Práticas Grupais Como Dispositivo Na Promoção Da Saúde PDF
Práticas Grupais Como Dispositivo Na Promoção Da Saúde PDF
Práticas Grupais Como Dispositivo Na Promoção Da Saúde PDF
na promoo da sade
Ps-Graduao em Psicologia
da PUC Minas; Doutor em
uma pesquisa sobre prticas de grupo desenvolvidas por Equipes Psicologia Clnica (PUC-SP).
Endereo eletrnico: jleite.
de Sade da Famlia (ESF) dos nove Distritos Sanitrios de bhe@terra.com.br
Belo Horizonte. Foram realizadas entrevistas com gerentes 2
Professora do Programa de
de Unidades Bsicas de Sade e profissionais das ESF, grupos Ps-Graduao em Psicologia
da PUC Minas; Doutora em
focais com usurios e observaes participantes em grupos Sade Coletiva (IMS-UERJ).
Endereo eletrnico: lukind@
em andamento nas unidades. Na anlise dos dados, buscamos gmail.com
2007 e 2009. Seu objetivo foi conhecer e avaliar as prticas de grupo, como
instrumento de promoo da sade, desenvolvidas por Equipes de Sade da
Famlia (ESF) nos nove distritos sanitrios de Belo Horizonte.
A Sade da Famlia entendida atualmente como sendo uma estratgia
de reorientao do modelo assistencial do Sistema nico de Sade SUS
(BRASIL, 2004). Desde o final da dcada de 1990, abandonou seu estatuto
inicial de ser um programa localizado, implantado em 1994, para se tornar uma
estratgia estruturante dos sistemas municipais de sade visando reorientao
da ateno bsica (ESCOREL et al., 2007; GIOVANELLA, 2008). Sua ao
transforma o cenrio das prticas de sade desenvolvidas na ateno bsica, na
medida em que estabelece laos de compromisso e corresponsabilizao entre
cada ESF e um conjunto especfico de cerca de 3.000 a 4.500 pessoas ou de 1.000
famlias de uma determinada rea. Portanto, busca transformar o modelo liberal
privado de assistncia que, tradicionalmente, organiza o fluxo assistencial atravs
do recebimento da demanda espontnea. Cada equipe assume responsabilidade
pelo cuidado integral sade da populao a ela vinculada, atravs de aes de
promoo da sade, preveno, recuperao, reabilitao de doenas e agravos
mais frequentes, bem como de intervir nos fatores de risco vividos por essa
comunidade. O impacto das aes dessas equipes sobre o aumento da cobertura
assistencial e a reduo dos ndices de mortalidade infantil notvel. Entretanto,
estudos abordam seus impasses na tentativa de transformar em prtica cotidiana
o iderio do SUS (GRISOTTI; PATRCIO, 2006).
Entendemos promoo da sade como proposta emergente de um debate
estabelecido na dcada de 1970, decorrente da publicao do Relatrio Lalonde
(1981/1974), documento de trabalho do Ministrio da Sade do Canad,
cujo objetivo central era o enfrentamento dos custos crescentes de assistncia
mdica, no acompanhados pela resolutividade na ateno mdico-centrada,
particularmente no caso das doenas crnicas (BUSS, 2003). O documento ,
portanto, marcado pela busca de uma racionalidade econmica e de uma proposta
de utilizar a promoo da sade dentro de uma estratgia global para a organizao
dos servios de sade. Um debate internacional acompanhou essa iniciativa e tem
como marcos a I Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios em Sade,
Demarcar essa distino importante, uma vez que a literatura aponta como
uma das diferenas entre preveno de doenas e promoo da sade o fato de
que, enquanto aquela tem como alvo os grupos de risco e patologias especficas,
esta tem em vista o conjunto da populao e um conjunto ampliado de temas em
sade (BUSS, 2003). Dentro de nosso percurso, os grupos de promoo foram
nossa busca inicial, mesmo que em nossa produo de dados investigamos o
conjunto das prticas de grupo conduzidas pela equipe da unidade indicada.
