencionalmente” verdadeiro. Não há apenas algumas poucas verdades convencionais, mas um número infinito delas, mesmo quando elas se opõem e contradizem diretamente. Assim, na teoria das Duas Verdades, nós poderíamos dizer: “isto é uma xícara” é convencionalmente verdadeiro e “esta xícara está vazia” é uma verdade convencional superior, que nos leva, ao final, a uma inconcebível experiência direta do vazio da xícara, liberdade do apego a qualquer visão que seja desta xícara, o que é a liberação de todo o sofrimento. Se alguém, todavia, apontasse para esta “xícara” e dissesse, “isto é um elefante”, esta não seria uma verdade convencional, pois não é o que a maioria das pessoas pensa a respeito, não sendo nem o discurso comum na linguagem da comunidade nem um termo budista formulado para levar além de si mesmo. Seria um erro pleno. E se alguém dissesse, “isto é uma expressão da vontade de Deus”, seria igualmente um erro, nem mesmo uma verdade convencional, uma vez que estaria tentando afirmar algo para além de um uso convencional em direção a uma verdade absoluta, definitiva e universalmente aplicável. Porém, na teoria das Três Verdades de Tiantai, não só é verdade dizer “isto é um elefante” ou “isto é a Vontade de Baal” como também dizer “isto é uma xícara”. E nenhuma dessas formulações é menos verdadeira 32 que dizer, “isto é vazio”, ou, menos ainda, que a “experiência” do vazio desta xícara/elefante. Em ambos os casos, o que temos é um modo localmente coerente de enxergar esta coisa – apenas significa que ela aparenta desse modo de alguma perspectiva, conforme um conjunto de parâmetros, durante algum tempo. Não interessa mais se esses parâmetros sejam compartilhados pelo bom senso de uma comunidade particular ou grupo linguístico; tudo o que importa é que é possível fazer com que ela possa aparentar desta forma, que ela parece daquele jeito de algum lugar, que seja por um momento. Na teoria das Duas Verdades e do Vazio, nada é realmente verdadeiro. Na teoria das Três Verdades de Tiantai, tudo é verdadeiro. Nós não precisamos de um “Vazio” extra fora desse modo localmente coerente de ver as coisas. Vazio apenas significa que qualquer coisa que seja localmente coerente é também ipso facto globalmente incoerente. Isto é: quando todos os fatores são levados em consideração, o modo original do qual qualquer coisa apareça não é mais presente sem ambiguidade, mas é restaurado como uma jangada que leva a todas as outras, incluindo ela própria, como aspectos inerradicáveis de toda e qualquer realidade.8 2. Contextualismo e Ambiguidade Ontológica Um simples experimento hipotético pode ilustrar as implicações dessa ideia. Imagine que você se depare com algo que se pareça com um mármore branco sobre o chão. Você o experimenta como circular, pequeno, branco e, imediatamente, constrói uma atitude viva em relação a ele – algo que pode ser pego, rolado, tomado como brinquedo, colocado no bolso. Mas então você vai e o pega, mas percebe que está preso no chão. Você não pode levantá-lo. Você tenta cavá-lo, mas descobre que ele se estende para baixo, por mais que você possa cavar: ele é a ponta de um item maior. Parece ser um bastão longo ou um cano cilíndrico de algum tipo. Mas na medida em que cava mais, depois de 13 centímetros de finura estreita, você descobre que o objeto começa a se expandir lateralmente: é o pináculo no topo de um cone. Esse cone expande lateralmente na medida em que você continua cavando mais fundo. Quando você chega a meio metro para baixo, o cone termina encrustado em um material suave e escamoso. Então, a terra treme e um enorme monstro de dois chifres emerge do subsolo; Ele tem 150 metros de Nota do revisor: A passagem da "Teoria das duas verdades" na escola Madhyamaka para a "Teoria das três verdades" na escola Tiantai já tem um precedente importante na escola Madhyamaka chinesa que deriva das traduções de Kumarajiva. De fato, Ji-Zang (549-623) já se refere à relação entre as "Duas verdades" e o "princípio" (Li). Este precedente, além de historicamente importante, aponta para uma estrutura lógica nas traduções de Kumarajiva. 8 33 altura e cada um dos seus chifres tem 6 metros de altura, com uma longa e afiada ponta. Você estava cavando um de seus chifres. O que você via como um mármore sobre o solo era, na verdade, a pontinha de um dos chifres. Agora, olhe novamente aquela ponta. Você a havia experienciado como circular. Porém, ela acabou se mostrando afiada, não redonda. Ela não se alterou, entretanto; você ainda vê aquilo que via. Ela também não é branca: a ponta parecia branca contra o solo, mas agora, olhando para o chifre do monstro como um todo, você vê um padrão de pontos verdes aqui e ali junto ao branco: visto como um todo, o chifre, incluindo a sua ponta, parece verde. Também não é algo que possa ser movido, colocado no bolso, brincável. Ao contrário, é muito perigoso, afiado e a ser evitado. Contudo, nada que você tenha visto desapareceu: apenas foi suplementado com informações a mais, com o seu contexto maior. Tiantai enxerga tudo dessa forma. Normalmente, você faria algumas qualificações para preservar sua visão de que alguns fatos são ambíguos (realmente, em alguma medida, isso é precisamente o que a filosofia tradicionalmente é); você poderia dizer: “a ponta, considerada em isolado, é circular”. O procedimento usual é interpor a distinção entre “como parece” e “como realmente é”, uma forma de distinção realidadeaparência. Porém a consequência mais importante da transformação das Duas Verdades em Três Verdades é a negação integral da distinção aparência-realidade. Tiantai rejeitaria privilegiar seja a consideração em isolado ou considerando qualquer conexão particular singular; qualquer uma delas seria legítima em alguns contextos heurísticos (upayáticos), mas nenhum poderia ser não-arbitrário, destinado ao papel de representar o que seria “realmente o caso”, simpliciter. Ver algo é ver o “não-tudo” dele. Nós sempre estamos vendo um pequeno fragmento do mundo, mas cada pedacinho do mundo é modificado pelo fato de ser uma parte do mundo, é recontextualizado pelo resto do mundo, pelo resto de espaço e pelo resto de tempo. Na verdade, se nós víssemos tudo, nós não veríamos nada. Pois ver, tomar algo como estando “lá”, como “real”, é localizá-lo em um contexto, contrastá-lo com algo fora de si mesmo, algo que ele não seja. Ver tudo é não ver nada. Como no caso do “fogo” e da “água” acima, se alguém dissesse que o universo inteiro é “circular”, isso iria requerer mudar o sentido de “circular”. Isso deveria ser contornado por algo que o desse a forma de círculo, mas o universo ainda incluiria o que está na parte “fora-do-círculo”. Se alguém dissesse que o inteiro universo é reto, isso também não faria sentido algum. Este reto não seria reto, pois o reto requer um não-reto fora dele para ser reto. Dizer que todo o universo é reto, assim, não significa mais nem menos que dizer que todo o universo é circular. Não podemos fazer qualquer determinação sobre o todo, sobre o universo inteiro, fora do qual nada existe, pois todas as especificações particulares requerem o contraste a algo fora delas. Tudo o que podemos dizer ou pensar vem da 34 dimensão da finitude e não pode ser aplicado ao infinito. Mas o ponto da Tiantai é que não podemos falar de nada finito sem também envolver alguma determinação do Todo, do infinito. Se vamos dizer que algo é reto, devemos assumir que “todo o universo é de tal maneira que este algo é reto”. Não podemos dizer que: todo o universo não pode ser “tal que este mármore é reto” ou, ainda menos, que todo o universo possa ser “reto”. Mas isso também quer dizer que não Podemos dizer que todo o universo é “tal que este mármore é não-reto”. Qualquer um é igualmente legítimo e igualmente ilegítimo. O que podemos dizer, portanto, é que este mármore parece circular, mas circular é de tal modo que ele está sempre se tornando algo que é mais do que circular, não-circular e vice-versa. Circularidade é maisqueissitivo. Circular e não-circular intersubsomem um ao outro. Em resumo, circularidade está presente em toda não-circularidade, e enquanto maisqueissidade, maisqueissidade está presente como circularidade e como toda nãocircularidade. Para tornar isso claro, considere o que segue: O que é a seguinte figura? Ο O que é esta “mesma” figura no diagrama abaixo? −2 −1 Ο 1 2 O que é agora? M N −2 −1 Ο 1 2 P Q E agora: Ο M N −2 −1 Ο 1 2 P Ο 35 Q Quando observada isoladamente, aquela figura redonda deve ter se apresentado imediata e irrefletidamente de acordo com os nossos hábitos ou atos mentais aproximados. Se estivéssemos pensando a respeito de números um momento antes, ela apareceria simplesmente como um “zero”, sem ambiguidades; se estivéssemos pensando em letras, como a letra “o”; se sobre formas, como um “círculo”. Quando um contexto singular explícito foi adicionado no segundo diagrama, ela ganhou uma identidade clara e definida: era o número zero. Porém quando adicionamos outro contexto ao mesmo tempo, no terceiro diagrama, a figura tornou-se ambígua: poderia ser lida como um zero ou como a letra “O”. Na medida em que adicionamos mais contextos, sua identidade torna-se mais e mais ambígua. No diagrama final acima, nós podemos apontar à figura circular inicial e dizer, validamente: “Isto é um triângulo”, pois é o vértice de um triângulo formado com outros dois círculos não-contíguos e não-próximos. Quem vai saber quais outros círculos existem no mundo e quais outras figuras esta coisa bem aqui está formando realmente? Quando consideramos todas as coisas no universo ao mesmo tempo, as identidades iniciais que atribuímos a elas são suplementadas por mais e mais ambiguidade. Olhando apenas a série de letras em isolado, isto era um zero: isso é coerência local. Quando vemos esta xícara simplesmente como uma xícara, estamos a fazer o mesmo: a ignorar muitos outros fatores, contextos, pontos de vista, modos de ver e afunilando os fatores relevantes para permitir que isto apareça como algo simples e sem ambiguidade: uma xícara. Se considerarmos as moléculas das quais ela é feita, ou a energia que expressa, ou os usos que ela pode assumir no contexto de várias narrativas, ou seu passado profundo e seu futuro profundo, sua “condição-de-xícara” torna-se ambígua: ela é simultaneamente muitas outras coisas, parte de muitas histórias diferentes. É uma pontinha na tela de transformações de energia, ou uma arma fatal, ou um objeto artístico, ou um batente. O mesmo é verdadeiro em relação a você e às suas ações aqui e agora. São sem ambiguidade, apenas na medida em que estreitamos nossa visão sobre isso (uma maneira pela qual podemos estreitar nossa visão, obviamente, é fazendo filosofia, uma das narrativas nas quais contextualizamos nossa experiências pode ser um sistema conceitual que pressuponha a separação de essências, atributos, acidentes, formas substanciais ou o que você tiver e que faça distinção entre aparências e realidade, de tal modo que isso pareça ser “essencialmente” uma xícara e apenas, “acidentalmente”, uma arma fatal e apenas “pareça ser” uma revelação de Baal). Este é o significado de Vazio em Tiantai: ambiguidade ontológica. O termo “ambiguidade” usualmente refere-se apenas ao modo pelo que vemos as coisas. 36 Assumimos que, em nós, tudo é simplesmente o que é, porém, nós temos uma visão turva; não podemos, contudo, diferenciar se algo é isto ou aquilo. Assumimos que, ao menos em princípio, algo deve ser um ou outro. A ideia de Vazio é aquela em que isto é “ontologicamente” verdadeiro, a saber: ele pertence à própria existência dos seres. Dizer que são vazios não significa que sejam lacunas, pois isso seria uma coisa definida, uma exclusão específica de todo conteúdo determinado, o que é, ipso facto, em si mesmo, um conteúdo determinado. Vazio, aqui, significa, muito mais, que eles sejam, em si mesmos, ambíguos. De novo, isso quer dizer que tudo é mais do que parece ser, ou melhor, constitutivamente, mais do que possa parecer ser, independentemente dos ângulos a partir do qual seja visto, do quão detalhadamente seja conhecido, de quanta informação compreensiva foi reunida em torno dele. Tudo tem propriedade de ser “algo” (uma xícara, uma cadeira, um elefante) com um conjunto de características específicas, mas cada “algo”, apenas para ser algo, possui a característica adicional da “maiqueissidade” – está sempre transbordando tudo o que seja determinado a respeito de si, sendo mais do que pode ser visto por qualquer ângulo. Este “mais”, no entanto, não preserva o “conhecido” original sem mudança. Ao contrário, o contextualiza. Estamos sempre vendo a ponta de um iceberg. Porém, mesmo a “ponta” não é mais a mesma que pensávamos antes de sabermos que era a ponta de algo mais. A chave aqui é a inexistência de descontextualização total e que largar um contexto é sempre entrar em outro. Relações contextuais não requerem contiguidade física e o espaço vazio circundante a algo dado não o retira de recontextualizações subsequentes, mas é, ele próprio, um contexto: um contexto ilimitável que se abre a infinitos contextos alternativos. 3. Auto-recontextualização Transformativa (開權顯實 kaiquanxianshi) Este estranha estrutura “nem-igual-nem-diferente” das Três Verdades deve ser compreendida de acordo com outro conceito chave de Tiantai: “abrir o provisional para revelar o real” (開權顯實 kaiquan xianshi). Essa é uma maneira adicional de especificar a relação entre coerência local e incoerência global, que não são apenas sinônimas, mas irrevogavelmente opostas e idênticas tão somente por meio de sua oposição e exclusividade mútua. Verdade provisional é o antecedente, a premissa e seguramente, em um sentido distintivo, a causa da verdade definitiva, mas apenas porque ela é a exclusão estrita da verdade definitiva. 3.1 A Estrutura de Ponto de Partida e Agudeza da Realidade 37 Pode-se comparar isso à estrutura de uma relação entre o ponto de partida e o momento de agudeza de uma piada. Considere a seguinte: (Ponto de partida) Duas pessoas conversam em um ônibus. Uma diz para a outra que estava indo para um laboratório de biologia no centro da cidade para buscar seu cachorro. “Os cientistas estão fazendo uma investigação sobre ele”, disse. “Ele nasceu sem nariz”. “Mesmo”, disse a outra. “Como ele cheira?” (Agudeza) “Terrível”. Vamos falar dessa estrutura. Quando ouvimos a questão “como ele cheira?”, ela parece uma questão séria, uma expressão de séria curiosidade sobre a anatomia canina e a sua mutação. Ela tem a qualidade de seriedade, de fatualidade, de informação nãoirônica. Não há nada de engraçado sobre esta formulação. Porém, quando a agudeza se apresenta, retrospectivamente, aquele ponto de partida fica engraçado. O ponto de partida é engraçado por ter sido recontextualizado pelo trocadilho com a palavra “cheirar”, que a faz ter mais de uma identidade quando colocada em novo contexto. O interessante a notar aqui é que, precisamente, por não ser engraçado que o ponto de partida era engraçado. Em outros termos, se fosse desde já engraçado, se não fosse tomado como sério por um instante, o contraste entre os seus dois sentidos diferentes jamais teria ocorrido do modo necessário à produção da risada, para torná-lo realmente engraçado. Nós temos um ponto de partida que é sério e um momento de agudeza engraçado, mas quando reconsideramos o ponto de partida desde o ponto de vista de quem já conhece a agudeza, o início também é engraçado. Antes de mais nada, nós não dizemos que apenas a agudeza é engraçada. Dizemos que o conjunto da piada é engraçada. O ponto de partida é engraçado no modo de ainda não ser engraçado. Apenas é engraçado porque não é engraçado. Isso é igual no Sutra de Lotus e na realidade. Você é Iluminada! Eis o que diz o Budismo Mahayana: todos são Iluminados! Toda pessoa é um Buda! Todavia, você é um Buda do mesmo modo que o ponto de partida de uma piada é engraçado, ou seja, não sendo um Buda. Enquanto se esforça em direção ao estado de Buda, em direção a outra coisa, mas revisando, recontextualizando ou expandindo a atenção, que vem sendo a técnica preferida ao longo do Budismo, cada coisa que forma os detalhes da vida cotidiana, das lutas para interagir, para lidar com as 38 condições, sofrimento e falta de controle não é apenas meio para o estado de Buda. Elas são em si próprias o estado de Buda enquanto vida de um ser senciente. A verdade “provisional”, convencional, coerência local, é o ponto de partida. A “verdade definitiva”, Vazio, incoerência global, ambiguidade ontológica, é a agudeza. O que é importante aqui é preservar tanto o contraste entre as duas como a sua identidade definitiva de compartilharem a qualidade de humor que pertence a cada fração mínima de uma piada considerada como um todo, uma vez que o ponto de partida tenha sido revelado. O ponto de partida é sério, enquanto a agudeza é engraçada. A graça da agudeza depende da seriedade do ponto de partida e do contraste e da diferença entre os dois. Contudo, uma vez que a agudeza ocorre, também o ponto de partida, retrospectivamente, é engraçado. Isso quer dizer também que o contraste original entre os dois é tanto preservado quanto anulado: nem graça nem seriedade significa a mesma coisa depois que a agudeza emerge, pois seus sentidos originais dependem na natureza mutuamente excludentes dos seus contrastes definidos. O ponto de partida é sério ou engraçado? As duas coisas: é engraçado enquanto sério e sério enquanto engraçado. A agudeza é séria ou engraçada? As duas coisas, mas de um modo diferente. É obviamente engraçada, mas também é séria? Sim. Por que? Porque agora que o ponto de partida ocorreu, tanto “engraçado” quanto “sério” têm sentidos diferentes. Originalmente, pensávamos que “engraçado” significava “aquilo que me faz rir quando escuto” ou algo assim e “sério” significava “aquilo que me dá uma informação não-engraçada” ou algo parecido. Mas agora vemos que “engraçado” também significa: Aquilo que eu levo a sério, aquilo sobre o que não me faz rir, aquilo que estou disposto a considerar, ou chorar a respeito ou mesmo lamentar. Mas isso também quer dizer que “sério” significa “aquilo que pode se tornar engraçado ou sério”. Assim, tanto “engraçado” como “sério” significam agora “engraçadoe-sério, o que pode parecer tanto engraçado como sério”. Cada um deles é agora um centro que subsome o outro; eles são intersubsuntivos. Por consequência, o velho padrão pragmático de verdade é aplicado de modo mais livre aqui: todas afirmações, formulações e posições são verdadeiras no sentido de que todas podem, caso propriamente recontextualizada, conduzir à liberação – isto é: à sua autossuperação. Reciprocamente, nenhuma conduzirá à lieração se não for propriamente contextualizada. 3.2 Ensinamentos de Tiantai sobre Ensinamentos: “Impermanência” como Oposição e Sinônimo de “Permanência” (em Quatro Passos) 39 Este contextualismo é intrínseca e completamente aplicado aos próprios ensinamentos budistas, incluindo, especialmente, seus ensinamentos mais fundamentais sobre o caráter básico da existência: impermanência, sofrimento e não-ser – além daqueles sobre as soluções para tais condições: iluminação e estado de Buda. São todas as coisas permanentes ou impermanentes? Existem seres ou não-seres? Podemos acabar com o sofrimento ou não Podemos? Para Tiantai, a questão correta a fazer para compreender e aplicar à doutrina não é “é verdadeira” – pois todas doutrinas são “verdadeiras” no sentido de “liberarem” em alguns contextos e não em outros – mas “em que sentido e em que contexto ela é verdadeira, quer dizer: liberadora?” É nesta conecção que devemos entender a “classificação dos ensinamentos” de Tiantai. Entre as muitas assinaturas utilizadas para este propósito no Tiantai tradicional, a mais importante filosoficamente é a classificação dos quatro tipos de conteúdo dos ensinamentos de Buda (化法四教)9, chamado Quatro Ensinamentos, a saber: Tripitaka, Comuns, Separados e Perfeitos (藏,通,別,圓)10. Esses quatro tipos de conteúdo são vistos por pensadores Tiantai não como quatro ensinamentos diferentes, mas como explicações crescentemente mais sutis de um mesmo conteúdo, o ensinamento budista básico por meio de recontextualizações mais e mais expansivas. Tiantai classifica todos os ensinamentos encontrados nas escrituras budistas Mahayana nesses quatro tipos gerais, de acordo com o grau em que desenvolvem o entendimento dos conceitos budistas básicos de condicionalidade universal, ou seja, Impermanência, Sofrimento e Não-Ser. Deve-se notar, de novo, que todos os quatro tipos são vistos como “ensinamentos verdadeiros” do Buda – verdadeiros no sentido de validade proposta como meio de liberação do sofrimento dos seres sencientes em algum contexto particular – e que nenhum é considerado descrições unicamente verdadeiras da realidade. Ademais, mantendo a abordagem geral de Tiantai sobre interpretação, eles realmente não são diferentes ensinamentos. Eles são vistos como exposições alternativas à mesma ideia quando recontextualizada, em degraus variados de completude tal como apropriado, embora – como iremos ver – eles pareçam prima facie estar em contradição direta uns com os outros. Como tal, esse esquema nos provê um robusto modelo geral do conceito Tiantai de autossuperação do sofrimento, impermanência e não-ser, no qual eles estão para ser superados por meio de permanecerem exatamente como eles são e, ainda mais, de aqui em diante também revelados como sendo os seus opostos. 9 NT. Em Pinyin: Huà fǎ sì jiào. NT. Em Pinyin: Cáng, tōng, bié, yuán. 10 40 Zhiyi toma uma passagem obscura de uma tradução chinesa do Mahayana Mahaparinirvana Sutra como um dos seus modelos para essas quatro exposições. Literalmente, a passagem é a seguinte: (Realidade) não pode ser descrita em termos do surgir do que surge. Ela não pode ser descrita em termos do não-surgir do que surge. Ela não pode ser descrita em termos do surgir do que não-surge. Ela não pode ser descrita em termos do não-surgir do que não-surge. Ela não pode ser descrita em termos do surgir ou não-surgir [em nenhuma de tais formas]. Contudo, sob certas circunstâncias ela pode ser validamente descrita em termos de qualquer uma delas. A passagem pode ser de algum modo traduzida livremente da seguinte maneira: O gerado gera: isso não se pode dizer. O gerado é não gerado: isso não se pode dizer. O não gerado gera: isso não se pode dizer O não gerado não gera: isso não se pode dizer Não se pode dizer que haja geração ou não gerado em quaisquer dessas formas. Embora nenhuma das quatro afirmações possam ser feitas, ainda assim, qualquer uma delas pode ser feita sob certas circunstâncias [isto é: nenhuma é literal ou absolutamente válida, mas todas são convencionalmente válidas – isto é: pragmaticamente efetivas em conduzirem à liberação – em certas situações]. 生生 不可說,生不生亦不可說,不生生亦不可說,不生不生亦不 可說,生亦不可說,不生亦不可說,以有因緣故可得說11 Para Zhiyi, esta passagem faz mais do que a usual negação budista do tetralema seguido pela sua afirmação provisional. Ao contrário, ele vincula essas quatro posições às seguintes quatro categorias gerais, cada qual com a sua forma distinta de compreender NT. Em Pinyin: Shēngshēng bùkě shuō, shēng bù shēng yì bùkě shuō, bù shēngshēng yì bùkě shuō, bù shēng bù shēng yì bùkě shuō, shēng yì bùkě shuō, bù shēng yì bùkě shuō, yǐ yǒu yīn yuángù kě dé shuō. 11 41 as Quatro Verdades Nobres e, portanto, suas próprias maneiras de compreender a natureza de todas as coisas, a natureza de todos os eventos condicionados, tanto do surgir quanto do perecer ou sofrer (isto é: de toda experiência ordinária), tanto do sofrer quanto da liberação do sofrimento, e de como eles se relacionam: 1. Ensinamentos Tripitaka 藏教: “O gerado gera” 生生, ou literalmente, “O surgir do que surge”. As coisas descritas pelas Quatro Verdades Nobres: todas experiências condicionais de sofrimento assim como a experiência do Incondicionado que seja liberação do sofrimento, na verdade, surgem e perecem. (shengmie sidi 生滅四諦) Todas as coisas são vazias enquanto sejam impermanentes e desaparecem sem deixar vestígios quando são analisadas e dissolvidas em suas partes (“vazio analítico” xikong 析 空). 2. Ensinamentos Comuns 通教: O Gerado [Aparentemente] [Na Verdade] é Não Gerado 生不生, ou, literalmente, “o não-surgir do que surge.” As coisas descritas pelas Quatro Verdades Nobres: todas as experiências condicionadas do sobrimento bem como a experiência do Incondicionado que sejam liberação do sofrimento não surgem [nem prerecem]. (wusheng sidi 無生四諦) Todas as coisas são vazias em sua natureza desde o início (enquanto as literalmente impermanentes e dissolvidas em partes não são) (“vazio corporificado na coisa”, tikong 體 空). 3. Ensinamentos Separados 別 教 : O Não Gerado [Previamente Estabelecido] Gera [Infinitamente] 不生生, ou literalmente, “o surgir daquilo que não surge”. As coisas descritas pelas Quatro Verdades Nobres: todas as experiências condicionadas do sofrimento bem como a experiência do Incondicionado que seja liberação do sofrimento podem ser validamente descritas não apenas como “realmente” vazias de quaisquer determinações de si mesmas e, assim, nem surgir nem perecer, mas também, porque elas são aspectos do trabalho liberador compassivo de um bodisatva, em uma infinidade de maneiras alternadas. (wuliang sidi 無量四諦) As caracterizações prévias das coisas como vazias ou como não-vazias são ambas unilaterais, pois as coisas, na realidade, não são nem vazias nem não-vazias. Mais do que isso, tanto Vazio quanto todas as coisas não-vazias são manifestações do “Centro”, uma tertium quid que está além mas também inclui tanto o aspecto não-gerado quanto o gerado; de uma vez só forma e sem-forma, as constantes e infinitas produções de formas pela não-forma, semforma presente apenas enquanto a infinidade de formas. É o colapso do vazio e do não42 vazio em algo que seja imediatamente ambos: sua unidade, que é a fonte real de ambos: essa é a natureza-de-Buda como “Centro Exclusivo” danzhong foxing 但 中 佛 性 , escondida entre os dois extremos, o núcleo interno de todos os fenômenos como sua fonte e realidade última. 4. Ensinamentos Perfeitos 圓教: As (coisas infinitas geradas pelas) Não geradas (são também) Não geradas 不生不生, ou literalmente, “o não-surgir do não-surgir.” As coisas descritas pelas Quatro Nobre Verdades: todas as experiências condicionadas do sofrimento bem como a experiência de liberação do sofrimento, em todas aquelas formas infinitas alternadas, são [na verdade, na sua infinita produção,] não-feitas e nãoiniciadas (e intermináveis). (wuzuo sidi 無作四諦) Cada coisa é vazia, não-vazia e o Centro. Cada coisa não é nem vazia, nem nãovazia, nem o Centro. Cada coisa é inteiramente e apenas vazia. Cada coisa é inteiramente s apenas não-vazia. Cada coisa é inteiramente e apenas o Centro. Cada coisa subsome todas as outras. Cada coisa é subsumida por todas as outras. Cada uma das sentenças anteriores neste parágrafo é sinônima uma da outra. Não apenas cada coisa: o aspecto de vazio é ele mesmo vazio, não-vazio e Centro, e considerado puramente em seus próprios termos, é não apenas a negação de todas as coisas, mas também é, quando completamente pensado, o postulado de todas as coisas (não-vazias) e a identidade do postulado e da negação (Centro). O mesmo é verdadeiro para o aspecto do não-vazio e do Centro: cada um sozinho é todos os três. Isto é o “Centro NãoExcludente da Natureza-de-Buda”. Budanzhong Fuxing 不但中佛性 Porque isto é o que um Buda vive e descobre, isso é chamado “Natureza-de-Buda”. Cada coisa no centro do universo, a substância da qual todas as outras coisas são atributos. Cada uma é a fonte gerando todas as coisas, mas também contém inerentemente todas as coisas em si, de modo que não gera nada e, de modo semelhante, é gerada e contida por cada outra coisa. Cada coisa é lida igualmente como outra coisa. Cada coisa é também o fim em direção ao qual todas as outras tendem, o telos de todas as coisas. Uma exposição mais detalhada dessas quatro posições e as suas relações umas com as outras é apresentada no documento suplementar que segue: Quatro Ensinamentos12 3.3 Tempo e Fatos 12 https://plato.stanford.edu/entries/buddhism-tiantai/four-teachings.html 43 As Três Verdades são, de fato, três formas diferentes, mas mutuamente implicadas, de considerar qualquer objeto ou estado. Cada uma implica as outras duas e cada uma é uma forma de descrever o todo daquele objeto, incluindo os seus outros dois aspectos. Ser estabelecido é ser negado. Começar é ser constitutivamente incompleto; ser determinado é ser ambíguo, ser algo é ser mais do que esse algo. Se ele não for mais – outro – que X, ele não seria nem mesmo X. Podemos pensar isso em termos do status de um “fato”. Emerson, em seu ensaio History (1841), diz: “O tempo dissipa em éter brilhante a angularidade sólida dos fatos. Nenhuma âncora, nenhum cabo, nenhuma cerca auxilia um fato a manter-se como fato.” Ele queria dizer que todo fato histórico registra “à distância”, em outros tempos e espaços, assumindo o papel de uma metáfora cada vez mais ramificada que se aplica a mais e mais casos individuais, com mais e mais ricas e diversas implicações. Com poucas e pequenas modificações, isso nos traz próximos às visões de Tiantai: tudo o que precisamos é especificar que “tempo” e “fato” não são duas coisas realmente diferentes, com o primeiro agindo a favor da ambiguação da solidez do segundo, mas são, na realidade, dois lados da mesma coisa, dois aspectos de um processo único, na verdade, são, no limite, sinônimos. Tempo é somente a adição de outros fatos. Novos fatos são apenas a presença de tempo adicional. Na visão de Tiantai, esses novos fatos não são impostos externamente sobre o fato inicial, mas são postulados como o contexto que, sozinho, o tornou primeiramente um fato, o determinou como apenas aquele fato. “Tempo” apenas significa a auto-postulação tanto de si mesmo quanto de outros fatos por qualquer fato. Tempo torna fatos fatos e desfaz fatos ao produzir mais fatos, todos os quais intrínsecos ao primeiro fato: história é a postulação e a transcendência, o autoestabelecimento e a auto-recontextualização de qualquer fato dado. Em outros termos, vamos estipular que um fato – qualquer determinação sobre aquilo que ele seja – seja algo, a princípio, cognoscível e que a sua cognoscibilidade implica uma relação sujeito-objeto e, portanto, uma “distância” ou separação, algum espaço fora do qual o fato está para ser conhecido. Isso significa que um fato somente é um fato caso haja algo fora dele, um outro fato, um outro tempo, um lugar do qual observá-lo; ele não conta como um fato a menos que ele possa impactar em algum outro lugar, a menos que se relacione com alguma alteridade. Mas isso significa que nossa viagem para além de si mesmo em direção à alteridade é intrínseca a sua facticidade e que é esta viagem para além de si mesmo que Emerson denota com a palavra “tempo”. Para ser como tal, um fato de ser visível de qualquer outro lugar e qualquer outro lugar, seja em um espaço físico ou conceitual, implica na postulação ilimitada de ainda outras perspectivas alternativas das quais pode ser visto, fatos a impactarem, pontos de vista a 44 interpretar e internalizar metaforicamente o fato inicial. Para algo ser um fato é necessário que postule distâncias de si mesmo e, assim, seja visível por outro lado. Mais simplesmete, podemos dizer que, para Tiantai, o tempo é simplesmente a “abertura contínua do provisional para revelar o real”: um processo infinito de autorecontextualização no qual o passado permanece imutável e, por outro lado, esteja sendo constantemente transformado com cada recontextualização. Um momento de tempo é a recontextualização de todo o passado. Isso também implica que a noção de Tiantai sobre a interpervasão do passado, presente e futuro e sobre a “inerente inclusão” de todas entidades em cada uma, está longe de resultar numa pintura estática do universo sem qualquer criatividade genuína. Para Tiantai, cada momento de tempo traz com ele não apenas um novo conjunto de ocasiões reais, mas um novo conjunto de “princípios eternos” – obrigações categóricas, objetos eternos, leis, universais. Cada momento é efetivamente a criação de um novo Deus que determina de modo renovado o caráter do resto do universo e de todo o passado e futuro. Um momento, para ser um momento, deve ser rodeado por outros momentos dos quais se diferencie. “Agora” deve ser diferente de “depois”. Mas isso quer dizer que “agora” deve relacionar-se com “depois”. O “depois” é parte do mundo do “agora”, contra o qual ele se define, ao qual ele se posiciona em contraste necessário. Esse contraste não pode ser nem interno nem externo ao “agora” e ao “depois”. “Agora” é, na verdade, “agora-depois” e “depois” é, na verdade “depois-agora”. Isso é fácil de compreender se consideramos o estado da completa totalidade de ser, em um momento, M e, em outro momento, M+1. O estado de coisas em M é considerado como tendo o poder de causar o surgimento do estado de coisas em M+1. Mas se M estiver ausente quando M+1 chegar, ele não pode “alcançar” M+1 para fazer algo a ele; ele já terá desaparecido, será nãoexistente e, assim, nada pode fazer. Se o estado de coisas em M continua a existir quando M+1 chega, contudo, o tempo teria falhado em mover-se adiante ou deveremos admitir a coexistência de dois estados totais alternativos de ser ao mesmo tempo. Se o aparecimento de M+1 não necessita do desaparecimento de M (que por nossa hipótese possui o poder de trazer M+1 à tona), M continuaria, assim, a gerar precisamente M+1 repetidamente para sempre. Em quaisquer dos casos, tempo não seria possível e nenhuma entidade real surgiria. Momentos de tempo não são nem iguais nem diferentes; eles são presentes como um ao outro, o passado como presente como futuro, o futuro como passado e presente, o presente como passado e futuro. O passado ainda não está terminado – todo momento do presente e do futuro revela mais sobre o passado e suas infinitas mutações, pois eles são não-diferentes dele, embora o permitam aparecer como esses novos momentos. O presente nunca se inicia – não importa quanto mais para trás 45 você olhe, sempre será capaz de encontrar todas as características do presente lá, imutáveis embora aparecendo como algum momento anterior. O presente nunca termina – todos os momentos futuros são desvelamentos posteriores sobre este momento presente da experiência que acontece aqui e agora. 3.4 Autossuperação do Todo em qualquer parte Upayática Como no Budismo antigo, podemos dizer que todas as coisas são impermanentes, mas agora nós sabemos que isso é apenas uma forma situacional enfraquecedora-de-apego de dizer “impermanentes-permanentes”. Podemos dizer que todas as coisas são permanentes – querendo dizer “permanentes-impermanentes”. Podemos dizer que algumas coisas são permanentes e outras, impermanentes – querendo dizer “algumas-todas são permanentes-impermanentes” e “todas-algumas são impermanentes-permanentes”. Entretanto, também se note que isso não significa que “permanente-impermanente” seja a verdadeira verdade, já que “permanente” e “impermanente” são ambas distorções unilaterais. Essa seria a crítica de Tiantai nomeada “Centro exclusivo”. Mais propriamente, apenas enquanto “permanente” realmente significa “impermanente-permanente” é que “impermanente-permanente” realmente significa permanente ou que realmente significa “impermanente”, pois impermanente-permanente aparece como permanência e como impermanência e cada uma delas é a inteireza e não meramente partes do todo. Ser permanente já é ser impermanente – não há outra permanência. Ser impermanente já é ser permanente também – não há outra impermanência. Tudo é engraçado, tudo é sério, tudo é engraçado-sério. Cada um é perfeitamente igual sinônimo para todos os três. Cada um é igualmente uma descrição adequada-inadequada da verdade. O mesmo se aplica a todos os demais casos. Nós podemos dizer que tudo é sofrimento – querendo dizer “sofrimento-prazer”. Podemos dizer que tudo é prazer – querendo dizer “prazer-sofrimento”. Podemos dizer que tudo é mente – querendo dizer “mente-matéria”. Podemos dizer que tudo é matéria – querendo dizer matéria-mente. Podemos dizer que existe um Deus – querendo dizer “Deus-sem-Deus”. Podemos dizer que não há Deus – querendo dizer “Sem-Deus-Deus”. Podemos dizer que tudo é ilusão – querendo dizer “ilusão-realidade”. Podemos dizer que tudo é realidade – querendo dizer “realidade-ilusão”. Podemos diser que algumas coisas são verdadeiras e outras são falsas – querendo dizer “algumas-todas são verdadeiras-falsas e todas-algumas são falsasverdadeiras”. Podemos dizer haver progresso histórico – querendo dizer “progressoestagnação”. Podemos dizer que há estagnação histórica – querendo dizer “estagnação46 progesso”. Podemos dizer que a sociedade é má – querendo dizer “má-boa”. Podemos dizer que a sociedade é boa – querendo dizer “boa-má”. Podemos dizer que somos algumas vezes felizes e outras infelizes – querendo dizer “nós-todo-mundo somos-é algumas-todas-vezes felizes-tristes e algumas-todas-vezes tristes-felizes”. E assim por diante. Como poderíamos escolher o que dizer a cada momento? Se tudo pode ser dito no mesmo sentido, o que deveríamos dizer aqui e agora? Deveríamos dizer qualquer coisa que seja mais condutível à liberação do sofrimento, de apegos unilaterais, nesta situação particular e contexto. 