Apostila Teoria Urbanismo
Apostila Teoria Urbanismo
Apostila Teoria Urbanismo
CIDADE BARROCA
Em finais do sculo XVI, a cidade era vista sobretudo como um espao poltico, centro poderoso de deciso e de grande importncia estratgica. Seu traado predominantemente medieval sofreu intervenes segundo as teorias renascentistas, que permitiram a abertura de vias e praas, edificadas dentro dos princpios da simetria e da proporo. Os ideais estticos da Renascena
defendiam o alargamento de ruas, as quais deveriam confluir para construes monumentais, agora destacadas em praas ajardinadas, repletas de fontes esculturais, esttuas, obeliscos e colunatas. Sendo concebida como artefato humano, a cidade deveria ser a mais geomtrica possvel e seu crescimento ditado pela harmonia e Razo.
Opondo-se ao classicismo, a expresso barroca era mais sensual e movimentada, sendo composta por formas esculturais onduladas, composies exuberantes e traados grandiloqentes. Passando a valorizar a contribuio espontnea dos artistas em seu sentido maneirista , era literalmente uma arte aberta, que permitia a multiplicidade de significados. A ARTE BARROCA voltou-se ao
estudo das qualidades no-objetivas, mas subjetivas e sentimentais, servindo como instrumento para controlar os sentimentos coletivos ou exprimir os individuais, oscilando entre o conformismo e a evaso ou o protesto (BENEVOLO, 2001). Na poca, houve inegveis avanos nas cincias e na filosofia iniciados por Galileu Galilei (1564-1642) e por Ren Descartes (1596-1650) , assim como a progressiva supresso do poder espiritual (Igreja) em detrimento dos interesses do soberano temporal (Rei), com a afirmao crescente do despotismo e do absolutismo.
No urbanismo, o BARROCO, que se expandiu do sculo XVII a meados do XVIII, promoveu um prolongamento em escala do Renascimento e, embora negasse suas normas rgidas e propores imutveis, manteve a perspectiva como elemento primordial na concepo espacial e da valorizao das vias e monumentos (KOSTOF, 1991). A classe dirigente passou a ser
formada pelos reis e suas cortes, por nobres ricos e pelo novo clero especializado da Contra-Reforma. A CIDADE BARROCA teve que atender s aspiraes estticas aristocrticas pela grandiloqncia de suas formas (expresso de poder, ordem e controle) e, ao mesmo tempo, aos interesses burgueses pelo seu aspecto socioeconmico (GOITIA, 2003).
A cidade tornou-se um espetculo para os olhos, emocionante e dinmico que utilizava um repertrio mais rico que o renascentista, composto por obeliscos, chafarizes, esttuas, colunatas e arcadas, alm de grandes planimetrias, traados radiocntricos e ajardinamentos. At o Renascimento, a arte dos
jardins resumia-se na apropriao pela cidade de espaos verdes naturais, que eram cercados e domesticados; ou ento no cultivo de reas verdes domsticas. A partir do Barroco, os jardins expandiram-se em amplas praas com desenhos geomtricos e escalonados em diversos planos.
De um lado, alguns centros urbanos europeus adquiriram as feies de verdadeiras cidades absolutistas (Paris e Viena) enquanto de outro, alguns centros importantes se transformam em cidades essencialmente liberais ou propriamente burguesas (Amsterd e Londres).
O BARROCO originou-se em Roma, motivado pela Contra-Reforma e pela interpretao pessoal dos artistas maneiristas, entre os quais Michelangelo (Piazza del Campidoglio). Sob o domnio dos papas, a cidade tornou-se barroca e sua fisionomia medieval sofreu alteraes radicais com o papa Sixtus V (1521-90). Autor da Piazza di San Pietro, no
Vaticano, Gianlorenzo Bernini (15801680) realizou uma srie de trabalhos e praas barrocas, entre as quais a Piazza Navona. Da mesma poca, so as igrejas gmeas da Piazza del Popolo, criadas por Carlo Rainaldi (1611-91), entre outras.
Npoles (Napoli), capital do vice-reino espanhol, tornou-se a cidade italiana mais populosa do sculo XVII, cujo centro medieval conservou seu traado reticular greco-romano e as ruas retilneas do sculo XVI. Como Estado independente entre 1734 e 1759, sob Carlo di Borboni (1716-88) e com 300.000 habitantes, empreendeu um ambicioso rearranjo:
Modernizao do porto e ordenao de ruas suburbanas, alm da construo de novos edifcios pblicos, como o Tribunal da Sade e o Albergue dos Pobres;
Realizao
das grandiosas villas de Capodimonte (1743) e de Caserta (1752), segundo desenho barroco de Luigi Vanvitelli (1700-73).
No sculo XVII, as duas capitais dos Estados italianos mais importantes da poca Turim e Npoles tambm passaram por grandes reformas barrocas. Turim (Torino), a capital dos duques de Savia, ainda mantinha o traado romano em tabuleiro quando sofreu trs ampliaes sucessivas, as quais respeitaram a retcula e anexaram espaos elegantes e a arquitetura inventiva de Guarino Guarini (1624-83):
Primeira ampliao em 1620, da autoria do arquiteto Carlo di Castellamonte (15601641), para o Duque Carlo Emanuele I di Savoia (1562-1630): a cidade chegou a 100 hectares e 25.000 habitantes; Segunda ampliao em 1673, elaborada pelo filho do precedente, Amedeo di Castellamonte (1610-83), no fim do reinado de Carlo Emanuele II (1634-75), quando o castelo medieval passou a ser isolado ao centro de uma grande praa: a rea ampliase para 160 hectares e a populao para 40.000 pessoas; Terceira ampliao em 1714, empreendida por Filippo Juvara (1678-1736) para Vittorio Amadeo II (1666-1732): a superfcie passou a ser de 180 hectares e a populao atingiu cerca de 60.000 habitantes.
Na Inglaterra, o exemplo pioneiro do urbanismo classicista foi o projeto de Covent Garden (1625/30), a primeira piazza londrina de traado regular, criada por Inigo Jones (1573-1652). Pertencente ao Duque de Bedford, o espao era flanqueado por arcadas, inspirando-se no Palais Royale (1602-12) de Paris. O palacete original foi demolido em 1703, substitudo por moradias modestas, alm de ter seu uso ampliado com um mercado popular, cafeterias e teatros.
Eram estes os principais elementos do urbanismo barroco, caracterstico da Europa dos sculos XVII e XVIII:
a) Traados de bases renascentistas, guiados pela perspectiva, mas dotados de maior liberdade, movimento e escala, passando a simetria a ser relativa (em composio, mas no em detalhes); b) Carter monumental expresso pela busca da grandiosidade e pela criao de verdadeiras cidades-cenrio, o que foi obtido por meio de rasgamento e alargamento de vias, assim como a criao de amplos espaos pblicos. c) Desenho urbano realizado com base na composio arquitetnica (simetria, ritmo, dominncia de massas compactas e aspecto imponente e slido das obras), alm da artificialidade dos jardins; d) Paisagem concebida como construo humana, adquirindo assim um esprito mais arquitetnico artificial e cnico. Proliferam eixos, ruas e avenidas radiais, composies geomtricas e a retificao de canais, fontes e espelhos dgua. e) Arquitetura urbana exuberante e retrica, de escala monumental composta por igrejas, palcios e monumentos para os quais convergiam alamedas arborizadas e consistiam nos principais temas estticos.
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PARIS
Mesmo ocupada desde 4.500 a.C., foi no sculo III a.C. que ocorreu a fixao da tribo celta dos parisii na regio conhecida como Lutcia, situada na le de la Cit, a qual foi saqueada e dominada pelos romanos em 59 a.C., na sua conquista da Glia. Estes impuseram o padro reticular e fortificaram a ilha e parte da margem esquerda do rio Sena (Sene), mas a vila somente passou a se chamar Paris com o imperador Juliano, em 360 d.C. Durante a Idade Mdia, situada em
um ponto de cruzamento de rios, a cidade tornou-se importante centro de poder poltico e cultural. Sofreu vrios ataques de brbaros (muulmanos e normandos) e, no sculo XIII, finalmente pode se expandir, quando os pntanos (Marais) foram drenados. A catedral de Ntre-Dame foi iniciada em 1163, o mercado de Las Halles em 1167, La Sorbonne em 1253 e a torre da Bastilha concluda em 1380.
Contudo, as guerras religiosas, ocorridas entre 1589 e 1594, danificaram gravemente a cidade e Henri IV (15531610) empreendeu um amplo programa de renovao urbana, realizando obras que embelezaram a capital. Estes trabalhos definiram vrios espaos barrocos, elegantes e uniformes, consistindo em:
Reorganizao das ruas e das instalaes sanitrias (aqueduto e esgotos), alm da ampliao dos muros do sculo IX, na margem direita, incluindo os novos subrbios ocidentais; Construo de uma nova manso suburbana (htel) em Saint-Germain (castelo ambientando a um jardim em patamares de inspirao italiana); Ampliao do pao do Louvre, por meio de um conjunto quadrado ligando o castelo real ao Palais des Tuileries, completado somente em fins do sculo XVIII; Abertura de novas praas de forma regular e circundadas por casas de aspecto uniforme: Place Royale (Places des Voges) e Place de la Concorde (retangulares); Place Dauphine (triangular, na ponta da le de la Cit); e Place de France (semicircular, mas no realizada).
Em 1353, teve incio a Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra, cujo trmino deixou a cidade praticamente em runas. Louis XI (1423-83) procurou recuper-la, atravs de um interesse renovado pelas artes e arquitetura, inspirado pela Renascena italiana, mas foi somente no sculo XVI, quando Franois I (14941547) comeou a ampliar o antigo Chateau du Louvre (1528), iniciado por Pierre Lescot (1510-78), que os reis franceses que antes viviam nos chateaux do Loire instalaram-se definitivamente em Paris. Nessa poca, a cidade de Paris
desenvolveu-se bastante, atingindo de 200.000 a 300.000 habitantes, os quais j ultrapassavam seus muros.
No sculo XVII, Le Grand Sicle, amadureceram os preceitos do JARDIM FRANCS, caracterizado pela rgida distribuio axial, alm do uso da simetria relativa, das propores matemticas e das perspectivas grandiosas. Demonstrando o poder do homem sobre a natureza, expressava a prosperidade e inflexibilidade social na Frana de Louis XIV (1638-1715), Le Roi-Soleil. O jardim barroco estabeleciase como uma paisagem completa, simtrica e regular, na qual os edifcios eram vistos como cenrios e a natureza trabalhada como massas compactas e artificiais. Os cursos dgua eram canalizados, os percursos prestabelecidos e todo o desenho dominado por relvados e alamedas, canteiros floridos, chafarizes, colunatas e esttuas.
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O apogeu da expresso conceitual da paisagem barroca encontra-se nas obras de Andr Le Ntre (1613-1700), responsvel pela criao das regras para o paisagismo dos espaos circundantes dos palcios franceses do perodo, iniciados pelo parque do Palais de Vaux
(1656/60), residncia do rico superintendente das Finanas, Nicolas Fouquet (1615-80).
Diante do palcio real, um sistema de avenidas coordena as residncias dos funcionrios da corte. O complexo, em que viviam cerca de 20.000 pessoas, possui mais de 1.400 fontes distribudas regularmente.
Paris e Versailles foram dois organismos complementares, que revelavam as possibilidades e os limites do poder absolutista entre os sculos XVII e XVIII na Frana: exemplificam o ideal esttico barroco, mas demonstram a dificuldade deste ser levado a todo conjunto urbano, o qual se manteve como mosaico de parques e edifcios monumentais. Durante o reinado de Louis XIV,
entre 1653 e 1715, quando Paris atingiu 500.000 habitantes, as intervenes pontuais prosseguiram, completando suas feies barrocas:
Insero de novos episdios limitados no tecido: Palais de Luxembourg (1631), Htel des Invalides (1671/6), Place Vendme (1698), Place des Victoires (1685) e um novo arranjo do Palais du Louvre; Demolio dos muros, os quais foram substitudos por uma coroa de avenidas arborizadas (os boulevards), abrindo a cidade para a periferia, descontnua e misturada ao campo.
VIENA
Embora de origem remota, por volta de 800 a.C., foi colonizada pelos celtas em 400 a.C. e incorporada pelos romanos provncia de Pannia em 15 a.C., que ali estabeleceram, em cerca de 100 d.C., a fortaleza de Vindobona.Tomada pelos brbaros (longobardos), permaneceu insignificante at o sculo VIII, quando Carlos Magno fez dela parte da fronteira oriental do Sacro Imprio Romano.
A obra-prima de Le Ntre foi o esquema paisagstico do Palais de Versailles (1662/70), feito em continuidade compositiva com a arquitetura proposta por Louis Le Vau (1612-70) e Jules Hardoin-Mansart (1646-1708).
Alm das cidades citadas, deve-se sublinhar o projeto de Giovanni Antolini (1756-1841) para Milo (Milano), na Itlia; assim como o plano de Nancy, na Frana, considerado um dos conjuntos barrocos mais harmoniosos em escala urbana da Europa, ligando duas praas por uma avenida arborizada, que por si mesmo representa outra praa.
O cerco de Viena pelos turcos cessou em 1683, graas vitria do prncipe Eugenio di Savoia-Carignano (1663-1736), a partir de quando a cidade expandiu-se alm dos muros, respeitando um cinturo livre de 500 m; e surgiram novos espaos urbanos, representados pelos subrbios e pelas residncias dos grandes dignatrios, como o Palcio do Belvedere, onde residia o prncipe de Savia, criado por Johann L. von Hildebrandt (16681745); e o palcio Liechtenstein, projetado por Domenico Martinelli (1694-1706), entre outros. Entre 1690 e 1723, construiu-se
uma grande residncia suburbana, imersa dentro de um amplo parque barroco semelhante a Versailles: o Palcio de Schnbrunn, projetado pelo arquiteto da corte Johann B. Fischer von Erlach (1656-1723), tambm responsvel pelo novo pao do Palcio de Hofburg, sede do poder austraco. No incio do sculo XVIII, construiu-se um segundo cinturo de muros externos, vinculando ao seu redor uma outra faixa de respeito de 200 m, passando a cidade a contar, j no final do sculo, com uma rea total de cerca de 1.800 hectares e uma populao de 200.000 pessoas.
Paralelamente, enquanto que na maioria dos Estados europeus imperava o poder absoluto de monarcas, as CIDADES HOLANDESAS ainda eram governadas como cidades-estado medievais, ou seja, o poder poltico ainda era administrado coletivamente pela burguesia mercantil. Toda grande cidade era uma
repblica independente, com leis e instituies prprias, mesmo que pertencente a uma federao, visando defender os comuns interesses econmicos e militares.
Conservando este sistema poltico excepcional, essas cidades tornaram-se riqussimas nos sculos XVI e XVII, desenvolvendo uma cultura original, burguesa e antimonumental, cujos principais nomes foram o do filsofo Baruch Spinoza (163277) e dos artistas Rembrandt van Rijn (15771642) e Frans Hals (1581-1666), entre outros.
A CIDADE BARROCA foi a espacializao dos ideais do absolutismo e seu traado centro urbano, palcio e jardim baseava-se em um conjunto de eixos divergentes e convergentes que era a expresso e instrumento do poder e da ordem monrquica, representando um ponto de vista simultaneamente unvoco e abrangente (GUIMARES, 2004).
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AMSTERD
Nasceu aproximademente em 1200 d.C., na foz do rio Amstel, como uma aldeia de pescadores, os quais construram casas adaptadas s freqentes enchentes, alm de barragens e canais. Foi lentamente crescendo e se dedicando ao comrcio, acabando por se transformar, em cerca de 1350, num porto entreposto de gros e cerveja vinda de Hamburgo. Os Pases Baixos estavam ento
sob o domnio dos duques da Borgonha, mas, no sculo XV, por casamento, seu controle passou aos Habsburgos da ustria. Grandes incndios em 1421 e em 1452 destruram dois teros da cidade, feita toda em madeira e palha. Em 1480, foram erguidos seus primeiros muros.
O sculo XVII foi o perodo ureo de Amsterd, em que fortunas foram acumuladas e perdidas. A cidade continuou a crescer e um novo plano de expanso foi aprovado pelo governo municipal em 1607 e pontualmente executado no decorrer do sculo:
Desapropriao de terrenos para a construo de trs canais concntricos, com 25m de largura (04 corredores de cerca de 6m para trfego de navios mdios), comeando pela extremidade ocidental e continuando por meio de cortes sucessivos at a zona oriental; O canal mais interno (Canal dos Senhores) tem 3,5km de comprimento; o mediano (Canal dos Reis), 4km; e o externo (Canal dos Prncipes), 4,5km. Previso de desembarcadouros de carga e descarga em ambas margens dos canais, com 11m de largura (ao total so 25km que chegam a permitir que 4.000 navios atraquem ao mesmo tempo); e de um grande parque pblico na zona leste, alm da ampliao de todo o canteiro naval; Venda dos novos lotes edificveis a particulares (duas fileiras de 50m de profundidade cada), recuperando assim as quantias gastas e garantindo que as novas construes seguissem um minuncioso regulamento (entre as fachadas posteriores das casas haveria um espao livre de, no mnimo, 48 m: 24m de jardim de cada lado)
Por volta de 1500, Amsterd havia superado seus rivais e se transformado no principal poder da provncia da Holanda com uma populao de cerca de 12.000 pessoas. O comrcio no Bltico trouxe riqueza e a cidade cresceu rapidamente, chegando primeira metade do sculo XVI a 40.000 habitantes.
Os Habsburgo da Espanha tentaram barrar a Reforma Protestante que varria todo o norte europeu, mas a resistncia holandesa provocou uma guerra civil e religiosa de 80 anos. Em 1578, os calvinistas tomaram o poder e expulsaram os catlicos, fazendo-se a primeira ampliao:
A Holanda tornou-se uma potncia martima, colonizando as ilhas da Polinsia e parte do Brasil, alm da Ilha de Manhattan; mas seu poderio desmoronou devido guerra com a Inglaterra. No final do sculo XVII, Amsterd chegou a contar com 650 hectares de rea e 200.000 habitantes, permanecendo uma cidade rica e se transformando na capital financeira do mundo em meados do sculo XVIII. Urbanisticamente, manteve a fisionomia particular de seu caracterstico ncleo histrico, marcado pela arquitetura uniforme e por sua grande vitalidade e identidade (BENEVOLO, 2001).
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CIDADE ILUMINISTA
No Reino Unido, devido sua acidentada histria durante os sculos XVI e XVII, na qual houve a sucesso de vrios estilos artsticos, o Barroco italiano e francs foi recusado. Para os britnicos, alm desse estilo estar fortemente ligado ao catolicismo, apresentava formas imorais, uma vez que servia a uma religio de austeridade e humildade com toda a sorte de sensualidade e fausto, alm de recorrer a artifcios e falsificaes para atingir seus fins de encantamento. Como reao, instalou-se na
Inglaterra o PALLADIANISMO, uma corrente classicista inspirada na doutrina arquitetnica do tratadista da Renascena Andrea Palladio (150880), que dominou todo o pas por quase dois sculos, de 1620 a 1800, servindo de ponte entre o Renascimento e o Neoclassicismo do final do sculo XVIII.
Como expoentes dessa arte inglesa hbrida devem ser citados, alm de Inigo Jones em seus trabalhos tardios, os arquitetos Christopher Wren (16311723), James Gibbs (1682-1754) e William Kent (1684-1748), entre vrios outros.
Em meados do sculo XVIII, a reao inglesa contra os faustos barrocos tornouse ainda mais intensa e acabou por fazer imperarem a pureza, a conteno compositiva e as restries clssicas. Optou-se pelo NEOCLASSICISMO ou Neopalladianismo, o qual se implantou sob a direo de Lorde Burlington (1694-1753) e contribuiu com alguns elementos clssicos na decorao em Estilo Georgiano (Georgian Style).
Durante todo o sculo XVII, raramente a arquitetura palladiana foi superada por tendncias barrocas, mantendo-se sbria e acompanhada de reminiscncias gticas. Aos poucos, as construes burguesas procuraram por maior conforto, o que as fez se distanciarem do classicismo rigoroso e combinarem os motivos palladianos com o lirismo e o dinamismo da Europa central, especialmente da Baviera. Houve uma fuso entre as formas
clssicas e a decorao barroca, sem nunca atingir o excesso. Vrias praas particulares foram criadas nessa poca em Londres como a Bloomsbury Square (1660), a St. James Square (1662) e a Soho Square (1681) , que se caracterizavam pela continuidade caracterstica e uniformidade rtmica das fachadas circunvizinhas; pelo uso e trnsito exclusivo de pedestres pagantes; e pelo tratamento unitrio em bloco (street block), geralmente associado ao corpo de um palacete burgus, igreja ou templo coletivo.
A cidade balneria de Bath recebeu um importante e caracterstico conjunto classicista a partir de 1727, graas a John Wood, o Velho (1700-54), este iniciado com a Queen Square (1727/34), que se liga, atravs da Gay Street (1760), ao Kings Circus (1754/60) que, por sua vez, estende-se pela Brock Street (1767/68) at o Royal Crescent (1767/74) (FERRARI, 1991).
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No incio do sculo XVIII, o artificialismo tpico dos jardins clssicos atenuou-se e apareceram parques caracterizados por rvores, crregos e extensos prados. Nascia assim o JARDIM INGLS que se distanciava cada vez mais do modelo axial e geomtrico, de tradio renascentistabarroca, criada pelo poder absolutista e desptico dos franceses. Wiliam Kent (1684-1748), um dos
criadores do jardim naturalista de tradio inglesa, a reao romntica ao paisagismo francs, sustentava que se deveria projetar de acordo com dois fatores fundamentais: a integridade moral, de origens clssicas; e o gosto pelo natural.
LONDRES
A histria londrina iniciou-se com a invaso da Gr-Bretanha (Britania) pelos romanos no sculo I d.C., quando instalaram seu porto, Londinium, s margens do rio Tmisa (Thames), que se desenvolveu e atingiu j 50.000 habitantes no sculo III d.C. Oito sculos depois, estabeleceuse a diviso histrica de Londres em duas partes: a City, centro comercial correspondente ao ncleo romano, em que foi construda a White Tower (1078); e Westminster, sede do governo, onde se construiu a abadia e o parlamento (1240/5). Uma nica ponte a London Bridge (1176) transpunha o rio e levava aos subrbios meridionais da cidade. Na City medieval, instalaram-se os comerciantes e suas instituies e guildas, desenvolvendo-se como uma cidade aberta, no sujeita a ameaas militares e coordenada por prefeitos. Ao seu redor, formou-se uma coroa de subrbios, cujo traado seguia o das ruas dos campos. Contudo, sua populao nunca ultrapassava os 50.000 habitantes, devido a doenas, especialmente a Peste Negra, que dizimou milhares em 1348.
Criticando a pretensa domesticao das paisagens naturais empreendida pelos franceses e inspirando-se, ao mesmo tempo, na apologia ao estado natural feita pelos artistas romnticos e na cultura e artes orientais, os ingleses defendiam a volta do contato humano mais prximo natureza, enfatizando as idias de liberdade e movimento no paisagismo. Deste modo, os elementos do
paisagismo ingls passaram a ser:
Traados curvilneos e tortuosos, objetivando surpresa, variedade de sensaes e simulao de idlicas perspectivas, por meio do manejo de sinuosos contornos naturais; Criao de uma seqncia de experincias (qualidades de umidade, temperatura, textura e som) associadas a impresses visuais (luzes, sombras, cores , formas, etc.) que provocavam emoes variadas e distintas; Eliminao de barreiras visuais e fsicas entre o jardim e o paisagem natural, explorando seus valores ecolgicos e trabalhando com episdios (relvas, clareiras, bosques, matos, lagos, riachos, cascatas, grutas, runas, etc.).
Em 1665, um novo surto da peste dizimou cerca de 100.000 pessoas e, em 1666, ocorreu o Grande Incndio de Londres, que desabrigou outros 100.000 e permitiu a remodelao de algumas reas, o alargamento de vias e a fixao de regulamentos para as novas habitaes. Baseados em modelos franceses,
entre os exemplos barrocos em Londres esto os jardins de Hampton Court, o palcio real de William III (1650-1702) & Mary II Stuart (166294), remodelado em 1689 por Christopher Wren; e os Kensington Gardens, separados do Hyde Park no mesmo ano, alm de Chartswarth (1680/90) e Langleat (1685/1711).
reais do mundo; e o Victoria Park (1845), de Humphrey Repton (1725-1818). A capital britnica Londres pode
ser considerada a primeira grande cidade burguesa, cuja forma urbana no dependeu s de grandes intervenes do governo , mas da soma de um grande nmero de pequenas intervenes particulares.
Alm dos j citados, outros paisagistas romnticos foram Charles Bridgeman (1690-1738); Henry Hoare II (1705-85), criador dos jardins de Stourhead (1725); Capability Lancelot Brown (1716-83) e John C. Loudon (1783-1843), este o introdutor ingls do Gardenesque Style, alm de Joseph Paxton (1803-65), que foi o autor do Birkenhead Park (1844/7), em Londres, alm do Crystal Palace (1851), construdo no Hyde Park por ocasio da Primeira Exposio Universal; e depois transferido para Sydeham.
ROMANTISMO
PLANO DE LONDRES (WREN, 1667)
A fundao do Bank of England em 1694 estimulou o crescimento da cidade e, quando George I (1660-1727) subiu ao trono em 1714, Londres j era um importante centro europeu. Em fins do sculo XVIII, sua estrutura urbana j estava totalmente consolidada, estando dividida em trs setores ao redor da City, seu principal centro administrativo e financeiro: o West End, o setor da nobreza e alta burguesia, o East End, o setor operrio; e a zona sul do rio, o setor comercial.
As transformaes decorrentes da REVOLUO INDUSTRIAL (1750-1830), levaram a profundas alteraes espaciais e socioeconmicas, caracterizadas pelo rpido crescimento urbano, incio da periferizao, proletarizao de milhares de artesos e difuso do liberalismo. Alm das mudanas urbanas, essa
passagem do capitalismo comercial para o industrial conduziu a uma maior discusso sobre a questo da liberdade individual, considerada condio essencial para o desenvolvimento econmico liberal. Foi a partir desse momento que se inseriu a concepo de estado natural, a qual teria grande influncia nas teorias urbanas.
Mesmo com o trmino da era georgiana, j no sculo XIX, vrios arranjos paisagsticos foram realizados, estes completamente definidos pelos ideais romnticos, como os Kew Gardens (1841), os primeiros jardins botnicos
Apesar da idia de que os homens que viviam perto da natureza seriam mais felizes do que os civilizados ser bastante antiga, ela tomou uma fora sem igual especialmente a partir do sculo XVIII. Os sofistas gregos j diziam que as leis e as instituies eram criaes artificiais que respondiam s necessidades humanas, mas que no resultavam diretamente de sua natureza.
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No sculo XVIII, imaginaram-se diversas formas para o estado natural, o que variou conforme as concepes polticas de seus autores que ora aboliam a propriedade privada qui o prprio Estado, ora defendiam a ausncia de luxo e sofisticao em prol da simplicidade ou naturalidade das relaes entre os homens e as mulheres. O francs M. MORELLY (1717-78),
atravs de sua obra La Bailiade (1753) e, principalmente, de Le code de la nature (O cdigo da natureza, 1755), afirmava categoricamente que a propriedade seria a me de todos os crimes, preconizando assim um sistema comunista ao propor a cidade utpica de Basilade.
J o escritor e filsofo francs VOLTAIRE (1694-1778), com sua novela Candide (1759), apresentava a utopia de El Dorado, um pas riqussimo de campos frteis e casas luxuosas, situado em algum lugar entre o Amazonas e o Peru, no qual os incas teriam mantido uma monarquia paternalista sem os espanhis colonizadores darem-se conta. Em sua capital Manoa, fundada na nascente do rio Caroin, tudo seria feito de ouro.
Contudo, segundo Voltaire, apesar de todas as suas riquezas, os habitantes desse pas um povo forte e corajoso descendente da 1 civilizao de Atlntida no eram cobiosos e consideravam seu tesouro suprfluo. O ouro seria usado apenas para embelezar palcios e templos, sendo considerado por eles inferior comida e bebida.
Tomando como modelo o homem primitivo que seria bom e viveria em comunidade , ele props a abolio de todas as instituies que pervertiam a natureza humana propriedade, poltica, matrimnio, privilgios ou leis , apresentando um plano para essa nova ordem social, a partir de um sistema comunitrio de bens (CASTELNOU, 2005). Propondo um sistema de legislao
conforme as intenes naturais, Morelly defendia o modelo ideal renascentista da cidade monocntrica cujo ponto central seria uma grande praa (sntese da idia de comunidade) , de pequenas ou mdias dimenses, a qual se distribuiria de modo equilibrado e ordenado no territrio, negando as foras concentradoras que agiam no crescimento urbano capitalista. Em seu pas utpico, o governo seria republicano e a sociedade organizada em famlias, tribos (cls) e cidades, cada qual definida por um tamanho ideal e previamente controlado. 50
Por sua vez, DENIS DIDEROT (1713-84) defendeu o estado natural do homem em Supplment au voyage de Bougainville (Suplemento viagem de Bougainville, 1771/72), no qual descrevia uma ilha fantstica onde os homens haviam se entregue simplicidade dos instintos primrios. Com isto, contribuiu para reforar a crena de que em terras distantes o homem, em estado natural, era bom e valoroso (CARANDELL, 1974).
Entretanto, a grande utopia pedaggica do sculo XVIII e que teve maiores conseqncias foi a obra do filsofo francs JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-78) intitulada Emilio (1762), a qual propunha um sistema de educao que permitisse ao homem manter sua bondade, inocncia e virtudes naturais.
Denominava-se Atlntida a ilha lendria e de grandes dimenses, que teria existido no oceano Atlntico, prxima ao estreito de Gibraltar. Tendo sido descrita minuciosamente, em sua organizao e riquezas, no Crtias e no Tmaios, de Plato, no sculo IV a.C.; aps violento cataclisma, submergiu no oceano embora algumas partes sobrexistiram , levando consigo seu povo forte e guerreiro; fato supostamente ocorrido por volta de 9560 a.C. De forma um pouco elptica, que se estendia por 533 km de Norte a Sul; e 355 km de Leste a Oeste, a ilha consistia em um planalto elevado cercado de montanhas escarpadas que davam para o mar. Em 1919, Pierre Benoit completou sua descrio atravs de LAtlantide (MANGUEL & GUADALUPI, 2003).
Rousseau intentava fazer possvel a existncia do bom selvagem no mundo contemporneo, atravs de um regresso ao seu estado natural com a manuteno de sua independncia e liberdade ao longo da vida. A partir de um mtodo pedaggico que valorizava a autoaprendizagem segundo a natureza e sem nunca influenciar na pureza e na sinceridade dos sentimentos pessoais, a utopia rousseauniana visava aplicar-se no somente ao indivduo, mas em toda a comunidade (CASTELNOU, 2005). Suas idias influenciaram todo o
pensamento romntico e tiveram vrios seguidores, entre os quais o austraco Johann H. Pestalozzi (1746-1827) e o alemo Johann W. von Goethe (1749-1832). A possibilidade de ruptura com uma forma de organizao j estabelecida, de abandono radical das convenes e comportamentos mais tradicionais, sem entretanto sequer esboar a possibilidade de uma ordem a ser construda, ainda que sob uma forma de representao mental, deixou um espao para a reflexo sobre as possibilidades e impossibilidades de uma cidade utpica.
Em meados do sculo XVIII, tomou-se conscincia de que a grande cidade havia se transformado em um sistema de fatos significativos e isolados, que precisava ser tratado, do ponto de vista urbanstico, como algo policntrico e dinmico. Por este motivo, nesse perodo no
existiram planos gerais de construo de uma nica cidade ideal, mas somente projetos parciais, de setores urbanos ou inclusive de edifcios particulares, os quais representariam esses lugares significativos da cidade como bosque de Laugier.
As principais experincias que devem ser citadas como representativas do ideal da CIDADE NATURALISTA foram:
a) GIOVANNI B. PIRANESI (1720-78): publicou a planta do Campo Marzio dellantica Roma (1757/61) e suas perspectivas, onde j no existia qualquer fidelidade ao princpio tardo-barroco da unidade na variedade, uma vez que a cidade uma Roma antiga completamente reinventada passava a ser formada pela bricolagem de edificaes tratadas isoladamente, resultando em um conjunto catico e sem ligaes entre si;
Essas idias de Rousseau e dos demais utopistas romnticos tiveram grandes repercusses na concepo do que seria a cidade ideal setecentista, a qual deveria, em um primeiro momento, reintegrar o homem natureza, idia que acabou influenciando o Park Movement. Foi MARC-ANTOINE LAUGIER
(1713-1769) quem enunciou a teoria sobre o desenho das cidades como se fossem bosques ou florestas, abrindo oficialmente a investigao terica da CIDADE NATURALISTA, a qual estaria reduzida a um fenmeno natural que superaria qualquer idia priorstica de ordenamento urbano. Com seu Essai sur larchitecture (Ensaio sobre a arquitetura, 1753), Laugier inaugurava a esttica pitoresca, defendendo um traado citadino marcado pela abundncia, pela variedade e pelo contraste, cujo resultado seria de uma beleza estimulante e deliciosa . Aceitava-se assim uma nova complexidade urbana que serviria de estmulo criatividade e fundamentaria toda a teoria da construo da cidade da Ilustrao (TAFURI, 1997).
