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MULHERES NEGRAS QUILOMBOLAS: TECENDO MOVIMENTOS DE

RESISTÊNCIA NOS ESPAÇOS EDUCATIVOS


SANTOS, Maria José dos¹; SILVA, Camila Ferreira da²; BRAGA, Graça Elenice dos Santos³;
SILVA, Eunice Pereira da⁴

¹Universidade Federal Rural de Pernambuco, yiamaze@gmail.com; ²Universidade Federal de Pernambuco/Centro de


Educação, camilafera92@hotmail.com; ³Universidade Federal Rural de Pernambuco, gracaelenicebraga@gmail.com;
⁴Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste, euniice.pereira@hotmail.com

Resumo: O presente artigo tem como objetivo compreender as práticas de ensino exitosas desenvolvidas por
educadoras Negras nas Comunidades Quilombolas Pau Ferrado, no município de Lagoa dos Gatos, Gloria
Goita e Onze Negras no Cabo de Santo Agostinho, localizadas em Pernambuco. Adotamos enquanto
Abordagem teórica o Feminismo Negro Latino-Americano que parte de dois movimentos: social e
epistêmico. O primeiro, advém, de mulheres negras que historicamente tiveram seus modos de ser, de pensar
e de produzir conhecimento silenciados e subalternizados pela racionalidade eurocêntrica, mas também
lutaram e lutam pela afirmação de suas diferenças. O segundo, diz respeito, a entrada de mulheres negras no
espaço acadêmico, sobretudo por considerar que a academia é o local, por excelência, onde a racionalidade
branca se perfaz. Por tal, o ingresso de mulheres negras, bem como, de epistemologias consideradas
periféricas enegrece o espaço acadêmico ao mesmo tempo que, paulatinamente, quebra os ditames
eurocêntricos, afirmando a mulher negra não só enquanto um sujeito epistêmico, mas que a academia é
também um lugar que esta mulher pode e deve ocupar. Os resultados apontam que os movimentos de
resistências que as educadoras vêm desenvolvendo, contribuem para o fortalecimento da identidade negra
das/dos alunas/alunos. Nessa direção, os espaços educativos têm se constituído enquanto lugar de afirmação
dos modos de ser, de pensar e produzir conhecimento dessas comunidades.

Palavras-chave: Mulheres Quilombolas, Escola, Feminismo Negro.

Comunidade Quilombola: resistência desenvolvido por professoras negras em


sempre
Comunidades Quilombolas.
Este trabalho é o diálogo entre uma Diante disso, apresentamos enquanto
pesquisa Mestrado em Educação objetivo compreender as práticas de ensino
desenvolvida na Pontifícia Universidade exitosas desenvolvidas por educadoras
Católica de São Paulo e um Projeto Negras nas Comunidades Quilombolas Pau
Político Pedagógico, desenvolvido no Ferrado, no município de Lagoa dos Gatos,
curso de graduação da Universidade Gloria Goita e Onze Negras no Cabo de
Federal de Pernambuco – Centro Santo Agostinho, localizadas em
Acadêmico Agreste. Ambos os trabalhos Pernambuco.
trazem enquanto elemento em comum o Cabe destacar que o contexto social,
trato com as práticas de ensino cultural, político e epistêmico do Brasil é
constituído por diversas influências

