Ciencias Humanas e Sociais
Ciencias Humanas e Sociais
Ciencias Humanas e Sociais
PROGRAMÁTICO
UNIDADE 01
10 UNIDADE 02
50
AS ORIGENS DA PRINCIPAIS ESCOLAS
SOCIOLOGIA, E CONCEITOS DAS
ANTROPOLOGIA, CIÊNCIAS SOCIAIS
CIÊNCIA POLÍTICA,
FILOSOFIA E
HISTÓRIA
UNIDADE 03
104 UNIDADE 04
146
PRINCIPAIS ESCOLAS A RELIGIÃO NAS
E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS
CIÊNCIAS HUMANAS HUMANAS
– FILOSOFIA E E SOCIAIS
HISTÓRIA
UNIDADE 05
175 FECHAMENTO
209
FORMAS DE CONCLUSÃO GERAL
ORGANIZAÇÃO
DA SOCIEDADE
E DILEMAS ATUAIS
UNICESUMAR
conecte-se
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sociologia precisa saber responder. O autor Alex Inkeles airma que: “Se quisés-
UNIDADE 1
semos exigir que o problema básico a que se dirige o sociólogo fosse descrito em
uma única frase, responderíamos: procura explicar a natureza da ordem social e
da desordem social” (INKELES, 1974, p. 46).
O sociólogo busca compreender como os processos e as estruturas da sociedade
funcionam, a im de sugerir possíveis alternativas para uma melhor harmonia social.
Para isso, o proissional da Sociologia deve buscar ferramentas cientíicas para rea-
lizar tal análise, conforme Pedro Scuro Neto salienta: “A postura cientíica, por sua
vez, engloba a ênfase criativa da ação e dos processos sociais, quando aborda os pro-
blemas de estabilidade e integração das sociedades modernas” (SCURO, 2004, p. 4).
“
[...] o ser humano só se faz como tal diante de outro, seu semelhante,
com o qual estabelece mecanismos diversos de interação constante.
É essa interação, na origem entre indivíduos no inal entre os grupos
e sociedades inteiras, que deine outra das características humanas
fundamentais: a da vida social” (FERREIRA, 2009, p. 28).
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No quadro a seguir, temos uma lista dos tópicos do objeto de estudo sociológico,
UNICESUMAR
em que muitos autores, de cursos de introdução à Sociologia, concordariam com
relação ao seu conteúdo:
A Sociologia surge como ciência moderna para responder aos desaios da nova
formatação dos processos e das estruturas da modernidade. Desde os primórdios,
os indivíduos interagem por meio de relações que objetivam satisfazer necessida-
des vitais ou simplesmente de caráter intrínseco aos anseios e às dúvidas sobre si
mesmos. Essas relações podem surgir diretamente advindas dos próprios indiví-
duos ou de acordo com as demandas e regras do grupo social em que convivem.
A Revolução Francesa e a Revolução Industrial trouxeram uma nova coni-
guração do que se entendia até aquele momento, de como era o funcionamento
de uma sociedade. A Revolução Industrial, ocorrida na Europa no decorrer dos
séculos XVIII e XIX, deiniu novas formas de economia, sociedade e tecnologia. A
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progressão da produção em massa gerou alguns dilemas: por um lado, o desenvol-
UNIDADE 1
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nor número de trabalhadores conseguiria produzir uma quantidade maior de
UNICESUMAR
produtos, contrapondo a produção artesanal ou doméstica. A segunda caracte-
rística é a divisão do trabalho e a necessidade de organização. Progressivamente,
a especiicidade das tarefas na linha de produção passou a aumentar. As tarefas
repetitivas altamente especializadas tiravam a capacidade de pensamento intelec-
tual do operário, o que fez com que o acesso de crianças e mulheres ao mercado
de trabalho fosse facilitado.
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UNIDADE 1
Substituição progressiva
do trabalho humano
por máquinas.
A divisão do trabalho
e a necessidade de
sua coordenação.
MUDANÇAS
REVOLUÇÃO OCORRIDAS Mudanças culturais
INDUSTRIAL NOS SÉCULOS no trabalho.
XVII E XIX
Produção de bens em
grande quantidade.
Surgimento de novos
papéis sociais (operários e
empresários capitalistas ).
“
Partindo de uma realidade rural, em que as funções e relações so-
ciais apresentavam pouca complexidade, as sociedades europeias
(primeiramente a inglesa) se depararam, no século XIX, com es-
truturas sociais mais complexas, que se desenvolveram em torno
da nova realidade industrial” (DIAS, 2010, p. 4).
18
e mulher em determinados contextos histórico-sociais. Daí, veriicamos que a
UNIDADE 1
“
[...] a Antropologia visa ao conhecimento completo do homem, o
que torna suas expectativas muito mais abrangentes. Dessa forma,
uma conceituação mais ampla a deine como a ciência que estuda o
homem, suas produções e seu comportamento. O seu interesse está
no homem como um todo - ser biológico e ser cultural -, preocu-
pando-se em revelar os fatos da natureza e da cultura. Tenta com-
preender a existência humana em todos os seus aspectos, no espaço
e no tempo, partindo do princípio da estrutura biopsíquica. Busca
também a compreensão das manifestações culturais, do compor-
tamento e da vida social. (MARCONI e PRESOTTO, 2010, p. 2).
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Se pudéssemos adjetivar a Antropologia, deiniríamos em três termos: a) Holís-
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tica (integral), pois tenta combinar o estudo de várias disciplinas sobre o ser hu-
mano, com maior enfoque à própria Antropologia – aqui também o vemos como
um ser identiicado com determinado grupo social; b) Comparativa, no sentido
de que ela tenta veriicar as possíveis semelhanças e diferenças entre culturas
diferentes, antes de veriicar as suas principais características; e c) Progressiva,
pois tende a veriicar a evolução dos seres humanos ao longo da história. Para
isso, temos que diferenciar a evolução propriamente dita, biológica ou física, que
se transmite geneticamente e, a progressão cultural, na qual podemos veriicar as
mudanças de comportamento, crenças, linguagens, usos, costumes e rituais que
se perpetuam por meio do ensino e da aprendizagem.
foi contestada pelas gerações seguintes. Depois da crítica de Franz Boas à An-
tropologia Evolutiva do século XIX, a maioria das teorias produzidas por antro-
pólogos da primeira geração é considerada ultrapassada. Durante o século XIX,
surgiram, então, várias correntes antropológicas, dentre elas: o culturalismo, nos
Estados Unidos, no início do século; a etnologia, na França; o funcionalismo
estrutural, o estruturalismo antropológico e a antropologia marxista.
Lewis Henry Morgan (1818-1881) também é considerado um dos pais da
Antropologia Moderna. Ele apresentou avanços no que concerne às relações de
parentesco (estudou mais de 70 tribos indígenas) que foram fundamentais para
que determinado grupo fortalecesse os laços internos de pertencimento. Na linha
das teorias evolucionistas que dominaram completamente o pensamento cientí-
ico e antropológico do século XIX, seus estudos sobre o comportamento tribal
levaram-no a propor, em sua obra A Sociedade Primitiva (1877), uma teoria
da evolução cultural baseada na transição por três etapas: selvageria, barbárie e
civilização. A presença de certas instituições e técnicas deiniriam cada estágio.
Os evolucionistas se propuseram, portanto, a traçar o caminho seguido pelo
ser humano desde suas origens, representado por povos “primitivos” – vistos
como inferiores –, ao estado chamado de “civilização” – visto como superior.
No inal da Segunda Guerra Mundial, grande parte dos países mais pode-
rosos do mundo já havia conseguido desenvolver uma Antropologia de nível
proissional, que lhes permitia fortalecer sua identidade como nação. Na verdade,
a Antropologia Cultural foi utilizada de forma ideológica em muitas situações,
para justiicar ações do colonialismo europeu em face dos conhecimentos que
tinham sobre determinadas culturas. Esse processo, chamado de ocidentali-
zação, justiicou a dominação e a exploração de culturas tidas como inferiores.
Para facilitar a nossa compreensão sobre a Antropologia, veremos, no quadro
a seguir, a principal classiicação dessa área de estudos.
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UNICESUMAR
É aquela que considera que as diferenças são causadas
não pelas características da raça, mas, primordialmente,
pela cultura. Os antropólogos culturais tendem a espe-
cializar-se em um campo especíico, como economia,
política ou religião. Seu método de estudo é frequente-
Antropologia
mente baseado no trabalho de campo, que envolve a
Cultural
observação in loco e a descrição da atividade de deter-
minado grupo social. Temos, aqui, dois conceitos-chave:
a etnograia, que descreve uma cultura em seu habitat,
e a etnologia, que consiste na comparação de dois ou
mais modelos culturais.
23
“
A Antropologia, embora autônoma, relaciona-se com outras ciên-
UNIDADE 1
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que se aplicam a determinados processos, como: política de vendas, política de com-
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A palavra “política” se origina das palavras gregas polis, politeia, política e politiké.
• Polis: a cidade, o Estado, a área urbana ou urbanizada, o encontro dos
cidadãos que compõem a cidade.
• Politeia: o Estado, a Constituição, o regime político, a República, a cida-
dania (no sentido do direito dos cidadãos).
• Política: plural neutro de políticos, aquilo que é político e cívico, tudo so-
bre o Estado, a Constituição, o regime político, a República e a soberania.
• Politiké (techné): a arte da política.
UNICESUMAR
forma: a oratória, o espaço comum no qual temas de interesse geral, como ética e
educação, podiam ser debatidos; era, para o povo grego, o terreno do comum. Na
verdade, fazer política era participar da vida em comum, uma obrigação de cada
cidadão para si e para os outros; desistir de fazer política signiicava renunciar
ao governo e, portanto, deixar de ser livre.
A Grécia Antiga é, por assim dizer, a mãe da civilização europeia. Entre os gre-
gos, Aristóteles não foi apenas o principal promotor do conhecimento cientíico,
mas também o autor de uma grande descoberta: que toda ciência tem sua indi-
vidualidade. Devemos a ele a política, a Ciência Política e a sua situação dentro
das demais áreas da ciência. Para ele, o ser humano é um ser racional e social. Tal
divisão ou ambiguidade de signiicado
será fundamental para expressar o que
será justo ou injusto na sociedade, o
que é valioso ou não entre os homens,
o que é que é prejudicial ou bom para
o bem comum. Ele deu origem à ideia
de que o ser humano é um animal
político, ou seja, que necessita bus-
car a convivência com a comunidade,
pois, sem ela, sente-se só e incompleto.
Nessa perspectiva, a política, seria uma
Figura 8 - Estátua de Aristóteles atividade inerente à natureza humana.
humana deve ser dirigida. Assim, nesse mesmo diálogo, Sócrates é tido como
mestre da “arte política”, absorvendo em si a tarefa de forjar os homens como
bons cidadãos; Platão se refere à “técnica política” como busca de uma objetivi-
dade rigorosa, portanto, um conhecimento não especíico das massas, mas um
conhecimento ilosóico supremo.
Aristóteles e Platão marcaram um pe-
ríodo especíico em que as primeiras ideias
sobre Ciência Política foram construídas.
No decorrer da história, houve diversos
pensadores importantes, que ajudaram
para que a política encontrasse o seu es-
paço no campo das Ciências Sociais.
No século XVI, Maquiavel de destacou
por dar o panorama da modernidade polí-
tica. Na segunda metade do mesmo século,
Jean Bodin abordou sistematicamente os
chamados fenômenos políticos.
Figura 10 - Estátua de Maquiavel
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Alexis de Tocqueville deve ser mencionado com o uso do método de obser-
UNICESUMAR
vação direta dos fatos. Augusto Comte estabeleceu as bases objetivas do método
cientíico. Karl Marx contribuiu com uma nova explicação dos fenômenos do
poder em geral. Com isso, no inal do século XIX, o reconhecimento e a vida
cotidiana permitiram que a Ciência Política se posicionasse no campo acadêmico.
Nos Estados Unidos, recebeu maior apoio e impulso para consolidar-se.
Multiplicaram-se estudos sobre forças políticas, eleições e questões relacionadas
à distribuição de poder. É por isso
que é um dos países em que o maior
desenvolvimento da disciplina foi
registrado. Além disso, a presença
de circunstâncias internacionais,
favoreceram seu avanço, especial-
mente no período entre guerras e,
particularmente, após 1945, com
a culminação da Segunda Guerra
Mundial. O reconhecimento e a
precisão de seu campo de estudo e
conteúdo começaram a tornar-se
mais palpáveis após esses eventos.
Figura 12 - Soldados em ação – Segunda Guerra
Mundial / Fonte: Pixabay ([2019], on-line)¹.
29
UNIDADE 1
pensando juntos
Não se pode pensar em nenhum homem que não seja também ilósofo, que não pense,
precisamente porque o pensar é próprio do homem como tal.
(Antonio Gramsci).
UNICESUMAR
questão do espaço-tempo, no decorrer
dos séculos. Os primeiros ilósofos acredi-
tavam que o tempo só se limitava na dire-
ção do passado. Já os pensadores da idade
média, contestaram essa ideia, airmando
que existia um “initismo temporal”, onde
o passado teria um tempo limitado.
Figura 15 - Que horas são?
Durante toda a história da Filosoia não tivemos uma resposta clara e inequívoca
acerca da pergunta sobre o tempo e lidamos com esse fato como se não houves-
se importância alguma. Pense comigo: se nos atentarmos e pensarmos sobre o
tempo e o papel que temos nele, daremos muito mais importância e sentido para
a forma de vida que levamos. Elencaremos prioridades e atitudes que nos farão
aproveitar todos os momentos da vida de forma mais intensa. Conlitos e atritos
que tínhamos como importantes, deixam de ser, pois agora, pensando ilosoica-
mente, compreendo que existem coisas mais relevantes e que preciso me atentar
a elas. Coisas pequenas icam para trás.
Isso tudo nos mostra que agimos em nosso dia a dia, de forma instantânea e
que, se formos analisar a fundo, deixamos muitas questões importantes de lado.
Outra questão acerca dessa introspecção sobre a importância da Filosoia, é que
existem algumas questões que são intrínsecas aos seres humanos: qual o sentido
da vida? Onde me encaixo, como pessoa, dentro uma sociedade tão dinâmica e
consumista? Será possível sobreviver numa sociedade se não sei como agir nela? É
mais importante ter um conhecimento acerca do mundo ou de mim mesmo? Essas
perguntas nos mostram que, pensar ilosoicamente demanda tempo para raciocinar
e, ao mesmo tempo, gera em nós sentido e propósito de vida quando encontrados.
Não encontrar respostas ou não entender algo gera em nós um sentimento de
insatisfação e, até mesmo, tristeza. Diante de uma dor muito intensa, por exemplo,
a primeira pergunta que nos vem à mente é: Por quê? Por que isso aconteceu comi-
go? Por que isso aconteceu neste exato momento da minha vida? E justamente, um
dos alívios para a dor do sofrimento, é conhecer a verdade, ou o porquê daquilo ter
acontecido. Ao nos encontrarmos com a verdade, há satisfação e contentamento, pois
localizamos a resposta necessária para enfrentar aquela dor. Quando conseguimos
explicar o motivo do nosso sofrimento a alguém, conseguimos nos sentir recon-
fortados, pois, de alguma forma, damos sentido e signiicado àquilo que passamos
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UNIDADE 1
É muito nítido que, para essa demanda tão humana do saber, são demandados
diferentes graus e níveis de conhecimento. Você pode sentir-se satisfeito com
pouco, mas também pode tentar saber o máximo que puder. Esse anseio é muito
necessário em nosso tempo, pois existem questões que são muito complexas, e
não conseguiremos administrá-las com abordagens parciais ou supericiais, visto
que os problemas não são resolvidos assim; pelo contrário, são agravados.
É impossível separar a teoria ilosóica das questões práticas da vida. Note que
toda proposta ou pensamento ilosóico advém de uma demanda que pretende
responder a alguns problemas morais e sociais de determinada cultura, de seres
humanos de alguma época e que se encontram cheios de incertezas e ansiedades.
Não surgem do acaso. Primeiro, manifestam-se as questões da vida e, por meio
delas, o nosso pensar ilosóico é acionado para compreendermos essa demanda.
Constatamos então, que a Filosoia é um desaio que exigirá de nós um espíri-
to questionador e crítico acerca da nossa realidade. Ao mesmo tempo, incentiva-
-nos pela busca da verdade para que, assim, consigamos livrar-nos de amarras que
nos foram transmitidas, a im de criarmos nosso próprio ponto de vista sobre o
assunto. Normalmente, é peculiar daqueles que possuem o espírito questionador
o desejo de ser autêntico, de escapar do engano, da farsa, da supericialidade e
também, de adquirir a capacidade de enfrentar desaios sem render-se facilmente.
Espero que essa pequena introdução da disciplina gere em você o mesmo desejo
de sempre buscar a verdade com ousadia, e que se sinta atraído pela aspiração do
conhecimento de forma crítica e racional.
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Como surgiu a Filosoia?
UNICESUMAR
É sempre salutar, quando começamos a estudar determinada ciência, que bus-
quemos o seu signiicado etimológico. A palavra “ilosoia” vem de duas raízes
gregas: philos, que deriva de philia e signiica amizade ou amante, e sophia, que
signiica sabedoria e, por isso, usualmente traduzimos o termo por amor ao co-
nhecimento ou amizade pela sabedoria. Com isso, podemos dizer que Filosoia
signiica o ato de respeitar, admirar, desejar a sabedoria ou o conhecimento.
Em latim, sabedoria se expressa com o termo sapientia, que vem do sapere, que
signiica, em sentido amplo, conhecimento. Aquele que é sábio é o bom conhecedor,
aquele que julga corretamente, porque domina os assuntos que estudou. Em sentido
estrito, sapere se refere ao bom gosto, com paladar apurado. Portanto, quem exerce
conhecimento ilosóico, geralmente tem “paladar” habituado à busca pela verdade.
O termo “sábio” também tem histórico na Filosoia. Conta a história que foi Pitá-
goras quem começou a usar a palavra “ilósofo”, quando questionado sobre qual era
a sua atividade. Ele respondeu que não era um apreciador da arte, mas que era me-
ramente um ilósofo; para tornar-se melhor compreendido, ele fez uma comparação
com as Festas Olímpicas, dizendo que alguns vieram para competir, outros para fazer
negócios e outros apenas pelo prazer de ver o espetáculo – estes seriam os ilósofos.
Considera-se que a Filosoia tenha nascido na Grécia, especiicamente, nas
colônias jônicas da Ásia Menor, no século VI a.C., a partir do momento em
que os pensadores começam a questionar os motivos pelos quais os problemas
que a natureza apresentava acontecerem por meio de relexões racionais. Esse
processo, de explicar racionalmente a origem do mundo, assim como a sua
ordem, é chamado de cosmologia.