4. A Realidade Definitiva de Todas as Aparências(諸法實相 zhufashixiang)13 O mesmo método perpassa todas as frases de efeito de Tiantai, tal como a reivindicação de que “todos os momentos são permanentes”, como já vimos, ou “todas as aparências são a realidade definitiva”, ou “o mal é inerradicável do bem maior, o estado de Buda”. Eles querem dizer, obviamente: que nenhum momento jamais termina, que qualquer coisa que apareça para qualquer pessoa por quanto tempo for é a realidade definitiva da qual tudo se origina e para a qual todas as coisas retornam, a qual explica, suporta e sustenta todas as coisas. Suficientemente verdadeiro. O oposto também seria verdadeiro. Mas essas reivindicações particulares são enfatizadas nos escritos clássicos de Tiantai para deslocar os preconceitos unilaterais mais comuns que tendem para o outro lado. Já que a impermanência das coisas e o aspecto ilusório das aparências são enfatizados no resto do Budismo, assume-se que qualquer pessoa que acesse a Tiantai já estará atenta a esse lado da realidade e sob o risco real de se agarrar a ele. Por isso, a Tiantai afirma o contrário, que é igualmente verdadeiro. Todas as aparências são a realidade definitiva: como pode isso ser verdadeiro? Normalmente, nós acreditamos em algum tipo de contraste entre aparência e realidade: “eu pensava ser aquilo uma cobra, mas uma investigação de perto mostrou ser uma corda”. Eis o que a maioria do Budismo fala: “eu pensava existir um ser, mas ele acabou se tornando um maço de agregados impermanentes”. Ou, “eu pensava haver um mundo, mas ele se mostrou ser tudo mente ou natureza-de-Buda ou ilusão”. Também se assume isso no senso comum: o aro de meus óculos parece oval, mas na verdade sabemos que, “na realidade”, é redondo – é apenas por o estarmos vendo de um ângulo que o distorce. Nota do revisor: pode ser questionável traduzir "dharma" (Fa) como "aparência", pois se trata de um termo técnico filosófico com implicações muito próprias. A tradução "realidade definitiva dos dharmas" seria uma alternativa menos problemática. 47 13 O arco-íris é uma mera aparência – quando tentamos tocá-lo, nada encontramos. Mas as nuvens e a luz do sol são reais, são aquilo que na verdade são, o que acaba por ser realmente. Tiantai, contudo, não faz nenhuma afirmação absurda ao defender que o oval e o circular sejam ambos verdadeiros – na verdade, ambos são a realidade definitiva, são encontráveis em todas as coisas e em todos os espaços e tempos, são o Absoluto. O arco-íris e a luz solar em tempo nublado, ambos verdadeiros, ambos absolutamente verdadeiros, ambos Absolutos. O “ser” e os agregados impermanentes são ambos verdadeiros, absolutamente verdadeiros, Absolutos. A cobra e a corda – ambos verdadeiras, absolutamente verdadeiras, Absolutas. Tudo é ilusão. Tudo é realidade. Tempo não é uma ilusão. Tempo é a qualidade ilusória de toda coisa possível. Tempo é uma palavra que significa “qualquer coisa que você pense ser de algum modo já não é mais”. O que é real? Aquilo a que você possa retornar, voltar a olhar, conferir, verificar, reexaminar. Porém, não há literalmente nenhuma experiência a qual você possa retornar, portanto, não há nada que seja real. O que é ilusão? Algo que acabe mostrando ser distinto do que parecia ser antes. Não há nada que não seja o caso. O chifre “parecia” ser redondo, mas se mostrou “pontiagudo”. Mas tanto a circularidade quanto a finura são igualmente irreais, igualmente reais. Cada qual é determinada pelo contexto no qual é vista. Tomando o todo inominável em conta, ambos são igualmente inomináveis, nem pontiagudo, nem redondo. Circularidade e finura são dois nomes para a mesma coisa que seja redonda, pontiaguda ou nem redonda nem pontiaguda ou tanto redonda quanto pontiaguda. 4.1 Mal Inerente Inerradicável do Estado de Buda e da Natureza-de-Buda dos Seres Insencientes O mesmo vale para a famosa afirmação de Tiantai de que “o mal está inerentemente incluído no estado de Buda. O futuro estado de Buda reside no engano do passado, portanto, engano é “estado-de-Buda-engano”. O engano passado reside no estado de Buda futuro, assim, estado de Buda é “engano-estado-de-Buda”. O mesmo também vale para outra afirmação famosa de Tiantai: “seres insencientes possuem natureza de Buda”; isto é: rochas, pedras e tudo mais que não tenha consciência possuem a incondicionada natureza onipervasiva da consciência: consciência é sempre não-consciência-consciência (toda consciência existe-com não-consciência, por exemplo, os objetos da consciência, que não estão eles próprios conscientes), não-consciência é sempre consciência-não-consciência (isto é: não-consciência é determinadamente nãoconsciência apenas em contraste à consciência por meios conscientes em si mesmos e 48 ela é intrinsecamente inseparável de qualquer consciência que possa haver no universo, simplesmente em virtude da inseparabilidade de toda existência). A ideia controvertida da “natureza de Buda de seres insencientes” é desenvolvida por Zhanran em seu Jinganpi utilizando uma abordagem um pouco diferente àquela das Três Verdades, focalizando o tropos do espaço como tão avançada quanto a metáfora para a natureza de Buda no Nirvana Sutra Mahayana, com o seu caráter de onipervasividade, inerradicabilidade e indivisibilidade e a relação não-diferente/nãoidêntico de todas as regiões do espaço uma com as outras e de cada região do espaço com qualquer possível objeto que o possa ocupar. Mas aqui também o argumento central é a intersubsumissão inseparável dos dois termos opostos: senciência é sempre insenciência-senciência, insenciência é sempre senciência-insenciência. Uma maneira de pensar sobre isso é considerando um imã. Ele tem um “polo” norte e outro “sul”. Se queremos separar o norte do sul, podemos tentar cortá-lo ao meio. Mas quando o fazemos, descobrimos que cada metade ainda contém tanto o polo norte quanto o sul. Não importa quantas vezes o cortamos, o conjunto total de características pertencentes ao todo também será encontrado naquela parte separada: as qualidades de norte e sul são, na sua inteireza, encontradas naquele que era, desde o princípio, no contexto do imã inteiro, puramente a parte norte e naquele que era a parte sul inicial. Assim é o universo em Tiantai: o universo é um grande imã, mas ao invés de ter apenas norte e sul, ele possui 3000 diferentes aspectos característicos: humanidade, vocedade14, trens, oceanos, cães, sopas, incidentes históricos, sorrisos, lágrimas, enganos, iluminação. Se tentarmos isolar quaisquer deles, contudo, o que acabamos por obter é um outro completo “imã”, cada qual também possuindo todos os 3000 aspectos em si: essa humanidade acaba por também possuir a sua parte de vocedade, sua parte de trem, de oceano, de cão e assim por diante. Quando olho para você, é você-e-eu olhando para você-e-eu. Sou eu-e-todos-os-mundos olhando todos-os-mundos-e-eu. É o universo inteiro olhando o inteiro universo. Nós sempre somos diferentes porque, a qualquer lugar que formos, haverá um você e um eu, dois diferentes aspectos, jamais se fundindo em uma pasta indiferente e vazia de qualidade única. Porém, uma vez que eu-e-você seja contrastado a eu-e-você, não há, em realidade, qualquer contraste: a mesma coisa se encontra em ambos os lados do contraste. Não somos nem os mesmos nem diferentes. Somos divididos de nós mesmos, impossíveis de unificar em uma unidade simples, mas por esta mesma razão nós somos impossíveis de separar uns dos outros. Cada um de 14 NT. Neologismo “youness”, no original, indicando a qualidade de “ser você”, por meio da transformação do pronome “you” em substantivo abstrato de qualidade. 49 nós, a cada momento, somos, em um mundo, absolutos, o Centro como o qual tudo aparece e que está aparecendo em e como todas as coisas. Todas as coisas são nossos corpos de transformação, nós somos o corpo de transformação de todas as coisas. 4.2 Estado de Buda como Realização Completa da Condição de Larva do Escaravelho et alia Isso também significa que, quanto mais completamente alguém se dá conta de que está em qualquer ser particular, mais ele ou ela se dá conta de ser também todas as outras coisas, por contraste. Eis o modo como o a doutrina budista tradicional do “não-ser” funciona em Tiantai. Eu penso que já sou este ser, Brook, mas, na realidade, o Budismo me diz que eu ainda não sou realmente este ser ou qualquer outro – já que ser é ser incondicionado, isso é impossível para “mim”, um ser condicionado determinado. Eu também não sou ainda iluminado, pois a iluminação é incondicionada e a única liberdade para o sofrimento. Para alguém se tornar incondicionado, como eu pensaria ser quando pensava ser um ser, é necessário tornar-se iluminado. Esse não-ser é a única coisa que realmente preenche o meu desejo prévio de ser um ser, de realmente ser eu. Eu não posso me tornar isso sendo eu mesmo como um ser determinado, que exclua todos os demais seres, nem ser outros seres à exclusão de mim mesmo. Pelas Três Verdades, o que ocorre é que eu apenas posso me tornar mais e mais eu mesmo, tornando-me mais e mais todas as outras coisas e que isso é o que significa tornar-se mais e mais iluminado e tornar-me mais eu mesmo, mais incondicionalmente este eu específico. “Tornar-me o que eu sou”, ser uma realização mais complete de mim mesmo, é me ver, especificamente Brook, como incondicional, o que significa onipresente e eterno, o que significa como expressando-se em e como todas as coisas, o que também significa, em sentido reverso, intersubsumido; isto é: como uma expressão de todas as outras coisas, como algo como o que todas as outras coisas estão aparecendo. Não posso ser eu mesmo até que eu seja um Buda, mas eu não posso ser um Buda até que eu possa ser mais completamente (isto é: mais incondicionalmente e mais onipervasivamente) eu mesmo e isso significa ser mais completamente um demônio, um tolo, uma mesa, uma espaçonave ou, no exemplo de Zhili, uma larva de escaravelho. A prática budista é a manifestação progressivamente mais completa do meu estado de Buda latente, o que também quer dizer a manifestação progressivamente mais completa de meu estado de larva de escaravelho e, indiscutivelmente, da minha condição de Brook, que supostamente já existia há muito tempo, mas na verdade, daqui a diante é meramente latente. 50 5. Diversidade Prática e Doutrinal A abordagem de Tiantai sobre a prática budista é enciclopédica. Como se deve esperar tendo em vista a sua visão sobre “exclusão” em geral, ela não exclui nada. Por isso, nas obras de Tiantai, encontramos a catalogação extensa e detalhada de uma enorme diversidade de práticas budistas tradicionais, desde rituais e devoções a meditações e contemplações de toda sorte, derivados de todos os estratos da cultura budista prévia. Isso está em acordo não apenas com a objeção filosófica à possibilidade de qualquer exclusão mútua de entidades, como explorado anteriormente, mas também com a noção de upaya do Sutra de Lótus e com a expansão do escopo das Verdades Convencionais nas Três Verdades: a diversidade dos seres sencientes é ilimitada, suas ilusões específicas, apegos e sofrimentos são de tipos específicos ilimitados e, portanto, as práticas e doutrinas remediadoras apropriadas são para eles ilimitadas. Essa também é a justificativa para a posição “trivialista” de que todas as possíveis afirmações são verdadeiras, pois “verdadeiro”, no contexto de Tiantai, significa tão somente uma upaya remediadora, a servir como uma jangada a ser auto-superada, porém, o fazendo por meio da sua totalização, e assim, se auto-enfraquecendo, expressando-se em e como todas as outras coisas, intersubsumindo todas as outras verdades-afirmações e, assim, torna tudo mais presente, da mesma forma que tudo mais ausente. 5.1 Aurossuperação da Hierarquia Doctrinal em Oniultimato Tiantai toma as ideias não-dualistas sugeridas pelo Sutra de Lótus em fábulas e pistas narrativas inexplicadas e adapta os recursos do Vazio e das Duas Verdades para dar a eles uma explicação filosófica completa e aplicação para a prática budista. O Sutra de Lótus havia colocado upaya como um termo central do Budismo e asseverou uma unidade de todas as práticas no Veículo Único, todos levando em direção ao estado de Buda. Tiantai segue esta linha e constrói um sistema vasto e complexo para dar conta e integrar todas as formas conhecidas de práticas budistas e até mesmo não-Budistas, todas as quais são meios eficazes aceitáveis apropriados e integrais para diferentes pessoas e tempos. Não rejeita nada, mas organiza todos os ensinamentos e práticas conhecidos em um sistema interconectado. O sistema tem uma estrutura dupla interessante: a primeira vista, ele parece ser hierárquico, colocando Mahayana acima de Hinayana e o Lótus sobre o resto de Mahayana. Mas a ideia de redefinição da identidade por meio de recontextualização é aplicada aqui e, quando a coroa hierárquica de Lótus termina o seu trabalho, ela tem o 51 efeito retroativo de tornar todas as outras partes iguais, como aspectos do Veículo Único. Isto é: nenhum esninamento, prática ou comportamento tem apenas um único significado: seu significado é determinado pelo contexto no qual é considerado. Portanto, qualquer doutrina ou prática dada pode ser vista tanto como a verdade definitiva quanto mais parcial e apenas localmente relevante, ou menos, verdade. O sistema Tiantai de integral todos os vários ensinamentos, ideias e perspectivas no mundo provê um sistema para ver tudo duas vezes, três vezes, infinitas vezes, reacessando e desenvolvendo os significados de cada item tal como ele aparece em relações mais e mais amplas. O ensinamento Hinayana é, no mais estreito contexto, o de “menor” verdade. Mas no contexto do Veículo Único, ela é em si mesma uma instanciação do Veículo Único e nos dá até mesmo uma expressão única dele: daí a afirmação (baseada em um perspicaz forte erro de leitura de uma linha da tradução de Kumarajiva15 do Lótus: 決了聲聞法 為諸經之王) de que a doutrina Hinayana (ao invés do próprio Lótus) seja o Mais Elevado de Todos os Ensinamentos. O mesmo vale para todas as outras ideias particulares, crenças e práticas. Uma vez que nada tem apenas um único sentido, tudo pode significar qualquer coisa. A questão interessante sobre qualquer proposição não é se algo é verdadeiro (sempre é), mas como. A “classificação dos ensinamentos” de Tiantai é uma forma intricada e complexa de proferir em que contexto e de que modo cada doutrina dá significado cada uma das muitas coisas que ela significa. Nota do revisor: não se pode subestimar a centralidade das traduções de Kumarajiva na formação do Tiantai, em especial sua tradução do “Sutra de Lótus”. 15 52 5.2 A Contemplação da Mente como os Três Mil (觀心 guanxin, 一念三 千 yiniansanqian) Dez Dimensões × Dez Dimensões × Dez Talidades × Estado de Buda Bodisatva Pratyekabuddha Sravaka Deuses Humanos Asuras Animais Fantasmas Famintos Purgatórios Estado de Buda Bodisatva Pratyekabuddha Sravaka Deuses Humanos Asuras Animais Fantasmas Famintos Purgatórios Aparência Natureza Componentes Capacidade Ação Causas Condições Efeitos Consequências Três Mundos=3000 Cinco Agregados Seres Sencientes Igualdade Definitiva e Igual Ambiente Ultimato O modo pelo qual todo e qualquer desses métodos ou doutrinas alternativos são recontextualizados para promoverem as implicações desejadas em Tiantai é por meio de suplementação da visão das Três Verdades sobre todo e qualquer possível conteúdo. A meditação Tiantai aplica de forma muito central um método chamado “contemplação da mente”, (觀心 guanxin), dada a sua formulação mais famosa na descoberta do 一念三 千 yiniansanqian (Japanese: ichinensanzen), de Zhiyi, que significa algo como: “Um momento de Experiência como Três Mil Mundos”. Os “três mil” é, obviamente, uma maneira de dizer “tudo”, mas é, na verdade, um pouco mais do que isso. Como explica Zhiyi, é claro que qualquer número seria uma possibilidade igualmente acurada para falar a respeito da totalidade das coisas, de nada ao infinito. Este número, “três mil”, é forjado especificamente com a prática meditativa em mente. Eis como deu-se a sua derivação: Note-se algumas peculiaridades neste modo de listas “o que existe”. Primeiro, um cuidado especial é tomado aqui, por um lado, para incluir tanto os “purgatórios” (isto é: os pensamentos demoníacos, práticas e consequências de extremos enganos e sofrimentos subjetivos) quanto, por outro, os “Budas” (os pensamentos iluminados, práticas e consequências das mais grandiosas sabedoria e liberação). Isso é importante, pois nos torna precavidos contra consideramos esses estados subjetivos, bom e mau, 53 como meros epifenômenos que estão de algum modo fora da realidade definitiva. Eles próprios estão incluídos na realidade definitiva. Incluindo esses termos, Tiantai se guarda contra a noção vaga de que, de “tudo” que se dá a pensar, apenas uma substância pura ou neutra compõe o real ou de que valores e perspectivas, bom e mau, doloroso e prazeroso, que seres viventes experimentam, não sejam parte de “tudo”. O “tudo” que é incluído em cada momento da experiência e que é eternamente inerradicável inclui todos aqueles estados subjetivos bons e maus também. Em Segundo lugar, temos duas importantes reduplicações. As dez dimensões são todos os estados nos quais um ser senciente pode se encontrar no universo budista, da mais baixa ignorância e sofrimento à mais elevada alegria e iluminação. Eles são frequentemente interpretados de modo simbólico: estado de Buda representando um momento de experiência de iluminação; estado de Bodisatva, momento de compaixão; estado de Sravaka, momento de quietude e renúncia do mundano; estado de Deus, de grande alegria mundana e poder; estado de Asura, momento de raiva egoísta e combatividade; animais, ignorância; purgatórios, sofrimentos. Uma razão para os ler como estados que qualquer pessoa pode passar é que cada uma das dez dimensões é listada duas vezes. Isso é porque cada dimensão “inclui” ou “instancia” todas as outras dez dimensões. Isto é: cada uma pode aparecer “como” qualquer uma das outras e, na verdade, nada aparece que não seja sempre “como” outra coisa. Um humano-bodisatva, um animal-deus, um Buda-demônio, um Asura-Sravaka etc. Um bodisatva aparece como um humano, um animal, um Buda, um Asura... Mas, como já vimos, isso também quer dizer que humano aparece como um bodisatva, um demônio como um animal ou um Sravaka como um fantasma faminto etc. É claro que isso segue ad infinitum: cada uma dessas dimensões incluídas inclui as outras dez e assim por diante. 10 vezes 10 é para pontuar este fator de inclusão mútua e garante que sejam contabilizadas em nossa contemplação meditativa do “que existe”. A outra duplicação vem nos “Três Mundos”. Temos “os cinco agregados”, mas também “seres sencientes”. Na verdade, essas são duas maneiras de considerar a mesma coisa. O Budismo Antigo ensinava que o que chamamos de ser senciente – eu, você, Bill, Dave – é, na verdade, um conjunto de cinco agregados, processos impessoais de forma, sensação, percepção, vontade e consciência que surgem e perecem momentaneamente. Um (os agregados) é real, o outro (os supostos “seres”) é ilusão perniciosa. Os Três Mil incluem ambos. Em outras palavras, não se excluem as ilusões sobre as coisas em meio à totalidade do “que existe” – como vimos, todas as coisas são igualmente ilusões e igualmente verdadeiras. A sua visão como Bill é um item na lista; a sua visão como cinco processos impessoais agregados é um outro item da lista. Também 54 aqui temos uma maneira simples de apontar para um princípio maior e um incentivo pata manter isso em mente em nossa contemplação sobre “tudo que existe”. Não devemos pensar um conjunto de entidades reais dispostas lado a lado, mutuamente excludentes, das quais deve haver algumas visões errôneas adicionais (isto é: unilaterais, localmente coerentes). Não há nenhuma “coisa” assim: uma coisa é só um modo de aparecer e advém com um ponto de vista sobre ela. Tiantai, além disso, insiste que ter um único ponto de vista requer ao menos um ponto de vista adicional e assim por diante ad infinitum. Normalmente, colocamos a ambiguidade, que a chamamos de “subjetividade” ou de “livre arbítrio” ou de “futuro desconhecido”, de um lado e deixamos a “realidade” do outro, chamando-a de “objetividade” ou de “fato determinado” ou de “passado estabelecido”. Em Tiantai, esses são meramente aspectos inseparáveis, artificialmente alienados do todo, que é sempre tanto fixo como aberto, localmente coerente e globalmente incoerente. Agora, uma vez que seguimos pensando sobre todos os possíveis objetos da experiência dessa forma, um a um, quase na maneira de uma lista retirada de Leaves of Grass, de Walt Whitman, nós aplicamos as Três Verdades, a relação nem-igual-nemdiferente, a este próprio pensamento. Primeiro, temporariamente: toda essa linha de pensamento requereu algum tempo para ser perseguida. São os momentos prévios de pensamento iguais ou diferentes do presente agora a considerar essa questão? Nenhuma coisa nem outra. Todos os outros momentos iguais ou diferente do presente estão presentes aqui como este momento – nem iguais nem diferentes, as Três Verdades. Em seguida, consideramos o mundo exterior, incluindo meus órgãos sensoriais e meu cérebro, que serviram de causas eficientes para o surgimento deste momento de pensamento sobre as Três Mil Dimensões de possíveis experiência: o mundo real e meu corpo são diferentes ou iguais a este momento de pensamento sobre eles todos? Nem uma coisa nem outra. O mundo externo está presente aqui como esta consciência dele, nem igual nem diferente. Depois, consideramos todas as outras possibilidades de pensamento ou experiências, o contraste com elas é que torna este momento determinado como si mesmo: eles são iguais ou diferentes dele? Nem uma coisa nem outra. Todas as outras experiências estão presentes aqui como este momento de experiência. Eu experimento um momento de experiência enquanto uma totalidade, incluindo minha presença ilusória como o experimentador. O próximo momento, quando novos conteúdos aparecem, será experimentado como mais de que ou outras expressões do mesmo momento. Eu experimento a eternidade-temporalidade deste momento continuando a mostrar-se no e como o arranjo nem-igual-nem-diferente de todas as outras 55 experiências, seres, ideias, momentos possíveis. Eis a experiência do estado-de-Budacomo-todo-ser-senciente. Referências Andō Toshio 安藤俊雄, 1964, “Nyorai seiaku sisō no sōsetsusha: Guandingsetsu he no hanron 如来性悪思想の創說者: 灌頂說への反論 (The Author of the Theory of the Buddha’s Inherent Evil: A Refutation of Guanding’s Authorship)”, Ōtani Gakuhō 大谷学報 (The Journal of Buddhism & Cultural Science), 44(1): 1–22. –––, 1973, Tendai shōgu shisōron 天台性具思想論 (On the Tiantai Theory of NatureInclusion), Kyoto: Hōzōkan. 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Isso significa que o sofrimento é a união de fatores, em tempo real, para formar fenômenos temporários e sua real dissolução em suas partes para desaparecer. Isso também significa que samsara (experiência iludida de sofrimento como um todo) e Nirvana são mutuamente exclusivos: samsara, sofrimento, condicionalidade, realmente termina no tempo real, e depois disso há o Nirvana, incondicionalidade. O sofrimento realmente surge (Primeira Nobre Verdade), produzido por um conjunto real de causas que são realmente distintas dele (Segunda Nobre Verdade), e pode realmente cessar no Nirvana em algum momento (Terceira Nobre Verdade), através do cultivo de certas práticas que causam essa cessação, mas que são elas mesmas realmente distintas de seu efeito (Quarta Nobre Verdade). Tanto o sofrimento e suas causas, quanto a cessação do sofrimento e suas causas, são questões de surgir e perecer. Este ensinamento é visto, tanto em Tiantai como em muitas escolas Mahayana, implicando uma contradição fundamental que garante que não pode ser o ensinamento final. Essa contradição é a ideia de que o incondicionado, Nirvana, é algo que pode começar em um determinado tempo ou lugar, que o incondicionado é, ele próprio, condicionado. Isso é precisamente o que deve ser enfatizado pela caracterização de Tiantai deste ensinamento como “As Quatro Nobres Verdades surgindo e perecendo”. Vou chamar isso de paradoxo do Nirvana. Este problema é abordado com minúcia progressiva nos seguintes ensinamentos. 16 Copyright © 2018 by Brook Ziporyn <ziporyn@uchicago.edu> 61 2. Ensinamento Compartilhado: Este é o ensinamento geral do Mahayana, “compartilhado” em todas as escolas de pensamento Mahayana, e até mesmo implícito nos ensinamentos pré-Mahayana. É o ensinamento do Vazio associado a muitas apresentações do pensamento Madhyamaka e da literatura Prajnaparamita. O paradoxo do Nirvana é agora abordado ao se afirmar que todas as coisas condicionadas já estão vazias, mesmo antes que a impermanência as mostre se dissolvendo em suas partes componentes: elas são vazias em sua própria essência, não têm natureza própria desde o início. Em outras palavras, se vistos corretamente, todos os fenômenos já são quiescentes, nunca surgiram e não precisam ser extintos, em seguida, no Nirvana para serem extintos. Eles estão em sua própria natureza extintos e nirvânicos. Tudo o que se exige é ver corretamente esta essência da ausência de essência. É aqui que este ensinamento tende para uma doutrina de Duas Verdades, facilmente fundindo-se em um tipo de cisão aparência/realidade: na realidade, todas as coisas são natimortas e imperecíveis, não tendo natureza própria nem características reais, mas erroneamente pensamos que vemos entidades e eventos surgindo e perecendo em tempo real. O último é, neste ensinamento, considerado convencionalmente verdadeiro, o primeiro como verdadeiro em última instância. Samsara, surgindo e perecendo, um mundo de objetos temporais separados, cada um com sua própria natureza condicional específica, é, se visto corretamente, o Nirvana em si: não surgindo, não perecendo, nada produzindo, sem necessidade de perecer, sem quaisquer entidades, sem quaisquer naturezas próprias. Essa cisão aparência/realidade, no entanto, apenas empurra o problema para o próximo nível: o incondicionado não é mais falsamente considerado algo operativo apenas algumas vezes e, para alguns, o que é impossível, mas a cognição desse incondicionado é, agora, considerada condicionada. Isso não é mais uma contradição lógica, mas ainda é um problema religioso e existencial: pois tudo que é condicionado é sofrimento, e se a obtenção dessa cognição é condicionada, ainda é sofrimento e não o fim do sofrimento como prometido. Essa “consciência infeliz” significa que a cisão entre o condicionado e o incondicionado foi exacerbada, não aliviada, por essa tentativa de resolver o paradoxal ensinamento Tripitaka do Nirvana como um incondicionado que, de alguma forma, também é condicionado. O próximo ensinamento aborda este problema. 3. O Ensinamento Separado 62 O Ensinamento Separado (ou Ensinamento “Especial”). Pensa-se nisso, em primeiro lugar, como um ensinamento especial apenas para bodhisattvas. Estes são seres que fizeram um voto compassivo para liberar todos os seres permanecendo no samsara por eras imensamente vastas, para renascer de novo e de novo, corpo após corpo, de modo a interagir com inúmeros seres sencientes, produzindo inúmeros ensinamentos precisamente adaptados e maximamente eficazes, e formas corporais, em resposta às vicissitudes individuais de cada um desses encontros e de cada um desses desafios. Esses bodhisattvas compreenderam que todas as coisas são vazias; mas eles vêem que isso não é apenas a negação e, portanto, a transcendência de todas as formas determinadas, mas também uma negação e transcendência dessa negação e transcendência, na medida em que a primeira negação é ela mesma algo determinado (ou seja, a exclusão definitiva do samsara, de todo nascimento e morte, de todo surgimento e morte). Eles também vêem que transcender e negar qualquer forma específica, a liberação de qualquer forma, é feita através da criação de uma forma de contrapeso ou neutralização: 2 é neutralizado por -2, não por 0. Isso significa a liberação de todas as formas determinadas, a negação de todas as formas determinadas, é feito não através do vazio universal ou da destruição universal, mas pela criatividade ilimitada das formas, pela produção, em cada caso, da forma precisamente compensadora. A negação libertadora de todas as coisas requer criatividade infinita e produz formas infinitas. Transcender a transcendência (o vazio do vazio) não os leva a uma hipertranscendência ainda mais impensável, mas a um novo modo de imanência. Eles não abraçam imediatamente esse não-surgimento e não-perecimento de uma vez por todas como uma exclusão de todo surgimento e desaparecimento, de toda existência determinada. Em vez disso, eles veem que esse vazio também significa ambiguidade infinita, i.e. falta de identidade determinada e identidade provisoriamente colocada ao mesmo tempo. Esse vazio é também uma matriz de produtividade infinita de redescrições e reapresentações provisoriamente postas. Pois esses bodhisattvas não cometeram o erro de se apegar ao “vazio” como uma verdade objetiva sobre as coisas, como se fosse uma (verdadeira) visão ontológica sobre a realidade. “Todos os fenômenos são vazios de natureza própria” não pode significar que, na realidade e além das distorções cognitivas adicionadas por conhecedores sencientes, eles tenham alguma característica objetiva específica chamada “ser vazio de natureza própria”. A caracterização deles como “vazios” também não passa de uma parte de certas experiências sencientes. Acontece que é especialmente eficaz para remover apegos a outros tipos de cognições, i.e. todas as visões que atribuem realidade ontológica de qualquer tipo a entidades independentemente existentes, ou que 63 pensam que realmente existe alguma entidade que nasce e morre, qualquer substância que pode surgir e perecer. Mas isso significa que o Vazio também é uma verdade exatamente pela mesma razão que qualquer afirmação upayica poderia se qualificar como “convencionalmente verdadeira”: serve pragmaticamente como uma jangada, conducente à liberação dos apegos e, portanto, do sofrimento, embora não seja uma descrição literalmente verdadeira de quaisquer fatos sobre o mundo independente da mente. “Todas as coisas estão vazias” não é mais ou menos verdadeira do que “Esta xícara é azul”, ou, nesse caso, “todas as coisas são queijo”, e todas são verdadeiras e falsas pela mesma razão: elas servem, em algum contexto, como jangadas que contribuem para a liberação ao conduzir para além de si mesmos. O Vazio do Vazio significa que o Vazio é uma verdade convencional, mas também que qualquer entidade não é mais literalmente “vazia” do que literalmente, digamos, “vermelha” ou “redonda” ou “amarga” ou “doce”. Tudo o que o Vazio significa é a não finalidade de qualquer caracterização, incluindo “Vazio” – o que significa que o vazio equivale à postulação sempre de determinações e descrições alternativas para qualquer entidade, a validade de mais descrições além de qualquer conjunto finito que já poderia ter sido aplicado . Isso significa que a Verdade Convencional não é um único conjunto de aparências, mas está constantemente disponível para remodelação para atender a novas convenções e novas necessidades, e que todas essas são simplesmente outras manifestações do Vazio, novas releituras do Vazio em si. Esse sentido aprofundado do Vazio idêntico à produção de infinitas posições provisórias é chamado de Centro. Não é o Vazio definido, nem um conjunto determinado de determinações: é a não-ultimidade de ambos os extremos e, portanto, algo além de ambos os extremos que ao mesmo tempo coloca ambos os extremos. Tanto a negação de características definidas (Vazio) quanto a afirmação delas (Posição Provisória) são formas alternadas e opostas nas quais a mesma coisa é apresentada. Para entender o significado de “Centro” aqui, podemos imaginar isso como uma moeda com uma gravura de um lado e deixada em branco do outro lado. A gravura são as formas determinadas do mundo como convencionalmente entendido (de todos os pontos de vista). O lado em branco é mais uma revelação alternativa do que é toda essa realidade determinada: o metal da moeda, aqui entendido não como uma substância ou característica específica, mas literalmente a falta de todas as características determinadas. No modelo de Ensino Compartilhado, o lado não gravado revela assim a realidade, a “Verdade Definitiva”, que é também do que é feito o invisível dentro da moeda e até do que são feitas as formas determinadas da gravura. Mas no Ensinamento Separado, o lado não gravado também é visto como um lado, apenas um dos dois lados, com o mesmo status do lado gravado. Ambos são apenas formas de aparecer. Mesmo o 64 não gravado é algo visto e conhecido, e é determinado a seu modo, precisamente como a negação definitiva de todas as determinações do lado gravado. O que está oculto e também aparecendo nessas duas formas opostas é o que está entre elas, o metal invisível da moeda entre as duas superfícies, que não é em si nem a aparência gravada (verdades convencionais) nem a aparência não gravada (vazio), mas, de um outro jeito, também é imanente a ambos como o que aparece em qualquer uma das formas. As Duas Verdades, a afirmação e a negação, podem ser consideradas duas apresentações alternadas do mesmo conteúdo, idênticas em substância, mas opostas em forma, assim como os dois lados de uma moeda são apresentações opostas e mutuamente exclusivas da substância da moeda que está entre os dois lados. Não importa para qual lado estamos olhando, estamos olhando para a própria moeda: então, mesmo que estejamos olhando para a cara, o que estamos realmente vendo é a moeda, e isso significa que estamos vendo aquilo que é a realidade interna do lado da coroa, que também é a moeda (o Centro). Nesse sentido, “olhar para a moeda” é idêntico a “olhar para o lado da cara” e idêntico ao “olhar para o lado da coroa”, e pela mediação desse termo central visto de diferentes lados, dizemos que os lados são realmente idênticos um ao outro, significando com isso, porém, apenas que ambos são realmente idênticos ao termo Central. Assim, chama-se a isto de Centro Exclusivo, não porque não inclua os dois lados, mas porque os inclui subordinadamente, como meras expressões de uma verdade mais profunda, i.e. o próprio Centro concebido como o que os dois extremos têm em comum e o que produz ambos, e também transcende ambos. Mas devemos romper com nossa metáfora estática da moeda aqui, pois não temos mais apenas uma gravura fixa no lado gravado. Motivado por seu voto infinitamente compassivo de envolver cada forma específica de ilusão, o Vazio não produzido de todas as coisas agora é visto como infinitamente produtivo. Existem tantas formas de surgimento do sofrimento e fim do sofrimento, das causas de ambos, quantos momentos de experiência senciente, desde que haja bodhisattvas compassivamente dispostos e hábeis o suficiente para criar upayas, meios hábeis, para envolvê-los. Portanto, aqui temos a “produção não produzida”, a produtividade “infinita” dos sofrimentos e o fim dos sofrimentos, o “Centro” que não é a ausência de quaisquer entidades que surgem ou perecem, nem a presença real de quaisquer entidades, mas o poder produtivo infinito de produzir formas temporárias não vazias, e também mantê-las temporárias e ilusórias, devolvê-las ao vazio – a realidade última dessa atividade criativa compassiva não sendo, portanto, nem vazio nem não vazio, o Centro. Este Centro é identificado com a natureza búdica descrita no Mahaparinirvanasutra, cujo capítulo 14 define a natureza de Buda precisamente como “o Caminho do Meio”. 65 No entanto, esta “separação” se aplica aqui em todos os níveis sob esta forma de “criatividade” ou “produção”: implicando ainda uma diferença real entre as fases de ainda não produzido e produzido, entre o aspecto Vazio e o aspecto Não-Vazio do Centro. Isso significa também que esses bodhisattvas entendem as fases da prática do bodhisattva como realmente separadas umas das outras: as fases do tempo são genuinamente distintas. Isso se aplica também à relação entre um śravāka (praticante do Hinayana) e um bodhisattva, e entre um bodhisattva e um Buda: essas diversas fases de prática e as diversas fases de realização ocorrem em momentos separados, para separar praticantes e realizadores. Isso reproduz novamente o abismo entre o absoluto e o relativo, o incondicionado e o condicionado. Mais fundamentalmente, embora “todas as coisas sejam Vazias” e “todas as coisas sejam Não-Vazias”, de modo que tanto “isto é uma xícara” quanto “isto é um sapo” sejam agora igualmente verdadeiros, nada disso é tão verdadeiro quanto “ambos são verdadeiros”. O Centro é o colapso dos dois lados, revelando que eles são imediatamente um, que cada lado isolado é falso. Mas isso significa que qualquer implantação de qualquer um dos lados, isoladamente, agora é vista como algo diferente da implantação não isolada. Este é o último nível de “separação” a ser superado. Este problema é finalmente resolvido no próximo passo: 4. O Ensinamento Perfeito Lembre-se de que o Vazio da Fase Dois (o Ensinamento Compartilhado) foi pressuposto e aceito na Fase Três (o Ensinamento Separado), mas reinterpretado: o próprio Vazio agora era visto como infinitamente produtivo, embora com determinações meramente convencionais, upayicas, liberativamente ficcionais. Da mesma forma, a produtividade infinita das novas determinações do Vazio propostas na Fase Três (o Ensinamento Separado) é pressuposta e aceita na Fase Quatro (o Ensinamento Perfeito), mas reinterpretada. No Ensinamento Perfeito, o Vazio é infinitamente produtivo, mas tudo o que ele produz agora não é apenas uma ficção provisória e temporária, mas uma verdade eterna e onipresente, tanto inalcançável quanto inescapável para todos os outros seres. Cada uma das ficções da fase Três acaba, na fase quatro, sendo a verdade eterna onipresente que define e determina todas as outras coisas. Cada fantasia é uma revelação de uma nova verdade eterna que sempre já foi a base de todas as outras coisas desde o passado infinito e no futuro infinito. Temos assim infinitas versões alternativas, cada uma das quais serve como a única verdade infinita do cosmos – infinitas infinitudes, infinitos universos, que também são o mesmo universo visto de infinitas maneiras alternativas. Cada um 66 desses universos alternativos, por sua vez, é todos os outros como este, reversivelmente intersubsuntivos, de modo que nesse sentido preciso eles não são nem um universo nem muitos universos. Como assim? Lembre-se que no Ensinamento Separado, o bodhisattva chegou a ver todas as coisas como Vazias e Não-Vazias. O Vazio lhe permite produzir infinitas determinações virtuais ou fictícias, com o propósito de superar o apego tanto a outras determinações fictícias quanto a si mesmas, e levar à percepção deste Vazio e de seu infinito poder Não-Vazio de produzir tais fantasmas e ficções. As determinações ficcionais estão enraizadas e levam ao Vazio, e também “incorporam” o Vazio mesmo quando presentes. Ser fictício e Vazio são completamente coextensivos, colapsados em um: precisamente o ser fictício é o Vazio, precisamente o Vazio é o ser fictício, sem que nenhum lado seja mais verdadeiro ou definitivo que o outro. O que é verdadeiro e definitivo é o Centro como Nem-Vazio-nem-Não-vazio, funcionando como produtividade infinita precisamente como Vazio. Não é nem o Vazio improdutivamente unilateral, nem o ser substancial não-ficcional, ambos os extremos agora sendo vistos como separações iludidas dos dois aspectos indivisíveis do Centro indiviso. Tendo alcançado o insight disto, o bodhisattva faz essa criação de ficções infinitas deliberadamente, com claro autoconhecimento, como resultado de seu voto, de sua vontade precisa. Este é um poder “separado” ou “especial” 別 somente daqueles que deliberadamente fazem este voto e se esforçam para salvar todos os seres desta maneira. Mas agora, no Ensinamento Perfeito, essa produtividade infinita é reinterpretada. A não-separabilidade de duas entidades quaisquer, já descoberta no conceito de Vazio da Fase Dois, é agora aplicada à relação entre todas as fases e níveis em si – acima de tudo, à relação entre “a fase antes de fazer o voto e tornar-se um bodhisattva” e “a fase depois de fazê-lo”. Não é mais algo que deve ser feito deliberadamente, ou algo que é feito apenas por certos seres. Seguindo o exemplo do Sutra de Lótus, onde se mostra em que sentido alguém pode ser um bodhisattva embora (ou mesmo porque) não o saiba, o bodhisattva é algo que todos os seres estão fazendo, sempre, em todos os lugares, quer tentem ou não, e quer saibam disso ou não. Já vimos no ensinamento Separado que o Vazio (indeterminabilidade ontológica) que produz, por um lado, e as infinitas determinações que são produzidas, por outro, não são realmente separadas e nem realmente diferentes; são apenas dois aspectos de uma realidade mais profunda, sua unidade, o Centro. Mas agora também devemos ver que nenhum deles isoladamente é diferente, em essência ou em função, do Centro que é ambos. Agora nós não colapsamos os dois em um, mas mantemos todos os três aspectos distintos e inerradicáveis, de fato como definitivos, enquanto também vemos como cada 67 um faz o que o Ensinamento Separado pensava que apenas o Centro fazia: unificar imediatamente os outros dois: 1. O lado “ser” da produção infinita já é ele mesmo, apenas enquanto produção, o Centro: todas essas infinitas determinações virtuais ou ficcionais são sempre já descobertas tanto (i.e. tão pouco!) no estado de pré-produção quanto no estado de pósprodução e vice-versa. Pois (como sabemos desde o Ensinamento Compartilhado), se buscarmos uma determinada diferença entre o estado pré-produtivo anterior e as determinações posteriores, não encontramos nenhuma. Assim, a “Posição Provisória”, o mundo como fluxo puro e processo causal condicional, pensado, já é o Centro. 