Como alternativa radical cidade de alta densidade, surgiu tambm na Ilustrao a idia da cidade dispersa na natureza que estabeleceria com esta uma relao de completa imerso e adaptao. Este mito, bastante recorrente na arte e arquitetura do perodo, apareceu claramente nas formulaes utpicas de alguns franceses, que buscaram a imagem da perfeio atravs de propostas de casas isoladas imersas na paisagem. Paralelamente, a cidade ideal setecentista passou a ser pensada em termos de uma nova geometria da natureza, fundamentada na Razo ideal, que propunha a ordem das coisas e a possibilidade de reordenao atravs da fora transformadora da sociedade.
a) TIENNE-LOUIS BOULLE (1728-99): acreditando na architecture parlante (expressiva ou falante), props, entre 1780 e 1790, obras enormes e radicalmente reduzidas a formas volumtricas puras (pirmides, esferas e cones), que simbolizavam a harmonia perfeita, destacando-se o cenotafio da Bibliothque Nationale de Newton (1783), com 152 m de dimetro. Em Architecture: essai sur lart (1775/90), propunha como princpios de ao os mesmos da natureza, para construir uma segunda natureza; b) CLAUDE-NICOLAS LEDOUX(1736-1806): realizou uma autntica pesquisa experimental de elementos arquitetnicos fixos que gerariam uma arquitetura atemporal essencialmente neoclssica e uma cidade hierrquica e harmnica. Em 1774, projetou a primeira cidade ideal da era industrial, La Saline de Chaux, perto de Besanon, na Frana.
Concebida como uma ville sociale, a proposta de Ledoux conservava o trabalho em seu corao simblico. As construes centrais para a fabricao de sal eram rodeadas por casas e jardins dos trabalhadores; e um anel externo incluiria diversas construes comuns (bolsa de valores, hospital e uma construo dedicada glria das mulheres), alm de locais para recreao e educao. O conjunto, baseado nas formas do crculo e do quadrado, foi planejado como uma nova sntese que reconciliaria humanidade e natureza, submetendo o ideal individual a um conceito coletivo, este rgido, ordenado e universal, completamente anti-romntico (CASTELNOU, 2005).
O apelo forma romntica da cidade serviu, em um primeiro momento, para persuadir quanto s necessidades objetivas dos processos postos em movimento pela burguesia capitalista prrevolucionria, os quais seriam por fim consolidados na CIDADE INDUSTRIAL. O naturalismo urbano, a insero
do pitoresco na cidade e na arquitetura ou a valorizao da paisagem na ideologia artstica, tudo tendia a negar a dicotomia, j patente, entre a realidade urbana e o campo. Logo, o verde acabaria incorporado pelo novo organismo urbano liberal enquanto mquina produtora de novas formas de acumulao econmica. 52
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CIDADE INDUSTRIAL
Denomina-se REVOLUO INDUSTRIAL a srie de transformaes econmicas, polticas, sociais, culturais e tecnolgicas, que vinham se processando desde fins do sculo XVIII e que culminaram na primeira metade do sculo XIX, com a passagem da produo baseada na ferramenta (artesanato/manufatura) para aquela baseada na mquina (indstria). Por meio do desenvolvimento contnuo da tecnologia para o fornecimento mais rpido, em maior quantidade e melhor qualidade, de inventos para o ser humano, os progressos industriai deram-se devido ao esprito empreendedor do homem, que buscou solucionar problemas atravs do clculo e reflexo.
Esse desequilbrio acabou se refletindo na arquitetura do sculo XIX, cujo sistema era regido pelas leis naturais e pelas convenes imutveis deduzidas em parte na Antigidade clssica e em parte individualizadas pelo pensamento renascentista, mas que passou, a partir do Iluminismo do sculo XVIII, a ser analisado em suas fontes tericas. O resultado desse quadro foi a
difuso do HISTORICISMO, ou seja, a negao da universalidade das regras clssicas e a busca de outras fontes de inspirao no passado histrico, inicialmente atravs do revivalismo esttico (estilos neoclssico, neogtico, neobarroco, etc.) para a posterior difuso da miscelnea estilstica expressa pelo ECLETISMO. Principalmente a partir de 1850, a arquitetura perdeu o contato com a realidade de seu tempo e o papel do arquiteto passou a ser reservado somente parte esttica, deixando para outros as questes tcnicas e funcionais, o que o tornou alheio discusso dos fins da produo arquitetnica e apenas ligado aos aspectos estilsticas (BENEVOLO, 1998).
Diminuio da mortalidade a partir de 1750 (Aumento do crescimento vegetativo) Melhoria geral dos nveis de vida (Aumento de condies sanitrias) Incremento demogrfico e industrial (Demanda por bens e servios)
A REVOLUO INDUSTRIAL (1750-1830) consistiu em um conjunto de mudanas lentas, progressivas e decisivas, as quais aconteceram em trs nveis:
Econmico-tecnolgico: aumento da produo, da circulao e do consumo de bens e servios atravs da inveno da mquina; Scio-poltico: proletarizao de milhares de artesos e formao de uma reserva de mo-de-obra;
Contudo, a INDUSTRIALIZAO tambm demonstrou decises arriscadas e aes contraditrias, que permearam os sucessos e avanos com crises e sofrimento de muitas pessoas. Tais males ocorreram principalmente pela falta de coordenao entre o progresso cientfico e tcnico e a organizao geral da sociedade, alm da falta de providncias administrativas adequadas para controlar as conseqncias das mudanas econmicas.
Urbano-territorial:
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Modificou-se radicalmente a conformao usual das cidades tradicionais europias, fazendo com que seu antigo ncleo formado principalmente pelos maiores monumentos, pelas moradias e pelas ruas estreitas fosse abandonado pelas classes ricas, que acabaram se estabelecendo em bairros de luxo aos arredores da cidade.
matria em decomposio, possibilitou o nascimento das primeiras Leis Sanitrias inglesas (09.ago.1844 e 31.ago.1848).
Modificaes tcnico-construtivas:
Racionalizao no uso de materiais tradicionais, resultando na melhoria de qualidade, acabamento e transporte; Emprego sistematizado de materiais novos (ferro, vidro e concreto armado); Difuso das mquinas e melhoria aparelhamento dos canteiros de obras; do
Os edifcios e os palacetes passaram a ser ocupados por imigrantes e trabalhadores (proletariado), tal como os jardins pblicos por depsitos e casas mais pobres. Bairros operrios compactos e desordenados multiplicavam-se ao redor das cidades, ao lado de indstrias e villas burguesas (KOSTOF, 1991). Tais mudanas resultaram em
graves problemas de transporte, habitao, servios e salubridade, reivindicando medidas de saneamento para que os conflitos sociais no se tornassem insuportveis. Vrios governos tomaram providncias a fim de resolver essa situao primeiro na Inglaterra e depois nos demais pases , os quais puderam dar os primeiros passos de planejamento. LEIS SANITRIAS passaram a vigorar, as quais no somente se preocupavam com a higiene e a sade dos moradores, como cuidavam da questo habitacional, que passou a ser subvencionada pelo Estado. Definiramse regulamentos para a construo mnima, assim como normas para a composio de conjuntos operrios.
Desenvolvimento das vias de transporte terrestre e aqutico, graas aos avanos na geometria, topografia, etc.
Progressos cientfico-culturais:
Surgimento das regras de geometria descritiva, por Gaspard Monge (1746-1818); Difuso do sistema mtrico decimal a partir da Revoluo Francesa (1789/99); Desenvolvimento de novos conceitos fsicos desde R. Hooke (1635-1703), J. Bernoulli (1654-1705) e C. A. Coulomb (1736-1806), alm de invenes, como a mquina a vapor de James Watt (1736-1819) ; Ciso entre os ensinos de arquitetura e engenharia, com a fundao das Escolas Politcnicas e a incorporao do ensino arquitetnico s Escolas de Belas Artes a partir do sculo XIX.
As condies crticas da CIDADE INDUSTRIAL, principalmente no que se referia s suas condies higinicas e sanitrias, conduziram ao Movimento Higienista, na primeira metade do sculo XIX, responsvel pela primeira legislao de sade pblica, que regulamentava medidas de limpeza das cidades, construo de esgotos e suprimentos de guas livres de contaminao. A partir de 1830, de acordo com
BENEVOLO (1994), epidemias de clera se alastraram na Inglaterra. Com bases estatsticas, o higienista Edwin Chadwick (1800-90) estabeleceu a existncia de uma correlao entre condies de vida e mortalidade. Seu trabalho, que demonstrava que as doenas transmissveis eram causadas por miasmas surgidos da 54
At o surgimento das primeiras escolas parisienses de engenharia cole des Ponts et Chausses (1747) e cole des Ingnieurs de Mzires (1748) , o arquiteto era, ao mesmo tempo, o criador da forma e o nico capacitado para realiz-la. Contudo, sua formao acabou isolada do conhecimento e contato com a realidade cultural de renovao, assim como dos aspectos construtivos que a engenharia aperfeioava rapidamente. Os criadores da nova profisso eram
todos arquitetos construtores de linha definitivamente racional, tanto que definiam arquitetura como a arte de construir, onde o que mais importava era a economia e a funcionalidade. Desde seu momento inicial, a ENGENHARIA fundou-se na investigao cientfica dos problemas fsicos que lidava herana dos mestres gticos at marcar o grande desenvolvimento do sculo XIX e o engenheiro ser considerado o homem moderno por excelncia. Foi ele quem resolveu os novos problemas funcionais, que requeriam solues originais, principalmente atravs das novas tcnicas e materiais.
As doutrinas arquitetnicas do sculo XIX centralizavam-se em uma postura acadmica, que ignorava a vastido dos novos problemas sociais a que a arquitetura deveria servir, numa atitude margem de seus fundamentos culturais. A nova sociedade que emergiu
com o capitalismo industrial fez nascer tambm uma nova ordem do espao urbano, que conduziu a uma revoluo no modo de pensar a cidade. Esta passou a ser compreendida como CAOS que precisava ser controlado e dirigido, de modo a garantir o desenvolvimento das novas relaes socioeconmicas.
As transformaes que marcavam a paisagem das cidades europias, na qual novos elementos o adensamento humano, o barulho, o movimento, os transportes, a vida fervilhante passaram a preencher o cotidiano das avenidas, praas e galerias. Em 1857, o poeta e crtico francs CHARLES BAUDELAIRE (1821-67) publicava sua principal obra, Flores do mal, tornando a cidade sua maior personagem, no como espao concreto, mas sua alegoria: a multido flutuante, instvel e fulgaz, atravs da qual o poeta via Paris (CASTELNOU, 2005).
Por meio das imagens momentneas, as paisagens passantes ou os olhares furtivos que se cruzavam nos becos e nas ruas da metrpole que comeava a se desenhar, descrevia aquela experincia vivida do choque da modernidade e, segundo o filsofo 2 Walter Benjamin (1892-1940) , do desenvolvimento da cultura como mercadoria, o que marcaria a sociedade de massa. Adotando a elegncia de um dandy e uma atitude de cio e liberdade, Baudelaire foi enormemente criativo. Fascinado pela modernidade que se manifestava na urbanizao europia, atuou como verdadeiro flneur, ou seja, a anttese do burgus ou um passante ocioso, perdido na grande metrpole, livre para vaguear, observar, meditar e sonhar. Para ele, os habitantes da cidade so vistos como se movendo atravs de um espao fragmentado construindo a sua atividade com base na imaginao. A flnerie seria um modo de sociabilidade em que se guarda ciosamente a sua individualidade e, obscurecendo-se por detrs da mscara do annimo e insignificante homem da multido, envereda por um percurso que o aliena da eventual possibilidade de uma relao intersubjetiva mais aprofundada com os outros agentes que se movimentam nela.
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Novo cenrio do Capital, a CIDADE INDUSTRIAL transformou-se em um emaranhado de problemas, que passou a ser um campo de experimentaes urbansticas, ora a partir de modelos neoclssicos de inspirao francesa, ora por meio de amplos programas habitacionais de bases britnicas; ou ainda atravs de traados em retcula ortogonal, aplicados na Amrica.
No emergir da CIDADE INDUSTRIAL, liberal e capitalista, nasciam tambm a Sociedade da Mquina e uma nova forma de ver, sentir e viver a vida urbana (BENEVOLO, 1994; 1998).
O filsofo e escritor alemo de origem israelita Walter Benjamin (1892-1940) pode ser considerado um dos maiores crticos da esttica do sculo XX, especialmente devido sua reflexo sobre linguagem e arte sob a tica marxista que fez junto Escola de Frankfurt. Particularmente interessante foi sua contribuio com A obra de arte na poca de sua reprodutibilidade tcnica (1936), em que j identificava as novas atitudes do pblico, realizadores e atores, transformados pelo progresso tcnico e esttico do cinema.
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As origens da urbanstica moderna deram-se a partir de dois grupos de agentes que se propuseram a transformar a CIDADE INDUSTRIAL, a saber:
a) Reformadores urbanos ou urbanistas neoconservadores: agentes e executores de grandes intervenes de renovao de alguns centros europeus que, diante da necessidade de dotar as cidades de condies para o enfrentamento das mudanas produzidas pela industrializao, reforaram o carter tcnico do urbanismo, voltando-se para reformas grandiosas; b) Socialistas utpicos ou pr-urbanistas: generalistas na maioria, historiadores, economistas e polticos que apresentaram uma srie de propostas, que no passavam de obras hipotticas, de cunho essencialmente utpico j que se pensava ser possvel o restabelecimento da ordem, abandonando-se a cidade industrial e voltando-se a viver no campo, atravs de uma atitude nostlgica.
Plano de carter esttico, tcnico e higienista, que incluiu a abertura de novas artrias para o trnsito nos velhos bairros; a criao de praas e grandes parques; a urbanizao de terrenos perifricos, atravs da construo de novos subrbios; a reconstruo de prdios ao longo dos recentes alinhamentos; e a renovao dos sistemas de gua, saneamento, iluminao e transporte pblico; alm da reforma de todo o sistema administrativo parisiense, com descentralizao e instalao de novos edifcios pblicos.
Viena (1857/69)
URBANISMO NEOCONSERVADOR
Com os movimentos e revoltas sociais da segunda metade do sculo XIX, conforme BENEVOLO (1994), muitos pases europeus submeteram-se a uma nova direita, autoritria e popular, por meio da qual se passou a fazer o controle direto do Estado sobre a vida econmica e social, alm de efetuar uma srie de reformas de carter coordenador e de preocupao anti-revolucionria.
Iniciaram-se assim grandes intervenes urbanas visando regular a CIDADE INDUSTRIAL em uma escala apropriada nova ordem socioeconmica, atravs da prtica de programas saneadores e de remoo do proletariado das reas centrais com a demolio das reas insalubres.
Plano de reforma urbana baseado na demolio das antigas muralhas da cidade e na construo da Ringstrasse, uma rua circular ligando novas instituies polticas e culturais.
Barcelona (1859/70)
Plano reticular de expanso urbana ( Eixample), de forte carter estrutural, baseado em uma inovadora proposta de distribuio e ocupao de quadras por espaos pblicos.
Londres (1863/91)
Conjunto de aes que incluram a criao do Metropolitan Railway (1863), o primeiro metr do mundo; do Peabody Buildings (1870) para abrigar pobres; e do primeiro borough (bairros proletrios) do LCC (1891).
O Plano de Haussmann, realizado a mando de Napoleo III (1808-73), acabou se repercutindo nos planos de Florena (1864), Marselha (1865), Estocolmo (1866) e de Toulouse (1868); assim como influenciou as propostas para Roma, Bolonha, Colnia, Leipzig, Copenhague, Adelaide e Brisbane, entre outras.
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CIDADE AMERICANA
Como colnia britnica de 1607 a 1783, os EUA tiveram como elementos de sua tradio urbanstica aqueles provenientes da Inglaterra, derivados especificamente de trama reticulada, disposta de modo rigoroso e invarivel como ponto de referncia para a implantao arquitetnica (modulao ortogonal), como atestam os planos de Filadlfia (Pensilvnia, 1682), Cambridge (Mass., 1699), Savannah (Georgia, 1732) e Reading (Pensilvnia, 1748). Em relao construo, os
primeiros colonos esforaram-se em reproduzir sistemas convencionais, como a cantaria e a alvenaria de tijolos, sendo a carpintaria aquele que se tornou mais vivel. Baseada no repertrio clssico ingls, foi adaptada s condies climticas do local, marcadas por invernos rigorosos e veres quentes (uso de varandas externas, chamins com lareiras, etc.).
Denomina-se Baloon Frame a tcnica construtiva norte-americana em carpintaria, sendo a estrutura externa coberta com tbuas horizontais e internamente com revestimentos leves, deixandose uma cmara de ar isolante e pequenas aberturas.
Charleston, fundada em 1672 em um territrio entre os rios Ashley e Cooper (South Caroline), era formada por oito quarteires irregulares de permetro fortificado. A cidade expandiu-se alm dos muros a partir de 1717, quando foi estabelecida sua praa central com mercado em 1739.
NOVA YORK
Foi criada em 1624 pelos holandeses como Nova Amsterd, um entreposto de peles situado na foz do rio Hudson, ao sul da Ilha de Manhattan, esta ocupada pelos ndios algoquianos, que a venderam em 1626. Recebeu os primeiros escravos em 1625 e os primeiros colonos judeus em 1654, quando tambm se construiu uma paliada contra os ndigenas, passando a rua ao seu lado chamar-se Wall Street.
Fugindo do traado urbano puramente retilneo, foram poucas as excees, entre as quais Annapolis, fundada em 1649 na foz do rio Severn, na baa de Chesapeake (Maryland) que foi a primeira cidade norte-americana a apresentar uma estrutura formada de duas praas circulares ligadas por uma avenida num conjunto de ruas ortogonais.
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Com o fim da Guerra da Independncia Americana (1775/83), instaurou-se uma democracia fundada na soberania popular e nos direitos inalienveis da pessoa humana, o que forneceu novos nimos aos idealistas e revolucionrios europeus que lutavam contra o Ancin Rgimen e que conduziriam Revoluo Burguesa (1789/99), iniciada na Frana. As fundao das novas sedes dos
orgos polticos e administrativos dos 13 estados e a nova capital do pas, Washington, exigiram a adoo de um novo estilo, optando-se pelo NEOCLSSICO por seu significado ideolgico: smbolo da virtude republicana de bases francesas. Nascia assim a imagem da Amrica radical, em que se buscava a difcil conciliao entre as formas palladianas e o ideal democrtico.
WASHINGTON DC
Em 1790, o Congresso norte-americano decidiu construir uma capital federal perto do esturio do rio Potomac, batizada em homenagem a George Washington (173299), primeiro presidente dos EUA, entre 1789 e 1797, depois de comandar as foras das 13 colnias na luta pela independncia. A cidade foi construda de 1800 a 1871, mais ou menos segundo o plano do francs Pierre Charles lEnfant (1754-1825), elaborado em 1791. Na planificao de Washington, o
programa ideolgico jeffersoniano foi aceito integralmente. Atravs de um traado regular, em tabuleiro de xadrez cortado por diagonais, em que se criavam jardins e esplanadas, fundava-se um mundo novo, que correspondia a uma escolha unitria; uma deciso que nenhuma vontade coletiva tinha apresentado na Europa.
Foi Thomas Jefferson (1743-1826) quem melhor representou essa duplicidade arquitetnico-poltica da tradio clssica americana, reconhecendo com extrema lucidez o valor institucional e pedaggico da arquitetura, ao mesmo tempo em que adotava o neoclassicismo e a ideologia naturalista como guias prticos para a construo da democracia americana. Monticello, a cidade projetada e
construda por ele para si mesmo, de 1794 em diante, um monumento a essa utopia, em que o modelo palladiano seria usado de modo pragmtico, j que, embora tenha a aparncia de uma villa-templo, apresentava uma srie de invenes tcnicas e funcionais em seu esquema geomtrico, integrando classicismo e funcionalidade, exemplificando sua viabilidade civil e social concreta.
Jefferson aceitava o aspecto herico do classicismo como mito europeu a se tornar americano, mas o apresentava como Razo construda, capaz de unificar os ideais divergentes da jovem nao e tambm como valor acessvel e social, o que pode ser igualmente observado em seu projeto para o novo Capitlio de Richmond (Virginia, 1784); ou no plano de implantao da Universidade de Virginia, em Charlottesville (1817/26).
Sua conformao urbana assumiu um significado primrio e preponderante dos modelos disponveis da cultura e da prxis urbanista europia. A partir da tradio americana, sobreps-se um quadrillage colonial ao esquema, ento de vanguarda, sugerido pelo jardim francs, pelo plano de Wren para Londres e pela fantstica Paris de Patte. A cidade tornou-se de fato uma nova natureza e os modelos da cultura absolutista acabaram expropriados e traduzidos pela capital democrtica (TAFURI, 1997).
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PARK MOVEMENT
Em meados do sculo XIX, os ideais romnticos e naturalistas conduziram os americanos para o desenvolvimento do chamado Park Movement, o qual se contraps baixa qualidade de vida nas cidades, decorrente dos efeitos negativos da industrializao, bem como dos graves processos de explorao da natureza, estes exercidos pela agricultura e pecuria em expanso nos EUA. Este movimento contribuiu para
uma radical transformao no significado da relao entre homem e natureza, alm de promover uma grande campanha pela conservao dos recursos naturais, assim como pela renovao das paisagens deterioradas pela ao humana naquele pas (FRANCO, 1997).
As bases do movimento dos parques americanos encontravam-se nos textos de escritores que criticavam as graves conseqncias da industrializao: a) George P. Marsh (1801-82): considerado
um dos fundadores do conservacionismo norte-americano, atravs de seu livro Man and nature (Homem e natureza, 1864), atacou o mito da superabundncia e, introduzindo uma nova viso ecolgica, apontando a deteriorao dos solos e as inundaes como resultado do descaso humano em relao ao meio natural;
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Tambm contriburam para o movimento as experincias dos rural cemeteries e de algumas comunidades religiosas utpicas, iniciadas nas primeiras dcadas do sculo XIX, como as dos mrmons (1833/44), que tm em John Adolphus Etzler suas bases tericas mais slidas. Na dcada de 1820, fundaram-se
nos EUA algumas Horticultural 3 Societies , associaes que se posicionavam contra a ordenao tradicional dos cemitrios prximos s igrejas urbanas e, por motivaes scio-culturais e religiosas, consideravam-nos um lugar bastante particular da cidade, no qual a os elementos naturais deveriam prevalecer sobre a morte. No novo conceito de cemitrio rural, o visitante atravessaria primeiramente um parque e, entrando na natureza, deparar-se-ia com uma paisagem de inteno mstica, cujas imagens fnebres, eruditas e celebrativas, converter-se-iam em uma decorao naturalista. Este esprito seria traduzido atravs de um respeito criterioso do projetado e construdo para com as condicionantes geogrficas e as formas ambientais.
Entre 1843 e 1845, Robert F. Gourlay (1778-1863) elaborou os planos de ordenao de Boston e Nova York; e em 1844, William C. Bryant (1794-1878) iniciou no New York Evening Post uma campanha a favor dos parques pblicos. J em 1851, Downing descreveu como deveria ser o parque no centro da ilha de Manhattan, em Nova York o Central Park4 a projetado cinco anos aps seu falecimento, por Frederick L. Olmsted (1822-1903) e Calvert Vaux (1824-95). Foi sem dvida Olmsted o arquiteto
paisagista que, atravs de seus trabalhos em Nova York, Chicago, Detroit, San Francisco, Washington, Filadlfia e Boston, alm de outras, quem forjou um papel definitivo para os parques urbanos no sculo XIX, estabelecendo-os em estreita relao com a diminuio dos problemas ambientais e sociais da cidade naquela poca (KOSTOF, 1991).
ANDREW J. DOWNING (1815-52), editor da revista The Horticulturist desde 1845, foi um dos maiores propagandistas da idia de parque pblico, para a qual preconizou o estilo a que chamou de Beautiful, por meio de uma esttica orgnica e uma linguagem pitoresca que traduziriam as imagens naturais, de valores religiosos e sociais, na teoria e na prtica do American landscape. Mesmo com poucas chances de
colocar em prtica suas idias, seus escritos assinalavam a importncia das virtudes rurais sobre os processos de crescimento urbano e acabaram influenciando o movimento nacional a favor da criao de parques.
Olmsted defendeu o uso econmico do espao livre, procurando melhorar o clima urbano e minorar a poluio do ar e da gua, alm de mitigar as enchentes e proporcionar um espao agradvel para passeio e moradia; fornecendo um contraponto naturalstico aos edifcios e ruas congestionadas. Via nos parques a possibilidade de assegurar comodidade, segurana, ordem e economia nas grandes cidades e, mais ainda, viaos como sinnimo de justia social e de participao democrtica (CASTELNOU, 2005).
Uma das mais ativas dessas associaes foi a Massachusetts Horticultural Society, criada em 1829 em Boston e responsvel pelo novo cemitrio de Cambridge, o Mount Auburn Rural Cementery. Outro exemplo foi o Greenwood Cemetery de Brooklyn NY, no qual a irregularidade dos percursos, a intencional sinuosidade dos caminhos e a interferncia de pequenos bosques, contrastam com a rigidez agressiva da estrutura reticular dominante dos parcelamentos urbanos.
Fruto de um concurso pblico em 1858, do qual o Greesward Plan, de Olmsted e Vaux, foi o vencedor, o Central Park consiste basicamente de um retngulo de 750 m por 3750 m, o que perfaz 2 cerca de 3.000.000 m , ou seja, 770 acres, dos quais 150 foram reservados para a gua. Possui ainda a separao de sistemas virios para pedestres, cavaleiros e carruagens, assim como ruas de trnsito externo e passagens em desnvel nas interseces , alm de caminhos pitorescos.
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A partir de Olmsted, o PARQUE URBANO passou a ser smbolo de uma nova vida comunitria e, ao mesmo tempo uma opo urbanstica que se justifica em argumentos de ordem econmicofuncional, alm de consideraes ticoideolgicas sobre sua funo social. Um exemplo da aplicao dessa forma de pensar pode ser verificado atravs do seu trabalho em Boston desde 1867. Olmsted props um plano integrado
de parques focado sobre seis intervenes principais, coordenadas na direo leste-oeste por um sistema de parkways, o qual foi a primeira expresso da exigncia de se formular planos urbanstico de conjunto, visando a reestruturao de uma cidade. A partir de 1880, Boston converteu-se em um dos centros mais dinmicos de difuso do paisagismo. Alm dos nomes j citados, tambm fizeram parte do Park Movement: Jacob Weidenmann (1829-93), graas sua ao propagandista e obras desenvolvidas desde 1864 como superintendente dos parques de Hartford; Horace S. Cleveland (1814-1900), que realizou o plano de Minneapolis j com o conceito de uma reforma urbana global, a partir de 1883; e Charles Eliot (1859-97), o intrprete e herdeiro da obra iniciada em Boston por Olmsted (CIUCCI et al., 1975).
Paralelamente ao movimento dos parques americanos, surgiu tambm um conjunto de estudos, os quais fundamentaram o chamado CONSERVATION MOVEMENT, ou seja, o conjunto de aes pela conservao e/ou preservao das reas naturais nos EUA, que resultou em uma importante influncia no urban planning e na cultura regionalista norte-americana. Um dos pioneiros desse movimento
foi John W. Powell (1834-1902), representante do Geographic and Geological Survey, na regio das Montanhas Rochosas. Suas consideraes cientficas foram decisivas para a definio das diretrizes da poltica de colonizao do oeste americano. Da sua ao e de seus discpulos nasceu a primeira
reserva natural do mundo, em 1872, o Yellowstone National Park, situado em Wyoming EUA.
Apesar de no ter havido na Europa muitas chances para a aplicao de seus princpios, considera-se a reconstruo da Kingsway (1900/10) em Londres, influenciada pelo movimento, assim como a arquitetura celebralista dos anos 30/40. Embora de carter superficial,
anteciparam-se muitas preocupaes urbansticas, tais como tamanho e forma das ruas; dimenso, carter dos edifcios e sua localizao na relao recproca com os espaos pblicos; disposio das zonas sem edificao; e tratamento destas com a eventual presena de ruas e com a distribuio dos objetos emergentes sobre elas.
CHICAGO
Fundada em 1804 por John Kinzie, a partir de um forte s margens do lago Michigan, tinha suas caractersticas urbanas baseadas na tradio americana de se dividir o terreno de modo reticular, alm de ser inteiramente em madeira, no tradicional sistema do balloon frame. Em 1871, um grande incndio
destruiu quase que completamente a cidade, a partir de quando se inicia um perodo de reconstruo intensificada de seu centro (loop), onde arquitetos e engenheiros experimentaram novos materiais e sistemas construtivos, formando uma corrente pioneira do modernismo, atravs da estrutura em ao, da bomba hidrulica, do elevador eltrico e do arranha-cu. Depois da Columbian Worlds Fair (1893), Chicago tornou-se uma metrpole emergente, a qual crescia desmensuradamente, passando a requerer um processo de planejamento. Daniel H. Burnham (1846-1912), que havia sido o diretor dessa exposio, tornou-se o responsvel pela remodelao e adaptao do traado centenrio das artrias comerciais.
Junto a Edward H. Bennet (18741954), props um plano para Chicago, o qual foi gestado por cerca de uma dcada, publicado em 1909 e parcialmente implementado, que buscou devolver cidade sua perdida harmonia visual e esttica, enfatizando a arborizao viria e a situao de prdios simblicos (teatros, bibliotecas e museus).
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CIDADE BRASILEIRA
A chegada da Coroa portuguesa em 1808 provocou uma srie de modificaes na Colnia, tais como a abertura dos portos, a implantao da imprensa, a criao de novas escolas e a chegada sistemtica de profissionais qualificados. O Rio de Janeiro, ento capital colonial, passou pela primeira vez a irradiar novos aspectos culturais para o pas, incluindo moda, msica, decorao e construo. A abertura dos portos possibilitou a
importao de novos materiais, equipamentos recentes e produtos industrializados resultado dos tratados poltico-comerciais feitos com a Inglaterra , os quais contriburam para a alterao da aparncia das construes urbanas. O Estilo Neoclssico passou a ser o oficial e irradiou-se por toda a parte. O NEOCLASSICISMO foi oficialmente introduzido no Brasil atravs da Misso Francesa de 1816, que consistiu em um grupo, contratado por D. Joo VI (1767-1826), dirigido por Joachin Lebreton (1760-1819) , formado por sete professores, trs auxiliares e seis mestres artfices, entre os quais serralheiros, marceneiros e ferreiros. Seu objetivo principal era ensinar aos brasileiros as novas manifestaes artsticas, as recentes tcnicas e os decorrentes aperfeioamentos de mode-obra que ocorriam na Europa.
Apesar da Independncia, a sociedade brasileira permaneceu nos mesmos padres anteriores e a arquitetura da primeira metade do sculo XIX pode ser considerada uma simples continuao da estrutura colonial, uma vez que se conservou as condies de vida scioeconmica, estas representadas pela agricultura de exportao e pelo trabalho escravo, estendido construo civil. O neoclassicismo disseminou-se e
os proprietrios rurais e elites urbanas, que j imitavam os costumes da Corte, passaram a adotar os padres de vida e comportamento europeus. Era o EUROPESMO tomando conta do pas, no qual se desconsiderava as condies brasileiras de existncia para reproduzir conceitos europeus, ausentes de qualquer originalidade ou valor artstico prprio. Era a negao da vida e da histria locais em prol da importao de modelos estrangeiros.
Contudo, foi principalmente com a INDEPENDNCIA (07.set.1822) que se iniciou um verdadeiro processo de estruturao do Brasil enquanto nao, a qual necessitava reorganizar-se, promovendo profundas alteraes nas velhas e pequenas cidades, designadas a desempenhar novas e sofisticadas funes administrativas. Consolida-se o trabalho feito por
profissionais, assim como as prticas urbanas e de criao de reas pblicas. As transformaes polticas deram enfim novos significados aos elementos da antiga estrutura social e contedo nova arte que crescia.
Paralelo a este amplo processo de europeizao cultural e conseqente aburguesamento das camadas rurais, que adotavam em suas moradias os mesmos esquemas de vida urbana, afirmava-se o gosto neoclssico nas construes e nas cidades brasileiras caracterizadas por:
a) Esquemas compositivos simtricos e altamente contidos (clareza construtiva e simplicidade de formas, atravs do uso de elementos clssicos, tais como frontes, colunas, pilastras, platibandas e cornijas); Aperfeioamentos materiais (alvenarias, telhas, metais, etc.) e tcnicos (calhas, rufos, vidros, etc.) nas obras importantes, devido aos profissionais estrangeiros, incluindo detalhes em aberturas, revestimentos e coberturas; tentativa de reproduzir a paisagem europia, e de um novo tipo de residncia, que representava a transio entre os velhos sobrados coloniais e as casas trreas a casa de poro alto.
b)
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Em novembro de 1826, fundou-se a Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro, a qual passou a promover e difundir a instruo e conhecimentos em vrias reas, destacando-se a criao do primeiro curso de arquitetura do pas por Auguste-Henri-Victor GRANDJEAN DE MONTIGNY (1776-1850). Entretanto, foi somente na segunda
metade do sculo XIX, quando houve a passagem de uma sociedade escravocrata para uma industrial que houve a adoo de novas formas de produo e uso da arquitetura brasileira, alm da difuso do aprendizado sistemtico em escolas de nvel superior e do aparecimento de construtoras maiores centralizando os meios de trabalho.
As principais mudanas que ocorreram a partir de 1850 e influenciaram o quadro arquitetnico e urbano brasileiro foram:
a) Com a supresso do trfico de escravos (1850) e a abolio da escravatura (1888), comeou a substituio do trabalho escravo pelo remunerado, surgindo as primeiras empresas prestadoras de servios, inclusive de construo civil; b) A cultura cafeeira transferiu o plo econmico e poltico do pas do Nordeste, devido s lavouras de cana, algodo e fumo, para o Sudeste, quando os lucros do caf levaram ao surgimento de um germe de industrializao crescente, voltado para o mercado interno; c) Alm da abolio, a imigrao europia realizada para abastecer de mo-de-obra das lavouras de caf contribuiu para a melhoria das condies de produo nacional, uma vez que representou a chegada de mo-de-obra especializada; d) A implantao das ferrovias entre 1868 e 1875 resultou em um crescimento vertiginoso, que trouxe indstrias e estas atraram imigrantes de todas as classes e profisses, alm de melhorar as condies de transporte e troca cultural; e) O Exrcito passava a ser, principalmente depois da Guerra do Paraguai (1865/70), uma fora nova e expressiva dentro da vida nacional. A partir de 1870, uma nova burguesia, formada por militares, mdicos e engenheiros, assumiu importante papel sobretudo no setor industrial. Esta camada utilizada uma arquitetura mais elaborada que a neoclssica, desta vez tipicamente urbana e sem uso do trabalho escravo: a arquitetura ecltica.
