2016 CamilaSallesDeFaria VCorr
2016 CamilaSallesDeFaria VCorr
2016 CamilaSallesDeFaria VCorr
So Paulo
2016
Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogao na Publicao
Servio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo
Fl
De acordo
So Paulo
2016
Camila Salles de Faria- 1
AGRADECIMENTOS
RESUMO
FARIA, Camila Salles de. A luta Guarani pela terra na metrpole paulistana:
contradies entre a propriedade privada capitalista e a apropriao indgena. 2016. 329
f. Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de
So Paulo, So Paulo, 2016.
O caminho proposto para anlise das contradies e do contnuo processo de luta pela
terra dos Guarani em So Paulo se far por meio da trade: expropriao, resistncia e
retomada. Mostra-se que o processo de expropriao traz inelutavelmente consigo a sua
negao, a resistncia, que se realiza pelos indgenas enquanto prtica e pelas estratgias de
continuidade de sua existncia (fsica e espiritual). Na superao dos dois termos
(expropriao/resistncia) se apresenta a retomada de suas terras, enquanto ao prtica e
devir, porque guarda um contnuo de ameaa de expropriao de suas terras e aes de
resistncia indgena.
ABSTRACT
FARIA, Camila Salles de. The Guarani's struggle for land in the metropolis of So Paulo:
contradictions between the capitalist private property and the indigenous appropriation.
2016. 329 f. Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da
Universidade de So Paulo, So Paulo, 2016.
The metropolis of So Paulo reveals several conflicts with different contents pervaded
by different logics of land occupying. One of these conflicts about which a reflection on
geographical basis is intented involves a logic of capitalist occupation, based on
commodity, profit and wealth accumulation, and has as foundation the capitalist private
property of the land; on the other hand, the logic of the Guarani indigenous occupation is
sustained by the use and communitary appropriation of their lands based on their culture, their
way of living/being (nhandereko) and their cosmological comprehension of the world.
In order to reveal this conflict, it is assumed that they are antagonist and distinct logic
of occupation, that oppose each other, arent isolated and are contradictorily fulfilled by their
constitution on one another. This is due to the fact that, nowadays, the indigenous occupation
is increasingly possible, in face of the hegemony of capitalist logic, whether because of
indigenous land demarcation or land purchase resulting from impacts of huge infrastructure
work that affect the Guarani. Meanwhile, the capitalist logic develops through an unequal and
contradictory movement, allowing occupations with different logic and contents, in conjoint
articulation. This movement contemplates as well its foundation, the capitalist private
property, that is historically constituted by the use of non-capitalist relations as distinguished
ways of private appropriation of land, from which is highlighted, for instance, the taking of
land from the indigenous people.
It is explicit that capitalist private property of land is an obstacle to the Guaranis
reproduction, a scenery in which it has undeniable importance, in the economic scope, as well
as in the political scope. However, at the same time, the Guarani resist and fight to stay in
their lands.
The path proposed for this analisis of the contradictions and continuous process of
struggle for land of the Guarani from So Paulo will be presented by the following triad:
expropriation, resistance and recovery. It is shown that the expropriation process brings
Camila Salles de Faria- 6
ineluctably with it its denial, resistance, that is accomplished by the indigenous people as
practice and by continuity strategies of their existence (physical and spiritual). On the
overcoming of both terms (expropriation/resistance), it is presented the recovery of their
lands, while practical action and transformation, because it retains a continuous expropriation
threat of their lands and actions of indigenous resistance.
RESUMEN
FARIA, Camila Salles de. La lucha Guarani por la tierra en la metrpolis paulistana:
contradicciones entre la propiedad privada capitalista y la apropiacin indgena. 2016.
329 f. Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da
Universidade de So Paulo, So Paulo, 2016.
LISTA DE ILUSTRAES
LISTA DE TABELAS
Agua
Ao Guarani Indgena
ALL
alq
alqueire
APA
ATSTSP
Cebrap
Cedi
CDHU
CGY
CIMI
CNPI
CNPq
CNV
Comasp
CPI
CPT
CPTM
CRI
CTI
Deic
Dersa
DPU
EIA
Embraesp
Embrapa
Emplasa
FAU
Fepasa
Ferroban
Ferrovias Bandeirantes
Fifa
Funai
Gesp
GPS
GT
Grupo de Trabalho
ha
hectare
Habisp
IBGE
IHGSP
Incra
IPTU
ITR
Labhab
Masp
MEAF
MPL
Ongdip
PEC
PEJ
PLP
PMDB
PSDB
RCID
Rima
RMSP
Sabesp
Sesai
SGB
SMDU
Snuc
SPI
SPU
STF
STJ
Sudelpa
Sutaco
TAC
TI
Terras Indgenas
UFPA
UFSC
USP
Universidade de So Paulo
Zepam
SUMRIO
1 - INTRODUO .................................................................................................................. 18
2 - A EXPROPRIAO DAS TERRAS INDGENAS GUARANI EM SO PAULO ........ 31
2.1 - A EXPROPRIAO E A METROPOLIZAO ...................................................................... 74
2.1.1- A expropriao e a periferizao .......................................................................... 79
2.2 - A EXPROPRIAO E OS ALDEAMENTOS ....................................................................... 114
2.2.1 - O aldeamento de Barueri ................................................................................... 123
2.3 - AS HISTRIAS DE CONTINUIDADE DAS EXPROPRIAES DO TERRITRIO GUARANI ..... 129
3 - APONTAMENTOS SOBRE O FUNDAMENTO DO PROCESSO DE
EXPROPRIAO: A PROPRIEDADE PRIVADA CAPITALISTA DA TERRA.............. 133
3.1 - A APROPRIAO PRIVADA DAS TERRAS URBANAS EM SO PAULO .............................. 134
3.2 - A APROPRIAO PRIVADA DAS TERRAS RURAIS EM SO PAULO ................................. 141
3.3 - A CONSTITUIO DA PROPRIEDADE PRIVADA CAPITALISTA NAS TERRAS INDGENAS
GUARANI EM SO PAULO ................................................................................................... 181
4 - A RESISTNCIA INDGENA GUARANI NO SCULO XX E XXI EM SO PAULO
................................................................................................................................................ 211
4.1 - A MOBILIDADE GUARANI ............................................................................................ 214
4.2 - UMA LEITURA DA RELAO SOCIEDADE-NATUREZA A PARTIR DO CONFLITO .............. 220
4.3 - O PLANTIO COMO PRTICA DA EXISTNCIA GUARANI ................................................. 237
4.4 - AS MUDANAS NAS PRTICAS DA LUTA PELA TERRA .................................................. 243
4.4.1 - O Direito como estratgia de resistncia ........................................................... 248
5 - A RETOMADA DE SUAS TERRAS E DE FRAES DE SEU TERRITRIO (YVY
RUPA)..................................................................................................................................... 270
5.1 - O TEKOA ITAKUPE: PRTICAS DE RESISTNCIA E CONFLITOS ....................................... 277
5.2 - O TEKOA GUYRAPAJU: PRTICAS DE RESISTNCIA E CONFLITOS .................................. 287
5.3 - O TEKOA KALIPETY: PRTICAS DE RESISTNCIA E AMEAAS DOS NO INDGENAS ....... 292
5.4 - O TEKOA YYREXAK: PRTICAS DE RESISTNCIA E INTIMIDAO DOS NO INDGENAS 294
5.5 - O TEKOA KUARAY REXAK: PRTICAS DE RESISTNCIA E INTIMIDAES DOS NO
INDGENAS .......................................................................................................................... 296
5.6 - O TEKOA FORMADO EM REA ADQUIRIDA.................................................................... 298
6 - CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................ 308
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 311
1 - INTRODUO
A leitura do desenvolvimento desigual proposto por Lnin (1982) revela temporalidades diversas, pois os
diferentes nveis, como as foras produtivas e as relaes sociais, no ocorrem igualmente, simultaneamente,
da mesma maneira, no mesmo ritmo histrico, ou seja, no so uniformes e nem tm a mesma datao
(MARTINS, 1996).
A contradio entre dois termos no significa destruir o primeiro, ou esquec-lo, ou p-lo de lado. Ao
contrrio, significa descobrir um complemento de uma determinao, em que cada um aquele que nega o
Camila Salles de Faria- 18
Para Lefebvre (2000) em Marx, a apropriao se ope fortemente propriedade na relao do homem com a
natureza. Isso porque apropriar-se no ter propriedade, seno fazer sua obra, model-la, form-la, por seu
selo prprio (LEFEBVRE, 1978, p. 210, traduo nossa).
Camila Salles de Faria- 19
Essa terra para gente sagrada. As pessoas no conseguem entender que a terra para
gente, a gente chama de Tekoa, que o lugar de manter a nossa cultura. O lugar que
a gente tem para preservar o nosso conhecimento, para viver do que ns somos. (O
JARAGU, 2015)
Numa traduo direta, o tekoa, pode ser entendido como aldeia4. H que considerar
que, para sua formao, existem alguns elementos almejados, mas nem sempre possveis
diante da situao hoje vivida pelos Guarani. Assim, para sua formao faz-se necessria uma
extenso (tamanho) suficiente da rea, que ela contenha elementos da natureza (como curso
dgua e mata, por exemplo), alm de um local adequado para o plantio e para que suas casas
no fiquem amontoadas, mas contemplem a sociabilidade entre os parentes (TESTA, 2014).
J a TI refere-se a um espao produto da homogeneizao do Estado, que quem vai
delimit-la, demarc-la, homolog-la, e, logo, regulariz-la. Como exps Gallois (2004, p. 39)
a Terra Indgena diz respeito ao processo poltico-jurdico conduzido sob a gide do
Estado. Ela era vista pelos indgenas ancies e pelas lideranas religiosas, principalmente,
at o ltimo quarto do sculo XX, como algo preterido, pois sua constituio submeteria a
comunidade a uma srie de normas, que fixam e limitam seus espaos, como tambm
fragmenta seu territrio, dissipando seu sentimento de liberdade. Lida tambm pelos Guarani
4
H que ponderar que as tradues geralmente apresentam uma reduo, pois no h equivalncia exata para a
palavra na outra lngua, o que muitas vezes limita seu sentido e contedo.
Camila Salles de Faria- 20
Remete queda dgua existente no tekoa, hoje extremamente poluda. tambm comumente denominada de
aldeia de baixo, em sua relao com o Tekoa Pyau (aldeia de cima), resultado da ciso pela abertura da rua
Comendador Jos de Matos.
Significa atrs da pedra, referindo-se localizao do tekoa em relao ao pico do Jaragu, conhecido pelos
Guarani por Itawera (pedra reluzente), conforme explica David Martins, liderana da TI Jaragu (O
JARAGU, 2015).
A TI Barragem teve outros nomes: na dcada de 1970 era conhecida por Vila Guarani; na dcada seguinte,
como Morro da Saudade; e, recentemente, como Tekoa Tenond Por.
Camila Salles de Faria- 21
No incio desta reocupao, os indgenas denominavam o tekoa como Eucalipto, em portugus, mas o nome foi
depois reinterpretado por eles e passou para Kalipety, que pode ser entendido como lugar de eucalipto.
10
Literalmente se traduz como guas resplandecentes ou brilhantes, o que se refere ao curso dgua (rio
Capivari) existente no tekoa.
11
Guyrapaju o nome dado pelos Guarani a uma espcie de madeira usada para fazer arco.
12
Pode ser traduzido como brilho do sol, referindo-se ao reflexo do pr do sol sobre as guas da represa
Billings, em cujas margens se situa o tekoa.
13
1996 , esto em curso. Foram publicados os resumos dos estudos que as identificaram como
terras indgenas tradicionalmente ocupadas. Em abril de 2012, foi publicada a portaria com a
identificao da TI Tenond Por (Despacho n. 123, de 18 de abril de 2012), com rea de
15.969 ha, que uniu as TI Barragem e TI Krukutu (ambas demarcadas em 1987, antes da
promulgao da Constituio Federal de 1988), abrangendo os municpios paulistas de So
Paulo, So Bernardo do Campo, So Vicente e Mongagu, e assim limtrofe ao sul da TI
Guarani Rio Branco. No ano seguinte, foi publicada a portaria da TI Jaragu (Despacho n.
544, de 30 de abril de 2013), com rea delimitada de 532 ha, a qual englobou o Tekoa Ytu (a
TI Jaragu demarcada em 1987), o Tekoa Pyau e o Tekoa Itakupe, nos municpios de So
Paulo e Osasco. Recentemente, o Ministro da Justia Eduardo Cardozo assinou a portaria que
declarou posse permanente dos Guarani na atual TI Jaragu (Portaria n. 581, de 29 de maio
de 2015).
No entanto, mesmo com o incio do processo de regularizao de suas terras e seu
reconhecimento pelo Estado, por meio da assinatura das referidas portarias, a posse plena
dessas terras pelos Guarani no ocorreu, mantendo-se a ameaa de um conflito diante da
tendncia hegemnica de expropriao das terras dos indgenas pela lgica de ocupao
capitalista da terra.
***
civis. Essa conjuntura foi se alterando aos poucos, diante das parcerias realizadas, porm a
violncia e o conflito resultantes do processo de luta pela terra no diminuram.
Ressalta-se que se trata de uma regio historicamente marcada pelo processo de
violncia contra os Guarani, desde o sculo XVI, em razo de disputas entre espanhis e
portugueses pelo controle do territrio e da mo de obra indgena. A expulso dos indgenas
das terras que ocupavam tradicionalmente intensificou-se no incio do sculo XX, com o
processo de colonizao promovido pela Companhia Mate Laranjeira e pelo Governo do
Estado do Paran, e, posteriormente, na segunda metade do sculo passado, pelo alagamento
fruto da construo da represa de Itaipu. A resistncia dos indgenas pela permanncia em
suas terras traduziu-se em inmeras mortes, relatadas pelos parentes sobreviventes que hoje
habitam a regio.
Muitos dos indgenas expulsos nesse contexto foram conduzidos fora para viver
confinados em pequenas reas no Mato Grosso do Sul e no Paraguai, enquanto outros
permaneceram na regio, trabalhando nas propriedades de seus expropriadores ou em
fragmentos florestais cada vez mais diminutos, em consequncia da expanso do agronegcio
da monocultura de milho e soja transgnicos. No entanto, nos anos 2000, os laos de
parentesco e a nsia do retorno terra tradicional fez com que muitos voltassem a ocup-la,
resultando nas retomadas e na existncia, hoje, de 14 aldeias. Nesse sentido, para os Guarani,
a luta no se faz por qualquer pedao de terra, ou qualquer local, mas por aquela terra com a
qual eles tm um vnculo de pertencimento, de identidade territorial, seja o lugar em que se
nasceu, seja aquele em que h parentes enterrados, aquele em que se possa encontrar a terra
sem males, o que foi revelado em um sonho ou ainda aquele onde se possa desenvolver o
nhandereko (modo de ser/viver Guarani).
A luta pela regularizao das terras indgenas, acrescida da estratgia de ao direta da
retomada de suas terras, resultou na recente campanha de dio e discriminao promovida
pelo poder local econmico e poltico , que mobilizou a sociedade da regio contra os
indgenas. Faixas e outdoors foram afixados pela cidade de Guara (PR), principalmente,
panfletos foram distribudos e adesivos colados em automveis e estabelecimentos
comerciais, alertando a populao para uma suposta invaso indgena, o que tensionou as
relaes entre indgenas e no indgenas. Essas aes foram promovidas pelo Sindicato Rural
em conjunto com a recm-criada Organizao Nacional de Garantia ao Direito de Propriedade
(Ongdip), que passaram a promover palestras para mobilizar a populao contra os direitos
dos
povos
indgenas,
principalmente
os
territoriais.
Alm
disso,
os
ruralistas
14
A soluo do conflito de terras proposta, em 2013, pelo ministro da Justia Jos Eduardo Cardozo, denominada
mesa de dilogo, revelou-se como uma negociao de direitos em que sobressai o direito propriedade
privada capitalista. Ela pode ser lida como mais um ato de extrema violncia contra os indgenas, em que se
fora por coao ou por assdio moral o indgena, geralmente o cacique, a aceitar um acordo de reduo da
rea delimitada pela Funai, resultado de um estudo tcnico e anudo pela comunidade indgena. Uma das
comunidades que passou por esse processo foi a aldeia Guarani do Mato Preto (RS), que lutava h dez anos
pelo reconhecimento de seus direitos territoriais. Em 2012, em visita aldeia via CTI, foi possvel observar
que os indgenas ali viviam precariamente, sem abastecimento de gua, em uma diminuta faixa de terras entre a
rodovia, uma antiga linha de trem e rodeados pela monocultura de soja dos no indgenas. Na mesa de
dilogo foi proposta a reduo de quase 85% da rea declarada como TI em 2012 e assinada pelo prprio
ministro. No entanto, mesmo aps a oficializao da proposta, quase nada se alterou na situao dos Guarani
dessa aldeia. A nica mudana foi a posse, por parte dos indgenas, de 3 ha para o plantio, resultado da
indenizao de impacto ambiental da Linha de Transmisso que a intercepta.
Camila Salles de Faria- 26
O
Inteiro
Teor
do
Acrdo
est
disponvel
<http://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos/texto_299157261.pdf>.
Acesso em:12 abr. 2015.
16
Durante esta pesquisa participei do Grupo de Tcnico (GT) da TI Jaragu (SP) e da TI Tekoha Guasu Guavir
(PR), e da equipe para elaborao do Laudo Pericial Antropolgico, coordenado por Viviane Vasconcelos, e
referente ao Processo de Ao Comum Ordinria n. 2009.72.01.05799-5, da 1 Vara Federal e JEF Cvel de
Joinville/Subseo Judiciria de Joinville/SC.
em
***
17
H uma maneira apropriada para conversa com xeramo (todos os mais velhos que possuem conhecimento):
no se deve perguntar, pois eles falaro de acordo com o que sentem no peito, no corao, pois nhanderu
kuery (deuses) assentam no peito os saberes. Essas conversas apropriadas so longas falas (em forma de
aconselhamentos) e no devem ser interrompidas. Alm do que no se apreende tudo em apenas uma conversa.
(OLIVEIRA; SANTOS, 2014, p. 122)
18
As diferenas dos Guarani que vivem no Brasil podem ser entendidas a partir da classificao proposta por
Schaden (1974), que os subdividiu em trs principais subgrupos: em Mbya, Nhandeva (Xiripa ou ainda AvaGuarani) e Kaiowa. Para o autor, essa diviso justifica-se por distines sobretudo lingusticas, mas tambm
por peculiaridades na cultura (material e no material). No entanto, em consonncia com Pierri (2013),
entende-se que os limites dessa classificao so fluidos, e que se redesenharam (e redesenham) de acordo com
a histria, a relao com outros grupos (ou mesmo outros povos indgenas) e o contexto vivido pelos grupos e
parentelas. Desse modo, opta-se por denomin-los apenas como Guarani, porm no como algo homogneo,
mas prenhe de diferenas que vo alm da proposta de Schaden (1974).
19
Segundo Lefebvre (1975b, p. 40), h pelo menos duas noes de superao que diferem radicalmente, a
nietzschiana (Uberwinden) e a hegeliana e marxista (Aufheben). A primeira nada conserva, no eleva a nvel
superior os seus antecedentes e condies. [...] supera destruindo, ou antes provocando a autodestruio do que
Camila Salles de Faria- 28
nos dois termos anteriores. Isto , o terceiro termo se volta ao primeiro negando o segundo,
portanto negando a negao, negando a limitao do primeiro termo (LEFEBVRE, 1988, p.
34). Nesse sentido, ele guarda tanto o devir como as aes prticas20, o que orienta um projeto
capaz de manter vivos os elementos que sustentam a luta dos indgenas pela terra.
Portanto, no se trata de isolar, imobilizar ou absolutizar cada momento nesta tese,
eles apresentam-se de forma separada somente para anlise , uma vez que precisam ser lidos
como processo, prenhe de contradies. Desse modo, assim como os conceitos em Lefebvre21
(1988), os termos devem ser entendidos de forma aberta (dinmica/movente), j que partem
do contedo do real para um movimento do conhecimento da realidade, o qual, por sua vez,
supera o imediato. Por isso, no se pretendeu uma reviso bibliogrfica com o objetivo de
esgotar o debate produzido pelos diversos autores sobre os termos e os conceitos aqui
discutidos.
Os termos da trade separam-se na exposio e compem a sees desta tese. O
primeiro termo refere-se ao processo de expropriao das terras dos indgenas Guarani em
So Paulo, o qual contempla as aes e tentativas de expulso dos Guarani de suas terras em
diversos momentos histricos, assim como a tendncia hegemnica da expanso da lgica de
ocupao capitalista o que tratado na segunda seo do trabalho, que se segue a esta
Introduo. A terceira seo corrobora a segunda, ao discorrer sobre seu fundamento, a
constituio da propriedade privada capitalista da terra ou, como sintetizou uma liderana
Guarani, como os jurua (no indgenas) se fizeram donos de nossas terras22. Na quarta
seo, o segundo termo da trade surge como negao ao primeiro, por meio da discusso das
prticas da resistncia Guarani em So Paulo e das estratgias para a continuidade de sua
existncia. Esses dois processos revelam um conflito, no e pelo espao, de duas lgicas de
ocupao diferenciadas; alm disso, desvelam as fissuras da lgica hegemnica capitalista de
ocupao, que no se supe como homognea na metrpole.
substitui. J a segunda, elevando os antecedentes por meio de sua incorporao, guarda-os, e os representa
reelaborados.
20
Para Lefebvre (1988, p. 113), o terceiro termo a soluo prtica dos problemas projetados pela vida, aos
conflitos e contradies nascidos da prtica e experimentados praticamente. A superao se situa no
movimento da ao, no no tempo puro do esprito filosfico.
21
LEFEBVRE, Henri. A Noo de Totalidade nas Cincias Sociais. Traduo de Lus Bittar Venturi. So Paulo.
(fotocpia)
22
Essa explicao elaborada por uma liderana da atual TI Jaragu, foi enunciada no dia 31 de julho de 2015,
quando, em reunio com o Ministrio Pblico no Tekoa Pyau,discutia-se a inconsistncia da cadeia dominial
do ttulo de Antnio Tito Costa, que mantm uma ao de reintegrao de posse contra os indgenas.
Camila Salles de Faria- 29
23
A Geografia Radical desenvolve-se principalmente por meio do Grupo de Estudos sobre So Paulo (Gesp), do
qual fao parte desde sua criao, em 2001. (GRUPO DE ESTUDOS SOBRE SO PAULO, [s.d.])
Camila Salles de Faria- 30
pela expanso da lgica de ocupao capitalista que atinge direta ou indiretamente as terras de
ocupao dos indgenas, o que se d por meio do processo de transformao da terra de bem
comum em propriedade privada, ou seja, da constituio da propriedade privada capitalista da
terra no Brasil, e especificamente em So Paulo, a qual se d por meio da apropriao privada
das terras pblicas. E se realiza em detrimento da apropriao comunitria e pela privao dos
sujeitos e seus descendentes, nesse caso os indgenas Guarani, muitas vezes, de
permanecerem e usarem plenamente suas terras, principalmente na garantia do
desenvolvimento de seus tekoa. Nesse sentido, frequentemente a expropriao aparece como
de um momento histrico ou mesmo temporria, j que h a possibilidade de retomarem suas
terras.
A expropriao da terra no capitalismo ingls incorporou o debate da acumulao
primitiva, proposto por Marx (2006). Ao apresentar o exemplo da Inglaterra, o autor
descreveu, por meio de mtodos violentos, o ato de tomar (roubar) a terra; cerc-la; expulsar
(limpar) a populao residente para criar um proletariado sem terra; aumentar a concentrao
fundiria (criao imediata de grandes proprietrios de terra); e incorporar essas terras ao
capital (agricultura capitalista). E todo esse processo foi legitimado pela constituio da
propriedade privada capitalista e pela importncia do Estado, pois todos eles se valem do
poder do Estado, da fora concentrada e organizada da sociedade (MARX; ENGELS, [s.d.],
p. 116). Contudo, como mostra Thompson (1987), os cercamentos ingleses ocorreram apenas
em uma parte das terras ocupadas pelo campesinato nesse pas, no em sua totalidade
(integralmente), com a permanncia das terras comuns. E, quando se realizaram, no foi sem
luta, da parte dos camponeses, com o intuito de manter suas terras. Dessa forma, como
ressalta Oliveira (2007), em nenhum pas do mundo capitalista, nem mesmo nos Estados
Unidos, a expropriao foi absoluta e total. Isso porque outras formas de propriedade
permaneceram e coexistiram com a propriedade privada capitalista da terra.
Como princpio, tanto a acumulao, para Luxemburgo (1970, p. 318-319), quanto
historicamente a expanso do capitalismo deram-se por meio da apropriao violenta dos
meios de produo, como a terra, por exemplo. No entanto, quando encontraram uma
muralha, formada pelos laos tradicionais dos indgenas e a base de suas condies
materiais de existncia, muitas vezes, para transp-la, promoveram o aniquilamento
sistemtico de estruturas sociais no-capitalistas, inclusive as dos indgenas.
No Brasil, Martins (1980, p. 56) discorre, a partir do quadro clssico da expanso do
capitalismo, sobre o processo de expropriao do campons:
Camila Salles de Faria- 32
Na regio do oeste do Paran, por exemplo, muitos Guarani mantiveram-se escondidos nos pequenos
fragmentos de mata Atlntica existentes, ficando sem documentao oficial, e voltaram para as aldeias depois
que familiares retomaram suas terras.
Camila Salles de Faria- 33
25
26
Para muitos Guarani, a explorao de sua mo de obra aparece obscura, principalmente em relao a esse caso
especfico do Kugo, pois justifica-se na relao cotidiana que mantinham e posteriormente na doao de suas
terras aos indgenas. Ademais, muitos lembram e fazem comparaes a respeito as violncias sofridas nos
Postos e Reservas Indgenas, por exemplo.
Camila Salles de Faria- 34
traziam por saco tambm as comidas, como arroz, trigo, feijo, e a gente vivia
assim. (PIMENTEL; PIERRI; BELLENZANI, 2012, p. 133, grifo nosso)
Segundo Santos (1978, p. 39), ao discorrer sobre a expropriao camponesa, o trabalho acessrio apresenta-se
como a forma temporria (pelas dirias ou empreitadas, por exemplo) de renda monetria suplementar, que
no implica a perda de sua condio camponesa.
28
No Estado de So Paulo, na poca do SPI, foram criadas a reserva de Ararib, Posto Indgena Padre Anchieta,
na aldeia de Itariri, e o Posto Indgena Perube, na aldeia do Bananal. Os Postos Indgenas impunham um
modelo de agricultura, trabalho e desenvolvimento totalmente diferente da lgica indgena.
29
sabe o que antigamente era a cadeia? o tronco. Coloca-se dois paus e separam as
pernas, pra cobrar isso a, e amarra em cima [demonstra com gestos como era feito]
[...] Trinta minutos e voc no aguenta. Tem que gritar, no tem jeito. Era a cadeia.31
Para evitar essas violncias, alguns Guarani, como Nivaldo e Pedro Macena, fugiram
com suas famlias a p. Buscavam autonomia e a possibilidade de viver conforme seus
costumes, sem ter de se submeter s imposies da Funai ou do SPI.
Outro relatrio que trata do tema o da Comisso Nacional da Verdade (CNV), ao
discorrer sobre um perodo da ditadura brasileira (1946-1888) marcado por extrema violncia
30
O Relatrio Figueiredo sobre as violaes de direitos humanos de indgenas ficou mais de 40 anos
desaparecido. Acreditava-se que ele havia sido queimado, porm foi encontrado em 2013 juntamente com
documentos ilegveis no Museu do ndio (RJ). Em reportagem, Jader Figueiredo, filho do procurador e autor
do documento, contou que aps sua divulgao seu pai sofreu ameaa de morte e atentados: Meu pai morreu
em um acidente que nunca foi esclarecido (CANDO, 2013).
31
aos direitos indgenas, remoes foradas de suas terras e inclusive atentando sobre suas
vidas, resultado de ao direita e omisso do Estado:
Um crime todo especial, que deveria ser apurado com rigor, o relacionado com o
fornecimento de Certides Negativas, pois atravs desse instrumento legal, mas
ilegalmente conseguido e concedido, a Unio se viu privada de muitos milhes de
hectares e os ndios prejudicados no uso e posse exclusivos, como lhe garante a lei.
(BRASIL, 1977, p. 24)
Nessa mesma CPI, o ento presidente da Funai general Ismarth Arajo de Oliveira
admitiu que o rgo no tinha total conhecimento das reas habitadas por populaes
indgenas e que, portanto, no havia condies de determinar com exatido se havia ou no
habitantes nas reas pleiteadas por investidores. (BRASIL, 2014, p. 213). Mas as emisses
das certides negativas pela Funai continuaram, constituindo um documento da comprovao
da no existncia dos indgenas em suas terras e titulao em propriedade privada,
consequentemente a expropriao das terras dos indgenas, o que foi amplamente divulgado
com casos ocorridos na Amaznia.32
32
Em 1984, o Xavante Mario Juruna, em seu mandato de deputado federal, denunciou as fraudes na emisso das
certides negativas emitidas pela Funai e o favorecimento de fazendeiros, pois o presidente da Funai
arranjava certides negativas para os fazendeiros (BRASIL, 1984, p. 9297). Embora se saiba que o crime
contra o patrimnio pblico no prescreve e que essas terras podem voltar para as mos dos indgenas, caso
queiram, h ainda a preocupao com a durao da permanncia das terras nas mos dos no indgenas e seu
estgio de degradao.
Camila Salles de Faria- 37
33
A dcada de 1980 foi um marco na histria de luta dos Guarani do estado de So Paulo, quando conseguiram a
demarcao de suas terras.
34
35
parentes enterrados, e/ou onde possam encontrar a terra sem males, e/ou aquele revelado em
um sonho, e/ou onde possam desenvolver o nhandereko (modo de ser/viver Guarani).
A leitura das expropriaes indgenas em So Paulo, ao longo do sculo XX e XXI,
revela-se por meio dos processos judiciais e pelos relatos de ocupao/desocupao das terras
pelos Guarani. Em maro de 2015, segundo levantamento do CTI, havia 190 aldeias Guarani
no Brasil, 185 delas localizadas nas regies Sul e Sudeste, e o restante no norte do pas.
Atualmente nas TI Guarani Jaragu e Tenond Por h 9 aldeias. Ao cruzar os estudos do CTI
(2015) e os da Funai36, nota-se a existncia de 18 aldeias Guarani em So Paulo ao longo
desses dois ltimos sculos, das quais 10 tiveram histrias de conflitos e tentativas de
expropriao.
36
Trata-se dos RCID das TI Tenond Por (2012) e Jaragu (2013), sendo que integrei a equipe do ltimo deles.
Camila Salles de Faria- 39
Segundo Pierri (2013, p. 223) Morre-se de tristeza, entre os Guarani, porque o nhe (esprito) da pessoa pode
abandonar o corpo.
Camila Salles de Faria - 41
indgenas retornaram a duas aldeias, os tekoa Yyrexak e Itakupe, retomando suas terras, que
atualmente se encontram ocupadas. As aldeias desconstitudas foram: o Tekoa Karumbey e o
lugar ocupado pela famlia Ventura, ambos dentro dos limites atuais da TI Tenond Por; o
lugar ocupado pela famlia de Samuel dos Santos, cindido da atual TI Jaragu, no noroeste do
municpio de So Paulo, pela rodovia dos Bandeirantes; e o Tekoa Mboi Mirim, localizado na
zona Sul do municpio.
O Tekoa Karumbey (rio das tartarugas) era um lugar de uso, principalmente, da
parentela do indgena Z Grande, para caa e coleta de material para artesanato e de palmito
para alimentao, situado entre as aldeias Barragem e Rio Branco. Houve, na dcada de
196038, a proibio do acesso dos indgenas ao lugar pelo antigo caminho da usina.
Casemiro e Timteo contaram um episdio de violncia que fez com que no fossem mais ao
local: em meados da dcada de 1980, voltavam para a aldeia carregando aproximadamente
meia dzia de palmitos quando foram violentamente surpreendidos pelos policiais, que
tomaram seus faces e os palmitos. (PIMENTEL; PIERRI; BELLENZANI, 2012, p. 185)
A aldeia onde morava a famlia Ventura era denominada pelos indgenas como
Ventura Oioka39, situada no caminho entre a aldeia Krukutu e TI Aguape (municpio paulista
de Mongagu). Trata-se de um lugar usado para coleta, caa e pesca desde a dcada de 1970,
e que depois da intimidao e da represso dos policiais foi desabitado. Essa uma violncia
marcada principalmente pela queima das casas dos Guarani, ou seja, uma ao de limpeza do
terreno, que os obrigou a sair do local, conforme conta o cunhado de Ventura, seu Pedro
Vicente:
38
As datas expressas nas histrias das aldeias no determinam de forma alguma a origem da presena Guarani
na regio, referem-se apenas localidade, que pode ser denominada diferentemente de acordo com a parentela
e a poca em que a ocuparam.
39
Os ikoa so lugares de uso intermitente, mas que podem ser ocupados como locais de moradia por perodos de
seis meses at um ano, e nesse nterim realizam-se atividades como coleta (para artesanato ou alimentao)
caa e plantio, por exemplo. (PIMENTEL; PIERRI; BELLENZANI, 2012)
Camila Salles de Faria - 42
A terra l era de muitos donos, tinham uns trs ou quatro donos, todo mundo queria
ser dono, s sei que era uma rea de problema e um dos rapazes que dizia que era
dono levou a gente pra l. A s depois que a gente foi pra l que foi saber que
tinha esses problemas.
[...] Moramos numa rea l que era de duas pessoas, s sei que era de um japons e
s sei que ficamos no Jaragu um tempo l. [...] depois que teve um problema de
nome da rea, a viemos embora pra Aldeia do Bananal. [...] Ns vivamos do
artesanato, papai ia na cidade pra vender. Porque no podia plantar porque a terra
no era nossa e no estava definido se a gente ia poder ficar l ou no. Ento no
fizemos questo tambm. Por isso que voltamos pra nossa aldeia de novo, a gente ia
ficar numa rea que no tinha condio de plantar, no tinha jeito. (PIMENTEL et
al., 2013, p. 111)
Aps alguns anos, sob a presso dos no indgenas, o grupo saiu da rea e retornou
aldeia Bananal. Outra ocupao Guarani no mesmo local ocorreu em 2003, pela famlia de
Carlito de Castro, que liderou um grupo com outras quatro famlias, e l construram suas
casas de madeira. Eles foram incentivados e convidados por um vizinho, dono do bar,
conhecido por Gers, o qual garantiu que o dono do terreno morava na Lapa e iria do-lo para
os indgenas. No entanto, concomitantemente com os indgenas, alguns sem-terra mudaram-se
para o local, resultando novamente em processo de reintegrao de posse e retirada dos semterra juntamente com os indgenas (PIMENTEL et al., 2013), promovendo-se, assim, a
limpeza do terreno. vlido ressaltar que esse terreno tem como pretenso proprietrio
Pereira Leite, o mesmo sujeito que moveu uma ao de reintegrao de posse contra os
indgenas do Tekoa Pyau, contestou os estudos da Funai por no considerar aquela rea como
terra tradicional indgena e mantm o processo judicial at os dias atuais.
40
Atualmente nessa rea h um plantio de eucalipto. Trata-se de um local que foi cindido do Tekoa Pyau pela
construo da rodovia dos Bandeirantes.
Camila Salles de Faria - 43
Ao chegarem, afirma Gumercindo, no havia nada no local, nem pessoas, nem clube
de tiro, nada. Uma das primeiras providncias que tomaram ao se instalarem foi o
plantio de vrias rvores de Pind (uma espcie de coqueiro) que atualmente esto
altos e localizados defronte casa de Gumercindo. [...]
Afora essa agricultura incipiente, desenvolvem trabalhos para brancos da regio
chegando a pegar empreitadas em trabalhos no especializados. Alguns deles
conhecem ofcio de marceneiro chegando a trabalhar em firmas na cidade.
Eventualmente trabalham para o prprio Instituto. [...]
O comrcio de artesanato constitui, portanto, na base da econmica dos Guarani de
Mboi Mirim. [...] Sem dvida a possibilidade de posse ou usufruto seguro da terra
que habitam a maior aspirao dos Guarani de Mboi Mirim. condio
necessria para que possam continuar vivendo da forma como fazem. 42
A histria dessa aldeia apresentou-se como interdito pelos indgenas. H indcios de que seja pelas mortes
acidentais de indgenas tanto durante a ocupao como depois de sua expulso. Assim, ela se far por meio de
pesquisa bibliogrfica, j que a nica entrevista obtida foi do Sr. Calixto, em 12 de fevereiro de 2014, ento
morador do Tekoa Reta, no municpio de Barra do Sul, no litoral de Santa Catarina. O Sr. Calixto morou na
aldeia Mboi Mirim por dez anos e saiu para plantar eucalipto junto com o sogro, Sr. Gumercindo, onde
atualmente fica a aldeia Tekoa Kalipety. Por isso ele no presenciou a expulso dos indgenas, mas lembrou do
Ansio, que permaneceu no Tekoa Mboi Mirim.
42
Acervo do CTI.
Camila Salles de Faria - 44
[...] O indgena lembra que enquanto o padre Jos cuidou do Instituto Rural, a
pequena comunidade Guarani recebeu apoio da Igreja e pde viver com dignidade.
Depois da sada do padre, porm, os ndios foram abandonados e atualmente so
pressionados a sarem da rea pelo padre Vitor Ribeiro. (GARCIA, 1983)
Assim, com a mudana de coordenao, o padre Vitor passou discordar das aes de
seu antecessor:
Ele faz questo de afirmar que as famlias que ocuparam os dois alqueires da Mitra
Arquidiocesana so invasoras e no contam com o apoio da Igreja em sua ao.
Eles romperam a cerca existente no local sem conversar com ningum da Igreja
reclama o padre Vitor e essa falta de dilogo antes do ato ressalta o carter de
invaso.
O padre disse que at agora ainda no houve nenhuma grande consequncia da
invaso porque ele no chamou a Polcia. Eles se aproveitaram dessa atitude
pacifista e de dilogo por parte da Arquidiocese diz ele , mas a Igreja usar os
direitos que a lei lhe faculta para solucionar o caso.
[...] Reafirmando que os ocupantes esto agindo revelia da Igreja, o padre disse
que bom que a populao tenha muito claro que a Igreja no est vendendo,
doando ou loteando suas terras. (GARCIA, 1983)
Dessa forma, o padre reafirmou o direito propriedade privada, neste caso da Igreja, e
anunciou a expropriao daqueles que faziam uso da mesma. Ele props ainda uma troca por
outra rea, que seria fornecida atravs dos poderes pblicos, o que se revelou como um
discurso estratgico para a sada dos indgenas. Ressalta-se que a gleba da Mitra tinha 13
alqueires, 2 dos quais eram ocupados tanto por indgenas (convidados) como por no
indgenas (13 famlias pertencentes ao movimento de Luta por Moradia). A gleba era
chamada de Jardim Vera Cruz ou Jardim do Instituto Rural, tendo sido doada em 1915 por
uma jovem da aristocracia paulista, e na poca estava cercada de casas de alto padro e com
significativo preo no mercado. (GARCIA, 1983) Portanto, h indcios de que o padre
aproveitou-se da ocupao das famlias sem-teto, posterior dos indgenas, para promover a
limpeza de suas terras, e com isso efetivar a expropriao dos indgenas, como j havia
semeado no final da dcada de 1970:
Quanto posio do padre Vitor, que defende o retorno dos Guarani para aldeias
onde viveriam em maior nmero, Henrique disse que esta deciso deve partir deles,
sem ser imposta ou mesmo aconselhada.
Ele admite que a proposta do padre Vitor possa ser bem intencionada, mas deve ser
provada com atos concretos. O padre Vitor, desde que chegou ao instituto,
mantm-se distante dos ndios; no lhes deu trabalho, como era feito anteriormente,
no se mostrou amigo, e alm disso colocou outras famlias no local, limitando, de
certa maneira, a liberdade dos guarani, na rea. Estes fatos agravaram-se quando
padre Vitor passou a defender a tese de que ndio deve viver em aldeias.
(ANTROPLOGO, 1979)
Assim, no final da dcada de 1970, o padre Vitor j havia proposto a expulso dos
indgenas de suas terras, onde muitos, como Ansio, cresceram, criaram-se e formaram o
tekoa Mboi Mirim. O discurso da expulso veio mascarado pela defesa do retorno s
aldeias, ou seja, em prol dos Guarani, e permeado pela idealizao do que seria uma
aldeia. Porm o administrador responsvel do Instituto Henrique Pereira Junior nos anos de
1977/1978 discordava da remoo forada dos indgenas. Deciso que seria tomada aps a
produo do documento do mencionado antroplogo Rubens Almeida. Mesmo esse parecer
sendo favorvel permanncia dos indgenas em suas terras, as tentativas de expulso dos
indgenas continuaram, conforme consta no documento da Sudelpa de 22 de maio de 1985,
transcrito a seguir:
43
Arquivo do CTI.
Camila Salles de Faria - 46
Assim, os Guarani retornaram ao Tekoa Mboi Mirim, mas novamente foram levados
pelo padre para outra aldeia, mais distante, no litoral, a aldeia do Silveira, no municpio
paulista de So Sebastio. Assim, a aldeia do Mboi Mirim no foi demarcada, como as
demais do estado de So Paulo, na dcada de 1980, mesmo com a vontade dos indgenas de
nela permanecerem:
L para os lados do Capivari um lugar muito bonito e tem muitas coisas que
podemos usar. L tem muitos rios e nascentes bonitas. L um lugar onde nossos
antepassados j viviam. Naquele tempo eles faziam muito artesanato, e pegavam
material tudo de l, para arco e flecha, para cesto, todas essas coisas. Antes da
construo do trilho j tinha muitos parentes vivendo nessa regio. 44
45
A Sabesp foi criada em 1973, a partir da fuso de seis empresas, entre elas a Comasp.
Camila Salles de Faria - 49
O padro das casas construdas pode ser observado, atualmente, em suas runas, que
exibem lareiras e extensas paredes. No ato da reintegrao de posse, essas casas de Jaime
Car e de Juscelino Guarnieri estavam mobiliadas e havia grande quantidade de material
destinado a construo (como blocos e sacos de cimento, canos hidrulicos, entre outros).46
Na dcada de 1990, houve a proposta, por parte da Sabesp, de construo de um
sistema de barragens para reverso do rio Capivari, visando ao abastecimento de gua para a
populao da Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP). Segundo o documento da empresa
na poca:
Assim, seriam mais de 7 mil ha expropriados das terras dos indgenas, com o
conhecimento do uso dos Guarani do local. Houve uma mobilizao dos ndios,
ambientalistas e organizaes apoiadoras, em funo dos impactos ambientais e sociais dessa
obra, o que acarretou no abandono do projeto. Conforme se noticiou: o projeto previa a
inundao de uma expressiva rea de mata atlntica e de trilhas indgenas, por isso foi
arquivado (CANTAREIRA, 2003).
Hoje a rea est sob domnio da Sabesp, sendo sua entrada interditada por um porto e
pela guarita com segurana. O acesso e a retomada dos indgenas de suas terras deu-se por
outro caminho, na margem oposta do rio Capivari (ver seo 5).
46
A relao de bens foi expedida por oficiais de justia e se refere ao Processo n. 388, de 1978, da Segunda
Vara dos Feitos da Fazenda Estadual, e a ao foi movida contra Arquimedes Pinho e Outros.
47
Programao da Sabesp para visitao ao local de obras na Barragem nos rios Capivari e Monos. (Arquivo do
CTI)
Camila Salles de Faria - 50
Outra aldeia em que os indgenas tambm foram expropriados de suas terras foi o
Tekoa Itakupe (aldeia atrs da pedra, tambm conhecida como Sol Nascente). A histria
desse local remete s dcadas de 1950/1960, quando Andr Samuel e Joaquim (Tekoa Ytu)
percorriam e usavam a rea. Nas dcadas de 1950 e 60, sem cercas, estradas ou qualquer tipo
de limitao, a circulao nessa regio era ampla pelos indgenas. (OLIVEIRA, 2013, p. 2)
Foi no ano de 2005 que o filho do Sr. Joaquim, Sr. Ari, acompanhado de mais trs
famlias, saiu do Tekoa Pyau e ocupou essa terra para moradia48. Ele construiu casas e fez um
roado, o qual continha milho tradicional Guarani (avaxi etei). Relatou que no mesmo dia em
que tinha decidiu morar l, a polcia esteve no local, chamada pelos vizinhos, que os
culpavam por uma invaso:
Logo uma meia hora depois apareceu l uma viatura, a logo os policiais desceram e
tal, e perguntaram l quem era o responsvel. Sempre tem um lder no grupo. Ento
o lder l era eu. Da um disse: a gente no sabia, l no porto disseram que era
invasores, no disseram que era ndio. Mas como ele viu que era ndio ento ele
disse olha para ns est tudo bem, se qualquer coisa o pessoal vier com agresso
vocs avisam que ns voltamos aqui. (FARIA, 2008, p. 18)
valido lembrar que a mudana para a aldeia s ocorreu depois de algumas andanas do Sr. Ari para avaliar
se o ambiente era propcio para se morar. Embora considerasse a terra um pouco degradada, ele pensou em sua
recuperao futura.