2. Olhando apenas para o lado do “Vazio”, notamos novamente o “vazio do vazio” não como hipervazio, mas como o vazio mesmo da exclusão de todas as marcas, de modo que é igualmente infinidade de marcas, de posicionamentos provisórios (como que conhecemos desde o Ensinamento Separado) – o vazio por si só, pensado, já é o Centro. 3. Inversamente, o Centro nunca deixa de ser também um lugar provisório e seu vazio. Nunca aparece simplesmente como tal, isoladamente, simplificador. Além disso, “Centro”, na medida em que diz alguma coisa e, portanto, é determinado, é um lugar provisório. E “Centro”, como todos os postulados determinados, é, portanto, vazio em si. Esta é a interfusão das Três Verdades (yuanrong sandi 圓融三諦), de tal modo que cada verdade por si mesma é o Centro, cada uma por si mesma é uma posição provisória, cada uma por si é vazia. Temos agora diante de nós um modo de ser, na frase de Tiantai, “o Centro precisamente como a perifericidade da periferia” (jibianerzhong 即邊 而中). Considerando a relação entre “Lugares Provisórios”, i.e. aquelas infinitas presenças ficcionais ou virtuais produzidas pela, e idênticas à, ausência de forma e ausência de atributos, vemos agora que a posição de qualquer determinação per se é uma Centralização de tudo, e também um Esvaziamento de tudo. Cada determinação é encontrada em toda parte, e cada uma faz sua centralização de todas as outras determinações à sua maneira distinta. Cada determinidade é uma negação de todas as outras coisas e, portanto, também de si mesma, e cada uma à sua maneira distinta. O estado de Buda já está sempre no estado de bodhisattva, e o estado de bodhisattva nunca é expurgado no estado de Buda; eles estão inerentemente vinculados um ao outro. 68 Da mesma forma, as causas do sofrimento e o sofrimento que produzem; da mesma forma, as causas do fim do sofrimento e o fim do sofrimento em si; da mesma forma, o sofrimento e o fim do sofrimento – em cada caso, quando um efeito em tempo real, ou efeitos infinitos, são produzidos a partir de causas que são distintas de si mesmas, agora descobrimos que elas não são “separadas” de modo algum, mas “integradas”, detectáveis em ambos os lados de qualquer fronteira divisória. A ganância, a ira e a ilusão são sempre detectáveis no estado de Buda; o estado de Buda sempre pode ser descoberto na ganância, na ira e na ilusão. Todas as coisas são produzidas a partir de qualquer coisa – mas nada é produzido, porque todas essas coisas são sempre descobertas também já dentro dela, da mesma maneira. O sofrimento é o estado de Buda, a ilusão é a iluminação, mas também vice-versa. O trabalho a ser feito agora não é determinar se cada coisa é ou não o centro do universo, mas exatamente de que maneira exatamente essa coisa centraliza o universo, como esse ser se manifesta em todas as outras entidades. Nossa metáfora da moeda deve ser mais repensada aqui. No Ensinamento Compartilhado (Fase Dois), o lado em branco da moeda mostrava a real natureza da moeda, enquanto o lado gravado, mera aparência. No Ensinamento Especial (Fase Três), tanto o lado em branco quanto o lado gravado eram meras aparências, tanto manifestando quanto ocultando o Centro entre eles, que era entendido simplesmente como algo com a capacidade de ser visto igualmente como gravado ou não gravado, que ambos os conectava e os separava, sendo sua inseparabilidade a verdade definitiva por trás de cada lado, mesmo quando expressa de um modo ou de outro. Isso significava que o gravado não é necessariamente gravado de uma única maneira. Em sua identidade com o não gravado, sempre é um local para mais e diferentes gravuras, portanto, para uma produtividade infinita. No Ensinamento Perfeito (Fase Quatro), tudo isso permanece igual à Fase Três, exceto por uma coisa: o Centro não é mais privilegiado. Nós não colapsamos os dois lados no Centro. O Centro invisível que não é nem gravado nem não gravado não é mais a “essência real” da moeda. Nem a totalidade dos três é a verdadeira essência da moeda: i.e. não é uma soma dos três, um todo incluindo estas três partes separadas e distintas, uma coisa com um lado gravado, um lado não gravado e, além disso, o metal nemgravado-nem-não-gravado entre eles que permite ambos, tanto dividindo-os como mantendo-os inseparavelmente juntos. Em vez disso, toda a verdadeira essência do todo é encontrada em qualquer um dos três aspectos, e qualquer um dos aspectos é toda a verdadeira essência. Agora, tudo o que dissemos sobre o Centro também pode ser dito sobre o lado gravado, e também sobre o lado não gravado. O lado gravado é o que unifica 69 e divide o Centro e o lado não gravado. O lado não gravado é o que unifica e divide o centro e o lado gravado. Além disso, não é apenas o lado em branco que nega os outros dois: o Centro também nega os outros dois, e o lado gravado também nega os outros dois. Além disso, não é apenas o lado gravado que se estabelece como determinado e diferenciado: o Centro também se estabelece como determinado e diferenciado, o lado em branco também se estabelece como determinado e diferenciado. Isto significa que, para compreender completamente a moeda, basta compreender completamente o lado gravado – pois “ser gravado” significa também ter um lado não gravado que é uma expressão coigual de um Centro nem-gravado-nem-não-gravado que une, separa e se expressa como os dois lados. Da mesma forma, basta compreender completamente o lado não gravado – pois ser não gravado significa ter também um lado gravado que é uma expressão coigual de um Centro nem-gravado-nem-não-gravado que une, separa e se expressa como os dois lados. E, igualmente, basta compreender o Centro neutro entre uma estrutura bilateral de lados gravados e não gravados, unindo-os e separando-os, pois isto significa ser gravado e não gravado, nem gravado nem não gravado. Assim, podemos dizer que a verdadeira essência onipresente e imutável da moeda é simplesmente “ser gravada” – que é a realidade definitiva que também é expressa indiretamente por não ser gravada e não ser nem-gravada-nem-não-gravada. Também podemos dizer que a verdadeira essência onipresente e imutável da moeda é simplesmente “ser não gravada” – que é a realidade definitiva que também é expressa indiretamente em não ser gravada e nem ser nem-gravada-nem-não-gravada. Dito de outra maneira, sempre que estamos vendo qualquer gravação, estamos vendo também o não gravado, e também a identidade-como-contraste entre o gravado e o não gravado. O gravado não é mais o “outro lado” do não gravado, eles não são mais apenas “dois lados da mesma moeda” de modo que apenas uma aparência ou manifestação ou função pode ser vista de cada vez. Mesmo como aspectos ou expressões, eles não são mais mutuamente exclusivos; em vez disso, eles são todos os três mutuamente inclusivos e mutuamente idênticos. Isso tem grandes consequências para nossa compreensão não apenas do que significa “ser gravado” como condição geral, mas da especificidade de qualquer gravação como tal, de qualquer forma e característica particular que poderia aparecer na experiência. No Ensinamento Especial, poderíamos olhar para uma figura do lado gravado – de um pássaro, digamos – e entender que o que aqui nos é apresentado como gravação de pássaro também está presente como metal, cuja identidade é igualmente expressa pelo que vemos do outro lado como branco não gravado. Podemos até olhar para o pássaro e aplicar uma mudança de atenção para experimentar uma mudança de aspecto, como quando olhamos para uma onda como água e depois mudamos para ver a 70 água como onda. O pássaro é inteiramente o metal, o metal é inteiramente o pássaro. O Ensinamento Compartilhado vê a onda como redutível à água; ela é realmente água, apenas superficialmente onda (realmente metal, apenas superficialmente pássaro). O Ensinamento Separado o vê reversivelmente como água e como onda, como metal e pássaro, sem que um seja mais definitivo ou real do que o outro. O que é mais definitivo e real do que qualquer um, porém, é o “tanto-quanto/nem-nem” em si, o único hiper branco que pode ser experimentado de duas maneiras diferentes, como em branco e não branco, mas nunca os dois ao mesmo tempo. Mas o Ensinamento Perfeito leva em conta o ponto do Ensinamento Separado sobre o vazio não gravado do lado em branco mais a sério do que o próprio Ensinamento Separado: ele não é mais entendido como meramente em branco no sentido que excluiria toda gravação: agora ele é entendido como uma forma mais determinada, em vez da ausência de toda forma; o vazio também é uma espécie de “gravação”, uma forma de moldar o metal, uma maneira de expressar o Centro. Isto significa que duas gravações diferentes estão co-presentes em, e como, cada gravação: o pássaro (que é uma gravação) e o não-pássaro (a não gravação, que também não é mais do que um certo modo de gravação). Cada determinação, precisamente na medida em que é uma determinação, já alterna determinações. Pois uma vez que uma dessas gravações (o não-pássaro, o vazio) é também “gravabilidade de maneiras alternadas” como tal, e de fato não apenas “gravabilidade alternada”, mas “gravação alternada, sendo ao mesmo tempo gravada de outra forma”, “ser pássaro” e “sendo qualquer outra gravação” convergiram na própria gravação do pássaro. Dito de outra maneira, o fato de ambos não serem nada mais do que o Centro significa que “ser vazio” já significa também “ser gravado em seu outro lado”. Mas não apenas do outro lado: agora vemos até o vazio como uma espécie de gravação, e dado que o vazio agora significa “ser também um tipo de gravação”, i.e. ser determinado-como-vazio e determinado-como-não-vazio, para ser Centro, vemos assim também a gravação como um tipo de “vazio” (agora entendido desta nova maneira, como sinônimo de Centro). Podemos, assim, ver ao mesmo tempo o vazio e o não-vazio, o pássaro e o não-pássaro, e ver realmente o que é o vazio, é ver todas as gravações (como o outro lado deste vazio, sua gravação alternada). Então, quando olhamos para o metal que compõe a figura do pássaro, não o vemos como um vazio, como em uma relação matéria/forma em um hilomorfismo, mas sim como uma forma alternativa copresente, e vemos essa forma metálica “vazia” como ela mesma, inseparável de todas as outras formas, todas as formas em seu verso gravado. “Metal” aqui não deve ser pensado como essencialmente o não esculpido; a característica do metal é ser gravado e não gravado ao mesmo tempo – ter dupla face. Assim, quando vejo o “metal” do “pássaro”, devo estar vendo a duplicidade do pássaro, bem como a não71 gravação vazia do outro lado. Para fazer isso, não preciso alternar mentalmente entre os aspectos: só preciso de uma compreensão aprimorada do que é um “pássaro”, do que é qualquer forma determinada. Ver qualquer item determinado, qualquer item gravado (qualquer entidade definida), é agora vê-lo como uma gravação (=como dependentemente co-surgida), o que é vê-lo também como o que é revelado no lado não gravado, i.e. que a substância da moeda é tanto o infinitamente gravável-não-gravado (=vazio) quanto o que está gravado no outro lado, e a gravação é a gravação justamente disso. E isso agora também é ver esse “também” em si mesmo, a identidade entre os dois (o Centro). Ver um lado é agora também ver o outro lado, e ver os dois é ver o meio entre eles que é ambos e nenhum, mas agora não vendo mais os dois extremos como redutíveis ao Centro, mas não vice-versa, porém vendo cada um deles como mutuamente redutível aos outros dois. Olho a pena do pássaro e vejo pena, vazio, e a co-presença de pena e vazio, mas agora os vejo como uma experiência, como todos idênticos entre si, como três sinônimos para o mesmo referente. Assim, o vazio não é meramente vazio, mas gravações-totalmentealternadas: eu vejo, ao mesmo tempo, pena, garra, olho, bico, vazio, co-presença de todos acima, separação de todos acima. Sua definição é sua gravação, e a gravação é agora vista como nada mais do que o próprio infinitamente-alternadamente-gravado-nãogravado, pois ver o gravado é uma maneira de ver um lado da moeda, e ver um lado da moeda é um modo de ver a própria moeda em si, o centro manifestado em seus dois caminhos alternativos, que são também seus infinitos caminhos alternativos. Como o lado gravado é agora, conforme estabelecido no Ensinamento Especial, uma infinidade de gravações alternadas, isso também significa que todas as ações criativas possíveis são incriadas e incondicionais, salvíficas, nirvânicas, budistas, onipenetrantes, eternas, sem esforço e como sua finitude mesma, sofrimento, transitoriedade e luta. Praticamente falando, isso significa que não é mais necessário encontrar uma forma especial de atividade que seja a perfeita coincidência do vazio e da criatividade infinita, como no Ensinamento Separado. Isso significa que a pessoa já está sempre fazendo isso, não importa o que ela faça. Isso inclui até mesmo não descobrir as Três Verdades e não cultivar a meditação de forma alguma – pois aqueles momentos em que não se está fazendo isso são sempre permeados por outros momentos em que você ou outra pessoa está. No Ensinamento Separado, a plena realização do Centro, fazendo todas as ações no modo de profundo Samadhi e sabedoria, de modo que se estivesse completamente vazio e completamente ativo ao mesmo tempo, permitia ver que ele era sempre infinitamente criativo de novas formas e sempre sem forma, sempre comprometido com novas atividades e sempre quieto. Agora, no Ensinamento Perfeito, a plena realização de qualquer atividade, ou qualquer inatividade, qualquer ser ou qualquer 72 negação do ser, é suficiente: realizá-lo plenamente, estar totalmente submerso nele até seu fundo sem fundo, é revelar que sempre é tanto o Centro como o outro extremo. Assim, como diz Zhiyi, parafraseando o protagonista do capítulo 20 do Sutra de Lótus: “Você não tem que mudar seu caminho atual ou sair de sua rotina atual: o que você está praticando agora é o caminho do bodhisattva”. O Ensino Compartilhado já havia refutado a ideia de que qualquer coisa realmente começa ou perece (wusheng 無 生 ). O Ensinamento Separado, então, acrescentou um senso de atuação subjetiva de bodhisattvas – e por extensão a atividade de todos os seres sencientes, que servem como condições necessárias para esta atuação de bodhisattvas – que fornecem as aparências de começos e fins de seres finitos e determinados, que “fazem dessa” realidade indeterminada uma coisa ou outra, que a vêem de infinitas maneiras diferentes, que produzem ficções intencionalmente (como com bodhisattvas) ou inconscientemente (como com todos os outros). Esse sentido de começos e fins dentro da subjetividade dos seres sencientes, como resultado de sua ação deliberada, é o sentido negado no uso de Zhiyi do termo “desfeito” 無 作 para o Ensinamento Perfeito. É uma negação não do começo e do fim, há muito já estabelecida, mas uma negação da aparência subjetiva de segunda ordem de começos e fins como “fatos” inegociáveis, de uma vez por todas. Não só a realidade sob todas as nossas ficções e ilusões é um Vazio indeterminado que nunca surge ou perece; nossas próprias ficções e ilusões, em seus infinitos surgimentos e desaparecimentos, nunca surgem ou perecem. A natureza dessa subjetividade é tal que não há fatos da matéria sobre seus estados: é sua própria reescrita e reinterpretação de todos os fatos anteriores e futuros a cada momento. O resultado disso para Zhiyi é que não apenas as coisas não surgem ou perecem, mas quaisquer ilusões sobre coisas surgindo e perecendo tampouco surgem e perecem, não porque essas ilusões não estejam lá, mas porque elas estão sempre e irrevogavelmente lá: cada uma dessas ilusões é eterna e onipresente, interpenetrando-se com todas as ilusões alternativas. O que é importante aqui para Zhiyi é especificamente uma negação de ingerência e ação intencional. O termo wuzuo 無作 implica “não iniciado” no sentido de não empreender ou começar a cometer uma ação particular, não feita ou iniciada deliberadamente. O que é “desfeito” ou “destruído” nesse sentido é explicado como sem esforço e não intencional. Isso é “sem esforço” no mesmo sentido que uma coisa com o que (pré-budisticamente) é imaginado como uma “essência” verde não requer esforço extra para expressar ou “fazer” o verdor, ou uma pessoa com uma “natureza” raivosa expressa raiva quando ele não está fazendo nenhum esforço especial: eles estão apenas sendo e expressando o que eles “são”. É claro que ideias como “o que são” e “sua 73 essência” foram sistematicamente demolidas no budismo pré-Tiantai, para todas as essências finitas. Agora eles são restabelecidos em um novo sentido radical: todas as coisas realmente se comportam como se acreditava que uma “essência” se comportasse – sem esforço e ininterruptamente sendo o que é e fazendo o que faz de maneira inextirpável e incondicional. Mas agora estes não são entendidos nem como essências individuais separadas nem como uma essência indiferenciada compartilhada por todas as coisas. Em vez disso, precisamente enquanto essência, eles são intersubsuntivos um do outro – pois “essência” aqui significa literalmente imutável, não apenas em um intervalo finito de existência, mas onipresentemente e onitemporalmente. Isto é, toda característica determinada é uma essência – e, portanto, incondicional, imutável – que é inerente a seus antecedentes e consequências, mas também é inerente a todas as outras naturezas individuais determinadas: todas as essências individuais preexistem nas pré-condições de qualquer evento e permanecem inalteradas em todas as consequências. Todos os Três Mil são inerentes a cada momento de experiência. E é assim que, precisamente como impermanentes, todas essas coisas são permanentes – permanentes e impermanentes agora são vistos como sinônimos estritos. Pois todas as entidades impermanentes são encontradas penetrando todas as outras entidades impermanentes, penetrando todos os tempos e lugares, eternos e onipresentes – mas precisamente na medida em que elas não têm natureza própria em si mesmas, e também são sempre interpretáveis como idênticas a qualquer outra entidade, mesmo como sua própria exclusão putativa. Assim, não há mais necessidade de intenção deliberada para realizar os atos compassivos do bodhisattva ou de um Buda: o que quer que ele se encontre fazendo, ele descobre que sempre foi uma parte inerradicável de sua própria natureza, a qual está apenas agindo como deve agir, expressando-se sem ter que adicionar qualquer aumento deliberado nesta forma. Por isso, falamos aqui do “desfeito” – o que significa que, embora todas as coisas estejam constantemente e eternamente criando novos resultados cármicos, cada nova criação é assim considerada desfeita, incriada, eterna, onipresente, incondicional e, portanto, salvífica. 74 天台佛教1 “天台”是中国境内的一座山,意为 “天之台”。“天台”作为佛教术语,指历 史上在该地区发展起来大乘佛教宗派。 本文中“天台”一词专指公元 6 世纪到 11 世纪间的天台宗的佛教哲学思想。天台思想主要由此宗的三个代表人物所阐释 :天台智顗(538-597),荆溪湛然(711-782)和四明知礼(960-1028)。 要想以传统哲学范畴来阐释天台宗的术语及其佛教救世论内涵,我们首 先要点明天台思想的一些主题。 天台宗是:彻底的语境主义、彻底的整体论、 彻底的一元论、绝对的内在论。 它认为一切有限、有条件的事物皆无常、非实 体、身份模糊。 在认识论上,它彻底怀疑任何无条件的主张,彻底反对现实主 义。 在伦理上,它彻底放弃所有有限的目标,以及彻底拒绝所有确定的道德规 则、道德后果和美德。 但我们刚提到每一点理解,都会被天台思想最具特色的“开权显实”的前 提完全改变。它决定了这里“彻底”一词的含义。它意味着要想充分表达任何经验 、任何确定的事物,本质上都需要自我克服。 这种思想转向可以称为辩证法,但其在某种程度上不同于黑格尔和马克 思的辩证法,因为它不是目的论进步观或等级观。它的根源是 1) 中国本土文化 在自然循环中观察到的“逆转”。即物极必反。事物的发展到极端会导致它的自我 消解(例如,天越来越冷,到最冷时,就开始变热);2)对缘起性本质的深刻 反思。这种缘起是印度佛教逻辑从空性和二谛教义中发展出来的。这意味着,“ 彻底的语境主义”在天台宗将倒转为每个事物毫无列外的自肯;“彻底的整体论” 在天台将倒转为“彻底的个人主义”;“彻底的一元论”也将成为“彻底的多元主义”; “彻底的内在主义”也转变为“彻底的先验主义”。并且天台宗认为深入考虑后,实 际上这两个极端是同义词。这意味着对于所有有限的事物,绝对的无常观被看 作绝对的永恒论,绝对的反实体主义被视为绝对的实体主义,绝对的反实在论 “Tiantai Buddhism” from Stanford Encyclopedia of Philosophy in https://plato.stanford.edu/entries/buddhism-tiantai/ 首次发表于 2014 年 11 月 19 日 周三; 2018 年 8 月 31 日周五做大量修订. 作者:Professor Brook Ziporyn; 译者:赵轩; 校对: 傅瑜 75 1 被视为绝对的实在论。这些再次说明这些看似相反的主张是可以互换的。同样 ,对所有主张的彻底怀疑主义也被视为彻底的“细节主义”( trivialism)(声称所有 可能的主张都是真实的),“彻底的反实在主义”也是一种狂热的“绝对的实在主 义”,即使对于最短暂的表象。对有限的目标,道德规则、道德后果和道德美德 的彻底放弃也被视为对所有有限目标的无例外接受,以及对所有确定的道德规 则、后果和美德的认可。 当这些转折尘埃落定后,天台最终得出了对现实的独特看法:在任何地 方的任何体验中的每一个件事、功能或特征都是所有有情无情众生的共同作用 。整个实相都在每一瞬间得体验中显现的,作为某种事物或体验显现。 然而,每一个这样的瞬间都不是偶然的、可有可无的形式。相反,它本 身是无条件的和不可根除的,是永恒的、无所不在的。此外,“整个实相”是不可 缩减的多重和不可缩减的统一;所有可能的冲突、对比和价值差异都不可逆转 地存在(在“可找到”的意义上)于每一个体所决定的整体状态中。 善与恶、迷与悟、佛与魔,无不在每一个事件的中。这些多元事物不是 虚拟或概念层面的 “简单假定”。“整体”也并非这些“内在蕴含”的事物或品质并列 集合,如同口袋里的硬币。相反,它们“相互包容”(intersubsumptive)。也就是说, 其中任何一个都包含(subsumes)了所有其他。然而,“包含”(subsumption)意味着每个 事物也被其他每个事物所包含。所有的关系都是包含关系,所有的包含都是相 互包含。每个部分都是整体,每个品质都包含所有其他品质,但没有一个是可 以根除的。世间一佛,令世间皆成佛,处处都浸透着“佛性”;世间有魔,令世间 皆成魔,到处弥漫着“魔性”。佛与魔常在世间。所以世间的每一件事,总是既完 全是佛性,又完全是恶魔。每时每刻的体验,永远都是彻头彻尾的妄想、邪恶 和痛苦,也是彻头彻尾的觉悟、善与乐。 传统佛教对感知体验给出了常识性的描述:感知体验的每一刻都是感觉 器官与感知对象交互,产生有内容的觉知。但在天台看来,这三者中的每一个 (感官、对象、这个意识)——都是绝对的,是现实的整体。三者中任意一种 个别的、暂时的形式都表达了全部。因此,每个人的经历的每一刻都被重新描 述。用天台一部早期经典来说: 绝对整体遇到绝对整体,结果就是绝对整体的 产生。 (法界对法界起法界。) 绝对整体是一体的、永恒的、永远相同的、无所 不在的。但作为一种整体,它与自己分离,遇到自己,每时每刻都在获得新生 76 。这种新生在每个有情众生的个体体验里,在独特而短暂的迁流中。 本文要解 释是:这种观点是如何建立的?其后果是什么? 1. 三谛:空,假和中 宏观层面的“开权显实”即自我逆转,其适用于天台学说的各个层面。其本身是在 考虑了语境主义、整体主义和缘起的结果。我们可以从这里开始我们的阐述。 问题的核心是,天台宗对佛教最根本、最深远的改造,是从二谛到三谛的转变 。在大多数大乘佛教中,“二谛”是关于认识论和教学方式的讨论。天台宗认为“ 三谛”提出任何确定性所必须逻辑推论。因此,同样适用于任何可能的本体论、 认识论和伦理本质。它们观点可以概括为:没有任何事物可以与任何其他事物 相同或不同。这种非同非异的关系就是“如同”关系:每一个确定的事物都是作为 这个事物的所有其他可能事物的总和。非同非异的非同一性意味着所有事物的 特征可以在每个事物中发现,所有事物的属性和功能也在每个事物中同时起作 用。 1.1 三谛观概要:“非同非异” 我们可以用一下几点来表述三谛观: 1. 任何事物要成为它自己,就必须同时与它不是的事物相互排斥。 如果 它与其他任何事物具有共同的方面或品质,并且它仍然被视为具体的自身,那 么不是因为这些共同点,而是因为它与其他事物的不同,才使得它区别于这些 事物。 2. 存在就是确定。 确定是有限的、非全部的。 有限就是有条件的。 任何 完全无条件的事物都意味着无所不在(没有地点限定作为其存在的“条件”)并且 总在发生(没有时间限定作为其存在的“条件”),因此与其他任何事物无法区分 。 这相当于根本没有确定性,因为无条件实体不可能与任何事物相互排斥,但 这种排斥必须是其存在的必要“条件”。 3. 因此,任何实体都必须与某种他者共存; 它必须存在于一个包含不是 它的东西的世界中,即(根据第一点),与它互斥的东西(即使只是它周围的 77 空间)。 某种形式的与他者共存是所有存在的基本特征。 所有形式的关系,包 括因果关系和概念对比的关系,都是这种必要的在世共存的例子。 4. 不同且相关的条件不仅包括前一刻的因果,还包括事先状态。进一步来 说,共现 (constitutive copresence)中的他者并非一般性的非 X,因为这只是对 X 本身 确定性的重复。反过来说,就非 X 中除了对 X 的否定之外再无其他。这种对比 没有提供新的内容,因此非 X 只是以 X 为前提。相反,使得 X 得以确定的排除 性须是某些的其他确定性,其他排除性;原则上,它们必须包括不同于 X 的任 何东西:被确定为 X 即是对所有非 X 的事物和状态的排除。通过更多地了解狗 不是的每一件其他事物,它与猫、刺猬、桌子、毛巾有何不同,我们对狗的本 质有了更多的了解…… (因此,我们的知识在构成上总是部分的和过程中的; 知道 X 总是准备好了解更多关于 X 的知识。知识本身是非全知的。) 5. 然而,两个存在之间的所有在世共存(copresence-in-the-world)、所有条件 、所有关系、所有因果都需要它们之间的某种重叠或链接。 一定有某个地方、 事物、时间、媒介或概念同时包含它们两者,或者它们都包含。 任何两个实体 都必须有一些共同点才能成功地共存——具有因果关系,或者对立关系。 6. 但是,真正不同的存在,只要它们是不同的并因此是确定的,就没有任 何共同之处。 7. 因此,两个真正相互排斥的存在不能互为条件。 8. 因此,不存在真正相互排斥的实体。 因此,必须补充第 1 点规定的确定 性质。 这种对确定性本质的改写就是三谛。 9. 任何出现的东西,即只是它所是的东西,不能与它不是的东西真正相互 排斥。 X 与非 X “不异”。 这种“不异”被称为 X 的空性(Śūnyatā)。如果 X 与非 X“ 不异”,则不满足第 1 点规定的为 X 的条件,因此 X 不是 X ; X 是“空的”。 10. 但是 X 也与非 X “不同”。从经验上讲,如果它是相同的,就不会有 非 X 与 X“不异”:它的存在只不过是与所有其他状态的非同一性。从逻辑上讲,天台 观点的替代方案是默认的二元假设,即存在实体或不存在实体;但是存在和不 存在都需要“非同一性”——即存在和不存在之间的非同一。根据第 1 点,任何确 定的事物都与非自身的事物不同。这就是为什么是“有”而不是“无”的原因:即使 是完全的虚无仍然是确定的,并且与它不是的东西不同,即与存在某物不同。 因此,没有任何东西仍然是某物,因此为什么存在某物而不是虚无的问题实际 上没有实际意义。任何假定的事物都需要与非它的不同。即使没有事物被假定 78 ,也无法得出“无事物被假定”,除非事物的假定被排除。并且非同一性是成功排 除任何事物所必需的。这与非 X 不同,称为 X 的临时假定或世俗谛(假)。 11. X 的非同一性, 与非 X ,以及 X 与非 X 的不异,本身就是非同非异的。 非同非异是临时假定。 虽不异,但不一是空。 这只是说同一件事的另一面,但 这一方面不可忽视。这两个方面赋予每个事物的两种相反且相互排斥的意义。 它们同义,但又有反差。 这称为中。 12. X 必须比看起来更多一个方面或部分。即使作为一个部分或方面,它也 不能只是与它看起来的单一自我同一。 13. 但它也确实而且必须看起来只是这样,除此之外什么都没有,并且只有 在最初看起来与它不是的东西相互排斥时才能出现。出现就是表现为某物,即 表现为有限。 任何出现都是整体的一部分或方面,整体永远不会显得更简单, 即使在思想中也是如此。 它总是以一种特定的事物(或概念,或思想)或另一 种形式出现。 14. 作为 X 存在就不是 X,而是使得这个非 X 仅显示为 X。成为 X 是排除非 X ,但只是以必然涉及非 X 的方式, 这只能通过将自己完全显示为 X 来完成。 15. 因此,三谛是: i.假:总是出现一些 X。 ii. 空:X 不(仅)是 X。 iii. 中:X 与 X 不仅是 X 的同时性、不可分性、非同非异性(这是对“中” 作 为“但中”最简单表述。它本身既不是空性也不是临时假定。它超越两者,并且比 两者都更终极,但可以表现为两者之一)。 16. “中”的另一个含义被称为“不但中”:任何两个完全不同的事物,Y 和 X, 也彼此无异。因为中心永远不会显得更简单;它总是以某种特定的连贯性出现 ,并没有什么不同。“假”是“空”和“中”的每个实例所固有的,假总是一些特定的临 时假定(即使是抽象概念的“临时假定”,或者抽象概念的“空”或“中”仍然是一个临 时假定) 每个临时假定都涉及所有其他临时假定。 Y 是 X 的实例化。X 是 Y 的实 例化。因此,所有其他表象都与 X “相互包含”。因此,“中”最终不会超越“空”和“ 79 假”,也不会比“空”和“假” 更真实。但“中”与“空”和“假”同义且悬殊。 “空”以及任何“ 假”即是中,因为“中”包含一切假定。反之亦然。 1.2 整体论到全简化论的自我克服 从这我们或许可以看出天台是如何同时规定了整体论和(表面否定)无 相论的自我保持和自我超越。首先,任何原子论都被认为是不合理而被拒绝, 并主张彻底的语境主义:事物只能相对于语境是确定的,而其对语境范围和多 样性的任何限定都有随意性,因为每个语境只有在更大的语境中才能被理解。 这似乎会导致某种整体论:每个表面上可孤立的事物实际上都是某个更 具包容性的整体的一个方面或表达,而每一个这样有限整体都必须是一个更具 包容性的整体的一个方面或表达。部分依赖于整体,有条件的依赖于无条件的 。但是无条件的不能有特定的其他确定,甚至不能作为“无条件的本身”。任何对 整体的确定最终都会自我推翻为其他确定,这正是因为它成功地成为了对无例 外整体的决定。 例如,泰勒斯说世界是由水构成的。这个规定的前提是先不考虑其他更 小整体:水、土、火、空气。每一个都已经是一个有限的整体,涉及从表象到 更深层现实的崩溃:看似树木、石头和柱子的东西原来是更大的整体“土”的一部 分,是“土”出现或显现的方式。看起来是体温、火焰和阳光的东西,原来是更大 的整体“火”的一部分,是火出现或显现的方式。现在泰雷兹说,这两者实际上都 是一个更大的整体“水”的一部分,是“水”出现和显现的方式。但是,这些概括性 主张中的每一个都涉及所讨论术语的含义变化。 “水”最初的意思是“不是火、土 、风的东西,它排除了它们,与它们形成对比”。 在泰勒斯之后,“水”也意味着“有时表现为水,有时如火,有时如泥土, 有时如风的东西”。随后赫拉克利特声称,一切都是真正的“火”。 对他来说,“火” 也意味着“有时表现为或火,或土,或风”。这些论点的目的是保持这些表达中的 哪些是主要的,哪些是次要的,哪些是直接的和间接的。但天台否认一旦这种 总体化已经实现,这种区别就可以有意义地保持下去。因为每个现在都意味着 整体,所以它们失去了原来的意义,因为那个意义完全依赖于与被排除的事物 的对比。如果火就是一切,那么火就不是火。如果水就是一切,那么水就不是 水。如果火就是一切,那么水就是火。如果水就是一切,那么火就是水。如果 80 火真的是水,那么水就是真的火。因此,通过对任何确定实体的普遍化,我们 达到了将该确定推翻为将其自身表达为所有其他规定的东西,同时破坏其自身 作为最终基础的特权地位,使所有其他可能的规定同样无条件,无所不在的, 普遍且绝对。因此,看到任何一个实体的绝对性就是去绝对化那个实体,也就 是绝对化所有其他实体。 1.3 从二谛到三谛:克服表面否定到细节主义 天台的三谛立场源于对印度佛教中观派哲学家提出的二谛教义的特殊理 解。中观二谛认为关于世界的任何具体事物充其量只是一个“世俗真理”(如同木 筏),可以超越它到达空性的“终极真理”。因此,任何确定性充其量只是超越自 己的必不可少的手段,在他们的工作完成时被丢弃。空性(Śūnyatā)的规定本 身就是一个木筏,其不仅超越了所有其他确定性,也超越空性自身作为一种“观 点”、理论,或概念。因此究竟真理,即对空性的真正证悟,至多是一个积极的 术语,用来指向从所有观点、所有确定的“事物”的明确概念中解脱的不可言喻的 体验。 这样做的动机在特定的泛佛教意义上是救赎论的:所有人类努力的目标 ,包括哲学、伦理学、认识论都旨在减少或消除痛苦。佛教指出这是我们一直 试图做的事情,但通常是以一种自欺欺人、无知的方式。佛教声称提供了一种 更有效的方法。要注意的是这并没有对什么是有价值的做出任何声明,而是说 明有价值的东西被认为具有什么必要内涵,即,什么使得渴望成为渴望。渴望 就是看重,痛苦只是我们渴望得不到满足。因此,所有的努力都是为了消除一 些痛苦,即满足渴望。 佛教指出,渴望任何有条件的对象或状态必然自讨苦吃。这是因为有条 件的事物,是由一个在性质上不同的、异质的和外在的原因产生的。但仔细研 究,这不可能是一个单一的外在原因,因为如果任何结果是由一个单一的原因 产生的,那么那个原因和那个结果将总是共存的——无论何时何地,那个原因 发生了,结果也会发生。但这意味着原因将不再是结果的外在;它们实际上是 一个不可约实体的两个方面,它们是必然的和内在结合的,这意味着实际上没 有任何因果事件发生。这意味着所有有条件的事物都需要多个原因,每个原因 本身都需要多个原因。 81 这将内在的不稳定性和内在冲突引入有条件存在的任何事物,即任何有 限的事物,任何确定的事物中。无条件的必须是无所不在的、无时不在的和不 确定的。但是欲望的本质是有特定的满足条件:欲望是要求某种事态,而不是 要求某种其他事态——最低限度是快乐而不是痛苦。这意味着所有作为欲望的 欲望都是对有条件的事物的欲望;否则就不需要欲望,因为欲望状态已经无处 不在。欲望想要一种单一的效果,而排斥任何其他效果;但否认任何单一原因 的有效性也意味着任何因果过程所产生的东西永远不可能只是单一的结果。因 为由于所产生的东西不仅仅依赖于任何单一的原因,或者实际上任何被视为一 个单元的有限的原因集合,一个新事件的产生总是需要与一些迄今为止被排除 的条件相结合。由于假设这个新条件不是与原始集合一致的部分,它不会总是 相同的,因此效果不会是相同的;每次连接都会产生自己的效果,并且假设连 接的集合没有限制(因为这会使它们成为一个单一的原因)。 不那么严格地说,人们认为,由此构建到任何效果中的交叉目的和冲突 趋势使其不可能成为一个稳定的同质实体,不可能始终与它所排除的相反条件 状态相分离,例如排他结构所要求的的具体愿望。任何想要的东西都必须在特 定的时间和地点可识别地存在,任何这样的东西都是有条件的,而任何有条件 的东西必然是无常的,因此是痛苦的。 佛教一般否认“自我”的存在正是基于这一点:单一因果事件的不可能性 。因为这里被拒绝的“自我”恰恰是单一因果关系的主体:其假定行为主体不需要 任何其他条件来产生行为效果。例如,同意某事,做某事,想要某事,体验某 事。实际上,自我的行为并非独立的,自我也不会产生独立的影响,因此,没 有作为“有效主体”的自我(self-as-efficacious-agent)。这里的“自我”本质上是指“控制 者”。因为没有单一的因果关系,所以没有单一的控制者,因此没有自我。出于 这个原因,欲望的满足也是不可持续的。因为在做自我想要的事情时,除了自 我的活动之外,总是还涉及其他原因。结果不受自我控制,因此将不可避免地 违背自己的愿望,违背自己的努力。事实上,早期佛教对人类状况的分析等于 声称,所有欲望实际上都是类似这种对由于单一代理因果关系,对纯粹的自主 性,对自我不可能实现的控制欲。因此,所有的欲望的结局被注定。 同样的问题也会产生严重的认识论后果。 佛教徒认为任何理论立场和 哲学立场都是欲望和执着。 由于所有这些立场本身都是具体的、确定的,因此 它们实际上是有条件的。 有条件的自然是痛苦的。 因此,对见地的执着被视为 82 一种痛苦和解脱的障碍。所有关于事物是什么的确定性的形而上学的观点都应 该被超越或者抛之脑后。 在大多数占主导地位的印度佛教理论中,这些想法被赋予作为俗谛的暂 时有效性:它们将充当“木筏”,暂时被紧紧抓住,但这只是因为它们是超越自我 的有效手段。这既包括特定的佛教教义,也包括普通的常规语言(甚至是传达 佛教思想所必需的)。 任何不会以这种方式克服自我的想法(因此不能灭苦)甚至都不能算作 世俗的真理——例如,1)形而上学和宗教的绝对理论,或关于整个世界无条件 性主张和 2)对世界中的事物不合常理的观点,以及违反社群中语言的通常用法 。 印度的二谛观往往存在等级差异:首先,是明显的谬论,包括所有关于 现实的哲学理论和不合常理的观点。然后是世俗的真理,包括日常生活中关于 自我与他者、因果等的观念,也包括佛教关于苦、四圣谛、无我的观念,甚至“ 空”这一个概念。这些观念通过工具性地超越自身,导向空性的体验,即从所有 观点中解脱出来。世俗真理具有工具价值,但没有一个关于事物是真正“真实的 ”——空性意味着所有这些在最终极的意义上都是虚妄的。此外,世俗真理实际 上只有两种:第一,惯常言语,在特定社区日常生活中使用的事物的正确通用 名称,第二,佛教思想。这些算作“真理”的原因是因为它们有助于引导我们从痛 苦中解脱——以及引导我们从这些想法本身中解脱出来。 “真”命题是有能力超越 自身的命题。 这在几个层面上导致了一个自相矛盾的情况。空性理论总是存在一个问 题:空性根本不是一种“观点”,不能断言任何关于现实的东西。但是,如果它有 所作为,如果它否定或排斥任何其他观点,那么在天台宗看来,它仍然是一种 观点。因为成为某种事物就是排除其他。这就是“事物”的全部,也是“观点”的全 部。成为某种事物就是排斥其他;不需要其他条件来作为存在。 天台宗出现之前的空性理论陷入无限倒退,在空性的超越性问题上无止 境追逐自己的尾巴:没有任何表述可以指代它,甚至“万物皆空”也不可以。它纯 粹而完全地超越了任何可以被思考或说出来的东西,超越了世界上所有关于身 份的普通体验。它是一种否定,它被认为与它所否定的东西完全没有关系,完 全摆脱了关系系统和条件性系统。空性应该是严格的“不可思议”。 83 天台宗解决了这一问题。空性仍然很重要,但它只是对于无条件的有条 件的断言。我们一方面没有所有的条件性(可指定性,特殊性),另一方面也 没有所有的无条件性(超越性,不可想象性)。一切,每一次体验,每一个身 份,每一个行动,都在同一条船上:它们都是有条件的和无条件的,都是可以 想象的和不可想象的。 “空”的思想、经验、概念也同时是有条件的和无条件的,既可以想象, 也不可以想象,就像我们刚提到的“水”和“火”一样。空性呈现了一种自我颠覆式 的整体论(self-exploded holism)。空性这一概念最容易应用在任何地方,因此最 终无处适用,空性同时也赋予了其他概念同样的性质。 它是临时假定的,这意味着它至少是局部适用的(有条件的、确定的、 可想象的),但它本身也是空的,这意味着它在全局是不连贯的(无条件的、 不确定的、不可想象的)。它在经验中表现为特定的东西(局部连贯,恰好是 这个词和这个思想“空性”),但这与其他所有局部连贯一样,被其自身不可分割 的无限外在、无限语境的笼罩所困扰,每一个都以不同的方式将它语境化,从 而赋予它交替的身份:它比任何单个概念(包括“空性”)都可以容纳更多。 用一个为天台创造的词来说,空性就是“不定性” (moretitivity):不定性 本身就是不定性。它不仅表现为多动性,而且表现为更多、超越简单。模棱两 可本身就是模棱两可的:火不只是火,它是模棱两可的;但歧义不仅仅是歧义 ,它也是火。这也适用于其他一切。局部连贯性和全局连贯性(临时假定和空 虚)只是说同一件事的两种方式。 天台“三谛”理论不断定每一个特定的观点和事物都是错误的,而是断定 一切最终都是真实的。每一种可能的观点都同样是真理。层次之间不再有等级 关系,也没有明显的虚假类别。天台中的“俗谛”,不是成道时舍弃的东西,而是 在那里得到、掌握和强化的东西。 此外,它没有遗漏任何东西——所有可能的陈述、观点、想法、概念、 立场都是约定俗成的真理。标准还是一样的:一切事物都可以作为成佛的“善巧 方便”。所以现在我们有了三个真理,它们不是一个像木筏一样超越所有陈述和 概念的工具,也不是最终更高的真理,使得我们对事物没有偏见和特定的看法 ,而是作为看待任何特殊事物的三种真实的方式。 它不是超越所有木筏的木筏,而是通往制造和容纳所有木筏的工厂的木 筏,并允许人们随意从任何木筏移动到任何其他木筏,包括最初的木筏。无论 84 你将世界的某个特定部分或整个世界视为什么,都是俗谛。世俗的真理并非只 有几个,而是无数的。即使它们之间直接对立,相互矛盾。所以在二谛论中, 我们会说“这是一个杯子”是世俗真实的,而“这个杯子是空的”是一个更高的世俗 真理, 使我们最终直接体验这个杯子之不可言喻的空性,并不再执着有关这个杯 子的一切观点。这是从所有痛苦中解脱。但是,如果有人指着这个“杯子”说:“ 这是一头大象”,这连世俗的真理也不是,因为这不是大多数人的想法,也不是 社群中的通用语,也不是一个旨在超越自身的佛教术语。那便是一个明显的错 误。如果有人说,“这是上帝旨意的表达”,那也是错误的,甚至不是世俗的真理 ,因为它试图提出超越世俗用法的主张,要求最终的、普遍适用的、绝对的真 相。 但在天台三谛理论中,说“这是一头大象”或“这是巴力的意志”与说“这是 一个杯子”是一样的。这些都不比说“这是空的”更不真实,或者这些并没有在实 际上比“体验”这个杯子/大象的空性更不真实。在这两种情况下,我们所拥有的 是一种局部一致的方式来看待这个东西——它只是意味着它从某个角度来看, 在某些参数集内,在一段时间内。这些参数是否由特定社群或语言群体的常识 共享已经无关紧要了;重要的是它是可能的,它从某些方面来看正是如此,即 使只是片刻。在二谛空论中,没有什么是真的。在天台三真论中,一切都是真 实的。在这种局部连贯的看待事物的方式之外,我们不需要额外的“空性”;空性 只是意味着任何局部连贯的东西,事实上也是全局不连贯的。也就是说,当考 虑到所有因素时,任何事物出现的原始方式都不再明确存在,而是恢复为一个 筏子,通向所有其他筏子,包括它自己,作为所有现实、任何现实的不可消除 的方面。 2. 语境主义与本体论的模糊 一个简单的思想实验可能可以说明这一观点。想象一下,你看到地上好 像有一块白色大理石。你看到它是又白又小又圆。当下,你想到这个小石子可 以拿起、滚动、玩耍、装进口袋。但当你去捡它时发现,它嵌入地面,拿不起 来。你试着把它挖出来,但发现它一直向下延伸,比你能挖的更远:它是一个 更大物品的尖端。它似乎是某种长杆或圆柱形管。但是当你进一步向下挖掘大 约五英寸时,你会发现它开始向外扩展;它原来是一个圆锥顶部的尖顶。随着 85 你继续向下挖,这个圆锥体不断向外扩展。当你向下约二十英尺时,圆锥体结 束,嵌入柔软的鳞片状材料中。然后大地轰隆隆,一个巨大的双角怪物从地底 出现;它高达 500 英尺,每个角都有 20 英尺,又长又尖。原来你一直在挖一个 角。你所看到的地面上的大理石实际上是其中一个角尖。现在再看看那小块物 体。你刚才体验到它是圆的。但事实证明它根本不是圆的:它很锋利。然而它 根本没有改变:你仍然看到你所看到的。它也不是白色的:尖端在地面上看起 来是白色的,但是现在,从怪物的整体看,你会看到它是一个图案,大部分是 绿色的斑点,到处散布着白色:从整体上看,这个圆锥体,包括它的尖端,看 起来是绿色的。它也不是可移动的、便携的、可玩的——它相当危险、锋利, 需要避免。然而你所看到的并没有被带走:它只是补充了更多的信息,还有更 大的背景。 天台是这样看待一切的。通常,你可能会做出一些限定,以保持你认为 某些事实是明确的观点(实际上,在某种程度上,这个过程正是哲学在传统上 的样子);您可能会说“单独考虑的尖端确实是圆形的”。通常的做法是区分“它 看起来如何”和“它实际上如何”区分,即某种形式的实相——表相之分。但是,将 二谛转化为三谛的最重要的意义是彻底摒弃了表相与实相的区别。天台拒绝优 先单独考虑,也不赞同优先从特定的单一关联入手。这两种方式用在某些启发 性的权宜方便语境下是合理的,但毫无疑问都不可以用来绝对化的解释“真实情 况”。 看某物就是看它的“非全部”。我们总是看到世界的一小部分,但世界的 每一点都因为它是世界的一部分而改变,被世界的其他部分、其余空间和时间 重新阐释。事实上,如果我们看到了所有,我们将什么也看不到。因为看,即 把某物当作“那里”,当作“真实”,就是把它放在一个语境中,把它与它自身之外 的东西、不是它的东西进行对比。看到一切就是什么也看不见。就像上面的“火” 和“水”,如果有人说整个宇宙是“圆的”,这就需要改变“圆”的含义。这个圆不会是 圆的:因为圆需要它外面的一个非圆才是圆的。它必须被某种东西包围才能将 其塑造成圆形,但宇宙也将包括圆形之外的部分。如果有人说整个宇宙都是锋 利的,那也是没有道理的。这个锋利的不会是锋利的;因为锋利需要一个非锋 利的外部它是锋利的。那么,说整个宇宙是尖锐的,就等于说整个宇宙是圆的 。 86 我们无法对整体、整个宇宙做出具体的规定,因为在它之外没有任何东 西存在。所有特定的规范都需要与它们之外的东西进行对比。我们所说或所想 的一切都来自有限的领域,不能应用于无限。但天台的观点是,不涉及对整体 、无限的某种确定,我们也不能谈论任何有限的东西。如果我们要说这东西是 锋利的,我们就不得不假设“因为整个宇宙都是这样的,使得这东西是锋利的”。 我们不能这样说:整个宇宙不可能“使这块大理石锋利”,正如整个宇宙不能“锋 利”一样。但这也意味着我们不能说整个宇宙是“这样的所以大理石不锋利”。要 么同样合法,要么同样非法。那么,我们可以说,这块大理石看起来是圆的, 但圆总是证明它不仅是圆的,也是非圆的,反之亦然。圆是不定的 (moretoitive)。 圆形和非圆形相互包含。 简言之,圆呈现出所有非圆,以及不定性;不定性呈现出圆,以及所有 非圆。 为了说明这一点,我们可以思考: 下面的形状是什么? Ο 下面的示图中,哪个形状与前面相同? −2 −1 Ο 1 2 它现在是什么? −2 −1 M N Ο P Q 1 2 现在呢? Ο −2 −1 M N Ο P Q 1 2 Ο 87 当我们孤立地看那个圆形时,它可能会根据我们的习惯或的前一刻心理 活动不加思考地立即呈现出来;如果我们刚才一直在考虑数字,它可能会简单 而明确地显示为“零”,如果在想字母,它将便呈现出字母“o”,如果在想图形,它 将呈现出“圆形”。当在第二张图中添加了一个明确的上下文时,它有一了个清晰 明确的身份:它是数字零。但是当我们同时添加另一个上下文时,在第三张图 中,这个数字变得模棱两可:它现在可以读作零或字母 O。随着我们不断添加 更多上下文,它的身份变得越来越模棱两可;在上面的最后一张图中,我们可 以指向最初的圆形图形,并有效地说,“这是一个三角形”——因为它是与另外两 个不相邻和不相邻的圆形成的三角形的顶点。谁知道世界上还有什么其他的圆 ?谁又知道这个数字 0 实际上正在形成什么其他的数字?当我们同时考虑宇宙 中的所有事物时,我们分配给它们的初始身份被越来越多补充模糊化。只看作 单个系列的字母,看作 0 是局部连贯性。 当我们把这个杯子简单地看作一个杯子时,我们在做同样的事情:忽略 很多其他因素、背景、观点、观察方式,并缩小相关因素,让它看起来像一个 单一的明确的东西: 一个杯子。如果我们考虑制造它的分子,或者它表达的能 量,或者它在各种叙述的背景下的用途,或者它的过去和未来,它的“杯子性”变 得模棱两可:它是同时还是很多其他的事情,许多不同故事的一部分。它是能 量转换屏幕上的一个光点,或者是一件凶器,或者是一件艺术品,或者是一个 门挡。 你自己和你现在的行为也是如此。它们只有在我们围绕它们缩小视野的 范围时才是明确的(当然,做哲学是我们可以缩小视野的一种方法。我们给出 的描述也是我们在将自己的经验语境化,可能是在一种假设的的概念系统中区 分本质、属性、意外、实体形式或你所拥有的,并据此区分表象和现实,使它 看起来“本质上”是一个杯子,“偶然”是一件凶器,“表面上是”一个来自巴力的启示 )。 这就是天台中空性的含义:本体上的模糊性。 “模糊性”一词通常仅指我 们如何看待事物。我们假设,就其本身而言,一切就是它本来的样子;但我们 可能对此有一个不清楚的看法;我们还不能确定是这个还是那个。我们假设, 至少在原则上,它必须是其中之一。空性的观念是这样一种观念,即这在“本体 论上”是真实的:也就是说,它与事物的存在本身有关。说它们是空的并不意味 88 着它们是空的——因为那将是一个确定的东西。对所有确定的内容的特定排除 ,事实上,这本身就是确定的内容。 这里的空性意味着它们本身是模棱两可的。而且,这也是说,无论从什 么角度看,无论了解得多么透彻,多么全面,一切都比它看起来的要多,或者 说在构成上比它看起来的要多。它具有作为“某物”(杯子、椅子、大象)的特征 ,具有许多可说明的特征,但每一个“某物”,只是作为某物存在,都具有“更多 性”的附加特征——总是溢出关于它的任何东西,超过从任何角度可以看到的东 西。 然而,这个“更多”并没有使原来的“已知”部分保持不变。 相反,它重新将 其语境化。 我们总是看到冰山一角。 但即使是“一小块”也不再是我们在知道它 是更多东西之前所认为的那样。 关键是没有完全的去语境化,离开一个语境必 然地进入另一个语境; 语境关系不需要物理上的连续性,给定事物周围的空白 空间不会将其与进一步的再语境化隔开,而是事物本身就是一个语境,并且是 一个无限的语境,可以打开无限的替代语境。 3. 开权显实 三谛理论中的这种特别的“非一非异”结构,要按照天台的另一个关键概 念“开权显实”来理解。 这是进一步明确局部连贯性和全局不连贯性之关系的一 种方式,它们既是相同,也是不可消解对立。而且,实际上只有通过它们的对 立和相互排斥才能相同。 临时真理是先行者和前提,而且在某种意义上,确实 是终极真理的原因,而这只是因为它是对终极真理的严格排斥。 3.1 现实的“设定”和“转语” 这可以比作一个笑话的设定和转语之间的关系结构。 考虑以下: (设定) 89 两个陌生人在公交车上聊天。 一个人告诉另一个人,他要去市中心的 生物实验室接他的狗。 “那里的科学家正在对他进行一些研究”,他说。 “他生来 就没有鼻子”。 “真的?” 另一个说。 “他怎么闻?” (转语) “很糟糕”。 我们分析这个对话的结构。 当我们听到“他闻起来怎么样?”的问题时 这 似乎是一个严肃的问题,表达了对狗的身体特征及其突变的强烈好奇心。 这个 问题是严肃的、真实的、非嘲讽的。 它话并没有什么可笑的。 但是,当转语出 现时,回想起来,这种设定很有趣。 它的幽默之处在于 smell(闻,气味)的一 语双关整个对话重新语境化。当它被放入一个新的语境时,具有多重性质。 有趣的事情是,正是因为设置不有趣才有趣。换句话说,如果它已经很 有趣,如果你从始至终没有严肃的对待,这件事的两种不同含义之间的反差就 不会有趣,引人发笑。我们有一个严肃的设置和一个巧妙的结语,但是当你从 听到转语后回头看设置时,那个设定也很有趣。毕竟,我们并不是说只有转语 很有趣。我们说整个笑话很有趣。设定在不有趣的模式下很有趣。这有趣正是 因为它不有趣。《法华经》是一样的,人生也是一样的。大乘佛法说,你开悟 了!人人都开悟了!每个人都是佛!但是你成佛的方式就是开个玩笑的方式很 有趣,也就是说,你不是佛。通过为成佛、为其他事物而奋斗,以及通过重新 形象化、重新情境化或扩展意识(佛教一贯推崇的的修行方式),这些日常生 活的细节,即努力互动,应对不同条件,面对痛苦和失控不只是成佛的手段。它 们本身就是佛性,是众生的生命。 “临时的”、约定俗成的真理、局部的连贯性,就是设置。 “终极真理”、空 性、全局不连贯、本体模糊,即是转语。此处重要的是既要保持两者之间的对 比,又要保持他们的最终身份,分享幽默的品质,这种品质属于作为一个整体 考虑的笑话的每一个部分,一旦转语被揭露。设置很严肃,而转语很有趣。转 语的好笑取决于设置的严肃性,以及两者之间的反差。然而,一旦出现了转语 ,回想起来,设置也是有趣的。这也意味着两者之间的原始对比既被保留又被 取消:在转语出现后,有趣和严肃都不是同一件事,因为它们的原始含义取决 于它们定义对比的相互排斥的性质。设置是严肃的还是有趣的?两者兼而有之 90 :有趣而又严肃,严肃而又有趣。笑点是严肃的还是有趣的?两者都是,但以 一种有趣的方式不同。明明很好笑,但也很严肃。因为既然设置已经发生,“有 趣”和“严肃”都有不同的含义。最初,我们认为“有趣”的意思是“当我听到它时我会 笑”或类似的东西,而“严肃”的意思是“给我带来并不有趣信息”或类似的东西。但 现在我们看到“好笑”也可以表示:我们认为是认真的,不引我们发笑的,让我们 认真考虑的,让我们哭泣的,甚至是让我们悲痛的。 但这也说明“严肃可能会变得有趣或严肃”。 因此,“有趣”和“严肃”现在都 意味着“有趣而严肃,看起来既有趣又严肃”。 现在,两者一个包容另一个的中 心; 它们是相互包容的。 因此,旧的实用主义标准在这里被更自由地应用:所 有主张、陈述和立场都是正确的,因为如果适当地重新语境化,所有这些都可 以导致解放——也就是说,他们自己的自我克服 。相反,如果没有适当的语境 化,什么也不会带来解放。 3.2 天台四重判教:“无常”与“常”的异和同 这种语境主义被彻底而地应用于佛教所有教义,尤其是关于存在的基本 状态:无常、苦和无我,以及这些状态的解决方案:觉悟和成佛。所有的事物 是常还是无常的?有没有自我?我们能不能灭苦?对于天台来说,理解和应用 教义的关键不在于“它们是不是真实的?”——因为所有教义在 “解脱”意义上都是“ 真实的”,但在其他情况下并非真实。问题在于:在什么意义上,在什么背景下 ,它们是真实的,或者说,是通向解脱的?正是在这一点上,我们必须了解天 台的“判教”体系。在众多天台传统判教体系中,最有哲学意义的是四重判教,即 藏,通,别,圆。 这四重教法在天台思想家看来并非四种不同的教义,它们都是对佛教基 本教义越来越广泛的再语境化,越来越微妙的解释。天台根据他们对佛教缘起 这一基本概念,即无常、苦、无我的理解程度,将大乘佛教义分为四种类型。 应该再次说明,这四种类型都被视为佛陀的“真实教法”。 它们在救拔众生,离 苦得乐的意义上,都是真实的。同时,对于实相的描述,它们没有哪一个是超 越其他三个的。此外,根据天台的一般阐释方法,它们并非不同的教义。它们 被视为对同一思想的不同阐释。尽管它们看起来截然不同,这些阐释是重新语 境化,都是恰到好处的体现了不同程度的彻底性。因此,对苦、无常和无我的 自我克服为我们提供了一个的天台概念的普遍模式。它们通过保持自身而被克 服。实际上正是因为它们保持自己,才成为自己的对立面。 91 智顗从《大乘涅槃经》中摘取一段,作为他这四重判教的标准之一。 这段话大意如下: (实相)不能用生起之物的生起来描述。 不能用生起之物的不生来描述。 不能用无生起的生起来描述。 不能用无生的无生来描述。 不能用[以任何这些方式]生起或不生起来描述。 然而,在适当的情况下,它可以用任何这些来有效地描述。 这段话可以翻译如下: 生生不可说, 生不生亦不可说, 不生生亦不可说, 不生不生亦不可说, 生亦不可说,不生亦不可说, 以有因缘故可得说 智顗认为这段经文体现了佛教对“四边法”否定与临时肯定。他将这四种 立场与下文中的四重教法联系起来,每一种都是阐释四圣谛的独特方式。可以 用这些独特方式来理解一切事物、所有缘起的本质、苦的生灭,苦的解脱,以 及它们之间的关联: 1.藏教:生生,字面意思是“生起者的生起”。 四圣谛所描述的事物(即一切有条件的体验之苦,以及从苦中解脱的无 为体验)是生灭的(生灭四谛)。一切事物都是空的,因为它们是无常的。当把它 们分解其组成部分时,它们就会消失无余(析空)。 2. 通教:生不生, 字面意思是“生起者的不生”。 一切有条件的体验之苦以及从苦中解脱的无为体验——不会生起[或灭亡] (无生四 谛)。一切事物从一开始,在本质上是空的(无论是字面意义上的还是分解成部 分后的无常)(“事物当体即空”体空)。 92 3.别教:不生生,字面意思是“不生的生起”。 四圣谛所描述的事物(即一切有条件的体验之苦以及从苦中解脱的无为体验) 不仅可以被正当地描述为“的确”没有任何自我的确定性,因此不生不灭,而且因 为它们也是菩萨慈悲解脱的对象。两者无限交替(无量四谛)。 相反,空性和所有非空的事物都是“中”的表现形式,是超越但也包括无 生与生两面的中间状态。这个中间状态同时有形又无形,是不断无限产生的有 形和无形,无形仅以形式无限存在。