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(africanas, indígenas, europeias, dentre Portanto, as Comunidades
outras). No entanto, quando nos Quilombolas são grupos étnicos que se
reportamos a população negra e indígena auto definem a partir das relações com o
sua participação é insidiosamente negada espaço territorial que ocupam, o
e/ou silenciada. Sobretudo, no que se parentesco, a própria ancestralidade, as
refere às Comunidades Quilombolas, por tradições e práticas culturais desenvolvidas
tal Siqueira pontua que se faz necessário ao longo do tempo.
realizar reflexões mais amplas do sentido Para Nascimento (1980) as
político e cultural, visto que, Comunidades Quilombolas constituem um
movimento amplo e contínuo, tendo
Os Quilombos representam uma das maiores
expressões de luta organizada no Brasil em enquanto característica, predominante, as
resistência ao sistema escravocrata ao
sistema colonial-escravista, atuando sobre
vivências dos africanos que não se
questões estruturais, em diferentes submetiam a toda forma de exploração e à
momentos histórico-culturais do país, sob a
inspiração, liderança e orientação político- violência do sistema colonial; as formas
ideológica de africanos escravizados e de
seus descendentes africanos nascidos no associativas de criar novos espaços; a
Brasil (2009, p. 03).
organização socioeconômica e política
Logo, as Comunidades Quilombolas adequada à sua realidade e a sustentação da
representam fontes inspiradoras para as e continuidade africana por meio dos grupos
mulheres e homens que neles viveram e genuínos de resistência. É importante
vivem, uma vez que constituem um espaço salientar que os/as militantes negros/as,
de resistência e de militância traçando nos anos de 1930, já se inspiravam nos
historicamente. Portanto, a concepção de exemplos de luta e formas de organização,
que as Comunidades Quilombolas estão a exemplo da Frente Negra Brasileira.
limitadas ao passado, vistas enquanto uma Nesse contexto é importante observar
aglomeração de fugitivos ou um lugar de uma mudança a respeito do entendimento
refúgio é veementemente negado, sobre Comunidades Quilombolas, uma vez
considerando que no tempo-espaço- que não são mais vistos como se
histórico as mulheres e homens estivessem cristalizados no passado e que
quilombolas foram ressignificando seus nos dias atuais não mais existem.
modos de ser, de pensar e de produzir Conforme enfatiza Santos “falar dos
conhecimento, sem, contudo, perder os quilombos e dos quilombolas no atual
laços com a sua ancestralidade. contexto é, portanto, falar de uma luta

