Hermeneutica Do Simbolo de Ricoeur PDF
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Abstract
This article considers symbol as a fundamental language of human existence. Within the
religion realm, symbolism is considered extremely important as a manifestation of the
religious experience. In order to approach this foundational aspect of the sacred, the
study departs from Ricoeur's hermeneutics and provides an analysis of evil as an
example of symbol in which the general theory of Ricoeur’s symbolic hermeneutics is
implicit. Finally, it relatessymbol andmetaphor, in order tounderstandthesemantic coreof
the symbolandcontrasts it to the metaphor.
∗
Graduada em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Juiz de Fora e aluna da graduação em
Ciência da Religião pela mesma instituição.
- Revista dos Alunos do Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião - UFJF
Introdução
1
A abordagem do simbolismo na obra posterior de Paul Ricoeur se faz a partir do símbolo literário, o
qual o autor define: “Um símbolo literário é essencialmente uma ‘estrutura verbal hipotética’, isto é, uma
suposição e não uma asserção, na qual a orientação ‘para dentro’ predomina sobre a orientação ‘para
fora’, que é a dos símbolos de vocação extrovertida e realista” (Ricoeur, 1995, p. 30).
Sacrilegens, Juiz de Fora, v.12, n.1, p.92-107, jan-jun/2015 - A. Fernandes - http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2016/03/12-1-8.pdf 93
- Revista dos Alunos do Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião - UFJF
O conceito de mal como aquilo que não tem ser porque é obra da liberdade, fiel
à tradição bíblica, sofre oposição da concepção gnóstica de exterioridade do mal como
substância que infecta por contágio. Assim, tudo que é símbolo implanta-se num
pretenso saber. Nas palavras do autor, assim se caracteriza a postura gnóstica: “Em vez
de o mal proceder da liberdade humana para a vaidade do mundo, ele procede dos
poderes do mundo para o homem” (Ricoeur, 1998, p. 268). Contra essa noção, os
Padres gregos e latinos afirmam que o pecado não é mundo, mas que entra no mundo.
Tradição essa que encontrou em Adão a narração de sua “expressão simbólica
exemplar”.
Na dimensão dessa narrativa, “Agostinho elabora uma visão puramente ética do
mal em que o homem é integralmente responsável; ele separa-a de uma visão trágica em
que o homem já não é autor mas vítima de um Deus que padece ele próprio, se apesar
disso não for cruel” (Ricoeur, 1989, p. 269). Esse “estado de pecado” é uma
perpetuação que permeia todo o gênero humano desde o antepassado de todos os
homens, Adão. É na intenção de contrapor a ideia de iniciador de perdição que são
Paulo introduz a concepção de Cristo como iniciador da salvação. Ricoeur sintetiza que:
“É a partir desse núcleo de sentido que vai constituir-se, pouco a pouco, o conceito de
pecado original tal como o próprio Agostinho o legou à Igreja” (Ricoeur, 1998, p. 272).
humana, além disso, ele revela o aspecto encoberto do mal quando cada indivíduo
encontra nele a identificação. Isso se dá porque, ao transferir a origem do mal para
Adão, o mito revela a situação do humano ao passo que ata o pecado do primeiro
homem ao processo de tomada de consciência da responsabilidade do indivíduo e da
impotência do querer que envolve toda falta.
É possível alegar, então, que o sentido depende da renúncia da projeção sobre a
história da figura de Adão. Ou seja, não se deve cometer o mesmo erro que afetou a
cristandade, o da interpretação literal. Para Ricoeur, essa interpretação historicista que
se fundou em especulações absurdas sobre uma culpa transmitida de forma quase
biológica e sobre uma falta de outro homem transmitida de forma quase jurídica3
implicou na perda do valor simbólico do mito adâmico. Nesse sentido, o “homem
racional” estará certo em suas colocações acerca da mitologia. Porém, como afirma
Ricoeur, o símbolo estará sempre a fazer pensar além de uma interpretação reducionista.
É, nas palavras do autor, entre o historicismo ingênuo do fundamentalismo e o
moralismo enfraquecido do racionalismo, que a hermenêutica dos símbolos se situa.
Ricoeur se dispôs a pensar sobre o mito como símbolo que remete para a
experiência humana, inexprimível através da linguagem direta por sua relevância
simbólica enquanto dimensão de uma experiência que não teria outra expressão.
Considerando isso, o trabalho de Ricoeur revela a defesa de que a racionalização é um
falso saber que destitui o sentido. Foi, porém, esse falso saber um processo importante
para elaboração da noção do mal que pode agora ser reinterpretada.
