Tema Ens - 2016-2017 - Muros Nao, Pontes Sim
Tema Ens - 2016-2017 - Muros Nao, Pontes Sim
Tema Ens - 2016-2017 - Muros Nao, Pontes Sim
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 5
REUNIÃO 1:
"GRAVA-ME COMO SELO NO TEU CORAÇÃO" – O EVANGELHO DO MATRIMÓNIO E DA
FAMÍLIA 11
REUNIÃO 2:
"...LEVOU-OS CONSIGO …" – A ARTE DO ACOMPANHAMENTO 20
REUNIÃO 3:
"... ABENÇOANDO-OS DISSE-LHES …" – A VOCAÇÃO PARA O MATRIMÓNIO 29
REUNIÃO 4:
"FAREI DE TI A MINHA ESPOSA PARA SEMPRE" – EDUCAR PARA A FIDELIDADE 39
REUNIÃO 5:
“… MAIS QUE VENCEDORES" – A FRAGILIDADE DO CASAL E DA FAMÍLIA 48
REUNIÃO 6:
"…SOMOS SUAS TESTEMUNHAS E POR ISSO VOS FALAMOS DELE” – EDUCAR PARA A FÉ 58
REUNIÃO 7:
"E ASSIM SE FEZ A LUZ" – O VALOR SOCIAL DO MATRIMÓNIO E DA FAMÍLIA 67
REUNIÃO 8:
“COMO NÃO SABEIS RECONHECER O TEMPO PRESENTE?" – DINÂMICAS CULTURAIS 76
REUNIÃO DE BALANÇO:
MUROS NÃO, PONTES SIM 86
ANEXOS 91
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MUROS NÃO, PONTES SIM
OS DESAFIOS PASTORAIS DA FAMÍLIA NA NOVA EVANGELIZAÇÃO
APRESENTAÇÃO
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É necessário propor uma visão aberta da família, demonstrar a importância
de um amor vivido em família, como sinal eficaz da presença do Amor de
Deus, «santuário de amor e de vida».
Que este acento colocado sobre a Misericórdia tenha sobre todos nós um
forte impacto nas questões relativas ao casal e à família, independentemente
dos nossos limites e dos pecados que possamos ter cometido.
Que a Misericórdia de Deus nos abra à conversão e a uma permanente
renovação!
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MUROS NÃO, PONTES SIM
OS DESAFIOS PASTORAIS DA FAMÍLIA NA NOVA EVANGELIZAÇÃO
INTRODUÇÃO AO TEMA
O PERÍODO SINODAL
Família, para onde vais? No mar tormentoso da humanidade que entrou no
segundo milénio cristão, a família continua a sua navegação. O seu papel
central e insubstituível (Papa Francisco, Encíclica Laudato Si’, 213) enfrenta
todos os dias novos desafios, por vezes lancinantes, muitas vezes
emocionantes. Tal como certos metais que, sob uma grande força de torção,
não quebram nem se dobram, mas se deixam modelar e deformar para
depois voltarem à forma original, de maneira análoga a família é “resiliente”.
Enfrenta as provocações do nosso tempo, deixa-se interrogar, redefine
equilíbrios e prioridades, tendo sempre como ponto de referência o
pensamento e sobretudo o sonho de Deus sobre a família.
A Igreja Católica também se interroga sobre o destino da família
contemporânea. Já o fez ao mais alto nível através do Sínodo. Depois da
primeira convocatória em sessão extraordinária (outubro de 2014) e da sua
celebração em sessão ordinária (outubro de 2015), chegou a hora de agir em
conformidade com o que o Espírito pede à Igreja, isto é, que seja sempre a
Esposa fiel de Cristo. Chegou a hora dos muitos desafios pastorais que
esperam pela família no contexto da “nova evangelização”.
“Sínodo” é uma palavra grega que significa “caminho (odos) percorrido em
conjunto (syn)”. É uma palavra que indica uma realidade e uma tarefa. A
realidade é esta de uma Igreja que é o povo de Deus reunido na unidade do
Pai, do Filho e do Espírito Santo (ver Concílio Vaticano II, Lumen gentium, 1),
Corpo de Cristo vivo no mundo e no tempo (Idem, Lumen gentium, 7). Uma
realidade que é, portanto, “sinodal” na sua essência profunda. A tarefa
consiste em caminharmos juntos, entrecruzando os diversos percursos
pessoais e comunitários, procurando as melhores formas de sermos “um”
com o Senhor e de o testemunharmos a todo o mundo. Um caminhar juntos
que envolve todo o povo de Deus: leigos, sacerdotes, religiosos. Só juntos
podemos compreender o que o Senhor pede à família nas atuais condições
de vida.
