As Três Maçazinhas de Ouro

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AS TRS MAZINHAS

DE OURO
Era uma vez um pai que tinha sete filhos. Como no tinha com que os manter, nem
trabalho para lhes dar, lembrou-se de os despedir todos por esse mundo fora, para que
fossem procurar vida. Chamou-os ento, e disse-Ihes assim:
Filhos, eu no tenho que vos dar, e nem sequer trabalho; e por isso preciso que
cada um de vs v tratar da vida, e ganhe para o seu sustento, porque eu j estou muito
velho e no posso mais.
Os rapazes ficaram todos muito pensativos, mas nenhum deles disse palavra.
Quando chegou a hora da partida, o pai chamou o mais velho e disse-Ihe assim:
V l, filho qual queres mais: a minha bno, ou um bocado de po para o
caminho?
Mais quero o po respondeu o filho mais velho.
O pai partiu uma fatia de po e deu-a ao filho, que logo em seguida se foi embora.
Chamou depois o seguinte em idade e fez-Ihe a mesma pergunta; e esse respondeu
tambm que mais queria o po, e responderam o mesmo os outros todos, at ao sexto.
Veio depois o mais novinho, que tinha s sete anos, e disse-Ihe o pai as mesmas
palavras:
V l, filho, qual queres mais: se o meu po, se a minha bno.
O pequeno ps-se a chorar e respondeu que mais queria a bno e o pai deitou a
bno ao filho mais novo, que se foi embora sempre a chorar .
Saram os rapazes; e cada um tomou por caminho diferente, procura de trabalho,
ou de algum amo para se apreitar. O mais pequeno, esse, a bem dizer, nem sabia aonde ia,
porque nem idade tinha para se governar, e s vezes sentava-se debaixo de uma rvore, e
punha-se a chorar j muito cansado. At que boca da noite encontrou uma mulher muito
bonita, que se voltou para ele e disse-Ihe assim:
Menino, tu onde vais?
A ganhar a vida respondeu o pequeno. A ver se encontro um amo para me
apreitar.
To pequenino?!...
Ele ento contou-lhe o que se tinha passado com o pai mais com os outros irmos, e
a aparecida disse-Ihe assim:
Queres tu justar-te comigo?...
Sim senhora, quero. Quem me dera! respondeu logo o rapazinho.
E ento quanto queres ganhar?
Eu, o que me der!
Bem, ento estamos justos! Mas olha l que tens de me servir sete anos, e no fim
dou-te trs mazinhas de ouro, que a soldada. Queres?
Quero, sim senhora.
E o pequeno foi algum tempo detrs da ama. Mas vai seno quando, os dois
desapareceram no ar, assim como uma nuvem de fogo! O pequeno nem tinha desconfiado,
mas a ama era Nossa senhora.
Por l andou o pequeno sete anos, que lhe pareceram a ele s sete dias; e no fim a
ama mandou-o embora, e deu-lhe as mazinhas do ajuste, que eram trs.
Toma! D-as a teu pai, e diz-Ihe que para te sustentar com elas, mais aos teus
irmos. Toma. Mas no as ds seno ao teu pai, ouviste?
O pequeno foi-se logo embora muito contente, morto por dar ao pai as trs
mazinhas, que haviam de chegar para ele e para os outros irmos; e, quando j ia perto
de casa, encontrou dois que j tinham voltado, mas por sinal ambos muito pobres.
Os trs puseram-se ento a conversar; o mais novo contou aos irmos a boa ama que
tinha encontrado, e mostrou-lhes as trs mazinhas.
Os irmos ficaram cegos com o brilho do ouro; e logo ali rogaram muito ao mais
pequeno que lhes desse a cada um sua mazinha. Mas ele respondeu que s as dava ao
pai, e o pai que as repartisse por todos como quisesse.
vista disto, e como o irmo no queria dar as mas, boamente, logo ali
resolveram mat-Io e tirar-Ihas depois, e se bem o pensaram melhor o fizeram. Mas qual no
foi o espanto deles, quando viram que nem mesmo depois de morto arrancavam as
mazinhas da mo do irmo!
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Os dois resolveram ento enterrar o pequeno, e foram-se para casa depois de o


enterrar, muito crentes que o seu crime se no saberia, porque ningum o tinha
presenciado. Mas dai a um ms, pouco mais, um pastor passa por ali, e v uma cana muito
viosa e muito bonita, que nascia onde o pequeno estava enterrado! Cortou-a e fez uma
flauta. Mas vai seno quando o pastor pe-na boca, e a flauta impea a dizer:
Toca, toca, pastor,
Que meus irmos me mataram,
Por amor de trs mazinhas,
E ao cabo no nas levaram.
O pastor ficou muito aterrado com o sucedido e foi-se dali a um carvoeiro, que
andava no monte a fazer carvo, e contou-lhe o caso. O carvoeiro, ainda mais espantado,
pega na flauta e pe-se a soprar, e a flauta que entra logo a dizer:
Toca, toca, carvoeiro,,
Que meus irmos me mataram,
Por amor de trs mazinhas,
E ao cabo no nas levaram.
Ficou o carvoeiro que nem sabia donde era! E como estava de caminho para ir para a
aldeia, e a flauta tinha a virtude de falar, pediu ao pastor que lha emprestasse, a ver se l
pelo povo adivinhavam aquilo.
Levou a flauta o carvoeiro, e a primeira casa onde entrou foi a do ferreiro; e logo ali
contou o que tinha acontecido e mostrou-lhe a flauta. Mal o ferreiro a ps boca, a flauta
comeou logo:
Toca, toca, ferreiro,
Que meus irmos me mataram,
Por amor de trs mazinhas,
E ao cabo no nas levaram.
A este tempo entrava na forja o pai do morto, que ficou tambm muito admirado
quando lhe contaram o que dizia a flauta! Pega tambm nela o pobre do velho, e pe-se a
soprar, e a flauta diz logo assim:
Toca, toca, meu pai,
Que meus irmos me mataram,
Por amor de trs mazinhas,
E ao cabo no nas levaram.
O velho ps-se muito branco, e acudiu-Ihe logo que as palavras da flauta diziam
respeito sua famlia. Nessa ocasio entrava na frgua um dos filhos do velho, que era um
dos dois que j tinham voltado e que trazia carvo para aguar umas ferramentas. O pai
parece que o corao lhe adivinhou, porque, mal o rapaz entra na forja, d-lhe a flauta para
que a tocasse:
Toma! Toca essa flauta!
Leva o rapaz a flauta boca, na boa-f, e ela comea logo:
Toca, toca, meu irmo,
Que tu mesmo me mataste,
Por amor de trs mazinhas,
E ao cabo no nas levaste!
O rapaz ficou muito aterrado, e viu-se-Ihe logo na cara o sinal do crime. Mas como os
filhos do velho eram sete e s dois que tinham voltado, precisavam saber qual era o
morto. Foram-se ento dali ao pastor, que os levou onde tinha cortado a cana; e cava-que-cava mesmo no stio, no tardou que aparecesse o corpo do pequeno, e numa das mos
as trs mazinhas!
Por mais que alguns fizeram, no foram capazes de lhe tirar as mas; mas mal o pai
lhe tocou, abriu a mo e largou-as logo. Viu-se ento que se tratava de um grande milagre;
e, levados presena do cadver, os dois irmos confessaram o que se tinha passado e
logo ali apareceu a Virgem Santssima e arrebatou para o Cu o corpo do pequeno, no meio
de uma nuvem de fogo!
Logo em seguida a terra abriu-se e engoliu os dois irmos!
2

Trindade Coelho, Os meus Amores

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