49
Antonio Tito Costa, advogado, atuou como poltico entre 1977 e 1996, pelo Partido do Movimento
Democrtico Brasileiro (PMDB), como vereador de Torrinha, prefeito de So Bernardo do Campo, deputado
federal constituinte pelo estado de So Paulo e vice-prefeito de So Bernardo do Campo. Em fevereiro de
2015, foi condenado pela Justia do Estado de So Paulo, junto com o ex-prefeito de Osasco Francisco Rossi
de Almeida e outros advogados, por improbidade administrativa, por prestar servios de advocacia prefeitura
de Osasco sem ter passado por licitao. (Andamento do Processo n. 0015717-46.1996.8.26.0405 do dia 12 de
fevereiro de 2015.)
Camila Salles de Faria - 51
no dia 23 de agosto. No dia anterior, o Sr. Ari e sua irm Eunice estiveram na Procuradoria do
Estado de So Paulo, onde entraram em contato com a Funai, e depois com a juza
responsvel pela ao, que afirmou no saber que se tratava de um caso indgena, ficando
assim anulada a intimao e suspenso o processo de reintegrao de posse.
Passado algum tempo, o caseiro de Tito Costa avisou ao Sr. Ari que ele gostaria de
conversar, propondo um bem bolado, ou seja, uma negociao. Todavia, a inteno desse
encontro revelou-se como de intimidao, por meio dos questionamentos a respeito de como
entraram em suas terras, [e] do por que invadiram.
Em fevereiro de 2006, passados sete meses, um procurador do Ministrio Pblico de
So Paulo e o administrador da Funai/SP surgiram, solicitando aos ndios que desocupassem a
terra. O Sr. Ari afirmou que
eles [vizinhos] soltaram as vacas no lado que a gente estava, a as vacas comeram
tudo [...] Mesmo assim a gente no saiu. [...] A depois que soltaram as vacas [...]
eles vieram falando que ia ter reintegrao de posse. [...] A o tio Ari no quis ficar,
ele disse: Ento vamos embora! A a gente saiu, n, ele saiu e a gente saiu junto,
porque tio Ari era nosso cacique, nossa liderana. Ele saiu porque ele no queria
enfrentar polcia, porque falaram que ia ter polcia. (OLIVEIRA, 2013, p. 33)
Receosos de uma possvel violncia maior e retirada fora diante das ameaas de
envio da polcia, os Guarani retornaram ao Tekoa Pyau. Saram sem colher as espcies
plantadas, representando no caso das tradicionais uma perda das sementes, que geralmente
so guardadas por geraes.
Depois da retirada dos indgenas, colocaram um porto para restringir o acesso s
terras. Em 2011, Valdenor Vieira e sua famlia mudaram-se para a entrada do terreno, em
acordo com Tito Costa. Segundo Oliveira (2013, p. 18),
Camila Salles de Faria - 52
A entrada dessa famlia na rea pode ser um indcio de uma tentativa de instaurar um
conflito entre terceiros e a ocupao indgena, visando trazer obstculos ao processo
de identificao da Terra Indgena. Segundo Valdenor no h contrato de
arrendamento ou qualquer documentao de acordo de uso dessa poro do territrio
entre esse senhor e o alegado proprietrio do terreno. Foi percebido na visita um
mal-estar gerado pela presena desta famlia e do caseiro.
Tinha plantao de verdura e essas coisas e meu pai trabalhava nisso. O patro dele
era japons. Da a gente ficou morando aqui muitos anos. Quando eu me conheci por
gente j morava aqui fazia era anos.50
Ilsa acrescentou que depois retornaram para a aldeia Rio Branco, e em seguida
voltaram para a Barragem, quando j havia outros Guarani ali morando. Nivaldo, morador do
Tekoa Guyrapaju, relembrou essa ocupao de quando saram da aldeia Rio Branco e ficaram
sob a Ponte do Socorro:
Ns ficamos na Ponte do Socorro, acho que trs meses. A que o japons foi l,
chegou l, conversou com as pessoas. Eu no acreditei tambm porque tem muita
gente que engana tambm. O Sess (o japons) chegou l e falou que tinha lugar pra
morar, trabalhar. E na primeira conversa ningum falou de vir pra aqui. E voltaram
depois de quatro semanas. Depois de outra semana eles chegaram de novo. A
falaram. A que o pai falou pra mim: Acho que bom de ver o lugar, de ver como
est isso a. Se verdade mesmo que d pra ir morar.
Mas no vinha ningum. A ele voltou de novo. Depois de uma semana ele foi de
novo, a que trouxe as pessoas. A que eu falei pro meu pai: Agora voc tem que
mandar duas pessoas, uns homens, l pra ver o lugar. Pra ver se a gente gosta. A
veio o Calixto e mais um com o Sess. E ficaram uma semana. Pescaram peixe,
mataram gamb. Naquele tempo ningum mexia nesse matinho tambm. Caaram
tatu, e depois que eles voltaram. A que o Calixto falou: Acho que o lugar bom. O
japons dando a terra mesmo, acho que bom. A que eu resolvi. Eu fiquei alegre
porque agora eu acho que o japons vai dar a terra mesmo. A eu falei: Vamos
embora. O japons foi tambm, junto com as pessoas. Carregamos panela, saco
velho, ns viemos de trem. Naquele tempo tinha dois trens. De manh vinha pra c,
50
ia outro pra l. A nos viemos e ficamos, ficamos. E nessa parte, tudo ali era mata,
boa mesmo, e capoeiras. (LADEIRA, 1984, p. 139)
Nota-se que a mudana dos Guarani para o local no ocorreu imediatamente aps o
convite de Yasuhiko Kugo. Foi necessrio conhec-lo, garantir que poderiam exercer o
nhandereko (modo de ser/viver Guarani) e com isso formar um tekoa. H indcios, na fala do
Nivaldo, dos usos que Calixto fez no local, como a caa a pesca, destacando a presena e
qualidade da mata.
O discurso da mudana, por parte do Sr. Kugo, estava vinculado a conter a
apropriao privada daquelas terras. Pois, segundo dona Alice, ex-mulher de Nivaldo, o
japons teria dito que os jurua (no indgena) estavam tomando as terras nas redondezas.
A disse que as terras seriam nossas tambm se quisssemos51. O Sr. Eduardo, em
reportagem de 1976, revelou que um japons ofereceu 9 alqueires de terras para que
pudessem construir suas casas, h dez anos, onde se encontrava a aldeia Barragem. Nesse
perodo, outro japons ameaou tomar suas terras. Em suas palavras um homem de
Parelheiros, japons, quer tomar um alqueire da aldeia (SENTADO, 1976).
As relaes dos indgenas com Sr. Kugo posteriormente revelaram o contedo do
trabalho, como exps Nivaldo:
E depois que Sess falou: Eu queria fazer lavoura de mandioquinha, pra mim. E
queria que vocs me ajudassem a plantar mandioquinha, pra vender pra mim.
S aquilo que ele queria. E ns ajudamos fazer isso. A depois de dois anos ele
falou: Agora no preciso mais. No preciso mais pra mim porque agora vocs j
esto pagando a terra. Vocs ficam morando, plantem alguma coisa que vocs
quiserem que eu no estou ligando. Ele ficou um ano com ns aqui. Vendeu
mandioquinha e o resto que sobrou, a ficou pra ns. O que ele encaixou, ele vendeu
tudo. O resto, o mido, os ndios comeram. E depois, ele falou: Agora eu vou viajar
para o Japo. Vou passear, vou ficar um ano por a. A que ele deu aquele papel que
eu tinha aqui. A ele saiu. (LADEIRA, 1984, p. 140)
51
Ressalta-se que, na dcada de 1970, Yasuhiko Kugo tanto doou as terras (13,3 ha) para
os indgenas, como tambm vendeu parte delas, em parceria com Mamoru Katanosaka, para
Arthemio Aurlio Pompeo Ferrara e outros 12 casais, com o intuito de lote-la (ver seo 3).
O documento deixado com os indgenas foi uma guia de Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural (ITR) datada de 15 de junho de 1970, contendo, no verso, dizeres
manuscritos em japons, com assinatura e data de 28 de agosto de 1970, depois traduzidos
por: Testamento. Se morto meu terreno da Barragem ser de ndio Guarani. O segundo
documento uma escritura pblica de compra e venda datada de 17 de fevereiro de 1977.
Pedro Macena contou que, aps a morte do Sr. Kugo, os outros japoneses foram
conversar com os indgenas sobre essas terras, mas que depois que o Nivaldo apresentou o
documento, nunca mais voltaram.
Camila Salles de Faria - 57
Somos vinte famlias para quatro alqueires de terra. Vamos ver se nos do mais
terra. Tnhamos nove alqueires que diminuram para cinco e agora ficaram quatro.
Temos 43 crianas. Com nossos parentes de Rio Branco, Silveira, Krenak [sic.
Krukutu] e MBoi Mirim somos um s. Somos parentes. (PIMENTEL; PIERRI;
BELLENZANI, 2012, p. 14)
nessa poca era muito perigoso, o espao era perigoso, que tinha os matador de
aluguel, ento os indgenas tinha medo de vir pra c pra permanecer
definitivamente... E quando eu vim pra c, por volta de 1977. Mas antes disso j
haviam indgenas que moravam nessa regio. Aqui era muito mato! Era um
capoeiro como essa da mata atlntica, mas no muito alta, de baixa a mdia. Tinha
muita caa, muito tatu, passarinho, muito peixe... na poca nessa represa. Era bom!
Hoje no ruim, s que o espao ficou pequeno... a caa desapareceu... tem
pouquinho s. (PIMENTEL; PIERRI; BELLENZANI, 2012, p. 137)
A regio na poca era distribuio de rea no tempo dos colonos. Ento aqueles que
conseguiram ficar com as terras e titularam, ficaram. Umas partes ficavam com dois,
trs donos. Era complicado. Ento no se sabe quem era de fato o dono. O japons
dizia que era corretor de imveis, mas como muita gente dizia que era dono, no se
sabia de fato. (PIMENTEL; PIERRI; BELLENZANI, 2012, p. 139)
Manequinho refere-se a Yasuhiko Kugo, o qual tambm se dizia dono das terras no
Tekoa Krukutu e tinham mais terra, l pra frente no So Bernardo, s que no chegamos a
conhecer52.
O processo de violncia em relao s terras dos indgenas ocorreu ao longo da dcada
de 1970, conforme discorrem Ladeira e Azanha (1988, p. 34) sobre um episdio no qual
tentaram expulsar os indgenas, mas alguns resistiram:
No fim dos anos 70, os Guarani do Crucutu sofreram agresses por parte de grileiros
(japoneses que pretendiam apropriar-se tambm desse terreno). Nessa ocasio,
ameaaram derrubar a casa de seu Francisco Laurindo e incendiaram uma casa nas
proximidades, onde morava um velho japons, empregado de um deles, acusando os
ndios, na delegacia de Parelheiros, com a inteno de que eles fossem expulsos do
52
local pela polcia. A famlia de Dorinha resistiu e seu Francisco mudou-se com seu
grupo para a Barragem.
Outra tentativa de retirada dos indgenas da aldeia Krukutu ocorreu na dcada de 1980,
quando os Guarani depararam-se com a abertura de picadas para acesso aos lotes vendidos
por um no indgena. Como resposta, os indgenas moveram uma ao judicial para
manuteno de posse contra Tadao Kitamukai, Benedito Rocumback Hessel e sua esposa
Paulina Feliciano, com sentena favorvel aos Guarani. Posteriormente, em meados da
mesma dcada, outra ao judicial foi movida, por Joo Rocumback Hessel e Benedito
Rocumback Hessel, com o intuito de retirada dos indgenas de suas terras, e manteve-se a
mesma sentena. Segundo o processo:
Havia uma ameaa constante sobre as terras dos indgenas do Tekoa Krukutu, em
decorrncia da persistente apario de supostos donos dessa terra, conforme se observa na
carta transcrita a seguir, encaminhada pela Sudelpa:
So Paulo 30/06/1984
Na aldeia de Crucrutu moram duas famlias Guarani. Moram h sete anos e esto
reclamando que aparecem vrias pessoas querendo as terras da aldeia. Estas pessoas
dizem que o terreno pertence a eles. Mas os Guarani no querem abandonar essa
terra para garantir suas culturas. Uma dessas pessoas que vem na aldeia dizendo que
a terra deles conhecido como alemo. Dizem que ele mora em Santos.53
53
Carta escrita por Valdelino Verssimo, da aldeia Barragem, que relata denncia de Jlia da Silva, da aldeia
Krukutu. (Arquivo do CTI)
Camila Salles de Faria - 62
Ressalta-se que o rio, o ribeiro das Lavras, que abastece a aldeia e mote para seu nome encontra-se poludo,
pois em parte de suas nascentes h despejo de esgoto residencial, de construes realizadas aps a chegada dos
indgenas na regio. Uma dessas nascentes abastecia a ocupao da famlia de Samuel dos Santos na dcada de
1950, a qual estava a montante do Tekoa Ytu.
Camila Salles de Faria - 63
com sua mulher Jandira (j falecida) e seus filhos no Jaragu. Eles vinham da Cidade Dutra
(zona Sul do municpio de So Paulo), onde, por convite da prefeitura, ocuparam uma casa
abandonada prximo represa Guarapiranga. Nesse local deixaram de viver da agricultura,
como ocorria na aldeia Rio Branco, no municpio de Itanham, onde moravam anteriormente,
e passaram a vender artesanatos aos turistas que frequentavam a represa nos finais de semana.
Permaneceram na rea por uma dcada, onde recebiam Guarani do Sul e Sudeste do Brasil e
principalmente de outros lugares de So Paulo em busca de remdios, tratamento mdico e
documentos. Mas foram expulsos desse local por funcionrio da prefeitura, quando
Passados esses anos, os indgenas foram convidados por Fausto, um dos scios do
Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo (IHGSP), para serem caseiros de um stio no
Jaragu com uma rea de 1.200 m2. Segundo SILVA (2008, p. 30),
Jurua (no indgena), ento a gente andava pelas matas. E depois de ficarmos
bastante tempo aqui, as pessoas do entorno foram chegando. Do outro lado aqui
onde est a Maria, ficou o Jurua do parque. Ele tinha uma espingarda e as crianas
no podiam brincar para l. As que se diziam donos daqui eram as madres,
religiosas. [...] Depois que eles construram uma casinha pra gente, o seu Fausto
falou podem morar aqui mas no chamem os parentes. Seno eles vo querem bater
em vocs de novo, brigar com vocs. Mesmo assim, depois que ele morreu, os
parentes vieram morar aqui.56
Essa famlia (Sr. Joaquim, Dona Jandira e seus 12 filhos, dos quais 8 sobreviveram),
foi o princpio do grupo que vive hoje no Tekoa Ytu, tambm conhecido como aldeia de
baixo. Posteriormente, essa famlia recebeu como doao da Sra. Iai (esposa de Agenor
Couto de Magalhes, membro do IHGSP) a rea do stio e mais uma poro de terra,
perfazendo precisamente 1,75 ha.
56
Figura 16 Foto Tekoa Ytu em 1985: em primeiro plano, a rea de plantio do Tekoa Ytu
e no se gundo plano, onde se localiza o atual Tekoa Pyau.
Fonte: LADEIRA, I. Arquivo CTI.
Figura 17 Foto Tekoa Ytu em 1985: em primeiro plano, no Tekoa Ytu direita Jos Fernandes e
esquerda Sr. Joaquim, e no segundo plano onde se localiza o atual Tekoa Pyau.
Fonte: LADEIRA, I. Arquivo CTI.
tambm pela imposio das cercas e guaritas de segurana instaladas posteriormente pelo
Parque Estadual do Jaragu (PEJ), limtrofe ao Tekoa Ytu, que se configura como um
importante fragmento da mata Atlntica, sendo assim imprescindvel para a reproduo desses
Guarani.57
Segundo o Plano de Manejo do Parque Estadual do Jaragu (SO PAULO (Estado)
2010a), nas informaes cartogrficas antigas havia um problema relativo aos limites. Com a
demarcao da TI Jaragu em 1987, o que se percebeu foi uma sobreposio de reas do
parque e da aldeia indgena; a quantificao da rea sobreposta s seria possvel aps uma
aferio dos limites do PEJ, e se apresenta como ao em curto prazo. Porm, mesmo sem que
essa ao tenha sido executada, o PEJ j foi cercado. Mais tarde, apontou-se como outra ao
a reintegrao de posse, justificada no documento como medida de proteo, das casas
lindeiras ao PEJ, pertencentes aos Guarani do Tekoa Ytu.
Assim, salienta-se que na TI Jaragu (principalmente no Tekoa Ytu), e sobretudo antes
da publicao da portaria declaratria da atual TI, o processo de expropriao das terras dos
indgenas revela o contedo do cerceamento do uso, no somente daquele destinado
moradia, mas das atividades que constituem o modo de ser/viver do Guarani, como a coleta, a
caa e a pesca.
O mesmo se d com o Tekoa Pyau (aldeia que renasce), que sofreu tentativas de
expropriao, por meio do cerceamento dos usos pelo PEJ e tambm pelos processos judiciais
de reintegrao de posse contra os indgenas, que perduram at os dias atuais.
O Tekoa Pyau foi cindido do Tekoa Ytu na dcada de 1980, com a construo da rua
Comendador Jos de Matos, por isso eles so comumente chamados de aldeia de cima e
aldeia de baixo, respectivamente. Sua histria remonta dcada de 1990, quando o Sr.
Joaquim e sua famlia plantavam nesse local. Segundo Dona Jandira, mulher do Sr. Joaquim
(tambm j falecida),
A o jurua (no indgena) que se dizia dono, falava para a gente que a gente
plantasse o que queria mas dizia que no podia construir casas. E tambm ele dizia
pode plantar milho, mas no pode construir, nem plantar laranja, banana essas
coisas. (PIMENTEL et al., 2013, p. 127)
57
O Plano de Manejo do Parque Estadual realizado em 2010 (SO PAULO (Estado) 2010a) discorreu sobre seu
recente cercamento total, hoje nas reunies do Conselho do PEJ fala-se de um projeto de substituir as cercas
por muros.
Camila Salles de Faria - 67
Em 1986, Joaquim lvaro Pereira Leite Neto, filho de Jos Pereira Leite, exigiu que
a Funai retirasse os marcos fsicos do processo demarcatrio da rea indgena
Jaragu, alegando ser o proprietrio da rea, acusando agressivamente a FUNAI de
estar praticando um crime. Tal agressividade, no entanto, extrapolou para alm das
missivas, e passaram ento esses cidados a fazer ameaas aos ndios, a intimid-los
com capatazes, e mesmo destruindo uma de suas casas. (PIMENTEL et al., 2013, p
127)
Fui para l (aldeia de cima) porque a aldeia (de baixo) est muito pequena. Primeiro
pedi ajuda para o meu irmo Ari, que estava em Ubatuba com a famlia e ele no
quis vir. A veio meio tio Kamb (Jos Fernandes). E a gente enfrentou muita briga
mesmo. Tudo comeou com 6 famlias, trs anos depois j tinha 18 famlias e foi
aumentando, e est aumentando at hoje. E a gente est lutando pela demarcao.
Praticamente tudo comeou em 1995.
Esse Pereira Leite, a famlia Pereira Leite, ele ameaa muito o pessoal indgena...
Que vai pr fogo na casa, que vai destruir... Numa poca ele at veio com uma
maleta de dinheiro para mim querendo comprar a terra de mim, para eu dizer que era
dona... Eu no, mas eu no sou dona da terra. (OLIVEIRA, 2013, p. 39)
58
Pereira Leite tambm se declara proprietrio da rea em que morou a famlia de Andr Samuel dos Santos,
anteriormente citada.
Camila Salles de Faria - 68
O mesmo fato consta no processo na Funai em Braslia, no qual Sr. Jos Pereira Leite
informou que seu terreno em 05 de outubro de 1995 havia sido invadido por indgenas. Em
seu depoimento de 18 de junho de 1999, Pereira Leite declarou que desconhecia a existncia
de rea indgena demarcada naquela regio, a qual se localiza em frente ao terreno do qual se
diz proprietrio. Novamente, em 20 de setembro de 2002, ele fez um boletim de ocorrncia,
declarando que alguns ndios construram cabanas no terreno e ali passaram a residir. E
mais uma vez solicitou a reintegrao de posse, alegando que em 20 de maio de 2003,
indgenas teriam invadido sua propriedade constituda de uma gleba de terras com
aproximadamente 07 alqueires paulistas. Em agosto de 2005, novamente Pereira Leite
contestou a deciso do juiz.59 Diante desse cenrio, a Funai, em 2003, requereu manuteno
de posse dos indgenas.
59
reas para coleta, caa e roa, tornando invivel a descrio desta como
tradicionalmente ocupada, de acordo com os requisitos da legislao em vigor.
Dessa forma, a expropriao das terras dos indgenas expressa pelos processos
judiciais revela a perspectiva da lgica capitalista. Isso porque, como afirma Barbosa (2015),
Tekoa no uma Gleba, e as aes judiciais julgam parcelas que correspondem a um ttulo
adquirido e que configuram a propriedade privada de algum.
A expropriao das terras dos indgenas se faz pela constituio da propriedade
privada capitalista, oficializada e legitimada por meio de um papel (um ttulo) e muitas vezes
imposta prtica e simbolicamente por meio de cerca e muro. A propriedade privada realiza-se
em detrimento da apropriao comunitria da terra e na privao dos Guarani de nela
permanecerem e a usarem. Ademais, muitas vezes a propriedade privada da terra constituiu-se
por meio da grilagem, ou seja, como ao ilegal, que passa a ser sustentada (legitimada) pelos
cartrios de registro de imveis e pela Justia (ver seo 3).
Mas o que se pde observar que a expulso, um dos contedos da expropriao, no
ocorreu de imediato na relao dos Guarani com os no indgenas. Isso porque se tornou uma
estratgia comum dos pretensos donos convidar os Guarani e permitir sua ocupao,
quando visavam aquisio da titulao da rea, por meio da posse efetivada. Para o Guarani,
Camila Salles de Faria - 72
o ttulo nada representava, apenas a apropriao e seu uso. E somente depois de configurada a
constituio da propriedade privada a expulso ocorria tona. Conforme discorrem Ladeira e
Azanha (1988, p. 7),
A assim, uma coisa que a gente percebe, que a gente demorou at pra perceber,
que muitas pessoas colocavam os indgenas em cima [da terra], cediam, mas era
como forma dos indgenas ficarem ocupando aquele terreno para eles, quando eles
precisavam da terra, ento eles pediam para os ndios sarem [...] Ento essa uma
sensao que a gente teve que os ndios estavam ali para reservar a terra para aquelas
pessoas.62
A gente perdeu aquele espao porque no deu mais para ns usar, mas sempre a
gente ia para esse espao. [...] O espao era nosso, jurua [no indgena] que tirou a
gente dali. Jurua que no permite mais andar por l, levar nossas crianas para
brincar, para conhecer. [...] Jurua tomou o espao nosso e a gente no foi muito
mais.63
Entrevista realizada na Universidade Federal de Santa Catarina, em fevereiro de 2014, como parte da pesquisa
para elaborao do Laudo Pericial para o Processo de ao comum ordinria n 2009.72.01.05799-5 1 Vara
Federal e JEF Cvel de Joinville/Subseo Judiciria de Joinville/SC
63
comercializadas em lotes e geralmente utilizadas como moradia por quem os adquiriu. Assim,
restou aos indgenas o cercamento de suas aldeias pela periferia ou mesmo a expulso para
a comercializao de suas terras, expressa no cerceamento de seu uso. Assim, cercamento e
cerceamento esto presentes no processo histrico de expropriao dos indgenas.
O processo de periferizao no se findou em So Paulo. Ele continua e, com isso, a
presso sobre as terras indgenas torna-se ainda maior. Isso porque hoje h glebas rurais64,
algumas sendo terras de uso indgena, ainda no homologadas e sem a posse plena dos
Guarani, por isso sujeitas a expropriao e passveis de fragmentao. H, portanto, na
metrpole de So Paulo uma tendncia da expropriao das terras dos indgenas, mesmo que
temporria65, pelo processo de periferizao e com a prpria produo da metrpole.
64
Segundo as Estatsticas Cadastrais do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (Incra) de 2014,
h no municpio de So Paulo 6.751 imveis rurais que ocupam um total de 73.686,29 ha, ou seja, o
equivalente a 48% da rea do municpio. Dentre estes, 40.229,67 so grandes propriedades improdutivas, que
representam mais da metade (54,6%) da rea cadastrada.
65
O sentido de temporrio aparece pelo fato de que as TI esto em processo de demarcao, portanto os
indgenas mantm seus direitos garantidos pela Constituio Federal de 1988. Isso embora sejam privados do
uso pleno dessas terras hoje, e tambm no futuro (mas no de forma definitiva) pela degradao causada pelos
no indgenas.
Camila Salles de Faria - 74
Nessa poca que eu j morava aqui no tinha essa represa, eu no sei acho que eles
fecharam a cabeceira e essa gua ficou acumulando. A cabeceira era para l. Da na
poca que fecharam vinha bastante peixe, e ns pegvamos tudo. Era uma
67
cachoeirinha que passava ali.
A construo da represa Billings, realizada pela Companhia Light, teve intuito de aproveitar as guas da
Bacia do Alto Tiet para gerar energia eltrica na Usina Hidreltrica (UHE) de Henry Borden, em Cubato,
aproveitando-se do desnvel da Serra do Mar. No entanto, ao longo dos anos, a atividade de abastecimento
energtico, assim como para o consumo humano, perdeu seu potencial devido ao intenso lanamento de
efluentes diretamente em seus corpos dgua embora num primeiro momento a produo energtica tenha
elevado sua produtividade em decorrncia disso, pois os afluxos de esgoto aumentavam o volume das guas a
movimentar as turbinas da Henry Borden. Assim, o pice da contaminao da Billings ocorreu ao longo dos
anos 70 e 80, quando se verificaram vrios episdios de alta mortalidade de peixes, proliferao de algas e o
mau cheiro associado com a poluio das guas (BERTOLOTTI, 2011, p. 240-241). Assim, embora tivesse
capacidade para abastecer de energia aproximadamente 4,5 milhes de pessoas, em 2011, ela abastecia apenas
cerca de 1,2 milho de pessoas. Alm disso, com a atual crise hdrica em So Paulo, a Billings pode aumentar
sua contribuio para o abastecimento de gua. Ver tambm So Paulo (Estado) (2010b) e Capobianco e
Whately (2002).
67
Andando pelo territrio, minha tia Ceclia Jaxuka Guarani chegou aldeia Bananal
em 1900, depois de 400 anos de contato com os no ndios. Ela tinha apenas 10 anos
e j conhecia bem os caminhos. Sua famlia ia at o rio Branco e o Bananal atravs
de um caminho que passava onde hoje est a represa Guarapiranga, que ns
chamamos Guyrapytan ou Guyrapytanga, e os jurua deram o nome de Guarapiranga
porque no conseguiram falar exatamente como os Guarani. Ela [Ceclia] conta que
um dia estavam andando por uma rota Guarani na Serra do Mar perto de onde hoje
a aldeia Tenond Por. Ainda no estava construda a ferrovia Sorocabana,
terminada em 1930. De repente, se surpreenderam com um lago cheio de gua.
Perguntavam-se como de repente a gua cresceu tanto? Isso foi em 1927, quando
fizeram a represa. Mas os Guarani no sabiam. Eles somente seguiam a rota.
Passavam sempre pela margem do rio Pinheiros, por Osasco, sempre caminhavam
pela margem do rio at a regio de Alphaville e seguiam a gua at a regio de
Bauru. Ficaram ali um ms, olhando a gua da represa, esperando baixar. Ento
voltaram por outro caminho para a aldeia Rio Branco. Eles no sabiam o que
significava a gua represada que apareceu de repente na rota Guarani. A partir de
1930, os Guarani comearam a subir pelo rio Capivari, depois passavam pela linha
de trem e j saam perto de onde hoje a aldeia Tenond Por. s vezes ficavam de
dois a trs meses acampados na regio. Desde essa poca j caminhvamos nessa
rea, na direo de So Paulo. O caminho era mais longo e ficou mais fcil atravs
da linha de trem. Foi essa histria que ouvi de dona Ceclia, que morreu com 115
anos. (GAUDITANO; TRONCARELLI, 2006)
A construo do trecho Mayrink-Santos da ferrovia foi finalizado em 1937. Na dcada de 1970, foi
incorporada Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa) e no final da dcada de 1990 foi transferida sob regime de
concesso para a Ferrovias Bandeirantes S.A. (Ferroban). Na dcada seguinte, com as privatizaes, a Amrica
Latina Logstica (ALL) comprou o grupo que detinha a concesso. Atualmente ela opera somente o transporte
de carga at o porto de Santos.
Camila Salles de Faria - 76
agradecimento e a confraternizao entre as famlias para seu preparo e consumo. Alm disso,
impacta o ensinamento para os jovens, uma vez que ele ocorre na prtica da atividade.
Outra obra de infraestrutura, que se iniciou no final da dcada de 1980 e perdurou at
o incio deste sculo, afetando as terras dos Guarani, foi a instalao das linhas de transmisso
Itaber-Tijuco Preto I, II e III, principalmente a ltima, que cortou as terras usadas pelos
indgenas das aldeias Barragem e Krukutu, na atual TI Tenond Por. Suas terras foram
afetadas principalmente pela restrio ao uso dos Guarani na faixa de servido, a qual tambm
resultou no desmatamento, e com isso na fragmentao da mata, dificultando a caa no local
(LADEIRA, 2000).
Na regio noroeste da metrpole paulistana, as obras de infraestrutura que atingiram as
terras dos Guarani foram as construes das rodovias Anhanguera, entregue em 194869, e,
principalmente, dos Bandeirantes, entregue em 197870. Com a construo desta ltima, as
terras usadas pelos Guarani foram cindidas e ficaram inacessveis. Ademais a caa
desapareceu, conforme explicou o Sr. Ari, apontado para a outra margem da rodovia: Ali
tambm tinha algum tatu, alguma caa, no era proibido, e a gente conseguia pegar 71. O que
teve continuidade com a construo do rodoanel Mario Covas, no trecho oeste, entregue em
2002.
H ainda a insegurana diante de outras grandes obras de infraestrutura propostas. No
caso de Parelheiros, em 2013 foi divulgado o projeto do aeroporto privado, prximo vrzea
do rio Embu-Guau, principal formador da represa Guarapiranga, proposto pela empresa
Harpia Logstica. O projeto teve o licenciamento indeferido pela prefeitura de So Paulo, por
estar localizado em rea de preservao ambiental. Porm, em julho do mesmo ano, ocorreu a
autorizao prvia para utilizao do espao areo pela Secretaria Nacional de Aviao Civil,
rgo do Governo Federal. A possibilidade da construo dessa obra mobilizou a populao
local, a qual considerou que deveriam ser priorizadas obras como um hospital pblico,
69
A rodovia Anhanguera oficialmente denominada SP-330. Ela segue at o norte do estado, na divisa com
Minas Gerais, e faz parte do sistema BR-050 (Braslia-Santos). A rodovia foi nomeada em homenagem ao
bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, chamado pelos ndios de Anhanguera, que em Tupi-Guarani
(a'gwea) foi comumente traduzido como diabo velho, porm tambm significa alma antiga.
70
A rodovia dos Bandeirantes oficialmente denominada SP-348. Seu nome uma homenagem aos
bandeirantes que desbravaram o interior do Brasil a partir do litoral no estado de So Paulo. Sua construo
teve incio por volta de 1960, quando a capacidade mxima de trfego da rodovia Anhanguera foi atingida,
levando o governo do estado a construir outra rodovia, paralela, com maior capacidade. Ela liga a cidade de
So Paulo rodovia Washington Lus, dirigindo-se para So Carlos e So Jos do Rio Preto, com acesso, no
km 173, rodovia Anhanguera para Araras e Ribeiro Preto.
71
No Tenond, vivi ali e fui crescendo. Na poca, entre 1972 e 1980, na aldeia era
muito mato ali, rea verde ali no tinha aquelas chcaras, casas, loteamentos, no
tinha nada, praticamente nada. S tinha a estradinha, porque l na Colnia tem a
igrejinha, a nica casinha que tinha era aquela igrejinha que at hoje existe l, e
tinha uma estradinha de terra que passa ali e vai at a Barragem. [...] Aquela estrada
de asfalto era uma estradinha de carroa, na poca no tinha ningum, no tinha
nada ali. Ento ali do lado era mato, do lado da represa era mato, mato mesmo.
Tanto que quando a gente era criana, a gente ia caar ali, caava, pegava maracuj,
fazia armadilha do lado da represa porque era tudo mato, mato mesmo. [...] A
estradinha que tinha para a Colnia a gente s via no fim de semana, um carro, ou
outro porque os pescadores iam pescar na represa. Naquele tempo a gua era muito
limpa, clarinha dava at para ver os peixes no fundo dgua, a gente brincava,
nadava ento eu vivi ali naquela poca. Nesse tempo no tinha muito juru vivendo
ali, de vez em quando, as pessoas achavam o caminho, pegavam a estradinha e no
final viam a aldeia, diziam: Ah, aqui aldeia, ns viemos pescar, a gente pode
deixar o carro a?, a deixava na aldeia, mas o pessoal ia assim mesmo sem saber,
Camila Salles de Faria - 78
As mudanas descritas pelos Guarani passam pelo desmatamento, poluio dos cursos
dgua e ocupao de suas terras pelos no indgenas, por uma forma rural (stios, chcaras) e
posteriormente por um adensamento demogrfico urbano (loteamento), resultando em sua
expropriao. H, portanto, uma presso cada vez maior sobre as terras indgenas, que se
revela como uma alterao de seus usos e um impacto no modo de viver Guarani. Isso resulta
no cercamento (confinamento) e tendencialmente na expulso (direita ou indireta) das suas
terras, as quais no esto demarcadas e por isso eles no possuem sua posse plena, ficando
elas disponveis para a periferizao incessante, dando continuidade ao conflito.
Na prtica, em So Paulo, a partir dessa hegemonia se comps o modelo centroperiferia como uma explicao da cidade, uma viso dual da urbanizao em que
uma produo organizada do espao moderna e industrial se contrapunha a outro
espao, onde apropriao desorganizada do lote se somava a produo precria da
casa prpria por trabalhadores. Por essa interpretao, a localizao destes na cidade
seguia o fluxo dos interesses imobilirios, e grande parte das mazelas de
crescimento da cidade se deviam a essa expanso horizontal desordenada e
perifrica da metrpole paulistana que, segundo urbanistas, era extremamente rpida
e ocorria sem nenhum planejamento.
H ainda que ponderar que a moradia apenas uma das necessidades da reproduo social do trabalhador, pois
no se pode viver sem ocupar espao. Morar uma das necessidades bsicas, assim como comer, vestir etc.
(RODRIGUES, 1988a, p. 49). Mas h ainda os usos relacionados aos momentos de no trabalho, por exemplo.
Camila Salles de Faria - 81
Oliveira (1978, p. 77-78) buscou desvendar uma das formas pelas quais se
constituram os loteamentos na cidade de So Paulo, alm de reforar seu carter de
negcio para o setor imobilirio:
regio. Esse aumento dos preos dos lotes, para os autores, decorreu principalmente da
especulao fundiria, pois
num intervalo de tempo de dez anos, variou entre 100% a 460% dependendo dos
loteamentos, ou seja, os investidores, loteadores ou moradores tiveram, no mnimo,
o capital investido inicialmente no lote valorizado em 100%. (BUENO; REYDON;
TELLES, 2012, p. 75-76)
73
Segundo Burgos (2008, p. 8-9), so trabalhadores sobrantes, porque, nesse contexto de mudanas estruturais
no decurso do processo de modernizao, tornam-se paulatina e massivamente suprfluos aos processos
produtivos.
Camila Salles de Faria - 83
Contudo, Damiani (2005) mostra que no se tratava de uma ausncia do Estado, pois a
partir da dcada de 1970 iniciou-se a construo dos conjuntos habitacionais, e com isso a
regulao do Estado pelo ordenamento do ato de morar.
Para Kowarick (1979, p. 39), na dcada de 1970, esse processo de periferizao
apareceu atrelado ao de espoliao, o qual apresentou contedos especficos para a cidade de
So Paulo, pois com a exploso do preo dos terrenos, a tendncia acentuar a expulso da
populao para as periferias, onde, distante dos locais de trabalho se avolumam barracos e
casas precrias.
No entanto, para alguns, trata-se de uma expropriao parcial, uma vez que o
trabalhador, ao adquirir um lote na periferia, na luta contra o rentismo do aluguel, tambm se
torna proprietrio de terra, mesmo que esta esteja destinada a sua moradia e que se encontre
em constituio/legitimao nos loteamentos irregulares ou nas favelas:
Segundo o Sistema de Informaes para Habitao Social na Cidade de So Paulo (Habisp) (SO PAULO
(Cidade), [s.d.a]), as favelas so espaos habitados precrios, com moradias autoconstrudas, formadas a partir
da ocupao de terrenos pblicos ou particulares. Na cidade e So Paulo, as favelas ocupam uma rea de 24
km2 aproximadamente 1,6% da superfcie do municpio. Caracterizam-se pelos baixos ndices de
infraestrutura, ausncia de servios pblicos e populao de baixa renda. (dados de julho de 2010).
Camila Salles de Faria - 85
A maior parte das favelas ocupa terras pblicas, da Unio, Estado ou Municpio. Em
geral as ocupaes ocorrem nas reas verdes dos loteamentos. Pela legislao em
vigor os loteadores so obrigados a deixar 15% da gleba total para serem utilizadas
como reas verdes. Em geral estas reas que so ocupadas pelas favelas. Na maior
parte das vezes so os locais de maior declividade, as mais insalubres, etc., o que
tambm explica porque as favelas ocupam as piores terras, as que apresentam
maiores problemas de enchentes de desabamentos, e que deixam seus moradores
expostos ao risco de perder seu barraco, quando no sua vida.
surgiram 464 favelas em So Paulo. como se uma nova favela tivesse se formado
na capital paulista a cada oito dias de 1991 a 2000 [...] equivalente a 74 pessoas/dia.
Esse movimento resultou em uma populao favelada total de 1,16 milho de
pessoas em 2000. Elas vivem em 2.018 favelas. (CORRA, 2003)
Segundo o Habisp (dados de julho de 2010), os Ncleos Urbanizados so favelas que j possuem
infraestrutura de gua, esgoto, iluminao pblica, drenagem e coleta de lixo. A rea total de ncleos na cidade
2,54 km2 que representa 10,49% da rea das favelas. (SO PAULO (Cidade), [s.d.a])
Camila Salles de Faria - 86
O Dr. Justiniano de Melo Franco foi ver as terras devolutas em Santo Amaro, a
quatro lguas ao sul da freguesia. Do Ribeiro Vermelho Serra do Mar era tudo
serto devoluto. Por uma picada chegava-se a Itanhaem e pelo Rio Grande podia-se
chegar a Santos. 129 colonos aceitaram as terras na freguesia de Santo Amaro [...]
Em 29 de junho de 1829 realizou-se a cerimnia do sorteio das terras, entre 94
famlias que desejavam estabelecer-se no lugar destinado colnia de Santo Amaro.
[...] A colnia ficou sem intrprete, ningum deu as ferramentas, sementes e animais
domsticos, prometidos para serem pagos posteriormente em dinheiro ou em
espcie. Das prprias datas de terras os colonos no receberam ttulos definitivos.
(BERARDI, 1969, p. 54-56)
seguinte, em 1850, quase abandonada, tendo unicamente quatro ou cinco famlias, porque a
mor parte delas se tem mudado para diferentes lugares, ignorando-se qual a razo de seu
atraso. Segundo o autor, muitos saram do serto de Santo Amaro e foram para
aglomerados urbanos de Santo Amaro.
No sculo seguinte, por volta de 1940, os imigrantes japoneses chegaram ao local, no
por meio da poltica oficial de colonizao, como ocorrido com alemes, mas em busca de
terras particulares, perfazendo o que se denominou de cinturo verde.
Muitos dos japoneses dedicaram-se s granjas, que se mantiveram em funcionamento
at a dcada de 1990. Segundo Fernandes (2008, p. 135),
muitos dos atuais produtores da regio: foram trabalhadores das granjas, das roas
dos japoneses e com o trabalho desgastante que realizavam, foram juntando suas
economias e muitos hoje compraram as terras dos japoneses, em outros casos so
arrendatrios dessas terras h anos.
infraestrutura urbana por parte do prprio governo em rea de proteo aos mananciais, o que
acabou por afastar o mercado imobilirio formal, j que este se vale da aquisio de terrenos
baratos para, depois de implantada a infraestrutura, lotear e revender a preos maiores.
Ao contrrio, os proprietrios ficavam com os terrenos venda, muitas vezes sem
encontrar comprador, principalmente com a expanso da rea urbanizada pressionando
antigas propriedades rurais, que acabavam sendo desativadas. O mecanismo de insero
dessas propriedades no mercado imobilirio clandestino mostrou-se como uma alternativa e
dava-se a partir da aquisio das terras por negociantes que loteavam e vendiam os terrenos
totalmente fora dos padres legais. Venda de final de semana aliada propaganda do boca a
boca para uma populao que se considerava garantida ao pagar o carn com a prestao.
Como refora Baitz (2008, p. 325-326),
Reydon (2005, p. 3) mostraram que os preos das terras nessas reas apresentam baixa
expectativa pelos ofertantes, diferentemente dos loteadores, que
A ela ficou com a tarefa de conter a expanso urbana, embora sozinha, sem uma
gesto preparada para tal misso, evidentemente no daria conta de lidar com a
lgica especulativa do solo que, ao mesmo tempo em que criava novos loteamentos
em reas perifricas, mantinha vazios ou reas subutilizadas especulativas como
reserva de terra esperando valorizao.
A reviso da lei no retira a restrio ao parcelamento em lotes menores, e continua
a presso de proprietrios e empreendedores pela liberao do parcelamento, com o
argumento que isso no ocorre formalmente, ocorre informalmente. (INSTITUTO
SOCIOMABIENTAL, 2008, p. 53)
O parcelamento das terras ficou disposio da criao das leis especficas, por
entender as especificidades de cada bacia hidrogrfica, e antes dessa legislao a urbanizao
Camila Salles de Faria - 92
ocorreu por meio de um Plano Emergencial. A lei especfica da Billings somente foi criada
em 2009 (Lei n. 13.579) e regulamentada no ano seguinte pelo Decreto n. 55.342, de 2010.
A lei, por si s, no tornou as ocupaes regulares, ou seja, no as anistiou. Essas reas foram
classificadas como de interesse social, e s sero regularizadas por meio do Programa de
Recuperao de Interesse Social, e dependero de outras aes do poder pblico, como a
urbanizao e instalao de infraestrutura antes da regularizao fundiria. Alm disso, a
fiscalizao foi reforada. Em 2013, foi assinada uma resoluo pelo Governo do Estado
(SMA n. 25, de 10 de abril de 2013) para continuar com aes desse Programa de
Recuperao. Segundo Ferrara (2013, p. 272), o Projeto Billings buscava reorientar o
crescimento urbano para fora da bacia da Billings com aes simultneas de proteo e
recuperao, em que a qualificao da ocupao precria existente tinha o mesmo peso e
importncia que as alternativas de usos econmicos para a proteo nas reas no ocupadas
intensamente e portanto mais preservadas da bacia.
Para a autora, a morosidade do Projeto Billings deu-se porque faltaram tanto recursos
financeiros para sua execuo como interesse diante da consolidao do Programa
Guarapiranga. A falta de recurso reapareceu no seu plano de desenvolvimento, publicado em
2011, que ponderou no atingir as metas. Segundo a autora, a Lei Especfica da Billings,
embora menos restritiva que a lei de proteo dos mananciais da dcada de 1970, reitera a
noo que a degradao decorrente da ocupao irregular de baixa renda (FERRARA,
2013, p. 291). Dessa forma, como se trata de uma legislao recente, aparentemente ainda no
se vislumbram suas aes, principalmente a de conteno da expanso urbana (SP, 2009).
Atualmente, na rea urbanizada nos arredores da TI, em Parelheiros, as formas de
moradia precria so loteamentos irregulares e favelas.
76
Desse modo, para se conseguir um lote/casa por meio da ATSTSP, era necessrio ir s
reunies, contribuir e formar um grupo, o qual realizava a compra coletiva (por meio da
associao) da gleba rural e a dividia em lotes de 80 m2, 120 m2 e 160 m2.
