Cartilha Bortolozzi Conceito Amplo Sexualidade
Cartilha Bortolozzi Conceito Amplo Sexualidade
Cartilha Bortolozzi Conceito Amplo Sexualidade
Introdução
A sexualidade está presente em todos nós! Todo ser humano vive e cresce desenvolvendo
sua sexualidade a partir das mudanças ocorridas ao longo do desenvolvimento: o crescimento
e amadurecimento do corpo físico, as práticas sexuais e reprodutivas, a orientação sexual e o
erotismo, os vínculos amorosos, entre outras mudanças. Certamente, o que somos hoje, em
relação à expressão da nossa sexualidade, é bem diferente do que fomos quando crianças e do
que seremos no final da vida.
Muitas ações influenciam o modo como a sexualidade é vivenciada em nosso desenvolvi-
mento: se somos homens ou mulheres, se temos ou não um corpo físico íntegro, se passamos
ou não por doenças crônicas e graves, se tivemos ou não condições de receber afeto e cui-
dados na infância, se pudemos crescer em um ambiente não violento e agressivo, se vivemos
ou não relações de amizade e amor satisfatórias, se vivenciamos ou não uma educação sexual
repressora e conservadora na família, se fomos ou não bem informados sobre sexualidade e
suas condições adversas.
Todos os valores e informações sobre sexualidade que dispomos hoje não são coisas
que nascem conosco, mas algo que aprendemos em todos os meios em que vivemos, desde
o nascimento: o modo como nos tratam e falam conosco, as mensagens explícitas do nosso
ambiente e a forma como experienciamos nossas sensações corporais e subjetivas.
Embora a sexualidade seja um tema tabu em muitas sociedades - e ainda é na nossa -, é
algo “natural”, ou seja, é apenas mais um aspecto do nosso desenvolvimento humano, assim
como o cognitivo e o físico.
Da mesma forma que os pais, o professor também precisa estar atento às questões da
sexualidade manifestadas em todos os alunos e alunas no contexto escolar.
É sobre isso que iremos dialogar nesse texto.
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1 O conceito de sexualidade
Sexualidade é o nome que damos para o aspecto da vida humana que inclui as sensações
corpóreas e subjetivas que envolvem, também, as questões emocionais. Claro que não dá para
separar a emoção, a razão, a cognição e as questões sociais, o que torna a sexualidade um con-
ceito abrangente, que diz respeito a várias manifestações e não somente a sexo. Quando falamos
de sexo, nos referimos às práticas sexuais ou à relação sexual, isto é, um comportamento que
envolve as questões genitais. Também falamos de sexo para categorizar pessoas em machos e
fêmeas, mas isso seria mais um dos componentes da sexualidade.
Diagrama. Em um círculo maior, a palavra sexualidade. Em outros círculos menores, em torno dele,
as palavras: reprodução, amizade, amor, afeto, orientação sexual, práticas sexuais, gênero, prazer.
O sexo faz parte da sexualidade, que é um fenômeno bem abrangente! Tendo ou não relações
sexuais, todo mundo sempre será uma pessoa “sexuada”, pois todas as pessoas, independen-
temente de quais condições, são seres dotados de sexualidade. Assim, são capazes de sentir o
bem-estar, diante de sensações prazerosas táteis, sensações confortantes diante da afetividade e
acolhimento amoroso, vindo de relacionamentos conjugais ou mesmo fraternos ou de amizade.
Dar e receber carinho é bom! Sentir-se amado e querido é bom! Receber um abraço afetuoso
de quem confiamos e gostamos é muito bom! Isso tudo é sexualidade.
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A sexualidade se manifesta ao longo de toda a nossa vida, desde que nascemos, na in-
fância, na adolescência, na juventude, na vida adulta, na maturidade e no envelhecimento. A
forma como isso ocorre varia de pessoa para pessoa e de diferentes condições vinculadas a
diferentes contextos, como, por exemplo, o contexto social e econômico (diferentes culturas
e momentos históricos), o contexto familiar (valores morais e religiosos), o contexto subjetivo
(questões emocionais e cognitivas), entre outras.
Na infância, a sexualidade se expressa por meio de curiosidades, questionamentos, ex-
ploração do próprio corpo e do outro, reconhecimento das diferenças sexuais. É o erotismo
infantil marcado pelo diálogo sobre sexo, ocorrências de masturbação individual e jogos ou
brincadeiras sexuais. O que caracteriza essa fase é a exploração do seu corpo e do outro, ainda
não contaminados pelas regras sociais. Nem sempre a criança sabe as regras que regem as
possibilidades desse conhecimento, ou seja, o que pode fazer ou não.
A adolescência, fase que começa na puberdade e termina quando se assumem papéis
de adultos, é um período muito importante para a sexualidade, pois é quando descobrimos e
vivenciamos nossas escolhas amorosas e sexuais e nos reconhecemos como sujeitos sexuados
no mundo. Nessa fase, reconhecemos nossa identidade pessoal, assumindo nossos desejos e
forma de sentir e amar. Enfim, nos preparamos para a vida adulta no que diz respeito à inde-
pendência emocional e afetiva. A partir dos contextos supracitados nos apropriamos de muitas
das regras sociais que regem a questão da sexualidade.
O adulto (já com o corpo físico desenvolvido) precisa enfrentar novos desafios da sexua-
lidade: o cuidado de si e do outro, a maternidade e a paternidade, a possível relação conjugal,
as experiências mais amadurecidas da resposta sexual (desejo, excitação, orgasmo), escolha
das práticas sexuais e as manifestações e as condições da identidade sexual que nem sempre
condizem com as regras e padrões definidos pela sociedade.
No envelhecimento, o corpo, que nunca deixa de ser sexuado, passa por transformações,
pois deixa de ser reprodutivo, o que implica em uma série de mudanças para homens e mu-
lheres. As mulheres vivem o climatério quando várias mudanças ocorrem devido à redução da
taxa hormonal: ressecamento da vagina, perda da sensibilidade, ondas de calor, instabilidade
emocional, perda da elasticidade da pele, menopausa (última menstruação).
Os homens também têm redução hormonal, embora mais gradual, demoram mais para
ter ereção, diminui a ejaculação, perdem força física etc. Todas essas mudanças no corpo, hoje
bem remediadas pelos avanços da medicina, não impedem que as pessoas, até o final da vida,
possam amar, ter relações sexuais e a viver plenamente a vida erótica, se assim desejarem.
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Ilustração que representa o desenvolvimento humano de homens e mulheres. Na parte superior, ilustração de um menino
e as fases de desenvolvimento: criança, adolescente, adulto, meia-idade e idoso. Na parte inferior, a ilustração de uma
menina, passando pelas mesmas fases de desenvolvimento.
Os sons, cheiros, sensações táteis, emoções diante de afeto e aconchego são importantes
expressões da sexualidade após o nascimento. O erotismo infantil se expressa mais enfatica-
mente a partir dos dois anos, quando há o controle esfincteriano e o corpo da criança fica mais
exposto, sendo a masturbação infantil mais frequente por volta dos 4 anos.
A criança manipula seu corpo e “descobre” que tocar nas genitálias é algo que dá prazer.
A chamada masturbação infantil é, geralmente, pública e egocêntrica, isto é, ocorre na frente
de qualquer pessoa e ela age assim visando seu próprio prazer (e não o de outras pessoas).
Tampouco ela age assim para desagradar adultos ou chocar as pessoas, porque a criança nessa
idade ainda nem assumiu plenamente as regras sociais.
Além da masturbação infantil, ocorrem também os jogos sexuais (ou chamadas brinca-
deiras sexuais) na infância, quando as crianças, meninos e meninas, se juntam para falar, tocar e
mostrar seus corpos uns aos outros. São brincadeiras que favorecem os toques, como brincar
de médico, brincar de luta. Algumas brincadeiras, aparentemente sem a intenção sexual, são
situações que ocasionam toques e olhares sobre o próprio corpo e o do outro: pega-pega,
dança, fazer cócegas etc.
Essas expressões da sexualidade, tão comuns na infância, são saudáveis se cumprem o
papel de fortalecer a identidade, aumentar a autoestima, gerar sensações prazerosas. Elas ten-
dem a diminuir ou serem substituídas por outras brincadeiras e comportamentos quando as
crianças começam a crescer e a se interessar por outras coisas menos egocêntricas. Por volta
dos 8 anos, separam-se para as brincadeiras (meninos com meninos e meninas com meninas)
e já começam a entender as regras sociais.
Nesse período, o adulto educador – seja ele pai, mãe, professor ou outras pessoas adultas
–, deve compreender o quanto essa expressão é saudável e importante. Devemos orientar sobre
higiene, evitar riscos e o envolvimento com crianças maiores, pois isso pode representar uma
violência, sobretudo, ensinar sobre noções do público e privado e respeito ao outro.
É preciso estar atento que não se regula, nem se proíbe “que o corpo sinta prazer”, mas
se regulamente a necessidade de responder às regras sociais de como esse prazer pode ser
sentido de modo respeitoso e saudável. Por exemplo, não se diz a uma criança: “-Isso é feio, tire
a mão daí!”. Isso pode levar a criança a compreender que ela própria é “feia” ou seu corpo é
“feio” ou, ainda, que sentir prazer é algo “ruim”. A mensagem para a criança deve ser no sentido
de levá-la a compreender que o corpo pode trazer sensações prazerosas, mas que elas devem
ser sentidas em lugares apropriados, por exemplo: “- Eu sei que tocar o corpo é bom, mas precisa
ser feito por você, em um lugar só seu, como quando você faz xixi e coco, por exemplo, e agora, na
escola, estamos fazendo outra atividade”.
Adicionalmente, quando as crianças manifestam a sexualidade em comportamentos, elas
também fazem muitas perguntas. São curiosas em tudo e, também, nas questões da sexuali-
dade. Por isso, é preciso responder sempre a verdade de modo simples, pois elas tendem a se
aproximar e a dialogar com adultos confiáveis. É importante conversar com sinceridade com as
crianças, evitando mentiras, histórias fantasiosas, meias palavras e ameaças. Como elas já rece-
bem informações sobre sexualidade e sexo nas conversas com outras crianças, nas imagens e
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Figura 4 – Adolescentes
MENINAS MENINOS
Figura 5 – Casal
Pictograma. Uma pessoa com deficiência física e uma mulher de mãos dadas.
A puberdade vai ocorrer para todas as pessoas: para as com surdez, com deficiência visual,
com redução da mobilidade, com transtorno global do desenvolvimento, com deficiência in-
telectual. Nada impede o corpo de crescer, de se desenvolver, mesmo que isso gere maior ou
menor preocupação nessas pessoas ou em seus familiares.
Nenhuma limitação, característica pessoal ou dificuldade faz dessas pessoas “assexuadas”,
pois elas serão homens e mulheres, seres de desejo, que têm o corpo erótico e, na maioria das
vezes, como qualquer um, têm a capacidade reprodutiva preservada. Podem ou não ter rela-
ções sexuais satisfatórias, estabelecerem vínculos amorosos, com as dificuldades e prazeres que
têm qualquer outra pessoa. O exercício da sexualidade é um direito que deve ser assegurado
às pessoas com deficiência. nota 1
Também vivem a fase das descobertas, dúvidas e anseios, acrescido de uma condição es-
tigmatizante que pode dificultar ainda mais esse processo, diminuindo a autoestima e gerando
sentimentos agressivos ou de retraimento em relação ao grupo. Por isso, é importante uma
atenção especial por parte dos adultos, entendendo que, assim como os demais, os estudantes
com deficiência vivem sua sexualidade na escola e necessitam de informação, esclarecimento,
diálogo, o que caracteriza uma educação sexual adequada.
Saiba Mais!
Para conhecer algumas pesquisas sobre a sexualidade de pessoas com
deficiências, leia os artigos:
MAIA, A. C. B. A Sexualidade após a lesão medular: análise de uma narrativa
biográfica. Interação em Psicologia (Online), v. 16, p. 227-237, 2012.
MAIA, A. C. B; CAMOSSA, D. A. Relatos de jovens deficientes mentais
sobre a sexualidade através de diferentes estratégias. Paidéia, v.12 (24),
p. 205-214, 2003.
MAIA, A. C. B. Educação sexual e sexualidade no discurso de uma pessoa
com deficiência visual. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação,
v. 6, p. 84-115, 2011.
CURSINO, H. M.; RODRIGUES, O. M. P. R.; MAIA, A. C. B.; PALAMIN, M. E. G.
Orientação sexual para jovens e adultos com deficiência auditiva. Revista
Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 12, n.1, p. 29-48, 2006.
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A educação sexual é um processo constante. Ela pode ocorrer de modo não intencional,
nas mensagens cotidianas que cada sociedade e cada cultura, presente nos discursos fami-
liares, religiosos, midiáticos (músicas, programas de televisão), nos comentários diversos etc.
Outro modo de educação sexual é a intencional, quando, de modo planejado e organizado,
pretende-se informar sobre sexualidade. Também chamada antes de “Orientação Sexual”, nota 2
essa educação sexual seria um processo sistematizado e formal, e desde 1996 é previsto como
um tema transversal proposto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), publicado no volume 10 dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, nota 3 que recomenda ao professor que assuma a tarefa da
educação sexual no contexto da escola.
Para ser um educador sexual eficiente é preciso que: reconheça que a sexualidade pode
ser tratada na escola de modo pedagógico, tenha conhecimento básico sobre sexualidade no
desenvolvimento humano e reflita sobre sua própria história de educação sexual, contemplando
algumas questões:
Ilustração de uma mulher morena, cabelo longo preto e rosto fino. Ela está com as mãos apoiadas no quadril. Ao redor dela, balões de pensa-
mento com as perguntas:
Como expressei e vivi minhas sensações corpóreas? O que me disseram ou fizeram quando vivi essas questões?
Que tipo de educação sexual recebi dos meus familiares? E na escola, quem me orientou?
Bibliografia consultada
Notas
Nota 1
Para mais informações, consultar a cartilha “Direitos Sexuais e Reprodutivos na integralidade
da atenção à saúde de pessoas com deficiência” (BRASIL, 2009). Disponível em:
<http://goo.gl/XIY1Wc>.
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Nota 2
Não utilizamos a expressão “orientação sexual” para designar propostas intencionais de
educação em sexualidade por se tratar de uma expressão que se relaciona ao desejo e
à prática sexual: homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade etc. Atualmente,
muitos autores têm revisto essa nomeação propondo no lugar “educação sexual”, “educação
em sexualidade”, “educação afetiva e sexual”, “educação para a sexualidade” etc.
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Nota 3
Para acessar na íntegra o volume 10 - Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), acesse: http://goo.gl/HzSPc5.
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