Santo Agostinho e A Vida Comunitaria
Santo Agostinho e A Vida Comunitaria
Santo Agostinho e A Vida Comunitaria
Um dos primeiros escritores e teóricos da vida agostiniana foi Jordão da Saxônia. Em sua obra
intitulada Vitas Fratrum, ele recorda que Santo Agostinho fundara suas comunidades sobre a
ideia da comunidade ou, melhor dizendo, da comunhão. Esse antigo escritor conseguiu
descobrir verdadeiramente a essência da vida monástica agostiniana: por meio da vida em
comunidade, poder-se chegar à comunhão de almas e corações em Deus.
De fato, esse foi sempre o sonho de Santo Agostinho: o texto de At 4, 32-35 junto ao de At
2,42-47 - as assim chamadas sinopses da primitiva comunidade de Jerusalém constituiu para
ele o ideal da vida monástica.
Em primeiro lugar, com respeito ao texto dos Atos dos Apóstolos, ele inverterá a ordem dos
termos, já que o texto do Novo Testamento fala de se ter um só coração e uma só alma. Não
obstante e para acentuar a importância da união dos corações, Santo Agostinho colocará o
termo "coração" no fim e, em primeiro lugar, o termo "alma”.
Por outro lado, devem ter um só coração, isto é, o único afeto e amor que os une de maneira
inseparável no mesmo Corpo de Cristo. Portanto surge o lema “UMA SÓ ALMA E UM SÓ
CORAÇÃO”
Santo Agostinho quer destacar vários elementos. Em primeiro lugar, que a comunidade
religiosa em seu conjunto não é um lugar estático, passivo, mas um grupo dinâmico e em
caminho, que revisa todos os dias o próprio itinerário e as próprias atitudes para pôr-se em
marcha em direção a Deus. Isso implica uma contínua revisão da rota e dos meios, mas
também implica a plena consciência de que se é peregrino do reino dos céus. Deus
converte-se na meta em direção à qual se dirigem os irmãos na comunidade, e o caminho é o
próprio Cristo, é preciso caminhar pelo Cristo homem para poder-se chegar ao Cristo Deus.
Somos todos peregrinos. Cristão é aquele que, em sua própria casa e em sua própria pátria, se
reconhece peregrino. Nossa pátria está no alto; lá não seremos hóspedes, enquanto cada um
de nós aqui, até em sua própria casa, é hóspede.
A comunidade não é um grupo de trabalho nem uma associação com outros fins, mas um
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Santo Agostinho e a vida comunitária
grupo de irmãos cuja meta é chegar a Deus e levar a Deus todos que puder.
Podemos ler, nos Atos dos Apóstolos, que os cristãos tinham tudo em comum e que ninguém
dentre eles passava necessidade (At 2, 45; 4, 34). Santo Agostinho, ao constituir suas
comunidades, terá em mente o exemplo dos Atos dos Apóstolos para almejar que os bens
materiais fossem comuns, de modo que também os elementos espirituais pudessem ser
comuns. Se não se partilha o exterior, não se poderá partilhar o mais rico e valioso que é a
realidade interior.
Se alguém me der uma veste melhor, eu a vendo, pois é o que costumo fazer: quando uma
veste não pode ser comum, para que o seu preço possa sê-lo, eu a vendo e dou seu valor aos
pobres.
Santo Agostinho indica que, quando não se cuida das coisas da comunidade, tem-se aí um
sinal claro de que quem age assim não avançou ainda pelo caminho da caridade.
Por outro lado, três consequências espirituais procedem da comunhão de bens na comunidade
agostiniana. A primeira delas é a humildade. O pobre é humilde e reconhece que tudo é um
dom de Deus, que ele mesmo é simplesmente um mendigo diante de Deus.
Como segunda consequência espiritual da pobreza, a partilha de uma série de bens materiais
dentro da comunidade deve levar os monges a não ter coisas em demasia. Vivemos hoje no
mundo do consumo, em que somos convidados a acumular bens, a juntar e a consumir.
Com respeito a isso, é importante acrescentar que, nas coisas que pertenciam e concerniam à
comunidade, Santo Agostinho não poupava dinheiro, como se vê pelo fato de que houvesse
colheres de prata em seu próprio refeitório. Um detalhe que alude não só à maior durabilidade
de ditas colheres, mas também à vida digna que levavam os monges agostinianos, da beleza
que rodeava suas vidas etc. Assim, Santo Agostinho nos convidaria à austeridade e à
moderação.
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Um terceiro elemento é o de não apegar-se aos bens materiais. Viver em comunidade e não
possuir nada próprio ajuda a alma a desapegar-se das coisas materiais para poder-se elevar
a Deus
“Seria vergonhoso amar as coisas por serem boas, apegando-se a elas, e não amar o próprio
Bem que as faz ser boas”.
