( ) Época - 11 03 2019

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LAVA JATO,

CINCO ANOS
A BOA VIDA DOS DELATORES
por Thiago Herdy e Maria Lima

O PÓS-MORO
por Guilherme Amado

EPOCA
PALPITE INFELIZ
O CARNAVAL DOS
O OCASO
DE LEMANN
DOUTOR ROBERTO,
SEU VICTOR
11.03.19

BOLSONAROS O QUE DEU ERRADO E O CONCORDE EPOCA.GLOBO.COM


EM 280 LAMENTÁVEIS NOS NEGÓCIOS DO
Nº 1079
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dos editores

A VIRADA MAIS
PERIGOSA
C onsolidou-se no século XX a ideia oti-
mista de que existe uma relação pro-
funda entre democracia e prosperidade:
Desde a década de 1890, países como os
EUA, a Grã-Bretanha e um pequeno grupo de
outras democracias dominaram a economia
quanto mais democrático um país, mais global. Os cientistas políticos calcularam que,
próspero ele será. No período depois da Se- em 1995, 96% das pessoas que viviam em um
gunda Guerra Mundial, a democracia se- país com renda per capita anual acima do
guiu ritmo vitorioso. Bastiões e ameaças equivalente hoje a R$ 75 mil eram cidadãos de
autoritárias haviam sido vencidos. A Uni- uma democracia liberal. “Com a exceção de
ão Soviética desaparecera, o nazismo tor- alguns poucos oligarcas empoleirados em
nara-se um pesadelo distante e todos os sociedades estagnadas e repressivas, somente
continentes mostravam sinais de avançar os democratas conseguiram desfrutar da ver-
para eleições livres e para o estado de direi- dadeira riqueza”, escreveram Foa e Mounk.
to. Os otimistas podiam dizer que a huma- Uma grande parte do sucesso da demo-
nidade estava finalmente reconhecendo os cracia deveu-se assim não a nobres ideais,
princípios transcendentes da liberdade e mas ao sucesso econômico. Os países mais ri-
igualdade democráticas. cos eram democracias e o resto do mundo
Na sexta-feira 1º de março, quando o Car- também queria ser rico. Hoje, a riqueza global
naval brasileiro começava a todo confete, os está mudando para partes mais autoritárias
cientistas políticos Roberto Stefan Foa e Yas- do planeta, e não está claro como a democra-
cha Mounk publicaram análise preocupante cia, sem todas as vantagens materiais a seu la-
a partir de dados compilados pelo Fundo do, se sairá na competição.
Monetário Internacional. Foa e Mounk são É preciso entender como e por que o do-
relevantes estudiosos da evolução — e invo- mínio democrático está sendo corroído pelo
lução — da democracia mundo afora, e o ressurgimento autoritário. Uma parte da ex-
alerta que fizeram merece ser propagado. plicação é a reversão democrática em gran-
No resumo do estudo que publicaram em des economias, graças aos esforços de ho-
The Wall Street Journal, os especialistas pro- mens fortes como o russo Vladimir Putin e o
jetam que — pela primeira vez na história — turco Recep Tayyip Erdogan.
a produção total de riqueza dos países consi- A reafirmação da democracia em grandes
derados “não livres” será superior à riqueza países do eixo Sul-Sul, como o Brasil, a Índia e
gerada pelas democracias ocidentais. Tradu- a África do Sul, será essencial para contraba-
zindo em grandes números, as economias lançar o poder dos governantes autocráticos.
combinadas dos Estados Unidos, da Alema- O mundo democrático enfrenta, enfim, um
nha, da França e do Japão vão perder para o sério desafio a sua primazia econômica e tec-
time da China, da Rússia, da Turquia e da nológica. A emergência do “autoritarismo ca-
Arábia Saudita. Os autores calculam que tal pitalista”, que combina um governo de mão
virada ocorrerá em algum momento nos de ferro com maior riqueza, é uma ameaça
próximos cinco anos. nova e que seria inimaginável anos atrás.
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do leitor
escreva para
epoca@edglobo.com.br

ÉPOCA 1078 ta ilícita que supostamente teria sido de Janeiro seja adequadamente re-
praticada por Dom Orani, pela sim- pudiado e que seja restabelecida sua
ples razão de que não houve condu- ilibada reputação.
ta ilícita alguma por parte do carde- Claudine Milione Dutra, coordenadora
al. O cardeal jamais utilizou sua fun- jurídica da Arquidiocese do Rio de Janeiro
ção para solicitar benefício algum
para qualquer instituição. O fato de O incrível é que o Ministério Público
alguém utilizar o nome de uma pes- e o Judiciário do estado do Rio de Ja-
soa pública e influente, como é o ca- neiro “nunca viram nem desconfia-
so de Dom Orani, não significa que ram de nada”. Seria conivência ou in-
tenha havido assentimento. Conse- competência? A saber.
quentemente, as alegações de que o Adelcio Vargas, via Facebook
sr. Wagner Portugal seria suposto
“braço direito” do arcebispo são fal- Certamente, a Igreja Católica nada
sas e desprovidas de fundamento. O tem a ver com um arcebispo que age
referido senhor jamais exerceu car- com desvio de conduta. Ele deve res-
A LAVA JATO NA CATEDRAL go algum na Arquidiocese do Rio de ponder por seus erros como todo e
Delação de ex-padre envolve Janeiro, sendo oriundo do clero de qualquer cidadão.
a Igreja Católica em esquema Juiz de Fora. A relação entre ambos Daniel Alves De Almeida, via Facebook
de corrupção tem sido de cunho religioso, desti-
A relação do arcebispo do Rio de Ja- nada a encontros de orientação espi- Sou a favor de abrir a caixa-preta des-
neiro com o sr. Sérgio Cabral foi es- ritual. É fundamental que tais insi- sas dioceses. Afinal, é a igreja que mais
tabelecida sempre em nível exclusi- nuações, embora meras ilações ab- arrecada no Brasil e tem muita sujeira
vamente institucional. O sr. Cabral solutamente inconclusivas e falsas, por debaixo dos panos e das batinas.
utilizou expressões como “acha”, devam ser investigadas e apuradas Manu Guimaraes, via Facebook
“acredita” e “devia ter interesse”, ou pelas autoridades com atribuição
seja, construiu mera elucubração, para tanto, a fim de que tal ataque Quem diria? A praga da corrupção
em que não define qualquer condu- contra a honra do arcebispo do Rio está em todos os lugares. Isso é uma
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pandemia. Apesar de sempre ter ele pode delatar seus parceiros e aju- CHOREI E FIQUEI QUATRO
havido corrupção na Igreja, era tu- dar a colocar quem ainda falta atrás NOITES SEM DORMIR
do abafado. das grades, recuperando, assim, pe- Francisco Macedo relata
Ivo da Costa Barros, via Facebook lo menos um pouco de dinheiro pa- sua demissão da fábrica onde
ra a nação. trabalhava havia 30 anos
Se tem de punir alguém da Igreja, que Mônica Delfraro David, Campinas, SP Já passei por isso. Trabalhei durante
puna, mas é bom não generalizar. 25 anos numa empresa. É uma vida.
Nem todos comungam das mesmas O QUINTO PODER Mas, Francisco Macedo, vai dar cer-
escolhas. Além disso, o que faz o povo Monica de Bolle considera to. Há vida lá fora apesar do desem-
respeitar o governo é a Igreja e os que as redes sociais se prego. Você será capaz de se reinven-
princípios familiares. Atacá-la é o transformaram em um novo poder tar e se recolocar no mercado de tra-
mesmo que alimentar o ódio do povo Muito bom o artigo de Monica de balho. Acredite.
ao governo. Bolle. Que saudades do tempo em Eneida Pinho, via Facebook
Adelio Arcanjo, via Facebook que não havia redes sociais! Elas cri-
aram a possibilidade de as pessoas O mundo está mudando. O mercado
PERSONAGEM DA SEMANA manifestarem suas idiossincrasias, de automóveis e veículos de carga
Preso há dois anos, seus defeitos e ódios. O ar se tornou também, e as empresas que não se
Sérgio Cabral admitiu ter irrespirável. E como elas revelam o adaptarem sumirão, bem como mui-
recebido propina quando lado sombrio da humanidade! tas profissões até então consolidadas.
era governador do Rio Marcio Barbosa, Teresópolis, RJ Luciano G. Silva, via Facebook
Demorou para Sérgio Cabral enten-
der que não tem mais salvação. Que Parabéns pela coragem de seu arti- Algumas empresas vão fechar mes-
está encrencado de verdade. Di- go, Monica. Também enfrentei mo, pois seus setores perderão im-
nheiro e poder podem se tornar ví- muitos amigos por minhas convic- portância ou diminuirão bastante. O
cios, sim. Mas, como todo vício, ções. A vida é mais bela com di- importante é o país criar condições
com força de vontade pode ser su- nheiro e dignidade. para participar dos novos setores que
perado. Para ajudar o país, o estado Márcio dos Santos Barbosa, surgirão com as novas tecnologias no
e a cidade, dos quais tanto roubou, Rio de Janeiro, RJ mundo, assim será só uma migração.
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DIRETOR-GERAL Frederic Zoghaib Kachar


DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE Virginia Any
DIRETOR DE AUDIÊNCIA Christiano Nygaard

Agora, fechar e não vir nada no lugar, DIRETORA DE REDAÇÃO Daniela Pinheiro
epocadir@edglobo.com.br
aí sim é um desastre.
EDITOR-CHEFE Plínio Fraga
Sérgio Marcondes, via Facebook Fernanda Delmas (coordenadora),
EDITORES EXECUTIVOS Maria
Ana Clara Costa, Eduardo Salgado, Flávia Barbosa,
Letícia Sorg e Pedro Dias Leite
EDITOR Marcelo Giannini Coppola

EXPECTATIVA × REALIDADE COLUNISTAS Conrado Hübner Mendes, Guilherme Amado, Helio Gurovitz e Monica de Bolle
COLABORADOR Ariel Palacios
Paulo Guedes tem dificuldade ÉPOCA ON-LINE Gustavo Machado Costa (editor), Daniel Salgado
ESTAGIÁRIO Matheus Rocha Silva
em implementar sua agenda liberal
EDITOR DE ARTE Mateus Valadares
Não há dúvida em relação à compe- DESIGNERS Daniel Vides Veras e Gustavo Amaral
COLABORADORES Claudia Warrak (supervisão de arte e projeto gráfico) e Raul Loureiro (projeto gráfico)
tência de Paulo Guedes na área eco- SECRETARIA EDITORIAL Marco Antonio Rangel
FOTOGRAFIA | EDITOR André Sarmento

nômica. Sempre foi um crítico rigo- REVISÃO Araci dos Reis Galvão de França (coordenadora)

roso da social-democracia, colocan- REVISORAS Júlia Barreto e Mariana Rimoli Dumans


CARTAS À REDAÇÃO | EPOCA@EDGLOBO.COM.BR

do no mesmo saco os períodos de ASSISTENTE EXECUTIVA Jaqueline Damasceno

governo tucano e lulista. Após dois


REDAÇÃO | RIO DE JANEIRO | EPOCA@EDGLOBO.COM.BR
Rua Marquês de Pombal, 25, 3º andar, Cidade Nova, CEP 20.230-240 – Rio de Janeiro – RJ
SUCURSAIS | BRASÍLIA | EPOCASUC_BSB@EDGLOBO.COM.BR
meses de bola rolando, já deve ter DIRETOR Paulo Celso Pereira
SCN, Quadra 5 – Bloco A, nº 50, s. 301, Brasília Shopping and Towers, CEP 70.715-900 – Brasília – DF
sentido que sua missão não será na- SÃO PAULO | SUCURSALSP@EDGLOBO.COM.BR
DIRETORA Letícia Sander

da fácil, pois o presidente age muitas Avenida Nove de Julho, 5229, 9º andar, CEP 01407-907, Itaim Bibi – São Paulo – SP

vezes de forma voluntariosa, contra- MERCADO ANUNCIANTE | SEGMENTOS — MONTADORAS, MOBILIDADE, SERVIÇOS PÚBLICOS E SOCIAIS, GOVERNO SP,
AGRONEGÓCIOS, COMPANHIA AÉREA, INDÚSTRIA | DIRETOR DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA Renato Augusto Cassis
Siniscalco | EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA Cristiane Soares Nogueira, Diego Fabiano, João Carlos
riando suas orientações, como no Meyer, Priscila Ferreira da Silva | SEGMENTOS — MERCADO FINANCEIRO, SEGUROS,
EDUCAÇÃO, IMOBILIÁRIO, CONSULTORIAS | DIRETOR DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA Emiliano Morad Hansenn |
caso da elevação de alíquota do leite EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA José Carlos Brandão, Milton Luiz Abrantes,
Selma Teixeira da Costa | SEGMENTOS — VAREJO, TELECOM, ELETROELETRÔNICOS, TI, TURISMO, ESPORTE,
importado e, agora, na questão da LAZER, CULTURA, ENTRETENIMENTO, MÍDIA | DIRETOR DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA Ciro Horta Hashimoto |
EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA Christian Lopes Hamburg, Roberto Loz Junior |

Previdência, enfraquecendo a pro- SEGMENTOS — MODA, DECORAÇÃO, SAÚDE, BELEZA, HIGIENE PESSOAL E DOMÉSTICA E TURISMO |
DIRETORA DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA Sandra Regina de Melo Pepe |

posta do governo antes mesmo de EXECUTIVAS MULTIPLATAFORMA Eliana Lima Fagundes, Fátima Regina Ottaviani,
Caio Caprioli, Jessica de Carvalho Dias, Lilian Marche Noffs e Rodrigo Girodo |
ESCRITÓRIOS REGIONAIS | GERENTE MULTIPLATAFORMA Larissa Ortiz |
seu exame no Congresso. UNIDADES DE NEGÓCIO — RIO DE JANEIRO — EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA Daniela Nunes Lopes Chahim |
OPEC ON-LINE Danilo Panzarini | OPEC OFF-LINE Carlos Roberto de Sá, Douglas Costa |
Dirceu Luiz Natal, Rio de Janeiro, RJ EGCN — CONSULTORA DE MARCAS Olivia Cipolla Bolonha |
DESENVOLVIMENTO COMERCIAL E DIGITAL | DIRETOR Tiago Joaquim Afonso |
G.LAB Edward Pimenta | PROJETOS ESPECIAIS/EVENTOS Carlos Raices; ESTRATÉGIA DIGITAL | GERENTE Santiago
Carrilho | DESENVOLVEDORES Fabio Marciano, Fernando Raatz, Marden Pasinato, Matheus
APOSTA FURADA Domingos, Raphael Rappoli | ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL Silvia Balieiro |
AUDIÊNCIA — DIRETOR DE PLANEJAMENTO DE VENDAS Ricardo Tarrazo Perez

Sem declarar o valor à Receita,


Carlos Bolsonaro perdeu R$ 130 mil
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for perito nisso, vai ficar devendo. adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário de Gases de Efeito Estufa — no 2012, da Editora Globo
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para publicação.
(61) 3410-8953 assinatura, endereço e Só podem ser incluídas na
telefone do remetente. edição da mesma semana
NA INTERNET ÉPOCA reserva-se o direito as cartas que chegarem
www.assineglobo.com. de selecioná-las e resumi-las à Redação até as 12 horas
CORREÇÃO br/sac
4003-9393
para publicação. Só podem
ser incluídas na edição da
da quarta-feira.

mesma semana as cartas


Na legenda da página 21 da edição ASSINATURAS
4003-9393
que chegarem à Redação até
as 12 horas da quarta-feira.
www.sacglobo.com.br
1077, a informação de que o ministro
do STF Gilmar Mendes concedera ha-
beas corpus em favor do banqueiro
André Esteves está errada. Na realida-
de, a decisão foi tomada pelo ministro
Teori Zavascki
O impacto da tecnologia no
aprendizado dos jovens.
A plataforma Educação 360 apresenta o encontro Educação 360 Jovem Tech. Um dia inteiro
de debates, reunindo especialistas no assunto e sobretudo dando voz aos próprios jovens, que
participam de todas as Mesas, discutindo o papel da tecnologia no novo Ensino Médio e os
desafios de torná-la cada vez mais acessível a todos. Participe.
Mais informações pelo site: educacao360.com

Ana Amélia Inoue Lee Magpili Priscila Cruz Todd Ensign


Assessora de educação Designer da LEGO Presidente-executiva e cofundadora Professor-assistente na
do Itaú BBA Education do movimento Todos Pela Educação Fairmount Station University

TURNO MANHÃ
9H30 ÀS 13H
TURNO TARDE
Talk de Abertura 15H ÀS 18H
• Todd Ensign - Professor-assistente na
Fairmount Station University Mesa 3 - Itinerários formativos
do novo Ensino Médio
Mesa 1 - Tecnologia no Ensino Médio O papel da tecnologia diante da implementação da nova
Como fazer com que as tecnologias disponíveis
configuração do Ensino Médio, com seus conteúdos
contribuam efetivamente dentro da sala de aula para o
comuns e conteúdos vindos de itinerários específicos.
aprendizado dos jovens no Ensino Médio.
• Anna Penido
• Lee Magpili - Designer da LEGO Education
• Lúcia Dellagnelo - Diretora-presidente do Centro de • Priscila Cruz
Inovação para Educação Brasileira-CIEB
Mesa 4 - O professor do Ensino Médio
Mesa 2 - Formação para o trabalho A formação dos professores como agentes fundamentais
A relação entre as plataformas tecnológicas para a eficácia das plataformas tecnológicas no
e o ensino profissionalizante, que passa a ser um dos aprendizado e na relação com os alunos.
cinco itinerários formativos dentro do novo Ensino Médio. • Tatiana Klix
• Ana Inoue - Assessora de educação do Itaú BBA • Miguel Thompson
• Rafael Lucchesi - Diretor de Educação e • Prof. Jessé Castilho
Tecnologia da Confederação Nacional
da Indústria (CNI)

DIA 15 DE MARÇO /educacao360


MUSEU DO AMANHÃ - PRAÇA MAUÁ @educacao360
Evento sujeito a lotação @educacao360
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Bicicleta: meio de transporte bom para
quem utiliza e para o meio ambiente

Protagonistas da mudança
Iniciativas do setor privado, principalmente em energia e mobilidade, ajudam
cidades na busca por novo modelo de desenvolvimento mais sustentável

P ouco mais de 55% dos 7,6 bilhões de


habitantes do planeta vivem em áreas
urbanas. Em 2050, serão 66%. Antes disso,
(ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas
é Cidades e Comunidades Sustentáveis,
com a meta global de “tornar as cidades
fundamentais para a prevenção e redução
de danos. A ICLEI é uma rede formada
por 1.500 governos locais espalhados em
em 2030, 41 megalópoles no mundo terão e os assentamentos humanos inclusivos, todos os continentes que têm como obje-
mais de 10 milhões de moradores. No Bra- seguros, resilientes e sustentáveis”. tivo comum encontrar soluções para um
sil, os centros urbanos concentram 85% da futuro mais sustentável.
população e chegarão a 90% em 2030. Perpétuo foi um dos participantes do
Esses indicadores mostram como “Uma cidade sustentável seminário Brasil Futuro, que discutiu os
as cidades estão submetidas à pressão respeita o meio ambiente, desafios da sustentabilidade e o engaja-
da migração, com demandas cada vez mento do país no cumprimento das ODS
mais intensas por infraestrutura, servi- tem foco no social e é no último dia 21. Patrocinado pela MRV
ços, emprego, renda e recursos naturais
– em resumo, qualidade de vida. Há um
economicamente viável” Engenharia, o encontro abordou como o
país, em especial as lideranças empresa-
consenso na maior parte dos países que, RAPHAEL ROCHA LAFETÁ, riais, estão se preparando para cumprir
para atender às necessidades crescentes da DIRETOR DO INSTITUTO MRV os ODS definidos no plano de ação da
população e preservar o planeta, as cida- ONU lançado em 2015.
des terão de encontrar um novo modelo Secretário-executivo da ICLEI América “Uma cidade sustentável respeita o meio
de desenvolvimento, ancorado na susten- do Sul, Rodrigo Perpétuo diz que o Brasil ambiente, tem foco no social e é econo-
tabilidade, integrando aspectos sociais, – e a maior parte do mundo – estão longe micamente viável. Na vizinhança dos
econômicos e ambientais. de alcançar uma sociedade totalmente empreendimentos, a MRV tem ações de
Não é à toa, portanto, que um dos 17 sustentável, mas destaca que iniciativas saneamento, educação, segurança e energia
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável municipais em diversas áreas têm sido limpa. Com isso, a gente contribui para a
CONTEÚDO PUBLICITÁRIO PRODUZIDO POR

ideia da cidade sustentável. Uma iniciativa de São Paulo para que outros moradores vizinhança. Em um vídeo sobre o programa
influencia a outra e você vai contaminando tenham acesso ao veículo elétrico. O carro Escola Nota 10, exibido no seminário, o
aquela comunidade com a ideia de uma elétrico se soma a um programa já ampla- operário Raimundo Soares descreveu a
sociedade mais sustentável”, diz Raphael mente difundido pela empresa, que oferece sensação de aprender a ler e escrever depois
Rocha Lafetá, diretor do Instituto MRV. bicicletas compartilhadas e investe na cons- de adulto. “Eu tinha um vazio dentro de
trução de ciclovias e bicicletários. mim. Foi uma luz que se abriu no horizonte.
Iniciativas Outra iniciativa da empresa para a Hoje eu enxergo mais as coisas”, contou.
Em 2018, a MRV Engenharia assinou o construção de cidades mais sustentáveis Na definição do gestor executivo de
Pacto Global da ONU e se engajou no é a utilização de energia limpa em seus Saúde, Segurança e Meio Ambiente (SSMA)
cumprimento dos ODS. Nesse sentido, empreendimentos. Todas as novas cons- da MRV, José Luiz Esteves, a sustentabili-
o projeto mais recente da empresa é o truções iniciadas a partir de 2018 têm dade não é apenas uma tendência, mas
MRV SIM (Sustentabilidade, Inovação e sistema de captação de energia solar foto- parte central da estratégia empresarial. Se
Mobilidade). Este programa é voltado para voltaica. Em 2022, todas as unidades habi- não é possível transformar toda a cidade,
o desenvolvimento de meios de transporte tacionais entregues pela empresa terão pelo menos o bairro dos empreendimen-
compartilhados e alternativos. O início do esse tipo de tecnologia. tos, diz Esteves, pode seguir o caminho do
programa se deu com o projeto do Carro desenvolvimento sustentável e, para isso, o
Elétrico Compartilhado disponibilizado Desenvolvimento social diálogo com as comunidades é essencial.
para os moradores do primeiro empreen- Além das questões ambientais, a cons- “A empresa que não conversar com a vi-
dimento com energia solar fotovoltaica trutora segue o princípio de que redução zinhança terá mais dificuldade. Nós pre-
na modalidade de múltiplas unidades da pobreza e inclusão social são aspec- cisamos ouvir os moradores das comunid
comunida-
consumidoras de energia. Essa operação tos cruciais para uma cidade sustentável des. Para nós,, a sustentabilidade
sustent b é um cami-
tem duração de três meses e será estendida e desenvolve programas como a alfabe- e nho
nh sem volta. Fazer a diferença está no core
para outros empreendimentos na cidade tização de colaboradores e moradorees da business da empresa”, afirma Esteves.

POR UMA CIDADE MAIS SUSTENTÁVEL


Engajada no cumprimento dos ODS da Agenda 2030, a MRV vem investindo em projetos
voltados para a redução da desigualdade e o desenvolvimento sustentável nas
comunidades onde atua. Veja abaixo os resultados de algumas iniciativas:

1,3milhão
$
de árvores
plantadas em condomínios
(desde 01/01/2010)

1milhão de litros de
Cerca de
água economizados com
a instalação de descargas
R$ 380mil
de economia para
ecológicas (desde 01/01/2011)
os moradores dos
empreendimentos
218 mil pessoas
impactadas com as ações Carro elétrico e compartilhamento de bicicletas
com painéis solares

do Instituto MRV são iniciativas para melhoria da qualidade de vida


(desde 01/01/2015)

5 mil kits escolares


distribuídos apenas em
2019 para crianças de
6 a 14 anos Mais de

170 escolas
715 mil kWh
gerados em energia
inauguradas nos canteiros limpa pelo sistema
de obras para funcionários fotovoltaico dos
© DIVULGAÇÃO

e a comunidade condomínios
30. 11 PERGUNTAS PARA...
MARCELO STOPANOVSKI
A investigação da corrupção
migrou para o ciberespaço

34. VOZ DA EXPERIÊNCIA


QUATRO CABEÇAS,
14. PERSONAGEM QUATRO SENTENÇAS
DA SEMANA Ex-ministros da Previdência
O TUITEIRO BOLSONARO avaliam prós e contras da
Da incrível capacidade de reforma da aposentadoria
derrapar em 280 caracteres em debate no Congresso

18.
LAVA JATO,
OS BOAS-VIDAS 38 . PECADO CAPITAL
O DINOSSAURO
ANO 5 APAVORADO
O aniversário da maior O mundo dos negócios põe
operação contra a em dúvida o modo de fazer
corrupção e a vida (boa) sucesso do ainda bilionário
de dois delatores Jorge Paulo Lemann

MICHEL FILHO/AGÊNCIA O GLOBO HEINZ / BRIDGEMAN IMAGES/KEYSTONE BRASIL


FEDERICO PARRA/AFP
70. ONDE ESTÁ O DINHEIRO COLUNISTAS
GUIA EXCÊNTRICO 28. GUILHERME AMADO
DE AUTOAJUDA Cinquenta anos em cinco
Tudo aquilo que você
precisa saber para ter 33. MONICA DE BOLLE
sucesso. Ou não Acabou nosso Carnaval?

