Poliarquia em "4 D
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ISSN: 1984-7920
POLIARQUIA EM 4 D R. DAHL, R. MICHELS, TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL E UMA PROVOCAO MAIS QUE DEMOCRTICA. Wallace dos Santos de Moraes RESUMO Trata-se de uma provocao democrtica aos textos de Robert Dahl, Antony Dawns e Robert Michels. econmica. Palavras-chave: democracia poliarquia - desigualdade econmica ABSTRACT Its a democratic incitement to a debate on texts written by Robert Dahl, Antony Dawns, and Robert Michels. Departing from their own postulates, we propose a type of democracy which is not restrained by economic inequality. Key words: democracy Polyarchy - economic inequality A partir de seus prprios postulados propomos uma forma de democracia que no seja limitada pela desigualdade
INTRODUO
Tomando-se o termo no rigor da acepo, jamais existiu, jamais existir uma democracia verdadeira.(...) Se existisse um povo de deuses governar-se-ia democraticamente. Governo to perfeito no 1 convm aos homens. A democracia um tesouro que ningum nunca poder trazer a luz. Mas continuando as investigaes e pesquisando incessantemente para encontrar o desconhecido, no deixaremos de realizar um trabalho til e fecundo pela democracia.2
Historiador (UFRJ), mestre e doutorando em Cincia Poltica (IUPERJ). Professor do Departamento Cincia Poltica UFRJ, do curso de Direito da Unigranrio e da La Salle/RJ. 1 ROUSSEAU, Jean-jacques. Do contrato social (Os Pensadores). Traduo de Lourdes Santos Machado. 3 ed.. So Paulo: Abril Cultural, 1983, parte III: cap. IV. 2 MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Polticos. Braslia: Universidade de Braslia, 1982, p. 241.
O objetivo deste paper fazer um debate acerca de algumas instituies da teoria democrtica. No sero objetos deste estudo possveis regimes alternativos democracia3, tampouco problemas de manuteno da mesma, ou seus sobressaltos, descontinuidades e instabilidade. Por conseguinte, a nossa preocupao ser com o funcionamento de uma democracia, representativa4, em sua melhor forma possvel, quase ideal: uma poliarquia, atentando para seus paradoxos, relativamente aceitos como endgenos e normais ao sistema. Para tanto, propomo-nos a problematizar a questo supracitada a partir das reflexes de Robert Dahl (1997), Wanderley Guilherme dos Santos (1998), Antony Downs (1997), Robert Michels (1982) e Mancur Olson (1999). O desenvolvimento de nossa anlise organizar-se- da seguinte maneira: inicialmente, faremos a indagao para Dahl e Santos: quais so os pressupostos necessrios para o melhor funcionamento da democracia? A partir desta resposta, ser definido o conceito de poliarquia, que servir como prembulo da elaborao deste estudo. Logo aps, faremos uma breve exposio dos mtodos e pressupostos de Downs, Michels e Olson, no captulo que chamaremos de Segunda Introduo. Este tem por objetivo explicitar o modo com que estes autores chegaram as suas hipteses e teses demonstradas nas discusses tpicas seguintes. Posteriormente, desenvolveremos um debate acerca do papel dos partidos polticos, os efeitos da desigualdade de informao para a poltica, dos grupos de interesse e a essncia da democracia representativa.
Desta forma, no ser nossa preocupao fazer comparaes com aristocracia, timocracia, oligarquia ou tirania, conforme a concepo de Plato; ou com a monarquia e a aristocracia de Aristteles; nem mesmo com a concepo moderna de Maquiavel, em que as formas de governo se restringem monarquia e repblica. 4 Defendida pelos escritos liberais de Benjamin Constant, Tocqueville, Stuart Mill e, no Brasil, Jos de Alencar, de acordo com os quais a representatividade seria a nica forma democrtica compatvel com o Estado liberal, isto , com o Estado que reconhece e garante alguns direitos fundamentais, denominados por Thomas Marshall de direitos civis. O dever de fazer leis diz respeito a um corpo restrito de representantes eleitos pelos cidados a quem so reconhecidos direitos polticos.
Por fim, vir a concluso, fruto das discusses realizadas ao longo do trabalho, na qual buscaremos apresentar uma contribuio, a fim de suscitar o debate. Cabe salientar que optamos por realizar uma tipologia do trabalho de Robert Dahl, com os acrscimos propostos por Wanderley Guilherme dos Santos; outrossim, com relao aos atores da democracia especificamente trazidos pelos outros autores, preferimos apresent-los em breves discusses tpicas, no fazendo uma concluso convencional, deixando para faz-la na parte a que se destina ao eplogo de toda a pesquisa. O ponto nevrlgico para o nosso problema passa por uma questo central, a partir da perspectiva de como cada autor (atravs de suas pesquisas/inferncias) concebe pelo menos um, ou mais atores da democracia, a saber: o funcionamento da poliarquia est de acordo com os interesses racionais da maioria da populao? Preocupando-nos em buscar respostas para essa pergunta, desenvolveremos nosso trabalho, na tentativa de vislumbrar uma chave de leitura em relao democracia no pensamento poltico contemporneo e algumas reflexes que visam apontar o melhor desempenho deste regime possvel.5 Comecemos definindo o conceito de poliarquia. POLIARQUIA & POLIARQUIA EM 3D Em sua obra Polyarchy: participation and opposition, Robert Dahl estabelece critrios essenciais existncia de democracia, consubstanciandose em uma apologia explcita ao regime democrtico e a uma crtica ao autoritarismo, s ausncias de participao e competio poltica. Como o autor entende que a democracia um modelo impossvel, resolveu denominar o modelo possvel ideal de poliarquia.
As concepes de Rousseau e de Michels na epgrafe deste trabalho nortearo nossas premissas. A primeira alertando-nos que a democracia com todos seus aspectos positivos no existe; a segunda uma resposta primeira, ou seja, mesmo no existindo uma democracia ideal, as nossas reflexes objetivam perceber a realidade sempre em busca daquela.