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política e, consequentemente, uma reflexão movimento negro organizado em confronto
científica em processo de construção” com órgãos públicos municipais, estaduais
(2009, p. 4). e federais. Ressalta-se, ainda, o
Logo, ser Quilombola é carregar uma distanciamento entre o dito na Constituição
ancestralidade, isto é, uma memória vivida e o vivido para a efetivação do marco
daquelas e daqueles que a/o antecederam, legislativo.
forjando movimentos de resistência em Portanto, embora tenha havido
uma luta política que é continua, em conquista a luta continua, uma vez que a
especial, em cenário social que no resistência parte de um ideal político de
tempo/espaço silenciou e negou o direito coletividade fundamentado no bem comum
de ser e de existir dos povos Quilombolas. da Comunidade Quilombola e assim na
De fato, é a partir do entendimento de luta luta incessante pela garantia de direitos que
e conquista da terra, sobretudo, que as lhes foram negados por uma política de
Comunidades Quilombolas, o movimento estado que não reconhece as diferenças ao
negro e as organizações da sociedade civil mesmo tempo que tenta homogeneizá-las.
tem interferido junto ao governo brasileiro Desse modo, percebemos que a
para que haja o reconhecimento das áreas política de identidade do estado uni-
quilombolas, o que ocorreu oficialmente identitário não se sedimentou por
em 1988 com a promulgação da atual completo, considerando que os sujeitos,
Constituição Federal no Art. 68 “aos situados nas margens da sociedade,
remanescentes das comunidades de teceram rachaduras e foram,
quilombos que estejam ocupando suas paulatinamente, evidenciando seus valores,
terras, é reconhecida a propriedade culturas, sociais e ancestrais, que reside em
definitiva, devendo o Estado emitir-lhes suas memórias vivas e que a perspectiva de
títulos respectivos”. estado uno não logrou êxito.
O artigo da Constituição delimita Diante do exposto, entendemos que
espaço, propõe as considerações aos as Comunidades Quilombolas não só
verdadeiros proprietários e amplia o constituem espaços de retomada da sua
entendimento. Porém, é importante ancestralidade, bem como são locais, por
observar que, para a efetivação do direito à excelência, de resistência, constituído por
terra pelo texto constitucional, foi sujeitos que assumem a sua voz, a sua
necessária a intervenção das Comunidades corporalidade e o seu espaço político,
Quilombolas e do
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social, cultural e epistêmico no mundo. uma lacuna com a questão racial. No
Posto isso, a título de organização, segundo, acreditava que a luta pela
este trabalho, para além da introdução, está afirmação racial, traria, conjuntamente, as
organizado em quatro seções. Na primeira, especificidades de gênero (GOMES,
tratamos das formas de resistência que a 2010).
Mulher Negra foi tecendo, em especial, por É diante do caráter específico e
meio do Feminismo Negro Latino- diferenciado da mulher negra que emerge o
Americano, ainda, neste contexto, feminismo negro com o intuito de afirmar
destacamos as participações das sua geo-política e corpo-política do
professoras negras quilombolas no conhecimento, isto é, um coletivo de
processo educativo da Comunidade em que mulheres negras em que a discussão de
estão inseridas. Na segunda, apresentamos raça e gênero são tratados enquanto dois
as escolhas de teórias metodológicas, elementos unos e não de maneira
utilizadas no desenvolvimento deste dissociada, uma vez que as formas de
trabalho e, por fim, na terceira seção, inferiorização e silenciamento que a
apresentamos a análise dos dados. mulher negra vivencia não decorrem de
forma dissociada, mas eles se
Feminismo Negro Latino-Americano: do intersecionam, constantemente.
movimento social a sala de aula
Por isso as feministas negras, tais
como: Kimberlé Crenshaw, Audre Lorde,
O Feminismo Negro Latino-
Bell Hooks e Lélia González, cunharem o
Americano emerge dos movimentos de
termo interseccionalidade que emerge de
resistência propositiva de mulheres negras
uma preocupação com o impacto do
que historicamente tiveram seus modos de
racismo sobre o gênero feminino
ser, de pensar e de produzir conhecimentos
racializado, evidenciando que a raça não se
silenciados e subalternizados pela
desvincula do marcado de gênero. Para
racionalidade eurocêntrica.
Werneck, Iraci e Cruz (2012, p. 33),
É diante disso que, historicamente,
identificamos uma ruptura da mulher negra A interseccionalidade cria um ordenamento
em relação ao feminismo branco social que coloca no topo os homens
brancos, seguido pelas mulheres brancas, os
hegemônico e do movimento social negro. homens negros e, por fim, as mulheres
negras. Dentre todos, são elas que vivenciam
Isso se deve, por que no primeiro a mulher na escala inferior da pirâmide social as