78.NOTAS SUPERSÔNICAS 61. VENES CAITANO


A CURVA DA TERRA
NO HORIZONTE 65. HELIO GUROVITZ
O relato do repórter É difícil defender, só com
que estava no primeiro palavras, o jornalismo
voo do Concorde
de Paris para o Rio, 82. CONRADO
com uma revista HÜBNER MENDES
de mulheres nuas O bolsonarista da esquina
nas mãos e dois colossos capa: Leo Pinheiro/Valor
da imprensa à volta e Charles Sholl/Futura Press

58.
DIVULGAÇÃO

46. CONCORDAMOS A HIPÓTESE


EM DISCORDAR IMPLAUSÍVEL
JOSÉ MEDEIROS CENÁRIOS DE GUERRA
× FÁBIO RAMALHO Por que uma ação militar na
Deputados divergem sobre Venezuela seria muito pior
o papel das redes sociais que a do Iraque
no mandato parlamentar
62. VIVI PARA CONTAR
50. GUERRA O CHÁ PARECE
CONTRA O CRIME UM SONHO
LINHAS CRUZADAS O potencial antidepressivo
O desagrado da maior do chá de ayahuasca
facção criminosa
de São Paulo com
o governo Bolsonaro
66. CRÔNICA MUSICAL
FUNK DA PERIFERIA
KondZilla, o midas da arte
popular de ostentação
MC GUIMÊ, PRODUZIDO POR KONDZILLA

sumário 11.03.19
PERSONAGEM DA SEMANA
por Daniel Gullino

FOTOS: REPRODUÇÃO
PERSONAGEM DA SEMANA 15

A intensa e lamentável atividade


digital do presidente
da República durante o Carnaval

O TUITEIRO
BOLSONARO
À s 20h08 da terça-feira 5, quando o Car-
naval já caminhava para seu final, o pre-
sidente Jair Bolsonaro publicou em sua con-
gumentam que seu tuíte pode ser enquadra-
do na Lei 1.079, de 1950, que define os cri-
mes de responsabilidade do presidente da
ta no Twitter um vídeo com cenas escatoló- República. Segundo o texto, é crime contra a
gicas gravadas durante a passagem de um probidade na administração “proceder de
bloco de rua em São Paulo. Nelas, um ho- modo incompatível com a dignidade, a honra
mem insinuava penetração anal, e, em se- e o decoro do cargo”. Trata-se do mesmo con-
guida, outro urinava na cabeça dele. Ao con- junto de leis que viabilizou o impeachment
cluir a postagem, o presidente sugeria uma da petista Dilma Rousseff.
reflexão a respeito da “verdade” sobre o O furor e o tom mercurial das postagens
“que tem virado muitos blocos de rua no deixam dúvidas se Jair Bolsonaro é o autor ou
carnaval brasileiro”. Quando sua postura foi se os louros recaem sobre seu filho vereador
criticada por uma jornalista, que alegou, em — Carlos, conhecido como Carluxo pelos
tuíte, falta de decoro, Bolsonaro retrucou mais íntimos e grande artífice das rajadas
com rispidez. “E pra vocês. Falta o que?”, es- virtuais promovidas pela família Bolsonaro.
creveu. Horas antes, ao ser criticado pela Coincidentemente, Carlos foi o único rebento
cantora Daniela Mercury sobre suas declara- a, imediatamente, engrossar o coro anti-Car-
ções contrárias à Lei Rouanet, Bolsonaro naval promovido pelo pai. “Viva o carnaval:
disparou outro petardo virtual, pedindo que esses canalhas estão conseguindo estragar até
ela reclamasse com José de Abreu, ator e crí- isso. Veremos daqui uns anos como estará
tico do presidente nas redes. uma do que já foi maiores tradições do Bra-
Em tempos de redes sociais, um tuíte sil”, tuitou. Na quarta-feira 6 à noite, voltou à
tem o poder de incensar ou implodir gover- carga, agora contra a escola vencedora do
nos. Postagens de Jair Bolsonaro sobre o su- Carnaval carioca. “Dizem que a Mangueira,
posto “kit gay” do Ministério da Educação, escola de samba campeã do Carnaval e que
em 2011, ajudaram a dar notoriedade a seu homenageou Marielle, tem o presidente pre-
nome, que até então se restringia ao limbo so, envolvimento com tráfico, bicheiros e mi-
dos personagens folclóricos de Brasília. lícias”, escreveu. E concluiu: “Esse país está de
Quase dez anos depois, com Bolsonaro sa- cabeça pra baixo mesmo”. Poucos dias antes,
cramentado presidente, seus opositores ar- contudo, Carlos parecia bem menos revoltado
16 PERSONAGEM DA SEMANA

As manifestações intempestivas
do presidente nas redes sociais podem
até mesmo afastar investidores, avaliou
o cientista político Malco Camargos

com os festejos. No dia 16 de fevereiro, ele, mente, no ano em que o presidente passou
apreciador de cervejas artesanais, criticou o seu primeiro Carnaval como chefe de estado
monopólio na venda da bebida no Carnaval — e recebeu vaias em blocos nas principais
de rua do Rio de Janeiro, demonstrando des- capitais. Para o cientista político Malco Bra-
conhecer que se trata de contratos de patrocí- ga Camargos, da PUC-MG, as publicações
nio, daí a exclusividade. “Prejuízo aos produ- foram, sim, uma reação a críticas, mas ele
tores de cerveja artesanal, economia e gera- não acredita que façam parte de um movi-
ção de empregos locais”, escreveu. mento estratégico de comunicação. “Não ve-
jo o comportamento de Bolsonaro, desde o

E m toda a sua vida parlamentar, Jair Bol-


sonaro jamais se posicionou contra ou a
favor de manifestações populares feitas du-
dia 1º de janeiro até agora, como sendo es-
tratégico. Mais parece uma atitude intem-
pestiva, sem controle”, avaliou Camargos. “É
rante o Carnaval. Chegou a animar-se quan- fundamental que haja uma mudança de pos-
do, em 2016, virou personagem de bonecos tura. Um investidor de qualquer país, ao ver
no Carnaval de Olinda. Na ocasião, postou o presidente dar publicidade a esse tipo de
ostensivamente notícias sobre o fato — e foi informação, certamente vê com outros olhos
ecoado pelos filhos. No ano seguinte, Eduar- a possibilidade de investir”, afirmou.
do publicou em suas redes uma reportagem Apesar de ter mais seguidores no Face-
de TV em que um folião vestido de Donald book (9,3 milhões) do que no Twitter (3,4
Trump usava o microfone para declarar milhões), Bolsonaro mostra claramente que
apoio a Bolsonaro. “Carnaval opressor!”, es- prefere a rede de microblogs. Nos últimos
creveu o parlamentar. Em 2018, o presidente seis meses, publicou 1.110 tuítes, 300 posta-
chegou a comparecer a blocos de rua na gens a mais do que no site de Mark Zucker-
Barra da Tijuca, bairro onde vivia no Rio de berg. Além de assuntos de governo, se mani-
Janeiro, para tirar fotos com eleitores e pedir festa com regularidade sobre temas polêmi-
apoio para a eleição daquele ano. cos e pouco institucionais, muitas vezes de
Flávio Bolsonaro, que tem evitado con- forma jocosa. Em 24 de janeiro, mesmo dia
frontos gratuitos nas redes em razão do des- em que o deputado Jean Wyllys anunciou
gaste de sua imagem com o caso Queiroz, seu exílio autoimposto, o presidente postou
chegou a propor projeto de lei para tornar uma mensagem breve: “Grande dia!”. Con-
mais seguros os blocos de Carnaval. Em seguiu 83 mil curtidas e 8 mil retuítes.
2017, Flávio defendia que bombeiros, Polícia Jânio Quadros foi o notório presidente que
Militar e Polícia Civil voltassem a emitir au- governava por bilhetes. “Leio a um jornal que
torização para o desfile dos blocos, a fim de o ministério está em crise... Veja se a localiza
coibir arrastões e tornar a diversão “mais se- para mim”, pediu, com ironia, a um de seus
gura”. Não deu certo. Coincidência ou não, subordinados, em 1961. Tal hábito era a alegria
semanas depois o deputado federal Eduardo da imprensa e a fonte de muitos conflitos no
Bolsonaro também fez referências à seguran- alto escalão. Fernando Collor deu um passo
ça: “Afinal, Carnaval é para se divertir ou se além na coloquialidade em 1991, quando, ao se
proteger? Será que os pais deixam seus filhos tornar presidente, disse ter “aquilo roxo”, insi-
irem pular carnaval tranquilos?”. Até ali, ne- nuando virilidade. Com Lula, o vocabulário
nhuma animosidade em relação à festa. informal tornou-se regra. Bolsonaro, com seus
A repentina indignação com episódios tuítes, sinaliza desconhecer a fronteira entre a
pontuais do Carnaval ocorre, coincidente- informalidade e a grosseria.
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LAVA
JATO,
ANO
CINCO
OS BOAS-VIDAS 19

Bilhões recuperados e penas de prisão que


somam mais de 2 mil anos ofuscam a vida
tranquila de delatores da operação que
forneceram informações de valor restrito
por Maria Lima, de Fortaleza,
e Thiago Herdy, de Brasília e São Paulo

O s rankings que tentam medir corrupção


não são conclusivos. Feitas nas sombras
e para evitar a lei, muitas maracutaias nunca
sível de chegar, predadores e presas desfilan-
do num ambiente próprio de vida e morte,
sem constrangimentos ou incômodo com a
vêm à tona. A maioria das listas de países plateia. Tornou-se a maior investigação de
mais corruptos acaba medindo a percepção corrupção e lavagem de dinheiro que o Bra-
da população. O Brasil pode não ter os polí- sil já teve. Nunca se reuniram tantas provas e
ticos mais criminosos do mundo — não há indícios de crimes contra grupos econômi-
como saber com certeza —, mas é o país que cos e políticos tão fortes e amplos.
conseguiu recuperar quase 14 bilhões de reais O eixo maior de corrupção foi a princi-
de empresas e executivos criminosos, um pal empresa brasileira. Em um cenário nor-
valor inédito. Esse é o balanço da Lava Jato, mal, a Petrobras pagaria preços justos por
que completa cinco anos em 17 de março. contratos. Empreiteiras concorreriam entre
Tudo começou a partir da apuração sobre si, em licitações, para conseguir os contra-
o uso de um posto de gasolina de Brasília para tos. A estatal contrataria a empresa que acei-
lavar dinheiro de doleiros que abasteciam as tasse fazer a obra pelo menor preço, desde
contas de partidos e políticos. De lá para cá, que o valor da proposta estivesse dentro de
mais de 500 pessoas já foram acusadas, houve uma faixa que variava de 15% abaixo até
mais de 130 denúncias criminais e cerca de 50 20% acima da estimativa de custos da esta-
sentenças. Somadas, as penas alcançam mais tal. Não foi o que aconteceu a partir do tra-
de 2.200 anos de prisão. Entre os prisioneiros balho conjunto de vários grupos criminosos.
estão um ex-presidente da República, um ex- a) Empreiteiras: montaram o que chama-
governador do Rio de Janeiro e um ex-presi- vam de “clube” para substituir uma concor-
dente da Câmara dos Deputados. Somente rência real por uma concorrência aparente.
em Curitiba, a sede da primeira operação, fo- Os preços oferecidos à Petrobras eram calcu-
ram 1.200 mandados de busca e apreensão lados e ajustados em reuniões secretas nas
cumpridos em 60 fases, com 155 pedidos de quais se definia quem ganharia o contrato e
prisão preventiva atendidos pelo Judiciário. qual seria o preço, inflado em benefício pri-
Isso sem contar as operações em Brasília, Rio vado e em prejuízo dos cofres da estatal.
de Janeiro e São Paulo. O sucesso da força-ta- b) Funcionários da Petrobras: as empresas
refa foi tão grande que catapultou o juiz Ser- precisavam garantir que apenas aquelas do
gio Moro ao posto de atual ministro da Justi- cartel seriam convidadas para as licitações. Pa-
ça. O instrumento que permitiu tudo isso foi ra isso, cooptaram agentes públicos. Os funcio-
o da colaboração premiada, no qual um acu- nários restringiam convidados de licitações,
sado pode atenuar sua pena ou anulá-la se transformando-as em jogo de cartas marcadas.
O procurador Deltan ajudar a incriminar alguém num patamar c) Propinas: as empreiteiras pagavam pro-
Dallagnol, coordenador mais alto da organização criminosa. pinas para funcionários do alto escalão da Pe-
da Operação Lava Jato, A Lava Jato proporcionou em cinco anos trobras de 1% a 5% do valor dos contratos, di-
que em cinco anos
acusou mais de 500 um novo programa aos brasileiros: um ins- nheiro que era repartido entre funcionários,
pessoas por trutivo passeio pelos meandros da máquina partidos políticos, membros do Congresso
envolvimento em de corrupção nacional, que se assemelha à Nacional e operadores. Um dos funcionários
corrupção e lavagem
de dinheiro, entre visita a um oceanário. Abriram-se diante dos da estatal chegou a receber mais de R$ 100
outros crimes olhos, em distância que se imaginava impos- milhões de propina.
FOTO: PAULO LISBOA/BRAZIL PHOTO PRESS
20 OS BOAS-VIDAS

d) Operadores financeiros: profissionais da Não foram poucas, no entanto, as restri-


lavagem de dinheiro, eram responsáveis por ções contra o modus operandi da empreitada.
intermediar o pagamento da propina, disfarça- A operação e seus executores foram acusados
da de dinheiro limpo para os beneficiários. de violações contínuas que prestaram monu-
e) O braço político: tão importante quanto mental desserviço à cultura de valorização
o desmembramento de atuação mafiosa de dos direitos individuais no Brasil. O sucesso
empresas e funcionários públicos foi a partici- e o ineditismo da operação encobriram, por
pação de grupos político-partidários múltiplos exemplo, casos de colaborações com resulta-
no esquema. Dividiram a empresa por setores, dos pífios — pelo menos até agora.
indicaram diretores, fizeram milhões em caixa
dois eleitoral e corrupção pura e simples.
A partir do esquema da Petrobras, des-
nudou-se uma sistema de corrupção ainda
N a República das Delações na qual o Brasil
se transformou nos últimos cinco anos,
duas prometeram implodir dois dos principais
maior, baseado na relação promíscua en- partidos. Em 2016, as acusações de Sérgio Ma-
tre fornecedores do Estado em suas dife- chado, ex-presidente da Transpetro, empresa
rentes instâncias e políticos. O sistema en- de transporte da Petrobras, prometiam acabar
volvia mais empresas e mais partidos e foi com o MDB. A confissão de Delcídio do
reconhecido como a espinha dorsal do Amaral, então senador petista, também em
funcionamento e financiamento do siste- 2016, parecia ser o fim do mundo para o PT.
ma político brasileiro. Passados quase três anos, ÉPOCA foi investi- À direita, Sérgio
Na frase magistral de Giovanni Falcone gar como vivem Machado e Amaral e os re- Machado ao tempo
(1939-1992), idealizador da Operação Mãos sultados das duas delações mais citadas pelos da Transpetro:
todo-poderoso caiu em
Limpas que varreu o quadro partidário na críticos do instrumento da delação premiada. desgraça e teve de pagar
Itália: “Quando a delinquência conquista o Em Fortaleza, a reportagem encontrou R$ 75 milhões em multa
poder, o oficial e tudo aquilo que é público um terreno cercado por largos muros de pe-
Abaixo, casa onde
confunde-se com o marginal”. Assim, a La- dras com seis camadas de cabos eletrificados Machado mora em
va Jato descortinou os marginais no poder. no topo, uma guarita suspensa de onde o vi- Fortaleza

REPRODUÇÃO
OS BOAS-VIDAS 21

gia pode enxergar toda a redondeza e, ali mesmo vale para seus três filhos que o aju-
perto, a imensidão do Oceano Atlântico. Es- daram a operar as propinas: Expedito Ma-
sa poderia ser a descrição de uma cadeia de chado Neto, Sérgio Machado Filho e Daniel
segurança máxima em alguma ilha deserta. Machado. Os três vivem como milionários
Mas, dos muros para dentro, uma mansão em Fortaleza e no circuito Londres, Nova
com quadras poliesportivas, um cata-vento York e Miami, sem risco de ser presos.
gigante para produção de energia eólica, pis- Pelo acordo guarda-chuva que atenuou as
cinas e várias construções luxuosas na verda- penas do quarteto, firmado com o então pro-
de é a gaiola de ouro onde vem se esconden- curador-geral da República, Rodrigo Janot, e
do, nos últimos dois anos e nove meses, o homologado pelo ministro Teori Zavascki, re-
homem bomba do MDB, Sérgio Machado. lator da Operação Lava Jato, morto em 2017,
Em maio de 2016, em delação premiada, os Machados não devem nada a ninguém. O
ele estarreceu o país ao confessar que, como acordo, que abre a possibilidade de cancela-
presidente da Transpetro por 11 anos, de 2003 mento dos benefícios se a delação se mostrar
a 2014, saqueou a empresa, enriqueceu a fa- ineficaz no fim do processo, prevê que Sérgio
mília e teria distribuído cerca de R$ 100 mi- Machado pode ser condenado a no máximo
lhões em propina para o ex-presidente Michel 20 anos de reclusão, mas, se as penas ultrapas-
Temer e mais 20 políticos, entre eles os cardeais sarem três anos, serão automaticamente con-
históricos do MDB Renan Calheiros (AL) — vertidas em punição alternativa.
seu padrinho político no governo Lula —, Machado escapou da prisão, mas não saiu
Edison Lobão (CE), Romero Jucá (RR), Jader ileso. Pagou uma multa de R$ 75 milhões —
Barbalho (PA) e o ex-presidente José Sarney. uma das maiores pagas por pessoa física na La-
A confissão, entretanto, não lhe rendeu va Jato, parte de uma estratégia que busca pu-
um só dia de prisão, e, passados quase três nir criminosos do colarinho branco pelo bolso.
anos, a investigação caminha a passos lentos Foi conferido a ele o direito de antecipar a pe-
no Judiciário. Machado nem sequer tem o na de prisão domiciliar, já que os processos da
incômodo da tornozeleira eletrônica. O Transpetro ainda não foram julgados, mas ele
declinou, alegando “motivo de foro íntimo”.
“Assim como a totalidade dos colaboradores
LEO PINHEIRO/AGÊNCIA O GLOBO
que celebraram acordo de colaboração sem es-
tar presos, aguardo unicamente a determina-
ção do STF para iniciar o cumprimento da re-
clusão em regime diferenciado fechado de
aproximadamente três anos. Venho cumprindo
de forma rigorosa as obrigações previstas em
meu acordo e sigo colaborando de forma per-
manente com a Justiça”, respondeu Machado a
ÉPOCA, em mensagem encaminhada por
meio de seu advogado Antônio Pitombo.

C om as garantias firmadas pelo ex-procura-


dor-geral Rodrigo Janot e o ministro Za-
vascki, Sérgio Machado decidiu se recolher à
mansão de Dunas, bairro nobre com vizinhança
de milionários, com vista para a Praia do Futu-
ro, a mais badalada da capital cearense. Devido
ao medo de Machado de ser eliminado a mando
dos companheiros que delatou, a mansão é
guardada por um forte esquema de segurança.
Machado vive em casa à beira-mar e tem Logo após a delação, acompanhado dos se-
conselheiro espiritual próprio em paróquia guranças, ele frequentava a R2 Academia, no
shopping RioMar, que fica a poucas quadras da
católica de Fortaleza. Evita as ruas porque mansão. Tinha como personal trainer o campeão
já enfrentou hostilidades e ameaças de vôlei de praia aposentado Roberto Lopes.
DOMINGOS PEIXOTO/AGÊNCIA O GLOBO

Caminhava na praia e frequentava as Federal bateu à porta da mansão de Dunas No Carnaval de 2016,
missas da Igreja Nossa Senhora de Lourdes, para a apreensão de documentos. Temendo as máscaras de Delcídio
do Amaral encalharam
onde tem, como conselheiro espiritual, o ser preso, aceitou grampear companheiros do
padre Edcarlos Isaías de Souza. O padre é MDB em uma operação dirigida pela Procu-
uma das 27 pessoas listadas por Machado, radoria-Geral da República (PGR).
entre familiares e amigos, que poderiam fre- Na gravação do então ministro do Plane-
quentar sua casa quando começasse a cum- jamento Romero Jucá, para pressioná-lo a
prir a pena de prisão domiciliar. Essas saí- coordenar uma operação para salvá-lo, Ma-
das, entretanto, provocaram a ira de mani- chado diz que Janot poderia estar querendo
festantes, que passaram a hostilizá-lo e cha- usá-lo para pegar os companheiros do parti-
má-lo de ladrão. Hoje as saídas são cada dia do. No grampo, Machado diz: “Aí f.. Aí f... pa-
menos frequentes. Não vai mais à academia, ra todo mundo. Como montar uma estrutura
não passeia mais no shopping para tomar para evitar que eu desça (à primeira instância,
seu sorvete de tapioca e só vai à missa em em mãos do juiz Sérgio Moro)? Se eu des-
dias de semana, quando o público é menor. cer…”. Na gravação feita as vésperas do im-
Procurado por ÉPOCA, o padre Edcarlos peachment da ex-presidente Dilma Rousseff,
Souza se irritou quando questionado sobre o Jucá insinua que, com a mudança do governo,
pastoreio da ovelha de seu rebanho. “Não te- “a sangria” da Lava Jato seria estancada.
nho nada a dizer. O que eu faço é só entre Isso custou a Jucá o ministério. As grava-
mim e ele. Prefiro não esticar a conversa. Não ções e a delação motivaram um pedido de pri-
quero ser grosseiro com você, boa tarde, está são, feito por Janot, de Renan, Jucá e Sarney
bom?”, respondeu, encerrando a conversa. por crime de obstrução de Justiça. Mas Za-
vascki não aceitou e, de lá para cá, os políticos

E m 2016, prestes a ser preso por causa das


investigações da Lava Jato, depois de o
ex-diretor de abastecimento Paulo Roberto
do MDB não foram mais incomodados pela
Justiça. No caso de Jucá, a consequência veio
apenas pelas urnas: ele não se reelegeu em 2018.
Costa afirmar ter entregue R$ 500 mil em “Aquelas gravações, interpretadas como
suas mãos, Sérgio Machado aceitou negociar obstrução de Justiça, que irresponsavelmen-
uma delação premiada comandada por Janot te levaram Janot a fazer os pedidos de pri-
e o ex-procurador Marcello Miller, os mes- são, não deram em nada e levaram ao pedi-
mos que comandaram a delação dos irmãos do de perda dos benefícios. Ele não produ-
Joesley e Wesley Batista, da JBS. ziu absolutamente nenhuma prova. Talvez,
Dois anos antes, em 2014, pressionado pe- de todas as delações, a do Sérgio Machado
la empresa de auditoria da Petrobras, Pri- talvez seja a mais frágil. Ele não tem nem
cewaterhouseCoopers, ele se afastou da dire- indício de prova de nada”, disse Antônio
ção da Transpetro e, de lá para cá, virou alvo Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advoga-
na Lava Jato. Em dezembro de 2015, a Polícia do de Jucá e Sarney no caso.
OS BOAS-VIDAS 23

Em julho de 2017, a delegada da Polícia


Federal Graziela Machado Costa e Silva con-
cluiu o relatório das denúncias envolvendo
A lém de Machado, três de seus filhos en-
volvidos na coleta e lavagem de propina
na Transpetro de 2007 a 2013 também fize-
os emedebistas em obstrução da Operação ram delação premiada. Na presença do en-
Lava Jato e pediu o arquivamento do caso tão procurador Marcello Miller e da advo-
por falta de provas. No relatório enviado ao gada Fernanda Tortima, Expedito Machado
Supremo Tribunal Federal (STF), a delegada Neto, o Did — o mais implicado nos desvi-
argumenta ainda que a colaboração de Ma- os —, confessou que recebeu, coletou e ope-
chado se mostrou ineficaz e pede a suspen- rou contas no exterior para administrar um
são dos benefícios do acordo de delação pre- total de R$ 72 milhões de propina, pagos
miada, dizendo que ele não merece os bene- por empreiteiras e empresas prestadoras de
fícios celebrados por Janot e Zavascki. serviços para a Transpetro.
Um dos advogados de Machado, Antô- Segundo a confissão de Expedito, foram
nio Pitombo contesta o parecer da delega- abertos contas e fundos de investimentos em
da e entende que “jamais caberia à autori- instituições financeiras na Suíça, na Alema-
dade policial se manifestar nestes termos nha e nas Bahamas. O pai indicava as em-
sobre um acordo firmado pela PGR”. Pi- presas que pagariam as propinas, Expedito
tombo lembrou que a colaboração possui buscava os valores com um sócio e os trans-
13 anexos e que o inquérito da obstrução se feria para um fundo de investimentos no Ju-
refere unicamente a um desses anexos, lius Baer, em Zurique. Depois de um tempo,
que, como dito pela própria PGR, só não passou a investir na compra de imóveis na
se concretizou pelo fato de a colaboração Europa. Ele se mudou para Londres em 2012
ter tido seu sigilo levantado. para operar a propina do pai, mas as contas
“Os demais 12 anexos em andamento tra- foram abertas em nome do irmão, Sérgio,
tam de pagamentos envolvendo políticos e porque ele não tinha lastro bancário. O ter-
fornecedores da Transpetro, com vastas pro- ceiro filho, Daniel, confessou ter mantido
vas materiais e comprovantes de pagamento, em um bunker de uma sala comercial em
que ainda se encontram sob sigilo de Justiça Fortaleza R$ 2 milhões de propina do pai.
por envolver investigações em curso. Até o Após as delações, o jornal inglês The
momento, a colaboração de Sérgio Machado Guardian, em investigação própria, revelou
resultou em quase uma dezena de procedi- que Expedito Neto usara um conjunto de
mentos no STF ou inquéritos policiais em estruturas offshore para movimentar di-
Curitiba e suportou três denúncias recentes nheiro. Em 12 meses, entre 2014 e 2015, gas-
da PGR ao STF”, defendeu Pitombo. tou 21 milhões de libras em imóveis no Rei-
Em janeiro deste ano, o ex-presidente no Unido, comprando prédios comerciais
de empresas do Grupo Estre, Wilson Quin- no centro de Londres e na Fleet Street, um
tella Filho, e o ex-executivo Mauro de Mo- apartamento em Mayfair e um terreno ao
rais foram presos na 59ª fase da Operação lado do canal na área das docas de Leeds.
Lava Jato, deflagrada pela PF como desdo- Expedito Neto virou notícia com a circu-
bramento da delação de Sérgio Machado. lação de um vídeo que o mostra participan-
A ação mirou no pagamento de propinas do de um campeonato de pôquer para joga-
pela empresa Estre em contratos com a dores profissionais em Las Vegas, o World
Transpetro para tratamento de resíduos, Series of Poker (WSOP) 2018, realizado no
manutenção de dutos e construção de um hotel Rio All Suites Las Vegas e com um to-
estaleiro de embarcações para transporte tal de U$ 34 milhões em prêmios.
de etanol no Rio Tietê. A propina era de “Sérgio Machado fez um acordo guar-
3% do valor dos contratos, de acordo com da-chuva, que beneficiava os filhos, e pare-
o MPF, e movimentou quase R$ 200 mi- ce que seus nomes foram preservados no
lhões, dos quais pelo menos metade teria processo. E é com eles que estariam os
sido repassada a agentes políticos, em es- maiores depósitos”, acusou o advogado
pecial da cúpula do MDB. Em fevereiro, Kakay. Pitombo, advogado de Sérgio Ma-
Quintella pagou fiança de R$ 6,8 milhões chado, respondeu: “Meu amigo Kakay tem
para poder responder ao processo em li- grande habilidade retórica, mas, neste ca-
berdade. As investigações continuam. so, eu que tenho razão”.
24 OS BOAS-VIDAS