3
Segundo Paul Ricoeur, foi preciso a interpretação literal combinar “monstruosamente” um conceito
jurídico de imputação para que o pecado fosse considerado voluntário, e um conceito biológico de
herança para que fosse considerado também involuntário, ou seja, contraído.
ea busca cartesiana e husserliana do ponto de partida, é feita uma ligação muito estreita
com o discurso filosófico. Portanto, ao alçar o problema do símbolo no contexto
moderno, o autor vai além e propõe restaurar a linguagem integral, aquela que articula o
sentido literal e o figurativo dos símbolos e dos signos pertencentes ao sagrado. 4 É essa
articulação elementar do símbolo, linguagem insubstituível da experiência humana, que
interessa para Ricoeur. Nas palavras do autor, “o símbolo é o próprio movimento do
sentido primário que nos faz participar no sentido latente e assim nos assimila ao
simbolizado, sem que possamos dominar intelectualmente a similitude” (Ricoeur, 1998,
p. 285). É nesse sentido que o símbolo “dá que pensar”, porque ele é responsável pela
intenção primária que remete ao segundo sentido.
Ricoeur se dedica aos símbolos culturais por considerar a interpretação
historicista enganosa em certo sentido. O símbolo arcaico da mancha é um exemplo que
resistiu, por seu valor simbólico excepcional, ao desaparecimento de instâncias de
significado causada por uma interpretação reducionista. As tentativas de purificação do
penitente através de ritos apontam para uma “integridade indizível” em outra linguagem
que não a simbólica. Por isso, Ricoeur afirma:
Por mais arcaica e ultrapassada que seja a concepção mágica da mancha, foi
ela que nos transmitiu a simbólica do puro e do impuro, com toda a sua
riqueza de harmónicos. No centro desta simbólica mantém-se o esquema da
“exterioridade”, do investimento pelo mal, que é talvez o fundo inescrutável
do “mistério da iniquidade”. O mal apenas é mal enquanto eu o ponho, mas
no próprio coração da posição do mal pela liberdade revela-se um poder de
sedução pelo “mal já ali”, que a antiga mancha sempre já tinha dito de modo
simbólico. (Ricoeur, 1998, p. 286).
positivo do mal como aquilo já não mais é qualquer coisa exterior, mas sim um poder
que contém o real. O símbolo do cativeiro do Egito e o do cativeiro da Babilônia, por
exemplo, transformam um fato histórico numa expressão da existência que representa a
experiência de Israel. Assim, o símbolo inicial, a mancha, é reavido ainda no esquema
de exterioridade, porém não mais no aspecto mágico, mas ético. Ao se tratar da
simbólica do mal interpretada, cabe, enfim, dizer que esse esquema que rompe e retoma
se aplica na passagem dos símbolos do pecado aos da culpa. Segundo Ricoeur, o influxo
dessa passagem se dá no âmbito profundo da consciência e induz a uma “inculpação
racional”. Apesar dessa passagem do símbolo da mancha ao símbolo da culpa, a
consciência do símbolo da mancha permanece no âmbito interior, subjetivo e, portanto,
é o servo-arbítrio a que Lutero e Espinosa fazem referência.
Apresentado o conceito de símbolo primário, haverá maior clareza para
compreensão da estrutura mítica, a de segundo grau, que o abarca. Essa estrutura mítica
de narração comporta, aqui, sob o exemplo do simbolismo do pecado original, o
universal da experiência humana na figura de Adão, bem como implica numa
introdução da experiência humana na tensão histórica do duplo horizonte, gênese e
apocalipse. Fundamenta ainda, com base nessa narração, a falha da realidade humana na
passagem da inocência ao conceito deculpa. Essa última implicação da interpretação do
pecado original conta “como o homem originalmente bom se tornou naquilo que é no
presente” (Ricoeur, 1998, p. 288). É por essa afirmação que o mito apenas pode ser
considerado na sua função simbólica.
É sabidoque o símbolo não apresenta apenas uma narração mitológica. Diante
disso, Ricoeur propõe uma tipologia do mito que proteja as suas especificidades. Porém,
ao contrário do que faz parecer, o impasse encontrado na diversidade dos mitos não é de
todo negativo, pois é o que prepara a retomada filosófica do mito.Para clarificar
acercadessas possibilidades de narrativa a que se fez referência, é válido apresentar a
dupla fundamentação do problema do mal. Na primeira, o mal é uma catástrofe anterior
ao homem, enquanto na segunda, o mal é atribuído como culpa do homem. Em ambas
as pressuposições estão os símbolos que as justificam. No mal como catástrofe anterior
ao homem, está a premissa do mito trágico, do homem que cai em falta ao mesmo
tempo em que cai na existência. Na pressuposição de que o mal entrou no mundo
através do homem, está a premissa do mal como surgido num acontecimento irracional
de uma criação boa.
Ambas as tendências, o mal como além do humano ou o mal como escolha
humana, mostram uma polaridade comum aos símbolos, mas aqui encontram-se em um
símbolo único, o mito adâmico.Tal particularidade do mito adâmico explica porque
compreender a simbólica do mal é importante para compreender a teoria geral do
símbolo em Paul Ricoeur. Afinal, nesse mito:
O conflito dos mitos é incluído num só mito. É por isso que o mito adâmico,
que, do primeiro ponto de vista, podia ser considerado como efeito de uma
enérgica desmitologização de todos os outros mitos que dizem respeito à
origem do mal, introduz na narração a figura altamente mítica da serpente. 6
Nessa lógica, Adão é o mais velho dos homens e a origem do mal no humano
está nele, porém, o mal estava antes na serpente, que é anterior a Adão. Logo, o mito
trágico é reafirmado e também destruído pelo mito adâmico. Essa “diversidade” com
que o mito se apresenta permite ultrapassar a exegese dos mitos em si para finalmente
encontrar a filosofia dos símbolos desse mito.