piores condições de trabalho, que recebem
negra identificava o trato com o marcador os menores rendimentos, que mais sofrem
com o desemprego e as relações informais (e
de gênero, contudo havia
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sua consequente ausência de proteção social de dar continuidade a uma linhagem, ao
tanto presente quanto futura) e que ocupam contrário da obediência aparente-
as posições de menor prestígio na hierarquia determinada. Mulheres fervilhando e
profissional. ramificando vozes nos fundos, nos becos
escuros da sociedade brasileira (2008, p.62).
Dessa forma, a raça e o gênero se
tornaram/tornam no sistema mundo um Nessa direção, entendemos que a
dispositivo de identificação valorativa das resistência das mulheres negras está,
condições de ser e estar das pessoas no intimamente, relacionada com a sua
mundo. Nessa linha de pensamento a raça ancestralidade e as suas experiências de
e o gênero carregam uma carga simbólica resistência tecidas cotidianamente e que
negativa de sua representação no mundo e, assumem contornos e funções distintas
simultaneamente, ocasionam um com o intuito driblar/enfrentar as novas
engessamento dos lugares, dos papéis e das ressignificações que as formas de opressão
funções que a mulher negra ocupa no veem assumindo.
tempo-espaço-histórico. Cabe rememorarmos que a história
Nessa perspectiva, o feminismo da mulher negra nas lutas para ocupar seu
negro não pretende ocasionar uma nova espaço de direito na sociedade brasileira,
realocação hegemônica em relação aos vamos observar que cada conquista é fruto
demais sujeitos, mas pretende (re)afirmar de entrega, persistência e resistência, como
formas outras de ser, de existir e de Gonzales (2008), que desde o final dos
produzir em um sistema/mundo que tende anos 70 lutou pelo espaço da mulher negra
a negar/silenciar as diferenças sociais, dentro dos movimentos sociais, junto ao
culturais, políticas e epistêmicas que se movimento feminista que trouxe para as
dissociam do centro hegemônico. agendas políticas as pautas voltadas para a
É neste contexto que destacamos as realidade negra.
participações das mulheres negras Desse modo, entendemos que na
quilombolas, e suas contribuições no mesma medida que existem formas de
processo educativo da comunidade onde silenciamento e subordinação sobre o
estão inseridas e permanecem em corpo feminino negro, na mesma medida
resistência, buscando efetivar seus direitos esse corpo negro subjugado vai
dentro e fora das comunidades construindo resistências e essas
quilombolas. Como destaca Nascimento resistências podem ser identificadas,
também, em sala de aula.
“Vozes mulheres”, grandes mães que
atravessam a linha do tempo como pano de A sala de aula é o espaço formativo
fundo, mas no direito desse
avesso mostram-se capazes www.redor2018.sinteseeventos.com.br
em que grande medida do que ali é configura enquanto esse espaço.
ensinado passa ser considerado enquanto A escola, as professoras e os
conhecimento válido e universal. Por tal, professores adentram neste processo por
compreendemos que práticas de ensino que que basta observamos em sala de aula a
driblam os ditames da racionalidade diversidade no fenótipo, na cultura, nos
eurocêntrica, trazendo para o cerne do modos de ser e de existir no mundo.
processo de ensino-aprendizagem formas Assim, privilegiar uma e neutralizar as
outras de pensar, de aprender e de produzir demais, é assumir uma postura pré-
conhecimento no que se refere ao estabelecida socialmente é desmerecer
enfrentamento das opressões raciais e de todo o processo histórico de luta que
gênero vivenciadas são consideradas nossas/nossos antepassadas/antepassados
exitosas. cravaram e acima de tudo é desmerecer a
Cabe salientar que consideramos construção da identidade étnica de cada
exitosas por dois fatores. Primeiro, ensinar indivíduo, uma vez que a construção desta
para além os postulados eurocêntricos, em identidade não é um processo pronto e
fuga há um modelo curricular acabado, resolvido no nascimento, mas é
brancocêntrico que tende a negar as construído e reconstruído nas práticas
diferenças. Segundo, por burlar um sistema sociais, na relação do “eu” com as/os
educativo de formação inicial que pouco outras/outros, como elucida Moreira;
ou quase nada auxilia a/o Câmara,
professora/professor com temáticas que no
Nossa identidade, assim não é uma essência,
tempo/espaço/histórico estiveram/estão não é um dado, não é fixa, não é estável,
nem centrada, nem unificada, nem
relegados a conteúdos transversais que na homogênea, nem definitiva. É instável,
maioria das vezes não chegam a ser contraditória, fragmentada, inconsistente,
inacabada. É uma construção um efeito, um
vivenciados de forma positiva/valorativa processo de produção, uma relação, um ato
formativo (2008, p.42).
em sala de aula.
Dito isto, compreendemos que o Assim, conceber a dinâmica escolar,