Ao que se refere aos tipos possveis e mais usuais de organizao poltica na histria da humanidade, Dahl concebe quatro conceitos (Hegemonias Fechadas, Oligarquias Competitivas, Hegemonias Inclusivas e Poliarquias), para exprimir as formas de governo com base em dois eixos: A) Liberalizao (contestao pblica); B) Inclusividade (participao), reproduzidos no quadro a seguir. Figura: liberalizao, inclusividade e democratizao 6 Oligarquias Competitivas Liberalizao (contestao pblica) Poliarquias
Hegemonias Fechadas
Hegemonias inclusivas
Inclusividade (participao) ELUCIDAO DO GRFICO: Poliarquia significa a existncia de contestao pblica livre, com competio pelo poder tambm livre e com ampla participao popular sem nenhum requisito e/ou preconceito como religio, raa, propriedade etc.. Na poliarquia, tal como nas oligarquias competitivas, h regras para administrar a competio poltica que totalmente institucionalizada, com normas conhecidas e estveis. Oligarquias competitivas sem participao popular, mas com disputa entre setores das classes dirigentes pelo poder. Hegemonias inclusivas participao popular, mas sem alternncia de poder. Hegemonias fechadas sem contestao pblica ou possibilidade de alternncia de poder e sem participao popular.
DAHL, Robert A.. Poliarquia: Participao e Oposio. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1997, p. 30.
Num primeiro instante, Dahl estabelece dois critrios necessrios para que um regime possa ser considerado prximo do ideal democrtico: 1) no deve haver restrio aos direitos civis e polticos para nenhuma parcela da populao, salvo o da idade mnima para o direito de voto; 2) no deve haver limitaes competio poltica. O desrespeito a esses critrios significa que o regime no democrtico. Com efeito, o autor assenta trs condies necessrias e oito garantias institucionais para a considerao positiva de um regime no que diz respeito democracia: I) formular preferncias; II) exprimir preferncias; III) ter preferncias igualmente consideradas na conduta do governo. As garantias institucionais: 1) liberdade de formar e aderir a organizaes; 2) liberdade de expresso; 3) direito de voto; 4) elegibilidade para cargos pblicos; 5) direito de lderes polticos disputarem apoio; 5a) direito de lderes polticos disputarem votos; 6) fontes alternativas de informao; 7) eleies livres e idneas; 8) instituies para fazer com que as polticas governamentais dependam de eleies e de outras manifestaes de preferncia. Com essas condies, exclu-se do quadro da democracia todos os regimes autoritrios. Podemos perceber que em seus componentes est patente a questo da liberdade (dos direitos civis e polticos), sendo esta estabelecida como estrutura central da poliarquia. essa a chave para entendermos as teses de Dahl, isto , a poliarquia ajusta-se a um contexto histrico delimitado e contrape-se claramente s ditaduras, que excluem de seu metier a ampla participao popular e a liberdade de possibilidade de contestao pblica e competio pelo poder. Colocadas as condies que definem a existncia de uma poliarquia de acordo com o pensamento de Dahl, mister ressaltar que outra questo interessa-nos, a saber, as desigualdades sociais e econmicas afetam a existncia de poliarquia? Dahl responde que poliarquias conseguem sobreviver a uma dose significativa de desigualdade, porque uma grande dose de desigualdade no
provoca, no grupo excludo, reivindicaes de maior igualdade ou de mudana de regime. 7 Em outras palavras, para Dahl, as desigualdades econmicas e sociais no geram ameaas existncia da poliarquia, pois os desfavorecidos no lutaro por transformaes de regime.8 Depois de toda argumentao em prol da poliarquia, devemos fazer a seguinte indagao a Robert Dahl: em que consiste a democracia? E ele responde: fruto de um clculo de custos e benefcios feitos por atores polticos em conflito. No objeto de preocupao do autor se as desigualdades econmicas geram desigualdades polticas, tampouco se grande parte da populao na maioria dos pases democrticos no participa efetivamente do governo democrtico, a no ser quando chamada para votar. Esta o ponto sensvel do pensamento de Dahl, ou seja, a defesa da igualdade e liberdade poltica e civil e a indiferena em relao econmica (voltaremos a este ponto adiante). Wanderley Guilherme dos Santos, em seu trabalho Poliarquia em 3D (1998), aceita as oito condies estabelecidas por Dahl.9 A partir da, a contribuio central trazida na reviso proposta por Santos a incluso de um eixo suplementar, em suas palavras, passando o universo de sistemas polticos de bi a tridimensional. Isto , quando Robert Dahl concebe quatro conceitos para exprimir as formas possveis de governo, ele utiliza-se de dois eixos, como vimos: Liberalizao (contestao pblica) e Inclusividade (participao). Contudo, na reviso de Santos, a elegibilidade tem dois sentidos na participao eleitoral: um como eleitor e outro como candidato, que no andam juntos; ou seja, em um pas pode haver ampla progresso no que concerne institucionalizao e participao enquanto eleitor, mas haver
DAHL, Robert A.. Poliarquia: Participao e Oposio. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1997, 110. 8 Isto fato. No Brasil existem aproximadamente 50 milhes de pessoas vivendo na linha de misria e estes no lutam organizadamente pelo fim do regime. 9 Pari passu, Santos reconhece que nenhum pas as satisfaz completa e simultaneamente.
7
restries para que o cidado possa ser candidato. Alis, esta a regra, como demonstra este trabalho. Este eixo, da possibilidade de candidatar-se a qualquer cargo pblico eletivo, Wanderley Guilherme cunhou de controle. Em conformidade com esta concepo, as barreiras aos elegveis eram, e so, mais fortes do que a participao enquanto eleitores, pois com o aumento daqueles o nmero de competidores tambm aumenta, consubstanciando-se em ameaa maior s oligarquias do que o simples aumento dos eleitores para escolh-las. O autor explica:
Possivelmente, a maioria das atuais poliarquias havidas por estveis progrediu mais rapidamente ao longo do eixo "controle" (definio de quem pode ser eleito e para qual lugar) do que em direo participao universal. Nem insensato imaginar que, historicamente, tenha sido este um ingrediente do fator E {estabilidade}, subvertendo as trajetrias de Dahl, que localiza na predominncia do eixo "institucionalizao" sobre o eixo "participao" a origem da estabilidade democrtica. Como se observou, institucionalizao significa que est em vigncia o princpio das garantias mtuas, e este um requisito de estabilidade representativa, oligrquica ou polirquica. 10
Logo, com a incluso do terceiro eixo, apresentado por Santos, acompanhado de amplo material emprico, temos a seguinte figura em 3D:
Participao
Institucionalizao
Controle
Destarte, de acordo com o referido cientista poltico, os sistemas polticos representativos so complexos combinatrios de quatro atributos de direito: expresso, organizao, votar e ser votado, conforme estejam institucionalizados segundo o princpio das garantias mtuas.11
10 11
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Poliarquia em 3D. Dados, 1998, vol.41, no.2, p.14/15. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Poliarquia em 3D. Dados, 1998, vol.41, no.2, p.207281, p. 09.