GUSTAVO MIRANDA/AGÊNCIA O GLOBO

O ex-senador Delcídio do Amaral, de


Mato Grosso do Sul, tornou-se colabo-
rador da Lava Jato depois de descrever em 21
to, o instituto da colaboração premiada se
equilibra, de lá para cá, entre a desconfiança
e o reconhecimento de sua capacidade de jo-
Delcídio Amaral (à dir.
na foto), com Jaques
Wagner, ao tempo
do governo Lula:
depoimentos crimes sendo cometidos por gar luz ao que estava condenado a não ser afinidade rompida após
figuras como os ex-presidentes Luiz Inácio conhecido. Operadores da Lava Jato afir- delatar ex-chefe

Lula da Silva, Dilma Rousseff e Aécio Ne- mam que teria sido impossível chegar aos
ves. Após ser cassado pelo plenário do Se- R$ 14 bilhões de devolução aos cofres públi-
nado Federal, em placar acachapante — 74 cos se não fosse a maior parte das duas cen-
votos a um —, abandonado por seus pares, tenas de colaborações celebradas até aqui.
decidiu colaborar com a Justiça. No segundo semestre do ano passado, a
Desdobramento de apurações nos últi- maioria da segunda turma do STF, que julga
mos dois anos e meio, análise de provas le- boa parte dos casos da Lava Jato, reafirmou
vadas aos autos e depoimentos complemen- em julgamento que a palavra de delatores e
tares mostram o baixo valor da colaboração provas produzidas por eles não bastam, por
do ex-petista às investigações. E mais: ele si só, para abrir uma ação penal. É uma in-
omitiu dados relevantes sobre sua conduta, terpretação mais rigorosa do que já consta
só recapitulados depois que vieram à tona na lei: o que diz o delator não basta, a inves-
por outras fontes, como os R$ 500 mil pa- tigação deve buscar por provas de corrobo-
gos a ele pela Odebrecht em 2012, repasses ração que independam dele. No caso de
da empreiteira ao PT em Mato Grosso do Amaral — nem prova levada a processo
Sul e pagamentos por fora ao marqueteiro nem investigação paralela foram suficientes
João Santana, no exterior, dez anos antes para denunciar, com sucesso, político, em-
(Amaral nega este último episódio). A PGR presário ou operador à Justiça.
ainda analisa um processo de revisão de sua Ex-burocrata de governos tucanos na
colaboração premiada. O MPF no Distrito área de energia nos anos 90 e influente lide-
Federal já recorreu à Justiça solicitando a rança petista do Legislativo nas gestões de
perda de benefícios em pelo menos um dos Lula e de Dilma — período em que despa-
casos relatados pelo colaborador. chava quase diariamente com o presidente e
Uma das principais inovações do comba- seus ministros no Palácio do Planalto —,
te à corrupção no país, cujo uso foi intensifi- Amaral sempre foi sujeito com aguçado sen-
cado há quatro anos pelas mãos da Lava Ja- so de oportunidade: foi PSDB quando con-
OS BOAS-VIDAS 25

vinha ser PSDB, PT quando o melhor era à cúpula da estatal do petróleo. Também
ser PT e, ao que parece, em tempos de Lava era de intimidade a relação de Amaral com
Jato, delator quando era propício ser delator. José Carlos Bumlai, cuja amizade remonta-
va ao tempo em que as famílias se frequen-

E ntre os 29 anexos descritos em 21 depoi-


mentos que prestaria nos dias seguintes a
sua prisão, o que mais atraiu a atenção de
tavam nas fazendas que têm no Pantanal.
Ao apurar o fato, investigadores confirma-
ram que houve cinco pagamentos de R$ 50
procuradores tratava da ordem que ele dizia mil ao advogado da família Cerveró, inter-
ter ouvido do ex-presidente Lula — na épo- mediados por Amaral. Mas o que não ba-
ca, já investigado pela Lava Jato por suas re- tia era a razão original citada pelo ex-sena-
lações com a Odebrecht, a OAS e o pecua- dor como motivo dos repasses. Afinal, Lu-
rista José Carlos Bumlai, integrante do cír- la foi citado na delação de Cerveró como
culo íntimo do ex-presidente. De acordo beneficiário de valores desviados da estatal
com Amaral, partiu de Lula a iniciativa de para sua campanha.
tentar preservar Bumlai da repercussão das “Como ele (Lula) poderia determinar que
investigações e, de quebra, buscar o silêncio se pagasse ao colaborador (Cerveró) para ser
de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras. incluído na delação?”, perguntou o procura-
Investigado e condenado na Lava Jato, Cer- dor da República no Distrito Federal, Ivan
veró iniciava, na época, as tratativas de um Marx, que pediu a absolvição do ex-presiden-
acordo de colaboração. Segundo Amaral, a te no caso e a perda dos benefícios do delator
ordem para segurar Cerveró e ajudar Bum- nesse processo específico. Para o procurador,
lai foi dada em reunião no Instituto Lula. os pagamentos à família Cerveró tinham co-
Foi graças a um movimento liderado mo propósito garantir proteção apenas a
por Amaral, em 2003, que Cerveró chegou uma pessoa: o próprio Amaral.

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26 OS BOAS-VIDAS

“Ele fez uma tese de defesa. O que colocava Especialista em colaboração premiada e con-
na conta do presidente, na verdade, era paga- tratado por alguns dos principais delatores da
mento para ele próprio”, disse o procurador. Lava Jato — entre eles Alberto Youssef, Lúcio
Ao longo do inquérito, em novo depoimento, Funaro, Pedro Barusco, Ricardo Pessoa e o pró-
Amaral fez escapar que o líder petista não des- prio Amaral —, o advogado Antonio Figueiredo
ceu a detalhes sobre como poderia ser a even- Basto bateu na mesa da sala de reuniões de seu
tual ajuda a Bumlai. Para o ex-senador, Lula escritório em Curitiba quando questionado so-
“outorgou-lhe uma certa discricionariedade na bre a efetividade da delação de seu cliente.
atuação”. Marx apontou outro ponto obscuro: “No momento em que a colaboração foi
a PF identificou a família Bumlai como ori- feita, ela passou pelo crivo da PGR. O que
gem de três dos cinco pagamentos a Cerveró. não pode é se arrepender depois e dizer: ‘Pô,
Não se sabe quem pagou os outros dois. Ama- o acordo não deu resultado’”, reclamou o ad-
ral chegou a atribuir a função ao banqueiro vogado, para quem os fatos sobre Lula trazi-
André Esteves — mas o MPF não encontrou dos por Amaral são “verossímeis e factíveis”,
“prova suficiente para condenação”. mas não foram suficientes para gerar conde-
No ano passado, o juiz da 10ª Vara Federal nação, porque “o Ministério Público traba-
em Brasília Ricardo Leite absolveu todos os lhou mal”. Segundo ele, “não é o colaborador
réus denunciados pelo Ministério Público, que tem de fazer a prova, é o Estado. Se o Es-
com base na tese do crime impossível em ra- tado entendeu que a colaboração é boa como
zão de flagrante preparado. Ele considerou in- meio de obtenção de prova, acabou”.
válida a gravação da conversa captada por Ber-
nardo Cerveró — filho do ex-diretor da estatal
— com a presença de Amaral. Trata-se do re-
gistro em que planejavam uma eventual fuga
Irestabelecer
nelegível até 2027, por causa de sua cassação
pelo Senado, Amaral sonhou em 2018 em se
na política. A dois dias do prazo
do ex-diretor da Petrobras e a operacionaliza- final para filiação partidária, juntou-se ao PTC,
ção de pagamentos por seu silêncio — e que partido do ex-presidente Fernando Collor. No
levou à prisão de Amaral no hotel de Brasília. último dia permitido para a troca de nomes de
O magistrado também considerou não ser chapa, a 19 dias da eleição, inscreveu-se como
possível provar que Amaral tentou se proteger candidato ao Senado. “Quem entende o senti-
na delação de Cerveró e determinou ser válida a do da vida não se apressa”, repetiu Amaral a
colaboração do ex-senador, apesar de ele ter “se interlocutores, mencionando tratar-se de sabe-
equivocado, sem dolo”, sobre detalhes das duas doria aprendida “com os russos”, por ele não
últimas parcelas de R$ 50 mil à família de Cer- identificados. O MP eleitoral impugnou a can-
veró. O MPF em Brasília recorreu da decisão e didatura, o político recorreu e conseguiu in-
voltou a pedir a condenação de Amaral — e a cluir seu nome na urna. Teve apenas 110 mil
perda de benefícios da colaboração nesse caso. votos, o equivalente a 4,76% do total.
A Procuradoria argumentou que os pagamentos Hoje, divide sua rotina entre São Paulo, on-
para “impedir ou modular” a delação de Cerve- de vive parte de sua família, e Campo Grande,
ró começaram a ocorrer antes da gravação anu- onde cuida da propriedade que pertenceu a
lada — crime ainda passível de punição. seus pais. Os anos de exílio político não afeta-
A segunda revelação mais estridente da dela- ram o espírito bon vivant — é figura carimba-
ção do ex-petista apontava que o ministro Mar- da nas colunas sociais da cidade. “Tivemos
celo Navarro havia sido indicado ao Superior uma enchente muito grande, há muitos anos
Tribunal de Justiça (STJ), em 2015, com o com- não ocorria nada parecido. Tive de realocar o
promisso de conseguir a soltura de empreiteiros gado, uma loucura. Ainda aguardo que volte-
presos na Lava Jato, como Marcelo Odebrecht e mos às condições normais de temperatura”,
Otávio Azevedo. Amaral relatou ter tratado do disse Amaral, descrevendo sua rotina, no fim
tema com Navarro, subjetivamente, na antessala do ano passado. O sonho de Cezar Gazolla,
de Dilma, no Palácio do Planalto, a pedido da presidente do PTC em Mato Grosso do Sul,
própria. Em setembro o ano passado, o minis- era tê-lo como candidato ao governo. Ele re-
tro do STF Edson Fachin determinou o arqui- clamou das condições que levaram à cassação
vamento do inquérito por insuficiência de pro- do novo aliado: “Hoje temos uma Justiça cor-
vas no caso, atendendo a pedido do ex-procura- rompida. Para os amigos do rei, tudo, para os
dor-geral da República Rodrigo Janot. inimigos nada. Essa é a grande frase”.
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GUILHERME AMADO CINQUENTA ANOS


É JORNALISTA
EM CINCO

A lguém lembra o que era o Brasil em 15 de março de


2014, quando a doleira Nelma Kodama tentou embar-
car para Milão, e a Polícia Federal antecipou sua prisão,
A resposta é a mesma que perpassou toda a Lava Jato:
em permanente risco. Ao longo destes cinco anos, a polí-
tica tentou engoli-la em diversos episódios. Ganhou a
dando início à Lava Jato? Não parece, mas se passaram só política e perdeu a operação sempre que Sergio Moro
cinco anos. De lá para cá, não houve dia em que não se saiu do papel de juiz: quando divulgou os áudios de Lula e
publicasse algo sobre a operação e que seus efeitos na Dilma Rousseff, sabendo que seu ato era ilegal; quando
vida política do país não fossem sentidos. Naquele ano, a respondeu aos manifestantes que o enalteciam; quando
força do PT era tamanha que Dilma Rousseff foi reeleita, divulgou, em meio à eleição do ano passado, a delação de
a reboque da ainda altíssima popularidade de Lula. Mi- Antonio Palocci; quando aceitou ser ministro de Jair Bol-
chel Temer empenhava-se na reeleição de Dilma — e dele sonaro. Ganhou a política quando o STF decidiu prote-
próprio. O PSDB, ainda robusto, veria Aécio Neves, bem ger Aécio Neves e Renan Calheiros e, depois de meio PT
antes de cair no grampo de Joesley Batista, sair consagra- ter sido conduzido coercitivamente, determinar que a
do pelo banho de votos que as urnas lhe dariam em no- prática, agora usada contra tucanos e emedebistas, era
vembro. E Jair Bolsonaro... Bom, Jair Bolsonaro era só ilegal. Mas a investigação também venceu algumas para-
um capitão reformado amalucado que ninguém sonhava das. A mais dramática delas, considerada por muitos o
que um dia deixaria o país de cabeça para baixo pergun- momento-chave da Lava Jato, foi no fim de 2014.
tando o que era golden shower. Mas, depois de todas es- Naquele ano, quando o advogado e ex-ministro da Jus-
sas cambalhotas, o que restou da Lava Jato? Depois de ser tiça de Lula Márcio Thomaz Bastos ainda era vivo, um
quase totalmente desidratada em 2018, e tendo seu prin- acordo por ele costurado quase enterrou a então embrio-
cipal rosto, Sergio Moro, submisso ao crivo da política e nária investigação. Janot ainda não havia dado nenhuma
sem poder sequer para nomear um cargo de quinto esca- resposta definitiva aos advogados, mas, ao tomarem co-
lão, qual é a situação atual da operação? nhecimento das negociações em curso entre os advogados

MARCELO ANDRADE/AGÊNCIA O GLOBO


Onze meses depois
de ter sido preso,
acusado de corrupção
e lavagem de dinheiro
pela Operação Lava Jato,
o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva
foi autorizado
a comparecer ao velório
do neto em São Paulo
O ministro da Justiça,
Sergio Moro, tem
de fazer malabarismos
verbais para justificar
mudanças de posição
e derrotas no governo

RUY BARON/ VALOR/AGÊNCIA O GLOBO

e o procurador-geral, os procuradores de Curitiba, em parecia ter chegado ao fim. A proximidade da eleição de


protesto, ameaçaram entregar o caso. A Lava Jato poderia um novo procurador-geral, em agosto, também prometia
ter morrido ali. “Foi um momento-chave porque a opera- tirar a PGR do marasmo que foram os dois anos de Raquel
ção ainda estava toda concentrada em Curitiba, ainda não Dodge. Afinal, Moro certamente teria influência para evi-
havia começado no STF. Vendo o que poderia acontecer, o tar que a política engolisse a investigação. Só que não.
procurador-geral convocou um gabinete de crise na Pro-
curadoria-Geral da República (PGR), para lidar com a si-
tuação”, contou numa conversa recente Vladimir Aras, in-
tegrante do gabinete de Janot durante seus dois mandatos.
D esde que Moro vestiu a casaca do bolsonarismo, pratica-
mente não houve semana em que o ex-onipotente juiz da
Lava Jato não tivesse de dar piruetas para conseguir estar num
O levante da força-tarefa do Paraná contra Janot — fato governo eleito com a promessa de combater a corrupção, mas
sobre o qual nem procuradores de Brasília nem de Curitiba que vai na direção contrária. Quando não ataca órgãos de
haviam falado publicamente até hoje — só foi controlado controle, a exemplo do Conselho de Controle de Atividades
quando Janot se comprometeu a não enterrar a operação. Financeiras (Coaf) e do Ministério Público do Rio de Janeiro,
“A coisa só dissipou quando o procurador-geral, vendo a tenta enfraquecer a Lei de Acesso à Informação ou ignorar a
gravidade da situação, disse que não imaginava que o man- corrupção dos seus. A mudança de discurso sobre a gravidade
dato dele fosse ter como foco a luta contra a corrupção, por- do caixa dois, a relativização sobre a prática do crime por
que sua história sempre havia sido na defesa dos direitos Onyx Lorenzoni e a boca fechada sobre o caso Queiroz e sobre
fundamentais e do direito econômico. Diante do que esta- os laranjas do PSL se somaram agora a uma postura estranha
vam vendo, no entanto, era fundamental fazer o que preci- no episódio do (des)convite da especialista em segurança pú-
sava ser feito. Ali foi criado o elo entre Curitiba e Brasília, blica Ilona Szabó para compor uma vaga de suplente do
que deu a força que a Lava Jato precisava”, lembrou Aras. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Na semana passada, numa das conversas com Szabó,
O momento que a Lava Jato vive Sergio Moro fez de conta que não sabia dos posicionamen-
agora, em seu aniversário de cinco tos críticos da ativista em relação a Jair Bolsonaro. Disse
que, ao convidá-la, não sabia das críticas. Foi o modo que
anos, se compara em importância ao achou para não passar recibo de que foi obrigado a recuar
de dezembro de 2014. A chegada de por pressão da militância bolsonarista — e ordem expressa
Sergio Moro ao Ministério da Justiça do presidente. Enquanto Moro vai se deixando derrotar
em pautas triviais como essa, fica a pergunta sobre qual
havia dado a todos que torcem pela será sua força quando as brigas pela Lava Jato e o combate à
operação a esperança de que 2019 corrupção forem realmente sérias — a escolha do próximo
não seria como nos últimos tempos. procurador-geral, uma operação da PF contra algum mi-
nistro do governo ou até possivelmente contra um filho do
A ladeira abaixo em que a Lava Jato estava desde o voto de presidente. Cacife, quando não se usa, se perde.
Cármen Lúcia, no STF, a favor de Aécio Neves, em 2017, COM EDUARDO BARRETTO
30

A investigação de crimes migrou para


o ciberespaço e mudou a vida dos advogados
de defesa, obrigados agora a usar tecnologias
para lidar com o volume imenso
de informações de um processo, diz Marcelo
Stopanovski, especialista em ciência
da computação aplicada a assuntos jurídicos
por Machado da Costa

11 PERGUNTAS PARA STOPANOVSKI

RUY BARON/VALOR
11 PERGUNTAS PARA STOPANOVSKI 31

1. De que forma a tecnologia mudou os métodos de investigação?


Na última década, a investigação migrou para o ciberespaço. É muito
importante que a investigação colha todos os dados disponíveis nos
bancos de dados existentes. Desde o e-mail, telefone, sigilo bancário
até o cartório com uma carta registrada, o sigilo fiscal que está na Re-
ceita, a arma registrada no banco de dados do Exército, o navio regis-
trado no banco de dados da Marinha. Tudo isso compõe um ambiente

2. informacional em que é possível investigar, traçar perfis, ver relações.


Isso consegue mudar o rumo de investigações?
Existem aplicações atualmente que permitem validar o depoimento
de um delator localizando e-mails ou ligações telefônicas em um mar
de informações. Então, a tecnologia impacta tanto no volume da in-
formação quanto nas ferramentas que podem ser utilizadas para fa-

3. zer análises que gerem provas.


O senhor criou um sistema de tecnologia para o Ministério da Justiça em
2007. Ele contribuiu para o êxito de operações como Lava Jato ou Zelotes?
Não vou dizer que um trabalho específico resultou nisso. A estratégia
que foi montada no governo, da qual eu pude participar em alguns
momentos, baseia-se em centenas de contribuições. Mas acho que
sim. Em geral, as equipes de investigação passaram a contar, não só do
ponto de vista da técnica e da tecnologia, mas também da legislação,
das metodologias, dos treinamentos, com uma capacidade de investi-
gação melhor. Isso também mudou a qualidade das provas. Há 20

4. anos, 15 anos, não havia padrão em escuta telefônica, por exemplo.


Muitos consideram as delações premiadas o fator de sucesso da Lava Jato.
Mas sem esse ambiente informacional, o senhor acha que a Lava Jato teria
o tamanho que tem hoje?
A Lava Jato, há dois anos, já tinha ultrapassado a casa do petabyte.
Um petabyte são 1.000 terabytes. Não é possível abordar esse volume
de dados se o órgão não estiver preparado computacionalmente, se
não tiver uma equipe especializada. Os peritos e o Instituto Nacional
de Criminalística avançaram bastante na capacidade de análise, com
programas desenvolvidos por eles mesmos. Se um delator traz uma
afirmação, essa afirmação é apenas um caminho, uma dica, para a
construção de uma argumentação baseada em provas. O fenômeno
da delação é útil por isso. De fato, ganha-se muito tempo de investiga-

5. ção quando alguém lhe dá dicas para encontrar o caminho.


Hoje, uma grande preocupação das investigações é a quebra do sigilo
do WhatsApp. Alguns anos atrás, era o grampo telefônico. Com o avanço
tecnológico, o que fazer para manter a capacidade de investigação?
Alguns anos atrás, você tinha um pessoal falando da Nextel; depois,
do BlackBerry. Hoje, temos o paradigma do WhatsApp. Cada vez
que uma tecnologia é utilizada, você tem de ter uma abordagem in-
vestigativa nova para colocar essas provas dentro dos autos. Assim
como a acusação precisa de uma maneira nova para computar,
guardar essa prova, a defesa precisa se atualizar para poder analisar
e validar essa prova produzida. Cada tecnologia nova traz uma

6. abordagem diferente. A gente vê isso o tempo todo.


A era das escutas acabou?
Quanto mais técnicas existirem, melhor a capacidade de colher
uma prova. Não é que uma técnica acabe, a outra é que fica mais
forte. Vemos que, durante um tempo, os e-mails foram uma coisa
muito importante. Mas, pelos números que acompanhamos no
32 11 PERGUNTAS PARA STOPANOVSKI

Conselho Nacional de Justiça, a quantidade de telefones monitora-


dos no país permanece mais ou menos a mesma. Hoje, os dados na

7. nuvem são o foco.


Com tantos dados públicos dos cidadãos, algoritmos já estão traçando
perfis de quem pode estar ou não cometendo um crime de lavagem de
dinheiro, por exemplo?
Acho que não. Porque há dados ainda cobertos por sigilo. A Receita
Federal, por exemplo, talvez possa cruzar alguns dados de consu-
mo, analisando compras no cartão de crédito. Mas um perfil pessoal

8. dependeria de cruzar isso com o Facebook ou outra rede social.


Mas, de forma independente do Facebook, as áreas de inteligência
dos órgãos de investigação e de controle se comunicam.
Sim, há uma comunidade de inteligência que muitas vezes é usada
para pedir dicas ou caminhos. Mas nós estamos falando de um
processo judicial. Um órgão, para acusar alguém, para prender al-
guém, vai precisar transformar aquilo em um processo, com pro-
vas etc. Ou então vai precisar de uma autorização judicial para co-
locar aquilo dentro do processo. Essas informações de inteligên-
cia não entram no processo como provas. Se entrarem, vão acabar

9. anulando as evidências.
Não é possível fazer uma grande “malha fina”?
Já existe inteligência artificial dentro dos órgãos do governo para di-
zer: “Olha, nossas compras seguem determinado padrão e essa aqui
saiu do padrão”. Como duas empresas que concorreram em um
processo, mas estão no mesmo endereço. Isso dispara um alarme.
Esses cruzamentos permitem avanços grandes dos órgãos de con-
trole. No Observatório da Despesa Pública, na Controladoria-Geral
da União (CGU), chamávamos isso de “malha fina do gasto públi-
co”. Porque há uma malha fina da arrecadação e uma malha fina do

10. gasto. Mas a dificuldade de processar tudo isso é a tecnologia.


Hoje, seu escritório vende softwares, como os que o senhor ajudou
a desenvolver para o governo, para as defesas de acusados. Como isso
funciona para o outro lado?
Há muitos anos, as defesas tinham como estratégia a construção de
nulidades processuais, debruçando-se sobre as provas. Com as
provas digitais e os novos padrões de construção dessas evidências,
fica mais difícil conseguir uma nulidade, uma vez que o volume de
informações que fundamentam aquela prova é gigantesco. Então,
os escritórios precisam ter formas de analisar determinadas provas
do ponto de vista tecnológico. Como analisar um disco rígido com
8 terabytes de informação? Além de organizar todos esses docu-
mentos, os advogados precisam hierarquizar seu conteúdo, traba-
lhar os dados. Por exemplo, a acusação diz que um réu conversou
com determinado acusado de corrupção. A defesa precisa saber
quantas vezes, os horários das ligações, os locais das chamadas, to-
das as informações sobre aquela prova. Sem um sistema que orga-

11. nize isso é quase impossível.


Isso acaba saindo um pouco da ciência do Direito para cair
em matemática pura.
A equipe paralegal ganhará uma importância cada vez maior dado o
grande volume de informação. Nesta semana, estávamos com um caso
de 200 mil páginas. O advogado precisa saber qual página lê primeiro.
Um algoritmo consegue determinar quais os pontos prioritários dos
autos. Esse apoio de processamento é determinante para a defesa.
M.B.
33

mbolle@edglobo.com.br

MONICA DE BOLLE É DIRETORA DE ESTUDOS ACABOU NOSSO


LATINO-AMERICANOS E MERCADOS EMERGENTES DA JOHNS
HOPKINS UNIVERSITY E PESQUISADORA SÊNIOR DO PETERSON
INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS
CARNAVAL?