feminismo negro não está restrito as ruas, nesta perspectiva, significa romper com o

mas ele vai, concomitantemente, tecendo caráter homogeneizador que tece os

fraturas e evidenciando os valores de currículos escolares e tornar o Brasil

saberes, experiências, modos de ensinar e conhecido de si mesmo, construindo

aprender, e por tal, a sala de aula se formas outras de viver, de relacionar e de


conceber as diferenças.

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da cidade tem origem na junção do nome
Abordagem Teórico-Metodológica da padroeira, nossa senhora da glória, com
o rio goitá, topônimo que tem origem no
Nesta seção tratamos das escolhas
termo tupi “gua-ita”, que significa “pedra
teórico-metodológicas adotadas, para tanto,
da baixa”.
apresentamos o campo de pesquisa, os
A Comunidade Quilombola Onze
sujeitos, os instrumentos de coleta de
Negras também está localizada no Cabo de
dados e para a organização e tratamento
Santo de Agostinho. A Comunidade
dos dados fizemos uso da análise de
recebeu vários nomes, como, por exemplo,
conteúdo (BARDIN, 2011).
Burrama, por causa da criança que não
As participantes da pesquisa foram
sabia falar corretamente o nome do animal
selecionadas a partir do seu pertencimento
que não resistia à carga e caiu. A criança
étnico-racial. Ou seja, mulheres negras
saía gritando “burrama morreu!”; burrama
quilombolas que estivessem ou já tivessem
era igual a “burra”. O segundo nome foi
exercido atividades educativas dentro ou
Pista Preta, usado devido ao piche, produto
fora da estrutura física da escola. A partir
químico utilizado nas estradas e asfaltos.
desse critério, selecionamos, três
No entanto, foi no ano de 1999 que a
comunidades quilombolas, a saber: Pau
comunidade passa a ser reconhecida pelo
Ferrado, Gloria de Goita e Onze Negras,
nome de Onze Negras, com a intenção de
localizadas em Pernambuco.
homenagear o time de futebol existente no
A comunidade quilombola Pau
Quilombo.
Ferrado está localizada no munícipio de
No que concerne a coleta dos dados
Lagoa dos Gatos. De acordo com relatos
fizemos uso da técnica a observação
de moradoras do local o Quilombo recebeu
participante, visto que consiste no contato
esse nome, em virtude da comunidade ter
direto da/do pesquisadora/pesquisador com
sido descoberta pelos senhores de engenho
o campo de pesquisa (MINAYO, 1996).
e no centro do Quilombo colocaram um
Ademais, no decorrer da inserção no
pau e iniciaram o acoite das mulheres e
campo de pesquisa as conversas informais
homens do local, vindo assim, no futuro a
se constituíram enquanto o objeto principal
receber o nome de Pau Ferrado.
para a coleta de informações a respeito do
A Comunidade Quilombola Gloria
referido objeto de pesquisa.
do Goitá, está situada na região da zona da
Cabe destacar que as informações
mata no município de Glória do Goitá. A
denominação do Quilombo e
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coletas no campo de estudo foram De acordo com a fala das professoras
registradas no diário de campo, uma vez é possível observar a traços do racismo que
que trata-se de “um instrumento não só de alunas e alunos vivenciam no espaço
registro, mas fundamentalmente um escolar. Contudo, simultaneamente,
instrumento de análise de todo o trabalho observamos a resistências dessas mulheres
de campo” (LAGE; 2005, p 15). negras que compreendem que o ato de
O diagnóstico dos dados foi feita a educar é um dos caminhos possíveis para a
partir da análise de conteúdo que se afirmação da identidade quilombola e
desenvolve por meio de três etapas: a) pré- acima de tudo, sujeito pertencente a este
análise; b) exploração de material; c) local, profere:
tratamento e inferência dos resultados.
Cabe destacar que esse caminho não segue Era muito difícil querer ser moradora da
nossa comunidade, Pau-Ferrado, quando
uma hierarquia, mas decorre dentro de uma uma pessoa queria xingar outra em Lagoa
dos Gatos ela sempre dizia: “vai neguinho
circularidade, constituído por idas e vindas do Pau-Ferrado”. Isso fazia com que as
pessoas da nossa comunidade evitassem ir à
entre as etapas. cidade e as crianças não se sentiam a
Na pré-análise definimos o campo de vontade na escola. Era uma situação bem
complicada” (P01, 02/02/2013).
pesquisa, as três Comunidades
Quilombolas e os sujeitos da pesquisa. Diante da fala da P01, identificamos
Neste caso, uma professora de cada que a prática do racismo se faz presente
comunidade campesina. Na exploração de nas vivências das pessoas que são
material realizamos, inicialmente, leituras quilombolas, ocasionando, em especial,
flutuantes no material coletado por meio nas alunas e alunos, o não desejo de
das conversas informais e do diário de frequentar a escola em virtude das atitudes
campo. Na sequência, construímos núcleos racistas que vivenciavam.
de sentido que tratassem do aludido objeto Em virtude das experiências
de pesquisa para assim realizarmos negativas que as/os estudantes
tratamento e inferência dos dados. Dito, vivenciaram/vivenciam as professoras da
isto na próxima seção, apresentamos a fala Comunidade em parceria com o
das professoras das três comunidades Movimento Quilombola Pau-Ferrado teceu
quilombolas, anteriormente, anunciadas. formas de combater o racismo,

