Psicoeducação Familiar
Psicoeducação Familiar
Psicoeducação Familiar
PSICOEDUCAOFAMILIAR
FAMILY PSYCHOEDUCATION
PSICOEDUCACINFAMILIAR
J uliana Yacubian*
Francisco Lotufo Neto**
RESUMO: Os avanos obtidos pelapsiquiatrianotratamentodas pessoas comtranstornomental permitiramnos
ltimos50anosqueonmerodeinternaesesuaduraodiminussem, permitindoavidaprximacomunidade.
Comistoopapel dafamlianocuidadododoentemental tornou-semais importante. Afamliafoi consideradano
passadorecente, causadoraoumediadoradadoenamental. Istogerougrandes problemas paraotratamento
eficiente do paciente. Mais recentemente, o papel como responsvel pelo cuidado como doente mental vem
sendovalorizado. Paraessaatividade, aeducaobsicasobredoenamental imprescindvel.Apsicoeducao
familiar traz benefcios para os pacientes (diminui recadas) e familiares (diminui sobrecarga). As reunies
psicoeducacionais aqui descritas forneceminformaes cientficas s famlias epermitemtrocadeexperincias
sobaformadeaulas ereunies empequenos grupos.
DESCRITORES: Sade da famlia; Sade mental; Psicologia educacional; Enfermagempsiquitrica; Famlia.
INTRODUO
Coma evoluo dos tratamentos psiquitricos, os indivduos portadores de transtornos mentais vm
sendo mantidos na comunidade e acompanhados ambulatorialmente pelos servios de sade mental. Desse
modo, a responsabilidade pelos cuidados ao doente mental passa a ser menos das instituies e mais das
famlias, os familiares tornam-se responsveis pelos cuidados primrios (Hatfield, 1987).
As famlias proporcionamao paciente o suprimento de suas necessidades fsicas, suporte financeiro,
os mantma salvo do ambiente, ensinamnovas habilidades, organizamatividades sociais e recreacionais,
monitoramamedicaoeconsultas mdicas esocorremos pacientes repetidas vezes nas situaes decrise.
A famlia passa a ser a interface entre o doente mental e o sistema de sade mental (Domenici & Griffin-
Francell, 1993).
Freqentemente, porm, nofornecidoaos familiares ouacomunidadeemgeral informaes bsicas
ou umtreinamento formal adequado para o manejo dirio destes indivduos, muitas vezes tornando-os uma
sobrecarga para a famlia e comisso podendo causar prejuzos para o doente mental e para a sociedade
(Winefield &Harvey, 1994). Os familiares geralmente sentem-se despreparados para ajudar umparente com
doena mental e apresentammuitas dvidas. O convvio como paciente portador de transtorno psiquitrico
podeproduzir umagrandesobrecargaqueacabapor comprometer asade, vidasocial, relaocomos outros
membros da famlia, lazer, disponibilidade financeira, rotina domstica, desempenho profissional e escolar e
inmeros outros aspectos davidados familiares. Os cuidadores quededicam-seaos pacientes mais debilitados
investem tempo e energia na busca de tratamento e nas negociaes para que eles aceitem se tratar. A
interao comos servios de sade mental tambm uma fonte de sobrecarga, pois na maioria das vezes os
contatos so vivenciados como uma experincia frustrante, confusa e humilhante (Hatfield, 1978).
Apesar dos intensos transtornos e do sofrimento observado, as famlias dos doentes mentais quase
sempreaceitamconvivercomospacientesesuportamtodaasobrecargaquelhesimposta. Independentemente
* Ps-graduandaeSupervisoradaResidnciaemPsiquiatriadoInstitutodePsiquiatriadoHospital das Clnicas daFaculdadedeMedicinadaUniversidade
de So Paulo.
** Professor Associado do Departamento dePsiquiatriadaFaculdadedeMedicinadaUniversidadedeSo Paulo.
Fam. SadeDesenv., Curitiba, v.3, n.2, p.98-108, jul./dez. 2001
Recebidoem05/06/01 aceitoem10/10/01
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daideologiados servios desade, darendaper capitadopas, dotempoenmerodeinternaes, enfim, de
inmeras outras variveis, as famlias aindarepresentamaprincipal alternativaaohospital psiquitrico(Bachrach
&Clark, 1996).
Apesar dos avanos da psiquiatria, o nmero de servios de sade mental que oferecemprogramas
especficos deapoioparaos cuidadores equeos aceitamcomoaliados naelaboraodos projetos teraputicos
edereabilitaoextremamentereduzido. Infelizmente, namaioriados servios onicopapel reservadopara
a famlia o de agente custodial e, normalmente, no considera-se a necessidade que eles tmde receber
informaes sobre a doena, de expressaremos seus pontos de vista e as suas dificuldades.