Em 2006, a Secretaria Municipal de Sade de Belo Horizonte (SMSA)
desenvolveu uma ampla discusso de um documento sobre Ateno Bsica
em todas as UBSs, que foi posteriormente publicado (TURCI, 2008). Nele,
preconiza-se que as aes de promoo da sade nas unidades devem se pautar
em trs abordagens. Na primeira, individual, atuando sobre os modos de vida
saudveis em todas as intervenes, seja no acolhimento, seja nas consultas. Na
segunda, coletiva, organizando grupos sob novos eixos estruturantes (TURCI,
2008, p. 188) e no mais pela doena ou pelos agravos. Nesse caso, o liame passa
a ser a perspectiva de mudana nos hbitos de vida. Na terceira, comunitria,
buscam-se parcerias intersetoriais com iniciativas comunitrias ou da prpria
rede. Apesar de nossa pesquisa focar fundamentalmente a segunda e a terceira
abordagens as aes coletivas , reconhecemos no haver uma identidade
absoluta entre promoo e prticas grupais. A promoo pode e deve comparecer
em todas as aes assistenciais, inclusive na ateno individual.
Metodologia
Trabalhamos com a hiptese de que as prticas de grupo como estratgia de
promoo da sade no representavam uma tendncia hegemnica nas aes das
ESF, uma vez que a tradio mais presente na sade a de grupos organizados em
torno de doenas e agravos. Isso foi parcialmente confirmado quando fizemos o
primeiro contato com a Gerncia de Assistncia da Secretaria Municipal de Sade
para iniciarmos o trabalho de campo. Nesse contato inicial, que tinha por finalidade
otimizar a organizao da entrada em campo, as representantes da Gerncia de
Assistncia que nos receberam avaliaram que as prticas de grupo na rede municipal
de sade so ainda muito tradicionais e marcadas pelo saber biomdico.
Resultados e discusso
Antes de expormos os movimentos analticos possibilitados pela anlise dos
dados, cabe uma descrio das prticas de grupo encontradas, conferindo certos
contornos que sero retomados posteriormente. Foram encontrados diferentes
formatos de grupos nas unidades envolvidas no estudo, o que nos permite fazer
uma primeira distino. As diferentes prticas realizadas podem ser divididas
entre grupos de conversa e grupos de atividades, mesmo reconhecendo que alguns
grupos conjuguem, num mesmo encontro, ambas as dimenses. Os grupos de
conversa comportam um espectro que vai desde as prticas tradicionais centradas
em preveno (hipertensos, diabticos, gestantes), at as prticas com foco na
promoo da sade, a partir dos novos eixos estruturantes, com diferentes
denominaes (grupos de convivncia, de promoo da sade, de qualidade de
A adeso a esses grupos de atividades crescente e sua importncia cada vez mais
reconhecida. Uma das profissionais entrevistadas, vinculada UBS 4, chegou
a afirmar que os grupos de atividades so os genunos grupos de promoo da
sade, porque nos grupos de conversa fala-se sobre ela, enquanto que nos outros
ela praticada. Mesmo sem concordar integralmente com essa afirmativa,
inegvel o impacto dos grupos de atividades na vida dos usurios.
No modo de conduo dos grupos, encontramos um leque de variaes.
Muitos grupos se apresentam centrados e dependentes do saber especializado.
Os grupos que buscam outros focos tm uma conduo menos dependente dos
mdicos e enfermeiros, sendo muitos deles conduzidos pelos agentes comunitrios
de sade (ACS):
O grupo de atividade fsica, ele mediado pelos agentes comunitrios de sade com
algumas intervenes de fisioterapia de algumas universidades que vem, orienta, en-
sina as posies corretas, mas o ACS o grande mediador. (Profissional, UBS 2).
Os usurios chegam aos grupos por vrios caminhos. O convite direto, escrito
ou verbal, feito pelo ACS o mais comum. Outra forma de encaminhamento
se d atravs do acolhimento de algumas unidades. Os profissionais de sade,
a partir das consultas, tambm realizam encaminhamentos para os grupos. Os
avisos anexados nas paredes funcionam como convites, alm da divulgao feita
pelos prprios usurios, bastante comum nos grupos mais concorridos: Uma
divulgao boca-a-boca, n? (Usuria, Grupo focal, UBS 9).
Os grupos, em geral, demandam material de trabalho adicional que nem
sempre fornecido pela SMSA com tal finalidade. Um dos componentes a ser
destacado so os lanches compartilhados nas atividades regulares e reforados
nas festas de encerramento, entre outras, que so bastante frequentes. Em geral,
sua oferta um elemento que faz aumentar a presena dos usurios. Algumas
[...] Numa consulta voc no consegue falar tudo que a gente fala no grupo, a con-
sulta se restringe muito a resolver aquele problema que t ali. A conversa do paciente,
acho muito importante ouvir o que eles falam, voc conhece melhor aquele paciente.