5
A ESTRUTURA DO TEXTO
O ponto de partida (Cap. 1) é um olhar de fé sobre o casal e a família: o
“evangelho do matrimónio e da família”. Com esta expressão não se
pretende apenas aludir ao conjunto de passagens do Evangelho em que se
fazem referências à família, mas, muito mais do que isso, a essa realidade
profundamente humana – a família como parte integrante da boa obra da
criação de Deus – na qual se refletem com particular clareza a luz e a graça
provenientes de Cristo. É neste sentido que a família pode ser definida como
um “evangelho”: ou seja, uma realidade humana (lado a lado com muitas
outras: o “evangelho” da vida, do trabalho, do sofrimento…) iluminada e
sustentada por aquele Deus que em Jesus se revela e se entrega. Pode,
assim, resplandecer como “boa nova”, cheia de beleza, para toda a
humanidade.
Enquanto “evangelho”, a família encontra dentro de si duas dimensões: a
verdade e a misericórdia, o projeto de Deus tal como foi revelado por Jesus e,
conjuntamente, a pedagogia de Deus, que se inclina sobre as suas criaturas
para as acompanhar numa caminhada de crescimento gradual, marcado pela
sua ternura. Temos assim o Cap. 2, dedicado aos meios de acompanhamento
das famílias. Um impulso que o magistério do Papa Francisco nos transmite
com uma força particular: nenhuma família é perfeita, cada família é frágil e,
no entanto, traz dentro de si um “tesouro em vasos de barro” (2 Cor 4,7),
pelo que incumbe à Igreja Mãe e Mestra levá-la pela mão e acompanhá-la no
seu crescimento.
O itinerário deste crescimento inicia-se com a vocação para o matrimónio e,
ainda antes, com a educação para a sexualidade e para a afetividade (Cap. 3).
Passamos, depois, a ter em consideração o valor da fidelidade dentro e fora
do matrimónio (Cap. 4). Torna-se, pois, inevitável que cada família se
confronte com o mistério da sua própria fragilidade pessoal, de casal e de
pais, onde, por outro lado, se torna possível fazer a experiência de uma nova
etapa da fidelidade e da fecundidade de Deus mesmo na provação. Uma
fragilidade que, no nosso tempo, conhece novas formas com as famílias
divididas, separadas, “alargadas” ou em novas uniões (Cap. 5). A importância
da família merece, portanto, um aprofundamento à parte sobre a experiência
da procriação e da educação dos filhos (Cap. 6) e o valor da família no
contexto social (Cap. 7); tal como o papel da família na tarefa da
evangelização da cultura contemporânea e das suas dinâmicas (Cap. 8). O
texto termina com a parte relativa ao balanço da equipa (Cap. 9).
6
O MÉTODO SINODAL
7
mesmo o próprio “agir” não é apenas uma banal passagem da teoria à ação,
mas tem em si mesmo um valor revelador: de facto, é apenas na ação e na
sua narração que se compreende sempre mais e melhor o evangelho da
família. Os três momentos (ver-julgar-agir) não são sequenciais, mas
qualquer um deles pressupõe e invoca os outros dois.
Ao tratar os diversos aspetos da família, o Sínodo exortou-nos repetidamente
a saber fazer emergir e incluir os elementos positivos do nosso tempo (por
ex. nos artigos 5, 35, 41 do primeiro Relatio Synodi) para sublinhar depois os
aspetos problemáticos. Notemos que esta abordagem “positiva” não é por
simpatia ou por bondade. O método inclusivo é rigorosamente teológico
porque parte da plenitude de Cristo para passar depois a considerar o que há
e, portanto, o que ainda falta para se atingir essa plenitude. Numa
perspetiva, como é evidente, de um crescimento e de uma maturação.