Marcoccia (2007, p. 65) mostra a irregularidade na formao do loteamento quanto
falta de infraestrutura, como revela a entrevista com Marcos Zerbini:
Cabe ressaltar que, na dcada de 1980, a ATSTSP j tinha atividades na regio noroeste da cidade de So
Paulo, uma vez que a primeira rea adquirida, em fevereiro de 1990, ficava prximo COHAB de Taipas
(Conjunto Residencial Jardim Cana).
78
A autora se refere quantia de R$ 5 por reunio. No site atual da associao, no se fala em pagamento, mas da
assiduidade nas reunies e controle dos horrios, tanto para os movimentos de moradia como da faculdade
(EDUCAR PARA A VIDA, [s.d.]). J uma reportagem de 2010 revela esse pagamento para os movimentos da
faculdade: Meu percurso at a realizao do recorrente sonho de entrar na faculdade levou alguns meses.
Transformada em sem-terra, precisei frequentar oito reunies semanais com dirigentes da associao para
conhecer as regras da entidade. A associao impe disciplina espartana: no se admitem faltas ou atrasos, no
permitido usar o celular, levar acompanhantes ou ir ao banheiro, que fica trancado durante as reunies. As
sesses so iniciadas com oraes. Primeiro um pai-nosso, depois uma ave-maria. Em seguida, instrues mais
mundanas. Fui informada de que s conseguiria o desconto na faculdade se marcasse presena em nove dos 12
encontros mensais da associao. Alm disso teria de pagar a taxa de associado, R$ 84, em trs parcelas de R$
28. (SANCHES, 2010)
79
No caso do Conjunto Habitacional Turstica, os moradores pagaram R$ 900 para que as ruas fossem asfaltadas e R$
200 para colocao dos postes de energia eltrica, segundo Ferreira (2002, p. 35).
construir sua casa era necessrio que cada um lutasse por cidadania, por
infraestrutura e questes afins. [...] Nunca pedimos casa, mas pedimos infraestrutura
bsica para criar um programa habitacional de baixo custo.
Quando a gente foi na Sabesp, na Eletropaulo pedir rede de gua, de luz pra ns,
eles deram risada da nossa cara. No, vocs vo ter que fazer, vocs fizeram o
loteamento. No, no vamos fazer Vo, no vamos...
Outro fato importante refere-se escritura do lote, dizendo que toda rea tem
escritura global. A escritura individual existir depois do loteamento (FERREIRA, 2002, p.
23). Isso se deu porque o imvel rural foi comprado pela ATSTSP ou pela associao que se
formou depois de repartidos os lotes e que passou a ser o proprietrio do loteamento
(conforme cadastro da prefeitura), neste caso a Associao Conjunto Habitacional Turstica
Camila Salles de Faria - 98
(14 rea), em outros, Associao Residencial Bandeirantes (10 rea), Associao Conjunto
Residencial Sol Nascente (7 rea) ou mesmo a Associao de Luta por Moradia So
Francisco de Assis (25 rea). Assim, uma nova associao constitui-se para cada loteamento
formado, que, enquanto no estiver regularizado pela prefeitura, continua como imvel rural
presente no Cadastro do Incra e pagando ITR80. Dessa forma, o proprietrio somente possui
um contrato de compra e venda, ou seja, uma declarao de aquisio do lote e uma cesso de
direito quando se trata de transferncia, que a forma de controle da associao sobre o imvel
(PEREIRA, 2005, p. 60). Indcios desse processo podem ser observados na referida reportagem
de Sanches (2010):
Tal fato pode ser lido pela escritura da 25 rea (EDUCAR PARA A VIDA, [s.d.]),
que mostrou que a ATSTSP comprou, em 2008, da famlia Sbrighi, uma rea de 26.895,10 m 2
embora aparea na escritura em m2, est cadastrado no Incra (sob o n. 638.358.105.767-7)
pelo valor de R$ 941.328,50. Mas, no mesmo ano, o terreno foi doado para a Associao de
Luta por Moradia de So Francisco de Assis. Nota-se que na escritura do imvel no aparece
o nome do vereador, somente de sua esposa, Cleuza Ramos Zerbini, que atualmente responde
pela ATSTSP, embora constem no site de Marcos Zerbini informaes sobre as reas da
associao (MARCOS ZERBINI, [s.d.]).
Portanto, no obstante a constituio dos loteamentos da ATSTSP no seja idntica
quela anteriormente descrita por Oliveira (1978), observam-se estratgias semelhantes. Para
80
Tal afirmao est apoiada no levantamento em campo, bem como no trabalho de Pereira (2005) e em entrevista de
Marcos Zerbini para a TV Alesp.
Pereira (2005, p. 6), embora a ATSTSP seja uma organizao que visa facilitar o acesso
moradia para os trabalhadores, ela tambm reproduz a lgica do mercado imobilirio, j que
individuais de seus lotes (EDUCAR PARA A VIDA, [s.d.]) ou seja, aps quase 20 anos,
seus moradores obtiveram a regularizao fundiria.81
A 23 rea da ATSTSP, localizada prximo a conjuntos habitacionais, diferencia-se
um pouco da lgica de constituio das demais. Ela tambm se refere a uma gleba rural
adquirida pelos futuros moradores em nome da ATSTSP, em 2004. Mas no se trata de um
loteamento e sim de um condomnio residencial de prdios realizado em parceria com a
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Assim, as famlias
deixaram de construir sua prpria casa como nos loteamentos e passaram a recorrer s linhas
de financiamento dos programas estaduais, para a aquisio de seu apartamento de 56 m2, em
um total de 18 torres e 804 unidades habitacionais.82
Uma leitura da ATSTSP revela uma disputa de classe pela propriedade da terra
urbana, e, ao mesmo tempo, realizao ou no da renda capitalizada da terra rural. A
converso da terra rural em urbana poder ou no se realizar nas mos dos trabalhadores. H
ainda a possibilidade de a associao cobrar uma parte pela terra, de forma velada, e no
simplesmente repassar o valor pago ao proprietrio rural e dividido para futuros
proprietrios. Os 10% cobrados pelas transferncias so um pedgio sobre a renda
capitalizada dessa terra.
Assim, a associao uma imobiliria (clandestina) que opera no mercado imobilirio
como agente de compra e venda de terra rural e sua converso em terra urbana,
clandestinamente (ilegalmente), sem ser autuada pelos rgos competentes, em decorrncia de
suas ligaes polticas, e busca dar uma aparncia de legalidade a suas aes por meio da
participao nas associaes criadas para cada loteamento. Alm do mais, ficam claras as
suas finalidades polticas (e at mesmo partidrias, pois por meio dela seu fundador produz
uma forma especfica de curral eleitoral na metrpole), aproveitando-se o problema da
moradia para obter o controle poltico dos eleitores das famlias associadas. Historicamente,
foram transferidos aos moradores pobres os custos de infraestrutura, que so responsabilidade
do proprietrio de terra loteador.
No que diz respeito aos indgenas do Jaragu, sua relao com a ATSTSP no se
resume presena do loteamento Conjunto Turstica do Jaragu e de seus vizinhos, o
81
Na publicao intitulada Transformando sonhos em realidade, h tambm uma foto do deputado discursando
e mostrando a primeira escritura individual da rea (EDUCAR PARA A VIDA, [s.d.]).
82
Um vdeo registra a assinatura de parceria entre o governador Geraldo Alckim e o deputado Marcos Zerbini
diante dos futuros moradores da 23 rea. Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=bDQZ0e1gtw>. Acesso em: 30 maio 2015.
Camila Salles de Faria - 101
loteamento irregular Vila Nova Esperana e o Portal do Jaragu, com seus 2.021 lotes. Ela
tambm diz respeito presso pela compra das glebas rurais nos arredores da atual TI Jaragu
e especulao para a venda da gleba em que h tentativa de expropriao das terras do
Tekoa Itakupe (conflito j citado).
Atualmente, a rea urbanizada nos arredores da TI Jaragu apresentam as seguintes
formas de moradia precria: loteamentos irregulares, favelas e ncleos urbanizados.
Assim como foi feito para a TI Tenond Por, ser feito aqui o mesmo exerccio,
traando-se um raio de 3 km83 a partir do limite atual da TI Jaragu, somente no municpio de
So Paulo. De acordo com os dados do Habisp e da SMDU, nessa rea:
- H 67 loteamentos irregulares, totalizando 776,26 ha. Nos dados do Habisp constam 40
loteamentos irregulares: 1 criado na dcada de 1950; 1 na dcada de 1960; 3 na de 1970; 9 na
de 1980; 22 na de 1990; e 4 nos anos 2000, sendo o ltimo em 2009 (Parque Naes Unidas);
- H 58 favelas com um total estimado de 8.633 domiclios excetuando-se 2, sobre as quais
no constam informaes , tendo sido 7 delas criadas na dcada de 1960; 19 na de 1970; 13
na de 1980; 10 na de 1990; 4 nos anos 2000; e uma em 2013, denominada Ocupao City
Jaragu, com aproximadamente 600 domiclios. Destaca-se uma concentrao da forma favela
ao sul da atual TI. Nota-se que, segundo o Observatrio de Remoes (MAPA, 2013), no h
projeto de infraestrutura e remoo para esse lugar;
- H 11 ncleos urbanizados, nos quais se estima um total de 4.218 domiclios. Desses ncleo,
1 foi criado na dcada de 1960; 7 na de 1970; 2 na de 1980; e 1 na de 1990;
- H 2 obras de interveno pblica do Programa Minha Casa Minha Vida: uma ao sul,
denominada Leo de Jud, com implantao de 113 unidades habitacionais e obras em
andamento; e a outra a nordeste, denominada Vale das Flores, com 63 unidades habitacionais
prevista para 2015. Tambm consta em andamento a obra da CDHU Jaragu que se refere
23 rea da ATSTSP, com 804 unidades. E h o projeto ECON Pirituba, que prev a
construo de 750 habitaes;
- Foi concluda a ao de regularizao fundiria no setor 208 do Conjunto Turstica, com
2.076 famlias beneficiadas, e no ncleo vizinho (Rep. L. 109 a 113 116 a 126), com 138
famlias. Tambm h uma ao de regularizao fundiria em andamento ao sul da TI, no
loteamento Manac II - Quadra 30, com 24 famlias; a leste, no Belm Maria, com 35
famlias, e no Carina Ari, com 25 famlias; e ao norte do rodoanel, no loteamento Sulina, com
210 famlias. H projeto dessa ao ao sul da TI, no loteamento Jaguari, com 106 famlias; a
leste, no Recreio Jaragu, com 78 famlias, e no Chica Luiza, com 15 famlias; e ao norte do
rodoanel, no loteamento Sol Nascente Gleba 4, com 511 famlias;
- Ressalta-se que nos dados da SMDU as duas aldeias indgenas (Tekoa Pyau e Tekoa Ytu)
aparecem como favelas, o que indicia uma anlise baseada nas feies (formas) das
habitaes e no em sua relao com o contedo.
83
A mudana na dimenso do raio justifica-se por ser uma regio com presena de periferia j consolidada,
portanto maior nmero de ocorrncias dessas formas precrias.
Camila Salles de Faria - 103
Nesse sentido, o processo de periferizao pela extenso do tecido urbano continua nos
arredores da atual TI Jaragu, marcado principalmente pela constituio de loteamentos
irregulares, favelas e por uma produo de unidades habitacionais agora regularizadas e com
parcerias com o governo, por meio de financiamentos (CDHU, Minha Casa Minha Vida e
outros).
Dessa forma, a periferia atual no pode ser lida como homognea. Ela tem seus
contedos marcados pelo adensamento das reas existentes, as quais foram obtendo alguma
infraestrutura com o decorrer dos anos e do processo de luta de seus moradores. Ocorre
atualmente a expanso do tecido urbano, em percentuais cada vez menores (pois os dados no
revelam um crescimento expressivo do nmero de moradias precrias, por exemplo). Porm,
diante da presena das glebas rurais, a periferizao est posta como tendncia, e com isso a
fragmentao dessas terras rurais, sua especulao e sua valorizao, mesmo com a legislao
ambiental proibitiva para algumas regies do municpio.
Nota-se que a expanso do tecido urbano nesta ltima dcada fez-se no sentido sudeste
da metrpole, ou seja, na poro noroeste do distrito de Parelheiros (dissipado a partir de
Santo Amaro), e no Jaragu por todos os sentidos, reforando a ideia de cercamento. Assim,
diferentemente dos arredores da atual TI Jaragu, as reas prximas atual TI Tenond Por
so majoritariamente de ocupao rural, embora se reconheam fragmentos de reas
urbanizadas. A partir de dados da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano
(Emplasa), de 2002 (ver mapa 4), revela-se uma presena do tecido urbano nos arredores das
atuais TI, embora eles no permitam uma leitura atual e se houve ou no crescimento desse
tecido urbano. J as bases de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE)
de 2010 (ver mapa 5) permitem uma leitura de indcios desse crescimento, pela caracterizao
dos setores censitrios por ocupao rural ou urbana embora haja uma homogeneizao
dentro da unidade estatstica setor censitrio, o que permite uma anlise limitada dessa
expanso. Ao reunirem-se os referidos dados da Emplasa fotointerpretao de imagens de
satlites dos anos de 2007 e 2014 (ver mapa 6), torna-se possvel demonstrar a hiptese
levantada da expanso do tecido urbano, bem como calcular seu crescimento nos arredores
das TI: para a TI Jaragu, ele foi de 261,4 h de 2002 para 2007, e de 52,6 ha de 2007 para
2014; para a TI Tenond Por, nos mesmos intervalos temporais, respectivamente, ele foi de
258,7 ha e 140,8 ha. Nota-se assim que na ltima dcada esse crescimento totalizou uma rea
de 314 ha nos arredores da atual TI Jaragu e quase 400 ha nos arredores da atual TI Tenond
Por o que revela uma presso sobre as terras dos indgenas.
Mapa 6 Expanso da Mancha Urbana: Arredores das atuais Terras Indgenas na metrpole paulistana
Em razo da rea recebida como doao fazer frente com a rea do Sr. Adgusmar,
ora autor da presente, a Life Ong negociou e adquiriu os direitos possessrios da
rea possuda pelo autor pelo valor de 25 mil, localizada na Rodovia Anhanguera
20.850, inclusive pagando um sinal de cinco mil no dia 10/10/2010 e o restante seria
pago quando fosse distribuda Ao de Usucapio para regularizao do bem. (f. 35)
84
Trs processos judiciais envolvem esse imvel: 1) Ao de usucapio de Adgusmar contra Srgio Salles, n.
055220.91.2011.8.26.010, que corre na 2 Vara de Registro Pblico da Capital. A juza extinguiu o processo
em 6 de maro de 2013, pelo fato de os autores no se manifestaram (f. 150); 2) Ao de Adgusmar de
manuteno de posse contra Jesse de Carvalho Alvico, n. 015921.07.2011.8.26.004; 3) Ao de reintegrao
de posse movida por Srgio Salles contra Adgusmar Luiz Ferreira e famlia, n. 0003308-18.2012.8.26.0004
a este que o texto desta tese se refere.
85
O imvel est registrado pela matrcula n. 62.901 do 18 Registro de Imveis de 1983, em nome de Srgio
Salles (tabelio) e Maria Cristina (Sociloga), com rea de 49.584, 65 m2 (equivalente a 4,9 ha). Em 23 de
agosto de 1983, Sergio era casado com Cristina por comunho parcial de bens, e ambos antes de registrarem a
matrcula (em 24 de junho de 1983) prometeram vender o imvel a Jos Alves de Medeiros e esposa, tendo
deles recebido pagamento. No entanto Sergio separou-se de Maria Cristina, e no ano seguinte Jos Alves cedeu
o direito que tinha do imvel para Srgio Salles, que se tornou titular nico do terreno.
Camila Salles de Faria - 108
Assim, a Life Ong adquiriu um total de rea de 59.000 m2 ou 5,9 hectares, sendo
que nessa rea est inclusa a rea onde o Autor efetivamente reside e posseiro. (f.
36)
At 2012, havia dois barracos de madeira distantes entre si, identificados em imagens
de satlites, mas de difcil localizao e acesso, como relatou o oficial de justia ao intimar os
rus:
Dirigi-me sozinho por essa estradinha de terra e aps longa caminhada, encontrei
dois cachorros de grande porte e muito bravos (embora presos por correntes). Aps
chamamento, ningum apareceu no local. No encontrei qualquer construo at o
local percorrido. (f. 83)
Assim, Adgusmar est proibido desde 2014 de negociar e construir no imvel, e vem
reiteradamente descumprindo a ordem judicial. Isso porque, aos dois barracos de madeira
ento existentes, somam-se duas casas de alvenaria habitadas e outras trs em construo,
promovendo um aumento da ocupao de no indgenas no local. Dessa forma, Adgusmar no
s promoveu o desmatamento do local para a construo das casas, como tambm tomou e
destruiu as terras dos Guarani da atual TI Jaragu. Alm de ter auferido renda capitalizada de
uma terra apropriada privadamente que no lhe pertencia.86
Segundo o gestor do PEJ, essas famlias tm utilizado demasiadamente a gua de uma nascente, situada a
cerca de 1 km do limite do PEJ. Por isso constantemente os guardas ambientais cortam em pequenos pedaos
as mangueiras que os abastecem, o que tem acirrado o conflito entre esses moradores e os funcionrios do PEJ.
Camila Salles de Faria - 109
no se trata apenas de comparar crescimento de distritos, o que generalizaria a anlise 87, foi
necessrio construir um agregado de setores censitrios a partir dos raios de 3 km e 5 km,
acima propostos, visto que a base de 2010 no similar de 2000. Ao mesmo tempo, essa
diferena na quantidade de setores censitrios j indcio de crescimento, ou seja, aumento de
domiclios, pois, segundo o IBGE, os setores so unidades estatsticas definidas de acordo
com o nmero de domiclios: na rea urbana, em sua maioria, de 250 a 350 domiclios; na
rea rural, de 150 a 250 domiclios havendo exceo para setores em TI.
87
Segundo informaes da prefeitura de So Paulo, em 1980 o distrito de Parelheiros contava 31.711 pessoas,
passando para 55.594 na dcada seguinte, para 102.836 na outra e, em 2010, totalizando 131.183 habitantes. J
o distrito do Jaragu tinha populao de 47.416 em 1980, passando para 93.185 na dcada seguinte, 145.900 na
outra e totalizando, em 2010, 184.818. Observa-se, portanto, que em 20 anos suas populaes mais que
dobraram. (SO PAULO (cidade), [s.d.d])
Camila Salles de Faria - 110
Nos arredores da atual TI Jaragu, havia 323 setores censitrios em 2000, que passaram
para 481 setores em 2010, distribudos em dois principais municpios: So Paulo e Osasco 88.
Os de So Paulo eram 242 em 2000, sendo 191 considerados urbanos e o 51 considerados
rurais; eles totalizavam uma populao de 233.663 pessoas, sendo 187.607 habitantes de
setores urbanos e 46.056 de setores rurais. Em 2010, esses setores eram 394, sendo 358
urbanos e 36 rurais; eles contavam 278.799 habitantes, sendo 271.415 de setores urbanos e
7.384 de setores rurais. Tais dados revelam um crescimento do nmero total de setores
censitrios e da populao (44,67%), bem como um decrscimo do nmero de setores rurais e
de sua populao residente no perodo. J os setores censitrios de Osasco eram 81 em 2000,
todos classificados como urbanos, totalizando uma populao de 68.974. Em 2010, eles eram
87, abrigando 62.907 habitantes. Assim, observa-se que, embora tenha ocorrido um aumento
no nmero de domiclios j que aumentou o nmero de setores censitrios , diminuiu a
populao residente no perodo.
Um dos elementos que caracteriza essa populao urbana a renda. A mdia de
rendimento do responsvel pelo domiclio em 2000, entre os setores de So Paulo, era de R$
893,3 (equivalente a 5,91 salrios mnimos da poca)89; em 2010, ela passou para R$ 1.215,4
(equivalente a 2,38 salrios mnimos). J entre os setores de Osasco, em 2000 esse rendimento
era de R$ 541,8 reais (3,55 salrios mnimos); em 2010, era de R$ 819,6 reais (1,6 salrio
mnimos). Caso se considere a mdia de rendimento de todas as pessoas residentes acima de
10 anos no domiclio, esse valor, em 2010 (nico ano em que o censo do IBGE coletou esse
dado), era de R$ 788,47 (1,54 salrio mnimo) em So Paulo, e R$ 565,3 (1,1 salrio mnimo)
em Osasco.
J nos arredores da atual TI Tenond Por, contavam 62 setores censitrios em 2000,
que passaram para 187 em 2010, distribudos em dois principais municpios: So Paulo e So
Bernardo do Campo. Os setores localizados em So Paulo somavam 45, em 2000, sendo
apenas 4 considerados urbanos, e 41 rurais; eles contavam 34.258 habitantes, 31.633 dos
quais residindo nos setores rurais, e 2.595 nos urbanos. Em 2010, esses setores j eram em
nmero de 131 setores, sendo 93 rurais e 38 urbanos; com um total de 36.933 recenseados,
25.798 eram residentes em setores urbanos e 11.195 em setores rurais. Houve, assim, uma
taxa de crescimento de 894,1% da populao urbana, ou seja, ela decuplicou, alm de ter
88
Havia, em 2000, mais quatro setores censitrios em Barueri e um em Santana do Parnaba, que em 2010,
diminuram para trs em Barueri, e o mesmo permaneceu em Santana do Paranaba.
89
90
Segundo Carlos (2001, p. 175), o fenmeno da raridade realiza-se em determinadas reas da metrpole, e se
concretiza na articulao de trs elementos: a existncia da propriedade privada do solo urbano, a centralidade
da rea e o grau de ocupao.
91
as terras indgenas mesmo no sendo atingidas em seus limites, mas em seu entorno,
por empreendimentos pblicos ou privados, por atividades agropecurias ou
ocupao humana vo sendo exauridas em seu potencial fsico-natural de fora para
dentro.
Para a autora, h uma fragilizao dos arredores dessas terras, decorrente do processo
da supresso vegetal que afeta os rios e as nascentes, causando uma reduo dos elementos da
natureza usados pelos Guarani, o que compromete a coleta, a pesca, a caa (impede a
circulao e procriao da fauna) e a rotatividade das reas de roa, por exemplo.
Nesse sentido, o processo de expropriao das terras dos indgenas pela periferizao
revela-se como tendncia. E como tendncia sua realizao pode ser analisada pela forma
persistente da continuidade da periferizao, que se expressa na expanso do tecido urbano e
de seu adensamento populacional, decorrente da existncia de glebas rurais, de seu
desmembramento em lotes cada vez menores, e em sua comercializao, e que pode levar
expulso temporria dos indgenas de suas terras, se estas no estiverem oficialmente
regularizadas (homologadas) e os Guarani no detiverem sua posse plena, garantida pela
desintruso dos no indgenas da TI. Alm disso, h a ameaa do fenmeno do cercamento
92
Isso envolve o sentido do que o ministro Ayres Brito chamou de aculturao embora aqui no se concorde
com o termo na medida em que ele tambm traz a ideia de perda de cultura por uma das partes em convvio,
como se a cultura fosse imutvel, vale analisar o contedo de sua explicao, que remete ao sentido de
somatrio: Equivale a dizer: assim como os no ndios conservam a sua identidade pessoal e tnica no
convvio com os ndios, os ndios tambm conservam a sua identidade tnica e pessoal no convvio com os
no-ndios, pois a aculturao no um necessrio processo de substituio de mundividncias (a originria a
ser absorvida pela adquirida), mas a possibilidade de experimento de mais de uma delas. um somatrio, e
no uma permuta, menos ainda uma subtrao. (Voto do ministro Ayres Britto no julgamento Raposa Serra
do Sol. Disponvel em: <http://www.conjur.com.br/dl/Voto_Britto_Pet3388.pdf>. Acesso em: 30 maio 2015.)
Camila Salles de Faria - 113
das terras indgenas pela periferizao. No intuito de amenizar esse processo na cidade, alguns
instrumentos jurdicos foram criados, como o Plano Diretor Estratgico do Municpio (n.
16.050, de 31 de julho de 2014), o qual reconheceu o direito territorial dos Guarani, no
formato (limites) das atuais TI93, classificando-as como Zonas Especiais de Preservao
Ambiental (Zepam). Na zona Sul de So Paulo, nos arredores da atual TI Tenond Por, a
classificao proposta foi de Zonas de Preservao e Desenvolvimento Sustentvel, visando
manuteno dos espaos rurais pelas atividades da agricultura e de ecoturismo. Contudo tratase de uma legislao recente, portanto ainda no se observa, na prtica, seu efeito.
O processo de expropriao das terras indgenas teve incio com a formao dos
aldeamentos em So Paulo, no sculo XVI, quando colonos e jesutas apropriaram-se,
diretamente, das terras dos ndios, assim como os deslocaram foradamente de outras regies,
por meio do apresamento regido pelos bandeirantes, para as ocupaes denominadas de
aldeamentos.
Dessa forma, para Petrone (1995, p. 105) h uma importante diferena entre
aldeamento e aldeia, em que o primeiro termo se refere a ncleos de origem religiosa ou
leiga criados conscientemente, fruto de uma inteno objetiva, enquanto o segundo se
destina aos agrupamentos espontneos, ou seja, propriamente indgenas. No entanto o prprio
autor expe que o termo aldeia tambm foi trazido pelo colono portugus, remetendo
forma particular de habitat rural concentrado, mas que na nova terra passou a ser utilizado
para indicar as tabas indgenas. Os Guarani mais velhos afirmam que o termo aldeia s
passou a ser utilizado com a chegada dos no indgenas, j que antes eles viviam em
agrupamentos familiares denominados de teyou tapyi, e suas nomeaes davam-se,
principalmente, de acordo com o rio que os margeava ou o mesmo com uma importante
liderana espiritual.
Outra caracterstica das aldeias era a mobilidade. Conforme Monteiro (1994, p. 22),
93
Item VIII do artigo 20: garantia de proteo s terras indgenas, delimitadas e em processo de homologao,
de forma a coibir a ocupao dessas reas at que sua situao seja definida pelo Ministrio da Justia.
Camila Salles de Faria - 114
estas aldeias no constituam povoados fixos e permanentes, pois, aps alguns anos,
os grupos tendiam a mudar-se para um novo local. [...]
Diversos motivos podiam contribuir para o deslocamento de uma aldeia: desgaste do
solo, a diminuio das reservas de caa, a atrao de um lder carismtico, uma
disputa interna entre faces ou a morte de um chefe. Contudo, qualquer que fosse a
razo, a repetida criao de novas unidades de povoamento constitua evento
importante, envolvendo a reproduo das bases principais da organizao social
indgena.
94
Monteiro (1994) revelou que, apesar da existncia de outras aldeias, quatro so claramente identificadas nos
meados do sculo XVI: a aldeia de Inhapuambuu, que abrigaria o Colgio de So Paulo de Piratininga; a
aldeia de Jerubatuba, localizada prximo a Santo Amaro; a aldeia de Ura, onde posteriormente seria fundado
o aldeamento de So Miguel; e outra onde se fundou a vila de Santo Andr.
Camila Salles de Faria - 115
So, pois, os ditos ndios aqueles que vivendo livres e senhores naturais das suas
terras, foram arrancados delas com suma violncia e tirania, e trazidos em ferros
com as crueldades que o mundo sabe, morrendo natural e violentamente muitos nos
caminhos de muitas lguas at chegarem s terras de So Paulo onde os moradores
serviam e servem deles como de escravos. Esta a injustia, esta a misria, isto o
estado presente, e isto o que so os ndios de So Paulo.
Conforme indica Petrone (1995), a legislao sobre a escravido do indgena era mutvel. Em 1570, o rei D.
Sebastio mandou que no se cativassem mais os indgenas, exceto os capturados em Guerra Justa; em 1595 a
lei foi alterada, dispondo que em nenhum caso se fizessem cativos os ndios, a no ser por guerra de provises
particulares. Em 1605 o rei D. Filipe estabeleceu que no se pudessem escravizar os ndios, e em 1609 eles
foram declarados livres, destinando-se seu protetorado aos jesutas e a administrao aos colonos.
96
Conforme Lugon (2010), esse nmero incerto, j que em apenas um episdio foram 15 mil Guarani cativos
narrados pelos padres Maceta e Mansilla. No entanto, o decreto de Felipe V traz o montante de 300 mil
cativos, sendo 60 mil escravizados em dois anos.
Camila Salles de Faria - 117
testamento. Alm do que serviam em todas as atividades, eram vendidos, alugados como mo
de obra, constavam nos testamentos e eram divididos entre os herdeiros, dados em dotes de
casamento ou em pagamentos de dvidas:
Assim, sob essa lgica do processo de colonizao exposta por Petrone (1995, p. 202),
os ncleos paulistanos tornaram-se fornecedores de mo de obra indgena, ou mesmo
reservatrios de motores animados:
Pelo menos durante dois sculos e meio, o ncleo paulistano constituiu-se num
formidvel mercado de mo-de-obra. As frequentes entradas nos sertes permitiram
aos paulistas descerem uma quantidade de indgena que, segundo tudo indica, seria
respeitvel. Os contingentes forados a convergir para os Campos de Piratininga
eram distribudos em parte para os aldeamentos (no incio para os jesutas e em
seguida para os do padroado real) e em grande parte entre os prprios moradores
(especialmente os prprios responsveis pelos descimentos). Alimentavam, dessa
forma, o instituto da administrao e o fenmeno dos aldeamentos.
O Tabelionato de Notas o rgo responsvel na garantia do direito de propriedade, onde estavam registrados
as transaes, procuraes e at de perdes por homicdios forneciam a base legal para qualquer ao
comercial ou litigiosa". Alm deste, havia tambm o cartrio dos rfos menos frequentes nos estudos
destinado a heranas. (MONTEIRO, 1994: 111)
Camila Salles de Faria - 118
considera que os indgenas eram mal remunerados ou nada recebiam, sendo que uma parte de
seu salrio beneficiava o supervisor do aldeamento, alm do pagamento do dzimo a Fazenda
Real:
Tudo quanto o indgena recebesse iria para as mos do diretor, de acordo, alis, com
o Diretrio. Os diretores dividiriam o salrio em trs partes: uma tera parte seria
dada aos indgenas; dos 2/3 restantes, o diretor retiraria uma sexta parte para si, o
restante ficando para conservao da Igreja e sustento do proco.
Monteiro (1994, p. 149) revela uma situao ainda pior para os indgenas na questo
do salrio: uma vez que os prprios colonos os consideravam livres, a remunerao deveria
ser algo corriqueiro, mas no o era, pois, para os colonos, comida, roupa, atendimento
mdico e doutrinao espiritual apresentavam-se como compensao justa e suficiente pelo
servio dos ndios.
Diante dessa situao precria, a fuga do indgena tornou-se frequente, podendo ser
lida como uma forma caracterizada de resistncia ao sistema escravista (MONTEIRO, 1994,
p. 181). Segundo Petrone (1995), as fugas eram punidas com prises e castigos severos.
Mesmo assim, alm das fugas individuais, ao longo do sculo XVIII tambm cresceram os
litgios movidos pelos ndios em prol da liberdade. No entanto, como os aldeamentos
surgiram como liberao das terras dos indgenas, ocorria que quando os indgenas expulsos
de suas terras a elas voltavam, seja pela fuga ou pela alforria de fato, elas podiam estar
ocupadas e apropriadas privadamente por um colono.
Alm disso, alguns aldeamentos tiveram suas terras invadidas e tomadas por
colonos, tambm resultando na fuga dos indgenas. Isso porque os aldeamentos, como
sesmarias concedidas aos indgenas por direito, no garantiam de fato seu domnio sobre a
terra, j que na posio de tutelados estes eram acondicionados pelo municpio, capitania ou
ordem religiosa. Durante a segunda metade do sculo XVIII, em seguida ao confisco dos
bens dos jesutas, as terras de todos os aldeamentos passaram, na prtica, a ser controlada pelo
governo da Capitania (PETRONE, 1995, p. 299). No entanto, segundo Petrone (1995), isso
fez com que se agravasse a quantidade de aforamentos das terras dentro dos aldeamentos, o
que no ocorria quando os jesutas eram responsveis. Dessa forma, a apropriao privada das
terras pelos colonos nos aldeamentos foi concedida, mediante pagamento, por aqueles que no
as possuam de fato. Assim, a terra tornou-se alvo de disputa entre cmara e capitania, visto
que se transformou em fonte de renda por meio do aforamento, para o qual utilizavam como
argumento o fato de que os indgenas no as cultivavam, haviam abandonado o local ou se
Camila Salles de Faria - 119
achavam confundidos com a massa da populao. Ainda segundo o autor, as terras tambm
eram simplesmente ocupadas por intrusos e at mesmo vendidas. Tudo isso gerou, nos
aldeamentos, uma exiguidade de terras para o plantio e sustento do prprio indgena aldeado.
No entanto, houve algumas tentativas de devolver as terras dos indgenas: no final do
sculo XVIII, no governo de Morgado de Mateus, por meio das demarcaes dos
aldeamentos; depois, no incio do sculo XIX, com o Plano Rendon, no governo de Melo
Castro e Mendona.
Embora o Plano Rendon tivesse como objetivo a civilizao e catequese dos ndios,
seu documento base intitulado Memria sobre as aldeias de ndios da Provncia de S.
Paulo, segundo as observaes feitas no ano de 1798 e realizado por Jos Arouche de Toledo
Rendon, ento diretor geral dos ndios apresentou a situao de extrema violncia qual os
indgenas eram submetidos nos aldeamentos da provncia de So Paulo. Dentre as violncias
sofridas estava a tomada de suas terras com o consentimento dos responsveis para o bemestar dos indgenas:
os Ouvidores foram to pouco zelosos dos bens dos ndios, que pelo contrrio foram
eles que determinaram que se lhes tirassem as terras concedidas para suas lavouras.
[...]
Todas as aldas tiveram terras, que lhes foram concedidas para a lavoura dos ndios.
A de S. Miguel teve 6 lguas; a de Pinheiros outras seis: ambas as datas em uma s
sesmaria concedida pelo Donatrio Pedro Lopes a 31 de outubro de 1580, vinte anos
depois da fundao da vila de So Paulo. A de Baruery teve trs lguas de terras. E
posto que ainda encontrei esta sesmaria, ela contudo consta de uma Proviso do
Governador Geral, de 3 de junho de 1656, em que Procurador dos ndios de Baruery
a Joo Fernandes, e determina se meam as trs lguas de terras que tem os mesmos
de uma e de outra parte do rio, e se lancem fora os que nelas se acharem intrusos.
A da Escada teve suas terras que lhe doou o fundador da aldeia. Ignoro as que tem a
de S. Jao de Peroibe; mas pelo menos deve ter uma lgua, que no caso de no ter
outras lhe devia ser dada em observncia do Alvar de 23 de novembro de 1709,
pelo qual sua Magestade mandou que se desse a cada alda, tendo 100 casaes, uma
lgua de terra em quadra, tirando-se se necessrio fosse, de qualquer outro sesmeiro
vizinho alda, executando isto os Ouvidores sumarissimamente sem ateno a
repugnncia das partes.
Creio que as duas aldas da Escada e de Periobe sero as nicas que ainda tem terras
para a lavoura dos ndios; a 1 pelas continuadas proibies que tinham os Padres
Superios de aforar as terras seculares; a 2 no s porque teria as mesmas proibies,
como pela falta de povoadores da vila de Itanhaem, em cujo distrito fundada.
As mais aldas umas tm muito poucas terras de lavoura, e outras nada, sem
exceptuar da generalidade desta regra a mesma de S. Miguel, que estando sujeita a
legislao das actas da Cap. Provincial, assim mesmo sofreu o que sofreram as de
Pinheiros, Baruery e Guarulhos. (RENDON, 1842, p. 300,309-310)
Outra tentativa de restituio das terras dos aldeamentos para os indgenas ocorreu por
meio de ofcio de Jos Joaquim Machado de Oliveira ao presidente da provncia de So Paulo,
Notou-se que intrusos se haviam apossado das terras concedidas aos seus
ascendentes, e que de direito lhes pertenciam: para reivindic-las nomeou-se um
Advogado, que pouco ou nada tem feito, visto no haver quota consignada para
despesas com os competentes processos: duvido mesmo da eficcia de tal meio; pois
quem a chicana de nosso foro, as delongas e inmeras dificuldades inerentes a esta
espcie de aes, ainda quando movidas pelas prprias interessadas, no tem razo
de esperar grande coisa, sendo as partes uns pobres ndios. (SO PAULO
(Provncia), 1848, p. 14)
Os terrenos patrimoniais desses infelizes, diz seu direito em seu relatrio, foram
desde longa data invadidos e usurpados pela prepotncia e imoralidade, contra as
quais nenhuma ao tem exercido a justia. (SO PAULO (Provncia), 1870, p. 36)
Existem ainda os dos Pinheiros, Mogy, Carapucuhyba, Baruery, S. Miguel,
Itaquaquecetuba, Escada e S. Joo de Queluz.
Estes, porm, mal merecem o nome de aldeamentos visto os indgenas, que ali
residiam foram esbulhados dos terrenos que, h longo anos, formavam seu
patrimnio, sem que ningum tratasse de promover sua reinvindicao em favor dos
mesmos indgenas. (SO PAULO (Provncia), 1871, p. 27-28)
em:
aldeamentos extintos em terras devolutas, repassadas para os Estados. Assim, a autora salienta
que os aldeamentos extintos o foram, na maioria dos casos, de forma fraudulenta e abusiva,
os ndios que permaneciam nessas terras foram espoliados (CUNHA, 1987, p. 75).
Os relatrios Assembleia Legislativa Provincial de So Paulo, ao longo das dcadas
do sculo XIX, retrataram o conhecimento das autoridades sobre esse processo expropriao,
sua conivncia e o pedido de extino dos oito aldeamentos a partir de 1886, reafirmado em
1887 com o intuito de aforar ou vender essas terras (artigo 11 da Lei n. 114, de 27 de
setembro de 1860).
Para Cunha (1987, p. 71),
99
Carta
de
Sesmaria
de
31
de
outubro
de
1580.
Disponvel
em:
<http://transfontes.blogspot.com.br/2009/11/carta-de-sesmaria-de-31-de-outubro-de.html>. Acesso em: 2 maio
2015.
100
Informao Tcnica n. 180, de 3 de agosto de 2011, presente no processo de reintegrao de posse movido
por Antonio Tito Costa (f. 426).
Camila Salles de Faria - 123
Essas
empresas
foram
responsveis
pelo
projeto
implantao
dos
A enfiteuse, de acordo com o direito romano, ocorre quando a propriedade pertence a outrem (a Unio, no
caso presente); o enfiteuta exerce o poder de fato, detm a coisa, mas no a possui. Ocorre quando o
proprietrio por contrato ou disposio de ltima vontade, atribui a outrem (o enfiteuta) o domnio til de um
imvel mediante o pagamento de uma penso anual chamada foro. (SANTOS, 2006, p. 74) Neste caso,
quando a Unio proprietria das terras ela pode outorg-las a algum com a cobrana do foro. O enfiteuta
passa o domnio til de 83% da rea por hereditariedade, ou por venda, o restante continua sendo da Unio. O
foro deve ser pago anualmente correspondendo a 0,6% do preo da transao (dividido em at 10 parcelas). No
caso de venda do domnio til, a Unio cobra laudmio: 5% do preo da venda do imvel pelo preo de
mercado. Assim, o transmitente vende apenas o domnio til do imvel com a concordncia do titular do
domnio pleno (a Unio), ficando o adquirente como foreiro, com a obrigao de pagar foro anualmente e
laudmio quando se transferir o domnio.
Camila Salles de Faria - 127
Assim, esses projetos consolidaram a apropriao privada das terras dos indgenas do
aldeamento de Barueri, os quais h muito tempo j haviam sido expropriados e expulsos de
suas terras. Embora a propriedade pertena Unio, h diversas disputas judiciais para anulla e transformar os atuais foreiros em proprietrios privados, o que resultaria no contnuo do
processo de constituio da propriedade privada capitalista por meio da apropriao privada
das terras pblicas103.
103
Guerra (2013) menciona o nmero de aproximadamente 20 mil processos de moradores de Alphaville contra
a cobrana de foro e laudmio e a criao, em 2005, de uma Comisso contra o Aforamento, atrelada
Associao Residencial e Empresarial Alphaville.
Camila Salles de Faria - 128
Algumas histrias dos Guarani que atualmente moram nas TI de So Paulo tambm
revelam a expropriao de outras terras em parte de seu territrio (Yvy Rupa), salientando que
no se referem a uma violncia especfica da metrpole paulistana, mas do confronto de duas
lgicas diferentes de ocupao, a indgena e a capitalista. Duas delas sero aqui explicitadas,
no por serem as mais evidentes, mas por terem emergido no caminho investigativo desta
tese. Uma delas refere-se famlia de Dona Bernarda, moradora da aldeia Barragem da atual
TI Tenond Por, e a outra de Sr. Miguel, morador do Tekoa Pyau na atual TI Jaragu.
A famlia de D. Bernarda foi expropriada da aldeia Okoy-Jakutinga, localizada na
margem esquerda do rio Paran. Nesse lugar, onde nasceu, presenciou na dcada de 1970 as
tentativas do Incra de retirar as famlias e as ameaas decorrentes do alagamento de suas
terras pela construo da barragem de Itaipu. Maria Lcia de Carvalho (2013, p. 329) narra a
violncia desse processo:
Em 1973 parte das terras dessa aldeia foram invadidas por representantes do Incra,
armados, os quais expulsaram os Guarani, sendo seu lugar, ali reassentados colonos
que haviam sido obrigados a se retirar do Parque Nacional do Iguau. A parte
restante do territrio, onde os Guarani ficaram reduzidos entre o rio Paran e os
colonos que ocuparam suas terras, foi mais tarde coberta pelas guas do reservatrio
da Usina Hidreltrica de Itaipu em 1982.
Assim como a famlia de Dona Bernarda, outras famlias de Guarani que moravam em
agrupamentos ao longo do rio Paran (da antiga Sete Quedas, no municpio de Guara, at Foz
do Iguau) foram expulsas pelo alagamento. Muitos reclamaram do desconhecimento da ao,
outros viram seus parentes sendo mortos porque se negaram a sair e a maioria foi levada
fora para o Paraguai ou mesmo para o Mato Grosso Sul, na outra margem do rio.
Conforme contam os Guarani mais velhos da regio do oeste do Paran,
principalmente o Sr. Damsio, do Tekoha YHovy, a destruio gerada pela usina de Itaipu
no foi somente material, pelo desaparecimento das aldeias onde os indgenas viviam, mas
tambm espiritual, porque inundou os cemitrios e dois lugares sagrados (as Sete Quedas e,
em Foz do Iguau, o local denominado pelos indgenas de ita ipy p [literalmente, pedra
plana para ficar em p]) onde acreditavam que poderiam atingir a terra sem males.
O Sr. Miguel104 e sua famlia tambm sofreram a expropriao de suas terras, quando
na dcada de 1980 saram da aldeia Pai Matias, na atual TI Tenond Por, e foram morar com
os sogros Liberato Esquivero e Maximiniana Almeida Tatax, na aldeia Corveta II105, tambm
conhecida pelos Guarani por Tekoa Kuriy106, no municpio de Araquari (SC). Seus sogros
moravam prximo a um local denominado Corveta I, que hoje tem a denominao de Tekoa
Tarum, homnima TI, e assim conheciam e j usavam a rea da atual aldeia. Conforme
conta o Sr. Aristides, genro do Sr. Liberato, a mudana para Corveta II ocorreu com ajuda de
um padre, com uma Kombi, a mesma que ainda possui, utilizada para tarefas da fundao107,
e de uma paroquiana (ex-vereadora do municpio). Nota-se que ambos (o padre e a
paroquiana) levaram os indgenas a um terreno que no lhes pertencia e, conforme ressaltou o
Sr. Miguel, deixou eles entrar l.
O Sr. Miguel conta que morou aproximadamente sete anos na aldeia Corveta, quando
tiveram de deix-la de forma repentina. Lembra que fizeram o plantio e no puderam colher:
plantamos muita mandioca, mas perdemos tudo, porque tiraram a gente de repente. A gente
no esperava.
J o Sr. Aristides, atual cacique da aldeia Tarum Mirim, discorreu sobre as ameaas
que sofriam, justificando a sada do local:
Assim, em 1989 os Guarani foram expropriados de suas terras, que foi vendida a uma
importante empresa txtil da regio, a qual plantou eucalipto para seu abastecimento
104
A entrevista do Sr. Miguel foi realizada em fevereiro de 2015 no Tekoa Pyau. Uma cpia de um vdeo
intitulado Araquari, feito pelo professor Luiz Carlos Bernardi da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) em 1987, registrando a aldeia em questo (Corveta II), mostra o Sr. Miguel. Conta o professor que a
filmagem ocorreu a pedido do ento prefeito Heinz Krelling, e era apresentada aos alunos das escolas
municipais como material didtico. Mesmo assim, todos os envolvidos no processo judicial (uma paroquiana,
representantes da empresa, vizinhos e testemunhas arroladas) negam a existncia dos indgenas naquelas terras.