空与非空合二为一体。这一合体是两者的 真正的源泉。这就是“但中佛性”,是藏于两极之下的佛性。它是所有现象的内核 ,是现象的源头和终极实相。先前对事物的空或非空的描述都是片面的,因为 事物实际上非空非非空。 4.圆教:“无生之无生”, 字面意思是,无所生的不生。 四圣谛所描述的事物——即一切有条件的体验之苦以及从苦中解脱的体 验——在所有这些无限交替的形式中,[实际上,在它们的无限的产生中]是未创 造和未开始的(并且无法完成) (无作四谛)。 每一事物都是空,非空,和中。每一事物非空,非非空的,亦非中。每 一事物都是且仅是空,都是且仅是非空,也都是且仅是中。每一事都包含所有 其他事物,也被所有其他事物所包含。本段前面的每句话都是同义的。不仅每 一件事物,空性本身也是空、非空、和中。纯粹从空自身的角度来考虑,它不 仅是对一切事物的否定,而且深入思考会发现,它也是对一切事物的肯定(非 空),也是否定和肯定的同一(中)。从非空和中的方面考虑也是如此。每一个 都同时是三个。这是“非专属的中”,即“不但中”。 “不但中”是佛所安住的,佛所 悟的,故又称“佛性”。每个事物都是宇宙的中心,所有其他事物都是其属性。每 一事物都是产生一切事物的源头,但又内在地包含着一切事物,因此它什么也 不产生。每一事物同样从任何其他事物中产生,并被任何其他事物所包含。每 一事物都与其他任何事物一样可以被观测和理解。每一事物也是所有其他事物 最终趋向的目的。 93 3.3 时间与事实 因此,三谛实际上是看待任何对象或状态的三种不同但相互暗含的方式 。 每一个都暗示着另外两个,每一个都是描述整个对象的一种方式,也包括其 他两个方面。 被确立就是被否定。 开始即是在构成上不完整; 确定就是模棱 两可,成为任何事物就是超越那个事物。 如果它不是超出(或者异于)X,它 甚至不会是 X。我们可以从“事实”的状态来考虑这一点。 爱默生在他的文章“历 史”(1841 年)中说:”时间消散到闪耀着事实的坚实棱角。 没有锚,没有电缆 ,没有栅栏可以使事实成为事实”。 他的意思是,每一个历史事实都“在一定距离之外”被记录,在其他时间 和地点,扮演着一个不断扩展的隐喻角色,适用于越来越多的个案,具有越来 越多样化的丰富含义。将其稍加修改,就接近了天台的观点:我们需要做的就 是明确“时间”和“事实”并不是真正的两个不同的东西。前者的作用是模糊性的; 后者的作用是稳固性的。但实际上,两者是同一事物、统一过程的两个方面, 最终是同义词。时间只是其他事实的补充;新的事实只是更多的时间的存在。 在天台看来,新的事实并不是从外部强加于最初事实,而是使最初事实成为事 实的语境,是使最初事实成为事实的确定性。 时间只是指任何事实对自身和其 他事实的自我定位。时间使事实成为事实,并通过制造更多事实来消除事实, 所有这些都是第一个事实所固有的:历史是任何既定事实的假定和超越,自我 假定和重新语境化。 换句话说,让我们规定一个事实(任何关于事实的确定)原则上是可知 的,而可知性意味着一种主客关系。因此,它是一种“距离”或分离,与要知道的 事实有一定的距离。这意味着一个事实只有在它之外有某种东西、另一个事实 、另一个时间、另一个可以观察它的地方才是事实;除非它可以影响其他地方 ,或者除非它与其他有关的一些东西,否则它不能算作事实。但这意味着它的 超越自我到达他者的旅程是其真实性所固有的。而爱默生用“时间”一词表示的正 是这种超越自身的旅程。因为一个事实必须可以从其他空间被看到,无论是物 理的还是概念空间,都意味着有无限地其他观察视角、无限的事实相互影响、 以及无限观点解释和隐喻最初事实。确定性意味着限制,限制意味着空间 ,空间意味着其他空间、其他视角、其他语境的无限。某事物成为事实是 因为它在本质上设定了与自身的距离,因此以其他方式可见。 94 简单来说,对于天台,时间本身就是一个不断的“开权显实”,一个不断 自我重新语境化的过程。过去一方面不变,另一方面,又随着每次的重新语境 化而变化。 每一刻的时间都是对所有过去的重新语境化。 这也意味着天台关于 过去、现在和未来的相互贯通以及所有事物的“内在包含”的观念。这并非导向没 有任何真正创造力的宇宙静态图景。 因为在天台看来,每时每刻都带来了一套 新的现实场合,还有一套新的“永恒原则”——绝对的义务、永恒的对象、规律、 普遍性。 每一刻实际上都是一个新的上帝的创造,他重新确定了宇宙其余部分 以及所有过去和未来的特征。 片刻之所以成为片刻,必然是因为被其他片刻所包围,且其他片刻与之 不同。 “现在”必须不同于“那时”。但这意味着“现在”必须与“那时”相关。 “那时”是“ 现在”世界的一部分,“现在”根据“那时”定义自己,与之形成必要的对比。这种对 比对“现在”和“那是”既不能是内部的,也不能是外部的。 “现在”实际上是“现在-当 时”,“当时”实际上是“当时-现在”。 如果我们考虑在 M 时刻 和 M+1 时刻 的整个存在状态,这很容易理解。 在 M 时刻的事物状态被认为具有引起 M+1 时刻事物状态产生的力量。但是,如 果 M+1 到达时 M 已经消失,它就无法“到达”M+1 ,对它做任何事情;因为它已经 消失,不存在,因此无能为力。但是,如果当 M+1 到达时 ,M 的事物状态继续 存在,那么时间就无法向前推进,或者我们必须承认同时存在两种交替的总体 状态。如果 M+1 的出现不需要 M 的消失(根据我们的假设,M 具有产生 M+1 的 能力),那么 M 将继续精确地重复生成 M+1,直到永远。在任何一种情况下, 时间都是不可能的,也不会出现真正的实体。不同时刻非同非异;它们彼此存 在,过去与未来一样,未来与过去和现在一样,现在与过去和未来一样。过去 还没有结束,现在和未来的每一刻都更多地揭示了过去和它的无限变化。因为 它们与过去没有什么不,尽管允许它作为这些新的时刻出现。现在永远不会开 始——无论你往后看多远,你总能在那里找到现在的所有特征。虽然看起来像 以前的某个时刻,但没有改变。现在永无止境——所有未来的时刻都是对当下 正在发生的当下体验时刻的进一步揭示。 95 3.4 整体超越自身,开显一切方便 我们可以说所有的事物都是无常的,就像在早期的佛教中一样。但现在 我们知道“无常-常”只是一种用于破除执着的说法。我们可以说一切事物都是永 恒的——意思是“恒常-无常”。我们可以说有些东西是恒常的,有些东西是无常的 ——意思是“有些-全部是恒常-无常的”和“全部-有些是无常-恒常的”。但也要注意, 这并不意味着“永恒-无常”是真实的,而“恒常”和“无常”都是片面的歪曲。这就是 天台所说的“独断中心”。相反,正如“恒常”真的是“无常-恒常”一样,“无常-恒常”真 的是“恒常”的意思,或者真的是“无常”的意思。因为无常-恒常表现为恒常和无常 ,每一个都是整体,而不是整体的一部分。恒常就是已经是无常——没有其他 的恒常。无常就已经是恒常——没有其他的无常。一切都很有趣,一切都很严 肃,一切都很有趣-严肃。每个都是三个完全相等的同义词。每一个都是对真理 的同样充分-不充分的描述。 这同样适用于所有其他情况。我们可以说一切都是痛苦:意思是“痛苦幸福”。我们可以说一切都是幸福:意思是“幸福-痛苦”。我们可以说一切都是心 智:意思是“心智-物质”。我们可以说一切都是物质:意思是“物质-心智”。我们可 以说有一个上帝:意思是“有上帝-无上帝”。我们可以说没有上帝:意思是“无上 帝-有上帝”。我们可以说一切都是幻觉:意思是“幻觉-现实”。我们可以说一切都 是现实:意思是“现实-幻觉”。我们可以说有些东西是真的,有些东西是假的: 意思是“有些-全部是真的,全部-有些是假的”。我们可以说有历史的进步:意思 是“进步-停滞”。我们可以说有历史的停滞:意思是“停滞-进步”。我们可以说社会 是邪恶的:意思是“邪恶-善良”。我们可以说社会是好的:意思是“善-恶”。我们可 以说我们有时快乐,有时悲伤,意思是“我们-每个人有时-总是快乐-悲伤,有时总是悲伤-快乐”。等等。我们应该如何选择我们随时要说的?如果所有事情在某 种意义上都是可以说的,那么我们现在应该说什么?在这种特殊的情况和背景 下,我们应该说最有利于从痛苦中解脱的东西,从片面的执着中解脱出来的。 4. 诸法实相 天台所有令人惊讶的观点都是基于同样的方法,如我们所见的“所有时 刻都是永恒的”,或者“所有的表象都是最终的现实”,或者“至善的佛性不灭邪恶” 96 。 当然,天台宗认可这些观点。没有一刻会结束,无论对任何人来说,无论持 续多久,任何事物都是最终的现实,所有事物都从这一现实中出现,所有事物 都返回其中,并且这一最终现实解释,支持和维持所有事物。 的确如此, 反之 亦然。 这些特殊的主张在天台的经典著作中被强调,是考虑到对治常见可能偏 向断见的危险。 因为大部分佛法都在强调事物的无常和表象的虚幻。考虑到天 台学人可能都已经意识到无常,并有可能执着于无常,所以天台的说法正好相 反,这种相反的观点同样是正确的。 所有的表象都是最终的现实。这如何可能?通常,我们认为在某种外观 与现实的对比中:“我以为那是一条蛇,但仔细观察后发现它是一根绳子”。这也 是大多数佛教所说的:“我以为有一个自我,但结果却是一堆无常的五蕴”。又或 者,“我以为有一个世界,结果全是心,或佛性,或幻象”。常识也假设了这一点 :我的玻璃杯口看起来是椭圆的,但事实上我们知道,它“真的”是圆的——只是 我们从一个角度看是椭圆的。彩虹只是一种外观——当我们去触摸它时,我们 什么也找不到。但是云和阳光是真实。事实也证明它们是真实的。然而,天台 却反常地声称椭圆和圆形都是真实的:两者都是最终的现实;在所有事物中, 在任何时间和地点都可以找到,都是绝对的。彩虹和阳光下的云雾都是真实的 ,都是绝对真实的,都是绝对的。 “我”和无常的五蕴都是真实的,都是绝对真 实的,都是绝对的。蛇和绳子都是真实的,都是绝对真实的,都是绝对的。一 切都是幻觉。一切都是现实。时间不是幻觉。时间是一切可能事物的虚幻性。 时间是一个词,意思是“无论你认为是什么,都不是这样”。什么是真实的?你可 以回到什么地方,再看一遍,检查,验证,重新检查。但实际上没有任何经验 可以让你回到过去,所以没有一个是真实的。什么是错觉?事实证明并非如此 。没有任何事情不是这样的。尖角“看起来”是圆的,但“结果”是“锋利的”。但圆和 尖同样不真实,同样真实。每个都是由它被看到的语境决定的。考虑到无法命 名的整体,它们也是无法命名的,不尖不圆。圆和尖是同一事物的两个名称, 即圆、尖、不圆不尖、又圆又尖。 4.1 众生佛果佛性中不可根除之内在恶 天台的一个著名观点“佛本恶”也是如此。 未来成佛,过去执迷,迷就是“ 佛-迷”。 过去的迷在未来的佛国中,所以佛道就是“迷-佛”。 天台的著名言论说“ 97 无情有佛性”亦是如此,即石头等无觉受之物,皆有不受限制的觉知。觉知总是 无觉知-觉知。所有的意识都与无意识并存。(例如,意识的对象,它们本身没 有意识。无意识总是意识-无意识(即,无意识只是通过意识与意识本身的对比 才确定为无意识,并且本质上与任何可能存在于宇宙中意识不可分离,因为所 有存在是不可分割的)。 对于“无情有佛性”的有争论,是湛然法师在他的《金刚錍》中提出的。 其中,他对三谛的处理方式略有不同。他重点讨论了大乘《涅槃经》以空间隐 喻佛性的普遍性、不可根除性、不可分割性,以及所有空间之间、每个空间与 任何可能占据它的对象之间的非同非异的关系。 但这里的中心论点也是两个对 立的术语不可分割的相互包含:感知总是无感知-感知,无感知始终是感知-无感 知。 我们可以用磁铁的例子来思考这一点。磁铁有一个北磁极和一个南磁极 。如果我们想把北磁极和南磁极分开,我们可能会把它切成两半。但是当我们 切开磁铁时,发现切割后每一半仍然有南北磁极。虽然,南北磁极本来是切割 之前的整体的纯粹北部和南部,但无论我们切割多少次,切割出来部分全部包 含切割前整体所含的全部特征(即南北磁极)。天台宗的宇宙观也是这样的: 宇宙是一块大磁铁,但不仅仅包含南北,它有 3000 个不同的特征:我的性质、 你的性质、火车、海洋、狗、汤、历史事件、微笑、泪水、妄想、觉悟。然而 ,如果我们试图分离其中任何一个,我们最终会得到另一个完整的“磁铁”,它也 包含所有 3000 个特征。事实证明,它也有它的你,它的火车,它的海洋,它的 狗,等等。当我面对你时,就是你和我面对你和我。它也是“我和所有世界”面对 “所有世界和我”。它是整个宇宙面对整个宇宙。我们总是不同的,因为无论走到 哪里,都有一个你和一个我,两个不同的方面,永远不会融合成一个单一品质 的空白冷漠糊状态。 但实际上,“我和你”与“我和你”的对比,根本没有对比。对比双方是相同 的。我们非一非异。我们与自己分离,不可能统一成一个简单整体。但正因为 如此,我们不可能彼此分开。我们每个人,每时每刻都是绝对的,是万事万物 从出现的中心,也是作为万事万物的中心。我们在万事万物中转化,万事万物 在我们之中转化。 98 4.2 甲虫成佛 这也意味着,一个人越充分地意识到自己是任何特定的存在,就越发意 识到他或她也是所有其他事物。这就是传统佛教“无我”教义在天台的开展方式。 我想我已经是(布鲁克)这个自我了,但实际上,佛教告诉我,我还不是真正 的任何意义上这个自我。因为成为一个自我就是无条件的,而这对于“我”这个有 条件的确定存在者来说是不可能的。另外,我还没有开悟。因为开悟是无条件 的,是唯一免于痛苦的自由。 变为无条件即是开悟,就像我认为自己是一个自我时所想的那样。这个 无我是唯一能真正满足我先前渴望成为的我,成为真正的我。我不能通过将我 作为一个确定的存在来排除所有其他存在者,或者将其他存在者排除在我之外 来成为我。相反,通过三谛,我只能通过越来越多地成为其他一切,来越来越 多成为我,这就是不断开悟,成为更多的我,更加无条件地成为这个特定的我 的意思。 “成为我所是”,成为更全面地的自己,就是将自己,特别是布鲁克, 视为无条件的。这意味着无所不在和永恒。这意味着在所有事物中表达自己, 作为所有事物表达自己。这也意味着,相反,相互包容,即作为所有其他事物 的表达,作为所有其他事物出现的媒介。在我成为佛之前,我不能成为我自己 ,但在我能够更完全(即更无条件、更无所不在地)成为我自己之前,我无法 成为佛陀,这意味着更完全地成为一个魔鬼、一个傻瓜、一张桌子,一艘宇宙 飞船,或者,在四明知礼的例子中,一只蛣蜣。佛教修行是我潜在佛性的逐步 更充分的表现——这也意味着我潜在的蜣螂身份的逐步更充分的表现,事实上 ,我据称很久以前一直宣称自己是潜在的布鲁克,但实际上只有现在才是。 5. 修行与教义多元 天台的佛教修行方法包罗万象。一般人们的修行方式会有所“排除”,但 天台不排除任何东西。因此,在天台的典籍中,可见广博而细致的传统佛教习 俗的分类目录。它们源自先前佛教文化的各个阶层,包括了从仪式和奉献到各 种禅修和观想。这不仅符合刚才讨论的天台在哲学上对任何实体相互排斥的反 对,也符合《法华经》中的善巧方便(upāya)概念,以及三谛中对世俗真理的 扩展。众生的多样性无量无边,其具体的执着与苦类型无量,所以适合他们的 99 修行和教义也是无量无边的。这也是“细节主义”立场的根据,即所有可能的主张 都是真实的,因为在天台语境中,“真实”只是一种补救的方便 upāya 作为一个筏 来克服自己,但这样做是通过自身的整体化来实现的,从而破坏自己,在所有 其他事物中表达自己并作为所有其他事物表达自己,将所有其他真理主张相互 包容,从而变得更加在场,而更加不在场。 5.1 教义等级的自我克服,终极之无处不在 天台运用了《法华经》中的不二思想和其中未阐明的暗含义,以及“空 性”和“二谛”的思想,并将它们纳入全面的的哲学阐释和修行应用中。 《法华经 》将善巧方便作为佛教的核心,主张一切修行都统一于一乘,都通向成佛。天 台以此为先导,构建了一个庞大而复杂的系统来阐释和整合所有佛教乃至非佛 教的修行方式。不同的方式是不同人在不同时代可接受的善巧方法。天台不拒 绝任何东西,它将所有教义和实践组织成一个相互关联的系统。 这个系统有一个有趣的双重结构。初看时,它似乎是等级分明的,将大 乘置于小乘之上,将《莲华经》教法置于其他大乘教法之上。但通过重新语境 化重新定义,当“莲华王冠”真正发挥作用时,它使所有其他部分平等为一乘。也 就是说,没有任何一种教法或实践只有单一的含义:它的含义是由观察它的环 境决定的。因此,任何教义或实践都可以被视为终极真理,也可以被视为仅与 当下相关的有限真理。 天台系统整合了当时所有教义、思想和观点,提出了一个宏观系统,从 中可以两次、三次、乃至无限次地看待所有事物。并且,在每一项教法遇到到 越来越广泛的关联时可以重新评估和发展其意义。小乘教法,在狭义的背景下 ,是一个“小范围”的真理。但在“一乘”的语境中,它本身就是“一乘”的实例化,甚 至赋予它独特的表达方式。(基于对鸠摩罗什 Kumārajīva 的莲花译本中的一句巧 妙的严重误解:决了声闻法为诸经之王)小乘教义被认为(而不是《莲华经》 教义)是一切教义中最高的。所有其他特定的思想、信仰、实践也是如此。由 于没有任何事物只有一种意义,所以一切都可以意味着任何事物。关于任何命 题的有趣问题不是它是否为真(它总是如此),而是如何为真。天台“教义分类” 错综复杂,可用于阐明每种教义在何种背景下以及以何种方式表示其所指。 100 5.2 观心之一念三千 天台用三谛观来充实其系统中的所有部分,从而将不同修行方法或教义 重新语境化。 天台宗的禅修常用了一种“观心”的方法,其中,最著名是智顗的“ 一念三千”观(日语:ichinensanzen)。其意思是:“一个瞬间体验三千世界”。 “三 千”表示“一切”。当然,正如智顗自己指出的那样,任何数字都同样准确地表示 万物的整体性,从无到无限。 “三千”是禅修中所惯用的表达。 以下是它的派生 方式: 十界× 十界× 十如是× 三个世界=3000 佛果 佛果 现相 五蕴 菩萨 菩萨 自然 辟支佛 辟支佛 组成 声闻 声闻 能力 神 神 行动 有情众生 人 人 原因 阿修罗 阿修罗 条件 动物 动物 效果 环境 饿鬼 饿鬼 后果 炼狱 炼狱 终极平等于平等终极 注意这种列出“存在物”的独特方式。首先,表格包括了底端的“炼狱”(即 极端主观妄想和痛苦的恶魔思想、实践和后果)和顶端的“佛”( 最大的智慧和 解脱的觉悟思想、实践和结果)。这种方式告诫我们不要将这些主观状态,无 论是好是坏,仅仅视为某种超出终极现实的附带现象,它们本身包含在终极实 相中。通过包含这些,天台杜绝了“一切”的模糊概念,以及认为只有纯粹或中性 的物质——思想、物质、能量——才是真实的,或者认为价值观和观点,好与坏 ,痛苦和愉快,众生体验不是“一切”的一部分。每一刻的体验所包含的“一切”, 是永远不可磨灭的,也包含了所有那些好的和坏的主观状态。 其次,这里有两个重要的重复。十界是众生佛教宇宙中的不同存在状态 ,包括从最低的无明和痛苦到最高的幸福和觉悟。它们通常是象征性的:佛代 101 表体验觉悟的时,菩萨是慈悲的时,声闻是超凡脱俗的的寂静时,神是充满世 俗的极乐和力量的时,阿修罗是愤怒和好斗时,畜生即愚昧时,炼狱即受苦时 。将这些状态是任何众生都可能经历的,因为十界中的每一种状态都出现了两 次,因为每一状态都“包含”或“表现”了所有其他状态。也就是说,每一状态都可 以“作为”任何其他状态出现。事实上,没有任何状态不总是“作为”其他状态出现 ,人菩萨、畜神、佛魔、阿修罗声闻等。菩萨现身为人,或动物,或佛,或阿 修罗。但正如我们所看到的,这也意味着人显现为菩萨,或魔显现为畜生,或 声闻显现为饿鬼等等。当然,这是无止境地继续:每一个被包含的状态中的每 一状态又包含十界中的所有状态,以此类推,重重无尽。 表格中的 10X10 只是 指出这种相互包容的因素,并确保在我们观想“存在物”时考虑到它们。 另一个重复出现在“三个世界”中。我们有“五蕴”, “众生” 也有。实际上, 这是看待同一事物的两种方式。早期佛教指出众生(你、我、比尔、戴夫)实 际上是一组五蕴,即色、受、想、行、识的无自性的刹那生灭过程。一个(五 蕴)是真实的,另一个(所谓的“自我”)是一种有害的幻觉。三千包括两者。换 句话说,它并不排除“存在物”整体中的幻想。正如我们所看到的,所有的事物都 是同样的幻想,同样的真实。把他视为比尔包括其中;把他视为为五蕴和合过 程同样包括其中。在考虑“所有存在物”时,我们也有更便捷的方式通达更高的原 则。我们不应该想到一组并排排列、相互排斥的真实实体,并且认为其中可能 存在一些其他的错误观点。相反,错误的观点是所有存在的一部分,实际上所 有存在的都是一些错误的(即片面的,局部连贯的)观点。实际上,没有这样 的“事物”:事物只是一种显现的方式,以及关于它的看法。天台进一步认为,拥 有一个观点至少需要一个其之外的观点,如此无限。通常,为了消除歧义,我 们称其为“主观性”或“自由意志”或“未知的未来”,而将“现实”留在另一侧,称其为“ 客观性”或“确凿的事实”或“尘埃落定的过去”。在天台,它们都是密不可分的,它 们是被从整体重人为分离出来的方面,它总是既固定又开放,局部连贯和全局 不连贯。 到目前为止,我们已经用类似惠特曼《草叶集》的方式逐一思考了所有 可能的经验对象。现在,我们用三谛(非同非异的关系)来观照我对三谛本身 的思考。首先从时间的角度来说,我们已经思考了一段时间。在这一思考中, 起初和现在时刻是同还是异?两者都不是。所有其他的时刻都作为这一时刻出 现在这里——非同非异,即三谛。接着,我们来考虑外在世界,包括我的感官 102 和大脑,它们是一念三千的源头:现实世界以及我的身体与此刻我对它们的思 考是同还是异呢?两者都不是。外部世界作为关于它们意识出现在这里,非同 非异。接下来我们考虑所有其他可能的想法或体验。它们与这一刻确定它们为 自身的原因是同还是异?两者都不是。所有其他的体验都作为这个体验时刻出 现在这里。我作为整体体验了一个瞬间,包括我作为体验者的虚幻存在。下一 刻,当新的内容出现时,将被体验为同一时刻的更多或其他表达。我体验到这 一刻的永恒-暂时性。它继续存在于所有其他可能的体验、存在、想法、时刻的 集合中,并以非同非异的形式出现。这就是一切众生的佛性体验。 103 Budismo Huayan18 Autor: Bryan Van Norden e Nicholaos Jones Tradutor: Guilherme Amaral Luz Revisor: Joaquim Monteiro Huayan é uma das escolas filosoficamente mais interessantes e historicamente mais influentes do Budismo. Suas contribuições de destaque incluem as doutrinas de que “um é tudo e tudo é um”, de que a realidade definitiva é ontologicamente idêntica ao mundo ilusório do senso comum e de que a compreensão desses fatos leva à compaixão universal. A Huayan é também conhecida pela natureza incisiva de seus argumentos, particularmente, no “Diálogo da Viga”, de Fazang, e Sobre a Origem da Humanidade, de Zongmi. O termo chinês “Huayan” 19 significa “Guirlanda de Flores” e advém do Avatamsaka Sutra (Sutra da Guirlanda de Flores), um texto indiano em sânscrito. Huayan também demonstra a influência da doutrina do Madhyamaka, de Nagarjuna, da Escola Yogacara, e dos ensinamentos do Despertar na Fé em Mahayana. Contudo, Huayan é uma forma distintivamente chinesa de Budismo, particularmente, em virtude da maneira que ela interpreta o “vazio” em termos de “interdependência” e que trata o mundo natural como algo que possui valor intrínseco. Huayan espalhou-se para a Coreia (onde era conhecida como “Hwaeom”) e para o Japão (onde era chamada de “Kegon”). Como outras formas de Budismo chinês, a Huayan identificou uma série de patriarcas que teriam VAN NORDEN, Brya; JONES, Nicholaos. Huayan Buddhism. In: Zalta, E. N. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Winter Edition), Stanford, CA: The Metaphysics Research Lab, 2019. Disponível em : <https://plato.stanford.edu/archives/win2019/entries/buddhism-huayan/>. Acesso em 02 mar. 2022. The following is the translation of the entry on Huayan Buddhism, in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the version of the entry in the SEP’s archives at <https://plato.stanford.edu/archives/win2019/entries/buddhism-huayan/>. This translated version may differ from the current version of the entry, which may have been updated since the time of this translation. The current version is located at <https://plato.stanford.edu/entries/buddhismhuayan/#Bib>. We’d like to thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to translate and to publish this entry. 19 NT. Em caracteres chineses tradicionais/modernos: 華嚴/华严 104 18 supostamente transmitido os ensinamentos ortodoxos da tradição de mestre para discípulo. Entre eles, os dois mais importantes são Fazang e Zongmi. Apesar da vitalidade da escola ter decaído após a perseguição do Budismo pelo Imperador Wuzong (842-846 EC), suas doutrinas, metáforas e vocabulário tiveram uma influência significativa sobre o Budismo Chan (Zen) e sobre o Neoconfucionismo das dinastias Song e Ming. 1. Conceitos Básicos 1.1 Antecedentes indianos 1.2 Desenvolvimentos chineses 1.3 Argumentos básicos 2. Dushun (557-640) 3. Zhiyan (602-668) 4. Fazang (643-712) 4.1 Três teorias da natureza 4.2 Análise da Mente Única 4.3 Análise dos Dharmas 4.4 Panjiao 5. Li Tongxuan (635-730) 6. Chengguan (738-839) 7. Guifeng Zongmi (780-841) 8. Desenvolvimentos e influências posteriores 8.1 Neoconfucionismo 8.2 Huayan Contemporâneo Referências 1. Conceitos Básicos 1.1 Antecedentes Indianos O Budismo foi fundado em algum momento entre os séculos VI e IV AEC na Ásia Meridional. O ensinamento fundamental do Budismo é de que a vida comum é impregnada de (sânsc.) dukkha (comumente traduzido por “sofrimento”) e que este dukkha é causado pela crença ilusória persistente no “si-mesmo” individual. A crença em “si-mesmo” leva à interminável cobiça (sânsc. tanha), que é insaciável, pois é o desejo de uma entidade ilusória (o “si-mesmo” pessoal) de possuir permanentemente outras coisas 105 igualmente ilusórias. Escapar da cobiça (e, portanto, de dukkha) é somente possível por meio do alcance da iluminação, que é a crença integral na verdade do “não-ser” (sânsc. anatman). Iluminação leva à compaixão universal: não se considera dukkha algo que pertence a alguém em particular, assim, não há razão para preferir a eliminação daquilo que se descreve convencionalmente como “meu sofrimento”, “seu sofrimento” ou “o sofrimento deles”. O mundo ilusório dos seres independentes é referido como (sânsc.) “samsara” e o estado alcançado por meio da iluminação é (sânsc.) “nirvana”. As duas maiores seitas da religião budista são Theravada e Mahayana.20 Essas seitas possuem uma grande variedade de formulações filosóficas, mas as três escolas mais influentes são Abhidharma (Theravada), Madhyamaka (Mahayana) e Yogacara (Mahayana). Cada uma dessas escolas interpreta os conceitos chaves do Budismo de modos diferentes. Budistas Abhidharma argumentam que as coisas tomadas como independentes, “si-mesmos” persistentes pelo senso comum (como monges específicos a exemplo de “Nagasena” e objetos como carroagens), existem apenas por convenção. Contudo, tais entidades convencionalmente existentes estão ontologicamente assentadas em outras, genuinamente existentes, (sânsc.) dharmas (entidades tais como configurações instantâneas da matéria ou estados mentais temporários). Embora esses dharmas sejam transientes e causalmente dependentes uns dos outros, eles também possuem uma natureza em si mesmos (sânsc. svabhava). Em contraste, budistas Madhyamaka (como Nagarjuna) argumentam que, em virtude de todos os dharmas serem causalmente dependentes, nada é definitivamente estabelecido. Eles descrevem isso pela formulação de que a realidade é caracterizada por “vazio” (sânsc. sunyata), no sentido de que tudo é “vazio” de natureza em si mesmo e de um ser persistente e independente. A doutrina do vazio é fácil de ser mal compreendida e, algumas vezes, equiparada de modo errôneo com o niilismo metafísico. Todavia, os budistas distinguem seus pontos de vista tanto do Aniquilacionismo (sânsc. uccheda-drsti) e do Eternalismo (sânsc. sasvata-drsti). Aniquilacionismo é a visão de que nada existe em Nota do revisor: abordar Theravada e Mahayana como seitas é problemático, mas esta asserção inclui dois erros fundamentais. O primeiro deles é que o Theravada é apenas uma das correntes do Budismo mais antigo ou "Budismo clássico", existindo muitas outras como a escola Sarvastivada. O segundo é que não existiu nenhuma tradução da literatura Theravada para o chinês durante o processo das traduções clássicas do Budismo chinês. No entanto, o ponto mais importante sob o ponto de vista doutrinário ou intelectual é que é a escola Sarvastivada que se constitui no centro das traduções do Abhidharma para o chinês e no objeto central das críticas ao "Hinayana” nas escolas do Mahayana chinês. 106 20 qualquer sentido, enquanto eternalismo é a visão de que algo existe algo eterno, imutável e incondicionado por qualquer outra coisa. Madhyamaka nega os dois extremos e sustenta que, enquanto dharmas existem, cada existência do dharma é “condicionada” (causalmente ou conceitualmente dependente) por alguma outra coisa, sem qualquer fundamento definitivo. Yogacara oferece uma Terceira alternativa: tudo é “vazio” de um ser mentedependente. Tudo que existe são estados mentais. Consistentes com a doutrina do “nãoser”, os budistas Yogacara negam haver entidades substanciais que tenham, pensem ou experimentem os estados mentais. Entretanto, para explicar porque há correlações entre experiências (por exemplo, porque a experiência aparente de “eu ascendendo o fogo” é correlacionada com a aparente experiência de “você sentindo calor”), Yogacara propõe uma consciência repositória (sânsc. alayavijnana) contendo as “sementes” de experiências prévias que dão frutos em experiências posteriores. 1.2 Desenvolvimentos chineses O Budismo foi trazido para a China por missionários ao redor do primeiro século EC. Escrituras e exposições indianas chegaram à China de modo fragmentário, como resultado de que os primeiros adeptos chineses do Budismo não percebiam as contribuições de diferentes tradições indianas como fundamentalmente inconsistentes. O Budismo chinês é, assim, eclético quanto ao uso de conceitos que, originalmente, advindos de diferentes escolas budistas indianas. Isso levou, por sua vez, à prática do (zh-CN) panjiao21 (classificação dourinária), segundo o qual sistemas filosóficos diferentes são tratados como concepções parciais e não exclusivas da verdade e que podem ser hierarquicamente ordenadas conforme o grau de completude (literalmente, “redondeza”, zh-CN yuan22) de sua compreensão da verdade. Para utilizar uma terminologia ocidental, pode-se dizer que panjiao é um modo de inferência para a melhor explanação, já que os ensinamentos mais compreensivos são demonstrados para oferecer uma interpretação mais plausível e compreensiva das premissas éticas Na medida em que gradualmente aumentou sua influência, o Budismo torjou-se uma das “Três Doutrinas (zh-CN Sanjiao 23 ) da tradição chinesa, em conjunto com o NT. Em caracteres chineses: 判教 NT. Em caractere chinês moderno/tradicional: 圆/圓 23 NT. Em caracteres chineses: 三教 21 22 107 Confucionismo e o Taoismo. Na verdade, houve momentos em que o Budismo foi o movimento religioso e filosófico dominante na China (tanto entre intelectuais como entre populares). Todavia, houve vários períodos de perseguição ao Budismo na história da China. Em 567 EC, Wei Yuansong (s.d.), ao deixar a ordem budista, defendeu junto ao Imperador Wu da Dinastia Zhou do Norte (543-578, reinado 561-578) que o Budismo deveria ser “des-institucionalizado”. Ele argumentou que o Budismo era responsável por instabilidade social, pois suas instituições variadas – vida monástica, hierarquias internas e liberdade do controle político – minavam a cultura e a tradição chinesa de facilitação da harmonia em virtude de facilitarem a corrupção dos monges e o isolamento do Budismo dos assuntos práticos (zh-CN. shi24). As perseguições subsequentes do Imperador Wu ao Budismo, entre 574 e 577, desarticularam as instituições budistas. Muitos monges refugiaram-se para áreas rurais, procurando formas de Budismo mais adequadas ao contexto chinês. Além disso, eles começaram a explorar escrituras sérias que recebiam pouca ou nenhuma atenção nas escolas já estabelecidas do Budismo indiano, buscando caminhos para tornar o Budismo mais acessível aos leigos, com práticas mais amenas e ideias mais alcançáveis. A ausência de comentários mais definitivos a tais escrituras nas tradições indianas estabelecidas, somada aos rompimentos políticos com a inércia das tradições eruditas existentes do Budismo, permitiu liberdade de apropriação criativa e de inovação, o que resultou em tradições Budistas únicas para o contexto chinês. Huayan é uma de tais tradições. O Sutra do Avatamsaka (Guirlanda de Flores) e Despertar na Fé em Mahayana são as principais dentre as escrituras responsáveis pelos seus ensinamentos distintivos. Huayan toma seu nome do Sutra do Avatamsaka (zh-CN. Huayan Jing 25 ), que apresenta uma visão vertiginosamente complexa e intricada da realidade como completamente “interpenetrante”, do estado de Buda como coexistente a tudo que existe e das características da realidade como completamente dependentes das mentes e dos atos dos seres sencientes. Despertar na Fé em Mahayana desenvolve a teoria do tathagatagarbha (sânsc. para “embrião-de-Buda” ou “útero-de-Buda”), a potencialidade do estado de Buda. Ele estabelece Mente Única como o fundamento da realidade. Também atribui dois aspectos à Mente Única, tathata (sânsc. para “talidade” ou “assimidade”) e samsara. Tathata refere-se à realidade experimentada sem dukkha; é geralmente tomada como não-conceitual e, assim, incapaz de ser expressa em palavras. 24 25 NT. Em caractere chinês: 事 NT. Em caracteres chineses tradicionais/modernos: 華嚴經/华严经 108 Samsara é a realidade experimentada com dukkha. Despertar na Fé em Mahayana apresenta tais aspectos como mutuamente inclusivos e inseparáveis. 1.3 Argumentos Básicos Através da fusão de ideias do Sutra do Avatamsaka e de Despertar na Fé em Mahayana, o Budismo Huayan desenvolveu uma interpretação singular dos conceitos de “vazio” e “não-ser”. A perspectiva original do Budismo indiano segundo a qual não há “simesmos” transformou-se na visão Budista chinesa de que não há seres individuais, mas há uma forma de ser transpessoal (Mente Única) do qual todos os aspectos transitórios e ontologicamente interdependentes da realidade são partes. O vício humano fundamental é o egoísmo, causado pela crença ilusória em seres individuais. Já a virtude humana fundamental é a compaixão universal, causada pelo reconhecimento de que todos nós somos parte de uma realidade única e transpessoal. Falhar em ter compaixão por outra pessoa é como ignorar uma ferida no próprio membro por ele estar temporariamente dormente. Huayan herda a visão de Madhyamaka conforme a qual todas as entidades são condicionadas. Uma entidade é condicionada por ser causal ou conceitualmente dependente de outra coisa para a sua existência e sua identidade. No entanto, Huayan vai além ao sustentar que, por causa da identidade de qualquer coisa ser independente da identidade de outras coisas, “um é tudo”e, por conta da totalidade ser dependente das suas partes para a sua identidade, “tudo é um”. Huayan adota, de Yogacara, os termos “consciência repositória” (alayavijnana) e “útero de Buda (tathagatagarbha), que utiliza para descrever a realidade do mundo em si mesma. O Terceiro Patriarca Fazang (a ser mais discutido abaixo) ilustra como “um é tudo e tudo é um” por meio da relação entre uma viga e a construção da qual é parte. Ele sustenta que a construção é a viga, pois a construção nada mais é que a soma de suas partes, assim, cada parte é essencial para a sua identidade. Reciprocamente, a viga é a construção, pois o que faz da viga uma viga é o seu papel como parte da construção. (Intuitivamente, se a viga fosse removida da construção, sua identidade poderia mudar para a de um banco, de uma gangorra ou simplesmente de madeira.) Uma das metáforas do Sutra do Avatamsaka, frequentemente usada pata ilustrar interdependência mútua, é a rede de Indra (ou a “teia de Indra”). De acordo com o mito pré-budista, o deus Indra possui uma rede com joias na interseção de cada dois fios. Cada joia é tão brilhante que reflete todas as outras joias da rede. Isso é adotado como 109 metáfora do modo pelo qual cada coisa que existe é dependente de todas as demais coisas que existem tanto para sua existência quanto para a sua identidade. Uma vez que apenas o que existe é esta realidade, o mundo da ilusão (samsara) não é em nada ontologicamente diferente do nirvana. (O slogan “Nirvana é samsara” é anteriormente presente em Madhyamaka). Em outras palavras, samsara é simplesmente uma percepção enganosa da mesma realidade definitiva experimentada na iluminação. Fazang ilustra isso pela metáfora da estátua de um leão de ouro (Fazang 2014a). Não devemos negar ou deixar de reconhecer o fato convencional de que a estátua parece ser um leão. Contudo, nós devemos perceber que não há sentido em haver um leão realmente lá e que mesmo a aparência do leão não é uma entidade separada para além do ouro que está presente. O ouro pode tomar diferentes formas (minério, lingotes, moedas etc.), mas, em si mesmo, ele é, em sentido último, inalterável. De modo similar, não devemos negar ou deixar de reconhecer que a realidade ordinária parece consistir em indivíduos distintos e permanentes. Todavia, devemos perceber que não há realmente indivíduos distintos e permanentes. Tudo o que realmente existe é a rede completa de entidades mutuamente interdependentes (dharmas), e que esta rede (estendida por todo o tempo e espaço) é eterna e imutável. 2. Dushun (557–640) Dushun detém a honra póstuma de ser conhecido como o primeiro patriarca da Escola Huayan. Ele foi um monge ativo durante a dinastia Sui (581-618) e o início da dinastia Tang (619-907). Sabemos pouco sobre a sua vida. Ele não tinha filiação sectária e parece ter sido relativamente despreocupado em relação a controvérsias eruditas. Sabemos que ele era intensamente interessado pelo Avatamsaka Sutra e que ele era reconhecido como mestre de meditação. Por algum tempo, ele serviu como líder do Templo Zhixiang na Montanha Zongnan, que é um centro de estudos do Avatamsaka Sutra. Seu interesse principal parece ter sido ministrar aos leigos rurais em benefício de tornar a prática Budista relevante para as suas vidas – promovendo refeições cotidianas, distribuindo comida aos pobres, recitando passagens escriturais e oferecendo homilias edificantes. 110 Dushun escreveu apenas um ou outro texto. O mais importante dentre eles é Discernimentos do Dharmadhatu de Avatamsaka (zh-CN Huayan fajie guanmen26, trad. Gimello 1976b, 457-510). Este texto não existe mais como independente, mas intercalado com vários comentários, mais notadamente aqueles de Chengguan (T45. 1883, trad. Cleary 1993, 71-124) e Zongmi (T45. 1884, trad. King 1976). O texto é, em si, muito pouco usual. Não é um comentário sobre o Avatamsaka Sutra; tampouco, oferece uma exegese do Avatamsaka Sutra. Não apresenta paráfrases, nenhuma explicação de passagens, nenhuma definição ou terminologia técnica. Em vez disso, o texto destila os insights centrais disponíveis através do estudo do Avatamsaka Sutra. Seu objetivo é, aparentemente, tornar o Avatamsaka Sutra relevante para a prática meditativa e acessível aos leigos. Discernimentos do Dharmadhatu divide-se em três seções, cada qual correspondendo a um “discernimento” ou meditação sobre o conteúdo do Avatamsaka Sutra. O primeiro discernimento revisa a equivalência entre forma (sânsc. rupa) e vazio. Esta é uma equivalência presente no Sutra do Coração e outros livros da tradição Mahayana indiana. Nada neste discernimento deve soar estranho para estudantes da história do Budismo indiano. O segundo discernimento, por contraste, contém duas inovações críticas para o entendimento da apropriação chinesa do Budismo – e, sendo assim, dota o texto de especial significado do ponto de vista filosófico. A primeira inovação é a decisão de Dushun por usar o termo chinês li 27 (princípio/padrão) para caracterizar a natureza da realidade definitiva. A Mahayana Indiana tipicamente caracteriza a natureza da realidade definitiva como vazia (sânsc. sunyata) ou talidade (sânsc. tathata). Ambos os termos conotam algo que desafia conceitualização. Dushun imbui li de uma conotação epistemológica: li é aquilo que está presente para aqueles que alcançam o nirvana. Experiência nirvânica, como Dushun a compreende, não revela nem o vazio nem uma diversidade indiferenciada, mas, ao invés disso, uma atividade sem limites e sem fim que tem coerência padronizada (cer Jiang 2001, 466-467; para uma interpretação contrária, ver Gimello 1976ª, 125).28 NT. Em caracteres chineses tradicionais/modernos: 華嚴法界觀門/华严法界观门 NT. Em caractere chinês: 理 28 Nota do revisor: importa aqui uma referência à gênese deste conceito em sua relação com a escola Madhyamaka derivada das traduções de Kumarajiva (343-413), ou seja, a "Escola dos três Tratados" (Sanlunzong). 111 26 27 Ao discutir li – a atividade sem limites e sem fim presente durante a experiência nirvânica – ao invés de vazio, Dushun previne qualquer equivalência entre li e vazio total. Qualquer outra coisa que isso possa ser, li está longe de ser nada de nada. Ao discutir li ao invés de tathata, Dushun conquista a possibilidade de dizer algo sobre a realidade definitiva. A conceituação da experiência nirvânica como o encontrar da talidade apresenta aquelas experiências como algo além de “tais”, mas a conceituação da experiência nirvânica como o encontrar do li não apresenta a atividade como algo diferente da atividade. A primeira inovação de Dushun, assim sendo, abre caminho para o desenvolvimento de uma teoria metafísica (conceitualização) sobre a realidade encontrada durante a experiência nirvânica. A segunda inovação em Discernimentos do Dharmadhatu é a decisão de Dushun por usar o termo chinês shi 29 (coisa/eventos/fenômenos) para se referir à miríade de coisas que aparecem em nossas experiências de realidade. A Mahayana Indiana prefere opor vazio a forma, sendo a forma um entre a miríade de dharmas que constituem a realidade. De modo estrito, portanto, a equivalência “vazio é forma e forma é vazio” é uma afirmação apenas sobre a relação entre os dharmas e a noção de vazio: é a afirmação de que todos os dharmas são vazios. Essa equivalência em nada esclarece se as realidades compósitas – tais como pessoas e carruagens – são vazias. A distinção entre dharmas e realidades compósitas faz sentido na tradição Abhidharma: dharmas são reais, compósitos são vazios. Porém, todas as tradições Mahayana afirmam que dharmas são vazios também. Assim, a segunda inovação de Dushun torna a metafísica Mahayana mais eficiente: ausente uma razão para distinguir dharmas dos constituintes daí construídos, tudo está em uma paridade ontológica, dharma e não-dharma da mesma maneira. Dushun intitula o segundo discernimento como “Não-obstrução mútua entre li e shi”. Ele divide o discernimento em dez temas, que naturalmente se agrupam em cinco pares:  1/2 Li e Shi pervadem-se um no outro.  3/4 Li e shi manifestam um ao outro.  5/6 Li e shi escondem-se um ao outro.  7/8 Li e shi são idênticos entre si.  9/10 Li e shi são distintos entre si. 29 NT. Em caractere chinês: 事 112 Essas cinco relações mútuas especificam o sentido de “não-obstrução mútua”. Uma vez que a primeira é fundamental para as quatro remanescentes, focalizaremos em compreender a relação “pervasiva” entre li e shi. O mútuo pervadir de li e shi apresenta-se como paradoxal. Li é sem limites e sem fim. Shi é limitado e impermanente. Pervadir significa “espalhar-se ao longo e estar em toda parte de”. O paradoxo é que não está de modo algum claro como o limitado e o ilimitado podem pervadir um no outro. O ilimitado não se tornaria limitado em virtude de estar contido em algo limitado? O limitado, em virtude de ser limitado, não precisaria tornar-se ilimitado para se espalhar ao longo de toda parte do ilimitado? O primeiro par no segundo discernimento de Dushun parece violar duas restrições bem plausíveis, a saber: nada limitado contém algo ilimitado; e nada limitado aparece ao longo de qualquer coisa ilimitada. Dushun admite que a sua afirmação do mútuo pervadir “transcende sensibilidades convencionais”. Entretanto, ele oferece uma metáfora para clarificação, comparando li à água e shi a ondas. Esta metáfora, originária do Lankavatara Sutra, supõe que cada onda contém o oceano inteiro e que cada onda aparece em toda parte do oceano. Estas suposições não são inteiramente implausíveis. Ondas individuais estendem-se pelo oceano inteiro na medida em que ondas não possuem limites naturais de extensão; e ondas estendem-se sobre a superfície das águas do oceano na medida em que ondas não possuem limites naturais de espessura. Porém, a despeito da plausibilidade, a metáfora sugere que o pervadir de li e shi equivale à afirmação de que nenhuma dentre a miríade de coisas possui limites naturais ainda que elas os pareçam ter (em virtude de se apresentarem a nós como indivíduos discretos que estão separados e independentes uns dos outros). O terceiro discernimento no Discernimento do Dharmadhatu é “total pervadir e acomodação”. Este discernimento se refere à natureza das shi individuais e às relações entre elas. Dushun observa que cada shi não é nada além de li e, ainda assim, em sua individualidade, distinto de li; que cada shi inclui e é incluída no interior de outras shi; este mútuo incluir torna cada shi de algum modo onipresente, embora de modos que preservam diferenças entre shi; que cada shi contém e é contida por todas as outras shi; que este mútuo conter, enquanto preserva diferenças entre shi, é fractal, de tal modo que cada cisco de areia contém a inteireza de tudo mais, que, por sua vez, contém o mesmo cisco de areia que contém tudo mais, e assim repetidamente, ad infinitum; e que o incluir e conter mútuos é simultâneo e, de algum modo, uma questão de perspectiva. Essas afirmações são, de algum modo, consequências do pervadir mútuo de li e shi. Restou aos 113 contribuintes subsequentes da Escola Huayan explicar e elaborar a respeito do discernimento final de Dushun. 3. Zhiyan (602-668) A tradição identifica Zhiyan como o segundo patriarca da escola Huayan. Zhiyan entrou na sanga budista sob a tutela de Dushun, quem o expôs ao Avatamsaka Sutra no Templo Zhixiang. Porém, o jovem Zhiyan também estava interessadíssimo em assuntos doutrinais, estudou uma ampla variedade de textos e aprendeu de mestres de outras escolas. Seu conhecimento erudito enciclopédico sobre o Budismo, somado à incerteza quanto ao modo que tantas doutrinas de muitas escolas Budistas podiam ser coerentes entre si e à sua preocupação permanente com a acusação de que o Budismo negligenciava assuntos práticos, levou o jovem Zhiyan a ficar desanimado e confuso. Mais do que seguir o caminho mais típico dos monges eruditos, Zhiyan deixou a vida pública, passando cerca de 20 anos perambulando pelo interior e pregando aos leigos. Ele retornou a Chang’an30 no final dos anos 640, onde atrairia muitos discípulos – dentre os quais, os mais importantes foram Fazang (que se tornaria posteriormente o Terceiro Patriarca) e o monge coreano Uisang (625-702), que levou a Huayan para a Coreia. Em 661, o Príncipe Pei 31 , filho do Imperador Gaozong e da Imperatriz Wu, nomeou Zhiyan como professor chefe. (Essa nomeação pode ter sido um fator que garantiu a Fazang acesso à corte real, o que foi tão importante ao fim de sua carreira). Zhiyan gastou seus anos restantes de vida, ensinando e refinando seus trabalhos anteriores com detalhes eruditos. Talvez o mais significativo dos últimos trabalhos de Zhiyan tenha sido os seus Ensaios sobre os Diversos Tópicos no Sutra Huayan (zh-CN. Huayan Jing Nei Zhang Men Deng Za Kong Mu Zhang 32 ; T45.1870). Aqui, Zhiyan introduz um panjiao de cinco camadas. A camada mais baixa desse panjiao são os ensinamentos Abhidharma que NT. Atualmente, Xi’an ou Sian, capital da Província de Shaanxi. Na época de Zhiyan, Chang’an era capital da Dinastia Tang, a sua cidade mais populosa e cosmopolita, além de um importante centro comercial e econômico na Ásia. A cidade ficava próxima à fronteira com o Império Tibetano, pelo qual chegaria a ser tomada no século VIII EC. 31 NT.: Trata-se de Li Xian, também conhecido como Mingyun, nomeado Príncipe Zhanghuai. 