Santos estabeleceu uma lista de barreiras elegibilidade e ns a reproduzimos a seguir; antes mister ressaltar que a negao deste eixo aos analfabetos e aos que no so filiados a partidos polticos deixam aproximadamente 95% da populao brasileira fora desta possibilidade. Com a palavra o autor:
Eis lista, certamente no exaustiva, de possveis barreiras polirquicas elegibilidade, algumas herdadas dos sistemas oligrquicos, outras novas: filiao partidria, tempo de residncia, eleies primrias, coeficientes eleitorais, tamanho do distrito eleitoral e nmero de representantes, regra de designao de candidatos, listas abertas ou fechadas, contribuio para fundo partidrio e tamanho da representao. Na Argentina, demandava-se dos candidatos a presidente e vice-presidente da Repblica que fossem catlicos. A Constituio de 1994 aboliu este requisito, mantendo todavia, em seu artigo 2, o proviso de que O governo federal sustenta o culto catlico, apostlico, romano e pelo artigo 93, o presidente e o vice-presidente devem prestar juramento de respeito s crenas religiosas. Surpreendente, em especial, que ainda se requeira um limite inferior de renda como requisito para o Senado (artigo 55), e tambm para a presidncia e vice-presidncia da Repblica, dos quais, pelo artigo 89, se demanda, alm de outras qualificaes, as demais qualidades exigidas para ser eleito senador. No Chile requer-se a idade mnima de 40 anos para os cargos de presidente e senador (no Brasil o requisito so 35 anos), enquanto funcionrios pblicos, militares e soldados no so 12 elegveis no Uruguai. A lista longussima.
Por conseguinte, Santos alerta para um problema inexorvel da democracia representativa, com a possibilidade concreta de retorno prpoliarquia, sem ruptura institucional, com a diminuio do potencial de elegibilidade, vejamos:
Com poucas discrepncias, sem significado poltico substantivo, possvel afirmar: quanto maior a populao e, em conseqncia polirquica, maior o eleitorado, menor a elegibilidade potencial dos cidados, independentemente do grau de institucionalizao do conflito poltico, isto , da efetiva vigncia do princpio operacional de garantias mtuas. virtualidade constante de retorno prpoliarquia, sem violncia institucional, acrescente-se agora a tendncia endgena oligarquizao no-micheliana das democracias; no s pela via da burocratizao dos partidos, mas, necessariamente, pelos limites internos ao tamanho da representao e, conseqentemente, da elegibilidade. 13
12 13
Idem. Ibidem.
Podemos concluir, indo ao encontro do pensamento de Santos, que com o aumento constante do eleitorado h uma tendncia ao retorno prpoliarquia, que endgena ao sistema poltico da democracia representativa pelos limites internos ao tamanho da representao e, conseqentemente, da elegibilidade com extremas dificuldades para um cidado comum. Ou seja, quanto mais despossudo de capital, maior a dificuldade de elegibilidade. Assim, respondendo questo colocada na introduo deste trabalho: quais so os pressupostos para o melhor funcionamento para a democracia? Dahl afirma que significa a existncia de ampla participao poltica, contestao pblica e com todos os direitos que envolvem a liberdade e a igualdade poltica e civil sendo respeitados. J Santos responde incluindo ao trabalho de Dahl a questo da retirada das barreiras para a concorrncia nas eleies de todos os cidados, aumentando de fato a efetividade democrtica. Feitas as ressalvas necessrias e definida as regras do jogo. A partir de agora, teremos como postulado e estaremos trabalhando hipoteticamente com o pleno funcionamento da poliarquia (da melhor forma possvel), como apresentada por Robert Dahl, acrescida da reviso de Wanderley Guilherme dos Santos, isto , com respeito aos critrios de participao, institucionalizao, contestao e sem barreiras para o eixo controle. SEGUNDA INTRODUO Anthony Downs, que escreve na dcada de sessenta do sculo passado, traz a anlise dos mercados, do custo-benefcio da economia, e aplica em uma teoria sobre a poltica, mais precisamente sobre a democracia, cujos atores principais so partidos polticos, cidados individuais e grupos de interesses. Suas anlises so dedutivas e sua obra caracterizada por alto rigor metodolgico que encanta por esse aspecto. Os principais postulados de Downs so: 1) o homem racional e egosta;
2) constantemente; 3) custos;
os homens esto em busca de seus interesses busca-se os objetivos com o mnimo possvel de
4) o comportamento racional requer uma ordem social previsvel. Dito isto, inferimos da teoria de Downs, que o homem um exmio enxadrista, pois calcula seus passos de acordo com os passos dos concorrentes ou adversrios, sempre buscando maximizar seus lucros com o mnimo de gastos, portanto deve a todo o momento estar atento s jogadas dos outros para melhor poder escolher a sua. Ou seja, Downs defende que todo aquele que toma deciso avalia as alternativas diante dele pela relao delas com os seus fins, mesmo que esses fins sejam temporrios ou sejam eles prprios para um fim ltimo.14 Assim, segundo o autor15, as seguintes proposies testveis derivam da hiptese de que todo cidado tenta racionalmente maximizar sua renda de utilidade, inclusive aquela parcela que deriva da atividade governamental. J Robert Michels, que escreve em 1914, momento em que a democracia ainda no est consolidada na maioria dos pases ocidentais, tem concluses diversas das de Downs. Neste momento, o voto ainda no universal, muito menos a possibilidade de elegibilidade. Entretanto, as crticas que Michels faz aos partidos polticos, sobretudo aos socialistas, so instigantes, inteligentes, convincentes e, ao que nos parece, bem atuais. O autor, no nosso entender, filia-se escola dos realistas, que por levar esta premissa muito a srio acaba chegando a concluses bem pessimistas. Michels, como Maquiavel, descreve a poltica tal como ela , e no como gostaramos que fosse. Em suas palavras:
Medi a democracia com seu prprio metro (...) sem deixar de admitir a incompetncia das massas e a necessidade de uma direo forte e estvel, os socialistas modernizantes se obstinam em qualificar tal estado de coisas, separado da aristocracia apenas por uma nuance,
14
DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econmica da Democracia. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999, p. 27. 15 Idem, p 315.