105
Essa histria consta no RCID da TI Tarum, coordenado por Maria Janete de Carvalho, no Relatrio
produzido por Maria Dorothea Post Darella, de 1999, e no Laudo Pericial de 2014, oriundo do processo de
ao comum ordinria n. 2009.72.01.005799-5 1 Vara Federal e JEF Cvel de Joinville/Subseo Judiciria
de Joinville/SC.
106
107
O prprio padre confirmou essa informao, durante entrevista realizada em fevereiro de 2014.
Camila Salles de Faria - 130
energtico108. Conforme Darella (1999, p. 154), os ndios foram expulsos por jagunos, e
depois de sarem ateou-se fogo a suas casas:
A fazenda Araquari uma das oito reas da empresa para produo de eucalipto, e representava menos de
0,5% do faturamento anual de 2008. Ver o Comunicado aos Acionistas, disponvel em:
<http://siteempresas.bovespa.com.br/DWL/FormDetalheDownload.asp?site=C&prot=213950>. Acesso em: 7
maio 2015.
109
Paraba). Durante esse perodo, uma parte da famlia deslocou-se para uma aldeia em Itaja
e depois voltou para a Corveta I, outra foi para Paranagu e depois retornou para a aldeia
Pira110, e outra foi para a aldeia Reta (municpio de So Francisco do Sul - SC).111
O processo de expropriao dessas terras esparramou a famlia extensa de Sr. Liberato
e Maximiniana, os quais vieram a falecer pouco depois. Isso promoveu sua desagregao e
um esfacelamento da base da organizao sociopoltica Guarani. Como salientou o Sr.
Miguel: depois que todos sumiram, fiquei desorientado, meu pai morreu, minha me morreu
e vim pra c, referindo-se aldeia Barragem.
Vale ressaltar que a violncia intrnseca ao processo de expropriao das terras dos
indgenas no se resume ao ato de sua expulso, da fragmentao e reduo de seu territrio.
Ela vai alm, podendo atingir todos os aspectos do ser Guarani, como mostrado nos dois
exemplos acima, como seu desgaste espiritual, decorrente da relao de pertencimento a essa
terra, e o esfacelamento sociopoltico, com a disperso dos membros familiares. Alm disso, o
ato de expulso seguido pela chamada limpeza do terreno traz a estratgia de apagar os
vestgios da presena Guarani e refora o discurso de sua negao e de sua inexistncia, o que
acarreta a reduo de seus direitos, sobretudo o territorial. Produz-se uma ideologia de cunho
poltico/econmico, conforme Brighenti (2010), em que os Guarani se tornaram estrangeiros
em suas terras, sendo pejorativamente designados de paraguaios. A isso se soma o fato de
que na metrpole paulistana h um processo de invisibilidade dos Guarani, que aparentemente
compem a multiplicidade da massa populacional que fragmentariamente nela habita.
110
Nota-se que a formao da atual aldeia Pira ocorreu na dcada de 1970 quando o padre supracitado convidou
a parentela de Francisco Quirimaco para residir em terras de seus antepassados. No entanto, somente em junho
de 1980 o padre firmou contrato de compra e venda com o Domnio Dona Francisca Ltda. para regularizao
da rea, que totalizava 8,59 hectares. Isso quer dizer que ele trouxe os indgenas para a rea sem ser seu
proprietrio. E foi nessa mesma dcada que se iniciaram as tentativas de expropriao dos indgenas dessas
terras.
111
Em fevereiro de 2014, em trabalho de campo, esse terreno foi localizado, bem como Deolinda, esposa de
Paraba, que cedia gua aos ndios. Essa senhora e outro vizinho conduziram-nos at o lote onde os Guarani
residiram, ao qual a comunidade local chama de terreno dos ndios. Ele se encontra cercado por construes,
em decorrncia da expanso da periferia da cidade, e nele h uma pequena mata em regenerao com a
presena de espcies importantes para a cultura Guarani e que sinalizam sua ocupao, como o jeriv (pindo) e
o cip imb (guembe).
Camila Salles de Faria - 132
APONTAMENTOS
SOBRE
FUNDAMENTO
DO
PROCESSO
DE
tomou posse do territrio brasileiro por aquisio, isto , por direito de conquista.
Por essa razo, todas as terras descobertas passaram a ser consideradas como terra
virgem sem qualquer senhorio ou cultivo anterior, que permitiu que a Coroa pudesse
traspass-las a terceiros, visando com isso assegurar a colonizao. (ABREU, 2011,
p. 543)
A par do debate sobre o capital mercantil no Brasil, este deve ser aqui entendido de uma forma ampla, que
abrange as relaes comerciais (baseadas na especulao), a colonizao por explorao e, com isso, a
acumulao de riqueza entre a metrpole e a colnia.
Camila Salles de Faria - 133
Segundo Glezer (1992, p. 138), houve um intervalo de 1699 a 1724 em que a cmara perdeu o direito de
conceder datas de terras em seu termo.
Camila Salles de Faria - 134
Dessa forma, as terras urbanas, j delimitadas pelas 6 lguas de raio onde vigorara a
Dcima Urbana115, eram divididas em reas cedidas a particulares e o rocio (ou rossio, como
consta em documentos da poca):
o rocio de uma vila ou cidade no deve ser confundido com o termo, em geral com 6
lguas de raio (cerca de 40 km), que era a rea da jurisdio do Conselho. O termo
inclua, alm do rocio, propriedades particulares (reas j doadas em sesmarias) e
terras desocupadas ou devolutas que legalmente se constituam em propriedade do
Governo Central ou Provincial. (BRITO, 2006, p. 58)
As terras do rocio de So Paulo se estendiam a partir da matriz da freguesia da S,
em um permetro circular formando por um raio de meia lgua ou,
aproximadamente, 3 km. Para as demais povoaes, sedes de freguesias, era
destinado um permetro menor, com raio de de lgua. (SIMONI, 2009, p. 5)
O rocio era composto por terras de uso comum dos habitantes e outras destinadas
expanso urbana, denominadas no sistema portugus de baldios e tambm conhecidas no
Brasil como logradouros pblicos. Eram inalienveis e usadas para pastagem, lavoura,
extrao de madeira, coleta de lenha, ou seja, destinavam-se serventia do povo ou para
utilidade pblica e proveito comum (ABREU, 2011, p. 541).
Segundo Ribeiro (2011), o rocio no tinha uma demarcao clara em So Paulo at
meados do sculo XVIII. Declarado em 1598, e confirmado em 1724, mantinha problemas
com sobreposio de reas de sesmarias j concedidas. O documento de 1598 estava
incompleto, mas revelou sua demarcao por meio de quatro marcos colocados nos
principais caminhos que irradiavam do ncleo urbano. As divisas eram o crrego Cambuci,
o rio Tamanduate, seguindo depois pelo Tiet e rio Pinheiros, depois era o marco colocado
no caminho de Pinheiros, atual rua da Consolao. Em 1724, a rea foi reduzida, por meio da
Carta do Marco de Mia Lgua (aproximadamente 3 km de raio):
114
Alm da enfiteuse, Glezer (1992) cita a existncia de outra forma de tributo: o fateusim, uma espcie de
aforamento perptuo, que no fixava tempo, presente no Alvar de 23 de julho de 1766, do qual a autora no
localiza ocorrncia em seus estudos sobre So Paulo. No entanto, a enfiteuse exigia uma durao temporal, o
que tambm poderia ser perptua.
115
Imposto Predial criado em 1808, o qual tinha como objetivo aumentar a renda pblica, j que atingia grande
parcela da populao, inclusive os inquilinos. Tornou-se o referencial de delimitao da rea especificamente
urbana no perodo imperial (GLEZER, 1992). A autora consultou o livro de registro da Dcima Urbana em
1809, o qual continha 1.288 propriedades cadastradas em 56 ruas, das quais 107 propriedades foram
consideradas sem valor, no sendo taxadas. Ela ressalta a presena da desigualdade expressa na cidade no
perodo.
Camila Salles de Faria - 135
Somente em 1769 foram colocados os Marcos de Mia Lgua nos caminhos que
irradiavam do ncleo central. Para o norte, em direo a Santana, na Rua
Voluntrios da Ptria, na paragem do areal, prximo ao Carandiru. Para o sul, no
caminho do Ipiranga, (comeo do caminho do Mar) e do Ibirapuera (depois do
Carro, que ia para Santo Amaro, na direo da Av. Liberdade, Rua Vergueiro e Rua
Domingos de Moraes. Para Leste, em direo Penha, na atual Celso Caria, no lugar
conhecido como marco. Para oeste, no caminho de Pinheiros. (MONACO, 2004,
p. 44)
No fim do sculo XVIII, com o grande nmero de concesso das cartas de datas e do
comrcio de terras entre particulares116, ou mesmo do crescimento da populao, o rocio se
apresentava ainda suficiente para atender s necessidades da populao local. Mesmo pelo
fato de que alguns concessionrios vendiam o direito que teoricamente era extensivo a todos,
queles que no conseguiam obt-lo junto Cmara. (BRITO, 2006, p. 79).
A partir de 1830, com o Regimento Interno da Cmara e o Regulamento para
concesso de Cartas de Data, houve alteraes no formato da concesso da carta de data, que
deixou de ser gratuita e passou a ser por enfiteuse (aforamento), com carter perptuo,
transmissvel por herana, doao, troca, arrendamento ou compra e venda. Sendo que a
nica forma legtima de acesso privado s terras dos rocios era a concesso do Conselho, no
sendo permitido edificar nem apropriar-se de terreno seno por meio de Carta de Data
(BRITO, 2006, p. 82). Alm disso, cada indivduo poderia obter somente uma carta de data,
cujas dimenses foram significativamente reduzidas (10 braas de frente). Assim, o que
ocorreu foi que o indivduo solicitava o documento em nome alheio e, em seguida, vinha a
adquiri-lo por compra, o que transformou as terras de uso comum em terras privadas, em um
processo caracterizado pela concentrao e pelo favorecimento de determinados interesses,
dentre os quais se destacou o poder local.
116
Segundo Glezer (1992, p. 120), as terras e propriedades urbanas eram compradas e vendidas desde o sculo
XVI, podendo ser negociadas livremente.
Camila Salles de Faria - 136
117
Acrescido ao arrendamento havia a renda obtida pelo aluguel, j que, para a autora, em 1886, 70% dos
domiclios paulistanos eram alugados (BRITO, 2006). Sendo assim, a edificao para o aluguel era um grande
negcio para os capitalistas da poca.
Camila Salles de Faria - 138
mesmo adotado pelos grileiros. Inclusive porque os maiores deles estavam estreitamente
vinculados s instncias de poder (BRITO, 2006, p. 106).
Este tema foi construdo a partir da pesquisa de mestrado finalizada em 2008, a qual deu continuidade a outro
projeto de pesquisa, que vem sendo realizado em conjunto com Ariovaldo de Oliveira desde 2009,denominado
Atlas da Terra do Brasil, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
(CNPq). Parte desse debate resultou na publicao conjunta do texto O processo de constituio da
propriedade privada da terra no Brasil (OLIVEIRA; FARIA, 2009), e posteriormente no relatrio da pesquisa
intitulada Recuperao de Terras Pblicas e Modernizao do Registro de Imveis, proposto pelo Ministrio
da Justia e realizado em parceria com o Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (CEBRAP) de So Paulo
e a Universidade Federal do Par (UFPA), nos anos de 2011 e 2012 (OLIVEIRA; SALLES; HOLLANDA,
2012).
Camila Salles de Faria - 141
estivessem no Brasil, ou que para a fossem depois. A segunda permitia que ele
nomeasse oficiais de justia, necessrios tomada de posse e governana da terra.
A ltima, enfim, dava-lhe poder para doar sesmarias s pessoas. (ABREU, 2011, p.
543-544)
119
As Ordenaes eram as formas jurdicas do Imprio Portugus e abrangiam todas as suas colnias. As
primeiras foram as Afonsinas (1446), modificadas pelas Manuelinas (1511-1512) e alteradas por sua vez pelas
Filipinas (1603).
Camila Salles de Faria - 142
fazendo com que o rei reafirmasse atravs da Carta Rgia de 1697 sua posio quanto ao
tamanho e localizao das sesmarias:
Por me ser presente pelos requerimentos que aqui me fizeram algumas pessoas neste
Reino para lhes confirmar datas de terras das sesmarias concedidas em meu nome
pelos governadores desse Estado, o excesso com que as concedem na quantidade das
lguas e ainda sem stio determinado, impossibilitando a cultura das ditas terras com
semelhantes datas, me pareceu mandar-vos advertir que somente concedais as
sesmarias de trs lguas, em comprido e uma de largo que o que se entende pode
uma pessoa cultivar no termo da lei porque no mais impedir que outros povoem e
que os que pedem e alcanam no cultivam.
Para Ruy Cirne Lima (2002) houve uma mudana na implantao do sistema de
sesmarias no Brasil, que acabou criando uma legislao especfica, a qual fundamentou a
estrutura latifundista do Brasil Colnia e trouxe a influncia dominialista para o direito
agrrio:
Assim, para Souza Filho (1998, p. 59), reforou-se a concesso de grandes pores de
terras, a consolidao do latifndio e a manuteno do poder de elite, em detrimento da
ocupao pelos indgenas:
O belo ideal de 1375 de fazer da terra fonte de produo nunca foi exportado para o
Brasil, as sesmarias geraram terras de especulao, poder local, estrutura fundiria
assentada no latifndio e, ainda pior, o desrespeito aos povos indgenas. (SOUZA
FILHO, 1998, p. 59)
e filhas, de crianas que estavam no bero e das que ainda estavam por nascer.
(SILVA, 1996, p. 45)
Tendo em vista que o pagamento do foro no incidia sobre a produo, mas sobre as
terras (ao contrrio do dzimo), compreende-se que um dos objetivos visados pela
metrpole era desestimular os sesmeiros a manterem sob seu domnio terras
improdutivas. Uma das consequncias imediatas da instituio do foro foi a
necessidade de autorizao do governo para a transmisso da concesso. (SILVA,
1996, p. 49)
Mas o Alvar de 1795 foi suspenso no ano seguinte, e as cartas de sesmarias passaram
a ser confirmadas pelo Conselho Ultramarino e demarcadas e registradas nos Livros de
Registros de Cartas de Sesmarias at 1822, com o fim desse sistema de concesses de terra e
tambm pouco tempo antes da independncia do Brasil. Nesse sentido, a sesmaria foi o
sistema jurdico que sedimentou a propriedade legal da terra, por meio de um documento que
referendava a propriedade para alguns, em detrimento de outros. (MOTTA, 2009, p. 219)
Uma exceo notvel parece ter sido o caso da comarca de So Paulo. Conquanto as
dificuldades para se estabelecer exatamente o tamanho e a localizao das sesmarias
concedidas sejam as mesmas que para o resto do pas, existem indcios de que as
Camila Salles de Faria - 145
sesmarias distribudas ali foram menores do que as demais. Tinham em regra cerca
de uma lgua quadrada ou at meia lgua quadrada. Somente a partir do sculo XVII
as reas concedidas aumentaram um pouco, mas continuavam menores que nas
outras regies, tanto que Taunay afirma que o latifndio s surgiu, em So Paulo, no
sculo XIX, com a lavoura de caf. Ainda sim, nos primrdios da colonizao, Brs
Cubas recebeu uma sesmaria que abrangia boa parte dos municpios atuais de
Santos, Cubato e So Bernardo.
Assim, Silva (1996), Martins (1998, 1980) e Motta (2008, 2009) revelaram a
consolidao de uma elite agrria, que depois de 1822 se tornou a base da poltica local,
ressaltando a desigualdade ao acesso a terra, pautado na consolidao de propriedade privada
plena e absoluta da terra garantida com um direito individual, podendo seu proprietrio us-la
ou no. Conforme se tornou mais claro nos artigos da Constituio Imperial de 1824, que
garantiu tal propriedade em toda sua plenitude como direito, sem limites e sem a
obrigatoriedade do cultivo.
No entanto, ressalta-se que nesse perodo o escravo era a principal propriedade
privada, pois
Para Martins (1998, p. 26-27), a importncia econmica nessa poca estava na figura
do escravo, uma propriedade mvel, pois o principal capital do fazendeiro estava investido
na pessoa do escravo, imobilizado como renda capitalizada [...] o trabalhador era um bem
precioso. Assim, com a proibio do trfico negreiro, os preos se elevaram quase o dobro.
Como o preo do escravo era fundamento das hipotecas, isso representou desde logo um
grande aumento no capital disponvel para o fazendeiro. Portanto, para ele
a dupla funo da escravatura, como fonte de trabalho e como fonte de capital para o
fazendeiro, suscitava, na conjuntura de expanso do crdito dos cafezais, o problema
de como resolver a contradio que nela se encerrava. Objetivamente falando, a
soluo inevitvel seria abolio da escravatura. (MARTINS, 1998, p. 28)
Para Lima (2002, p 58) se nos primrdios da colonizao as posses eram pequenas
pores de terra destinadas ao cultivo efetivo, foi nessa fase, aps 1822, que elas se
impregnou [impregnaram] do esprito latifundirio e se transformaram em fazendas inteiras
e lguas a fio. Rapidamente se multiplicou a compra e venda dessas posses. Assim, vlido
ressaltar que o regime de posse anterior a esse perodo, o que levou Martins (1980, p. 71)a
afirmar que durante o regime de sesmaria a posse tinha um cunho subversivo, j que a seleo
para sua concesso era racialmente seletiva, contemplando homens de condio e de sangue
limpo, mais do que senhores de terras, senhores de escravo. Mas nessa fase histrica, da
implantao do imprio, que tal regime consagrou-se e tornou-se a expresso maior da
ocupao das terras brasileiras, constituda em sua maior parte por grandes fazendeiros,
muitos deles com prestgio e poder em sua localidade, embora houvesse tambm um semnmero de pequenos posseiros (MOTTA, 2008, p. 131-155).
Foi nesse perodo, segundo Smith (2008, p. 300), que o latifndio consolidou-se e
avanou sobre as pequenas posses, expulsando o pequeno posseiro em algumas reas, num
deslocamento constante sobre as fronteiras de terras abertas.
Silva (1996, p. 81) denominou o perodo de fase urea do posseiro, avaliando que
Para isso era necessria a legalizao das reas de domnio particular, ou seja, os
ttulos de sesmarias e as posses, quaisquer que fossem suas extenses, desde que medidas e
levadas a registro em livros prprios nas freguesias, no prazo de dois anos prazo prorrogado
diversas vezes, inclusive durante a Repblica. Assim, depois de pagos na tesouraria os
direitos de chancelaria, os ttulos seriam assinados pelos presidentes de provncia. (SILVA,
1996) Desse modo se deu a transformao da posse legitimamente titulada (registrada) em
propriedade legtima.
Na Provncia de So Paulo, ofcios trocados entre o presidente, os subdelegados
inspetores, juzes de paz e com a Cmara Municipal, indiciam120 como ocorreu esse processo
de legitimao das posses, a revalidao das sesmarias e o reconhecimento das terras pblicas
(devolutas ou no)121.Em resposta, a Cmara Municipal nega a posse em terras fora de seu
domnio, ou seja, alm do rocio da cidade:
no consta que essa Cmara possua terras ocupadas por ela, ou que as tenha aforado
de que lhe produza renda. Os terrenos unicamente que ela dispem so dos
arrabaldes da cidade que lhes servem de rocio, das quais tem concedido datas sem
ser por ttulos de aforamento.
das terras em que est situado o Quarteiro [...] consta-me por ouvir dos antigos
moradores que foram dadas por sesmarias, a Affonso Sardinha, e deste passou aos
frades jesutas, e quando houve o confisco nos bens deste, ficou pertencendo
Fazenda Nacional e esta foi em arrematao e foi arrematado do que existe um
terreno na real Junta, e hoje todos os moradores que tenham ttulos de seus terrenos
120
121
Segundo o Decreto n. 1.318/1854, nas provncias em que houver terras devolutas, elas sero divididas em
distritos de medio, tendo um inspetor responsvel por cada. No entanto, segundo o relatrio da repartio dos
negcios da Agricultura de 1861 (SO PAULO (Provncia), 1862), os inspetores foram substitudos por
comisses de engenheiros.
Camila Salles de Faria - 150
que provinham dessa arrematao e esto todos fixados com valos; s assim existe
um rinco campo com alguma capoeira de mato que esto em pblica servido de
vizinhos e tropeiros que pousam no rancho do Jaguar, existe mais em aberto um
pequeno rinco de campo na cabeceira do crrego Pirajussara-Mirim que tambm
servem-se os vizinhos e tropeiros.
as terras deste Distrito ocupadas h muitos anos, e tendo passado por numerosos j
por devoluo de herana, [...] nem os mesmos possuidores atuais podem explicar a
origem primitiva do direito pelo qual ocupam, se por sesmarias ou concesso do
Governo, se por posse; e s com um trabalho insano poder a Autoridade adquirir
esse conhecimento.
Outro inspetor revela a impossibilidade de fazer tal afirmao sem que se tivesse um
mapa com todas as posses e sesmarias da Comarca:
para poder cumprir, seria indispensvel que tivesse um mapa com todas as terras da
Comarca, e nele marcadas todas as posses, sesmarias e concesses, com declaraes
das pessoas a quem pertencessem, as quais deveriam apresentar-me os seus ttulos
ou entrar no minucioso e vistoriar cada terreno ocupado por posseiros, sesmeiros, o
que no compatvel com as diversas atribuies do cargo que exero.
neste distrito no h terras devolutas, todas elas esto ocupadas, ignoro porm se
com justos ttulos, ou se por simplesmente atos possessrios, e isto s se pode
verificar a vista do registro, sendo incompletas quaisquer outras informaes.
Outro juiz aproveita para comunicar a apropriao privadas das terras devolutas e sua
transferncia:
Levo ao conhecimento [...] que alguns indivduos esto tomando posse de terrenos
devolutos, derrubando matas, sem terem contrado as obrigaes de medio,
pagamento do preo, e requisio do ttulo, outros que se apossam de terrenos
devolutos para transferirem a segundos com retribuio.
Parece que houve por parte dos paulistas e das autoridades a preocupao de
identificar o mnimo possvel de terras devolutas, a fim de impedir que na Provncia
se verificasse uma drenagem de imigrantes para a pequena propriedade, j que os
fazendeiros queriam imigrantes apenas como mo-de-obra para suas lavouras de
caf.
As vendas das terras devolutas tambm foram autorizadas pela Inspetoria Especial de
Terras e Colonizao no final da dcada de 1880, e no somente ocorriam em hasta pblica
(Lei de Terras), conforme indiciam documentos manuscritos presentes no Arquivo Pblico do
Estado de So Paulo. Em sua leitura, possvel perceber o desconhecimento quanto ao
patrimnio pblico e a presena significativa da posse nos municpios de So Paulo e Santo
Amaro.
Assim, em um documento de 1887, consta a autorizao para aquisio de 100 ha a
Clemente Paz Leite, na Vrzea de Santo Amaro, o qual deveria responsabilizar-se pelo custo
da medio; aps dois anos, a medio confirmou haver apenas 85 ha. Em outro documento,
de 1888, o pedido de compra refere-se a 12 ha de terras devolutas, tambm em Santo Amaro,
os quais j eram utilizados pelo solicitante.
Mas h tambm a negao dos pedidos de compra de terras devolutas, justificada pela
ausncia da discriminao de terrenos devolutos, pela inexistncia de planta cadastral, por
ter um preo maior e por isso ser vendida em hasta pblica, e principalmente pelo fato de que
alguns terrenos pertenciam ao rocio da capital, sendo por isso responsabilidade da Cmara
Municipal. No entanto, acusa-se a Cmara de conceder cartas de datas em terrenos devolutos
Camila Salles de Faria - 152
simples declarao de possuidor, portanto o registro nos livros da parquia, no servia como
prova ou ttulo de domnio, mas apenas como um diagnstico sobre a ocupao das terras.
Para outros, o registro paroquial somente ganharia validade jurdica como propriedade
privada (prova ou ttulo de domnio) se levado ao registro cartorial, o que s foi possvel
depois de 1865.
Silva (1996) discorre sobre a apropriao privada das terras no estado de So Paulo,
que passa a ter legislao especfica em 1895 (Lei n. 323, de 6 de junho de 1895), calcada na
Lei de Terras, a qual foi julgada como rigorosa porque tratava das terras devolutas e da
necessidade de suas medies, demarcaes e aquisio, assim como a legitimao e
revalidao das posses e concesses, e ainda a discriminao entre domnio pblico e
particular. Ela gerou descontentamento de todos que se apropriaram ilegalmente das terras e
tinham interesse na sua especulao. O que incentivou a ao dos grileiros, durante toda a
segunda metade do sculo XIX:
A falsificao dos ttulos com data anterior a 1854 no era, entretanto, tarefa fcil,
pois necessitava da conivncia dos donos e funcionrios dos cartrios que tambm
acabavam tendo participao no negcio.
As presses para a modificao da lei de 1895 surtira efeito e trs anos depois foi
promulgada a lei n 545 de 2/8, cujas principais caractersticas eram: 1) legitimao
automtica (independente de processo de legitimao) das posses que tivessem um
ttulo de domnio anterior a 1878 e das terras que estivessem na posse particular,
com morada habitual e cultura efetiva desde 1868; e 2) a legitimao (dependendo
de processo) das posses de primeira ocupao estabelecidas at a promulgao da lei
de 22/06/1895.
O regulamento levou ainda dois anos para ser estabelecido (5/1/1900). Criou, entre
outras coisas, o Registro Pblico das Terras, instalado na sede das Comarcas.
Deveriam ser registradas: 1) as terras devolutas, inclusive as reservadas (por
exemplo, aquelas que haviam sido cedidas aos municpios e, espantosamente, as
terras devolutas do estado); 2) os ttulos de aquisio de terras devolutas (os lotes
vendidos aos colonos, por exemplo); e 3) as sentenas de legitimao de posses e de
revalidao de sesmarias expedidas pelo estado. (SILVA, 1996, p. 283)
122
Esse fato parece no ter ocorrido apenas no estado de So Paulo, mas no Brasil em geral, onde no houve,
como at os dias atuais, o controle das terras devolutas, conforme revelou o projeto de pesquisa Atlas da Terra
do Brasil.
Camila Salles de Faria - 154
Depois de seis meses, outro relatrio foi apresentado pelo Engenheiro Joaquim
Rodrigues Antunes Jr.:
Embora no documento conste uma continuidade desse processo, os relatrios dos anos
seguintes no trouxeram qualquer informao sobre as medies de terras devolutas, nem
sobre a legitimao das posses nos municpios da capital e de Santo Amaro.
Assim, Silva (1996) mostra que as terras devolutas do estado de So Paulo foram
tambm apropriadas privadamente, com a aprovao do Estado, por meio das leis especficas.
Em 1921, novamente uma lei foi promulgada para regularizar a situao dos posseiros a Lei
n. 1.844, de 27 de dezembro de 1921 , a qual ainda autorizou a concesso gratuita de terras
devolutas, cujos prazos para legitimao e revalidao foram prorrogados at 1929. Segundo
Silva (1996, p. 206), os posseiros registravam grandes extenses de terras com o objetivo de
retalh-las e vend-las:
***
Dessa forma, faz-se necessrio retomar e discutir o papel das hipotecas, portanto do
crdito, como um contedo importante na constituio da propriedade privada capitalista. Isso
Camila Salles de Faria - 156
porque, com a criao do Registro de Hipotecas (Lei n. 317 de 1843, regulamentada pelo
Decreto n. 482, de 14 de novembro de 1846), os ttulos de propriedade, isto , as escrituras
pblicas, foram exigidos como garantia, devendo ser lavrados junto ao tabelio e constar nos
livros do cartrio de notas.
Assim, observa-se que as primeiras terras foram registradas sob o princpio da
tradio, ou seja, a propriedade se dava como efetivamente transmitida no somente pelo
contrato, exigindo-se a tradio para sua formalizao. Enquanto o ttulo traduzia uma relao
pessoal, a tradio exprimia um direito real. (BUSSO, 2002)
Isso exigiu uma reforma hipotecria (Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864), logo
uma maior veracidade nos ttulos da propriedade, ou seja, a substituio da tradio, do
costume, pela transcrio. Pois a propriedade por tradio real ou simblica, uma vez
efetuada, no deixava vestgio permanente, ao passo que a transcrio apresentou-se como um
sinal indelvel registrado no livro (BUSSO, 2002). Para Mars (2003, p. 43), esse momento
ratifica a importncia do contrato, como negcio jurdico, em que a propriedade se transfere
por contratos abstratamente, sem necessidade de qualquer nova criao. Segundo Mota e
Secreto (2011, p. 166), a lei hipotecria consagra a propriedade fundiria privada sem
limites, contudo sem alterar a estrutura fundiria, garantindo assim a proteo jurdica da
propriedade.
A lei de reforma da legislao hipotecria criou o Registro Geral, ao qual competia a
transcrio dos ttulos de transmisso dos imveis e as prprias hipotecas. Foram
considerados objeto de hipoteca os imveis oriundos da apropriao privada da terra
(propriedade e posses griladas ou no), os escravos, os animais, os instrumentos da lavoura,
entre outros maquinrios. Os escravos foram de suma importncia como garantia das
hipotecas at 1884, quando deixaram de ser aceitos (BRITO, 2006). Nesse sentido, com a
legislao hipotecria, passou-se para uma situao em que a prtica mercantil das terras, e
no somente os escravos, garantiria o pagamento de dvidas.
A terra como propriedade privada utilizada para hipoteca tornou-se ainda mais
interessante com o processo de colonizao oficial (entrada de imigrantes), em que foi
possvel, ao fragment-la, aumentar seu preo:
Foram admitidas hipotecas de bens rurais e urbanos, sendo que, para os primeiros,
os valores emprestados no poderiam exceder a 50% do valor do imvel e, no caso
das propriedades urbanas o emprstimo poderia chegar a de seu valor.
Em 1865 foi baixado o regulamento para a execuo da lei supracitada, determinado
a instalao do Registro Geral de Hipotecas, e estabelecendo pormenorizadamente
os procedimentos para seu funcionamento. Quanto validade transcrio como
ttulo de propriedade, o artigo 69 reza que: o oficial, duvidando da legalidade do
ttulo, pode recusar o seu registro, entregando-o parte com a declarao da dvida
que achou para que esta possa recorrer ao Juiz de Direito. Ficava, assim, instituda
a transcrio do registro como prova de propriedade.
123
Segundo Martins (2008),desde nossa primeira Constituio Republicana, o governo da Unio, ao transferir o
domnio das terras devolutas para aos Estados da Federao, na prtica abriu mo do territrio em favor do
repasse dessas terras a particulares.
Camila Salles de Faria - 158
Foi com o Cdigo Civil (Lei n. 3.071, de 1 de janeiro de 1916), que a propriedade
constou como escritura pblica transcrita no registro de imveis (artigo 73), alm de se
regulamentarem as separaes dos registros, especificando as atividades de cada um, inclusive
do registro de imveis (artigos 856-862). Essa lei discorreu ainda sobre as formas de
aquisio da propriedade imvel (artigo 530), dentre as quais constavam o direito hereditrio,
a transcrio do ttulo de transferncia do registro de imvel e o usucapio. O registro
pertencia pessoa que o transcreveu, e assim o direito real, a propriedade, tambm lhe coube.
Desse modo, a transmisso de propriedade por compra e venda poderia ocorrer por contrato
(escrito particular) at um conto de ris, ou por escritura pblica. Destaca-se, portanto, o
retorno ao direito expresso pelo usucapio (artigos 550-553 e 698 do Cdigo Civil de 1916),
desde que no haja obstculo do legtimo proprietrio pde recorrer ao juiz uma sentena, a
qual lhe servir de ttulo para a transcrio no registro de imveis. Isso configurou o direito de
ttulo e domnio sobre as terras pblicas, segundo Silva (1996, p. 327), o que beneficiou
queles responsveis por essas falsificaes a punio com priso (artigo 6). Ele tambm
reconheceu a validade dos ttulos e concesses expedidos pelo Estado nas reparties pblicas
(artigo 5), desde que publicados na folha oficial com indicao minuciosa de suas condies
e dos caractersticos da terra (artigo 4), e consagrou a transcrio como ato indispensvel
para validar os ttulos das terras. Como ressaltou Silva (1996, p. 327),
Dessa forma, a propriedade privada da terra em So Paulo revela-se como uma das
dimenses
de
uma
ordem
social
historicamente
fundamentada
na
desigualdade
124
O termo grilagem inicialmente remete prtica de falsificar documentos dando-lhes uma aparncia
envelhecida. Recm-elaborados, tais documentos eram colocados em uma caixa fechada contendo grilos.
Semanas depois, os papeis apresentavam manchas, com as fezes dos insetos, alm de pequenos orifcios na
superfcie e bordas corrodas. Tudo isso para supostamente indicar a ao do tempo e tornar o documento apto
legitimao da posse.
125
A faixa de fronteira teve sua largura alterada de 66 km, no imprio, para 100 km, com a Constituio Federal
de 1934 (artigo 166), e para 150 km, pela Lei n. 6.634, de 2 de maio de 1979, ratificada pela Constituio
Federal de 1988.
126
Fundamento terico que vem sendo desenvolvido nas j mencionadas pesquisas com Ariovaldo de Oliveira.
Camila Salles de Faria - 165
Martins (1994, p. 80) tambm discorre sobre essa relao entre terra e capital, que no
Brasil ocorreu diferentemente do modelo clssico, em um processo no qual, por meio da
grilagem, o empresrio pagava pela terra e em compensao recebia gratuitamente, sob a
forma de incentivo fiscal, o capital de que necessitava para tornar a terra produtiva. Assim,
alm do capital oriundo de incentivos fiscais, houve a injeo de dinheiro proveniente do
crdito no sistema de propriedade privada, o que modernizou parcialmente o mundo do
latifndio sem elimin-lo e proporcionou o aparecimento de uma nova elite oligrquica
(MARTINS, 1994, p. 80).
A terra tambm se tornou equivalente de mercadoria, ou seja, uma mercadoria
diferente das demais, conforme Martins (1988, p. 33):
127
Segundo Seabra (1979, p. 92-93), o poder de monoplio qualquer indivduo tem sobre o que sua
propriedade. Em se tratando de terra essa circunstncia ainda reforada pelo fato de no existirem duas
Camila Salles de Faria - 167
fraes de terras exatamente iguais. [...] Transacionar com a terra significa abdicar do poder de monoplio que
se tem sobre ela.
Camila Salles de Faria - 168
A madeira (ou mesmo a lenha, isto , a madeira cada), ao ser inserida no processo de
mercantilizao, tambm vira propriedade privada, e com isso seu uso (como de costume
ocorria, com a retirada de lenha, por exemplo) restringe-se a seu proprietrio. Alm disso,
Bensaid (2007) mostra que todo o processo foi regulamentado pelo Estado. Nesse sentido, a
propriedade privada da terra faz com que tudo que esteja sobre ela pertena a um dono.
Thompson (1987, p. 326) tambm discutiu os conflitos florestais entre os usurios e os
exploradores, bem como a mudana dos contedos de seus direitos pela transformao em
direito propriedade capitalista em detrimento do uso na Inglaterra do sculo XVIII, e
ratificou que a principal desigualdade residia numa sociedade de classe onde os direitos de
uso no-monetrio estavam sendo reificados em direitos de propriedade capitalistas, atravs
da mediao dos tribunais de justia.
Marx (2009) exps a contradio da propriedade privada que ao se constituir produz
ao mesmo tempo o proprietrio e o no proprietrio. No entanto, para abafar o escndalo
desta monstruosa apropriao privada de riquezas naturais e sociais, o discurso dominante
promete a todos torn-los proprietrios (BENSAID, 2007, p. 59, traduo nossa). Esse
discurso mantm-se presente entre juristas e proprietrios de terras, ou seja, entre a elite
dominante, como sustentculo e manuteno da construo da ideologia da propriedade
128
129
O desembargador atua no Mato Grosso do Sul proferindo sentenas favorveis reintegrao de posse por
parte dos fazendeiros em terras tradicionais reocupadas por indgenas (Guarani Kaiow e Terena) e pedidos de
suspenso do processo de Estudo para Identificao das Terras Indgenas nesse estado. Alm disso, ele foi o
responsvel, em 2013, pelo mandado de reintegrao de posse, atualmente suspenso, do assentamento Milton
Santos, composto por 70 famlias, em Americana (SP), e favorvel famlia Abdalla. vlido ainda ressaltar
que o desembargador est sendo investigado por envolvimento no direcionamento de uma fora-tarefa com a
finalidade de favorecer o Grupo Torlim, que atua no ramo de frigorficos em Ponta Por (MS)
(VASCONCELOS, 2015).
Camila Salles de Faria - 170
desse pas falava nessa absurda gentica do direito indgena, que no direito
algum.130 (grifo nosso)
130
Informao verbal. Palestra Reflexes sobre a Insegurana Jurdica e o Direito Originrio dos Indgenas,
promovida pela Sociedade Rural Brasileira em 14 de junho de 2013.
Camila Salles de Faria - 171
Tornou-se pauta do governo de Dilma Rousseff em 2013, iniciando o perodo de campanha para sua
reeleio, principalmente aps a suspenso dos estudos demarcatrios das TI no Paran e Rio Grande do Sul,
pela ministra da Casa Civil Gleise Hoffman. Segundo a ministra, a justificativa foi amenizar os conflitos. Ao
mesmo tempo, o CIMI revela que os conflitos s tm aumentando, em decorrncia da omisso e morosidade da
regularizao das terras indgenas (CONSELHO INDIGENISTA MISSIONRIO, 2013).
Camila Salles de Faria - 172
A paralisao das demarcaes reprime ainda mais uma demanda histrica dos
povos indgenas. Das 1.047 terras indgenas reivindicadas por estes povos
atualmente, de acordo com levantamentos do Conselho Indigenista Missionrio
132
(Cimi), apenas 38% esto regularizadas. Cerca de 30% das terras esto em processo
de regularizao e 32% sequer tiveram iniciado o procedimento de demarcao por
parte do Estado brasileiro. Das terras indgenas regularizadas, em termos de
extenso territorial, 98,75% se encontram na Amaznia Legal. Enquanto isso,
554.081 dos 896.917 indgenas existentes no Brasil, segundo o Censo do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) de 2010, vivem nas outras regies do
pas, que tm apenas 1,25% da extenso das terras indgenas regularizadas. (CIMI,
2013, p. 12)
133
Entende-se por reivindicadas 208 TI, excluindo-se as de outras etnias (19) e as sem qualificao (24); por
regularizadas do ponto de vista do fundirio, entende-se a soma das terras regularizadas e das reservadas.
134
No Esprito Santo equivalem a 0,001% da superfcie do estado; no Rio de Janeiro, 0,06%; em So Paulo,
0,19%; no Paran, 0,04%; em Santa Catarina, 0,16%; no Rio Grande do Sul, 0,04%; e no Mato Grosso do Sul,
0,44%.
Camila Salles de Faria - 174
Populao
Regularizada
Nmero
33
46.294,18
47.722
Homologada
30.869,82
4.297
Declarada
19
77.732,42
4.959
Delimitada
73.409,75
1.137
Reservadas
35
12.838,96
4.657
Em estudo
54
5.619
Reivindicada/Sem qualificao
77
3.675
TI de outros povos
19
1.998
TOTAL
241.145,1483
74.064
135
135
Dados gerais por Governo. Disponvel em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/demarcacoes-nosultimos-governos>. Acesso em: 2 maio 2015. O perodo mapeado refere-se at maio de 2015; no ltimo dia
desse ms o ministro da Justia assinou a portaria declaratria reconhecendo a posse permanente de 532 ha dos
indgenas da TI Jaragu, fato que no ocorria h dois anos.
137
Houve na histria brasileira outros projetos de lei que buscaram essa equivalncia, dentre eles, destacou
Gomes (2012:102), um no Governo Geisel que posteriormente foi arquivado e que asseguraria dividir as
terras indgenas em lotes familiares ou individuais e permitir sua venda em terras j demarcadas.
138
A PEC 215 tem como objetivo levar para o Congresso Nacional a demarcao e homologao de terras
indgenas, quilombolas e de reas de conservao ambiental, alm de ratificar as demarcaes j homologadas.
As demarcaes e homologaes, conforme a Constituio Federal, so atribuies do Poder Executivo. A PLP
227 uma lei complementar ao artigo 231 da Constituio, que prev indenizao para os ocupantes no
indgenas, e no apenas pagamento das benfeitorias, propondo um novo modelo de demarcao. justificada
pelo conflito entre indgenas e proprietrios de terras, pela insegurana jurdica e insegurana alimentar do
povo brasileiro, j que, segundo o projeto, trata-se de reas destinadas alimentao. Disponvel em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1044818&filename=PLP+227/201
2>. Acesso em: 20 abr. 2015.
Camila Salles de Faria - 177
Como resposta e preocupado com o futuro de seu povo, o indgena Pedro Vicente
enviou uma mensagem aos deputados da bancada ruralista que querem alterar as leis a favor
dos proprietrios de terra em detrimento dos direitos dos ndios:
Eu falo para que vocs deputados que esto a que me vejam, que me escutem
enquanto eu falo. Foram vocs que criaram essa terra para si mesmos? Eu no fiz a
terra onde vivo e nem vocs fizeram. Vocs tambm no pagaram nada para
Nhanderu (Nosso Pai). Mesmo assim, vocs querem levar toda a terra para vocs
como se vocs a tivessem criado. s para ter essas coisas no corao que vocs se
tornam deputados. S para a cada quatro anos se preocuparem com a eleio. E por
isso vocs querem destruir as leis que nos protegem. Acham que se nos
exterminarem ficar melhor para vocs. Acham que Nhanderu vai cuidar melhor de
vocs assim. [...]
para termos onde dormir, para termos onde criar nossos filhos. para isso que
queremos terra. Mas como no vendemos terra, vocs no querem devolv-las para
ns. Parece at que vocs que fizeram essa terra, que vocs que fizeram as matas,
que vocs que criaram a gua. Nas cidades de vocs se quisermos gua, ns temos
que compr-la. Temos que pagar para tomar gua. Mas vocs no pagam para
Nhanderu. S querem tudo para vocs. s para ficar ricos que vocs querem ser
deputados. [...]
Essa terra no minha e no de vocs. No foram vocs que fizeram e no fui eu.
A terra que est a de Nhanderu! As matas e os pssaros que nela vivem. Mas no
h mais rvores frutferas para os pssaros se alimentarem. Vocs destruram os
animais de caa. Vocs destruram tudo. Vamos viver numa terra deserta,
devastada? Sem nada do que antes havia sobre ela, sem ter o que comer? E por isso
estou bravo com vocs brancos, com os deputados. Por que vocs s querem
maltratar aqueles que sofrem? Colocar mais leis que dificultam a nossa vida? Como
vamos ficar agora? Vamos todos nos destruir? Vocs querem enganar todos os
ndios. Querem me enganar. Se quiserem me matar podem matar. Mas o meu
esprito vocs no podem matar. Ele vai voltar para a morada do meu pai celestial.
Ele vai buscar meu esprito. O meu corpo vocs podem matar, hoje, amanh, no dia
que quiserem. (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2013, grifo nosso)
Assim, reforou Pedro Vicente que a terra, para o Guarani, e segundo a cosmologia
desse povo, pertence divindade neste caso, Nhanderu (nosso pai), mas podendo aparecer
como Nhandejra (nosso dono) , que a criou. Desse modo, no existe dono da terra, o nico
dono Deus. A terra foi feita para todos viverem: ndios, brancos, animais e plantas, nas
palavras de Honrio (LADEIRA, 1984, p. 133). No mesmo sentido ressalta Carlos:
139
Entrevista com Carlos Ribeiro, do Tekoa Conquista, em Santa Catarina, realizada em 13 de janeiro de 2014.
Camila Salles de Faria - 178
Essa terra nossa! Os brancos dividiram a terra e agora querem vend-la pra gente e
pra eles tambm. O prefeito falou comigo e eu lhe disse Eu no vendo a terra
porque no sei vender. A terra de Nhandejara e vocs a ficam vendendo um pra
outro. Isso bobagem, porque vendendo a terra de um pra outros vocs a acabam
perdendo tambm. Essa terra nossa e vamos lutar por essa terra at onde for
possvel.140
A Terra para os Guarani tem uma importncia muito Grande. Quando Deus fez a
terra, quando Nhanderu fez todas as coisas aqui na terra, ele fez pra que todos os
seres vivos pudessem viver nela. Portanto, a terra em si no de ningum, a terra
tem um nico deus, um nico dono, na verdade, porque os Guarani entendem que a
terra de Nhanderu, pertence a ele. [...] Na verdade ns que pertencemos terra,
no a terra de ns.141
141
A terra foi feita pelas divindades para todos os povos. No nossa, e no dos
brancos. Mas a verdade que os brancos hoje se dizem donos de todos os lugares
onde vivamos no passado, e para ns no sobrou quase nada e por isso hoje
sofremos.143
142
Essa ideia fundamenta a questo do cercamento das terras indgenas presente em No h terra para
plantar neste vero, de Martins (1988).