Nessa poca, surgiram as primeiras escolas de engenharia, com o objetivo de transmitir a tecnologia europia, sobretudo no setor das construes e dos servios urbanos. Houve um aumento das campanhas para a educao popular e a preparao de quadros nacionais de oficiais. Em 1873, fundou-se a Sociedade Propagadora de Instruo Popular, que em 1882 tornou-se o Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo, com a participao de muitos profissionais, entre os quais Francisco de Paula RAMOS DE AZEVEDO (1851-1928).
Em torno das escolas superiores, formaram-se grupos entusiastas do desenvolvimento industrial e cientfico europeu, os quais se empenharam em transformar o quadro social brasileiro, substituindo a ordem monrquica por uma republicana e democrtica, baseando-se principalmente nos ideais positivistas do francs Auguste Comte (1798-1857). A Proclamao da REPBLICA
(15.nov.1889) permitiu grandes transformaes scio-econmicas e tecnolgicas ao pas, as quais modificaram totalmente a forma de viver dos brasileiros e permitiram, principalmente com a difuso dos trabalhos de Haussmann, a alterao da paisagem urbana das capitais. 64
Denomina-se ECLETISMO a miscelnea estilstica que se disseminou no pas a partir de 1875, a qual propunha uma conciliao na polmica sobre a adoo de estilos historicistas. Inicialmente baseado nos princpios romnticos, pois buscava uma volta s origens histricas e valorizao da expresso pessoal e liberdade criativa, assumiu aos poucos bases construtivas mais consistentes, com sentido racional, passando a ameaar as posies acadmicas de ento.
Alm das mudanas construtivas (preciso das paredes, telhas e pisos industrializados, instalaes, etc.) e estticas (estilos importados, chalets e jardins, etc.), houve vrias alteraes na implantao das edificaes urbanas. Comearam os primeiros esforos de libertar as construes dos limites dos lotes. Assim, conservando-se o alinhamento da rua, recuava-se em uma das laterais e as residncias eram enriquecidas com um jardim favorecendo iluminao e ventilao.
Paralelamente, com o processo de descentralizao poltica empreendida a partir da Repblica, destacou-se a criao de duas novas capitais que procuravam seguir os padres de urbanismo considerados modernos para aquela poca (Beautiful City Movement):
BELO HORIZONTE (1893/97): criada a partir do arraial de N. S. da Boa Viagem do Curral Del Rei (1750), que pertencia ao Municpio de Sabar, substituiu Ouro Preto segundo o projeto de Aaro Reis (1853-1936) e sob o nome de Cidade de Minas, trocado em 1901. O plano, efetivado pelo engenheiro Francisco de Paula Bicalho (1847-1919), caracterizase por uma rede de avenidas em diagonal sobrepostas a um quadriculado de ruas, de inspirao em Washington DC, nos EUA; e em La Plata, na Argentina; GOINIA (1933/37): resultante da inteno de transferncia da capital do Estado antes Gois Velho, um arraial de 1727 que foi elevado condio de Vila em 1739 (Vila Boa) foi projetada com um duplo padro de ruas, sendo do sul de Atlio Correia Lima (1901-43) e do norte, mais recente, da firma dos irmos Coimbra Bueno, onde do Centro Cvico irradiam-se ruas e avenidas, inspiradas pelo Beautiful City. Embora a transferncia da sede do governo tenha ocorrido em 1937, a cidade foi oficialmente inaugurada em 1942 (GUIMARES, 2004).
Destacou-se a ao do engenheiro sanitarista Francisco Saturnino de Brito (1864-1929), fundador do primeiro escritrio de engenharia consultiva do pas e autor de Le trac sanitaire des villes, primeiro trabalho sobre urbanismo no Brasil. Alm do projeto de saneamento da lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, e da retificao do rio Tiet, em So Paulo, suas idias foram aplicadas com maestria nas reformas de:
a) SANTOS (1886): situada na ilha de So Vicente, ao fundo da baa de Santos, foi criada como embarcadouro e povoado por Brs Cubas, tornando-se vila (1545) e depois cidade (1839). Seu crescimento, assim como problemas com inundaes e doenas endmicas, conduziu a um processo de saneamento que durou mais de uma dcada, encabeado por saturnino de Brito. Santos acabou por superar em 1892 o Rio de Janeiro como o maior porto brasileiro. b) VITRIA (1896): vila porturia criada em 1535 por Vasco Fernandes Coutinho, donatrio da capitania do Esprito Santo, que se elevou condio de cidade somente em 1832 e tambm passou por um amplo projeto de expanso em 1896, da autoria de Saturnino de Brito, que traou, sob o modelo haussmanniano, um plano geral cortado por eixos diagonais e com malhas octogonais definindo quarteires. c) RECIFE (1910): surgida como pequeno ncleo de pescadores na foz dos rios Capibaribe e Beberibe, por volta de 1548, a Povoao de Arrecifes transformou-se em porto de Olinda, sede da capitania de Pernambuco. A partir de 1910, passou por uma modernizao da zona porturia e bairros adjacentes, empreendida por Saturnino de Brito, que introduziu a metodologia de zoneamento, alm de uma srie de obras de saneamento.
Na passagem do sculo, em plena Belle poque, o crescimento urbano acelerouse, sendo instaladas nas cidades redes de abastecimento de gua, luz e esgoto, alm de surgirem as primeiras linhas de transporte coletivo. As ruas passaram a contar com arborizao, jardins, iluminao e passeios para pedestres. Progressivamente, os proprietrios
de terras transferiram suas residncias para bairros novos dos centros urbanos, tais como Campo Elseos, Santa Ceclia e Vila Buarque, em So Paulo; Flamengo, Botafogo e Laranjeiras, no Rio de Janeiro; Vitria e Campo Grande, em Salvador; e Independncia, em Porto Alegre. Cresceram tambm os bairros populares devido ao xodo rural, sendo estes formados pelas camadas que vinham buscar novas oportunidades na indstria, comrcio e funcionalismo pblico. Multiplicaram-se assim favelas e cortios na periferia dos maiores centros urbanos do pas. 65
RIO DE JANEIRO
Fundada por Estcio de S (1520-67) em 1565 a partir da necessidade de retomada da baa de Guanabara, conquistada pelos calvinistas franceses desde 1555, situavase originalmente no istmo entre o Morro Cara de Co e o Po de Acar. Com a derrota infligida Frana, transferiu-se para o alto do Morro de So Janurio (depois Morro do Castelo), como fortaleza militar cercada de muros e em cujo interior construram-se a S, a Igreja Jesuta e a Casa de Cmara e Cadeia. As condies excepcionais de
abrigo e segurana, garantidas pela quantidade de morros e pequenos macios isolados favoreceram a defesa e o desenvolvimento do porto. Em princpios do sculo XVII, quando extravasou para a vrzea, seu traado era prximo do regular, com a paisagem marcada pelo casario compacto e pelas ruas estreitas. Em virtude ao grande impulso dado lavoura e descoberta das minas, aumentaram-se as correntes migratrias e, em 1763, transferiu-se de Salvador para o Rio de Janeiro a capital da Colnia. Ergueram-se edificaes maiores, como o Palcio do Governo e os Conventos de Santo Antonio e de So Bento.
Neste contexto, fez-se melhorias no Passeio Pblico e no Campo de Santana, situados prximos ao ncleo histrico; e criou-se o Jardim Botnico (1808), implantado junto lagoa Rodrigo de Freitas, seguindo uma nova idia surgida na Europa, que era a de proporcionar espaos ao ar livre para usufruto das elites, onde estas pudessem exibir sua riqueza e poder (CASTELNOU, 2005). No Segundo Imprio, o traado
neoclssico desses espaos acabou alterado por influncia anglo-francesa de Auguste-Franois-Marie Glaziou (1828-1906), que, em 1862, introduziu elementos romnticos no Passeio Pblico e no Campo de Santana, este ltimo transformado no primeiro parque pblico do pas em 1873.
Com a chegada das 15.000 pessoas que compunham a Corte portuguesa, em 1808, o Rio de Janeiro que contava at ento com cerca de 50.000 habitantes tornou-se um entreposto comercial e administrativo que se transformou em uma cidade rica em recursos, conseguindo investimentos de porte vindos de todo o pas, os quais financiaram rpidas e profundas transformaes urbanas.
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Foi a partir da difuso dos trabalhos de Haussmann que o governo imperial promoveu uma poltica de modernizao da capital brasileira e, em 1874, formou-se a Comisso de Melhoramentos do Rio de Janeiro, que elaborou o primeiro plano de reforma urbana.
Tornando-se smbolo do progresso e da modernizao nacional em toda a Primeira Repblica (1889-1930), o Rio serviu de modelo para as demais reformas urbanas que ocorreriam nas maiores cidades do pas. A
expanso da cidade continuou nas primeiras dcadas do sculo XX, esta condicionada pela topografia que no permitiu um crescimento regular, fazendo aparecer novas favelas e sub-centros, como Copacabana e Tijuca.
Como uma tentativa de uniformizao, entre 1927 e 1930, o prefeito Antnio Prado Jr. (18801955) contratou o francs ALFRED D. AGACHE (1875-1959), que elaborou um plano em 1929, intitulado Remodelao de uma Capital, executado parcialmente:
Remodelao de vias e praas aos moldes do Beautiful City Movement, principalmente na Chicago de Burnham e na Viena de Wagner; Melhoria do sistema de saneamento e iluminao pblica, alm do desmonte do Morro do Castelo que passou a ser a Esplanada do Castelo e criao dos Jardins da Glria.
A partir de 1903, o engenheiro Francisco Pereira Passos (1836-1913), ento nomeado prefeito pelo presidente, recebeu todo aval para iniciar uma srie de remodelaes na capital federal, j com 500.000 habitantes, que deveria assumir uma imagem cosmopolita como Paris. Foram estas as maiores alteraes ocorridas no Rio de Janeiro, at hoje no superadas em escala e proporo:
a) Abertura da Avenida Central (hoje Rio Branco) a partir da demolio de cerca de 3.000 casas por justificativas sanitrias e de livre acesso ao porto, resultando na expulso de camadas populares sem indenizaes ou planos de apoio, conduzindo favelizao dos morros; Quando inaugurada em 1904, a Central possua cerca de 30 prdios prontos e quase 90 ainda em construo, que deveriam ter obrigatoriamente estilo ecltico, incluindo as sedes do Poder Legislativo e Judicirio, Escola Nacional de Belas Artes, a Biblioteca Nacional e o Teatro Municipal (1906/10), este criado por Francisco de Oliveira Passos, filho do ento prefeito; b) Criao da Avenida Beira-Mar, unida ao novo cais do porto cuja reforma estava sob responsabilidade do engenheiro Lauro Severiano Mller (1864-1926) pela Avenida Central, a qual estariam ligadas duas novas praas: Mau e Floriano, hoje conhecida por Cinelndia; c) Canalizao de rios, criao de jardins, construo de tneis e melhoria do sistema virio e do saneamento urbano com a colaborao de Oswaldo Cruz (1872-1917) para evitar surtos de febre amarela, varola e peste bubnica.
Com a intensificao do processo industrial, a partir da dcada de 1940, houve a proliferao cada vez maior de favelas ocupando as encostas dos morros e tambm de novas centralidades, como Meier, Engenho Novo, Madureira, Campo Grande e Ramos. A transferncia da capital federal para Braslia DF, em 1960, no minimizou o ritmo da urbanizao crescente e hoje a Regio Metropolitana do Rio de Janeiro engloba vrias cidades perifricas, constituindo-se na segunda maior cidade do pas.
SO PAULO
Desenvolveu-se a partir da criao, pelo padre jesuta Manuel da Nbrega (151770), do Colgio de So Paulo, em 1554, prximo ao aldeamento indgena existente nos arredores (Piratininga). Em 1560, transferiram-se para junto do colgio os moradores da vila de Santo Andr da Borda do Campo, passando So Paulo condio de vila. Local de interesse peridico, j que
era ponto de partidas de bandeiras, nem mesmo servia como entreposto comercial, uma vez que a economia da regio era primria e de subsistncia at incio do sculo XIX. A expanso urbana deu-se de forma radiocntrica, estendendo-se ao longo dos caminhos que seguiam os vales e onde se instalaram outros ncleos. Devido s inundaes nas vrzeas, no ocorreu de forma uniforme. Sendo uma provncia pobre, a vila no teve condies de apresentar muitas construes de porte, destacando-se algumas obras de engenheiros militares portugueses, como o Mosteiro de So Bento (1775), realizado por Jos Custdio de S e Faria (1710-92); ou o Quartel Paulistana, criado por Joo da Costa Ferreira, este ltimo introdutor de elementos neoclssicos.
Com a monocultura do caf, intensificou-se a urbanizao do interior paulista, promovendo o desenvolvimento de novas cidades, como Campinas, So Carlos, Araraquara, Ribeiro Preto, Marlia, Bauru e, depois, as cidades do norte do Paran. Algumas j tinham sido fundadas como antigos pousos, cruzamentos de vias de transporte, incipientes ncleos de minerao, ou ainda como patrimnios doados pelos proprietrios de terras para sua urbanizao, mas adquiriram foros de cidade com a chegada do caf.
Tanto a ferrovia como a comercializao e a exportao do caf fizeram de So Paulo um centro de transporte, um entreposto humano, um plo bancrio e de negcios; e, depois, ncleo da industrializao do pas. Sua populao cresceu rapidamente, promovida tambm pela imigrao estrangeira e nacional. Vrios loteamentos surgiram, nas
periferias do tringulo original de So Paulo, do desmembramento de chcaras pelos seus prprios proprietrios, que criavam um ncleo habitacional e depois exigiam do poder municipal o fornecimento da infraestrutura pblica, auferindo grandes lucros. Tal processo de especulao imobiliria promoveu a proliferao de bairros desarticulados e alheios a um plano de conjunto.
Depois da exausto das minas, a minerao no manteve o vigor das cidades barrocas e saiu-se em busca de terras boas para cultura, fundando-se algumas cidades paulistas (So Joo da Boa Vista, Franca e Batatais) e matogrossenses (Santana de Parnaba). So Paulo ganhou com essa invaso mineira uma arquitetura, baseada na estrutura autnoma de madeira, a qual se fundiu com a taipa de pilo e resultou em um novo partido arquitetnico do caf.
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Em 1889, iniciou-se a construo do Viaduto do Ch, para atender a expanso da rea central; e, em 1890, criou-se da primeira usina eltrica. Em 1891, era aberta a Avenida Paulista, inicialmente residencial, que dividia a cidade em duas regies, e onde se concentrariam os palacetes eclticos.
Entre 1899 e 1918, nas gestes dos prefeitos Antnio da Silva Prado (18401929), Raymundo Duprat (1863-1926) e Washington Lus (1869-1957), So Paulo sofreu grandes transformaes urbanas aos moldes do Rio de Janeiro e de grandes cidades do mundo:
a) Implantao de bondes eltricos (1900) e remodelao do centro, a partir da construo do Teatro Municipal de Ramos de Azevedo (1851-1928) e da criao do Viaduto de Santa Ifignia, alm da reestruturao do Vale do Anhangaba como parque pblico, decorrentes das propostas do ento vereador e engenheiro Augusto Carlos da Silva Telles; b) Alargamento, calamento, retificao e arborizao de diversas ruas e outros logradouros pblicos alm da criao de parques, como Parque D. Pedro II (1914), pelo arquiteto francs Francisque Cuchet (1885-?) consolidando a Diretoria de Obras Municipais, que, na figura do engenheiro Victor da Silva Freire, serviu de base para uma nova postura de administrao pblica no pas. No incio do sculo XX, a City of San Paulo Improvements & Freehold Land Company Limited foi a mais importante agncia urbanizadora, no s pela quantidade de empreendimentos realizados, mas pelo seu novo padro urbanstico, baseado nos princpios do subrbio-jardim ingls. Em 2 1912, a City adquiriu 12.000.000 m em terrenos, especialmente na zona Sul e Oeste, assessorada pelo arquiteto francs Joseph-Antoine Bouvard (1839-1923), o qual havia elaborado algumas propostas para a Prefeitura Municipal (Belvedere do Trianon, na avenida Paulista, e a praa Buenos Aires, no bairro de Higienpolis). Entre 1917 e 1919, criou-se o loteamento do Jardim Amrica, seguido pelo Pacaembu e Anhangaba para a classe alta; e o Alto da Lapa para a classe mdia.
c) Elaborao do Plano de Avenidas (1930), pelo engenheiro Francisco Prestes Maia (1896-1965), que, assumindo a estrutura radiocntrica que a cidade j possua, propunha um sistema perimetral, denominado Permetro de Irradiao, formado por avenidas diametrais que ampliavam a rea central para alm dos seus limites. Impregnando pela mentalidade haussmanniana e pelo Beautiful City, defendia o crescimento ilimitado da metrpole (SEGAWA, 2004)
Em 1954, o urbanista Luiz de Anhaia Mello, ao elaborar o PLANO REGIONAL DE SO PAULO (1954), conhecido posteriormente como Esquema Anhaia, contraps-se idia de expanso ilimitada de Prestes Maia ao estabelecer teses restritivas para a metrpole. Anhaia buscou estabelecer limites de crescimento, de gabaritos e de rea edificada por lote. Seu objetivo principal foi o de substituir o conceito norte-americano de ribbon development de Prestes Maia pela idia anglo-saxnica de urban fence ou cidade verde, criando assim uma equilibrada transio entre cidade e campo (CAPTULO 17).
BRASLIA
A determinao desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek (190276), entre 1956 e 1960, produziu fatos eloqentes no terreno da urbanizao brasileira, j que a passagem do poder poltico e da iniciativa econmica para as mos da burguesia industrial reforou a cultura urbana. Enquanto a populao brasileira
cresceu, na dcada de 1950, cerca de 17,8%, o aumento da populao urbana nacional foi de 70,2%. Na dcada seguinte, enquanto a populao aumentou 31,2%, a urbana cresceu em cerca de 62,9%. Esta hegemonia da cidade sobre o campo refletiu-se no conjunto da rede urbana brasileira. A distribuio espacial e funcional deste crescimento produziu um quadro urbano no qual So Paulo emergiu como a metrpole nacional. O Plano de Metas, concebido por Kubitschek e sua equipe para ser cumprido em quatro anos, continha uma "meta-sntese" de grande impacto: a construo de Braslia (1956/60), a nova capital que se constituiu nas aplicao prtica dos pressupostos do funcionalismo.
Entre 1924 e 1930, na gesto do prefeito e engenheiro Jos Pires do Rio (18801950), So Paulo sofreu novas transformaes urbanas, entre as quais:
a) Abertura das suas primeiras avenidas modernas, j propostas e projetadas nos anos precedentes, como a avenida So Joo, que nasceu a partir da demolio do cenrio urbano colonial; b) Implantao de novos edifcios pblicos em eixos principais, alm de equipamentos nos subrbios nitidamente operrios, tais como hospitais, mercados, cemitrios e escolas, assim como o Jardim Botnico de So Paulo, de traado nitidamente pitoresco, foi criado em 1929, depois transformado em parque pblico e rebatizado como Jardim da Luz.
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c) O Eixo Leste-Oeste (eixo monumental) decresceria em nvel lentamente na direo do Lago localizado na extremidade Leste. Nos nveis superiores estariam os edifcios da Administrao Municipal, seguidos do Setor Esportivo e, lateralmente, dos Jardins Botnico e Zoolgico; d) A juno dos dois eixos, resolvida por meio de trs plataformas, abrigaria, no nvel superior, o Setor de Diverses (cinemas, teatros, restaurantes e hotis); e, no nvel superior, abrir-se-ia a perspectiva da Esplanada dos Ministrios, tendo em primeiro plano a Catedral. Na Praa dos Trs Poderes, no extremo Leste, estariam o Palcio do Congresso, o Palcio da Alvorada e a Suprema Corte.
A mudana da capital para o CentroOeste, idia existente desde a Independncia, foi um dos principais temas arquitetnicos na dcada de 50. Para tal empreendimento, criou a Companhia de Urbanizao da Nova Capital NOVACAP, e confiou a Oscar Niemeyer (1907-) a direo geral dos trabalhos de arquitetura, fato que gerou muitos protestos, pela falta de concurso. Niemeyer recusou-se a elaborar o
plano-piloto da cidade de 500.000 habitantes, para o qual foi aberto um concurso, organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil IAB, com total liberdade de concepo para o traado urbano.
Todos os projetos apresentados refletiram uma profunda influncia do urbanismo funcionalista da Carta de Atenas (1933). O resultado do concurso foi divulgado em 16/03/57, sendo a proposta de Lcio Costa (1902-88) a vencedora, por ter sido considerada a mais vivel, pelas condies tcnicas disponveis e o tempo de execuo. Eram estas as principais caractersticas do Plano-Piloto:
a) Zoneamento da cidade em dois eixos perpendiculares em funo do sistema virio planejado: criao de um eixo monumental como ponto focal da composio, dando nfase especial aos edifcios pblicos; b) O Eixo Norte-Sul (eixo rodovirio) corresponderia ao alinhamento em quadras das reas residenciais separadas por uma amplo cinturo verde e com blocos de habitao dispostos sobre pilotis. Cada superquadra teria rea de estacionamento e para cada conjunto de 04 quadras seriam previstos igreja, escola e equipamentos de lazer e esporte;
Concebida como uma verdadeira cidadeparque e edificada para se tornar smbolo de poder e desenvolvimento nacional, Braslia teve sua localizao estratgica justificada por questes de segurana e defesa, mas tambm como incremento e integrao das comunicaes do pas, alm de possibilitar a urbanizao da regio central do Brasil (BRUAND, 2002).
Sua composio morfolgica exerceu um papel fundamental na construo de sua imagem, pois, desde o incio, sua planta foi descrita como um avio ou pssaro ao alar vo. Lcio Costa afirmava que a idia havia nascido do gesto primrio de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos se cruzando em ngulo reto, ou seja, o prprio sinal-dacruz (GUIMARES, 1996:39).
Braslia no escapou dos mecanismos de segregao espacial bastante evidentes na ocupao das suas cidades-satlite; e, embora as superquadras mostrem-se eficientes como espaos-parque de vizinhana, outras carncias ficaram evidentes, como a falta da intimidade entre vizinhos, o baixo ndice de apropriao e uso dos espaos livres; ou a ausncia de vitalidade espacial devido ao rigor na distribuio por zonas.
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PR-URBANISMO
O processo de urbanizao decorrente da REVOLUO INDUSTRIAL (1750-1830) foi surpreendente. De 1830 a 1900, Londres passou de dois para quatro milhes de habitantes; e Paris, no mesmo perodo, passou de um milho para pouco mais de dois milhes. Berlim, do incio do sculo XIX at 1890 teve sua populao aumentada de 150.000 para 1.300.000. Se em 1800, no havia nenhuma
cidade no mundo com mais de um milho de habitantes, em 1850, j existiam quatro e, em 1900, 19. Esse crescimento acelerado conduziu a inmeros problemas de habitao, circulao, abastecimento e, em especial, saneamento, provocando vrias epidemias e fazendo nascer as primeiras LEIS SANITRIAS. Iniciadas na Inglaterra em 1844, as leis sanitrias incidiam diretamente nas condies de moradia e construo da cidade industrial, acabando por forar os governos a agir sobre a planificao urbana, o que conduziu formulao das primeiras leis urbansticas na Europa, como as da Itlia (1865), Sucia (1874), Prssia (1875) e Holanda (1901). Tanto no Reino Unido como na Frana, tais normalizaes sobre as questes urbanas demorou para se unificarem, ocorrendo apenas, respectivamente, em 1909 e 1919.
Ao mesmo tempo em que se efetivavam, nas grandes capitais europias, as medidas prticas de remodelao urbana pelos urbanistas neoconservadores, surgiram modelos utpicos de comunidades alternativas, cujo conjunto recebe o nome de PR-URBANISMO, j que consistiam em propostas hipotticas, feitas por generalistas, na maioria de cunho poltico-econmico e/ou sciocultural, mas que se caracterizavam como uma mostra de indignao diante das condies em que vivia o proletariado. Sua importncia de estudo est no
fato de que, pela primeira vez na histria das cidades, tinha-se uma viso integrada do significado das relaes sociais e econmicas na influncia sobre as questes da estruturao fsica e esttica dos espaos urbanos.
Apesar de algumas tentativas de aplicao prtica e pouqussimas bem-sucedidas, tais modelos no passaram de utopia, inclusive por proporem uma interveno radical no s na distribuio de riquezas dentro da sociedade, como tambm na vida em famlia, por exemplo, com a diviso por sexo e idade. Alm disso, acreditava-se que a
iniciativa de transformao urbana partiria do prprio empresariado (classe dominante); ou ainda se defendia a destruio das mquinas, o abandono da indstria e o retorno s atividades agrcolas de subsistncia, em uma atitude nitidamente nostlgica
A teorizao cientfica a respeito dos termos urbanizao e urbanismo na acepo de planejamento urbano somente surgiu a partir da segunda metade do sculo XIX, quando se implementaram medidas de saneamento e grandes reformas urbanas, estas expressadas por meio do chamado URBANISMO NEOCONSERVADOR. Segundo FERRARI (1991), foi o
catalo Ildefonso Cerd (1815-76) quem primeiro empregou o termo urbanizao, em sua obra pioneira intitulada Teoria geral da urbanizao (1867), para explicar a organizao das cidades industriais em seu sentido sociolgico contemporneo.
Conforme CHOAY (1998), possvel identificar duas atitudes diversas nesses modelos urbanos dos pr-urbanistas:
PR-URBANISMO PROGRESSISTA
Claude Henri de Rouvroy (1760-1825)
Conhecido como o Conde de Saint-Simon, acreditava que o avano da cincia determinaria a mudana poltico-social, alm da moral e da religio, considerando que, no futuro, a sociedade seria formada somente por cientistas e industriais. Quando descreveu esta nova sociedade, em seus escritos entre 1807 e 1821, imaginou uma imensa fbrica, na qual a explorao do homem pelo homem seria substituda por uma administrao coletiva. A propriedade privada no caberia mais nesse novo sistema industrial. Seu modelo porm mantinha a idia de uma sociedade hierarquizada, onde no topo estariam os diretores da indstria e produo, engenheiros, artistas e cientistas; e, mais abaixo, os trabalhadores responsveis pela execuo dos projetos feitos pelos inventores e diretores. Ele foi o primeiro a perceber que o conflito de classes estava relacionado com a economia e que seria nas mos dos trabalhadores que o futuro seria construdo, embora devendo ser guiado por algum. Apesar de defender um novo cristianismo que teria como imperativo a fraternidade e a justia social, tinha uma concepo anti-igualitria e antidemocrtica.
FALANSTRIO (1829)
Charles Fourier (1772-1837)
Comerciante francs que escreveu O novo mundo industrial e societrio (1829), entre outras obras, em que desenvolvia uma proposta de cidade ideal, La Falange, a qual seria desenvolvida em anis concntricos, partindo de um ncleo comercial e administrativo, circundado pela rea industrial e esta, por sua vez, pelo setor agrcola. Sua comunidade pode ser definida como um modelo de habitao coletiva, de oficinas-modelo e de construes rurais-tipo. Criada para cerca de 1.600 habitantes, caracterizava-se pela disposio sistemtica de lugares e atividades; assim como pelo falanstrio; um edifcio monumental ou palcio social, no qual as pessoas viveriam de forma comunitria. Tais idias baseavam-se em um sistema filosfico-poltico, que propunha a unio de esforos para se alcanar um estado de harmonia universal, conseguido somente com a satisfao de paixes naturais. Em 1832, passou a publicar o semanrio Le Phalanstre, o qual pregava a formao de suas sociedades cooperativas de produo e consumo. Foram seus discpulos: o francs Victor Considrant (180893) e o alemo Wilhelm Weitling (1808-71).
FAMILISTRIO (1859)
Jean-Baptiste Andr Godin (1817-88)
Industrial francs, fabricante de foges e aquecedores, que fundou uma oficina metalrgica em Guise, Frana, em 1859, seguindo os princpios corporativos de Fourier, por visar repassar os lucros do trabalho assalariado aos operrios. Criou o familistrio, uma reduo do modelo fourierista composta por um edifcio igualmente formado por trs blocos fechados, mas com ptios menores e cobertos por vidros, desempenhando as funes das rues intrieures de Fourier. Diversamente da vida comunitria e do carter agrcola, optou pelo regate da vida familiar e servios que facilitassem a convivncia social, alm do trabalho industrial assumir um carter hegemnico. Publicou sua teoria atravs de Solues sociais (1870). Funcionando como cooperativa de operrios at 1968, hoje o familistrio uma sociedade annima, cujo edifcio em que vivem 300 famlias tido patrimnio da humanidade, sob cuidados da Unio Europia.
VICTORIA (1849)
Pierre Joseph Proudhon (1809-63)
Reformador francs considerado um dos pais do anarquismo ou comunismo libertrio; um movimento ideolgico baseado na rejeio autoridade e exigncia da liberdade. Acreditava que a posse individual da propriedade era a garantia essencial para a existncia da sociedade livre, desde que ningum possusse em excesso. Suas idias baseavam-se na luta contra o passadismo para promover uma forma global de existncia moderna; uma racionalizao das formas de comportamento e do papel da indstria na nova cidade. Defendia a ao de minorias impulsionando as massas e organizando a produo e o consumo em nome do federalismo. Aps o fracasso da Revoluo de 1848, passou a confiar unicamente no mutualismo e na organizao do crdito gratuito como resposta ao problema da misria social. Teve vrios seguidores na rea poltica e sua influncia sobre a classe operria do II Imprio foi considervel.
No decorrer de todo o sculo XIX, vrios escritores europeus como os franceses Honor de Balzac (1799-1850), com as 95 obras de sua Comdia Humana; Victor-Marie Hugo (1082-85) e mile Zola (1840-1902); alm do ingls Charles Dickens (1812-70) denunciaram em suas obras as condies da cidade liberal. Paralelamente, alguns utopistas passaram a utilizar repblicas ou sociedades imaginrias para apresentar suas crticas polticas, destacando-se:
George A. Ellis (1810-40): em New Britain: a narrative of a journey (1820), expressava uma viso das comunidades experimentais na Amrica; Robert Pemberton (1788-1879): em The happy colony (1854), parodiava o movimento utpico britnico. Samuel Butler (1835-1902): em Erewhom (1872), satirizava as injustias da Inglaterra vitoriana ao descrever uma sociedade, cujas leis, princpios morais e concepes cientficas tinham se transformado na sua prpria oposio.
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PR-URBANISMO CULTURALISTA
Karl Marx (1818-83) & Friedrich Engels (1828-95)
Pensadores alemes que procuraram passar o socialismo da utopia cincia, avaliando a crtica social dos utopistas em seu Manifesto Comunista (1848), acusando-os de no proporem meios adequados para alcanar a sociedade ideal. Seus escritos introduziram reivindicaes futuras, como a supresso da oposio entre campo e cidade e o fim da propriedade privada e do trabalho assalariado. Embora aqum do dinamismo da realidade, suas aes desempenhariam importante papel no movimento de tomada de conscincia pelo proletariado. Fundaram o SOCIALISMO CIENTFICO, que consiste na realizao daqueles objetivos no marco histrico concreto/material, negando-se a profetizar acerca da futura sociedade comunista ou a estabelecer modelos urbanos de utopia.
O mundo do laissez-faire norte-americano encontrou sua maior crtica atravs do pensamento de trs utopistas, cuja herana terica marcaria as idias, aes e debates no campo da planificao urbana, no incio do sculo XX:
Henry George (1839-97): em Progress and poverty (Progresso e pobreza, 1880), defendia que a terra deveria pertencer a todos, instituindo-se uma taxa nica (single-tax) sobre a renda fundiria; Edward Bellamy (1850-98): em 2000 to 1887 (Olhando para trs, 1888), propunha uma visita Boston do futuro, onde existiria um sistema industrial perfeito, no qual todos viveriam iguais e em paz, atravs de uma forma cooperativa de produo e distribuio socialista; Thorstein Veblen (1857-1929): em The theory of leisure class (A teoria da classe ociosa, 1899), detectou e criticou a tendncia de formao de uma sociedade tecnocrtica, cujo poder estaria nas mos de empresrios, banqueiros e tcnicos.
COMPANY-TOWNS MOVEMENT
Papel relevante na histria do urbanismo desempenharam as experincias norteamericanas das COMPANY-TOWNS ou cidades-fbrica, que se desenvolveram no final do sculo XVIII at se tornarem freqentes no sculo XIX, podendo ser consideradas a utopia do Capital empenhado, desde seus primrdios, em edificar um sistema econmico que deixasse de se basear na terra e 5 passasse a ser realizado por mquinas .
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As CIDADES-FBRICA configuraram uma drstica ruptura em relao tradio rural da cultura yankee, implementando comunidades cujas componentes sociais tradicionais tenderiam a desaparecer. Como modelo urbanstico bsico, representavam uma alternativa completa cidade histrica, j que se colocavam contra esta que significava continuidade, seja em termos de desenvolvimento econmico como de estrutura scio-poltica.