“
1. a da Grécia homérica, correspondente aos 400 anos narrados pelo
poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisséia;
2. a da Grécia arcaica ou dos sete sábios, do século VII ao século V
antes de Cristo, quando os gregos criam cidades como Atenas, Es-
parta, Tebas, Megara, Samos, etc., e predomina a economia urbana,
baseada no artesanato e no comércio;
3. a da Grécia clássica, nos séculos V e IV antes de Cristo, quando a
democracia se desenvolve, a vida intelectual e artística entra no apo-
geu e Atenas domina a Grécia com seu império comercial e militar;
4. e, inalmente, a época helenística, a partir do inal do século IV
antes de Cristo, quando a Grécia passa para o poderio do império
de Alexandre da Macedônia, e, depois, para as mãos do Império
Romano, terminando a história de sua existência independente
(CHAUÍ, 2005, p. 39).
“
A história busca compreender as diversas maneiras como homens
e mulheres viveram e pensaram suas vidas e a de suas sociedades,
através do tempo e do espaço. Ela permite que as experiências sociais
sejam vistas como um constante processo de transformação; um
processo que assume formas muito diferenciadas e que é produto
das ações dos próprios homens. O estudo da história é fundamental
para perceber o movimento e a diversidade, possibilitando compa-
rações entre grupos e sociedades nos diversos tempos e espaços. Por
isso, a história ensina a ter respeito pela diferença, contribuindo para
o entendimento do mundo em que vivemos e também do mundo
em que gostaríamos de viver (FONSECA, 2003, p. 40).
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O conjunto de técnicas e métodos para fazer História é chamado de histo-
UNICESUMAR
riograia. Homens e mulheres de cada época elaboraram sua própria visão desse
campo de estudos. A historiograia tem como objetivo reletir sobre a própria
história da disciplina; não estuda apenas sobre os fatos do passado, mas busca
compreender a maneira como foram interpretados.
explorando Ideias
No início do século XIX, a História teve muita aceitação como disciplina, por
assim dizer. Ao mesmo tempo, novos métodos permitiram iniciar as investigações
de forma mais profunda: arqueologia, ilologia e egiptologia, além do surgimento
das primeiras campanhas de escavação. Nessa mesma época, começaram a apa-
recer as primeiras compilações de fontes históricas e as primeiras grandes obras.
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UNIDADE 1
pensando juntos
A História prepara os jovens para o mundo em que vivem. É bem verdade que,
para entrar no mundo do trabalho, os alunos não precisarão demonstrar conhe-
cimento histórico. Contudo se não o tiverem, não terão visão crítica da sociedade
em que vivem. Apesar disso, essa disciplina fornece a você, aluno(a), os elementos
necessários para entender o presente, uma vez que busca compreender tudo o
que é humano como um todo e, tal qual a ciência social, é a mais próxima da vida
cotidiana, por isso, pode explicar as engrenagens da sociedade. Essa área tem
função claramente pedagógica, requer aprendizado ativo e crítico e serve para
adquirir hábitos e técnicas de estudo e trabalho. Cito a seguir alguns elementos
que possibilitam melhor compreensão histórica:
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Embora as diferentes civilizações que existiram na história do mundo (maias ou
UNIDADE 1
Período Datação
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNICESUMAR
Caro(a) aluno(a), chegamos ao inal desta primeira unidade depois de eviden-
ciarmos a importância de cada uma das cinco disciplinas que nos propomos a
estudar. Vimos que a Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, a Filosoia e
a História dialogam entre si em diversos momentos, demonstrando que não há,
em cada uma delas, autonomia por completo. Ao contrário, veriicamos que há
entrelaçamento de conhecimentos que são, a todo momento, compartilhados.
Com o surgimento da Sociologia, analisamos o quão importante é perce-
bermos a nossa realidade enquanto seres humanos que necessitam de vínculos
com outros, para que a sociedade desenvolva a sua dinâmica. A interação entre
os seres humanos e a relação com a sociedade e as suas instituições fazem parte
do objeto de estudo do sociólogo.
Na Antropologia, a cultura é analisada na sua completude e, mesmo assim,
a cada momento, vemos que novos caminhos se abrem, devido à interação
constante do ser humano com o meio em que se encontra. Como ciência, foi
utilizada de forma a justiicar a superioridade europeia para sentir-se no direito
de colonizar determinados territórios.
Com a Ciência Política, vimos que devemos icar atentos ao discurso de
que a política é uma área especíica de certos atores da sociedade. Desde a sua
origem, na Grécia Antiga, o termo sempre teve como premissa a participação
das pessoas na vida comunitária.
De acordo com o estudo apresentado na Filosoia, percebemos que o pen-
samento de muitas pessoas que acreditam que essa disciplina não serve para
nada deve ser analisado com mais cuidado. O pensar sobre a nossa existência,
por exemplo, é vital para compreendermos muitos dilemas pessoais que nos
dão sentido e razão para vivermos com dignidade.
Na História, lidamos com o fato de que precisamos atentar-nos ao nosso
passado, conhecê-lo e interpretá-lo, para dar signiicado ao nosso presente e
elaborar hipóteses para o nosso futuro.
43
anotações
o período turbulento em que se encontravam, aplicando as técnicas da ciência
UNICESUMAR
para analisar os mecanismos da sociedade.
Augusto Comte é considerado, portanto, o pai da Sociologia. Contudo, ele
mesmo começou a chamá-la, primeiramente, de Filosoia Positiva ou Física So-
cial, e, posteriormente, modiicou o termo:
“
Acredito que devo arriscar, desde agora, este termo novo, sociologia,
exatamente equivalente à minha expressão, já introduzida, de física
social, a im de poder designar por um nome único esta parte com-
plementar da ilosoia natural que se relaciona com o estudo posi-
tivo do conjunto das leis fundamentais apropriadas aos fenômenos
sociais (COMTE apud MORAES FILHO, 1989, p. 61).
“
Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio o
estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito
que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e isiológicos,
isto é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta
é o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar
diretamente, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do
desenvolvimento da espécie humana, considerado em todas as suas
partes essenciais; isto é, a descobrir o encadeamento necessário de
transformações sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de
um estado apenas superior ao das sociedades dos grandes macacos,
foi conduzido gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na
Europa civilizada. O espírito desta ciência consiste, sobretudo, em
ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do
presente e a manifestação geral do futuro (COMTE, 1989, p. 53).
Augusto Comte acreditava que a sociedade passava por fases ou estados e que,
nesse sentido, atravessaria de um estado mais atrasado ou primitivo para um
mais avançado, como se houvesse uma linha de progresso entre o início e o inal.
O primeiro estado é o teológico. Aqui, a mente e os pensamentos são guiados
por conceitos religiosos. É um estado ictício, provisório e preparatório. Nele, a
mente procura as causas e os princípios das “coisas”, as mais profundas, longínquas
e inatingíveis. Existem três fases diferentes: fetichismo, no qual coisas são perso-
niicadas e a elas são atribuídas um poder mágico ou divino; politeísmo, em que
54
as atividades são removidas das coisas materiais para transferi-las a uma série de
UNICESUMAR
divindades, cada uma apresentando um grupo de poderes: águas, rios, lorestas
etc.; e monoteísmo, uma fase superior, na qual todos esses poderes divinos são
reunidos e concentrados em um chamado Deus.
Nesse estado, a imaginação predomina e corresponde à infância da humanida-
de. É também a disposição primária da mente, que recai em todas as épocas e apenas
uma evolução lenta pode fazer com que o espírito humano se separe dessa concep-
ção para passar para outra. O papel histórico do estado teológico é insubstituível.
O estado metafísico ou estado abstrato é essencialmente crítico e transitório.
É um estágio intermediário entre o estado teológico e o positivo. Nele, a busca é
pelo conhecimento absoluto. A metafísica tenta explicar a natureza dos seres, a sua
essência e as suas causas. Contudo, para isso, não recorre a agentes sobrenaturais,
mas a entidades abstratas. A mente, que outrora se preocupava com as questões
mais distantes, desta vez, aproxima-se cada vez mais das “coisas”. No estado anterior,
quando tudo se resumia a um conceito de Deus, aqui é a natureza, a grande entidade
geral que irá substituí-lo. Entretanto, esta unidade é mais fraca, tanto mental quanto
socialmente. O caráter do estado metafísico é, acima de tudo, crítico e negativo,
como uma preparação para a transição para o estado positivo; algo como uma
espécie de crise da puberdade no espírito humano antes de atingir a fase adulta.
O último é o estado positivo. Ele é real e deinitivo. Nele, a imaginação está su-
bordinada à observação. A mente humana adere às “coisas”. O positivismo busca ape-
nas os fatos e as suas leis, não as causas ou os princípios das essências ou substâncias;
atém-se ao que é positivo, àquilo que está posto ou deinido: é a ilosoia dos dados.
Renuncia ao que é inútil, tenta conhecer e se ixa apenas nas leis dos fenômenos.
do pensamento humano. Parte das crenças religiosas passa pela metafísica até
atingir o seu ápice, com a verdade dos fatos, obtida por meio da observação e do
que é possível provar pelo método cientíico.
56
Émile Durkheim
UNICESUMAR
Émile Durkheim, nascido em 1858, na França, também veio de uma família de
origem judaica e foi ilósofo sociólogo e antropólogo. Seu trabalho mais inluente
para a formação da Sociologia diz respeito às regras do método sociológico (1895).
Fato Social
“
É fato social toda maneira de fazer, ixada ou não, suscetível de exer-
cer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou, ainda, toda maneira
de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo
tempo, possui uma existência própria, independente de suas mani-
festações individuais (DURKHEIM, 2007, p.13).
De acordo com a sua deinição, para serem considerados fatos sociais, os eventos
da vida em sociedade deveriam ter, obrigatoriamente, três características: coerção,
exterioridade e generalidade. Por coerção, podemos entender que todo ser humano,
para viver em sociedade, precisa respeitar e seguir um conjunto de regras preestabe-
lecidas impostas pelo grupo social ao qual ele pertence, como se fosse uma pressão
coercitiva imposta ao indivíduo, mesmo que seja contra a sua vontade. Você não
pode fazer o que bem quer, não é verdade? Temos, em cada época, por exemplo, uma
forma própria de vestimenta. Na maio-
ria dos casos, submetemo-nos ao que
a moda do momento diz o que deve-
mos usar. Se não me visto dessa forma,
sou ridicularizado pelos demais. É um
tipo de punição por não estar vestido
como a maioria. Pois bem: quando os
homens se opõem a certas regras, sur-
gem as punições sociais para possibili-
tar a convivência harmoniosa mínima.
Figura 3 - Apontamentos surgem quando
não nos submetemos às regras sociais
58
A exterioridade é a segunda característica do fato social. Nela, constrói-se a
UNICESUMAR
ideia de que existem realidades que se manifestam fora das consciências indivi-
duais. Situações que estavam além do pesquisador, que lhe eram impostas desde
o mundo material, antes de seu nascimento, e próprias da consciência comum
ou coletiva. Existem, portanto, fatos que não dependem da nossa consciência ou
atitude individual, simplesmente são exteriores a nós e não temos como interferir
para que desapareça. Por exemplo: quando nascemos, já temos ao nosso redor
uma estrutura de dinâmicas sociais que estava ali antes mesmo de nascermos.
Quando começamos a estudar, toda a estrutura educacional já está formada.
Entramos na pré-escola, depois seguimos para o ensino fundamental, ensino
médio, faculdade, especializações e tudo isso já estava funcionando de acordo
com as suas próprias estruturas. Não há como fugir.
Na generalidade, nota-se que o fato social precisa ter uma representação cole-
tiva. Para que seja analisado com a regra do método cientíico de Durkheim, o fato,
para ser social, precisa, necessariamente, apresentar uma forte representatividade
no grupo. Além disso, ele se repete em todos os indivíduos porque lhes é imposto.
59
A Solidariedade Orgânica é aquela que acontece nas sociedades que têm
UNIDADE 2
Anomia
60
regular as relações entre eles. Quando a segunda não é exercida adequadamente,
UNICESUMAR
os indivíduos se encontram em uma situação de anomia, o conceito que ocupa
papel central em seu trabalho.
O autor fez uma análise da transformação da sociedade como consequência
da mudança do modelo econômico e produtivo, isto é, da chegada do capitalismo
e da industrialização. A sociedade da modernidade parece marcada por uma
grande variedade de interesses, crenças e pensamentos, assim como pela divisão
do processo produtivo. Nessa perspectiva, a anomia se refere à ausência de um
conjunto de regras que governam as relações entre as diversas funções sociais, que
se tornam provenientes da divisão do trabalho e da especialização, características
da modernidade. Dado que essa transformação foi rápida e profunda, a sociedade
passa por uma crise de transição devido ao fato de que os padrões tradicionais de
organização e regulação foram deixados para trás e não houve tempo suiciente
para outros acordos e regras surgirem com as novas necessidades apresentadas.
No decorrer da sua obra, o autor argumentou que as duas situações em que
há sinais claros de anomia estão na esfera econômica e na que advém da situação
conjugal. Ambas são as que mais contribuem para a taxa de suicídios, segundo
a teoria durkheimiana. Em relação à primeira área (econômica), a anomia é de-
rivada, como se argumenta na Divisão Social do Trabalho – livro lançado em
1893 –, pela mudança acelerada nos sistemas produtivos. As normas, que antes
serviam para organizar o grupo, tornaram-se obsoletas e não foram substituídas
por outras capazes de responder adequadamente às novas condições.
A ausência de regras representa um problema sério (por não haver limites
para que os indivíduos suponham alcançar qualquer coisa que desejem), o que
gera alto grau de frustração ante a não realização de suas expectativas.
Por conseguinte, Durkheim também apontou uma anomia conjugal, que tem
a ver com o enfraquecimento do casamento, como aconteceu com o restante das
instituições sociais. Para ele, o casamento é uma fonte de estabilidade, especialmente
para o homem que, segundo ele, é dominado, desde cedo, por desejos e paixões. Ao
contrair o casamento, o homem entra em uma instituição que coloca limites em
suas ações, dá-lhe a estabilidade e a ordem que até aquele momento lhe faltavam.
Todavia, o casamento tem efeito oposto para a mulher. Esta não é dominada
pelas paixões características do homem e, portanto, não é necessário que uma
instituição lhe imponha limites, ao contrário, o casamento é apresentado como
uma forma de regulamentação excessiva que a faz sentir-se presa e frustrada.
61
UNIDADE 2
Suicídio
Durkheim lidou com o suicídio como fato social. Isso quebra a tendência tra-
dicional de considerá-lo como fenômeno estritamente individual e, portanto,
apenas como objeto da psicologia ou da moralidade.
Para chegar a essa conclusão, o autor trabalhou com a taxa anual de suicídio,
que existe em vários países europeus desde a década de 60 do século XIX. Ao
analisar essas taxas, notou que estas tendiam a permanecer constantes ou com
pequenas mudanças durante longos períodos de tempo. Ele também percebeu
que a taxa de suicídio difere entre países e entre comunidades sociais.
62
UNICESUMAR
explorando Ideias
A primeira causa de morte por atos de violência no mundo não são os acidentes de trân-
sito, os homicídios nem os conlitos armados, mas o suicídio. Esse dado desconcertante
foi revelado em outubro de 2002, em Bruxelas, numa reunião da Organização Mundial de
Saúde (OMS) para divulgar as conclusões do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde.
As mortes por suicídio aumentaram 60% nos últimos 45 anos, segundo a OMS. Quase um
milhão de pessoas se mata todos os anos – em um universo até 20 vezes superior de ten-
tativas. Na maioria dos países desenvolvidos, a violência autoinligida é a primeira causa
de morte não natural. No Brasil, ela ocupa a terceira posição – aqui as taxas de mortalida-
de por acidentes de trânsito e homicídios estão entre as maiores do mundo.
Fonte: Christante (2010, p. 33-35).
63
• Suicídio fatalista acontece quando as regras às quais os indivíduos são
UNIDADE 2
Karl Marx
Marxismo
UNICESUMAR
pretar o mundo, quando deveriam contribuir para sua transformação. No ideário
comunista, é nítido o fato de que não basta fazer perguntas sobre a realidade
para entendê-la. É preciso transformá-la. É vital que a classe trabalhadora e, es-
pecialmente, o aluno e os jovens que começarão a trabalhar, mantenham atitude
de lutar com espírito internacionalista e tenham a formação política necessária
para fazer uma crítica contundente ao sistema capitalista.
O movimento comunista não emergiu de Marx, mas do movimento proletário
do século XIX. Marx morreu em plena atividade pela busca do seu ideal político. Isso
signiica que devemos considerar todos os outros autores que contribuíram para o
marxismo – como Engels, Lenin, Trotsky, Rosa de Luxemburgo, Ernesto Guevara
e Antônio Gramsci). Por isso, o movimento não deve ser aceito como um dogma
inlexível, mas usado para analisar a realidade em constante transformação. Além
disso, o marxismo pode ter a sua teoria ressigniicada pelas conclusões que a classe
trabalhadora extrai das suas novas condições materiais de trabalho, dos movimentos
emancipatórios das mulheres, das raças e das comunidades oprimidas, entre outros.
Materialismo Histórico
Karl Marx concebeu a História a partir de uma visão materialista. Isto é, ele con-
siderou que tanto as relações jurídicas quanto as formas de Estado não poderiam
ser entendidas por si mesmas ou pela evolução geral do espírito humano, mas
considerando suas raízes nas condições materiais da existência, isto é, nas forças
produtivas – os instrumentos tecnológicos de trabalho, as habilidades laborais e,
principalmente, o sujeito social que exercia o trabalho sobre a natureza e a socie-
dade – e nas relações sociais de produção – os vínculos sociais que se estabeleciam
entre os seres humanos para produzir e reproduzir sua vida material e cultural, e
que, no modo de produção capitalista, expressavam a contradição antagônica entre
os detentores dos meios de produção e os detentores da força de trabalho.
Assim, as causas de todas as transformações históricas não foram encontra-
das nas mudanças no campo das ideias dos seres humanos, nem foram primor-
dialmente mudanças políticas, mas giraram sempre em torno do poder social
e econômico das classes. Essas, por sua vez, nasceram e existiram a partir das
condições materiais em que a sociedade de uma época produziu e mudou o que
era necessário para o seu sustento.
65
Essas forças produtivas e as relações de produção pertenciam a um cer-
UNIDADE 2
UNICESUMAR
e prática. Sua obra se caracteriza como uma ruptura com os escritos ilosóicos
até aquele momento, pois se limitaram a apenas interpretar o mundo quando, na
verdade, ele precisava ser transformado.
Luta de classes
“
Não me cabe o mérito de ter descoberto a existência das classes na
sociedade moderna ou a luta entre elas. Muito antes de mim, alguns
historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento históri-
co desta luta de classes e alguns economistas burgueses a anatomia
econômica das classes. O que eu iz de novo foi demonstrar: 1) que a
existência das classes está ligada apenas a determinadas fases históri-
cas do desenvolvimento da produção, 2) que a luta de classes conduz
necessariamente à ditadura do proletariado, 3) que esta mesma dita-
dura constitui tão somente a transição para a abolição de todas as clas-
ses e para uma sociedade sem classes (MARX; ENGELS, 2016, p 33).
Mais-valia
Max Weber
UNICESUMAR
pério Alemão em 1871 e sua extinção em 1918 após a Primeira Guerra Mundial.
Do mesmo modo, ele viveu o apogeu da expansão territorial europeia na África
e na Ásia e a Segunda Revolução Industrial.