143
Manifesto intitulado TEKOA EYRE, NDAIPOI TEKO! (SEM TERRA, NO H CULTURA!), uma das
aes da campanha para a demarcao das terras Guarani.
144
O respeito dos Guarani aos marcos (cerca e placa) foi notado em 2010, quando, durante um trabalho de
campo para o Estudo de Identificao e Delimitao da TI Massiambu, em Santa Catarina, o Sr. Agusto da
Silva, antigo morador dessa aldeia, fez com que a equipe desviasse alguns quilmetros para percorrer uma
trilha, alegando no podemos entrar, olha! e apontava a placa escrita Propriedade Privada: No entre.
Camila Salles de Faria - 180
terras antes da chegada dos europeus, mas sim que conviviam com outros povos e
respeitavam as fronteiras de seus territrios, sem a imposio de limites fsicos.
Assim, a expropriao das terras dos indgenas ganha marcos prticos e simblicos no
terreno. Porm, muitas vezes o processo de expropriao no se realiza de forma integral,
trazendo sua negao, a resistncia. Pois, segundo Martins (1980, p. 31), o nvel de
expropriao foi to longe que acabou produzindo um fato poltico que a resistncia.
3.3 - A
GUARANI EM SO PAULO
Uma leitura possvel sobre a constituio da propriedade privada nas reas em litgio,
na TI Jaragu e na TI Tenond Por, feita por meio do levantamento das titulaes dos
imveis e, consequentemente, de suas cadeias dominiais145.
Durante a pesquisa, a cadeia dominial ou sucessria dessas terras iniciou-se a partir
dos imveis atuais, regredindo em busca dos ttulos de origem do destacamento das terras do
patrimnio pblico para o privado. Para o levantamento dos imveis atuais, utilizaram-se os
processos judiciais (como as aes de reintegrao de posse, por exemplo) e os processos
administrativos da Funai, os quais apresentaram um levantamento fundirio (PIMENTEL;
PIERRI; BELLENZANI, 2012; PIMENTEL et al., 2013).
Segundo o levantamento fundirio, realizado em 2011, na atual TI Tenond Por
foram identificados 149 ocupantes no indgenas146, 111 deles no municpio de So Paulo.
Nota-se que, embora a Funai os nomeie como ocupantes, apenas 30 residem no local, e
entre esses h 8 permissionrios de outros posseiros ou ocupantes que alegam ter ttulos.
Para toda rea da atual TI Tenond Por, pode-se dizer o seguinte:
Cadeia dominial o conjunto dos registros sucessivos de um imvel at sua origem, e tem como principal
objetivo a verificao da autenticidade e legitimidade de seu domnio.
146
Nota-se que a Funai utiliza o termo ocupante para que no haja um pr-reconhecimento pblico da situao
jurdica.
Camila Salles de Faria - 181
No municpio de So Paulo, so 18 pessoas que alegam ter ttulos, das quais apenas 3
so ocupantes de fato, porque residem no local.
J na atual TI Jaragu, conforme o levantamento fundirio realizado pela Funai, foram
identificados 15 ocupantes no indgenas, no entanto apenas 4 residem no imvel, e um o
PEJ. Todos alegam possuir ttulo dos respectivos imveis.
Ressalta-se, assim, o carter absentesta dos proprietrios em grande parte das terras
das duas regies. Pois, alm de ser uma das marcas histricas da ocupao territorial rural
desde o Brasil colonial, o carter absentesta dos proprietrios, tendo ou no a terra um carter
produtivo, est associada, nestes casos, a objetivos econmicos, interesses financeiros, que
visam, principalmente, especulao fundiria, ao uso da terra como reserva patrimonial
por isso no h envolvimento do proprietrio na vida local.
Esse carter absentesta contrasta com o uso efetivo feito pelos indgenas de suas
terras, relacionando-se ao desconhecimento tanto dos proprietrios em relao existncia
dos indgenas no local, quanto dos indgenas que habitam e usam as terras em relao aos
proprietrios e aos locais de suas propriedades. Assim, constam nos processos judiciais
testemunhos dos no indgenas dizendo que nunca viram indgenas no local ou declaraes
como a de Antnio Tito Costa, que garante que dono do terreno desde 1947 e que nunca
houve ndios na regio (GUARANIS, 2015). Embora o ttulo da propriedade em questo
esteja no nome de sua falecida esposa, cunhada e outros, e no em seu prprio nome.
Para entender a constituio da propriedade privada capitalista nas TI Guarani de So
Paulo, props-se o levantamento da cadeia dominial de imveis em ambas. As cadeias
dominiais foram levantadas a partir dos registros dos cartrios de imveis e suas
transferncias e sucesses, que se legitimam desde 1864, com a Lei de Registro Geral, quando
o registro da propriedade imobiliria, como funo do Estado, foi institudo no Brasil, ou seja,
a transcrio substituiu a tradio (o costume), o que se consagrou com o Cdigo Civil de
1916. possvel ler a cadeia dominial dos imveis por meio de organogramas resumidos, os
quais tambm caracterizam uma dinmica de fragmentao (parcelamento) da terra na lgica
capitalista na metrpole de So Paulo e a busca por sua transformao em terra urbana, para
uma possvel valorizao (ver seo 2).
147
No dispondo os ocupantes de ttulo legtimo de propriedade, toda a cadeia sucessria registral imobiliria
no tem o condo de tornar lcita a aquisio feita por nenhum dos anteriores, pois ningum pode transferir o
que no lhe pertence. (ERICEIRA, 2014)
Camila Salles de Faria - 183
O primeiro imvel levantado (ver Figura 19), um terreno situado em Taipas, no stio
Jaragu, foi comprado, em 1940, pela Fazenda do Estado de So Paulo, tornando-se
propriedade estatal, nos termos do Decreto n. 10.877, de 30 de dezembro de 1939;
posteriormente, em 1961, destinou-se criao do PEJ148. O Estado adquiriu de Manoel
Fernandes Lopes e Maria Fernandes Lopes (50%) e de Angelo Azurza, Dolores Azurza,
Joanna Azurza Ugarte, Ramon Azurza Filho e Zuleika Amorim (50% por deciso judicial)
tanto o stio (com suas benfeitorias) como as matas, e por cada qual foi pago um preo. O
imvel tem 202 alq (equivalente a aproximadamente 488,84 ha).
Esse imvel foi registrado na transcrio n. 903, do 8 CRI, em 5 de abril de 1940, e
deriva de dois outros. Um, que remonta a metade do stio Jaragu (equivalente a 100 alq), da
parte de Manoel Fernandes, que comprou de Jos Coelho Fernandes e Joshefina S Coelho,
transmisso inscrita na transcrio n. 14.669, do 2 CRI, em 16 de fevereiro de 1939. O
outro, que antecede as duas anteriores, refere-se compra realizada por Jos Coelho
Fernandes e Angelo Azurza, do stio Jaragu com rea aproximada de 200 alqueires de terra
da famlia Azambuja (Lucrecia Araujo Ribeiro Azambuja, Theophilo Cassiano Prado de
Azambuja Filho, Rinaldo Ribeiro de Azambuja, Fabola Ribeiro de Azambuja, Sybilla
Ribeiro de Azambuja e Bireno Ribeiro de Azambuja), registrada na transcrio n. 26.410, do
2 CRI, em 13 de maro de 1925. Nessa transcrio no consta qualquer referncia anterior,
assim se entende que no h imvel de origem, ou seja, aquele que comprova que foi
regularmente destacado do patrimnio pblico federal ou estadual para o privado por ato
administrativo ou judicial. H apenas a escritura de compra e venda, registrada no 4 Tabelio
de Notas, nos seguintes termos:
SAIBAM quantos esta virem que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus
Cristo de mil novecentos e vinte e cinco, aos trez dias do mez de maro, nesta cidade
de S. Paulo, em meu cartrio, perante mim tabelio, compareceram partes entre si
justas e contractadas, a saber: como outorgantes vendedores D Lucrecia Arajo
Ribeiro de Azambuja, Theophilo Cassiano Prado de Azambuja Filho, Rinaldo
Ribeiro de Azambuja, Fabola Ribeiro de Azambuja, Sybilla Ribeiro de Azambuja e
Bireno Ribeiro de Azambuja, a primeira pessoalmente e como procuradora de todos
os seus filhos [...], todos proprietrios, maiores, residentes na Fazenda Jaragu, em
Taipas, municpio da Capital, e de outro lado como outorgados compradores Jose
148
Segundo o Decreto Lei n. 15.838, de 6 de junho de 1946, a fazenda Jaragu, do Patrimnio da Secretaria da
Educao e Sade Pblica, foi transferida para o Patrimnio do Servio Florestal, da Secretaria da Agricultura,
Indstria e Comrcio. Ademais, segundo a consulta do processo na Procuradoria do Patrimnio Imobilirio,
2
houve uma desapropriao de 38.418 m , declarada como utilidade pblica (Decreto n. 23.914, de 13 de
dezembro de 1954) pela Fazenda do Estado de So Paulo, tendo como outorgante Maria Fernandes Lopes,
inscrita na transcrio n. 47.102, do 8 Cartrio de Registro de Imveis (CRI) de 02 de agosto de 1963. Essa
transcrio no est inclusa na anlise da cadeia dominial.
Camila Salles de Faria - 185
Coelho Fernandes, casado [...] e Angelo Azurza, com vinte e dois annos, solteiro,
brasileiro, ambos proprietrios, sendo todos pessoas de mim conhecidas e das
testemunhas nomeadas e assignada, do que dou f e perante as quaes pelos
outorgantes me foi dito que por herana do finado marido e pae dos outorgantes
Theophilo Prado de Azambuja, so senhores e possuidores livre de quaisquer nus
reaes ou pessoaes, de um stio denominado Jaragu, em Taipas. (Escritura de Venda
e Compra, do 4 Tabelio de Notas, livro 214 f. 69, grifo nosso)
NO H IMVEL DE ORIGEM
Jos lvaro Pereira Leite (75%), Joaquim lvaro Pereira Leite Neto (12,5%) e
Caio Junqueira Netto Junior (12,5%), partilha do esplio de Victoria Pereira Leite
Um terreno com 16,94 ha
M. 142.615 16 CRI de 01/02/2010
Jos lvaro Pereira Leite e Victoria Pereira Leite compraram de Olga de Paiva Meira
Uma Gleba da Antiga Fazenda Jaragu, correspondente ao lote 5 (1 alqueire)
e parte do 6 (5 alqueire). rea: 16,94 ha (7 alqueires)
T. 3.062, L 3O 16 CRI de 03/06/1947
OBS: Remanescente de 7,89 ha
Olga de Paiva Meira adquiriu por diviso de Arabela Egydio de Paiva Meira,
Sergio de Paiva Meira Filho, Adelaide Maria de Souza Aranha, Carlos Egydio de Souza
Aranha, Maria Egydio de Souza Aranha e Francisca Setbal
Lote 5 de 1 alqueire (3,64 ha) e o lote 6 com 7 alqueires (18, 15ha)
T. 15.832, L 3O 2 CRI de 22/09/1939
Olga de Paiva Meira adquiriu por partilha amigvel do esplio de Mauro Egydio de
Souza Aranha
A metade de um terreno na Fazenda Jaragu: 7 alqueires (equiv. a 18, 15ha)
T. 8243 2 CRI de 09/10/1934
4
Henrique Manzo e Narcisa Ferreira da Silva destacam dessa
matrcula rea a Dersa. Desapropriao para construo da
Rodovia Bandeirantes
rea de 13.714,50 m2 (1,37 ha).
Remanescente de Manzo 18.585,5 m2 (1,85 ha).
M. 43.046 - 16 CRI de 22/09/1983
Maria Egydio de Souza Aranha adquiriu por diviso feita por Olga de Paiva Meira,
Arabela Egydio de Paiva Meira, Srgio de Souza Meira Filho, Adelaide Meira de
Souza Aranha, Carlos Egydio de Souza Aranha e Francisca Setubal
Lote 4 de 1 alqueire (3,64 ha)
T. 15835 - 2 CRI de 22/12/1939
Adelaide Maria de Souza Aranha, Carlos Egydio de Souza Aranha adquiriram por
diviso feita por Olga de Paiva Meira, Arabela Egydio de Paiva Meira, Srgio de
Souza Meira Filho, Maria Egydio de Souza Aranha e Francisca Setubal
Lote 3 da Fazenda Jaragu 1 alqueire (3,64 ha)
T. 15834 - 2 CRI de 22/09/1939
Arabela Egydio de Paiva Meira, Sergio de Paiva Meira Filho, Olga de Paiva Meira, Adelaide
Maria de Souza Aranha, Carlos Egydio de Souza Aranha, Maria Egydio de Souza Aranha e Francisca
Setbal adquiriram por partilha do esplio de Caio Egydio de Souza Aranha
A metade de um terreno da Fazenda Jaragu: 7 alqueires (equiv. a 18, 15ha)
T. 15.656 2 CRI de 22/08/1939. Obs. Remanescente de 1 alqueire
NO H IMVEL DE ORIGEM
NO H IMVEL DE ORIGEM
NO H IMVEL DE ORIGEM
no foi possvel efetuar um levantamento com rigor exigido, visto que tanto o
preposto quanto o caseiro, desconheciam as reais divisas do imvel, fato este sendo
somente de conhecimento do Sr. Jos Pereira Leite, alegaram ambos, dito como o
149
proprietrio.
Jos lvaro Pereira Leite e sua esposa Victorina Pereira Leite houveram por distrato
social e partilha de bens de Industrial Pereira Leite-Zachello Ltda., um terreno sem
benfeitorias e sem a soma da rea, registrado sob a transcrio n. 46.789, no livro 3AD, no
16 CRI, em 20 de outubro de 1970. Essa mesma rea foi, em 1962, incorporada ao bem da
Industrial Pereira Leite-Zachello Ltda., por Jos lvaro Pereira Leite e sua esposa, um terreno
sem benfeitorias com 36 mil m2 (3,6 ha), registrado pela transcrio n. 27.213, do livro 3, do
16 CRI, em 11 de agosto de 1962. Refere-se ao remanescente do lado oeste, aps ter parte de
seu imvel (54.401 m2) declarado de utilidade pblica pelo Decreto n. 4.522, de 19 de
setembro de 1974, e desapropriado pela Desenvolvimento Rodovirio S/A (Dersa) para a
construo da rodovia dos Bandeirantes150. Assim, o casal Pereira Leite comprou o lote n. 5 e
parte do n. 6 da antiga fazenda do Jaragu, totalizando a rea 16,94 ha, de Olga de Paiva
Meira, anotado na transcrio n. 3.062 de 3 de junho de 1947.
Por sua vez, Olga Paiva Meira adquiriu por diviso de Arabela Egydio de Paiva Meira,
Sergio de Paiva Meira Filho, Adelaide Maria de Souza Aranha, Carlos Egydio de Souza
Aranha, Maria Egydio de Souza Aranha e Francisca Setbal o lote n. 5, com 1 alq, e o lote
n. 6, com 7 alq, da fazenda do Jaragu, totalizando aproximadamente 18,15 ha, conforme
inscrito na transcrio n. 15.832, do livro 3, do 2 CRI, em 22 de setembro de 1939. Esse
imvel provm de outros dois. Um, apontado na transcrio n. 8243, no 2 CRI, em 9 de
149
Conforme o ofcio n. 8442 MPF/PR-SP com esclarecimentos da Dra. Maria Luiza Grabner para a Dra. Maria
Cristiana Simes Amorim, Procuradora da Repblica em So Paulo, rea Criminal, referente s aes de
intimidao praticadas pelo cidado Jos lvaro Pereira Leite e seu filho Joaquim lvaro Pereira Leite Neto.
Datado de 3 de julho de 2000 e consta no processo judicial.
150
Nota-se que, da dcada de 1970 at 2014, houve uma continuidade do processo de desapropriao, pois
segundo processo Dersa n. 8381, de 1976, Jos lvaro Pereira Leite no aceitou o valor da indenizao,
considerando-o irrisrio, contestou os laudos periciais por diversas vezes e ainda moveu uma ao de
2
reintegrao de posse contra a Dersa por ter utilizado indevidamente mais de 2 mil m . Chegou a solicitar R$
3.740.089,06 em 31 de janeiro de 1996 (f. 1728), valor contestado com recurso pela Dersa. A ltima
movimentao
do
processo
data
de
2014
e
est
disponvel
em:
<http://tjsp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/158655801/agravo-de-instrumento-ai-21852352120148260000-sp-21852352120148260000/inteiro-teor-158655811)>. Acesso em: 15 set. 2015.
Camila Salles de Faria - 190
outubro de 1934, refere-se metade de um terreno na fazenda Jaragu, ou seja, 7 alq, que
Olga Paiva Meira adquiriu por partilha amigvel do esplio de Mauro Egydio de Souza
Aranha. O outro imvel, inscrito pela transcrio n. 15.656, no 2 CRI, em 22 de agosto de
1939, equivale outra metade de um terreno na fazenda Jaragu, ou seja, 7 alq, que
Arabela Egydio de Paiva Meira e Sergio de Paiva Meira Filho (1 alq), Olga de Paiva Meira
(1 alq), Adelaide Maria de Souza Aranha e Carlos Egydio de Souza Aranha (1 alq),
Maria Egydio de Souza Aranha (1 alq) e Francisca Setbal (1 alq) adquiriram por
partilha do esplio de Caio Egydio de Souza Aranha. Esse imvel antecede os outros dois
imveis vizinhos atuais, sinalizados no organograma (Figura 20) com os nmeros 3 e 4.
Os esplios de Caio Egydio de Souza Aranha e Mauro Egydio de Souza provm de
um imvel que adquiriram por compra de Lucrecia de Arajo Ribeiro Azambuja, Theophilo
Cassiano Prado de Azambuja, Fabola Ribeiro de Azambuja e Bireno Ribeiro de Azambuja,
de um terreno com 15 alqueires (aproximadamente 36,3 ha) na fazenda Jaragu (transcrio
n. 27.334, do 2 CRI, em 20 de maio de 1925. Esse imvel procede de outras duas
transcries. Uma delas a n. 26.663, do 2 CRI, de 21 de agosto de 1925, em que Lucrecia
de Arajo Ribeiro Azambuja, Theophilo Cassiano Prado de Azambuja, Fabola Ribeiro de
Azambuja e Bireno Ribeiro de Azambuja compram do filho Rinaldo Ribeiro de Azambuja sua
parte do imvel, referente a um quinto da metade da rea que o transmitente possui em
comum com os adquirentes, na fazenda Jaragu, ou seja, 7 alq. Anteriormente, Amaro
Araujo Ribeiro havia comprado, com pacto de retrovenda, de Rinaldo Ribeiro de Azambuja,
SAIBAM quantos vierem que, no ano de mil novecentos e vinte e cinco, aos onze
dias do mez de agosto, nesta cidade de So Paulo, em meu cartrio e perante mim
tabelio, compareceram partes entre si justas e contractadas reciprocamente
outorgantes e outorgados, D Lucrecia de Arajo Ribeiro de Azambuja, viva,
Theophilo Cassiano (Prado) de Azambuja, D. Fabola Ribeiro de Azambuja, Cybilla
Ribeiro de Azambuja e Bireno Ribeiro Ribeiro de Azambuja, solteiros, maiores,
domiciliados nesta cidade, meus conhecidos e das testemunhas adiante nomeadas e
assignadas, do que dou f. E pelos outorgantes e reciprocamente outorgados me foi
dito perante as mesmas testemunhas, que, por falecimento de Theophilo Prado de
Azambuja, tinham feito inventrio de bens [...] sendo a primeira outorgante e
reciprocamente outorgada, meeira e cabea do casal, por ter sido casada com
comunho de bens e havendo ficado cinco filhos ao tempo da morte de cujus,
viva deveria caber a metade do esplio, e a cada um dos herdeiros um quinto da
outra metade, ou seja, um dcimo do todo. (grifos nossos)
Registro Geral (1864), que instituiu a transcrio do ttulo como forma de transferncia, em
substituio da tradio da coisa, posteriormente reiterada pelo Cdigo Civil de 1916, o qual
tambm frisa a perda dos direitos dos herdeiros sobre os bens sonegados (artigo 1.780).
Na transcrio n. 19.231, do 2 CRI, de 14 de maio de 1923, a famlia Azambuja
(Lucrecia de Arajo Ribeiro Azambuja, Theophilo Cassiano Prado de Azambuja, Rinaldo
Ribeiro de Azambuja, Fabola Ribeiro de Azambuja e Bireno Ribeiro de Azambuja) adquiriu,
por permuta, de Francisca de Paula Gomes, um trecho de terras em forma de tringulo no
Stio Buraco. Nota-se que o dado da extenso do imvel (rea) no foi mencionado,
havendo apenas a descrio genrica dos limites e seus confrontantes (sendo um deles a
prpria famlia Azambuja). O mesmo ocorre com a transcrio que lhe antecede, a de n.
16.084, do 2 CRI, de 31 de maio de 1922, segundo a qual Francisca de Paula Gomes
comprou de Ambrosina de Toledo uma parte de uma terra no stio Buraco no bairro do
Jaragu, nos termos da escritura pblica de compra e venda manuscrita, na qual se
encontrava poucas informaes e no h referncia do imvel e da transcrio anterior.
Trata-se, portanto, de registro de imvel sem origem, ou seja, no se comprova que foi
regularmente destacado do patrimnio pblico federal ou estadual para o privado por ato
152
No entanto, no processo de desapropriao da Dersa (n. 08.382/76), Jos Gregrio Rodrigues e outros
aparecem como compromissrios. So eles que contestam os valores da desapropriao, utilizando um
argumento pautado na especulao imobiliria, porque embora a propriedade encontre-se na zona rural
perifrica zona urbana (f. 81). Posteriormente, em 1984, os valores foram acertados e pagos, como consta na
matrcula n. 56.552, de 4 de julho de 1984.
Camila Salles de Faria - 195
153
5
La Nunes Costa (22,222%); Renata Nunes Alonso (22,223%), Helena
Nunes Mestriner (22,222%), Manoel Conceio Esteves (33,333%),
compraram de ngelo Azurza e Manoel Fernandes Lopes
Uma rea de Terras Rurais com 722.586 m2 (72,25 ha)
T. 53484 16 CRI de 21/12/1972
Angelo Azura e Joana Azura Ugarte venderam para Agro Pecuria Mercantil
Industrial Imobiliria Nunes Rodrigues Esteves Ltda., cuja denominao foi alterada
para Pedreiras e Fazenda Jaragu. Aps, com a dissoluo da sociedade, o imvel
foi dividido entre os scios.154
Por sua vez, ngelo Azurza houve por esplio Dolores Azurza (partilha amigvel)
uma parte ideal de 60% de 30 alq, perfazendo um total equivalente a 43,56 ha, destacada
desse imvel, registrado sob a transcrio n. 1.473, de 20 de fevereiro de 1946, do 16 CRI.
Imvel havido pela transcrio n. 14.880, de 16 de fevereiro de 1939, do 2 CRI, em que
Dolores Amoreno Azurza (com 77,78% = 562.027,39 m2 155) e Joanna Azurza Ugarte (com
22,22% = 160.558,61 m2) adquiriram partes ideais a ttulo de pagamento de quotas sociais,
em virtude de suas retiradas da firma uma rea de terras, no imvel denominado Jaragu,
com 722.586 m2, as quais foram transmitidas por Azurza Prado & Companhia Limitada e os
scios Manoel Fernandes Lopes e Loureno Prado Carneiro De Lyra. Nota-se que no h
referncia parte de Joanna Azurza Ugarte vendida para La Nunes Costa e outros, e sim a
Manoel Fernandes Lopes, que j tinha transferido sua parte.
Consequentemente, essas transcries derivam daquela de n. 14.699, de 2 de janeiro
de 1939, do 2 CRI de So Paulo, referindo-se a uma tera parte de uma gleba de terras com
rea de 100 alqueires, mais ou menos, destacada da Fazenda Jaragu (mais ou menos 33,33
alqueires, ou 80,65 ha) que foi adquirida por Azurza & Companhia Limitada a ttulo de
integralizao de quota de capital, transmitida por Loureno Prado Carneiro De Lyra e sua
mulher Odete Lopes Carneiro De Lyra.
Esta, por sua vez, provm da transcrio n. 40.106, de 7 de dezembro de 1939, do 2
CRI de So Paulo, a qual declara que uma gleba de terras com rea de cem alqueires, mais
ou menos, destacada da Fazenda Jaragu foi adquirida por Loureno Prado Carneiro de Lyra,
transmitida pela empresa em liquidao Azurza & Companhia Limitada, atravs de seu
liquidante Ramon Azurza. Refere-se parte ideal de um tero da sociedade Azurza & Cia
Ltda. e tinha o scio Carlos De Paiva Meira. Nota-se que este scio no aparece nas
averbaes ou nas transcries envolvendo a empresa.
154
155
As partes ideais foram calculadas a partir dos valores, pois coube adquirente Dolores Amoreno Azurza uma
parte no valor de Rs.35:000$000 (entendida como equivalente a 77,78% = 562.027,39 m2) e Joanna Azurza
Ugarte uma parte no valor de Rs.10:000$000 (entendida como equivalente a 22,22% = 160.558,61 m2)
Camila Salles de Faria - 198
Por sua vez, Azurza & Companhia Limitada comprou de Lucrecia Araujo Ribeiro de
Azambuja, Theophilo Cassiano Prado de Azambuja Filho, Rinaldo Ribeiro de Azambuja,
Fabiola Ribeiro de Azambuja, Sybila Ribeiro de Azambuja e Bireno Ribeiro de Azambuja,
uma gleba de terras com a rea de cem alqueires, mais ou menos, destacada da Fazenda
Jaragu, ou seja, foi destacada apenas uma tera parte dessa transcrio, ficando sobras de
duas teras partes da rea do imvel, o qual foi registrado na transcrio n. 27.921, de 3 de
julho de 1925, do 2 CRI de So Paulo.
Nota-se que no h transcrio anterior, conforme documentos emitidos pelo 2o CRI.
Trata-se, portanto, de registro de imvel em que o imvel no possui origem, ou seja, no se
comprova que foi regularmente destacado do patrimnio pblico federal ou estadual para o
privado por ato administrativo ou judicial. H indcios de que os motivos que levaram o 2o
CRI de So Paulo a efetuar a transcrio n. 27.921, de 3 de julho de 1925, foram apenas os
termos da escritura de 25 de junho de 1925, lavrada nas Notas do 4o Tabelio de So
Paulo/SP. Nessa escritura tambm no h qualquer referncia transcrio anterior do imvel
que estava sendo objeto de venda e compra. H apenas os seguintes termos:
156
Dao em pagamento um acordo em que o credor aceita receber do devedor prestao diferente do que lhe
devida. Conforme o Cdigo Civil de 1916, vigente no perodo, o credor pode consentir em receber coisa que
no seja dinheiro, em substituio da prestao que lhe era devida (artigo 995).
Camila Salles de Faria - 200
Jos Ferreira Rainho e Antonio Biondi compraram de Dulce Gracio Jorge e Mario Jorge
Uma Gleba de terras com rea de 36.000 m2 (equiv. 3,6 ha) no lugar denominado Fazenda
Taipas.
T. 25.822 8 CRI, de 30/08/1955
Obs. Consta no ttulo uma servido perptua e onerosa a Light de 3.049 m2, registrada na
inscrio n 3.158 do 8 CRI
Jos Maria Cardoso Junior adquiriu por dao in solutum de Albano Lopes Silva
Uma parte de terras com rea de 38.000 m2 (equiv. 3,8 ha) no lugar denominado Fazenda
Taipas.
T. 6.516 2 CRI, de 05/04/1933
Albano Lopes Silva comprou de Joo de Souza e sua mulher Elydia Maria das Dores
Meia parte de terras no Stio Taipas.
T. 2.878 2 CRI, de 21/09/1914
NO H IMVEL DE ORIGEM
157
Para a TI Tenond Por, recorreu-se a uma estratgia de levantamento de pesquisa diferente daquela utilizada
para aos imveis no Jaragu, no se partindo das informaes dos processos judiciais, mas da informao com
os nomes dos ocupantes publicada em Dirio Oficial pela portaria n. 123, de 18 de abril de 2012, com o
resumo do Estudo de Identificao e Delimitao da atual TI Tenond Por. O acesso escrevente do 11 CRI
foi moroso, mesmo com oficio assinado pelo orientador, comunicando que se tratava de pesquisa acadmica. A
opo foi pagar para obter cpia da certido do Yasuhiko Kugo, a nica cujo nmero estava disponvel, por
consulta ao arquivo do CTI. importante ressaltar que h iseno de custos e emolumentos para a
Universidade de So Paulo (USP), legislao ignorada por muitos CRI. Depois de efetuado o pagamento,
protocolado com o ofcio e decorrido o prazo de pesquisa, deu-se o atendimento pela escrevente. De posse da
listagem dos ocupantes no indgenas, foi sendo feita a consulta, encontrando poucos nomes no sistema de
registros, com a prvia ressalva da escrevente de que se tratava de uma rea difcil. Quando questionada
sobre a origem dos ttulos, a resposta foi que eram coisas muito antigas que se constituram, sem mencionar
a legislao.
Camila Salles de Faria - 202
Outra tentativa em busca dos registros cartoriais de Yasuhigo Kugo ocorreu por meio da matrcula n.
204.607, do 11 Cartrio, de 23 de setembro de 1987, que passou a integrar o domnio da Unio, aps a
homologao da TI Barragem. Contudo, h no documento a expresso nada consta tanto para os
proprietrios como para o registro anterior.
159
Ressalta que consta na Escritura de Compra e Venda o nmero das transcries dos dois terrenos sem
benfeitorias e acrescida do seguinte texto do tabelio do Cartrio de Notas de Parelheiros (livro 54 fl.1), que
diante de todos os compradores e vendedores, presentes meus conhecidos e das duas testemunhas adiante
nomeadas e no final assinadas, do que dou f. E, perante essas mesmas testemunhas, pelos outorgantes
vendedores, expressando-se cada um por sua vez, me foi dito o seguinte: que, (...) so senhores e legtimos
possuidores de dois terrenos, sem benfeitorias.
Camila Salles de Faria - 204
NO H IMVEL DE ORIGEM
Figura 24 Cadeia Dominial Parcial do Imvel 1: Yasuhiko Kugo
A empresa foi aberta em 30 de outubro de 2002, com sede na rua Lbero Badar eatividade econmica
principal
de
consultoria
em
Gesto
Empresarial.
Disponvel
em:
<https://www.infoplex.com.br/perfil/05380322000127>. Acesso em: 25 set. 2015.
Camila Salles de Faria - 205
de Parelheiros, com rea de 7 alqueires, ou sejam, 169.400 m2 (equivalente a 16,94 ha). Ela
apresenta duas transcries como anteriores: uma inscrita na 1 CRI de So Bernardo do
Campo161, e a outra sob o n. 133.158, do 11 CRI, de 18 de fevereiro de 1965 em que Sueo
Katanosaka adquiriu, de Attilio Pieroni e esposa Maria Gianotti Pierolli, Ernesto Bechelli e
sua mulher Luiza Gina Bechelli e Agostinho Bechelli (italiano), partes ideais em um terreno
situado no ponto onde divide com a So Paulo Light, no Bairro Varginha ou Curucutu,
distrito de Parelheiros, com rea de 242 m2, mais ou menos. Contudo, segundo a averbao
de 16 de abril de 1983, essa rea foi retificada por processo judicial, e passou para 13
alqueires paulistas e mais 1.226,53 m2, ou seja, 315.826,53 m2, e equivalente a 31,58 ha.
Esse imvel provm da transcrio n. 17.384, do 6 CRI, de 21 de dezembro de 1938, em
que se registra que Attilio Pieroni, Alfredo Bechelli, Saulo Bechelli, Ernesto Bechelli e
Agostinho Bechelli compraram de Amaro Felciano dos Santos e sua mulher Izaltina dos
Santos, um terreno, situado na estrada que vai para a colnia, no bairro de Varginha ou
Curucutu [...] fechando a rea de 10 alqueires, mais ou menos, ou seja, menor que a
pertencente ao imvel posterior. Por sua vez, esse imvel provm de outras duas transcries,
as de n. 27.275 e 24.724 do 3 CRI. A primeira, de 30 de abril de 1924, refere-se a metade
de um terreno, situado no Bairro Varginha ou Curucutu em So Bernardo, que Amaro
Feliciano dos Santos comprou de Joaquim Feliciano dos Santos. A outra, a um terreno no
Bairro Varginha ou Curucutu em So Bernardo, que Amaro Feliciano dos Santos e Joaquim
Feliciano dos Santos compraram de Amaro Lopes e sua mulher Amlia Schmidt. Nota-se que
no h as extenses das reas dos imveis, apenas uma descrio genrica dos limites, que so
idnticas, apresentando alguns confrontantes, e iniciando, por exemplo, em um pau de
Carvalho que tem cruz. Por sua vez, consta que Amaro Lopes e Amlia Schmidt compraram
de Joo Bento Mendes e mulher, por escritura de 1 de outubro de 1910, lavrada e transcrita
na Primeira Circunscrio sob n 56.985.
161
Por se referir a outro municpio, optou-se aqui por no continuar a construo da cadeia dominial, mantendo-a
parcial nesta tese.
Camila Salles de Faria - 206
T. 8.914, do 1 CRI de So
Bernardo do Campo
cdigo civil. Portanto, contrariou-se a legislao que criou o Registro Geral (Decreto n.
3.453, de 26 de abril de 1865).
Kaiji Kawasaki comprou de Esperana Strize
O terreno, rea de 2 alqueires mais ou menos
T. 84.032 11 CRI, de 26/03/1958
Este decreto dispe sobre desapropriao de rea necessria a Bacia de Inundao do Rio Capivari-Embura e
execuo do canal de descarra no Rio Emb-Guau.
Camila Salles de Faria - 208
m2 (equivalente a 28,33 ha) e desapropriada de 2,26 ha, o qual foi havido pela transcrio n.
71.660, do 11 CRI. Conforme a ficha cadastral da gleba no processo consultado junto
Sabesp, sobre a situao dominial, as pesquisas no competente registro de imveis, no
permitiram o encontro de dados sobre a situao dominial do imvel e o proprietrio no
apresentou informaes a respeito.
A terceira gleba mencionada est registrada pela matrcula n. 61.664, do 11 CRI, de
4 de julho de 1979, anotado em nome de Pedro Hessel Reimberg e Rita Hengler da Silva, com
rea desapropriada de 24,25 ha de um total de 68,90 ha, tendo como registro anterior o de n.
1.567, do 11 CRI.
A quarta gleba constituda por dois imveis em nome de Marcelo Grosz e Berta
Fisch de Grosz (esplios). Um deles registrado pela matrcula n. 5.811, do 11 CRI, de 27
de abril de 1976, com rea de 11.690 m2 (equivalente a 1,16 ha), constando ainda em
averbao de 05 de maio de 1982 a correo da rea total do imvel, que passa a ser de
111.690m2 (equivalente a 11,16 ha), e tendo como registro anterior o de n. 61.782, do 11
CRI. O outro imvel est inscrito pela transcrio n. 220.758, de 24 de novembro de 1971,
com uma rea de terras com 277,68 ha, em que segundo a filiao (transcrio n. 61.782, de
5 de julho de 1954), Marcelo Grosz comprou a fazenda Capivari, com sede em Evangelista
Souza, no municpio de So Vicente, com rea de 247,92 alq (equivalente 599,96 ha).
O levantamento parcial dessa cadeia dominial, assim como sua inexistncia na ntegra
nos processos consultados junto Sabesp, revela que o Estado no se preocupou com a
legitimidade dos ttulos de propriedade privada, e ainda os reiterou como propriedade privada
capitalista ao pagar a desapropriao com valores de mercado.
Em suma, o que se observa que nenhuma das cadeias dominiais apresentadas tem
como origem um bem pblico, ou mesmo a chancela do Estado de ttulos de posse, ou ainda a
indicao da legislao que as legitime ao longo da histria brasileira desde as concesses
promovidas pelo governo de Portugal, as sesmarias confirmadas, por exemplo. Constituindo,
assim, indcios de que houve na origem a apropriao privada de terras pblicas (devolutas ou
no), ou seja, a grilagem de terras pblicas, a qual foi se legitimando com a constituio da
propriedade privada.
Contudo a apropriao privada das terras pblicas no se resume a um ato do passado,
nem mesmo a busca por sua legitimao por meio da constituio da propriedade privada
capitalista. o que sinalizou o levantamento fundirio produzido pela Secretaria Municipal
Camila Salles de Faria - 209
Assim, no se trata de vtimas, mesmo que seja uma relao desfavorvel de foras,
mas de sujeitos sociais na construo de sua prpria luta, e por isso trazem como
possibilidade a transformao. Bensaid (2001) corrobora a autora, ao afirmar que
163
164
diferentes. Os Guarani estavam distribudos nas seguintes TI: TI Jaragu (Tekoa Ytu e Tekoa
Pyau), com 581 indgenas que ocupam juntos aproximadamente 3 ha; TI Tenond Por
(Barragem), com 26 ha e 606 indgenas; e TI Krukutu, com mesma rea e 218 indgenas.165
Em 2013, perodo dos ltimos dados disponibilizados, a Sesai alterou a forma de divulgao
das informaes, contabilizando em So Paulo 1.422 indgenas, morando somente nas trs TI
regularizadas: 625 na TI Tenond Por; 232 na TI Krukutu; e 565 na TI Jaragu (Tekoa Ytu).
Assim, o rgo desconsiderou as cinco demais aldeias Guarani existentes em So Paulo,
embora somou a populao somente nas trs TI regularizada.
Nesse sentido, no basta apenas que os indgenas tenham sobrevivido, mas que
mantenham uma existncia como Guarani em suas terras, uma existncia que contenha a
permanncia de momentos da vida orientados por sua cultura, conforme seu modo de ser/viver
(nhandereko). A dimenso da existncia abriga o uso e a apropriao comunitria de suas
terras para a formao e manuteno dos tekoa. Isso porque o uso d sentido a suas vidas,
sendo fruto direto da materializao de sua cultura, baseada inicialmente em rituais e na
leitura do mundo por meio das narrativas mticas, as quais orientam e justificam
constantemente o presente166. No processo de resistncia dos Guarani, destacam-se
elementos importantes, como sua relao de mobilidade em seu territrio e ao mesmo tempo o
uso de suas terras pela agricultura indgena e na imediaticidade com a natureza.
Como contedo da resistncia que acentua o uso dos indgenas de seu territrio,
atualmente fragmento, est a permanncia que se revela no ato de no ceder, no sair
daquele lugar, que no atual processo de luta dos Guarani pela terra traduz-se como o ato de
ficar em suas terras. o que revelam as palavras do cacique Ari, do Tekoa Itakupe, na atual
TI Jaragu, diante do processo de reintegrao de posse contrrio permanncia fsica dos
indgenas em suas terras:
Quando eu falo resistir. No quer dizer que vou enfrentar um policial com arma de
fogo, porque ns no temos armas de fogo. A flecha diante de uma metralhadora e
um fuzil, no vale nada. Resistir assim, no sair. Agora se for para morrer... se no
167
for para ocupar vivo, vou morrer aqui dentro. (grifo nosso)
165
166
Segundo Viveiros de Castro (2002, p. 69), O mito no apenas um repositrio de eventos originais que se
perderam na aurora dos tempos; ele orienta e justifica constantemente o presente.
167
o primeiro, de cunho religioso, que tem seu substrato na cosmologia Guarani, que
chamo de migrao tradicional, e o segundo, impulsionado por expulses violentas,
expropriaes de terra e guerras por territrios, a migrao por expropriao.
168
Fala-se aqui em mobilidade e no nomadismo, visto que a populao Guarani tem como principal
caracterstica a agricultura.
Camila Salles de Faria - 214
Para essa autora, h profundas diferenas entre esses dois aspectos, mas ela ressalta
que o comum a todos estes movimentos o fato das pessoas abandonarem definitivamente a
terra de origem e de estruturarem-se em um estado ritual de migrao (MELLO, 2001, p.
53).
J Brighenti (2010, p. 10-133) entende que as migraes no trazem o contedo do
abandono total do lugar de origem, da mesma forma como os deslocamentos se realizam
circunscritos no territrio Guarani, ou seja, no h uma expanso desse territrio. Para o autor
existe uma multiplicidade de fatores que motivam ou foram os deslocamentos, os quais
decorrem de fatores de ordem interna ou no. E aponta como aspecto predominante nas
respostas dos Guarani a busca por espaos adequados s necessidades de viver as relaes
sociais prprias, seja na esfera religiosa mtica, seja na esfera econmica social.
Nesse sentido, o conceito de mobilidade apresenta-se aqui como um elemento potente
para o entendimento do processo de resistncia indgena. Compreende-se que ele expresso
pelas relaes sociais que as comunidades mantm com as demais aldeias Guarani presentes
em seu territrio, que envolvem visitas a parentes para atividades de agricultura (troca de
sementes tradicionais, por exemplo), coleta, caa, ou em funo de casamentos, morte,
batismo e outros rituais, ou mesmo pela busca da terra sem males (Yvymarey) ou para a
formao de um tekoa, lugar em que possam desenvolver seu modo de ser/viver. Dessa forma,
ele no evidencia o contedo das foras externas, do contato, do conflito com os no
indgenas e do processo de expropriao de suas terras pela lgica capitalista, mas privilegia a
autonomia dos Guarani e os elementos historicamente construdos nos atos de exercerem sua
cultura.
Essa relao de troca (material e imaterial)169 entre as aldeias Guarani implica que
aquelas de So Paulo, por exemplo, no podem ser pensadas de forma isolada. Isso porque a
populao Guarani de So Paulo mantm uma srie de relaes sociais entre si e com as
demais aldeias Guarani tanto do Sul quanto do litoral ou do interior, mantendo um circuito de
troca, muitas vezes permeado pelo sistema de parentesco. O Sr. Hortncio170 fala sobre esse
processo:
Eles vo como se fossem fazer uma visita, a se gostar do lugar acaba ficando mais
tempo, depois se lembrar fazer outra visita, eu vou l passear, e assim vai indo,
169
170
Morador do Tekoa Pyau. As repostas foram dadas em Guarani e traduzidas por Natalcio, em entrevista
realizada em 30 de abril de 2007 por Letcia Giuliana Paschoal (pesquisa de iniciao cientfica).
Camila Salles de Faria - 215
costume. Antigamente era assim, sempre visitando os parente, vai a p, n!? Como
ele est dizendo no tinha carro, no tinha nada, ia a p. s vezes pegava uma
estrada e eles iam embora, quando escurece, ele faz foguinho e dorme ali perto de
uma rvore e j era!
no era para ficar aqui. Vim pelo seguinte, l em Ubatuba a gente no tem bem
recurso pra negcio de sade, principalmente naquela poca, e como minha mulher
estava com problema de sade eu peguei e vim para c tratar, porque a gente sabia
que tinha posto aqui, tinha mdico aqui dentro. A vim pra c e no fim o Jos
Fernandes, que cacique, falou: Ah! Tem lugar a. Fica a. E a gente comeou a
fazer este barraco e ficou. A, meu filho veio passear com a mulher. Veio s passear
e acabou ficando tambm. (FARIA, 2008, p. 14)
A mobilidade dos indgenas pode ser entendida por meio da formulao do lder
espiritual Jos Fernandes, segundo o qual o Guarani no pedra para ficar parado, ou,
conforme explica Pedro Macena, do Tekoa Pyau:
A gente no como outras etnias que gosta de ficar s em um lugar, a gente gosta de
circular pelo nosso territrio... A gente sabe onde est nosso territrio... onde est
nossos parentes, nossa famlia... (OLIVEIRA, 2013, p. 11)
Ou mesmo uma mobilidade derivada das lembranas dos ensinamentos dos mais
velhos, em que se mudam dentro da prpria aldeia ou mesmo alteram a posio das coisas na
casa, segundo revela Paulina171: meu pai disse que temos que mudar a cama toda semana de
lugar seno temos que ir embora. A construo da casa dos Guarani tambm mantm esse
sentido dinmico:
171
172
173
Entre 2012 e 2013 deu-se no Tekoa Pyau uma ao da organizao TETO, para a construo de casas de
madeira; os indgenas informam que teriam de pagar cerca de R$ 100 pela habitao. A ao aconteceu em
parceria com um programa de voluntariado da companhia Telefonica. (TEAM, 2013)
174
Essa situao pde ser presenciada em 2014, quando algumas famlias Guarani deixaram de morar no Tekoa
Tarum (SC), mudando para o Tekoa Reta (SC), enquanto outras chegaram ao Tarum e estavam construindo
suas casas e preparando o solo para o plantio.