(Profissional, UBS 7).
Seja por direo assumida no trabalho, seja como efeito desejvel das prticas,
os resultados diferenciais obtidos so reconhecidos, independentemente das
razes de sua realizao, no grupo tem um momento melhor pra ela refletir,
pensar, escutar, [...] muito mais que dentro da consulta (Gerente, UBS 5).
A sade hoje, eu acho que melhorou muito, mas a as pessoas veem o foco s de tomar
remdio, tomar remdio, tomar remdio e muitas vezes no isso. (Usuria, grupo
focal, UBS 5)
Nessa microrea [...] uma populao mais resistente ao tratamento preventivo, ela
gosta do curativo, ela gosta de consulta, remdio, de exame. (Profissional, UBS 7)
Ento, a unio e a a gente acaba fazendo uma amizade sabe? Novos amigos, sabe?
(Usurio, Grupo focal, UBS 8).
eu sou muito sozinha, que eu moro sozinha, meu filho trabalha, ento foi muito bom
ter vocs como amigas, a gente conversa com um, conversa com outro, faz muito
bem pra gente [...] eu sentia muito solitria, cheia de problema sabe, t muito feliz.
(Usuria, UBS 9)
Tem pessoa que s conversou com o doutor D. na hora da consulta. Ela no sabe da
vida do doutor D. l fora, eu sei da vida do doutor D. l fora, porque ele participa
com a gente nos grupos e apesar dele no contar a histria de vida dele pra gente, mas
ns temos outras coisas como as comemoraes, que s vezes a gente faz, ele vem, ele
participa... Ento, a gente j sabe o tipo de pessoa que ele fora da consulta. E eu acho
isso muito importante. (Usuria, grupo focal, UBS 6).
Eu consigo ver que a questo do vnculo, ela muito fortalecida e, assim sendo, o res-
peito, a cooperao, tambm desde que voc precise que o usurio entenda o processo
de trabalho, quando ele tem um vnculo com voc, ele entende isso de uma forma
muito melhor. Carinho, amizade, isso tudo a gente consegue perceber e bilateral,
porque voc vai ficando mais prximo daquele usurio, no passeio, de repente, ele
senta do seu lado e comea a te contar um pouco mais da vida dele [...] acaba com essa
coisa muito mdico-paciente, enfermeiro-paciente, somos seres humanos, eu cuido de
voc, voc cuida de mim e a gente se ajuda (Profissional, UBS 9).
Consideraes finais
O volume de dados e anlises produzidas no desenrolar da pesquisa permite a
abordagem dos movimentos aqui apresentados, mas no se esgota num nico
artigo. Dois temas que merecem ser mencionados so a avaliao das prticas de
promoo da sade e o manejo das prticas grupais como tecnologia de cuidado
na sade. Esses temas sero oportunamente trabalhados em profundidade, mas
antecipamos sua relevncia no conjunto da pesquisa.
Nossa amostra investigada foi composta de UBSs com prticas grupais mais
consolidadas, portanto, no reflete a mdia do que acontece hoje na rede. Nossa
busca visava a encontrar prticas emergentes, no necessariamente hegemnicas.
No objetivamos, assim, a generalizao dos elementos aqui apresentados, mas
seu reconhecimento e, se possvel, sua intensificao, estimulando a disseminao
e criao de novas prticas. Entretanto, a salincia dada s aes voltadas para a
promoo em relao s focadas na preveno, no ignora, como vimos, o valor
e o alcance das prticas de grupo tradicionais.
De vrias maneiras testemunhamos a fora do dispositivo prticas de grupo
na ateno sade, realizando mais do que se previa inicialmente, como na
Agradecimentos
Agradecemos o apoio da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas
Gerais (FAPEMIG).
Referncias
AYRES, J. R. Norma e formao: horizontes filosficos para as prticas de avaliao no
contexto da promoo da sade. Cincia & Sade Coletiva, v. 9, n. 3, p. 583-592, 2004.
BECHELLI, L.P; SANTOS, M.A. Psicoterapia de grupo: como surgiu e evoluiu. Revista
Latino-Americana de Enfermagem, v. 12, n. 2, p. 242-249, 2004.
Nota
1
Snia Gesteira, ento Gerente de Assistncia da SMSA, em palestra no I Frum Regional de Pro-
moo da Sade nas Prticas Cotidianas dos Servios, ocorrido na Universidade Federal de Minas
Gerais, em 20/05/2007.