10
A crtica acima bastante cida deve-se, sobretudo, ao fato da no existncia do voto universal naquele momento, mas no s por isso. Se Michels estivesse escrevendo nos dias atuais em que h o voto universal e a possibilidade de elegibilidade ampliada, ousamos afirmar que talvez grande parte de suas crticas persistiria. Entretanto, outras crticas seriam retiradas, pois a ampliao dos direitos civis e polticos indubitavelmente aumenta a possibilidade de participao dos trabalhadores no processo poltico, na poliarquia. Michels defende que a democracia necessita de organizao, concomitantemente afirma que quem fala em organizao fala em tendncia oligarquia. Segundo sua concepo, a organizao tem o efeito de dividir todo partido ou sindicato profissional em uma minoria dirigente e uma maioria dirigida. Para Michels, isto ruim e ao mesmo tempo inexorvel na democracia. O objetivo do intelectual nesta obra no indicar novos caminhos17, trata-se, portanto, de uma obra histrica, emprica, uma sociologia dos partidos polticos, com concluses bem pessimistas para os democratas, dentre elas, a de que a democracia um ideal que ns no podemos ver traduzido em realidade, pois existe um grau imanente de oligarquia em todo regime social. Enquanto Downs e Michels discutem partidos polticos, eleitores, racionalidade do eleitor, organizao e tendncia oligarquia, Mancur Olson18
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MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Polticos. Braslia: Universidade de Braslia, 1982, p 10. 17 Michels utiliza-se de exemplos empricos para alicerar suas teses. Ele parte do modelo dos partidos socialistas para o geral caracterizando uma forma indutiva-emprica. Desta forma, o autor no est preocupado com questes propositivas, mas apenas em perceber como funciona a democracia com nfase na histria de alguns partidos socialistas europeus, notadamente do Partido Social-Democrata alemo.
18
OLSON, Mancur. A Lgica da Ao Coletiva: os benefcios pblicos e uma teoria dos grupos sociais. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999.
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recorre economia - tal como Downs - , para encontrar uma explicao para a existncia de lobby no metier poltico. Sua idia desenvolvida ao longo da obra refere-se aos grupos de interesse, partindo da premissa de que os mesmos agem em favor de seus interesses grupais, isto , os grupos se organizam para melhor conseguir os objetivos que lhes tragam retorno, lgico, maior que os custos. Esta constatao s possvel em funo da premissa maior, qual seja, o comportamento racional dos indivduos e dos grupos. Em outras palavras, os grupos formam-se em funo de terem um(s) interesse(s) ou objetivo(s) comum(s), de modo que o(s) atingindo todos ficaro em melhor situao. Mas, ao pensar isto, devemos fazer uma pergunta de fundamental importncia para entendermos o pensamento do autor: todas as pessoas com interesse comum na sociedade organizar-se-o enquanto grupo para atingir melhor seus objetivos? A resposta : no. Olson faz algumas importantes ressalvas sobre esse aspecto, a saber, os grupos no se formaro apenas: 1) 2) A) B) C) pela racionalidade de seus indivduos centrados nos por seus interesses comuns. pequenos; haja coero ou algum outro dispositivo especial ou quando so afortunados o bastante para terem prprios interesses; Desta forma, os grupos de interesse s se efetivaro caso sejam:
que faa os indivduos agirem em interesse prprio; uma fonte independente de incentivos seletivos. Passemos, ento, para a discusso propriamente dos tpicos especficos, a saber: partidos polticos; informao e poltica; e representao e grupos de interesse.
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PARTIDOS POLTICOS Na teoria de Anthony Downs, os partidos polticos tm como objetivo central a vitria nas eleies. Para qu? Para implementar suas polticas em favor da sociedade? No, a resposta do autor. Os partidos querem ganhar as eleies para satisfazer as ambies privadas de seus dirigentes. No obstante, os polticos almejam: A) B) C) D) renda; prestgio; poder; emoo de participar do jogo.
Desta forma, os polticos no buscam o poder como meio de executar polticas especficas; seu nico objetivo colher as recompensas de ocupar um cargo pblico per se. Eles tratam as polticas puramente como meio de atingir seus fins particulares, que eles conseguem alcanar somente se forem eleitos.19 Assim, o axioma do interesse pessoal, para alcanar o cargo, passa a ser a maximizao do voto. Neste caso, a principal tese de que os partidos na poltica democrtica so anlogos aos empresrios em uma economia que busque o lucro. Dessa maneira, desempenhar sua funo social , para eles, um meio de alcanar suas ambies privadas. Anthony Downs afirma que os partidos esto interessados em ganhar o poder como um fim em si mesmo, no em promover uma sociedade melhor ou ideal. Simultaneamente ele se pergunta: mas se isso verdade, como podemos explicar o aparecimento de ideologias polticas? Sua resposta que a incerteza, componente fundamental em sua teoria, permite que os partidos polticos desenvolvam ideologias como armas na disputa do poder. Isto , a ideologia para o partido poltico, teria o nico papel de convencer parcela da populao com o objetivo de chegar ao poder.
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DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econmica da Democracia. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999, p. 50.
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Downs concorda com Michels, melhor, desenvolve uma teoria que o segundo j havia defendido, que em certa medida bvia, qual seja, todo partido deseja ampliar sempre o nmero de votos e de membros com vistas a vencer as eleies. Um eleitor que acredita em mudanas profundas, uma revoluo pelo voto, afirmaria: mas os partidos socialistas so diferentes, pois querem implantar o socialismo! Entretanto no isso que demonstra o estudo de Michels, tampouco a historiografia. Os socialistas, assim que passam a disputar dentro da institucionalidade polirquica, abrem mo de suas idias com o intuito maior de vencer as eleies.20 Portanto, para o autor de Political Parties, o partido socialista torna-se um partido conservador que continua servindo-se da sua terminologia revolucionria, mas na prtica no exercer outra funo seno a de um partido de oposio constitucional. Chegando a ponto de os socialistas travarem uma luta contra os partidos das classes dirigentes no mais concebida como uma luta de princpios, mas como uma luta de concorrncia. o que Robert Dahl chama de institucionalizao, respeito s regras do jogo, em funo dos custos-benefcios de fazer a revoluo ou participar do jogo polirquico.21 Michels estabelece a democracia como imanentemente oligrquica, porque sempre quem governar ser uma minoria em favor de seus prprios interesses. Isto, este autor percebeu lendo a histria; de acordo com esta linha de raciocnio, a poliarquia significa o domnio de uma minoria privilegiada sobre uma maioria desprivilegiada, com a primeira defendendo seus interesses. Desta forma, conclui o italiano, a democracia acabaria transformando-se numa forma de governo dos melhores, numa aristocracia.