Paralelamente, outro fenmeno caracterstico dessa poca, foram as cidades norte-americanas ligadas minerao, as COAL-TOWNS, assim como aquelas relacionadas histria do petrleo, sendo a mais famosa a cidade de Pithole, na Pensilvnia, surgida em 1862 e que, aps trs meses de existncia, j contava com cerca de 15.000 habitantes. Houve ainda as company-towns que surgiram ao longo dos eixos de expanso das ferrovias: tanto as existentes, que foram revitalizadas com a chegada de novas linhas, como os novos povoamentos criados diretamente pelas companhias ferrovirias.
Francis Cabot Lowell (1775-1817)
Tpico empresrio de New England EUA que, em 1814, introduziu o tear mecnico em suas manufaturas de Waltham; fator fundamental para tornar rentveis as vrias fbricas algodoeiras que se multiplicavam s margens dos rios da regio, de modo a assegurar uma produtividade que permitisse o nascimento de um verdadeiro sistema urbano-industrial. Sensvel aos problemas sociais, imaginou uma comunidade ideal dedicada ao trabalho e concentrada ao redor das atividades produtivas, cuja principal finalidade seria alcanar a mxima eficincia, concebendo uma cidade formada por dois grupos sociais distintos, os cidados e os assalariados, sendo a vida dos primeiros livre e a dos segundos completamente controlada pela Companhia.
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Europa como nos EUA, assim como no Brasil, sendo suas caractersticas bsicas:
a) A malha de anis concntricos, recortados por vias radiais; b) As demarcaes precisas de setores e limites por meio de cintures verdes; c) A eliminao da especulao atravs do arrendamento dos terrenos; d) O controle de sua expanso, j que, ao se atingir uma populao de 32.000 pessoas, seria fundada uma nova comunidade, ligada como satlite a um centro maior.
Em praticamente todos os casos das company-towns implementadas, o mito da cidade-modelo dedicada ao trabalho caiu por terra pela formao da prpria conscincia de classe, o que conduziu a greves e lutas por melhores salrios. Esse novo modelo de vida moderna, que rechaava a civilizao urbana em prol de uma comunidade voltada somente ao trabalho e produo industrial, permitia ao mesmo tempo uma singular intensificao dos laos de solidariedade entre os operrios, que reagiram a seu paternalismo e exigiram seus direitos como trabalhadores.
GARDEN-CITIES MOVEMENT
No utopismo scio-poltico expresso pela cidade oitocentista, a proposta mais contundente de integrao entre a cidade e a natureza foi o modelo, de bases culturalistas, representado pela proposta das GARDEN-CITIES ou cidades-jardim, idealizadas pelo britnico Ebenezer Howard (1850-1928). Howard acreditava que todas as
vantagens da vida mais ativa no meio urbano e toda a beleza e delcias do meio rural poderiam estar combinadas de modo satisfatrio, atravs de uma nova forma de planejamento. O Garden-City Movement foi uma das experincias mais profcuas do sculo passado, a qual defendia a noo de cidadeparque e conduziu formao de vrios bairros-jardim em todo mundo. No incio do sculo XX, os princpios deste modelo foram aplicados em prottipos urbanos tanto na 76
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URBANISMO MODERNO
Somente no final do sculo XIX e especialmente nas primeiras dcadas do sculo XX, com os problemas trazidos com a Primeira Guerra Mundial (1914/19), que as bases do urbanismo moderno se assentaram com propostas mais realistas e viveis que as dos socialistas utpicos, embora algumas ainda esbarrassem nas suas condies de implementao.
No primeiro ps-guerra, o problema da moradia tornou-se agudo em muitos pases europeus, graas grande carncia de habitaes, tanto devido aos danos da guerra como paralisao da atividade de construo durante o conflito. Isto, somado ao encarecimento dos materiais, da mo-de-obra e dos terrenos, fez necessria a interveno do Estado, esta voltada a assegurar a moradia para as classes mais baixas, a qual se deu de 02 (duas) maneiras:
a) Por meio de crditos e facilidades concedidas a associaes particulares, o que ocorreu principalmente na Inglaterra, atravs de vrias leis criadas entre 1919 e 1930, onde se subvencionava at 75% das iniciativas pblicas e privadas. Estas leis foram unificadas em 1936 atravs da Housing Act. Tal sistema tambm foi adotado em outros pases, como a Sucia, a Blgica e a Frana. b) Por meio de construes de alojamentos por iniciativa direta de entidades pblicas, o que era mais adequado para a soluo de situaes de emergncia. Na Frana, fundou-se em 1914 o Office Municipale des Habitations Bom March de Paris, que comeou a trabalhar em 1920; e, na Inglaterra, criouse o London City Council que, entre 1920 e 1936, construiu cerca de 70.000 alojamentos, sendo um dos maiores o de Becontree, em Essex, com 25.000 unidades. Casos semelhantes ocorreram na Alemanha, na Holanda e na Itlia, sendo o mais destacado aquele promovido pela administrao socialista de Viena, em 1920.
O MOVIMENTO MODERNO (1915/45) deu-se paralelamente a um gradativo empenho tecnolgico, sem o qual as bases funcionalistas no poderiam se afirmar. Nesse perodo, arquitetura e engenharia reataram seus vnculos, perdidos durante o ecletismo do sculo XIX, assim como se difundiram os princpios do funcionalismo, sendo a escola alem Staatliches Bauhaus (1919/33) seu maior centro de reflexo e difuso. O URBANISMO MODERNO amadureceu principalmente nas dcadas de 1910 e 1920 em direo busca de alternativas para a cidade burguesa ps-liberal, mas sem procurar corrigir seus conflitos, limitando-se mais a dar continuidade s idias dos pr-urbanistas, adequando-as realidade.
Enquanto as intervenes pblicas na Europa ps-Primeira Guerra aumentaram de tal modo a controlarem a maior parte da construo de moradias e bairros proletrios, as orientaes urbansticas atravs de leis e planos reguladores cresceram em menos intensidade.
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O URBANISMO MODERNO estudava a cidade a partir de sua decomposio setores, bairros, quadras e ruas, clulas ou unidades elementares ; metodologia que objetivava a economia de meios de realizao, j que respondia a critrios de produo industrial. Quando algumas idias tornaramse maduras para serem colocadas em prtica, atravs de modelos aplicveis na realidade, a produo da construo civil comeou a declinar, por efeito da crise econmica dos anos 30, a qual conduziu Segunda Guerra Mundial (1939/45).
A CARTA DE ATENAS (1933) foi publicada de forma annima por Le Corbusier (1887-1965) somente em 1943, que se identificou como o autor do texto apenas em 1957. Algumas das suas principais concluses eram:
A cidade e o campo dependem um do outro e so elementos inseparveis de uma mesma unidade regional, a qual deve ser tratada pelo planejamento urbano; O desenvolvimento urbano de cada cidade depende das suas caractersticas geogrficas, potencialidades econmicas e situao poltica e social; As chaves do urbanismo moderno encontram-se em 04 (quatro) funes a serem tratadas especificadamente: habitao, trabalho, lazer e transporte.
Devido complexidade temtica e a necessidade de atualizao constante da arquitetura e urbanismo funcionalistas, foram realizados a partir de 1928 os CONGRESSOS INTERNACIONAIS PELA ARQUITETURA MODERNA CIAMs, que ocorriam periodicamente, para:
Confrontar de tempos em tempos as
experincias modernas a fim de aprofundar os problemas surgidos com a industrializao (tcnicas construtivas; padronizao, estandardizao, etc.);
PLANEJAMENTO URBANO ou urban planning consistiria no conjunto de procedimentos racionais, que visam a tomada de decises para conduzir os processos urbanos segundo metas e objetivos prestabelecidos. Ultrapassando a simples investigao sobre a cidade, o planejador urbano deve-se voltar reflexo urbana, promovendo a formulao de uma srie de metodologias de ao.
O primeiro CIAM foi realizado em 1928 (La Sarraz, Sua) e o ltimo em 1959 (Otterloo, Alemanha). Os mais importantes aconteceram em Frankfurt (1929), Bruxelas (1930), Atenas (1933) e Paris (1937). A adeso foi progressiva entre os pases, comeando com Alemanha, ustria, Blgica, Frana, Holanda, Itlia e Sua, para posterior incluso do grupo britnico Modern Architecture Research Society MARS, EUA, Argentina, Brasil, Colmbia, Hungria, Polnia e demais pases.
Tendo como objeto fundamental a organizao do conjunto dos espaos construdos e abertos que estruturam a cidade, o PLANEJAMENTO URBANO pode ser definido como o processo de deciso que objetiva causar uma combinao tima de atividades em uma rea especfica e pelo qual a utilizao dos instrumentos de poltica seja coordenada, considerados os objetivos do sistema e as limitaes impostas pelos 6 recursos disponveis .
O urban planning tambm pode ser visto como uma ao contnua que serve de instrumento dirigido a racionalizar as tomadas de decises individuais ou coletivas em relao 7 evoluo de determinado objeto no caso, a cidade.
HILHORST, J. G. M. Planejamento regional: enfoque sobre sistemas. (Trad. H. C. Pimenta). 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. 7 GONZALES, S. F. N. Consideraes em torno do planejamento urbano. In: PLANEJAMENTO. Braslia DF: Introduo disciplina de Planejamento Urbano, Universidade de Braslia UnB, s.l., 1980. p.12-21.
URBANISMO RACIONALISTA
Tendo como principais precursores o espanhol Arturo Soria y Mata (18441920) e o francs Tony Garnier (186948), assim como os pr-urbanistas progressistas, o urbanismo racionalista encontrou entre seus maiores expoentes, alm de Le Corbusier (1887-1965), os alemes Walter Gropius (1883-1969) e Ludwig Hilberseimer (1885-1979). Considerando essencialmente os
aspectos quantitativos da cidade, seus representantes viam o homem apenas como uma unidade estatstica, preocupando-se mais com as questes de circulao, habitao, eficincia e produtividade (cidadesmquina). Para os racionalistas, as grandes densidades demogrficas, sob o aspecto econmico, eram altamente aceitveis, fazendo-se uma apologia do arranha-cu, este entendido como a verdadeira mquina de morar. Le Corbusier era fascinado pelas grandes cidades, segundo o qual seriam clulas ardentes do mundo [...] delas surge a paz ou a guerra, a abundncia ou a misria, a glria, o esprito triunfante ou a beleza. A grande cidade expressa as potncias do homem: as casas, que obrigam um ardor ativo, elevam-se em uma ordem insigne (FERRARI, 1991).
Os racionalistas desenvolveram uma srie de propostas, principalmente no perodo entre guerras, muitas das quais aplicadas na criao de novos bairros de cidades europias, voltados s classes proletrias e aos refugiados de guerra.
Os modelos das cidades racionalistas eram altamente segregacionistas, sendo posteriormente criticados por sua atitude pouco democrtica. Consideravam as reas verdes sob a tica higienista e enfatizavam o zoneamento. Baseavam-se em 04 postulados fundamentais:
a) Descongestionar o centro das cidades para fazer face s exigncias da circulao e da produtividade; b) Aumentar a densidade do centro das cidades para realizar o contato exigido pelos negcios; c) Aumentar os meios de circulao, ou seja, modificar completamente a concepo atual da rua que se encontra sem efeito diante do novo fenmeno dos meios modernos de transporte (metrs ou automveis, trens, avies, etc.); d) Aumentar as superfcies verdes, a nica maneira de assegurar a higiene suficiente e a calma til ao trabalho atento exigido pelo novo sistema de negcios.
Se a dcada de 1920 foi um perodo de difuso e propagao do modernismo, nos anos 30, tal situao modificou-se devido crise poltica, econmica e social que acabou bloqueando todas as experincias urbansticas concretas nos pases centrais, j que o debate poltico alterou-se: os partidos democrticos tiveram que lutar pela sua sobrevivncia graas ao surgimento de novos e crescentes movimentos autoritrios, que acabaram alcanando o poder e implantaram um retrgrado URBANISMO DE CELEBRAO.
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URBANISMO ORGANICISTA
Desde as dcadas finais do sculo XIX e a profcua experincia das cidadesjardim, liderada pelas idias de Howard, a tradio urbana culturalista enfatizava uma reflexo sobre a cidade de forma mais humana e mais integrada ao verde, mas no vendo a natureza somente pelo aspecto sanitarista como tambm em termos de harmonia e equilbrio espiritual. Os organicistas, cujas idias
difundiram-se na dcada de 1930, procuraram dar uma expresso mais popular e cotidiana ao urbanismo moderno, trabalhando com materiais naturais, formas compostas e preocupaes de conforto ambiental. Desprezaram os standards (padres) e passaram a defender posturas particulares atravs da pluralidade de formas onduladas e/ou oblquas. O conflito entre o pensamento moderno e os regimes autoritrios de alguns pases centroeuropeus acabou por isolar as experincias modernas, chegando, por volta de 1935 e em diante, total supresso destas (Alemanha e ustria) ou ao seu desenvolvimento marginal (Frana e Itlia). Apesar dessa crise, houve o surgimento de uma nova vertente do funcionalismo, no trabalho de arquitetos e urbanistas, principalmente do norte europeu.
Considerado o grande renovador da forma urbana, o arquiteto austraco CAMILLO SITTE (1843-1903) props uma nova busca da estrutura urbana orgnica como reao contra a geometria racionalista e o haussmannismo. Em seu livro L'art de btir les villes
selon ss fondements artis (A construo das cidades seguindo seus princpios artsticos, 1889), props a reconquista da qualidade ambiental da cidade, por meio do resgate cultural e artstico, alm da harmonia entre cheios e vazios e o respeito s formas herdadas do passado.
Respeitando os princpios gerais do funcionalismo moderno, como o zonning e a nfase circulatria, introduziram na discusso urbana as idias de:
a) Valorizar as caractersticas culturais e o carter humano dos locais pblicos, especialmente as praas e os parques; b) Resgatar as relaes de convivncia entre as pessoas, assim como o contato humano com a natureza, buscando enfatizar a noo de vizinhana; c) Explorar a variedade formal, a multiplicidade espacial e a complexidade compositiva, fugindo de esteretipos.
O urbanismo organicista encontrou um vasto campo de aplicao nos EUA, sendo alimentado pelas idias precursoras de FRANK LLOYD WRIGHT (1869-1959), assim como pelo trabalho de alguns planejadores que intentaram viabilizar, de forma coerente e eficaz, os princpios das garden-cities em algumas comunidades norte-americanas.
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Durante os anos 40, paralelamente reconstruo do segundo ps-guerra, os pases escandinavos evoluram na pesquisa urbana atravs das experincias organicistas, cujos planos afastaram-se dos esquemas geomtricos dos franceses ou alemes, apoiando uma maior integrao com a natureza, o traado orgnico e o resgate da escala humana e sentido de comunidade.
Na Finlndia, destacou-se a atuao de Eliel Saarinen (18731950), que escreveu o livro The city (1915) e fez o plano de MunkkiniemiHaaga, alm de Budapest (1911/15). Outros expoentes foram Alvar Aalto, Otto Meurman, Olli Kivinen e Aarme Ervi, o qual criou a cidade de Tapiola (1951). J o melhor exemplo do urbanismo organicista sueco foi o bairro de Rosviks (1943/46), criado em Estocolmo, por Ancker, Gate & Lindegren. Na Dinarmaca, o destaque foi Arne Jacobsem, alm de E. Kppel, que realizou o bairro de Sllerd (1954), em Copenhague.
A partir de Radburn e da poltica do New Deal, apareceram algumas experincias urbanas empricas nos EUA, igualmente de influncia howardiana, em especial nas propostas das greenbelts, cidades inteiramente limitadas em extenso e populao, criadas depois de 1936 por iniciativa estatal e parcialmente bemsucedidas, pois no contavam o apoio necessrio das comunidades envolvidas. Realizadas por meio do rgo
federal Resettlement Administration Communities of Greenbelt e cercadas por amplos cintures verdes, os melhores exemplos foram as cidades de Greenbelt (Maryland), Greendale (Wisconsin), Greenhills (Ohio) e Greenbrook (N. Jersey), entre outras. 82
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DESURBANISMO
Com a Revoluo Russa (1917), as utopias poltico-econmicas dos primeiros anos do urbanismo sovitico adotaram formas e metodologias diferentes das polmicas que agitavam o ambiente cultural da Europa no mesmo perodo. Na URSS, com a instalao do
regime comunista, a partir de outubro de 1917, o planejamento urbano passou a fazer parte do programa do Estado, centralizado e autoritrio, o que fez surgir uma srie de experincias urbanas, cujo conjunto denominou-se DESURBANISMO. Em 19 de fevereiro de 1918, a Lei dos Direitos Fundamentais do Povo Trabalhador e Explorado eliminou a propriedade privada em todo o territrio sovitico, passando esta a ser propriedade de todo a povo, sem direito a indenizaes; e disposio da coletividade. Ao mesmo tempo, os bens culturais e naturais tornaram-se propriedade nacional.
Ao mesmo tempo, as tradicionais formas de ensino atravs das Academias de Belas-Artes de Moscou e So Petersburgo, assim como da Escola de Artes Industriais Stroganov, em Moscou, entre outras e as organizaes de classe anteriores (a Sociedade de Arquitetos de Moscou MAO e a Sociedade de Arquitetos de So Petersburgo PAO) foram destrudas.
Em um pas predominantemente rural e pobre, onde as participaes na Primeira Guerra Mundial (1914/18) e depois em uma guerra civil acabaram agravando uma crise de abastecimentos existente desde 1890, os revolucionrios soviticos acreditavam que uma nova vida s seria possvel em novas cidades. Sua vontade de "reconstruir a
forma de viver" fundava-se na viso global de uma sociedade em ruptura completa com o velho mundo, fosse esse rompimento expressa no plano poltico, econmico, social ou artstico. Procuraram promover uma legislao que favorecesse a mudana que reivindicavam e tambm desenvolver uma reflexo terica sobre as formas urbanas do futuro (BENEVOLO, 2001). A Revoluo provocou forte emigrao, o que implicou diretamente no trabalho dos arquitetos e urbanistas russos, em especial para atender a demanda por novos espaos de moradia. Houve a recuperao de espaos pblicos e a busca da descentralizao, com base nas idias das cidades-jardim.
No incio da dcada de 1920, iniciou-se na jovem Unio Sovitica, um extraordinrio perodo de inveno conjunta expresso pelo produtivismo ou CONSTRUTIVISMO (Konstruktivismus), que foi fruto de um empenho imediato e entusiasta dos artistas russos nos acontecimentos revolucionrios de 1917, visando construir as novas formas de vida a partir dos novos princpios da arte e comeando ruidosos debates sobre a articulao entre a arquitetura e o poder.
Ao longo de uma fase de experimentao que durou todos os anos 20, paralelamente ao lanamento de uma nova poltica econmica, artistas e intelectuais procuraram pensar o quadro no qual deveria viver o "homem novo". Toda uma gerao globalmente designada como "de esquerda" rejeitou o passado para procurar os modelos de um radioso futuro comunista. Grupos de artistas-pintores, como Vassili Kandinsky (1866-1944) e Kasimir S. Malievitch (1878-1935); poetas como Vladimir V. Maakovski (1893-1930) e Sergei A. Essenin (1895-1925) e escultoresarquitetos, como Vladimir Tatlin (1885-1953) e os irmos Anton Pevsner (1884-1962) e Naum Gabo (1890-1977); procuraram, de uma forma concreta, transformar a vida e as cidades atravs de experincias novas e originais em que cada pessoa fizesse necessariamente parte (BENEVOLO, 2001). 83
Em 1920, criou-se o VKHUTEMAS, curso superior baseado em um sistema de atelis de arte e de tcnica, cujo papel foi similar ao da Bauhaus (rebatizado em 1928 como Vkhutein); e, em 1921, organizaram-se grupos de trabalho ligados ao Instituto de Cultura Artstica INKHOUK. Em 1923, constituiu-se a Associao dos Novos Arquitetos ASNOVA, destinada a lanar as bases de um novo vocabulrio formal (uso de volumetria simples e expressiva). Entre os membros da ASNOVA
citam-se: Konstantin Melnikov (18901974), Ivan Leonidov (1902-59) e os irmos Leonid (1880-1930), Victor (1882-1950) e Aleksandr Vesnin (1883-1959), alm de Tatlin, que props o projeto irrealizvel de uma torre em espiral inclinada de 400 m de altura para a sede da 3 Internacional Comunista (1919).
Os CONSTRUTIVISTAS viam as cidades, assim como quaisquer outras formas de arte que produzissem, como verdadeiros condensadores sociais" capazes de transformar a humanidade enfim liberta do jugo da explorao. Apstolos da vida comunitria e coletiva, exploraram as possibilidades de alterao das relaes entre indivduos (pais e filhos, homens e mulheres, etc.) e ampliaram o conceito de casa at coincidir com o de cidade. Em meio a eles, arquitetos e
urbanistas ensaiaram algumas solues formais para a sociedade que esperavam ajudar a construir. Surgiu a demanda por habitaes de baixa renda, o que conduziu criao de conjuntos residenciais na periferia das grandes cidades, compostos por apartamentos individuais, cozinhas comunitrias e equipamentos pblicos como escolas e servios agregados, em que se aplicavam as idias modernas de estandardizao e de produo em larga escala. A maior parte deles props novos tipos urbansticos de edificao, geralmente moradias comunitrias que virtualmente transformariam o organismo urbano e funcionariam como novos elementos urbanos repetveis, embora complexos, onde um determinado nmero de habitantes estaria associado a um dado rol de servios.
Em 1925, fundou-se a Unio dos Arquitetos Contemporneos (Obchestvo Sovremioneh Arkitevtorov OSA), que compreendia, alm dos arquitetos participantes da Bauhaus, tericos, artistas e designers, como El Lissitski (1890-1947) e Aleksandr Rodtchenko (1891-1976). Sua revista oficial, Arquitetura
Contempornea (Sovremennaa Arkhitektura SA), foi publicada entre 1926 e 1931, difundindo as idias de seus membros, que se auto-definiam como "construtivistas" e empenhados em reconciliar o indivduo com a mquina; o trabalho industrial e a criatividade pessoal. 84
Em 04 de novembro de 1922, uma lei tornou obrigatria, em todo o territrio dos soviets, a planificao das cidades. Desde ento, os planos urbansticos da URSS, por influncia dos conceitos das cidadesjardim e da atitude anti-urbana, passaram a traduzir uma idia de disperso populacional, com a eliminao da dicotomia campo/cidade. Um exemplo foi a cidade-satlite de Sokol, criada em 1923, prxima a Moscou (FERRARI, 1991). Os urbanistas soviticos discutiram
a cidade industrial, reexaminando seu organismo e reconhecendo sua lgica de concentrao, o que impedia a colocao dos elementos da sua construo unidade de habitao, centrais de servios, instalaes produtoras nas mesmas condies recprocas para superar essa lgica. Passaram ento a propor uma nova concepo de desintegrao urbana.
DISURBAN CONCEPT (OKHITOVICH) Ambas vertentes apresentavam, em sua essncia, o DESURBANISMO na sua concepo de evitar a concentrao urbana e promover uma desintegrao das cidades que seriam, na sua opinio, smbolos da explorao capitalista do trabalho. Propuseram ou atravs de ncleos dispersos no territrio ou da prpria imploso destes propostas para a planificao sovitica, tentando reorganizar as cidades existentes na URSS e idealizar as novas, exigidas pela localizao das instalaes industriais. Contudo, no incio dos anos 30,
ambas as teorias foram consideradas desviacionistas pelos dirigentes russos. E, como o regime fundirio sovitico no poderia permanecer sob a forma que tomara no tempo dos czares, optou-se pela urbanizao funcional, sem substituir e/ou eliminar as cidades, mas sim transformando o campo de modo a acabar com a dicotomia rural-urbano: o campo deveria se urbanizar atravs da criao de cidades-agrcolas obtidas pela industrializao da populao agrcola. Leonid M. Sabsovitch
Urbanista sovitico que foi o principal defensor da urbanizao funcional, a qual considerava que o desenvolvimento industrial da URSS seria acompanhado pelo desenvolvimento urbano das velhas cidades, a partir de sua polinucleao. Assim, acreditava ser possvel urbanizar equilibradamente todo o territrio, sem diminuir o ritmo de industrializao do pas. Esses ncleos intermedirios entre as grandes cidades e as pequenas vilas seriam constitudos de casas operrias, ou seja, complexos comunitrios em que a casa unifamiliar seria totalmente 2 coletivizada, com alojamentos individuais de 5 m agrupados em aproximadamente 4.000 pessoas e reunidos em conjuntos de, no mximo, 40-50.000 habitantes (FERRARI, 1991).
At a ascenso do stalinismo na dcada 1930, desenvolveram-se duas vertentes do urbanismo sovitico, que, apesar de coincidirem na idia de diluio territorial do organismo urbano, diferenciavam-se quanto forma das novas cidades:
a) URBANIZAO FUNCIONAL: corrente defendida por Leonid M. Sabsovitch que propunha substituir as grandes cidades e as aldeias soviticas por um maior nmero de cidades mdias industriais e agrcolas, de 40.000 a 50.000 habitantes, formadas por complexos habitacionais (casas operrias) e nas quais o consumo seria inteiramente coletivizado. Tal idia foi a adotada a partir dos anos 30 pelo Instituto de Planificao Urbana, embora com algumas ressalvas; DESURBANIZAO: propunha difundir as unidades no territrio, concebendo a cidade mais como um agrupamento de elementos distanciados e sempre em contato direto com o meio rural, eliminando o antagonismo entre cidade e campo. Com isso, aparecem as idias de descentralizao de grandes cidades (cidade-verde) e de reduo da cidade a uma faixa estreita ao longo das estradas e rios (cidade-linear). Tal linha encontrou maior nmero de defensores como Ginzburg, Vladimirov, Barshch, Okhitovich e, principalmente, Nikolai A. Milyutin (1889-1942) , os quais esperavam que o pas escapasse aos malefcios da era das mquinas, transplantando as suas cidades para os espaos rurais.
b)
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CIDADE-LINEAR (MILYUTIN, 1930) Em 1930, publicaram-se vrias propostas para uma nova cidade sovitica, MAGNITOGORSK, sendo quase todas desurbanistas, realizadas por arquitetos como Vladimirov, Barshch e Okhitovich, alm de Ivan Leonidov (1902-59), que chefiou um grupo de arquitetos da OSA, os quais previam uma faixa residencial complexa, com casas altas e baixas. Os objetivos fundamentais do
desurbanismo sovitico eram:
Distribuir uniformemente a populao em todo o territrio, descentralizando a produo industrial e integrando-a agrcola; Integrar, por meio de vias de comunicao, todo o campo, retirando a populao rural dos camponeses (sovkhoz farmers) do isolamento e torpor tradicional; Priorizar a racionalidade, a funcionalidade e o coletivismo, propondo espaos comunitrios, tais como cozinhas, refeitrios, bibliotecas e clubes coletivos, alm de transformar os apartamentos em clulas habitacionais.
Os ideais construtivistas de abstrao geomtrica e de utilitarismo determinaram uma atitude esttica que influenciou boa parte da produo artstica e da sensibilidade visual moderna do comeo do sculo passado. Considerados pelo poder stalinista como utpicos e contrarevolucionrios, acabaram suprimidos. Em 29 de maio de 1930, o comit
central do Partido Comunista declararia como antiproletrias as pesquisas sobre essa almejada reconstruo do modo de vida; e as associaes livres de arquitetos foram imediatamente dissolvidas, uma aps as outras. Em 1931, a OSA foi substituda pelo Instituto de Arquitetura e Construo VASI.
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MOSCOU
Mencionada pela primeira vez em 1147, Moscou (Moscovo) desenvolveu-se graas sua situao geogrfica, s margens do rio Moscova, em uma posio de entroncamento de grandes vias fluviais da Rssia, como o Volga e o DnieperVolkhov. No incio do sculo XIII, constituiu-se no centro de um principado doado ao gro-prncipe da cidade de Novgorod (hoje Vladimir). Em 1326, transformou-se na capital
da Igreja Catlica Ortodoxa, quando seu metropolita, Ivan III, o Grande (1440-1505), que residia em Vladimir desde a queda de Kiev, mudou-se para l. Desde ento, seus grosprncipes coordenaram as bases de formao de um Estado centralizado, chegando a Ivan IV, o Terrvel (152384), que se tornou o primeiro czar em 1547.
Aps a vitria de outubro de 1917 em Petrogrado, os bolcheviques sediaram seu poder em Moscou, que se tornou a sede do Conselho dos Comissionrios do Povo e a capital da Rssia sovitica URSS, de 1922 a 1991 , assumindo o papel de centro revolucionrio com a criao do Komintern (1919) por Vladimir I. Lnin (1870-1924).
A cidade medieval desenvolveu-se ao redor do Kremlin, atual sede do governo, da Praa Vermelha e da Igreja do Bem-Aventurado Sto. Baslio (1554), transformando-se em um importante centro comercial e poltico. Entre os sculos XVI e XVII, foram construdas suas trs linhas de defesa concntricas, que delimitavam para alm do Kremlin: Kitaigorod (a cidade chinesa), Bielyigorod (a cidade branca) e Zemlianoigorod (a cidade da terra). Seu poderio religioso e econmico acabou por rivalizar com os de Roma e Constantinopla.
Em 1712, Peter, o Grande (16721725), deixou-a por sua capital, So Petersburgo; e Moscou tornou-se a segunda cidade do Imprio. So desta poca muitos de seus castelos e palcios, incluindo a universidade de 1755. Ocupada pelo exrcito de Napoleo em 1812, foi ento devastada por um imenso incndio e depois remodelada por Ossip Ivanovich Senkovsky (1800-58), arquiteto do Teatro Bolshoi (1821).
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ANTI-URBANISMO AMERICANO
Entre as dcadas de 1920 e 1930, surgiu nos EUA uma corrente terica que se expressou atravs de uma abordagem antiurbana que buscava a integrao da cidade com o meio natural e acabou influenciando a constituio da paisagem norte-americana contempornea, em especial a formao dos subrbios. Defendida principalmente pelos
Southern Agrarians , esta corrente teve como principal modelo urbano a Broadacre City (1932/34), proposta por FRANK LLOYD WRIGHT (18691959), arquiteto que, desde meados dos anos 20, concebeu a utopia de 9 Usonia , sintetizada no livro The disappearing city (1932), segundo a qual seria possvel o retorno do homem americano vida no campo.
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Um dos precursores do movimento foi o economista e experimentalista Ralph Borsodi (1886-1977) que, rechaando completamente a cidade em que vivia a Nova York dos anos 20, marcada por vrios problemas, greves e protestos , fundou Suffern, uma pequena comunidade autosustentvel de 8 acres nas imediaes da metrpole, baseada no trabalho agrcola e na produo prpria de instrumentos para viver e trabalhar. Defendia assim o conceito de voluntary simplify, fundado nos ideais de descentralizao, comunitarismo e volta natureza, relatado em seus livros The ugly civilization (A civilizao feia, 1929) e Flight from the city (Vo da cidade, 1932), os quais tiveram grande repercusso nos EUA, incentivando vrias famlias a seguirem seu exemplo no perodo da Grande Depresso.
Denominavam-se Southern Agrarians os escritores e poetas que formaram um grupo em torno da Vanderbilt University, em Nashiville (Tennessee), e da revista The American Review, no final da dcada de 1920, que se voltaram para a Idade Mdia europia que representava o mundo da arte, da aprendizagem e da moral e para a New England puritana e o Sul antes da Guerra Civil (1861/65). Seus principais membros foram Stark Young (1881-1963) , John G. Fletcher (18861950), Allen Tate (1899-1979) e Robert P. Warren (1905-1989). Todos eles coincidiam na postura anti-industrializao, em favor de um ideal de vida alcanvel atravs da volta terra e home-production (CIUCCI et al., 1975).
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Usonia era o termo que Wright empregava para descrever a Terra Prometida dos americanos e que expressava sua viso sobre a paisagem norteamericana, tanto para o planejamento urbano como para a arquitetura. Provavelmente em 1927, criou o adjetivo usonian em substituio a American para descrever o carter particular de Novo Mundo representado pela Amrica (USA), de modo livre e distinto das convenes anteriores.
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URBANISMO CELEBRALISTA
A restrio ao campo de trabalho dos modernos e a presso poltica de regimes ditatoriais, na dcada de 1930 e incio dos anos 40, fizeram ressurgir nos pases centrais da Europa um academicismo decorativista, representado por uma ARQUITETURA DE CELEBRAO, tipicamente monumental, neoclssica e tradicionalista (BENEVOLO, 1998). Paralelamente, houve a absoro
dos preceitos formais e funcionais da arquitetura moderna pelo repertrio ecltico ainda presente em muitos pases, diminuindo a polmica em relao aos contedos e limitando a discusso a certos esquematismos representados pelo estilo Art Dco. Entre 1925 e 1930, ao mesmo tempo em que a arquitetura funcional invadiu livros e revistas, jovens designers e arquitetos de formao ecltica absorveram alguns de seus elementos lingsticos e somaram-nos a inspiraes exticas (folclore amerndio e estilos orientais), criando uma espcie de moderno adocicado expresso atravs do ART DCO, que acolhia sua contribuies formais (superfcies claras e texturizadas, tetos planos e contornos ortogonais), mas sem se empenhar nos problemas substanciais (metodologia, funcionalismo, economia, etc.).
CIDADE STALINISTA
Apesar da pesquisa moderna ter sido acelerada logo aps a Revoluo Russa (1917) a qual derrubou o ltimo czar, Nicolau III (1894-1917) , isto devido ao seu interesse coletivo e tambm atuao radical dos construtivistas, o autoritarismo de Iossif Stalin (18791953), a partir dos anos 30, acabou por cercear o pensamento funcionalista e impor uma mediocridade oficial.