32 NT. Em caracteres chineses tradicionais/modernos: 華嚴經內章門等雜孔目章 / 华严经内 章门等杂孔目章 114 30 supõem a existência de dharmas com “naturezas-em-si” (sânsc. svabhava). A segunda e a terceira camadas, em seguida, envolvem os ensinamentos sectários Mahayana responsáveis pelas confusões iniciais de Zhiyan. Esses ensinamentos reconhecem que tudo, tanto os dharmas quanto as construções deles, é vazio em “natureza-em-si”. Mas eles fazem isso de formas diferentes. Alguns deles, como o caso de Madhyamaka, tomam o vazio universal e completo para obstar a possibilidade de experimentar ou conhecer a realidade livre de construções conceituais. Outros, como o caso da teoria tathagatagarbha de Yogacara, fundamentam o vazio universal e completo sobre uma consciência pura e imaculada. Zhiyan classifica ensinamentos sem fundamento puro e imaculado para o vazio como “elementares” e aqueles que possuem tal fundamento como “avançados”, ranqueando-os respectivamente como segundo e terceiro em seu panjiao. A segunda camada do panjiao de Zhiyan está para a terceira camada assim como o primeiro discernimento de Dushun está para o segundo. Nos dois casos, o último reivindica um insight mais penetrante sobre o significado da origem dependente, em virtude de se aplicar não somente aos dharmas, mas também às suas construções. Tanto para Zhiyan quanto para Dushun, os insights mais penetrantes parecem revelar uma preferência por considerações catafásicas – focalizando nos significados positivos da origem dependente como manifesto nas doutrinas sobre tathata – em detrimento de considerações apofáticas que focalizam as conexões entre origem dependente e vazio. De modo semelhante, a terceira camada do panjiao de Zhiyan está para as camadas subsequentes tal como o segundo discernimento de Dushun está pata o seu terceiro, aprofundando a respeito da natureza e das relações entre as shi individuais. Porém, o panjiao de Zhiyan, diferentemente dos discernimentos de Dushun, oferece uma motivação doutrinária para proceder em direção aos estágios mais elevados. A motivação, em suma, é que nenhum ensinamento Mahayana, elementar ou avançado, explica seja as origens da iluminação, seja as origens da ignorância (como a principal causa de barreiras à iluminação). Alguns ensinamentos Mahayana situam o vazio da realidade sobre algo impuro e corrompido, carregado de obstáculos e impurezas. Esses ensinamentos acomodam a ignorância. Ainda assim, eles têm dificuldade em explicar como a iluminação – pura ou imaculada – origina-se do impuro e corrompido. Outros ensinamentos Mahayana situam o vazio da realidade sobre algo puro e imaculado. Ainda assim, eles têm dificuldades em explicar como tal situação dá origem a obstáculos e impurezas. Zhiyan argumenta que os ensinamentos do Avatamsaka Sutra superam as limitações dos ensinamentos elementares e avançados do Mahayana. (Ele também reivindica esta virtude para os ensinamentos do Sutra de Lotus). Para Zhiyan, o 115 Avatamsaka Sutra revela uma visão imediata da realidade definitiva que resolve todo conflito entre oposições. Ele nomeia esta visão de “dimensão-dharmica da origem dependente”. Essa dimensão contrasta-se conceitualmente com a dimensão da “originação dependente” (sânsc. pratitya-samutpada) familiar aos ensinamentos budistas mais antigos. A dimensão da originação dependente se refere às relações de dependência entre dharmas condicionados e ilusórios e em relações particulares que ajudam a sustentar ou extinguir modos de experiência samsáricos. Em contraste, a dimensão-dharma da origem dependente refere-se às relações próprias aos modos nirvânicos de experiência. A mais pertinente dessas relações, de acordo com o panjiao de Zhiyan, é aquela entre a visão imediata da realidade definitiva e a experiência nirvânica em si mesma. Para Zhiyan, elas estão uma para outra como causa e resultado, respectivamente. Ele chama o ensinamento relativo à primeira (causa) de ensinamento “súbito” e o ensinamento relativo à segunda (resultado) de ensinamento “redondo”. Classificar o resultado como superior à causa, desse modo, completa seu panjiao de cinco camadas. Zhiyan empenha-se em explicar a cisão de realidade do Avatamsaka Sutra no seu Dez mistérios do Veículo Único de Huayan (zh-CN. Huayan Yicheng Shixuan Men33; trad. Cleary 1993, 125-146). Ele faz isso com sua doutrina dos dez mistérios (zh-CN. shi xuan) da dimensão-dharma da origem dependente. Cada mistério se destina a revelar algum aspecto da visão de realidade do Avatamsaka Sutra. Esses aspectos não correspondem muito com as dez afirmações de Dushun sobre “impregnação e acomodação totais” de cada shi com todas as outras (no seu terceiro discernimento). Todavia, contribuidores subsequentes da escola Huayan compreendem os mistérios de Zhiyan como um esforço de elaboração a partir dessas afirmações. Zhiyan pretende aplicar os dez mistérios às dez categorias de dharmas. Ele apresenta cada categoria como um par de contrários: doutrina e significado, li e shi, entendimento e prática, causa e resultado, pessoa e dharma, dimensões e estágios, professor e discípulo, chefe e ajudantes, substância e função, resposta e estímulo. Contudo, não há nenhum padrão ou sistema aparente na ordem em que Zhiyan apresenta os dez mistérios, nem há, em Zhiyan, explicação sobre como cada categoria se aplica a cada mistério. À guisa de ilustração, considere cada mistério como pertencente à categoria de shi. (1) Cada shi simultaneamente causa e resulta de todos as outras shi. (2) Cada uma 33 NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 華嚴一乘十玄門 / 华严一乘十玄门 116 se relaciona com todas as outras shi de um modo que pode ser descrito como “fractal”: refletindo todas as outras, sendo refletida por aquelas outras, refletindo aquelas reflexões, sendo refletidas nas reflexões daquelas reflexões e assim por diante, ad infinitum, tal como uma joia na rede de Indra. (3) O surgimento de cada shi é simultâneo ao seu cessar e cada revelação em si mesma de shi à consciência nirvânica coincide com a ocultação de sua dependência em relação a outras shi. (4) Cada uma é dotada das qualidades de todas as outras e, assim, por exemplo, manifesta-se como simultaneamente a menor partícula de areia e como o grande Monte Sumeru. (5) Cada shi, aparecendo em instante único de pensamento, é simultaneamente passado, presente e futuro; e cada um desses tempos tem seu próprio passado, presente e futuro. (6) Cada shi é simultaneamente pura, na medida em que é idêntica à todas as outras shi, e misturada, na medida em que contém todas as outras shi em si mesma. (7) Cada shi simultaneamente inclui e está incluída no interior de todas as outras shi, ainda assim, sem perder sua distinção de todas as outras. (8) Cada uma é idêntica a todas as outras no sentido de que cada uma determina a identidade e o poder de todas as outras – e tem a sua identidade e poder determinados por aquelas outras – sem perder a sua distinção. (9) Cada shi não é nada além de criação da mente. (10) Cada shi revela o ensinamento redondo do Avatamsaka Sutra e fomenta a compreensão da natureza da realidade definitiva. Muitos dos mistérios de Zhiyan possuem um sabor paradoxal, apresentando shi com características aparentemente contrárias. Porém, Zhiyan os considera mistérios, mais do que contradições. Sua intuição parece envolver um tipo de “aspectualismo”, através do qual características contrárias são atribuídas a diferentes aspectos de uma e da mesma shi, e na qual a oposição entre esses aspectos é uma questão de limitação da perspectiva, mais do que uma contradição inerente. Este “aspectualismo” perspectivo sustenta, como corolário, a doutrina de Zhiyan das seis características. De acordo com essa doutrina, cada shi cria todas as outras enquanto retém suas particularidades, inclui todas as outras em seu próprio interior enquanto retém sua diferença em relação a elas e integra as outras em um todo sem cooperar com aquelas outras para fazer isso. Contudo, Zhiyan provê poucos caminhos de explicação dessas características. Ele também não provê detalhe explicativo para localizar a diversidade completa da experiência em uma fonte fundacional comum da mente. Essa tarefa sobrou para seus sucessores. 117 4. Fazang (643-712) Fazang foi o mais talentoso e influente aluno de Zhiyan e tornou-se o terceiro patriarca da Huayan. Ele foi responsável por sistematizar e estender os ensinamentos de Zhiyan e por assegurar a proeminência do estilo Huayan de Budismo na corte imperial. Ele é especialmente conhecido por seus comentários definitivos a respeito do Avatamsaka Sutra e Desespertar na Fé em Mahayana e por tornar as doutrinas de Huayan acessíveis aos leigos, utilizando tecnologias familiares tais como salões de espelhos e impressão por xilogravura. Essas contribuições embasam a visão tradicional de Fazang como o terceiro patriarca da Escola Huayan. Os ancestrais de Fazang vinham da Soguediana (um centro de comércio na Rota da Seda, localizado em região onde hoje compreende partes do Uzbequistão e do Tajiquistão), mas ele nasceu em Chang’an (hoje, Xi’an), capital da Disnastia Tang, onde sua família tornou-se culturalmente chinesa. Fanzang foi um adolescente fervorosamente religioso. Fazang queimou seus dedos em frente a uma estupa aos dezesseis anos de idade, seguindo um costume então popular de fazer autoimolações como sinal de devoção religiosa. Depois de se tornar monge, ele assistiu Xuanzang34 – famoso pela sua peregrinação à Índia – na tradução de textos Budistas do sânscrito para o chinês. Contudo, Fazang tinha diferenças doutrinais com Xuanzang, por isso ele se tornou, posteriormente, provavelmente por volta do ano 663 EC, discípulo de Zhiyan. O acesso de Zhiyan à corte imperial deu a Fazang acesso à Imperatriz Wu35, de quem rapidamente ganhou proteção. Ele assumiu uma gama de serviços públicos, tais como: performar rituais de oração por chuvas e colaborar com vários projetos de tradução. Ele viajou ao longo do norte da China, ensinando o Avatamsaka Sutra e debatendo com Taoístas. Interveio em confronto militar com os Quitais 36 em 697 EC, NT. Em caracteres chineses: 玄奘 . Nascido em Luoyang, Henan, em 602 EC; falecido em Tongchuan, Shaanxi, em 664 EC. Linhagem budista: Yogacara. 35 NT. Wu Zetian (武則天), imperatriz da Dinastia Tang, cujo reinado, oficialmente, estendeu-se entre 690 e 705 EC. Entretanto, desde meados do século VII EC já exercia forte influência nas decisões políticas do Império na qualidade de Imperatriz Consorte no reinado de Tang Gaozong, de quem foi a segunda esposa, e de regente, no reinado de seu filho, Tang Ruizong. Wu Zetian assumiu o Budismo como religião e foi a única mulher imperatriz a governar a China em toda a sua história. 36 NT. Em chinês, Qidan (契丹): povo nômade protomongol de etnia tungústica, dominado pela China Tang, que vivia no extremo norte do Império, nas fronteiras com os Grão-canatos Turco 118 34 ganhando mais favores quando a Imperatriz Wu designou seus serviços rituais como um instrumento para suprimir a rebelião. Além disso, Fazang forneceu informações para debilitar conspirações de alguns conselheiros da Imperatriz que visavam assegurar o poder para eles após a sua morte. Isso assegurou status a Fazang – e a proeminência dos ensinamentos Huayan – junto aos governantes que a sucederam. 4.1 Teoria das Três Naturezas O decimo e último capítulo do Tratado dos Cinco Ensinamentos de Huayan (zhCN. Huayan Wujiao Zhang37; T45.1866, trad. Cook 1970) contém muitas das doutrinas mais distintivas e importantes de Fazang. Na primeira seção, Fazang desenvolve sua teoria das três naturezas. A teoria original foi desenvolvida no Budismo Yogacara e estabelece três “realidades”: primeiro, que não há nada além de uma realidade inefável e inexprimível que lembra o espaço, o ouro e a água em sua pureza natural absoluta; segundo, que esta realidade aparece como uma construção imaginativa irreal; terceiro, que esta construção irreal é a base para o erro, que surge pela confusão da construção com a realidade. No seu Tratado das Três Naturezas, o filósofo Yogacara, Vasubandhu, nomeia a natureza de cada uma dessas três “realidades”. Ele afirma que a realidade inexprimível e inefável possui a natureza da “consumação” (ou perfeição): essa realidade é perfeita e a sua natureza não é outra coisa senão vazio. Ele diz que as construções imaginativas irreais, aparências não mais que aparências, possuem a natureza de “outro-dependente”, que é sinônimo de origem dependente (pratitya-samutpada). Enfim, ele expressa que as confusões a respeito das construções imaginativas irreais possuem a natureza de “fabricação” (ou imaginação ou discriminação). A tradição Madhyamaka, ao final, defendeu uma versão da teoria das três naturezas, embora com algumas diferenças em relação à versão de Yogacara. De acordo com a teoria Yogacara, enquanto a natureza fabricada é vazia, a natureza outrodependente e consumada são reais. As construções imaginativas associadas à natureza outro-dependente – as sementes cármicas na consciência repositória – devem possuir Oriental e Uigur, predominantemente de etnia turcomana e religião muçulmana. Os Quitais possuíam sistemas religiosos próprios, mas também foram alvo de proselitismo budista, religião que se expandiu e se consolidou entre eles. 37 NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 華嚴五教章 / 华严五教章 119 algum aspecto que seja real, de acordo com os Yogacarianos, para que não haja lugar para elas esperarem sua futura atualização; e a realidade inefável associada à natureza consumada também deve ter algum aspecto que seja real, de tal modo que se evite o erro de aniquilacionismo. Madhyamakianos rejeitam as razões dos Yogacarianos como falaciosas, preferindo uma interpretação mais epistemológica do que ontológica das três naturezas. O desafio da interpretação epistemológica, todavia, é como dar sentido à possibilidade de aparências delirantes na ausência de algo real. A estratégia de Fazang para resolver esse debate envolve adaptar a tática perspectivista de Despertar na Fé em Mahayana para a teoria das três naturezas, atribuindo dois aspectos a cada natureza. De acordo com a teoria de Fazang, um dos dois aspectos associados a cada natureza é fundamental e o outro é derivativo. Os aspectos fundamentais são, respectivamente: puro e imutável, sem natureza-em-si (svabhava) e inexistência do ponto de vista da realidade – isto é: não sendo nada além de convenção. Os aspectos derivativos são: confluência a condições, existência aparente como completamente interdependente e existência de bom-senso (o que envolve uma capacidade de parecer tal como se possuísse natureza-em-si). Tanto Yogacarianos quanto Madhyamakianos defendem o aspecto derivativo para cada natureza. Portanto, a técnica de Fazang para justificar sua teoria é dupla: primeiro, argumenta que cada natureza apenas possui seu aspecto fundamental quando possui seu aspecto derivativo. Uma vez que todos aceitam que os aspectos derivativos são legítimos e corretos, a isso deveria seguir que os aspectos fundamentais também seriam legítimos e corretos. Assim, a visão de Fazang objetiva incluir tudo que seja correto nas visões de Yogacara e Madhyamaka, enquanto evita as objeções que cada uma dessas visões mais limitadas apresenta uma contra a outra. A teoria das três naturezas de Fazang dá destaque à natureza outro-dependente da realidade – como a realidade parece quando conceitualizada por aqueles que não possuem engano e ignorância. Isso introduz a possibilidade de desenvolver uma teoria metafísica sobre a realidade tal como ela parece àqueles que são iluminados. Fazang endossa duas análises complementares dessa realidade. Uma análise focaliza os dharmas na medida em que eles sejam resultados, investigando a relatividade não dual da Mente Única (como causa) e a inteireza dos darmas (como resultado). A outra análise focaliza os darmas na medida em que sejam causas, investigando a identidade e a inclusão mútuas entre cada dharma individual e todos os demais dharmas. 120 4.2 Análise da Mente Única Em seu Comentário sobre Despertar na Fé em Mahayana (zh-CN. Dacheng qixin lun yiji 38 ; T44.1846, trad. Vorenkamp 2004a), Fazang identifica a Mente Única com o tathagatagarbha. Tathagatagarbha, como Fazang a entende, não é nem uma consciência individual nem algo que esteja à parte ou em oposição à matéria. Ao contrário, é a fonte única e solitária de tudo o que existe, criando e sustentando a dimensão-dharma da origem dependente – embora sem separação daquela dimensão. Mente Única, para Fazang, é a realidade prévia a qualquer consciência individual e aos objetos da consciência (sejam mentais ou materiais). Essa primazia é ontológica, acompanhando a ordem em relação à qual a realidade é estruturada em componentes mais ou menos fundamentais. Fazang estabelece que a Mente Única tem dois aspectos, Mente Talidade e Mente Samsara. Mente Talidade é livre de cognição discernente, tanto produzida quanto destruída. Ela testemunha o que não é nem isso nem aquilo e, ainda assim, não é vazio. A Mente Samsara, por contraste, surge e cessa de acordo com condições, transformandose em pureza e impureza. Fazang explica a relação entre esses dois aspectos da Mente Única, estabelecendo uma distinção entre Talidade e Ignorância. Talidade é a natureza verdadeira da realidade. Fazang coloca que Talidade tem dois aspectos, um imutável, o outro acompanha mudança. Talidade enquanto imutável é calma e quiescente. Talidade enquanto acompanhando mudança é, por contraste, dinâmica, embebida no fluxo e refluxo de dharmas condicionados. Por causa de ser possível encontrar a Talidade apenas via testemunho da consciência sem um sentido de si-mesma, Fazang a caracteriza como vazia. Ignorância, por contraste, é aquilo que dá início a dukkha. Fazang igualmente postula que isso possui dois aspectos. Como vazia, a Ignorância torna seus resultados ilusórios. Como algo ativo, funcional e completo, ela perfuma os dharmas condicionados com obstáculos e impurezas. Porque ela é responsável pela aparência de objetos ilusórios, Fazang caracteriza este aspecto como existente. Talidade e Ignorância, na concepção de Fazang, são os dois aspectos fundamentais da Mente Única. Os aspectos da Talidade como imutável e da Ignorância como vazia correspondem à Mente Talidade. Essa correspondência estabelece a Mente Talidade como testemunha de dharmas não condicionados. De maneira similar, os 38 NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 大乗起信論義記 / 大乘起信论义记 121 aspectos da Talidade como acompanhando mudança e da Ignorância como ativamente funcional correspondem à Mente Samsara. Essa correspondência coloca a Mente Samsara como testemunha dos dharmas condicionados. (Fazang provê uma elaborada análise da Mente Samsara, inspirado pelo Yijing39 [Clássico das Mutações]. A essência da sua análise explica que, por conta da Talidade estar presente na Mente Samsara, a prática correta para o cessar de dukkha envolve participar do aspecto de Talidade dos dharmas condicionados ao invés de provocar o cessar daqueles dharmas.) 4.3 Análise dos Dharmas A terceira seção do décimo capítulo do Tratado sobre os Cinco Ensinamentos de Huayan, Fazang oferece oito teses sobre os dharmas como causas dependentementeoriginadas. Quatro delas dizem respeito às diferentes substâncias do dharma (dharmas tal como relacionam-se com outros dharmas): cada dharma inclui todos os outros, está incluído no interior de todos os demais, determina a identidade de todos os outros e tem a sua identidade determinada por todos os outros. As quatro restantes dizem respeito às mesmas substâncias dos dharmas (dharmas tal como se relacionam à totalidade da dimensão-dharma das origens dependentes): cada dharma inclui a totalidade de dharmas, é incluído no interior da totalidade, determina a identidade da totalidade e tem a sua identidade determinada pela totalidade. As teses de Fazang envovem duas afirmações salientes. A primeira é que todo dharma possui, simultaneamente, aspectos de existente e de estar vazio. Como existente, cada dharma aparece como um indivíduo que é (numericamente) distinto dos outros. Como vazio, à cada dharma falta qualquer sorte de natureza em si-mesmo que o poderia tornar invulnerável aos demais. A segunda afirmação de Fazang é aquela conforme a qual todo dharma também possui, simultaneamente, os aspectos de ter poder e de faltar poder. Como poderoso, cada dharma afeta os outros para além do controle e apesar de suas resistências. Como desprovido de poder, cada dharma é vulnerável aos outros, afetado por eles para além do sei próprio controle e apesar de sua resistência. Fazang utiliza essas formulações para defender que, enquanto um dharma existe ou tem poder, os outros são vazios e desprovidos de poder; e, enquanto um dharma é vazio ou desprovido de poder, os outros existem e possuem poder. Sua tese sobre inclusão e identidade mútuas segue como corolário. 39 NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 易經 / 易经. 122 Fazang prove várias metáforas para elucidar suas reivindicações acerca da inclusão e identidade mútuas, tal como a metáfora da rede de Indra e a metáfora da contagem de dez moedas. A metáfora mais desenvolvida encontra-se na quarta e última seção do décimo capítulo do Tratado sobre os Cinco Ensinamentos de Huayan, no qual Fazang utiliza a analogia de uma construção emoldurada para explicar seis características dos dharmas como causas dependentemente-originadas (Fazang 2014b). Fazang rotula as seis características como integralidade, particularidade, identidade, diferença, integração e desintegração. Cada uma delas relaciona-se a alguma característica do dharma individual como parte de um todo integrado, semelhantemente à relação que uma viga mantém com uma construção. As explicações de Fazang são notoriamente densas. De modo grosseiro, parece que que um dharma possui integralidade na medida em que cria um todo; particularidade, na medida em que seja numericamente distinto deste todo; identidade, na medida em que inclua todas as demais partes do todo; diferença, na medida em que seja numericamente distinto dos demais; integração, na medida em que a criação do todo não interfira na mesma ação que cada um dos demais dharmas operam do todo; e desintegração, na medida em que o seu sucesso criativo não dependa da cooperação dos demais dharmas no todo. 4.4 Panjiao Os primeiros nove capítulos do Tratado sobre os Cinco Ensinamentos de Huayan, de Fazang, proveem, por efeito, uma argumentação enciclopédica em favor de um sistema de panjiao que eleva a visão de Fazang acima das limitações de todas as tradições budistas anteriores, porém, Fazang não provê nenhum sumário conveniente. Com algumas exceções menores, a linha básica segue o panjiao de Zhiyan. O primeiro ensinamento do panjiao de Fazang – aquele que ele elege como portador da menor verdade, como sendo o mais limitado em seus meios hábeis – é chamado por ele de Hinayana (hoje referido como Abhidharma). Fazang oferece três críticas a esse ensinamento. Primeiro, ele defende que a análise Abhidhármica da consciência é incompleta, pois não provê uma análise compreensiva da consciência repositória (alayavijnana) – o que ocorre apenas no ramo Yogacara da tradição Mahayana. Em segundo lugar, ele argumenta que a análise Abhidármica dos dharmas é incompleta, pois nenhuma escola da tradição consegue estabelecer uma lista de dharmas que contenham todos os dharmas contidos nas demais listas e porque a tradição não parece poder resolver discordâncias sobre o status de certos dharmas putativos. Terceiro, 123 e mais importante, ele reivindica que a tradição Abhidármica permanece comprometida com o erro do Eternalismo, pelo fato de negar que os dharmas sejam vazios. O Segundo ensinamento do panjiao de Fazang é aquele que ele chama de Ensinamento Elementar do Mahayana. Esses são os ensinamentos de Madhyamaka e Yogacara, representados por figuras como Nagarjuna e Vasubandhu, na Índia, e por Jizang e Xuanzang, na China. Fazang elege este ensinamento como superior ao primeiro porque ensina que tudo, dharma ou não, é vazio, e porque a tradição Yogacara provê uma análise compreensiva da consciência repositória. Contudo, de acordo com Fazang, a análise Yogacariana da consciência é errônea porque confunde a consciência repositória com algum tipo de realidade definitiva. A consciência repositória, de acordo com a tradição Yogacara, contém impurezas e máculas. Enquanto, conforme o entendimento de Fazang, a realidade definitiva é livre de tais imperfeições. O terceiro ensinamento do panjiao de Fazang é aquele que chama de Ensinamento Final de Mahayana. Fazang tem em mente ensinamentos associados à teoria de tathagatagarbha, tal como presente em textos como Despertar na Fé em Mahayana. De acordo com Fazang, o Ensinamento final melhora os Ensinamentos Elementares por conta de seu entendimento correto da realidade definitiva como pura e imaculada – não como consciência repositória, mas como tathagatagarbha. O Ensinamento Final também transcende as limitações dos dois ensinamentos anteriores – cada qual focalizando no par “existência” e “vazio” como mutuamente excludentes – ao tratar a realidade definitiva como tendo dois aspectos: um aspecto de existente e um aspecto de estar vazia. Há uma tensão latente no interior da teoria de tathagatagarbha, tal como Fazang a compreende. Trata-se da tensão entre conceituar a realidade definitiva como tathagatagarbha e conceitualizar tathagatagarbha como inefável. Eis o porquê de Fazang posicionar o Ensinamento Final de Mahayana como inferior ao quarto ensinamento, o qual nomeia Ensinamento Súbito. Trata-se do ensinamento de Vimalakirti, do Vimalakirti Sutra, que, em resposta à demanda de caracterizar a realidade definitiva, responde com o silêncio. Esse, de acordo com Fazang, é um ensinamento superior ao Final de Mahayana porque a única maneira de ter sucesso na conceituação da natureza da realidade é recusar a conceituar em primeiro lugar. O quinto e último ensinamento no panjiao de Fazang – o pináculo do ensinamento budista, na sua visão – é o que ele chama de Ensinamento Circular. Aqui, Fazang refere-se aos seus próprios ensinamentos, o qual posiciona como desenvolvimento dos ensinamentos de seu mestre, Zhiyan, e o qual localiza em forma 124 embrionária entre os escritos de Dushun e em meio a muitos versos do Avatamsaka Sutra. Enquanto o primeiro ensinamento do panjiao de Fazang focaliza a natureza fabricada da realidade e, enquanto os três ensinamentos intermediários focalizam na natureza consumada da realidade, Fazong reivindica que apenas o Ensinamento Circular acomoda as três naturezas da realidade. Isso porque, de acordo com ele, tudo é vazio e, assim, o ensinamento compreende corretamente a natureza “fabricada” do que parece estar não-vazio; porém, a natureza consumada da realidade última é inefável e, assim, o ensinamento consegue evitar as limitações dos Ensinamentos Elementares e Final de Mahayana. Na visão de Fazang, já que apenas o Ensinamento Circular compreende a natureza outro-dependente da realidade definitiva – uma natureza ignorada por outras tradições budistas – ele conclui que o Ensinamento Circular, tal como expresso na sua metafísica, é superior a todos os outros ensinamentos budistas. 5. Li Tongxuan (635–730) Li Tongxuan é um contemporâneo de Fazang que permaneceu relativamente desconhecido durante a sua vida e, portanto, falta a ele a honra de ser considerado um dos patriarcas do Budismo Huayan. Todavia, o trabalho de Li veio a exercer uma influência substancial sobre a tradição budista subsequente através do seu impacto sobre o monge coreano Chinul (1158-1210), o monge japonês Moye (1173-1232) e os mestres do Linji Chan, Juefan Huihong (1071-1128) e Dahui Zonggao (1089-1163). Sabemos pouco sobre a vida de Li. Ele viveu como um exegeta leigo recluso do Budismo, levando um estilo de vida austero, que envolvia uma refeição diária de apenas sete bolinhos de arroz feitos com tâmaras e ciprestes. Ele também aparenta ter possuído conhecimento extensivo do Livro das Mutações (zh-CN. Yijing), possivelmente devido ao fato de ter descendência da família real Tang. Li influenciou a tradição Huayan por meio de alguns escritos: um comentário sobre o Avatamsaka Sutra (zh-CN. Xin Huayan Jing lun 40 ; T36.1739), um sumário desse comentário e um sumário, capítulo a capítulo, do próprio Avatamsaka Sutra. Seus escritos são notáveis por utilizarem a teoria do yin-yang e das Cinco Fases41, bem como pelo apelo ao raciocínio correlativo, para discernir a significação NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 新華嚴經論 / 新华严经论 NT. Em inglês, five phases, diz respeito à teoria dos 五行 (zh-CN. Wuxing), também possível de ser traduzida, em português, como teoria dos Cinco Movimentos ou, mais popularmente, dos Cinco Elementos: terra, água, metal, madeira e fogo. 125 40 41 soteriológica em seus mínimos detalhes, tais como direções geográficas, números e nomes de Bodhisattvas. A contribuição central de Li à tradição Huayan é seu ensinamento sobre a verdade única da dimensão-dharma (zh-CN. yi zhen fajie 42 ). De acordo com os seus ensinamentos, todos os lugares e objetos do mundo são como são. Não há separação ontológica entre o sagrado e o secular, iluminação e ignorância ou entre o Buda e os seres sencientes. Os ensinamentos de Li da verdade única da dimensão-dharma sustentam uma abordagem subtista da iluminação, conforme a qual os seres sencientes atingem a condição de Buda de modo súbito ao invés de gradual. Eles dão suporte também à sua decisão de explicar as ideias budistas, utilizando textos clássicos chineses, tal como manifesto em seus apelos frequentes ao Livro das Mutações no seu comentário ao Avatamsaka Sutra. De acordo com Li, os sábios chineses, como Kongzi (Confúcio) e Laozi (o tradicional fundador do Taoísmo), e os cássicos chineses, oferecem instruções de bodhisattvas em virtude de seus esforços em edificar os seres sencientes – e porque, de acordo com os ensinamentos de Li, a condição humana ordinária é o fundamento para iluminação nesta vida. Li justifica seus ensinamentos da verdade única da dimensão-dharma com uma abordagem distintiva e atemporal da existência. De acordo com Li, a existência não somente está sujeita à mudança, mas também é inteiramente completa a cada momento. Passado, presente e futuro coexistem em cada momento. Essa atemporalidade da existência resolve diversos problemas que Li identifica nas noções de causa e efeito. O primeiro problema refere-se à relação conceitual. Se causa e efeito não são simultâneos (surgindo no mesmo e único momento), Li argumenta, então, que as causas não são consideradas causas até que seus efeitos surjam, portanto, efeitos precedem as suas causas. Se, por contraste, causa e efeito são simultâneos, causa se torna causa exatamente quando os efeitos surgem. O segundo problema refere-se à relação temporal. Se causa e efeito não são simultâneos, Li argumenta que há uma lacuna inexplicável entre o tempo no qual surge a causa e o tempo no qual o efeito daquela causa aparece. Se, por contraste, causa e efeito são simultâneos, não há tal lacuna. Se passado, presente e futuro se misturam, portanto, uma vez que os seres sencientes até então ignorantes recebem, subsequentemente, iluminação, não há diferença ontológica entre ser um ser senciente e ser um Buda: seres sencientes são 42 NT. Em caracteres chineses: 一真法界 126 simultaneamente Budas. Li, neste ponto, diverge dos ensinamentos Huayan mais canônicos de Fazong, conforme os quais ignorância e iluminação são aspectos diferentes da mesma realidade. Na versão de Li, a diferença entre seres sencientes e Budas e entre ignorância e iluminação é meramente epistemológica, uma questão de confusão sobre a natureza e as condições de dukkha. Li encontra suporte escritural para a sua abordagem atemporal da existência e para o seu ensinamento associado da verdade única da dimensão-dharma em duas estórias. A primeira é a estória da menina dragão, que ocorre no Sutra de Lótus, no qual uma menina dragão alcança da condição de Buda em um único instante. A segunda, a estória de Sudhana, ocorre no Avatamsaka Sutra, no qual Sudhana obtém a condição de Buda em uma única vida. Li interpreta os dois casos como exemplos ilustrativos de que o momento no qual a mente começa a praticar o caminho budista é o mesmo em que a pessoa atinge a iluminação perfeita. Uma vez que a prática é a causa do efeito, a iluminação, assim segue que a causa e o efeito são simultâneos – e, assim, todos os tempos coexistem em um único momento. (Para Li, a estória da menina Dragão é menos perfeita que a de Sudhana, pois a menina Dragão, diferentemente de Sudhana, muda o seu corpo e de locação geográfica ao obter iluminação). 6. Chengguan (738–839) A vida de Chengguan foi marcada pelo encontro contínuo com a diferença. Ele viveu entre o reinado de nove imperadores Tang e seus estudos foram vastamente abrangentes – incluindo doutrinas e práticas meditativas budistas, textos clássicos originários da China bem como os Vedas indianos e trabalhos de ciência indiana. A tradição identifica Chengguan como o quarto patriarca da Escola Huayan, porque ele estudou sob a supervisão de Fashen (718-778), que foi aluno de Huiyuan (673-743), um estudante de Fazang. Chengguan foi um escritor prolífico. Ele compôs um comentário (acompanhado de um sub-comentário) sobre o Avatamsaka Sutra que substituiu o de Fazang quanto à autoridade e influência, bem como um comentário influente sobre os Discernimentos de Dharmadhatu, de Dushun (zh-CN. Huayan fajie xuan jing43; T45.1883, trad. Cleary 1983, 71-124). Ele palestrou frequentemente para oficiais imperiais e escreveu vários ensaios sob a sua demanda. Os escritos de Chengguan são notáveis pelas citações recorrentes 43 NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 華嚴法界玄鏡 / 华严法界玄镜 127 dos clássicos chineses, tomando de empréstimo palavras, mas não os significados, de tal modo a tornar seus ensinamentos mais acessíveis aos eruditos letrados. Esse estilo é, provavelmente, uma resposta ao enfraquecimento do status político do Budismo na sequência da rebelião de An Lushan (755-763)44, que fez aumentar a suspeita chinesa em relação às tradições estrangeiras, como o Budismo, e, assim sendo, ampliou a necessidade de demonstrar como os ensinamentos budistas harmonizavam-se com as tradições chinesas nativas. A contribuição mais distintiva de Chengguan à tradição Huayan é a sua teoria da dimensão-dharma quadrupla. Essa teoria identifica quatro modos de encontrar a dimensão-dharma da origem dependente. Chengguan nomeia a primeira dimensãodharma de shi. Shi, para Chengguan, refere-se a forma, mente e outras características. Chengguan caracteriza esta dimensão como condicionada, semelhante a uma ilusão, em virtude de faltar a ela verdadeira substância e natureza e por conter características irreais. É a dimensão-dharma encontrada tal como particularizada em inumeráveis indivíduos distintos. Chengguan chama a segunda dimensão-dharma de li. Chengguan compreende li como algo que se refere a substância, natureza, vazio, quiescência, à imutável natureza de todos os dharmas. Ele caracteriza esta dimensão como idêntica à verdadeira natureza. É a dimensão-dharma encontrada de modo originalmente puro e livre de máculas. Chengguan agrupa as duas dimensões-dharma remanescentes conjuntamente como dimensões-dharma de não-obstrução. A terceira, a dimensão-dharma de nãoobtrução entre shi e li, correlaciona-se ao segundo discernimento de Discernimentos do Dharmadhatu, de Dushun. A quarta, a dimensão-dharma de não-obstrução entre shi e shi, correlaciona-se ao terceiro discernimento de Discernimentos do Dharmadhatu, de Dushun. Chengguan endossa a análise de Dushun dessas dimensões. Ele adiciona, aos insights de Dushun, a formulação de que a não-obstrução de li e shi é o fundamento da não-obstrução entre as shi. Esse significado é duplo. De uma perspectiva prática, ele quer dizer que o insight meditativo a respeito de li é pré-requisito para o insight meditativo sobre shi. De uma perspectiva teórica, ele quer dizer que, as shi são mutuamente idênticas e inclusivas em virtude de suas penetrações comuns por li: sendo cada shi An Lushan foi um líder militar e político de origem soguediana e turcomana que, em meados do século VIII EC, dominava vários territórios de fronteira ao nordeste do Império Tang. An Luchan comandou uma investida contra seu rival pelo posto de chanceler no reinado de Tang Xuanzong. Neste contexto, ele tomou a capital da Dinastia Tang, Luoyang (posteriormente também conquistou Chang’an), e acabou por se autoproclamar primeiro imperador da Dinastia Yan (An-Shi), que durou aproximadamente 8 anos, até os Tang conseguirem recuperar o poder do império. 128 44 idêntica a li e o incluindo e, sendo li idêntico a todas as shi e as incluindo, cada shi é idêntica à todas as outras shi e as incluindo. Chengguan, além do mais, desenvolve a tradição Huayan ao subsumir técnicas Chan sob o ensinamento perfeito de Huayan. Huiyuan, discípulo de Fazang, havia criticado o panjiao de Fazang por incluir o Ensinamento Súbito. Sua crítica era dupla. Primeiro, o Ensinamento Súbito não faz parte, pois o panjiao de Fazang hierarquiza os ensinamentos quanto aos seus conteúdos e o ensinamento súbito – na qualidade de inexpressível – não possui conteúdo. Segundo, se alguém hierarquiza ensinamentos conforme quão bem eles expressam a verdade sobre a realidade definitiva, então, o Ensinamento Súbito, em virtude de ensinar a inexpressibilidade da verdade definitiva, não se distingue nem do Ensinamento Final de Mahayana nem do Ensinamento Circular. Chengguan apresenta o panjiao de Huiyuan como um vestígio de seu entendimento empobrecido da prática de meditação Chan. Em resposta e no esforço de defender o panjiao de Fazang, Chengguan desenvolve seu próprio panjiao. Ele identifica o Ensinamento Súbito com aos ensinamentos de várias tradições Chan. Esses ensinamentos, tal como Chengguan os compreende, usam palavras para expressar a identidade da mente e de Buda; e a transmissão direta mente-a-mente dessa verdade é suficiente para distinguir a Chan de outras tradições budistas – em respeito à prática se não ao conteúdo. Apesar da avaliação desfavorável dos ensinamentos de Huiyuan por Chengguan, Chengguan seguiu Huiyuan na sua crítica explícita aos ensinamentos originariamente chineses dos ru (confucionistas) e dos taoístas. Ele identifica o ensinamento cardinal da tradição ru como as cinco virtudes constantes – benevolência, justiça, propriedade, sabedoria e sinceridade45; o ensinamento cardial do Taoísmo como espontaneidade (zhCN. ziran)46; e o ensinamento cardial do Budismo como causalidade (zh-CN. yinyuan) 47. As críticas de Chengguan concentram-se na reivindicação de que ensinamentos nãobudistas fundamentam uma forma de pseudo-causalidade que abnega responsabilidade por ações e rebaixa o papel da sabedoria. Contra o Yijing (associado aos Confucionistas), ele argumenta que localizar a origem da miríade das coisas nas transformações do yin e do yang imputa responsabilidade pela sabedoria ou pela estupidez aos trabalhos Em chinês, respectivamente, 仁 (ren), 義 (yi), 禮 / 礼 (li), 智 (zhi) e 誠 / 诚 (cheng). NT. Em português, outra tradução mais comum para ziran (自然) é naturalidade. 47 NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 因緣 / 因缘 45 46 129 impessoais do Céu48, assim, negando o papel da consciência na criação de realidades. Ele desenvolve uma crítica similar contra o Daodejing49, que localiza a fonte da miríade das coisas no Tao e rebaixa práticas de cultivo como supérfluas. Contra Zhuangzi 50 , finalmente, ele argumenta que sua ênfase se dá na espontaneidade como meio para a iluminação surgir sem causa, em detrimento de uma prática cuidadosa, o que seria errôneo, pois ignora o modo pelo qual ignorância e iluminação dependeriam de condições prévias. 7. Guifeng Zongmi (780–841) A tradição identifica Zongmi como quinto patriarca de Huayan. Zongmi passou sua juventude estudando clássicos confucionistas e Budismo antes de treinar com o mestre Chan (Zen) Suizhou Daoyuan (750-820). Posteriormente, seguindo a um breve período de estudos do Avatamsaka Sutra com Chengguan, Zongmi começou um extenso período de escrita. Seus esforços focalizavam, inicialmente, na reunião de comentários sobre vários sutras e em escrever os seus próprios. Em tempo, ele privilegiou a compilação de textos Chan para criar um cânone para a tradição Chan. Esses esforços o levaram a conquistar o staus de patriarca da escola Heze de Chan. Embora Coleção de Escritos sobre as Fontes de Chan (zh-CN. Chanyuan zhuquanji51) de Zongmi não exista mais, seu prefácio, Prolegômenos à Coleção de Escritos sobre as Fontes de Chan (zhCN. Chanyuan zhuquanji douxu52; T48.2015, trad. Broughton 2004), sobreviveu. O principal trabalho filosófico de Zongmi é Investigação sobre a Origem da Humanidade (zh-CN. Yuanren lun53; T45.1886, trad. Gregory 1995). O título deste livro deve ter sido um jogo com Investigação sobre a Origem do Caminho, um ensaio antiNT. Em inglês, heavens, tradução para a palavra 天 (Tian), normalmente traduzida para o português como Céu. 49 NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 道德經 / 道德经, literalmente, “Clássico do Caminho e da Virtude”, obra atribuída ao sábio Laozi como sendo a fundadora da tradição taoísta. 