Professora Negras Quilombolas: as Nós organizamos reuniões com a


práticas exitosas nos espaços educativos comunidade e mostramos a importância
que temos para a sociedade. Mostramos que

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carregamos as raízes de um povo guerreiro e Foi quando apareceu a inscrição do Mobral2,
que isso precisa ser valorizado. Somos aí eu fiz e consegui, me encaixei aqui na
descendentes de povos que foram comunidade. Neste tempo não era na casinha
escravizados, mas precisamos reconhecer onde a gente brincava e fazia de nossa sede.
que houve resistência, nós somos essas Era feito uma palhacinha, uma casinha de
resistências (P011, 07/04/2013). palha que não era de dendê, era de sapé.
Então, ali tinha umas cadeiras, não era nem
cadeiras, eram bancas que os meninos eles
O desenvolvimento dessas mesmo faziam e ali eu ensinava. Passei mais
de um ano ali ensinando um bom período
reuniões/encontros, inicialmente, foram (MARQUES; 2011).
pensados para e com as alunas e os alunos
quilombolas. Contudo, o senso de Na fala de Marques (2011), podemos

coletividade presente na Comunidade identificar que embora o espaço físico e os

possibilitou que essas atividades fossem recursos disponibilizados eram escassos.

ampliadas para todas e todos, entendendo Contudo, essas lacunas estruturais não

que essa era uma experiência inerente da foram suficientes para impossibilitar que o

comunidade Quilombola e não apenas de ato de ensinar continuasse. Isso parte,

uma pessoa. sobretudo, da compreensão de que o

Diante disso, entendemos que as processo de ensino/aprendizagem é capaz

práticas exitosas nas comunidades de modificar a vida das pessoas,

quilombolas se referem ao movimento de possibilitando mudanças na própria

afirmações identitárias dos sujeitos ali qualidade de vida, bem como que o ato de

presentes, lugar em que afirmam os seus ensinar/aprender não está restrito as quatro

modos de ser, de pensar e de produzir paredes da sala de aula, como anuncia

conhecimento não enquanto sujeito Silva,

subalterno, mas enquanto sujeitos de luta,


A gente aprendeu na época no Mobral que
detentores de conhecimentos e hoje é o EJA, com a Conceição, que era a
mecanismos de resistências. mais velha na comunidade e era quem sabia,
quem foi alfabetizada. Ela era quem nos
No que concerne à Comunidade ensinava, o Mobral que chamava o b-a = ba
o b-e = be. Com isso hoje a gente, apesar das
Onze Negras o ato de ensinar/aprender está dificuldades, aprendemos a assinar nossos
nomes. E na nossa comunidade a questão da
imbricado com as próprias dificuldades educação tem uma comissão dividida em
educação, saúde. A gente tem o grupo
estruturais do local, como afirma a dividido em cada comissão, cada processo
Professora Marques (2011), a primeira tem um núcleo que trabalha voltado para
aquela atividade, no caso da educação
educadora na comunidade quilombola: diferenciada para a comunidade quilombola.
(2010).