P elas redes o que se vê/É uma gente que nem se vê/ Que
nem se sorri/Ataca e ameaça/E sai tuitando/ Brigando e
xingando/Torcidas do horror.
falo da turma do mercado financeiro que ainda não lar-
gou o osso. Falo das pessoas que haverão de pressionar
para que a reforma seja diluída ou que verão nela — so-
Peço perdão a Vinicius de Moraes, mas nesta Quarta- bretudo no tempo adicional que terão de trabalhar para
Feira de Cinzas em que escrevo minha coluna semanal desfrutar de suas contribuições — uma espécie de traição.
para ÉPOCA, a situação brasileira é tão tóxica que nem Não falar durante a campanha dá nisso. Não dizer o que
saudades nem cinzas restaram. O presidente da República defende durante a campanha, não comparecer a debates,
precisa aprovar uma reforma, mas puxou o tapete debaixo esconder-se nas redes e recolher-se às bolhas dá nisso.
dos pés de Sergio Moro e enfraqueceu um de seus supermi- Agora que o Carnaval passou e que a vida real haverá de se
nistros. O presidente da República precisa aprovar uma impor, Bolsonaro terá duas escolhas: enfrentar o debate e
reforma, mas já demonstrou relutância em relação a pon- a eventual queda de sua aprovação e popularidade ou criar
tos do plano apresentado por Paulo Guedes, o outro super- chuvas azuis, cor-de-rosa, verdes, amarelas, douradas ou
ministro entre os únicos dois a ter respaldo técnico em de qualquer outro tom que desvie a atenção por um tanti-
suas áreas. O presidente da República precisa passar uma nho de tempo daquilo que de fato importa para o país.
reforma, mas, na terça-feira gorda, preferiu tuitar vídeos Não acredito que o Carnaval de Bolsonaro — não a festa
pornográficos atacando o Carnaval, como se todos assim popular, mas a fábrica de inutilidades que ele e os seus
se comportassem, e, por tabela, manchar a instituição da criaram — acabe nesta semana.
Presidência. O presidente da República precisa passar uma
reforma, mas prefere incitar a divisão estúpida sobre as- O Carnaval de Bolsonaro é a
suntos comezinhos ante o tamanho dos desafios que en-
frenta o Brasil. O presidente da República precisa passar
versão tupiniquim e bem menos
uma reforma, mas prefere perder tempo com a ignomínia sofisticada das digressões de
de alguns de seus ministros, de seus filhos, de alguns de Trump aqui nos Estados Unidos.
seus seguidores nas redes sociais. O presidente da Repú-
blica precisa passar uma reforma, mas prefere tuitar per- A briga mais ferrenha será não com os servidores públi-
guntas esdrúxulas no amanhecer das cinzas. cos que, segundo a proposta de Guedes, teriam de contri-
Há quem já tenha se dado conta de que a reforma apre- buir muito mais do que hoje o fazem. A briga mais ferre-
sentada por Paulo Guedes está ameaçada pelas próprias nha será com eleitores desiludidos, porque, ao não enten-
atitudes do chefe da nação. Rodrigo Maia, presidente da derem a urgência da reforma da Previdência por falhas de
Câmara, soltou advertência sobre a desorganização da Bolsonaro durante a campanha, verão na Previdência o
base governista no Congresso e disse, nas entrelinhas, que espectro do estelionato eleitoral. A idade mínima, o tem-
desse jeito não vai dar. Entre os investidores, começa a po de contribuição, as regras de transição — tudo neces-
despontar a sensação desagradável de que o atual presi- sário, nada explicado. Tudo necessário, nada entendido
dente da República, governado pelas redes sociais, não pela maioria da população brasileira.
terá estofo ou coragem para enfrentar a saraivada de con- Enquanto isso, quem disser essas verdades para lá de
testações sobre os principais pontos da reforma. Volto inconvenientes continuará a ser alvo da turba que saliva
sempre ao mesmo ponto, que não canso de repetir: o elei- nas redes. Mas não faz mal. A realidade sempre se impõe,
tor real de Bolsonaro, aquele que é fiel ao capitão, não mais cedo ou mais tarde. Para os que pedem vai vai vai vai,
aquele que repudiou o PT, não votou na reforma da Previ- não vou. Para os que negam a vida real fora das bolhas
dência. O eleitor fiel de Bolsonaro talvez nem saiba direi- virtuais, advirto: vai vai vai vai, sofrer; vai vai vai vai, chorar;
to por que a reforma da Previdência é necessária — não vai vai vai arrepender. Saravá.
34 VOZ DA EXPERIÊNCIA

QUATRO
EX-MINISTROS,
QUATRO
SENTENÇAS
Visões sobre a reforma da Previdência
por Ana Paula Ribeiro

A falta de uma discussão com parlamentares ou organiza-


ções da sociedade civil antes da apresentação de uma pro-
posta abrangente da reforma da Previdência foi o ponto que
mais chamou a atenção de ex-ministros que já tiveram em su-
as mãos projetos para mudar algo nas regras da aposentadoria.
A ausência de um consenso preliminar em torno de pontos-
chaves ou considerados sensíveis, como os benefícios para a
parcela mais pobre da população, pode dificultar a tramitação
da reforma, que é encarada como prioritária pela equipe eco-
nômica de Jair Bolsonaro (PSL).
ÉPOCA ouviu quatro ex-ministros que nas últimas déca-
das tiveram alguma experiência em formular e encaminhar
para o Congresso Nacional propostas que alteraram ou ti-
nham como objetivo mudar as regras de aposentadoria de tra-
balhadores do setor público ou privado. A avaliação deles sobre
a necessidade e o modelo da reforma muda de acordo com o es-
pectro político, mas todos concordam que haverá uma queima de
capital político no processo de negociação da Proposta de Emen- No sentido horário,
da Constitucional (PEC), que pode ser ainda mais intenso a a partir do alto, Reinhold
Stephanes, Henrique
depender da conjuntura política — por sinal, um dos fatores Meirelles, Ricardo
que impediram a aprovação da última tentativa de reforma. Berzoini e Carlos Gabas
VOZ DA EXPERIÊNCIA 35

MONTAGEM SOBRE FOTOS: AILTON DE FREITAS/AGÊNCIA O GLOBO | AMANDA PEROBELLI/REUTERS


JORGE WILLIAM/AGÊNCIA O GLOBO | EDILSON DANTAS/AGÊNCIA O GLOBO
36 VOZ DA EXPERIÊNCIA

REINHOLD STEPHANES HENRIQUE MEIRELLES


EX-MINISTRO DA PREVIDÊNCIA EX-MINISTRO DA FAZENDA
1995-1998, GESTÃO FHC 2016-2018, GESTÃO TEMER

“A proposta é fraca e atrasada” “Faltou negociação prévia”


Reinhold Stephanes, ministro da Previdência O desenho geral da proposta encabeçada pela PROPOSTA EM
no primeiro governo de Fernando Henrique equipe de Paulo Guedes foi bem avaliado por DISCUSSÃO
Cardoso, lembra que na década de 90 boa Henrique Meirelles, ministro da Fazenda du- Idade mínima
parte dos países já trabalhava para mudar a rante o governo Temer e atual secretário da O texto propõe idade míni-
idade mínima da aposentadoria para 65 anos. Fazenda paulista. No entanto, ele considera ma de 62 anos para mulheres
e 65 anos para homens, com
O Brasil perdeu esse bonde e, passados quase que a economia de R$ 1,167 trilhão em dez contribuição mínima de 20
30 anos, vê que a sociedade ainda tem dificul- anos, que faz parte da atual proposta, está ele- anos. Atualmente, a aposen-
dade em aceitar que é preciso trabalhar al- vada justamente pela ausência da discussão tadoria por idade é aos
60 anos para mulheres
guns anos a mais para garantir benefícios a prévia. “A proposta inicial é muito boa. Mas, e 65 anos para os homens,
todos. “Continuamos insistindo culturalmente diferente da nossa, não houve negociação pré- com contribuição mínima
de 15 anos.
em não trabalhar um pouco mais. Não é ir até via, e por isso se optou por uma proposta
A idade mínima para a
os 80 anos no mercado de trabalho. Mas com abrangente. O que vai ser relevante a partir de aposentadoria poderá subir
essa proposta, muitas pessoas ainda vão se apo- agora é o que vai ser de fato aprovado durante em 2024 e, depois disso, a
cada quatro anos, de acordo
sentar com cerca de 55 anos. Isso é muito pou- o processo negocial”, disse. com a expectativa de vida
co, mesmo considerando categorias como Para Meirelles, o estabelecimento de uma ida- dos brasileiros.
Exército e policiais”, disse. de mínima e o tempo de transição são os pontos- Nessa proposta, não haverá
mais aposentadoria por
Ele lembra que a proposta iniciada em chaves desse novo modelo. Em sua época de mi- tempo de contribuição.
1995 e aprovada só em 1998 previa mudanças nistro, optou por fazer a negociação primeiro
que tivessem efeito no longo prazo. Mas a de- com líderes de diversos partidos para apresentar Contribuição
Os trabalhadores da iniciati-
sidratação foi tão grande durante as negocia- uma proposta mais próxima do que o Congresso va pública e privada passa-
ções no Congresso Nacional que o resultado consideraria ideal naquele momento. Por isso, rão a pagar alíquotas pro-
caiu para metade. “A gente queria uma refor- prometeu a manutenção do modelo de aposenta- gressivas para contribuir
com a Previdência. E quem
ma para ter economia para 20 anos ou 30 doria rural e dos benefícios de prestação conti- ganha mais contribuirá com
anos. A que conseguimos aprovar teve efeito nuada (BCP). “Já tínhamos negociado um projeto mais. As alíquotas deixarão
por uns dez anos. Houve um desgaste muito com grande possibilidade de passar, retirando de incidir sobre o salário
inteiro e incidirão sobre
grande no Congresso”, explicou. aquilo que não seria viável para a época. Se não faixas de renda, num modelo
Na avaliação do atual secretário da Admi- fossem as denúncias contra Temer, teríamos semelhante ao adotado na
nistração e da Previdência do governo do Pa- aprovado a reforma”, avaliou. O texto inicial era cobrança do Imposto de
Renda. No fim das contas,
raná, é natural que esse tipo de proposta sofra de uma economia de R$ 800 bilhões, e, quando cada trabalhador, tanto do
uma desidratação de 30% a 40%. No entanto, passou pelas comissões especiais, estava em torno setor público como do
dada a situação das contas públicas, será um de R$ 500 bilhões. A expectativa era de aprova- privado, pagará uma
alíquota efetiva única.
desastre se essa magnitude de corte ocorrer ção, mas o escândalo dos áudios dos executivos
na atual proposta. “É uma proposta que já da JBS, em maio de 2017, atingiu em cheio Temer,
chega fraca e atrasada. A idade mínima pro- o que dificultou os trabalhos no Congresso.
posta é de 65 anos para homens e 62 para O conselho do ex-ministro para a atual equi-
mulheres, mas com uma regra de transição de pe econômica é a adoção de uma postura prag-
12 anos. Vamos demorar muito para chegar a mática nas conversas com o Congresso, em uma
uma idade que quase todo mundo já pratica negociação que precisa alcançar todos os setores
há 20 anos”, avaliou. e bancadas que possuem votos relevantes.
VOZ DA EXPERIÊNCIA 37

CARLOS EDUARDO GABAS RICARDO BERZOINI


EX-MINISTRO DA PREVIDÊNCIA EX-MINISTRO DA PREVIDÊNCIA
2010-2011 E 2015, GESTÕES LULA E DILMA 2003-2005, GESTÃO LULA

“O governo vai ter de ceder” “Vai dar trabalho para aprovar”


Regras de transição Carlos Eduardo Gabas ocupou a cadeira de mi- O petista Ricardo Berzoini foi ministro da
O tempo de transição do nistro da Previdência em duas ocasiões em go- Previdência no início do governo Lula. Foi
atual sistema de
Previdência para o novo vernos petistas. Foi na segunda passagem, no sob sua gestão que foi feita a proposta de mu-
será de 12 anos. início do segundo mandato de Dilma Rousseff, danças nas regras de aposentadoria de servi-
que participou das discussões que culminaram dores públicos. Ele lembra que foram quatro
Regime de capitalização
Os trabalhadores que na “fórmula 85/95”, em que 100% da aposenta- meses de debates e viagens por estados antes
ingressarem no mercado doria só é garantida a partir de uma soma de da apresentação do texto. O que o governo
de trabalho após a aprova- pontos entre a idade do trabalhador e seu tem- conseguiu na época foi estabelecer idade e
ção da reforma da Previ-
dência poderão aderir a po de contribuição. Ele vê a atual proposta co- tempo de contribuição mínimo para a aposen-
um regime de capitaliza- mo um equívoco por não ter sido debatida an- tadoria de servidores.
ção. Por esse sistema, tes. “A Previdência é algo tão complexo e que Crítico da proposta de Paulo Guedes,
será garantido o salário
mínimo, por meio de um alcança tantos segmentos da sociedade que é Berzoini considera que é cedo para avaliar se
fundo solidário. O traba- uma falha fazer a reforma sem ouvi-la”, disse. as mudanças apresentadas têm ou não chan-
lhador poderá escolher
Em sua avaliação, os cálculos de projeção ces de passar. Para ele, tudo dependerá não
livremente a entidade de
Previdência, pública ou de déficit são equivocados porque eles não só da capacidade de negociação, mas tam-
privada, e a modalidade consideram as mudanças no mercado de tra- bém da conjuntura política. Ou seja, uma
de gestão de reservas,
balho. “As contas estão sendo feitas em uma crise pode atrapalhar tudo. “Eles vão ter mui-
com possibilidade de
portabilidade. situação de crise econômica profunda e se faz a to trabalho para aprovar, mesmo com esse
projeção para o futuro. É claro que não vamos Congresso que é mais liberal. Vai ser uma
estar nessa mesma situação daqui a dez anos. negociação que vai durar alguns meses, e a
Temos um problema conjuntural”, avaliou. conjuntura política pode interferir. É um go-
Para ele, o governo terá de ceder caso quei- verno que começou de forma muito atrapa-
ra aprovar ao menos parte da reforma propos- lhada, e escândalos como os de laranjas in-
ta. “Vai haver uma negociação com o Congres- fluenciam na base”, disse, acrescentando que
so, que se dá por meio das lideranças. O go- apenas com o avanço das negociações será
verno vai ter de chamar para negociar e já está possível ter uma ideia do tamanho da desi-
cedendo”, considerou. dratação e chance de aprovação.
Apesar de discordar da forma como a pro- Para ele, a atual proposta parte da pre-
posta foi feita e de seu conteúdo, Gabas defen- missa fiscal, ou seja, encontrar um equilíbrio
deu que é necessária a mudança na forma de para as contas públicas, sem levar em conta
financiamento da Previdência para que não se o caráter social do sistema de seguridade so-
crie um problema estrutural no sistema. Para ele, cial. “Nossa proposta era adequar o sistema
a revisão das renúncias fiscais e de perdões de dí- ao que estava na Constituição e dar mais
vida e uma reforma tributária poderiam contri- equilíbrio. A de agora é apenas fiscal. O obje-
buir para a sustentabilidade do pagamento dos tivo é atrasar, impedir ou reduzir o acesso
benefícios aos trabalhadores. aos benefícios.”
38 PECADO CAPITAL

O OCASO DO FUNDO 3G CAPITAL,


COMANDADO PELO BILIONÁRIO JORGE
PAULO LEMANN — QUE DEIXOU DE SER
O HOMEM MAIS RICO DO PAÍS
por Leo Branco e Rennan Setti

O
DINOSSAURO
APAVORADO
O capítulo mais importante da história da Heinz, uma das maiores
empresas de alimentação do mundo, começou em um voo de
avião. Em dezembro de 2012, o investidor brasileiro Jorge Paulo
Lemann, talvez a figura mais admirada do capitalismo brasileiro, e
Warren Buffett, dono do conglomerado Berkshire Hathaway e um
dos homens mais ricos do mundo, voavam da cidade de Boulder, no
estado americano do Colorado, para Omaha, em Nebraska. Os dois
tinham acabado de participar de um workshop. A amizade era antiga.
Lemann e Buffett se conheceram em 1998, quando ambos faziam par-
te do conselho de administração da Gillette. De acordo com o que
contou anos depois, Buffett ficou muito bem impressionado com o
brasileiro quando o conheceu, porque ele nunca abria a boca para
dizer algo que não soubesse. No trajeto entre Boulder e Omaha,
Lemann contou a Buffett que estava se preparando para adquirir o
Jorge Paulo Lemann,
controle da Heinz. Poucos meses depois, num negócio que uniu os cofundador do
dois amigos, era anunciada a aquisição da empresa por US$ 28 bilhões, 3G Capital, perdeu
o maior valor pago até aquele momento por uma empresa do ramo de o posto de brasileiro
mais rico, mas ainda
alimentação. Em 2015, a Heinz e a Kraft Foods, outra gigante do setor, tem US$ 23 bilhões
foram unidas sob o comando de Lemann, seus sócios e Buffett. para gastar
FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS
SERGIO ZACCHI/AGÊNCIA O GLOBO

WARREN BUFFETT, CHAMADO DE


ORÁCULO DE OMAHA, RECONHECEU
QUE ELE E LEMANN PAGARAM CARO
DEMAIS PARA COMPRAR A MARCA HEINZ,
FAZENDO COM QUE PERDESSEM BILHÕES
DE DÓLARES COM A DESVALORIZAÇÃO

O desdobramento mais recente da Heinz


aconteceu agora, na segunda quinzena
de fevereiro. Na segunda-feira 25, Buffett veio
investimento 3G Capital, Marcel Telles e Be-
to Sicupira, quebrarão. Mais pobres certa-
mente eles já ficaram: na semana passada,
Unidade de produção
de cerveja em Cuiabá:
Lemann antecipou-se
na visão de que
a público dizer que “pagou caro demais” pe- Lemann deixou de ser o homem mais rico o mercado da bebida
lo negócio. Só no ano passado, o Berkshire do Brasil, posição que ocupava desde 2013, se concentraria
e seria global
Hathaway perdeu US$ 2,7 bilhões com a des- segundo a revista Forbes. Após o derreti-
valorização do investimento. Dias antes, sou- mento no valor das ações da Kraft Heinz,
be-se que a Securities and Exchange Com- Lemann no momento tem uma fortuna de
mission (SEC), órgão americano que fiscaliza US$ 22,4 bilhões, quase US$ 5 bilhões a me-
o mercado acionário, estava investigando a nos do que tinha no ano passado. Com isso,
empresa por supostas irregularidades contá- foi ultrapassado pelo banqueiro Joseph Sa-
beis. O anúncio e a declaração de Buffett fra, que amealha US$ 25,2 bilhões no cofre.
eram o que faltava para colocar em evidência Empobreceram também os sócios do 3G Ca-
o que o mercado financeiro nos Estados Uni- pital: Telles perdeu US$ 4 bilhões e hoje está
dos se pergunta há algum tempo: será que com US$ 9,6 bilhões; Sicupira tem hoje US$
Lemann e seus sócios perderam a mão? 8,5 bilhões na conta — 30% menos do que
Que ninguém se engane. A discussão no ano passado. Com tamanha perda de ri-
não é se Lemann e seus sócios no fundo de queza ao mesmo tempo, muita gente no
PECADO CAPITAL 41

mercado afirma que o modelo de gestão dos mistas sentir-se um “dinossauro apavorado”
“invasores” brasileiros está dando sinais de diante de novos modelos de negócios. “De
exaustão e deve ser repensado. repente, estamos sendo ‘disrupted’ de todos
“A inovação que agrega valor é útil, mas os lados”, disse. Ao longo de 2018, os papéis
copiar o que já funciona bem é normalmente da AB InBev e da Kraft Heinz caíram 30%
mais prático” é uma de tantas frases motiva- nas bolsas americanas. A Restaurant Brands
cionais atribuídas a Lemann. Ele é um raro International, holding que reúne o Burger
exemplo de empresário capaz de mudar para- King, a cadeia de restaurantes de frango frito
digmas dos setores em que atua — a tal “dis- Popeye’s e a cafeteria Tim Hortons, caiu 10%.
rupção dos negócios” tão em voga no lin-
guajar das startups. A começar pelo mercado
financeiro. O banco Garantia, fundado por
ele em 1971, foi pioneiro no Brasil no modelo
N a semana retrasada, a conferência de in-
vestidores da Kraft Heinz foi marcada
por críticas inéditas ao modelo do 3G Capi-
de boutique de investimentos. A fusão de tal. As vendas globais estão empacadas em
Brahma e Antarctica, em 1999, embrião da US$ 26 bilhões há três anos. Em 2019, o lu-
gigante AB InBev, precedeu uma onda de cro deve ser menor que a expectativa do
fusões e aquisições de cervejarias mundo mercado devido ao risco de baixas contábeis
afora responsável pela verdadeira globaliza- decorrentes da investigação da SEC. No
ção de bebidas até então nacionais, como a mercado financeiro americano, gente de to-
americana Budweiser. De cada cinco cerve- do lado começa a questionar abertamente o
jas vendidas no mundo, uma sai de fábricas modelo de Lemann, que era admirado até
controladas pela AB InBev, empresa da qual outro dia. Um deles é o investidor Enrique
Lemann é um dos maiores acionistas indivi- Abeyta. Filho de pais uruguaios e mexica-
duais e seu pupilo, Carlos Brito, é o presi- nos, Abeyta é um sujeito barbado, com rabo A Heinz é uma marca
tradicional americana,
dente. Na carteira de investimentos, também de cavalo e tatuagem. O negócio de Abeyta é mas Lemann pagou caro
consta a rede de fast-food Burger King. rodar por aí dando palestras sobre como a demais pela empresa
As conquistas em diversos setores fize-
ram parte da vida de Lemann desde os pri- HEINZ/BRIDGEMAN IMAGES/KEYSTONE BRASIL
meiros anos. Na adolescência, foi tenista
profissional, ganhou cinco vezes o campeo-
nato brasileiro e chegou a competir na Co-
pa Davis, um dos principais torneios do
mundo, pelos times brasileiro e suíço. Nas
horas vagas, surfava ondas grandes em
praias do Rio de Janeiro, experiência da qual
vem boa parte das memórias que Lemann
aborda em palestras. Aos 19 anos, foi aceito
no curso de economia da Universidade
Harvard, uma conquista raríssima para um
jovem brasileiro naquela época — e, em
grande medida, responsável por Lemann ser
atualmente um dos maiores filantropos do
país, com a concessão de bolsas de ensino
em faculdades do exterior através das fun-
dações Lemann e Estudar.
Lemann já percebeu que o sucesso passa-
do não é garantia de sucesso futuro. Num
evento anual do Milken Institute, think tank
liberal sediado em Santa Monica, na Califór-
nia, em abril do ano passado, um Lemann
em trajes clássicos de alto executivo — paletó
preto, calça cinza-escura, gravata vinho com
listras cinza sobre uma camisa branca — de-
clarou a uma plateia de investidores e econo-
42 PECADO CAPITAL

DOMINGOS PEIXOTO/AGÊNCIA O GLOBO

LEMANN PERSISTE NA RECEITA QUE LHE RENDEU


BILHÕES: INVESTIR EM EMPRESAS DE CONSUMO
JÁ CONSOLIDADAS, MAS COM RENTABILIDADE
BAIXA. CORTE DE GASTOS E DE FUNCIONÁRIOS
É A REGRA PARA AUMENTAR LUCROS

“disrupção” vai matar as empresas tradicio- ces de Lemann dar a volta por cima dessa
nais, além de investir fundos em empresas crise, Abeyta respondeu: “Na verdade, tenho
de nichos específicos, como revistas para fãs enorme respeito por Lemann. Não apenas
de heavy metal. Ao Brazil Journal, blog de fi- pelo sucesso dele, mas também pela franque-
nanças do jornalista brasileiro Geraldo Sa- za com que aborda os desafios que seus ne-
mor, Abeyta disse que daria quatro conse- gócios enfrentam e sobre como eles (o 3G
lhos a Lemann caso fosse consultado por ele: Capital) podem tê-los calculado mal. Foi
“1. Você está ferrado. Aceite. 2. Monte uma uma das peças mais reflexivas que já vi. No
Sociedade de Propósito Específico (SPE) e geral, acho que eles vão ficar bem e ganhar
aposte na queda das ações de seus competi- muito mais dinheiro, mas não necessaria-
dores. Pelo menos leve alguma vantagem. 3. mente nos mesmos negócios que têm hoje”.
Crie um fundo de venture com US$ 1 bilhão
e abrace a disrupção de forma radical. A
próxima marca de US$ 20 bilhões vai sair
daí. 4. Por fim, comece a vender seus ativos.
P or trás do inferno astral de Lemann está
a persistência numa receita que, histori-
camente, já deu muito dinheiro: investir em
Transfira seus problemas para os outros”. empresas de consumo já consolidadas, mas
Instado pela reportagem de ÉPOCA, via com rentabilidade abaixo de seu potencial.
chat da rede social LinkedIn, a prever as chan- Para chegar ao comando dos negócios, não
MARCOS ALVES/AGÊNCIA GLOBO

Jorge Paulo Lemann poupava recursos em aquisições de tirar o ritocracia radical e o conceito de part-
(à esq.) se preocupa em fôlego. Desde 2013, o 3G Capital e Buffett nership — os melhores funcionários são
dar palestras a jovens
e investe em formação investiram US$ 63 bilhões na compra, e convidados a ter participação acionária.
de lideranças nas posterior fusão, da Kraft Heinz. Há dois