50 NT. Sábio taoísta, seguidor de Laozi e cujos escritos a ele atribuídos também compõem o cânone desta tradição filosófica. 51 NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 禪源諸詮集 / 禅源诸诠集. 52 NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 禪源諸詮集都序 / 禅源诸诠集都序. 53 NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 原人論 / 原人论 130 48 budista influente escrito pelo filósofo confucionista Han Yu (768-824). O livro de Zongmi oferece, por efeito, um sistema inovador de panjiao. A inovação central é a sua inclusão do Taoísmo e do Confucionismo. A discussão de Zongmi sobre a força e a fraqueza de cada visão é detalhada e aqui apresentamos apenas alguns dos seus argumentos. Zongmi afirma que Kongzi e Laozi são ambos grandes sábios e que seus ensinamentos éticos são extremamente benéficos para as pessoas comuns. Contudo, confucionistas e taoístas defendem que humanos, animais e objetos inanimados todos vêm à existência da mesma “força vital” subjacente (zh-CN qi54, grosseiramente similar ao “ilimitado”55 de Anaximandro). Zongmi argumenta que isso cria um problema insolúvel. Uma vez que a força vital originalmente não possui consciência, e, uma vez que nós recebemos esta força do mesmo modo que a grama ou as árvores a recebem, ou a nós deveria faltar consciência ou, ao contrário, grama e árvores a deveriam possuir. Ademais, confucionistas e taoístas acreditariam que o destino é governado pelo Céu (zh-CN. tian, uma força impessoal mais elevada), que age em acordo com o Caminho moral. Zongmi argumenta que eles não podem explicar por que um Céu moral permite aos virtuosos sofrerem e aos viciosos florescerem. Florescendo aquele que não possui moral enquanto os virtuosos sofrem, a distribuição das recompensas e punições seriam injustas. Zongmi defende que os budistas podem resolver ambos os dilemas. Quanto ao problema do mal, Zongmi apela à doutrina budista da reencarnação para explicar como a distribuição de prêmios e punições no universo, ao final, é justa. De acordo com essa doutrina, a distribuição de recompensas e castigos é determinada não somente pelas ações de uma pessoa ao curso de sua vida atual, mas também em função de suas vidas anteriores. Assim, o florescimento dos viciosos e o sofrimento dos virtuosos podem ser atribuídos ao karma de suas vidas passadas. De acordo com Zongmi, a única solução plausível ao problema da consciência é que a realidade fundamental é mental e que não-consciência é o resultado de uma forma de autoengano, quando a mente falha em perceber seus objetos como manifestações dela própria. NT. Em caracteres chineses tradicional / moderno: 氣 / 气 NT. O autor se refere ao conceito grego de ápeiron (ἄπειρον), utilizado pelo filósofo Anaximandro (610 AEC – 546 AEC) para definir o que seria o princípio de todas as coisas existentes. 131 54 55 8. Desenvolvimento e influências posteriores 8.1 Neoconfucionismo Competição por poder, prestígio e riqueza levaram a conflitos sectários entre budistas, taoístas e confucionistas. Além disso, alguns aspectos do Budismo institucional eram socialmente problemáticos, incluindo a vasta quantidade de riqueza isenta de impostos controlada por mosteiros e as práticas religiosas extremas, como os autosacrifícios e as auto-mutilações, que eram estimuladas até mesmo por figuras proeminentes, como Zhiyan e Fazang. Afinal, os Taoístas encorajaram o imperador Tang Wuzong a lançar a Grande Perseguição Anti-Budista (zh-CN. huichang huifo56) de 841846. Durante este período, monges e monjas budistas foram destituídos à força, templos e altares foram destruídos e suas propriedades confiscadas. Embora a perseguição tenha durado apenas até a morte do imperador e tenha sido revertida pelo imperador seguinte, o Budismo jamais se recuperou dos danos à sua influência e ao seu prestígio intelectual. Seguindo ao declínio do Budismo, o movimento conhecido no Ocidente como “Neoconfucionismo” tornou-se crescentemente influente. Neoconfucionismo apresenta-se como um renascimento dos ensinamentos originais do Confucionismo contra as doutrinas equivocadas do Taoísmo e do Budismo. Entretanto, após séculos de dominação budista na filosofia, era quase inevitável que pensadores neoconfucionistas inconscientemente reinterpretariam sua tradição à luz de conceitos budistas. Por exemplo, nós vimos como o termo chinês li (princípio / padrão) é central na metafísica Huayan. Ele também é central na metafísica Neoconfucionista, muito embora o termo seja de importância periférica nos clássicos confucionistas. Por exemplo, nos Quatro Livros do cânone confucionista, “li” aparece zero vezes em todos os Analetos de Confúcio e no Grande Aprendizado, apenas duas vezes em Meio e meramente sete vezes no Mengzi 57 . Em nenhuma de tais passagens nas quais aparece há qualquer sugestão de que o termo tenha qualquer importância metafísica profunda. (Um uso típico está em um diálogo no qual alguém pede ajuda a Mengzi pela sua falta de eloquência, descrevendo-se como “não padronizado (li) NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 會昌毀佛 / 会昌毁佛 NT. Quatro livros, em chinês, 四書 ou 四书 (sishu), a saber: 論語 / 论语 (Lunyu – Analetos); 大學 ou 大学 (Daxue – Grande Aprendizado); 中庸 (Zongyong – Doutrina do Meio ou da Moderação); 孟子 (Mengzi – Mêncio). Cânone estabelecido por Zhu Xi, filósofo neoconfucionista da Dinastia Song do Sul, e que se tornaria a base dos exames imperiais em substituição ao cânon anterior dos Cinco Clássicos (zh-CN. Wujing, 五經 / 五经), em vigor desde a Dinastia Han. 132 56 57 em relação à minha boca”). Não obstante, filósofos neoconfucionistas, como Zhu Xi (1130-1200) utilizaram repetidamente o termo para explicarem aquilo que tomavam como sendo o sentido subjacente aos clássicos e deram a ele um significado metafísico bastante remanescente da rede de Indra. Similarmente, a ênfase neoconfucionista quanto aos perigos de “desejos egoístas” (zh-CN. siyu58) e “pensamentos egoístas” (zh-CN. siyi59) não é característica do Confucionismo antigo, mas reflete, muito mais, a centralidade do egoísmo nas listas budistas das maldades humanas. 8.2 Huayan Contemporâneo O Budismo Huayan desapareceu largamente como movimento religioso distintivo na China, na Coréia e no Japão. No entanto, os textos Huayan continuam sendo estudados e exercendo influência, particularmente, no Budismo Chan (Jap. Zen). Huayan também exerceu influência substancial sobre outras filosofias. O conhecido como “Novo Manifesto Confucionista”60 advoga existir uma “sabedoria circular e espiritual” do Oriente como oposição à sabedoria “quadrada” do Ocidente (ver Harris (trad.), Parte 11, Outras Fontes na Internet). Embora eles identifiquem a fonte definitiva desta distinção no Clássico das Mutações, suas descrições disso são remanescentes da sabedoria “circular” defendida por teóricos do panjiao. Ademais, Mou Zongsan, um dos coautores do “Manifesto”, escreveu extensiva e simpaticamente sobre Huayan. Entre filósofos contemporâneos, Graham Priest (2015) mostrou como formalizar a ontologia de Huayan, utilizando uma teoria não convencional dos conjuntos. Referências Broughton, Jeffrey L., 2004, “Tsung-mi’s Zen Prolegomenon: Introduction to an Exemplary Zen Canon.” The Zen Canon: Understanding the Classic Texts, edited by Steve Heine and Dale S. Wright, New York: Oxford University Press, 11–51. NT. Em caracteres chineses tradicionais / modernos: 私慾 / 私欲 NT. Em caracteres chineses: 私意 60 NT. Trata-se de um manifesto escrito em 1958, na República Popular da China, cujo título original é: 为中 国文 化敬 告 世界 人士 宣言 (Wei Zhongguo wenhua jinggao shijie renshi xuanyan). Isto é: “Manifesto da cultura chinesa para o mundo”. Além de Mou Zongsan, participaram da publicação os intelectuais chineses, Tang Junyi e Xu Fuguan. 133 58 59 –––, 2009, Zongmi on Chan, New York: Columbia University Press. Chan, Wing-tsit, 1963, “The One-and-All Philosophy: Fa-tsang of the Hua-yen School.” A Source Book in Chinese Philosophy, edited by Wing-tsit Chan, Princeton: Princeton University Press, 406–424. Cheen, Guo, 2014, Translating Totality in Parts: Chengguan’s Commentaries and Subcommentaries to the Avatamsaka Sutra, Lanham, MD: University Press of America. Chen, Jinhua, 2007, Philosopher, Practitioner, Politician: The Many Lives of Fazang (643– 712), Leiden: Brill. Cleary, Thomas, 1984, The Flower Ornament Scripture: A Translation of the Avatamsaka Sutra, Boston: Shambhala. –––, 1993, Entry into the Inconceivable: An Introduction to Hua-yen Buddhism, Honolulu: University of Hawaii Press. 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Van Norden, Indianapolis: Hackett Publishing, 98–106. 138 华严佛教61 华严是最具哲学趣味和历史影响力的佛教流派之一。华严的独特贡 献包括“一即一切,一切即一”的学说,终极实相与世俗世界在本体论上的等同 ,以及认识到这些事实后的普世慈悲心。华严还以其精彩论点而著称,尤其是 法藏的“椽子论”和宗密的《原人论》。 中文“华严”意为“花环”,出自《华严经》以及印度梵文文献。华严受到龙 树菩萨中观教义、瑜伽行派,以及《大乘起信论》的影响。 然而,作为中国佛 教的独特宗派,华严的一大特点是用“相互依存”来解释“空性”,并认为自然世界 具有内在价值。 华严佛教也传播到了韩国(“Hwaeom”)和日本( “Kegon”)。与 其他形式的中国佛教一样,华严确立了祖师传承谱系。 其中,最重要的两位祖 师是法藏和宗密法师。 尽管在武宗(公元 842-846 年)灭佛后,华严已不再活跃,但其教义、 比喻和术语对禅宗和宋明理学产生了深远影响。 1. 基本概念 1.1 印度背景 佛教于公元前 6 世纪至 4 世纪在南亚创立。佛教的基本教义是生活充满 了 dukkha(梵语单词,通常翻译为“苦”),而 dukkha 是由对恒常自我的执取造成 的。对虚幻自我的执取,导致无尽的贪着(梵文 tanha),永远无法满足。因为 61 “Huayan Buddhism” from Stanford Encyclopedia of Philosophy in https://plato.stanford.edu/entries/buddhism-huayan/ 首次发表于 2019 年 11 月 5 日 [作者: Professor Bryan Van Norden; 译者:赵轩; 校对:傅瑜] 139 这意味着一个虚幻的实体渴望永久拥有其他同样虚幻的事物。只有觉悟,即彻 悟无我的真相(梵语: anatman),才能摆脱贪着(以及因此产生的苦)。开悟 会生起普世的慈悲心:此时苦不再被认为是个人的。因为没有理由只求消除传 统上被描述为“我的苦”,而不是“你的苦”或“他们的苦”。独立自我的虚妄世界即 “ 轮回” (梵语: samsara),而开悟后的状态即“涅槃”(梵语:nirvana)。 佛教的两大教派体系是小乘与大乘。 这些教派的哲学表述各不相同, 但影响较大的三个学派是阿毗达摩(小乘)、中观(大乘)和瑜伽行派(大乘 )。 每一个教派对佛教核心概念的解释各异。 阿毗达摩认为,通常被视为独立 、恒久的事物(如僧侣 Nagasena 或者战车)只是约定俗成地存在着。 然而,这 些约定俗成的事物在本体论上是由真正存在的“法”奠基的(法,梵语 dharmas, 指如物质或精神现象)。 虽然这些法是短暂的,并在因果上相互依存,但它们 具有自性(梵文: svabhava)。 相比之下,中观(如龙树菩萨)认为,由于所有的法都是依因缘而起的 ,所以没有什么是最终的基础。 他们认为现实的特征是“空性”(梵语: sunyata) ,即一切事物都无自性,无独立、恒久的自我。 空性的教义很容易被误解,有 时会被错误地与形而上学的虚无主义混为一谈。 然而,佛教徒将他们的观点与 虚无论(梵语: uccheda-drsti)和永恒论(梵语: sasvata-drsti)区分开来。 虚无论 认为没有任何东西有任何意义,而永恒论是认为存在的东西是永恒的、不变的 ,不受其他任何事物的制约。 中观否认这两个极端看法,并认为虽然法( dharmas)确实存在,但每一种法是依条件(因果上或概念上的)而存在的,并 不存在任何终极的根基。 瑜伽行派提供了第三种选择:一切事物都没有独立于心识的自我。所有 存在的都是精神状态。与 “无我” 的教义相一致,瑜伽行派否认存在一个可以拥 有、思考或体验的实体。然而,为了解释为什么体验之间存在关联性(例如,为 什么“我生火”的体验与“你感到温暖”的体验相关),瑜伽行派假设了一种存储意识 140 (梵语:Alayavijnana),这种存储意识含有先前经验的“种子”,这些“种子”会在以后 的经验中表现出来。 1.2 佛教在中国的发展 佛教在公元一世纪时由传教士带到中国。因为印度经论的传入是零散的 ,所以早期的中国佛教信徒并未感觉到印度各传统的不一致。因此,中国佛教 最初在使用不同的印度佛教学派的概念时,不拘一格。这反过来又促生了中国 判教活动。在判教中,不同的哲学体系不是排他的,而被视为对真理部分性的 把握,并且可以从圆满的角度对其分级排列。用西方术语来看,有人可能会说 判教是对最佳解释的一种推论形式,因为更全面的教义可以对伦理、形而上学 和经验假设等相关问题给出更合理、更全面的解释。 随着佛教影响的逐渐扩大,佛教成为与儒家、道家并列的中国传统“三 教”之一。 事实上,在有些时候,佛教是中国(知识分子和平民)占主导地位的 宗教和哲学运动。 然而,佛教在中国历史上也被数次迫害。 公元 567 年,卫元 嵩(生卒不详)脱离僧团,劝说周武帝(543-578,统治 561-578)取缔佛教。 他 认为佛教加剧了社会的不稳定。因为佛教的各种制度——僧侣生活、内部等级 制度,以及免于政治控制的自由——助长了僧侣的腐败,并将佛教与实际事务 分离开来,从而破坏了强调和谐的中国文化和传统。 随后,武帝在 574 年和 577 年对佛教的迫害中断了当时的佛教体制。 许 多僧侣逃往农村,寻求更适合中国环境的佛教形式。 为了寻找使佛教更容易为 在家居士所接受的方法,以及为了更顺应时代的要求,他们开始认真探索印度 主流学派中很少被关注的经典。 由于印度传统缺乏对这些经典的明确评论,加 上当时的佛教学术传统遭到政治破坏,创造性地挪用和创新在当时得到允许, 由此产生了中国语境下独有的佛教传统。 141 华严就是这些传统之一。其独特教义所依的主要经典是《华严经》和《 大乘起信论》。华严得名于《华严经》,它呈现了一种令人眼花缭乱的错综复 杂实相,即佛性与一切共存,并彻底相互“贯通”。实相的这些特征完全依赖于众 生的心与行。《大乘起信论》发展了如来藏理论,(梵文:tathagatagarbha 意为“ 佛胎藏”),即成佛的潜力。它将“一心”作为现实的基础。它还认为一心开二门 :心真如门(梵文:tathata 意为“如是”)和心生灭门。心真如门绝染尽。它通常 被认为是非概念性的,因此无法用文字表达。心生灭门因无明而成染净。《大 乘起信论》认为这两个方面相互包含,不可分割。 1.3 基本论点 华严融合《华严经》和《大乘起信论》的思想,发展了对“空”和“无我”的 独特诠释。 印度原始佛教的“无我”在中国佛教转变为 “无个体自我”,但存在一种 超个人的一心(One Mind),现实中所有变幻相与本体论上相依存都是此一心的 一部分。 人类的基本恶行是自私,这是因为对虚幻的个体自我的执取引起的。 而人类基本的美德是普遍的同情心,这是由于认识到我们都是一个超个体的现 实的一部分。对他人没有同情心,就像忽略了自己肢体上的伤口,因为暂时的 麻木。 华严继承了中观思想,即所有的事物都是依条件而生起的。有条件指的 是事物的存在和身份在起因和概念上都有赖于其他事物。然而,华严的论证更 进一步,因为任何事物的身份都依赖于其他事物的身份,所以“一即一切”,并且 由于整体的身份依赖于其部分,所以“一切即为一”。 华严使用瑜伽行派的“阿赖 耶识”(alayavijnana)和“如来藏”(tathagatagarbha)来描述世间实相。三祖法藏(下 文详述)用椽子与其所属建筑物之间的关系来说明“一即一切”。他认为建筑物就 是椽子,因为建筑物只不过是其各个部分的总和,因此每个部分对其身份都是 142 必不可少的。相反,椽子就是建筑物,因为使椽子之所以为椽子是因为它是建 筑物的一部分。(直观地说,如果椽子从建筑物中移除,它可能会变成长凳, 或者跷跷板,或者只是柴火。) 《华严经》中经常用因陀罗网来隐喻事物的相互依存。 根据佛教出现 前的神话,因陀罗神有一张网,每两股线的交叉处都有一颗宝石。 每颗宝石都 如此明亮,以至于它印澈了网络中的所有其他宝石。 这一点被用来隐喻每个事 物的存在和身份都依赖于其他存在物。 由于唯一存在的就是这个实相,所以幻化的世界(轮回)在本体论上与 涅槃没有什么不同。 (“涅槃即轮回”的论点早先出现在中观中。)换句话说, 轮回只是对证悟中所经历的同一究竟实相的错误认识。 法藏用金狮雕像来说明 这一点(法藏 2014a)。我们不应该否认或忽视雕像看起来是狮子的事实。然而 ,我们必须认识到实际上,并没有狮子。除了金子之外,也不存在的独立实存 的“狮子外表”。黄金可以呈现不同的形式(矿石、锭、硬币等),但它本身是不 变的。我们不应该否认或忽视现实是由不同的、不断生灭的个体组成的。然而 ,我们也须认识到,实际上并没有不同的、不断生灭的个体。真正存在的只是 相互依存的事物(法)的整体网络,而这个网络(贯穿所有时间和空间)是永 恒不变的。 2.杜顺 (557-640) 杜顺被追授为华严初祖。 他在隋朝 (581-618) 和唐朝(618-907)初期比较活跃 。 我们对他的生平知之甚少。 他没有宗派派别,而且似乎不关心学术争论。 他酷爱《华严经》,且因禅修而闻名。 他曾任终南山至相寺主持。该寺曾是《 华严经》研读中心。 他的主要关心乡村居士,以使得佛教修行与他们的生活息 息相关——设斋、向穷人分发食物、念诵经文,讲经说法。 143 杜顺只写了几篇文章。 其中最主要的是“华严法界观门”。 这篇文章已经 找不到独立版本。 但它穿插在几篇评论中,最著名的是澄观 (《大正藏》45.1883 和宗密(《大正藏》45.1884) 的评论。 这篇文章很不寻常, 它不是对华严经的注 解或解释。 文章中没有释义,没有段落解释,没有定义或术语说明。 文章仅仅 提炼了学习《华严经》可获得的核心见解。 其显然想把《华严经》与禅修关联 起来,以便在家居士能够领悟。 “华严法界观门”分为三个部分,每个部分对应于《华严经》的“明辨”或禅 修。 第一个“观”梳理了“色(梵语: rupa)”与空性之间的对等。 这是《心经》和 其他印度大乘传统文献中众所周知的对等词。 这种洞察力对于研究印度佛教史 的学生来说应该不陌生。第二个“观”包含了杜顺在佛教中国化中两点创新。因此 从哲学的角度来看,这篇文章对于理解中国佛教至关重要。 第一个创新,杜顺使用中文术语“理”(原理/模式)来描述究竟实相的本 质。 印度大乘佛教通常将究竟实相的本质描述为空性(梵文: sunyata)或如是 (梵文: tathata)。 这两个术语都暗示着反对概念化。 杜顺赋予“理”认识论内涵 :理是涅槃者所见的。 正如杜顺所理解的,涅槃体验既不是空性也不是无分别 的重重无尽,而是无边无际的活动,以及与其活动相契合的模式。 通过讨论“理”——涅槃体验中出现的无边无际的活动——而不是空性,杜 顺杜绝了理和完全空无之间的混淆。 无论如何,理远非一无所有。 通过讨论“ 理”而非“如来”,杜顺创造了谈论究竟实相的可能性。如果涅槃体验的概念是悟 入如是,意味着这些体验本身并非“如是”,但将涅槃体验概念化为悟入“理”时, 并不意味着该活动不是活动。 因此,杜顺的第一个创新为一种形而学开辟了道 路,这种形而上学将涅槃中所体验到的现实理论化。 “法界观门”的第二个创新是杜顺用中文“事”(事物/事件/现象)来指代我 们现实经验中出现的万事万物。 印度大乘更喜欢对比空与色,色是构成现实的 万法之一。 那么,严格地说,“空即是色,色即是空”只是关于诸法与空性观念 144 的关系的描述,即一切法皆空。 这种对等并没有说明复合实相(composite realities )——例如人和战车——是否为空。 在阿毗达摩的传承中,法与复合实相的区别是有意义的:法是真实的, 复合相是空的。 但是所有的大乘传统都声称法也是空的。 所以杜顺的第二个创 新使大乘形而上学更有效:没有理由将法与由法建立的事物区分开来,在本体 论上,一切“法”与“非法”都一样。 杜顺称第二“观”是“理事无碍观”。 他将这一“观”分为十个主题,自然组成 五对: • 1/2 理事相互贯通。 • 3/4 理事显化对方。 • 5/6 理事互相隐藏。 • 7/8 理事彼此相同。 • 9/10 理事彼此不同。 这五种互动关系具体说明了“互不妨碍”的含义。 由于第一个是其余四个 的基础,我们专注于理解“理”“事”之间的“相互贯通”关系。 理和事的相互渗透呈现出自相矛盾的一面。 理无边无际, 而事有限且 无常。 “贯通“的意思是“渗透并完全融入每一部分”。 矛盾的是,有限和无限是如 何相互贯通的。 无限会不会因为被包含在有限的东西中而变得有限? 是不是有 限的需要变成无限的,才能在无限的每一部分蔓延? 杜顺的第二个“观”中的第 一组似乎违反了两个相当合理的限定,即:没有有限的东西包含无限的东西; 任何有限的东西都不能出现在无限的事物中。 杜顺承认,他关于相互渗透的主张“超越了传统的理解”。 他把理和事分 别比喻作水和波。 这个比喻源自《楞伽经》,假设每一波都包含整个海洋,每 145 一波都出现在海洋的每一部分。 这些假设并非完全不可信。 单个波浪可延伸到 整个海洋,只要波浪没有广延边际限制; 波浪可延伸到海底,只要波浪没有厚 度边界限制。 但是,不管是否合理,这个隐喻都表明,“理”和“事”的相互贯通相 当于声称万事万物都没有自然边界,即使它们看起来有边界(以独立的个体的 形态呈现在我们面前)。 “法界观门”的第三“观”是“周遍含容观”。这一观涉及到个体“事”的性质和关 系。杜顺观察到,每一个“事”都不过是“理”,但在其个性上却与“理”不同。每个事 包括并包含在所有其他事中。这种相互包容使每个事无所不在,尽管保留了事 事之间的差异。每个事包含所有其他事,并被所有其他事包含。这种相互包含 ,在保持事之间的差异的同时是分形的。即使是最小的尘埃也包含了其他一切 ,其所包含的任何尘埃中又包含其他一切,如此重重无尽;这种相互包容是同 时发生的,取决于视角。这些说法是“理”和“事”相互贯通的结果。杜顺的最后一“ 观”,还有待后来的华严学者来阐明。 3.智俨 (602–668) 传统上,智俨被认定为华严二祖。 智俨师从杜顺,在至相寺接触到《 华严经》。 但年轻的智俨对教义也有浓厚的兴趣,他研究的各类佛典,并向其 他宗派的大师学习。 他对佛教知识的广学多闻,对佛教众多不同教义如何协调 的不解,以及对佛教被控忽视实际问题的忧虑,使得青年智俨灰心和困惑。 智俨没有走上典型的学问僧之路,他离开了僧团,在农村游历了约 20 年,向在家居士传教。 他在公元 640 年代后期回到长安,吸引了许多弟子——其 中包括法藏(后来成为三祖)和将华严带到朝鲜的朝鲜僧人义湘(625-702)。 661 年,高祖与武后之子沛亲王任命智俨为首席讲师。 (这一任命可能是法藏 进入宫廷的原因之一,对他后来的弘法事业至关重要。)在余下的岁月里,智 俨一直在讲经和完善早期论著。 146 智俨后期作品中最重要的也许是《华严经内章门等杂孔目章》(《大正 藏》45.1870)。智俨在本书中提出了五重判教。其中最初级的是阿毗达摩教法 ,它假定法有自性(svabhava)。第二和第三重则包含了使得青年智俨困惑的大 乘宗派教义。这些教法承认一切,包括“法”及其结构,都是性空的。但他们用不 同的方式论证。如中观,用普遍而彻底的空性否定体验或了解非概念建构的现 实的可能性。瑜伽行派的如来藏理论,将普遍而彻底的空性建立在清净无染的 意识之上。智俨将不以清净无染为空性根基的教法归为“初级”,将有此根据的教 法归为“更高一级”,在判教中分别排在第二位和第三位。 智俨的判教第二重与第三重的关系,如同杜顺的第一观与第二观一样对 应。 在这两种情况下,后者都声称对缘起的意义有更深入洞察,因为它不仅适 用于法,而且适用于其构造。 对于智俨和杜顺来说,更深入的洞察力似乎更重 视因果关系,更关注缘起的积极意义,正如关于如来的教义所表现的那样。而 不是以否定性的方式解释缘起与空性之间联系。 同理,智俨判教的第三层与杜顺的第二观到第三观相比,更深入地探讨 了事的本性和事事之间的关系。 但与杜顺不同的是,智俨的判教提供了进入更 高阶段的理论动力。 简而言之,这一动力来自于初级和高级的大乘教法都没解 释觉悟和无明的起源(障碍觉悟的主要原因)。 一些大乘教义将实相的空性建 立在不净、被染污、充满障碍和烦恼的事物上。 这些事物包含着无明。 然而, 他们很难解释开悟——纯净和无染——如何从不净和污染中生起。 其他大乘教义 将实相的空性建立在纯净无染的事物之上。 然而,他们很难解释这样的根基又 是如何生起障碍和染污的。 智俨声称《华严经》的教义克服了“初级”和“后期”大乘的局限。 (他同样 的称赞《法华经》。)对于智俨来说,《华严经》揭示了一种未被媒介加工过 的究竟实相,并解决了对立面之间的所有冲突。他称这是一种“缘起法界”的景象 。从概念上讲,这与早期佛教教义中熟悉的“缘起”(梵文 pratitya-samutpada)形成 对比。缘起的境界涉及缘法和幻法之间的依附关系,特别是有助于维持或消除 147 轮回经验模式。相比之下,缘起的法界与涅槃经验相关。在这些关系中,对于 智俨的判教来说,最贴切的就是终极实相的无媒介视野与涅槃体验本身之间的 关系。智俨指出,这是因和果的区别。他把与第一个(因)有关的教法称为“顿 教”,第二个(果)有关的教法称为“圆教”。将果排在因之上,智俨完成了他的 五重判教。 在他的《华严一乘十玄门》中,智俨力图解释《华严经》中的实相观。 他以缘起法界十奥义来说明。 每个奥义都旨在揭示《华严经》对现实某些方面 的看法。 这些方面与杜顺第三观的“事事无碍”不完全对应。 但后来华严学者将 智俨的奥义理解为是对这些主张的详细阐述。 智俨是想将十奥义应用于十种法。 他将每一类都呈现为相互对立的一 组:教与义、理与事、悟与行、因与果、人与法、境界与阶段、师与徒、主与 宾、实体与功能、反应与刺激。 但智俨并未通过一种明显的模式和系统来呈现 十奥义,也没有解释每个类别如何适用于每个奥义。 为了方便说明,每一个奥义,可以被理解为属于事的范畴。 (1) 每一个 事在引起其他事的同时也被其他事所引发。 (2) 每一个事都以一种可以被描述为“ 分形”的方式与所有其他事相关:反映所有其他事,被其他事所反映,反映这种 反映,被反映这种反映的反映所反映,等等,层层无尽,类似因陀罗网的明珠 。 (3) 每一事生与灭同时,每一事趋向涅槃觉悟的同时,也隐藏着对其他事的依 赖。 (4) 每一事情都具有所有其他的特征,例如,同时显现为最小的微尘和巨大 的须弥山。(5) 每一“事”,出现在一个念头中,同时是过去、现在和未来;每一 刻的时间都有自己的过去、现在和未来。 (6) 每一事既是纯粹的,只要它与所有 其他的事相同,同时是混合的,因为它包含所有其他的事。 (7) 每一事同时包含 并包含在所有其他事中,但又不失其与其他事的区别。 (8) 每个事都与所有其他 事相同,因为每个事都决定了所有其他事的身份和力量——并且其身份和力量 由其他事决定的同时不失去其独特性。 (9) 每一事无非是心的创造。 (10) 每一事 都揭示了华严经的圆教,促进了对究竟实相本质的理解。 148 智俨的许多奥义都带有矛盾的意味,有明显相反的特征。但智 俨看到的是奥义而不是矛盾。他的洞见似乎包含了一种视角主义,将相反的特 征归于同一事的不同方面,而这些方面之间的对立是视角受限的问题,而不是 内在矛盾。这种视角主义必然支持智俨的六相学说。根据这一学说,每一事创 造所有他者,同时保持其特殊性,包容所有他者,同时保持与他者的差异,并 在不与其他事合作的情况下将其他事整合为一体。但智俨几乎没有解释这些特 征。他也没有提供任何细节,以便在一个一心基础上探明多样化的经验。这种 使命落到了他弟子身上。 4. 法藏 (543-712) 法藏是智俨成就最大、影响最大的弟子,被尊为华严三祖。 他将智俨 的教法系统化,促进其进一步发展,并维持了华严在朝廷中的显赫地位。 他尤 其以对《华严经》和《大乘起信论》的权威评论而著称,并因采取木版印刷等 技术使在家居士能够理解华严教义而闻名。 这些成就不负其华严三祖的盛名。 法藏的祖先来自粟特(丝绸之路的贸易中心,位于现在的乌兹别克斯坦 和塔吉克斯坦的部分地区),但他出生在唐朝都城长安(今西安),当时他的 家人在文化上已是中国人了。 法藏少年时虔信宗教。 遵循当时流行的燃指供佛 的习俗,法藏 16 岁时在佛塔前燃指。出家后,他协助玄奘(以到印度求法闻名 )翻译梵文佛典。 但因与玄奘在教义上出现分歧,法藏后来(约公元 663 年) 成为智俨的弟子。 智俨入朝使得法藏有机会接触武则天,并很快得到武后的信赖。 他接 任了很多公共职务,例如主持祈雨仪式,以及参与各种合作翻译项目。 他周游 中国北方,讲授《华严经》,并和道家展开辩论。 697 年,他卷入了唐与契丹 的军事对抗。因为当时武则天认为法藏举行的法式有助于镇压叛乱,使得法藏 149 获得更多信赖。 此外,法藏协助堪破了武后集团妄图在其死后继续掌权的阴谋 。这使得法藏受到后来统治者的信赖,并使得华严教义得以保持其显赫地位。 4.1 三性理论 法藏在《华严五教章》第十章即最后一章(《大正藏》45.1866)提出了 其最独特、最重要的学说。他在第一部分发展了三性论。 三性论最初是在瑜伽 行派中发展起来的,包括三个“实相”:第一,不可言喻的实相,如同绝对自然纯 净状态下的空间、金,以及水; 第二,这种实相表现为一种不真实的想象的建 构(unreal imaginative construction); 第三,这种不真实的建构是谬误的源头,谬 误因混淆对实相的建构而产生。 瑜伽行哲学家世亲(Vasubandhu)在他的《三性论》中为这三个“实相”命 名。 他说,不可言说的实相具有“圆满”的性质:这个实相是圆满的,它的本质 就是空性。不真实的想象的建构,即显现出来的现象,具有“依他”的性质,这与 缘起(pratitya-samutpada)同义。 最后,对不真实的想象的建构的混淆具有“编造” (fabrication,想象、分别)的性质。 中观传统最终也认可了一种“三性论”,尽管与瑜伽行派的理解有明显差 异。根据瑜伽行理论,遍计所执性(the fabricated nature)是空性的,而依他起性 和圆成实性(other-dependent and consummate natures)是真实的。根据瑜伽行派的说 法,与依他起性相关的想象结构——储存意识中的业力种子——必须具有某些真 实的方面,否则它们无处等待未来生根发芽;而与圆满性相联系的不可言说的 实相,也必须有真实的一面,以免产生断灭论。 中观论者不赞同瑜伽行派的推 理,他们更喜欢从认识论而不是本体论来解释三性。然而,认识论解释的挑战 在于,在没有任何真实事物的情况下,(妄想)表象是如何可能的? 为解决这场争论,法藏以《大乘起信论》的视角理论来说明三性论,并 将两面归于一性。 根据法藏的理论,每一性的两面中,一面是根本的,另一面 150 是派生的。 根本面分别是:清净不变、无自性(svabhava)和实相角度下的不存 在——仅是约定俗成。 派生的方面是:因缘和合,缘起,以及惯常事物(看起 来拥有自性)。 瑜伽行派和中观学者都认为每一性都有派生的一面。 因此,法藏的论 点是双重的:第一,三性的基本方面是相互兼容的; 其次,当且仅当它有其派 生的一面,每一性都有其基本的一面。 由于每个人都承认派生一面是合法和正 确的,因此遵循基本方面也是合法和正确的。 可见,法藏的观点融汇了瑜伽行 派和中观学派的洞见,规避了其矛盾之处。 法藏的三性论强调了实相的依他起性——实相在被无有妄想无明的人概 念化时是如何出现的。 这开启了发展一种关于(对于开悟者的)实相的形而上 学理论的可能性。 法藏赞同对实相的两种互补分析。 一种分析侧重于作为结果 的诸法,分析一心(作为原因)和整个诸法(作为结果)的非二元关系。 另一 种分析侧重于法,因为它们是因。这一分析探究每个法和所有其余法之间的相 互包容和同一性。 4.2 分析一心 法藏在他的《大乘起信论》评论(《大正藏》44.1846)中,将一心与如 来藏相提并论。如法藏所理解的,如来藏既不是个体意识,也不是与物质分离 或对立的东西。 相反,它是一切存在的唯一源泉,创造和维持缘起法界——尽 管没有与缘起法界分离。对于法藏来说,一心是先于任何个体意识和意识对象 (无论是精神的还是物质的)的实相。 这种优先是本体论的,实相随之构成了 各种基本元素。 法藏指出一心有两个方面,即如是心与轮回心。如是心无分别,不生不 灭。如是心所鉴照的非此非彼,亦非空。相比较而言,轮回心随因缘生灭,呈 现出染与净。 151 法藏通过如是和无明的区别来解释一心的这两个方面之间的关系。 如 是即实相的真实本质。 法藏认为如是有两个方面,一个是不变的,另一个是伴 随变化的。 不变的如是平静沉寂。 相反,伴随变化的如是动态的,在缘起法中 起伏。 因为如是只有明了缺乏自我意识的意识中才能遇到,所以法藏将其描述 为空性。 相反,无明引发苦。 法藏认为无明也有两个方面。 无明是空的,它 的结果是虚幻的。 作为积极运作和不断完成的事物,它以障碍和烦恼为因缘法 运转。 因为它导致虚幻对象的出现,所以法藏将这一方面描述为存在。 在法藏看来,如是和无明是一心的两个基本方面。 作为不变的和无明 空性的如是对应如是心。 这种对应将如是心理解为无为法的见证。 同样,伴随 变化和无明的如是和积极运作时对应轮回心。 这种对应将轮回心解释为缘起法 的见证。 (法藏受《易经》启发,对轮回心进行了详尽的分析。他解释说,由 于轮回心呈现如是,所以灭苦之道需要关注缘起法) 4.3 分析法 法藏在《华严五教论》第十章第三节中提出八法来讨论缘起。 其中四 法讨论不同的实体(诸法与其他诸法有关):一法包含一切其他法,包含在一 切其他法中,确定所有其他法的身份,并由所有其他法确定其身份。 其余四法 讨论同一实体(诸法与缘起法界的整体关系):每一法包括法的整体,包含在 整体中,确定整体的身份, 其身份由整体决定。 法藏的论述涉及两个要点。 一是诸法同时包含“有”与“空”。“有”时,每一 法都表现为一个(在数字上)与其他法不同的个体。 “空”时,每一种法都缺乏 任何能遮止其他法的自性。 二是,每一个法也同时具有作用和无作用两方面。 每一法的力量在于它对其他法有影响力,即使其他法有抵抗力,也脱离不了这 种影响力。每种法的无作用力在于它容易受到其他法的影响。尽管它可以抵抗 ,但这种影响同样超出它的控制范围。法藏用这些观点来论证只要一法存在或 152 有力,其他法都为空,且无力。 如果一法不存或无力,则其他法存在且有力。 基于此,法藏发展了关于法的相互包容和同一性的论点。 法藏用几个隐喻来阐明相互包容和同一性的主张,如因陀罗网和数十个 硬币。最经典的比喻出现在《华严五教论》第十章的第四节,即最后一节。这 一节,法藏用框架建筑来解释六种法相的缘起(法藏,2014b)。法藏将六法相 分别称为总相、别相、同相、异相、成相,以及坏相。这些特征中的每一个都 与个别佛法作为某个整体的一部分所具有的某些特征有关,类似于椽子与建筑 物的关系。法藏的解释是出了名的深入复杂。粗略的说,总相,即每一个法创 造了某种整体。别相,即在数字上与整体不同。同相,即包括整体的所有其他 部分。异相,即在数字上与其他法不同。成相,即创造整体不会干扰整体的所 有其他法做同样的事情。坏相,即创造性的如是不依赖于整体上其他诸法的合 作。 4.4 判教 法藏《华严五教章》的前九章实际上为判教体系提供了一个百科全书式 的论证,克服了所有先前佛教传统的局限。但法藏没有给出总结。 除了一些细 节,法藏的判教体系沿用了智俨的结构。 法藏判教体系中的第一层即他所说的小乘(也就是我们现在所说的阿毗 达摩)。他认为小乘真理含量最少、限制最多。法藏对这一教义提出了三点批 评。 首先,他声称阿毗达摩对心识的分析不完整,因为它没有对藏识( alayavijnana)的彻底分析——这种分析只存在于大乘传统的瑜伽行分支中。 第二 ,他声称阿毗达摩对佛法的分析不完整,因为这一传统中没有任何一派能够建 立一个包含所有其他学派条目的体要,并且因为这一传统似乎无法解决关于法 地位的分歧。第三,他声称由于阿毗达摩传统否认法空,所以落入永恒论的偏 见。 153 法藏判教体系中的第二个教法,就是他所说的“大乘初教”。他所说的是 中观和瑜伽行派的教义,在印度以龙树菩萨和世亲菩萨为代表,在中国以吉藏 和玄奘为代表。 法藏认为这种教法优于第一层,一是因为“大乘初教”指出所有 一切,法或非法,都是空的,二是因为瑜伽行派对藏识进行了彻底的分析。 但 是,根据法藏的说法,瑜伽行对意识的分析是有错误的,因为它将储存意识误 认为是某种终极实相。 根据瑜伽行派的传统,藏识包含不净和染污。 然而,正 如法藏所理解的那样,究竟实相没有这种不完美。 法藏判教的第三个教法,就是他所说的大乘后期教法。 法藏所想的是 与如来藏理论相关的教义,如《大乘起信论》等经典中的教义。 根据法藏的说 法,大乘后期教法对大乘初期教法的改进在于,将究竟实相正确地理解为清净 无染——不是藏识,而是如来藏。他认为后期教法也克服了前两个教义的局限 :前两种教义都侧重于“有”和“空”中的一方而排斥另一方,并认为究竟实相具有“ 有”和“空”两个方面。 如法藏所理解的如来藏理论中存在一种潜在的张力,即将究竟实相概念 化为如来藏与将如来藏概念化为不可言说之间的张力。 这就是为什么法藏认为 大乘后期教法之上还有第四层教法,他称之为顿教。 这是《维摩诘经》中维摩 诘的教法,维摩诘在回应如何描述究竟实相的请求时,以沉默作答。 根据法藏 的说法,这优于大乘的后期教义,因为要想成功地概念化现实的究竟本质,唯 一的方法就是先拒绝概念化。 法藏判教体系中的第五层,即他认为的佛教教义的顶峰,称为圆教。这 是他自己的教法,源自他师父智俨,以及杜顺的著作和《华严经》的许多偈文 。法藏判教体系中,第一层强调真实的虚构性,中间的三层强调“圆成实相”。法 藏进而声称只有最后的圆教才能含摄所有这三种实相。因为,根据圆教,一切 都是空的,所以圆教正确地理解了看起来“非空”事物的“相互交织”性。但究竟实 相的圆满本质是不可言喻的,因此圆教设法克服了大乘初期教法和后期教法的 局限。因为在法藏看来,只有圆教才能理解究竟实相的依他性,这是其他佛教 154 传统所忽视的特性。所以他得出结论,其形而上学所表达的圆教优于所有其他 佛教教义。 5. 李通玄(635–730) 李通玄与法藏同时代,生前默默无闻,没有华严宗祖师之美誉。然而, 李通玄的著作影响了韩国僧人真奴(1158-1210)、日本僧人莫野(1173-1232), 以及临济禅宗大师觉范慧洪(1071-1128)和大慧宗杲(1089-1163),也就影响了 后来的佛教的发展。我们对李通玄的生平知之甚少。他隐居,专心诠释佛经。 他生活简朴,每天只吃七个米糕。大概因为是唐王室的后代,他似乎也熟读《 易经》。李通玄的著作,例如对华严经的注释(《新华严经纶》;T36.1739), 注释的摘要,以及对华严经的逐章总结,对华严传统产生深远影响。他的著作 使用阴阳五相理论,关联推理,从地理方位、数字、菩萨名号等细节中找到救 赎意义。 李通玄对华严传统的核心贡献是他讲解的一真法界。据此,世界上所有 的地方和物体都是真实的。神圣与世俗、启蒙与无明、佛与众生之间没有真正 的本体论上的差异。李通玄对一真法界的解释暗合一种顿悟的方法,众生是当 下而不是逐渐成佛的。其对一真法界的阐释也解释了为何他常用《易经》来评 论《华严经》,常用中国古典文本来解释佛教思想。李通玄说,孔子和老子( 道教的传统创始人)等中国的圣贤以及中国经典,都如菩萨般尽力开导众生。 根据李通玄的教义,普通人的处境是今生证悟的基础。 李通玄以一种独特的、非世俗的存在方式证明了他对一真法界的诠释是 正确的。李通玄认为,存在是变化的,也在每时每刻都是完整的。过去、现在 和未来每时每刻都共存。这种存在的非时间性解决了他认为因果概念存在的几 个问题。第一个问题与概念关系有关。李通玄认为,如果原因和结果不是同时 的(在同一时刻产生),那么由于原因在结果出现之后才被认为是原因,所以 155 结果先于原因。相反,如果原因和结果是同时发生的,那么原因恰好在结果出 现时成为原因。第二个问题与时间关系有关。李通玄认为,如果原因和结果不 是同时的,那么在一个原因出现的时间和那个原因的结果出现的时间之间会有 一个无法解释的差距。相反,如果因果是同时的,就不存在这样的差距。 如果过去、现在、未来交织在一起,那么现在无明的众生后来证悟了, 众生和佛在本体论上没有区别:众生同时是佛。 在这里,李通玄与法藏的更经 典的华严教法不同,无明和启蒙是同一现实的不同本体论方面。 在李通玄看来 ,众生与佛、无明与觉悟的区别,只是认识论上的,是对苦的性质和条件的混 淆。 李通玄在两个佛经故事中找到了支持非时间性存在方法和一真法界的证 据。 第一个是《法华经》中龙女瞬间成道的故事。 第二个是《华严经》中善财 童子一世证悟的故事。 李通玄用这两个故事说明,发心修行佛道的那一刻,与 一个人获得圆满觉悟的那一刻是同时的。 既然修行是证悟果的因,所以因果是 同时的——所以,所有的时间都在一个瞬间共存。 (对李通玄来说,龙女的故 事不如善财童子的故事完美,因为龙女成道后改变了身体和住所。) 6.澄观 (738–839) 澄观的一生饱经世事变迁,历经唐代九朝。他研究广泛,包括佛教教义 和禅修,中国本土的经典著作,以及印度《吠陀》和科学著作。 传统认为澄观 是华严宗的第四代祖师,因为他师从于法身(718-778),法身师从于法藏的弟 子慧远(673-743)。 澄观著述颇丰。他的《华严经疏》和《大方广佛华严经随疏演义钞》在 权威性和影响力方面超越了法藏的《华严经》注释。他还评注了杜顺的《华严 法界观门》的评注,写成很有影响力的《华严法界玄镜》(T45.1883)。 他经常 给朝廷官员讲法,并应他们所邀写了许多文章。澄观频繁引用中国经典,并为 156 了在士大夫中广泛传播而采取借词不借义的写作方式。随着安禄山叛乱(755763),佛教的政治地位被削弱,中国人对佛教等外来传统更加怀疑,更强调佛 教教义与中国本土传统的协调。这可能促使澄观采取这样的诠释方式。 澄观对华严传统最显著的贡献是他的“四法界说”。 这一理论确定了四种 领悟缘起法界的方式。第一个是“事法界”。“事”指形、心等特征。 澄观把这个境 界定性为缘起,似幻,无自性,无实相。 它是被具体化为无数不同个体的法界 。第二法界为“理法界”。 澄观认为“理”是指物质、自然、空性、寂静,一切法的 不变性。 他认为“理法界”与真实自然相同, 是本来清净无染的法界。 澄观将其余两个法界归为无碍法界。第三个即“理事无碍法界”,与杜顺 《法界观门》中的第二观相关联。第四个即“事事无碍法界”,与杜顺《法界观门 》的第三观相关联。澄观赞同杜顺对这些境界的分析。他补充了杜顺的见解, 认为“理”不碍事是“事”不碍事的基础。他有两重意思。从实践的角度来看,观想“ 理”是观想“事”的前提。从理论的角度来看,由于它们共同被“理”所含摄,所以共 通并互相融合。由于每个事都同于且包含理,并且由于理同于且包含所有事, 因此事事相同且包括所有其他事。 澄观进一步发展华严传统,将禅宗教义纳入华严的最高教法。 法藏的 弟子慧远对法藏将顿教纳入判教提出批评。 他的批评有两点。 第一,因为法藏 的判教按内容排列教义,而顿教——不可言传——不在于内容,因此不属于法藏 的判教体系。 第二,若以表达究竟实相的程度来划分教法,那么顿教的精髓在 于呈现终极实相的不可言说,既不同于大乘究竟教义,也不是圆教。 澄观将慧远的判教归因为他对禅的理解不足。 作为回应,为了辩护法 藏的判教,澄观发展了自己的判教体系。 他将顿教与各种禅宗传统的教义相提 并论。 这些教法,正如澄观所理解的那样,是用文字来表达心与佛; 这种真理 的以心印心,足以将禅在实践方面(如果不在教义方面)与其他佛教传统区分 开来。 157 尽管澄观对慧远的教义评价不高,他赞同慧远对中国本土的儒家和道家 教义的批评。他认为儒教的基本教义为:仁、义、礼、智、信五德;道家崇尚自 然;佛教注重因缘。澄观认为佛教之外的教法错识因果关系,没有认识到行为 的责任,并贬低智慧的作用。他反对《易经》(与儒家有关),认为将万物的 源头追溯到在阴阳的变化中,将智慧或愚蠢归咎于非人格的天,从而否定了意 识创造现实的作用。同样的,他批评《道德经》万物源于道,修行无益的观点 。最后,他也反对《庄子》,他认为强调自然为根本,意味着觉悟的产生是无 缘由的,而不是通过精心实践达成的。他认为这是错误的,因为这种观点忽略 了无明和觉悟依赖的先行条件。 7. 圭峰宗密(780–841) 在传统上,宗密被认为是华严五祖。 宗密早年学习儒家和佛家经典, 之后跟随禅宗大师随州道圆(750-820)学习。 接着,在跟随澄观学习《华严经 》一段时间后,宗密开始了自己漫长的写作阶段。 起初,他主要收集各种经典 的注释并编写自己的注释。 之后,他专注于收录禅宗文献,为禅宗树立经典文 献。 这些努力使他被誉为菏泽禅宗祖师。 虽然宗密的《禅源诸诠集》已不存在 ,但它的序言《禅源文集序》(《大正藏》48.2015), 幸存了下来。 宗密的主要哲学著作是《原人论》(《大正藏》45.1886)。 这本书的标 题调侃儒家哲学家韩愈(768-824)的一篇颇具影响力的反佛教文章《源道》。 宗密的书实际上阐释了一个新的判教系统,其 “新”在于包含了道家和儒家。 宗 密对每种观点的优缺点讨论详尽,这里我们只介绍其中一些论点。 宗密认为孔子和老子都是伟大的圣人,其道德教义对百姓极为有益。然 而,儒家和道家声称,人类、动物和无生命的物体都来自同一个潜在的“气”(大 致类似于 Anaximander 的“无边无际”)。宗密认为这造成了一个无法解决的问题: 既然生命力本来是无意识的,而同草木一样接受了这种力量,那么要么我们应 158 该如同草木没有意识,要么草木应该有意识。此外,儒家和道家认为,天(一 种非人格的在上力量),按照道德的方式行事。宗密争辩说,他们无法解释为 什么一个道德的天允许善人遭殃,恶人风光。恶人当道,善人受苦,则赏罚不 公。 宗密认为佛教可以解决这两个难题。 关于恶的问题,宗密用佛教的轮 回教义来解释宇宙中的惩善罚恶最终是如何公正的。 根据这个学说,赏罚的分 配不仅取决于一个人当前的生活行为,还取决于一个人前世的行为。 因此恶人 风光,善人受苦,是前世的业力所致。 宗密认为,意识问题唯一合理的解决方案是,根本的现实是精神的。而 无意识是一种自我欺骗的结果,在这种情况下,头脑没有意识到它的对象是它 所呈现的。 8. 之后的发展和影响 8.1 新儒家 对权力、威望和财富的追逐导致了佛教、道教和儒家之间的宗派冲突。 此外,制度化佛教存在一些社会问题,例如寺院控制的巨额免税财富,以及燃 指和自残等极端宗教陋习,这些陋习甚至被智俨和法藏等领袖人物认可。 最终 ,道教徒教唆唐武宗在 842-846 年发动大规模的会昌灭佛运动。 在此期间,僧尼 被迫还俗,寺庙和神社被毁,财产被没收。 虽然迫害只持续到皇帝驾崩,并被 下一任皇帝废止,但佛教的社会影响和学术名望受到重创,之后再也没有完全 恢复。 随着佛教的衰落, 宋明理学(“Neo-Confucianism”)运动如火如荼的展开了。 宋明理学的目标是复兴儒家原始教义,反对道教和佛教的不当之处。然而,在 佛教占据哲学主导地位长达几个世纪之后,宋明理学思想家几乎不可避免地、 不自觉地用佛教概念来重新解释传统。例如,中文术语“理”是华严形而上学的核 159 心。尽管“理”在儒家经典中是次要的,它却成为宋明理学形而上学的核心。例如 ,在儒家四书中,“理”在《论语》和《大学》中从未出现,《中庸》提到两次, 《孟子》提到七次。“理”出现的段落都未说明“理”具有形而上学方面的意义。 ( 其中一个典型的用法是在对话中,有人向孟子寻求帮助,因为他缺乏口才,形 容自己 “稽大不理于口”。)尽管如此,朱熹(1130- 1200)反复使用“理”来解释经 典的潜在含义,并赋予其形而上学的意义,让人想起因陀罗网。同样,理学家 强调“私欲”和“自私”的危险,这并不是古代儒家的特征,它反映的是佛教认为自 私是人类恶行之根源的观念。 8.2 当代华严 华严佛教作为一种独特的宗教运动在中国、韩国和日本已基本消亡。 然而,华严文献仍在被研究,并对禅宗(日本禅宗)极具影响。 华严也对其他 哲学产生了重大影响。 所谓的“新儒家宣言”(“New Confucian Manifesto”)提倡东方 的“圆而神的智慧”,而不是西方的“方直”智慧。 尽管他们认为这种区分源于《易 经》,但他们对其的描述却让人想起了判教理论家所倡导的“圆”智。 此外,“宣 言”合著者之一的牟宗三对华严进行了广泛而富有同情的描写。 在当代哲学家中 ,格雷厄姆·普里斯特(Graham Priest,2015)用非标准集合论阐释华严本体论。 160 Budismo Chan1 Autor: Peter Hershock Tradutor: Lucas Nascimento Machado Revisor: Joaquim Monteiro A escola Chan (Chan zong, 禪宗) é uma forma nativa de budismo chinês que começou a se desenvolver no século VI EC e se disseminou subsequentemente pelo resto da Ásia Oriental (japonês: Zen; coreano: Sôn; vietnamita: Thiền). Por mais que o ideograma “chan” (禪) translitere a palavra sânscrita dhyāna ou “meditação”, e Chan zong possa, portanto, ser traduzido como a “Escola de Meditação”, o Chan não se destacava, dentro do budismo chinês, em seu uso de técnicas meditativas. O que distinguia o Chan era seu novo uso da linguagem, seu desenvolvimento de novas formas narrativas, e sua valorização da realização 2 [realization] direta e completa do despertar budista. Diferentemente das preocupações epistemológicas, hermenêuticas e metafísicas que HERSHOCK, Peter. Chan Buddhism. In: ZALTA, E. N. (ed.). Stanford Encyclopedia of Philosophy. Spring 2019 Edition. Stanford, CA: The Metaphysics Research Lab, 2019. Disponível em: <https://plato.stanford.edu/cgi-bin/encyclopedia/archinfo.cgi?entry=buddhism-chan>. Acesso em: 11 jun. 2022. The following is the translation of the entry on Chan Buddhism by Peter Hershock, in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the version of the entry in the SEP’s archives at < https://plato.stanford.edu/cgi-bin/encyclopedia/archinfo.cgi?entry=buddhism-chan >. This translated version may differ from the current version of the entry, which may have been updated since the time of this translation. The current version is located at < https://plato.stanford.edu/entries/buddhism-chan/ >. We’d like to thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to translate and to publish this entry. 2 Nota do Tradutor: o termo usado em inglês pelo autor do artigo, realization, com todas as suas variantes presentes no texto é de difícil tradução, pois envolve um tipo de compreensão de algo que é inseparável da efetivação da própria realidade daquilo que é compreendido. Por isso, alternamos, na tradução do termo e de suas variantes, entre “compreensão” e “realização”, de acordo com o que parecia mais adequado ao contexto, mas mantendo o termo original entre colchetes, sempre que o uso do termo parecia carregar esse duplo sentido em certa medida impossível de traduzir inteiramente para o português. 161 1 moldaram outras escolas de budismo chinês, as preocupações definidoras do Chan eram experienciais e relacionais – preocupações que se encaixam mais confortavelmente, talvez, nos horizontes da antropologia filosófica. Avaliar as dimensões filosóficas do Chan requer, portanto, alguma familiaridade com o pensamento e prática budistas, e com a dinâmica de sua infusão na cultura chinesa. 1. 2. 3. 4. 5. 6. Introdução História Chan e a Natureza da Realidade Verdade e a Natureza do Conhecimento e da Linguagem no Chan Dimensões Éticas do Chan Conclusão Referências 1. Introdução Diz-se que o pensamento e prática budistas emergiram do comprometimento prático contínuo com a descoberta e a aniquilação das raízes do sofrimento humano. Relatos canônicos da libertação da figura fundadora do budismo, Sidarta Gautama, deixam claro que se tornar um desperto (buddha) para as origens e para o fim do sofrimento não era um processo de destilação racional, mas, antes, de uma conduta incorporada [embodied conduct] (ver, por exemplo, Majjhima Nikāya 26). As intelecções pivotais alcançadas com essa conduta são, em primeiro lugar, que todas as coisas surgem e cessam de existir em interdependência dinâmica (paticca-samuppāda), e, em segundo lugar, que conflito e sofrimento (dukkha) são distorções relacionais, caracterizando a inflexão problemática da interdependência como uma função da ignorância (avijjā); de hábitos corpóreos, perceptuais, cognitivos e emocionais (sankhāra); e formas profundas [craving] de desejo (tanhā). O Budismo Chan se desenvolveu na China como uma reafirmação do primado da prática incorporada, cujo sinal de obtenção viria a ser visto como a atenção imperturbável e a virtuosidade responsiva. Nas palavras do fundador da linhagem Hongzhou do Chan, Mazu Daoyi (709-788), a fruição da prática do Chan é a harmonia [fluída] do corpo e da mente que passa por todos os quatro membros... beneficiando o que não pode ser 162 beneficiado e fazendo o que não pode ser feito. (Xu zangjing, Vol. 119, 408b) Baseando-se, porém, na convicção, predominante no budismo chinês, de que todos os seres têm/são a natureza-de-Buda (fo-xing, 佛性), a prática não era defendida no Chan como um meio para a iluminação, mas, antes, como o significado de demonstrálo. Apenas quando nos recusamos a reconhecer nossa verdadeira natureza, ou quando somos ignorantes dela, que a iluminação pode ser vista como algo a buscar, um destino ao qual podemos chegar um dia. Em grande contraste com escolas mais academicamente inclinadas do budismo, o Chan não vê a dissipação da ignorância sobre nossa própria natureza como algo que deve ser conseguido pelo estudo de textos canônicos e de comentários. Pelo contrário, atendo-se à afirmação de Buda de que o sábio “não se aferra a nada em lugar nenhum” e “não entra na lama do pensamento conceitual” (Sabhiya Sutta, Sutta Nipāta III.6), o Chan insiste que não podemos achar nosso caminho para longe do conflito, da perturbação e do sofrimento por meio da leitura ou do raciocínio. E, em contraste com escolas mais definidas pelo ritual, o Chan também nega o mérito de buscar ajuda de fontes supramundanas. Dissipar a ignorância de nossa própria natureza-de-Buda não envolve cultivar ou adquirir nada; temos, apenas, de terminar a paralisia relacional que nos impede de nos conduzirmos como seres iluminados. Isso não requer condições ou suplementos adicionais. Não requer estudo ou treino extensivos. Pode ser alcançado aqui e agora, em meio às nossas vidas diárias. Essa descrição pode sugerir que o Chan surgiu em meio ao que poderia facilmente ser visto como sentimentos antifilosóficos, e os propagou ativamente – uma visão que, poder-se-ia argumentar, encontra suporte na ilógica aparente de muitos dos “diálogos de encontro” que alegam registrar as interações dos mestres Chan e seus estudantes, e pela fórmula quádrupla que veio a ser usada na China, na dinastia Song para caracterizar a particularidade do Chan: Uma transmissão especial fora das escrituras (jiaowai biechuan, 教 外 別 傳 ); não estabelecida por palavras e letras (buli wenzi, 不立文字); apontando diretamente para o coração-mente humano(zhizhi renxin, 直指人心); vendo a natureza e se tornando um Buda (jianxing chengfo, 見性 成佛). 