Como um grande observador das inovações de seu tempo, ele concentrou
seu trabalho em duas mudanças cruciais: o nascimento de estados-nações mo-
dernos baseados em uma burocracia proissional e a expansão do capitalismo
ocidental em todo o mundo.
Weber defendia que a Sociologia não poderia tornar-se uma ciência exata
comparável à matemática ou à física, uma vez que os princípios nos quais ela se
baseava eram humanos, portanto suscetíveis de serem subjetivos e não objetivos.
Da mesma forma, Weber desenvolveria o que mais tarde seria conhecido
como “individualismo metodológico”, assegurando que apenas indivíduos, igual-
mente suscetíveis à subjetividade, são agentes ativos. Seu método e o problema
da modernidade levaram Weber a explorar as relações entre a produtividade
econômica e o contexto cultural da sociedade.
Ação social
UNICESUMAR
de todo homem. O ser humano é salvo não
por suas boas obras, mas porque foi escolhido
por Deus para esse destino. Por conseguinte,
boas ações são também um comportamento
previsto por Deus, de modo que os homens
destinados à salvação também estão destina-
dos a levar uma vida correta e justa: “A fé sem
obras é morta” (Tg 2, 14-26) (BÍBLIA, 1969).
Essa doutrina teve um efeito profunda-
mente moralizante entre os iéis, que, de algu-
ma forma, esforçaram-se para alcançar uma Figura 11 - João Calvino
integridade moral absoluta,a qual lher permitia supor que estavam entre o grupo
dos escolhidos para a salvação. O trabalho é supervalorizado como instrumento
de Deus para dar dignidade humana. A vida boêmia, com gastos, bebidas e pros-
tituição, é tratada como pecado e, por isso, não deve ser praticada pelos protes-
tantes. Com isso, conseguem destinar o dinheiro para outro im ou, até mesmo,
guardar, o que, para Weber, era sinal de um princípio de acumulação de riquezas.
Para os calvinistas e puritanos, impulsionados especialmente por dar a todos
os valores humanos um signiicado sagrado e obter, a partir daí, a conirmação de
da escolha para a salvação por meio da fé, o trabalho e sua organização racional
tornaram-se ordem divina. Na verdade, o trabalho, para o calvinista, é uma fé e
uma missão que precisa ser executada como planos da vontade celestial. Dedi-
cado ao trabalho e aos negócios, o homem organiza e racionaliza o trabalho e a
produção, enriquece a vida humana e interpreta sua vitória comercial da mes-
ma forma que suas realizações no aperfeiçoamento moral: uma conirmação da
escolha de Deus, tanto para a própria salvação quanto para toda a sua família.
O objetivo não é a acumulação de capital nem a satisfação e a alegria que pode
produzir, mas, sem ser um im em si mesmo, esse objetivo guia a organização da
vida. O trabalho do homem de negócios moderno, portanto, tem fundamento re-
ligioso. A organização e a disputa comercial estão intimamente ligadas a uma visão
de mundo segundo a qual os melhores, ou seja, os eleitos, organizam-se, produzem
e enriquecem, enquanto os outros, os não eleitos, perdem fatalmente suas batalhas.
Com essas conclusões, a vida social e econômica é revelada, na ilosoia de
Weber, como determinada por elementos irracionais e imprevisíveis, e a história
se manifesta como um processo muito mais complexo do que o descrito pelo
71
marxismo, no qual a luta de classes é considerada como a origem e o motor da
UNIDADE 2
“
[…] um estado de coisas pelo qual uma vontade manifesta (man-
dato) do dominador ou dos dominadores inlui sobre os atos de
outros (do dominado ou dominados), de tal sorte que em um grau
socialmente relevante estes atos têm lugar como se os dominados
tivessem adotado por si mesmos e como máxima de sua ação o
conteúdo do mandato (obediência) (WEBER, 1994, p. 699).
72
Há, de acordo com a classiicação estabelecida por Weber, três tipos ideais de legiti-
UNICESUMAR
midade e dominação, sendo que, cada uma, gera seu próprio nível de racionalidade:
dominação tradicional, dominação carismática e a dominação racional-legal.
• Dominação tradicional é a aquela que se baseia na crença na santidade
da tradição e daqueles que dominam em seu nome.
• Dominação carismática se baseia na crença de que um indivíduo possui
alguma habilidade ou característica que o faz “especial”.
• Dominação racional-legal é aquela que ocorre nos Estados modernos.
É a expressão da racionalização: formal, baseada em procedimentos, pre-
visível, calculável e burocrática.
Desencantamento do mundo
73
O pensador estava convencido de que a racionalidade instrumental de nossa
UNIDADE 2
Sociologia Contemporânea
Pierre Bourdieu
Foi um dos sociólogos mais relevantes da segunda metade do século XX. Suas
ideias são de grande relevância tanto na teoria social quanto na Sociologia empí-
rica, especialmente na Sociologia da cultura, educação e estilos de vida. Sua teoria
se destaca como uma tentativa de superar a dualidade tradicional da Sociologia
entre estruturas sociais e objetivismo, por um lado, contra ação social e subjeti-
vismo, por outro. Para isso, está equipado com dois novos conceitos, o habitus e
o campo, além de reinventar o termo capital, já estabelecido.
De acordo com o sociólogo francês, as pessoas acumulam, lutam e compe-
tem pela distribuição de diferentes recursos para ter uma posição melhor na
sociedade. Segundo Michel Foucault, ilósofo também francês, existem três tipos
de capital, cada um deles com uma lógica especíica. Podemos deini-los como:
Capital econômico (que se mede e acumula em objetos e dinheiro); Capital
social (refere-se à inluência, capacidade de ativação e mobilização social); e Ca-
pital cultural (são os conhecimentos e objetos acumulados, que nos permitem
demonstrar externamente nosso nível cultural).
De todo o seu trabalho, ele elaborou conceitos controversos que foram ques-
tionados por seu determinismo. Foucault, por exemplo, sustenta que a escola
reproduz diferenças familiares, sociais e de classe, porque seleciona e legitima
aqueles que são culturalmente mais dotados, em virtude da sua origem familiar.
Nesse sentido, a escola funciona como um mecanismo de mobilidade social,
mas também de marginalização e discriminação. Tudo isso está relacionado
74
à airmação de Bourdieu sobre o status social da classe média, que ele acredita
UNICESUMAR
ser baseado em recursos extraídos do sistema educacional, portanto, a principal
capital da classe média é a cultural.
Para Bourdieu, todos os capitais tendem a converter-se em capital econômico.
Em contrapartida, o capital social fornece vínculos sociais e prestígio derivado
do prestígio alheio, o qual gera o sentimento de pertencimento. O capital social
acumula-se de maneira coletiva, mas de forma altamente seletiva e exclusivista.
A distribuição dos diferentes tipos de capital resulta na criação dos mapas, em
que cada indivíduo e cada grupo serão colocados em uma posição diferente em
relação ao tipo e à quantidade de capital que possuir.
Algo importante a ser lembrado, em Bourdieu, é que, para ele, não há poder
global que domine toda a sociedade, porque a sociedade está inserida em uma
multiplicidade de pequenas lutas de poder em campos diferentes, nos quais os
capitais são distribuídos de acordo com as suas próprias regras. Além disso, in-
divíduo não aprende as regras, mas as incorpora. Ele as possui em seu corpo
pelas práticas cotidianas e habituais. Práticas diárias serão aquelas disposições
incorporadas à ação, que norteiam nossas decisões e, para Bourdieu, são cha-
madas de habitus. O habitus é um processo pelo qual a cultura é reproduzida e
determinados valores e comportamentos são naturalizados.
Segundo o sociólogo francês em questão, a naturalização do mundo social é
funcional a uma forma de dominação baseada na violência simbólica exercida
por quem as recebe, pois são eles quem a internalizaram como característica de
sua própria identidade. Em suma, pensar na ideia de violência simbólica implica
necessariamente pensar no fenômeno de dominação nas relações sociais, espe-
cialmente sua eicácia, seu modo de operação e a base que a torna possível.
A forma paradigmática da violência simbólica é, para o autor, o fenômeno da
dominação masculina, que, longe de ser apenas uma violência exercida pelos ho-
mens sobre as mulheres, é um processo complexo de dominação que afeta os agen-
tes, independentemente do sexo. Formas e fenômenos de violência e dominação
simbólicas podem ser encontrados nos mais diversos eventos sociais e culturais: na
esfera da linguagem, no campo educacional, em múltiplas classiicações sociais etc.
Com a expressão “violência simbólica”, Bourdieu pretende enfatizar a maneira
como os dominados aceitam sua própria condição de dominação como legítima.
O poder simbólico não usa violência física, mas violência simbólica. É um poder
legitimador que desperta o consenso dos dominadores e dos dominados, pois
supõe a capacidade de impor a visão legítima do mundo social, suas divisões e a
75
capacidade de impor os meios para entender e adaptar-se ao mundo social por
UNIDADE 2
Florestan Fernandes
É uma das iguras intelectuais mais importantes do Brasil no século XX. Seu
nome está intimamente ligado à institucionalização da Sociologia como disci-
plina cientíica no Brasil, especiicamente, à tradição acadêmica da Universida-
de de São Paulo (USP), mas, também, ao pensamento marxista, e à militância
política. Essas duas facetas de sua trajetória de vida constituem uma fonte de
tensões centrais, que vão desde o tempo dedicado à cada atividade, passando
pela coexistência de estruturas interpretativas, à coerência entre teoria e prática.
Alguns pesquisadores argumentaram que essas duas facetas correspondem a dois
períodos diferentes de sua carreira, tendo como marco temporal o surgimento
da ditadura militar em 1964.
Alguns estudiosos da vida e obra de Florestan analisam essa transição como
duas grandes etapas de sua biograia, marcadas por uma ruptura epistemoló-
gica: a fase “acadêmico-reformista” (1945-1968, neste, o ano em que é expulso
da USP) e a “político-revolucionária” (1968-1986, ano em que é eleito deputado
federal pelo Partido dos Trabalhadores). Outros, em contrapartida, suscitaram
uma sensação de continuidade e progressão, na qual os conceitos analíticos são
esclarecidos ao articular os aspectos acadêmico-universitário e político-militante.
Em vários escritos, este estudioso deixou testemunho de sua infância e de
sua formação inicial, que ocorreu durante um tempo de grandes transforma-
ções para o país: a queda da antiga República, a crescente pressão das massas
populares urbanas sobre a vida social e a chegada de Getúlio Vargas ao poder.
Esses depoimentos não apenas permitem conhecer alguns dados de sua tra-
jetória, mas também observar a construção de um relato autobiográico em
uma chave sociológica na qual são constantemente destacados os cruzamentos
entre a história pessoal e o condicionamento da estrutura social, ponto fun-
damental de sua perspectiva sociológica.
Filho de uma imigrante portuguesa, Maria Fernandes, empregada doméstica e
lavadeira, Florestan perdeu o pai e a irmã com tenra idade e deixou a escola no ter-
ceiro ano do ensino fundamental para ajudar a mãe. Cresceu nos bairros populares
76
de São Paulo, mudando de residência constantemente. Trabalhou como engraxate
UNICESUMAR
e garçom em vários negócios: açougue, padaria, alfaiataria, entre outros. Para ele,
essa situação de vida constituiu uma marca profunda em sua carreira intelectual.
Apesar de ter abandonado a escola ainda jovem, Florestan continuou seus
estudos informalmente; primeiro, com os livros de um amigo de sua mãe, depois
na biblioteca de sua madrinha. Anos depois, ele conseguiu terminar o ensino
regular (fez sete anos em três) e entrou na USP em 1941, aos 21 anos, local em
que sua brilhante carreira decolou. Para dar esse passo importante em sua vida,
precisou prestar serviço militar, estudar datilograia e enfrentar a diiculdade
de ter aulas de francês com professores europeus que chegavam à universidade.
Sua experiência de vida está ligada a, pelo menos, dois aspectos centrais
de sua perspectiva sociológica: o questionamento das possibilidades de os
sujeitos sociais serem construtores ativos da história e um posicionamento
claro a favor dos setores populares.
Por im, para entender a perspectiva sociológica de Florestan Fernandes, é ne-
cessário colocá-la no campo intelectual-acadêmico do período considerado. Du-
rante a década de 30, ocorreu um importante processo de reformulação do pensa-
mento social brasileiro, articulado com a nascente institucionalização das Ciências
Sociais. Nesta fase, são publicados os grandes ensaios de interpretação nacional de
Gilberto Freyre (1933), Sérgio Buarque de Holanda (1936) e Caio Prado Júnior
(1942). Tais trabalhos expressam profunda preocupação com a formação histórica
do Brasil como fonte para explicar seus males e obstáculos contemporâneos para
a mudança social. Embora a preocupação faça parte da tradição do pensamento
brasileiro desde o século XIX, essa geração atingiu impacto fundamental na pro-
dução acadêmica universitária, consolidada nas décadas seguintes.
Em relação à sua perspectiva sociológica como herança do movimento de
reforma educacional, mas também de professores estrangeiros que chegavam
à USP, foi fortemente airmada a possibilidade e a necessidade de adotar uma
abordagem cientíica dos problemas sociais. Essa posição tem duas vertentes: por
um lado, sustenta a importância da relexão em oposição à tradição do ensaio
social. Desde os primeiros escritos de Florestan aos trabalhos de seus professores
e colegas, é possível traçar a exigência da relexão baseada em dados empíricos
de instrumentos analíticos precisos, independentemente da qualidade das inter-
pretações gerais. Por outro, e acima de tudo, essa posição implica uma deinição
política contra o conservadorismo ideológico (católico e militar), que rejeita a
ciência por estar relacionada a supostos vínculos comunistas. Diante desta ideia,
77
Pode-se dizer que existem diferentes modos de exercer poder, como fé, religião,
UNIDADE 2
2
34
O PODER MILITAR:
devido ao controle que
exercem sobre as forças
armadas de um país,
permite a um indivíduo,
uma instituição ou um
grupo de homens
dominar a vontade dos
O PODER POLÍTICO:
cidadãos por medo da
baseado na possibilidade
repressão militar.
de exercer coerção,
de usar força legal, que é
equivalente à aplicação
da própria lei.
Esse poder político é
amparado pela burocracia
e poder estatal.
O poder político só pode
ser realmente efetivo se
incluir o consentimento
dos governados.
O conceito de poder é algo abstrato, mas produz efeitos visíveis sobre quem sofre
suas consequências. A forma de divisão abordada anteriormente se manifesta em
relações sociais implícitas ou explícitas. No caso das relações implícitas, não somos
capazes de perceber factualmente como o exercício do poder é manifestado (po-
der ideológico, por exemplo). Já, nas relações explícitas, vemos claramente a forma
80
com a qual determinado poder atua (o poder militar, por exemplo). Em todos os
UNICESUMAR
casos, nota-se que as relações de poder fazem parte da vida cotidiana. No entanto,
isso não signiica que essa situação seja desejável, já que o poder implica em uma
obrigação por parte do subordinado, que é privado de sua liberdade de escolha.
O conceito de poder despertou grande interesse das mais variadas ciências
no decorrer da história. Tem sido investigado, a partir de diferentes áreas do
mundo do conhecimento, como a Sociologia, a Ciência Política, a Psicologia,
a História e, claro, a Filosoia.
Na Sociologia, é um conceito-chave por meio do qual estudamos como um
grupo social ou um indivíduo pode impor seus interesses. Para a Ciência Polí-
tica, representa o objeto central de seu estudo, juntamente com a pesquisa das
relações políticas. A Psicologia, por sua vez, concentra-se na análise das relações
interpessoais de poder. A História também é responsável por analisá-las a partir
de seu ponto de vista, focando em quem e como tem sido usado ao longo do
tempo. Já a Filosoia procura descrever essa complexa ideia para saber quais
são suas características e seus conceitos por meio da ética e da ilosoia política.
Do ponto de vista ilosóico, tanto a ética quanto a ilosoia política analisam
os mecanismos de controle que o poder utiliza, os quais são praticados sobre os
grupos sociais, bem como as ideologias que permitem exercer e justiicar certas
formas políticas, como o Estado, os partidos, as instituições e os grupos sociais.
Estado
UNICESUMAR
social e política dos nossos dias.
Os primeiros teóricos sobre o Estado foram os autores clássicos Platão e Aris-
tóteles. Ambos reletiram sobre o modelo político vigente da época, a cidade-es-
tado ou a pólis, cuja concretização ideal de uma entidade autossuiciente traria
a satisfação das necessidades da comunidade.
Para Platão, o homem assina o contrato de cidadania, termo que aparece em
sua obra República. Pelo contrato de cidadania o ser humano opta por pertencer a
um Estado e acorda com ele um pacto, pelo qual é obrigado a cumprir as leis, mes-
mo que sejam injustas. Para entender completamente o signiicado dessa doutrina,
é necessário entender que ser homem e ser cidadão é o mesmo para esse ilósofo.
Se a sociedade, para Platão, deriva de um pacto, para Aristóteles é algo na-
tural, consequência do fato de o ser humano ser naturalmente sociável. E essa
natureza instintivamente atrai todos os homens para associações políticas. Em
outras palavras, para esse ilósofo, o homem é um “animal político”.
Dessa forma, o que caracteriza o ser humano não é apenas o fato de viver em
sociedade, mas também de lidar com as coisas da pólis ou do bem comum, que
é a atividade nobre por excelência do ser humano. O Estado é, então, uma organi-
zação política que resulta da associação de indivíduos, famílias e povos. Também
tem uma origem natural e sua inalidade é resolver as necessidades básicas da vida
e garantir que os cidadãos possam satisfazê-las. O núcleo original da comunidade
social ou política é a família, porque o conceito de Estado, para Aristóteles, baseia-se
na coexistência diária. Pequenas associações de grupos familiares dão origem ao
surgimento da aldeia e a associação de aldeias dá origem à constituição da cidade.
Na teoria moderna do Estado, surge um conceito central para a Ciência Po-
lítica: o contratualismo. Este compreende um conjunto de teorias políticas, que
veem a origem da sociedade e o fundamento do poder político em um contrato
social. A organização social e a vida dos membros da sociedade dependem de um
acordo que permita estabelecer os princípios básicos de convivência: o contrato
social. O contratualismo moderno, por exemplo, representa uma teoria acerca
da legitimidade da soberania política. De forma breve, falaremos sobre as três
teorias clássicas do contratualismo: a teoria absolutista de Hobbes, a teoria liberal
de Locke e a teoria de soberania de Rousseau.
homas Hobbes é um dos ilósofos mais representativos da teoria absolu-
tista. O Estado estabelece, como resultado de um pacto, o contrato comunitário.
Em virtude desse acordo, o ser humano cede parte de sua liberdade a uma en-
83
tidade superior, capaz de evitar que o confronto entre os diferentes interesses
UNIDADE 2
UNICESUMAR
ções decisivas, como Montesquieu, que formulou o princípio da separação de
poderes, em virtude do qual seria possível evitar abusos na ação governamental
e garantir o respeito aos direitos dos que eram governados.
Os três poderes que Montesquieu formulou são: o poder executivo, pró-
prio do governo; o poder legislativo, vinculado ao Parlamento; e o poder
judiciário, ligado aos juízes.