O
universidades por meio anos, o mesmo grupo quase levou a Unile- problema é que os hábitos de consumo
de bolsas. De cada cinco
cervejas vendidas no ver por US$ 143 bilhões. No agregado, com nos mercados em que o 3G Capital in-
mundo, uma sai de US$ 480 bilhões em aquisições, o 3G Capital veste estão mudando mais rápido que a ca-
fábrica da InBev, mas é o segundo fundo mais comprador da his- pacidade de reação do fundo. Cada vez mais
artesanais (acima)
acirram concorrência tória, atrás do americano Blackstone. os consumidores estão interessados na ori-
Uma vez no comando, a receita é um gem da comida que põem na mesa. Um es-
corte de custos brutal. Chamada de “orça- tudo da consultoria em inteligência de mer-
mento base zero”, a técnica de gestão pres- cado Mintel feito com 2 mil consumidores
supõe que todas as despesas da companhia americanos acima de 18 anos mostrou que
sejam revisadas, e possam ser cortadas, a os jovens de até 30 anos são mais preocupa-
cada 12 meses. Críticos dizem que esse é um dos com o que comem do que os mais ve-
jeito desumano de fazer negócios. Desde lhos. Na mesma pesquisa, seis em cada 10
2013, a Kraft Heinz demitiu 10 mil jovens vão ao mercado só para comprar ali-
funcionários, algo como 20% da mão de mentos frescos. Dos alimentos processados,
obra. Para admiradores, é uma ótima ma- passam longe. No mundo, a venda de ali-
neira de garantir uma operação mais enxuta mentos e bebidas com um apelo mais saudá-
e mais rentável que a de concorrentes. As vel movimenta hoje um mercado de US$
margens de lucro da Kraft Heinz e da AB 700 bilhões, segundo dados da consultoria
InBev, por exemplo, giram ao redor de 30% Euromonitor, que há cinco anos passou a
— a média das concorrentes é de 20%. O acompanhar novas tendências em alimenta-
modelo de gestão Lemann, desde os tempos ção, como a produção orgânica. Em cinco
do banco Garantia, também inclui uma me- anos, o mercado deve crescer 15%.
44 PECADO CAPITAL

U m exemplo do potencial das novas


tendências em alimentação é a expan-
são da varejista americana Whole Foods,
A posição do 3G Capital está ameaçada
até mesmo no mercado de bebidas alcoóli-
cas, em que as vendas globais da AB InBev,
cujo carro-chefe são os produtos orgâni- de US$ 56 bilhões em 12 meses até junho
cos, comprada em 2017 pela Amazon, gi- do ano passado, foram o dobro da segun-
gante do varejo eletrônico. Na raiz do ne- da colocada, a Heineken. O motivo é a
gócio está o enorme potencial da venda proliferação de microcervejarias, na esteira
on-line de produtos orgânicos de pequenos da vontade crescente entre os millennials
produtores, que deve abocanhar parte do de experimentar novos sabores. Até 2025, a
mercado das varejistas do mundo off-line. venda de cervejas artesanais, que hoje mo-
Isso coloca em risco a dominância da Kraft vimentam US$ 36 bilhões no mundo todo,
Heinz, garantida por décadas de investi- deve triplicar, de acordo com um estudo
mentos nas cadeias logísticas tradicionais. recente da consultoria Zion Market
Segundo um estudo recente da consultoria Research. “Com essa tendência de hábitos
McKinsey, as lojas físicas devem perder até mais saudáveis, os consumidores, de forma
20% das vendas até 2026 nos Estados Uni- geral, estão bebendo menos cerveja e be-
dos e na Europa por causa da migração do bendo cervejas mais premium”, disse Diana
comércio para o mundo digital. Stuhlberger, analista da Eleven Financial

ALIMENTOS PROCESSADOS TÊM PERDIDO


ESPAÇO EM RAZÃO DA PROCURA CRESCENTE
POR COMIDA SAUDÁVEL. NO CAMPO
DAS BEBIDAS, MICROCERVEJARIAS ARTESANAIS
SÃO AMEAÇAS A MARCAS CONSOLIDADAS

JORGE PETER/AGÊNCIA O GLOBO


PECADO CAPITAL 45

Research, em São Paulo. No meio disso tu- em breve. Analistas da Kraft Heinz em ban-
do, o portfólio dos negócios do 3G Capital cos como J.P. Morgan, UBS, Barclays e Bank
ficou estagnado em marcas tradicionais de of America detonaram publicamente os re-
alimentos e bebidas com pouco apelo a es- sultados da empresa. “A dívida de longo
sas novas demandas. “Na busca por eficiên- prazo da Kraft Heinz, de 31 bilhões de dóla-
cia a todo custo, o 3G Capital perdeu a vi- res, é extremamente desconfortável e está
são do todo nos setores em que atua”, disse minando a companhia. Essa é uma das ra-
a espanhola Lourdes Casanova, professora zões pelas quais a Kraft Heinz teve de se
da Universidade Cornell, nos Estados Uni- concentrar tanto no corte de custos, o que
dos, e autora do livro Global latinas (Latinas levou, em parte, aos problemas atuais. A
globais, em tradução livre), publicado em empresa precisará encontrar maneiras de
2009 e que aborda histórias de sucesso de pagar sua dívida, o que pode envolver a ven-
negócios nascidos na América Latina, entre da de marcas ou algum tipo de reestrutura-
eles o 3G Capital. “Os gestores ficaram pre- ção. Isso não é nada saudável”, disse Neil
sos a fórmulas de gestão clássicas de gran- Saunders, diretor da consultoria de varejo
des empresas americanas. Ficou para trás a GlobalData Retail, de Nova York.
flexibilidade diante das adversidades, algo
típico da gestão das empresas brasileiras.”
Pouco a pouco, os negócios do 3G Capi-
tal vêm perdendo o brilho de outrora. No
O lhando para a frente, há quem diga que
a indigestão atual do mercado com o
3G Capital era esperada diante da voracida-
futuro, o risco é insistir num modelo de de das fusões e aquisições experimentadas
crescimento baseado em alto endividamen- pelo fundo nos últimos anos — e que os
to e corte de custos, sem conseguir criar efeitos ruins tendem a se dissipar no longo
uma estratégia de inovação contínua. A prazo. “A experiência global mostra que,
participação de mercado da AB InBev no em fundos de private equity como o 3G Ca-
mundo está praticamente estável em 26% pital, normalmente 20% dos investimentos
do total desde 2009, segundo a Euromoni- não dão retorno no curto prazo”, disse An-
tor. No mesmo período, a fatia global da dré Castellini, fundador da operação brasi-
Kraft Heinz caiu de 1,6% para 1,3%. Mesmo leira da consultoria global Bain & Company
no negócio de fast-food, em que o Burger e um dos maiores especialistas no país em
King vem demonstrando um apetite enor- estratégias desse tipo de fundo. “A escorre-
me pela abertura de pontos de venda por gada atual é esperada e pode ser revertida.”
meio de franquias em mercados emergen- O caldeirão de más notícias dos últimos
tes como o Brasil, os resultados estão dias ao redor da Kraft Heinz ofuscou anún-
aquém do visto na concorrência. Nos últi- cios recentes de novos produtos da compa-
mos três anos, o melhor resultado de ven- nhia em linha com as mudanças de hábitos
das globais na cadeia de restaurantes foi alimentares. Um exemplo é o O, That’s
uma expansão de 3,9% em 12 meses, regis- Good!, uma linha de pizzas congeladas de
trada no segundo trimestre de 2017. No baixa0 caloria voltada ao mercado america-
mesmo período, o McDonald’s, que vem no e cuja garota-propaganda é a apresenta-
investindo numa mudança global no cardá- dora de TV Oprah Winfrey. Nos últimos
pio para incluir produtos orgânicos e per- anos, a AB InBev tem investido na compra
mitir ao cliente montar os próprios lan- de cervejarias locais para ampliar o portfó-
ches, conseguiu aumentar as vendas em lio. Nos Estados Unidos foram 11 aquisições
6,3%, de acordo com os dados da consulto- desde 2011. No Brasil, em 2015 a empresa le-
ria americana Duff & Phelps. vou a Colorado, marca de Ribeirão Preto,
Por causa das dificuldades em manter a no interior paulista, consagrada entre cerve-
relevância, os negócios do 3G Capital vêm jeiros país afora. Na Restaurant Brands, a
sendo criticados pelo mercado. Após a divul- aquisição da Popeye’s, há dois anos, foi vista
Exímio tenista, gação dos resultados da Kraft Heinz, na se- por analistas como uma tentativa de diversi-
Lemann disputou mana retrasada, a agência de classificação de ficar o portfólio. Resta saber se Lemann e
a Copa Davis risco S&P revisou de “estável” para “negati- sua trupe vão experimentar novas receitas
pela Suíça e pelo Brasil.
Com a Kraft, deu va” a perspectiva da companhia, o que pode de gestão — ou se voltarão a repetir as
uma bola fora. indicar um rebaixamento da nota de crédito mesmas fórmulas de sempre.
46 CONCORDAMOS EM DISCORDAR

Deputados divergem sobre


a necessidade de ouvir as redes sociais
na hora de fazer política — prática
que se tornou comum no atual governo
por Daniel Gullino

MEDEIROS×RAMALHO

MONTAGEM SOBRE FOTOS: MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO | GIVALDO BARBOSA/AGÊNCIA O GLOBO

JOSÉ MEDEIROS, 48 anos, potiguar FÁBIO RAMALHO, 58 anos, brasiliense


O que faz e o que fez: deputado federal pelo O que faz e o que fez: empresário e deputado federal
Podemos, de Mato Grosso, em primeiro mandato. (MDB-MG) em seu quarto mandato. Foi
Foi senador pelo PSD, agente vice-presidente da Câmara por quatro anos e prefeito
da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e professor da cidade de Malacacheta, em Minas Gerais
CONCORDAMOS EM DISCORDAR 47

Fazer enquetes nas redes sociais é um bom mecanismo pa-


ra saber a opinião dos eleitores?
JOSÉ MEDEIROS Dá uma boa sinalização. Não é só a enquete, é o
todo, a discussão. Como sou muito frequente nas redes sociais,
procuro ficar antenado com o que as pessoas estão pensando e faço
enquete para apurar mais a opinião pública. Lógico, não é uma coi-
sa científica, mas dá um norte, é uma bússola interessante. Você vai
se pautar pela internet? Não, mas você tem informações e sabe que
o povo está indo naquela direção. Como diria Ulysses (Guimarães),
dificilmente o povo erra.
FÁBIO RAMALHO A maioria das pessoas do interior, mais tradicio-
nais, não tem rede social. A gente pega as opiniões pessoalmente.
Prefiro sentir de perto como é o problema e qual é a solução. Con-
versar com prefeitos, vereadores e a população.

O contato presencial com os eleitores ainda é fundamental


para um parlamentar?
JM Faço as duas coisas. Sou da época da política orgânica, vamos
dizer assim. Mas quando entrei no Parlamento já havia esse novo
modelo, de redes sociais. Não perdi o costume de visitar municípios,
porque sobre alguns assuntos dá para você se comunicar com o elei-
tor via redes sociais, mas a ponte que está para cair é outra coisa.
Você não fica com bom subsídio se não for embaixo da ponte tirar
uma foto, conversar com as pessoas.
FR Penso que sim, é fundamental. Quando você está ao lado do
eleitor, você está ao lado do problema e pode buscar a solução. A
gente tem de sentir o que a cidade precisa. Se você vir as estradas,
vê muitos buracos. É preciso estar ali cobrando as soluções. Se você
vai a um hospital, você vê as necessidades, vê o que está faltando.
Nas escolas é a mesma coisa.
48 CONCORDAMOS EM DISCORDAR

Nas enquetes, não é possível controlar quem está votando


nem se há o uso de robôs. Isso é um problema?
JM Não estou interessado nos números. Fico interessado é nos co-
mentários, porque o debate nos comentários é muito importante.
Com o quantitativo você observa para onde estão pendendo as pes-
soas, mas às vezes os comentários são mais ricos, dão subsídio para
resolver um problema.
FR Não posso falar, minha experiência nessa área é pequena. Mas não
dá para saber direito quem está votando ali, se é mesmo uma pessoa.

As redes sociais trazem mais benefícios ou prejuízos para a


política de uma forma geral?
JM Em minha opinião, elas são benéficas. Se não fossem as redes
sociais, eu não estaria aqui na Casa. As pessoas me conhecem, sa-
bem o que estou fazendo, pelo Instagram, pelo YouTube. Se eu não
possuísse isso, quando chegasse a campanha eu teria tido de batalhar
contra tudo que está já estabilizado. Para mim, a internet mudou a
política, barateou as campanhas e deu uma interatividade, uma pos-
sibilidade de acompanhar o que o parlamentar está fazendo que é
extraordinária. Acho importantíssimo.
FR O tempo é que vai mostrar. Elas têm seus benefícios e malefícios.
Cada um tem de analisar. Sou analógico, não quero muito aprender
isso, não. As pessoas, quando vão para a parte eletrônica, passam a
esquecer da parte humana, passam a perder a sensibilidade. Acho
que o mundo nessa área está ficando muito distante do ser humano.
O ser humano está ficando sem sensibilidade, tipo uma máquina.

Um parlamentar precisa necessariamente fazer o que seus


eleitores desejam?
JM O parlamentar é eleito para representar os eleitores, mas seria um
irresponsável se só tomasse decisões com base no que capta das pes-
soas, porque nem sempre elas têm os dados e as informações de como
as coisas estão funcionando. O parlamentar tem de ter sensibilidade.
Nós temos dinheiro? A maioria dos problemas que nós temos hoje
surgiu porque essa Casa e o Senado foram criando serviços, deman-
das, e não diziam de onde viria a receita. É para agradar, para o aplau-
so fácil. Eu procuro buscar quanto está custando aquele meu voto.
FR O primeiro julgamento foi o de Jesus Cristo, e toda a população
pediu para condenar Jesus Cristo e para soltar Barrabás. Você tem de
ter a consciência do momento. Muitas vezes o povo pode achar que
uma decisão foi ruim, mas com o tempo percebe que ela foi acertada.
O principal requisito de um parlamentar é ter consciência. Ele preci-
sa ser um juiz dos problemas, ver qual é o problema, saber o que a
população pensa e dosar as duas coisas, equilibrar uma solução.

O voto secreto, em algumas circunstâncias, é necessário pa-


ra garantir a independência dos parlamentares ou é uma fal-
ta de transparência com o eleitor?
JM Há certas coisas que são importantes não ser abertas. Se você
abrir todo voto, você já imaginou na Câmaras dos Vereadores, nas
Assembleias estaduais? O poder de um presidente em uma Câma-
ra Municipal é muito grande. O parlamentar precisa daquela inde-
pendência para votar. Votar para presidentes, por cargos, eu acho
legal, o eleitor tem de saber. Mas fico preocupado se você abrir
CONCORDAMOS EM DISCORDAR 49

tudo. Há votações que precisam ser fechadas. Não aqui na Câmara,


no Senado, mas nas escalas menores.
FR Acho que é uma maneira de você dar independência para o par-
lamentar. Muitas vezes, quando a pessoa vota de um lado, ela pode
ser perseguida dentro da Casa por quem ganha. Você está preser-
vando a consciência e o direito do parlamentar de escolher aquilo
que ele acha melhor. O voto secreto para a presidência da Casa e
para a Mesa Diretora tem de ser preservado. As pessoas tem de en-
tender que é uma maneira de preservar inclusive a democracia.

O senhor considera possível — e desejável — que um dia


tenhamos uma democracia direta? Ou o ideal é manter o
sistema indireto?
JM Penso que com os representantes é possível fazer esse híbrido,
com um pouco de interação, em que a população acompanha o
parlamentar e o parlamentar, com a lupa, vê os interesses da popu-
lação. Hoje já está muito próximo disso, porque os eleitores estão
acompanhando dia e noite. Agora, você perguntar para a socieda-
de sobre todos os assuntos fica impraticável em um país de 200
milhões de habitantes.
FR A gente tem de avançar conforme forem avançando as coisas.
Hoje a maneira que tem é o que está aí. Se algum dia houver alguma
mudança maior, graças à população que está chegando com uma no-
va maneira de pensar, a gente muda. Nesse momento acho que é im-
portante preservar o que temos. Quem escolhe o parlamentar é o
povo. Se tiver de ter alguma mudança, a gente manda para lá outros
parlamentares. De quatro em quatro anos nós renovamos.

DANIEL MARENCO/AGÊNCIA O GLOBO


A senadora Soraya
Thronicke (PSL-MS)
consulta rede social
antes da votação para
escolher o presidente do
Senado
50 GUERRA CONTRA O CRIME

O que a maior facção criminosa


de São Paulo está pensando sobre
o governo Bolsonaro
por Aline Ribeiro

PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS
LINHAS C
GUERRA CONTRA O CRIME 51

CRUZADAS N uma conversa interceptada pela polícia


paulista em dezembro, um integrante em
uma das poucas provas materiais que mos-
tram a visão da facção paulista — com pre-
liberdade da principal facção criminosa de sença em vários estados brasileiros e tam-
São Paulo conversa com outro sobre o batis- bém no Paraguai, na Bolívia, no Peru e na
mo de um terceiro, que está preso. O diálogo Colômbia — sobre os próximos quatro anos
é parte de um ritual corriqueiro dentro da de governo. Foi gravada durante uma inves-
organização. Sempre que um bandido entra tigação da Polícia Civil de São Paulo. Não
para a facção, ele é adotado por um padrinho partiu da cúpula da facção, a última instân-
e recebe um número de identificação, seu RG cia de decisão. Entretanto, é um sinalizador
do crime. Já passava da meia-noite quando concreto de como ela recebeu a vitória de
um dos interlocutores anunciou um “salve”, um governo que, ao longo da campanha
o comunicado interno a ser repassado para eleitoral, prometeu fechar o cerco contra
todos os membros da bandidagem no Brasil bandidos que traficam armas e drogas.
e exterior: “Salve que chegou novo do Bolso- Durante dois meses, ÉPOCA conversou
naro”, diz, ao que o outro responde: com representantes dos setores de Inteligên-
cia dos órgãos que investigam o crime orga-
A: — Alerta rua e sistema. nizado em São Paulo: Polícia Civil, Ministé-
C: — Bagulho tá louco né velhinho. rio Público e Secretaria de Administração
A: — caras tão querendo tirar nós xará, Penitenciária (SAP). Também ouviu um in-
tá de brincadeira (...) vai dá guerra. terlocutor direto do chefe da facção, Marcos
C: — Vai dá guerra, vai se f.... Willians Herbas Camacho, o Marcola. Num
A: — Quero vê bagaço secar, tô louco discurso uníssono, todos dizem que o crime
pra regaçar tudo. organizado está assustado com a possível re-
C: — Nós vamos tá lutando daqui pressão alardeada pelo novo governo. Com
e parceiro daí. base em relatos de informantes, um delega-
do do mais alto escalão do governo paulista
O linguajar cifrado e o português sofrível di- resumiu o espírito: “Estão com medo e sem
ficultam a compreensão do comunicado. saber como reagir. Quem está na cadeia está
Com Marcos Camacho, Mas as linhas gerais não deixam dúvidas so- preocupado com a perda de benefícios.
o Marcola, foram bre a total insatisfação do grupo com o re- Quem está fora, com a repressão: se vai per-
transferidos para
presídios federais outros sultado da última eleição presidencial. O der biqueiras ou se vai morrer”, afirmou.
21 integrantes da maior diálogo explicita que, se ameaçada, a organi- Na manhã da quarta-feira 13, a facção so-
facção de São Paulo, zação criminosa não medirá esforços para freu seu maior revés recente. Passados só 44
o PCC, entre eles alguns
de seus potenciais partir para o confronto. A conversa, à qual dias do início do governo Bolsonaro, 22 in-
substitutos ÉPOCA teve acesso com exclusividade, é tegrantes foram transferidos para presídios
52 GUERRA CONTRA O CRIME

“Conseguimos, pela primeira vez, tirar e isolar


a liderança. Precisamos agora pensar nos
próximos passos: identificar novos líderes
e minimizar possíveis tentativas de retaliação”,
afirmou o promotor Lincoln Gakiya

AGÊNCIA ESTADO : ESTADÃO CONTEÚDO


federais em Brasília, Distrito Federal, em
Mossoró, Rio Grande do Norte, e em Porto
Velho, Rondônia. Foi a Justiça paulista quem
determinou as transferências, mas elas só fo-
ram possíveis porque, pela primeira vez, hou-
ve ambiente político para fazê-las. Durante as
mais de três décadas em que Marcola ficou
preso em São Paulo, o governo nunca teve a
intenção de mandá-lo para fora do estado. A
gestão do ex-governador Geraldo Alckmin
(PSDB) foi, inclusive, acusada de ter feito um
acordo com a facção. Em troca de garantir a
paz nos presídios e nas ruas — e assim con-
trolar as ações dos criminosos —, assegurava
sua permanência no estado, em presídios já
conhecidos dos chefes e com certas facilida-
des não disponíveis nas unidades federais.
Sob um forte esquema de segurança,
Marcola e outros 21 membros deixaram as
penitenciárias de Presidente Venceslau e
Presidente Bernardes, no interior de São
Paulo, acompanhados de blindados da polí-
cia e de helicópteros. Percorreram cerca de
60 quilômetros em comboio a caminho do
aeroporto de Presidente Prudente, cidade vi-
zinha, onde embarcaram num avião da For-
ça Aérea Brasileira (FAB). A transferência
de sete deles já havia sido determinada pela
Justiça em 15 de novembro. São presos in-
vestigados na Operação Echelon, suspeitos
de ordenar ataques a agentes públicos e as-
sassinar rivais. A decisão a respeito dos ou-
tros 15, supostamente envolvidos num plano
de resgate de Marcola, é de 9 de fevereiro.
Na tentativa de evitar possíveis retaliações,
o governo federal autorizou a presença das
Forças Armadas para fazer a segurança no en-
torno dos presídios em Mossoró e Porto Ve-
lho. Em nota, o Ministério da Justiça informou
que essa operação é a primeira ação realizada
com a participação da Secretaria de Operações
Integradas e que o “isolamento de lideranças é
estratégia necessária para o enfrentamento e o
desmantelamento de organizações crimino-
sas”. Em entrevista coletiva, o governador de
GUERRA CONTRA O CRIME 53

São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que “o fim de isolar substitutos em potencial. Ainda
estado (de São Paulo) não será refém do cri- não é possível saber, portanto, como a cúpu-
me, o crime será refém do estado”. la ficará configurada a partir de agora. “Con-
Segundo o relato de um funcionário da seguimos, pela primeira vez, tirar e isolar a
SAP que acompanhou Marcola até o aero- liderança. Precisamos agora pensar nos pró-
porto em Presidente Prudente, o chefe da orga- ximos passos de combate à facção: identifi-
nização criminosa permaneceu com a cara fe- car novas lideranças, verificar os próximos
chada e não proferiu uma palavra sequer. Já no desdobramentos, minimizar possíveis tenta-
avião da FAB, mostrou-se surpreso ao ver quais tivas de retaliação. O trabalho continua”,
Preso há mais de três bandidos estavam sendo removidos com ele. afirmou Lincoln Gakiya, promotor do Gru-
décadas, Marcola Durante a viagem, Marcola estava irritadíssimo po de Atuação Especial de Combate ao Cri-
(à esq.) cumpre sua pena
fora do estado de São — estado de espírito que não condiz com seu me Organizado (Gaeco), do Ministério Pú-
Paulo pela primeira vez perfil, descrito como polido e sereno. Chegou blico de Presidente Prudente.
até a esbravejar, lançando alguns palavrões.
ÉPOCA apurou que as famílias dos chefes
da facção ficaram desoladas com a transfe-
rência, apesar de estarem se preparando ha-
A transferência para um presídio federal
fora de São Paulo era o maior temor da
cúpula da organização em relação ao novo
via tempo para o episódio. Os familiares governo. “Num primeiro momento, o que
acreditam que, assim como o narcotraficante preocupava a liderança era o isolamento”,
mexicano Joaquín “El Chapo” Guzmán — re- disse Gakiya, autor dos pedidos de transfe-
centemente considerado culpado nos Estados rência. Nas prisões federais, os detentos fi-
Unidos, por unanimidade, por todas as dez cam em celas individuais, só recebem visi-
acusações que havia contra ele, o que deverá tas em dias determinados, no máximo duas
levá-lo à prisão perpétua —, Marcola não pessoas por vez. Esses encontros ocorrem
mais sairá de um presídio federal. “Esta é nos chamados parlatórios, separados por
uma onda mundial”, afirmou um interlocu- grades, vidros e telas. A comunicação é
tor da organização. “Ele sabe que não vai vol- por interfone, como nos filmes policiais
tar (para a cadeia de origem).” americanos, com filmagens e gravações.
O pacote anticrime de
Sergio Moro cita O pelotão enviado para presídios federais Regalias como receber comida de fora, em
nominalmente as facções, reúne, de uma só vez, todos os homens de geral da família, não são permitidas. Pela
deixando claro na confiança de Marcola, segundo autoridades. lei, os membros da facção paulista ficarão
legislação que elas
são consideradas Além disso, a SAP fez algumas remoções por um período de 360 dias sob a custódia
organizações criminosas pontuais dentro do estado de São Paulo a do governo federal. Os primeiros 60 deles
serão cumpridos no modo mais duro do
JORGE WILLIAM/AGÊNCIA O GLOBO
sistema prisional brasileiro, o Regime Dis-
ciplinar Diferenciado (RDD).
Enquanto os presos eram levados a seus
novos destinos, o governo editou uma por-
taria endurecendo as regras das visitas nes-
sas unidades: baniu de vez o contato físico
entre detentos e visitantes. A visita íntima
já havia sido proibida na gestão do ex-pre-
sidente Michel Temer. Antes da portaria, as
visitas de cônjuge, companheira, parentes e
amigos dos presos ocorriam nos pátios das
unidades carcerárias. Na decisão recente, a
pasta tornou ainda mais rígidas as regras
referentes à chamada visita social. Agora,
só serão permitidas no parlatório ou por
meio de teleconferência, para manter “laços
familiares e sociais”, e sempre “sob a neces-
sária supervisão”. A medida tenta evitar
que chefes de facção enviem ordens por
meio de parentes e amigos.
54 GUERRA CONTRA O CRIME