1 2
A referida professora não permitiu a divulgação Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado
de seu nome na referida pesquisa, por tal fizemos pelo governo brasileiro, pela Lei 5.379, de 15 de
uso da terminologia P01. www.redor2018.sinteseeventos.com.br
dezembro de 1967.
Ao retratar sua história, percebemos inferior e subalterno, assume agora outras
o quanto a educação escolar se manteve ressignificações, no sentido de valoração
distante das possibilidades deste povo e ao de seus direitos, dos modos de ser, de
mesmo tempo como este foi descobrindo pensar, de produzir, de ser e de existir no
outros valores e formas de aprender, bem mundo.
como o fato de não ter tido acesso a escola
não quer dizer que não houve Referências
aprendizagem, como pontua Trindade
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo.
Nem sempre no Brasil e no resto do mundo
Lisboa: Edições 70, 2011.
de uma maneira geral, a ausência de letra, o
analfabetismo, o não ser letrado, quer dizer
que não seja culto. É possível ter sabedoria,
GOMES, Nilma Lino. Intelectuais Negros
ter cultura, no sentido de uma e Produção do Conhecimento: algumas
instrumentalidade para lidar com o real, sem reflexões sobre a realidade brasileira. In:
passar pela letra (2000, p.18). SANTOS, Boaventura de Souza;
MENESES, Maria Paula (Org.).
As falas das três professoras, Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez,
2010, p. 492-516.
corroboram no sentido de percebermos que
embora a realidade se apresente avessa as GONZALEZ, Lélia. Mulher Negra. In.
marcas identitárias e ao próprio direito de Nascimento, Elisa Larkin. (org.)
Guerreiras de natureza: Mulher negra,
se ter acesso a educação essas mulher religiosidade e ambiente. São Paulo: Selo
negras, professoras, quilombolas e Negro, 2008.

militantes foram tecendo resistências frente


LAGE, Allene Carvalho. Lutas por
há um sistema normalizador que Inclusão nas Margens do Atlântico: um
tende/intenciona silenciar suas estudo comparado entre as experiências
do Movimento dos Sem Terra/Brasil e
ancestralidades. da Associação In Loco/Portugal. Volume
Portanto, as práticas exitosas dessas I – Tese de Doutorado. Universidade de
Coimbra. Faculdade de Economia,
mulheres negras estão aliadas as suas Programa de Pós-Graduação em
histórias, as suas experiências, as suas Sociologia. 2005.

identidades e, sobretudo a força de


MARQUES, Maria da Conceição.
proporcionar ao outro a possibilidade de Depoimento (jan. junho, agosto e
ocupar outros espaços. Logo, a cor da sua setembro, 2011). Entrevistadora: Maria
José dos Santos, Comunidade Quilombola
pele, o seu gênero e o território que onde das Onze Negras- Cabo de Santo
veem, construído, historicamente, Agostinho – PE. Entrevista concedida
para dissertação “ A trajetória Educacional
enquanto um não lugar, de quilombolas no Quilombo das Onze
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Negras do Cabo de Santo Agostinho-PE. WERNECK, Jurema; IRACI, Nilza;
CRUZ, Simone. Mulheres negras na
primeira pessoa. Brasil: Redes, 2012.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. (org.)
Pesquisa social: teoria, método e
criatividade. Petrópolis: Vozes, 1996.

MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa;


CÂMARA, Michelle Januário. Reflexões
sobre currículo e identidade: Implicações
para a prática pedagógica, In MOREIRA,
Flávio Antonio; CANDAU, Maria Vera
(org). Multiculturalismo Diferenças
Culturais e Práticas Pedagógicas.
Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

NASCIMENTO, Abdias. O
Quilombismo. Petrópolis: Vozes, 1980.

SANTOS, Walkyria Chagas da Silva.


2009. A mulher negra brasileira. In:
Revista África e Africanidade, ano 2, n.
5, 2009. Disponível em:
<www.africaeafricanidades.com>. Acesso
em: 01 ago. 2011.

SILVA, Maria José de Fátima.


Depoimento (jan. junho, agosto e
setembro, 2011). Entrevistadora: Maria
José dos Santos, Comunidade Quilombola
das Onze Negras- Cabo de Santo
Agostinho – PE. Entrevista concedida
para dissertação “ A trajetória Educacional
de quilombolas no Quilombo das Onze
Negras do Cabo de Santo Agostinho-PE.

SIQUEIRA, Maria de Lurdes. Valores


afro-brasileiros na educação. Boletim 22
Novembro. Ministério da Educação. 2009.

TRINDADE, Azoilda Louretto da.;


SANTOS, Rafael dos. (Orgs).
Multiculturalismo: mil e uma faces da
escola. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

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