Camila Salles de Faria - 217
Esse territrio Guarani apresenta-se cada vez mais fragmentado, devido incidncia
de ocupao da lgica capitalista, pois aps serem desapossados de suas terras
principalmente nas regies sudeste, sul e centro-oeste, em virtude do modelo de
desenvolvimento nacional, restaram aos ndios pores fragmentadas, degradadas e pouco
frteis de terra (LADEIRA, 2001, p. 116).
Esse territrio Guarani que compreende aldeias do Brasil, Argentina e Paraguai , na
atualidade, denominado pelos indgenas de Yvy rupa (suporte terrestre, na traduo literal).
Mas ele no implica somente uma relao fsica e material, conforme explica David Martins,
liderana do Tekoa Ytu, da atual TI Jaragu:
Para ns o Yvy rupa, o territrio Guarani, ele tem sentido quando existe uma ligao
entre todos. Todos os Guarani esto ligados atravs da espiritualidade, atravs da
reza, um reza pelo outro, e se comunica atravs da reza.
[...] Porque para ns Guarani, no existe a diviso de fronteira, diviso de Estado,
diviso de pas. Isso foi um processo histrico da formao do territrio brasileiro, e
tambm da formao do continente da Amrica do Sul. Por isso que para os
175
Guarani, o territrio um s, que a gente chama de Yvy rupa.
Yvy rupa a dimenso terrestre de um universo por onde eles circulam entre sujeitos
humanos e no-humanos e cultivam experincias que permitem tambm a
comunicao com a dimenso celeste e seus habitantes.
Yvymarey: a Terra da eternidade, onde nada tem fim, nada se acaba ou estraga,
tudo se renova ciclicamente. O contedo mais significativo de Yvymarey est na
condio de eternidade contida na prpria semntica da expresso (yvy = terra;
marey = que no acaba, no estraga, no adoece). Yvymarey, a terra onde nada
tem fim, composta por elementos originais que no se esgotam. Esta virtude no
reside no aspecto quantitativo, mas na qualidade de perenidade de seus elementos.
Este pensamento define os modos de uso da natureza e da agricultura, em que a
noo de abundncia est associada possibilidade de renovao dos ciclos, e no
ao armazenamento e comprometimento das espcies naturais. Para alcanar este
espao mtico preciso conquist-lo, cumprindo as regras sociais impostas aos
humanos, no mundo terreno. (LADEIRA, no prelo, p. 12)
176
A maioria das aldeias Mbya do litoral est situada nos montes que permitem a viso do mar. Assim, a serra do
Mar aparece como dique, lugar de onde se v o mar, a terra que pode reter, esconder e proteger do mar. Os
Mbya retiram muito pouco para seu sustento do mar (poucas espcies de peixe), sendo a base para sua
subsistncia o mato. Alm disso, no existe o hbito de nadar no mar: eles preferem as guas limpas das
pequenas nascentes. (LADEIRA, 1992)
Camila Salles de Faria - 219
um lugar acessvel aos vivos, aonde seria possvel ir de corpo e alma, sem passar
pela morte. [...] A Terra sem Mal a negao de qualquer ordem poltica e social,
[...] a negao de qualquer poder [...]. Isso porque est a implcita a possibilidade de
os homens serem seus prprios deuses. (NAVARRO, 1995, p. 64-69)
Diante desse contedo de terra em que no se esgota, que no acaba, Pierri (2013)
analisou-a como uma relao entre o perecvel e o imperecvel, entre o mundo terrestre e o
celeste, e sua possibilidade ocorreria na transformao corporal dos Guarani e no apenas
como um lugar especfico e localizado.
Diante do exposto, cabe ressaltar a mobilidade como um momento do processo de
resistncia, lido como um elemento fundante da existncia Guarani, que revela a contnua
relao de troca material e imaterial (econmica, poltica e de conhecimento/aprendizagem)
que os indgenas mantm com as demais aldeias em seu territrio.
para esses homens, na sua relao com o espao vivido, o homem no mais do que
a natureza, no existe o pressuposto da superioridade um com relao ao outro, e a
natureza pode ser confortvel quele que a conhece. O que existe uma profunda
convivncia, um parentesco e um respeito entre sociedade e natureza, que acontece
para que o mesmo homem continue a existir, ali mesmo, no lugar e na pessoa de
seus filhos e descendentes. E acrescenta que a relao do homem tradicional com
seu espao a mesma que mantm com seu prprio corpo. (BARBOSA, 2000, p.
196).
E assim assevera o Sr. Ado Antunes, morador da TI Morro dos Cavalos (SC):
Para os Guarani, tanto eles como os elementos da natureza foram criados por
Nhanderu (divindade), assim como os sujeitos no humanos, os chamados espritosdonos (ja ou jra em Guarani), os quais so responsveis por cuidar de todos esses
elementos (TESTA, 2014)178. o que esclarece o Sr. Pedro Vicente, morador do Tekoa
Tenond Por (antiga Barragem):
178
Comumente os Guarani os denominam simplesmente dono, mas isso em nada se assemelha ao conceito de
proprietrio na lgica capitalista.
179
Termo que denomina todos os mais velhos com conhecimento reconhecido por um grupo. Na traduo literal:
meu av.
Camila Salles de Faria - 221
um esprito ligado com Deus Nhanderu e ele que aparece no sonho do Xeramo.
O dono avisa que tem uma caa, um bicho, um peixe, que ele est doando, Guarani
s pega o que doado. (PIMENTEL; PIERRI; BELLENZANI, 2012, p. 476-477)
No mesmo sentido fala o Sr. Pedro Alves, morador do Tekoha YHovy (PR):
Todas as coisas na terra tm seu jra (esprito-dono) [...] Os donos eram rezadores
para quem Nhanderu deu uma misso. So desses donos que os indgenas tm
medo, mas os brancos no respeitam nada e destruram tudo, no respeitando
180
nenhum dos jra.
H, segundo os Guarani, e nas palavras de Sr. Pedro Alves, uma relao de respeito e
medo com os espritos-donos. Respeito que se expressa no ato de rezar (pedir, negociar) na
casa de reza (opy) ao ir pescar, caar e coletar, por exemplo. Aps essa negociao prvia
com os espritos-donos, entende-se que foi o dono quem deu ou o dono quem mandou.
O desrespeito aos espritos-donos no levaria somente no concesso desses
elementos (como por exemplo, o de no conseguir caar, ou coletar a espcie para fazer o
remdio, ou este no produzir o efeito desejado), mas possvel transformao corporal do
Guarani em outro ser, geralmente um animal (Ojepota)181. Essa transformao corporal
envolve desde o crescimento excessivo de pelos, o endurecimento da pele como se fosse um
couro, at uma transformao irreversvel em animal e, com isso, a morte. Nas palavras de
Antunes (2010, p. 26), em uma narrativa mitolgica:
Existe uma srie de cdigos e regras necessrios para no contrariar os espritosdonos, dentre elas a tica, que envolve o uso e o no desperdcio daquilo que lhe foi
concedido (TESTA, 2014)182. Segundo Pierri (2013), h na relao dos Guarani com os
180
181
Segundo os Guarani, h ainda trs momentos da vida em que o corpo est mais propenso a essas
transformaes, em que os seres da mata querem dele se apossar, por exemplo, quando se casam, quando
tm irmos recm-nascidos e quando esto se tornando adultos. Os espritos-donos podem se transvestir da
imagem de outro Guarani com o intuito de despertar o desejo e com isso levar o corpo. (Ver documentrio
realizado pelos Guarani, em 2012, no Tekoa Por, intitulado Ojepota Rai Vae Regua sobre aquele que
quase se transformou.)
182
espritos-donos um histrico construdo em que alguns so mais agressivos e por isso mais
temidos do que os outros, como por exemplo o dono da lontra (guairakaija)183.
Dessa forma, o modo de se relacionar com a natureza dos Guarani contm, simultnea
e intrinsecamente, sua conservao. No se separa a natureza da vida desses indgenas, porque
dela que retiram sua existncia fsica e espiritual. por isso que eles precisam de extenses
de terra que contenham elementos da natureza (a mata, o rio e outros) para realizar o processo
social de suas reprodues, pois esse um dos fatores que orienta a ocupao de uma terra,
para a formao de um tekoa, e tambm deveria s-lo para sua regularizao em TI, e no um
simples clculo matemtico que crie um modelo a ser aplicado em todos os casos, que
envolva a relao de um indgena e a quantificao da rea necessria para sua sobrevivncia.
Assim, para a formao do Tekoa, lugar onde existem as condies para exercer o
modo de ser/viver Guarani, necessrio haver elementos da natureza e a possibilidade de
sua reproduo. o que diz o Sr. Ari, indgena Guarani da TI Jaragu:
uma aldeia tem que ter mata, tem que ter gua, tem uma cachoeira l que ainda d
pra aproveitar e fazer alguma coisa mais tpica [...] a rea que t devastada tem que
reflorestar, o importante uma aldeia que tem mata nativa [...] tem que ter caa, ter
pesca, tem que ter tudo que da natureza. Isto uma aldeia. Tm os netos aqui e
tenho que mostrar como que se convive com a natureza. O ndio para fazer histria
estando na natureza que ele vai aprender. convivendo com a natureza. (FARIA,
2008, p. 19)
Ou ainda o Xeramo Gracindo, que considera importante na aldeia: ter caa, pesca, ter
lugarzinho para pescar, achar umas ervas medicinais Guarani; tudo isso importante ter
dentro da aldeia.184
A caa, a coleta e a pesca so atividades importantes para a existncia (fsica e
espiritual) do Guarani, e que corroboram a manuteno e o fortalecimento dos laos sociais
entre as aldeias, bem como a transmisso entre as geraes das tcnicas tradicionalmente
concederam-lhe o animal (a caa). No entanto, ele comeu a caa na prpria mata, sem retornar aldeia e comer
coletivamente e muito menos agradecer pelo presente. Por isso, contaram, nunca mais retornou aldeia,
permaneceu na mata, porque j havia se tornado um animal.
183
O documentrio produzido por Alexandre Wera, em 2012, intitulado Guairakaija (O dono da lontra),
revelou como alguns desses donos podem se mostrar vingativos caso se sintam desrespeitados. Ele narra a
histria de um jovem caador que apanhou em sua armadilha uma lontra, tida como um animal que vive na
gua e, caso seja maltratado e desperdiado, trocado por um dos Guarani. O desespero do jovem caador
foi amenizado pelas palavras de uma anci que disse algumas vezes foi o dono quem deu e seguiu rezando,
agradecendo, justificando e aconselhando a todos os presentes.
184
Entrevista com o Xerami Gracindo, antigo morador da aldeia Massiambu (SP), durante GT para Estudo de
Identificao e Delimitao da TI, em 2010.
Camila Salles de Faria - 223
Os Juru (no indgenas) acabaram com as coisas, j no temos mais gua limpa.
Tem s essa gua que vem do Juru (no indgena). Eles falam que so donos da
gua e do mato, as terras melhores que tem j esto na mo deles. Por isso a gente
fala que os Juru (no indgenas) no sabem ver essas coisas. Eles no olham pela
terra. Os nossos antepassados j viveram aqui desde muito antigamente, usando as
matas e as guas limpas. Nas matas tinha as fruta para comer, peixe. Antigamente
vivamos, assim, s pescando, mas j tnhamos preocupao com o Juru (no
indgena). Das matas tinha de tudo, a caa e tudo isso. Antigamente era assim, mas
hoje o branco fala que dele e vai fazendo as casas. A cidade j est crescendo at
em cima desse matinho pequeno que sobrou. A mata est acabando, a mata boa que
tem, os brancos falam que dele mas no sabem cuidar. Eles sujam toda as guas e
vendem as madeiras. Porque eles s pensam em dinheiro. A gente est preocupado
porque a cidade vai aumentar e a mata vai desaparecendo mais. como falei, os
Juru (no indgenas) s querem a mata para ganhar dinheiro e a gente no. A gente
no quer a mata para fazer um monte de casa no meio dela e fazer barragem, no
para ficar poluindo as guas. A nossa luta pela terra porque tem gente demais hoje
morando na nossa aldeia que pequena. Nossas casas esto uma do lado da outra,
por isso no tem espao para plantar. [...] Para a gente ficar bem, para os nossos
filhos ficarem bem, a gente quer muito que essas terras sejam regularizadas. A gente
sabe que impossvel a gente voltar a viver como antigamente. Mas ainda temos
nossa lngua e a gente quer terra para fortalecer o que a gente ainda tem. Para poder
plantar, para se fortalecer. por isso que a gente necessita da terra. (PIMENTEL et
al., 2013, p. 215)
Wilian apontou a diferena existente entre a relao dos indgenas e dos no indgenas
com a natureza, uma vez que estes a encaram como algo exterior, a ser dominado e at mesmo
negado. Nesse sentido, a sociedade armada da tcnica nega a natureza, domina-a e a destri,
no entanto, utiliza-se do destrudo e produz o recurso natural, que agora lhe pertence como
propriedade privada, o que limita (leva exclusividade) seu acesso, seu uso e sua apropriao.
Assim, a natureza, perpassada pela lgica capitalista, deixa de ser natureza e passa a ser
recurso natural, tornando-se passvel de comercializao.
A relao entre sociedade e a natureza tem sido alvo da anlise de muitos autores, com
diferentes caminhos metodolgicos. Aqui, a finalidade dessa anlise apresentar elementos
que permitam compreender a diferena entre as lgicas indgena Guarani e capitalista de
ocupao. Ressalta-se que no se pretende absolutizar essas duas lgicas, pois h, por
exemplo, as lgicas das denominadas comunidades tradicionais (ribeirinhos, extrativistas,
pescadores, entre outros), que devem ser mencionadas nesse processo de diferenciao.
Assim, Adorno e Horkheimer (1985) trouxeram para a discusso sobre a relao entre
o homem e a natureza o elemento da dominao. Por meio da dominao da natureza pela
Camila Salles de Faria - 225
tcnica, produziu-se a negao do homem como ser natural, pois o que os homens querem
aprender da natureza como empreg-la para dominar completamente a ela e aos homens
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 20). Utilizando a tcnica, essncia do saber, que se
garante a superioridade do homem, o que leva os autores a afirmar que pensando, os homens
distanciam-se da natureza a fim de torn-la presente de modo a ser dominada (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 49).
Neste sentido, Lefebvre (2000, p. 230, traduo nossa) prope um dilogo:
[...] A atividade tecnolgica e a cientificidade no se contentam em modificar a
natureza. Elas desejam domin-la, e para dominar tendem a destru-la; antes dessa
destruio elas a desconhecem. O processo comea com o primeiro instrumento.
[...] Para voc, o homem sai da natureza. Ele a conhece de fora. Ele s a conhece
destruindo-a.
O homem? Admitamos esta generalidade. Sim, o homem nasce da natureza, sai
dela e se volta contra ela, at o resultado insuportvel ao qual assistimos.
Essa destruio da natureza, segundo voc, provm do capitalismo?
Sim, em grande medida. Porm, o capitalismo e a burguesia tm, se ouso dizer,
costas largas. Atribuem-lhes todos os danos.
Assim como a produo fundada sobre o capital cria por uma parte a indstria
universal quer dizer, mais-trabalho, trabalho criador de valor , por outra cria um
sistema de explorao geral das propriedades naturais e humanas, um sistema de
utilidade; como um suporte desse sistema se apresenta tanto a cincia como todas as
propriedades fsicas e espirituais. [...] O capital cria, assim, a sociedade burguesa e a
apropriao universal tanto da natureza como da relao social mesma pelos
membros da sociedade. [...] Pela primeira vez a natureza se converte puramente em
objeto para o homem, em coisa puramente til; cessa de se reconhecer como poder
para si; inclusive o reconhecimento terico de suas leis autnomas aparece somente
como artimanha para submet-la para as necessidades humanas, seja como objeto de
consumo, seja como meio de produo. O capital, conforme sua tendncia, passa por
cima das barreiras e prejuzos nacionais, assim como sobre a divinizao da
natureza; liquida a satisfao tradicional.
Para Martins (1996, p. 15) o homem que, na atividade por meio da qual atua sobre a
natureza para saciar-se, para atender suas necessidades, modifica a natureza e modifica suas
Camila Salles de Faria - 226
prprias condies de vida, modificando ao mesmo tempo sua relao com a natureza. O
autor se refere, em um primeiro momento, ao uso da natureza como uma prtica para a
satisfao das necessidades do homem, e depois a uma dominao que altera a vida do
homem.
Em Lefebvre (1976-1978, p. 274, traduo nossa), essa relao homem-natureza pode
ser compreendida pela passagem do uso para o valor de uso, por meio de sua transformao
em mercadoria e em propriedade:
criao de parques. Esse modelo foi importando dos Estados Unidos, onde os parques
encontravam-se desabitados em decorrncia do extermnio dos indgenas e o homem
visitante e no morador desse cenrio composto por reas naturais intocadas e que se
transformaram em reas naturais protegidas (DIEGUES, 1994, p. 27). Dessa forma, o
homem seria um destruidor do mundo natural e, portanto, deveria ser mantido separado das
reas naturais que necessitariam de uma proteo total (DIEGUES, 1994, p. 53). Nesse
sentido, a proteo da natureza aparece como uma necessidade imperiosa para a salvao da
prpria humanidade (DIEGUES, 1994, p. 59). Tal concepo levou Diegues (1994) a
considerar a noo de mito moderno da natureza intocada185, e entende que, ao transp-la
para o Brasil, havia outra realidade a ser considerada, uma vez que as chamadas reas naturais
intocadas eram habitadas e usadas por populaes tradicionais (DIEGUES, 1994, p. 119):
185
Para o autor, o conceito de mito relaciona-se a uma representao simblica e do imaginrio entre o homem
urbano e a natureza.
186
Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservao (Snuc): art. 2 VI - proteo integral: manuteno
dos ecossistemas livres de alteraes causadas por interferncia humana, admitido apenas o uso indireto dos
seus atributos naturais e IX - uso indireto: aquele que no envolve consumo, coleta, dano ou destruio dos
recursos naturais.
Camila Salles de Faria - 228
Segundo o Snuc: Art. 15. A rea de Proteo Ambiental uma rea em geral extensa, com um certo grau de
ocupao humana, dotada de atributos abiticos, biticos, estticos ou culturais especialmente importantes para
a qualidade de vida e o bem-estar das populaes humanas, e tem como objetivos bsicos proteger a
diversidade biolgica, disciplinar o processo de ocupao e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos
naturais. 1o A rea de Proteo Ambiental constituda por terras pblicas ou privadas.
188
Segundo a Lei Municipal n. 13.136, de 9 de julho de 2001: Art. 3 - Sua criao tem por objetivos: I promover o uso sustentado dos recursos naturais; II - proteger a biodiversidade; III - proteger os recursos
hdricos e os remanescentes de Mata Atlntica; IV - proteger o patrimnio arqueolgico e cultural; V promover a melhoria da qualidade de vida das populaes; VI - manter o carter rural da regio; VII - evitar o
avano da ocupao urbana na rea protegida.
189
ao Tekoa Yyrexak, havendo placas com sua indicao e localizao desde o distrito do
Graja. Embora a cachoeira de Marsilac no esteja a montante do Tekoa Yyrexak, outras
atraes esto, como a cachoeira do Jamil e a cachoeira do rio Capivari, por exemplo, o que
faz com que os indgenas encontrem constantemente nesse curso dgua que usado
cotidianamente para o banho uma grande quantidade de lixo domstico (garrafas de vidro,
latas de cerveja e refrigerante, sacos plsticos, entre outros).
A outra unidade de conservao sobreposta parcialmente atual TI Tenond Por o
Parque Estadual da Serra do Mar. Trata-se de rea de proteo integral, criada em 1977 e que
posteriormente foi agregando outros ncleos. Em seu Plano de Manejo, de 2012, somente se
reconhece a existncia das cinco TI Guarani do litoral (TI Boa Vista do Prumirim, em
Ubatuba; TI Ribeiro Silveira, em So Sebastio; TI Rio Branco; TI Aguape, em Itanham e
Mongagu; e TI Bananal, em Perube), as quais so classificadas, em seu zoneamento, como
Zonas de Superposio Indgena, e categorizadas como de alto grau de interveno humana,
fato que ignora/despreza a relao dos Guarani com a natureza.
Processo similar ocorre com a TI Jaragu e o PEJ, onde alguns acontecimentos
conflituosos foram registrados. Tambm classificado como rea de proteo integral, o PEJ
ressalta, em que muitos momentos, a concepo de preservacionismo acima analisada por
Diegues (1994) muito embora, recentemente, com a portaria declaratria (n. 581, de 29 de
maio de 2015), tenha se autorizado a realizao de um plano de gesto conjunta, com
participao dos Guarani, dessa rea sobreposta entre a TI e o PEJ.
O PEJ teve a rea de 492,68 ha, denominada de fazenda Jaragu190, adquirida em 1940
(ver seo 3), porm sua implantao somente ocorreu em 1961 (Decreto n. 38.391). Hoje
190
A fazenda Jaragu foi constituda, no final do sculo XVI, a partir das descobertas de minas de ouro
(faisqueiras) no Jaragu, por Afonso Sardinha, considerado o primeiro grande bandeirante brasileiro, o
precursor de abridores de serto, o dominador de raas inferiores e capturador e vendedor de escravos
indgenas (TAUNAY, 2003). Mas tanto a extrao de ouro como a instalao da fazenda (com a construo
da sede, por exemplo) no ocorreram de imediato, em virtude dos frequentes ataques dos nativos que
defendiam suas terras (SO PAULO (Estado), 2010a). Isso porque se tratava de terras indgenas (dos Guarani
e seus ascendentes, como os Carij e os Guaian, por exemplo), e essa presena foi documentada desde 1562,
com o cerco de Piratininga, em que saram dessas terras para os ataques vila de Piratininga. Assim, entre os
sculos XVI e XIX se destacou a extrao de ouro no local, com relatos documentados da utilizao de mo de
obra indgena nesta fazenda no final do sculo XVII na extrao de ouros das minas e no incio do sculo XIX
na fazenda quando viajante John Mawe encontrou aproximadamente 25 indgenas e 50 negros trabalhando
segundo o autor estavam limpando o terreno e abrindo, nas matas, caminhos (MAWE, 1978, p. 71). Foi no
fim do sculo XIX (em 1870) que a extrao de ouro tornou-se antieconmica, devido profundidade das
cavas, e a principal atividade econmica passou a ser o cultivo de caf, havendo resqucios de alguns ps
intermeados ao remanescente de mata Atlntica existente no parque. No PEJ atualmente ainda existe o casaro
de Afonso Sardinha, marcado pela construo de taipas e pela presena de uma senzala, onde foram
aprisionados os indgenas e os negros escravizados. Contudo, h quem conteste essa verso: segundo Paulo
Ferreira, antigo morador da regio, Afonso Sardinha no apareceu nem em lata, aqui no bairro, e ressaltou
Camila Salles de Faria - 230
ele conhecido por sua grande importncia turstica de lazer para a cidade191, sendo que em
1946 o morro do Jaragu j havia sido considerado como ponto turstico.
O PEJ, como remanescente de mata Atlntica (rea natural intocada), possui
atividades de ecoturismo aliadas educao ambiental, e nele possvel realizar trilhas192
autoguiadas que conduzem ao pico do Jaragu, ou fazer o mesmo percurso com o auxlio de
monitores ambientais, com o intuito de aprender sobre a vegetao. O pico famoso por ser
o ponto mais alto do municpio de So Paulo, onde foi construdo um mirante.
No entanto, segundo seu Plano de Manejo (SO PAULO (Estado), 2010a, p. 6),
que Afonso Sardinha explorou ouro na regio do Jaragu e Osasco, mas no na rea da fazenda Jaragu, e com
isso a sede da fazenda nunca lhe pertenceu e sim a Gertrudes Galvo de Oliveira, diferentemente do anunciado
pelo PEJ (em reportagem sem fonte do acervo da Parquia Nossa Senhora da Conceio, no Jaragu).
191
Parte da descrio do parque presente no levantamento histrico de fevereiro de 2003, fornecido pela prpria
administrao do PEJ.
192
So quatro trilhas principais que se entrecruzam e levam ao pico do Jaragu, s trilhas do Silncio, da Bica,
do Pai Z e do Lago.
Camila Salles de Faria - 231
valores
em
seu
site:
aldeias Guarani. A criao de roteiro de visitao integrado entre o parque e a aldeia Guarani
tambm aparece documentada, como medida em mdio prazo, devendo-se buscar
alternativas para que os jovens Guarani sejam incorporados ao Programa de Educao
Ambiental do PEJ. (SO PAULO (Estado), 2010a, p. 353)
O Plano de Manejo tambm reconhece o uso dos indgenas em relao aos elementos
da natureza (fauna e flora) e, mesmo sem o conhecimento documentado das espcies
coletadas, parece no aprovar a prtica, diante de especulaes:
Perante os contedo da relao dos Guarani com a natureza, compreende-se essa busca
incisiva de se encontrarem e viverem nos poucos fragmentos de mata Atlntica existentes.
Assim se evidencia a disputa dos diferentes interesses sobre os elementos da natureza, que
para alguns se refere a recursos naturais. Ressalta-se que restam apenas 18% do municpio de
So Paulo cobertos pela mata Atlntica, o que equivale a 26.664 ha de mata e 148 ha de
vegetao de vrzeas194.
Nesse contexto, nota-se uma relao entre o possvel e o impossvel, e com isso a
elaborao de um projeto poltico e social pelos indgenas que permita sua contnua
existncia, fazendo-se necessria a prtica de resistir. Isso porque, para alargar o possvel
194
Dados do Atlas dos Municpios da Mata Atlntica perodo 2012-2013. Disponvel em:
<http://mapas.sosma.org.br/site_media/download/estatisticas/Atlas_municipios2014_anobase2013.pdf>.
Acesso em: 12 maio 2015.
Camila Salles de Faria - 233
preciso pensar, proclamar e querer o impossvel [...] sua estratgia consiste em tornar possvel
amanh o impossvel de hoje (LEFEBVRE, 1973, p. 39). Esse projeto envolve a posse plena
e o uso de suas terras, outrora tomadas (expropriadas), cuja efetivao dar-se-ia por meio de
sua demarcao, trazendo a possibilidade da realizao e do fortalecimento do nhandereko
(modo de ser e viver Guarani); desse modo, as atividades orientadas pela relao Guaraninatureza (pesca, caa, coleta e prpria agricultura, por exemplo) no se consolidariam
precariamente como nos dias atuais.
Dessa forma, ao viverem em espaos reduzidos, como os das TI demarcadas em 1987,
tanto em Parelheiros como no Jaragu, a relao de imediaticidade entre os indgenas e a
natureza passou a se realizar em um contexto no qual se tornou impossvel suprir a base
material necessria para a sobrevivncia dos Guarani sobrevivncia que passou a ser ento
garantida pelas doaes, principalmente no Jaragu, e pela monetarizao, portanto pela
mediao parcial do mercado. O dinheiro adquirido por meio da venda de artesanato, da
aposentadoria, de programas sociais, dos cargos criados pelo Estado dentro da aldeia, alm de
haver indgenas, em menor nmero, que trabalham fora da aldeia, sem vnculo empregatcio,
recebendo dirias, em atividades como a carpintaria ou a preparao de terrenos de no
indgenas para o plantio.
O dinheiro aparece como meio de troca para garantir a sobrevivncia da comunidade,
principalmente no que se refere a sua alimentao uma estratgia atualmente necessria que
geralmente conciliada com as atividades tradicionais. Indcios desse processo constaram no
depoimento do Sr. Hortncio, morador do Tekoa Pyau, na atual TI Jaragu:
Diz que antigamente, nunca viram dinheiro, de onde que veio... Ento eles
plantavam para sustentar a famlia, e tambm por exemplo, se tiver um milho-verde,
uma batata-doce, eles leva na sacola para fazer uma troca, ento assim ele vivia. Ele
disse que dinheiro mesmo nunca ele viu, no sabe como que existe o dinheiro se
veio da terra ou no sei da onde, at hoje ele disse que no conhece bem o dinheiro,
mas ele disse que hoje em dia preciso, necessrio. Antigamente no precisava
no, era tudo na troca s, batata por milho... Hoje complicado mesmo tudo precisa
de dinheiro, no tem como voc no pagar.
Ele est dizendo que no sabe como que as crianas de hoje em dia conhecem tanto
o dinheiro, antigamente no era assim. Ele fica preocupado com isso tambm, eles
no querem se vestir como antigamente, querem colocar cala, eles querem cala
bem especial, n!? Diz que antigamente qualquer coisa j serve pra eles e hoje em
195
dia no.
195
Entrevista realizada por Letcia G. Paschoal, em 30 de abril de 2007, em que as resposta do Sr. Hortncio
foram dadas em Guarani e traduzidas por Natalcio.
Camila Salles de Faria - 234
Nesse sentido, esse projeto poltico e social ressalta a importncia da terra (como tekoa
e at mesmo como TI), por isso traz o contedo da luta pela terra, isto , de seu uso possvel
para o desenvolvimento de suas atividades tradicionais. A terra revela-se como um elemento
fundamental para o modo de ser/viver dos Guarani (nhandereko), ou seja, a base da cultura
material e imaterial, das tcnicas de conhecimento/aprendizagem e das prticas de existncia
(fsica e espiritual) dos indgenas. Indcios desse processo aparecem nas palavras de Dona
Maria (falecida), que afirmou que queria terra, queria a rea pra plantar e no viver de
doaes, assim como do Sr. Ari, seu vivo e cacique do Tekoa Itakupe, que queria terra para
passar um pouco mais da cultura Guarani, referindo-se aos netos, ou mesmo s crianas, j
nascidas e criadas em nfimo espao como o Tekoa Pyau, por exemplo196. Ou ainda no
manifesto da Associao Amb Ver, do Tekoa Pyau (2006):
Durante conversa realizada em 11 de janeiro de 2007 quando moravam no Tekoa Pyau, aps serem expulsos
do Tekoa Itakupe.
Camila Salles de Faria - 235
quando a gente mora aqui numa aldeia, nossas mulheres, elas no vo pra
maternidade, no vo pro hospital. Dentro da comunidade a gente tem a parteira que
cuida das mulheres. Ento, essa criana nascida dentro da aldeia. A placenta dessa
criana enterrada, assim, na casa. Essa criana vai crescendo no local, ela j tem
contato com a terra. (DESIDRIO, 2007)
Nas aldeias de So Paulo, quando necessrio a me ter a criana nos hospitais da regio, muitas vezes ela ou
outro parente traz a placenta para ser enterrada na aldeia. Trata-se de uma prtica j acordada entre a equipe de
sade (da Sesai) que faz o acompanhamento durante a gestao, o hospital e os Guarani.
Camila Salles de Faria - 236
Nhanderu Tenonde (Nosso Pai Primeiro) disse: cada aldeia (tekoa) dever ter suas
plantaes, todos devem plantar milho, mandioca, batata doce... Enquanto isso cada
um vai procura do mel, todos no mato, e com o mel todos se alimentaro. E com
os alimentos gerados do plantio, misturados com o mel, vo se alimentar.
(LADEIRA, 1992, p. 79)
por meio da agricultura que se garante uma parcela da alimentao durante boa parte
do ano, conforme discorreu Natalcio Kara, do Tekoa Pyau, na atual TI Jaragu:
o que a Dona Arminda estava falando da questo da semente, que os pais dela
deixaram para ela, e o que ns temos hoje ainda... que, algumas sementes
plantamos e retiramos de novo aquela semente, guardamos de novo, consome um
pouco. A gente preserva aquela semente que ns tiramos e plantamos de novo, cada
ano fazemos isso, no bastante coisa no, mas pouquinho. De pouquinho a gente
est mantendo [...].
Mas eu confesso que j perdemos vrias sementes, por exemplo, semente de
feijozinho. Ento, uma coisa que s para vocs tambm entender essa questo...
que no quer dizer que a mesma semente da poca dos pais que est se mantendo at
hoje... lgico que ningum tem condio de manter a semente daquela poca, mas
tipo uma gerao e vai de gerao em gerao... assim como ns, de gerao para
gerao.198
198
Figura 27 Foto no Tekoa Itakupe em 25/03/2015: Secagem do milho tradicional (avaxi), pela fumaa do
fogo, o que preservar as sementes dos ataques de pragas e predadores (o rancho, por exemplo)
Fonte: FARIA, C.S.
colheita para agradecer. Os Guarani realizam plantio consorciado de espcies, na maioria das
vezes, o milho com o feijo, e de forma rotacional. A tcnica mais utilizada para a secagem da
semente do milho tradicional para ser guardado para o prximo ano agrcola, por exemplo,
manter os cultivos envolvidos pela fumaa do fogo ou do fogo a lenha, mantidos dentro das
casas, por isso as espigas so penduradas em cima destes.
Para o desenvolvimento da agricultura itinerante pelo sistema de corte e queima, h a
necessidade de um momento de pousio da rea para que no haja esgotamento da fertilidade
do solo, e com isso a perda das sementes/espcies plantadas. Assim, indispensvel que haja
outra rea para a abertura de um novo roado. Porm, atualmente, como os Guarani detm
posse plena de espaos nfimos, eles mantm um diminuto roado ou poucos cultivos
espalhados nos quintais de suas casas. A continuidade dessa situao precria poderia levar
perda da diversidade das espcies tradicionais existentes, por exemplo. (FELIPIM, 2001)
H ainda que se destacar a relao indissocivel da agricultura com as demais
atividades realizadas pelos Guarani e com os elementos da natureza. Pois, como explicou
Paulina, do Tekoha YHovy (PR), no entendimento do povo guarani tudo tem uma ligao
uma na outra, nada funciona, se um deles no funcionar, nada funciona. Sempre tem essa
ligao, com a natureza. Por isso, para iniciar o plantio necessria a vinda do tap
(gaivota), e consequentemente da chuva ou do canto da cigarra (tokoiro), como sinal de que
no h mais perigo de geada. (LADEIRA, 2001) Ou, conforme discorreu o indgena Manoel
Lima,
essa a poca propcia para a revelao dos nomes das crianas, pois quando Tup
se manifesta mais prontamente com relao ao envio das almas, sendo que o batismo
do milho feito no ano novo (ara pyau), ou tempo de renovao, com essa
cerimnia espera-se obter maior produtividade nas roas futuras.
H ainda, durante o Ara Pyau ou no incio do Ara Yma (tempo antigo), o batismo das
folhas da erva mate (kaa), que revelam notcias de parentes distantes, sobre mortes,
nascimentos, casamentos, doenas, etc. (LADEIRA, 1992, p. 142).
As fases da lua tambm influenciam no ato do plantio e da colheita, pois vo garantir a
qualidade das sementes tradicionais guardadas, para que elas no mofem ou no carunchem,
por exemplo, e com isso se efetive a manuteno da espcie.
No entanto, na perda ocasional da semente de alguma espcie tradicional ou na
busca por outra variedade que se reforam as relaes entre as aldeias do territrio Guarani,
pois, como j apontado, a troca de sementes aparece como um elemento importante de sua
mobilidade. Dentre os principais motivos para essa perda esto: mudana brusca na
temperatura (como excesso ou falta de chuva), ao de algum predador (FELIPIM, 2001), ou
mesmo a expropriao de suas terras sem poderem colher sua produo.
Atualmente, uma das preocupaes a contaminao ou at mesmo a extino das
sementes tradicionais dos indgenas, principalmente a de milho, que se trata de uma espcie
autgama (ou seja, que pratica autofecundao natural), j que praticamente impossvel
barrar ou deter a movimentao dos gros de plen. Por isso, essas sementes podem ser
facilmente contaminadas por plantaes com espcies hbridas ou transgnicas circunvizinhas
dos no indgenas, as quais circundam a maioria das aldeias Guarani, principalmente na
regio Sul do pas.
200
Trata-se do ritual de nomeao Guarani, em que o xam usa para o benzimento do nomeado um preparado de
cascas de cedro. Nesse ritual h, ainda, a preparao de velas de cera de abelha, as quais ficam dispostas em
uma estrutura circular, cada uma representando um pedido, e so posteriormente acesas e benzidas pelas
lideranas espirituais.
Camila Salles de Faria - 241
Notam-se mudanas no processo de luta dos indgenas por suas terras e por pores de
seu territrio, fragmentado ao longo dos dois ltimos sculos (principalmente no final do XX
e no XXI). No se trata de uma alterao no sentido/significado da terra para os Guarani, mas
nas aes prticas de resistir e nas estratgias para nelas poderem permanecer.
Em um primeiro momento histrico, a contestao por supostos proprietrios da
presena Guarani em terras usadas por eles bastava para que sassem do local, assim fugindo
do confronto, mesmo que este fosse apenas de palavras (LADEIRA, 1988; BRIGHENTI,
2010). Pois no havia fundamento, para os Guarani, discutir quem seria o dono das terras, j
que era sabido e repassado, principalmente pelas lideranas religiosas, o papel de Nhanderu
(divindade). Desse modo, eles saam e procuravam outros lugares para morar e exercer seu
modo de ser/viver (nhandereko). Como exps David Martins, liderana da atual TI Jaragu,
a gente nunca fez guerra quando o jurua (no indgena) chegou e falou: isso aqui no de
vocs. A gente aceitava. Tudo bem, de vocs a gente sai daqui e vai pra outra terra201.
Contudo, em um segundo momento histrico, diante do contnuo processo de
expropriao de suas terras, e com isso da constituio da propriedade privada capitalista (ver
seo 2), os Guarani percebem-se confinados em diminutos espaos, ou at mesmo sem
201
Discurso proferido em audincia pblica na Cmara dos Vereadores de So Paulo, em 19 de maio de 2015.
Camila Salles de Faria - 243
lugares e sem elementos da natureza que lhes permitam existir como Guarani. nesse
processo de tomada de conscincia que h uma mudana em suas prticas de luta pela terra.
Pode-se entender que essas prticas deixam de se restringir s casas de reza e passam a
envolver outras dimenses. Indcios dessa mudana se observam nas palavras de Cludio
Barros Vargas, de 98 anos, liderana espiritual do Tekoha Nhemboet, no oeste do Paran:
Os antigos pajs lutavam assim, danando os rituais. Com isso vinham os ventos
fortes que matavam os brancos, menos os pajs que danavam os rituais. E com isso
o nosso povo se salvava e os brancos acabavam. Depois os brancos comearam de
202
novo e esto ai at hoje. E estamos vendo o que eles so.
Assim, nesse momento mais recente que so incorporadas luta dos xams com
prticas como as descritas pelo Sr. Cludio: rezas, danas e cantos nas casas de reza outras
prticas e estratgias que extravasam os limites das aldeias e buscam diferentes parcerias.
As estratgias que envolvem o reconhecimento de direitos dos indgenas, embora no
sejam as nicas, merecem destaque no processo de luta territorial. Isso porque se entende que
elas decorrem da tomada de conscincia e da aceitao, que no ocorreu de imediato,
principalmente pelos mais velhos e pelas lideranas espirituais, de viver em terras demarcadas
e limitadas em um movimento de superao, acreditando-se que mesmo com os limites e os
marcos em suas terras, os Guarani mantm sua autonomia e o sentimento de liberdade por
meio de sua relao com a mobilidade, pois continuam sendo livres para andar nesse
mundo, conforme afirmou o Sr. Cludio. Por meio do direito, da justia dos no indgenas, a
luta pela terra dos Guarani dar-se-ia de uma forma pacfica, ou seja, pelo no enfrentamento
direto, o que a torna admissvel principalmente para as lideranas espirituais.
No mesmo sentido discorreu Maurcio Gonalves, coordenador da Comisso Guarani
Yvyrupa (CGY) pelo estado do Rio Grande do Sul e antigo morador do Tekoa Mboi Mirim
(SP), sobre a importncia do processo de luta, que data da chegada dos no indgenas ao
Brasil:
A luta Guarani no de agora, ela sempre foi anunciada, desde o descobrimento
do Brasil, e a partir da, iniciou-se a luta do povo indgena e do povo Guarani. Na
medida em que foram avanando as grandes cidades e o povo no indgena foi
aumentando, ns comeamos a luta de manter nossa cultura, nossa lngua e nosso
jeito de ser. Tnhamos tudo que precisvamos da natureza, ela oferecia a mata, os
rios, as caas, a pesca, tudo isso ns tnhamos, e quando comeou a formar o grande
povo dos brancos, eles no olharam o grande povo que j vivia aqui, que daqui
202
Feminino de xeramo, ou seja, como so denominadas todas as mais velhas com conhecimento reconhecido
por um grupo. Na traduo literal: minha av.
204
se organizar, para lutar e defender seus direitos. Direito que afirma ser resultado das leis
produzidas pelos no indgenas, mas que existem, embora no sejam colocadas em prtica.
Portanto, trata-se de uma apropriao do discurso do direito dos no indgenas. Direito
esse que foi historicamente construdo pelas disputas sociais e cuja manuteno depende de
uma constante tenso entre Estado e sociedade. Como destaca Thompson (1987), em estudo
sobre o direito a partir da Lei Negra no sculo XVIII na Inglaterra, a lei se refere a um
espao de conflito e no simplesmente a um instrumento de mediao das relaes de classe
em favor da consolidao e da legitimao do poder da classe dominante. Isso quer dizer que,
para o autor, a lei tambm a traduo das relaes existentes, as quais so marcadas por
conflitos e desigualdades.
Entende-se que as leis expressam as lutas entre vrias concepes e valores diferentes.
Alm do mais, h que considerar o longo caminho desde sua criao at sua realizao
prtica, pois sua aplicabilidade pode depender do lugar e do momento histrico. No caso da
legislao indigenista, coexistem leis com diferentes entendimentos sobre o tema, como a
Constituio Feral de 1988 e o Estatuto do ndio (Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973),
este ltimo baseado em conceitos em desuso, como o de integrao, por exemplo, as quais so
acionadas sempre que interessa a algum restringir a participao do indgena, e com isso
relativizar seus direitos (ARAJO, 2013, p. 144). Nesse sentido, Almeida (2008, p. 33)
pontua a enorme dificuldade de implementao de disposies legais, decorrente de um
pluralismo jurdico existente na Constituio Federal de 1988. Essa dificuldade de
implementao, segundo o autor, d-se, sobretudo, em sociedades de fundamentos coloniais
e escravistas, como no caso brasileiro, e por isso se realizam com aes pontuais e
relativamente dispersas (ALMEIDA, 2008, p. 33). H ainda que considerar que, no processo
histrico brasileiro, o Estado agiu para a manuteno e o favorecimento de uma determinada
classe social no poder, assim como legitimou e consolidou a constituio da propriedade
privada capitalista como um elemento do desenvolvimento do capitalismo (OLIVEIRA,
2007).
A apropriao desse discurso do direito no visa a proclamar o planejamento e
exaltar o Estado, mas inseri-lo no conflito, sendo inadmissvel para os Guarani sua sujeio e
seu controle por essa instituio. Assim, entende-se que o ato de resistir revela-se no processo
de luta para assegurar seus direitos, no qual a demarcao apresenta-se como a possibilidade e
a continuidade do uso de suas terras fundamentado na sua cultura, ou melhor, no modo de
ser/viver Guarani (nhandereko). Mesmo que em um primeiro momento a TI seja vista pelos
Camila Salles de Faria - 246
A lutamos, a a gente era s gente grande mesmo, naquele tempo no tem liderana
nenhuma pra apoiar o nosso trabalho de demarcao. S que ns estvamos com um
advogado, bom mesmo, at do corao mesmo tem amizade de ajudar, por isso que
essa partezinha demarcou ali. [...] E assim mesmo foram oito anos de luta, com dez
alqueires a pra demarcar, e a Barragem a mesma coisa, dez alqueires pra demarcar.
E ns fizemos associao, mesmo sem saber o que era isso naquele tempo. A
falamos com o Jos Fernandes e o Samuel: Como que a gente vai fazer?. A
pensaram, n, a colocaram... Agua. Tinha escritrio l em Santo Amaro.
Estudamos, pensamos, a chamaram Agua. Ento andamos por a. Direto Braslia,
direto Braslia, direto Braslia. [...] Ento lutamos oito anos pra demarcar esse
pedacinho a. (PIMENTEL et al., 2013, p. 132)
Nivaldo refere-se ao processo de luta pela terra de fins dos anos 1970 at o final da
dcada seguinte, quando no havia muito esclarecimento por parte dos Guarani sobre como
fazer e o que fazer para o processo demarcatrio, e para isso contaram com parceria de um
advogado. Manoel Lima207, liderana indgena que tambm acompanhou esse processo,
acrescenta que, quando chegaram a Braslia, no sabiam muito o que fazer, e junto com os
caciques de outros povos mais experientes conseguiram algumas explicaes. Ento eles
voltaram para as aldeias e reuniram informaes, como o nmero de famlias, por exemplo.