A troca de presídio traz dificuldades


ao chefe do bando, que precisa recomeçar
sua rede de contatos do zero

Não é a primeira vez que os chefes da fac-


ção paulista vão para regimes de cumprimen-
to de pena mais restritos. Em dezembro de
2016, Marcola e outros 10 presos foram para
o RDD da penitenciária de Presidente Ber-
nardes. Ficaram até dezembro de 2017. Co-
nhecido como tranca-dura, o RDD é um re-
gime de detenção mais severo que o comum
e nele a permanência máxima é de 360 dias.
Embora mais rigoroso, autoridades da segu-
rança pública defendem que o RDD em pre-
sídio comum, não em federal de segurança
máxima, é insuficiente para cortar a comuni-
cação entre os presos e o mundo exterior.
O RDD tem regras parecidas com as dos
presídios federais — cada detento passa 22
horas do dia isolado, sem acesso a jornais, EDILSON DANTAS/AGÊNCIA O GLOBO
televisão ou rádio, e só tem direito a duas
horas de banho de sol, sempre sozinho.
Mesmo assim, policiais e promotores dizem
que isolar os chefes de uma facção em peni-
tenciárias federais distantes de São Paulo é
O pedido de transferência de Marcola e
outros 14 chefes, apresentado à Justiça
em 28 de novembro do ano passado pelo MP,
A transferência dos
líderes da facção foi
acertada em janeiro
pelo governador
mais eficaz para quebrar sua cadeia de co- ocorreu à revelia da gestão do então governa- João Doria (acima) e pelo
mando e enfraquecê-los. “Os presídios fe- dor Márcio França (PSB). Na ocasião, França ministro Sergio Moro

derais têm estrutura melhor, e o corpo fede- argumentou o de sempre, que São Paulo tem
ral tem mais recursos. São mais capacita- os presídios mais seguros do Brasil. Nos bas-
dos: há um ou dois funcionários por preso, tidores, a preocupação era outra: o risco de
a chance de controlar é maior”, afirmou o uma retaliação por parte da facção criminosa.
procurador Marcio Christino, do Ministé- Durante a transição, o governador eleito
rio Público de São Paulo. João Doria se mostrou entusiasta da transfe-
Ao mudar de cadeia, o chefe do bando rência. A remoção foi planejada durante 51
precisa recomeçar sua rede de contatos do ze- dias, em parceria com o Ministério da Justi-
ro. A distância geográfica das prisões faz com ça. Em janeiro, logo depois de assumir, Do-
que as visitas se tornem mais raras, o que di- ria e seus secretários se reuniram com o mi-
ficulta o repasse de informações para o mun- nistro Sergio Moro, em Brasília, e definiram
do externo. Ele também corre o risco de per- que a remoção ocorreria só em fevereiro.
der seu posto ao deixar a cadeia de origem, As maiores crises na segurança pública de
como já ocorreu com Roberto Soriano, o Tiri- São Paulo ocorreram em decorrência de pro-
ça, Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka, e testo à transferência de presos. Em 2001, de-
Eric Oliveira Farias, o Eric Gordão. “A expe- tentos de 29 penitenciárias iniciaram uma
riência mostra que os chefes que foram para megarrebelião. Em 2006, a intenção de remo-
o sistema federal continuam na cúpula, mas ver presos para prevenir outro grande motim
não tomam mais decisões. São como uma cú- deflagrou uma onda de violência no estado.
pula fictícia. Fazem parte, mas não são con- Edifícios públicos e privados foram depreda-
sultados para nada”, disse Lincoln Gakiya. dos e destruídos. Ônibus foram incendiados.
CAETANO BARREIRA / REUTERS

Na onda de violência Ao todo, 564 pessoas foram assassinadas com investigadores descobriram que os advoga-
de 2006, ônibus foram armas de fogo, entre civis (505) e agentes pú- dos da facção criminosa faziam mais do que
incendiados e 564
pessoas assassinadas blicos (59). As ruas da cidade de São Paulo, defender os presos: eram contratados com a
tomada pelo pânico, ficaram vazias. função de pombos-correio. Depois que um
A permanência dos chefes da facção du- juiz do interior sinalizou a intenção de acatar
rante décadas em São Paulo já foi motivo de a solicitação da polícia para remover os che-
discórdia entre governos federal e estadual fes para fora do estado, o Tribunal de Justiça
no passado. Em 2012, o Planalto ofereceu mudou para a capital a competência de jul-
uma parceria ao governo do estado para con- gar a causa. Em São Paulo, promotores refor-
ter uma onda de crimes em São Paulo. O en- çaram o pedido de transferência dos deten-
tão ministro da Justiça, José Eduardo Cardo- tos, que foi indeferido em primeira e segun-
zo, chegou a dizer que o governo federal es- da instâncias. Um parecer assinado por Lou-
tava de braços abertos para receber os presos rival Gomes, então secretário de Administra-
e para mandar a Força Nacional. A declara- ção Penitenciária de Alckmin, sugeria ao juiz
ção caiu mal. “Foi na época da reeleição de manter os presos no RDD, mas dentro do
Dilma Rousseff, era uma espécie de campa- próprio estado. O ofício reconhecia a chefia
nha para desacreditar o PSDB”, afirmou um de Marcola, mas afirmava não ser necessário
promotor. “O Cardozo e o Ferreira Pinto (na transferi-lo. Ao longo do cumprimento de
época, secretário da Segurança Pública de sua pena, Marcola já ficou seis vezes no
São Paulo) quase se pegaram. Virou uma RDD — nunca deixou de chefiar a facção
questão política, infelizmente.” paulista, segundo investigadores.
Em 2017, a Polícia Civil de São Paulo re- A solicitação recente de remoção foi moti-
comendou ao governo a transferência de vada por um suposto plano de resgate de
chefes da organização criminosa para presí- Marcola, descoberto pelas autoridades em ou-
dios federais. Pouco antes, durante a Operação tubro passado, em plena campanha eleitoral
Ethos, ao quebrar o sigilo de 500 mil e-mails, para a Presidência. Segundo investigadores
56 GUERRA CONTRA O CRIME

A grande preocupação dos líderes não é com


políticas públicas, mas com sua rotina nas prisões.
“O que eles querem saber é: ‘Semana que vem não
vai mais ter visita íntima, então isso vai me
complicar’”, disse um delegado que investiga a facção

ouvidos por ÉPOCA, a facção já havia pago tentos, além de distribuir armas para que ou-
R$ 50 milhões para o homem responsável tros tentassem a fuga por conta própria. O
por arquitetar a fuga — e pagaria outros R$ plano previa ainda o assassinato de desafetos
50 milhões depois de finalizada a ação. A de Fuminho e o uso de lança-mísseis e metra-
tentativa de deixar o presídio de Presidente lhadoras .50, capazes de derrubar aeronaves,
Venceslau é vista por parte das autoridades além de dois helicópteros.
como uma reação à troca de governo e ao
possível endurecimento das penas. “O Mar-
cola não tem mais expectativa de liberdade,
só duas chances de sair: resgatado ou no cai-
E m 4 de fevereiro, o ministro Moro apre-
sentou a uma plateia de governadores e
secretários de Segurança um documento de
xão”, afirmou um funcionário da SAP. O lí- 34 páginas batizado de Projeto Anticorrupção
der está condenado a 330 anos de prisão por e Anticrime. É uma consolidação mais ampla
formação de quadrilha, roubo, tráfico de e organizada da promessa de campanha de
drogas e homicídio. Jair Bolsonaro, a de elevar o rigor contra o
O homem por trás da tentativa de fuga é crime organizado. Com proposta de alterar 14
Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, o leis, o texto prevê mudanças significativas de
maior fornecedor de armas e drogas para a trechos do Código Penal, do Código de Pro-
facção, segundo a polícia brasileira. Amigo
de infância de Marcola, Fuminho não é inte- VIVI ZANATTA/AGÊNCIA ESTADO/AE
grante, mas há décadas se tornou um dos
principais aliados da organização criminosa.
Em fevereiro passado, foi apontado pela polí-
cia como o executor do plano de assassinato
de outros dois chefes importantes: Rogério
Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e
Fabiano Alves de Souza, o Paca. Foragido
desde janeiro de 1999 do extinto presídio do
Carandiru, Fuminho se estabeleceu na Bolí-
via, onde planta coca, a matéria-prima da co-
caína, em suas fazendas na província de Cha-
pare, região ao norte de Cochabamba. É des-
crito por um delegado como “o cara do di-
nheiro, o que paga para matar”.
O recente plano de resgate envolveria três
equipes, num total de 80 mercenários, possi-
velmente africanos, de acordo com investiga-
dores. Uma delas bombardearia a estação de
distribuição de energia elétrica e o batalhão
da cidade, de modo que os policiais não con-
seguissem sair para dar reforço. A segunda
fecharia os dois sentidos da Rodovia Raposo
Tavares, onde se encontra a Penitenciária 2 de
Presidente Venceslau, que abrigava os chefes
da facção, com caminhões em chamas. A ou-
tra invadiria a prisão a fim de libertar dez de-
GUERRA CONTRA O CRIME 57

cesso Penal, da Lei de Execução Penal, da Lei sil, assinado pelo presidente Bolsonaro em
de Crimes Hediondos e do Código Eleitoral. meados de janeiro. Mas investigadores afir-
O pacote de Moro cita nominalmente as fac- mam que elas estão mais preocupadas com
ções, num indicativo do peso que o tema terá aquilo que interfere diretamente, e no curto
no atual governo. A menção — inspirada no prazo, em sua rotina nas prisões brasileiras
Código Penal italiano, que elenca os nomes do que com as políticas de governo para a
de grupos da Máfia — é uma forma de deixar segurança pública. “O que eles querem saber
explícito na lei que facções e milícias são con- é: ‘Semana que vem não tem mais saidinha,
sideradas organizações criminosas. então vamos brigar por isso. Não vai mais
O pacote anticrime, encaminhado em feve- ter visita íntima, então isso vai me compli-
reiro ao Congresso, foi recebido com entusias- car’. Eles estão interessados no imediato”,
mo por juristas e especialistas em segurança no afirmou um delegado que investiga a facção.
quesito combate a facções. Um dos pontos pro- A rejeição do crime organizado ao governo
missores é o aumento da pena para quadrilhas Bolsonaro ficou explícita durante as eleições
que usam a violência em suas ações. Outro é a presidenciais. Pelo menos três facções crimino-
proibição de progressão de pena para mem- sas proibiram a votação no candidato do PSL.
bros das organizações criminosas se ficar com- Dentro das cadeias, a ordem parece ter sido
provado que eles mantenham vínculo com o obedecida. Nem todo preso provisório que vo-
grupo. O pacote prevê ainda que bandidos em tou nas unidades prisionais é ligado ao crime
posições de chefia devam começar a cumprir a organizado, mas o resultado das urnas dá uma
Em 2009, a polícia pena em presídios de segurança máxima. ideia da popularidade dos candidatos. Segundo
frustrou um plano de
fuga da maior facção Pela natureza limitada das investigações, levantamento do Tribunal Superior Eleitoral
de São Paulo é impossível saber, em detalhes, a reação das solicitado por ÉPOCA, entre os presos provi-
ao descobrir um túnel organizações criminosas ao projeto anticri- sórios, Fernando Haddad (PT) venceu com
na penitenciária
de Avaré, presídio me de Moro, assim como ao novo decreto 77% dos votos, diante de 16% de Bolsonaro.
de segurança máxima que facilita a posse de armas de fogo no Bra- O restante votou branco ou nulo.

VIVI ZANATTA/AGÊNCIA ESTADO/AE


A HIPÓTESE IMPLAUSÍVEL 59

Por que nenhum país


vizinho defende a invasão
militar da Venezuela
por Ariel Palacios

CENÁRIOS
DE GUERRA
O Palácio de Miraflores parcialmente em
chamas enquanto dezenas de navy seals
— integrantes da Força de Operações Espe-
Outra possibilidade é uma paisagem
oposta: caças “aliados” derrubados pelo sis-
tema antiaéreo que Maduro comprou de
ciais da Marinha dos Estados Unidos — cor- Vladimir Putin, participação de mercenários
rem por seus corredores buscando o auto- russos entre as tropas chavistas, assessores
crata Nicolás Maduro. Aviões de guerra co- cubanos preparando uma guerra de guerri-
lombianos e americanos em combate nos lhas que afugentaria da Venezuela qualquer
céus de Caracas contra aparelhos russos investidor durante décadas — é só recordar
Sukhois Su-30 pilotados por venezuelanos. que a Venezuela conta com montanhas e
Colunas de fumaça em várias partes da capi- selvas e tem duas vezes o tamanho de outro
tal do país caribenho. Em diversos pontos do país invadido pelos EUA, o desértico e pra-
país, dezenas de generais, almirantes e briga- ticamente plano Iraque.
deiros emitem, cada um por conta própria, Nesse contexto ficaria claro que a Ve-
comunicados nos quais argumentam que nezuela não é o Panamá, para onde as For-
“nunca” concordaram com o totalitarismo ças Armadas dos EUA, em 1989, enviaram
de Maduro e que estão dispostos a “defender 26 mil soldados com a finalidade de der-
a democracia”. Dias depois, Juan Guaidó, rubar — com rápido sucesso — o então di-
presidente interino designado pelo Parla- tador Manuel Noriega. Além disso, o êxo-
mento, faz sua entrada triunfal em Caracas. do de venezuelanos ocorrido até agora (4
Esse pode ser um dos cenários abertos milhões) pareceria uma amostra grátis.
pela frase de Donald Trump de que “todas Devido aos combates, milhões debanda-
as opções estão sobre a mesa”, caso fracas- riam em massa rumo aos países vizinhos
Desfile da Milícia
Nacional Bolivariana, sem as discussões a respeito de uma saída — criando futuros problemas sociais e
força que reúne cerca negociada de Maduro do poder e os Estados econômicos na região.
de 800 mil civis, Unidos decidam recorrer à força para en- Com esse caos, militares, grupos para-
segundo analistas,
e 1,6 milhão, de acordo cerrar 20 anos de chavismo, dos quais seis militares e gangues criariam guerrilhas e
com Nicolás Maduro de “chavismo-madurista”. transformariam a Venezuela, segundo
FOTO: MARCELO PEREZ DEL CARPIO
ANADOLU AGENCY/AFP
60 A HIPÓTESE IMPLAUSÍVEL

Francisco Toro, do think tank Grupo dos Maduro, mas ressaltou que Guaidó ainda
50, em uma “Líbia do Caribe”, alusão à não conseguiu capitalizar essa insatisfa-
feudalização do país africano e à intermi- ção. Ele afirmou que dará anistia aos mili-
tente guerra civil que tomou conta do ter- tares que abandonarem Maduro. No en-
ritório líbio após os ataques internacio- tanto, não explicou ainda qual será o al-
nais que causaram a queda do ditador cance real desse perdão. Isto é, se abarcará
Muamar Kadafi. — ou não — todo tipo de crime cometido
A base para isso está pronta, já que pelos militares e policiais nos 20 anos de
Maduro aumentou — segundo ele pró- chavismo. Guaidó tampouco explicou
prio afirmou — o contingente da Milícia qual será o papel deles em seu plano de
Nacional Bolivariana de 430 mil civis em transição para a volta à democracia.
2017 para 1,6 milhão no final de 2018. Os No ano passado, 4.009 militares vene-
analistas afirmam que esse volume está zuelanos desertaram. Se forem contadas as
inflado por Maduro, mas consideram que deserções ocorridas em 2016 e 2017, o nú-
o número total real de milicianos é enor- mero sobe para 10 mil. Além disso, de 22
me — seriam 800 mil. Um dos almirantes de fevereiro até 1º de março, haviam deser-
de Maduro, Remigio Ceballos Ichaso — tado mais de 400 soldados, segundo o De-
formado com os navy seals, com treina- partamento de Migrações da Colômbia.
mento em Israel e hoje à frente do Co- No contexto geral das Forças Arma-
mando Estratégico Operacional — decla- das, a proporção de soldados que rompe-
rou semanas atrás que, na hipótese de ram com o regime ainda é baixa. Em arti-
Guaidó derrubar Maduro, o atual presi- go para o site Libertad Digital, a jornalis-
dente passaria à clandestinidade e comba- ta especializada em assuntos militares Se-
teria o novo governo com uma guerrilha. bastiana Barráez afirmou que “está ocor-
No 25 de fevereiro, antevendo que uma rendo um gotejamento lento — mas im-
eventual invasão militar à Venezuela seria parável — de soldados que cruzam a
um ciclópico imbróglio continental, os go- fronteira em busca de proteínas e tam-
vernos do Grupo de Lima — entre os quais bém de paz para suas consciências”.
estão a Colômbia, o Brasil e o Chile — Chávez e Maduro, nos últimos dez anos,
emitiram um comunicado no qual afirma- compraram dos fornecedores russos fuzis,
ram que possuem a convicção de que “a mísseis antitanques, tanques de guerra, sis-
transição para a democracia deve ser feita temas antiaéreos, aviões de combate, heli-
pelos próprios venezuelanos, pacificamen- cópteros e material naval. Da China, im-
te e no marco da Constituição e do Direito portaram radares. No entanto, a experiên-
Internacional, respaldada por meios políti- cia bélica venezuelana é mínima. A última
cos e diplomáticos sem o uso da força”. A vez que o Exército do país protagonizou
União Europeia também desaconselhou combates relevantes foi ao interferir na
uma hipotética ação militar. Guerra dos Mil Dias (1899-1902), denomi-
nação de uma guerra civil na Colômbia.

M aduro explora ativamente, enquanto


isso, os rumores sobre uma invasão.
Segundo a cientista política venezuelana Co-
Maduro imagina uma guerra contra os
Estados Unidos há dois anos. Na época sus-
tentou que, se os americanos tentassem um
lette Capriles, o ditador usa o temor de um ataque “como na Normandia”, eles “se
ataque internacional como fator de coesão dariam mal”. Seu filho, Nicolás Maduro
nas Forças Armadas. “Não imagino marines Guerra, flautista e constituinte conhecido
desembarcando nas praias da Venezuela”, como Madurito, afirmou que, se Trump in-
afirmou Rocío San Miguel, da ONG Con- vadisse a Venezuela, o Exército de seu pai
trole Cidadão para a Segurança, a Defesa e revidaria. Na sequência, segundo Madurito,
as Forças Armadas Nacionais, em relação a os venezuelanos, armados com fuzis, desem-
uma hipotética invasão “clássica”. No en- barcariam em Nova York e tomariam a Casa
tanto, ela acredita que os militares temem Branca (sic). A desinformação das tropas de
que ocorra uma “intervenção cirúrgica”. Maduro sobre a localização da sede do go-
San Miguel considerou que 90% das verno americano daria, sem dúvida, uma
Forças Armadas estão insatisfeitas com vantagem tática aos EUA.
61

VENES CAITANO
O
CHÁ
PARECE
UM
SONHO
VIVI PARA CONTAR 63

NEUROCIENTISTA PESQUISA
O POTENCIAL ANTIDEPRESSIVO
DA AYAHUASCA, CONHECIDA
TAMBÉM COMO SANTO-DAIME
por Dráulio Barros de Araújo
em depoimento a Matheus Rocha

E m 2005, eu era professor da Universidade


de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto.
Na época, trabalhava com diferentes técnicas
to, ficou evidente o papel terapêutico da aya-
huasca. Pessoas se apresentavam voluntaria-
mente, dizendo que haviam melhorado de
de neuroimagem e as aplicava em questões quadros de depressão e de uso abusivo de ál-
de neurociência, desde epilepsia até AVC. Na cool. Também relatavam ter deixado o uso
ocasião, eu tinha um aluno de doutorado abusivo de crack e de cocaína. Por causa dis-
que frequentava uma das igrejas do santo- so, achamos melhor abrir uma segunda linha
daime. Nós conversávamos muito sobre a vi- de estudo, que teria outra perspectiva: avaliar
vência que ele tinha com a ayahuasca; e, ape- os efeitos antidepressivos da ayahuasca.
sar de já ter ouvido falar, eu nunca tinha tido Como era um estudo inicial, fizemos o
experiência com ela. Em novembro daquele que chamamos de desenho aberto. Nós e os
ano, apareceu a primeira oportunidade, a pacientes sabíamos que o que estava sendo
convite desse aluno, de ir a uma das cerimô- ministrado era a substância. Nesse primeiro
nias da igreja, em Ribeirão Preto. Embora ensaio, recrutamos 17 pacientes com depres-
tenha sido algo muito profundo para mim, são resistente a tratamento, isto é, pacientes
não mudou minha vida, como algumas pes- que já haviam sido submetidos a dois trata-
soas relatam. Mas o que me marcou desde mentos antidepressivos e que não tinham
aquela época foi a percepção de que, sob o respondido a eles. Para avaliar os sintomas,
efeito da ayahuasca, é possível perceber vá- pegamos uma escala que atribui o grau de
rios fenômenos que ocorrem quando sonha- severidade da depressão em um indivíduo e
mos. Muitos dos elementos que eu presenci- a aplicamos antes da sessão, ao longo da ses-
ava ali carregavam um impacto emocional são e de um a 21 dias depois da sessão. O
muito forte. No caso de um sonho, quando que observamos foi a significativa diminui-
acordamos temos a clara noção de que aqui- ção do quadro depressivo naqueles pacien-
lo foi só um sonho. Ao retornar da experiên- tes já um dia após o uso da substância, o
cia com a ayahuasca, o que mais me chamou que perdurou nos dias posteriores.
a atenção foi que ela continuava tendo status Em 2012, fizemos um segundo ensaio,
de realidade. No dia seguinte, também tive com 35 pacientes, dessa vez com a presença
uma sensação de muita tranquilidade e de de placebo. Observamos basicamente que o
poucos pensamentos. Senti um conforto efeito antidepressivo da ayahuasca é superior
emocional muito grande. ao do placebo e esse efeito continua apare-
Quando saí dessa primeira experiência, cendo na maioria dos pacientes um dia de-
ficou claro para mim que ela poderia ser es- pois da sessão. Mas nem todo mundo res-
tudada para identificar um pouco melhor pondeu, ou seja, a ayahuasca não é uma ba-
quais eram as bases neurais por trás daquele la de prata. Por outro lado, ninguém piorou
processo. Então, começamos a planejar um com ela. No pior dos cenários, a melhora
primeiro experimento científico usando a não foi significativa. Uma mensagem im-
ayahuasca. Para isso, nos pareceu apropriado portante a passar é que uma única inter-
Professor do Instituto do realizar o estudo com voluntários experien- venção com a ayahuasca melhora aguda-
Cérebro da Universidade
Federal do Rio Grande do tes no uso da ayahuasca, porque não sabía- mente o quadro depressivo dessas pessoas.
Norte, Dráulio Barros de mos qual seria a reação de uma pessoa sob o Esse efeito agudo tem uma resposta muito
Araújo disse ter sentido efeito da substância dentro de um hospital importante no que diz respeito à depressão.
um conforto emocional
muito grande ao universitário. Achamos por bem recorrer a Cem por cento dos antidepressivos comer-
experimentar a ayahuasca membros da igreja, e, nesse primeiro conta- cialmente disponíveis demoram cerca de 15
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
64 VIVI PARA CONTAR

dias para fazer efeito. Do ponto de vista da plo, em um ponto se viu dentro de um cai-
psiquiatria, isso é muito difícil. Imagine tra- xão com a mãe chorando a seu lado. Ela,
tar uma dor de cabeça que só vai passar da- porém, não conseguia se mexer para avisar
qui a 15 dias? É um tratamento que tem um à mãe que não estava morta. Outro pacien-
empirismo muito grande. te relatou uma experiência de dor profun-
O fato de termos observado um efeito da. Mas o que é uma dor profunda? Ele dis-
antidepressivo rápido faz com que esse tipo se que entrou em contato com a essência da
de tratamento ganhe uma perspectiva im- dor. Então tudo para ele era dor. Ele viu
portante do ponto de vista da psiquiatria, dor, ele cheirou dor, ele ouviu dor. Não era
que é a possibilidade de termos um trata- uma dor apenas física. Era uma dor mental.
mento para a depressão com resposta rápida. Ele disse que conseguiu ver a dor.
Apesar disso, não vislumbro a ayahuasca vi-
rando medicamento em um futuro próximo.
Primeiro precisamos entender qual a forma
de apresentar essa terapia aos pacientes. Ain-
E mbora boa parte dos pacientes tenha tido
experiências duras, no dia seguinte
observamos uma melhora robusta. A maioria
da não existe um modelo. Em outras pala- relatou uma sensação de tranquilidade, como
vras, a ayahuasca deve ser ministrada todo se nenhum problema fosse tão grande como
dia ou a cada 15 dias? Qual é a dose a ser da- imaginava. Outros relataram estados de total
da? Será tomada por via oral ou estratifica- comunhão com a vida. Uma paciente se viu
da? Não se sabe ainda. O que acredito é que, em um campo cheio de flores, onde encon-
se algum dia ela ou qualquer outro psicodé- trou uma irmã que tinha morrido. A irmã
lico tiver algum tipo de aplicação em larga olhava para ela no sonho e dizia que estava
escala, será como procedimento em clínicas; bem e que ela já não precisava se preocu-
não acho que será possível comprar essas par. Agora, estamos tentando quantificar o
substâncias em farmácia com receita médica. que faz um paciente ter uma resposta positiva
Durante a pesquisa, tivemos a possibili- ou quais são as características de um grupo
dade de analisar tanto pacientes com de- que teve uma resposta positiva em compara-
Cipó usado na pressão quanto pacientes sem depressão. ção a um paciente que não teve a mesma
preparação da De forma geral, os pacientes depressivos resposta. Queremos entender quanto a ex-
ayahuasca, bebida sofrem mais durante as sessões do que os periência determina a melhora do paciente.
ingerida em rituais
religiosos de povos pacientes que não têm depressão. Uma pa- Essas são questões que nos interessam e que
da Amazônia ciente que tinha ideação suicida, por exem- temos explorado recentemente.