Cidadania
“
A cidadania não é dom natural e muito menos concessão do Estado.
É conquista construção, exercício cotidiano, papel social. Num país
como o nosso – que carece dos serviços sociais básicos, tais como
saúde, educação, saneamento, habitação, emprego, etc. O exercício
da cidadania consiste fundamentalmente em transformar o direito
formal a todos esses serviços, garantidos na Constituição, em rea-
lidades concretas, efetivas na vida do povo (LIBANIO, 1995, p. 42).
Nesse sentido, se não houver participação, não haverá cidadania, pois apenas ao atuar
poderemos ver o processo de construção de conquista da cidadania ser transforma-
86
do. Essa participação, ao mesmo tempo, gera senso de pertencimento e de atuação
UNICESUMAR
para modiicação de uma realidade, além de ser a pedra angular da democracia.
Democracia
o momento, pelo fato de o poder estar submetido a Deus, ou seja, o poder do povo
estava nas mãos da Igreja. Com o Renascimento, Deus deixa de ser o centro e dá
lugar ao ser humano, que, a partir desse momento, renasce e se desenvolve. Durante
os séculos XV e XVI na Europa é enfatizada, novamente, a importância da participa-
ção dos cidadãos em interesses políticos, para promover a estabilidade da República,
deixando para trás a vida passiva e contemplativa defendida pelo cristianismo.
Nos séculos XVI e XVII, as principais ideias desse período incluíram a defesa
do indivíduo e suas liberdades. A intervenção do Estado e dos poderes públicos
estava limitada à vida econômica, política e social. O indivíduo, considerado um
ser racional por natureza, tinha, então, uma série de direitos que deveriam ser
respeitados. O poder era dado aos cidadãos, que elegiam seus representantes de
maneira livre e soberana, e foi dado im à supremacia da Igreja Católica Romana,
o que fragmentou a unidade religiosa da Idade Média e promoveu a pluralidade
e o pensamento livre. É o chamado período do liberalismo.
Para começar a descrever a democracia do século XVIII, precisamos com-
preender, primeiramente, o caso dos Estados Unidos. Depois da sua declaração
de independência em 1776, após amarga batalha contra a Grã-Bretanha, os EUA
passaram por um processo de aplicação de sua forma democrática de governo,
que começou com a ratiicação de sua constituição em 1787. Pretendia-se criar
um governo federal único, com um presidente da república, um congresso e um
senado, em que residiriam os poderes legislativos.
Em 1789, na França, aconteceu a Revolução Francesa, uma mudança po-
lítica muito importante, não apenas para a França, mas também para outros
países que utilizariam os seus preceitos como exemplo. Tal revolução signii-
cou o triunfo de um povo oprimido e cansado das injustiças, dos privilégios
da nobreza feudal e do estado absolutista.
No século XIX, a democracia se baseava na soberania popular, na liberdade
e na igualdade social. O novo conceito objetivou superar algumas desigualdades
e alguns privilégios do velho liberalismo. Nesse período, a igura do proletariado
emergiu e se identiicou como classe. Ocorreu, então, a luta entre o proletariado
contra a burguesia e o Estado, uma vez que este se recusou a aceitar as exigências
dessa nova classe e seu direito a ter um papel na vida social e política da sociedade.
Atualmente, a democracia está situada como forma dominante de governo
no mundo. Vários eventos aconteceram para que ela se consolidasse: o sufrágio
universal (incorporação do voto dos pobres e das mulheres), o desaparecimento
88
ou o enfraquecimento das monarquias, a queda das ditaduras militares latino-
UNICESUMAR
-americanas, a descolonização da maior parte da Ásia e da África, o direito de
voto de minorias raciais nos EUA etc.
A airmação da pessoa humana, no contexto democrático atual, a respeito da
sua individualidade, sua autonomia e a proteção dos direitos individuais surgiram
em oposição às monarquias absolutas e aos despotismos que, historicamente, não
observaram nenhum desses limites. Isso signiicou conceder a todas as pessoas,
em consideração à sua humanidade e personalidade, direitos e proteções iguais
e a mesma capacidade de independência de julgamento, tanto em suas vidas
pessoais quanto em seus julgamentos políticos.
Quando os cidadãos agem unicamente em favor de seus interesses, suas am-
bições e seus ins privados com apatia e insatisfação com os limites impostos pela
responsabilidade, o compromisso com o público, a convivência cívica e as insti-
tuições democráticas, lidamos com um dos fenômenos sociais mais arriscados e
mais difíceis de reverter. Para isso, é preciso abordar a construção da cidadania e
de um mundo público guiado pelos princípios, pelas instituições e pelos direitos
estabelecidos nas constituições democráticas. O senso coletivo deve prevalecer
nas mais diversas discussões sobre a vida em sociedade.
Para a ilósofa Hannah Arendt, as sociedades modernas, com as inseguranças
do mundo do emprego, as pressões por status social, a busca pelo poder e o foco
pelas necessidades econômicas – em detrimento das políticas e cívicas – geraram
costumes extremamente individualistas e de alienação da política. Os cidadãos não
são levados a pensar por si mesmos, ao pensamento crítico e à participação e preocu-
pação com as consequências de suas ações sobre os direitos dos outros, sobre a vida
pública e o bem comum. Pelo contrário, os costumes associados a uma sociedade de
empregados de instituições caracterizadas por hierarquias serão os da obediência a
crítica à autoridade, da acomodação a qualquer preço e do individualismo egoísta.
pensando juntos
Será que vivemos, de fato, em uma democracia, com tudo que nos deveria ser assegurado?
89
A primeira deinição antropológica de relevância foi a do antropólogo Ed-
UNICESUMAR
ward Burnett Tylor que, em um parágrafo simples, o primeiro de seu livro, deixou
uma deinição que ainda é utilizada nos dias de hoje:
“
Tomando em seu amplo sentido etnográico (cultura) é este todo com-
plexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou
qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como
membro de uma sociedade (TYLOR apud LARAIA, 2006, p. 25).
92
e compreendê-la para poder relacionar-me com as pessoas de forma saudável, sa-
UNICESUMAR
bendo que a cultura delas era diferente, não inferior à da minha família.
Oposto ao etnocentrismo – e como forma de combatê-lo –, surgiu o conceito
de relativismo cultural, que consiste em colocar-se no lugar do outro para en-
tender sua cultura; em adotar os padrões culturais da sociedade que se pretende
estudar, para entender sua lógica interna. No entanto, devemos entender que esse
relativismo não deve ser radical. É evidente que as culturas não são iguais e nem
seus valores precisam ser completamente aceitáveis. A interpretação radical desse
conceito nos levaria a aceitar práticas culturais inteiramente inaceitáveis, como
aquelas referentes à submissão incondicional de mulheres ou ao apedrejamento
até a morte. O relativismo é apenas um princípio que nos guia sobre como en-
tender outra sociedade. O fato de o antropólogo tornar-se membro da cultura
que estuda não signiica abdicar de sua neutralidade cientíica.
Práticas culturais que negam os direitos humanos são repreensíveis sob qual-
quer ponto de vista. Isso não contradiz o princípio do relativismo cultural, segun-
do o qual o antropólogo, ou o cientista social em geral, deve tentar colocar-se no
lugar do estudado para melhor entender sua cultura.
Por meio do relativismo cultural, o movimento em defesa dos direitos das
minorias culturais se difundiu em todo o mundo. Também alcançou as mino-
rias religiosas e, em geral, todos os grupos humanos que possuem suas próprias
peculiaridades culturais, inclusive fazendo parte dos Estados ditos democráticos.
conecte-se
93
nhecida, reinamento, prestígio social e valor político. As primeiras tecnologias de
UNIDADE 2
94
fundações, políticas de desenvolvimento cultural, entre outros. O papel da mídia,
UNICESUMAR
nesse contexto, é duplo: como produtores e disseminadores da cultura de massa.
A cultura de massa foi fortemente criticada nos anos 50 a 70 pelos pensadores
europeus, especialmente a Escola de Frankfurt e a tradição marxista, que via nela
uma superestrutura projetada para assegurar a sobrevivência dos mecanismos de
poder característicos do modo de produção capitalista. O ilósofo Louis Althusser
fala de “ideologia da mídia” e Gramsci de “hegemonia da mídia”.
Segundo esses dois autores, é quase impossível fugirmos dessa dinâmica de
olharmos para a cultura como objeto de consumo, mas basta buscarmos cami-
nhos alternativos de produção cultural e arte que ainda não foram completamen-
te imersos na mercantilização da cultura.
Antropologia brasileira
Darcy Ribeiro
95
Darcy Ribeiro se dedicou aos estudos sobre identidade latino-americana e
UNIDADE 2
96
decorrer do tempo em um esquema global e, com as contribuições da Arqueolo-
UNICESUMAR
gia, Etnologia e História, conseguir localizar qualquer sociedade, extinta ou atual,
e o seu contínuo desenvolvimento sociocultural.
Essa teoria civilizadora o levou a estudar o desenvolvimento histórico da Amé-
rica Latina, desde o mundo antigo ao inal do século XX, passando por suas vá-
rias fases ou estágios, veriicando, também, o impacto das revoluções tecnológicas.
Para interpretar as estruturas políticas, sociais, econômicas, culturais, educacionais
parciais e as características de países desenvolvidos e subdesenvolvidos – como
a América Latina –, é preciso entender seu processo civilizacional e o impacto
das revoluções tecnológicas. Isso também indica que não se pode compreender o
desenvolvimento de universidades da América Latina nos séculos XIX e XX sem
interpretar essas instituições de ensino superior no processo de civilização, além de
sua posição em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
A evolução sociocultural, concebida como sucessão de processos gerais da
civilização, possui caráter progressivo, evidente no movimento que levou o ho-
mem da condição tribal aos contextos macrossociais nacionais modernos. Os
processos civilizatórios gerais que o compõem também são movimentos evo-
lutivos por meio dos quais novas formações socioculturais são coniguradas.
Nesses processos, Darcy Ribeiro destacou a presença de povos desenvolvidos e
subdesenvolvidos do mundo moderno.
Essas ideias o levaram a reletir sobre a cultura latino-americana, atrasada no
processo de civilização mundial e dependente dos países com maior desenvolvi-
mento econômico e cultural, em sua órbita neocolonial.
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 2
98
Quando o homem primitivo começou a perguntar-se sobre tudo o que en-
UNICESUMAR
contrava ao seu redor, ele concentrou sua atenção em fenômenos naturais, como
a chuva, o trovão, o terremoto e o nascimento de um ser vivo. Observe algumas
perguntas que poderiam ter surgido nessa época: qual força move os ventos? Por
que chove? Quem produz terremotos? Quem criou o céu, os animais e as plantas?
Em muitos povos antigos, essas questões foram respondidas a partir de explica-
ções que ligavam os seres sobrenaturais às mudanças ocorridas na natureza ou na
vida dos homens. Essa foi a primeira tentativa de interpretação do mundo e dos seus
fenômenos. O próprio homem acreditava que sua fortuna ou seu infortúnio eram
frutos de uma intervenção divina. A essas primeiras explicações chamamos de mitos.
O mito é uma narrativa sobre a origem das coisas, do homem ou do universo.
Algumas características sobre esse fenômeno são: utilização de alegorias que
traduzem as relações existentes no universo ou na vida; tem como protagonistas
divindades que inluenciam o movimento do universo ou a vida dos homens;
é uma maneira de representação do universo. Tem, por inalidade, explicar a
realidade e a origem do universo, do homem, da ordem da sociedade, dos ideais
éticos e morais ou do comportamento
que os homens devem ter para alcan-
çar a grandeza. A narração é baseada
na imaginação, na poesia e na religião
para dar explicações e propósitos para
a existência. Eles são classiicados em
mito teogônico (histórias sobre a ori-
gem dos deuses) e mito cosmológi-
co (histórias sobre o nascimento do
mundo e do universo, do cosmos).
Figura 2 - Hércules e a morte da Hydra
A Filosoia nasce, portanto, da necessidade de o ser humano obter respostas mais
racionais sobre as questões da vida e o mito começa a não mais satisfazer as in-
quietudes do homem. Foi necessário um longo tempo de maturação para chegar
a conclusões convincentes e precisas.
Em primeiro lugar, ao observar um fenômeno natural, o homem elaborou
questões sobre quem ou o que o produz. Não tendo os recursos suicientes para
uma investigação profunda sobre as causas do fenômeno, começou a inventar a
possibilidade de intervenção de seres sobrenaturais com poder suiciente para
mover os ventos, a terra ou dar vida aos seres existentes.
107
Muitos desses seres imaginários são representados com formas e qualidades
UNIDADE 3
“
“primitivas”, o mito se constitui um discurso de tal força que se en-
tende por todas as dependências da realidade vivida; não se restrin-
ge apenas ao âmbito do sagrado (ou seja, da relação entre a pessoa e
o divino), mas permeia todos os campos da atividade humana. Por
isso, os modelos de construção mítica do real são de natureza sobre-
natural, isto é, recorre-se aos deuses para compreender a origem e a
natureza dos fatos (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 72).
Além disso, o mito serviu para personiicar e deiicar as forças naturais. Também
explicava os fenômenos naturais e sociais como desejo de vontade divina, que
age na vida e na natureza humana.
Conforme o ser humano passou a compreender o ciclo das estações e o mo-
vimento das estrelas, as explicações míticas começaram a ser insuicientes. Por
essa razão, outro tipo de interpretação com explicação racional que respondesse
às mesmas perguntas era necessário. Os gregos, direcionados pela curiosidade,
não se contentavam com as explicações míticas, por isso, foi-lhes dada a tarefa
de procurar um princípio que desse alicerces a todas as coisas. Tal princípio foi
denominado logos, a explicação que não se baseava em suposições sobrenaturais,
mas em explicações racionais, alicerçadas em argumentos que fundavam o pen-
samento ilosóico. Assim, a Filosoia se fez necessária para entender o princípio
que move o mundo de um ponto de vista lógico.
pensando juntos
UNICESUMAR
descobrindo-se a constância de certas leis.
harmonia do universo vêm dessa contradição, da luta dos opostos. O cosmos não
fez nenhum dos deuses ou dos homens, mas foi, é, e sempre será, o fogo vivo. O
fogo é o princípio material, causa de movimento e mudança. Heráclito, o criador
da dialética, airmou que a natureza obedece ao princípio dialético, uma evolução
contínua de acordo com uma lei que lhe dá ordens.
A Filosoia de Parmênides de Eleia está estritamente relacionada ao pen-
samento de Heráclito, porque é a manifestação de sua reação contra ela. Para
Parmênides, o ser é único, eterno, ilimitado, imutável e imóvel. Em sua visão, a
mudança não é possível e a existência é eterna.
Além dos ilósofos mencionados, outros mais
foram muito importantes nesse período: Anaxi-
mandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Pitá-
goras de Samos (teorema de Pitágoras), Xenófo-
nes de Colofão, Zenão de Eleia, Melisso de Samos,
Empédocles de Agrimento, Filolau de Crotona,
Arquitas de Tarento, Anaxágoras de Clazomenas,
Leucipo de Mileto e Demócrito de Abdera. Figura 5 - Sócrates (469-399)
110
UNICESUMAR
Figura 6 - A Morte de Sócrates, de Jacques Louis David (1787)
O princípio ilosóico essencial de Sócrates era seu método dialético. Sócrates estu-
dou profundamente temas relacionados à cosmologia e outras variantes que o aju-
dariam a entender o universo e o mundo em que vivemos. No entanto, sua decepção
em relação ao método cientíico aplicado nas ciências naturais, juntamente com
a grande rejeição às perspectivas relativistas que os soistas ensinavam na época,
izeram-no decidir por procurar o caminho para alcançar as deinições universais.
Para Sócrates, as principais deinições não eram questão relativa, então ele
gerou um método indutivo por meio do qual se poderia chegar ao verdadeiro
conhecimento do mundo e de seus elementos. Segundo ele, a verdade era a mes-
ma, independentemente do lugar ou do indivíduo. Dessa forma, ele começou a
aplicar o que seria chamado de método socrático. Com isso, Sócrates pretendia
dialogar com amigos e conhecidos, sempre objetivando uma deinição universal.
O método indutivo consistia em duas partes: a ironia, por meio da qual o ho-
mem percebe sua própria ignorância das coisas, e a maiêutica (parto das ideias),
caracterizada por perguntas e respostas cada vez mais especíicas, até alcançar
um conhecimento particular.
Para Sócrates, era extremamente importante que o indivíduo reconhecesse sua
própria ignorância, pois sem esse passo não haveria espaço para a verdade. Depois
que a pessoa com quem ele dialogava aceitasse seu desconhecimento sobre um
assunto, Sócrates se empenhava em fazer perguntas que seu parceiro respondesse
por conta própria, cada vez mais aprofundadas sobre o tópico em questão.
111
Sócrates usou esse método dialético pelo resto de sua vida. Isso é evidente
UNIDADE 3
Política
112
Aluno de Sócrates e, por sua vez, professor de Aristóteles, que era seu aluno mais
UNICESUMAR
proeminente na Academia, Platão expressou seus pensamentos na forma de diá-
logos, ao utilizar elementos dramáticos que facilitaram a leitura e a compreensão
de suas ideias, recriando e exempliicando situações tratadas com bastante efe-
tividade. Tal qual Sócrates, ele estabeleceu as bases da Filosoia, da política e das
ciências ocidentais. Foi considerado um dos primeiros pensadores que conseguiu
conceber e explorar todo o potencial da Filosoia enquanto prática, ao analisar
temas dos pontos de vista ético, político, epistemológico e metafísico.
A educação de Platão era ampla e profunda. Diz-se que ele foi instruído por
vários personagens nobres de seu tempo. No ano de 407 a.C., quando tinha 20
anos, conheceu Sócrates. Esse encontro foi absolutamente decisivo, já que este se
tornou seu professor. Naquela época, Sócrates tinha 63 anos e os ensinamentos
foram estendidos por oito anos, até a sua morte.
O pensamento de Platão foi muito inluenciado pela Filosoia pitagórica,
desde os seus primórdios. Para ele, era a alma e não o corpo a verdadeira essência
do ser. De fato, o corpo era um obstáculo na busca da verdade e na ampla expres-
são do ser em seu aspecto mais essencial. Acreditava que a alma vinha de uma
dimensão superior, na qual estaria em contato com a verdade. Em algum mo-
mento, a alma se rendeu aos prazeres baixos ou inferiores e, como consequência,
foi forçada a reduzir-se ao mundo conhecido, tornando-se aprisionada no corpo.
Uma das noções desenvolvidas por Platão foi chamada de teoria das três
partes da alma. Essas partes eram a alma concupiscente, a alma irascível e a alma
racional. Platão considerou que esses elementos eram as faculdades da alma.
A alma irascível estava ligada à capacidade de ordenar os outros, assim como
à força de vontade. Relacionava-se à força e ao ímpeto e, ao mesmo tempo, com
ambição e raiva. A alma racional era aquela que Platão considerava a faculdade
superior entre todas as outras. Relacionava-se à inteligência e à sabedoria e, se-
gundo Platão, eram os ilósofos quem possuíam essa faculdade mais desenvol-
vida. A alma concupiscente, por sua vez, era a mais inferior de todas as outras e
estava ligada ao impulso natural de evitar a dor, assim como pela busca do prazer.