Paraauxiliar estas famlias educaosobresademental, quechamaremos depsicoeducao, vem
sendoimplantadaemalgumas instituies quecuidamdesademental esuaimportnciamostra-secadavez
mais evidente (Anderson et al.,1980; McFarlane et al., 1993.). A funo da psicoeducao de ensinar aos
membros de uma famlia que cuidam de um doente mental sobre a doena em si, os tratamentos, as
necessidades deumportadordetranstornomental quantosuas capacidades dedesenvolvimentoehabilidades,
preveno de recorrncias e convivncia harmnica.
INTERAOFAMILIAR E DOENA MENTAL
As relaes entre famlia e doena mental vmsendo estudadas h algumtempo, principalmente na
Esquizofreniaesmaisrecentementeemoutraspatologiaspsiquitricas, comooTranstornoBipolareDepresso.
Kasaninet al (1934), emumprimeiro ensaio sistemtico sobre a relao entre famlia e esquizofrenia,
apontaramumaltondicedesuperproteoerejeioemmes depacientes esquizofrnicos. Segundoestes
autores, estas mes eram capazes de detectar a inferioridade biolgica da criana que iria desenvolver
esquizofrenia e por isto superprotegiamestas crianas.
As relaes entre interao familiar e doena mental temevoludo nos ltimos quarenta anos. Trs
principais hipteses mantmentre si umvnculo evolutivo e conceitual (Halford, 1992). Estas hipteses so:
1) distrbios na interao familiar so a causa da doena mental; 2) certos tipos de interao familiar so
mediadoras docursodadoenamental estabelecida; 3) as famlias soumimportanterecursonareabilitao
de doentes mentais e, embora estejamsubmetidas sobrecarga que a luta contra a doena mental pode
ocasionar, fazema ligao entre o doente mental e os servios de sade, sendo aliadas no tratamento.
EVOLUO HISTRICA FAMLIA COMO CAUSA DA DOENA MENTAL
Historicamente, aprimeirahiptesesobreas relaes entrefamliaeesquizofreniaeraadequeestilos
derelaes familiares disfuncionais causavamesquizofrenia(Fromm-Reichmann, 1948; Laing, 1965; Wynne&
Singer, 1963). Seguindo teorias psicanalticas Fromm Reichmann em 1948, criou o famoso termo me
esquizofrenognicanoqual estavaimplcitaaresponsabilidadedarelaomeefilhono, desenvolvimentoda
psicoseeconseqentementedaesquizofrenia. Essaautora, entretanto, defendiaoenvolvimentodas mes no
tratamento ereabilitao depacientes psicticos. Emumdeseus livros (Principles of IntensivePsichotherapy
FrommReichmann, 1948), descreve a importncia de ensinar as mes de pacientes psicticos a mudarem
seus comportamentos emrelaoaos filhos eoquantoissopodiaauxiliar nocursofavorvel destes pacientes.
Batenson e a escola de Palo Alto, em1956, desenvolvema teoria de duplo-vnculo, na qual ocorreria
uma relao entre duas ou mais pessoas onde fossemconstantemente emitidas mensagens contraditrias e
mutuamente excludentes, deixando o receptor das mensagens semsada diante do emissor. Segundo estes
autores essetipodecomunicaodesdeainfnciapoderialevaraodesenvolvimentodeumafragilidadepsquica
como desencadeamento de doenas mentais (Batensonet al., 1956).
Lidz eseugrupo, em1957, lanamaidiadecismaconjugalnaqual aidentificaodas crianas com
umdos cnjuges atacada e hostilizada pelo outro criando uma diviso familiar. Este tipo de acontecimento
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estariapresenteemfamlias decrianas queiriamtornar-seesquizofrnicos desdeos primeiros meses devida
(Lidz etal.1957).
Wynne et al.(1963), atravs de um estudo comparando famlias de pacientes esquizofrnicos com
famlias depacientes psiquitricos noesquizofrnicos demonstroualteraes decomunicaoeorganizao
intrafamiliar presentes precocemente na composio das famlias de pacientes esquizofrnicos.
At aonde vo os conhecimentos da psiquiatria? Atualmente est claro que interaes familiares
disfuncionais isoladamente no causamtranstornos psiquitricos.
FAMLIA COMO MEDIADORA DO CURSO DA DOENA MENTAL
Estudosbritnicos, comandadosporBrown, etal.(1958), sugeriamquepacientespsiquitricosconvivendo
comuma famlia fechada tinhamndice maior de recadas quando comparados a pacientes psiquitricos que
residiam em albergues, distantes de seus parentes. Em uma replicao deste estudo foi encontrado uma
evoluofavorvel empacientes morandojuntocomirmos quandocomparados compacientes quemoravam
comos pais ou esposas, sendo que nestes estudos cuidou-se para que essas diferenas no pudessemser
explicadas pelagravidadeouduraodadoena, sugerindoquealgumas caractersticas doambientefamiliar
poderiampredispor aos ndices de recadas dos pacientes.
A partir destes achados Brown, et al. (1962), hipotetizaramque pacientes vivendo prximos de seus
parentes poderiamestar expostos aaltos nveis deafetos negativos ouintruso, aumentandoavulnerabilidade
a recadas. Ao longo de vinte anos de estudos sistemticos, este grupo de pesquisadores formulouque o tipo
de ambiente emque os pacientes esquizofrnicos vivessemaps a alta hospitalar influenciaria grandemente
no seuprognstico a curto e longo prazo.