JAIRO GALVIS HENAO/FLICKR


H.G.
65

hgurovitz@edglobo.com.br
@gurovitz

HELIO GUROVITZ É JORNALISTA É DIFÍCIL DEFENDER,


E BLOGUEIRO DO PORTAL G1
SÓ COM PALAVRAS,
O JORNALISMO

M esmo antes do lançamento, Merchants of truth (Mer-


cadores da verdade), da jornalista americana Jill
Abramson, era atacado. Num livro em defesa da verdade e
O acerto de contas com os antigos
patrões compõe os trechos mais
do jornalismo na era da desinformação, leitores das pro- cativantes e provocadores, mas só
vas encontraram erros factuais banais, como a identifica- diz respeito a quem se interessa
ção incorreta do gênero de uma entrevistada ou do estado
em que fica Charlottesville. No dia seguinte ao lançamen- pelas fofocas do meio jornalístico.
to, vieram à tona uma dúzia de acusações de plágio, identi- O resto da obra, em que pesem as falhas, resiste como
ficando trechos com paráfrases ao pé da letra de reporta- retrato preciso do impasse atual do jornalismo. Abram-
gens e artigos. Abramson já corrigira os erros apontados son adotou o formato de David Halberstam no clássico
nas provas. Reconheceu ter usado um sistema deficiente The powers that be, de 1979, relato da ascensão de quatro
para associar passagens do texto às 70 páginas de referên- potências da imprensa americana. Na versão para a era
cias no final. “As notas não correspondem às páginas cor- digital, ela persegue os jornais Times e Post e os sites Buzz-
retas nuns poucos casos. Não foi intencional e será pronta- Feed e Vice (de onde partiram os principais ataques à
mente corrigido”, escreveu em comunicado. “A lingua- obra). Os mesmo dilemas se apresentam, como imagens
gem está muito próxima noutros casos e deveria ter sido refletidas no espelho, às empresas tradicionais em busca
citada em aspas no texto. Isso também será corrigido.” da destreza digital — Times e Post — e às novatas em busca
Àquela altura, o estrago estava feito. de credibilidade e influência — BuzzFeed e Vice.
Resultado de três anos de investigação sobre a crise Todas progridem, mas nenhuma se sai bem. Times e Post
da imprensa americana, concebido como história defi- adotam um tom menos sisudo e mais visceral. Rompem as
nitiva do impacto do meio digital no jornalismo, o livro barreiras que antes mantinham as redações estanques dian-
se tornou, em vez disso, o exemplo perfeito do desleixo te dos avanços comerciais. Conquistam milhões de assinan-
e da empáfia que levaram ao buraco as empresas de co- tes digitais, impulso financeiro improvável com a eleição de
municação e geraram a maior crise de credibilidade Donald Trump e seus ataques à imprensa profissional. Mas
desde a profissionalização do ofício no século XIX. La- não resgatam a estabilidade nem a autoridade perdida. Vice
mentável, pois ninguém mais talhado que Abramson e BuzzFeed não mantêm o crescimento explosivo e, apesar
para contar a história. Primeira mulher a comandar a de conquistas jornalísticas, não resolvem o conflito entre a
redação do New York Times, entre 2011 e 2014, ela en- linguagem talhada para jovens e a tentativa de projetar uma
frentou o desafio de transformar cabeças de papel em imagem séria ao público adulto. Sobre as quatro, não é sur-
cérebros digitais sem sacrificar os princípios éticos da presa, paira o domínio das empresas de distribuição, em
profissão. Foi demitida, segundo a versão narrada no especial daquela a que Abramson dedica um capítulo: o
livro, ao entrar em choque com demandas pela partici- Facebook. Em virtude de critérios que privilegiam o “enga-
pação de jornalistas em novos negócios, como confe- jamento” em detrimento da confiabilidade, a verdade e o
rências, viagens e produtos patrocinados, em desafio às jornalismo ficam em segundo plano em relação à audiên-
regras que os protegiam havia décadas de ingerências cia. O futuro dependerá da crise de confiança do próprio
da área comercial. Outro fator na demissão, diz Abram- Facebook — para cuja solução apenas palavras não bastam.
son, foi ela ter sido lograda a aceitar uma remuneração
inferior à do antecessor, Bill Keller, e depois ter proces-
MERCHANTS OF TRUTH
sado a empresa por discriminação sexual. Ela toma o Jill Abramson, Simon & Schuster
cuidado de registrar que o Times contesta sua versão. 2019 | 544 páginas | US$ 30
CRÔNICA MUSICAL 67
CRÔNICA MUSICAL

Cresce o império musical


de KondZilla, o midas
da arte popular de ostentação
por Silvio Essinger

FUNK DA
PERIFERIA
P ense num conglomerado de mídia — e ne-
nhum deles se parecerá com a KondZilla,
que começou 2019 como o terceiro maior ca-
KondZilla, de 32 artistas — entre eles estrelas
do porte dos MCs Kevinho, Kekel, Dani
Russo e Guimê —, Dantas se prepara agora
nal do YouTube no mundo, com quase 47 mi- para lançar o Portal KondZilla (com conteú-
lhões de inscritos, e com um vídeo, o do funk do que abrange música e comportamento
“Bum bum tam tam”, de MC Fioti, beirando para os jovens da periferia), estrear a série
a estratosférica marca de 1,2 bilhão de visuali- ficcional Sintonia, da Netflix (dirigida por ele
zações. Na sede da produtora, em uma das e por Johnny Araújo) e assumir a direção
quatro casas que ocupa numa tranquila rua criativa da marca de vodca Orloff.
do bairro do Tatuapé, Zona Leste de São Pau- Em vez de favelas, áreas alagadiças e tra-
lo, seus jovens funcionários circulam — al- ficantes com armas, KondZilla começou a
guns deles literalmente vestindo a camiseta filmar em condomínios de praia, abusa dos
da empresa — em um clima colegial, mos- closes em cordões de ouro e desdenha de
trando vídeos no celular uns aos outros. A críticas sexistas, caracterizando-se por cli-
caminho dos fundos da casa de dois andares pes apimentados em que reforça o papel da
sem qualquer sinal de glamour além de um mulher como objeto submisso. Descobriu o
punhado de pôsteres de seus vídeos mais co- filão de gêneros musicais marginalizados,
nhecidos, a churrasqueira ChurraZilla faz como o funk. Apostou no público da peri-
pensar nos momentos de descontração da feria para construir negócio agora milioná-
turma em meio ao trabalho incessante, que rio. Adotou o lema “Favela Venceu”, que
rende uma média de 40 clipes musicais por direciona seus negócios. Sua inspiração
mês. É tanta tranquilidade que a chegada do veio do documentário Reincarnated, do
big boss, no meio da manhã, nem sequer rapper americano Snoop Dogg.
promove algum deslocamento de ar. A assinatura artística mistura as letras
Bem mais baixo, tímido e quieto do que iniciais de seu primeiro nome (Konrad) com
se esperaria de alguém que criou a marca Godzilla (é fã de filmes de monstros japone-
KondZilla, Konrad Cunha Dantas, de 30 ses). Na época em que entrou no mercado,
anos, chega manso e simpático, mas sem os clipes de funk eram toscos, com o cantor
desviar a atenção do celular. No meio de e seus amigos dançando ao fundo. Dantas
mais um dia de sucessivas reuniões, ele tem apostou desde o início em edição ágil, closes
Konrad Cunha Dantas,
cerca de uma hora para conversar com ÉPOCA em câmera lenta e tomadas coloridas. de 30 anos, usou o seguro
sobre o salto que está prestes a dar — o “Todas as pessoas que eu uso como refe- de vida que recebeu com
maior desde que começou a produtora, em rência de construção de carreira, aquelas a morte da mãe para
cursar cinema e se
2012. Diretor e roteirista de vídeos, além de que começaram na música e depois foram transformar em KondZilla,
empresário e produtor fonográfico, pela participar do business, em algum momento o midas do funk
FOTO: RAQUEL CUNHA/FOLHAPRESS
REPRODUÇÃO

chegaram a ser diretores de criação de algu- Boa parte do sucesso da KondZilla se de- Acima, na imagem de
ma marca”, afirmou Dantas, que nasceu em ve à estética que Dantas criou para os MC Kevinho e MC Kekel,
a mescla de estilos
uma família pobre no Guarujá, na Baixada vídeos, de cores contrastadas (que ele estu- que é reflexo da
Santista, perdeu a mãe em 2008, foi cursar dou nas aulas de cinema), muito brilho, cor- produção da KondZilla
cinema com o dinheiro que recebeu do se- pos torneados, dança e todo tipo de ostenta-
À direita, KondZilla
guro de vida dela e hoje considera a possi- ção material. “A estética KondZilla é a ale- (de óculos) com os
bilidade de iniciar um MBA. “Nesse traba- gria. É um entretenimento divertido o que participantes de seu novo
lho de direção de criação, quero fidelizar o as pessoas estão buscando”, disse ele, que programa na Netflix, com
periferia, moda e música
público que a marca já tem e trazer um no- começou com artistas de funk e recente-
vo público. E a música é um caminho. Sou mente produziu um clipe para a escola de
focado em resultados. E, se eu não trouxer samba carioca Grande Rio, estrelado pela
um resultado para meu contratante, seja ele atriz global Juliana Paes. “Comecei em 2012,
qual for, eu não vou ser contratado de novo.” na era Lula, de ascensão da classe C e de in-
Um apaixonado por música que não sabe clusão digital, o público de periferia passou
tocar nenhum instrumento e nem sequer a ter acesso à informação também. Então a
canta (“Eu me sinto meio como um técnico gente colocou saturação de cores nos video-
de futebol, gosto de participar da constru- clipes, para trazer alegria, porque a gente es-
ção. O artista bombou? Que legal, vamos lá tava vivendo um momento muito alegre.”
ajudar a construir o próximo”), Dantas não
encontrou na falta dessas habilidades especí-
ficas um empecilho para montar seu impé-
rio. Hoje, cerca de 200 pessoas trabalham
A mudança de ares políticos, segundo
Dantas, não muda a orientação estética
da KondZilla. “Hoje, se a gente não está vi-
para ele em diversas operações, da produção vendo um momento muito alegre, os vídeos
de vídeos à gravação de faixas para seus ar- viram uma válvula de escape”, teorizou. “A
tistas — e, na primeira semana de maio, to- gente está falando de antropologia aí, essas
dos irão para a nova sede da KondZilla, pessoas que nunca foram vistas se sentem
num prédio de três andares, também no Ta- honradas quando têm a arte delas difundida.
tuapé, com 1.200 metros quadrados, que terá É isso que a gente procura trazer para esses
estúdios de vídeo e áudio sincronizados, artistas, através da fotografia, do figurino,
próprios para transmissões para a internet. das cores. E isso não é só no Brasil, é global.”
CRÔNICA MUSICAL 69

empresário não pensa em ir atrás de mais po-


sições na plataforma de vídeos, superando os
canais do selo fonográfico indiano T-Series e
do comediante sueco PewDiePie. “A gente es-
tá confortável como está, e essa nunca foi
uma corrida em que a gente esteve focado”,
explicou. Seu trabalho agora está em garantir
uma presença sólida no Spotify, o principal
sistema de streaming de música, no qual vem
conseguindo bons resultados no Top Brasil.
“Esse era um caminho inevitável. Se o
meu core business é a música e eu promovo
a música dos outros, um dia eu ia ter de fa-
zer parte de todo o gerenciamento e não ser
apenas a última etapa da cadeia de promo-
ção, que até então era videoclipe e hoje eu
REPRODUÇÃO
acho que não é mais”, discorreu. “Hoje te-
mos muito claro que somos uma compa-
nhia multiplataforma, não depositamos to-
É esse novo momento do país diante do dos os nossos ovos numa cesta só.”
mundo que ele espera refletir neste ano, tan- Mesmo não participando mais direta-
to em Sintonia — série passada em São Pau- mente de todos os projetos da KondZilla,
lo, já toda filmada, com atores desconheci- Dantas continua a ser o cara que não conse-
dos e centrada na história de três amigos, gue tirar férias. “Até quando eu viajo, arru-
“com o olhar de uma pessoa que veio da pe- mo um jeito de filmar algo”, confessa ele,
riferia, tentando contar uma história para que raramente vai a shows, mas não tira o
outras pessoas que vieram da periferia” — olho dos números. “Qual o objetivo final da
quanto nos documentários a ser exibidos no promoção da música? É venda de shows.
Portal KondZilla, que, segundo Dantas, ti- Então a gente tem de conseguir apresentar
nha, no último dia 18, 682 mil inscritos “sem resultados baseados na métrica.” Por isso,
nenhum vídeo ainda, só com artigos editoriais”. ele está sempre a pensar em formas de tor-
“Assim que bater 1 milhão de inscritos, eu nar seus videoclipes mais criativos e atrati-
lanço os vídeos”, prometeu. Entre os 89 pe- vos — como o da romântica canção “O be-
quenos documentários já produzidos, estão bê”, de Kevinho e Kekel, para o qual criou
histórias de MCs em busca do sucesso (na um emocionante plot twist — e de fazer
série Vivendo um sonho) e de um casal gay com que os seus artistas fiquem ainda mais
de funkeiros e sua vida diante de toda sorte populares. Mas, nesse último caso, como ele
de preconceitos (em Somos plural). próprio faz questão de dizer, a coisa não de-
“Imagino a KondZilla sendo o principal pende mais apenas de seu empenho.
veículo, o principal canal, a principal fonte “Eu trabalho o feijão com arroz do artista,
de informação para o público da periferia e porque o diferencial é dele, não é meu. Eu não
também para quem quer se comunicar com sei se ele pode se transformar no novo Kevi-
a periferia”, projetou Dantas. “A gente quer nho”, considerou. “A gente acredita no que o
completar as lacunas do comportamento artista acredita. A gente, que faz parte da in-
como um todo, mas a música é nossa ori- dústria, tem a oportunidade de errar. O artista,
gem e a gente não vai abandoná-la nunca.” não. Ele é o manager, gestor, CEO e presidente
Orgulhoso de seu Play de Diamante rece- da empresa artista. Ele contrata o empresário
bido do YouTube depois que o canal Kond- para ajudá-lo a administrar sua empresa, ele
Zilla passou dos 10 milhões de inscritos, o é que tem de tomar as decisões.”
70 ONDE ESTÁ A RIQUEZA

13 DICAS QUE PODEM


MUDAR SUA VIDA
DEPOIS DO CARNAVAL
(OU NÃO)
por Sam Altman, tradução de Mariana Nântua
ilustrações de Catarina Bessel

GUIA EXCÊNTRICO
DE AUTOAJUDA
T enho observado milhares de empreende-
dores e pensado bastante sobre o que é
necessário para ganhar muito dinheiro ou
Você também deveria almejar ser uma
curva exponencial — direcionar sua vida para
seguir uma trajetória sempre crescente, para
criar algo importante. Normalmente, as cima e para a direita. É importante seguir uma
pessoas começam querendo o primeiro e carreira que tenha um efeito exponencial — o
acabam buscando o segundo. progresso da maioria delas é bastante linear.
Aqui estão 13 ideias de como atingir es- Você não quer investir numa carreira em
se nível atípico de sucesso. Todas elas são que pessoas que estão trabalhando há dois
mais fáceis de ser executadas quando já se anos conseguem ser tão eficazes quanto pes-
alcançou um nível básico de sucesso — por soas que estão trabalhando há 20. Seu ritmo de
meio de privilégio ou esforço — e se quer aprendizado deve ser sempre alto. À medida
trabalhar para transformá-lo naquele su- que sua carreira progride, cada unidade de tra-
cesso excepcional. Mas a maioria se aplica balho que você faz deve gerar mais e mais re-
a qualquer pessoa. sultados. Há muitas maneiras de alcançar essa
influência — com capital, tecnologia, marca,
INVISTA EM VOCÊ efeito de rede e gerenciamento de pessoal.
Crescimento exponencial é mágico. Procure É útil adicionar mais um zero àquilo que
por ele em todo lugar. Curvas exponenciais você define como sua métrica de sucesso — di-
são a chave para a geração de riqueza. nheiro, status, impacto no mundo ou o que for.
Uma empresa de médio porte cujo valor Estou disposto a demorar o tempo necessário
aumenta 50% todo ano se torna gigantesca entre dois projetos até encontrar minha próxi-
num espaço bem curto de tempo. Poucos ma paixão. Mas sempre quero que seja uma
negócios no mundo têm efeitos de rede reais iniciativa que, se bem-sucedida, fará o resto de
e escalabilidade extrema. Porém, com a tec- minha carreira parecer uma nota de rodapé.
nologia, mais e mais terão. Achá-los e criá- A maioria das pessoas se perde em opor-
los vale o enorme esforço. tunidades lineares. Esteja preparado para
71
72 ONDE ESTÁ A RIQUEZA

deixar para lá oportunidades pequenas e fo- acreditam tanto nelas próprias que é prati-
car em potenciais saltos qualitativos. camente um delírio.
Creio que a maior vantagem competitiva Cultive a autoconfiança desde cedo. À
nos negócios — seja para uma companhia, medida que você recebe dados indicando
seja para uma carreira individual — é pen- que seu discernimento é bom e que você é
sar a longo prazo, com uma visão ampla de capaz de gerar bons resultados de forma
como diferentes sistemas do mundo se uni- consistente, confie mais em si mesmo.
rão. Um dos aspectos notáveis de crescimen- Se você não acredita em si mesmo, fica
to exponencial é que os anos mais longín- difícil se permitir ter ideias divergentes so-
quos são os mais importantes. Em um mun- bre o futuro. E é nelas que está a maior par-
do onde quase ninguém tem visão a longo te dos ganhos.
prazo, o mercado recompensa bastante Eu me lembro de quando Elon Musk
aqueles que têm. me levou para um passeio pela fábrica da
Confie no crescimento exponencial, te- SpaceX, muitos anos atrás. Ele falou em
nha paciência e você se surpreenderá de detalhes sobre a manufatura de todas as
maneira agradável. partes do foguete, mas o que nunca me
saiu da memória foi aquela expressão de
TENHA AUTOCONFIANÇA confiança absoluta em seu rosto quando
ATÉ DEMAIS falou sobre enviar foguetes enormes a Mar-
Acreditar em si é imensamente poderoso. As te. Eu saí pensando: “Ah, então esse é o
pessoas mais bem-sucedidas que conheço conceito de convicção”.
ONDE ESTÁ A RIQUEZA 73

Gerenciar seu moral — e o de sua equipe investidores etc. Isso requer visão inspiradora,
— é um dos maiores desafios de grande par- forte habilidade comunicativa, um certo caris-
te das iniciativas. É quase impossível sem ma e uma evidente capacidade de execução.
bastante autoconfiança. E, infelizmente, Aperfeiçoar a comunicação — especial-
quanto mais ambicioso você é, mais o mun- mente a escrita — é um investimento que vale
do vai tentar derrubá-lo. a pena. Meu melhor conselho para conseguir
A maioria das pessoas altamente bem-su- uma comunicação clara é: primeiro certifique-
cedidas esteve muito certa sobre o futuro pelo se de que seu pensamento é claro e, em segui-
menos uma vez numa época em que os ou- da, use uma linguagem simples e concisa.
tros pensavam que ela estava errada. Do con- A melhor maneira de aprimorar sua capa-
trário, a competição teria sido mais acirrada. cidade em vendas é acreditar de fato no que
É preciso equilibrar autoconfiança e au- você está ofertando. Vender aquilo em que
toconsciência. Eu costumava odiar qualquer você verdadeiramente acredita é ótimo, e ten-
tipo de crítica e evitá-la. Agora, tento sem- tar vender gato por lebre é péssimo.
pre escutar, partindo do princípio de que ela Tornar-se um bom vendedor é como
está certa, e, então, decido se quero fazer al- aperfeiçoar qualquer outra habilidade — ca-
go a respeito ou não. Buscar a verdade é di- da um pode melhorar se praticar. Mas, por
fícil e muitas vezes doloroso, mas é o que se- alguma razão, talvez porque pareça desagra-
para a autoconfiança do delírio. dável, muitas pessoas tratam como se fosse
Esse equilíbrio também ajuda a evitar algo que não pode ser aprendido.
que você soe soberbo e fora da realidade. Minha outra grande dica sobre vendas é
aparecer pessoalmente quando for importante.
APRENDA A PENSAR Quando eu estava começando, sempre me dis-
COM INDEPENDÊNCIA ponibilizava a pegar um avião. Muitas vezes
É muito difícil ensinar empreendedorismo não era necessário, mas em três ocasiões essa
porque é muito difícil ensinar a ter pensa- atitude me levou a momentos decisivos, des-
mentos originais. A escola não foi feita pa- ses que constroem uma carreira; caso eu não
ra isso — inclusive, ela geralmente premia tivesse viajado, o desfecho teria sido outro.
o oposto. Então você tem de cultivar isso
por conta própria. ARRISQUE-SE COM
Pensar a partir dos primeiros princípios MAIS FACILIDADE
e tentar gerar novas ideias é divertido, e en- A maioria das pessoas superestima os riscos e
contrar pessoas com as quais trocá-las é um subestima a recompensa. É importante arris-
ótimo jeito de aperfeiçoar essa habilidade. O car porque é impossível estar certo o tempo
próximo passo é achar maneiras fáceis e rá- todo — você tem de tentar muitas coisas e
pidas de testar essas ideias no mundo real. adaptar-se rapidamente conforme aprende.
“Fracassarei muitas vezes e estarei muito Muitas vezes, é mais fácil arriscar no co-
certo uma vez” é o lema do empreendedor. Vo- meço da carreira: você não tem muito a per-
cê tem de se dar muitas chances para ter sorte. der e, potencialmente, tem muito a ganhar.
Uma das lições mais poderosas a apren- Assim que atingir o patamar em que cobriu
der é que você consegue descobrir o que fa- as obrigações básicas, você deve tentar arris-
zer em situações que parecem não ter solu- car-se com mais facilidade. Procure por apos-
ção. Quanto mais vezes fizer isso, mais vai tas pequenas nas quais você perca X se estiver
acreditar nisso. A garra vem de saber que vo- errado, mas ganhe 100 X se der certo. Em se-
cê consegue se reerguer depois de cair. guida, aposte ainda mais nessa direção.
Mas não demore. Na aceleradora de empre-
APRIMORE SUAS “VENDAS” sas Y Combinator, muitas vezes percebemos
Apenas autoconfiança não é suficiente — um problema com empreendedores que passa-
você também tem de ser capaz de convencer ram muito tempo trabalhando no Google ou
outras pessoas daquilo em que acredita. no Facebook. Quando as pessoas se acostumam
Todas as grandes carreiras, até certo ponto, a uma vida confortável, um emprego previsível
transformam-se em trabalho de vendedor. Vo- e à reputação de ser bem-sucedidas no que
cê tem de pregar seus planos aos consumido- quer que façam, fica muito difícil deixar tudo
res, empregados em potencial, à imprensa, aos para trás (e as pessoas têm a incrível habilidade
74 ONDE ESTÁ A RIQUEZA

de condicionar seu estilo de vida a seu salário gumas partes dos Estados Unidos. Esse certa-
do ano seguinte). Mesmo se saírem disso, é mente não é o caso em outras partes do mun-
muito tentador voltar. É fácil — e parte da do — a quantidade de energia e garra exibida
natureza humana — priorizar o ganho e a por empreendedores fora dos EUA está rapida-
conveniência a curto prazo em detrimento da mente se tornando o novo ponto de referência.
realização a longo prazo. Você precisa descobrir como trabalhar
Mas, ao escapar da rotina, você consegue muito sem sentir os efeitos do esgotamento.
seguir sua intuição e usar seu tempo fazendo Cada um tem suas próprias estratégias para
coisas que podem se tornar interessantes. isso, mas uma que quase sempre funciona é
Baratear e flexibilizar sua vida o máximo trabalhar no que você gosta e com quem
possível é uma maneira poderosa de alcançar você gosta de passar muito tempo.
isso, mas obviamente há um lado negativo. Acho que pessoas que afirmam ser possí-
vel ter muito sucesso profissional sem traba-
TENHA FOCO lhar a maior parte do tempo (por um perío-
O foco é um multiplicador de força no traba- do da vida) estão fazendo um desserviço. Na
lho. Quase todo mundo que conheço estaria verdade, a energia aplicada no trabalho apa-
bem servido se passasse mais tempo pensan- renta ser um dos grandes indicadores do su-
do no que deve se concentrar. É muito mais cesso a longo prazo.
importante trabalhar na coisa certa do que Mais uma reflexão sobre trabalhar muito:
trabalhar muitas horas. A maioria das pessoas faça isso no começo de sua carreira. O traba-
desperdiça a maior parte de seu tempo em lho duro funciona como os juros, e, quanto
coisas que não são importantes. mais cedo você faz isso, mais tempo vai ter
Assim que descobrir o que fazer, não pare para os benefícios começarem a dar frutos.
até que suas poucas prioridades sejam conquis- Também é mais fácil trabalhar muito quando
tadas rapidamente. Estou para conhecer uma as outras responsabilidades que se tem são
pessoa de ritmo devagar que seja bem-sucedida. poucas, o que acontece frequentemente, po-
rém nem sempre, quando se é jovem.
TRABALHE BASTANTE
É possível alcançar o 90% em seu ramo tra- SEJA OUSADO
balhando de maneira inteligente ou traba- Acredito que é mais fácil desenvolver um
lhando muito, o que é um grande feito. Mas projeto inicial difícil do que um fácil. As
chegar a 99% requer ambos — você estará pessoas querem fazer parte de algo estimu-
competindo com outras pessoas muito talen- lante e sentir que o trabalho delas tem valor.
tosas que terão ótimas ideias e estarão dis- Se você está progredindo na resolução de
postas a trabalhar bastante. um problema importante, terá uma fila
Pessoas extremas alcançam resultados ex- constante de pessoas querendo ajudá-lo. Per-
tremos. Trabalhar muito envolve ter de fazer mita-se ser mais ambicioso e não tenha me-
inúmeras concessões, e é perfeitamente racio- do de trabalhar com o que de fato você quer
nal decidir não fazer isso. Mas há muitas van- trabalhar.
tagens. Como na maioria dos casos, impulso Se todos os outros estão abrindo empre-
gera crescimento, e sucesso traz sucesso. sas de memes e você quiser abrir uma em-
E muitas vezes é bem divertido. Uma das presa de edição de genes, então faça isso e
grandes alegrias da vida é encontrar seu não duvide de si.
propósito, sobressair-se e descobrir que seu Deixe-se guiar por sua curiosidade.
impacto é importante para algo maior que Aquilo que parece estimulante para você
você. Recentemente, um empreendedor da muitas vezes parece estimulante para outras
Y Combinator expressou sua total surpresa pessoas também.
em ver quão mais feliz e realizado ele estava
depois de se demitir de uma grande empresa SEJA OBSTINADO
e trabalhar para alcançar seu máximo im- Aqui vai um segredo: você pode moldar o
pacto possível. Nesse aspecto, trabalhar duro mundo a seu bel-prazer uma grande parte
para isso deveria ser celebrado. do tempo — a maioria das pessoas nem ten-
Não vejo muito bem por que trabalhar ta fazer isso e apenas aceita que as coisas são
muito tem se tornado uma coisa ruim em al- do jeito que são.
ONDE ESTÁ A RIQUEZA 75

As pessoas têm uma enorme capacidade


de fazer as coisas acontecer. Uma mistura de
ser inseguro, desistir cedo demais e não in-
sistir o suficiente é o que impede a maior
parte delas de chegar perto de seu potencial.
Se você quer algo, peça. Normalmente,
você não conseguirá, e muitas vezes a rejei-
ção será dolorosa. Mas, quando isso funcio-
na, funciona surpreendentemente bem.
Quase sempre, as pessoas que dizem “Eu
vou continuar até que isso dê certo e, quais-
quer que sejam os desafios, vou descobrir
como superá-los” — e que de fato se
dispõem a isso — alcançam o sucesso. Elas
persistem o tempo necessário para dar uma
chance para a maré virar a seu favor.
O Airbnb um ótimo exemplo disso.
Seus fundadores fizeram muitas coisas que
eu jamais recomendaria (colecionar car-
tões de crédito com o limite estourado e
acondicioná-los em pastas tipo fichário,
comer cereal barato em todas as refeições,
travar batalha após batalha com entidades
poderosas, entre outras), mas eles conse-
guiram sobreviver por tempo suficiente até
a sorte alcançá-los.
Para ser obstinado, você tem de ser oti-
mista — é, com sorte, esse é um traço de
personalidade que pode ser aperfeiçoado pe-
la prática. Nunca conheci uma pessoa bem-
sucedida que fosse pessimista.