Em seguida retornaram a Braslia e cada um pediu uma rea pra si, ou seja, cada cacique
presente defendeu sua aldeia. Foi quando sugeriram que se eles integrassem a uma associao,
e os Guarani resolveram, com a ajuda do referido advogado, criar a Ao Guarani Indgena
205
A resistncia entendida aqui como uma ao que contm estratgias e tticas, inseridas em um projeto
poltico e social. (RIBEIRO, 2012)
206
No caso do municpio de So Paulo, a luta por direitos civis bsicos para os indgenas, como acesso a
educao, sade e documentao, j ocorreu. Porm h casos, como os das 13 aldeias Guaranis existentes nos
municpios de Guara e Terra Roxa (no oeste do Paran), em que os direitos civis (garantidos a todos os
brasileiros), alm do direito territorial, vm sendo constantemente negados.
207
(Agua)208, uma organizao jurdica em escala nacional, e avaliaram que atravs dessa
associao que ns conseguimos movimentar, chamar ateno das pessoas pblicas. Jos
Fernandes, outra liderana que participou desse processo, ressalta as dificuldades enfrentadas
durante as viagens a Braslia para cobrar do governo as demarcaes das terras Guarani:
diz o cacique sofremos bastante os caciques. Ns fomos a p, passava fome,
tem algum lugar que s d por a p. No tinha condio. J hoje no, que para ir j
mais fcil, a turma s no avio, vai no nibus. Mas primeiro no. Eu, Jijoc, Altino,
Nivaldo, Capito Branco, ns sofremos bastante. (SILVA, 2008, p. 55)
Ento a gente tem que conversar e cada um procurar o seu direito, porque os mais
velhos foram embora, mas vo ficar filhos, netos, bisneto vo continuar. No pode
a gente dizer j perdemos tudo e vou comprar terra, um lote. Vou morar na cidade.
A gente no pode fazer isso, porque, cada vez fazendo cada vez mais isso, a gente
perde o direito. Ento, tem que lutar para jurua (no indgena) falar que ndio lutou e
pegou. E se a gente comprar um lote, uma casa na cidade: agora os ndios esto
comprando, agora vamos segurar mais, porque o ndio tem que pagar. Ento no
podemos fazer isso. Tem que lutar pelos nossos direitos.
[...] Lutar, assim, modo de dizer, lutar no para bater, dar tiro. Porque acho que
entrar em confronto com fazendeiro no adianta, porque a gente perde mais o nosso
209
direito. Perde e tambm a gente pode ser at morto.
208
A Agua perdurou at a dcada de 1990, quando, por problemas financeiros, os indgenas a fecharam.
209
Depoimento de Fernando Branco, antigo morador da aldeia Mboi Mirim, em arquivo do CTI.
Camila Salles de Faria - 249
A autora descreve ainda a situao das terras dos Guarani nos anos 1980, quando
mesmo com a legislao reconhecendo seus direitos territoriais, estes no eram efetivados e
muitos indgenas expulsos de suas terras viram-se obrigados a morar com outros povos
indgenas em Postos Indgenas, sob as regras da Funai (LADEIRA, no prelo) (ver seo 2).
A questo das terras para os Guarani crtica. De acordo com a legislao brasileira
as comunidades indgenas tm direitos territoriais sobre reas de ocupao antiga,
sobre o que se convencionou chamar de habitat tradicional. Desta forma, grande
parte das famlias Guarani que esto em processo de migrao, justamente procura
de terras onde possam viver, ficam excludos dos benefcios da lei. A legislao em
vigor no leva em considerao nem os dinamismos internos de cada cultura nem as
situaes concretas de opresso, quando so desalojados de suas terras.
210
Essa luta, principalmente dos anos 1980, qual se referem os indgenas e a autora,
levou declarao dessas terras como de ocupao indgenas Guarani e homologao da
demarcao administrativa de sete TI no estado de So Paulo, dentre as quais, em 1987, a TI
Jaragu, com 1,7 ha (pelo Decreto n. 94.221, de 14 de abril de 1987), a TI Barragem, com 26
ha (pelo Decreto n. 24.223, de 14 de abril de 1987) e a TI Krukutu, com 26 ha (pelo Decreto
n. 94.222, de 14 de abril de 1987). Um resultado do convnio assinado em 20 de dezembro
de 84 entre a Funai e a Sudelpa e o governo de So Paulo (Franco Montoro, do PMDB), cujo
principal objetivo era a regularizao fundiria das aldeias Guarani da capital e do litoral do
estado. Como consequncia das reivindicaes, na mesma poca foram feitas as seguintes
demarcaes em terras Guarani: Silveira (em Bertioga), Boa Vista (em Ubatuba), Rio Branco
(em Itanham), Itariri (em Itariri), Jaragu, Barragem ou Morro da Saudade e Krukutu (no
municpio de So Paulo). Nota-se que foi excluda desse processo a aldeia de Mboi-Mirim,
em decorrncia da expropriao dos indgenas de suas terras (ver seo 2 desta tese), porm
desde o incio do convnio ela aparecia em reportagens e nos relatrios da poca, e os
indgenas reivindicavam sua regularizao como TI. (ASSINADO, 1985)
H ainda que ponderar as alegaes contrrias a esse processo de demarcao das
aldeias da capital em 1983, um ano antes da criao do referido convnio construdas pela
sociloga Mrcia Helena da Fonseca, contratada pela Funai. Segundo a autora, as aldeias da
capital paulista eram importantes pontos de parada nas caminhadas dos Guarani para o
litoral, referindo-se migrao somente para leste (pautada nos estudos de Curt Nimuendaj).
Ademais, devido a condies de moradia que ela julgou serem mnimas nessas aldeias, a
sociloga props um trabalho de conscientizao junto aos indgenas sobre as vantagens de
suas transferncias para o litoral.212
211
Arquivo do CTI.
212
O relatrio traz como concluso sobre as aldeias da capital as seguintes informaes: 1) Barragem
primeira vista parece uma favela, com seus barracos, uma enorme quantidade de crianas descalas, sujas, mal
alimentadas; 2) Krukutu 2 famlias sem condies financeiras nem para plantarem; 3) MBoi Mirim 2
famlias mal instaladas sem terras para plantar; 4) Jaragu a situao um pouco melhor j que a SGB garante
a sobrevivncia. Diante dessas descries, sugere-se a demarcao das aldeias do litoral com a criao de
ncleos de assistncia para atrair os indgenas da capital e trabalho de conscientizao para sua transferncia
e, ainda: a rea da Barragem tendo em vista o direito adquirido aps tantos anos de posse, poderia ser mantida
Camila Salles de Faria - 251
Timteo, liderana Guarani que morou na atual TI Tenond Por e participou dos dois
processos demarcatrios (1987 e 2012), compara o primeiro processo demarcatrio ao mais
recente, pontuando diferenas, a importncia da luta dos indgenas mais velhos e a aparente
falta de apoio da Funai, o que exemplifica por meio da TI Krukutu:
No mesmo sentido discorre Faria (1997, p. 44) ao analisar esse perodo das
demarcaes para o Brasil:
para o grupo no como moradia mas como um ponto de passagem, uma espcie de pousada temporria para
ndios Guarani em trnsito.
213
Para a autora, a poltica de reconhecimento das TI estava sob o julgo dos interesses
de segurana nacional, dessa forma o Ministrio Especial de Assuntos Fundirios (MEAF)
rgo de deciso no processo regulamentado pelo Decreto n. 88.118, de 13 de fevereiro de
1983 controlou os dados estatsticos quanto existncia das terras indgenas e
redimensionou para menor o limite das mesmas (FARIA, 1997, p. 43).
Nota-se que essas demarcaes das aldeias da capital ocorreram anteriormente
promulgao da Constituio Federal de 1988, e continham uma concepo diferenciada para
as polticas indigenistas. Isso porque desde o Imprio as polticas indigenistas tinham um
cunho integracionista, sendo marcadas, por exemplo, pela criao da Diretoria Geral dos
ndios, cujo objetivo era proteger, civilizar e catequisar214. Esse mesmo aspecto percebido
nas Constituies Federais anteriores (1934, 1946, 1967 e 1969) conforme destaca Mars (2013,
p. 14-15): com exceo da de 1937, todas as outras definem a competncia da Unio para legislar
sobre a incorporao dos silvcolas comunho nacional, ou seja, que os ndios haveriam de deixar
de ser ndios. Essa concepo, segundo o autor, tambm consta no Estatuto do ndio (Lei n.
601, de 1973):
214
A Diretoria Geral dos ndios foi regulamentada pelo Decreto n. 426, de 24 de julho de 1845. Na provncia de
So Paulo, as atividades dessa diretoria foram descritas nos relatrios dos presidentes das provncias. Observase, como exemplo, o exposto pelo presidente, doutor Joo Jacyntho de Mendona, no relatrio de 1862.
bem singular que tenhamos feitos maiores sacrifcios para a obteno de populao estrangeira, e deixemos
entretanto a indgena entregue aos hbitos selvagens, e concentradas nos desertos, em lugar de vir participar
das comodidades da civilizao e dar ao pas, em compensao destas, os servios que lhes devem os seus
naturais. No que tenham faltado esforos constantes dos poderes do Estado para conseguir-se este resultado;
infelizmente porm ainda no tem sido possvel vencer a repugnncia, que essa populao acostumada
liberdade desenfreada das selvas, tem aos hbitos da sociedade e do trabalho. Convm porm persistir, e
multiplicar esforos no sentido de educ-la, porque nisto no se satisfaz somente um interesse da sociedade,
cumpre-se tambm um dever da religio. Disponvel em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/999/>. Acesso em: 13
jun. 2015.
Camila Salles de Faria - 253
Contudo, salienta Cunha (1987) que, embora as Constituies Federais anteriores garantissem
a posse das terras ocupadas pelos indgenas assim como o Alvar de 1 de abril de 1680 declarou
que as sesmarias concedidas pela Coroa Portuguesa no podiam afetar os direitos originais
dos ndios sobre suas terras , na prtica isso no ocorreu, pois recorria-se estratgia de negar sua
identidade como indgenas para no garantir seus direitos territoriais:
Assim, esse cunho integracionista nas legislaes indigenistas, que revela um carter
provisrio da condio de indgena, perdurou at a Constituio de 1988, a qual foi
considerada por muitos autores como de suma importncia para os indgenas. Isso porque
defendeu o direito diferena cultural, reconheceu a organizao social de cada povo e no de
um ndio genrico, e assegurou o direito de os indgenas permanecerem como tal, com a
regularizao de suas terras ocupadas segundo seus usos, costumes e tradies. Conforme
discorre Souza Filho (1998, p. 90):
Com o fim do regime militar, o Brasil foi chamado a elaborar nova Constituio e
nela foi introduzido um captulo referente aos ndios. A Constituio democrtica de
1988 revolucionou a relao entre Estado e os povos indgenas porque reconheceu o
direito de permanecerem para sempre como ndios; parecia ser o fim de cinco
sculos de poltica integracionista. O texto aprovado avanou significativamente em
relao a todo o sistema anterior. (SOUZA FILHO, 1998, p. 90)
O captulo dos direitos dos ndios na Constituio de 1988 foi emblemtico dessa
postura. No tanto pelo reconhecimento do direito dos ndios terra, que j figurava
em todas as Constituies do sculo 20. Mais significativo foi o abandono da ideia
esta do sculo 19 de que a misso da chamada civilizao consistia em fazer os
ndios deixarem de ser ndios. Em vez disso, pela primeira vez, celebrou-se a
diversidade como um valor a ser preservado.
A Assembleia Constituinte instaurou-se e seus membros se elegeram em 15 de outubro de 1986. O incio dos
trabalhos ocorreu em 1 de fevereiro de 1987. Em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Carta Magna.
216
Dentre os quais estavam o cacique Raoni, Ailton Krenak, Marcos Terena, Mrio Juruna, e outros.
217
A subcomisso dos negros, populaes indgenas, pessoas deficientes e minorias foi presidida por Ivo Lech,
do PMDB do Rio Grande do Sul.
218
Em
Atas
das
Comisses
da
Assembleia
Constituinte.
Disponvel
em:
<http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/constituinte/7c%20%20SUBCOMISS%C3%83O%20DOS%20NEGROS,%20POPULA%C3%87%C3%95ES%20IND%C3%8D
GENAS,.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2015.
219
Ver os documentrios ndio Cidado?, parcialmente disponvel na internet, e Constituinte 1987 1988:
Blocos
participao
popular
e
emendas
populares,
disponvel
em:
<https://www.youtube.com/watch?v=aNdDReSXH-0>. Acesso em: 13 jul. 2015.
Camila Salles de Faria - 255
Tanto o Cdigo Civil como o Cdigo de Processo Civil brasileiros trazem o conceito de esbulho, entendido
como: retirada forada do bem de seu legtimo possuidor, que pode se dar violenta ou clandestinamente.
Neste caso, o possuidor esbulhado tem o direito de ter a posse de seu bem restituda utilizando-se, para tanto,
de sua prpria fora, desde que os atos de defesa no transcendam o indispensvel restituio. O possuidor
tambm poder valer-se da ao de reintegrao de posse para ter seu bem restitudo. (Disponvel em:
<http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/562/Esbulho>. Acesso em: 27 jul. 2015). Assim, entende-se
que o conceito de esbulho revela principalmente a ao, o momento, e no o processo, como a expropriao,
que tem como fundamento a constituio da propriedade privada capitalista e a apropriao desigual das terras.
221
Para o autor, a fase do contraditrio no serviu, como previsto pelo governo (ministro
da Justia e presidente), para evitar as aes judiciais contrrias ao ato de demarcao. Pelo
contrrio, atualmente as aes judiciais parecem ser regra do processo.
Contudo, vale ressaltar a Constituio Federal de 1988 como um marco na legislao
indigenista, que apresentou mudanas prticas nas vidas dos Guarani, como comentou Pedro
Macena, morador da atual TI Jaragu, ao relatar as violncias sofridas com sua remoo para
a Reserva Indgena no Paran e as torturas corriqueiramente l ocorridas, antes dessa
legislao e do perodo democrtico do pas:
O que mudou mesmo para ns foi com a Constituio Federal de 1988,
quando as prprias lideranas comearam a se organizar e lutar por seus
direitos. Agora temos nosso prprio direito. Na poca do SPI era muito
complicado.222
A lei uma inveno. Se a lei no protege o direito dos ndios (sobre suas terras), o
branco que invente outra lei. Paiar-Parkateg do Sul do Par. (SOUZA FILHO,
1998, p. 75)
222
Ns que estamos atuando hoje, eu, Timteo, o Adolfo Timteo, somos lideranas
que acompanharam os xeramo mais velhos na luta deles. E hoje estamos
continuando com a luta, com a histria. Cada tempo se constri uma histria. Ento,
o que ns conseguirmos hoje, e depois de ns os mais novos que esto se formando,
o que forem conseguir vai dar continuidade a nossa histria, do povo Mbya Guarani
e das lutas, dificuldades, desafios.
[...] Ns vamos ter nosso papel de como orientar, de participar, de mostrar a
importncia. Se eu no tenho conhecimento eu no vou dar valor, se eu tenho
conhecimento de como foi a histria de luta, com certeza eu vou dar meu valor.
Mesmo esse processo de formao de liderana, de participao na discusso
poltica, essas coisas, ns nos interessamos, ns lutamos, ns vamos continuar,
porque ns sabemos o que que os xeramo passaram para demarcar essas terras
hoje. (SILVA, 2015, p. 129-130)
Nesse sentido, a formao das lideranas polticas Guarani envolve mais do que o
conhecimento sobre a legislao indigenista, mas uma vivncia (na participao desse atual
processo de demarcao das terras em curso) e a aprendizagem com os indgenas mais velhos
sobre a histria da luta pela terra que resultou nas demarcaes dos anos 1980 e nos diminutos
espaos do quais hoje eles detm a posse plena.
Na dcada de 2000, diante de muitos problemas decorrentes da insuficincia de terras
regularizadas em que pudessem exercer seu modo de ser/viver (nhandereko) e com a
intensificao das tentativas de expropriao de suas terras em todos os estados brasileiros
com sua presena, os Guarani resolveram se unir no processo de luta pelos direitos territoriais,
223
Paulina entrevista realizada durante o GT da TI Guasu Guavir, em julho de 2014, no Tekoha YHovy, no
municpio de Guara (PR).
Camila Salles de Faria - 258
Timteo, liderana indgena, recorda que mesmo antes da criao formal da CGY
ocorreram reunies entre as lideranas Guarani de diversas aldeias, para discutirem sobre seu
territrio e, principalmente, sobre suas regularizaes fundirias.
A Comisso composta pelos caciques, pelos mais velhos, pelos pajs e ns,
coordenadores, apenas coordenamos os encontros, as datas, encaminhamos
documentos, e fazemos as peties. Agora, quem decide a prpria aldeia, prprio
cacique, prprio xeramo, assim que a composio da Comisso Yvyrupa.
(INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2011, p. 719)
224
Na traduo literal: Yvy = terra; rupa = leito, base. Plataforma terrestre do mundo. Segundo os Guarani, pode
ser entendido como o seu territrio.
225
226
E ele ainda que enfatiza o objetivo do processo de luta pela terra e o significado
dessa terra para o povo Guarani, para sua existncia (fsica e espiritual) como tal:
Timteo tambm fala dos debates ocorridos na Sexta Assembleia da CGY, no Rio
Grande do Sul, sobre os avanos que o povo Guarani conseguiu nesses anos em que muitos
processos demarcatrios foram iniciados em diferentes aldeias:
Mas ele tambm relativiza, esses avanos, ao afirmar que muitas terras reivindicadas
no esto em posse dos Guarani, o que se apresenta como um desafio e um motivo para a
continuidade do processo de luta pela terra.
Timteo elucidou algumas aes prticas da CGY, como os encontros e os envios de
documentos cobrando dos rgos responsveis o cumprimento da legislao indigenista.
Ademais, h as oficinas para formao poltica228, as Assembleias Gerais, as manifestaes229
e a participao com representante na Comisso Nacional de Poltica Indigenista (CNPI)230.
227
228
Em 2012, foi possvel participar de uma oficina na TI Krukutu (SP), a qual teve como foco as polticas de
demarcao e de impactos ambientais nas terras Guarani. A programao contou com advogados discorrendo
sobre a legislao indigenista, e com a apresentao de um teatro produzido e falado em Guarani sobre as
mitigaes decorrentes de impactos de grandes obras de infraestrutura em suas terras.
229
Dentre as manifestaes, pode-se citar a participao acampamento Terra Livre na Rio+20, em 2012.
230
A CNPI foi criada em 2006 por decreto do presidente Luiz Incio Lula da Silva, com o objetivo de garantir a
participao dos indgenas na elaborao e execuo da poltica indigenista. No entanto, no governo de Dilma
Rousseff, ela foi se esvaziando, principalmente aps a recusa do convite, por parte da presidente, para dialogar
com os indgenas participantes sobre as questes que afetam seus direitos e suas terras, a exemplo do
Camila Salles de Faria - 260
Todos esses espaos so tidos como fruns de debate das lideranas indgenas sobre os
problemas e estratgias de aes polticas.
As assembleias da CGY so seu maior frum de debate, pois visam presena de
lideranas polticas e espirituais Guarani das aldeias do Sul e Sudeste, independente da regio
em que ocorra. Nelas se realizam discusses sobre diferentes temas relacionados s condies
de vida enfrentadas pelo povo Guarani e sobre o rumo da poltica indigenista brasileira. Alm
disso, so traadas estratgias de aes em cada localidade, escolhendo-se regies prioritrias.
Tambm se sintetizam documentos de reivindicao, visando ao reconhecimento dos direitos
territoriais dos indgenas representados, com relatos de suas realidades. No ltimo dia de
encontro, os representantes dos rgos municipais, estaduais e federais so convidados para o
debate, objetivando o esclarecimento e o encaminhamento dos documentos produzidos. Em
abril de 2013, ocorreu a ltima edio da Assembleia da CGY, a sexta, na TI Koenju, em So
Miguel das Misses (RS), a qual contou com a presena de cerca de 300 Guarani de 50
aldeias.231
Em meados de 2013, as aes de luta pela terra dos Guarani soma-se a um outro
contedo, o das mobilizaes e manifestaes em parceria com os movimentos da sociedade
civil. Motivados pelas manifestaes de junho de 2013232, os Guarani saram s ruas para
protestar e exigir seus direitos, principalmente, os territoriais. Segundo os dados da Comisso
Pastoral da Terra (CPT) (2014), somente no ano de 2013 aconteceram 156 mobilizaes no
pas, com a participao de aproximadamente 35.208 indgenas. Contudo, foi em So Paulo
que essas aes se intensificaram, diante do contexto de aes judiciais de reintegrao de
complexo hidreltrico de Belo Monte, a mortalidade indgena no Vale do Javari, as violncias praticadas contra
os Guarani-Kaiow, a morosidade nos procedimentos de demarcao, a reestruturao da Funai, entre outros
temas (COMISSO PASTORAL DA TERRA, 2013, p. 118).
231
Em decorrncia do trabalho desenvolvido no CTI, foi possvel participar desta edio da assembleia. Durante
os cinco dias de reunio, um acontecimento indiciou um dos contedos da lgica dos Guarani. Em uma sesso
longa para votao do Estatuto da Comisso, noite adentro, comeou a chover intensamente, com fortes ventos,
o que provocou o desmonte da barraca de lona onde estavam alojados os indgenas participantes. A lona foi
levada com o vento e todos os pertences dos participantes ficaram expostos. Observando o que se passava,
corremos para desligar os aparelhos eltricos. Enquanto isso, todos os indgenas fizeram uma roda e
comearam a rezar (cantar, danar e fumar seus cachimbos) para se comunicar com Nhanderu ou Tup (deus
que rege os raios e os troves), sem preocupao imediata com os provveis danos sofridos por seus bens
materiais.
232
Foi um evento poltico contestatrio dos poderes executivos (municipais, estaduais e federal), em que muitas
pessoas saram s ruas (estima-se mais de um milho somente em junho, em todo o pas). Teve como ponto de
partida o aumento da tarifa do transporte pblico e manifestaes organizadas por coletivos com predomnio
do Movimento Passe Livre (MPL), que obteve o pice de participao de indignados com a divulgao de
reportagens em jornais e na televiso em que jovens eram espancados por lutarem pela mobilidade urbana em
suas cidades. (CHAU, 2013; BERABA, 2013)
Camila Salles de Faria - 261
posse contra os indgenas, da possvel aprovao da PEC n. 215 e do PLP n. 227, lidos como
uma ameaa aos direitos indgenas, e da morosidade no processo de demarcao das atuais TI
Tenond Por e Jaragu.
As aes em So Paulo iniciaram-se em 26 de setembro de 2013, quando os Guarani
das aldeias do municpio de So Paulo fecharam uma das pistas da rodovia dos Bandeirantes
(sentido capital), vizinha ao Tekoa Pyau. Eles reivindicavam o arquivamento da PEC n. 215
e do PLP n. 227, alm da publicao da portaria declaratria das atuais TI Jaragu (que
naquele momento ainda no havia sido publicada) e Tenond Por, bem como o fim dos
processos judiciais movidos pelo Governo do Estado em relao s sobreposies das TI e
dos parques estaduais. Conforme declarou publicamente Marcos Tup, liderana polticas
Guarani e coordenador Tenond (principal) da CGY:
Junto com a publicao das portarias declaratrias, queremos tambm a correo
dos limites dessas duas terras indgenas, explica Tup, sublinhando que o artigo
231 da Constituio estabelece que os territrios tradicionais devem ser demarcados
respeitando o espao necessrio para a sobrevivncia de suas culturas. Em So
Paulo vivemos em reas muito pequenas. As famlias cresceram bastante, e o espao
no permite que vivamos nossa maneira. O que temos so apenas fragmentos de
terra. No d para desenvolver nossos saberes e prticas, nem transmiti-los s
crianas. A correo dos limites permitir que tenhamos mais mata e espao para
nossas roas e atividades tradicionais.
[...] Como indgenas, no pensamos em desmatar. Temos uma forma de viver
tradicionalmente, junto natureza, garante Marcos Tup. O coordenador da
Comisso Guarani Yvyrupa argumenta que a histrica presena dos guarani nas
faixas litorneas se deve a alguns preceitos religiosos. Acreditamos que estar perto
do mar, dentro da Mata Atlntica, nos d fortaleza espiritual para buscar a terra sem
mal que estabelecem nossas crenas. A maioria dessas reas, hoje, est dentro de
parques estaduais. E somos acusados de invasores de parques, contextualiza.
Queremos que o governo retire essas aes judiciais, reconhecendo a permanncia
dos indgenas nas terras que esto em sobreposio, e que possa haver uma gesto
compartilhada entre governo do estado, povos indgenas e Funai. (BREDA, 2013a)
Esse ato, assim como os demais, teve como estratgia a publicao de vdeos na
internet explicando os motivos do protesto.233
O
dia
em
que
fechamos
a
Bandeirantes
(disponvel
em:
<http://www.youtube.com/watch?v=JCBOU4wQmR8>) e Manifesto: Por que fechamos a Bandeirantes?
(disponvel em: <http://www.youtube.com/watch?v=eV7WMdvGirM&feature=youtu.be>). Acesso em: 30 out.
2013.
Camila Salles de Faria - 262
antepassados. Mas muitos de vocs brancos que esto a tem muito orgulho deles e
dos seus massacres contra nosso povo. Em homenagem a eles vocs batizaram o
palcio do governador e levantaram esttuas por toda parte. H muitos que querem
repetir o que fizeram os bandeirantes no passado, nos exterminando, e roubando
nossas terras para enriquecer.
Os polticos ruralistas, aliados do Governo querem aprovar a PEC 215, para
suspender todas as demarcaes que ainda faltam, e ainda roubar terras j
demarcadas. Nossos guerreiros vo continuar resistindo, e faremos o que for
necessrio para ter uma parte das nossas terras de volta. Ns somos os primeiros
habitantes desse territrio.
Ser que h muita terra pra pouco ndio? No essa nossa realidade. Vivemos no
pouco que sobrou da Mata Atlntica, nossas terras so minsculas e somos muitos.
Enquanto que alguns poucos polticos e empresrios tem muita terra e ainda querem
mais.
Com esse ato pacfico que fazemos agora exigimos:
- Que os deputados arquivem a PEC 215, e parem de tentar destruir nossos direitos;
- Que o Ministro da Justia publique as portarias declaratrias das Terras Indgenas
Jaragu e Tenond Por;
- Que o Governador do Estado retire as aes judiciais contra nossos parentes que
tm reas em sobreposio com Parques Estaduais.
Vamos s ruas nesse dia para mostrar que nesse pas deve ter espao para todos!234
O ato de ocupar a rodovia dos Bandeirantes (SP-348) e a continuidade das aes foram
relatadas por uma liderana (mulher) dos Guarani, que tambm ressaltou o carter inovador
dessas manifestaes e o fortalecimento dos indgenas com essas prticas de luta pela terra:
Isso de ir para cidade, de ir para as ruas com as crianas com os mais velhos. A
gente no tinha passado por isso ainda. A gente no tinha isso como estratgia de
luta pela demarcao de nossas terras. A gente pensou, conversou com os parceiros
jurua [no indgenas] tambm, e com nossas lideranas. E a gente concluiu que
tambm tnhamos que ir para as ruas, alm de ir para Braslia, alm de fazer
documentos, alm de pedir para parceiros que lidam com as questes indgena apoio
para se manifestar em reunies em Braslia. [...] Uma primeira ao nossa desse
caminho que era muito novo para a maioria foi de se organizar para fechar a
Bandeirantes, l na aldeia do Jaragu. E foi uma coisa magnfica assim, forte para
caramba. Eu sei que um dia antes da gente entrar na pista, a gente foi para o Jaragu.
Foi um nibus para o Jaragu (da atual TI Tenond Por). A gente ficou l juntos,
conversamos juntos, dormimos l. Quando faltava meia hora para ir para rua, o meu
corao j estava no pescoo, na garganta, e pensei: como a gente vai parar essa
pista? Ficava olhando de cima os carros passando. E um pouco antes da gente
descer, teve uma fala muito forte de uma das lideranas, e isso de alguma forma deu
muita fora para gente. O final disso que deu tudo certo e a gente desceu.
Fechamos. Tiveram momentos muito tensos em uma hora e pouquinho de parada.
Principalmente quando os motoqueiros se juntaram e ameaaram a passar. A gente
tinha combinado que as crianas no iriam descer na pista, elas iriam ficar no
morrinho, e de repente estava cheio de crianas na rua tambm.
Foi muito assustador, mas os xondaro, que so os homens que cuidam, guardam a
aldeia e guardam as pessoas, fortaleceram e enfrentaram os policiais, na situao de
permanecer mais um pouco e seguraram os motoqueiros. Foi muita fora e sabedoria
de nenhum momento de ir para cima para machucar, para criar algum conflito fsico.
A partir disso a gente continuou e fizemos vrios outros movimentos. A gente
continuou foi para Paulista e fizemos outras aes. Nessas aes a fora dos xondaro
234
Manifesto:
Por
que
fechamos
a
Bandeirantes?
(disponvel
<http://www.youtube.com/watch?v=eV7WMdvGirM&feature=youtu.be>). Acesso em: 30 out. 2013.
em:
de ficarem firme e das xondaria tambm, o que trouxe o pensamento forte de que a
gente no poderia parar e se tudo isso no desse resultado positivo e definitivo sobre
235
as demarcaes das terras que a gente tinha que ir para outra etapa.
235
Depoimento coletado em 12 de outubro de 2014. Optou-se por no explicitar o nome da liderana para
resguard-la, diante do contexto repressor em que os investigadores do Departamento de Investigao sobre o
Crime Organizado (Deic) intimaram e exerceram a priso para averiguao de centenas de manifestantes em
2013 e 2014, como parte do Inqurito do Black Bloc.
Camila Salles de Faria - 264
A ocupao dos Guarani, mesmo que pacfica e simblica, foi vista, em um primeiro
momento, pelo padre Carlos Contieri, responsvel pelo local, como uma ameaa
propriedade privada da Igreja, chegando ele a declarar que desrespeitaram a minha [sua]
propriedade, convocando efetivo policial e proibindo as gravaes. Posteriormente, aps
uma possvel tomada de conscincia da continuidade histrica de sua atitude, permitiu que
somente os indgenas permanecessem no local, e no dia seguinte, quando saram e iniciou-se
o ato de lanamento, as portas do museu foram trancadas para qualquer visitao.
(LOCATELLI, 2014a)
236
Como parte dessa campanha, os Guarani fizeram uma petio on-line solicitando ao
ministro da Justia a assinatura da portaria declaratria, trazendo o lema Assina logo,
Cardoso e devolvam nossas terras (Pemeejevyoreyvy) para as mobilizaes e
manifestaes. No entanto, ressaltaram os indgenas, sabia-se que h muito tempo o ministro
no usava a caneta para ajudar nenhum povo indgena, por isso eles resolveram fazer uma
caneta com tranado tradicional e enviar-lhe como presente, aps benzida/rezada. Eles
destacaram ainda que a cada assinatura da petio, ou seja, a cada adeso ao abaixo-assinado,
outra caneta seria enviada para o ministro, sendo milhares de canetas enviadas a seu gabinete.
(COMISSO GUARANI YVYRUPA, 2014a)
As canetas tambm foram arrecadas nos atos em que os Guarani e apoiadores da causa
indgena saram s ruas, principalmente na avenida Paulista um dos smbolos marcado por
sua centralidade econmica e financeira da cidade de So Paulo , para pedir a continuidade
do processo demarcatrio das duas TI do municpio. Depois, os protestos foram motivados
pelas ameaas oriundas de decises judiciais de reintegrao de posse contra os indgenas do
Tekoa Pyau e do Tekoa Itakupe, na atual TI Jaragu.237
237
Foram quatro principais manifestaes dos Guarani que ocuparam as ruas da cidade de So Paulo. Em 24 de
abril de 2014, saram do Museu de Arte Contempornea de So Paulo (Masp) e ocuparam as ruas at chegar
praa Roosevelt, cantando, rezando e danando xondaro durante o percurso. Em 6 de junho de 2014 foram dos
arredores da Assembleia Legislativa ao Monumento Bandeira, onde afixaram uma faixa dizendo
Bandeirantes de ontem. Ruralistas de Hoje!, e protestaram para o arquivamento da PEC n. 215 e a
demarcao das duas TI do municpio de So Paulo. Novamente, em 25 de julho de 2014, caminharam do
Masp at o Tribunal Regional Federal de So Paulo, onde protocolaram um documento protestando contra a
morosidade da demarcao de suas terras e criticando a reintegrao de posse do Tekoa Pyau, a ser cumprida
no dia 27, e que havia sido suspensa at a anlise do desembargador Andr Nekatschalow. Depois, em 18 de
Camila Salles de Faria - 266
junho de 2015, os Guarani outra vez se encontraram no vo Masp e ocuparam as avenidas Paulista e
Consolao, cantando, rezando e danando para reivindicar a assinatura da portaria declaratria da atual TI
Tenond Por pelo ministro da Justia, bem como a continuidade do processo demarcatrio da atual TI
Jaragu, que teve sua portaria declaratria publicada no ltimo 29 de maio.
Camila Salles de Faria - 267
Portanto nessa mobilizao social dos Guarani, que contempla um projeto poltico
conforme seu modo de ser/viver, e na expanso de parcerias com a sociedade civil e com
alguns homens de Estado238, que o processo de luta por suas terras ganha novos contedos e
diferentes aes prticas. Contudo, mesmo com a mobilizao e a ocupao de ruas da cidade
de So Paulo, os Guarani no deixaram de lutar por meio das rezas, dos cantos e das danas,
sendo esta uma estratgia de fortalecimento desse povo. Pelo contrrio, trata-se de uma
somatria de aes, pois comumente, durante as manifestaes, ouviam-se os cantos, dentre
eles um na lngua materna, que dizia: Vamos caminhar/Sem desviar do caminho/Vamos
buscar fora espiritual/Para fortalecer a nossa luta.
Como afirmou David Martim, liderana da atual TI Jaragu:
238
Homem de Estado entendido como aquele que, mesmo fazendo parte da instituio, atua politicamente,
seja dentro do marco de um determinado Estado, seja para modificar este marco institucional (LEFEBVRE,
1972, p. 62). Isso quer dizer que, ao partir da realidade, ele critica e prope mudanas da ordem imposta pelos
homens do Estado.
Camila Salles de Faria - 268
A gente vai continuar em uma luta espiritual como a nossa luta. Rezando,
agradecendo todos os dias a Nhanderu (divindade). Fumando petgua (cachimbo), e
se fortalecendo como povo. No o dinheiro que fortalece o nosso povo. A gente
no precisa se tornar uma grande economia mundial, no o nosso objetivo. No
para isso que a gente quer demarcar. A gente quer o nosso espao para poder viver.
A gente quer continuar tendo a condio de passar para nossas crianas [...] o que
Yvyrupa e como cuidar da Yvyrupa. [...]
A gente no quer expulsar os juru (no indgenas) daqui. Mas, a gente quer ter o
direito mnimo de viver em uma terra mnima com a grande dignidade que os povos
indgenas sempre tiveram nessa terra. Manter uma luta digna e justa de viver em
suas terras. [...] Quem representa os povos indgenas do Brasil? Se no ns
mesmos, e fazermos essa luta justa, de arriscar nossas vidas e falar sempre do nosso
direito. Falar sempre do nosso direito que no existe, que um kuatia (papel), que o
branco criou o papel para dizer que dono de tudo.
[...] No existe direito humano diante do povo mais antigo de luta dessa terra, que
luta para viver em uma terra pequena para manter a sua cultura e sua origem. No
239
existe direito dos povos indgenas continuarem sendo povos indgenas.
Dessa forma, todo o processo de luta pela terra decorrente da prtica de resistncia
indgena revela os momentos das estratgias do discurso de seus direitos, que foram criados
por no indgenas, e sua aplicabilidade, a qual permite a afirmao de David de sua
inexistncia, e com isso a reivindicao pelas demarcaes de suas terras, com o lema
devolvam nossas terras (Pemeejevyoreyvy). Eles se somam aos momentos de retomada
dessas terras, outrora expropriadas pela lgica capitalista de ocupao. Pois, como ressaltou
uma liderana indgena Guarani da atual TI Tenond Por sobre as aes e sua continuidade,
Fechamos a Bandeirantes, o Ptio do Colgio, fomos para a Paulista e nada aconteceu. E a
gente vai ficar esperando? No, vamos continuar. Uma dessa continuidade foi a ideia da
retomada.240
239
Discurso proferido em audincia pblica na Cmara dos Vereadores de So Paulo, em 19 de maio de 2015.
240
Depoimento coletado em 12 de outubro de 2014. Optou-se por no explicitar o nome da liderana a fim de
resguard-la.
Camila Salles de Faria - 269
A retomada241 aparece como produto da luta pela terra diante da nova (atual) condio
de existncia (fsica e espiritual) do indgena, de sua transformao, que traz novas relaes e
no apenas a transposio das relaes antigas. Ela a possibilidade do reencontro com o uso
pleno dos Guarani de suas terras para sua reproduo fsica e cultural, ou seja, como forma de
viverem segundo seus costumes e manterem sua autonomia, por meio de sua relao com os
elementos da natureza e da prtica do plantio de suas sementes tradicionais, por exemplo.
Jera, liderana Guarani da atual TI Tenond Por, relacionou o ato de retomar suas terras com
o retorno de prticas imprescindveis para a existncia (fsica e espiritual) de seu povo, da
transmisso de seus conhecimentos pelas geraes e com isso seu fortalecimento:
A retomada para a maioria significa retornar de fato a fazer tudo aquilo que
importante na prtica. Porque a gente estava retratando muitos aspectos da cultura
Guarani, principalmente o plantio, na oralidade. E de repente quando voc tem essa
rea alm de falar voc vai mostrar para as crianas. Muitas crianas participaram
desse trabalho de carpir, de limpar e plantar as sementes. Para mim, pessoalmente,
um destaque para a fora dos Guarani, porque meu povo tido, e a gente mesmo
fala que a gente mais calmo, mais pacfico, mas a gente tambm tem fora para
fazer algo diferente.
241
Librio, cacique do Tekoha Nhemboet, do oeste do Paran, explicou que dois termos podem ser usados na
lngua materna para designar essa ao da retomada: ojevyjey (que traduziu primeiro como pegar novamente e,
posteriormente, como voltar novamente) e oikejey (traduzido por ele como entrar novamente).
242
Depoimentos realizados durante o evento Kunhague Mbaraete: as mulheres indgenas na luta pela terra,
ocorrido em 30 de outubro de 2014 no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da USP.
Camila Salles de Faria - 270
diante da insuficincia das terras regularizadas que permitem o uso pleno dos
Guarani e a continuidade de sua existncia como tal e da morosidade dos atuais processos
demarcatrios que pode ser entendida como uma omisso do Governo Federal que os
indgenas retomam suas terras. No somente como um instrumento de presso244, mas como
uma estratgia fundamentada na prtica de resistir que almeja a garantir a existncia (fsica e
espiritual) como Guarani. o que afirma David Martins, liderana da atual TI Jaragu:
Hoje tem uma inverso que ns somos chamados de invasores do nosso prprio
territrio. Ns somos impedidos de viver dentro de uma terra sagrada. Ns no
estamos ocupando uma terra do jurua [no indgena]. Ns estamos retomando o que
243
O conceito elaborado pela CPT tem a virtude de distinguir a ocupao dos camponeses das retomadas dos
povos indgenas. No entanto, trouxe o problema terico de manter entre as retomadas as denominadas outras
populaes tradicionais, que no caso brasileiro so, tambm, fraes do campesinato.
244
Da mesma forma, Alarcon (2013, p. 239) prope um sentido mais amplo para as retomadas Tupinamb: as
retomadas de terras so parte de uma estratgia de resistncia e luta pelo efetivo retorno da terra.
245
direito dos povos originrios dessa terra. Aquilo que um dia nos foi tomado.
Aquilo que um dia no foi dado, porque os Guarani nunca deram seu territrio, mas
sempre foram expulsos. A gente nunca fez guerra quando o jurua [no indgena]
chegou e falou: Isso aqui no de vocs. A gente aceitava. Tudo bem, de vocs
246
a gente sai daqui e vai para outra terra.
246
Discurso proferido em audincia pblica na Cmara dos Vereadores de So Paulo, em 19 de maio de 2015.
247
No mesmo sentido Alarcon (2013) discorre sobre a substituio do termo retomada por invaso, por uma
frente contra a demarcao das terras tradicionalmente ocupadas pelos Tupinamb de Olivena (BA).
Camila Salles de Faria - 272
expropriao, est o novo processo de demarcao das atuais TI Jaragu e Tenond Por e a
aquisio de terras como compensao pelo impacto em suas terras e em seu modo de viver
pelas grandes obras de infraestrutura. Isso traz as contradies em seu processo pelas formas
de constituio (pelo Estado em TI e pela lgica mercantil em Reserva Indgena), embora seus
contedos, resultando dos usos dos Guarani, garantam-lhes a autonomia de viver em suas
terras conforme seu modo de ser/viver (nhandereko) as terras so ocupadas pela lgica
Guarani, portanto subtradas da lgica capitalista de ocupao.
Os novos processos de demarcao das atuais TI Jaragu e Tenond Por com os
estudos de tradicionalidade da ocupao das terras pelos Guarani, regulamentados pela
Constituio Federal de 1988, pelo Decreto n. 1.775 e pela Portaria n. 14/MJ esto em
curso. Foram publicados os resumos dos estudos que as identificaram como TI
tradicionalmente ocupadas. Em abril de 2012, foi publicada no Dirio Oficial a portaria com a
identificao da TI Tenond Por, com rea de 15.969 ha, que uniu as TI Barragem e TI
Krukutu (ambas demarcadas em 1987, antes da promulgao da Constituio Federal
vigente), abrangendo os municpios de So Paulo, So Bernardo do Campo, So Vicente e
Mongagu, e com isso limtrofe ao sul da TI Guarani Rio Branco. No ano seguinte, em abril
de 2013, foi publicada a portaria da TI Jaragu, com rea delimitada de 532 ha, a qual
englobou o Tekoa Ytu (a TI Jaragu demarcada em 1987), o Tekoa Pyau e o Tekoa Itakupe,
nos municpios de So Paulo e Osasco. E recentemente em maio de 2015, o ministro da
Justia assinou a portaria declarando posse permanente dos Guarani na atual TI Jaragu. 248
Ressalta-se, que todo esse processo de regularizao fundiria (tanto da dcada de 1980 como
o atual) no ocorreu sem a luta dos Guarani (ver seo 4), e que essa luta continua, j que os
atuais processos esto em curso, ou melhor, parados, aguardando assinaturas: no caso da TI
Tenond Por, h dois anos sobre a mesa do ministro da Justia, sem litgio judicial e sem
impedimentos administrativos (CONSELHO INDIGENISTA MISSIONRIO, 2015, p. 14)
e para a TI Jaragu esperando a demarcao fsica e a homologao da Presidente da
Repblica. Embora, o ministro tenha assinado a portaria declaratria, sua contestao
passvel por medidas administrativas e judiciais.249
248
Dirio Oficial n. 76, Despacho n. 123, de 18 de abril de 2012; Dirio Oficial n. 82, Despacho n. 544, de 30
de abril de 2013; e Dirio Oficial n. 102, Portaria n. 581, de 29 de maio de 2015, respectivamente.
249
valido lembrar que em 2010 o ministro da Justia Luiz Paulo Barreto suspendeu o efeito de quatro portarias
declaratrias de TI Guarani no nordeste de Santa Catarina (TI Tarum, TI Pindoty, TI Morro Alto e TI Pira)
em cumprimento deciso judicial da Primeira Vara Federal de Joinville (Portaria n. 2.564, de 23 de agosto
de 2010). Nota-se que uma delas tinha sido autorizada e assinada pelo prprio ministro, e as restantes por
Tarso Genro, Ministro da Justia anterior.
Camila Salles de Faria - 273
251
Segundo a Instruo Normativa n. 002, de 3 de fevereiro de 2012, que regulamenta o pagamento das
benfeitorias derivadas de ocupao de boa-f, as benfeitorias so passveis de indenizao independentemente
de o ocupante morar ou no no local. No entanto tramita no legislativo a PEC n. 71, de 2011, que altera o
artigo 231 e prope uma indenizao aos possuidores de ttulos, com ao retroativa para todas as TI
declaradas a partir de outubro de 1993 (contabilizando o prazo de cinco anos para a demarcao das TI
presente na Constituio de 1988). Em 2 de setembro de 2015 a proposta foi votada, aprovada pela Comisso
de Constituio, Justia e Cidadania, e recebeu novas emendas, dentre as quais aquela que altera a data para as
indenizaes aos ttulos as reas declaradas como tradicionalmente ocupadas a partir de 5 de outubro de 2013.