Quanto s teorias urbanas, embora por alguns anos as autoridades soviticas tenham concedido um espao marginal s experincias desurbanistas do esquema linear de Milyutin, acabaram voltando a valorizar, cada vez com maior deciso, os esquemas centralizadores. Ao mesmo tempo, procuraram
limitar a dimenso tanto das cidades existentes como das novas (entre 1917 e 1965, foram fundadas na URSS mais de 900 cidades novas). A lgica do crescimento concntrico imps suas exigncias e os urbanistas acabaram constrangidos a intervir com os instrumentos convencionais do planning, como o zoneamento funcional e a implantao da regularidade geomtrica dos traados. At o final dos anos 20, a URSS era um pas de economia preponderantemente agrcola e, com o primeiro Plano Qinqenal (1928), passou-se a buscar o desenvolvimento da indstria pesada e a criao de novas zonas industriais nas regies orientais, menos desenvolvidas. Com os novos planos qinqenais, iniciou-se um amplo processo de urbanizao e, entre 1926 e 1938, a populao urbana cresceu 33%. 89
PLANO DE BERLIM (1938) Em meados dos anos 30, nos ambientes europeus onde as ditaduras instalaramse, a arquitetura moderna no sobreviveu nem marginalmente, sendo totalmente substituda por uma arquitetura monumental e celebralista em especial na URSSS stalinista, na Alemanha nazista e na Itlia fascista o que acabou se refletindo nas prticas urbanas por meio do URBANISMO CELEBRALISTA.
CIDADE NAZISTA
Embora a Alemanha tenha sido o bero frtil do modernismo, a ascenso do comunismo, facilitada pela ento desorganizao financeira promovida pela Crise de 1929, somada ao desemprego e misria, redundou na formao de um movimento de carter radical e conservador, o NAZISMO ou NACIONALSOCIALISMO, que levaria ao nacionalismo exacerbado. A subida ao poder de Adolf Hitler
(1889-1945) em 1933 estabeleceu um regime ditatorial e anrquico (III Reich), sustentado por uma poltica repressiva e um aparelho paramilitar. A arquitetura moderna que dependia inicialmente do poder poltico, viu-se, a partir dos anos 30, restringida totalmente pelo interesse nazista por uma arquitetura de celebrao, tradicionalista e estritamente alem. A Bauhaus foi fechada em 1933; e professores e arquitetos modernos acabaram emigrando, principalmente para os EUA ou a URSS. Hitler levou o pan-germanismo (exaltao da superioridade da raa germnica em detrimento das estrangeiras, notadamente dos judeus) a limites extremos, acabando por desencadear a Segunda Guerra Mundial (1939/45).
PLANO REGULADOR DE MOSCOU (1935) Em 1935, foi aprovado o novo PLANO REGULADOR DE MOSCOU, considerado tecnicamente notvel pelo zoneamento perspicaz e pela abundncia de zonas verdes, mas afligido por formalismos acadmicos. Da Praa Vermelha s colinas de Lnin, foi traado um eixo monumental de mais de 20 km, semeado de grandes praas e palcios imensos, como o Meyerhold Theater (1932), o edifcio do Comissariado da Agricultura (1933) e o Moscow Hotel (1935), obras de Aleksei V. Shchusev (1873-1949). A idia da unidade de habitao
sobreviveu somente como indicao quantitativa e transformou-se no conceito de super-bloco formado por edifcios tradicionais, empregado de agora em diante nos planos reguladores soviticos. No segundo ps-guerra, a maior parte da reconstruo das edificaes na URSS foi realizada durante o quarto Plano Qinqenal (1946/50), ainda em pleno regime stalinista. Desde o incio, a operao foi rigidamente controlada pelo governo e voltada a projetos de abrigos de emergncia, resultando em obras racionalizadas, atravs de casas padronizadas de baixo padro, este denunciado em 1948. A partir da, a Academia de Arquitetura da URSS passou a ser encarregada de preparar os projetos, aprovando-se uma srie de 50 projetos-tipo para moradias e 200 projetos-tipo para edifcios pblicos, os quais mantiveram caractersticas clssicas, inclusive nas casas pr-fabricadas. Na dcada de 1950, somente aps a morte de Stalin e o novo curso da poltica interna sovitica, a situao alterou-se, quando se denunciou com clareza os excessos estilsticos da reconstruo stalinista e defendeu-se a eliminao do suprfluo. 90
No segundo ps-guerra, a reconstruo alem atrelou-se aos princpios da CARTA DE ATENAS (1933), os quais foram aplicados em 1945 nos planos de reconstruo de Hanover, de renovao de Kreuzkirche e de ampliao de Hemmingen-Westerfeld, alm dos bairros residenciais de Hamburgo e de Berlim (Markisches Viertel, ao Norte; e BritzBuckow-Rudow, a Sudeste). Foram realizados ainda muitos
projetos de recuperao de reas centrais, como aqueles ocorridos nas cidades de Munique, Essen, Bremem, Colnia, Kassel e Dusseldorf. O plano de Buckow-Rudow, Sudeste de Berlim Ocidental, ficou conhecido como Plano Gropius, tendo sido elaborado pelo mestre alemo.
Outros planejadores que se destacaram na Alemanha Ocidental aps a guerra foram: Franz Reichel (1901-65), criador do plano da comunidade de Langwasser (1955), situada a Sudeste de Nuremberg, para 60.000 habitantes; Walter Schwagenscheidt (1886-1968) & Tassilo Sittmann, responsveis pelo Plano de Frankfurt (1959); Fritz Eggeling (1913-66), que criou a nova cidade de Wulfen (1960); e Hans B. Reichow (1899-1974), que elaborou a proposta da nova cidade de Sennestadt (1956/73).
CIDADE FASCISTA
A Itlia iniciou o sculo XX com certa estabilidade poltica, o que favoreceu a industrializao e uma poltica reformista, o que satisfez a direita nacionalista, uma corrente cuja fora ansiosa por reconquistar as terras austracas, conduziu o pas para a Primeira Guerra Mundial (1914/18). Porm, nos anos 20, uma grave depresso econmica atingiu o pas e os antigos partidos revelaram-se incapazes de enfrentar a situao. Benito Mussolini (1883-1945),
com seus fascios, acabou sendo reconhecido como o nico recurso face desordem. Gradualmente, um novo regime ditatorial e corporativista, o FASCISMO, instaurou-se em torno do Duce que, devido a realizaes internas, conseguiu a adeso popular. O modernismo, que vinha se afirmando atravs da atuao do Gruppo Sette, liderado por Giuseppe Terragni (1904-42), acabou adquirindo um significado poltico, associando as caractersticas racionalistas aos ideais fascistas. Em 1931, foi fundado o Movimento Italiano pela Arquitetura Racionalista MIAR, com 47 membros, aproximando ainda mais o debate arquitetnico ao poltico e tornando os encargos pblicos cada vez mais freqentes.
Entretanto, entre 1930 e 1936, as crticas dos arquitetos Giuseppe Pagano (18961945) e Edouardo Persico (1900-36) publicadas na revista italiana Casabella, acabaram por abrir a conscincia italiana para o movimento funcionalista europeu, tornando insustentvel a aliana entre modernismo e fascismo. A situao agravou-se aps o exlio de Pagano e a morte de Persico, estes considerados antifascistas pelo regime, que comeou a pregar o conformismo neoclssico.
O maior exemplo italiano do URBANISMO CELEBRALISTA foi o projeto de Piacentini para o bairro da Esposizione Universale di Roma EUR, planejada para 1942 e nunca realizada devido guerra. O Palazzo della Civilt del Lavoro e o Museo della Civilt Romana, ambos situados no EUR, so as obras mais caractersticas dessa arquitetura monumental fascista (BENEVOLO, 2001).
J nos anos 40, iniciaram-se pesquisas dos processos de construo tipicamente italianos, em termos tcnicos e funcionais, visando-se extrair uma teoria de projeto da prtica corrente, o que conduziu, na dcada de 1950, a uma arquitetura chamada neorealista, defendida por arquitetos como Mrio Ridolfi (1904-84), Ignazio Gardella (1905-99) e Franco Albini (1905-77) entre outros.
No segundo ps-guerra, as destruies na Itlia no foram muito graves apenas cerca de 5% das habitaes foram demolidas , mas o abalo poltico e social foi bastante forte, j que o longo regime autoritrio desmoronou e deixou vista a precariedade de seus fundamentos, especialmente quanto carncia de construes e fragilidade das instituies urbansticas. Mais do que sanar destruies, a
Itlia viu-se em frente aos problemas trazidos pelo fim da ditadura e sua substituio por uma nova classe dirigente entusiasmada, mas ainda inexperiente. Surgiu a sensao de se ter retomado o contato com a realidade e ver com novos olhos como se fosse a primeira vez as coisas circundantes e sobretudo mais prximas, at ento mascaradas pela retrica patritica e pelo clima artificial de protecionismo fascista; ou cobertas pelo vus dos lugares comuns. Nasceu assim o NEOREALISMO, cujos pressupostos podiam ser encontrados em outras esferas da arte italiana, como o teatro e o cinema, por meio das obras de Eduardo De Filippo (1900-84), Vittorio De Sica (1901-74), Roberto Rossellini (1906-77), etc. 92
Deste modo, nos anos 50, surgiu o tema da MEMRIA COLETIVA na arquitetura e urbanismo italianos, aparecendo experincias de reutilizao de formas e esquemas urbanos tradicionais. A partir da dcada seguinte, a crtica mudou a nfase das questes ditas tcnicas para as relaes entre o espao construdo e a sociedade, dentro de uma perspectiva mais cultural, dando origem ao movimento NUOVA TENDENZA, centralizado em Milo, que teve como expoentes foram Luigi Moretti (1907-73), Ernesto N. Rogers (1909-69), Saverio Muratori (1910-73) e Ludovico Quaroni (1911-87), entre outros (CAPTULO 20).
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PLANEJAMENTO URBANO
Do que foi abordado at agora, conclui-se que a atividade do PLANEJAMENTO URBANO nasceu com o urbanismo moderno, desenvolvendo-se nas primeiras dcadas do sculo passado. Com o objetivo de retomar a viso global do fenmeno urbano, alm de um contato direto com a realidade atravs da observao in loco dos processos, o urban planning visa principalmente a predominncia da prtica. Sua associao ao Poder Pblico
na definio dos problemas da cidade e na proposio de solues para estes d-se justamente devido ao intuito da sua efetiva aplicabilidade por meio da interveno na realidade. Todo PLANO URBANO dinmico e envolve racionalidade suficiente para a seleo de alternativas, cujos pressupostos bsicos devem ser:
exequibilidade (tcnica e econmica); adequao a seus prprios fins; eficcia (maximizao de resultados com minimizao de custos); Coerncia com objetivos do prprio plano ou de outros de maior abrangncia; aceitao poltica (atendimento aos anseios da comunidade).
Quanto legislao urbanstica, a INGLATERRA considerada a nao pioneira, uma vez que, j em 1909, surgiu o Town Planning Act, legislao que autorizava os governos locais a elaborarem planos de ordenao do solo, de saneamento bsico e de proteo da esttica urbana; sendo fundado, em 1913, o Royal Town Planning Institute.
Considera-se tambm que as POLTICAS DE DESENVOLVIMENTO URBANOREGIONAL tiveram seu surgimento na Inglaterra da dcada de 1930 e suas primeiras aplicaes na reconstruo britnica do segundo ps-guerra. Suas precursoras foram as idias
de Patrick Geddes (1854-1932), as quais fundamentaram o chamado URBANISMO HUMANISTA; e as teorias de Georg Simmel (18581918), que influenciaram a sociologia norte-americana no perodo entreguerras, com a denominada Chicago School (ESCOLA DE CHICAGO).
FERRARI (1991) destaca que o planejamento trata-se de um mtodo no um fim em si mesmo, mas um meio para atingir determinado fim e tambm um processo constante e dinmico, no sendo o PLANO URBANO definitivo e sim contnuo, pois exige reviso, atualizao e retro-alimentao. Complementa, ainda, que se
constitui na passagem de uma previso ordenada (projeto) para uma prescrio para ao (plano), o que deve ser feito com adequao conforme funes existentes (ao integrada) e com antecipao de resultados (relacionada ao futuro).
A Segunda Guerra Mundial (1939/45) provocou uma destruio material muito maior que a primeira, contudo, o auxlio americano e o progresso da tcnica moderna possibilitaram um perodo de expanso econmica que imps grandes transformaes sociais, mais rpidas e profundas em alguns pases, que empreenderam um amplo processo de reconstruo e planificao urbana.
Em 1937, nomeou-se a Barlow Real Commission com o intuito de estudar a distribuio da populao industrial de Londres, cujo relatrio, publicado em 1940, descrevia as desvantagens da concentrao demogrfica e econmica ao redor das grandes cidades e sugeriu a criao de uma autoridade central que controlasse os terrenos edificveis, defendendo a formao de NEW TOWNS ou a expanso das cidades mdias.
Com os macios bombardeios de Londres e Coventry, esse relatrio deixou de ser apenas uma recomendao terica e teve papel fundamental para a formao de novas leis urbansticas na Inglaterra. No incio dos anos 40, criaram-se dois comits de anlise, que publicaram seus
importantes relatrios:
Sob o aspecto do planejamento urbanoregional, o PLANO REGULADOR DE LONDRES (1941/44), composto pelos planos do Condado de Londres (London County Plan) e da Grande Londres (Greater London Plan), elaborados respectivamente em 1943 e 1944, sintetiza de forma abrangente todas as correntes de pensamento urbanstico vigorantes at ento (BENEVOLO, 2001).
Scott
Committee (1941): que, estudando o uso do solo nas reas rurais inglesas, concluiu estar a agricultura gravemente ameaada por loteamentos indiscriminados, afirmando a necessidade de que a distribuio (descentralizao) das atividades industriais sobre o territrio agrcola fosse regulamentada por um plano nacional. Committee (1942): que, visando solucionar o problema das indenizaes, do qual dependia a possibilidade de um controle urbanstico sobre o uso do solo, conceituou de forma global a interveno pblica, considerando-a necessria ao interesse coletivo e ao bem-estar individual, o que implicava na subordinao dos interesses pessoais e dos desejos dos proprietrios ao Poder Pblico.
Uthwatt
Nos anos 40, instituiu-se uma nova autoridade central em matria de planificao inglesa, iniciada em 1941 no governo de sir Winston Churchill (1874-1965) at a criao em 1943 do Town & Country Planning Ministry. Em 1944, uma lei autorizou a expropriao de terrenos danificados para a reconstruo; e, em 1946, aprovou-se o New Towns Act.
Baseando-se em uma minuciosa investigao sobre as edificaes pr-existentes, esse plano afastava-se dos conceitos de regularidade geomtrica e de toda interveno demasiado radical nas zonas j construdas, propondo-se mais a inverter o processo de concentrao at ento seguido, por meio de uma srie de providncias em escala regional.
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a) Inner Ring: que inclui toda a rea do Condado de Londres (London County), caracterizada por excessiva densidade, a qual deveria ser progressivamente aliviada com afastamento de cerca de 40.000 habitantes (densidade de 75 a 100 pessoas/acre); b) Suburban Ring: que consiste na zona dos subrbios, com uma densidade satisfatria, mas que exigia ser reordenada e disposta convenientemente (densidade de at 50 pessoas/acre); c) Greenbelt: que se constitui em uma vasta rea verde (1/3 da Grande Londres), que circundaria a cidade e deveria permanecer sem construes exceto pequenas towns j existentes , adotando-se o modelo howardiano de cidade-clula; d) Outer Ring: que seria desenvolvido atravs de novos centros, mas no em forma de subrbios-dormitrios, mas de 07 (sete) new towns, suficientemente grandes para terem uma vida auto-suficiente. Eram estas: Stevenage, Crawley, Hemel-Hampsted, Harlow, Hatfiel, Basildon e Bracknell (densidade de at 20 pessoas/acre). Ao final de 1954, cerca da metade de sua populao prevista j estava assentada. Com esse plano de descentralizao, a densidade populacional da Greater London seria reduzida para um mximo de 136 pessoas/acre; e a rede viria basear-se-ia em um sistema de vias expressas, ligadas por um anel interno, encaixado no Inner Ring; e por um anel externo, situado entre o Greenbelt e o Outer Ring (GUIMARES, 2004).
O principal objetivo do PLANO REGULADOR DE LONDRES (1941/44) era evitar o crescimento difuso, desordenado e degradante da cidade, que caracterizava muitos centros urbanos ocidentais, procurando assim redirecionar a expanso industrial para diversas cidades novas construdas alm do cinturo verde e que agora constituem a chamada Outer Metropolitan Area. Dentro da Greater London, a
populao enfrentou mudanas substanciais entre 1967 e 1981, quando as reas centrais perderam cerca de 250.000 habitantes. At os subrbios da outer Londres apresentaram decrscimo de populao, ao mesmo tempo em que cresceu o desemprego entre os trabalhadores manuais noespecializados (GUIMARES, 2004).
Entre 1965 e 1973, foi concebido um extenso plano de ring roads (rodovias de contorno) nas regies central (city), inner e outer de Londres, cujo objetivo era canalizar o trfego e faz-lo contornar ncleos vitais da cidade, deixando as ruas locais livres da ao intrusiva do automvel, alm de permitir a circulao sem congestionamentos e no perturbar as clulas vitais da comunidade. Contudo, os custos financeiros e sociais com as demolies e deslocamentos populacionais conseqentes geraram protestos e preferiu-se fazer algumas intervenes radicais e projetos de revitalizao de alto padro em locais de habitaes esparsas e/ou decadncia fsica e econmica, como exemplo, as zonas porturias.
A evoluo do planejamento das new towns inglesas pode ser dividida em 03 (trs) fases, correspondentes a distintos conceitos de planejamento:
At 1945: Fase marcada por cidades projetadas segundo o modelo das gardencities e o conceito de UV, com populaeslimite de 60-80.000 habitantes e baixa densidade (75 hab./ha), exemplificadas pelas 07 (sete) new towns originais, criticadas pela falta de coeso; De 1946 a 1960: Fase caracterizada pelo abandono das formas de baixa densidade, preferindo-se a forma linear compacta com rea residencial concentrada em volta do centro e populao de 80-100.000 pessoas (abandono do conceito de UV). So exemplos, as new towns de Cumbernauld, Hook e Skelmersdale, entre outras. De 1961 a 1970: Fase em que predominou o traado em tabuleiro de xadrez, com malha viria de 1 km e populao final de 250.000 habitantes, enfatizando-se os deslocamentos, a UV e a hierarquizao das vias urbanas. Exemplos: Milton Keynes, Newton, Peterborough, Redditch, , etc.
PARIS
Na Frana, devido sua estrutura governamental altamente centralizada e a proeminncia histrica de sua capital, a regio parisiense caracterizada por sua posio de centralidade econmica e cultural no pas, para a qual converge toda a rede rodoviria e ferroviria e acabando por atrair todas as indstrias.
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Possuindo uma das mais altas densidades urbanas no mundo ocidental, caracterizando-se como uma cidade densa e compacta, carente de reas verdes para recreao e lazer nos bairros (arrondissements), Paris precisou de um plano urbano-regional que possibilitasse a descentralizao de empregos e moradia. A soluo, adotada durante o governo de Charles De Gaulle (1890-1970), nos anos 60, foi a criao de novas cidades aos arredores de Paris, para onde a populao poderia se transferir.
Essas comunidades-satlite, alm de oferecerem melhores e mais baratas condies de moradia (baixos preos de aluguel e compra), atraram indstrias e escritrios, que antes ocupavam as reas congestionadas de Paris (GUIMARES, 2004). Enquanto em Londres as new towns so isoladas e distantes de 60-80 km do centro histrico, na Frana as villes nouvelles foram planejadas para funcionar como extenses de Paris, em uma distncia de at 30 km, e ligando-se a esta por meio de auto-estradas, enfatizando-se o transporte coletivo.
NOVA YORK
Os EUA caracterizam-se por sua administrao regional descentralizada, marcada por jurisdies autnomas e fragmentadas, j que o controle sobre o uso do solo e desenvolvimento urbano so prerrogativas dos governos locais. Embora perca em coordenao e unidade, essa flexibilidade favorece a competio entre as localidades pela atrao de investimentos e fontes de produo e emprego, adaptandose zoneamentos, diminuindo-se aluguis e reduzindo-se impostos.
Nesses termos, a rea central de Manhattan acabou alcanando, a partir dos anos 60, contnua proeminncia como fonte de riqueza e trabalho. Porm, enquanto o centro de Nova York (Central Business District CBD) apresentou um crescimento vertiginoso, recebendo grande prosperidade social e melhorias ambientais urbanas, os demais municpios (counties) da regio metropolitana (New York Standard Consolidated Area NYSCA) tornaram-se verdadeiros enclaves da pobreza e suas conseqncias.
O desenvolvimento ps-industrial
em Nova York desigual e irregular, favorecendo o surgimento de plos locais (Brooklyn e Queens), enquanto outros se constituem em centros marcados pela degradao fsica e social (Bronx). Atualmente, ao modo dos ingleses, os americanos passaram a projetar e implantar novas cidades como satlites das metrpoles congestionadas, tais como: Jonathan (Minnesota), Saint Charles (Maryland), Maumelle Little Rock (Arkansas), Woodlands (Texas), Park Forest South (Illinois), Rivertone e Ganada (Rochester NY), entre muitas outras.
Tanto as new towns britnicas como os plos de crescimento parisienses representam mtodos de direcionamento populacional e de desenvolvimento para locais especficos e previamente planejados. Enquanto os ingleses buscaram criar comunidades autnomas e desvinculadas, na medida do possvel, do centro (ncleo urbano) o que intensificado pela existncia dos greenbelts e foi copiado pelos americanos , os franceses enfatizaram a integrao urbana e localizaram suas cidades novas em um corredor que as mantm ligadas a Paris (GUIMARES, 2004).
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URBANISMO HUMANISTA
Apoiando-se na crtica ao movimento progressista e ao urbanismo racionalista atravs da antropologia, da sociologia, da psicologia e da histria, expandiu-se principalmente na dcada de 1950 e girava em torno da idia de antrpolis, ou melhor, da cidade que dirigida ao homem e no mquina ou indstria. Rejeitando os modelos urbanos
propostos pelos urbanistas modernos, defendia a criao de PLANOS REGIONAIS, nos quais deveriam ser levados em considerao os aspectos sociais atravs de uma metodologia multidisciplinar, que privilegiasse os mtodos dos chamados sociological surveys (pesquisas e investigaes baseadas na geografia, histria, economia e sociologia esttica).
Os humanistas, entre os quais Patrick Geddes (1854-1932), passaram a propor um sistema de POLINUCLESMO urbano, na perspectiva de uma cidade regional, a qual seria um sistema que unisse cidade e campo em um vasto conjunto, na escala da regio, ou seja, um organismo de mltiplos centros, mas que funcionasse como um todo.
Patrick Geddes (1854-1932)
Cientista escocs de mltiplas especialidades (socilogo, bilogo, sexlogo, naturalista, urbanista, etc.), considerado o fundador do regional planning, que, graas aos seus contatos com os gegrafos franceses na virada do sculo, absorveu o credo do comunismo anarquista nas livres confederaes de regies autnomas. Em 1910, escreveu o livro intitulado Evoluo das cidades, depois republicado em 1949 como Cities in evolution, o qual chamou a ateno para o fato do planejamento urbano e regional necessitar de pesquisas multidisciplinares (FERRARI, 1991). Anunciando o nascimento de uma nova era industrial a ordem neotcnica, que viria substituir a anterior ordem paleotcnica , em que as estruturas tradicionais de educao, trabalho e moradia, guiadas essencialmente por valores quantitativos, seriam ultrapassadas por novas formas de organizao e planejamento, as quais enfatizariam questes qualitativas, apontava para a importncia do PLANEJAMENTO REGIONAL, cujas aplicaes (levantamento regional, urbanizao rural, planejamento urbano, projeto municipal, etc.) tornar-se-iam os pensamentoschave para o desenvolvimento humano.
A atitude humanista permitiu uma avaliao mais precisa da cidade industrial, que passou a se desenvolver a partir de uma METODOLOGIA MULTIDISCIPLINAR. Assim, o urban planning toma a cidade contempornea como objeto de conhecimentos histricos, polticos e tecnolgicos, entre outros. Entre os novos enfoques que
vieram auxiliar o planejador na compreenso dos problemas urbanos, destacaram-se as vises geogrfica, sociolgica e econmica. Tal postura multidisciplinar foi complementada, principalmente a partir da dcada de 1960, por nomes como Jane B. Jacobs (1916-2006) e Kevin Lynch (1918-84), entre outros, os quais contriburam enormemente com as idias do urbanismo humanista atravs de seus textos, que criticavam o zoneamento funcional e a perda da qualidade ambiental.
A multidisciplinaridade auxilia ao arquiteto no entendimento da complexidade do fenmeno urbano, mas no substitui a necessidade de propor, de desenhar e de projetar os espaos urbanos. Nos anos 60, nasceu ento o DESENHO URBANO ou urban design (KOHLSDORF, 1996).
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ESCOLA DE CHICAGO
A noo da existncia de uma cultura especificamente urbana desenvolveu-se a partir dos escritos do filsofo e socilogo alemo Georg Simmel (1858-1918), que dizia haver traos essenciais que definiriam a organizao social e personalidade urbanas, representados de modo arquetpico nas metrpoles.
Seus maiores expoentes William I. Thomas (1863-1947), Robert E. Park (1864-1944), Florian W. Znaniecki (1882-1958), Louis Wirth (1897-1952), Everett Hughes (18971983), Ernest W. Burgess (1911-2000) e Robert T. McKenzie (1917-81), entre outros colocaram o acento em uma sociabilidade no interior dos grupos.
Foi a partir das pesquisas de Simmel e de seus discpulos que se formou, durante os anos 20 e 30, um grupo de socilogos da University of Chicago que chamaram seu campo de estudos como ECOLOGIA HUMANA ou URBANA, cujo enfoque intenta at hoje compreender a reproduo da sociedade urbana, associando as preocupaes da geografia, da sociologia e da ecologia.
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MULTIDISCIPLINARIDADE
Com o surgimento e afirmao do PLANEJAMENTO URBANO, a cidade passou a ser encarada como o ponto crtico das relaes polticas e socioeconmicas, que etapa de um processo histrico dinmico e irreversvel. Ao mesmo tempo, instalou-se uma metodologia de trabalho baseada na multidisciplinaridade de saberes, que passou a fundamentar quaisquer intervenes sobre a cidade desde ento.
ENFOQUE GEOGRFICO
Para a GEOGRAFIA moderna, a cidade consiste em um conjunto complexo de assentamentos urbanos e reas rurais, cujo inter-relacionamento constitui cenrio fsico-espacial das aes humanas.
Interessando-se mais pelas formas urbanas dos seus objetos de conhecimento do que propriamente por sua formao e evoluo, tal conceito fez com que surgissem 02 (dois) enfoques fundamentais dos gegrafos contemporneos sobre o fenmeno urbano:
a) ENFOQUE INTRA-URBANO: trata a cidade de forma isolada em relao ao local ou regio em que se insere, sem se preocupar ou procurar explicar as atividades que nela se desenvolvem (funes urbanas), qual sua origem ou ainda quais as relaes que a cidade mantm com o campo. Tal enfoque derivou dos primrdios da geografia moderna, que tem nos alemes Whilhelm von Humboldt (1767-1835), Carl Ritter (1779-1859) e Friedrich Ratzel (1844-1904) seus maiores fundadores (Geografia Fsica), aos quais se juntaram os gegrafos anarquistas Elise Reclus (1830-1905) e Pyotr Kropotkin (1842-1921). Sua continuidade deu-se atravs da Geografia Humana ou Antropogeografia desenvolvida pelo gegrafo francs Paul Vidal de la Blanche (18451918) e exemplificada pelo historiador francs Fernand Braudel (1902-85), cujas idias tiveram ampla influncia at os anos 50, quando surgiram as crticas humanistas (KOHLSDORF, 1985).
Essa MULTIDISCIPLINARIDADE do urban planning veio responder a uma espcie de especializao do urbanismo, de pretenses cientficas, que acabou resultando na arbitrariedade de alguns de seus postulados e em seu distanciamento da realidade prtica. Tal abertura a outras disciplinas levou, especialmente depois da dcada de 1950, a uma crise na participao do arquiteto no planejamento, devido ausncia da definio de seu enfoque sobre o fenmeno urbano, o que o limitava a compreender o espao da cidade como reflexo e resultado.
Em meados dos anos 60, surgiram crticas sobre o planejamento urbano de sistemas, principalmente por no levar em considerao a realidade poltica. A reao imediata da esquerda foi a de convocar os prprios planejadores para virarem a mesa e praticarem o planejamento de baixo para cima, transformando-se em planejadoresorientadores (advocacy planners).
b) ENFOQUE EXTRA-URBANO ou REGIONAL: considera o espao citadino como o conjunto de assentamentos urbanos e reas rurais, sendo os primeiros os pontos de amarrao da estrutura de ocupao territorial (redes urbanas), utilizando-se de caractersticas abstratas que distanciam-no da natureza fsica do objeto geogrfico. Neste enfoque, predominante nos anos 50 e 60, introduziram-se tcnicas de anlise quantitativa da cidade, tais como a Anlise de Regresso ou a Anlise Fatorial e de Agrupamento. Tambm surgiram teorias especiais, como a Teoria dos Grafos, onde grafo um conjunto de pontos (vrtices ou ns) conectados por linhas (arestas ou arcos), o qual simula uma rede urbana.
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Em meados dos anos 60, especialmente na Inglaterra e nos EUA, os estudos humanistas da Antropogeografia reapareceram e gegrafos como David Harvey (1935-) e Doreen E. Massey (1938-) voltaram a explicar o crescimento e a transformao urbana em termos de circulao do Capital alm de destacarem aspectos sociais e culturais, contribuindo para os estudos urbanos ps-modernos seguintes.
b) ENFOQUE ECOLGICO: explica as organizaes sociais urbanas a partir de princpios ecolgicos (identificao da populao como organizao social e da cidade como o ecossistema meio + sociedade), fundando a Ecologia Humana. Tal enfoque no considera a estrutura de classes ou a diviso social do trabalho, mas sim abstraes de aspectos psicossociais em estudos de Sociologia Urbana. Seus precursores foram os cientistas da Escola de Chicago, nas dcadas de 1920 e 1930, tais como Robert E. Park (1864-1944), Everett Hughes (1897-1983), Ernest Burgess (19112000) e Robert T. McKenzie (1917-81), entre outros, mas seu desenvolvimento deu-se especialmente nos anos 50 e 60 graas NeoEcologia, expressa nas obras de Amos H. Hawley (1910-78), como Human ecology: a theory of community structure (1950). c) ENFOQUE FSICO ou EMPRICO: analisa a questo urbana a partir de indicadores mensurveis e sob uma tica eminentemente prtica, utilizando-se de classificaes baseadas em determinados indicadores, como, por exemplo, o tamanho do espao ocupado por certo grupo social. Tal ponto de vista acabou demonstrando-se incapaz de propor indicadores para os fatores fundamentais da sociedade urbana. Predominante nos anos 40 e 50, este enfoque procurou desenvolver modelos empricos e analgicos que estudassem os padres dos deslocamentos de pessoas e de bens (desde as migraes at os movimentos pendulares intra-urbanos e, em alguns casos, os padres espaciais de difuso cultural, por exemplo, a disseminao das inovaes), chegando a criar modelos economtricos para a localizao das atividades produtivas e residenciais. Baseados nos estudos pioneiros dos economistas Henry C. Carey (1793-1879) e Ernest G. Ravenstein (1834-1913), seus trabalhos mais significativos foram: as leis empricas das densidades urbanas (1941/51), de John Q. Stewart (1894-1972) & Colin G. Clark (1905-89); e os padres espaciais dos fluxos regionais (1946), de George K. Zipf (1902-50) (KOHLSDORF, 1985).
ENFOQUE SOCIOLGICO
A SOCIOLOGIA moderna concebe a cidade como a expresso da estrutura social que produzida pelos elementos dos sistemas econmico, poltico e ideolgico. Seus expoentes passaram a aplicar suas teorias de estruturao social sobre o espao urbano contemporneo, tentando explicar a cidade a partir das relaes sociais e de suas implicaes no decorrer da histria. Isto gerou 03 (trs) abordagens sociolgicas que influenciaram a atividade de planejamento urbano no sculo passado:
a) ENFOQUE SOCIAL: procura inserir o fato urbano na globalidade dos prprios processos sociais, tomando entretanto o aspecto ambiental (as diferenas entre o meio urbano e o rural) como elemento diferenciador e fazendo nascer a chamada Sociologia Urbana. Seus maiores representantes foram Herbert Spencer (1820-1903), mile Durkheim (1858-1917), Max Weber (1864-1920) e Kingsley Davis (1908-97), os quais se fundamentaram nas contribuies de Karl Marx (1818-83) e Friedrich Engels (1828-95).
novas concepes sociolgicas sobre planejamento como as de John Friedmann (1913-), da University of Los Angeles forneceram as bases filosficas do chamado aprendizado social ou enfoque neo-humanista, o qual salientava a importncia do conhecimento de sistemas no estudo do ambiente turbulento das cidades.
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ENFOQUE ECONMICO
Para a ECONOMIA moderna, a cidade a concretizao dos processos sociais de produo e reflexo das relaes econmicas da sociedade. Tal fenmeno analisado atravs do estudo da distribuio espacial das atividades produtivas, que tem entre os economistas clssicos Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823) seus maiores precursores, sem contar a contribuio das teorias marxistas. Basicamente, as anlises econmicas sobre a cidades tm 02 (dois) nveis:
a) ENFOQUE MACROECONMICO: segue as teorias regionais baseadas nas relaes econmicas internacionais, como as teorias neoclssicas e keynesianas de John M. Keyne (1883-1946) ; ou a Teoria do Ciclo do Produto (1966), de Raymond Vernon (1914-99), que procura diferenciar espacialmente os elementos sociais, tais como nveis de renda, fontes de informaes, etc. b) ENFOQUE MICROECONMICO: procura seguir as chamadas Teorias de Localizao, formuladas especialmente pelos alemes, como Ludwig Von Thnem (1780-1850), que criou um modelo concntrico ao redor do mercado para o uso do solo agrcola (1826); ou Alfred Weber (1868-1958), que trabalhou com a questo da indstria (1909). Essas teorias inscrevem a economia de forma material no espao e influenciaram enormemente o planejamento urbano dos anos 50 em diante.