O texto dos Atos dos Apóstolos recorda-nos que a comunidade primitiva perseverava na
escuta e na acolhida do ensinamento dos Apóstolos, isto é, que era instruída e guiada por eles,
mantendo-se dessa maneira dentro da própria Igreja, edificada sobre o fundamento dos
Apóstolos.
“Eu não creria no Evangelho se a isso não me movesse a autoridade da Igreja católica”.
Essas palavras recordam-nos ainda a dimensão eclesial que toda comunidade deve ter. Toda
comunidade religiosa é uma Igreja dentro da Igreja, uma comunidade dentro da comunidade de
comunidades que é a Igreja. Isso implica uma série de consequências. Em primeiro lugar, a
comunidade religiosa não se pode desentender da Igreja, pois vive dentro dela e a serviço da
mesma.
“Não anteponhais vossa contemplação às necessidades da Igreja, pois se não tivesse havido
bons ministros que quisessem assisti-la, quando ela dava à luz, não teríeis encontrado meio de
nascer”.
Santo Agostinho partilhava assim a riqueza de seus mosteiros com a Igreja em que se
encontrava.
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Como membro da Igreja e reflexo da mesma, a comunidade religiosa partilha com a Igreja
algumas características. Assim como a Igreja é como o campo de Deus em que há trigo e joio,
do mesmo modo há, na comunidade religiosa, bons e maus. Igreja é imperfeita, mesclada, em
que o joio possui duas finalidades: por um lado, a de manifestar a paciência de Deus que
continua a chamar os maus à conversão e que, dentro da comunidade oferece todas as
ferramentas para que se possam converter; por outro lado, a de purificar os irmãos que se
esforçam para ser bons, convidando-os a ser pacientes e a suportar os maus na convivência
de todos os de todos os dias.
O fato de haver uma só alma e um só coração leva a que todos os que habitam em
comunidade se convertam não só em particular, mas também em conjunto, em templos de
Deus.
Santo Agostinho, no final do primeiro capítulo da Regra, fala que é preciso que os irmãos
honrem "uns nos outros a Deus, de quem fostes feitos templos”.
Assim, a comunidade é o espaço sagrado em meio ao qual Deus habita. Por isso, qualquer
pecado que se cometa contra a comunidade adquire uma nova dimensão, já que não se trata
de uma ação contra um simples grupo de homens, mas contra o próprio templo ou casa de
Deus.
Assim, a comunidade é o espaço sagrado em meio ao qual Deus habita. Por isso, qualquer
pecado que se cometa contra a comunidade adquire uma nova dimensão, já que não se trata
de uma ação contra um simples grupo de homens, mas contra o próprio templo ou casa de
Deus. Santo Agostinho acentuaria particularmente a gravidade do proceder daqueles que, com
suas palavras ou ações, atentam contra a unidade da comunidade, pois a unidade é fruto do
amor. Onde houver unidade, há caridade e onde houver divisão, isso é sinal de que o pecado
está presente.
“Não é senão a dissensão que produz a divisão. A caridade, pelo contrário, aglutina, a
aglutinação constitui a unidade, a unidade mantém a caridade e a caridade conduz à
claridade”.
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“Os membros de Cristo estão unidos entre si pela caridade da unidade e por ela se unem à sua
Cabeça, que é Cristo Jesus”.
Santo Agostinho realiza uma verdadeira revolução social dentro da comunidade monástica,
pois nela não habitam unicamente pessoas oriundas da mesma classe social, mas podemos
encontrar aí religiosos de diversos estratos sociais, quer das classes senatoriais, quer das
classes mais baixas da sociedade de tempos de Santo Agostinho. É preciso observar que, no
tempo de Santo Agostinho, a sociedade romana estava perfeitamente estabelecida e
solidamente estratificada.
“Nem se envaideçam por se verem associados a quem, estando fora, não ousavam acercar-se;
antes, elevem seu coração e não procurem as vaidades terrenas: não aconteça que as
Comunidades passem a ser úteis para os ricos e não para os pobres, se os ricos nela se fazem
humildes enquanto os pobres se tomam soberbos”.
Na comunidade, tudo isso deve passar a um segundo plano, para poder viver o que realmente
é importante: a união da caridade em Cristo por cima das diferenças humanas, econômicas e
sociais.
“Procurem gloriar-se mais da companhia de seus irmãos pobres do que da dignidade de seus
pais ricos. E não se vangloriem de ter trazido alguns de seus bens à vida comum, nem se
orgulhem mais de suas riquezas por tê-las compartilhado com a Comunidade do que se as
desfrutassem no século. Com efeito, enquanto qualquer outra iniquidade age nas obras más
para que estas se executem, a soberba, contudo, arma insídias às obras boas, para que
pereçam”.
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