O trabalho parlamentar que eles realizam, inicialmente a contragosto, depois com uma satisfao e um zelo profissional crescentes os afasta cada vez mais de seus eleitores. As questes que se colocam a sua frente e que exigem, para serem compreendidas, uma preparao sria, tem o efeito de ampliar e aprofundar sua competncia tcnica e de aumentar ainda mais a distncia que o separa dos outros camaradas (1982, 54). 21 Tese desenvolvida por Dahl, segundo a qual mais interessante para os grupos revolucionrios participarem da disputa pelo poder na institucionalidade do que tentar fazer a revoluo. Ao mesmo tempo, tambm melhor para as oligarquias deixarem que os partidos concorram que reprimi-los. Mas Dahl adverte, sempre que for menos custoso para a oligarquia melhor reprimir. a relao do custo-benefcio.
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INFORMAO E POLTICA Anthony Downs defende que a informao fundamental para a tomada de deciso na vida e, sobretudo, na poltica.22 Entretanto, o autor tambm admite, com muita propriedade, que toda informao parcial, citando vrios exemplos, como o paradoxo de dois veculos de informao, o Daily Worker e o Freeman, nos quais um cidado pode achar-se perplexo com interpretaes opostas dos mesmos eventos.23. Ao tentar resumir a situao, Downs, ressalvando que difcil generalizar sem uma investigao emprica, chega ao que ele chamou de concluso tentativa, citamos:
Como os meios de comunicao de massa em muitas democracias so de propriedade de, ou so dominados mais por, interesses de alta renda do que de baixa renda, mais provvel que os cidados de baixa renda recebam dados selecionados por princpios que se chocam com os seus prprios do que os grupos de renda mais alta. No sabemos qual o tamanho do efeito que tem esse conflito. Entretanto, ele contribui para a vantagem geral, dos grupos de alta renda, produzida pela necessidade de arcar com os custos de obter 24 informao.
Na prtica, Anthony Downs est dizendo que numa sociedade em que os custos de informao so altos e que os meios de comunicao pertenam, em sua ampla maioria, s classes dirigentes, as idias destas devem prevalecer. Alm disso, de maneira subjacente ele admite que os interesses dos ricos e dos pobres so diferentes, fruto, lgico, da diviso social do trabalho.
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Downs acerta peremptoriamente quando traz a questo da informao e a da incerteza e as coloca em destaque em uma teoria da democracia. Portanto, no apenas uma anlise econmica da democracia, mas do valor da informao e suas conseqncias num mundo incerto com um homem racional. 23 A partir desta colocao, Downs expe a situao de um cidado que vive em uma pequena cidade e no pode se dar ao luxo de ler outras coisas a no ser o jornal da cidade controlado por um editor conservador.
24
DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econmica da Democracia. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999, p. 254.
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Concluindo a discusso sobre os custos da informao e a igualdade de influncia poltica, Downs afirma que o princpio da igualdade poltica, basilar para a teoria democrtica, fica distorcido pela distribuio desigual de renda, na medida em que a informao cara25, portanto aqueles com renda alta podem arcar melhor com os custos de obt-la.26 Alm disso, as informaes que circulam na sociedade predominantemente so produzidas por aqueles que tem capacidade para arcar com seus, mais caros ainda, custos, ficando quase impossvel para um proletrio, mesmo para um grupo destes, produzir informao que atinja para alm de seus membros. Embebido em realstica viso, Anthony Downs estabelece alguns percalos para o timo funcionamento da democracia: Em geral, irracional ser politicamente bem-informado porque os baixos retornos provenientes dos dados simplesmente no justificam seu custo em tempo e em outros recursos escassos. Portanto, muitos eleitores no se do ao trabalho de descobrir seus verdadeiros pontos de vistas antes de votar, e a maioria dos cidados no est suficientemente bem-informada para influenciar diretamente a formulao daquelas polticas que a afeta. Esses resultados demonstram que a verdadeira igualdade poltica impossvel mesmo nas democracias, desde que 1) existe a incerteza, 2) haja a diviso do trabalho e 3) os homens ajam racionalmente. 27 Para o problema da parcialidade admitida das informaes, Downs estabelece duas questes que ele diz estarem sem respostas: 1) como podem os cidados escolher seus prprios princpios de seleo racionalmente? 2) como podem ter certeza de que aqueles que lhes fazem relatos sempre usam esses princpios ou facsmiles prximos deles?
25
Isto , para que o homem possa tomar as melhores decises para si, necessrio que ele esteja bem informado. Ao mesmo tempo, a informao tem um custo, logo para que o homem tome a deciso mais adequada necessrio que ele gaste para poder se informar. A partir deste axioma, Downs infere que por isso os mais ricos tomam as melhores medidas, pois se informam mais e de maneira melhor que os mais pobres. Uma m informao, ou a ausncia desta, pode fazer com que um homem racional tome uma medida irracional. 26 DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econmica da Democracia. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999, p. 254. 27 Idem, p. 277.
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Ao propor as questes acima, Downs parte do princpio de que toda informao subjetiva, devido a vrias consideraes, dentre elas, a filosofia poltica dos reprteres, a inteligncia e a experincia.28 Mas, ao nosso ver, a questo que deve ser colocada aqui : como obter as informaes sem parcialidade? Downs certamente responderia ser impossvel, pois as informaes, sobretudo sobre poltica, normalmente so produzidas tendenciosamente. Com efeito, se no possvel conseguir informao objetiva, dificilmente o eleitor conseguir agir racionalmente, embora seja capaz de faz-lo. O que faz com que sua ao racional resulte em uma deciso irracional para si, mas racional de acordo com a informao que obteve. Michels tambm aponta alguns limites da democracia que vo ao encontro das teses de Downs, colaborando decisivamente para nossa questo: 1) o desinteresse da massa de trabalhadores pela vida poltica; 2) dentro dos prprios partidos democrticos, o desinteresse tambm grande, pois apenas uma minoria irrisria participa das decises dos partidos. Como o autor explica esses pontos? Afirmando que a maioria da populao no tem entendimento das influncias e conseqncias que as aes do Estado podem exercer sobre o seus interesses privados, sobre sua prosperidade e sobre sua vida. Aqui est subjacente a idia dos custos da informao para a populao de baixa renda. Logo, ao incorporarmos os axiomas de Downs e de Michels sobre as desigualdades de informao, chegaremos s seguintes proposies: 1) 2) a diviso social do trabalho faz com que os os meios de comunicao pertencem geralmente as interesses sejam diferentes; classes dirigentes;
28
A forma mais racional para um eleitor tomar uma deciso, segundo Downs, para a soluo do problema supracitado, no nosso entender pouco factvel, pois seria necessria uma amostragem experimental de relatos de vrias fontes diferentes de informao simultaneamente. Seguindo este roteiro, o jornal que melhor lhe der retorno, depois de ter tomado as decises hipotticas, tem de ser adotado como fonte ideal.