Disponvel
em:
<http://www.senado.leg.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=93669&tp=1>
e
<http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/02/indenizacao-para-ocupantes-de-terras-indigenasvai-a-plenario>. Acesso em: 12 set. 2015.
Camila Salles de Faria - 276
Essa retomada do Tekoa Itakupe ocorreu em 2 de julho de 2014, aps oito anos da
expulso dos indgenas de suas terras. O retorno dos Guarani no se deu antes porque, durante
esse perodo, essas terras ficaram sob a proteo armada de Joo Batista, caseiro de Antnio
Tito Costa, pretenso proprietrio do imvel. Ficou relatado no Estudo de Identificao e
Delimitao da TI Jaragu que aps a sada das famlias do local, este passou a ser vigiado
por um caseiro armado, que se recusa a qualquer contato com os ndios e, disse Ari, ameaou
alvej-los, caso entrassem na pretensa propriedade (PIMENTEL et al., 2013, p. 176), o que
foi posteriormente confirmado no laudo pericial de Joana de Oliveira (2013).
Camila Salles de Faria - 277
Durante esse perodo, o caseiro Joo Batista construiu currais e, no acesso ao imvel
na Estrada de Ligao que sai da altura do n. 1.041 da avenida Chica Lusa , Valdenor
Vieira, conhecido como Caador, ergueu um barraco de madeira para sua moradia, e com isso
pretendeu controlar a entrada rea.
Estranhamente, ou melhor dizendo, tendenciosamente, em 2013 Antnio Tito Costa
utilizou-se da mesma estratgia que com os indgenas, e entrou com ao de reintegrao de
posse contrria ao prprio caseiro Joo Batista Ferreira, e no processo o denominou como
invasor desconhecido. Nota-se que esse processo foi remetido Justia Federal e juntado ao
processo de reintegrao de posse movido contra os indgenas em 2005, que se mantm at os
dias atuais sob a caracterstica de prioridade pela condio de idoso do autor, o que lhe
garante maior agilidade para o julgamento.
Conforme o processo movido contra o prprio caseiro, Tito Costa alegou que vem
sofrendo ocupaes por pessoas desconhecidas, que esto l erigindo moradias sem, contudo,
terem qualquer permisso a tanto bem como invadindo rea de proteo ambiental, sendo
inclusive registrado ocorrncia policial. Um boletim de ocorrncia registrado em 18 de
setembro de 2013 traz outros indcios sobre os motivos dessa nova ao judicial movida por
Tito Costa e Jos Almeida Estes. Isto porque Tito Costa foi notificado por rgos municipais
para a retirada dos animais (gados e porcos), sob a pena de multa. O referido boletim de
ocorrncia posicionou Jos Almeida Esteves (herdeiro e outro coproprietrio) como vtima, e
denominou Joo Batista como vizinho, acusando-o de mudar as cercas de local e invadir suas
terras e categorizando seu desconhecimento dos fatos, e no anuncia dos proprietrios da
terra. No entanto, em 10 de outubro de 2013, o depoimento de Joo Batista Ferreira
(conhecido como Joo P) confirmou que costumava h aproximadamente dez anos criar
animais (porcos, galinha, cavalos e vaca) nas terras de Jos Almeida Esteves (as mesmas de
Tito Costa), onde residia h 30 anos porque seu pai foi funcionrio do vizinho Jorge
Tsukahara, ressaltando que o proprietrio das terras ia at o local, via os animais e no falava
nada. Assim, salienta-se que o caseiro e sua famlia permaneceram na rea com o
conhecimento de Antnio Tito Costa e que tanto o boletim de ocorrncia como a ao de
reintegrao de posse ocorreram somente para isentar o autor da ao judicial da autuao por
danos ambientais (retirada da cobertura vegetal para construo de moradias) e
responsabilizar Joo Batista Ferreira, o caseiro, como evidenciou a analista do Ministrio
Pblico, Deborah Stucchi.
252
253
Depoimento presente no processo n. 2005.61.00.28361-1 (f. 807-810). Todas as citaes consecutivas do Sr.
Ari tm essa mesma fonte.
Camila Salles de Faria - 279
Aps essas intimidaes, no dia seguinte, atearam fogo vegetao, no local apontado
pelos no indgenas que foram vistos ali conversando, conforme explicou o Sr. Ari:
indgenas relatam ter visto dezenas de animais, dentre eles jacu, gavio, inhambu, fugindo,
e outros mortos pelo calor do fogo e pela fumaa.
Concomitantemente as intimidaes, Antnio Tito Costa regressou com a ao de
reintegrao de posse, em primeiro momento na Terceira Vara Cvel no Tribunal de Justia do
Estado de So Paulo, omitindo a qualificao dos sujeitos sociais como indgenas, e
referindo-se ao movida contra seu caseiro. Ele props ainda que havia uma ocupao por
revezamento, em que os indgenas estavam aliados com os no indgenas anteriormente
retirados da rea. Em 4 de julho de 2014, a juza Teresa Cristina Antunes deferiu
Essa mesma juza foi comunicada, mais tarde, pelo Ministrio Pblico, que os sujeitos
envolvidos eram indgenas, e informada da tramitao da ao possessria datada de 2005, na
Dcima Vara da Justia Federal, o que tornou nula sua deciso por ser proferida por Juzo
incompetente em razo da matria (Despacho de 1 de agosto de 2014).
Contudo, ao mesmo tempo Antnio Tito Costa manifestou-se no Processo da Justia
Federal pedindo nova reintegrao de posse contra os indgenas tornando contnuo o
conflito hodierno por essas terras e promovendo uma intensa insegurana para os indgenas,
principalmente aps a manuteno da deciso de reintegrao de posse em setembro de 2014.
Em dezembro de 2014, no entanto, a juza suspendeu a medida liminar (reintegrao de
posse) at a regularizao do polo ativo da ao, ou seja, que Antnio Tito Costa apresentasse
as declaraes dos demais coproprietrios e herdeiros do imvel, sendo que a ele caberia
apenas 11,111% referente parte de sua falecida esposa La Costa Nunes (ver seo 3).
Em vez disso, Antnio Tito Costa apresentou um recurso pautado em uma
argumentao preconceituosa entregue em janeiro de 2015, e aceito pelos desembargadores
federais , que buscou ridicularizar e desconsiderar os Guarani como indgenas ao afirmar:
Afinal h indgenas e indgenas.
Tais invasores, s vezes ridiculamente fantasiados com cabea de vaca, arco e flecha
para intimidar eventuais pessoas que se aproximam da rea, poucos homens
desocupados e mulheres idem, que nada produzem no espao invadido, ao qual
254
Ele ainda alegou que os indgenas foram trazidos por mo de vizinhos e saram de
acampamento onde vivem e se instalaram na rea recorrente, por mero capricho, em carter
provisrio, h menos de ano e dia, onde nada produzem. Desconsiderou a autonomia dos
indgenas e a importncia daquela terra para sua existncia (fsica e espiritual) como Guarani,
e omitiu os usos tradicionais dessa terra pelos indgenas, por meio do roado, que em menos
de um ano j lhes permitira colher o milho tradicional (avaxietei), a batata doce (jety), a
mandioca (mandio) e o amendoim (manduvi), e dos elementos (matria-prima) que retiram do
fragmento de mata Atlntica existente para produo de artesanato e remdios tradicionais,
por exemplo.
255
David mostrou sua indignao com a viso de Antonio Tito Costa, a qual a denominou
de etnocida: essa a viso dos que representam a sociedade brasileira, uma viso etnocida,
uma viso que no respeita a forma tradicional dos povos indgenas se organizarem. E exps
a relao das crianas Guarani com a terra criana que Tito Costa definira como sujas:
E a gente vive aqui na aldeia. Andam descalas as crianas. O Tito Costa falou que
nossas crianas so sujas. A sujeira para ele a terra que ele diz que dono, que
suja! Ele chama a terra de suja. A terra no suja para a gente. A gente pisa
descalo na terra, no tem problema, suja o p. V se tem piso aqui nessa terra.
Chama ele para pisar aqui nessa terra. Mostra nossas crianas para ele e fala o que
que sujeira ali. A sujeira est na mente do branco que no respeita e no tem um
pingo de interesse na preservao da cultura dos povos originrios dessa terra.
(grifos nosso)258
256
Foram realizadas duas peties: uma a ser entregue a Antonio Tito Costa para a suspenso da reintegrao de
posse, que contou com mais de 2.700 assinaturas, e outra destinada ao ministro Lewandowski, com mais de
3.400 assinaturas. Alm disso, muitas pessoas pblicas (artistas e polticos) declararam nas redes sociais ou
mesmo em eventos pblicos o apoio demarcao das TI em So Paulo, dentre elas o atual prefeito de So
Paulo, Fernando Haddad, e o secretrio municipal de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, que tambm esteve
presente em uma das reunies com a Policia Militar. Posteriormente, em 18 de junho de 2015, os Guarani
organizaram uma manifestao, ocupando a avenida Paulista e avenida da Consolao.
257
258
David ainda reforou a posio dos Guarani do Tekoa Itakupe de resistir, permanecer e
continuar em suas terras tradicionais:
O presidente do Tribunal Regional falou para mim, ele falou assim: morre ndio,
morre polcia, mas vocs vo sair de l. Ele no est preocupado com a vida das
pessoas. esse capitalismo, esse modelo de desenvolvimento desse pas que no
se preocupa nem com um, nem com outro; s se preocupa com dinheiro. S se
preocupa em dominar, em acabar com tudo aquilo que contrrio a esse modelo de
desenvolvimento desse pas.
A gente foi expulso muitas vezes do nosso territrio e hoje a gente no vai aceitar! A
gente vai resistir e vai permanecer! A gente no vai aceitar sair do Itakupe! Guarani
vai resistir, vai continuar! Porque a nossa fora a nossa terra e a nossa unio. No
queremos fazer guerra com a Polcia Militar! No queremos fazer guerra com Tito
Costa! No queremos fazer guerra com ningum! 259
E concluiu que isso que eles querem fazer, tirar a gente fora, proibir a gente de
ser quem ns somos.
Concomitantemente, como contestao, a Procuradoria Geral da Repblica formulou
um documento para o presidente do STF solicitando a suspenso da liminar (n. 867) da ao
de reintegrao de posse e da ordem de retirada imediata dos indgenas Guarani da rea. Um
dos argumentos foi que a retirada fora dos indgenas resultaria em uma intensificao dos
conflitos, pois
a ao de reintegrao de posse no soluo para o conflito j instalado e
tampouco o ameniza. Ao contrrio, a retirada dos indgenas das terras fora, nesse
momento, contribuir para o aumento da tenso e do conflito agrrio, porque toca
em ponto por demais sensvel aos indgenas. [...]
Ressalte-se, ainda, que no h que deixar de considerar o peso adequado dos valores
em disputa: de um lado, a sobrevivncia de um grupo especialmente protegido pela
Constituio Federal, afetado diretamente em sua capacidade de subsistir e, de outro
lado, o interesse meramente econmico sobre rea de terra. (Procuradoria Geral da
Repblica, f. 12 -18)
260
Essa argumentao faz aluso fala da atual ministra da Agricultura e uma das maiores ruralistas do pas,
Ktia Abreu, em entrevista Folha de S. Paulo, de 5 de janeiro de 2015, ao afirmar que a legislao para
demarcao de terras indgenas precisa ser alterada, Porque os ndios saram da floresta e passaram a descer
nas terras de produo (BERGAMO, 2015).
Camila Salles de Faria - 285
Conforme noticiado em 5 de maio de 2015, aps a reunio no Batalho da Polcia Militar (NDIOS, 2015).
Camila Salles de Faria - 286
Dessa forma, a juza decidiu temporariamente pela existncia (fsica e espiritual) dos
Guarani do Tekoa Itakupe. Porm, como sabido, o conflito continua, assim como a luta dos
indgenas, que resistem para permanecer na retomada de suas terras e exercer seu modo de
ser/viver (nhandereko). Mesmo diante das ameaas e provocaes corriqueiras dos no
indgenas como o vizinho que todos os dias solta o gado em direo ao roado dos Guarani,
o que o tem destrudo tanto por comer as espcies desenvolvidas como por compactar o solo e
impedir que aquelas recm-plantadas nasam.
Os depoimentos sobre a aldeia Guyrapaju foram extrados da Informao Tcnica da Funai, escrita por Maria
Lcia B. de Carvalho, para subsidiar o processo de manuteno de posse ocorrido em agosto de 2013.
Camila Salles de Faria - 287
gente vinha aqui pegar taquara e ficava aqui, aqui bem tranquilo, no escuta
barulho. Quando a gente vinha aqui j dormia e fazia a limpeza daqui. A trouxemos
os nossos filhos para c. Aqui chama aldeia Guyrapaju, porque tem muita madeira
para fazer arco, de arco e flecha. Ns queremos fazer roa aqui para plantar bastante
alimento. A semana que passou ns j plantamos bastante palmito juara.
O Sr. Nivaldo pertenceu ao grupo familiar que fugiu do Posto Indgena no Paran, que
sofreu constantes violncias por parte de seus funcionrios (ver seo 2), e mudou-se para
Parelheiros, com o intuito de constituir uma aldeia livre (LADEIRA, 1984)263, aldeia Morro
da Saudade (antiga denominao do Tekoa Tenond Por). Nas palavras do Sr. Nivaldo,
observou-se a mudana no contedo do uso que faziam do local, expressa na passagem da
intermitncia (com a coleta, principalmente de taquara, da madeira para produo de arcos
que nomeia o tekoa) para uma perenidade (como moradia, roado e a prpria coleta).
Marcos Tup, liderana Guarani, fala sobre a orientao espiritual advinda de Dona
Alicia, esposa do Sr. Nivaldo, que se revelou por meio do sonho, para a formao do Tekoa
Guyrapaju e a mudana dos Guarani para o local:
Ns tivemos orientao espiritual, da minha sogra, a Dona Alicia para vir para c.
Minha sogra j vem h alguns anos para c, teve uma vez que ela ficou isolada aqui,
quase um ms. Dona Alicia sonhou e est sonhando com esta terra. Aqui a famlia
da minha mulher que mora. A me (Dona Alicia) e os cinco filhos (Iracema,
Francisca, Ldia, Arminda e Gilmar) e o neto o Maurcio, que o filho da Ldia.
Todos esses vieram com suas famlias e fizeram casa aqui. [...] Ns viemos morar
aqui definitivo em janeiro de 2013, mas antes a gente j vinha aqui fazer coleta de
material. Antes a gente vinha e ficava uma semana e ia embora para o Krukutu. Aqui
j um tekoa. Duas crianas esto para nascer, a ns vamos enterrar aqui o umbigo
delas. Aqui moram 10 famlias em nove casas mais a Opy! (Casa de Reza).
Tem caador entrando aqui, est cheio de seva que eles botaram para pegar caa.
Nessa rea aqui tinha gente entrando tambm para fazer carvo vegetal, derrubava as
rvores e fazia nos fornos o carvo. Tem aqui o lugar onde eles faziam carvo.
Tambm estava entrando aqui gente para cortar palmito. Com a nossa presena aqui,
ningum mais entrou.
263
A designao de aldeia livre foi proposta pela autora como contraposio s aldeias geridas pela Funai e
pelo SPI. Ela apresentou, em sua formao, uma importante diferena, uma vez que contraria a origem dos
Postos Indgenas, para onde a maioria dos ndios foi levada artificialmente, enquanto esta era baseada na
vontade prpria das famlias indgenas (LADEIRA, 1984, p. 123).
Camila Salles de Faria - 288
de
endereo
eletrnico
oficial
do
Estado,
seu
nome
seguido
de
264
265
266
Flavio Mantesso e sua esposa Edi Benelli Mantesso, Celso Benelli, Ricardo Ernesto Ferraro, Dcio Previatto,
Clia Regina Ferraro Previatto, Edmundo Covelli Filho e Enio Benelli. Nota-se que Clia e Dcio receberam
de doao (1/6 parte do imvel) de Affonso Ferraro e Angelina Di Cicco Ferraro em 1979; essa parte (1/6), em
1998, foi penhorada pelo Banco Agrimisa S/A.
Camila Salles de Faria - 289
No temos para onde ir. Ns vamos resistir. Porque os mais velhos sabem que se
sarem hoje da aldeia Guyrapaju eles no vo voltar vivos para l, porque a lei do
branco muito demorada. No estamos atrapalhando ningum, s tentando viver do
nosso jeito. (f. 181-182 do processo)
Assim, os Guarani do Guyrapaju sabem que a luta pela permanncia em suas terras
continua, pois h a espera pela sentena final desse processo judicial de reintegrao de posse,
cujos autores j recorreram da deciso da juza, e a morosidade do processo demarcatrio
marcado pela omisso do ministro da Justia, que h trs anos mantm em seu poder o
processo da atual TI Tenond Por sem assinar a respectiva portaria declaratria.
Disponvel
em:
<https://www.facebook.com/media/set/?set=a.571500316250529.1073741843.548705488530012&type=1>.
Acesso em: 15 out. 2013. Ver tambm Breda (2013c).
Camila Salles de Faria - 292
e fortalecer a luta pela terra era fazer as retomadas. Para entrar e fazer tudo o que a gente est
fazendo, plantar, roar.268 E acrescentou a possibilidade de no haver um conflito fsico, pelo
fato de o local estar desabitado:
Contudo, mesmo com o local desabitado por mais de dez anos e com o plantio de
eucalipto abandonado pois em algumas partes j se nota a formao de vegetao nativa em
seu interior , houve tentativas de expropriao dos indgenas das terras retomada por meio da
violncia. Foram dois principais episdios de violncia, com a utilizao de arma de fogo, nas
palavras de Jera: a gente teve alguns incidentes com tentativas de amedrontar, como o jurua
(no indgena) que esteve aqui e atirou para cima. Passamos por essas coisas de ameaa e por
momentos de bastante medo.
O primeiro ocorreu no dia posterior ocupao e o outro, semanas depois. No
primeiro, como relatado no comunicado e reiterado por Jera, alguns homens entraram noite
na aldeia e comearam a atirar para o alto, os indgenas correram, e esses homens destruram
os barracos montados ao longo do dia pelos Guarani. Explicou Jera sobre a situao de
abandono do lugar, marcada pela quantidade de lixo existente, quando o retomaram:
Quando a gente entrou aqui tinha muito lixo de bebida alcolica, muitas latas de
cervejas e garrafas. Tinha marcas de tiro alvo nas paredes. Tinha muito lixo de
preservativo. Ento, acho que o espao estava sendo usado por pessoas de forma
ilcita. [...] Acho que era os traficantes daqui de perto.
O segundo episdio com intimidao por arma de fogo ocorreu semanas depois,
quando os Guarani estavam afixando a placa com a identificao da TI, ou seja, uma terra
protegida pelo Governo Federal e com acesso restrito a pessoas estranhas. Como exps Jera,
teve outro incidente quando estvamos pregando a placa da Funai, e uma moto passou e
voltou. Sacou uma arma e ficou atirando bem pertinho. Mas depois o cara foi embora, e nunca
mais.
Ainda, segundo Jera, receberam visitas dos supostos proprietrios e de um
advogado:
268
Essa declarao, bem como as seguintes, neste item, referem-se a um conversa realizada em outubro de 2014,
um ano aps ocuparem novamente suas terras.
Camila Salles de Faria - 293
Os possveis donos (dois irmos) falaram para a gente que s queriam umas telhas,
que tinham o nome da famlia deles: Lang, que eles no queriam nem notificar a
entrada dos indgenas. Vieram umas cinco vezes numa saveiro e carregaram muita
telha. [...]
Outra vez veio um advogado, que achei que nem era advogado, dizendo que o dono
no queria notificar, que os indgenas poderiam ficar, mas era para tomar conta da
rea para ele. Da eu respondi: No, ns vamos ficar aqui porque nosso. No
vamos tomar conta para ningum!.
Assim, houve em primeiro contato com os supostos donos que garantiram somente
querer os bens materiais (telhas), por seu significado familiar, e no a expulso dos indgenas.
Essa fato foi depois reafirmado pelo advogado, que se utilizou de uma estratgia antiga de
muitos proprietrios que convidavam os Guarani para tomarem conta de terras j usadas
pelos indgenas, e posteriormente os expulsaram (ver seo 2). Tornou-se algo inesperado
para alguns indgenas o fato de no haver uma ao judicial de reintegrao de posse contrria
a sua presena at o presente.
Mesmo diante desses momentos de violncia, Jera avaliou que houve um
fortalecimento dos indgenas, ressaltando a importncia da prtica do plantio das sementes
tradicionais: Fazia muito tempo que a gente no tinha uma rea para plantar nossas sementes
tradicionais. As pessoas s plantavam e guardavam para no perder as sementes. No podia
comer. Ento, vamos pegar essa rea para fazer tudo isso. Em 2014, os Guarani (jovens e
adultos) fizeram um mutiro para a prtica do plantio, em que todos carpiram, roaram e
plantaram as sementes tradicionais, principalmente de milho (avaxietei) e feijo (kumanda).
No entanto, pelas condies de deteriorao do solo devido, principalmente, ao plantio do
eucalipto, quase nada foi colhido. Mas eles no desistiram, e por meio das parcerias com no
indgenas esto enriquecendo o solo e se organizaram para um novo plantio em setembro de
2015.
269
270
INDGENAS
O Tekoa Kuaray Rexak foi fundado em abril de 2014 por um ncleo familiar oriundo
da aldeia Krukutu, na margem oposta da represa Billings, a poucos quilmetros do Tekoa
Guyrapaju, no municpio de So Bernardo, e prximo ao limite norte da atual TI Tenond
Camila Salles de Faria - 296
271
O processo de recuperao territorial para o uso pleno dos indgenas tambm passou a
ser garantido pela aquisio das terras por meio das indenizaes das grandes obras de
infraestrutura que afetaram as aldeias. Trata-se de uma estratgia que tem aumentando entre
os Guarani: em Santa Catarina, foram cinco novas reas adquiridas pela indenizao do
gasoduto Brasil-Bolvia e pela duplicao da rodovia BR-101, sendo que a compensao por
esta ltima obra resultou na aquisio de trs novas reas no Rio Grande do Sul. Em So
Paulo, a aquisio resulta da indenizao pelos impactos gerados pela construo do anel
virio Mrio Covas o rodoanel composto por quatro trechos, dos quais o oeste (inaugurado
em 2002) e o sul (em 2010) esto em funcionamento, j tendo gerado compensaes s TI
Guarani, e o norte e o leste esto em construo.
Camila Salles de Faria - 298
processo demarcatrio da atual TI Jaragu, o rodoanel passou a ser parte de seu limite
noroeste. Como ressalta Silva (2015, p. 43), o relatrio de impacto socioambiental
apresentado pela DERSA sugeria que o local onde estavam as aldeias era uma favela onde
moravam pessoas que j no seriam indgenas, mas mestios. Esse relatrio provocou a ira
de lideranas indgenas. No entanto, depois da manifestao dos Guarani, do Ministrio
Pblico Federal e da Funai, a empresa optou por arquivar esse documento.
Contudo, anteriormente construo do trecho sul do rodoanel e diante da situao
ocorrida no Jaragu em que os indgenas, alm de no serem ouvidos sobre a obra, nem
constaram no relatrio de impacto , o Ministrio Pblico Federal moveu uma ao judicial
contra a Dersa, alegando a necessidade de um estudo etnoecolgico das aldeias para
continuar a obra dos outros trechos do anel virio.272
J no do trecho sul, em que as aldeias (Tekoa Tenond Por e Tekoa Krukutu)
distanciavam 7 km da obra, o EIA/Rima voltou a reafirmar que no haveria impacto para os
indgenas, por ser uma rodovia de classe zero, o que no causaria avano na malha urbana:
Assim, os impactos sobre os indgenas tanto da atual TI Jaragu, pelo trecho oeste
do rodoanel, como pelos da atual TI Tenond Por, em Parelheiros, pelo trecho sul da obra
272
273
Programa Rodoanel Mrio Covas. Estudo de Impactos Ambientais (EIA), volume II, 2004. Disponvel em:
<http://www.ambiente.sp.gov.br/rodoaneltrechosul/files/2011/05/VOLUME_II.pdf>. Acesso em: 21 set. 2013.
Camila Salles de Faria - 300
Um acordo para a aquisio das reas destinadas aos Guarani foi firmado junto ao
Ministrio Pblico e Dersa, a qual cedeu os referidos R$ 6 milhes valor determinado pela
empresa e no por um estudo das necessidades dos indgenas diante do impacto da obra
(SILVA, 2015, p. 20-21). Esse montante foi depositado em juzo e coube Funai intermediar
as negociaes, pois, como argumenta Ladeira (2008, p. 96), os Guarani no participam das
negociaes envolvendo dinheiro e terra, apenas na identificao das reas segundo os
requisitos necessrios aos indgenas para formao de um tekoa. Como afirmou uma liderana
indgena do Rio Grande do Sul, a compra e venda no um problema para ns. Isso um
problema que os brancos, entre eles, tm que resolver. Ns temos que nos preocupar como
ns devemos usar a terra que Nhanderu deixou para ns (LADEIRA, 2008, p. 139).
Da mesma forma, Jos Fernandes revelou o sentido dessa terra adquirida e a
importncia de Nhanderu (divindade) nesse processo de compra:
Ambos os contratados acusaram a empresa Consplan de alterar o contedo do relatrio final e afirmaram no
serem os autores do documento apresentado, conforme consta conexo Ao Civil Pblica n.
2003.61.00.025724-4,
de
25
de
outubro
de
2005.
Disponvel
em:
<http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/102_01.MPF%20-%20ACP%20Rodoanel.pdf>. Acesso em: 30 jul.
2015.
275
Segundo as reportagens de O Estado de So Paulo intituladas Trecho sul do Rodoanel comea em junho.
Pode ser criado conselho para fiscalizar passivo ambiental, diz secretrio, de 29 de abril de 2006, e Contrato
do Rodoanel sai na sexta-feira. o ltimo dia para assinar acordo, segundo Lei Fiscal, de 22 de abril de 2006.
Camila Salles de Faria - 301
Assim, como explica Silva (2015, p. 11) as reas eram pr-selecionadas pela Funai
em So Paulo, com base no tamanho, preo e conservao da mata. Sempre que era possvel,
agendavam-se com proprietrios, caseiros ou corretores imobilirios, que acompanhavam o
grupo. Portanto, a legitimidade da documentao no era conferida pelo rgo indigenista
antes das visitas aos locais e da seleo pelos indgenas, o que gerou grande expectativa por
parte dos indgenas quanto mudana para rea escolhida. Dessa forma, foram elencados
critrios para essa pr-seleo da rea pela Funai, em que a ordem disposta no representa
uma hierarquia:
Informao tcnica da FUNAI, escrita por Maria Lcia B. de Carvalho, sobre a eleio da rea, em 2011.
Camila Salles de Faria - 302
Segundo Timteo, liderana indgena, a ideia inicial dos Guarani era escolher uma
rea prximo atual TI Tenond Por, mas, com a especulao imobiliria e a elevao do
preo da terra decorrente do crescimento da cidade de So Paulo, o dinheiro da compensao
no compraria mais do que 6 ha por TI (demarcada em 1987)278. Por isso, diante dos
requisitos imprescindvel para os Guarani, como a presena de elementos da natureza (mata e
rio, principalmente), visando a seus usos como a caa e a pesca, por exemplo, optou-se por
outra rea mais distante do municpio de So Paulo.
Para Natalcio, liderana indgena do Tekoa Pyau da atual TI Jaragu, na deciso de
escolha da rea sempre houve a preocupao com os elementos da natureza, mas tambm com
a distncia da cidade e das demais aldeias.279
A importncia dos elementos da natureza tambm aparece nos depoimentos de Santa
Soares, Jos Fernandes, Maria Lucia Tatanxim, os quais fundamentam o relatrio da Funai
para a pr-seleo da rea localizada no municpio de Tapira280:
A gente ouve histria de antigamente e quer mostrar para os nossos filhos como
vivia antigamente. Saber da histria dos antepassados, sentir de novo como viver
no mato, no rio. No mato tem remdio que a gente usava e at hoje usa. A gente no
vai derruba a mata, vai pescar, caar, buscar as coisas do mato, nossos filhos vo
aprender. No tem poluio, na cidade a gente fica doente e no sara mais. A gente
vive no mato no tem doena mais forte. As coisas que a gente est aprendendo na
cidade tem coisa boa e tem coisa ruim. A gente est precisando de terra... a gente
tem que ensinar as crianas a trabalhar e o povo da cidade diz que no, no tem que
criana trabalhar... Por isso a gente est lutando para ter essa terra, para poder
ensinar do nosso jeito. A gente vai comer coisa do mato que fortalece a gente... eu
277
278
Em uma breve pesquisa com ocupantes vizinhos da atual TI Tenond Por, no municpio de So Paulo,
verificou-se que o preo do hectare equivalia a R$ 70 mil, em terreno sem benfeitoria e sem documentao
oficial.
279
280
Relatrio Antropolgico de Eleio de rea de Terras destinadas a Comunidade Guarani residente no Tekoa
Pyau / Pico do Jaragu/ So Paulo-SP, elaborado por Maria Lucia Brant de Carvalho, em abril de 2011.
Camila Salles de Faria - 303
quero que meus filhos sente na pele como viver assim. A gente vive assim eu
quero aprender a sabedoria do xeramo, para isso tem que ter terra boa, ensinar as
crianas a plantar, a viver no mato. Eu tenho que fazer festa de Nhemongara
(batismo), para isso tem que ter as ervas do mato, para ensinar para os meus parentes
e para os meus filhos A gente j definiu onde vai ser a Opy (Casa de Reza) e a casa
do xeramo vai ser junto. As casas das famlias vo ser um pouco mais para cima. A
gua daqui muito boa, tem j cano dgua e tem cachoeira. A gente d importncia
para a natureza, para os rios... a gente vive na cidade e as crianas no obedece, no
to vendo. A gente vai recomear a ensinar nossas crianas. A gente no nasceu para
ser rico. Nhanderu que est ensinando a gente pelos cantos e danas na Opy (Casa
281
de Reza). Eu estou muito feliz com isso. (Depoimento de Santa Fernandes Soares)
Para Santa Soares, filha da liderana espiritual Jos Fernandes, a relao com
elementos da natureza traduz-se nos usos possveis para os Guarani, como a pesca, a caa, a
coleta para remdios e alimentao, por exemplo, e assim possvel a transmisso desse
conhecimento dos indgenas, na prtica, para as novas geraes, para que seus filhos possam
viver e aprender mais sobre o jeito do Guarani. Ademais, com uma maior extenso de suas
reas, o plantio tambm se torna uma prtica fundamental resumidamente, em suas palavras,
tem que ter terra boa, ensinar as crianas a plantar, a viver no mato. Desse modo, a
possibilidade de tal retorno ao uso pleno das terras pelo plantio e pelas atividades decorrentes
da relao com os elementos da natureza reveste-se defelicidade e alegria para os indgenas,
como aparece tambm nas palavras de Jos Fernandes:
Dona Maria Lcia discorre no mesmo sentido, projetando a vida de seus familiares na
rea pr-selecionada no municpio de Tapira pela Funai para os indgenas da atual TI
Jaragu:
281
282
Relatrio Antropolgico de Eleio de rea de Terras destinadas a Comunidade Guarani residente no Tekoa
Pyau / Pico do Jaragu/ So Paulo-SP, elaborado por Maria Lucia Brant de Carvalho, em abril de 2011 (f. 53).
Camila Salles de Faria - 304
Acho bom a aldeia ficar aqui, queria j dormir aqui. Para sair e para entrar fcil o
transporte. Tem taquara, brejava para fazer flecha. Eu queria plantar mais banana
pertinho de casa, goiaba, laranja, pitanga para comer e para as crianas brincar. A
minha famlia muito grande e tem muita gente. Eu queria tambm farmacinha
porque eu preciso de remedinho. Eu fiquei muito feliz com essa terra. Eu queria
tambm escolinha para minha filha, para minha neta. Professor j temos, o Juru
(no indgena) vai tambm ensinar nossas crianas. Tem que ter uma casinha da
Funasa. A gente j tem motorista o genro do Natalcio. Fico feliz porque eu estou
vendo rio, bananeira. Eu quero fazer barraquinha para fazer flechinha, arquinho para
comprar farinha de fub, para fazer beiju, para comer com pira (peixe). Deve ter mel
no mato. Cada famlia vai plantar o seu. Criar galinha, porquinho. Vamos fazer
283
artesanato para vender. (Depoimento de Maria Lucia Tatanxim)
Depois de dez anos, visitadas cinco reas pelos indgenas da atual TI Tenond Por,
ocorreu a aquisio da rea denominada fazenda Montana, com 2.178,46 ha284, no municpio
de Eldorado, no Vale do Ribeira (SP). Outra caracterstica importante para a escolha da rea
foi sua proximidade com as demais aldeias Guarani (15 somente no Vale do Ribeira, sendo a
mais prxima o Tekoa Peguaoty), o que permite a continuidade das relaes entre aldeias.
Na antiga fazenda Montana, formou-se em agosto de 2013 o Tekoa Takuari, em um
primeiro momento com 30 indgenas vindos das aldeias de Parelheiros, depois com outras
famlias que sinalizaram a mudana para a rea; conforme dados da Sesai de 2013, contam-se
99 Guarani.
A escolha da rea destinada compensao dos indgenas da atual TI Jaragu ainda se
encontra em tramitao, pois atualmente no h nenhuma em avaliao, nem pela Funai, nem
pelos Guarani. Ser necessrio iniciar uma nova pr-seleo de reas que contemplem os
requisitos dos indgenas, para que estes possam conhec-las e eleg-las. As visitas dos
Guarani s reas, como descrito por Silva (2015, p. 12):
eram feitas por pequenas comitivas, compostas quase sempre por homens. A
quantidade variava conforme a disponibilidade de transporte. [...] Participavam
aqueles que mais se interessassem pela busca de uma nova rea e se considerassem
aptos a contribuir com o trabalho: chefes de famlia, pessoas com experincia em
atividades de caa, roa e de xamanismo.
Em pelo menos duas ocasies, quando houve certeza de que faltavam apenas
detalhes para o fechamento da compra, aconteceram deslocamentos de um
contingente maior de moradores do Tekoa Pyau para conhecer a nova rea. Foi o
caso da visita a uma propriedade no municpio de Tapira (SP).
283
284
A informao tcnica de 2010, sobre a eleio da rea de Eldorado pelos Guarani das TI Krukutu e Barragem,
escrita por Maria Lcia B. Carvalho, no apresenta os preos pagos pelos imveis.
Camila Salles de Faria - 305
A rea mencionada pelo autor, localizada no municpio de Tapira (SP), foi a ltima a
rea eleita pelos Guarani do Tekoa Pyau. Ela perfazia aproximadamente 2 mil ha
georreferenciados, e o preo da terra solicitado pelo proprietrio foi de R$ 867,77 por hectare,
totalizando aproximadamente R$ 1,9 milho.285 Nos depoimentos da Santa Soares, Jos
Fernandes e Maria Lcia, percebem-se os motivos para a escolha dessa rea pelos Guarani, e
sua importncia. Porm, no desenvolvimento do processo aquisio e, principalmente, na
anlise da legalidade da documentao do imveis, houve percalos. Em 2014, o dono da rea
quis renegociar o valor do imvel, o que era impossvel, pois no havia mais dinheiro alm
daquele depositado em juzo. Alm do mais, havia problemas nos documentos do imvel, o
que no garantia sua lisura.
Segundo o relatrio da Funai, foram apresentadas 20 reas aos indgenas da atual TI
Jaragu, das quais apenas 5 no foram visitadas, por apresentarem preo superior ao montante
de que dispunham (R$ 2 milhes). A primeira rea eleita pelos indgenas, o que se deu em
2008, tinha 164 ha e localizava-se no municpio de Mairipor (SP); um ano aps o incio do
processo para sua aquisio, ela foi transformada em Unidade de Conservao Estadual
(Decreto n. 54.746, de 2009), o que invalidou o processo de aquisio para os Guarani.
Eles ento visitaram outra rea, como descreve por Silva (2015), sem nem chegar a
entrar no imvel: apenas observaram pela cerca e partiram. noite, na opy (casa de reza),
Jos Fernandes explicou que aquela no era a terra que Nhanderu (divindade) havia lhe
mostrado e, portanto, no era boa para fazerem um tekoa (SILVA, 2015, p. 185). Tratava-se
de uma rea indicada por um funcionrio da Dersa, que insistiu sobre as qualidades da rea
e buscou interferir na deciso, fato que muito incomodou os Guarani.
Deu-se incio, novamente, ao processo de eleio da rea pelos indgenas; outra rea
foi escolhida, porm houve problemas com a documentao do imvel. A morosidade do
processo, somada aos problemas na eleio da rea causaram muito desgaste aos indgenas,
alm da difcil situao enfrentada no Tekoa Pyau, com diminuto espao e omisso do Estado
no processo demarcatrio da atual TI. Houve ainda uma srie de notcias, produzidas pelas
mdias locais, que divulgaram informaes equivocadas, provocando uma situao de tenso
quanto mudana dos indgenas para o municpio (ANDRADE, 2012; ROSA, 2012;
TRANSPLANTE, 2012).
Assim, alguns indgenas envolvidos no processo de eleio de suas terras ficaram
doentes, pois a alegria e o entusiasmo com a formao do novo tekoa transformou-se em
285
Informao tcnica da FUNAI, escrita por Maria Lcia B. de Carvalho, sobre a eleio da rea, em 2011.
Camila Salles de Faria - 306
tristeza e depois em doena286. Por isso o xeramo Jos Fernandes e sua famlia mudaram-se
temporariamente para outras aldeias Guarani, como o Tekoa Pirakuara, no Paran, e em
seguida o Tekoa Pira, em Santa Catarina, procurando se fortalecer. Em 2014, retornaram
para o Tekoa Pyau, na atual TI Jaragu, e em fevereiro de 2015 reocuparam o Tekoa
Yyrexak, no subdistrito de Marsilac, nos limites da atual TI Tenond Por.
Dessa forma, os dois elementos tanto a demarcao das TI como a aquisio e
formao de novos tekoa complementam-se e sinalizam o processo de retomada dos
indgenas de suas terras. Mesmo que essas formas de recuperao territorial (pelo Estado em
TI e pela lgica mercantil em Reserva Indgena) possam aparentemente caracterizar a
ocupao, isso no ocorre, pois seus contedos resultam do sentido da terra para os Guarani,
que no se altera, e de seus usos, que lhes garantem sua autonomia para viver conforme seu
modo de ser (nhandereko).
Na definio preliminar proposta por Alarcon (2013, p. 1) em seus estudos sobre os
Tupinamb: as retomadas consistem em processos de recuperao, pelos indgenas, de reas
por eles tradicionalmente ocupadas e que se encontravam em posse de no-ndios.
Diferentemente da maioria dos casos das retomadas Guarani, principalmente daquelas
relacionadas disperso da ocupao nos limites das atuais TI em processo demarcatrio, os
no indgenas relegaram a posse dessas terras. Elas encontravam-se desabitadas, sem
utilizao e com plantio de eucalipto, por exemplo, abandonado. Esse fato importante para
os Guarani, pois evita o conflito fsico. Em alguns casos, no indgenas detinham o domnio
dos imveis em tela, ou seja, seu ttulo de propriedade privada, promovendo assim conflito
por meios judiciais, com as aes de reintegrao de posse. Alm disso, promoveram outras
aes de intimidao para que os Guarani deixassem suas terras. Houve, assim, tentativas de
expropriao dos indgenas das terras retomadas, por aes judiciais e/ou episdios de
intimidaes, revelando a necessidade da luta por suas terras, presente nos momentos
contnuos de expropriao/resistncia/retomada.
286
Segundo Silva (2015, p. 167), como os Guarani pensavam muito na nova rea a ser adquirida, porque
haviam gostado muito do local seus espritos j estavam indo na frente, o que poderia causar problemas
para os indivduos.
Camila Salles de Faria - 307
6 - CONSIDERAES FINAIS
pelos Guarani, ora por meio das tentativas de expropriao, com a expulso direta ou indireta,
ora pelo cercamento, contribuindo para seu confinamento. Assim, a periferizao tornou-se
o lcus das mltiplas possibilidades. Significa dizer que ela contempla simultaneamente a
reproduo e a reproduo ampliada do capital, as disputas entre as diferentes fraes das
classes sociais da sociedade capitalista para sua reproduo social/econmica e sociedade
indgena, a qual no se isola dos no indgenas e, contraditoriamente, vive de sua maneira a
periferia e sua centralidade.
Nesse processo torna-se necessrio desabsolutizar a propriedade privada capitalista da
terra, no como fundamento do processo de expropriao das terras indgenas, mas como
direito. Isso porque historicamente ela se constitui a partir de terras pblicas outrora tomadas
dos indgenas. Ademais, e principalmente, porque grande parte dela constituiu-se pela
apropriao privada de terras pblicas, ou seja, por meio da grilagem de terras pblicas
(devolutas ou no), num processo em que o prprio Estado (Justia e cartrios,
principalmente) forneceu legitimidade e um papel (o ttulo, expresso na transcrio e na
matrcula). Esse fato que promoveu-lhe, aparentemente, um status inviolvel, o qual s se
dissolveria por meio da relao monetria e na obteno de renda capitalizada (pelo ato de
compra ou desapropriao, por exemplo), acrescida de juros e lucro quando da presena de
benfeitorias. No entanto esse carter inquestionvel de tal propriedade privada capitalista da
terra desconstri-se no caminho proposto pelo prprio Estado, ou seja, pela anlise da cadeia
dominial ou sucessria embasada nas legislaes vigentes de cada ttulo. Todavia essa anlise
no se realiza no cotidiano jurdico, pois basta apenas a apresentao do ttulo (de origem
duvidosa ou no) para que j se permita a ameaa de expropriao dos indgenas de suas
terras, por uma ao judicial de reintegrao de posse. A justia, via de regra, no exige
daquele que requer o direito posse a prova da legalidade de seus ttulos. Assim, no h como
questionar, como pretende o atual contexto poltico das esferas legislativa e judiciria, a partir
dos marcos jurdicos, o reconhecimento de TI, garantido pela Constituio Federal de 1988
como direito originrio dos povos indgenas que as ocupam, diante da formao da
propriedade privada capitalista da terra que, historicamente, ocorreu muitas vezes fora dos
requisitos legais.
Notcias recentes, datadas do final do ms de setembro, mostraram uma nova tentativa
de expropriao dos indgenas por parte do Governo do Estado de So Paulo, representado
por Geraldo Alckmin, que entrou no STJ com mandado de segurana contra a portaria
declaratria da TI Jaragu (Portaria n. 581/2015), motivado pela sobreposio desta com o
Camila Salles de Faria - 309
PEJ. O governo alega que tal sobreposio enfraquece a proteo do territrio frente
abertura para a consolidao da urbanizao no entorno das reas naturais protegidas e, com
isso, no se enquadra como estratgia real de benefcio reproduo cultural indgena,
sugerindo que a sobreposio ocorra somente na zona de amortecimento do PEJ, e que o
parque mantenha uma unidade de conservao de proteo integral, na qual no seria
autorizada a ao humana287. Dessa forma, nega o dilogo com indgenas sobre o uso
compartilhado dessa rea sobreposta, e pretende cercear seus usos. Escamoteia na
argumentao o histrico de privatizaes e concesses, com retorno monetrio, como
demonstrou esta pesquisa, impactando esse lugar sagrado para os Guarani. Baseado em suas
argumentaes e pautado na vedao de ampliao de TI e na jurisprudncia da TI Raposa
Serra do Sol, o ministro Humberto Martins suspendeu o processo demarcatrio da TI Jaragu
at que o Ministrio da Justia apresente sua defesa.
Contudo os Guarani resistem por meio de sua permanncia nas reas em conflito; da
retomada de suas terras, de fragmentos de seu territrio (Yvy rupa), anteriormente ocupadas
pelos no indgenas; da luta pela demarcao de suas terras e de seu monitoramento mesmo
que no detenham sua posse plena, com o intuito de evitar a destruio dos elementos da
natureza por eles usados, em decorrncia do aumento da construo e ocupao de no
indgenas no interior das TI identificadas em So Paulo. Dentre as novas estratgias, esto a
fixao de placas nessas reas em disputa, contendo o mapa com os limites da TI e os dizeres
Aviso: Consulte a Funai antes de construir ou comprar lotes nessa rea. Terra Indgena em
processo de demarcao, alm do nmero da portaria de identificao e os contatos
telefnicas da Funai local. E ainda a formao de jovens indgenas (xondaro) que possam
mapear essas reas por meio do sistema de posicionamento global (GPS), a fim de proteg-las
para que, no futuro, com sua posse plena, garantam sua existncia (fsica e espiritual) como
indgenas, exercendo o modo de ser/viver Guarani (nhandereko).
287
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