163 Em ambos, há apelos à importância da imediatez, em vez da reflexão, e asserções sobre os limites da linguagem e irrelevância, em última instância, do pensamento para a realização da verdade. De fato, o Sexto Patriarca Chan, Huineng (638-713), famosamente proclamou que, por toda a história budista, aqueles transmitindo o verdadeiro Dharma estabeleceram o “sem-pensamento” (wunian, 無念) como a doutrina central. Para muitos daqueles envolvidos na primeira geração do Chan e Zen “globalizantes” na primeira metade do século XX, a aparente antirracionalidade Chan foi central para sua promoção como um humanismo distintivamente asiático-oriental e como um antídoto para o cientismo sem coração e sem humor. É possível, porém, ver o Chan diferentemente. O corpus literário Chan é, ironicamente, talvez o mais volumoso de qualquer budismo chinês. E, embora seja uma tarefa desafiadora encontrar aí argumentos do tipo dos que são amplamente vistos hoje como parte fundamental do ofício filosófico (especialmente analítico), ele é um corpus literário que, penso, pode ser abordado muito produtivamente como suscitando intelecções e inferências de considerável significância filosófica - um corpus de evidência filosófica, em vez de exposição e de explicação. Uma grande dificuldade na tentativa de se engajar com perspectivas filosóficas originárias de outros horizontes do que os das tradições europeia e americana é a tendência de atribuir às categorias e questões filosóficas ocidentais a condição de padrão. Isso leva, por exemplo, a gastar uma considerável quantidade de energia considerando se a ética confuciana ou a ética budista são melhor vistas como espécies de consequencialismo, de deontologia ou de ética das virtudes, em vez de tentar entendê-las o máximo possível em seus próprios termos. Fazer isso arrisca ocultar a particularidade filosófica de tradições assim chamadas “não-ocidentais”, justificando tacitamente a continuação da definição da filosofia acadêmica exclusivamente em termos dos padrões ocidentais. Estando alerta desses riscos, entretanto, penso, de todo modo, que é possível fazer um uso provisório de categorias ocidentais para começar a explorar terrenos filosóficos moldados por forças muito diferentes daquelas com que estamos familiarizados. Essa, ao menos, é a abordagem tomada aqui, com o objetivo de tornar mais fácil, para estudantes e professores de filosofia, encontrar alguns lugares a partir dos quais eles possam entrar meu um diálogo produtivo com o Chan. 164 2. História O Chan coalesceu ao longo de muitos séculos de engajamento contínuo e reflexivo com o significado de ser tanto chinês quanto budista. Ou seja, ele tomou forma pelo período de aproximadamente de 500 a 1000 EC no contexto de negociações ocorrendo dentro daquilo a que o antropólogo James Clifford (1988) se referiu como o “problema da cultura” [predicament of culture] – o sentimento de completo perda de eixo [off-centeredness] que ocorre quando somos confrontados com uma sobreposição inevitável e sem precedentes de sistemas distintos de significado e compelidos a escolher entre fontes diferentes, e frequentemente contrárias, de identidade pessoal, ou reconciliálas. O budismo entrou primeiramente na China na segunda metade da dinastia Han (206 AEC a 220 AEC), juntamente com o crescente comércio trans-eurásiano. Os primeiros registros da presença budista na China retratam a chegada dessa religião estrangeira como simultaneamente intrigante e inquietante – um confronto com a diferença cultural não como um fato objetivamente observável, mas como uma experiência subjetivamente perturbadora de fracasso do senso comum (Sakai 1997). Missionários monásticos budistas eram visivelmente estranhos, com suas robes monocromáticas, suas cabeças e sobrancelhas raspadas, e suas dietas restritas. Juntamente com estátuas votivas e pinturas chocantemente novas – o primeiro termo para budismo foi, de fato, o “ensino de imagens” (xiangjiao) – eles trouxeram novas técnicas meditativas, novas tecnologias ritualísticas, e, o mais importante, novas formas de escrita. Desde muito cedo na China, a escrita tinha sido entendida como estando intimamente conectada com a autoridade espiritual, política e cultural (Lewis 1999) – uma associação manifesta no termo chinês para cultura (wenhua, 文化), que combina os caracteres para literatura (文) e transformação (化). A chegada de textos budistas foi a evidência de que havia povos no “Ocidente” que, diferentemente de quaisquer outros povos que eles tinham encontrado, não apenas tinham seus próprios costumes, mas também sua própria cultura literária e, assim, sua própria reivindicação à autoridade. Textos budistas continham a promessa de formas alternativas de compreender o mundo e o lugar da humanidade nele, mas também novas formas de subjetividade e imaginação, novos ideais pessoais, e novas visões da interrelação do espiritual e do político. Práticas budistas de disciplina meditativa, devoção a imagens e devoção ritualística se disseminaram rapidamente pela sociedade chinesa no período de desunião 165 depois da queda da dinastia Han. Por volta do início do quarto século, por exemplo, eram realizados regularmente retiros budistas de muitas semanas com até 5000 pessoas, e, na chegada do sexto século, mas de duas milhões de pessoas – por volta de uma em cada vinte e cinco pessoas na China – eram ordenadas como monges e monjas [nuns]. O budismo desempenhou papeis crucias na unificação de povos nômades sob a Wei do Norte (386 – 534) e na eventual restauração do império chinês com a fundação da dinastia Sui (581-618). Pode-se ter uma ideia da importância do Budismo na constituição do imaginaire político e cultural da China medieval considerando o investimento necessário para construir os complexos de cavernas monumentais em Yungang e Longmen – cada uma com dezenas de milhares de imagens budistas talhadas em pedra viva, algumas com até dezoito metros de altura e com rostos originalmente banhados em ouro. Mas foi por meio de projetos colaborativos de tradução e exegese textual que o budismo veio a ser costurado de modo tão consequente no tecido da cultura chinesa que o imperador de Song China, Xiaozong (r. 1162-89) compararia os três ensinamentos do confucianismo, daoísmo e budismo com as pernas de um ding de bronze – um recipiente cerimonial associado com a unidade e o poder políticos e com a autoridade cultural que seria inútil se qualquer uma das três fosse removida. Texto budistas da Ásia Central e da Índia ofereciam novas visões do cosmos, novas estruturas narrativas, e novos conceitos que tornavam óbvios os limites e vieses da literatura, do pensamento e da prática filosófica chinesas. Abordar esses textos requeria improvisar pontes linguísticas e conceituais, mas também, em última instância, construir novos tipos de consciência e identidade culturais. Na época em que o grande tradutor da Ásia Central, Kumārajīva (334–413), estava trabalhando com uma equipe de tradução multiétnica na capital chinesa de Chang’na (uma cidade de entre 300.000 e 500.000 pessoas na época), o budismo tinha passado por quase mil anos de evolução adaptativa e várias centenas de textos foram catalogados como parte do cânone budista. No século VII, esse número tinha crescido para mais de mil. Esses textos todos pretendiam ser representações autênticas do ensinamento budista. Mas, na verdade, eles tinham origens históricas e culturais muito divergentes, e isso representou, para os estudiosos do budismo chinês, imensos desafios hermenêuticos. Baseando-se na evidência interna a escrituras budistas centrais, foram desenvolvidos diferentes sistemas para classificar e ranquear ensinamentos e textos budistas, e esses sistemas se tornaram a base de escolas de budismo concorrentes e definidas textualmente, as mais proeminentes sendo as escolas Consciência-Apenas 166 (Weishizong, 唯識宗), o Terraço Celeste (Tiantai zong, 天台宗 ), Terra Pura (Jingtu zong, 淨土宗) e Ornamento da Flor (Huayan zong, 華嚴宗). O Chan retraça suas origens a uma ruptura radical com essa abordagem escolástica – uma rejeição explícita da autoridade definitiva da escrita, combinada como uma insistência em que ensinamentos budistas autênticos não devem ser encontrados em livros ou liturgias memorizadas, mas apenas nos encontros imediatos e face a face de mestres budistas e seus estudantes. O precedente icônico para essa ruptura é o momento de transmissão que se diz ter ocorrido quando, no meio de um sermão para um grupo de por volta de 10.000 pessoas no Pico do Urubu, o Buddha segurou uma única flor e suscitou um sorrido de realização compartilhada de seu discípulo, Mahākāśyapa. Quase mil anos depois, diz-se que o suposto 28º continuador dessa linhagem de transmissão direta – um monge indiano de nome Bodhidharma – teria chegado no sudeste da China por mar, trilhado seu caminho para o norte da China, e, eventualmente, oferecido a “pele”, “carne”, “osso” e “medula” de seu ensinamento para quatro de seus discípulos mais próximos, um dos quais, Huike (487-593) veio a ser considerado como o segundo Patriarca do Chan na China. Esse relato das origens do Chan estava bem-estabelecido por volta do século X, e seus rudimentos já estavam circulando no fim do século VI e início do século VII. Estudiosos contemporâneos consideram esse relato, e muito do que o Chan eventualmente veio a considerar como as particularidades de seus própria história, como invenções da tradição (cf., por exemplo, McRae 2003 e Faure 1991). Mas, para o presente propósito, a história tradicional das origens do Chan fornece uma maneira útil de introduzir as preocupações filosóficas que moldaram a consolidação da identidade Chan. No estrato mais antigo de textos atribuídos confiavelmente a Bodhidharma e a outros mestres Chan antigos (ver Broughton 1999), encontramos Bodhidharma afirmando que há dois pontos de entrada para o budismo: via li (理), um “ímpeto determinante [informing]” ou “princípio”; e via xing ( 行 ), “prática”. A entrada pelo li consiste em compreender [realizing] que todos seres sencientes têm a mesma verdadeira natureza; a entrada pelo xing consiste em corrigir maus feitos; corresponder às condições; não buscar nada; e agir de acordo com a compreensão [realization] de que todos os seres têm a mesma natureza verdadeira. A verdade budista, em outras palavras, não é algo obtido por meio [through] da prática, mas um aspecto e uma realização [achievement] dela [of it]. Além disso, Bodhidharma afirma que isso é possível em qualquer lugar, quer seja esteja andando, deitado, sentado ou de pé. A prática budista bem-sucedida não se baseia em estar em um lugar ou postura específicos, nem é dependente do estudo de textos. De 167 fato, afirma-se que quem obtiver entendimento por meio da leitura terá uma energia vital fraca (qi, 氣), e que, para ter a energia necessária para realmente instaurar [enact] o caminho budista, é preciso obter o entendimento em meio às circunstâncias e eventos, não perdendo a atenção plena [mindfulness] em nenhum lugar. Essas afirmações se tornam, eventualmente, elementos convencionais da identidade Chan. Mas elas eram profundamente iconoclastas, dadas as associações chinesas da escrita com autoridade e as ramificações institucionais da escolástica budista. Elas também eram afirmações filosoficamente prenhes, quando vistas à luz dos desafios hermenêuticos com os quais os budistas chineses estavam se debatendo nos séculos VII e VIII. Um dos debates característicos do século VII está centrado em torno da questão sobre se haveria ou não pessoas que cometeram atos de tal modo hediondos – por exemplo, matando seus próprios pais ou um ser iluminado – que eles não tinham absolutamente nenhuma perspectiva de jamais alcançarem a iluminação. Era possível achar evidência textual, no muito influente Sutra do Lótus, por exemplo, de que mesmo seres como Devadatta, o primo de Buda que teria tentado matá-lo por inveja, já estão fazendo o trabalho de bodhisattvas e alcançarão, eventualmente, a budeidade. Outros textos avançavam a tese controversa, mas defensável, de que o que garantia isso era o fato de que todos os seres vivos já têm/são natureza-de-Buda. Já que somos todos originariamente iluminados (benjue, 本覺), a prática não é um processo de aquisição, mas de restauração. Nem todos concordavam. O monge chinês Xuanzang (602-664) não foi convencido por tais textos, e partiu para uma jornada de dezesseis anos da Ásia Central para a Índia para dar fim ao debate. Ele retornou carregado com mais de seiscentos novos textos budistas e com a confirmação da natureza heterodoxa da ideia de que todos os seres têm natureza-de-Buda. Apesar de ter sido recebido com boas-vindas imperiais e recebido um apoio suntuoso em seu trabalho de tradução, seu relatório sobre o estado do ensinamento budista no local de nascimento de Buda pareceu, ironicamente, ter aumentado [buoyed] a confiança dos budistas chineses comprometidos com a tese da natureza-de-Buda e com os ensinamentos sobre a não-dualidade o ideal de bodhisattva que eram apresentados em textos tão centrais como o Nirvāṇa Sutra, o Vimalakīrti Sutra e os sutras Huayan. O interesse no budismo indiano minguou, e os budistas chineses, incluindo os primeiros proponentes do Chan, começaram a ver a si mesmos como os verdadeiros herdeiros do Buda-Darma, com um imperativo de demonstrar os meios hábeis (upāya) necessários para apresentar o budismo de maneiras apropriadas às audiências chinesas. 168 Um ponto de virada notável e simbólico na confiança dos budistas chineses ocorre menos de cinquenta anos depois do retorno de Xuanzang da Índia, quando Huineng, um trabalhador manual iletrado, torna-se o sexto patriarca do Chan chinês e recebe o tratamento sem precedentes de ter seus ensinamentos transcritos intitulados de Sutra da Platafoma (Tanjing). Já que [o termo] “sutra” é, tradicionalmente, reservado apenas para os ensinos registrados do Buda histórico, isso proclamou, efetivamente, que Huineng era o primeiro Buda “feito em casa” da China. É difícil imaginar uma afirmação mais dramática dos ensinamentos da natureza-de-Buda na China, ou uma rejeição mais explicitada da identificação da autoridade budista com o letramento budista. Nos próximos dois séculos, a identidade Chan se cristalizou em torno dos ensinamentos da não-dualidade e da natureza-de-Buda. Na sequência da expurgo devastador do budismo de 841-845, durante o qual mais de um quarto de milhão de monges e monjas foram forçados a retornar à vida laica e mis de 5000 templos, monastérios e bibliotecas budistas foram destruídas, Linji Yixuan (falecimento em 866), um dos mestres mais influentes na história do Chan, levou esses ensinamentos ao seu extremo iconoclasta, descartando as grandes escrituras budistas como “trepadeiras para macacos”) e encorajando qualquer um que por acaso visse “o Buda” na estrada a matá-lo. Enquanto as escolas de budismo chinês metropolitanas e baseadas em textos foram devastadas pelo expurgo do meio do século IX, as comunidades rurais Chan floresceram, resultando nas assim chamadas “cinco casas”, ou as linhagens Linji, Caodong, Fayan, Yunmen e Guiyang. Coleções de “diálogos de encontro” entre mestres Chan e seus estudantes começaram a circular e tiveram uma boa recepção entre os literatos chineses. Com o colapso da dinastia Tang (618-907) e a fundação da dinastia Song (960-1279), as riquezas Chan continuaram a inflar como uma forma “caseira” de budismo chinês que se encaixava bem com a missão dos literatos de usar tradições culturais ancestrais (guwen) para forjar uma nova identidade imperial para a China. Por volta do século XII, o Chan tinha tanto prestígio religioso quanto político, e a grande maioria dos monastérios públicos apoiados pelos Song eram devotados à prática do Chan (ver Welter 2006). 3. Chan e a natureza da realidade O iconoclasmo Chan parece ter sido em larga medida retórico, já que os alvos das invectivas Chan mudavam de mestre para mestre e de geração para geração, e já que os ensinamentos e práticas Chan não evidenciavam em geral nada similar à ruptura 169 radical com a tradição budista que textos Chan famosos como o Portal Sem Porta (Wumenguan, 無門關) do século XIII podem sugerir. Pelo contrário, a vida cotidiana nas comunidades Chan seguia os precedentes monásticos chineses padrões, e mesmo nos escritos associados com a linhagem Hongzhou de Mazu, renomado pelo seu uso das “táticas de choque” físicas como chutar e socar, referências a obras no cânone budista são muito comuns. Entres os textos centrais frequentemente invocados pelos mestres Chan estão o Vimalakīrti Sutra, o Nirvāṇa Sutra, o Sutra do Ornamento da Flor, O Sutra da Lótus, o Lankāvatarā Sutra, e vários textos Prajñāpāramitā, como o Sutra do Diamante. A natureza da realidade, tal como retratada nesses textos e considerada, em geral, como válida em círculos Chan, não se encaixa confortavelmente em categorias filosóficas ocidentais usuais como idealismo, materialismo e dualismo. São comuns a todas as tradições budistas os ensinamentos da interdependência e do karma. Interpretado de maneira forte, afirmar e que todas as coisas surgem e cessam interdependentemente é afirmar que a relacionalidade é ontologicamente mais básica do que as “coisas-sendo-relacionadas”. Ou seja, interdependência não é uma relação externa e contingente entre entidades essencialmente separadas; ela é interna e constitutiva. Como veio a ser entendida na China, a interdependência implica a interpenetração, e existentes individuais são, portanto, abstrações de dinâmicas relacionais já em processo. Existência é relacionalidade. A leitura forte foi reforçada na China pelas concepções nativas confucianas e daoístas da natureza de uma coisa (xing, 性) como sendo disposicional e do mundo como um sistema autopoiético ou auto-criador (ziran, 自 然 ) de padrões relacionais em constante evolução (dao, 道), não uma criação divina, um determinante objetivo de leis físicas, ou uma expressão material de princípios transcendentes. Essas concepções da realidade nativas à China se harmonizaram bem com as ideias budistas de interdependência e impermanência. Mas o budismo acrescentou a elas o ensinamento do karma, dirigindo a atenção para o caráter dramático da realidade fenomênica. Afirmado como um condicional, o ensinamento budista do karma é de que, se prestarmos muita e contínua atenção à dinâmica de nossa experiência, torna-se evidente [que há] uma consonância meticulosa entre a complexão de nossos próprios valores, intenções e ações, e os padrões de resultados e oportunidades do que estamos experimentando. Em suma, todas as realidades experimentadas implicam responsabilidade. Mas, como nossos valores, intenções e ações estão sempre abertos a revisão, todas as realidades experimentadas também expressam oportunidades para 170 alterar, de modo responsivo, o caráter e a disposição da dinâmica relacional que nos constitui como pessoas e como comunidades. Uma objeção a essa visão da realidade é que, se o mundo gera a si mesmo e não tem nenhum ponto ou momento específico no qual ele comece [a existir], se somos seres realmente relacionais e, portanto, em última instância, seres intergeneracionais, e se a experiência é condicionada carmicamente, como é possível a iluminação ou a libertação dos conflitos, de aflições e do sofrimento? Se tivemos uma quantia infinito de tempo para agir com más intenções ou de acordo com valores equivocados e, talvez, conflitantes, não temos que trabalhar uma quantidade infinita de consequências experienciais aflitivas – um fardo infinito de karma “ruim” a carregar e, eventualmente, sofrer e compensar? Para o Buda histórico, a resposta era muito simples: é o próprio karma que torna a realização [realization] da libertação possível. Podemos não ser capazes de mudar o que fizemos no passado, mas, neste mesmo momento, podemos mudar o significado do que fizemos, estabelecendo uma nova e dramática trajetória que nos leva para além do alcance de muito do estaríamos, caso contrário, destinados a experimentar. Assim, por mais que o serial killer Angulimāla tenha de fato experimentado alguma violência por parte de camponeses afetados por seus ataques violentos antes de ter conhecido Buda, se tornado um monge e praticado bem o bastante para realizar [realize] a libertação, ser acertado com pequenas pedras e frutas podres era um sofrimento mínimo, em comparação com o que, de outra maneira, ele teria merecido, baseado no seu massacre impiedoso e orgulhoso de dezenas de pessoas (Majjhima Nikāya, no. 86). A árdua jornada de Xuanzang à Índia e a controvérsia que a motivava deixam claro, entretanto, que nem todos os budistas estavam satisfeitos com essa explicação. Afinal, Buda era o maior de todos os mestres, e isso era, claramente, um fator [relevante] na habilidade dos seus discípulos de realizarem a libertação sob a sua guia. De fato, o corpo de literatura detalhando as vidas anteriores de Buda (os contos Jataka) retratam os discípulos mais próximos de Buda viajando com ele ao longo do tempo como membros de um elenco de “personagens” no drama da libertação, que ocorre ao longo de mais de dúzias de vidas. E quanto a pessoas menos carmicamente privilegiadas, vivendo cem ou mil anos depois da morte do Buda? Se todos os seres não têm um self ou uma essência fixa, se todas as coisas são caracterizadas pela vacuidade (śūnyatā) ou pela ausência de natureza intrínseca – ensinamentos tanto das tradições budistas antigas quanto das posteriores – e se viemos vivendo as vidas, enviesadas pela ignorância, de “pecadores”, 171 em vez de “santos”, como que a libertação poderia ser possível? Sem ter por guia vivo um mestre como o Buda, a possibilidade da iluminação pareceria puramente teórica. Uma resposta para isso – expressada de diversas maneiras em uma ampla extensão de textos Mahāyāna, que foi entendida de modos distintos por aqueles que os interpretavam à medida em que o Budismo se espalhou da Índia para a Ásia Central e para a China – era a de que todos os seres sencientes tem “dentro” deles uma “semente” ou “embrião” (garbha) da iluminação: a capacidade inata para ser como o próprio Buda, um “que assim veio” (tāthagatha). Textos defendendo alguma versão dessa tese do tāthagatha-garbha – os Nirvāṇa Sutra, Śrimālādevimhanāda Sutra e Lankāvatarā Sutra, por exemplo, e o comentário apócrifo, o Despertar da Fé Mahāyāna – se tornaram alguns dos textos budistas mais influentes na China, especialmente no desenvolvimento do Chan. Muitos desses textos também estabeleceram conexões entre os ensinamentos de tāthagatha-garbha e o conceito de buddhadhātu, literalmente “elemento-de-Buda”, “substância-de-Buda” ou “reino-de-Buda”. Esse conceito parece ter se desenvolvido por meio de uma fusão de justificações para práticas de veneração a relíquias e afirmações sobre a natureza originariamente luminosa da mente que são encontrados tanto em textos muito antigos na língua Pāli quanto em textos Mahāyāna. Esses textos defendem que a mente é originariamente pura e que ela apenas parece impura por causa de poluentes experienciais (kleśas) causados por ações realizadas por ignorância ou por raiva, ódio e cobiça. Essa ideia da mente originariamente luminosa foi, aparentemente, transplantada para a ideia de um “elemento” ou “substância” (dhātu) inextinguível do ser iluminado, resultando, eventualmente, em afirmações de que todos os seres sencientes já têm dentro deles a semente da iluminação – uma capacidade luminosa para o despertar (budh). Para alguns budistas, o caráter “substancial” dessa capacidade parecia implicar a presença, em cada um de nós, de um “verdadeiro si mesmo” – não o si mesmo egoísta que aparece como resultado da ignorância, da formação de hábitos e de formas apegadas de desejo, mas que é dissolvido por meio do treino budista e da compreensão [realization] do não-si (anātman), mas, em vez disso, um centro inabalavelmente consciente [aware] de estar-presente. Na China, porém, o termo que foi usado para traduzir buddhadhātu— 佛 性 ou fo-xing – abriu outras possibilidades interpretativas. Em contraste com as conotações do termo sânscrito dhātu, que vão de um componente individual da existência até um reino de existentes, fo-xing significa, literalmente, “natureza-de-Buda”, e carrega com ele as acentuações disposicionais e relacionais que derivam do conceito de “natureza” (xing, 性) nativo à China. Assim, a natureza-de-Buda pode ser vista como uma propensão a entrar em formas iluminadores de conduta e de relacionamento, em vez de 172 como uma essência substancial. A natureza-de-Buda não é algo escondido “em” cada um de nós, mas, antes, algo que se manifesta como um padrão distintivo e uma qualidade de conduta interativa. O Chan endossou dedicadamente essa interpretação, e ilustrá-la se tornou o traço distintivo da literatura gong’an (公案) ou “de caso público” de encontros entre mestre e estudante expressando o “osso” e a “medula” do Chan: comunicar o significado da iluminação não é uma questão de dizer, mas de mostrar. De modo igualmente significativo, a tese da natureza-de-Buda também foi aliada com ensinamentos sobre a não-dualidade que foram encontrados tanto em textos tāthagatha-garbha chaves, como no profundamente influente Vimalakīrti Sutra. A figura central desse sutra é um leigo, Vimalakīrti, que finge estar doente como um pretexto para ser visitado pelos principais discípulos de Buda e por outras figuras budistas eminentes – cada uma das quais ele aborda e supera em um sofisticado debate sobre conceitos e práticas Mahāyāna centrais. O sutra atinge o seu clímax tanto dramático quanto filosófico quanto o bodhisattva da sabedoria, Mañjuśrī, pede a Vimalakīrti que explique o significado da não-dualidade, e Vimalakīrti responde ao simplesmente permanecer em silêncio e imperturbavelmente presente. Na história do Ocidente e de certas ramificações da filosofia indiana, afirmações sobre a não-dualidade tomaram, frequentemente, a forma de desafios monistas a dualismos metafísicos que afirmam a incomensurabilidade, por exemplo, de mente e corpo, ou de espírito e matéria. O não-dualismo nega a presença da lacuna ontológica implícita que separa esses constituintes da realidade, afirmando, em vez disso, que tudo é (em última instância) um ou o mesmo. O não-dualismo budista, como veio a ser entendido na China, não envolve um apagamento da diferença ou uma negação da sua realidade, mas, antes, uma restauração do “solo” [ground] de outro modo “excluído” entre “ser” e “não-ser”. O grande pensador budista indiano, Nāgārjuna (c. 150-250 EC), preparou o terreno para essa concepção de não-dualidade ao famosamente apontar para as inconsistências lógicas de afirmações de realidade sobre o ser; não-ser; tanto ser e nãoser; nem ser nem não-ser. Unindo insights dos budistas antigos sobre a interdependência e a concepção Mahāyāna de vacuidade (śūnyatā), a filosofia Madhyamaka de Nāgārjuna ressaltava a irrealidade de svabhāva ou “ser próprio” para avançar o que foi descrito como um “caminho do meio” entre a existência e a não-existência que oferecia uma alternativa tanto ao dualismo quanto ao monismo, mas também a quaisquer pluralismos afirmando a realidade última de algum número (talvez indefinido) de existentes independentes. Essa abordagem lógica do caminho do meio teve impactos poderosos no desenvolvimento do 173 budismo chinês. Mas ela foi vista por alguns como oferecendo uma não-dualidade apofática ou negativa que, embora bem-sucedida em minar o fundacionismo metafísico, em pouco contribuiu para lidar com as preocupações éticas e mais amplamente cármicas, ou para dar sustento ao ideal do bodhisattva de sabedoria compassível resoluta. Ligar conceitualmente a vacuidade e a natureza-de-Buda abriu possibilidades para um nãodualismo relacionalmente positivo consistente com a valorização de uma responsividade mútua geradora de significado. Tendo grande impacto no desenvolvimento do Chan, essa foi a abordagem tomada pelo pensador chinês huayan, Fazang (643-712). Por mais que proponentes do Chan frequentemente ressaltassem seu caráter distintivo, monásticos Chan viviam em comunidade com monges e monjas que tinham filiações com outras tradições budistas. De fato, em vez de ser uma fonte de cismas doutrinais, os comentários escriturais e os ensaios filosóficos sendo produzidos por pensadores de todo o espectro das tradições budistas pode ser pensado como constituindo um andaime compartilhado para se engajar com “estudos budistas”. Fazang estava entre os intelectuais budistas mais respeitados de seu tempo. Em contraste com aqueles que entendiam a afirmação Mahāyāna da vacuidade (śūnyatā) de todas as coisas como uma afirmação sobre a ausência ou negação da identidade – uma afirmação que negava realidade última [ultimate actuality] para as coisas como existentes individuais – Fazang ligou compreender [realizing] a vacuidade de todas as coisas com compreender [realizing] que a interdependência é uma relação interna ou constitutiva. Ou seja, a interdependência consiste em uma interpenetração dinâmica. Em um movimento do qual se pode traçar um paralelo com a descrição do Desperta da Fé da “uma mente” (yixin, 一心) da realidade última como tendo dois aspectos - ti (體), “estrutura incorporada [embodied]”, e yong (用), “função” – Fazang defendeu que dharmadhātu, ou o reino da verdade/realidade última, deveria ser visto não-dualisticamente em termos tanto de princípios determinantes [informing principles] (li, 理) e de experiências fenomênicas (shi, 事). Ou seja, o dharmadhātu ou reino da verdade/realidade última é, simultaneamente, um reino do shi ou de questões experienciais (事法界, shi fajie); um reino de li ou de padrões/princípios determinantes (理法界, li fajie); um reino da não-obstrução mútua de li e de shi (理事無礙法界, li-shi wuai fajie); e um reino de não-obstrução mútua de shi e shi (事事無礙法界, shi-shi wuai fajie). Assim, e em perfeito acordo com o fato de que o termo sânscrito “dharma” pode significar um existente específico, uma unidade fenomênica ou um ensinamento, a não174 dualidade do dharmadhātu implica uma relação de determinação mútua entre os reinos da metafísica e da epistemologia. Para ajudar a clarificar o significado disso, Fazang fez um uso metafórico de uma construção tradicional de estrutura de madeira que é sustentada sem nenhum prendedor por meio da compressão da gravidade em todas as suas partes (Huayan wujiao zhang, in Taishō shinshō daizūkyu, Vol. 45, no. 1866). Remover as telhas de barro do telhado e seu imenso peso desestabilizaria tal construção, levando-a, eventualmente, a colapsar. Mas as telhas são colocadas sobre perfiladeiras que são colocadas perpendicularmente em vigas que se apoiam em uma viga de cume e em vigas de aro que estão, elas mesmas, apoiadas em colunas colocas sobre pedras de fundação individuais. Já que remover as telhas faria com que toda a construção colapsasse, pode-se dizer que as telhas são a causa da totalidade da construção. Mas o mesmo é verdadeiro para todas as outras partes da construção. De modo similar, cada particular no mundo (shi) consiste, simultaneamente, em causar e ser causado pela padronização dinâmica (li) da totalidade das coisas. Cada coisa, em última instância, é o que ela significa para todas as outras. Pode ser dito, então, que todas as coisas são o mesmo, mas isso é apenas verdade na medida em que cada uma se distingue de maneira significante uma da outra. A não-dualidade não significa que todas as coisas são redutíveis a uma essência comum ou a uma substância, mas que cada coisa ou ser é parte de uma matriz emergente ecológica por meio da qual o funcionamento de cada coisa ou ser serve como uma causa da totalidade do real de uma maneira distintiva. A realidade consiste, em última instância, na contribuição mútua que evolui dinamicamente. O dharmadhātu não é algo que temos em comum, uma essência fundacional; ele é algo em que cada um de nós temos a nossa parte distinta e indispensável. Assim, a natureza-de-Buda não é um elemento adamantino e inextinguível do que nós somos; ele consiste na expressão ininterrupta da iluminação e da relacionalidade iluminadora. O Chan abraçou essa explicação da não-realidade e da natureza-de-Buda, mas a usou de modo característico para qualificar o significado da prática budista e do ideal pessoal do bodhisattva. No Sutra da Plataforma atribuído a Huineng, ele insiste que a Meditação é a incorporação (ti) da sabedoria, e a sabedoria é o funcionamento (yong) da meditação O propósito do Chan é ver a própria “natureza originária” (benxing, 本性) e compreender o “autêntico coração-mente” (zhenxin, 眞心), e, ao fazê-lo, as dualidades de mente e realidade, de paixão e iluminação, de impuro e puro todas 175 se dissolvem. Então, a verdadeira talidade (zhenru, 真如) é a estrutura incorporada (ti) do pensamento, enquanto o pensamento é o funcionamento (yong) da verdadeira talidade. (Sutra da Plataforma, 13-17) Ver nossa natureza originária é ver que a verdadeira talidade [suchness] e o verdadeiro pensamento estão tão intimamente relacionados quanto a estrutura corporal de um cavalo e suas atividades costumeiras. Assim como a estrutura corporal do cavalo estabelece as condições de possibilidade para pastar e galopar, é apenas a vantagem evolutivamente demonstrada da pastar e galopar ao modo de um cavalo que tornaram essa estrutura corporal possível. A verdadeira talidade, ou a realidade última, não é uma coisa pré-existente “lá fora”, que pode ser apreendida intelectualmente ou acessada por alguma visão mística; ela só pode ser instaurada [enacted]. Huangbo Yixun (d. 850) descreve isso como demonstrando a não-“mente” (wuxin, 無), ou a liberdade de imposições conceituais que definiriam ou limitariam a realidade. Mas isso não é cair na transparência [blankness] mental ou na presença indiscriminada. Compreender [realizing] a não-“mente” restaura nossa mente originariamente inteira (yixin, 一心) que Huangbo qualifica como o “vínculo silencioso” (moqi, 默契) de “se conduzir como todos os Budas se conduziram” (em Taishō shinshō daizūkyu, Vol.48, 2012.380b a 383c). Significantemente, o termo “qi” se referia, originariamente, a entalhes ou marcas de talha em um pedaço de bambu que registravam os termos de um acordo de troca, e a vinculação que Huangbo invoca é, portanto, uma de obrigação e responsabilidade mutuamente confiada. A verdadeira talidade consiste na personificação do ideal do bodhisattva de realizar [realizing] formas libertadoras de relacionalidade. A realidade última consiste em instaurar [enacting] a não-dualidade de inflexão moral da sabedoria e da compaixão. Considerar a realidade como uma qualidade relacional dinamicamente manifestada, em vez de algo a ser “conhecido” ou “atingido”, dispôs o Chan a valorizar a responsividade como um índice de presença libertadora. Assim, enquanto Mazu proclamou, de modo iconoclasta, que “a mente ordinária do dia a dia é Buda” (Xu zangjing, 119.406), ele também identificou isso com “responder a dinâmicas situacionais e lidar com pessoas à medida em que elas vêm”, não importa onde se esteja ou com quem se esteja interagindo (Xu zangjing, 119.406). E Linji, fundador de uma das duas linhagens Chan que permaneceram contínuas até o dia presente, urgia a seus estudantes a se tornarem “verdadeiras pessoas de nenhuma categoria [rank]” (zhenren wuwei, 真人無位 176 ), que evitam de tomar qualquer posição [position] fixa, improvisando conforme o necessário em qualquer situação para contribuir para o surgimento de dinâmicas relacionais iluminadoras. 4. Verdade e a Natureza do Conhecimento e da Linguagem no Chan A identificação do Chan da realidade última ou da verdadeira talidade (Ch. zhenru; Skt. bhūtatathatā) com a virtuosidade responsiva que instaura a libertação [liberation-enacting] implica que a realidade é tanto pessoal quanto comunicativa. Dado isso, não é surpreendente que “casos públicos” (Ch. gong’an; J. kōan), que supostamente registravam os encontros de mestres Chan e seus discípulos, tenham se tornado a forma literária Chan privilegiada, e, por volta do meio do período da dinastia Song, tenham constituído um tipo de currículo nuclear do treinamento Chan. Mas, como se notou anteriormente, o Chan veio a representar a si mesmo como uma transmissão especial fora das escrituras (jiaowai biechuan); não estabelecida por palavras e letras (buli wenzi); apontando diretamente para o coração-mente humano (zhizhi renxin); vendo a natureza e se tornando um Buda (jianxing chengfo). E isso sugere que a relação entre verdade, linguagem e comunicação no Chan pode confundir algumas das expectativas filosóficas ocidentais comuns. Como é sugerido pelas abundantes referências a textos canônicos encontradas nos registros dos discursos de mestres Chan, anunciar que o Chan envolve uma transmissão especial (biechuan) além do escopo dos ensinamentos escriturais (jiaowai) não necessariamente coloca em questão o valor da transmissão textual. Mas aponta, de fato, para a possibilidade de uma forma de comunicação que sugira ou indique (zhi) a mente-coração humana sem nem se estabelecer sobre, nem erigir (li) palavras e letras como veículos para o conhecimento. O termo chuan, traduzido aqui como “transmissão” [transmission], tem a conotação de publicar ou colocar em circulação e, por isso, é compatível com imaginar o entendimento budista como sendo transferido de pessoa para pessoa, de lugar para lugar e de geração para geração por meio de ensinamentos manifestados textualmente. Mas chuan também tem a conotação de disseminar por meio de um processo de condução. O calor pode ser transferido de um lugar para outro por convecção, à medida em que 177 partículas ou objetos de alta energia se movem para o espaço de partículas ou objetos de menor energia. Mas o calor também pode se espalhar sem partículas ou objetos mudando de local. A condução é a energia fluindo como uma função de ressonâncias vibracionais entre partículas ou objetos adjacentes, e é medida não em termos de quantidades de energia, mas, antes, de taxas de transmissão. Algo análogo parece estar no cerne das afirmações do Chan de uma “transmissão especial” e das repetidas negações de mestres Chan das dinastias Tang e Song de que eles teriam qualquer coisa – como uma veste ou uma tigela – para dar, ou de que haveria, em última instância, qualquer coisa para seus estudantes buscarem e adquirirem. A transmissão textual do budismo sinaliza um processo de “convecção de conhecimento”, que pode resultar facilmente na dissipação de energia – uma possibilidade que parece ter influenciado as especulações sobre a eventual extinção da efetividade do darma, especulações que eram amplamente prevalentes durante o período de surgimento e maturação do Chan. É em conformidade com esse insight que Bodhidharma alertou que a realização [realization] budista obtida pelo meio das palavras resultava em qi (氣) fraco ou energia fraca, e que Huineng rompeu com a tradição escolástica chinesa ao negar o valor de classificar ensinamentos e textos como tendo conteúdo “súbito” ou “gradual” e direcionou a atenção, em vez disso, a ver a “iluminação súbita” (dunwu, 頓 悟) como um resultado de prontidão pessoal (um significado originário termo dun) para adotar uma conduta iluminada/iluminadora – um resultado da agudez ou da torpeza com que se entra em ressonância libertadora com outros. De modo consistente com ver a transferência de conhecimento como um processo de condução, o termo Chan paradigmático para registros de transmissão intergeracional é denglu (燈錄) ou “registros de lâmpada” – um termo que convida a imaginar uma série de lâmpadas restauradas à sua luminosidade natural à medida em que mestres e estudantes entram em ressonância efetiva uns com os outros. No Chan, o conhecimento não é algo que pode ser legado [bequeathed]. A verdade não é um resultado da coerência proposicional ou da correspondência entre proposições e a realidade. A verdade é a instauração da relacionalidade liberadora – um tornar verdadeiras [truing] as relações dinâmicas. Essa compreensão de verdade é crucial para a evolução dos ensinamentos Chan, e para a adoção aparente de afirmações tão contraditórias – às vezes feitas pelo mesmo mestre – quanto que o Chan envolve a realização [realization] da “uma mente” ou da “mente ordinária” ou da “não-mente”. Os ensinamentos Chan são – ao menos idealmente – improvisados em resposta efetiva e quase sempre situada a necessidades e 178 preocupações atuais. Ou seja, eles são exemplificações do exercício bodhisattva de upāya ou responsividade virtuosa, e não expressões finais de insights eterna ou universalmente válidos. Uma vez, por exemplo, um monge perguntou a Mazu “Por que você diz que ‘a mente é Buda’?” Mazu respondeu “Para terminar com o choro de criancinhas”. O monge, então, perguntou, “Então o que você diz quando as lágrimas secaram”? Mazu respondeu “Não é nem mente nem Buda”. O monge continuou testando. “Então, e se vierem pessoas que não se encaixam em nenhuma dessas categorias? Como você os ensina?” Mazu disse “Então eu digo a eles que não é uma coisa”. Ainda não desistindo, o monge finalmente perguntou “Mas e se você encontrar alguém que é verdadeiramente presente?” A isso, Mazu respondeu “Eu ensino tal pessoa a realizar [realize] o grande Caminho” (Xu zangjing, Vol. 119.408b). O caráter provisório das declarações Chan exemplificado nesse encontro e ainda mais aparente no uso de alguns mestres Chan de gestos físicos como levantar o dedo, balançar as sobrancelhas ou matar um gato em resposta às questões dos estudantes foi um grande foco de críticas. Se os ensinamentos Chan podem incluir proposições contraditórias e atos tão cruéis quanto matar um gato, o que deve impedir a verdade do não-dualismo de suscitar um apagamento antinômico dos limites não apenas entre o sentido e o sem-sentido, mas também entre moral e imoral? Essa era uma preocupação mesmo para pensadores budistas eminentes como Guifeng Zongmi (780–841), um herdeiro da tradição tanto da escola Huayan quanto da tradição Heze Chan, que argumentou que se qualquer tipo de fala ou ação pode ser o funcionamento da naturezade-Buda, então, o que dvee impedir o ódio e a violência gratuita de serem vistas como “libertadoras” (Xu zangjing, Vol. 110.435d)? Aqui, é útil colocar as preocupações de Zongmi no contexto das apropriações chinesas da distinção entre a verdade convencional (saṃvṛti-satya) e a verdade última (paramārtha-satya) – uma distinção que tinha suas raízes tanto no budismo Nikāya quanto no Mahāyāna, e à qual foi dada, talvez, a sua expressão mais bem desenvolvida no trabalho do pensador indiano, Candrakīrti (570–650). Na China, enquanto a distinção entre “duas verdades” se tornou um esteio, também se a viu como estando em tensão 179 com os ensinamentos da não-dualidade, já que ela implica dois níveis separados de realidade ou, pelo menos, um contraste entre realidade e ilusão. Uma das respostas mais influentes a essa aparente inconsistência foi avançada por Zhiyi (538–597), uma das figuras fundadoras do budismo Tiantai chinês, que avançou uma abordagem de “três verdades” que abraçava opostos aparentes como existência e não-existência, iluminação e ilusão, e o sagrado e o profano como parceiros de mesmo nível [equal partners] no “caminho do meio”. De acordo com Zhiyi, realidades/verdades convencionais (baseadas na experiência cotidiana) e realidades/verdades últimas (baseadas na realização [realization] da vacuidade) estão igualmente envolvidas na efetivação do fim do sofrimento (o caminho do meio). E isso implica que, de fato, todas as coisas e enunciados podem ser verdadeiros como aspectos mutuamente inclusivos de uma única realidade/verdade. As correntes mais radicais do ensinamento Chan – por exemplo, a afirmação de Huineng de que as paixões não são uma obstrução para a iluminação, ou o uso de Linji do bater e do gritar – são consistentes com essa abordagem. Mas, tanto no Tiantai de Zhiyi quanto no Chan, pode-se argumentar que não se defendia que todas as coisas estão fazendo a obra de Buda da iluminação, mas, antes, que elas podem funcionar desse modo. Se levantar o dedo resulta ou não em uma virada libertadora em um encontro entre mestre e discípulo não é um resultado da ação ou da intenção por trás dela, mas do que ele significa relacionalmente. O caso 19 do Registro do Penhasco Azul (ver Cleary 1977) reconta como agradava ao mestre Chan Zhu Di responder aos questionamentos dos discípulos simplesmente levantando seu dedo indicador. Um dia, Zhu Di estava fora, e o seu assistente adolescente saudou alguns visitantes que perguntavam sobre o paradeiro do mestre imitando o seu gesto característico. Quando Zhu Di retornou, o garoto o informou sobre como foram as coisas quando ele estava ausente, e Zhu Di lhe pediu para demonstrar como ele respondeu aos visitantes. O garoto levantou o dedo, que Zhu Di prontamente cortou com uma faca. Quando o assistente fugiu agonizando de dor, Zhu Di chamou seu nome. Quando o garoto parou e virou, Zhu Di levantou seu dedo. A mente do garoto abriu e a realização [realization] floresceu. O ensinamento Chan não é transmitido por palavras ou gestos; ele consiste na transformação relacional direta. Ainda se pode perguntar, é claro, como se sabe qual direção da transformação relacional é verdadeiramente libertadora, ou que intervenções são apropriadas em qualquer situação dada. Essa preocupação epistemológica não é, porém, uma que foi endossada pelo Chan. Pelo contrário, a perspectiva Chan geral têm sido a de que perguntar a questão epistemológica é, talvez, a forma mais perniciosa de distração do 180 embarque integral no caminho da prática Chan. Huineng insistiu que, dos anciãos até o seu dia, sem-pensamento (wunian 無念) tinha sempre sido o ensinamento central (Sutra da Plataforma, 17). Mas ele também notou que ser sem-pensamento pode ser sustentado mesmo à medida em que pensamentos surgem e passam, desde que se evite formar apegos calculando resultados e tomando posições fixas. Em suma, ser sem-pensamento é estar obstinadamente presente em uma prontidão inabalável [unwavering attentiveness]. Deliberar sobre se uma ação é certa ou errada já é abandonado tal presença e caído na dúvida ou em ter “duas mentes”. Em um encontro icônico entre Mazu e seu mestre, Nanyue Huairang (677-744), Mazu tem um despertar depois de indicar para Huairang que ele não pode fazer um espelho esfregando uma pedra e uma telha de barro, apenas para que se pergunte a ele por que ele pensa, então, que seria possível fazer dele mesmo um Buda sentando em uma almofada de meditação. Para se tornar um Buda, Huairang declara, simplesmente aja como um Buda. Isso abre a mente de Mazu, mas, ela se fecha rapidamente, à medida em que ele se pergunta como ele saberá quando ele está agindo como um Buda. A resposta de Huairang a essa questão desata um despertar ainda mais profundo: “Você não pode ver o Caminho, você só pode ver a partir dele”. Perguntas epistemológicas são desvios potencialmente sem fim de um desengajamento frequentemente fervorosamente justificado – desvios dependentes da separação entre um sujeito questionador e um objeto ou ambiente questionado. Ver a partir do caminho do Chan é ver completamente. 