O Camberwell Family Interview(CFI), desenvolvido por Brown &Rutter (1966), uminstrumento de
entrevistasemi-estruturadousadoparadeterminaras condies afetivas dafamliaqueconvivecomumpaciente
psiquitrico. Esteinstrumentofoi criadoparaaobtenodeinformaes sobreoambientefamiliareexpresses
emocionais. aplicado emfamiliares quando umpaciente esquizofrnico mostra piora dos sintomas ou
admitidoemumhospital paratratamento. Estaentrevistafeitaindividualmentecomcadafamiliar eopaciente
no est presente durante a entrevista. O termo Emoo Expressa (EE), foi criado para designar o estresse
causadoporumambientefamiliarnegativo. EE serefereaatitudes direcionadas aopaciente, comoexpresso
dacrtica, hostilidade, ousuperenvolvimentoemocional (auto-sacrifcios extremos). Os parentes soclassificados
comotendoaltaEE naCFI seeles fazemcrticas freqentes aopaciente, expressamhostilidadeouatitudes de
rejeio, ouexibemsinais de pronunciado superenvolvimento emocional.
Pesquisas retrospectivas tmmostrado forte evidncia de que EE familiar preditora de recadas de
sintomas dentro do perodo que se segue a alta hospitalar do paciente que estava sendo tratado de uma
exacerbaoaguda.
A relao entre EE e recada temsido extensivamente estudada para pacientes comesquizofrenia,
commais de vinte e cinco estudos conduzidos commais de mil pacientes (Kavanagh, 1992). Outros estudos
temmostrado a utilidade da EE empredizer recadas empacientes comDepresso e Transtorno Bipolar,
sendo que a EE como instrumento operacional j foi validada para Transtorno Bipolar (Miklowitz, 1988). Os
resultados de pesquisa de EE esto ilustrados no Grfico 1.
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GRFICO1 VULNERABILIDADE A RECADA EM 9 MESES APS O RETORNO DE PACIENTES A
CONVIVNCIA COMFAMILIARES DE ALTA EMOO EXPRESSA OU FAMILIARES DE
BAIXA EMOO EXPRESSA (adaptado de Mauser &Glynn, 1995)
Pode-severpelogrficoquepacientes esquizofrnicos oubipolares vivendocomparentes dealtaEE tem
duas vezes mais chance de recair durante os nove meses aps a alta hospitalar quando comparados com
pacientes queconvivememfamliacombaixaEE. Avulnerabilidadearecadas tambmmaior parapacientes
deprimidos que convivemcomparentes comalta EE.
Estudos sobre EE e padres de comunicao familiar influenciarama valorizao de intervenes
familiares emdoenas psiquitricas. Sendo que, comportamentos negativos de familiares, tais como, crticas
freqentes, hostilidade e intruso so melhores vistas como uma resposta normal a intensa sobrecarga de se
conviver coma doena mental mais do que sintomas de uma psicopatologia familiar.
Apresenadeinteraes familiares carregadas negativamentesublinhaaimportnciadeseestabelecer
uma relao colaborativa entre profissionais e familiares para melhorar a luta contra as doenas psiquitricas
(Mintz, et al. 1987; Kuipers &Bebbington, 1990).
FAMLIA COMO PROVEDORA DE CUIDADOS COMDOENTE MENTAL
At agora vimos o impacto da interao familiar sobre o portador de doena mental. Mas, como
considerar oimpactoqueaconvivnciaeos cuidados comumdoentemental podemtrazer paraumafamlia?
Na lngua inglesa utiliza-se a palavra burden. Na lngua portuguesa a palavra que mais se aproxima deste
conceito sobrecarga.
Os efeitos negativos dedoenas psiquitricas graves nofuncionamentofamiliarvmsendoamplamente
documentados emestudos que tentampadronizar questionrios e medidas para aferir o nvel de sobrecarga
que umdoente mental pode trazer para uma famlia e quais estratgias as famlias acabamdesenvolvendo
para lidar comesta sobrecarga (Hatfield, 1987; J ackson, et al., 1990; Mueser et al., 1997).
Os membros da famlia de umdoente psiquitrico freqentemente tmque aprender como lutar com
uma srie de problemas: diminuio de cuidados pessoais, agressividade, comportamentos inapropriados,
faltadeadesoaotratamento, pronunciadoisolamentosocial, riscodesuicdio, mudanas dehumor, ansiedade
e depresso pervasivas, abuso de substncias, comportamentos manacos, comportamentos delirantes e
alucinatrios. A falta de previsibilidade que ocorre emuma relao comumdoente psiquitrico temefeito
negativo profundo entre os membros da famlia. O comportamento errtico de muitos pacientes psiquitricos,
associado a falta de informaes acuradas sobre a doena mental freqentemente so causas de estresse e
tornamos membros da famlia suscetveis a ansiedade, depresso e raiva (Mueser &Glynn, 1995).