Platão indicou que este elemento promoveu o gosto por bens de natureza mate-
rial, o que diicultou a busca da verdade e a essência das coisas
113
Mito da caverna
UNIDADE 3
Esta é a alegoria que melhor explica ou concebe a dualidade que Platão expôs.
Segundo o mito da caverna, existe uma área ligada a ideias ininteligíveis, e há
outra claramente associada ao mundo sensorial, que nós experimentamos. Uma
vida dentro de uma caverna corresponde
a um mundo sensorial, assim como a vida
fora da caverna está relacionada ao mundo.
Para Platão, viver dentro da caverna
implica em viver na escuridão e na submis-
são absoluta aos prazeres mundanos. Sair
da caverna é uma representação de deixar
para trás a busca pelos prazeres para ir em
busca do conhecimento. Quanto mais nos
aproximamos do conhecimento, mais nos
distanciamos da caverna e mais perto es-
tamos da verdade.
Figura 8 - Mito da caverna
114
ou modo de ser, pertencem a diferentes gêneros e espécies. Entretanto, os seres
UNICESUMAR
pertencentes à mesma espécie possuem a mesma essência. Para Aristóteles, esta
é o que torna as coisas o que são. Assim, a essência do cachorro, por exemplo, é o
que faz com que o cachorro seja cachorro. No mundo, há muitas raças de cachorro
e há também o cachorro do meu vizinho, os cachorros da polícia etc. Todos eles
são seres individuais e concretos, mas, ao mesmo tempo, compartilham algo em
comum – a essência de cachorro.
Conhecimento
Ética
115
UNIDADE 3
explorando Ideias
Teleologia: ciência que se pauta no conceito de inalidade (causas inais) como essencial na
sistematização das alterações da realidade, ao haver uma causa fundamental que rege, por
meio de metas, propósitos e objetivos, a humanidade, a natureza, seus seres e fenômenos.
Fonte: adaptado de Dicio ([2019], on-line)4.
116
Ocidente. Os conteúdos metafísicos que aparecem em seus escritos se
UNICESUMAR
devem à inluência da cultura grega, especiicamente o platonismo, que
já estava presente nas primeiras formulações do pensamento cristão.
Santo Agostinho
conecte-se
Acesse o QR Code e conheça um pouco mais sobre quem foi Santo Agostinho.
117
Ele combateu as ideias de três movimentos: o maniqueísmo, que admitia a exis-
UNIDADE 3
Livre arbítrio
O homem nasce com uma vontade debilitada. Essa vontade é entendida como
livre arbítrio, isto é, a capacidade de escolher livremente. Ela se deteriora no ho-
mem quando este se inclina mais a favor do mal do que do bem. Para resolver esse
problema, Santo Agostinho se baseou em uma intervenção externa, derivada da
redenção, que prometia ajudar o homem a recuperar o seu estado de equilíbrio e
dar-lhe a possibilidade de tomar decisões. Seria por meio da ajuda da graça que
o livre-arbítrio se transformaria em liberdade.
Escatologia da História
UNICESUMAR
as ordens divinas e a que segue as suas próprias ordens. A primeira é baseada no
amor de Deus e a segunda no amor próprio.
O ponto de partida é a luta permanente entre duas tendências – uma positiva e
outra negativa –, enquanto há, no ser humano, uma luta constante entre as inluên-
cias da carne e do espírito. Santo Agostinho apresentou essa luta como a batalha
entre duas cidades: a cidade terrena (o Estado) e a cidade celestial (a Igreja). A única
inluência benéica que Agostinho vê nessa disputa é que ambas as cidades são
governadas por valores espirituais, que buscam interesses divinos e não terrestres.
Daí, nasceu a ideia de que o Estado deve levar todos até a cidade celestial,
pois deve ser regido por interesses espirituais. Essa foi a base da teoria política
chamada de cesaropapismo, na qual a Igreja é a comunidade formada por cristãos
iéis que buscam por Deus e por justiça, e que o Estado deve submeter-se à Igreja.
Essa teoria serviu para justiicar o predomínio temporal da Igreja sobre o Estado.
A palavra escolástica vem do latim schola, que signiica escola. No início, o termo
foi usado para designar o conhecimento cultivado nas escolas medievais e ensina-
do sob a direção de um professor. Mais tarde, foi usado para designar o material
ensinado e o método de ensino usado nas escolas. Em seu signiicado etimológico,
não expressa nenhuma corrente de pensamento especíico, mas de que o ensino, na
Idade Média, era praticado em escolas monásticas, episcopais ou palatais.
Escolástica cristã
Filosofia Moderna
120
Com 18 anos, Descartes entrou na Universidade de Poitiers, na qual estudou
UNICESUMAR
Direito e Medicina. Depois de completar seus estudos, mudou-se para a Holan-
da em 1618 e se alistou como voluntário em vários exércitos. Foi uma etapa em
que demonstrou grande interesse pela guerra, mas desistiu da vida militar e se
dedicou a viajar pela Europa.
Utilizou a sua teoria da ciência do método para aplicá-la a todas as ciências
do universo, o que fez com que a metafísica deixasse de ser o fundamento neces-
sário para entender o que o rodeava, embora, para ele, Deus não estivesse ausente.
Descartes também criou as leis da ótica geométrica relacionadas à relexão e
à refração. No campo da Matemática, criou a álgebra de polinômios e, junto com
Fermat, a geometria analítica. Ele também enunciou e simpliicou as propriedades
fundamentais das equações e notações algébricas.
Empirismo inglês
121
Para os empiristas, a posição com relação à razão é mais humilde, mas é mais
UNIDADE 3
realista. A razão pode fornecer-nos crenças razoáveis e verdades que têm uma
possível certeza, portanto são úteis, embora não sejam imutáveis, pois podem mu-
dar com o tempo, aperfeiçoando-se. Além disso, essa corrente ilosóica acreditava
que a obtenção do conhecimento humano deveria vir por meio da experiência
de vida pelo uso dos sentidos.
explorando Ideias
Locke
Locke é o iniciador da teoria do conhecimento propriamente dita, porque se propôs a ana-
lisar cada uma das formas de conhecimento que possuímos, a origem de nossas ideias e
dos nossos discursos. Seguindo a trilha aberta por Aristóteles, Locke também distinguiu
graus de conhecimento, a começar pelas sensações até chegar ao pensamento.
Para o racionalismo, a fonte do conhecimento verdadeiro é a razão, que opera por si mes-
ma, sem o auxílio da experiência sensível e controlando-a. Para o empirismo, a fonte de
todo e qualquer conhecimento é a experiência sensível, responsável pelas ideias da razão
e controlando o trabalho da própria razão.
Essas diferenças, porém, não impedem que haja elemento comum a todos os ilósofos a
partir da modernidade, qual seja, tomar o entendimento humano como objeto da inves-
tigação ilosóica.
Fonte: adaptado de Chauí (2014, p. 167).
Idealismo alemão
122
possibilidade da ciência. Essa obra está dividida em três partes: Estética Transcen-
UNICESUMAR
dental, que trata do valor do conhecimento sensível para estabelecer a possibilidade
da Matemática como ciência; Analítica transcendental, que aborda o valor dos
conceitos do entendimento para estudar a possibilidade da Física como ciência; e
a Dialética transcendental, que trata do valor das ideias da razão para estabelecer
a possibilidade da Metafísica como ciência. Essa é a base do idealismo alemão.
Hegel, por sua vez, parte da consideração de que
o princípio supremo, a realidade absoluta, é a ideia. A
ideia é o começo, o desenvolvimento e o im de tudo,
é o ser que constitui a essência de todas as coisas.
Para Hegel, a Ideia está em perpétuo devir (vir a
ser). A partir dela, desdobra-se toda a realidade tal
qual é, ou a ideal. Nesse caso, a dialética é a lei que
rege todo o processo da realidade e o desdobramento
da ideia nesse estado é uma exibição dialética. Figura 12 - Hegel
A evolução por meio da qual a ideia se desdobra é explicada pelo método dialé-
tico, que consiste em três fases: tese, antítese e síntese. Na tese, a ideia é posta ou
airmada; na antítese, o que foi airmado é contestado ou limitado; na síntese, a
ideia e sua limitação são unidas e integradas à totalidade.
explorando Ideias
123
séculos passados), os pesquisadores se basearam na teoria crítica do marxismo.
UNICESUMAR
Estavam inclinados ao idealismo e até ao existencialismo para o desenvolvimento
de seus postulados. Foram altamente inluenciados pela Filosoia crítica proposta
por Kant e tinham a dialética e a contradição como propriedades intelectuais.
Seu método crítico apareceu como resposta ao fascismo e ao nazismo, mas
também ao fracasso do marxismo ortodoxo. Esses aspectos, juntamente com a
incapacidade da classe trabalhadora europeia de combater a hegemonia capitalista,
tornaram imperativo o fato de repensar o signiicado de dominação e emancipação,
colocando os pilares de uma teoria social da ação política em uma base mais sólida.
De acordo com os teóricos dessa escola, a leitura ortodoxa que o marxismo
havia recebido havia despido o pensamento de Marx sobre seu verdadeiro potencial
crítico. Era necessário, portanto, rejeitar algumas suposições doutrinárias típicas
dessa ortodoxia, como a noção de inevitabilidade histórica, a primazia do modo
de produção no curso da história e a ideia de que a luta de classes e os mecanismos
de dominação ocorrem somente nos limites privados do processo de trabalho.
Consequentemente, a linha de pensamento mantida por esses autores desva-
loriza a esfera econômica, direcionando a atenção para veriicar a forma de como
a subjetividade é constituída, bem como para a maneira como as esferas culturais
e a vida cotidiana representam um novo terreno para a dominação.
A crítica da razão instrumental ocupa lugar importante na teoria crítica. A ra-
zão instrumental é concebida como herança do Iluminismo, movimento que exa-
cerbou o racionalismo que atravessa toda a modernidade. A razão desempenhou
papel progressivo em toda a modernidade, atingindo seu clímax na Filosoia
histórica de Marx. A partir desse momento, foi despojada de sua dimensão crítica
e se tornou elemento de legitimidade a serviço da dominação. O Positivismo é
a expressão mais contundente dessa tendência, desenvolvido como uma síntese
de várias tradições hegemônicas de pensamento na teoria social ocidental, cuja
nota comum é o desenvolvimento de modos de pensar metodológicos baseados
nas ciências naturais e em princípios dogmáticos de observação e quantiicação.
Em sua crítica ao Positivismo, a Escola de Frankfurt demonstrou os mecanis-
mos de controle ideológico do capitalismo avançado. É uma linha de pensamento
que reduz a ciência a uma metodologia baseada na descrição, classiicação e genera-
lização de fenômenos sem preocupar-se em distinguir o essencial do não essencial,
privando-a de todas as dimensões críticas. O cientista burguês ica impotente para
agir autonomamente, visto que naturaliza o estado das coisas existentes, ao atuar
como unidade individual e isolada, sem importar-se em questionar a realidade.
125
A teoria crítica também ofereceu novos conceitos que ajudam a analisar o pa-
UNIDADE 3
pel das instituições como agentes de reprodução cultural e social. De acordo com
essa linha de pensamento, a sociedade avançada reduz a cultura a mercadorias
gerenciadas por uma indústria de massa, que lhe confere a função de fechar todos
os sentidos do homem, tornando-o o meio mais eicaz para encobrir a domina-
ção. Em geral, a crise cultural do capitalismo avançado pode ser apontada em três
aspectos. Em primeiro lugar, a arte como tal se tornou impossível, perdendo sua
autonomia, autenticidade e, portanto, sua essência. Em segundo, a própria cultura,
tomada em sua totalidade, deixa sua dimensão negativa, desenvolvendo-se como
obscurecimento e negação total da consciência. Finalmente, a cultura é organi-
zada como uma instituição superestrutural reduzida à indústria de massa para
consumo. Ao apontar o elo entre poder e cultura, é revelada a maneira pela qual
as ideologias dominantes são constituídas por diferentes formações culturais. A
cultura estabelece, nessa perspectiva, um vínculo particular com a base material
da sociedade. Isso possibilita compreender problemas, como sua articulação com
os interesses dos grupos dominantes, sua gênese e os papéis desempenhados na
constituição das relações de poder e resistência, o que permite a análise de escolas
e universidades como parte de uma organização mais ampla da sociedade.
Jürgen Habermas
126
chamento forçado durante a era nazista. A partir daí ele começou a elaborar uma
UNICESUMAR
série de abordagens para explicar e também renovar a então nova democracia
alemã. O marxismo permaneceu como ferramenta de análise, como havia sido
para os fundadores da Escola de Frankfurt, mas deixou de ser, pelo menos para
ele, uma verdadeira alternativa política.
Os livros de Jürgen Habermas se multiplicaram com ritmo sistemático e
avassalador nas últimas quatro décadas, em um dos projetos mais atraentes da
Filosoia da segunda metade do século XX. É difícil que alguém interessado nos
problemas da sociedade contemporânea não tenha encontrado suas relexões
sobre ética e teoria da ação, Sociologia, Filosoia da Linguagem ou teorias da
argumentação. A isso, devemos acrescentar suas frequentes intervenções na dis-
cussão de problemas mais próximos da vida pública. Alguns dos livros de Ha-
bermas representam marcos na discussão da Filosoia com várias disciplinas da
análise social e, com menos frequência, estabelecem um diálogo com correntes,
como a ilosoia da língua anglo-saxônica ou as ilosoias pós-heideggerianas da
Alemanha e da França, relativamente longe do ponto de partida de Habermas, a
teoria crítica da Escola de Frankfurt.
Esse pensador desperta a desconiança de ilósofos do direito e da política
(como aconteceu em outros países) porque tenta dar uma visão global, alternativa
às correntes dominantes nessas disciplinas e do sistema jurídico e político das
sociedades democráticas a partir de sua teoria da ação comunicativa. Mostra
como sociedades complexas coordenam ações no nível normativo por diferen-
tes meios (política, direito) e como esses meios são constituídos por uma tensão
estrutural entre duas características das normas: as normas são impostas, visto
que são legais e, ao mesmo tempo, valem desde que essa legalidade seja legítima.
Coordenamos nossas ações dentro de normas positivas e consideramos aceitável
a sua força em virtude da sua validade.
A gênese do projeto intelectual de Habermas é a teoria crítica da Escola de
Frankfurt e, especialmente, seu primeiro programa, quando Horkheimer, nos
anos 30, abordou as sociedades contemporâneas, concentrando-se na análise de
suas formas de racionalidade e crítica. Seus primeiros trabalhos, segundo essa
herança, pretendiam resgatar, em controvérsia com positivismo e hermenêutica
pós-heideggeriana, uma noção de razão crítica e inseri-la em um projeto polí-
tico-social emancipatório. Como esse projeto não podia permanecer no campo
ilosóico puro, a reconstrução da razão crítica teve de ser desenvolvida no diálogo
127
com as Ciências Sociais. A análise das formas da possível razão crítica deveria,
UNIDADE 3
portanto, passar pela reconstrução dos processos sociais como formas de raciona-
lização. E, de fato, a discussão cientíico-social abrange grande parte do trabalho
de Habermas nas décadas de 70 e 80. Contudo, esse diálogo ilosóico com as
teorias e disciplinas sociais contemporâneas o levou a afastar-se de Marx e da
primeira geração da Escola de Frankfurt. O local da crítica à economia política
foi ocupado pela teoria dos sistemas (em discussão com Niklas Luhmann), pela
análise das formas de integração social (seguindo Durkheim) e pela tipologia das
formas de ação social (seguindo os passos de Weber e Mead).
Recentemente, tem estudado e escrito sobre Filosoia da Religião, criando,
assim, um novo conceito adotado por muitos – de uma era pós-secular. Seus
trabalhos da juventude: Conhecimento e Interesse (1968) e Teoria da ação comu-
nicativa (1981) continuam a ser lidos e estudados. Além de serem seguidos cons-
tantemente por estudos e ensaios nos quais há aproximação constante ao mundo
atual a partir da tradição ilosóica alemã.
Hannah Arendt
Hannah Arendt foi uma ilósofa política alemã, que, mais tarde, tornou-se norte-
-americana. Teve origem judaica e é considerada uma das mais inluentes ilósofas
do século XX. A privação de seus direitos, a perseguição de pessoas de origem
judaica na Alemanha, em 1933, bem como o breve encarceramento que sofreu
no mesmo ano contribuíram para sua decisão de emigrar. Sua nacionalidade foi
retirada, o que a tornou apátrida até obter a cidadania norte-americana.
Trabalhou como jornalista e professora e publicou importantes obras sobre
ilosoia política, mas não gostava de ser classiicada como ilósofa. Arendt de-
fendeu o conceito de pluralismo na esfera política e, graças a isso, desenvolveu o
conceito de igualdade política entre as pessoas. Criticava a democracia represen-
tativa e preferia um sistema de conselhos ou formas de democracia direta. Devido
ao seu pensamento independente, à teoria do totalitarismo, aos seus trabalhos
sobre ilosoia existencial e sua reivindicação pela discussão política, essa pen-
sadora desempenhou papel central nos debates contemporâneos. Como fonte
de descrições, empregou, além de documentos ilosóicos, políticos e históricos,
biograias e obras literárias. Seus trabalhos mais importantes são:
128
A Condição Humana: pensamento baseado no nascimento do indivíduo e
UNICESUMAR
não na morte, como a de Heidegger. Foi publicado em 1958 e, nele, a pensadora
se dedicou principalmente à ilosoia e desenvolveu a ideia do nascimento, na
qual inicia a capacidade de fazer um novo começo. O indivíduo tem a tarefa de
conigurar o mundo, em conexão com outras pessoas. Refere-se às condições
básicas da vida ativa do ser humano, que Arendt delimita: trabalhar, produzir, agir.
A Vida do Espírito: trabalho desencadeado e inspirado pelas críticas do juízo
kantiano. Ela planejava estudar em profundidade as três atividades do espírito:
pensamento, vontade e julgamento, embora sempre ligadas à ação e, portanto,
sem deixar de pensar em política. Logo, todo o interesse no pensamento deve
estar centrado na ação, compreendê-la e pensar no que é feito.
Sobre a Violência: o termo “violência”, em seu sentido mais elementar, refere-
-se aos danos causados às pessoas por outros seres humanos. As experiências tota-
litárias do século XX estenderam esse uso da violência a uma escala e intensidade
sem precedentes na história da humanidade – e é nesse contexto que esse livro
de Hannah Arendt pode ser enquadrado. Para a Filosoia Política, a violência em
estudo tem duas faces: a violência organizada do Estado ou a que se rompe à sua
frente. Isso levou muitos a pensar que a violência é, principalmente, uma forma
de exercício de poder. A posição inicial da autora em Sobre a Violência consiste
no estudo aprofundado da violência política em suas encarnações extremas no
mundo contemporâneo e em sua cuidadosa separação entre violência e poder
político. Este é o resultado de uma ação cooperativa, enquanto a violência do
século XX está ligada à ampliação da destruição causada pela tecnologia.