5. Dimensões Éticas do Chan Da perspectiva da prática Chan, os méritos de erradicar o apego conceitual e o cálculo são imediatamente evidentes. Mas, pode-se considerar que afirmar o nãopensamento e a participação sem questionamento como normas pode promover ações injustas irrefletidas e potencialmente insensíveis [uncaring], assim como gerar ocasiões para o abuso autoritário. Dado que a ética aparentemente requer uma reflexão ponderada sobre como realizar a boa vida como pessoas e como comunidades, seria o Chan, por fim, não-ético ou anti-ético? Se realmente não há nada para buscar o atingir, como muitos mestres Chan declararam, e se a iluminação não é tanto uma mudança substancial como um deslocamento da Gestalt, isso não seria simplesmente deixar sem tratamento e, provavelmente, piorar todos os males e injustiças que nos afligem? Há pouco na literatura Chan que possa justificar plausivelmente inserir o Chan inteiramente dentro de uma das categorias ocidentais padrão de ética consequencialista, 181 deontológica ou da virtude, ou ainda no interior de alternativas como éticas comunitárias ou do cuidado. A literatura Chan é notoriamente silenciosa sobre os tipos de questões para as quais a ética geralmente oferece respostas. De fato, as valorizações recorrentes do não-pensamento (wunian), não-fixação (wuzhu, 無住) e não-dependência (wuyi, 無依 ) no contexto da metafísica não-dualista Chan, e sua idealização de uma virtuosidade responsiva, sugere que, se há algo como uma ética Chan, ela é uma ética da improvisação relacional. O mainstream da ética ocidental considera o agente individual que toma decisões como a unidade básica de preocupação, e uma de suas preocupações primárias é a de desenvolver um método universalmente aplicável de decidir entre os interesses frequentemente completamente divergentes de agentes individuais, estabelecendo meios racionalmente guiados de determinar e realizar praticamente o significado da boa vida. A não-dualidade Chan desloca a preocupação dos agentes individuais para a relacionalidade, e, em particular, para o tipo de relacionalidade que manifesta inteiramente nossa natureza-de-Buda originária. Nesse sentido, pode-se pensar que o método básico da ética Chan seria a emulação – um método de agir deliberadamente como Buda agiu. Mas isso implicaria uma orientação a fins que é inteiramente incompatível com as precauções Chan contra a objetificação da conduta iluminada/iluminadora, ou contra fazer da Budeidade um objetivo ou destinação. Como o exemplo de Zhu Di e de seu assistente deixa chocantemente evidente, o método do Chan não é o de imitar ou copiar [mimic] o comportamento quer de exemplos passados, quer de exemplos presentes. Antes, ele é o de exemplificar nós mesmos a claridade dramática e a virtuosidade relacional dos bodhisatvvas que são capazes, em qualquer situação, de produzir uma inflexão libertadora da dinâmica relacional em curso. Se o Chan envolve a emulação, é a emulação de algo como um estilo improvisador, em vez de o domínio de um repertório deliberativo específico ou comportamental. Pode ser dito, então, que a liberdade é o valor ético primário no Chan. Mas a liberdade do Chan não é identificada com o exercício do controle ou da escolha; nem está enraizada em determinações racionais sobre se um certo curso de ação é bom ou terá bons resultados. Ou seja, a liberdade não está associada com independência (que é imaginável apenas sendo ignorante da interdependência e da interpenetração de todas as coisas), nem é concebida essencialmente como uma propriedade da agência individual. Em conformidade com o ideal do bodhisattva, a liberdade consiste em incorporar capacidades-de e compromissos-com realizar [realizing] as condições para relacionar-se livremente; a expressão improvisadora da virtuosidade relacional orientada para a 182 resolução do conflito, das aflições e do sofrimento. A ética Chan não é o resultado de viver de acordo com meios-para e significados-do bem pré-determinados, mas, antes, o gênio improvisador – um casamento criativo da vigilância fluída com o cuidado inabalável: uma ética da virtuosidade contributiva e apreciativa que se intensifica cada vez mais. Isso, é claro, é uma destilação dos ideais Chan. A evidência extante é a de que a vida dentro de comunidades monásticas Chan era conduzida aderindo aos preceitos disciplinares da ordenação budista, e que interações com a comunidade leiga eram, em sua grande maioria, consistentes com a moral e com as normas sociais prevalecentes. Independentemente da retórica Chan, a prática Chan parece ter mais respeitado do que elidido as normas. Em conformidade com isso, quando o famoso poeta Tang, Bo Juyi (772-846) perguntou ao mestre Chan Niaokou (741-824) sobre o verdadeiro significado do Chan, Niaokou respondeu: “Quanto a fazer o mal, evite-o; quanto ao bem, pratique compartilhá-lo”. Quando Bo Juyi desmereceu ironicamente o que foi dito como o tipo de conselho que se dá a crianças de três anos de idade, Niakou não discordou, mas simplesmente acrescentou que, por mais que seja um conselho que era fácil de dar, também era um conselho que a maior parte das pessoas com oitenta anos de idade falharam em colocar em prática. Ainda assim, quanto Niaokou exalta compartilhar o bem [good], ele não está se referindo a algum ideal ou atributo pré-determinado. Como o termo sânscrito kuśala para o qual ele servia como tradução, a palavra chinesa que ele usa, shan (善), conota o superlativo: “bem” no sentido de ser especialista ou de virtuosidade. Além disso, ele não defende “ser” bom [good] ou mesmo “fazer” o bem [good], mas, compartilhá-lo. A ética do Chan é, portanto, não um saber que algo é ou será bom [good], mas saber-como estender os horizontes de virtuosidade de maneiras consideradas valorosas por outros (sobre essa distinção, ver Varela 1999). E esse saber como não é um método adquirido intelectualmente, mas, antes, o resultado de uma prática corporificada de afinar relações. Com isso em mente, é interessante em notar que, entre suas conquistas características, o Chan veio a incluir as Regras Chan de Pureza (Chan jinggui), atribuídas a Baizhang (749-814), que estabeleceu um código de conduta abrangente para a vida monástica Chan. Mesmo na tradição radical de Hongzhou, viver de acordo com essas regras era considerado essencial para manter aberto o circuito de contribuição mútua que tornava possível o privilégio da vida monástica. Guishan Lingyou (771–853), por exemplo, urge explicitamente a monges em sua comunidade a retribuírem gratamente e com um espírito elevado e pacífico a gentileza de seus pais, de seus doadores, do imperador e de Buda, sem as ofertas dos quais eles não teriam tido a oportunidade de realizar [realize] o 183 despertar Chan (Guishan jingce, T. 48:1042b-43c), primariamente ao aderir às regras estabelecidas de comportamento para aqueles que abraçam o ideal de bodhisattva. A ênfase no comportamento corporal é crucial. Como os textos em sânscrito e pāli da divisão Vinaya do cânone budista deixam claro, não se chegava a priori de ou de maneira puramente racional às normas da vida monástica budista, mas em resposta situada às tensões que surgiam no interior da comunidade monástica antiga e em suas interações com o resto da sociedade. Essa abordagem situacional ao desenvolvimento de normas de conduta e do que deve ser considerado como comportamento inapropriado se harmonizaram bem com as abordagens éticas nativas à China. A moral e as normas éticas da tradição confuciana, em torno das quais as relações sociais por muito da história da China têm sido estruturadas, não consistem em princípios e virtudes racionalmente deduzidos, mas em padrões de performance ritualística (li, 禮) dentro de papéis – como pais, mães, filhos, amigos e membros da sociedade – que são os meios-para e significados-de constitutivos de ser pessoas-em-comunidade autênticas e valorosas (ver Ames 2011). Esses padrões são, é claro, comportamentais. Eles fornecem uma gramática social à qual se recorre ao se moldar relações de modo significativo e em maneiras situacionalmente apropriadas. Mas, mais importantemente, esses padrões também são padrões qualitativos de intenção, atitude e energia, já que concernem ao aprimoramento relacional. Por mais que qualquer gramática seja, por natureza, restritiva, o propósito das normas confucianas é o de fornecer uma estrutura para a personificação progressiva da conduta consumada (ren, 仁 ). A ética é, em última instância, inseparável da estética. Entendida nesse contexto, a disciplina monástica fornece uma gramática de base para viver como pessoas-em-uma-comunidade-budista. Aderir às regras monásticas de comportamento e compostura [comportment] é um tipo de “treino básico” no caminho para desenvolver a virtuosidade relacional. Dito isso, a virtuosidade Chan envolve muito mais do que uma proficiência “gramatical”. Uma sugestão do que isso significa é apresentada nessa passagem belamente redigida nos registros dos discursos de Mazu, Budas são capazes de pessoalidade autoritativa (ren). Tendo realizado [realized] a sabedoria gentil e a excelente natureza de oportunidades e perigos, você pode romper a rede de dúvidas que enredam a todos seres sencientes. Abandonar o “é” e o “não-é” e outras amarras... pulando a quantidade e o cálculo, você será sem obstrução no que quer que você faça. Quando a sua situação e seu padrão 184 são penetrados, [suas ações] são como o céu que faz surgir nuvens; de súbito, elas existem, e então, não mais. Não deixando para trás nenhum traço obstrutivo, elas são como frases escritas na água. (Xu zangjing, Vol. 119.406b) O ideal ético Chan é a intimidade liberadora e a eficácia sem agência. 6. Conclusão A retórica iconoclasta e seu gosto por usar termos aparentemente negativos como não-pensamento, não-mente e não-cultivo como pontos cardinais da prática libertadora podem levar a ver o Chan como uma forma pré-moderna de desconstrutivismo. Mas, dada sua afirmação dos ensinamentos budistas sobre o karma e sobre o papel dos valores e da intencionalidade em moldar [nossa] experiência, o Chan pode igualmente ser visto como sendo construtivista. O humor e aparente absurdidade da forma literária Chan privilegiada – os diálogos de encontro vernaculares – podem, alternativamente, sugerir inclinações existencialistas, enquanto suas celebrações da vida cotidiana, da ação corporificada e de fazer o que funciona agora em vez de seguir precedentes passados, podem ser vistas como pragmáticas. Filosoficamente, o Chan se apresenta como um enigma. Ao mesmo tempo, o Chan teve profundos impactos culturalmente. Na China, os ideais Chan de vitalidade pessoal e virtuosidade responsiva encontraram sua expressão visual, ainda em curso hoje, na caligrafia e na pintura, e sua expressão literária na poesia. À medida em que o Chan se disseminou para outras partes da Ásia Oriental, esses ideais também vieram a ser infundidos nas artes performáticas da música, da cerimônia do chá e do drama. Os modos característicos com os quais o Chan casou a não-dualidade ou a ambiguidade metafísica com uma estética moral da improvisação abriram possibilidades reais para imaginar a presença como já sendo [por si só] libertadora. A natureza da relação entre os enigmas que o Chan apresenta filosoficamente e a produtividade cultural de seus ideais pessoais e estéticos permanece em aberto. Na Ásia Oriental, explorar essa abertura historicamente se mostrou como um meio poderoso de abordar o problema da cultura e os desconfortos da diferença cultural. Explorações similares estão agora em curso em outros lugares, à medida em que as tradições de pensamento e de prática Chan, Zen, Sôn e Thiên começaram a criar raízes em outras partes do mundo. Nesse novo contexto global, engajar-se em uma conversa filosófica com 185 o Chan aponta para oportunidades singulares para explorar os meios-para e significadosde uma filosofia verdadeiramente intercultural. 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Considero estas duas obras como um mínimo indispensável. A respeito das Obras sobre as questões éticas do Chan moderno a obra normativa é: Ychikawa Hakugen, "Bukkyosha no senso sekinin" ("A responsabilidade de guerra dos budistas"), Ychikawa Hakugen chosakushu, daí san kan, Hozokan, ("Obras escolhidas de Ychikawa Hakugen, Hozokan, terceiro volume. Obras importantes sobre esta temática em inglês com referências diretas ou indiretas aos estudos de Ychikawa Hakugen incluem: Brian Victoria, "Zen at war", Weatherhill, 1997. "Pruning the Bodhi tree - the storm over critical buddhism", edited by Jamie Hubbard & Paul L.Swanson, University of Hawaii Press, 1997. James Mark Shields, "Critical buddhism-engaging with modern japanese buddhist thought", Ashgate Press, 2011. 186 3 Fontes Secundárias Adamek, Wendi L., 2011, The Teachings of Master Wuzhu: Zen and Religion of NoReligion, New York: Columbia University Press. 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Wu, Jiang, 2008, Enlightenment in Dispute: The Reinvention of Chan Buddhism in Seventeenth-Century China, Oxford: Oxford University Press. 188 禅宗1 作为中国本土佛教形态之一,禅宗从公元 6 世纪开始发展,随后传播至 其他东亚地区(日本: Zen; 韩国: Sôn; 朝鲜: Thiền)。 由于 “禅” (Chan)是梵文 “dhyāna”(meditation)的汉译,故而,“禅宗”(Chan Zong)也被译作 “Meditation School” 。 但禅宗在中国佛教的独到之处并非禅修技巧,而是其独特的语言运用,另辟 蹊径的叙述方式,以及其对直接体证佛教觉悟的重视。 相比于其他构建中国佛 教认识论、诠释学以及形而上学的宗派,于这些问题上,禅宗独特的切入点是 认为其为实践性的,并同我们切实相关联的。 也许,这一切入点与哲学人类学 最有共鸣。 要领会禅宗的哲学维度,就要熟悉佛教思想和修行,以及其与中国 文化的动态交融。 简介 历史 禅与实相 真理、知识的本质,以及禅的语言 禅的伦理学维度 总结 索引 1斯坦福哲学百科全书中的"禅宗"in https://plato.stanford.edu/entries/buddhism-chan/ 首次发表于 2015 年 4 月 1 日星期三;2019 年 3 月 2 日星期六做大量修订 [作者:Prof. Peter Hershock; 译者:善寂法师;赵轩] 189 其他网路资源 相关词条 1. 简介 佛教思想和修行是基于对了解并消除人类痛苦根源这一个实际目标的不 懈追求。 经典所记载的佛教创始人—乔达摩·悉达多的解脱清楚地表明成为一个 (了解)苦之根源并消除(苦)的觉者(佛陀)的过程,并不是一个理性升华 的过程,而是一个切身修持的过程。 在这一实践中所悟的智慧包括:一、所有 事物在动态中相依生灭;二、冲突和苦是相互关联的颠倒相。 它是无明的功能 之一——彰显著由相互依赖而陷入困惑的黏著;它是色身的、观念的、认知的 、情感的习惯;它是贪爱的种种形式。 在中国发展的禅被当作为一种对修持首要性的再次充分肯定,一种被想 象为如如不动以及善巧方便的标志性的成就。 用洪州禅开创者马祖道一(709– 788)的话来说,禅之妙: “协于心体,布于四肢...... 欲益无所益,欲为无所为”( 《续藏经》Vol. 119, 408b)。 中国佛教普遍认为一切众生皆具佛性,禅宗同样以此为基石。 但对于 禅宗来说,修行并不是实现开悟的方式,修行的意义在于体证开悟。 只有在否 认或无视自己真如本性的时候,开悟才被认为是需要找寻的东西,需要到达的 目的地。 与更学术化的佛教宗派相比,禅宗并不认为学习经论能够破除无明对我 们真如自性的覆盖。 恰恰相反,秉承佛陀的主张:智者 “不执于任何东西,任 何地方” “不陷于概念思维的泥沼中” (Sabhiya Sutta, Sutta Nipāta III.6)。 禅宗坚信,我们 不能通过阅读和推理走出冲突、烦恼和痛苦。 另外,与更为仪式化的佛教宗派 相比,禅宗否认神圣外力的价值。 破除遮盖我们佛性的无明不是培养或获得任 190 何东西;我们只需要打通障碍我们彻悟的关联性结点。 而这并不需要特殊的条 件或工具。 它可以在此处在此刻,在我们日常的生活中发生。 这种描述似乎在说明禅宗从一开始就是反哲学的。 这种态度似乎见于 很多不受逻辑束缚的公案,以及宋朝时确立的禅宗的四个特征: “教外别传、不 立文字、直指人心,以及见性成佛。” 语言的局限性,以及在终极意义上思维与彻悟真理的不相关性,都使得 直下承当比反观/起观更为重要。 正如六祖慧能大师所立的著名的、遍佈佛教史 的真实法是以“无念为宗”。 对于在二十世纪上半叶,将禅宗和 Zen “全球化” 先驱 来说,禅突出的反理性特征是宣传的核心亮点。 因为这一东亚人文主义特色可 以作为西方死板无趣的科学至上主义的一剂良药。 然而,我们还可以从另外一个角度看待禅宗。 有趣的是,在中国佛教 传统中,禅宗经典是最卷帙浩繁的。 虽然我们很难从中找到我们现在公认的哲 学(特别是分析哲学)讨论,但是禅文学在(内在)觉照的敷演上以及重要哲 学意义的推论上是卓有成效的,因为它们是哲学的验证而非哲学的阐述和释义 。 西方人尝试理解欧美传统视域之外的哲学观点的主要困难在于,人们会 倾向于认为这些哲学观点不在西方哲学的范畴中,没有讨论西方传统中的哲学 问题。 这种倾向性导致一些后果,比如,耗费大量精力思考儒家和佛教伦理是 否最好被理解为一种结果主义,道义论,或者德性伦理,而不是尽可能从他们 的自身的概念去理解。 这种做法可能会心照不宣地为西方独断的哲学定义辩护 并使之延续,从而抹杀了“非西方”哲学的独特之处。 然而,在意识到这些危险 的前提下,还是可以暂时用西方的范畴来初步探究与之迥异的哲学领域。 这种 方式至少可以让西方哲学师生找到一些较容易的入手处,从这里入手也许可以 很好的与禅宗对话。 191 2. 历史 在几百年间,禅宗一直在思考如何成为中国文化和佛教文化的合流。 就是说,在大约公元 500 到 1000 年间,禅宗在詹姆斯·克利福德所说的“文化困境 ”中斡旋。 正是这种不可避免且前所未有的不同的意义体系之间的叠加,迫使人 们在不同的且经常对立的个体的和文化的身份源头中做出选择或者进行融合。 佛教在汉朝后期(206 BCE to 220 CE)随着欧亚贸易的繁荣传入中国。 据 记载,作为外来宗教,佛教刚传入中国时,立刻引发了人们的好奇与不安。 这 种不同的文化间的相遇,在当时并不能被客观的看待与接受,而是被主观的指 责为违背常理 (Sakai 1997)。 寺院的僧侣很容易被发现穿着单色异域长袍,剃去 须眉,节制饮食。 因为极其新颖的佛像雕塑以及绘画,佛教最早被称为“相教” 。 同时,佛教也为中国带来了新的静坐方法,新的宗教仪式,以及最重要的是 新的书写方式。 因为在中国早期,书写被认为仅仅是精神的、政治的以及文化权威的专 属。 这种直接关联也体现在汉语 “文化” 一词中,文化是文学与教化的组合。 佛 教传入中国,让中国人看到了西域人的不同。 他们有自己的文化习俗,以及自 己认可权威的方式。 佛教典籍呈现了一种前景,那就是以不同方式来理解世界 以及人类在其中的位置,这也是一种新的主观和想象力的形式,一种新的个人 理想,以及关于精神和政治相互关联的视野。 在汉朝灭亡后,佛教的打坐、拜佛,以及仪式在中国社会迅速传播开来 。 到公元四世纪初时,定期参与数周闭关修行的人多达五千。 到公元 6 世纪时 ,超过两百万(大约是中国当时人口的二十五人之一)出家为僧为尼。 在北魏 (386–534)以及隋朝(581–618)的建立中,佛教在团结游牧民族方面发挥了关键作用 。 在中世纪的中国,佛教对于塑造中国政治和文化的集体想象的重要性,从修 建云冈和龙门石窟群中的大量投入可见一斑。 每个石窟群都雕刻了成千上万的 佛像,有些佛像高达 60 英尺,佛面镀金。 192 大型的佛典翻译和注释让佛教彻底融入中国文化的脉络。 最终,宋孝 宗(r. 1162–89) 把儒释道三家比喻为代表中国政治与文化整体性和实力的鼎之三足 ,缺一不可。 印度以及中亚佛教文本所提供的新的宇宙视角,新的叙述结构, 以及新的概念使得中国本土文化和哲学思想与实践的局限性和偏颇性凸显(了 出来)。 要领会这些文献,一些灵活的语言与概念的桥梁是需要的。 但最终也 是需要建立起来新型的文化意识和文化认同感。 当来自中亚伟大翻译家鸠摩罗什 (334–413) 在中国首都长安(当时人口在 30 万到 50 万之间)与一个国际性的翻译团队合作译经时,佛教经历了近千年的 适应性进化,数百部文献被编 入了佛教经典。 到了七世纪时,这个数字已经增 长到一千多个。 这些文本都声称是佛教教义的真实呈现。 但实际上它们往往有 着截然不同的历史和文化渊源,这给中国人研习佛教带来了巨大的挑战。 基于 主要佛经的内部证据,不同的体系被提出,用来分类和判定不同的佛教教义和 文本,形成多家争鸣佛教教派。其中最重要的教派包括:唯识宗,天台宗,淨 土宗,以及华严宗。 禅的溯源与这种学术化的方法截然不同。禅宗明确拒绝文本的终极权威 ,并坚持认为真正的佛教教义不在文本或仪轨持诵里,而在直接的、师父与弟 子间面对面的机锋 中。据说,这一革命性先例的标志是佛陀在灵鹫山向约 10,000 人的一次的布道的故事。这次布道期间,佛陀拈花,弟子摩诃迦叶会心微 笑。 近一千年后,据说这以心印心法脉第 28 代传人,印度僧人菩提达摩,经海 路抵达中国东南部,接着到中国北方,并最终将他教法的“皮”、 “肉”、“骨”和“髓” 传授给了四个最亲近的弟子。 其中慧可(487-593)被视为中国禅宗二祖。 这个关于禅宗起源的说法在 10 世纪得到了确认,但它的雏形在 6 世纪晚 期和 7 世纪早期就已经流传开来了。当代学者现在认为,这一说法和禅宗最终 所认同其自身的诸多历史的细节都是传统的创造(参见麦克雷 2003 和福雷 1991) 。 但就目前而言,禅宗起源的传统故事在理解禅宗身份塑造与强化的哲学思考 方面有其价值。 193 在可靠的达摩及其他早期禅师最早的著作中(参见 布劳顿 1999),我们 发现达摩指出两个契入佛法的入手处:“理入”,亦即(通過)“道理” 或者 “法”入 ;“行入”,亦即(通過)“行持” 入。 “理入”是指认识到一切众生都有相同的真如自性; “行入”在于改过; 随顺因 缘; 无所寻觅; 并在认识到万事万物的真实本性无二无别的前提下行动。 换句话 说,佛教的真理(道)不由修行得来,而(这个道)更像是修行的一个面和成 果。 菩提达摩也肯定这种真如是无处不在的,是在行住坐卧中的。成功的佛教 修行不在于特定的地点或姿势,也不依赖于文本的学习。事实上,通过阅读获 得 “见” 被认为是在耗元气。要拥有践行真正的佛之道所需的能量,就必须在境 和事中去增长智慧,并且无论何时何地都不失正念。 这些认知最终会成为禅共识的公认因素。 但鉴于中国将书写与官方联 系在一起,加上佛教教条的体制化,这些因素是深刻反传统的。从 7 世纪和 8 世纪中国佛教徒所面临的诠释挑战来看,这些主张在哲学上也颇具内涵。 七世纪最重要的争论之一是犯下五逆重罪之人(例如,杀害父母或觉悟 者)是否有希望成佛。在著名的《莲华经》中可以找到证据:即使是像提婆达 多这样的人,也已经在行菩萨道,并终将成佛。 提婆达多是佛陀的堂弟,曾因 嫉妒而试图谋害佛陀。 其他文献则提供了肯定性论据,但有争议。可以确保的 是:所有众生都有佛性。 因为我们本自觉悟,修行不是获得觉悟过程,而是恢 复本觉。 并非所有人都同意这一观点。 中国僧人玄奘(602-664)存有疑惑,前 往中亚以及印度求学 16 载,结束了这场争论。 他带着六百多部新的佛经回来, 以及表明“一切众生皆有佛性”是异端邪说的证据。尽管他的翻译工作受到皇室的 欢迎和大力支持,有趣的事是,玄奘的《大唐西域记》似乎使得中国佛教徒更 加深信佛性论以及《涅槃经》、《维摩诘经》、《华严经》等重要典籍中的不 二法门和菩萨理想。随着对印度佛教兴趣减弱,中国佛教徒,包括禅宗的早期 支持者,开始将自己视为佛法的真正继承者,他们的使命是阐发佛法的善巧( upāya),饶益中国四众。 194 玄奘从印度返回不到五十年,一字不识的樵夫慧能成为中国禅宗的第六 代祖师,受到史无前例的尊崇。 这让中国佛教徒信心倍增。 慧能大师的语录和 教法被命名为《坛经》。由于 “经” 传统上专指对释迦摩尼佛所说法的记录,这 意味着承认慧能大师为中国第一尊“本土”的佛陀。在中国这是对佛性论无比的肯 定,对佛教权威和佛教学识相坚决的否定。 在接下来的两个世纪里,禅的身份围绕着 “不二”与“佛性”不断深入。 随 后在 841 年至 845 年的灭佛运动中,25 万多僧尼被强还俗, 5000 多座寺院和佛教 图书馆被摧毁。 禅宗历史上最有影响力的禅师之一,临济义玄(卒于 866 年) 将这些思想发展为激烈的诃佛骂祖,并将佛经斥为 “拴驴橛”,并鼓励任何人在 路上见“佛”杀佛。 九世纪中叶,以文本为基础的中国都市佛教到了重创,但农村禅宗群体 却蓬勃发展,产生了“五家”:即临济、曹洞、法眼、云门和沩仰宗五脉。禅师与 弟子之间的公案集开始流传,引起中国文人的共鸣。 随着唐朝 (618-907) 的灭亡 和宋朝 (960-1279) 的建立,禅宗作为一种 “本土” 形式的中国佛教继续蓬勃发展, 非常适合当时文人利用古文为中国打造新的帝国身份。 到 12 世纪,禅宗在宗教 和政治上都享有盛誉,宋朝朝廷支持的绝大多数公共寺院都致力于禅宗的修行 (见 威特尔 2006)。 3. 禅与实相 禅宗的诃佛骂祖很大程度上是隐喻性的, 因为其呵骂的对象因禅师而异 ,随时代而不同。 而且,禅宗在教义和实践方面通常没有像著名的禅宗经典( 如十三世纪的《无门关》所推崇的)那样彻底打破佛教传统。 相反,禅宗群体 的日常生活遵循标准的中国寺院先例,在洪州法脉下的马祖禅师的著作中,经 常可以看到他著名的拳打脚踢这种身体的“衝击策略”,并且常常引用佛教经典。 195 禅师常引用的主要经典包括《维摩诘经》、《涅槃经》、《华严经》、《法华 经》、《般若经》,以及如《金刚经》等各种《般若经》。 这些经文中所描绘的现实的本质,大部分被禅宗认可,与唯心主义、唯 物主义和二元论等惯常的西方哲学范畴都不同。 所有佛教传统的共识是缘起和 业力。 强版本的解读是所有事物都是相互依存的,即关联性在本体论上比 “关 联性的事物” 更基本。 也就是说,相互依存不是本质上独立的实体之间的偶然 的外部关系,而是内在的或构成性的。 正如在中国佛教所理解的,相互依存意 味着相互贯通,因此个体存在者是对已经存在的关系动态的抽象。存在即是关 联。 这种强版本的理解,在中国被本土儒家和道家强化。 儒家和道家认为 事物本性是倾向性,是在世界中富有诗意、不断自我创造的自然系统,也是在 持续不断进入关联的系统(道),而不是神圣的创造,不是普遍物理规律中客 观因素所决定,也不是形而上的原则的物质表达。这些中国本土的现实观念与 佛教的相互依存和无常观念产生了很大的共鸣。但是佛教带来了业果观,将注 意力集中在事物的动态特征上。 佛教业力观是依条件缘起的,如果我们密切并持续关注我们体验着的动 态变化,我们会发现我们的价值观、意图和行动与我们所得结果和机会模式严 丝入扣。 简言之,所有经历过的现实都是自作自受。 但是,由于我们的价值观 、意图和行动永远可以改变,所有我们经历过的现实也提供了机会,使得我们 可以能动的改变动将我们塑造成个人或群体的态关系中的特征和倾向性。 对这种现实观的一个反对意见是,如果世界是自生的,没有任何特定的 起源点或时刻,如果我们的确是关联性的,并最终也是身身世世不断轮回,如 果经验是受业力制约的,那么从冲突、麻烦和苦难中开悟和解脱何以可能? 如 果我们在无尽的时间里,怀着恶意,或按照错误的或自相矛盾的价值观生活, 我们 不会有无边的恶果要承担吗?难道不会因为背负无尽的恶业等待受苦和偿 还吗? 196 对于历史上的佛陀来说,答案很简单:业力本身使解脱成为可能。 我 们可能无法改变过去所做的事情,但此时此刻,我们可以改变做过的事情的意 义,走出一条新的截然不同的轨迹,使我们超越我们原本 “注定” 要经历的许多 事情。 因此,虽然连环杀手央掘摩罗(Angulimāla)在遇见佛陀并开始出家并修 行后,确实被村民暴打。但与他残忍傲慢的杀害数十人的罪行应受的惩罚相比 ,被石子和烂水果击打只是轻微的痛苦(《中阿含经》no.86)。 然而,玄奘的印度之旅及其引发的争议清楚地表明,并非所有佛教徒都 满意这一解释。 毕竟,佛陀是所有老师中最伟大的,这显然是他的弟子能在他 的指导下实现解脱的一个因素。 事实上,描述佛陀前世生活的大量文献(《本生 故事集》)描绘了佛陀最亲近的弟子在过去生中,已经随佛陀经历了数十世。 那么生活在佛陀涅槃 100 年或 1000 年后的人们没有这么殊甚的善因缘, 该怎么办呢? 如果像早期佛教以及之后的传统所宣讲的那样:众生 “无我”,无 长存之本质, 万事万物自性空(śūnyatā ),没有任何固定的本质,如果我们是一直 生活的无明中的“罪人”, 而非 “贤圣”, 解脱何以可能呢? 如果没有像佛陀这样的老师 的现场指导,开悟的可能性似乎只是一个纯粹的理论。 对此的一种回应是所有众生皆有开悟的 “种子” 或 “胎藏”(garbha): 即像佛陀 本人一样的先天能力,即 “如来” (tāthagatha)。 这些观点见于不同类别的大乘佛教 文本,以及在佛教从印度经中亚传入中国过程中人们的对这些文本的多元的解 读 。 宣 讲 如 来 藏 (tāthagatha-garbha) 思 想 的 佛 典 , 如 《 涅 槃 经 》 、 Śrimālādevimhanāda、《楞伽经》,以及有争议的《大乘起信论》成为 中国佛最知 名景点,特别是对禅宗的发展有影响巨大。 这些经典把如来藏教义和 buddhadhātu 的概念联系起来, buddhadhātu 字面意思是“佛-元素”、“佛-物质”或“佛-境 界”。 这个概念似乎是佛骨膜拜的正当性论证与早期巴利语和大乘佛教文献中关 于心灵最初灵光论结合中发展起来的。 这些文本认为,心灵本是纯洁的,它之 所以显得不清净,是因为无知、愤怒、仇恨和贪婪的行为导致了经验上的染污 (kleśas)。 这一本明论似乎被运用到新的思想:即觉者自身含有恒常不变 “元素” 197 或 “实体” ( dhātu)。 这一思想最终发展为:所有众生本具觉悟的种子——一种通向 觉醒的能照之性 (budh)。 对于一些佛教徒来说,这种能力的“实质”似乎意味着我们每个人都存在 一个“真实的自我”——而不是以无明、习惯和贪爱形式出现利己自我,也不是通 过佛教修行 和无我(anatman)可以被消解的自我,而是一个无懈可击的存在于 当下的核心。 然而,在中国, buddhadhātu 这一术语被翻译为“佛性”,开启了其他 解释的可能性。 与梵文 “dhātu” 的内涵不同 (包含了从个体存在要素到一种国土 的存在),“佛性” 字面意思是“佛之本性”,其带有源自中国本土观念“自然”中的 倾向性或关联性意味。 因此,佛性可以被视为一种进入觉悟的行为和关系模式 的倾向,而不是一种本体的实质。 佛性不是隐藏在我们每个人“内心”的东西, 而是以一种独特的互动行为模式和品质的显现。 禅宗极力赞同这一解释,并加 以阐释成为 “公案”文本,以表达禅宗的 “骨” 和 “髓”:开悟不在言说,而在展示。 同样重要的是,佛性论也开始与如来藏关键典籍以及影响深远的《维摩 诘经》(Vimalakīrti Sutra)中的关于不二的教义相结合。 《维摩诘经》的核心人 物是维摩诘(Vimalakīrti)居士。 他装病,请佛陀的主要弟子和其他杰出的佛教 人物来看望自己。 在他们关于大乘核心概念和实践的精妙辩论中,他胜过了每 一个人。 当智慧菩萨文殊菩萨请维摩诘解释不二的意义,维摩诘用沉默和坚定 不移的存在作回应,将这部经的震撼性与哲学性推向了高潮。 在西方和印度的某些哲学传统的历史上,关于不二的主张经常以一元论 的形式挑战形而上学的二元论 (例如身心或精神与物质是二分的)。 这些非二 元论否认在本体论层面把现实划分为对立的板块,并断言一切最终归一或相同 。 佛教的非二元论(正如中国佛教的理解),并不消除差异或否认其现实,而 是恢复“有”与“无”之间的“互斥基础”。 伟大的印度佛教思想家龙树(Nāgārjuna) (约 150-250 年),的著名论点指 出关于现实的存在与不存在、有与无,以及既非存在也非非存在的主张在逻辑 上自相矛盾,为这种非二元性概念奠定了基础。 融合了早期佛教对相互依赖的 198 洞见和大乘佛教的空性概念 (śūnyatā),龙树的中观哲学强调 svabhāva 或“自身存在 ”的不真实性,从而推进他所说的存在与不存在之间的“中道”,为二元论和一元 论提供了另一种选择,但也为任何肯定多个(也许是无限的) 独立存在的终极现 实的多元主义提供了一种可能。 这种合乎逻辑的中道方法对中国佛教的发展产 生了巨大的影响。 一些人认为龙树的观点虽然成功地削弱了形而上学的奠基主 义,提供了一种不确定的或消极的非二元性,并对解决伦理和更广泛的业力问 题以及菩萨理想的慈悲智慧的几乎没有作用。 “空性”与“佛性”在概念上的联系, 开启了一种具有积极关联性的不二思想的可能性,也同时注重产生意义的互通 性的善巧。 以下是中国华严思想家法藏(643-712)所采取的方法,他对禅宗的发展 影响很大。 尽管禅宗拥护者经常强调其独特性,但禅宗僧侣与忠于其他佛教传 统的僧尼共同生活。 事实上,不同佛教传统的思想家撰写的经典评论和哲学论 文,与其说是教义分裂的根源,不如说是“佛教研究”的共享阶梯。法藏是他那个 时代最受尊敬的佛教知识分子之一。 法藏并不认为大乘空性(śūnyatā)即缺乏 特性(一种否认事物作为个体存在者的最终现实性的断言),他把证悟一切事 物的空性与事物相互依赖的内在构成性联系起来。 也就是说,相互依存在于动 态的相互贯通。 与《大乘起信论》中关于究竟实相的 “一心” 有“体”和“用” 两个方 面的描述类似,法藏认为法界或实相/究竟实相的境界,在通达原则(理)和现 象经验(事)方面应该是不二的。 即法界或真谛/究竟界同时是事法界,也是理 法界,也是理无碍法界,以及事事无碍法界。 因此,与梵文术语 “dharma” 可以 表示某个存在、某个现象或教义非常一致。 法界的不二意味着形而上学和认识 论之间的相互决定。 为了阐明这一点,法藏用传统的木结构建筑做比喻。 传统的木结构建 筑的各部分都是在不使用钉铆情况下,由重力压缩连接在一起的 (《华严五教章 》《大正藏》V ol. 45 no.86)。 拆除粘土瓦片,移除其重量,会使建筑不稳定,最 终导致其倒塌。 但瓦片是放在檩条上的,这些檩条垂直放置在中央屋脊梁上的 199 椽子上,以及边缘搁栅上,而这些搁栅本身就坐落在单独的基石上的柱子上。 由于拆除这种结构的屋顶瓦片会导致整个建筑的倒塌,瓦片可以说是整个建筑 的目的。 但建筑的其他部分也是如此。 同样地,世界上的每一特殊事物(事), 同时也构成了一切事物整体的动态模式(理)的致因和被因。 最终,每件事即 是它对于其他所有事情的意义。 那么,可以说,所有的事物都是一样的,但只有当每一事物彼此之间有 意义的不同时这才是真的。 非二元性并不是说所有的事物都可以简化为某种共 同的本质或物质,而是说每一事物或存在都是一个涌现的“生态矩阵”中的一部分 ,通过这个生态矩阵,每一事物或存在的功能都是真实整体的独特原因。现实 最终是动态演变的相互贡献。 dharmadhātu 不是我们共有的东西,不是一个基本 的本质;而是我们每个人都有的一份独特且不可或缺的贡献。 因此,佛性并不 是定义我们的一个坚不可摧、不可剥夺的元素; 它在于不间断地表达开悟与觉醒 式的关联。 禅宗接受了这种非二元性和佛性的理解,但用它来特 别说明佛教的实践意义和个人的菩萨理想。 在《坛 经》中,慧能大师认为 “定为体,慧为用”。 禅的 要点是见自己的“本性”,证得“真心”,从而达到 思想与现实、激情与觉悟、以及净与染二元对立的消 融。所以, 真如即是念之体,念即是真如之用(《坛经》)。 见本性即是见到真如和思维的密不可分,如同马的构造与它的习性一样 。 正如,马的身体结构为食草和奔跑奠定了可能性条件,只有发现了马的食草 和奔跑的进化优势,才能使这种身体结构成为可能。 真如或真实性不是“身外” 200 的先在事物,不是可以通过智力掌握或通过某种神秘的眼光获得的东西;它只 能切身体验。 黄檗希运(卒于 850 年)将其描述为 “无心” 或从定义或限制现实的概念 中解放出来。 但这并不是陷入精神空白或杂乱无章。 悟到 “无心”,就恢复了我 们原本的一心,黄檗定义为 “默契” “本源清净佛”(《大正藏》, Vol.48, 380b to 383c) 。 值得注意的是,“契” 一词最初是指竹条上记录贸易协议条款的刻痕或标记。 黄檗禅师所指是相互委托的义务和责任。 真如存在于菩萨理想的人格化,即实 现解脱式关系。 终极实相敷演的是智慧与慈悲在道德上的不二。 把现实看作是一种动态表现的关系品质,而不是某种 “可知” 或 “可得” 的 东西,这让禅把善应作为一种解脱的表现。 因此,虽然马祖打破传统,宣称“平 常心是道”,他进一步阐释 “应机接物,尽是道” (《续藏经》Vol.119,406)。 临济 禅师开创者了延续至今的两个禅宗法脉之一。 他教导学生“真人无位”,避免用 任何身份固化自身,而是要根据需要,即兴的在任何情况下成为觉醒关系动态的 一环。 4. 真理、知识的本质,以及禅的语言 禅对究竟实相或真如(梵语:bhūtatathatā)与趋向解脱的善应的认同, 意味着实相既是个人的,也是交互性的。 鉴于此,记载禅师与弟子交锋的 “公 案”(日语:kōan)成为禅宗文学的首要形式。 公案到宋代中期成为禅修的核心 文本也就不足为奇了。但是,如前所述,禅也开始将自己表现为:“教外别传、 不立文字、直指人心,以及见性成佛。” 这表明禅宗的真理、语言和交流之间的关系可能会使西方哲学背景下人 感到困惑。 201 正如在禅宗大德语录中大量引用经典文本,禅宗宣称教外别传,并不一 定意味着经教传播的价值受到质疑。 但它确实指出了一种交流形式的可能性, 它直指人心,以不立文字亦不离文字的方式传达知识。 “传”一词,在这里译为 “transmission”,有公开或流通的含义,因此与人们 设想的佛教通过经教在人与人之间,地域之间传播,以及代代相传的理解是一 致的。 但“传”也有通过传导过程传播的内涵。 当高能粒子或物体进入低能空间 时,热可以通过对流从一个地方转移到另一个地方。 但热量也可以在没有任何 粒子或物体改变位置的情况下传播。 传导是能量在相邻粒子或物体之间的共振 作用下的流动,并且可测量地不是能量传递的量,而是传递的比率。 禅宗的“教 外别传”有同理之处。 唐宋禅宗大德不断否认他们有任何东西——比如衣钵—— 可以给予;他们认为学生最终没有什么东西可以追求和获得。 佛法的文本传播可以理解为一种 “知识对流” 的过程,这很容易导致能量 的耗散。 这种可能性似乎在说明了在禅宗出现和成熟期间,广泛流行的佛法效 能终将耗散殆尽的传言。 考虑到这一点, 菩提达摩提醒道, 通过语言媒介领悟佛 法是在劳神费力。 慧能大师打破中国学术传统,否认了其将法和文字分为 “顿” 和“渐”的做法。 慧能大师让人们把注意力转向 “顿悟”。 他认为顿悟,以及“顿”的 本意即是个体契入开悟行为的状态。 它是一种和他人产生解脱性共鸣的或敏锐 或迟钝的功能。 与将知识传递视为一种传导过程相一致,用于记录代际传递的典型禅语 术语是灯录。 这一术语让人想象到一系列灯被依次点燃,如同师父和学生之间 的共鸣。 在禅宗中,知识不是可以传授的东西。 真理不是命题合理性或命题与 现实之间的应合。 真理是进入解脱性的关联——关系动态的扭转。 这种对真理的理解对禅宗教义的演变至关重要,也对接受相互矛盾的主 张至关重要。 比如,有时同一位禅师说要领悟“一心”、“平常心”,以及 “无心”。 禅宗的教义,至少是在理想上,是对实际需求和关注的有效且恰当的当即回应 202 。 也就是说,它们是菩萨善巧(upāya)或善应的表现,而不是永恒普遍的观点 的最终表达。 例如,马祖曾被一位僧人问:“和尚为什么说即心即 佛?” 马祖回答说:“为止小儿啼。”僧人又问: “啼止时将如何?” 马祖回答:“非心非佛。 ”僧 人再问:“除此二种人来,如何指示? ”马祖说: “向伊道:‘不是物’。 ” 僧人又再追问:“忽遇 其中人来时如何? ”马祖就回答他说:“且教伊体 会大道。 ”(《续藏经》119. 408b)。 在这次机锋对答中所体现出的禅的即时性,更明显地体现在禅师以肢体 动作应答学人。 如,竖一手指、挤眉,或备受批评的斩猫。 如果禅宗教法可以 包含矛盾的陈述和杀猫这样可怕的行为,又有什么能阻止不二论的真理观衍生 出反律法主义,导致理智与荒谬,以及道德与不道德之间的界限被抹杀呢? 这 也是圭峰宗密法师 (780-841) 等著名的佛教思想家所关心的。 圭峰宗密同时是华 严宗和禅宗菏泽宗的祖师。 他的论点是:如果任何言论或行为都是佛性的功用, 那么什么可以阻止仇恨和无端暴力也被视为 “解脱” 之道呢(《续藏经》Vol. 110, 435 d)? 在这裡,将宗密的关注放在中国对世俗谛(saṃvṛti-satya)和胜义谛( paramārtha-satya)的吸收背景下是有用的。 二谛观在巴利语和大乘佛教都有其渊 源。 印度思想家月称(Candrakīrti,570–650) 对二谛的诠释或许是最深入的。 在中 国佛教中,虽然 “二谛” 思想成为哲学的核心,但它也被视为与不二的教义相冲 突,因为二谛意味著现实的两个不同层次,或者至少是现实与幻想的对比。 对 这种看似的矛盾最有影响力的回应之一是中国天台佛教的创始人之一智顗(538597)提出的 “三谛” 观。 三谛融会了诸如有与无、觉悟与无明,以及神圣与世俗 203 平等明显对立的观点,认为它们同属于 “中道”。 根据智顗的说法,世俗实相( 基于日常经验)和究竟实相(基于空性的证悟)同样是灭苦的(中道)。 这意 味著,作为唯一实相中互摄的元素,所有事物和陈述都可以为真。 更激进的禅宗教学方法——如慧能大师指出激情不是证悟的障碍,临济 使用棒与喝的方式——与这种方式是一致的。 但无论是智顗的天台还是禅宗, 都不可以说是一切事物都在做佛陀的觉悟工作,而是它们可以这样发挥作用。 举起手指是否真的会在师生相遇中带来解脱的转机,不是动作或动作背后的意 图的功能,而是它的相关含义。 《碧岩录》第 19 则公案(英文翻译见 克莱瑞 1977)讲述了俱胝禅师面对学生的提问,只竖一食指来回应。 一天,俱胝禅师 不在,他的侍从男孩模仿师父的经典手势回应询问师父去处的一些客人。 俱胝 禅师回来后,男孩告诉了师父刚才的经过,俱胝禅师让他示范一下他对来访者 的回应。 男孩刚抬起手指,俱胝禅师当即一刀斩断。 男孩痛苦的逃走,俱胝禅 师呼唤他的名字。 男孩停下转身,俱胝禅师竖起手指。 男孩的豁然有所悟。 可见,禅宗教学不是文字或手势所传达的;它包含的直接的关联转换。 当然,仍然可以问一个问题,一个人如何知道关联转向哪个方向可以实 现真正的解脱? 或者说什么样的回应可适用于任何情况? 然而,这种认识论关 注并不是禅宗所赞同的。 相反,禅宗的普遍观点是,提出认识论问题可能是最 有害的分散注意力的形式,使人无法完全走上禅宗修行的道路。 慧能大师坚持 认为,自古至今,无念一直是核心教义(《坛经》)。 但他也指出,只要不去 执著、不计结果、不落于一处,即使念头生起灭去,无念也能持续。 简而言之 ,无念就是一心一意地在如如不动的觉照中。 思考一个行为是对是错,就已经 离开了这种状态,陷入了怀疑或 “两心”。 马祖在一次经典的机锋对答开悟了。 马祖告诉他的老师南岳怀让(677744)用石头和瓦片不能磨成镜子。 怀让禅师反问,那么坐在蒲团怎么能成佛呢 ? 怀让禅师说,“要成佛,就作佛吧”。 听到这一句,马祖豁然心门打开。 但很 快就关闭了,因为他想知道他何时会像佛陀一样行事。 怀让对这个问题的回答 204 引发了马祖更深层次的觉悟:“你看不到道,你只能从道中看”。 认识论上的思 虑可能让人在二分之中无休止的激烈绕圈。 这种偏离是因为将能思与所思或环 境分开。 禅之见即是彻见。 5. 禅的伦理维度 从禅宗实践的角度来看,切断观念上的贪着和分别显然是有益的。 但 是,把不加思考和不加质疑的参与作为规范,可能导致不反思、不关心和不公 正的行为,还可能导致专制滥用。 鉴于伦理似乎需要理性地思考如何实现作为 个人和群体的美好生活,禅最终是不道德的还是反道德的? 如果真如许多禅师 所断言的那样,无所求或无所获,如果开悟与其说是一种实质性的改变,不如 说是一种形态转变,那么放任困扰我们的病患和不公,难道不会使其恶化吗? 在禅宗文献中,几乎找不到任何西方标准下的伦理学,如后果论、道义 论和美德伦理等,也没有社区主义或关怀论等伦理观。 众所周知,禅宗文献通 常对伦理学问题不予回应。 事实上,在禅宗的非二元和善应的背景下,无念、 无住和无依被反复强调。 如果有作为禅宗伦理的东西,即是一种关联性的当下 自然流露。 西方伦理学主流以个体和决策主体为研究对象。 首现考虑的是发展一 种普遍适用的方法,以便在往往不同的个体利益之间仲裁,从而通过理性引导 来确定和实现了美好生活。 禅的不二性将关注点从个人主体转移到关联,特别 是那种完全体现我们真如佛性的关联。 从这个意义上说,禅宗伦理的基本方法 可以被认为是效法——一种有意识地像佛陀那样行事的方法。 但这意味着目标 导向与禅的教义完全不一致。 因为禅宗指出不要将开悟/开悟的行为客观化或将 成佛作为目标或目的地。 俱胝禅师及其侍者的例子就非常明显,禅并不是模仿 过去或现在的榜样。 相反,它向我们展示菩萨的了了分明和善应,以及能够在 205 任何情况下在持续的关联动态中带来解脱性的转折。 如果禅宗伦理涉及模仿, 那模仿的是即时的风格,而不是精确的程式化的技能。 可以说,自由是禅宗的首要伦理价值。 但是禅的自由并不在控制或选 择的层面;它也不植根于对特定行动方案是否良好或是否会产生良好结果的理 性判断。 也就是说,禅的自由无关乎独立(只有在无视万物相互依存和相互渗 透的情况下才能想象)。 它在本质上也并非个人的能动性。 如同菩萨的理想相 ,自由在于体现最高层次的能力和承当,以实现自由关联的条件:当即展现解 决冲突、麻烦和痛苦的关系技巧。 禅宗伦理不是按照预先确定的善的手段和意 义生活的能力,而是当即的天才,是念念相续的觉照与坚定不移的关怀之间创 造性结合,是一种不断增强的肯定、承担,与善应。 这当然是禅宗思想的升华。 现存的证据表明,禅宗群体的生活遵循着 佛教戒律,与世俗社区的互动在很大程度上符合当时流行的道德和社会规范。 尽管禅有教法不拘一格,但禅宗在实践似乎更遵从规范,而非回避规范。 当唐 代著名诗人白居易(772-846) 请教鸟窠禅师(741-824) “禅”的真谛时,鸟窠禅师回答说 : “诸恶莫作,众善奉行。” 白居易嘲笑道,这是给三岁孩子的建议。 鸟窠没有反 对,只是简单地补充说,“三岁孩童虽道得,八十老翁行不得”。 然而,当鸟窠禅师提倡 “众善奉行” 时,他并非指某些固定理想或品质。 如同对应的梵文 kuśala, 汉语“善” 意味着在专长或技艺方面的最“好”。 此外,他并 不主张“保持”善,甚至也不主张 “做” 善事,而是主张分享。 因此,禅宗伦理不是 一种知道某事是或将是好的,而是知道如何应他人所需提升善巧的维度 (关于这 一区别,见瓦雷拉 1999)。 而这种 “如何知道” 并不是一种获得智慧的方法,而是 一种切身的关系协调的实践心得。 考虑到这一点,有趣的是,禅宗的标志性成包括了百丈禅师(749-814 年 )制定的《禅苑清规》,它为禅宗僧侣制定了全面的行为准则。 即使在激进的 洪州传承中,按照这些规则生活也被视为保持互惠循环的必要条件,以便僧人 的禅修生活得以延续。 例如,沩山灵佑(771-853)教导他带领的僧众以崇高和 206 平的菩萨行 来报答父母、施主、皇帝和佛陀的恩惠。 沩山禅师指出没有这些人 的供养,禅师们没有机会实现禅悟 (《沩山警策》 见《大正藏》 Vol. 48,1042b43c)。 其中身行举止至关重要。 正如巴利文和梵文的佛教律部经典所说,佛教寺院的生活规范不是以先 验或纯粹理性的方式达成的,而是为了应对早期寺院社群内部,以及社群 与社 会互动中出现的矛盾而设立的。 这种根据情景制定行为规范方法与中国本土的 道德准则很有共鸣。 在中国历史的大部分时间里,儒家传统道德和伦理规范并 非理性衍生的原则和美德,而是作为不同角色的“礼”—— 作为父亲、母亲、儿子 、女儿、朋友和社会参与者。 这种“礼”塑造了作为真实有价值的“社群中人”方式 和意义(参见 安乐哲 2011)。 当然,这些标准是行为标准。 它们提供了一种社 会语法,可以塑造有意义且适宜的人际关系。 但更重要的是,这些标准也是定 性的——作为强化关系的意图、态度和精力标准。 尽管任何语法本质上都是限 定性的,但儒家规范趋向“仁”。 伦理最终离不开美学。 在这种背景下理解,寺院清规提供了作为佛教“社群中人”的生活的基本 语法。 遵守僧侣的行为和举止规则是会得善应的一种 “基本训练”。 话虽如此, 禅宗技艺不仅仅是熟练 “语法”。 其中的意涵,可见于马祖的一段美妙的语录: 佛是能仁,有智慧,善机性。 能破一切众生疑网。 出离有无等缚。 凡圣情尽。人法俱空。 转无等伦。 超于数量。 所作无碍。 事理双通。 如天起云。 忽 有还无。 不留碍迹。 犹如画水成文(《续藏经》Vol. 119. 406b)。 禅的的伦理学追求是,无我无住,自在通达。 207 6. 结论 鉴于禅宗反对偶像崇拜,并推崇如无思、无念和无修行等否定性的术语 作为解脱的要点,我们可以将禅视为一种前现代解构主义。 但同时禅宗肯定佛 教业力观,以及价值和意向对经验的塑造,因此也可以被视为一种建构主义。 禅的主要文学形式(公案)的幽默和无羁也暗示了存在主义的倾向。 而它对重 视日常生活、切身行动,以及当下有效的事而非遵循先例的可以被视为实用主 义。 在哲学上,禅是一个谜。 同时,禅在文化上也产生了深远的影响。 在中国,禅宗的个人生命力 和善应理念在书画中找到了持续的视觉表达,在诗歌中用文学表达。 随着禅宗 传播到东亚其他地区,这些理想也被注入到音乐、茶道和戏剧等表演艺术中。 禅将不二(或形而上学的非确定性)与即兴的道德美学相结合,使得我们真正 可以想象当下即是解脱。 禅在哲学上的神秘与其个人审美的文化生命力之间的关系仍是开放的。 在东亚,探索这种开放性在历史上被证明是解决文化困境和文化差异与不适的 有效方式。 类似的探索在其他地方还在进行,因为禅、Zen、Sôn and Thièn 的思 想和实践传统已经开始在世界其他地方扎根。 在新的全球背景下,与禅进行哲 学对话是探索真正的跨文化哲学的途径和意义的一个殊甚机遇。 208 Sobre os organizadores Joaquim Monteiro nasceu no Rio de Janeiro em 1955. Possui graduação em psicologia pela Universidade Santa Úrsula, RJ (1983), mestrado em Budismo chinês pela Universidade de Komazawa, Tóquio, Japão (1997) e doutorado em Budismo chinês pela mesma Universidade (2000). Foi pesquisador do Instituto de pesquisa de cultura budista (Bukkyo bunka kenkyusho) na Universidade Doho em Nagoya, Japão (1988-2003) e Professor de língua japonesa da Universidade I-Show, Kaohsiung, Taiwan. (2003-2005). Em seu retorno ao Brasil foi bolsista Pnpd-Capes e Professor visitante da Coordenação de pós-graduação da Universidade Federal da Paraíba (2013-2017). Atua atualmente como tradutor da literatura budista preservada em mandarim e de obras da filosofia japonesa moderna e contemporânea. Traduziu o "Ensaio sobre o bem" (Zen no kenkyu) de Kitaro Nishida (Editora Phi, 2016). Sua tese de doutorado foi publicada com o título "As bases filosóficas do Budismo chinês" (Editora Phi, 2020)" Sobre os tradutores e revisores 傅瑜,澳门大学,人文学院,哲学与宗教研究系博士候选人。[Fiona FU é doutoranda no Departamento de Filosofia e Estudos Religiosos da Faculdade de Letras da Universidade de Macau.]. Guilherme Amaral Luz é professor titular do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia-MG (UFU). Coordena, na instituição, o laboratório "Caminhos Marciais, Humanidades e Educação Integral" (EDUCAM) e integra o grupo de pesquisa e programa 209 de extensão "SOMA: Ações Transdisciplinares", sobre somaestética e estudos sobre a corporeidade em múltiplas perspectivas epistemológicas. É mestre e doutor em História pela Unicamp (Campinas, SP), com pós-doutorado em História da Arte desenvolvido na Universidade de Warwick (Coventry, GB). Sua área de formação acadêmica é a História Moderna, com ênfase na expansão religiosa da Contrarreforma dentro e fora da Europa. Nos últimos anos, tem se dedicado ao estudo das artes marciais asiáticas (sobretudo, chinesas e asiáticas) em seus processos de "modernização" e de "difusão mundial" no século XX, investigando, principalmente as suas estéticas espirituais em sintonia com diversas expressões da "modernidade", seja em âmbitos locais/regionais ou globais. Desenvolve projetos de extensão envolvendo artes marciais e educação integral, nas suas interfaces com o ensino de história. É docente permanente do ProfHistória, programa nacional em rede de pós-graduação stricto senso em Ensino de História, que tem a UFU como uma de suas instituições associadas. Lucas Nascimento Machado é, atualmente, professor substituto de História da Filosofia pela UFRJ e diretor da Associação Latino-Americana de Filosofia Intercultural (ALAFI). Tem doutorado, mestrado e graduação em filosofia pela Universidade de São Paulo, e atua nas seguintes áreas de pesquisa: ceticismo e filosofia no idealismo alemão; forma, conteúdo e determinação no idealismo alemão; idealismo alemão de uma perspectiva intercultural; filosofia intercultural e métodos em filosofia intercultural; filosofia indiana, com ênfase em filosofia budista Mādhyamika; Escola de Kyoto, com ênfase em Nishida. Também é tradutor de filosofia alemã pela Vozes e editor da revista de filosofia Sísifo. Matheus Landau de Carvalho é Bacharel e Licenciado em História com Habilitação em Patrimônio Histórico pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em 2009. Especialista (2010), Mestre (2013) e doutorando (2019-) pelo Programa de Pós-graduação em Ciência 210 da Religião (PPCIR), pela mesma Universidade, com pesquisas em história da Índia, sociologia, espiritualidade e narratologia épica hindus. Autor de resenhas e artigos acadêmicos sobre realidades orientais, assim como de comunicações em Simpósios e Congressos internacionais dedicados à Ásia, coordenou em 2021 o dossiê temático Tradições e religiões asiáticas publicado pela Revista Sacrilegens (UFJF). Professor de inglês da Cultura Inglesa de Juiz de Fora desde 2008, obteve em 2017 o Certificate in Advanced English (CAE), da Universidade de Cambridge. 赵轩,澳门大学哲学与宗教系博士在读,香港大学佛学硕士,西安外国语大学 英美文学硕士。 研究方向:宗教哲学,多元宗教理论与实践,佛教认识论,禅 宗公案。在宗教研究 (Religious Studies)发表文章:“从佛教中观视角重构约翰·希 克的多元宗教理论 (A Buddhist reconfiguration of John Hick’s pluralistic hypothesis: a Madhyamaka Perspective)”. [ZHAO Xuan é doutorando no Departamento de Filosofia e Estudos Religiosos da Universidade de Macau, mestre em Estudos Budistas pela Universidade de Hong Kong e Literatura Britânica e Americana pela Universidade de Línguas Estrangeiras de Xi’an. Seus interesses de pesquisa são filosofia da religião, prática e teoria da diversidade religiosa, epistemologia budista, casuística do budismo Chan. Na revista Religious Studies, ele publicou ' 'Uma reconfiguração budista da hipótese pluralista de John Hick: uma perspectiva Madhyamaka’]. 张敏芬,上海外国语大学葡萄牙语专业副教授;葡萄牙里斯本新大学历史学博 士;全国翻译资格考试(葡萄牙语)委员会委员;《国际汉学译丛》编委;巴 西史地研究所海外通讯会员;葡萄牙科技基金会《16-18 世纪中国文献的整理、 翻译和出版》项目中文版负责人。主要研究方向为葡语国家历史文化和葡汉汉 葡翻译。编撰出版多部词典、教材,翻译出版译著多部,在国内外学术期刊发 表论文多篇。 [ZHANG Minfen, professora associada da Universidade de Estudos 211 Internacionais de Xangai. É doutorada em História pela Universidade Nova de Lisboa, mestre em Língua e Cultura Portuguesas pela Universidade de Macau e licenciada em Língua e Literatura Portuguesas pela Universidade de Estudos Internacionais de Xangai. Tem-se dedicado ao estudo da língua e cultura dos países da língua portuguesa. É autora de vários dicionários de Português-Chinês e Chinês-Português. Fez manuais didáticos de português para aprendentes chineses. Publicou artigos sobre o ensino de Português Língua Estrangeira e sobre as atividades dos portugueses na China durante os séculos XVI a XVIII. Traduziu várias obras dos autores de Portugal, do Brasil e da China]. 212 213
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