Assim, ao passar da interpretação simbólica para a reflexão racional, que
intentará transmitir a riqueza do símbolo, Ricoeur retoma uma hermenêutica dos
enigmas. O conflito entre hermenêutica e reflexão filosófica se esvai diante da
importância que tem a interpretação no processo de compreensão do símbolo. A
hermenêutica procede de uma já tida compreensão do símbolo que, no contínuo
processo de interpretação, reforça o compreender. Uma hermenêutica que envolve
discurso filosófico e simbólico pode reduzir-se a pura interpretação alegórica, o que não
é necessariamente ruim, visto que o alegorismo contém um sentido verdadeiro, mas a
intenção de Ricoeur não é ver por trás e sim em direção a que o símbolo dá a pensar.
Outro perigo é reduzir o símbolo ao processo racionalização e cercear sua dimensão
6
Ao tratar da importância simbólica da figura da serpente que, em sua interpretação expressa a ideia de
que o mal já estava lá, já existia na serpente, o autor afirma que Agostinho não reconheceu a dupla
dimensão do mito quando afirmou que o mal entrou no mundo através do homem. Sobre essa figura, Paul
Ricoeur sintetiza: “A serpente representa, no próprio coração do mito adâmico, a outra face do mal, que
os outros mitos tentavam contar: o mal já aí, o mal anterior, o mal que atrai e seduz o homem. A serpente
significa que o homem não começa o mal. Ele encontra-o. Para ele, começar, é continuar. Assim, para
além da projeção da nossa própria cobiça, a serpente figura a tradição de um mal mais antigo que ele
próprio. A serpente é o Outro do mal humano” (Ricoeur, 1998, p. 290).
Metáfora e símbolo
Porém, em A Metáfora Viva, Ricoeur questiona sua própria definição, assim, nessa obra
o autor já não mais centra suas considerações no conceito de símbolo. Abre-se espaço,
então, para abordagem do conceito de metáfora, que tem uma continuidade em relação
ao conceito de símbolo, pois ambos apontam para algo além do racional, porém a
metáfora é diferente no sentido de que é conceitualmente mais específica. É válido,
antes de dissertar acerca da relação entre os conceitos, ressaltar a razão que faz o autor
atribuir tal valor à metáfora. Isso se dá devido ao fato de que a metáfora, por sua
significação semântica, permite ir mais adiante, ao ponto que estende a significação
verbal.
A teoria da metáfora, em Ricoeur, trata da relação entre sentido literal e
figurativo, ambos estabelecem a interação de significados que compõem a obra literária.
Antes, no positivismo lógico, a dimensão explícita era sinônimo de linguagem
cognitiva, enquanto a dimensão implícita era sinônimo de linguagem emotiva, noção
que Ricoeur quer superar. No símbolo, está contido o signo porque há um sentido
analógico que implica em considerar a dimensão primária como via para apontar para a
dimensão do segundo sentido. Na metáfora, igualmente, o sentido figurativo depende do
sentido literal, mas numa interação mais próxima. Em outras palavras, a
intencionalidade dupla do símbolo não se aplica como necessidade quando se trata de
metáfora, afinal sentido literal e figurativo são internos à “significação global da
metáfora”. 7 O autor se utiliza da Poética de Aristóteles para exemplificar a retórica
tradicional. Nessa obra, a metáfora é compreendida como “variação de sentido” no
momento do uso da palavra. Diante disso, é possível inferir a posição de Ricoeur, de
que a metáfora não é o uso do sentido literal de uma palavra que aponta para o sentido
figurativo, como faz o símbolo, mas variação do sentido a partir do que se intenta dizer.
Paul Ricoeur não se detém em tal concepção a fim de não reduzir a dimensão da
metáfora, pois considera, além disso, que as questões existenciais humanas não cabem
nas palavras de que o homem dispõe para se expressar e, consequentemente, o sentido
metafórico é um sentido alargado e não simplesmente uma variação da literalidade. 8
7
Apesar de a interpretação metafórica pressupor uma interpretação literal, afinal há que partir de um
objeto, a literalidade é autodestruída através da contradição entre o objeto e a intenção da expressão
existencial. Assim, nas palavras de Paul Ricoeur, a metáfora não está no objeto, mas na interpretação.
8
Em síntese, com respeito ao conceito de metáfora, pode-se dizer que metáforas genuínas não são
traduzíveis, metáforas de substituição podem ser traduzíveis devido ao fato de que é possível restaurar seu
sentido literal e há metáforas que criam seu próprio sentido. Em outros termos, como já foi reconhecido,
Conclusão
Bibliografia
______. A metáfora viva.Tradução de Dion Davi Macedo. São Paulo: Loyola, 2000.
SPERBER, Suzi Frankl; PAULA, Adna Candido de. (orgs). Teoria literária e
hermenêutica ricoeuriana: um diálogo possível. Dourados: UFDG, 2011.