Os economistas vem a cidade como um conceito matemtico e abstrato, aplicando sobre ela as teorias ligadas s idias de marginalizao, renda do solo agrrio, rede de sistemas e equilbrio econmico.
Nefitos dos princpios do positivismo lgico, eles sugerem que se deixe de se preocupar com descries da diferenciao pormenorizada da superfcie terrestre; e se comece a desenvolver hipteses gerais sobre distribuies espaciais que possam, em seguida, ser rigorosamente testadas em confronto com a realidade. Tais idias foram brilhantemente sintetizadas pelo economista norte-americano Walter Isard (1919-), em Location and space economy (1956).
Entre 1953 e 1957, Isard criou uma nova disciplina universitria que unia a nova geografia tradio germnica da economia locacional. Mais precisamente, cidades e regies passaram a ser vistas como SISTEMAS COMPLEXOS nada mais eram que um sub-conjunto particular, fundado espacialmente, de toda uma classe geral de sistemas derivados de uma cincia que nascia, desenvolvida por Norbert Wiener (1894-1964), a Ciberntica.
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Desde ento, a viso da engenharia computacional invadiu o territrio profissional do planejador urbano e modelos de interao espacial ou MODELOS OPERATIVOS URBANOS MOU passaram a fazer parte do urban planning. Entre as principais teorias urbanas de sistemas complexos, cita-se:
a) TEORIA DO TRFEGO URBANO (1954): Robert Mitchell (1906-) e Chester Rapkin (1918-) publicaram Urban traffic: a function of land use (Trfego urbano: uma funo do uso da terra), onde sugeriam que os modelos de trfego urbano eram funo direta e mensurvel do modelo das atividades e portanto, dos usos do solo que os geravam. Acoplada a um trabalho anterior sobre modelos de interao espacial; e usando, pela primeira vez, os poderes de processamento computacional, essa obra produziu uma nova cincia do planejamento do transporte urbano, que reivindicava o direito de ser cientificamente capaz de predizer os futuros modelos de trfego nas cidades. b) TEORIA DOS PLOS DE DESENVOLVIMENTO (1955), de Franois Perroux (1903-87) & Jean H. P. Paelinck (1930-): conceitua espao como algo abstrato e relativo, visando, de modo idealista, um equilbrio social a partir de uma situao econmica harmoniosa. c) TEORIA DO CAMPO DE TENSES (1960), do economista americano William Alonso (1933-99): conceitua espao como um continuum de duas dimenses, no qual a renda do solo agrrio seria a responsvel pelos processos sociais de produo da cidade, sem considerar que o processo de diviso econmica do espao tambm efeito da formao social. d) TEORIA DE GARIN-LOWRY (1966), formulada a partir do modelo proposto por Ira S. Lowry, em 1964 para a regio de Pittsburgh EUA, que consistia em uma srie de 12 avaliaes que se utilizava para derivar a localizao da populao e do emprego (industrial, comercial e de servios) em zonas urbanas. R. A. Garin reformulou este modelo, integrando explicitamente as teorias de interao espacial e de base econmica, resultando no Modelo de GarinLowry, o qual se tornou a base de inmeros MOU posteriores em cidades norteamericanas, tais como Pittsburgh , para So Francisco, Filadlfia, Seattle, Houston e Washington. e) Outras teorias similares: Lowdon Wingo (1962), Ren Mayer (1965), J. Jacques Grenelle (1967), Richard F. Mutrh (1961), J. W. Forrester (1969) e P. Hagget (1965).
URBANISMO NEOMARXISTA
Entre as dcadas de 1960 e 1970, os planejadores foram progressivamente passando do ponto de vista meramente fsico para o social e o econmico. Paralelamente, ocorreu um notvel ressurgimento de estudos marxistas, especialmente na Frana, atravs de socilogos como HENRI LEFBVRE (1901-91) e MANUEL CASTELLS (1942). Os neomarxistas voltaram-se para
a discusso materialista da cidade como local de reproduo capitalista e redirigiram a ateno para as classes trabalhadoras e suas possibilidades de transformao socioeconmica. Henri Lefbvre (1901-91)
Um dos primeiros pensadores franceses a rediscutir as questes da Escola de Chicago sob a tica do materialismo histrico, sendo um dos maiores difusores do marxismo na Frana. A partir de 1968, do mundo rural passou a pesquisar a 10 cidade , subordinando-a lgica da reproduo do Capital, enquanto seu cenrio e suporte. Seguindo Marx, compreendia a cidade como aglomerao da populao, dos instrumentos de produo, dos prazeres e das necessidades, considerando-a um problema novo, sobre o qual era necessrio pesquisar. Em La pense marxiste et la ville (A cidade do capital, 1972), ofereceu um instrumental heurstico importante para a anlise dos mecanismos de democratizao da cidade, enfatizando as categorias de produo, na sua acepo restrita e ampliada; e as relaes de produo. Alm disto, trabalhou a propriedade do solo e a renda fundiria no quadro urbano, focalizando a formao, realizao e distribuio da mais-valia. Ele antecipou como as foras produtivas atingiriam uma tal potncia para a produo do espao em escala mundial, que criariam uma contradio principal o espao produzido globalmente e suas fragmentaes, pulverizaes e despedaamentos , resultante do capitalismo.
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Sobre o fenmeno urbano, Lefbvre escreveu O direito cidade (1968), Do rural ao urbano (1970), A revoluo urbana (1970), Espao e poltica (1972) e A produo do espao (1974), entre outros. Foram igualmente importantes seus estudos sobre uma teoria do espao urbano que o colocava embasado na experincia individual do habitante, perseguindo os nexos existentes entre espacialidade e experincia. Destacaram-se seus livros sobre a vida cotidiana, como: Fundamentos de uma sociologia do cotidiano (1961) e A vida cotidiana no mundo moderno (1968).
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No Brasil, os estudos urbanos foram amplamente impulsionados pelo gegrafo baiano MILTON SANTOS (1926-2001), o maior expoente do movimento de renovao crtica da Geografia e reconhecido internacionalmente por ter publicado trabalhos sobre a metodologia dessa disciplina, assim como textos crticos dos problemas urbanos nos pases subdesenvolvidos. Tambm formado em Direito
(1948), descendente de escravos libertos antes da Abolio e ativista estudantil, foi doutor pelo Instituto de Geografia da Universidade de Strasbourg, na Frana. De volta ao Brasil, em 1958, iniciou o Laboratrio de Geomorfologia e Estudos Regionais da UFBA, impulsionando a Geografia como disciplina; e, em 1963, tornou-se o presidente da Associao de Gegrafos Brasileiros AGB, alm de combinar as atividades de professor universitrio e de redator do jornal A Tarde, em Salvador BA, defendendo posies nacionalistas.
Com o GOLPE DE 64, Santos foi preso e exilado poltico, indo trabalhar na Universidade de Toulouse Le Mirail, na Frana,onde recebeu o primeiro dos 20 ttulos de Dr. Honoris Causa que receberia durante toda a vida. Depois das universidades de Bordeaux e Paris, lecionou no MIT (Cambridge, 1971/72), Toronto (Canad, 1972), Lima (Peru, 1973), Dar-es-Salaam (Tanznia, 1974/76) e Columbia (NY, 1976/77), alm de prestar consultorias OEA e ONU. Depois de 13 anos de exlio, voltou Bahia com um livro revolucionrio: Por uma geografia nova (1978). Contudo, a UFBA no se interessou por reintegr-lo como professor, ao contrrio do Rio Grande do Sul, So Paulo e Rio de Janeiro, que o contratam como consultor. Finalmente, em 1984, tornou-se professor titular na FFLCH-USP, onde criou e manteve um grupo de pesquisadores at recentemente, alm de se tornar professor visitante em diversas universidades estrangeiras.
Com o NEOMARXISMO, os
advocacy planners passaram a intervir das mais variadas maneiras: ajudariam a informar o pblico sobre as alternativas urbanas; forariam as secretarias de planejamento a competirem pelo subrbio; e ajudariam os crticos em realizar e implementar planos que fossem superiores aos oficiais. Destacaram-se os trabalhos de Paul Vieille (1970) e Christian Topalov (1984).
No conjunto de sua obra, Santos buscou basicamente 04 (quatro) objetivos: a) Afirmar e caracterizar a Geografia como
disciplina epistemolgica, a partir da compreenso da totalidade do espao e do perodo histrico da segunda metade do sculo XX, defendo a idia do espao como instncia social e o papel do gegrafo na anlise da formao do territrio e no da sua forma. Para tanto, escreveu: Por uma geografia nova (1978), Pensando o espao do homem (1979), Espao e mtodo (1985), Metamorfoses do espao habitado (1988); Tcnica, espao e tempo (1994) e, sua obra sntese A natureza do espao (1996);
II.
III.
IV.
V.
d) Difundir e
lutar pela construo da cidadania e da tica, buscando um mundo diferente daquele em que vivemos. Para isso, tratou da GLOBALIZAO, abordando seus aspectos econmicos e analisando o papel das empresas na internacionalizao do capital, alm dos fluxos financeiros e suas implicaes na cultura local; e, propondo, ao final de sua vida, uma globalizao solidria, voltada sua dimenso cultural, baseada em outros valores que a da hegemnica, de cunho meramente econmico. Propondo uma reviso da globalizao, que deveria ser "mais humana", sem descartar a base tcnica que sustenta a globalizao econmica e financeira, escreveu O espao do cidado (1987) e Por uma outra globalizao: do pensamento nico conscincia universal (2000).
VI.
VII.
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DESENHO URBANO
A anlise da cidade a partir de bases multidisciplinares levou muitos arquitetos a migrarem para a rea de planejamento em nvel social e econmico, sem retorno ao seu campo inicial, ou seja, da conformao e projeto de espaos, da mesma forma que os colocou em uma posio de total independncia da tridimensionalidade da arquitetura. Isto conduziu a um comprometimento da prpria concepo da cidade, que perdia seu carter propriamente fsico.
O DESENHO URBANO apareceu como instrumento de interpretao, atravs da linguagem arquitetnica, do contexto urbano visando tanto objetivos estticoformais como scio-funcionais; e que considera comportamentos, hbitos e processos da populao, a manter ou modificar, de acordo com metas sociais e culturais explcitas. O designer ou desenhista urbano
atua como planejador, no sentido do profissional que trabalha nos limites do campo de outras reas de estudo perfeitamente definidas, tentando ajustar sua integrao, e tambm como arquiteto, ao passo que procura dar forma ao espao urbano. Utiliza-se de todas as disciplinas que se interessam pela melhoria da vida das pessoas nas cidades e no campo, como a psicologia, a sociologia, a economia, o direito, o paisagismo, etc.
Se em 1955, o tpico planejador urbano recm-formado debruava-se sobre a prancheta para produzir um diagrama sobre usos do solo desejados; em 1965, passava a analisar os dados de sada do computador sobre modelos de trfego e, em 1975, ficava conversando at tarde da noite com grupos comunitrios, na tentativa de organizar-lhes a resistncia contra as foras hostis do mundo. Logo, em meados dos anos 70,
era preciso uma nova teoria que procurasse servir de ponte entre as estratgias de planejamento e os sistemas urbanos, entidades fsicas e sociais ao mesmo tempo: o urban design ou DESENHO URBANO. No ltimo quartel do sculo passado, surgiu a necessidade de co-existir ambos conceitos: o da cidade como estrutura de foras sociais, econmicas e polticas, as quais determinam suas condies e caractersticas de desenvolvimento; e o da cidade como espao fsico em que se habita, vivifica e transforma.
No campo de ao do DESENHO URBANO, no se pode projetar em um tempo e construir muito depois, como possvel para um edifcio. Para a sua realizao, necessita-se de um trip formado pelos planejadores, pelos polticos e pelos cidados. Em sua prtica, o uso do solo alterado, os padres culturais so afetados e a escala de interveno vai da rua regio. Basicamente, ele possui 02 (dois) momentos bsicos em seu processo de trabalho, a saber:
Enquanto arquitetura da cidade, onde h grande interao com disciplinas do campo das Cincias Humanas (Histria, Geografia, Sociologia, Psicologia, etc.) e da Tecnologia (Saneamento, Trfego, Geologia, Estruturas, etc.); Enquanto processo de implementao e poltica urbana, pois h interaes com o Planejamento Urbano-regional e com as disciplinas ligadas aos processos de deciso (Poltica, Direito, etc.)
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Todo trabalho de desenho urbano corre o risco de no ser aceito por desajuste ao sistema global, mas tambm pode ser aceito e executado, constituindo ao nvel de uso, linguagem e estruturao fsica objeto de transformao da vida urbana, adquirindo assim uma funo sciopoltica e cultural.
As bases do estudos de DESENHO URBANO encontram-se em meados da dcada de 1950, quando apareceram crticas neo-humanistas sobre o urbanismo moderno, principalmente quanto questo do zonning, e o interesse pela anlise da PAISAGEM URBANA (urban landscape). Crticos como Gordon Cullen
(1914-94), Jane B. Jacobs (19162006) e Kevin R. Lynch (1918-94) passaram a defender a questo da necessidade de espaos de convivncia e de significado simblico dentro da cidade contempornea.
O objetivo de todo desenhista ambiental urbano harmonizar intimamente os aspectos funcionais e utilitrios com as questes formais e estticas, alm de relacion-las aos interesses econmicos e comerciais. A partir de um processo de anlise, deve saber onde colocar a nfase, preferencialmente sobre a parte ativa e positiva destes fatores de projeto. Entre suas principais preocupaes estariam as de:
a) Criar espaos suficientemente dimensionados, que permitam a circulao e ao mesmo tempo propiciem reas de estar e lazer, quando conveniente e possvel; b) Projetar e distribuir equipamentos, que, alm de serem funcionais e de esttica agradvel, devem promover durabilidade e segurana em seu uso; c) Prever um sistema de informao e sinalizao, que auxilie s pessoas dirigirem-se ao seu destino, assim como tomar conhecimento dos servios e elementos constituintes do espao pblico; d) Adequar todas as solues projetuais aos diferentes usurios, procurando atender a maior parte das expectativas e aspiraes da populao-alvo.
Entre os anos 50 e 70, a reflexo urbana voltou-se principalmente para as relaes estabelecidas entre os usurios e o espao urbano de consumo, procurandose avaliar as ligaes entre causa e efeito e enfatizando-se aspectos relacionados Psicologia, Antropologia e Ecologia. Para KOHLSDORF (1985), destacaram-se 02 correntes de pensamento nesse perodo:
a) COMPORTAMENTALISMO: Tambm denominado de determinismo, propunhase a estudar os supostos efeitos da cidade enquanto espao construdo sobre o comportamento humano. Seus defensores, surgidos em meados da dcada de 1950, passaram tambm a ser conhecidos como urbanistas da higiene mental, cujas principais preocupaes entravam-se na garantia da segurana emocional dos usurios e nas influncias da primeira infncia e da Psicologia Social apontados nos trabalhos pioneiros de Anna Freud (1895-1982) e John Bowlby (1907-90). So desse perodo, os estudos, todos com bases empricas, de: Festinger & Caplow (1950), Barker & Wright (1951), Gullahorn (1952), Blumenfeld (1953), Wenner (1954), Byrne (1956), Black (1956) e Sommmer & Ross (1958). Nos anos 60, o environmentalismo (environment = meio ambiente) veio substituir as determinaes comportamentais pelas influncias do meio ambiente sobre seus usurios e, em um enfoque conhecido como possibilista ou pragmtico, considerava o meio como um conjunto de possibilidades e limitaes ao homem, o qual teria a capacidade de transformar a natureza. Nesta corrente, no se trabalhava com as estruturas sociais ou culturais, pois no se definiam os usurios nas situaes estudadas atravs de suas caractersticas reais, ou seja, de classes sociais.
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Fazia-se mais um levantamento de algumas influncias do meio sobre o comportamento de seus usurios, estes vistos em categorias ideais (homens-tipo). Pioneiros nesta linha foram os trabalhos de Dykman & Rossow (1961), seguidos pela crtica de cientistas sociais como Werber, Broady e Ganz, alm das contribuies de Jacobs (1961) e de Alexander (1969), para o qual todo efeito do meio ambiente sobre o comportamento humano complexo e envolve influncias sociais e psicolgicas tanto quanto as do meio ambiente fsico (ALEXANDER apud KOHLSDORF, 1985:46). b) PSIQUISMO: abordava os aspectos psicolgicos das relaes entre os indivduos e o ambiente urbano, colocando seus objetivos na rea psicolgica e diluindo consideravelmente as influncias deterministas. Situados no final dos anos 60, seus defensores consideravam o meio ambiente como algo psquico ou percebido, a partir da decodificao pelos indivduos e do estabelecimento de sinais comunicativos. Foi dentro deste contexto que surgiu o chamado ecologismo, o qual considerava o edifcio ou mesmo a cidade como meio que interage com outros fatores e que influencia outras inter-relaes. As preocupaes estavam nas idias de privacidade, orientabilidade e noo de territrio; alm dos efeitos de aglomerao e do sentido de qualidade ambiental (soma entre os aspect os sensoriais do meio e qualidades estticas). Tratava-se de um enfoque que dava mais nfase aos aspectos visuais do que aos requisitos funcionais do meio urbano, fundamentando-se em discusses sobre imagens mentais e vises seriais. Destacaram-se os trabalhos de Rosegren & Devault (1963), Wecker (1964), Berger (1966), Ittelson & Proshansky (1966), Altman & Hawthorne (1967), Pastalan (1968), Ross (1969), Kuper (1969) e Rapoport (1969).
Os trabalhos desse enfoque procuraram investigar sobre as qualidades espaciais, partindo do ponto de vista dos usurios de situaes urbanas reais. Procurando recolocar a questo esttica como atitude necessariamente existente, em toda relao do homem com a natureza, seja esta a primitiva ou a socialmente transformada, e mantendo a preocupao com dimenses psicolgicas, essa tendncia sofreu uma bifurcao de caminhos em termos metodolgicos:
I. Por meio das Escolas de Bom Desenho, tambm chamadas de pragmticas, que surgiram e se concentraram na Inglaterra, retomando a herana do espao anglosaxnico que havia sido historicamente diludo entre as guerras.
Seu maior representante foi GORDON CULLEN (1914-94), especialmente com seu livro Townscape (Paisagem urbana, 1961), que alimentava a polmica entre a teoria de desenho clssica que propunha a clareza como qualidade-sntese e a teoria de desenho pictrica, que propunha a complexidade. Seu trabalho e de seus discpulos efetuaram uma anlise morfolgica detalhada de stios antigos e um estudo crtico das realizaes tecnocratas como a verso atual do progressismo. Conseguiram detectar as qualidades espaciais das antigas cidades e codific-las sob novos tipos de espaos, chegando formulao de novos princpios de projeto baseados na anlise histrica de espaos, embora vistos como normas universalmente aceitas. II. Por meio das Escolas de Anlise da Percepo, que surgiram junto s anteriores, mas inicialmente nos EUA para depois chegarem Europa. Tomando a percepo como elemento mediador fundamental entre os homens e o meio urbano, diferenciam-se por no considerarem as qualidades e as necessidades absolutamente consensuais, mas sim variveis entre grupos, culturas e pocas. A partir de mtodos experimentais, seus estudos concluiram: Que qualquer interpretao ou ao sobre o espao urbano deve ser precedida da ao cognitiva sobre o mesmo, e, nesta, o ponto de partida a percepo. Todos os estudos nesse sentido como os de Boulding (1964), Shafer & Burke (1965), Holmberg (1966), Jeanpierre (1968) e Winkel (1969), entre outros demonstraram a extrema complexidade, variabilidade e relatividade da percepo e do processo cognitivo.
Fruto dos estudos do psiquismo, nasceu em meados da dcada de 1960 uma tendncia em enfatizar os aspectos visuais do meio ambiente urbano, reagindo s idias dominantes no urbanismo moderno que limitavam as estruturas espaciais urbanas a requisitos funcionais, construtivos e econmicos (KOHLSDORF, 1985).
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Que a viso predominante na percepo, ainda que participem deste fenmeno os demais rgos dos sentidos. Isto foi comprovado pelos trabalhos de Arnheim (1965), Rapoport & Kantor (1967) e Southwood (1969), alm de vrios outros. A tendncia a enfatizar os aspectos visuais do espao urbano recebeu muitas contribuies que inclusive se mesclaram com as idias das escolas anteriores. Conceitos como os de imagens ou mapas mentais foram amplamente aplicados e compreendidos como possveis veculos de deteco de supostas necessidades de configurao por parte dos usurios dos espaos urbanos, sendo o estudo mais conhecido aquele empreendido por KEVIN LYNCH (1918-94), atravs de principalmente The image of the city (A imagem da cidade, 1960). Lynch trabalhou com a idia de que o objetivo final de um plano no deveria ser a forma fsica em si, mas a qualidade da imagem mental que ela suscita nos habitantes. Seus textos giram em torno do conceito de forma sensvel, ou seja, da coerncia perceptiva das paisagens, conforme a qualidade e vitalidade dos espaos, o sentido de lugar e a diversidade de sensaes que provoca.
Jane Jacobs identificou no cotidiano das metrpoles as razes de sua violncia, sujeira e abandono frutos do esquematismo dos modos de vida moderna que os planejadores previam em seus modelos ideais ; e observou uma vida rica e densa de significados no caos e microcosmos dos bairros populares, concluindo assim pela vitalidade urbana, baseada na diversidade funcional, acompanhada pela alta concentrao; valorizao de ruas, esquinas e percursos; e multiplicidade de tipos de edificaes, estilos e usos combinados. Para ela, o grau de urbanidade de uma cidade ou bairro dependia intrinsecamente do grau de vitalidade urbana ali presente. Acreditada que, a partir das interaes produzidas nas ruas, pelo contato com estranhos, produzir-se-ia sistemas emergentes, onde as caladas funcionavam como condutoras primrias do fluxo de informaes entre os habitantes. Jacobs defendia a complexidade urbana, que deveria ser buscada atravs de planos e projetos que reconhecessem as aes e situaes capazes de gerar ou destruir a vitalidade de uma cidade. Relacionando as atividades e seus espaos, procurou mostrar que as atividades regem a vida urbana e que os espaos que as acolhem devem estabelecer com elas inter-relaes.
A americana JANE JACOBS (19162006), em seu livro Death and life of great american cities (Morte e vida das grandes cidades americanas, 1961), desenvolveu uma srie de crticas ao urbanismo moderno, especialmente ao zonning que, para ela, dissociava a habitao das demais funes urbanas. Usando o contexto do programa
norte-americano de renovao das reas centrais baseado em 11 megaprojetos , analisou o crescimento capitalista das cidades ocidentais e concluiu que a vitalidade urbana est ligada sua diversidade.
Contra o bucolismo das cidades-jardins ou o funcionalismo corbusieriano, Jacobs mostrava-se convencida que a cidade grande expressava caos. Sem indicar nenhum modelo urbano, acreditava que o planning deveria partir das ruas em suas interaes econmicas locais, encarando o bairro a partir de uma viso button-up (de baixo para cima). Sua configurao deveria ser pensada em uma tica que partisse das relaes socioeconmicas e culturais do local; e no de um modelo ideal, buscando-se 04 (quatro) condies indispensveis para a vitalidade urbana:
a) Cada bairro deveria atender as necessidades socioeconmicas de seus habitantes, garantindo a circulao em variados horrios e destinos diversos, utilizando sua infra-estrutura de servios; b) Quadras e ruas deveriam ser curtas, com o maior nmero possvel de esquinas possibilitando ampla visibilidade e desfavorecendo a ao de meliantes; c) Edifcios novos e antigos, em estados de conservao variveis, deveriam coexistir em uma mistura compacta, gerando variados rendimentos econmicos e interesses scio-culturais no local; d) Deveria haver uma densidade alta de pessoas nos mais variados negcios, incluindo os moradores, abandonando-se o zonning moderno.
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Nos EUA, o processo de renovao urbana teve incio por volta dos anos 40, seguindo a tradio do planejamento de cima para baixo, baseado em critrios de desempenho tcnico, bem representados nos esquemas de remodelao de reas e implantao de vias-expressas. Robert Moses (1888-1981) foi seu maior expoente, considerado por muito, aps cerca de 50 anos de atividades, o maior construtor da Amrica. Em Nova York, alm de vrios conjuntos habitacionais, construiu inmeros viadutos, elevados, tneis e pontes, sem contar as enormes parkways. At a crtica empreendida por Jacobs, tais programas de remodelao urbana foram amplamente aplicados, o que promoveu um profundo processo de elitizao, atravs da expulso de minorias, idosos, locatrios e a classe trabalhadora.
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MORFOLOGIA URBANA
No segundo ps-guerra, a reconstruo das cidades europias promoveu uma srie de iniciativas de renovao urbana (urban renewal), que passaram a dominar as intervenes urbansticas at os anos 60, a maior parte delas baseada na destruio das estruturas pr-existentes e remoo das comunidades instaladas, geralmente de baixa renda. Muitas dessas aes tiveram
conseqncias terrveis para a vida dos centros histricos, que foram abandonados ou transformados em objeto de especulao. Diante desse processo de degradao fsica e social, surgiram questionamentos e debates sobre a preservao e remodelao urbana, promovidos por fortes reaes populares.
A MORFOLOGIA URBANA (do grego: morphos, forma; + logos, estudo) nasceu no contexto de crtica ao funcionalismo entre os anos 50 e 60, estreitamente ligada s questes preservacionistas europias. Seu principal objeto de estudo a forma da cidade constituda ao longo da histria, por marcas, sinais e smbolos deixados por culturas do passado e do presente, proporcionando conhecimento e levando reflexo de como intervir no futuro (LAMAS, 2000). O objetivo do estudo morfolgico
analisar a evoluo das cidades partindo de seus princpios formadores, considerando suas constantes transformaes (mutaes) e identificando seus vrios elementos constitutivos (edificaes, ruas e reas livres), os quais se transformam ao longo do tempo. Como o lugar do habitar humano, a cidade vista como a acumulao e integrao de muitas aes individuais e coletivas, guiadas por tradies culturais e moldadas por foras socioeconmicas no decorrer da histria (morfognese). Trata-se de um mtodo de anlise que investiga as componentes fsico-espaciais (lotes, ruas e tipologias edilcias) e scioculturais (usos, ocupaes e apropriaes) da forma urbana e como elas se relacionam de modo recproco (espaos pblicos e privados, abertos e fechados, construdos ou no, etc.) e em funo do tempo, a partir de suas permanncias, mutaes e transformaes, auxiliando intervenes sobre a cidade.
Desde ento, estudos interdisciplinares passaram a ser feitos, criticando os efeitos do urbanismo moderno. A ruptura da postura funcionalista deu-se por meio de intervenes pontuais com a implantao de projetos urbanos que passaram a exigir 02 (duas) reas do conhecimento de desenho urbano:
o processo de formao da cidade, que histrico e sociocultural, relacionado s formas utilizadas no passado e que esto disponveis como material da arquitetura; a reflexo sobre a forma urbana enquanto objetivo do urbanismo, que o corpo ou materializao da cidade, capaz de determinar a vida urbana em comunidade.
Segundo DEL RIO (1999), so 04 (quatro) os temas de pesquisa contempornea da morfologia urbana:
a) Crescimento: modos, intensidades e direes; elementos geradores e reguladores, limites e sua superao, modificao de estruturas e pontos de cristalizao; b) Traado e parcelamento: ordenadores do espao, estrutura fundiria, relaes, distncias, circulao e acessibilidade; c) Tipologias dos elementos urbanos: inventrio e categorizao de tipologias edilcias (residncia, comrcio), de lotes e sua ocupao, de praas e de esquinas; d) Articulaes: relaes entre elementos, hierarquias, domnios do pblico e privado, densidades, relaes entre cheios e vazios.
Em meados da dcada de 1960, surgiu uma maior conscincia do patrimnio cultural e ambiental, levando reao contra o racionalismo tecnicista e a uma necessidade de retomada da arquitetura como expresso cultural e formal.
Na procura por alternativas metodolgicas, nasceram as pesquisas de MORFOLOGIA URBANA e de TIPOLOGIA EDILCIA (relativa construo, reciclagem e revitalizao de edificaes), principalmente na Itlia e na Frana.
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A anlise morfolgica resgatou o conceito de TIPO, formulado pelo tratadista francs do sculo XVIII Antoine Quatremre de Quincy (1755-1849) e que consiste na estrutura organizativa de determinado tema arquitetnico (moradia, teatro, templo, etc.), a qual permanece constante e imutvel na histria. Diferente de um modelo que seria
um padro a ser repetido de forma idntica e exata , o tipo permite mutaes, ou melhor, a produo imprecisa de objetos distintos que mantm relaes similares. Entender a relao entre um tipo arquitetnico e a forma da cidade tornou-se fundamental para compreender a estruturao de um tecido urbano e subsidiar a metodologia do projeto arquitetnico e urbanstico (MONTANER, 2002). O estudo da sucesso histrica dos diferentes tipos de edificao, no qual se busca analisar como determinadas formas, sistemas e relaes espaciais evoluem na morfologia urbana denomina-se TIPOLOGIA EDILCIA.
Os estudos urbanos tipo-mofolgicos partem do princpio de que a forma do espao uma realidade para a qual contribui um conjunto de fatores socioeconmicos, polticos e culturais, alm de ser o resultado de uma produo voluntria compreendida como um processo que organiza os objetivos do planejamento, utilizando conhecimentos prprios e dando-lhes enfim a sua forma.
Seus maiores expoentes foram os arquitetos italianos da Nuova Tendenza, entre os quais Saverio Muratori (1910-73), seguidos do francs Philippe Panerai (1940-) e
do catalo Manuel de Sol-Morales i Rubi (1939-), entre outros, que constituram instrumentais no desenvolvimento de conceitos e metodologias para analisar a forma urbana como lgica evolutiva das foras sociais e propor aes de interveno sobre a mesma.
O conceito de MORFOLOGIA nasceu de uma categoria de anlise urbana por parte de gegrafos alemes e ingleses destacando-se o pioneirismo de Michael R. G. Conzen (1907-2000) no primeiro quartel do sculo passado, a qual se desenvolveu no mbito da arquitetura e urbanismo a partir da dcada de 1960, inicialmente na Itlia e na Frana e, depois, na Espanha. Desde ento se incorporou definitivamente nos planos e polticas pblicas de recuperao e renovao de ncleos histricos. Conzen foi um gergrafo alemo
que migrou para a Inglaterra antes da Segunda Guerra Mundial (1939/45) para estudar e aplicar os mtodos de planejamento urbano, tornando-se conhecido a partir de seu detalhado estudo da cidade-mercado de Alnwick, Northumberland, no nordeste da Gr-Bretanha. Realizada em 1960, sua anlise resistiu linha quantitativa que predominava na geografia, baseando-se em uma pesquisa intuitiva e emprica, por muitos considerada ausente de rigor e fora na elaborao de prognsticos. 110
Considera-se a Operazione Bologna, que promoveu a recuperao do centro histrico dessa cidade italiana, em fins dos anos 60, o marco histrico das iniciativas de REVITALIZAO URBANA e de criao de uma legislao para evitar as transformaes de carter espontneo, o que se tornou comum a outros planos urbansticos desenvolvidos nas dcadas seguintes. Os maiores exemplos que sucederam Bolonha foram os trabalhos realizados, a partir da dcada de 1970, em vrias cidades italianas (Roma, Veneza, Firenze, Genova, etc.) e nos centros histricos de Paris (Frana), Londres e Glasgow (Gr-Bretanha), Berlim e Hamburgo (Alemanha), Barcelona e Bilbao (Espanha), Lisboa e Porto (Portugal) e o Darling Harbor de Sidney (Austrlia). Na Amrica, foram fundamentais as experincias de renovao de Boston, Baltimore, Miami e So Francisco, que serviram de referncia para projetos similares tantos nos EUA como na Europa. Destacaram-se tambm as remodelaes de Vancouver e Toronto (Canad) e de Puerto Madero, em Buenos Aires. Houve tambm reflexos no Brasil, atravs de aes em So Lus, Recife, Salvador, Curitiba e Rio de Janeiro.
OPERAZIONE BOLOGNA
Plano implementado pelo governo municipal, segundo as diretrizes do Partido Comunista Italiano e dirigido por Pier Luigi Cervellati, consistiu em um conjunto de aes para a conservao do centro histrico da cidade de Bolonha, no norte da Itlia, fundamentadas em um estudo meticuloso sobre a evoluo das formas e tipologias existentes no tecido urbano.
ESCOLA ITALIANA
O ambiente italiano do segundo ps-guerra foi bastante propcio ao debate crtico sobre a arquitetura e urbanismo modernos. Depois do perodo da ditadura fascista, a reconstruo poltica, econmica e social, do pas possibilitou uma discusso nacional sobre a cidade como lugar do coletivo, expresso da sociedade livre e patrimnio da cultura, o que se intensificou com o NEOREALISMO.
De bases romanas, a corrente neorealista relativamente efmera influenciou a arte e a arquitetura, destacando valores populares que,
no norte da Itlia (Milano, Genova e Torino), revestiu-se de um carter mais elitista e dedicado recuperao dos materiais e configuraes neoracionalistas. Em 1944, criou-se em Milo o Movimiento Studi per lArchitettura MSA, que se converteu, junto revista Casabella, em um importante catalisador do debate cultural italiano.