Michel Foucault
Historiador, psicólogo, ilósofo e teórico social, Michel Foucault foi um dos grandes
pensadores do século XX, cujas ideias geraram grande impacto e exerceram muita
inluência em todo o ambiente cultural francês da época. Ele foi reconhecido mun-
dialmente por suas ideias sobre instituições sociais, especialmente prisões, sistema
de saúde e Psiquiatria, bem como por seus estudos sobre sexualidade humana.
Nascido em 15 de outubro de 1926 na cidade de Poitiers, França, e sob o nome de
Paul-Michel Foucault, o pensador francês cresceu em um ambiente formal no qual
estudos e conhecimentos eram considerados essenciais – seu pai era um renomado ci-
129
rurgião francês. Após histórico acadêmico cheio de altos e baixos, Foucault conseguiu
UNIDADE 3
entrar na famosa École Normande Supérieure, reconhecida por ser um dos berços dos
melhores especialistas e pensadores de humanidades da França. Lá, sua permanência
foi um dos estágios mais difíceis. Depois de sofrer depressão e várias tentativas de
suicídio, ele icou nas mãos de um psiquiatra por longo tempo. Durante esse período,
adquiriu paixão pela Psicologia, o que o levou a formar-se em Psicologia e Filosoia.
Após várias outras vivências, Foucault retornou à França com a intenção de
concluir seu doutorado, durante o qual aceitou uma posição no Departamento de
Filosoia da Universidade Clermont-Ferrand. Durante esse período de sua vida,
ele se tornou um escritor prolíico, com a maioria de seus textos focados em Psi-
cologia, Psiquiatria e saúde mental. Enquanto suas publicações subsequentes se
concentraram em questões relacionadas à política, questões sociais e sexualidade.
Durante os anos em que se interessou pela corrente estruturalista, Foucault
foi considerado parte da corrente, tendo o mesmo nível de outros grandes pen-
sadores, como Jacques Lacan ou Claude Lévi-Strauss. Apesar disso, ele rejeitou
completamente a ideia de ser considerado defensor do estruturalismo. Embora,
no início, tenha se concentrado principalmente em questões de saúde mental e
Psicologia, bem como nas instituições que a controlam, suas contribuições mais
importantes e reconhecidas estão no campo das Ciências Sociais e política.
Foucault viveu em um tempo de grandes mudanças e convulsões sociais e, por
isso, estava muito interessado no presente ao qual ele pertencia, fazendo relexões
excepcionais sobre os sistemas e as relações de poder da época. Antes de tudo, é ne-
cessário especiicar que, ao falar sobre poder, esse pensador não se ateve apenas ao
governo ou às instituições, mas também às relações de poder que ocorrem em todas as
áreas da sociedade, conhecidas como poder social. Este é constituído por uma signii-
cativa parcela de pequenas esferas de poder, localizadas abaixo das grandes potências,
como o governo ou a igreja. Para ele, essas esferas de poder estão em níveis diferentes
e dependem umas das outras para se manifestar de maneira sutil e disfarçada.
No entanto, segundo o próprio pensador, o principal obstáculo à realização de
uma revolução é a manutenção das relações de poder, de acordo com o que acontecia
na época, o que exigia examinar e analisar essas relações por uma natureza social.
Em uma de suas publicações mais conhecidas, A Microfísica do Poder (1980),
Foucault conduziu uma revisão das relações de poder por meio de duas dinâ-
micas de domínio diferentes: contrato, em que se materializa no poder de tipo
opressor e jurídico, e se baseia em sua legitimidade; e dominação, que se estabe-
lece em termos de repressão e submissão.
130
Foucault insistia no ponto de vista de que o conlito não está apenas no poder
UNICESUMAR
do governo, mas também em todas as subestruturas com relações de poder que
o sustentam. Seguindo essa ideia, ele persistia que a análise das relações de poder
não deve começar pelo poder do governo, que é necessário, então, começar pelas
subesferas menores de poder, que o alimentam e possibilitam sua manutenção.
Por im, Foucault determinou que o principal papel dos pensadores deve estar
dentro da sociedade, acompanhando-a na luta contra as formas de poder que
nela existem. Suas principais obras são:
A História da Loucura (1961): primeiro trabalho relevante de Foucault, no
qual analisou e revisou o tratamento dado ao conceito de loucura ao longo da
história ao enfatizar a evolução do tratamento dado ao paciente.
As Palavras e as Coisas (1966): nesse trabalho, o pensador fez uma relexão
sobre como todos os períodos históricos são distinguidos, apresentando uma
série de condições fundamentais da verdade, que estabelecem o que é aceitável e
como essas condições evoluem e mudam no decorrer do tempo.
A Arqueologia do Saber (1969): outra das obras mais relevantes do pensador
francês, na qual realizou um exame ou uma análise da funcionalidade e do poder
das frases enquanto unidades básicas de fala.
Vigiar e Punir (1975): nessa obra, por meio do estudo do direito penal e es-
peciicamente do regime penitenciário do século XVIII ao século XIX, Foucault
estudou a presença de relações de poder, tecnologias de controle e a microfísica do
poder presente em nossa sociedade. Ele desenvolveu duas teses: a primeira é que
a punição sofreu mutações, o que implica não em sua melhoria ou piora, não sua
humanização ou racionalidade, como normalmente é airmado, mas à transforma-
ção, que responde a mudanças político-econômicas das sociedades ocidentais. Se
trata, portanto, de um estudo de métodos punitivos ante a economia e a política.
A segunda baseia-se na airmação de que há um conjunto de elementos e técnicas
materiais que servem como armas, canais de comunicação e pontos de apoio às
relações de poder e de saber, que envolvem os corpos humanos e os dominam,
tornando-os objeto de conhecimento. A tese é de que as práticas penais não são
consequências das teorias jurídicas, mas um capítulo da anatomia política.
História da Sexualidade (1976-1984): o ilósofo materializou esse trabalho
em três volumes diferentes, nos quais o uso da sexualidade é revisto como regi-
me de poder, bem como o uso de prazeres sexuais ao longo da história. Quando
Foucault morreu, em 1984, escrevia o quarto volume dessas relexões, focadas na
sexualidade e no cristianismo.
131
ciedade, a cidadania romana desapareceu e surgiram os estamentos medievais;
UNICESUMAR
na política, ocorreu uma decomposição das estruturas centralizadas romanas e
a dispersão de poder entre os povos bárbaros; e, na cultura, houve a substituição
da cultura clássica pelo teocentrismo cristão ou muçulmano.
explorando Ideias
Idade Moderna
133
eclesiásticas que dominaram na Idade Média e queriam continuar a exercer o po-
UNIDADE 3
der; pelo contrário: o passo a caminho da Idade Moderna foi uma lenta e gradual
transformação, que tomava forma desde os últimos séculos da Alta Idade Média.
Com isso, novas ideias começaram a aparecer, como o humanismo, a burguesia,
os estados e as nações, as cidades, as artes e as novas correntes de pensamento.
O aumento demográico impulsionou o desenvolvimento de cidades e mo-
vimentos populacionais (camponeses que migravam para a cidade), o que deu
origem a novos grupos sociais. Na área urbana, a alta burguesia comercial e
inanceira se tornou um grupo social com grande poder econômico e, além dis-
so, passou a participar de cargos governamentais e cresceu assustadoramente,
facilitado pelo crescimento das cidades e pelo aumento do comércio. Embora
monarcas, clérigos ou nobres ocupassem posições dominantes, seus poderes
econômicos foram superados, em muitos casos, pela alta burguesia.
Houve profundas mudanças nas ideias e concepções dos homens sobre diver-
sos temas. Foi a época do desenvolvimento do humanismo, que rejeitava precei-
tos teológicos e abraçava o
pensamento crítico, que de-
fendia o individualismo do
homem. O Renascimento
marcou o salto da era me-
dieval para a era moderna
e trouxe consigo grandes
transformações culturais
não apenas nas artes, mas
também nas ciências, nas le-
tras e nas formas de pensar.
Figura 13 - Estátua de Davi, realizada por Michelangelo.
134
Lutero tinha a intenção de reformar a Igreja e não de dividi-la. Sua visão do
UNIDADE 3
UNICESUMAR
comercial da Europa, que impulsionou a busca de novos mercados fora de seu
território, o que resultou em viagens de exploração marítima.
A burguesia comercial e mercantil das cidades europeias impulsionou a ex-
pansão marítima. As monarquias, que consolidavam seu poder ao organizarem
um aparato complexo de governo, também investiram fortemente nesse novo
comércio para sustentar as crescentes despesas do Estado. As áreas comerciais
mais importantes foram o Mediterrâneo e o Mar do Norte. A partir daí, as rotas
comerciais foram expandidas, conectando-as à Europa Oriental, à Ásia e à África.
Os avanços cientíicos e as novas técnicas de navegação facilitaram o desenvol-
vimento de novas expedições, como a de Cristóvão Colombo, em 1492, que am-
pliou o mundo conhecido. Podemos airmar, ainda, que esse processo de expan-
são culminou, no século XIX, com o imperialismo e os processos de colonização.
Idade Contemporânea
A B
Figura 16 - (a) Saudação nazista a Hitler durante o hino da nação, em 9 de outubro de 1935;
(b) Soldados na trincheira na Primeira Guerra Mundial
UNICESUMAR
Caro(a) aluno(a), chegamos ao inal de mais uma unidade com um pouco mais
de conhecimento sobre as Ciências Humanas. Vimos como foi lenta e gradual a
passagem do mito ao pensamento ilosóico: foram séculos de busca do ser hu-
mano para abandonar os relatos míticos, os quais baseavam-se em divindades ou
forças sobrenaturais para explicar os fenômenos e acontecimentos da vida. Será
que isso acontece ainda hoje? Em pleno século XXI, podemos airmar que cem
por cento das pessoas se utilizam apenas da razão para explicar os fatos? Será
que assassinamos o pensamento mítico? Será que os nossos valores são regidos
apenas pelo pensamento racional? E a religião? Deixo essas questões para que
você exercite a sua relexão ilosóica.
Estudamos toda a complexidade do pensamento ilosóico, desde a sua ori-
gem até o idealismo alemão no século XIX. Nos pré-socráticos, veriicamos a
insistência que tinham em afastar-se das explicações mitológicas de sua época,
buscando os primeiros passos para conseguir as respostas de forma mais racional.
Em Sócrates, conhecemos o método indutivo, muito divulgado e utilizado por sé-
culos. Sobre Platão, vimos que o Mito da Caverna é a sua síntese teórica acerca do
mundo das ideias. Sair da caverna é viver uma vida de pensamento racional e de
felicidade. Signiica fugir da escuridão da ignorância (hoje, poderíamos chamar
de senso comum?) para um estágio de luz e sabedoria. Você já saiu da caverna?
Compreendemos, ainda, a importância que a Filosoia escolástica teve no
pensamento do cristianismo ocidental, tendo como principal representante San-
to Agostinho. Na verdade, muito do que se encontra hoje na doutrina da igreja
cristã dos nossos dias é resultado das ideias dessa escola tão distante na questão
temporal. A Reforma Protestante, iniciada oicialmente por Martinho Lutero
também foi inluenciada por esse movimento escolástico. Posteriormente, vimos
brevemente diversos períodos históricos até chegarmos à idade contemporânea,
com os seus desaios e fatos mais importantes que marcam a nossa época.
139
O que é deinido como sagrado é, muitas vezes, colocado em um plano ina-
UNICESUMAR
cessível ou proibido. A partir daí, são geradas crenças e práticas que estão liga-
das umas às outras, que formam uma comunidade moral única, chamada Igreja,
caracterizada por ter um conjunto de crenças especíicas que são pronunciadas
por seus líderes e aceitas por seus adeptos.
Um dos propósitos mais importantes das religiões é regular o relacionamento
de seus adeptos com o que é deinido como sagrado em um contexto espiritual,
que pode ser representado por um ou vários deuses. As grandes religiões, com
algumas exceções (como budismo e hinduísmo), são monoteístas. Ao estabele-
cer o sagrado, as religiões deinem, ao mesmo tempo, o que é profano, ou seja,
delimitam os comportamentos e as práticas que são proibidas em seus códigos e
suas condutas morais. É, por isso, que a religião, por meio de múltiplas proibições,
exerce enorme inluência sobre o comportamento das pessoas, e, por conseguinte,
sobre a sociedade. Segundo Durkheim,
“
Todas as crenças religiosas conhecidas [...] supõe uma classiicação
das coisas [...] em duas classes ou em dois gêneros opostos, designa-
dos [...] pelas palavras profano e sagrado. A divisão do mundo em
dois domínios, compreendendo, um tudo o que é sagrado, e outro
tudo o que é profano, tal é o traço distintivo do traço religioso [...]
(DURKHEIM,1989, p. 68).
149
UNIDADE 4
Figura 2 - Tana Toraja, Indonésia. Homens vestidos tradicionalmente, que dançam no círculo
ao redor de porcos abatidos e de búfalos para a cerimônia fúnebre
“
A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não deve,
não pode impunemente tocar. Certamente, essa interdição não
poderia desenvolver-se a ponto de tornar impossível toda comu-
nicação entre os dois mundos; porque se o profano não pudesse
de nenhuma forma entrar em relação com o sagrado este não ser-
viria para nada. Mas, além desse relacionamento ser sempre, por si
mesmo, operação delicada que exige precauções e iniciação mais
ou menos complicada, ela sequer é possível sem que ele próprio se
torne sagrado em alguma medida e em algum grau. Os dois gêneros
não podem se aproximar e conservar ao mesmo tempo sua natureza
própria (DURKHEIM, 1989 p. 71-72).
150
A conversão cristã, por exemplo, não faria muito sentido sem essa área de contato,
UNICESUMAR
sem a possibilidade do que é profano tornar-se sagrado e vice-versa.
Durkheim assim deiniu as crenças e os ritos:
“
As crenças religiosas são representações que exprimem a natureza
das coisas sagradas e as relações que têm entre si e com as coisas
profanas. Os ritos são, ainal, regras de conduta que prescrevem o
modo como o homem se deve comportar perante as coisas sagradas
(DURKHEIM, 1989, p. 24).
151
menos importante. Para o capitalismo, isso também funciona quando os prati-
UNICESUMAR
cantes não são calvinistas. Com o tempo, a razão para economizar deixa de ser
um esforço para ganhar a salvação, para tornar-se um im em si mesmo.
A religião, dessa maneira, transforma a sociedade e, ao mesmo tempo, sua função
social também é alterada sem que haja intenção para isso. A sociedade mudou, porque
os iéis tentaram cumprir as regras da religião. Isso levou Weber a concluir que ações
individuais são importantes. É, acima de tudo, o ator quem cria e mantém a estrutura,
sem necessariamente estar consciente ou entendendo o signiicado do que faz.
De Durkheim a Weber, todos os sociólogos da religião tiveram que questionar
se o fator mais importante seria a estrutura em geral da sociedade ou a ação do
indivíduo. Alguns optaram por um ou outro, enquanto outros tentaram combinar
as duas ideias contraditórias. Peter Berger argumentou que as pessoas criam a
religião, o que a torna parte do indivíduo. Isso cria interação entre o indivíduo e
a religião com inluência mútua.
explorando Ideias
153
explorando Ideias
UNICESUMAR
Alienação na Sociologia de Karl Marx
A palavra alienação vem do Latim “alienus”, que signiica “de fora”, “pertencente a outro”. A
alienação é estar alheio aos acontecimentos sociais, ou achar que está fora de sua realidade.
Karl Marx em sua obra Manuscritos econômico-ilosóicos usou o termo para descrever a
falta de contato e o estranhamento que o trabalhador tinha com o produto que produzia.
A alienação na sociologia de Marx é descrita também como um momento onde os homens
perdem-se a si mesmos e a seu trabalho no capitalismo. Para Marx as relações de classe
eram alienantes, pois o trabalhador assalariado se encontrava em uma posição de barganha
desigual perante o capitalista (empregador). Dessa forma o capitalista conseguia dominar a
produção e o trabalhador.
Fonte: Scott (2006).
A religião, segundo Marx, precisa ser estudada objetivamente. Isso signiica, que, do
seu ponto de vista, devemos estudar a religião da mesma forma que estudamos qual-
quer outra manifestação, buscando ver sua relação com outras experiências humanas
e, especialmente, seu vínculo com as condições econômicas e sociais da sociedade.
Marx criticou a religião como uma forma de alienação em três sentidos. Em
primeiro lugar, é uma experiência de algo irreal, que não existe. Ao apoiar-se
em Feuerbach, Marx considerava que não foi Deus quem criou o homem, mas
o homem quem criou Deus. A síntese de toda a alienação consiste em airmar
que o sujeito realiza uma atividade que o faz perder toda a sua identidade, o seu
próprio ser. Na alienação, o sujeito se anula. Para ele, é exatamente isso o que
acontece na religião: o homem pega o que tem de melhor em si mesmo (a vonta-
de, a inteligência e a bondade) e projeta para fora de si, no âmbito do ininito, do
além, do inexistente. A religião, pressupõe a existência de um Deus ininito que se
opõe a uma realidade inita, em que o ser humano também se faz presente. Essa
perspectiva desvaloriza toda a realidade do homem, em detrimento da realidade
transcendente ou divina, inventada pelo próprio ser humano.
Em segundo lugar, a religião é uma alienação porque desvia o homem do
único reino no qual a salvação e a felicidade são realmente possíveis: o mundo
humano, o mundo da initude expresso na vida social e econômica. Ao confortar
o homem do sofrimento deste mundo ao sugerir que no “outro mundo” haverá
justiça e felicidade plena, tira a capacidade, energia e determinação para mudar
as situações sociais, políticas e econômicas que são realmente culpadas pelo seu
sofrimento. Por isso, a religião é considerada uma ilusão, pois anestesia o ser hu-
mano, tornando-o imóvel diante da realidade e, assim, é apontada como o “ópio
do povo”. Leia, a seguir, a passagem em que essa expressão aparece:
155
“
É este o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a
UNIDADE 4
156
O ser humano, em vez de buscar a transformação da sua própria realidade, con-
UNICESUMAR
forma-se com a situação que lhe foi imposta. É como se dissesse: “Deus quis que
eu vivesse na pobreza”, “é minha sina ter esses sofrimentos de pobreza e escassez”.
pensando juntos
Considerando o contexto de pobreza, você acha que Deus realmente quis que fosse assim?
A religião, segundo Marx, faz com que o sentimento de indignação seja suplan-
tado por um conformismo em algo que não existe. No contexto turbulento do
século XIX em que esse autor viveu, os funcionários do clero e os religiosos, como
parte da classe dominante, utilizavam a religião, segundo ele, como forma de
manipulação social, e serviu de legitimação para usar o transcendente para esta-
belecer uma ordem injusta. A religião era uma fonte de alienação e conformismo,
que precisava ser desmascarada.
Em terceiro lugar, a crítica mar-
xista também se estende ao fato de
que a religião tende a tomar parti-
do, não pelas classes desfavorecidas,
mas de acordo com os interesses da
classe dominante, perpetuando-a
no poder. Em muitos casos, utili-
za-se até de justiicativas teológicas
para legitimar o domínio de um
grupo social sobre outro.
