Resenha 3
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burguesa” e a transformação
capitalista do Brasil
Rodrigo Pereira Chagas*
Resumo:
O presente artigo visa resgatar e problematizar a ideia de “transformação capitalista do Brasil”
através do livro clássico A revolução burguesa no Brasil (RBB), de Florestan Fernandes. Além
da análise de elementos da obra, buscamos contribuir para o enriquecimento dos debates
presentes no pensamento de alguns de seus interpretes.
Palavras-chave: Florestan Fernandes; revolução burguesa; transformação capitalista;
autocracia.
1. Introdução
No livro A revolução burguesa no Brasil (RBB), Florestan realiza uma aná-
lise conjuntural da transformação do capitalismo brasileiro, resgatando o que
denomina de aspectos estrutural-históricos, bem como a história em processo − em
seus elementos econômicos, sociais, ideológicos e utópicos − tendo como foco
principal as classes dominantes e a dominação de classe.
Ao fazê-lo, se contrapôs a muitos sociólogos que “não concordam com
a ideia de que a revolução burguesa se dê sob o contexto da dominação impe-
rialista” − entre eles, “inclusive um dos maiores especialistas, que é Barrington
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Sobre o debate da via prussiana e a revolução passiva em Coutinho ver: Silva (2012).
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Outros autores do mesmo período travaram também um grande esforço na construção de uma
sociologia (ou ciências sociais) que fosse para além do saber seccionado, restrito e restritivo – basta
lembrarmos a obra de Darcy Ribeiro e Costa Pinto.
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Alias vale ressaltar como a ideia de revolução burguesa no Brasil de Florestan se aproxima da ideia
de “nossa revolução” de Sergio Buarque de Holanda: “A grande revolução brasileira não é um fato
que se registrasse em um instante preciso; é antes um processo demorado e que vem durando pelo
menos há três quartos de século”. (Holanda, 1976: 127)
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Manuscrito resgatado durante nossa pesquisa na Coleção Especial Florestan Fernandes na
Biblioteca da UFSCar – Colesp-UFSCar. Florestan não menciona no manuscrito qual seria sua
finalidade e data, mas pela forma como trata a temática, supomos que seja do período em que
deu aulas na Sedes Sapiens ou na PUC-SP (entre 1976 e 1982). Vamos nos referir ao documento
como Fernandes (s/d).
Florestan não deixa, nesta passagem, lugar para dúvida de onde se encontra
a dinâmica propulsora das várias fases de “desenvolvimento” dos países latino-
-americanos. No entanto, faz a importante ressalva de que há, efetivamente, um
condicionamento interno deste processo, mas que está apoiado sobre o dina-
mismo externo:
Não obstante, cada transição exige certas condições demográficas, geográficas
(de controle do espaço físico e ecológico), econômicas, socioculturais e políticos
que não podem ser criadas a partir de fora; o que significa que cada uma das fases,
cria seu padrão respectivo de desenvolvimento, contém por sua vez um padrão
próprio de crescimento interno, que dão viabilidade às diferentes transições e à
potencialização interna das dinâmicas econômicas e socioculturais, absorvidas
do exterior. Por isso, a incorporação possui uma lógica de duas faces, a qual
revela e põe em jogo, simultaneamente dinamismos externos e internos. (Ibidem,
grifos do autor)
Assim, Florestan não trata nenhuma das “eras” ou “formas típicas” como
um processo que tem sua dinâmica nos países latino-americanos, mas esta di-
nâmica é delimitada pelas condições internas destes países, o que faz com que
surjam as várias diferenciações no grau de “absorção” e resposta destes países
à dinâmica exterior.
No manuscrito, Florestan está dando ênfase à lógica geral de estratificação
da sociedade nos vários períodos históricos nacionais e, por isso, foca a “domi-
nação” como centro de sua problemática. Aproxima-se, assim, da posição que
Octavio Ianni expressa sobre a estratificação da sociedade de classe enquanto
“configuração histórico-estrutural particular” que se “revela muito mais direta-
mente ao nível das relações e estruturas de apropriação (econômica) e dominação
(política)” (Ianni, 1978: 12).
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Florestan diferencia estrutura-histórica de história em processo. A primeira se refere as bases
estruturais que dão forma a uma sociedade, são históricas pois acessíveis a mudanças, no entanto,
dão base a reprodução da sociedade em questão. Já a segunda trata-se da história em andamento,
é mais dinâmica, fluída.
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A crítica à ideia de golpe preventivo pode ser encontrada em Toledo (2004).
5. Considerações finais
Ao contrário do afirmado por Carlos Nelson Coutinho, não há uma im-
putação descabida da análise desenvolvida por Florestan, em RBB, ao desen-
volvimento histórico recente do Brasil. Ou seja, Coutinho afirma que Florestan
não enxergou o processo de abertura política do país ao afirmar a continuidade
da autocracia burguesa. No entanto, é o próprio Coutinho que não diferencia
na obra de Florestan que a autocracia burguesa trata-se de um traço particular,
uma estrutura-histórica, do capitalismo brasileiro. Autocracia burguesa não se
confunde com ditadura militar, ainda que por vezes o autor utilize termos pa-
recidos como regime ou Estado autocrático para defini-la (como expressão desta
estrutura-histórica).
Ao se debruçar sobre a “abertura democrática”, o foco central de Florestan
está na concentração de riqueza, prestígio e poder das classes dominantes; é dizer,
na forma como se estrutura historicamente a dominação no Brasil. Constata,
pois, que há uma grande transação na transição, conciliações que conduzem o
país a repor processos de modernizações conservadoras a partir de fora.