Ao final da guerra, surgiu em Roma uma tendncia neo-organicista que se propunha ps-racionalista, global e renovadora, liderada por Bruno Zevi (1918-2000) arquiteto italiano formado em Harvard, autor de Saber ver a arquitetura (1948) e Histria da arquitetura moderna (1950). Em 1945, fundouse a Associao para a Arquitetura Orgnica APAO, que, inspirada pelos trabalhos de Frank Lloyd Wright (18969-1959), passou a defender o uso de superfcies inclinadas, ngulos agudos e concreto aparente, em composies mltiplas e agregadas, inclusive em nvel urbano. Alm de Zevi, os maiores expoentes desse neoorganicismo italiano foram os arquitetos: Giuseppe Samon (1898-1983), Carlo Scarpa (1906-78), Giovanni Astengo (1915-), Vittoriano Vigan (1919-96) e Giancarlo De Carlo (1919-2005), entre outros. Os neoracionalistas do norte italiano opuseram-se "americanizao" da tendncia orgnica, o que acabou fazendo com que tal corrente, de carter brutalista, tivesse pouca atuao, dado seu carter polmico.
Destacaram-se a efetiva participao popular, a definio clara entre espaos coletivos e privados e o controle da densidade de ocupao do solo, o que garantiu a eficcia do plano em seus primeiros anos. Contudo, o crescimento do tercirio sofisticado da cidade, nos anos 80 e 90, e a forte expanso da universidade, provocaram uma mudana de uso dos imveis e uma sofisticao da rea (residncias estudantis, restaurantes, bares, lojas, livrarias e galerias).
Em meados dos anos 50, surgiu um grupo de arquitetos que resultou no movimento Nuova Tendenza, cujo esforo foi para construir uma teoria da arquitetura que respondesse s exigncias internas da disciplina e que, ao mesmo tempo, se alinhasse com os objetivos sociais, culturais e polticos que a oposio esquerdista props como resposta ao crescimento do capitalismo do ps-guerra. Esta gerao empenhou-se em associar teoria e prtica, incorporando a histria no projeto. 111
Os arquitetos italianos da Nuova Tendenza consideravam a HISTRIA como meio de reforar o senso de continuidade da prtica arquitetnica, o qual tinha sido perdido com o modernismo, que negava ter referncias culturais baseadas em razes histricas, acabando por levar ao progressivo empobrecimento da prtica arquitetnica. Essa gerao ps-moderna entendia a arquitetura como processo de conhecimento, recusando-se a separar teoria e realidade, classificando a crtica e histria como instrumentos de projeto (MONTANER, 2002).
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O livro de Rossi est dividido em 04 (quatro) partes: na primeira, define os termos a serem utilizados com base na discusso da tipologia. Na segunda, olha a estrutura da cidade como um todo e em relao a seus diferentes elementos e, na terceira, examina a arquitetura da cidade e seu locus (stio urbano). Na ltima parte, verifica os problemas da dinmica urbana que o levam a discutir as polticas de escolha do stio. Estudando a cidade a partir de seus elementos constituintes (fatos urbanos), refora seu carter histrico e coletivo, assim como suas relaes com a tradio e o modo como se agrupam para formar vizinhanas. Cria assim um mtodo projetual baseado na capacidade da arquitetura assumir valores, significados e usos diversos, tornando-se elementos (arqutipos) que so ao mesmo tempo gerados e geradores da forma urbana. As principais idias destacadas so: a) A cidade uma grande manufatura, que se desenvolve com o tempo a partir da interrelao entre os fatos urbanos (ruas, praas, edifcios, bairros, etc.), caracterizados por uma arquitetura ou forma prpria. A individualidade de cada fato urbano reside na sua forma, complexa e organizada no espao e no tempo, a qual nasce da vida inconsciente, primeiramente no nvel da comunidade, ou seja, coletivamente; e depois do indivduo, particularmente; b) A cidade o locus da memria coletiva ligada a acontecimentos e lugares e responsvel pela transformao do espao por obra da coletividade. As cidades modificam-se no decorrer dos tempos, com velocidade varivel e conforme muitas foras que nela intervm, seja de natureza econmica, poltica ou outra: a forma da cidade sempre a forma de um tempo da cidade; c) A cidade cresce mediante a contnua tenso dos elementos primrios; ou seja, obras que se constituem em um acontecimento originrio na conformao urbana e que permanecem e se caracterizam no tempo, inclusive transformando sua funo. So atividades fixas (edifcios comerciais e pblicos) que tm carter coletivo e de natureza essencialmente urbana, capazes de acelerar o processo de urbanizao e caracterizando inclusive a transformao espacial do territrio (ROSSI, 2001); d) Os monumentos so elementos primrios pertencentes esfera pblica que crescem sempre pontualmente e que constituem operaes nicas promovidas por destacados esforos coletivos. Somente compreendendo-os como fato urbano singular e permanente, pode-se estabelecer um sentido na arquitetura da cidade. A forma arquitetnica da cidade deve ser exemplar em cada monumento, embora cada um dos quais seja uma individualidade em si: a arquitetura pressupe a cidade.
ESCOLA FRANCESA
A baixa qualidade da construo habitacional do segundo ps-guerra francs, baseada na produo em massa de moradias sociais projetadas segundo os padres mnimos em conjuntos urbansticos racionalistas, levou a uma reflexo terica, antes inexistente, no final da dcada de 1960.
Os estudos pioneiros
foram realizados pelos arquitetos Philippe Panerai (1940-) e Jean Castex (1942), os quais fundaram, juntamente ao socilogo Jean-Charles Depaule (1945-), uma escola de arquitetura em Versalhes (Versailles), dissidente da cole des Beaux-Arts parisiense em que ainda predominavam os princpios funcionalistas. Enquanto se dedicavam pesquisa sobre a evoluo histrica dos arredores de Paris, Panerai e Castex tiveram contato com os trabalhos de Muratori; e passaram a analisar a tipologia e escala das cidades antigas e prindustriais, criticando os alojamentos coletivos monumentais e defendendo a residncia unifamiliar. Em Formes urbaines: de llot a la barre (1975), denunciam o declnio da quadra (lot) por meio da reviso de um sculo de interveno urbanstica, resgatando a noo de bairro e a relao dos edifcios com o solo e do espao pblico com o privado.
A escola tipo-morfolgica na Frana foi marcada tambm por uma srie de estudos tericos empreendidos por Bernard Huet (1939-2001), que escreveu vrios artigos quando editor da revista Architecture DAujourdhui, nos anos 70; alm de outros livros, como Morfologia urbana e tipologia arquitetnica (1977), de Ahmet Gulgonen e Franois Laisney; e Elementos de anlise urbana (1980), de Panerai e Depaule, em conjunto com Marcelle Demorgon. Todos defendiam o estudo da forma urbana a partir da identificao de sua organizao e seus elementos de composio, demonstrando sua lgica e descrevendo sua estrutura formal. A importncia da pesquisa francesa est especialmente no tratamento que foi dado morfognese urbana, onde se fez uma minuciosa anlise do cadastro fundirio e das suas implantaes arquitetnicas ditas ordinrias. No se limitando aos monumentos ou obras singulares, observou-se tipologias simples que se concretizaram a partir dos parcelamentos do solo e se constituram em elementos de composio do agregado. De modo diferente de Rossi, para os franceses, no ser o monumento que definir o local, mas sim o parcelamento do solo, o sistema vrio e as constantes tipolgicas.
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CONSERVAO INTEGRADA
Nascida a partir da experincia de Bolonha, a chamada CONSERVAO INTEGRADA CI, corresponde a uma metodologia de interveno e renovao urbana baseada em uma viso interdisciplinar e multisensorial da cidade, cujos princpios passaram a ser amplamente aplicados nos anos 70 e 80, inicialmente em cidades do norte da Itlia (Siena, Piacenza, Ferrara e Brescia), depois na Frana e Espanha; e finalmente no resto do mundo. Descrita e caracterizada pela
Declarao de Amsterd (1975), a CI serviu como argumento terico e prtico para as administraes municipais de esquerda, visando a criao de uma imagem poltica de eficincia administrativa, justia social e participao popular nas decises do planejamento urbano-regional.
As primeiras aplicaes da CONSERVAO URBANA deram-se em reas residenciais antigas dos centros histricos e sua respectiva periferia, preocupando-se em manter a populao de baixa renda original desses locais. At meados da dcada de 1980, foi progressivamente expandida para outras partes da cidade, em especial conjuntos habitacionais modernos, construdos nos anos 50 e 60 nas periferias das cidades europias, passando a enfatizar os espaos pblicos, as reas verdes e a converso de grandes edificaes (conventos, quartis, etc.) em equipamentos sociais de uso coletivo; e buscando uma integrao das reas perifricas aos centros urbanos e aos locais de concentrao de equipamentos coletivos, por meio de polticas especiais de transporte coletivo. Nas dcadas de 1980 e 1990, a CI perdeu seu cunho social e passou a ser encarada como uma forma de revitalizao de reas centrais deprimidas ou obsoletas, associando-se recuperao econmica e do valor imobilirio dos estoques de construes, especialmente daqueles protegidos por instrumentos legais de tombamento localizados em reas centrais; e a sua converso a usos do tercirio moderno. Tornou-se assim um dos esteios das polticas neoliberais em nvel municipal, transformando a revitalizao urbana em uma estratgia de agregao de valor economia urbana das localidades e em um instrumento poderoso de atrao de investimentos privados supra-regionais ou internacionais.
Podem ser apontadas como as causas para a difuso de planos e projetos de REABILITAO URBANA nos anos 70:
a) Esgotamento do modelo econmico fordista voltado a um intenso crescimento baseado na massificao da produo e consumo (ideal positivista e de lgica racionaltecnicista), devido crise do petrleo e os problemas ambientais dos anos 60 e 70; b) Efeitos negativos de polticas urbanas modernas equivocadas que resultaram em projetos traumticos (arrasa-quarteiro) , baseados em uma arquitetura distanciada de lastros histricos e dos valores da populao ou ainda exageradamente conservacionistas; c) Renovao indiscriminada da cidade existente (urban renewal), que substituiu a riqueza fsico-espacial e a pluralidade sociocultural das reas centrais tradicionais, j desvalorizadas e esvaziadas de suas funes originais, com ambientes frios, monofuncionais e simplistas; d) Falncia do Estado e emergncia do mercado globalizado, fazendo com que o novo capitalismo neoliberal percebesse, por um lado, os potenciais do patrimnio instalado, a acessibilidade e o simbolismo das reas centrais e, pelo outro, os vazios, as descontinuidades e os limites internos ao crescimento e expanso da economia; e) Expanso da conscientizao popular e da consolidao dos movimentos comunitrios e ambientalistas, que, inseridos no paradigma do desenvolvimento sustentvel, voltaram-se para a reutilizao das reas centrais, a recuperao de suas arquiteturas e a valorizao cultural de suas ambincias; f) Gesto da cidade segundo uma lgica neoliberal, cuja prtica urbanstica passa a ser fragmentada e dispersa, conforme as oportunidades, as vantagens competitivas e as respostas de um mercado consumidor cada vez mais globalizado, embora de expresses localizadas como, por exemplo, na instituio de espacialidades propcias para novos plos financeiros e imobilirios transnacionais; ou de intenso turismo cultural-recreativo. Os exemplos contemporneos de CI expressam um planejamento e desenho urbano baseados na cultura do agente pblico como empreendedor, mas que mantm uma associao livre junto iniciativa privada nos processos de revitalizao e reabilitao urbana. O interesse renovado pela CI associou-se questo do DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL j que, em termos de estruturas urbanas, isso significa que estas devem ser utilizadas na atualidade e transformadas, no que for necessrio, para a satisfao das necessidades atuais, sem que as geraes futuras possam receber um patrimnio que comprometa a sua liberdade de utilizao, memria e identidade.
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Quinze anos aps a realizao bemsucedida da Operazione Bologna, em meados dos anos 80, houve uma alterao do perfil do centro histrico de Bolonha, quando a rea recuperada de residncia popular acabou sendo ocupada por novos usos (habitao estudantil, livrarias, lojas e bares) que a transformaram em uma das regies mais sofisticadas da Itlia, reforando um processo de GENTRIFICAO URBANA. Essa perda de homogeneidade de uso no setor de uma cidade, representada pela gentrificao,
trata-se de um resultado inevitvel da prpria revitalizao de reas histricas, antes deterioradas ou obsoletas. A menos que haja edifcios vazios, ocorrero vetores de deslocamento (atrao e repulso), j que assim que uma rea revitalizada ela passar por um processo de aumento dos valores das propriedades imobilirias e atrair usurios que desejam pagar rendas mais altas.
Dentre os setores de maior interesse para a revitalizao, as reas porturias assumiram um papel estratgico, principalmente devido ao seu contnuo processo de esvaziamento, causado pelas dificuldades de acomodar as novas logsticas porturias s suas limitadas instalaes, alm da conteinerizao, dos gigantescos navios de carga e da difcil acessibilidade dos meios de transportes de apoio (ferrovirio e rodovirio). Sua situao de abandono e
deteriorao provoca limitantes sociais e econmicos, mas sua transferncia pode gerar importantes oportunidades de expanso urbana, para novas funes e inverses imobilirias, indo ao encontro do novo PLANEJAMENTO ESTRATGICO dos modelos de oportunidade e das operaes de revitalizao urbana. Coroados com novas visibilidades, esses investimentos assumem grande poder de atrao e lucram com seu poder multiplicador.
FRANA
O processo de renovao de Paris iniciou-se em 1962 e durou cerca de duas dcadas, a partir de um amplo programa dirigido pelo ministro da cultura Andr-Georges Malraux (1901-76), o qual procurou restaurar antigos monumentos, ampliar seus acessos e reciclar suas estruturas, alm de promover a revitalizao de alguns bairros com base nas idias difundidas por Panerai e Castex. Somente na dcada de 1980, no governo de Franois Miterrand (1916-96), que algumas obras foram concludas.
INGLATERRA
Grande parte de Londres foi arrasada por bombas na Segunda Guerra Mundial (1939/45), o que levou a vrias iniciativas de reconstruo funcionalista, alm de grandes eventos para o desenvolvimento da cidade, como os Jogos Olmpicos (1948) e o Festival da Gr-Bretanha (1951), para o qual foi construdo o Royal Festival Hall, de Robert Matthew (1906-75) e Leslie Martin (1908-99).
Em meados dos anos 60, quando Londres liderava o mundo da moda e da msica popular, uma
srie de relatrios o de Milner Holland (1965) sobre a habitao em Londres; o de Plowden (1967) sobre escolas primrias; o de Seebohm (1968) sobre servios sociais marcou a redescoberta oficial da pobreza por parte do establishment britnico, que promoveu alguns projetos de renovao urbana.
DE
a) Construo da Tour Montparnasse (1973) e do Centre Georges Pompidou (1972/77), este um polmico edifcio high-tech, projetado por Richard Rogers (1933-) e Renzo Piano (1937-), em pleno corao do Le Marais, que foi totalmente remodelado; b) Ampliao e modernizao do Muss du Louvre, em 1981, as quais incluram a transferncia do Ministrio das Finanas que ocupava a Ala Richelieu e a criao de uma nova entrada em forma de pirmide, projetada pelo arquiteto I. M. Pei (1917-) ; c) Criao de novos museus, como o Muse Picasso e o Muse dOrsay, de Gae Aulenti (1927-), ambos frutos de reciclagens de prdios antigos em 1986; alm do Parc de La Villette (1984) e do novo bairro de La Defense (1989); d) Inaugurao em 1989 da pera de Paris Bastille, criada por Richard Meier (1934-).
Iniciados em 1969 e interrompidos em 1976, os Community Development Projects CDP (Projetos de Urbanizao Comunitria) visavam despertar a conscincia das comunidades carentes locais, promovendo sua participao no planejamento urbano. As equipes que os implementavam proclamavam que o problema de Saltley, em Birmingham; ou Benwell, em Newcastle-upon-Tyne, por exemplo era estrutural: a nova palavra em voga nas universidades e que passava a integrar o vocabulrio urbanstico. A orientao e controle do crescimento urbano passaram a ser repentinamente substitudos pela obsesso de encoraj-lo a todo custo (HALL, 2002).
A partir de ento, a receita mgica para a revitalizao urbana passou a ser um novo tipo de parceria criativa entre o governo municipal e o setor privado. Os chamados YUPPIES ou young urban professional people (jovens profissionais urbanos) elitizariam as degradadas reas residenciais vitorianas prximas do centro de Londres; e injetariam seu dinheiro em lojas, bares e restaurantes, como ocorreu em Covent Garden. 117
O Covent Garden fora, desde o sculo XVII, o maior mercado atacadista de frutas e verduras de Londres. Em 1962, uma Secretaria Autnoma assumiu a tarefa de preparar sua mudana para outro lugar, o que aconteceu precisamente em 1974. Quando os empreendedores imobilirios descobriram que restaurar custava menos da metade que reurbanizar, mas podia gerar quase os mesmos rendimentos, o comrcio foi sendo substitudo por butiques e lojas de artesanato; e o local transformou-se em um ponto de compras da moda e em uma concorrida zona turstica.
Entretanto, o caso mais espetacular foi o das London Docklands. O porto, outrora o maior do mundo com seus 13 km ao longo do rio Tamisa, fora arruinado pelas disputas trabalhistas e pela transferncia do comrcio para outros locais ao sul do Inglaterra, como Southampton e Felixstowe, acabando por se transferir todas as operaes remanescentes para Tilbury. No final da dcada de 1970, instaurou-se um plano de reurbanizao, o qual precisava ser oportunista em relao s propostas vindas dos empreendedores.
Aps projetos pontuais de revitalizao, como Saint Katherines Dock, um complexo multifuncional junto Tower Bridge, foi instituda em 1981, pelo governo conservador de Margaret Tatcher (1925-), a London Docklands Development Corporation, que tomou o controle da rea e buscou condicionar o mercado por meio de pesados investimentos pblicos para torn-la um centro mundial de operaes financeiras.
Alavancada pela reestruturao econmica mundial, atraram-se investimentos privados atravs de uma enterprise zone (rea sem controles urbansticos onde valiam somente incentivos), que renegou o planejamento ou qualquer tipo de princpio regulador, gerando conflitos internos, enorme especulao imobiliria e resultados urbansticos questionveis, como a rea de Cannary Wharf (1985), um conjunto comercial, monumental e de alta densidade, totalmente desvinculado do resto de Londres, projetado pelos escritrios norte-americanos de Skimore, Owings & Merrill e Pei, Cobb & Freed.
ESPANHA
A reao espanhola ao modernismo deu-se por meio do regionalismo crtico, este representado pela fundao em 1952 do Grupo R em Barcelona, que iniciou um movimento nacionalista catalo, liderado por Josep M. Sostres (1915-84) e Oriol Bohigas (1925-), que procurava, ao mesmo tempo, reviver os valores e procedimentos racionalistas da GATEPAC a ala espanhola pr-guerra dos CIAM , e evocar uma arquitetura regional acessvel populao.
J no final do franquismo, em 1968, foi fundado o Laboratrio de Urbanismo LUB, da Escola Tcnica Superior de Arquitetura da Universitat Politcnica de Catalunya, tendo como diretor Manuel de Sol-Morales i Rubi (1939-), que teria um papel fundamental na recuperao urbanstica de Barcelona, com a retomada da democracia e a administrao socialista aps 1975, que permitiram a interveno dos planejadores para reverter o processo de degradao da cidade e resgatar os valores estticos e funcionais da malha do Ensanche.
O conjunto do plano de Barcelona, que foi internacionalmente reconhecido por vrias premiaes, tentou aprofundar o carter sustentvel e ecolgico dos projetos, atravs da adoo de tecnologias limpas em sua infra estrutura, alm da reciclagem de obsoletas instalaes industriais e porturias. Iniciativas de grande porte garantiram a interconexo das periferias s reas centrais por meio de um novo e avanado sistema de tneis e vias rpidas, assim como a convivncia de mltiplas funes urbanas, incluindo comrcio, servios, educao e moradia.
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PORTUGAL
Aps o regime opressivo do primeiro-ministro Antnio Salazar (1889-1970), que terminou em 1968; e a vitria da Revoluo dos Cravos, em 1974, a democracia retornou a Portugal finalmente com o governo socialista de Mrio Soares (1924-). Iniciou-se assim um processo de modernizao do pas, que culminou com sua entrada para a Comunidade Europia em 1986.
EUA
As prefeituras norte-americanas destinam a implementao dos chamados opportunity projects (planos e projetos especiais), em reas geograficamente demarcadas, gesto de uma empresa ou agncia de desenvolvimento de capital misto, destinada a programas especiais de financiamento para a recuperao de setores degradados e que funciona com grandes agentes imobilirios.
Paralelamente, um movimento de
cunho comunitrio vicinal, liderado por um grupo de intelectuais e artistas inspirados por Jane Jacobs (19162006), opunha-se com veemncia aos programas de renovao urbana (urban renewal), que contavam com fundos federais para a construo de vias expressas e infra-estrutura.
Contra todas as expectativas, esse movimento conseguiu reverter o poderoso programa federal e restabelecer um equilbrio entre o benefcio de preservar comunidades urbanas e seus bairros, alm da realizao de um programa de obras publicas de escala metropolitana.
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Entre os anos 70 e 80, os empresrios norteamericanos comearam a compreender que, na lgica econmica consumista, o comrcio varejista possui um papel fundamental em regenerar as cidades graas a seu apelo ao turismo cultural, recreativo e de compras. Isto fez nascerem os malls comerciais abertos, ou seja, grandes conjuntos de lojas, bares e restaurantes especializados, integrados a praas cobertas e/ou monumentos histricos restaurados.
Desde ento, apareceram nos EUA vrios planos de revitalizao urbana, os quais procuraram reforar a convivncia estabelecida nos espaos pblicos, considerada como um dos pilares de sustentao de comunidades locais, alm de promover a combinao mltipla de atividades em novos espaos projetados para recreao, cultura, compras e habitao voltada a moradores de renda mista.
Neste quadro, papel fundamental teve a figura de James W. Rouse (1914-96), um empreendedor j clebre desde finais dos anos 60 por ter construdo a comunidade de Columbia, uma das bem-sucedidas cidades criadas por iniciativa privada nos EUA. Atravs da firma Rouse Company e de um estudado apoio popular, especializou-se na construo de festival malls, ou seja, complexos multifuncionais que associam entretenimento, comrcio e cultura.
Paralelamente, iniciaram-se nos anos 70, amplos e ambiciosos programas de REVITALIZAO URBANA baseados nas experincias europias de conservao integrada e que promoveram a requalificao de vrias cidades norte-americanas, especialmente de suas reas porturias, sendo pioneiras as experincias de Boston, Baltimore, Nova York, Miami e So Francisco (W RENN, 1983).
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Baltimore, Maryland
No final dos anos 50, um grupo de empresrios locais uniu-se para enfrentar a decadncia da rea central, contratando um plano diretor de David Wallace (1919-), eventualmente encampado pela Prefeitura, que recomendou a renovao de algumas quadras antigas. Passando a ser administrada por uma agncia prpria, a Charles Center & Inner Harbor Management Inc., a rea recebeu o primeiro projeto de renovao urbana nos EUA que conservou edifcios no tombados e buscou a mescla de usos comerciais e residenciais. Criaram-se praas ladeadas de lojas e bares, com garagens pblicas no subsolo; e iniciou-se um pioneiro sistema de passarelas interligando os prdios na direo rea do porto, o Inner Harbor. O plano prosseguiu pelos anos 60 e 70, correndo paralelo ao de Boston e, nos anos 80, foi lanado um programa pioneiro de urban homesteading no bairro de Otterbein, prximo ao waterfront, voltado recuperao de suas moradias, na maioria transformadas em lofts, conservando-se suas fachadas e respeitando-se a tipologia histrica do bairro. A renovao atingiu Fells Point, um tradicional bairro porturio de usos mistos e comunidades tnicas, que acabou se tornando em importante foco turstico (FRIEDEN & SAGALYN, 1989). Entre as iniciativas desenvolvidas em Baltimore, destacam-se: a) Promoo em 1961 de uma concorrncia pblica de propostas imobilirias (projeto, construo, viabilidade econmica e financeira) para a construo do primeiro edifcio comercial no novo Charles Center, cujo projeto vencedor foi da firma de Mies Van der Rohe (1886-1969), cujo grande prestgio internacional acabou chamando a ateno da mdia para o que estava ocorrendo em Baltimore. b) Revitalizao do waterfront a partir de 1973, com a demolio de edificaes abandonadas e construo de novos empreendimentos no Inner Harbor, que se tornou o ponto de atrao da cidade, reunindo obras como o Maryland Science Center (1976), seguido pela torre do World Trade Center, projeto de I. M. Pei (1917-); pelo novo Convention Center (1979 ) e o Hyatt Regent Hotel (1981). c) Inaugurao em 1980 do Harbor Place, um festival mall projetado por Benjamin C. Thompson (1918-) e viabilizado pela Rouse Company, complexo comercial formado por dois pavilhes inspirados em antigos mercados, alm da construo do National Aquarium (1981), fruto de concurso ganho pela Cambridge Seven Co. e formado por um conjunto para exposies marinhas e marina pblica.
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URBANISMO PS-MODERNO
Desde meados dos anos 50, um novo panorama descortinou-se em todo o Ocidente, este caracterizado por vrias mudanas nas cincias, nas artes e na sociedade em geral, cujo conjunto passou a ser comumente chamado de PSMODERNIDADE. Seus pressupostos encontravamse na Filosofia que, a partir da dcada de 1970, passou a identificar uma srie de transformaes que vinham se processando no pensamento mundial desde o segundo ps-guerra.
Jean-Franois Lyotard (1924-98), em La condition post-moderne (1979), apontou para um crescente rompimento com os ideais universais do incio do sculo XX. Para ele, enquanto a cincia moderna afirmava que a natureza possua uma linguagem nica e universal que, se aprendida, forneceria a capacidade absoluta de controlar o mundo, desde ento se percebeu a multiplicidade de novas formas de expresso e comunicao. Na sociedade de consumo, composta por diferentes grupos culturais, sexuais, tnicos, etc. , as necessidades e desejos humanos diversificaram-se, assim como as velhas fronteiras econmicas dos Estados nacionais foram eclipsadas pela globalizao, fazendo com que grandes projetos universais tornarem-se suprfluos e impotentes diante da economia global, cujo controle estaria fora de seu alcance. Alm de Lyotard, outros pensadores reforaram a condio ps-moderna, como David Harvey (1935-), com seu livro The condition of postmodernity (1989); Fredric Jameson (1934-), atravs de Post-modernism (1991); e Perry Anderson (1940-), com The origins of postmodernity (1998), alm do filsofo francs Jean Baudrillard (1929-), que se tornou famoso por seus conceitos de hiper-realidade, que se referia natureza virtual ou irreal da cultura contempornea (CASTELNOU, 2005).
O abandono de grandes modelos filosficos explicativos, os quais se autolegitimavam e supervalorizavam um alcance global, alm da necessidade de se romper com valores universalizantes12 foram as premissas assumidas pelos tericos do PS-MODERNISMO. Reagindo ao estabelecimento de
um modelo universal, o qual se pretendia unitrio e integrador, em todos os nveis, do plano esttico ao scio-poltico, os ps-modernos se empenham em ressaltar diferenas.
A diversidade, antes sufocada pela padronizao totalitarista capaz de conduzir a produo e nortear o consumo de massa, tornou-se o elemento fundante de uma nova dinmica espacial, propondo tambm uma nova constituio do urbano. Paralelamente, as mudanas tecnolgicas inauguram novas relaes entre tempo e espao, o que acaba por ampliar a dimenso escalar dessas categorias tradicionais, que so recontextualizadas na fragmentao e descentralizao atuais.
Para PORTOGHESI (2002), as premissas metodolgicas da arquitetura e cidade ps-modernas foram as constataes por parte dos arquitetos da existncia de:
a) Diversas e diferentes culturas no mundo atual, inclusive a banal, e no s a de elite, que devem ser reconhecidas e analisadas como fatores de identidade, alm de ter suas relaes estudadas; b) Uma produo coletiva de obras de interesse esttico e que est ligada a processos subjetivos, mediados por instituies e formas de agregamentos sociais novas; c) Um papel determinante que as transformaes ambientais em seu conjunto tem sobre a produo cultural oficial, que produto de novos sinais e formas resultantes de novas necessidades e desejos da sociedade atual; d) Uma civilizao industrial j madura, no mais representvel esquematicamente como o universo da mquina, mas como um conjunto contraditrio e dinmico.
Como marco do ps-modernismo na arquitetura, em 1977, Charles Jencks (1939-) lanou seu livro A linguagem da arquitetura ps-moderna, no qual constatava a morte do modernismo, no centralizado nas reais exigncias humanas, mas em um mtico homem moderno. Ironicamente, estabelecia como marco o dia 15/07/72, s 3h32min, por ocasio da demolio do Complexo Habitacional de Pruitt-Igoe (1955/61), em St. Louis EUA, obra de Minoru Yamazaki (1912-86).
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Com o PS-MODERNISMO, houve uma (re)aproximao entre a cultura popular e a erudita, onde se passou a buscar uma reintegrao cotidianidade dos indivduos, concretizando uma relao de simultnea influncia entre o produtor cultural e a populao em geral, materializada atravs dos meios de informao e comunicao de massa. Em relao aos estudos urbanos,
conforme CAMPOS VENUTI (1994), vivese hoje uma terceira gerao da urbanstica, que assinala a passagem da cultura da expanso para a cultura 13 da transformao , o que substitui o urbanismo das quantidades pelo das qualidades, este caracterizado por:
A descentralizao industrial das grandes cidades, acompanhada da formao de novos grupos de trabalhadores industriais nas cidades mdias e pequenas, em regies tradicionalmente agrcolas; A criao de novas centralidades e a terceirizao diferenciada dos lugares centrais das grandes cidades, com a criao de servios privados elitizados em oposio a servios sociais de massa; O aumento da demanda produtiva e popular pelos transportes de massa (intra e inter-urbanos) e pela recuperao e melhoria da qualidade das reas naturais e de uso recreativo, ou de reserva ambiental; A reutilizao do estoque de construes abandonadas ou subutilizadas e aproveitamento dos interstcios vazios no interior das reas urbanas para uso social ou de novas centralidades tercirias; A nfase na soluo de problemas da produo da economia urbana, em oposio aos problemas sociais, inclusive assumindo carter global e ultrapassando os limites de gerao de recursos locais.
Alm dos autores j citados, sublinhando a importncia de Jane Jacobs (1916-2006) e Kevin Lynch (1918-94), dois nomes realizaram importantes pesquisas que foram aplicadas aos planos urbanos: David Harvey (1935-) e Christopher Alexander (1936-).
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Por cultura da expanso o autor entende o planejamento urbano das quantidades que procurava responder aos problemas de crescimento urbano e de infra-estrutura por meio da criao de novas reas urbanizadas; e por cultura da transformao o reconhecimento de que a cidade um fato fsico existente que pode e deve ser reutilizado mediante processo de qualificao das estruturas urbanas existentes.
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programa computacional que tentava estudar e criar ambientes novos baseando-se na anlise programtica lgica. Tal interesse marcaria todos seus trabalhos futuros, porm substituiu os mtodos informticos de pesquisa pelo levantamento emprico na identificao de PATTERNS (padres). Voltando a ateno dos arquitetos para a construo popular, ele chegou a uma coleo de 235 padres, cada qual descrevendo um problema seja de espao seja de evento que ocorre repetidamente em nosso ambiente e que possibilita uma infinidade de combinaes. Ordenados linearmente comeando pelo maior, para regies e cidades; diminuindo para bairros, vizinhanas, conjuntos habitacionais, prdios, apartamentos e dormitrios; e terminando para detalhes construtivos tais padres estariam individualmente conectados a um outro padro maior que vem acima na linguagem e a um menor que vem abaixo. Nenhum padro seria uma entidade isolada. Alm disso, cada padro tem um nome, um diagrama do seu layout espacial, o propsito ou a razo da sua incluso, e a especificao das conexes entre um padro e outro a ele relacionado em uma escala maior ou menor (CASTELNOU, 2005).
Entre as principais crticas sobre os pressupostos do urbanismo moderno, que foram empreendidas a partir de meados dos anos 50, destacaram-se aquelas que apontavam para o fato de ter ocorrido a supresso de valores individuais, culturais e histricos; alm da padronizao das formas de habitao, com conseqente perda de identidade, da priorizao do sistema virio em detrimento da escala humana, da estandartizao e racionalizao de equipamentos urbanos, e da descontinuidade visual devido ao predomnio de reas verdes.
A importncia de Alexander est no fato de ter comprovado a extraordinria COMPLEXIDADE das relaes humanas que se produzem na cidade, frente a qual resulta totalmente inadequado o esquematismo dos que se dedicam a projetar cidades; e por deduzir uma srie de frmulas que, fundadas nas prprias necessidades individuais ou culturais, permitem que cada membro construa sua prpria moradia ou conjunto habitacional, deixando para os arquitetos o papel unicamente de ajuda para a construo propriamente dita. Essa proposta representa uma
humanizao da arquitetura e sua ntima e harmoniosa fuso com a natureza, o que influenciaria os estudos arquitetnicos e urbanos principalmente a partir dos anos 80. Para ele, no se deve esquecer toda a vida e alma de um espao; todas as experincias que ocorrem ale e que no dependem simplesmente de uma forma isolada ou do ambiente fsico, mas dos padres de eventos que l se vivencia. Toda ao e seu espao so indivisveis: toda ao suportada por um tipo de espao, o qual suporta esse tipo de ao, mas um no necessariamente causa do outro.
NEW URBANISM
A dcada de 1980 viu florescer o New Urbanism Movement, que, inspirado por Jacobs e Alexander, entre outros, apresentou uma nova abordagem sobre a criao e a remodelao das comunidades norte-americanas. Essa corrente de teoria passou a defender a requalificao e a revalorizao de reas urbanas atravs do resgate de formas tradicionais, reafirmando antigos conceitos antes menosprezados pelo modernismo, tais como: comunidade, lugar, histria, memria, uso misto e qualidade ambiental (ELLIN, 1999).