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medidas polticas; subalternas pela poltica; 5) o nvel de educao das classes subalternas inferior em relao ao das classes dirigentes. Portanto, podemos inferir que, se o homem - que racional -, pertencente s classes subalternas, informa-se pelos meios de comunicao das classes dirigentes, estar fadado a tomar medidas irracionais do ponto de vista de seus interesses. Voltaremos a este ponto na concluso. REPRESENTAO E GRUPOS DE INTERESSE Robert Michels pode parecer, em uma leitura superficial, contrrio democracia. Quem o acusar disto estar incorrendo no erro de ser leviano. O autor italiano denuncia a democracia representativa, fazendo um apanhado histrico e percebendo a tendncia oligarquia deste tipo de democracia, apontando suas contradies e erros. Todavia, Michels exalta a democracia direta na linha de Rousseau: Os tericos da democracia no deixavam de repetir que se o povo, ao votar, faz um ato soberano, ao mesmo tempo renncia a sua soberania.29 Michels cita quem ele mesmo chamou de pai do sufrgio universal e igualitrio na Frana, o grande democrata Ledru-Rollin, que exigia que se suprima o presidente e o parlamento e que se reconhea na votao popular o nico rgo legislativo.30
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MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Polticos. Braslia: Universidade de Braslia, 1982, pp. 23/24. 30 Michels continua: Victor Considrant combateu radicalmente e com vigor a teoria da soberania popular que se pretende garantida pelo sistema representativo, segundo ele, na prtica, o parlamentarismo no passa de uma fraude contnua exercida pelos homens que esto no poder. S subsistiria, ento, entre a democracia e a monarquia, ambas com suas razes no sistema representativo, uma diferena das mais insignificantes; e essa diferena estaria no sobre a natureza dos dois regimes, mas unicamente sobre o seu ritmo. Em vez de um s rei, o povo se outorgaria uma srie de reizetes (1982, 23/24).
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Dentro de sua apreciao da democracia representativa, tendo como foco central a dicotomia entre representante/representado e o poder de influncia de alguns sobre os representados, Michels aponta, mesmo que en passant, para a idia desenvolvida por outros autores, adiante, qual seja, o papel dos grandes eleitores que sero reconhecidos como grupos de interesses na democracia, quando o autor afirma que (...) o delegado se considera o dono da situao. E, de fato, ele o . Se ainda existisse na massa indivduos capazes de exercer alguma influncia sobre o representante do povo, eles nunca so muito numerosos: so aqueles que chamamos de grandes eleitores, personagens importantes da circunscrio e da bancada local.31 Fechando o pensamento sobre a democracia representativa e seus problemas, nas palavras do autor:
Torna-se cada vez mais absurdo querer representar uma massa heterognea com todos seus problemas criados pela crescente desigualdade da nossa vida poltica e econmica. Representar significa fazer aceitar, como sendo vontade da massa, o que no passa de vontade individual. possvel representar, em certos casos isolados, quando se tratar, por exemplo, de questes de contornos ntidos e flexveis e quando, por suposio, a delegao de curta durao, mas uma representao permanente equivaleria sempre a 32 uma hegemonia dos representantes sobre os representados.
Em uma democracia representativa, os grupos de interesse, que so agentes intermedirios entre o governo e a populao, posam de representantes da vontade popular para que o governo adote polticas favorveis queles. Na medida em que esses grupos representam menos pessoas do que parece e o governo atende a esses interesses, isto significa, de acordo com Downs, que os governos racionais consideram alguns eleitores como mais importantes que outros.33 Entretanto ao faz-lo, modificam a
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MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Polticos. Braslia: Universidade de Braslia, 1982, p. 25. 32 Ibidem. 33 DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econmica da Democracia. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999, p. 115.
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igualdade, que o sufrgio universal foi criado para garantir. Atentando contra a poliarquia. Por conseguinte, o resultado do exerccio dos grupos de interesse que apenas alguns cidados podem racionalmente tentar influenciar a formao de cada poltica governamental; para a maioria, irracional saber qualquer coisa sobre a formulao at mesmo daquelas polticas que os afetam.34 Aqui o autor justifica porque h um desinteresse to grande da populao em relao poltica. Michels chama esse fenmeno de incompetncia das massas. Acerca dos grupos de interesse, Olson, ao afirmar, que no fato que um grupo agir para atingir um objetivo s porque todos os indivduos deste ganhariam caso ele seja alcanado, na verdade, se livra de um grande problema, a saber, como explicar que os grandes grupos (que em sua teoria so chamados de Grupos Esquecidos Os que Sofrem em Silncio) de desempregados, de vendedores ambulantes, de consumidores etc. no se organizam para pressionar por suas demandas. Assim, a sua teoria fica restrita explicao dos grandes lobbies empresariais, das organizaes rurais, trabalhistas (sindicatos) e profissionais. Sendo, ainda, que os trs ltimos formam grandes grupos, mas sua hiptese que estes so, exceo, pois obtm apoio principalmente porque desempenham alguma funo alm da lobstica.35 Nesta perspectiva, os grupos de interesse que melhor se enquadram em sua teoria so os dos empresrios, banqueiros, industriais, que chamaremos de classes dirigentes. Assim, Olson admite, amparado em vrios estudos, que o segmento da sociedade que tem o maior nmero (quase que incomparvel) de lobbies trabalhando a seu favor o da comunidade empresarial. De modo que o
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DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econmica da Democracia. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999, p. 258. 35 De acordo com Olson (1999: 150), os sindicatos so uma fora poltica dominante porque eles lidam tambm com os empregadores, que podem ser forados a empregar somente membros do sindicato; as organizaes rurais obtm seus afiliados principalmente atravs de cooperativas rurais e rgos estatais; e as associaes profissionais confiam em parte em formas sutis de coero e em parte no provimento de servios no-coletivos para obter seus quadros de afiliados.