TORNE-SE UM ADVERSÁRIO DIFÍCIL


A maioria das pessoas entende que as em-
presas são mais valiosas quando é difícil
competir com elas. Isso é importante e ob-
viamente é verdade.
Mas isso também serve para você como
indivíduo. Se aquilo que você faz pode ser
feito por outra pessoa, uma hora vai ser, e
por menos dinheiro.
A melhor maneira de se tornar um ad-
versário difícil é aumentando sua influência.
Por exemplo, você pode fazer isso com rela-
cionamentos pessoais, desenvolvendo uma
marca pessoal forte ou aperfeiçoando a in-
terseção de múltiplos ramos diferentes. Há
muitas outras estratégias, mas você tem de
descobrir um jeito de fazer isso.
A maioria das pessoas faz aquilo que a
maioria das pessoas com quem convive faz.
Esse comportamento de imitação costuma ser
um erro — se você faz o mesmo que todos os
outros, não é difícil competir com você.
76 ONDE ESTÁ A RIQUEZA

CONSTRUA UMA REDE neroso ao compartilhar o lado bom; isso


Um bom trabalho requer equipes. Desen- volta para você dez vezes mais forte. Além
volver uma rede de pessoas talentosas para disso, aprenda a avaliar no que as pessoas
trabalhar junto — às vezes perto, às vezes são boas e coloque-as nesses papéis. (Essa é
esporadicamente — é uma parte essencial a lição mais importante que aprendi sobre
de uma grande carreira. O tamanho da re- gerenciamento e não tenho lido muito sobre
de de pessoas realmente talentosas que você isso.) Você deve ser conhecido como alguém
conhece muitas vezes se torna o limite do que encoraja as pessoas a conquistarem
que consegue alcançar. mais do que pensavam que podiam, mas
Uma maneira efetiva de construir uma não tanto que elas cheguem à exaustão.
rede é ajudar as pessoas o máximo que pu- Todo mundo é melhor em algumas coisas
der. Fazer isso, durante um longo período de do que em outras. Defina-se por seus pontos
tempo, foi o que me levou à maioria de mi- fortes, não pelos fracos. Reconheça suas fra-
nhas melhores oportunidades na carreira e a quezas e descubra como contorná-las, mas não
três de meus quatro melhores investimentos. deixe que elas o impeçam de fazer o que quer.
Continuo me surpreendendo com a fre- “Eu não posso fazer X porque não sou bom
quência com uma coisa boa acontece comi- em Y” é algo que ouço de empreendedores
go por causa de algo que fiz para ajudar um com uma frequência surpreendentemente alta,
empreendedor dez anos atrás. e quase sempre revela falta de criatividade. A
Uma das melhores maneiras de construir melhor maneira de compensar suas fraquezas
uma rede de contatos é ser conhecido como é contratar uma equipe com habilidades com-
alguém que realmente cuida das pessoas plementares, em vez de contratar pessoas que
com quem trabalha. Seja excessivamente ge- são boas nas mesmas coisas que você.
ONDE ESTÁ A RIQUEZA 77

Construir uma rede é importante porque Em primeio lugar, isso fará com que
ensina você a descobrir talentos secretos. você trabalhe com ideias de outras pessoas
Notar rapidamente inteligência, garra e cria- e trilhe uma carreira escolhida por outras
tividade se torna mais fácil com a prática. A pessoas; e se importará demais — muito
maneira mais simples de aprender é conhe- mais do que pensa — se as outras pessoas
cer muita gente e lembrar quem impressio- acham que você está fazendo a coisa certa.
nou e quem não impressionou. Lembre-se Tal atitude, provavelmente, vai impedi-lo
de que você está procurando aprimorar esse de realizar um trabalho de fato interessan-
talento e não valorize demais experiência ou te e, mesmo que você o faça, alguém já vai
conquistas atuais. ter feito, de qualquer forma.
Tento sempre perguntar a mim mesmo Em segundo lugar, provavelmente fará
quando conheço uma pessoa nova: “Ela é com que você erre no cálculo dos riscos. Vo-
uma força da natureza?”. É uma boa heurís- cê estará muito concentrado em acompanhar
tica para encontrar quem provavelmente vai as outras pessoas e em não ficar para trás em
conquistar grandes coisas. jogos competitivos, mesmo a curto prazo.
Um caso especial de desenvolvimento de O perigo da motivação externa parece
rede consiste em achar alguém em uma po- afetar especialmente as pessoas inteligentes.
sição de destaque que aposte em você, de Estar consciente disso ajuda, mas só um
preferência no começo de sua carreira. A pouco —você provavelmente vai ter de se
melhor maneira de fazer isso é, claro, não esforçar bastante para não cair novamente
medindo esforços para ser prestativo. (E sai- na armadilha da imitação.
ba que você vai ter de retribuir essa aposta As pessoas mais bem-sucedidas que co-
em algum momento!) nheço são primeiramente motivadas interna-
Por último, lembre-se de passar seu mente; elas fazem o que fazem para impres-
tempo com pessoas positivas que apoiem sionar a si próprias e porque se sentem obri-
suas ambições. gadas a criar algo no mundo. Depois de con-
seguir dinheiro suficiente para comprar o
ENRIQUEÇA AO SER que quiser e ganhar tanto status social que
DONO DE COISAS deixa de ser divertido ter ainda mais, esse é o
O maior desentendimento econômico de único impulso que conheço que continuará a
minha infância foi achar que pessoas fica- levá-lo a níveis de desempenho mais altos.
vam ricas com salários altos. Apesar de exis- É por isso que a pergunta sobre a motivação
tirem algumas exceções — artistas, por de uma pessoa é tão importante. É a primeira
exemplo —, quase ninguém na história da coisa que tento entender quando conheço al-
lista da Forbes alcançou tal posição por cau- guém. É difícil definir regras para as motivações
sa de seu salário. certas, mas você sabe quando depara com elas.
Você se torna de fato rico ao ser dono de Jessica Livingston e Paul Graham são mi-
coisas cujo valor aumenta rapidamente. nhas referências. A Y Combinator foi alvo
Pode ser parte de um negócio, um imóvel, de muitas piadas nos primeiros anos, e,
recurso natural, uma propriedade intelectual quando eles começaram, quase ninguém
ou outras coisas similares. Mas, de um jeito acreditava que seriam bem-sucedidos. Mas
ou de outro, você precisa ser dono de um pa- eles achavam que, se desse certo, seria ótimo
trimônio em vez de somente vender seu tem- para o mundo; eles amam ajudar as pessoas
po. A escala do tempo é apenas linear. e estavam convencidos de que o novo mo-
O melhor jeito de fazer algo cujo valor delo era melhor do que o modelo existente.
aumente rapidamente é fazer coisas que as Uma hora, sua definição de sucesso será
pessoas queiram em escala. um trabalho excelente executado em áreas que
lhe são importantes. Quanto mais cedo se en-
SEJA AUTOMOTIVADO caminhar para essa direção, mais longe chega-
A maioria das pessoas é primeiramente mo- rá. É difícil ser extremamente bem-sucedido
tivada por fatores externos: elas fazem o que em algo se você não é obcecado por isso.
fazem porque querem impressionar os ou-
tros. Isso é ruim por vários motivos, mas Sam Altman é blogueiro americano e empreendedor.
aqui explico dois importantes. Este texto foi originalmente publicado em seu blog
78 NOTAS SUPERSÔNICAS

O RELATO DO REPÓRTER QUE


ESTAVA NO PRIMEIRO VOO
DO CONCORDE DE PARIS AO RIO,
COM REVISTAS DE MULHERES
NUAS NAS MÃOS E DOIS COLOSSOS
DA IMPRENSA À VOLTA
por Geraldo Mayrink

A CURVA DA
TERRA NO
HORIZONTE
NOTAS SUPERSÔNICAS 79

O primeiro ninguém esquece, na mensa-


gem que depois ficou famosa sobre a lin-
gerie, e assim tudo corria muito bem para
outros. Era um potentado, mas eu não espera-
va que chegasse a tanto em aeroportos. “Isso
não pode estar acontecendo comigo”, pensei,
compor minhas futuras memórias. Era o que com um certo desgosto e uma resignação de
eu havia planejado. Meu primeiro, no caso, era que estava acontecendo mesmo.
o Concorde — para quem não sabe, até com O seu Victor era meu patrão na época, e a
alguma razão, é um avião, não um sutiã. Por visão dele me provocou um misto de surpre-
isso estava na sala VIP do aeroporto Charles sa, apreensão e medo. Fazer sala num aero-
de Gaulle, em Paris, numa manhã de domingo porto VIP para patrão não era para qualquer
de julho de 1976, para viver minha experiência um, e eu mal sabia o que me esperava. Ele
inesquecível. Com quase quatro horas de ante- me reconheceu, meio em dúvida, mas se eu
cedência, esperava ser o primeiro passageiro a estava ali ao lado dele, na antecâmara do fu-
chegar para aproveitar ao máximo toda aquela turo, deveria ser alguém. E me saudou com
modernidade. Anotar o que me impressionas- aquele sorriso que desarmava qualquer um.
se — e tudo era impressionante! — para de- — Caro, como está?
pois sair contando para a mulher, os filhos e Eu respondi que molto bene, sem muita
amigos pelo resto de meus dias. Aquilo não se convicção, sentei-me ao lado dele por alguns
repetiria, e tratei de aproveitar minha solidão instantes e procurei dar um jeito de sair dali.
de passageiro original para me extasiar sem Não tinha assunto para manter alto o nível
testemunhas ou dar explicações. com o fundador do império do Tio Patinhas.
Só que alguém havia sido mais rápido do Não que quisesse me livrar da encantadora
que eu. Estava sentado lá, no salão aeroespa- companhia dele. É que eu tinha intenções
cial gelado, lendo alguma coisa. Era Victor Ci- piores: comprar bugigangas no free shop, bebi-
vita, dono da Editora Abril. Ele sempre fora, das, lembrancinhas para as crianças, essas coi-
ao longo da vida, mais rápido que eu e muitos sas de pobre metido de repente num aeroporto

O Concorde foi
um avião supersônico
que, entre 1976 e 1982,
fazia o voo Rio-Paris
em seis horas, quase
metade do tempo atual
FOTO:ARQUIVO O GLOBO
80 NOTAS SUPERSÔNICAS

de cinema. Tinha de aproveitar, e não seria ao dele, único lugar do prédio onde o ar-condi-
lado de seu Victor, que continuava lendo al- cionado nunca era desligado, e falamos de
guma coisa, distraído. Como se não bastasse, cinema. Ele não poderia saber com certeza
eu perseguia também revistas de mulheres se me conhecia ou não. Mas, se estava com
peladas, e não apenas Playboy. Chamavam-se seu Victor, pode ter pensado, eu deveria ser
Penthouse e Hustler, explicitíssimas, ambas alguém. Dirigiu-me duas palavras:
proibidas no Brasil daquele tempo. — Como vai?
Mesmo sendo antes das 10 horas da ma- Dessa vez não precisei responder porque
nhã, faltando três para a decolagem, pedi li- os dois colossos logo em seguida se senta-
cença alegando “coisas a fazer” e fui dar minha ram e começaram a falar sobre os rumos da
caminhada perdulária e lúbrica pelo aeroporto. economia brasileira. A misericórdia divina
Seu Victor, entretido na leitura, nem notou trouxe ao salão mais pessoas ilustres, que
minha ausência. Quando voltei, carregado de lhes distribuíam abraço e comprimentos, e
pacotes adocicados, alcoolizados e obscenos, a eu ia fumando um atrás do outro, em silên-
situação na sala VIP havia se tornado pior — cio. Um pouco antes da 1 hora da tarde, fo-
pelo menos para meu lado. Seu Victor tinha mos chamados a embarcar.
arrumado companhia, esta sim, à altura. Seu Victor e o doutor Roberto levanta-
ram-se. Naturalmente tinham os braços li-

E ra o doutor Roberto Marinho. Elegantís-


simos, os dois, em seus ternos parecidos,
na cor azul-cinzento, cada um mais elo-
vres de encomendas. Eu carregava várias de-
las e me atrapalhei. Os dois grandes homens,
a meu lado, ficaram constrangidos e me so-
quente que o outro, comentando seus triun- correram naquele momento difícil. Seu Vic-
fos empresariais. Eu me aproximei, com tor me ajudou carregando duas sacolas e o
meu blazer lilás-escuro, novo em folha, doutor Roberto mais uma. Malevolamente,
comprado especialmente para a ocasião, e pensei: “Tem de ter um fotógrafo aqui para
com os braços lotados de troféus ordinários. registrar esta cena. Ninguém vai acreditar se
Sentei-me, fatalmente, ao lado deles. eu contar.” Mas não havia nenhum, e essa
Além de mim, eles eram os dois únicos imagem, que seria inesquecível se feita e de-
ocupantes da sala ainda quase deserta. Seu pois impressa, o vento levou para sempre.
Victor levantou-se e me apresentou a seu par Quando seu Victor e o doutor Roberto
como um “colaborador”. O doutor Roberto partiam rumo ao supersônico, percebi que
também se levantou e apertou minha mão. sobrara no sofá um de meus embrulhos. Fui
Pode ter me reconhecido, vagamente como o buscá-lo, mas achei algo mais: uma carteira
Victor Civita, fundador seu Vitor havia feito antes, porque anos atrás perdida onde antes se sentara o doutor Ro-
da Editora Abril:
sopa e máscara nos eu havia trabalhado no jornal O Globo. Uma berto. Eu a peguei, pus no bolso e sai cor-
olhos no avião vez fiquei quatro ou cinco minutos na sala rendo rumo ao Concorde. Meus ilustres car-
regadores já estavam instalados e ajeitando
RUBENS MANO/FOLHAPRESS
minhas sacolas nos compartimentos.
O destino, outra vez misericordioso, nos
colocou em poltronas separadas. Eu não
queria pensar na hipótese de viajar ao lado
de um deles. Era minha estreia supersônica,
e eu planejava me embriagar e comer, sozi-
nho com minhas fantasias mais delirantes,
além do mais contemplando a Terra a
18.000 metros de altura. Nada que pudesse
ser compartilhado com patrões ou ex-pa-
trões, ou que eles pudessem entender.
Foi quando senti no bolso de meu blazer
o volume da carteira que não era minha. Era
preciso devolvê-la a seu dono. Antes que o
avião decolasse, o instinto vulgar de repórter
me levou a abri-la. Era linda, de um couro
escuro com uma leve aplicação de dourado.
NOTAS SUPERSÔNICAS 81

Nós o faremos”, havia jurado o general De


Gaulle), em seis minutos, subiu de 10 para
18.000 metros e sua velocidade saltou de 900
para 2.100 quilômetros por hora. Espetacu-
lar, levando em conta que nada tremeu, não
se ouviu nenhum barulho a não ser o de gelo
tilintando nos copos e seu Victor e o doutor
Roberto cochilavam. A curva da Terra apare-
ceu além do horizonte de minha janela.
Mas não nas deles, onde as cortinas esta-
vam abaixadas. Ambos tomavam água quan-
do o almoço começou a ser servido, e a repas
se estenderia pelo resto do dia. Eu me regala-
va, entre outros pratos, com uma caille au
gelée de chevassu (codorna) e sorvia um vi-
nho Chateau Pichon Lalande, safra de 1970.
E a que delícias estariam se entregando
meus ilustres colaboradores? Levantei e
olhei para trás, na sempre miserável com-
pulsão de repórter de querer apurar. Eles to-
mavam sopa. Em seguida, recolocaram suas
máscaras e dormiram.

ARQUIVO / AGÊNCIA O GLOBO


N unca mais vi o doutor Roberto nem via-
jei outra vez com ele, desde que desceu
na escala no Rio de Janeiro. Seu Victor con-
Roberto Marinho, Dentro dela havia uma nota de 500 francos, tinuou repousando de máscara num outro
na Place de la um dinheirão na época. Fechei o tesouro, le- avião até São Paulo. Encontrei-o dias depois
Concorde em 1956,
numa de suas vantei-me e fui à poltrona do doutor Rober- num corredor da Editora Abril, antes de en-
muitas visitas a Paris to para devolver-lhe seu pertence. tregar minha reportagem sobre o voo, e per-
Ele se levantou ao me ver, remexendo guntei-lhe o que havia achado da experiên-
num bolso da calça a procura de algo. cia. Ele fez um ar de quem não lembrava
Quando lhe dei a carteira, explicando o que direito. Mas disse que ficaria calado:
havia acontecido, ficou feliz. Estava mesmo — Não gosto de influenciar meus re-
aflito com aquilo. Abriu, conferiu o conteú- pórteres.
do e me dirigiu mais duas palavras: Lembro-me deles com carinho. En-
— Muito obrigado. quanto atravessava um oceano embriagan-
Foi assim que dei uma polpuda gorjeta ao do-me de vinho e visões, olhava minha ba-
doutor Roberto, talvez pelos bons serviços gagem de mão em segurança, graças a
que me prestara em situação tão especial. meus ajudantes, que dormiam o sono dos
“Isto não pode estar acontecendo”, pensei de justos, com sua missão cumprida. Pensei
novo. O doutor Roberto começou a folhear uma última vez: “Isso não pode estar acon-
uma revista e, quando o avião finalmente su- tecendo”. Mas aconteceu.
biu, botou uma máscara nos olhos para en- Foi num tempo em que patrões eram gen-
frentar o sol do voo diurno. Lá embaixo su- tis com seus empregados, em que se podia
cediam-se imagens multicoloridas da cam- fumar a bordo e em que se comprava quin-
pagne francesa, e o comandante anunciou, quilharias e revistas escondidas. Um tempo
solene, que estávamos sobrevoando a fabulo- tão antigo e perdido em que, acreditem, até o
sa Catedral de Chartres. Eu tomava uma taça Concorde voava de Paris para o Rio.
do champanhe Veuve Clicquot, safra de 1965,
quando chegou o grande momento: ultra-
passaríamos a barreira do som. Geraldo Mayrink (1942-2009) foi jornalista e escritor.
Gustavo Mayrink, seu filho, prepara agora
As bolinhas do champanhe flutuavam em um livro de memórias e um site com a longeva
minha taça quando o Concorde (“Por Deus! produção jornalística e literária do pai
C.H.M.
82

chubner@edglobo.com.br

CONRADO HÜBNER MENDES É DOUTOR


EM DIREITO E PROFESSOR DA USP
O BOLSONARISTA DA ESQUINA

A política brasileira se tribalizou e ainda não descobrimos


como escapar dessa cilada. O crachá de identificação
(“feminista”, “comunista”, “neoliberal” etc.) tem definido co-
Os mais covardes se escondem na caverna das redes. Um
presidente digno teria dito, no mínimo, “não em meu
nome”. Um presidente ignóbil, dependente do batalhão,
mo e com quem estamos dispostos a nos relacionar. Respeito fica em silêncio. Enquanto isso, crescem ataques a ativis-
e argumentos abandonaram de vez a conversa. Mesmo que o tas, homossexuais, índios, fiscais do Ibama etc.
fenômeno não seja novo, e que a civilidade nunca tenha sido Temos escutado que o antagonismo do “nós contra
a virtude de sociedades tão desiguais, a tecnologia de comu- eles” não é invenção de Bolsonaro. Essa ressalva é trivial.
nicação elevou o problema a uma escala desconhecida. O antagonismo, por si só, não é uma anomalia da demo-
Monica de Bolle, colunista de ÉPOCA, contou que cracia, mas sua característica mais elementar.
tem sido alvo de ameaças na ciberesfera — o “Quinto
Poder”. Notou que agressores apostam no medo do Cuidado, porém, com equivalências
agredido e recomendou reação por meio de rastreio de apressadas e preguiçosas, pois há pelo
identidades, exposição pública de reputações ou até de-
núncia criminal. O Quinto Poder é tão histriônico que menos dois tipos de “eles”: o “eles” que
fez Jair Bolsonaro forçar Sergio Moro a revogar a nomeação diverge de “nós” e o “eles” que
de Ilona Szabó como conselheira do Ministério da Justi- supomos ser inferior a “nós”.
ça. Pesou a “repercussão negativa em alguns segmentos”,
nas palavras envergonhadas do ministro. Não se sabe A distinção é crucial. No primeiro caso, “nós” e “eles”
quem mostrou mais fraqueza, o presidente ou o minis- discordamos sobre a Justiça, o papel do Estado e sua re-
tro que, até outro dia, não se podia demitir. lação com o mercado e os costumes. São divergências
Monica também observou, semanas atrás, que o governo que se resolvem pela via do diálogo, da barganha e do
tem mostrado pouco além de “ideólogos alucinados” e de- voto numa disputa contínua. Se persuadidos, “eles” po-
fendeu que generais assegurem que “as maluquices fiquem dem se juntar a “nós” e vice-versa. É a marca do antago-
circunscritas à retórica”. Pelo menos garantiriam “diverti- nismo político liberal, regulado por uma premissa de
mento nos próximos quatro anos”. Talvez não tenhamos nos igualdade. Premissa modesta, mas fundamental.
dado conta da conexão entre as duas coisas: os ideólogos No segundo caso, a divisão é estática e com lugares
alucinados lá de cima e o Quinto Poder nas redes aqui de- pré-definidos: “eles” serão sempre “eles” e carregam em
baixo se retroalimentam. A retórica nunca é “só retórica”, sua identidade o estigma da inferioridade de classe, de
sobretudo quando veicula ódio e incitação. A retórica é tam- mérito individual, raça, etnia, gênero, orientação sexual
bém ato e, mais do que ameaçar, pode violentar e matar. etc. Por falha de caráter ou por força do destino, “eles”
Conta-se que, na reunião que decretou o AI-5, em de- nunca poderão se tornar um de “nós”. São menos hu-
zembro de 1968, o vice-presidente Pedro Aleixo alertou o manos. Mais do que um adversário que buscamos der-
general Costa e Silva: “O problema deste ato não é o se- rotar pelas vias institucionais, e que pode se tornar alia-
nhor nem os que com o senhor governam, mas o guarda do a qualquer tempo, são uma ameaça existencial, um
da esquina”. A imagem do “guarda da esquina”, em nos- inimigo que buscamos eliminar, encarcerar ou, na me-
so anedotário político, adverte para o risco de que auto- lhor das hipóteses, explorar e excluir. O antagonismo
ridades nas ruas ajam sem qualquer controle da lei quan- autoritário e estamental não reconhece a dignidade do
do recebem um sinal positivo lá de cima. A retórica in- outro ou qualquer bem comum a ser compartilhado.
flamável de Bolsonaro, hoje terceirizada a seus filhos e Se há dúvida sobre qual grupo Bolsonaro integra, de
alguns ministros, pede atualização dessa imagem: ao um lado, e todos os outros presidentes eleitos desde o
“bolsonarista da esquina”, não são só palavras. O bata- fim da ditadura militar, de outro, basta uma consulta
lhão de bolsonaristas da esquina pratica ofensas e crimes sincera aos anais da história brasileira nestes 30 anos.
de ódio sob o grito liberatório de “Agora é Bolsonaro”. Nenhum outro chegou perto da ponta da praia.
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