Tendo como seus maiores expoentes os arquitetos Andrs M. Duany (1949-) e sua esposa Elizabeth Plater-Zyberk (1953-), suas propostas como Seaside (1981) e Kentland (1988), nos EUA , alm de outros conjuntos urbanos, como Windsor Palms, de Scott Merrill & Georg Pastor, e Celebration Disney, de Robert A. M. Stern (1939-), baseavam-se nos seguintes pontos: 125
a) Criao de realidades agradveis ( fuga dos problemas urbanos); b) Reconstituio de ambientes do passado (uso de estilos mltiplos e grande variabilidade ambiental); c) Proliferao de comunidades fechadas criadas em pequena escala; d) nfase em questes como segurana, conforto e tranqilidade (sociabilidade vigiada); e) Desenvolvimento de modos de controle e 14 segregao (territrio da excluso) .
O processo de privatizao do espao pblico teve incio a partir da ascenso da burguesia do sculo XVIII em diante, tendo sido acelerado com a emergncia da sociedade de massas do sculo XX, fenmeno em estreita relao com o desenvolvimento do mercado. Desde ento, o espao pblico tradicional vm sendo desvalorizado enquanto bem-estar social e redefinido como um problema de planejamento, o que levou a uma crescente transformao da cidade (ELLIN, 1999).
A partir de ento, foi possvel observar novos fenmenos ocorrendo no espao pblico, o qual passou a sofrer um processo de privatizao, ao mesmo tempo em que ocorreu uma espcie de publicizao do espao privado, isto devido ao desenvolvimento de novas sociabilidades urbanas.
Tradicionalmente, consideravamse pblicos os espaos abertos a todos e que se constituam no palco democrtico de prticas sociais, polticas, econmicas e culturais , sendo representado principalmente pelas ruas, praas, parques, locais de lazer e de transporte urbano.
Atualmente, seu conceito tambm se relaciona ao de novos espaos privados ou semi-privados, que abrigam a vida coletiva urbana, abertos de maneira aparentemente irrestrita ao pblico e que funcionam como palco de grandes eventos profissionais ou familiares. Em outras palavras, consistem em espaos coletivos abertos no interior de reas comerciais (shopping centers, hotis, museus, bufs, casas de recepo, etc.) ou mesmo residenciais (condomnios horizontais e verticais).
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Vrias comunidades foram concebidas a partir dos pressupostos do NEW URBANISM, principalmente a partir da dcada de 1980 nos EUA, tais como Haile Village Center, em Gainesville, Flrida; Celebration, em Orlando, Flrida; Loreto Bay, em Loreto, Califrnia; Serenbe, em Palmetto, Gergia; Harbor Town, em Memphis, Tennessee; King Farm, em Rockville, Maryland; Addison Circle, em Addison, Texas; Orenco Station, em Hillsboro, Oregon; Mashpee Commons, em Mashpee, Massachusetts; The Cotton District, em Starkville, Mississippi; The Waters, em Montgomery, Alabama; e Cherry Hill Village, em Canton, Michigan; entre muitas outras.
Um dos maiores precursores na incorporao de espaos pseudo-naturais e pseudo-pblicos em arranha-cus, ou seja, da publicizao de espaos privados foi o arquiteto norte-americano Jonh Portman (1924-). Entre suas obras, destacam-se: Hyatt Regency Hotel (1968, Atlanta), o Hyatt Regency Hotel (1972, S. Francisco), o Renaissance Center (1973/77, Detroit), o Westin Bonaventure Hotel (1977/80, Los Angeles) e o Mariott Hotel (1986, Atlanta) (CASTELNOU, 2005).
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Tanto o fenmeno de privatizao dos espaos pblicos como o da publicizao dos espaos privados associam-se a novas condies urbanas, definidas em parte por James Jameson (1987; 1990), que apontava para os fenmenos psmodernos da multifuncionalidade espacial e da esteticizao da vida; e por Richard Sennet (1993), que observou o declnio do homem pblico como desdobramento lgico do cosmopolitismo urbano moderno, o que vinha ocorrendo desde a flnerie de Baudelaire.
BRASIL
Desde os anos 60, despontou uma corrente forte da arquitetura brasileira, que pregava a conciliao entre o pensamento moderno e as tradies nacionais, que iam desde as caractersticas climticas regionais at a tradio colonial luso-brasileira. Fundamentado nas idias sempre
defendidas por Lcio Costa (190288), o REGIONALISMO, constituiu-se em uma das vertentes ps-Braslia, indo ao encontro das preocupaes ps-modernas de revalorizao das culturas locais e nfase nos usos e costumes do passado.
KENTLANDS (DUANY & PLATER-ZYBERK) Os efeitos mais ntidos dessa nova concepo urbanstica so:
a) Progressiva degradao dos espaos pblicos centrais (ruas, praas e centros histricos) pela diminuio de investimentos pblicos; b) Proliferao de programas de revitalizao e/ou ressurreio de espaos centrais, atravs da parceria entre pblico e privado; c) Expulso e/ou segregao scio-econmica dos moradores originais principalmente devido explorao fundiria desses novos locais; d) Disseminao de reas e condomnios fechados devido crescente eutansia espacial (obsolescncia provocada ou induzida de locais).
Nas ltimas dcadas do sculo XX, devido industrializao que se estendeu em boa parte do pas, assim como a disseminao de novos profissionais, a linguagem moderna de origens comuns enquadrou-se em novos contextos. As diferenas climticas, tecnolgicas, scioeconmicas e programticas conduziram a um processo amplo e progressivo de REGIONALIZAO. Mesmo assim o ambiente brasileiro
ainda carece em reflexo conceitual sobre as prticas arquitetnicas e urbansticas, devido postura pragmtica que ainda predomina nos crculos profissionais e a carncia de pesquisas tericas em nossas universidades. De qualquer forma, o atual crescimento do quadro de arquitetos no pas aponta para uma possibilidade de conscientizao.
Reproduo da cidade/natureza em escala Participao de experincias simultneas de objetivos particulares sobre pblicos
Triunfo
Disneificao ou Rouseficao
Parques temticos, shopping centers e resorts
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Os estudos de MORFOLOGIA URBANA e TIPOLOGIA EDILCIA foram pouco difundidos no Brasil, passando a ser melhor conhecidos somente com a realizao do I e II Seminrios sobre Desenho Urbano SEDUR, promovidos pelo DAUUnB, organizados por Benamy Turkienicz e Maurcio Malta respectivamente em 1984 e 1986. Depois dos trabalhos pioneiros de Nestor Goulart Reis Filho, como Evoluo urbana do Brasil (1968) e Quadro da arquitetura no Brasil (1970), em que apresentava a evoluo tipolgica desde o Imprio at os anos 40, relacionando arquitetura com as estruturas urbanas e as condies socioculturais, os primeiros trabalhos a abordar o desenho urbano foram os de Carlos Nelson Ferreira dos Santos (Cidade como um Jogo de Cartas , 1988); Candido Malta Campos Filho (Cidades brasileiras: seu controle ou o caos , 1988); e, finalmente, Vicente Del Rio (Introduo do desenho urbano no processo de planejamento , 1999), o qual relata as primeiras experincias brasileiras. Desde os anos 90, Maria Elaine Khorlsdorf e os pesquisadores vinculados Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional ANPUR vm intensificando os estudos urbanos.
Apesar da variedade de experincias nacionais e locais, pode-se afirmar que a maioria delas est calcada na idia de criar valores para as especificidades municipais, alm da questo da formao de uma nova imagem da cidade, isto , em um mundo globalizado, onde localidades competem diretamente por investimentos produtivos, o que decide o jogo da competio so as especificidades das localidades e suas imagens, porque so elas que as diferenciam de outras com atributos econmicos similares (treinamento de mo-de-obra, infra-estruturas, incentivos fiscais, concentrao de atividades, insero em regies deprimidas ou em expanso e outras).
c) Projeto
Pelourinho (Salvador, 1983): desenvolvido inicialmente por Lina Bo Bardi (1914-92), integrava o uso popular do local com propostas de preservao e recuperao inovadoras, acabando por se tornar bastante polmico pelo impacto social causado pela transferncia da populao tradicional da rea e pela descaracterizao e perda de autenticidade do patrimnio. Nesse projeto, o Governo obteve a propriedade dos imveis, passando a investir em sua recuperao fsica para ced-los ou alug-los a instituies culturais e empresas de servio e comrcio a preos abaixo do mercado. parceria com a iniciativa privada, promoveu investimentos pblicos pequenos, mas que tiveram um efeito multiplicador substancial. A ao pblica concentrou-se basicamente na melhoria da infra-estrutura e na qualificao dos espaos pblicos, alm da recuperao direta de alguns imveis, que acabaram atraindo investimentos privados, que tm sido realizados por meio de negociao continuada da municipalidade.
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CIDADE DO FUTURO
O ltimo quartel do sculo passado foi marcado pela intensificao do debate sobre a relao entre CIDADE e MEIO AMBIENTE, fruto dos questionamentos dos princpios do urbanismo moderno, dada a crescente situao catastrfica das metrpoles e o quadro de alienao do homem contemporneo. A segregao espacial, tanto tnica
quanto social, nas grandes concentraes urbanas, assim como os problemas decorrentes de uma postura predadora em relao natureza e seus recursos, fizeram com que surgissem crticas, desde o segundo ps-guerra, ao funcionalismo, estandardizao e suburbanizao da cidade, alegando sua monotonia e forte nfase ao individualismo.
Paralelamente abertura interdisciplinar que ocorreu na rea do planejamento urbano e o amplo desenvolvimento do desenho urbano, ocorridos entre as dcadas de 1960 e 1970, as UTOPIAS URBANAS eclodiram com o avano da Era da Informtica, da Contra-Cultura, da crise energtica e do despertar ecolgico. Embasadas pelas crticas empreendidas pelo urbanismo humanista, assim com pelas idias difundidas desde dos anos 50 por nomes como Herbert Marcuse (18981979), Burrhus F. Skinner (1904-90), David Riesman (1909-2002) e os irmos Goodman, surgiram 02 (duas) vertentes utpicas:
TECNOTOPIA: solucionava os problemas atravs da tecnificao de ambientes (tecnocentrismo); ECOTOPIA: voltava-se para o resgate da relao harmoniosa com a natureza (ecocentrismo). A idia de assentamentos humanos sociais e ecologicamente sustentveis ganhou fora a partir dos anos 70, em especial, aps a Contra-Cultura, que apresentou comunidades alternativas, embasadas no desejo de se abandonar um modelo de vida dominante e apontar um possvel caminho para a sustentabilidade urbana.
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A palavra beatnik deriva da expresso norteamericana beat generation, a qual foi lanada em 1952 pelo New York Times para designar por analogia com lost generation dos anos 20 e 30, representada pelos escritores americanos que viveram em Paris, como F. Scott Fitzgerald (18961940) e Ernest Hemingway (1899-1961) um movimento social e literrio que surgiu nos EUA. Comum a partir de 1958, o termo cujo sufixo nik derivaria do idiche passou a se referir a um grupo de pintores gestuais e escritores como William S. Burroughs (1914-1997) e Jack Kerouac (1922-1969) , alm de vrios adolescentes nmades e rebeldes, em torno de exigncias de liberdade e de espontaneidade, guiados por filsofos orientais e pelas experincias vividas com o uso de drogas. Essa nova onda romntica proclamava a impossibilidade de sua insero na sociedade moderna (to beat; bater) e seu desejo exasperado (beat evocaria o ritmo do jazz) de absoluto (beat seria abreviatura de beatific).
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O movimento hippie do termo ingls hippy teve incio nos EUA, na segunda metade da dcada de 1960, caracterizando-se pela oposio radical militarizao da sociedade e Guerra do Vietn (1957/75). Da Amrica, passou para a Europa e difundiu-se por todo o mundo, influenciando vrias reas culturais, tais como msica, pintura e teatro. Seus adeptos valorizavam a vida em comunidade, alm de uma moral e costumes no-conformistas, baseados na noviolncia e na oposio sociedade industrial e aos valores tradicionais, preconizando a liberdade em todos os domnios. Seu lema Make love not war foi um dos mais caractersticos dos anos 60.
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A UTOPIA URBANA explodiu nos anos 60 em conseqncia da crise cultural que atingiu a profisso do arquiteto e urbanista, em paralelo aos debates sobre a preservao e renovao de centros histricos e avaliao crtica das cidades criadas durante o Movimento Moderno (1915/45), estando na destruio da memria urbana, na proliferao das periferias, nos problemas crescentes de circulao e abastecimento, e nas implicaes ambientais, os principais condicionantes para a utopia da CIDADE DO FUTURO.
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TECNOTOPIA
Em meados da dcada de 1960, uma nova gerao de arquitetos apresentou a utopia em resposta ao descontentamento produzido pela situao da arquitetura e urbanstica modernas. Suas proposies na maioria inviveis serviram de germe do futuro, associando algumas aspiraes fsico-espaciais com possibilidades cientfico-tecnolgicas, as quais ocorreriam num futuro prximo. Denominou-se TECNOTOPIA o
conjunto dessas propostas que, baseando-se em parmetros tcnicoconstrutivos, desenvolveu propostas de espaos fantsticos, especialmente atravs de grupos de vanguarda. A arquitetura tecnotpica fez pesquisas sobre novas tecnologias e agenciamentos espaciais, acabando por influenciar toda a produo ficcional, em especial, a televiso e o 17 cinema dos anos 60 em diante.
Os tecnotopistas propunham espaos variveis e multifuncionais, principalmente atravs da reciclagem de elementos mveis, que seriam agregados a estruturas primrias fixas normalmente destinadas circulao e aos servios; alm de criarem megaestruturas adaptveis por encaixes, deslizamentos ou acoplamentos; e emprego de pelculas pneumticas mveis e de clulas sintticas.
Entre as derivaes tecnotpicas, podem ser citadas: a Intrapolis (1960), de Walter Jonas (1923-) ; a Space City (1960/63), de Yona Friedman (1923-); a cidade de Ragnitz (1963/69), de Gnther Domenig (1934-) ; e as propostas do suo Justus Dahinden (1925-), como o Swimming Hotel Cairo (1972), a Akropolis Leisure City (1974) e a Kiryat Ono Leisure City (1984), prxima a Tel Aviv, em Israel. Um destaque especial representou o modelo Habitat 67, idealizado pelo israelense Moshe Safdie (1938-), concretizado na Expo67, ocorrida em Montreal, Canad. Richard Buckminster Fller (1895-1983)
Engenheiro, matemtico, cartgrafo, ecologista e pensador norte-americano que dedicou toda sua vida criando solues tcnicas para os problemas contemporneos, explorando especialmente as potencialidades da estrutura metlica espacial e das cpulas geodsicas, sua principal contribuio ao iderio utopista, desenvolvida a partir de 1954. Um de seus trabalhos mais difundido foi a proposta da Dymaxion House (1929/32), que consistia em uma unidade de habitao fabricada em srie que exigia um mnimo de infra-estrutura e servios, mas supunha a existncia de um complexo industrial nas imediaes. Outros trabalhos de destaque foram: o Dymaxion Car (1937); a Fller House (1946); e sua obra-prima, a geodsia do pavilho americano na Expo 67, ocorrida em Montreal, Quebec Canad (ZEVI, 1979).
METABOLISMO (1959)
Conjunto de idias de um grupo de arquitetos e urbanistas japoneses que reuniram por volta de 1959 na busca de uma viso futura da cidade habitada pela sociedade de massa, que se caracterizaria por grandes estruturas flexveis e extensveis, as quais permitiriam um processo de crescimento orgnico. Tomando como base a idia de que as leis tradicionais de forma e funo estavam obsoletas, o Metabolist Movement apoiava suas propostas nos conceitos de reciclagem e flexibilidade constantes, inspirandose na filosofia do xintosmo, que pregava a mudana eterna de tudo e a continuidade do eterno no transitrio; e na analogia sistmica. A cidade era considerada um sistema aberto que permitia transformaes peridicas, nas quais a ordenao do trfego era essencial.
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Entre 1965 e 1968, foi produzida a srie televisiva de fico cientfica Lost in Space (Perdidos no Espao) e, entre inmeros filmes e sries, seu produtor, Irwin Allen (1916-91), tambm produziu: Viagem ao fundo do mar (1964/68), Tnel do tempo (1966/67) e Terra dos gigantes (1967/70). Em 1966, surgia a clssica saga de Star Trek (Jornada nas Estrelas), criada por Gene Roddenberry (1921-91), que duraria at 1969 para depois reeditada em 1973 e atravs de vrias derivaes at hoje. No cinema, em 1968, o filme 2001, uma odissia no espao, baseado nos escritos de Arthur C. Clark (1917-) e dirigido por Stanley Kubrik (1928-99), marcaria uma gerao.
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Entre os metabolistas, um dos maiores destaques foi Kenzo Tange (1913-2005) que, atravs do seu megaplano para Tquio de 1960, props a ampliao da cidade sobre o mar. O arquiteto e engenheiro japons Kiyonori Kikutake (1928-) foi o fundador e principal terico do grupo metabolista. Alm de propor a Tower City, escreveu Metabolism (1960), Floating architecture (1973) e Community and civilization (1975). Entre as propostas do Metabolism Movement mais difundidas esto as idias da cidade flutuante, atravs do Unabara Project; da cidade agrcola e da cidade-parede, alm daquelas relacionadas proposta do Living in a capsule (Vivendo em uma cpsula), criadas em 1966, por Akira Shibuya; em 1967, por Youji Watanabe, principalmente, por Kisho Kurokawa (1934-), entre 1970 e 1972; este responsvel pela proposta utpica da Helix City, alm do Takara Pavillion (1967), realizado na Expo67; e da experimental Nakagin Capsule Tower (1972/74), construda em Tquio. Outros arquitetos de bases metabolistas so Masato Ohtaka (1923-), Fumihiko Maki (1928-) e Arata Isozaki (1930-) , entre outros.
Inicialmente formado por Warren Chalk (1927-87), Ron Herron (1930-95), Dennis Crompton (1935), Peter Cook (1936-), David Greene (1937-) e Mike Webb (1937-), sua primeira grande exposio denominou-se Living City (Cidade Viva), ocorrendo em 1963, a qual trouxe bastante polmica ao ambiente londrino. Os principais projetos de Cook foram a Living Pod e a Capsule Tower (1964/66), alm das Trickling Towers e da Layer City (1978/82). Sua Plug-in-City (1964) constitua-se de uma grande trama, na qual as edificaes em forma de clulas deveriam ser acopladas; as mquinas assumiriam o controle e s pessoas, transformadas em matria-prima, restaria apreciar a experincia. Herron, por sua vez, contribui com as propostas da Instant City e da Walking City (1964/6), esta ltima uma cidade ambulante, surgida das cinzas de uma civilizao ps-nuclear, formada por edifcios inteligentes na forma de cpsulas gigantes mveis. Seu formato derivava da combinao entre inseto e mquina, em uma interpretao literal da idia de Le Corbusier de que a casa era uma mquina de morar.
ARCHIGRAM (1961)
Grupo vanguardista com bases na London Architectural Association, que foi considerado futurista, anti-herico e pr-consumista, ao tirar sua inspirao da tecnologia para criar uma realidade nova, a qual foi expressa somente atravs de projetos hipotticos. Seu nome referiase a uma publicao contestatria de fico cientfica em forma de comic strips, destinada a fazer propaganda comercial nos EUA que, atravs de um idealismo esttico-tecnocrtico, duas pginas e periodicidade irregular, trazia desenhos e manifestos pop. Seu maior defensor foi o crtico britnico Reyner Banham (1922-88), um dos responsveis pela divulgao da revista e dos trabalhos do grupo, os quais propunham cidades fantsticas, transitrias e auto-regulveis, que se diferenciavam das propostas metabolistas por serem mais conceituais que concretas. Seu principal objetivo no era o interesse profissional, mas a descoberta de uma linguagem contempornea que resolvesse o brusco crescimento populacional e urbano atravs de megaestruturas neutras, feitas de materiais sintticos e inflveis. A partir da fantasia tecnolgica, que encontrava referncias nos trabalhos futuristas do arquiteto italiano Antonio SantElia (1888-1916) ou nas investigaes tecnolgicas de Buckmister Fller (geodsicas) ou ainda nas tenso-estruturas do alemo Frei Otto (1925-), seus ambientes urbanos ou computer cities eram caracterizados pela nfase circulatria, disposies transitrias e robs acionados por computadores. Seus trabalhos, bastante influenciados pela Pop Art, ofereciam uma viso sedutora de uma idade de mquina futura e fascinante, mas que deixava temas sociais e ambientais de lado.
ECOTOPIA
A defesa do retorno do ser humano natureza esteve sempre presente na evoluo do pensamento utpico desde a Renascena, mas foi a partir da Revoluo Industrial (1750-1830) e de suas conseqncias que passou a ser teorizada por meio dos ideais romnticos e naturalistas, revestindo-se de uma fora sem igual na dcada de 1960, quando o colapso do modelo econmico capitalista e a situao catastrfica das metrpoles pareciam inevitveis (CASTELNOU, 2005). A palavra ECOTOPIA foi utilizada
pela primeira vez em 1877 no livro A crystal age (Uma era de cristal) , do ornitologista e escritor naturalista britnico, de origem argentina, William H. Hudson (1841-1922) , que ficou mais conhecido por seus romances exticos, embora tenha escrito sobre ornitologia e ruralismo.
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Com o despertar ecolgico da dcada de 1970, a ECOTOPIA passou a ser uma das alternativas de postura em relao ao acelerado avano da tecnologia e da sociedade de massa, fortemente marcada pelos mecanismos de alienao e consumo. Com bases literrias bastante fortes18, encontrou subsdios para se difundir como uma nova proposta de reintegrao homem/natureza e do restabelecimento da harmonia ambiental. Denominou-se Back-to-the-land
Movement o fenmeno social que correu entre os anos 60 e 70 nos EUA que consistiu no aumento das migraes das cidades em direo ao campo, atravs de um forte xodo urbano naquele pas que coincidia com a Contra-Cultura e tinha forte apelo de bases contestatrias e literrias, incluindo as idias pioneiras de Henry D. Thoureau (1817-62) e Ralph Borsodi (1886-1977).
As pessoas comearam a achar que, vivendo na cidade ou subrbio, faltava-lhes alguma familiaridade com os princpios bsicos da vida, como as fontes naturais de alimentao ou um maior contato com a natureza. Alm disso, recusavam alguns aspectos negativos da vida moderna, como consumismo em excesso; falhas do governo e sociedade, como a Guerra do Vietn (1957/75); e preocupao crescente com a poluio. Somaram-se a isto o escndalo de Watergate e a crise energtica de 1973.
Rejeitando a resignao ou a luta, os back-tolanders aspiraram pela reconexo com o mundo natural, voltando a viver no campo e transformando-se em trabalhadores autnomos de uma indstria caseira, construindo sua prpria casa e produzindo seu prprio alimento. Preferindo-se fontes energticas alternativas, passaram a viver em comunidades agrrias, atravs de um sistema de trocas de bens e servios, sem uso do dinheiro. Alguns desenvolviam atividades flexveis, como escritor ou artista, enquanto outros mantinham empregos na cidade. Porm, a maioria estava despreparada para esse estilo de vida; e os problemas relacionados a custos maquinrio, sementes, suplementos e despesas domsticas , acabaram forando a volta para as cidades ou para as comunidades rurais mais prximas (COFFEY, 1996).
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Em 1947, Betty MacDonald (1908-58) lanou The egg and I, que se tornaria um bestseller ao contar a histria de sua mudana para uma pequena fazenda na Olympic Pennsula, no Estado de Washington; e, em 1948, o eclogo Aldo Leopold (1886-1948) publicou A Sand County Almanac, uma profunda e comovente declarao ambientalista, que foi sucedida, seis anos depois, por Living the good life (1954), um livro que contava sobre a mudana de seus autores, o casal Helen (1904-95) e Scott Nearing (1883-1983), para uma cottage na rea rural de Vermont. Soma-se a isto o papel que tiveram os Whole Earth Catalogs (1968/72) escritos por Stewart Brand (1938-) e que se propunham a oferecer instrumentos (almanaques, ferramentas e implementos de jardinagem) para se alcanar uma vida sustentvel. Em 1970, Robert Heilbroner (19192005) lanou Ecological Armageddon, que prenunciava, de alguma forma, os conturbados anos 70, quando a crise do petrleo abalou a ordem mundial. Depois, o lanamento de Ecotopia (1975), de Ernest Callenbach (1929-) marcaria definitivamente o incio da utopia ecolgica.
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A partir dos anos 80, o desenvolvimento do movimento ambientalista, assim como a difuso da idia de sustentabilidade urbana, fez se aumentar o interesse pela chamada GREEN ARCHITECTURE, a qual procura incorporar as preocupaes com o desperdcio energtico, o reaproveitamento de resduos e a reciclagem de materiais no projeto e construo, inclusive a nvel urbano, fazendo crescer o eco-urbanismo.
SURVIVALISMO
Movimento ecotopista surgido entre os anos 70 e 80 nos EUA, formado pelos auto-intitulados survivalistas, pessoas que, antecipando uma ruptura radical da sociedade local, regional ou mundial, prope-se a tomar medidas visando sobreviver (to survive) a situaes drsticas imprevisveis. O termo nasceu do peridico The Survival (1975), publicado por Karl Saxon, alm de vrios artigos e livros como Famine and survival in America (1974), de Howard J. Ruff , que denunciariam os riscos contempornea. Embora tendo acesso s facilidades da vida moderna, os survivalistas preparam-se para uma eminente perda futura, tomando como bases acontecimentos histricos ou simplesmente se propondo a resistir em condies extremas, como em pleno mar ou sob um inverno intenso; ou ainda se oferecendo como voluntrios para programas especiais do governo. As preocupaes especficas de cada grupo survivalista dependem do tipo de risco a que se supe estar correndo, enquadrando-se geralmente em trs categorias: catstrofes naturais (furaces , terremotos, etc.); desastres de origem antrpica (guerras, atentados terroristas ou poluio radioativa) e colapsos na estrutura scio-poltica (falta de combustvel, gua, comida, etc.).
ECO-ANARQUISMO
Movimento ecotopista da dcada de 1990, cujas bases encontram-se no anarquismo, ou seja, no conjunto de teorias e correntes que defendem a abolio do governo e toda forma de hierarquia em prol de relaes ticas fundadas na associao voluntria, cujos precursores foram o mutualismo de Pierre-Joseph Proudhon (180965), o anarco-sindicalismo de Mikhail A. Bakunin (1814-76) e o anarco-comunismo de Pietor Kropotkin (1842-1912). A green anarchy fundamenta-se na rejeio da idia de que a humanidade seria superior do restante do mundo natural, pregando a criao de comunidades projetadas para funcionar junto s foras da natureza: ecovillages de at 100 habitantes. Defendido por nomes como Murray Bookchin (1921-), John Zerzan (1943-) e Derrick Jensen (1960-), apia os conceitos de fraternidade homem-fera, democracia bioregional e tribalismo, estes enunciados em Ismael (1991) e New Tribal Revolution (1997), livros de Daniel Quinn (1935-), aos quais se associaram os ideais ps-68 de pacifismo e ecofeminismo. Alguns dissidentes do grupo se autodenominaram anarco-primitivistas, passando a criticar todas as instituies de dominao que compem a sociedade, cujo conjunto chamam genericamente de civilizao, acabando por rejeitar o progresso tecnolgico e negar completamente a chamada green technology, preferindo ao invs disso recursos baixos (low) ou nulos (no-techonology).
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CONCLUSES
Atualmente, as atividades de desenho urbano e planejamento regional so de fundamental importncia, assim como a revalorizao dos ncleos urbanos um fato incontestvel. Hoje em dia, a populao urbana mundial est crescendo razo de cerca de 7% ao ano, o que faz com que as discusses nesta rea se tornem prioritrias. Devido consolidao de novas
centralidades, a intensificao dos fluxos financeiros, a liberalizao das trocas comerciais e os progressos tecnolgicos em comunicao, conduziram ao surgimento da nova diviso de trabalho entre produo e consumo em nvel global, o que determinou a afirmao de cidadescentros sub-regionais e mundiais.
Neste incio de milnio, os novos paradigmas que surgem na rea do urbanismo constituem-se em:
a) A associao entre os setores pblico e privado no financiamento, execuo e gesto dos novos sistemas de transporte, saneamento e servios sociais, devido aos elevados recursos necessrios modernizao de infra-estrutura; b) A conservao e remodelao de reas degradadas, tais como docas porturias e zonas industriais desativadas, reestruturando-as para receberem modernas instalaes residenciais, centros de eventos e complexos multifuncionais; c) A regenerao de antigos centros histricos por meio da introduo de equipamentos culturais, alm da preservao de reas verdes e de locais de interesse turstico, procurando-se integrar espaos de trabalho, moradia, lazer e cultura. Resolver a congesto e a poluio dos ncleos centrais das grandes cidades um dos pontos crticos dos atuais planos de revitalizao urbana, nos quais se tornaram prioritrios a relocao de indstrias poluentes e a substituio de sistemas caducos de transporte coletivo.
As metrpoles de hoje so simultaneamente importantes centros de deciso, de inovao tecnolgica e de produo e consumo, alm de locais atraentes para sediar eventos internacionais e receber grandes fluxos de visitantes. Os processos mais convencionais de urban planning, os quais eram concebidos com metas rgidas e dependentes da inverso de recursos pblicos, no mais atendem essa realidade complexa e em constante transformao em todo o mundo.
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Nesta transformao das teorias e prticas urbanas, verifica-se o importante papel exercido pelos movimentos sociais urbanos, cujas reivindicaes, contrapondo-se aos interesses imobilirios, lutam pela proteo de conjuntos histricos, stios sagrados e/ou reas naturais de conservao. H uma forte ligao entre os movimentos ecolgicos e os de preservao de patrimnio histrico e cultural, especialmente a partir dos anos 70 e 80, cujas aes vieram se integrar busca da SUSTENTABILIDADE.
Recentemente, o conceito da cidade passou a ser de um ORGANISMO VIVO; ou ainda como um gigantesco animal imvel que consome oxignio, gua, combustveis, energia e alimentos; e excreta despejos orgnicos e gases poluentes, o qual no sobrevive sem a entrada, nesse complexo sistema, dos 19 recursos naturais dos quais depende . Trata-se de um ECOSSISTEMA
que tende a uma complexidade natural decrescente e a um aumento cada vez maior de elementos e estruturas artificiais. um sistema autocontido, porm no fechado, e altamente interrelacionado, formado por elementos naturais e antrpicos, em distintas combinaes.
A cidade difere-se dos ecossistemas heterotrficos comuns por apresentar um metabolismo muito mais intenso por unidade de rea, exigindo um influxo maior de insumos energticos e grande necessidade de entrada de materiais, com disperso significativa de energia.
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BOYDEN, S.; MILLAR, S.; NEWCOMBE, K.; O'NEIL, B. The ecology of a city and its people. Canberra: Australian National University, 1981. 437p. 136
disposio final de resduos slidos. No sistema de energia, verifica-se o acentuado desperdcio e a crescente importao de eletricidade e de insumos para fins trmicos (combustveis fsseis e vegetais); e, nos sistemas de comunicaes, atravs de seus meios indiretos, h a reduo da diversidade de formas de sociabilidade. e) ASPECTOS SOCIAIS: referem-se principalmente populao e aos equipamentos e servios sociais. Nas cidades, ao mesmo tempo em que h a tendncia ao crescimento e concentrao populacional, os equipamentos e servios sociais (educao e atendimento infantil, sade, assistncia social e previdncia, abastecimento alimentar, segurana, cultura e lazer, habitao) oscilam entre a otimizao e a deficincia, esta provocada pelo aumento das necessidades, que so pressionadas por demandas crescentes. f) ASPECTOS ECONMICOS: relacionam-se aos setores produtivos e as caractersticas de renda e ocupao. Os setores produtivos nos grandes centros urbanos so especialmente representados pelo secundrio e pelo tercirio. Em situaes especiais, ainda marcante o tercirio superior. A concentrao urbana e suas relaes regionais promovem a chamada economia de escala. Entretanto, em casos de superao de limites de atendimento de infra-estrutura e servios, pode-se atingir a prpria deseconomia de escala em reas urbanas. Determinadas cidades deparamse com a concentrao da pobreza e com falta de ocupao (desemprego), na maioria das vezes associados maior estratificao da renda. g) ASPECTOS INSTITUCIONAIS: ligam-se s condies dos setores pblicos e dos instrumentos normativos e legais de gesto das cidades. Quanto mais complexa se torna a estrutura urbana, presenciam-se problemas variados nos setores pblicos, principalmente de administrao e finanas, em especial pela baixa capacidade de gesto de seus responsveis diretos. Alm disso, muitas vezes ocorrem conflitos entre os instrumentos normativos e legais especficos, alm da falta de adequada aderncia s caractersticas locais.
Das crticas ao planejamento urbano moderno ento denominado convencional ou radical principalmente devido ao seu desapego pelas caractersticas fsicas e histricas dos conjuntos pr-existentes, visvel na maioria expressiva dos projetos de renovao urbana do segundo ps-guerra, nasceu neste incio de sculo o PLANEJAMENTO ALTERNATIVO, mais interessado no impacto dos empreendimentos sobre o meio ambiente e a vida das comunidades, assim como na prpria qualidade dos espaos urbanos e arquitetura.
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Sobre a cidade do futuro, segundo FERRARI (1991), o URBANISMO (urbe; cidade) tende agora para o ORBANISMO (orbe; mundo), j que cada vez mais o antagonismo entre cidade e campo vem gradativamente desaparecendo para dar lugar a um planeta praticamente todo urbanizado.
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