Figura 4 - Criança trabalhando em um lixão
Marx considerou que a superação da religião era necessária e que deveria passar,
obrigatoriamente, pela superação do sistema de classes sociais com a instalação
do comunismo. A diferença em relação ao pensamento de Feuerbach se encontra
justamente nessa questão. Para este autor, o banimento da religião seria possível por
meio da simples superação intelectual com a crítica ilosóica e racional da religião.
Marx, contudo, acreditava que seria necessário, fundamentalmente, a modiicação
das condições econômicas que tornaram a religião possível, isto é, o desapareci-
mento da ordem social criada a partir da existência da propriedade privada. Em
uma sociedade comunista, não haveria religião porque não existiria a alienação e,
como explicado anteriormente, a religião surgiu como consequência da alienação.
157
Para Nietzsche, a morte de Deus representa um estado psicológico que afronta o
UNIDADE 4
ser humano. Em outro momento, em sua obra Assim falava Zaratrusta, de 1883,
o autor reairmou essa ideia:
“
Suplico-vos, meus irmãos! Permanecei iéis à terra e não acrediteis
naqueles que vos falam de esperanças extraterrestres! Envenenado-
res, eis o que eles são, quer o saibam quer não. Desdenhadores da
vida é o que eles são, uns moribundos, eles próprios envenenadores,
eis o que eles são, quer o saibam quer não. Desdenhadores da vida
é o que eles são, uns moribundos, eles próprios envenenadores, de
quem a terra está farta: pois desapareçam! Outrora, a ofensa a Deus
era o maior ultraje, mas Deus morreu e, com ele, morreram também
esses sacrilégios. Agora, o que há de mais terrível é ultrajar a terra e
dar mais apreço às entranhas do inescrutável do que ao sentido da
terra! (NIETZSCHE, 1998, p. 12-13).
160
Outro viés da análise desse pensar ilosóico de Nietzsche é o fato de que a
UNICESUMAR
modernidade criou características que izeram o ser humano acreditar mais nas
suas potencialidades individuais (criadas pelo estímulo à utilização da razão) e
começasse a desapegar-se da necessidade de uma ajuda transcendente vinda da
religião, especiicamente de Deus. A ciência e o uso da razão preconizados pelo
período iluminista – que antecedeu o contexto de Nietzsche – izeram com o
ser humano visse na ciência uma nova religião em que poderia apegar-se, como
vemos em Martha de Almeida:
“
Assim, partindo do princípio de que, na modernidade, Deus não pode
mais servir de pressuposto para a construção de qualquer forma de
pensamento, o homem moderno substitui a fé em Deus (teologia), pela
fé no homem (ciência), já que é ele mesmo quem instaura a ciência e
lhe dá validade, concedendo-lhe estatuto de verdade. Consequente-
mente, desaparecem os valores absolutos, as essências, os fundamentos
divinos, os dogmas, dando lugar à ideia de progresso, de qualidade
de vida, de evolução histórica, de controle e mensuração da vida.
Assim, ao airmarmos a morte de Deus estamos também airmando,
como o insensato da praça pública, que foi o homem que o matou. Este
homem, que se coloca no lugar de Deus, é chamado por Nietzsche de
o último homem. O homem da modernidade que inventou o trabalho
e a ciência buscando, com isso, controlar a vida e alcançar sua própria
felicidade, através da sociedade de consumo, desfrutando do conforto
oferecido pelas coisas materiais. (ALMEIDA, 2009, p. 223).
Como podemos notar, a famosa frase vista até o momento não signiica que
Nietzsche acreditava que um Deus existia e que havia morrido, mas se trata de
uma metáfora. O ilósofo queria expressar que o Deus cristão não é mais a fonte
coniável de princípios morais absolutos.
A perda de uma base absoluta de moralidade leva à crença de que a vida como
tal não tem signiicado. Portanto, argumenta Nietzsche, é necessário buscar uma
base absoluta mais profunda do que os valores e as crenças. A solução, de acordo
com ele, seria encontrar nossos próprios valores enquanto indivíduos, para gerar
nosso sistema de valores e, assim, darmos sentido à vida.
161
e à verdade e, em última análise, à felicidade dos seres humanos. Ele classiicou a
UNICESUMAR
religião como uma neurose obsessiva universal, que funciona com uma ilusão
que tenta encobrir os desejos mais primitivos dos seres humanos:
“
Segundo ele, existe uma espécie de compromisso entre pulsão e
desejo, “isto é, de uma transação ou pacto estabelecido entre a pul-
são, por um lado, e a proibição da satisfação dessa mesma pulsão,
por outro”. Entretanto, tal pacto deixa o sujeito alienado e diante do
recalcamento, tanto o neurótico como o religioso são motivados
pelas culpas e se escondem mediante cerimoniais.
O indivíduo neurótico cria uma série de defesas devido às pul-
sões sexuais que as teme e, da mesma forma, acontece com os reli-
giosos quanto a seus instintos antissociais e egoístas. Para Sigmund
Freud, por meio da religião, muitas vezes o humano faz o que ela
própria proíbe. Deste modo, Freud identiica a religião como uma
“neurose obsessiva universal” (WERNECK, 2016, on-line)5.
Partindo desses pressupostos, Deus seria uma projeção de nossos próprios dese-
jos inconscientes de segurança e proteção. Tal qual a criança sente forte inclinação
para com o pai ao buscar a força necessária para defendê-la na adversidade, o
crente também conia sua segurança a um Deus pai que o protege e dissipa os
medos diante das diiculdades da vida.
Na teoria psicanalítica, ica claro que a origem da religião se encontra no com-
plexo infantil de Édipo, pelo qual Deus se apresenta como pai sublimado. É o ser
humano quem cria a fé em Deus a partir de sua impotência e dos seus medos. O
peso da ciência diminuirá gradualmente diante da inluência da religião. A tarefa
do homem maduro, do homem da ciência, consiste em deixar de lado a esperança
em tudo que há no além e concentrar suas forças na vida terrena.
Para Freud, a força das representações religiosas são realizações dos mais
antigos e intensos desejos da humanidade. O ser humano projeta na religião os
mais diversos desejos da condição de um ser desamparado: o desejo de encon-
trar proteção contra perigos da vida, de obter justiça face à injustiça social, de
prolongar a vida depois da morte, de uma resposta para as origens e os mistérios
dos relacionamentos entre o corpo e a alma. A origem da força das representações
religiosas é a soma da intensidade desses desejos.
163
então a chave da relexão está no modo de existência e não em seu im ou propó-
UNIDADE 4
pensando juntos
Será que a existência de Deus serve apenas para colocar limite nos nossos comportamentos?
Segundo Jean-Paul Sartre, uma das motivações dos seres humanos para criar
Deus foi a justiicativa de não desejarem exercer a sua liberdade. Diante do vazio
existencial e das angústias, foi preferível criar um Deus que limitasse as ações para
que não sofrêssemos as consequências da liberdade criadas por nós mesmos. Ao
negar Deus, o ser humano poderia, em primeiro lugar, ser livre e não precisaria
desculpar-se diante das atitudes impostas pelas regras criadas por Ele:
“
Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, ica o homem, por
conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si,
uma possibilidade que se apegue. Antes de mais nada, não há descul-
pas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será
nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada
e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é
livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não
encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem
o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de
nós, no domínio do luminoso dos valores, justiicações ou desculpas.
Estamos sós e sem desculpas (SARTRE, 1970, p. 227-8).
Essa é a crítica que faz Sartre com relação a não existência de Deus. Se Ele, de
fato, não existe, não existiriam regras ou valores objetivos para o procedimento
da ação humana. De acordo com o ilósofo, esses limites e valores simplesmente
não existem, conforme o texto que transcrevemos. Com isso, o autor nos passa
a impressão de que a ética icaria em segundo plano na dinâmica dos relaciona-
166
mentos em sociedade. Para ele, o ser humano deve ser o criador desses novos va-
UNICESUMAR
lores, tendo em vista que, sem a presença de Deus, está livre para construir novos
paradigmas para a sua existência.Em seu livro O existencialismo é um humanismo
(1946), ele airma que deveríamos agir pensando no fato de como seria se todos
agissem de determinada forma. Por isso, o ser humano poderia ser a medida da
sua própria moral sem precisar recorrer a algo inexistente para nortear a sua vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
167
pela execução das tarefas e quem deveria ser o ser pensante, que sabia as técnicas
UNIDADE 5
Esse tipo de produção favorecia, contudo, muito mais o empresário do que os tra-
balhadores. Ao empresário, é garantido o lucro pelo processo de maximização da
produção. O trabalhador, por sua vez, deixa de pensar, reproduzindo apenas algo
que lhe é imposto. Perde, com isso, todo o aproveitamento da sua inventividade
e capacidade crítica de analisar os processos que estão à sua volta.
O taylorismo, o fordismo e as políticas keynesianas são as grandes inovações
econômicas que, juntamente com as contribuições tecnológicas – como eletrici-
dade, petróleo e motor de combustão interna – da Segunda Revolução Industrial,
lançaram as bases do capitalismo durante o século XX.
explorando Ideias
UNICESUMAR
ser divulgado e vendido como exemplo para todo o mundo. Tal modo de vida estava
baseado no consumo extremo de todos os tipos de artigos como uma das principais
formas de realização pessoal. O seu auge aconteceu no período que antecedeu a Se-
gunda Guerra Mundial e se estendeu até meados da Guerra Fria. Valores culturais,
como o crescimento intelectual ou espiritual, foram deixados em segundo plano.
A imagem vendida era de uma felicidade exposta, representada, normalmente, por
uma família feliz, em que a sua realização advinha da possibilidade de consumir e
ter posses. O exagero e a ostentação de bens também izeram parte desse cenário.
Após a Segunda Guerra Mundial, a nova lógica apoiada por técnicas gerenciais,
pesquisa de mercado e publicidade fez com que a norma de consumo penetrasse em
todas as áreas da vida. A partir daí o consumo começa a depender da publicidade e
da promoção de vendas. Conforme já estudamos, o consumo de massa caracteriza-se
por uma padronização da oferta de produtos para o maior número de pessoas que
é possível atingir. Esse modelo de consumo organizado a partir da oferta gerou um
consumidor idealizado, que se sentia homogêneo em relação ao restante da sociedade.
Entraram em cena, de forma determinante no avanço do consumismo, os
setores de marketing e publicidade. Esta poderosa indústria da persuasão uti-
liza elementos sociológicos, psicossociais, cognitivos e culturais, com alto grau
de tecnologia e proissionalismo para deixar os produtos desejáveis. Colocam
em movimento as motivações primárias e os instintos dos consumidores. Os
desejos são racionalizados a im de culminarem na ação de consumo, mas os
apresentam como se fossem derivados de uma decisão pessoal e voluntária.
A partir de 1970 até
a década de 90, começou
a Terceira Revolução In-
dustrial (como alguns
chamam) ou revolução da
microeletrônica, da au-
tomação e da ciência da
computação, possibilitada
graças às novas mídias, aos
robôs e aos computadores.
Figura 2 - AEG 80 Series - Computador alemão dos anos 70
no Museu Nacional de Ciência e Tecnologia da Catalunha
179
Nesse período também surgiu o toyotismo, nome que se refere ao novo processo
UNIDADE 5
UNICESUMAR
capaz de preencher os vazios existenciais.
Será que esse modelo de consumo realmente nos traz felicidade? É possível,
pelo menos, ser razoavelmente feliz em uma sociedade de consumo como a nossa?
Da mesma forma que parece ser relevante analisar a sociedade de consumo a partir
do prisma das aspirações geradas e dos modelos de vida prometidos, o impacto da
sociedade de consumo em grande parte do mundo tem sido tão importante que,
hoje, não é possível entender a ideia de felicidade sem um vínculo com o modelo
de produção e consumo que nos governa.
Aristóteles airmou que a eudemonia (em grego, εὐδαιμονία, eudaimonia) ou
a plenitude do ser é um exercício virtuoso especíico do ser e, até mesmo, o ob-
jetivo inal que perseguimos. Desde então, a preocupação e a busca da felicidade
têm sido um dos eixos fundamentais em praticamente todas as sociedades, mas
com variações signiicativas. Sabemos que a felicidade é um conceito relativo
fortemente inluenciado por fatores culturais, mas a maioria das abordagens teó-
ricas coincide com o fato de que há necessidades básicas a serem atendidas como
pré-requisito para alcançá-lo. Isso signiica que a felicidade, às vezes, é concebida
como um estágio mais global e até espiritual do que o bem-estar.
Do mesmo modo que o bem-estar material parece consistir em satisfazer as
necessidades materiais, o alcance da felicidade é geralmente apresentado como um
caminho com necessidades que vão muito além do isiológico. Portanto, as diferentes
abordagens adotadas sobre as necessidades humanas desde a Sociologia e a Psicolo-
gia têm proposto uma série de escalas que tentam abranger o máximo possível todos
os tipos de fatores que entram em jogo quando se fala na felicidade das pessoas.
Em muitos estudos sobre felicidade, as relações sociais ocupam um lugar de
destaque. Manter relações sociais amigáveis, emocionais e amorosas, é considerado
fundamental pela ciência para alcançar o bem-estar: sabe-se que a presença de entes
queridos altera positivamente a resposta do cérebro a situações ameaçadoras. Pessoas
que passaram por uma situação estressante e receberam algum tipo de apoio verbal
afetuoso tinham quantidades menores de cortisol no corpo – um hormônio relacio-
nado ao processo ativado diante do estresse –, em relação àquelas que passaram pela
mesma situação, mas receberam apoio verbal de um estranho ou não receberam.
O paradigma neoliberal insiste que a competitividade é a chave do cresci-
mento e que lutar por nossos interesses nos fará felizes. No entanto, os diferentes
estudos realizados sobre o bem-estar mostram como um ingrediente-chave a
preocupação das pessoas em serem aceitas e valorizadas socialmente. A coopera-
181
ção com os outros ainda oferece mais prazer do que o hedonismo: ser generoso,
UNIDADE 5
UNICESUMAR
da compra ou quando o consumo atua como falsa satisfação de uma insuiciência
que continua a existir. Esses sentimentos nos fazem continuar a consumir, bus-
cando uma satisfação que nunca é plenamente realizada.
As expressões em que a sociedade de consumo se manifesta são tantas e o
discurso é tão predominante, que podemos dizer que esse modelo se tornou
parte de nossa cultura, pois atinge todas as áreas de nossa vida, o que permite
pouquíssimas brechas para críticas ou propostas alternativas. Uma sociedade
em que o consumo é tão relevante deixa o ser humano passivo e individualista,
desvalorizando facetas humanas, como a criatividade e a cooperação.
Temos visto, contudo, de acordo com o andamento da situação, uma outra
vertente. Não ter o que realmente precisamos produz insatisfação, mas ter mais
do que o necessário não fornece nenhuma satisfação duradoura, pelo contrário:
aquilo que é desfeito, imediatamente perde seu valor diante do que é desejado, o
que faz o consumidor entrar em uma incessante (e, no fundo, muito insatisfatória)
cadeia de gastos. Existem casos reais de indivíduos que compraram um carro
para ver se poderiam, assim, sair da depressão em que se encontravam. Contudo,
passado algum tempo, a alegria da aquisição (que sempre é passageira) se esgotou,
voltando ao mesmo estágio depressivo anterior.
Esses comportamentos são uma consequência do profundo impacto psicoló-
gico das incessantes mensagens publicitárias, que incentivam as pessoas à busca
pela felicidade e realização pessoal por meio da compra.
Outro ponto importante a analisar, nessa sociedade consumista, é o fato de
não termos relação direta com o fabricante do objeto que compramos. Há não
muito tempo, quando desejávamos comprar um terno, por exemplo, sempre re-
corríamos a um alfaiate, que tirava as medidas necessárias para a confecção. Com
isso, mantínhamos certo contato com o proissional contratado, sabíamos da sua
saúde, da sua família, enim, do seu bem-estar. Com o crescente processo e apri-
moramento da confecção de ternos para o consumo em massa, o custo do pro-
duto caiu muito. O preço realizado pelo trabalho artesanal do alfaiate não icou
nada competitivo e, agora, tornou-se uma proissão que está quase em extinção.
O problema dessa relação de distanciamento é que não nos importamos mais
com as pessoas e as condições de trabalho em que elas estão para fornecer-nos
aquele tão desejado produto. Não é raro, em nossos dias, termos o conhecimento
de que grandes multinacionais se utilizam de mão de obra análoga à escravidão
em diversos países para aumentar o seu lucro. Inseridos no mundo consumista
183
em que estamos, não nos preocupamos com essas situações. Queremos apenas
UNIDADE 5
que o objeto de desejo e de consumo seja adquirido para satisfazer o nosso prazer.
Podemos veriicar também que a cultura consumista afeta a sociedade em diver-
sos aspectos. Ela é prejudicial ao equilíbrio ecológico em sua totalidade, por exemplo.
Existem muitos problemas relacionados ao consumo excessivo de recursos naturais
feito em todo o mundo, bem como o fato de que os processos de produção geram,
principalmente, poluição. Além disso, ingerimos cada vez mais produtos com agro-
tóxicos, pelo fato de aumentarem a produção e baratearem os custos.
No âmbito familiar, aumentamos desnecessariamente nossas despesas ao
comprarmos produtos que poderíamos evitar ou reduzir. O endividamento das
famílias nos cartões de crédito e a ampla facilidade de parcelamentos, muitas
vezes, consomem todo o rendimento dos membros da família.
conecte-se
184
A obsolescência programada garante grande demanda, pois as empresas têm
UNICESUMAR
mais benefícios e oferta contínua, o que inluencia o desenvolvimento da economia
por meio da aquisição desnecessária, de diversos produtos.
As consequências da obsolescência programada impactam diretamente o meio
ambiente. Por meio dela, é preciso utilizar uma grande quantidade de recursos
naturais para produzir constantemente esses itens que substituem os obsoletos.
Nesse caso, é necessário considerar que alguns dos recursos naturais utilizados
para a fabricação de alguns produtos são muito escassos. Outro ponto é a acumu-
lação de resíduos. Todos os aparelhos que não são mais usados são descartados e
a má gestão governamental pode levar a aterros ilegais. Por terem elementos que
podem contaminar o solo ou a água, é importante que eles sejam adequadamente
gerenciados e que a vida útil dos dispositivos eletrônicos seja prolongada, a im
de reduzir o número de resíduos gerados.
Há, todavia, um movimento empregado para combater o modo como lida-
mos com o consumo em nossos dias: o consumerismo. Trata-se de um neolo-
gismo derivado da palavra inglesa consumerism, que tem como objetivo fazer
com que as pessoas assumam a perspectiva de um consumo mais responsável. A
partir disso, as principais razões para levar um consumidor a agir dessa maneira
podem ser especiicadas nos seguintes aspectos:
• Contribuir ativamente para a realização dos direitos de informação, escolha do
consumidor e reclamação.
• Solidariedade e respeito por todas as pessoas envolvidas no processo produtivo
• Proteger o meio ambiente.
• Comprar produtos e serviços sustentáveis.