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pesquisador cita alguns autores que afirmam o seguinte: o poder exercido pelo empresariado na poltica norte-americana pode deixar uma pessoa de predilees democrticas desconcertada: uma minoria comparativamente pequena exerce um enorme poder (V. O. Key); dos muitos grupos organizados que mantm escritrios na capital, no h interesses mais completa, abrangente e eficientemente representados que os da indstria americana (E. Pendleton Herring); na ausncia de fora militar, o poder poltico vai natural e necessariamente para as mos daqueles que detm a propriedade (Charles A. Beard).36 Mancur Olson defende que a ltima declarao no tem fundamento, s demonstra a colorao ideolgica do argumentador, pois o que explica os proprietrios controlarem o poder poltico o que Olson admite como correto , o fato de eles formarem grupos pequenos. A grande falha talvez da teoria de Olson reside a, ou seja, no conceber o fator econmico na formao dos grupos de interesse. O prprio intelectual percebe o xito maior dos grupos de interesse das classes dirigentes, mas no admite que o poder econmico seja importante para tal sucesso. A nossa hiptese que o fato de os empresrios terem maior xito, tanto na formao dos grupos, como na manuteno e alcance dos objetivos, est ligada possibilidade de poder investir, por exemplo, junto poltica, de poder financiar campanhas eleitorais em troca de benefcios no futuro, ou mesmo do suborno de parlamentares e altos funcionrios de governo em defesa de interesses com retornos de investimentos muito maiores. Tudo isto, na viso de Olson, fruto do fato de que o interesse organizado e ativo de pequenos grupos tende a triunfar sobre os interesses no-organizados e desprotegidos de grandes grupos. Assim, o autor justifica a eficcia do pequeno grupo, que das classes dirigentes, e, ao mesmo tempo, retira a importncia financeira do xito.
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Ver OLSON, Mancur. A Lgica da Ao Coletiva: os benefcios pblicos e uma teoria dos grupos sociais. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999.
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No obstante, Olson afirma: com freqncia um grupo ou um setor industrial relativamente pequeno obter uma tarifa, ou uma omisso fiscal, s custas de milhes de consumidores ou contribuintes, apesar da ostensiva regra da maioria.37 O que pareceria um atentado ao princpio democrtico, Olson justifica da seguinte forma: isso o que a distino entre grupos privilegiados e intermedirios, por um lado, e grupos grandes e latentes, por outro, nos levaria a esperar.38 Neste ponto o autor tem razo, absolutamente previsvel que os grupos organizados tenham melhores resultados sobre os grupos menos organizados, mas a questo no pode ser resumida organizao e tamanho do grupo. A nossa conjectura que ser grupo pequeno e organizado no basta. Para que estes sejam bem sucedidos necessrio ter poder e para ter poder, no mundo capitalista necessrio ter propriedade e capital, ou seja, a eficcia que alcanam est totalmente ligada questo financeira. Isto no pode ser negado. Do contrrio, no conseguiramos explicar como um grupo pequeno das classes subalternas, que sofre com determinadas questes ou queira obter alguma vantagem, no consiga xito em sua empreitada com o governo. Por outro lado, o grupo pequeno na democracia teoricamente no deveria jamais obter xito diante de um grupo maior, pode-se inclusive garantir a existncia e atuao do grupo pequeno, como defendem Mill e Jos de Alencar no trato da questo das minorias, mas o grupo menor obter mais vantagens que o grupo maior no mnimo obtuso. No condiz com os princpios democrticos.
O poder poltico desproporcional dos grupos empresariais particulares, no deveria contudo levar-nos a supor que o conjunto da comunidade empresarial tenha necessariamente um poder desproporcional em comparao com as organizaes sindicais, profissionais ou agrcolas. Embora determinadas indstrias normalmente tenham um poder desproporcional em questes de particular importncia para elas prprias, no se segue da que a comunidade empresarial tenha um poder desproporcional quando lida com questes amplas de concernncia nacional. Porque a
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Idem, p. 159.
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Na transcrio acima dos escritos de Olson, ficam claras algumas questes: 1) o autor admite que determinadas indstrias normalmente tm poder maior que outros grupos no que concerne aos seus interesses; 2) o grupo empresarial tem poder poltico desproporcionalmente maior que outros grupos de interesse; 3) a idia da questo 2 no necessariamente significa que o conjunto da comunidade empresarial tenha um poder desproporcional em comparao com as organizaes sindicais, profissionais ou agrcolas; 4) no se pode tirar da questo 1, salvo o que est contido nela, que a comunidade empresarial tenha um poder desproporcional quando lida com questes amplas de concernncia nacional40; 5) no que diz respeito ao restante da sociedade, retiradas as organizaes sindicais, profissionais ou agrcolas, que no representam a maioria dos eleitores, os grupos empresariais tm total supremacia poltica. Uma interpretao rousseauniana possvel das questes acima, diria que se Olson tem razo, levando em conta que os grupos empresariais obtm xitos nas questes de interesse individual, logo com todas as vontades individuais realizadas, chegaramos a uma vontade geral dos empresrios na sociedade. Isto o que parece acontecer com a existncia do capitalismo. A democracia representativa, a desigualdade econmica e os diferentes poderes de grupos de interesse na sociedade, juntamente com a desorganizao dos despossudos talvez pelo seu tamanho (Olson) ou pela sua incompetncia (Michels) faz vivermos num mundo completamente injusto. Por fim, como Olson concebe a criao de um grupo de interesse? Ou melhor, como um setor industrial competitivo obtm assistncia do governo para manter o preo de seu produto? Prestemos ateno nos meios
Ibidem. Idem, pp. 160/161. 40 A sua justificativa que a comunidade empresarial muito ampla e, portanto, no um grupo pequeno que trabalha de maneira tima como grupo de interesse.
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fundamentais para tal empreitada. A passagem longa, mas necessria. Ele responde:
Considere-se um setor industrial hipottico, competitivo, e suponhase que a maioria dos produtos desse setor industrial deseje uma tarifa especial, um programa de proteo de preos ou alguma outra interveno governamental para aumentar o preo de seu produto. Para obter essa assistncia do governo, os produtores desse setor industrial presumivelmente tero de constituir um lobby: tero de se tornar um grupo de presso ativo. Esse lobby poder ter de levar a cabo uma considervel campanha. Se for encontrada uma resistncia significativa, grandes quantidades de dinheiro sero necessrias. Os especialistas em relaes pblicas tero de influenciar os jornais, e pode ser preciso fazer alguma propaganda. Provavelmente ser necessrio contratar organizadores profissionais para armar manifestaes populares espontneas envolvendo os angustiados produtores do setor industrial em questo e fazer esses produtores escreverem cartas a seus congressistas. Essa campanha pela assistncia governamental tomar tempo de alguns produtores de 41 setor industrial e dinheiro.
