A intensificação de investimentos extrativos primá-rios voltados à exportação em Minas Gerais tem resultado na multiplicação dos conflitos sociais e ambientais (1). A tendência é que este cenário se amplie, devido à flexibilização do...
moreA intensificação de investimentos extrativos primá-rios voltados à exportação em Minas Gerais tem resultado na multiplicação dos conflitos sociais e ambientais (1). A tendência é que este cenário se amplie, devido à flexibilização do licenciamento ambiental, tendo em vista a PEC 65/2012, aprovada em abril de 2016 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Se-nado; a discussão acerca do Novo Código da Mineração proposto pelo Ministério das Minas e Energia; o Projeto de Lei 654/2015 em tramitação no Senado Federal; e o Projeto de Lei 2.946/2015, apro-vado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais em dezembro de 2015. Com efeito, um preocupante relaxamento na fiscalização do planejamento, construção e operação de obras desenvolvimentistas vem gerando riscos incalculáveis, os quais extrapolam as localidades onde os empreendimentos se inserem. O rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em novembro de 2015, no município de Mariana, evidenciou de forma assustadora esse contexto crítico. A estrutura é de propriedade da empresa Samarco Mineração S.A., cujo capital é controlado paritariamente pela Vale S.A e a BHP Billi-ton Brasil Ltda. O desastre causou de imediato 19 mortes, e liberou cerca de 50 milhões de metros cúbicos de resíduos minerários que, carreados até o rio Doce, percorreram aproximadamente 600 km até o litoral do Espírito Santo. Este desastre, um dos maiores do mundo em termos de sua abrangência socioambiental, não foi um evento singular. Desde 1986, o rompimento de seis barragens em Minas Gerais já havia deixado um total de 16 mortos, milhares de pessoas desalojadas e sérios problemas de abastecimento de água nos municípios situados ao longo dos rios afetados (2). Os casos chamam atenção não apenas para a negligência do empresariado e do poder público com tais empreendimentos, mas também para a imprevidência no que diz respeito à gestão das ca-tástrofes. Recentemente, a gestão desses desastres tem se deslocado do eixo da investigação de possíveis crimes ou infrações legais para o eixo do tratamento administrativo de "conflitos socioambientais", aos quais são dedicadas tecnologias diversas de prevenção de dispu-tas, com ênfase em acordos orientados à construção de pretensos pactos entre partes potencialmente litigantes. No caso de Mariana, o gerenciamento da crise derivada do desas-tre tem implicado na mobilização de dispositivos específicos, como mesas de negociação e a assinatura do "Termo de Transação e de Ajus-tamento de Conduta", celebrado entre a União, os governos dos esta-dos de Minas Gerais e Espírito Santo, e as empresas responsáveis (3). Tais dispositivos são mobilizados sob a justificativa da necessidade de uma ação mais célere e eficaz em contraste com a ênfase em punições por via da judicialização, com a responsabilização dos agentes cor-porativos e o cumprimento das demandas colocadas pelos atingidos. Não obstante as justificativas, esse processo de contratualização (4) se realiza, de fato, em detrimento dos espaços e possibilidades de participação dos atingidos e apoiadores, segmentos que não foram ouvidos ou consultados quando da elaboração do referido termo. Tal tratamento evidencia os limites das instituições de defesa dos direitos que, a partir de receituários oriundos de instituições finan-ceiras internacionais para o uso de tecnologias resolutivas, circuns-crevem o debate político ao ajuste de interesses entre as partes. Desse modo, sob a égide de uma harmonia coerciva (5), escamoteia-se a discussão acerca do modelo de desenvolvimento adotado, os riscos envolvidos nas atividades econômicas priorizadas e as responsabili-dades dos agentes corporativos na profusão de incertezas e danos. Este artigo analisa as classificações administrativas e as ações ado-tadas por parte do Estado e das empresas que culminam no sofrimento social e na perpetuação de injustiças socioambientais. Sob o manto da mediação e do acordo, por vezes operam imposições excludentes, cujo efeito é a flexibilização de direitos já garantidos pela Constituição Federal. Como se discutirá, a redução das possibilidades de participação enseja não só o agravamento de vulnerabilidades desencadeadas pelo desastre, mas a marginalização das mobilizações locais dos atingidos. Cabe lembrar que os desastres não se limitam ao evento catastrófico, mas se desdobram em processos duradouros de crise social, frequen-temente intensificada pelos encaminhamentos institucionais que lhe são dirigidos, o que faz perpetuar o sofrimento social. do conceito de conflito ambiental Entende-se por conflito ambiental aquele que surge dos distintos modos de apropriação técnica, econômica, social e cultural do mundo material (6). Os conflitos ambientais têm sido associados a situações de disputa sobre a apropriação dos recursos e serviços ambientais em que imperam condições de desproporcionalidade no acesso às condições naturais, bem como na disposição dos efluentes. Além disso, os conflitos ambientais caracterizam-se pela irrupção de embates entre práticas espaciais distintas que operam sobre um mesmo território ou sobre territórios interconexos, levando à colisão e concorrência entre sistemas diversos de uso, controle e significação dos recursos, em que não raro se processa a despossessão dos grupos locais (7). Trata-se de lutas políticas e simbólicas estabelecidas em