• Evitar o desperdício e aplicar a regra dos três R’s: reduzir, reutilizar e reciclar.
• Contribuir para gerar empresas sociais e ambientais.
• Ter participação mais ativa nas práticas e atividades de responsabilidade social.
Esse movimento é uma resposta do ser humano ao perceber que o atual quadro
da atividade do consumo é muito prejudicial aos relacionamentos humanos e ao
próprio planeta como um todo.
185
No livro Modernidade Líquida, lançado em 1999, Bauman foi capaz de ex-
UNICESUMAR
plicar os fenômenos sociais da era moderna e mostrar o que nos diferencia de
gerações anteriores. A partir de 1999, o autor publicou uma série de obras que
resumem os seus pontos de vista sobre a realidade social que nos rodeia: Amor Lí-
quido(2003),VidaLíquida(2005),MedoLíquido(2006)eTemposLíquidos(2007).
A realidade líquida consiste em uma ruptura com as instituições e as estru-
turas estabelecidas. No passado, a vida era projetada especiicamente para cada
pessoa, que deveria seguir os padrões estabelecidos para tomar as decisões na
sua vida. Na modernidade, o sociólogo airmou que as pessoas já conseguiram
livrar-se dos padrões e das estruturas que foram, ao longo do tempo, sendo pré-es-
tabelecidas e que, agora, cada um tem a capacidade de criar a sua própria medida
de comportamento para determinar suas decisões e seu estilo de vida.
Na vida líquida, segundo Bauman, a sociedade está baseada no individualis-
mo e se tornou algo temporário e instável, que carece de aspectos sólidos. Tudo
o que temos muda com uma curta data de validade, em comparação com as
estruturas ixas do passado. Além disso, a individualização faz com que se perca
a ideia de coletividade, cidadania e bem comum:
“
o público é colonizado pelo privado; o ‘interesse público’ é reduzido
à curiosidade sobre as vidas privadas de iguras públicas e a arte da
exposição pública é reduzida à exposição pública de assuntos pri-
vados e à conissão pública de sentimentos privados (quanto mais
íntimos melhor). As ‘questões públicas’ que resistem a essa redução
tornam-se incompreensíveis (BAUMAN, 2001, p. 18).
“
As únicas duas coisas úteis que se espera e se deseja do ‘poder pú-
blico são que ele observe os direitos humanos, isto é, que permita
que cada um siga seu próprio caminho, e que permita que todos o
façam em paz –protegendo a segurança de seus corpos e posses,
trancando criminosos reais ou potenciais nas prisões e mantendo
as ruas livres de assaltantes, pervertidos, pedintes e todo tipo de
estranhos constrangedores e maus (BAUMAN, 2001, p. 45).
187
Inúmeras situações que Bauman nos apresentou há vinte anos em Modernidade
UNIDADE 5
UNICESUMAR
na qual o imediatismo da satisfação do desejo e a coisiicação das pessoas (trans-
formá-las em objeto) possibilitam a redução dos laços afetivos à sua forma mais
depreciativa. O casal se torna uma “mercadoria” que, eventualmente, não satisfaz
mais as necessidades a curto prazo.
O autor introduziu, no primeiro capítulo, a distinção entre amor e desejo:
“
Em sua essência, o desejo é um impulso de destruição. E, embora de
forma oblíqua, de autodestruição: o desejo é contaminado, desde o
seu nascimento, pela vontade de morrer. Esse é, porém, seu segredo
mais bem guardado — sobretudo de si mesmo.
O amor, por outro lado, é a vontade de cuidar, e de preservar o objeto
cuidado. Um impulso centrífugo, ao contrário do centrípeto desejo.
Um impulso de expandir-se, ir além, alcançar o que ‘está lá fora’. In-
gerir, absorver e assimilar o sujeito no objeto, e não vice-versa, como
no caso do desejo. Amar é contribuir para o mundo, cada contri-
buição sendo o traço vivo do eu que ama (BAUMAN, 2004, p. 24).
Muitos dos novos amantes pensam a partir da lógica dos consumidores, que
buscam maximizar sua utilidade, seu prazer e, para isso, as relações supericiais e
prontas são mais confortáveis. Como mercadoria, podem ser alteradas por outras,
com a mesma facilidade com que são retiradas de uma prateleira de supermer-
cado. Isso explica o medo de estabelecer relações duradouras. Em uma análise
de custo-benefício, é um investimento a longo prazo que causa nervosismo e
insegurança, pois o resultado inal não pode ser conhecido. O casamento e a
família, instituições tradicionais da sociedade, sentem diretamente o impacto da
supericialidade amorosa contemporânea. A família se tornou um investimento
muito arriscado, o que se traduz em menos casamentos e menos ilhos.
Outra característica dessa nova era é a busca e o interesse dos jovens por
fazer viagens de vários meses ao redor do mundo, com o objetivo de romper
barreiras e testemunhar realidades diferentes. Em Sociedade Líquida é descrito
precisamente esse cenário, que convida ao movimento, ao luxo e à busca de novas
experiências, mas sem enraizar-se nas localidades. São cidadãos do mundo, mas
de lugar algum ao mesmo tempo.
189
Para veriicá-las, o sociólogo elaborou três tipos ideais com base no modelo
UNICESUMAR
weberiano a partir da justiicativa de que os ideais não são descrições da realidade
social, mas ferramentas para sua análise; são abstrações que tentam capturar a
singularidade de uma coniguração composta por ingredientes que não são de
todo especiais ou especíicos. De acordo com ele, são janelas para entender a ge-
nealogia da sociedade líquida. O primeiro tipo ideal é o consumismo, concebido
em sua relação oposta ou extrema com relação ao consumo. O segundo é consti-
tuído pela dinâmica que envolve a implementação do consumismo na sociedade
de consumo. O terceiro, por sua vez, é uma consequência dos dois primeiros: o
estabelecimento de uma cultura de consumo.
Para desenvolver o primeiro (consumismo), Bauman deiniu primeiramente o
consumo como parte da sobrevivência biológica, como parte inerente da vida huma-
na, porque é atribuído como essência que não muda no qualitativo, mas no quantita-
tivo. Só é variável quando as formas e quantidades de acumulação são modiicadas.
Ele chamou a transição do consumo para o consumismo de revolução consumista.
A centralidade que o consumidor adquire na vida social, ou, na maioria das pessoas,
no grupo social, ocorre quando seu objetivo passa a ser uma necessidade existencial
ou imanente a uma necessidade construída para querer ou desejar algo.
O consumismo é estabelecido como um acordo social, como uma força que
opera em outras esferas da vida pública, pois se constitui como uma forma de in-
tegração, estratiicação e formação do indivíduo, principalmente porque adquire
papel preponderante nos processos de autoidentiicação de pessoas e coletivida-
des. Para ser um atributo da sociedade, desprezou o valor mais precioso da socie-
dade de produtores: o trabalho, pois este desempenhava papel vital na formação
de instituições sociais. O trabalho outorgava um valor ao indivíduo diante da
coletividade, pois deinia uma identidade baseada na ocupação exercida pelo tra-
balhador. Atualmente, a lógica do emprego é colocada abaixo do ato de consumir.
Na sólida fase da modernidade, caracterizada pela dinâmica da produção,
o indivíduo e a coletividade foram orientados a obter uma segurança que fosse
resistente ao tempo, que fosse duradoura. De fato, essa era a justiicativa para ter
um pleno emprego: estabilidade.
Em contraponto, na direção da sociedade de consumidores, ou fase líquida
da modernidade, percebe-se uma instabilidade de desejos e insaciabilidade das
191
necessidades individuais. Para o autor, os objetivos da vida (identidade, futuro)
UNIDADE 5
são conigurados de maneira diferente e o que tinha valor (trabalho) deixa de ter
vital importância. No entanto, ele não perdeu de vista o fato de que essas mudan-
ças têm raízes estruturais, causadas principalmente pelas mudanças das funções
do papel do Estado, que privatizou e desregulamentou as atividades herdadas
no período pós-guerra, para serem transferidas para poderosas multinacionais.
Nesse contexto, entende-se o motivo pelo qual a substantividade do tra-
balho é alterada pelas pressões econômicas. A força que o mercado adquire
na órbita do setor público impõe novas formas de produção (distanciadas do
trabalho) e novos padrões de produtividade e competitividade (que tendem a
exacerbar os níveis de consumo).
Portanto, quando o indivíduo vive em constante incerteza sobre seu pos-
sível acesso ao trabalho, passa de uma identidade baseada no trabalho para
uma identidade baseada no consumo. Ao perder peso, o valor dos indivíduos
como seres produtivos na sociedade (trabalhadores, burocratas, proissionais),
a ênfase passa a estar em outros conceitos, como tempo, liberdade ou felicidade
enquanto novos objetivos de vida.
Nesse sentido, já que o elemento que seguirá o curso das sociedades atuais
será a incerteza, o tempo será caracterizado por sequências, rupturas e des-
continuidades; será inconsistente e a própria ideia de tempo será quebrada na
ininidade de momentos eternos.
Uma vez caracterizado o indivíduo consumista, Bauman desenvolveu o
segundo tipo ideal (a sociedade de consumo), deinida como um conjunto de
condições de existência sob as quais as chances de a maioria dos homens e das
mulheres adotar o consumismo antes de qualquer outra cultura são muito altas.
Esse tipo de sociedade deine seus membros com base em sua capacidade de
consumir, pois gera um ambiente propício para avaliar, orientar e sancionar a
velocidade de resposta de seus membros na escolha do modo de vida e, assim,
são deinidas as estratégias essenciais para pertencer a ela.
O poder de compra na sociedade de consumo está relacionado ao desem-
penho individual, pois consumir signiica investir no próprio pertencimento à
sociedade. Dessa maneira, as pressões sociais gerarão clima de reprodução de um
sistema que vive de, para e a partir do consumo. Antes de consumir, você precisa
tornar-se um produto – e é essa transformação que regula a entrada no mundo
do consumo –, para ter, pelo menos, uma oportunidade razoável de exercer os
direitos e cumprir as obrigações como consumidor.
192
UNICESUMAR
explorando Ideias
Cada sociedade cria seu “homem invisível”. Nesse caso, o invisível quer dizer o
normal, aquele que não se destaca, que se confunde com a paisagem. O ser hu-
mano invisível que temos hoje é o ser humano que vive em estresse e que cumpre
todas as metas. A mulher e o homem trabalhador, eicazes em todas as dimensões
em que se propõem a trabalhar não se destacam em meio aos demais, pois todos
estão à procura dos mesmos objetos e objetivos.
No entanto, Sociedade do Cansaço se refere ao efeito inal de uma sociedade
performática ou, como diria Byung-Chul Han, de uma sociedade do rendimen-
to. O ilósofo, no primeiro capítulo, tenta explicar sua teoria a partir do mito de
Prometeu ao airmar que a águia é um relacionamento consigo mesmo, no qual
há relação de autoexploração. A dor do fígado, que é indolor, tipiica o cansaço.
Assim, Prometeu, como sujeito, torna-se vítima de um cansaço ininito. Essa seria
a igura original da sociedade do cansaço.
Segundo o autor, a sociedade disciplinar de Foucault, com suas prisões, hospi-
tais e hospitais psiquiátricos, não corresponde mais à sociedade atual. Uma nova
sociedade de academias, torres de escritórios, laboratórios genéticos, bancos e
grandes shopping centers compõem o que ele chama de sociedade do rendimen-
to. O “sujeito da obediência” anterior foi substituído pelo “sujeito do rendimento”.
Aquelas velhas muralhas que delimitaram o normal do anormal e toda a negati-
vidade da dialética que envolvia a sociedade disciplinar caíram. Hoje, a sociedade
com desempenho positivo substituiu a proibição pelo verbo modal “poder”, com
seu plural airmativo “sim, nós podemos”. Motivações, empreendedorismo, pro-
jetos e iniciativas substituíram a proibição, o mandato ou a lei.
195
O sujeito do rendimento está em guerra consigo mesmo, airma Byung-Chul. Livre
UNIDADE 5
sociedade estar interconectada uns aos outros e com acesso a informações ins-
tantâneas de forma tão natural? Muitos desses efeitos já fazem parte do nosso
cotidiano e afetam poderosamente muitas áreas: a forma como vivemos, como
consumimos, como nos comunicamos ou fazemos política.
As últimas eleições presidenciais foram claras em mostrar o uso da tecnologia
e das redes sociais para eleger o novo presidente do Brasil. As chamadas fake news
invadiram os celulares e computadores de todo o país, mostrando a importân-
cia do uso dessa tecnologia como disseminação de transmissão de conteúdo.
O presidente eleito conseguiu alavancar a participação na web para convertê-
-la na tradução moderna do signiicado de militância política pouco utilizada
até o momento, mas que, de repente,
tornou-se simples, atraente, acessível
e eicaz a qualquer um. Pessoas de
todas as faixas etárias enviaram aos
seus amigos vídeos do YouTube com
as aparições do candidato e defen-
deram suas posições em discussões
intermináveis em redes sociais como
Facebook, Twitter e Instagram. Figura 9 - As redes sociais trazem novas
formas de relacionamento
Uma nova cultura surge por meio da sociedade hiperconectada. Os seus elementos
constituintes – indivíduos ou instituições – são unidos por linhas de comunicação
virtual. Em nossa sociedade atual, estamos todos unidos por uma série de linhas de
comunicação mais ou menos visíveis, expressas de uma forma ou de outra na rede.
Uma sociedade hiperconectada parte do pressuposto de que existe acesso à
Internet quase que a todas as pessoas. Sem dúvidas, a situação ainda não é assim.
Ainda há divisão digital relativa, na qual segmentos populacionais não podem
acessar um computador ou uma conexão de banda larga por razões como eco-
nomia, cultura e território.
A experiência de viver em uma sociedade assim ainda não é comum para a
maioria dos usuários da Internet. O peril do usuário médio da rede geralmente
é o de uma pessoa que a usa geralmente para tarefas como acessar e-mail, ler
notícias, pagar contas, visualizar extrato bancário, baixar músicas e ilmes, com-
prar ingressos para shows e procurar algo para resolver problemas domésticos
198
(como trocar um chuveiro, por exemplo). Se dissermos a esse usuário comum
UNICESUMAR
que ele vive em uma sociedade hiperconectada é possível que ele se surpreenda
e, até mesmo, negue que esteja fazendo parte dela.
A grande questão é que o nível de conectividade começa a atingir níveis
realmente surpreendentes: é perfeitamente normal que uma pessoa se levante
pela manhã e acesse o seu celular smartphone antes mesmo de tomar o café da
manhã, mas isso não acontece apenas na hora de levantar-se. Muitas pessoas
sentem a necessidade de ver as suas redes sociais a todo o momento, para ver se
algo mudou, se alguém curtiu ou comentou a foto postada.
Os adolescentes são os mais afetados nesse processo e podem tornar-se de-
pendentes do uso do aparelho. Uma nova rotina de vida é gerada: checar as redes
sociais ou usar por alguns minutos o celular na hora de dormir e no momento
de levantar-se. Em sala de aula, ao ministrar uma aula de Sociologia no Ensino
Médio, alunos relatavam para mim que, até mesmo durante o banho, conversa-
vam e respondiam mensagens de seus “amigos”.
Ao retomarmos os conceitos de modernidade líquida e sociedade de con-
sumo de Zygumnt Bauman, podemos veriicar que a falta de lealdade à vida
sólida da modernidade é acompanhada pela ideia de derrotar o tempo. Esse é, em
grande parte, um dos propósitos mais caros incorporados nos usuários de redes
sociais. Os internautas tentam informar toda a sua vida privada a vários amigos
(principalmente virtuais) para serem aceitos nesse espaço virtual. Cada notícia é
recompensada, especialmente as triviais – que são as mais populares. Os usuários
divulgam no espaço público virtual todo tipo de informação: desde o almoço a
atividades diárias e rotineiras, passando pelos comentários até os tópicos em voga
ou as atividades de lazer locais.
Como as redes sociais funcionam em tempo real, as informações da manhã
já estão obsoletas ao meio-dia e o que é publicado à tarde não importa mais à
noite. O que é necessário é atualizar o peril praticamente minuto a minuto para
continuar colhendo comentários e reações e aumentando o número de seguido-
res. O estresse causado pelos usuários na necessidade de ganhar tempo nas redes
sociais é evidente quando os protagonistas fazem todo o possível para posicio-
nar-se como objetos rentáveis e atraentes no mercado virtual. É por isso que há a
necessidade de fazer upload de fotograias, informar detalhes íntimos e renovar
informações pessoais o tempo todo.
199
O sucesso desses espaços de comunicação virtual é que eles exaltam, enraí-
UNIDADE 5
pensando juntos
UNICESUMAR
sultado de uma sociedade com indivíduos cada vez mais isolados. O isolamento
é um sintoma do produto das relações da nossa sociedade atual.
É um fenômeno humano oriundo de uma abordagem relacional na era da
modernidade. Na Antiguidade, a solidão não aparece, pelo menos da forma como
vemos hoje, porque foi vivida em comunidade. Não houve divisão entre o ser
individual e o coletivo.
O “penso logo existo” é uma sentença cartesiana que enaltece o “eu” como o
único fundamento da realidade. A partir desse momento, desenvolvimento e as
transformações política, social, cultural, econômica e tecnológica da modernida-
de ocidental foram construídas, tendo o ser humano como referência.
Contudo, o sentimento de solidão parece ser contraditório à própria condição
da existência humana. O relacionamento com outros seres humanos tende a ser o
motor que nos leva a dar sentido à nossa existência, a criar a linguagem, os afetos
e os sentimentos. Sentido que, embora possa acontecer por meio do indivíduo
em si, sempre precisará ser comunicado, conversado e compartilhado.
Aristóteles acreditava na natureza social do animal humano, muito diferente
da abordagem moderna do lobo solitário de homas Hobbes, que concebia a
natureza humana como um estado de isolamento violento.
A solidão está longe de ser uma questão exclusivamente individual. Os sujeitos
que se sentem isolados vivenciam condições psicossociais que aumentam o estresse:
situação econômica desfavorável, perda de um ente querido, discussões entre familia-
res ou amigos, ruptura de um relacionamento e problemas legais ou trabalhistas, as-
sim como recessões econômicas, instabilidade política ou social no país onde se vive.
As conexões digitais nos oferecem a ilusão da companhia sem as exigências
que a amizade real possui. Nossa vida conectada nos permite esconder-nos uns
dos outros, mesmo ao estarmos conectados. Preferimos enviar mensagens a con-
versar pessoalmente. Além disso, as novas tecnologias permitem manter uma vida
social efervescente sem sair de casa.
Este livro que escrevi, por exemplo, é direcionado para alunos que estudam
um curso de educação a distância, cuja formação acadêmica se dará, quase cem
por cento, dependendo do acesso à rede mundial de computadores. O contato
de sala de aula com outras pessoas será substituído pela presença de uma tela e
pela interação virtual com outros alunos.
As redes sociais são ferramentas poderosas, se usadas corretamente. Novas
tecnologias podem levar-nos mais à integração do que ao isolamento. A chave é
201
manter um equilíbrio e não permitir que os relacionamentos virtuais substituam
UNIDADE 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS