Amaro Quintas. Sentido Social Da Revolução Praieira
Amaro Quintas. Sentido Social Da Revolução Praieira
Amaro Quintas. Sentido Social Da Revolução Praieira
PRAIEIRA.
(*) • — O presente trabalho é a tese com que o Prof. Amaro Quintas se apresentou
ao concurso para a Cadeira de História do Brasil do Colégio Estadual de
Pernambuco, em 1946. Pela sua natureza de tese de concurso, teve divul-
gação restrita, pràticamente limitada àquêles que assistiram as provas do
concurso. A Revista de História, em seu primeiro número (janeiro-março
de 1950) teve oportunidade de divulgar, no Sul do Brasil, muitas das
idéias desenvolvidas pelo professor pernambucano no trabalho que ora re-
produz na íntegra. A exemplo do que tem feito com outros trabalhos de
valor, já publicados no Brasil e no estrangeiro, acredita a Revista de História
prestar assinalado serviço aos estudiosos da história brasileira reeditando
tão interessante e valioso estudo que, pela primeira vez, veio perscrutar • o
"sentido social da revolução praieira". (Nota da Redação).
(1). — Mártires Pernambucanos, pág. 259 .
(2 ) . — Rev. do Inst. Hist. Geog. Pernambucano, n.0 29.
(3 ) . — Ver: Alberto Rangel, Textos e Pretextos e No Rolar do Tempo...
-- 132 —
E ainda acrescenta:
var ter sido Vauthier uma espécie daqueles técnicos de idéias ge-
rais, de que nos fala o seu patrício Liautey, com uma visão mais
humana e social dos problemas, do que outros técnicos de sua épo-
ca. Diz-nos o prof. Arbousse Bastide:
--- 138 —
Por sua vez, Inácio Bento de Loyolla, pela Voz do Brasil, de-
nunciava:
"Não menos de seis mil cazas de commercio a reta-
lho se achão em Pernambuco, e todas ellas de estrangei-
ros: assim — logistas, quitandeiros, taberneiros, arma-
zenei,ros, trapixeiros, assucareiros, padeiros, cazas de
rópa feita, de calsado, funileiros, tanueiros & tudo he
estrangeiro. Cada huma dessas cazas tem 3 e 4 caxeiros
todos portuguezes; calculemos porem a dois, e teremos
doze mil caxeiros, com seis mil patrões, dezoito mil por-
tuguezes que nos excluem do commercio. Os fundos com
que elles commerciam são nominaes, que elles todas as
compras fazem aos negociantes de grosso trato a prazos.
Si pois esse direito fosse excluzivo dos brasileiros, di-
reito que se guarda religiosamente nas outras nações, não
estarião acomodados dezoito mil pernambucanos? E no-
tai que até hoje cargeiros são portuguezes" (66).
" ,80 rs. por cada pataca por semana" como diz Fi-
gueiredo — o que representava um modo simples de pas-
sarem "ràpidamente do estado de vendelhões ao de ca-
pitalistas, amontoando dest'arte fortunas escandalosas,
que com razão acendeu a indignação popular".
miado grupo dos Cinco Mil: Um 'dos seus jornais, A Voz do Brasil
chegou a ser estigmatizado pelos praieiros de projeção, como ve-
mos nas orações pronunciadas pelos deputados da Praia na Câma-
ra Geral, quando das discussões a respeito dos incidentes de 26 e
27 de junho de 1848. A origem dos Cinco Mil ainda não foi bem
,esclarecida. Diz Alfredo de Carvalho (90):
"Enumerando as manifestações de regosijo com que
foi recebido em Pernambuco o advento do ministerio de
2 de Fevereiro de 1844, noticiou o Diario Novo uma pas-
seiata de cinco mil pessoas, numero exagerado que fez
os conservadores dizerem que os praieiros eram — cinco
mil".
Aliás, o referido jornal (91) fala em "mais de cinco mil pes-
soas". Pereira da Costa dá, entretanto, outra interpretação:
"Os cinco-mil representavam o partido que promo-
via a nacionalização do comercio á retalho; e promoven-
do o panfletário e agitador Antonio Borges da Fonseca
una representação ao governo sobre o assumpto, e man-
dando-a assignar por diferentes pontos da provincia, di-
zia que o numero de subscritores atingia a cinco mil,
vindo dahi a denominação dos partidarios da ideia -e ex-
tensiva depois aos liberaes ou praieiros" (92) .
Parece que havia a tendência, na época, de situar tudo den-
tro dêsse número, tanto assim que Maximiano Lopes Machado —
figura saliente da revolta na província da Paraíba — diz no seu
Esbôço Biográfico do Conselheiro Senador do Império Antônio Pin-
to Chichorro da Gama (93), que o cadáver do tenente Luiz da
Costa Bezerra Bimbert foi acompanhado pelas ruas do Recife "por
mais de cinco mil pessoas" (94) . Possuíam êles um Hino dos Cinco
Mil (95), havendo, ainda, um Hino Nacional dos Cinco Mil (96).
Nesse jornal, no seu n.° 6, de 2-10-1847, além do Pelo Signal dos
Cinco Mil — que também saiu em A Tempestade, n.° 1 — há o
Padre Nosso dos Cinco Mil. Formando um grupo ativo e exaltado,
apresentavam uma certa organização com tendência profundamente
de esquerda. Pereira da Costa acentuou que, em 1846,
"O Postilhão faz referencia aos cinco mil, como um
centro político mais ou menos organizado" (97) .
Enfàticamente, êles clamavam no seu Hino:
Quem sabe das relações dos Cinco Mil com a sociedade Vi-
gilante, que, como parece, tinha tido, por sua vez, ligação com a
Sociedade Jardineira ou Carpinteiros de S. José, fundada em 1828?
Pereira da Costa (100) mostra-nos que a Sociedade Vigilante era
de "um caráter inteiramente político" embora "sob a forma e fins
maçônicos" e que tinha
— O Artista, 12.. 8.
— N.o 3, de 12-9-1847.
<100). — Anais Pernambucanos, ano de 1843.
--- 160 ---
— NP 95, de 3-4-1849.
— Ob. cit., págs. 154, 247, 269, 358, 269, Dts. — 73.
— 1 65 —
Por sua vez, o general Mello Rego, testemunha que foi da re-
volta, diz, referindo-se aos assaltantes do Recife:
(122) . — O General Mello Rego (Rebellião Praieira) considera êste último movimen-
to inteiramente despido de sentido político, simples manifestação de anarquia.
Entretanto, o próprio Honório Hermeto Carneiro Leão, que, inicialmente
tinha essa idéia, retificou-a, por completo, como diz no ofício dirigido ao ,
chefe de polícia interino, mandando-o proceder à formação da culpa dos im-
plicados (Ver sumário-crime instaurado. MS in Inst. Hist. Geo. Pernambu-
cano). Lançaram os rebeldes um manifesto que foi publicado no jornal
O Século e há duas cartas de Miguel Afonso Ferreira, uma a Pedro Ivo e
outra a João do Rego Barros Falcão, onde encontramos referências claras
ao caráter político da revolta (ver referidos documentos no acima citado
sumário-crime) . Os depoimentos das testemunhas ouvidas são unânimes na
afirmação de que os revoltosos de Pedro Ivo continuavam com a mesma
bandeira da Praia: a convocação de uma constituinte. Sendo que a 4a. tes-
temunha, João Damasceno Pacheco afirmou ainda que "sabia por ouvir di-
zer e ser notório, que os rebeldes querião era huma Constituinte para
reformar a Constituição do Império, e outros a republica" (ver sumário-crime).
(123). — Apud Urbano Sabino, ob. cit., pág. 313.
(124) . — Rebellião Praieira, pág. 227.
(125). -- Ob. cit., pág. 228.
(126) . — "Estão os praieiros divididos em Cachorristas, Mulambistas e Elefantistas...
segundo compõe-se de esfaimados (O Postilhão, R.° 10 de 18-7-1846) .
(127). — Referindo-se ao tempo em que o partido da Ordem — durante o govêrno de
Chichorro da Gama — esteve no ostracismo, diz A Carranca, n.° 18, de 10-7-
1847: "...a opposição de Pernambuco não era causa de família: pois contava
em suas fileiras toda a população grada; mais rica e industriosa da provinda".
— 166 --
— Figueira de Mello, ob. cit., pág. 127, assim como págs. 94, 99, 114, 200, 206,,
357 e 372.
— Ob. cit., tomo I, pág. 70.
',(130). — Ver Rio Branco, Ephemérides Brasileiras, pág. 69.
-- 167 —
E ainda acrescenta:
(131) . — Se não tivesse sido o mau sucesso de 2 de fevereiro, com a morte de um dos
chefes de maior prestígio, com certeza o movimento se teria propagado ràpida-
mente, pela Paraíba (Ver Lyra Tavares, Estudo sobre a Rebellião Praieira,
págs. 63 e 68 e M. L. M., Quadro da Revolta Praieira na Província de Pa-
-
rahyba, Pernambuco, 1851) . Quanto às Alagoas mesmo depois do mau êxito
do ataque ao Recife, ainda perdurava, no seio das autoridades, um certo temor
de prováveis agitações. E' o que se aquilata do seguinte ofício, dirigido ao
Presidente da Província de Pernambuco, Manuel Vieira Tosta: "Ilmo. e Exmo.
Snr. Tornando-se de urgencia para o serviço publico que um navio de guerra
estacione no porto desta Cidade, rogo a V. Excia. que se digne ordenar a vinda
para este fim de algum dos que se achão nessa Província.
Deos Guarde a V. Excia. Palacio do Governo em Maceió 16 de Fevereiro
de 1849. O Presidente — Antonio Nunes de Aguiar". (MS in Arquivo do
Estado de Pernambuco).
— Ver La Lucha de Guerrilhas a la luz de los clasicos del Marxismo-Leninismo,
Instituto Marx-Engels-Lenin, Bs. Aires, 1945.
— Ver Tecnica del Golpe de Estado.
— General Mello Rego, Rebelião Praieira, págs. 37 e 38.
— 168
AMARO QUINTAS.
(167) . — Foi sempre o polemista do Nazareno um ardoroso combatente das boas cau-
sas. Conta-nos o cr. Hélio Vianna que êle não esquecia os feitos e os homens
das campanhas liberais: "Assim, a 2 de fevereiro mandava rezar missa pelos
mortos na revolta praieira. A 6 de março, evocava a revolução pernambuca-
na de 1817. A 25 do mesmo mês, lamentava a "defunta", isto é, a Cons-
tituição de 1824. E assim por diante. Antigos revolucionários, como o Tira-
dentes, o Coronel José de Barros Falcão de Lacerda Cavalcanti de Albuquer-
que, da Confederação do Equador, Bento Gonçalves da Silva, Eduardo Fran-
cisco Nogueira Angelim, da cabanagem do Pará (seu companheiro de prisão,
em Fernando de Noronha, como Fracisco Pedro Vinagre, no Recife) — mere-
ciam-lhe necrológios, lembranças ou elogios". (Oh. cit., págs. 584 e 585) .
Adversário tenaz da política imperial no Prata, mostrou-se hostil à guerra
contra o Paraguai, chegando mesmo a lembrar um protesto contra a luta
"filha do capricho, da injustiça, da iniquidade". (O Tribuno, de 20-9-1867) .
Continuava a defender o "direito á vida material, á vida intelectual e moral,
á liberdade, á soberania", achando que o pretenso principio igualitário oriundo
do liberalismo da Revolução Francesa, permanecia como uma doce ilusão, fa-
zendo-se mister uma reforme ampla da sociedade: "A igualdade não existe,
onde ha uma raça d'omens que comande sempre e outras raças d'omens que
obedeçam sempre. (O Nazareno, Diário da Tarde, n.o 2, de 9-6-1848) . Pre-
cursor, assim, das mais modernas tendências de democracia social.
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BIBLIOGRAFIA
Figueira de Mello — Chronica da Rebellião Praieira. Rio, 1850.
Urbano Sabino Pessoa de Mello — Apreciação da Revolta Praieira
em Pernambuco, Rio, 1849.
M. L. M. — Quadro da Revolta Praieira na Provincia da Parahyba,
Pernambuco, 1851.
General Mello Rego Esboço Biographico do Conselheiro Senador
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