Percebemos que, para aumentar seus ganhos, os grupos de interesse formam-se e usam de todas as armas para poderem alcanar seus objetivos. Realamos alguns pontos fundamentais como forma de se conseguir xito junto aos governos nas democracias representativas: A) colaborar para as campanhas; B) ter uma rede de publicitrios, advogados, ex-congressistas etc.; C) conseguir apoio dos meios de comunicao para sua causa, atravs de propaganda, compra de jornalistas etc.; D) fazer parte de um movimento social organizado com muitos adeptos. Se no for pela questo D, nica que contraria a tese de Olson, pois se trata de uma organizao de um grupo grande, todas as outras pressupe a necessidade de dinheiro, muito dinheiro, logo as pessoas mais pobres ficariam sempre alijadas das decises governamentais. O lobby pela vitria dos partidos polticos nas eleies, segundo Olson, no interessa aos cidados comuns, homens mdios, pois dado que a vitria de seu partido prover um benefcio coletivo. Isto , mesmo aqueles que no contriburam para a vitria do partido podero desfrutar das benfeitorias
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OLSON, Mancur. A Lgica da Ao Coletiva: os benefcios pblicos e uma teoria dos grupos sociais. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999.
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produzidas por estes. Ao mesmo tempo, aos grupos das classes dirigentes interessa muito a vitria de um determinado partido poltico apoiado. Poderamos supor que interessa a apenas alguns empresrios qual partido ganhar, mas ousamos dizer que interessa a todos a vitria de um determinado partido e/ou estar ao lado deste. Para Olson, muitos homens de negcios contribuem com os partidos polticos a fim de terem um acesso individual a esses funcionrios pblicos quando surgirem assuntos de relevncia para suas empresas.42 Mas no s isso, tambm interessa ao empresrio a poltica econmica adotada pelo novo governo, as obras pblicas, a poltica de salrios, de juros etc.43 CONCLUSO O estudo mostrou-nos que, mesmo hipoteticamente respeitadas todas as propostas de Dahl e Santos, o regime polirquico ainda conter algumas desigualdades polticas. Condensamos alguns axiomas germinados ao longo do desenvolvimento desta apresentao, consubstanciados em cinco grupos, para melhor apresentar nossa considerao final. Cabe salientar, que o primeiro grupo contm os postulados bsicos, mnimos necessrios, para os demais. PRIMEIRO GRUPO (postulados bsicos): O homem racional; A diviso social do trabalho faz com que os H normalmente grandes desigualdades
interesses sejam diferentes; econmicas entre a base da pirmide (maioria da populao) e as classes dirigentes. SEGUNDO GRUPO (axiomas da poliarquia):
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Idem, p. 179. Dahl (1997: 43) tambm admite que os parlamentos nunca representam os agrupamentos de uma sociedade como um todo. Desta forma, ele nos alerta: temos como resultado a sobrerepresentao da classe mdia e uma sub-representao dos trabalhadores (mesmo entre representantes de partidos trabalhistas, socialistas e comunistas).
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A democracia representativa no d conta de Cada vez mais aumenta o nmero de representados Os representantes defendem seus interesses e no Sempre quem governar ser uma minoria em favor
representar todos os interesses da sociedade; por cada representante; os da populao; de seus prprios interesses. TERCEIROGRUPO (incompetncia das massas): irracional para as classes subalternas buscar as mnimas informaes sobre poltica; H um desinteresse dos trabalhadores pela poltica; A maioria da populao no tem noo das conseqncias que as aes do Estado podem exercer sobre seus interesses privados. QUARTO GRUPO (a informao pertence as classes dirigentes): Toda informao subjetiva; Os meios de comunicao pertencem
majoritariamente s classes dirigentes; informao; Os custos da informao de qualidade so altos; Resultado, o eleitor pode tomar uma posio As tomadas de posio na poltica dependem da
racional de acordo com as informaes que obteve, mas irracional para seus interesses. Entretanto, as classes dirigentes obtm as melhores informaes e tomam as medidas polticas melhores para si. QUINTO GRUPO (poucas pessoas tm mais poder que comunidades inteiras):
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A eficcia do grupo de interesse est diretamente Os grupos de interesse representam poucos, mas Os grupos de interesse que normalmente obtm
ligada ao tamanho, pequeno, e ao seu poder econmico, alto; normalmente tm suas demandas atendidas pelo governo; xito so das classes dirigentes. Percebemos ao longo do trabalho que a poliarquia impe como condies de sua existncia as igualdades polticas e civis. Todavia, a pesquisa tambm asseverou que essas no bastam, pois as desigualdades econmicas atentam constantemente contra a igualdade poltica. Com efeito, vislumbramos o simples esquema a partir dos escritos de Downs, de acordo com o qual quanto maior a renda de um indivduo maior ser sua eficincia na informao (grfico X); quanto maior o produto rendainformao maior ser sua eficincia poltica (grfico Y). Isto posto, podemos inferir que na sociedade quanto maior a desigualdade de renda, maior ser a desigualdade de informao e maior a desigualdade poltica (grfico Z): (grfico X) renda
Eficincia poltica
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Desigualdade de informao Logo, se a renda mdia da populao tiver um baixo desvio-padro, teremos um alto grau de homogeneidade poltica, isto , patamar igual de possibilidades de racionalidade poltica, e, conseqentemente, uma diminuio do poder do clientelismo e suas mazelas, juntamente com um ganho extraordinrio para a democracia. Portanto, se levarmos esta proposio ao extremo, ou seja, com a abolio das desigualdades econmicas, chegaremos, ao nosso ver, na melhor forma possvel de igualdade poltica, uma poliarquia em 4D, isto , com total respeito aos critrios estabelecidos para Dahl e por Santos com a incluso do eixo igualdade econmica, representados no Grfico W. (Grfico W) Institucionalizao Participao Igualdade econmica
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS DAHL, Robert A.. Poliarquia: Participao e Oposio. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1997. DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econmica da Democracia. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999. MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Polticos. Braslia: Universidade de Braslia, 1982. OLSON, Mancur. A Lgica da Ao Coletiva: os benefcios pblicos e uma teoria dos grupos sociais. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1999. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Poliarquia em 3D. Dados, 1998, vol.41, no.2, p.207-281. ISSN 0011-5258. ROUSSEAU, Jean-jacques. Do contrato social (Os Pensadores). Traduo de Lourdes Santos Machado. 3 ed.. So Paulo: Abril Cultural, 1983. _______________. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (Os Pensadores). Traduo de Lourdes Santos Machado. 3 ed.. So Paulo: Abril Cultural, 1983.
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