São, portanto, dois os “focos” deste olhar sobre a família: a verdade e a
misericórdia. A primeira orienta a nossa reflexão e o nosso discernimento,
convidando-nos constantemente a levantar o olhar para essa plenitude de
amor revelada por Deus. Trata-se de alargar as nossas medidas sempre muito
limitadas para nos deixarmos orientar e guiar pelos padrões elevados do
Evangelho: “amai-vos como eu vos amei”. Por outro lado, a misericórdia não
pode ser reduzida a uma simples virtude moral e, ainda menos, a uma
bondade genérica segundo a qual tudo vai bem. É a síntese e o arquétipo de
todo o agir de Deus na história da salvação: um Deus que age na fragilidade
do homem, apesar e para além dessa fragilidade. Tal como na antiga arte
japonesa do Kintsugi, a misericórdia é a capacidade de reparar os cacos
partidos da vida utilizando um betume de ouro, de valor inestimável, para
que o vaso assim reparado, cintilante ao sol com todas essas finas nervuras
de ouro, possa parecer muito mais belo e esplendoroso do que antes. Assim,
aí «onde aumentou o pecado, superabundou a graça» (Rm 5,20).
Verdade e misericórdia são igualmente necessárias e reciprocamente
implicadas. Apenas a verdade conduziria a uma evangelização que somente
divide e exclui, apenas a misericórdia impediria de voltar o olhar para a meta
a atingir.
Método itinerante
Chegamos assim ao terceiro aspeto do método: um
método itinerante, capaz de se tornar companheiro de
viagem do homem de hoje. Para uma Igreja que não seja
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apenas Mestra da verdade e Mãe de misericórdia, mas também Irmã para a
caminhada. Tudo isso pela sua capacidade para abordar, tomando a iniciativa
(primeirear), as diferentes situações humanas e familiares, muitas vezes
tornadas mais pesadas por muitos defeitos e omissões, para as ajudar a
crescer, num itinerário progressivo e gradual, marcado não só pela
misericórdia e pela ternura de Deus, mas também pela meta muito elevada a
ser atingida. O Sínodo exortou-nos a sermos uma Igreja perita em
humanidade e maternal no acompanhamento da caminhada de crescimento.
A partir da 3ª reunião deixaremos as questões sobre a ética do
acompanhamento para favorecer e alimentar o estilo que o Papa Francisco
nos indica:
“Jesus demonstra que a condescendência divina acompanha sempre o
caminho humano, purifica e transforma com a sua graça o coração
endurecido, orientando-o para o seu princípio, através do caminho da cruz”
(Relatio Synodi, n.14). Neste domínio a orientação do Papa Francisco é muito
forte: “sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com
misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que
se vão construindo dia após dia. *…+ Um pequeno passo, no meio de grandes
limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida
externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias
dificuldades. A todos devem chegar a consolação e o estímulo do amor
salvífico de Deus, que agem misteriosamente em cada pessoa, para além dos
seus defeitos e das suas quedas” (Idem, n. 24, citação do Papa Francisco,
Evangelii Gaudium 44).
9
história da salvação não é nada mais do que a história do pecado dos homens
e das mulheres. É esta a força maravilhosa e superabundante do Evangelho
de Cristo morto e ressuscitado: Deus salva-te apesar do teu limite e do teu
pecado, mas no teu limite e no teu pecado. A força da misericórdia de Deus
surgiu de tal forma superabundante que até os limites e o pecado se podem
tornar lugares de salvação. Como se a vida do homem fosse semelhante ao
grão de areia lançado para dentro da ostra num dia de tempestade e que a
ostra, em vez de o lançar para fora de si, maravilhosamente o transforma
numa pérola preciosa, envolvendo-o na membrana do amor com paciência e
gradualidade.
O farol e a tocha
Diante das famílias do nosso tempo, expostas a numerosos perigos e
contradições, o Sínodo exorta toda a Igreja a ser “como a luz do farol de um
porto ou de uma tocha na noite” (Relatio Synodi n.28). A luz do farol está
apoiada no rochedo seguro da verdade e da tradição e o seu piscar solene e
seguro atravessa a escuridão da noite, assinalando o caminho aos navegantes
em dificuldade durante a tempestade para que possam evitar os escolhos
perigosos e navegar até ao porto desejado. Pelo contrário, a luz da tocha
fala-nos de uma luz muito mais humilde e trémula, capaz de iluminar apenas
alguns passos do caminho, no entanto suficiente para se poder avançar na
escuridão do caminho, entrevendo o pequeno trajeto que assim pode ser
percorrido. A luz da tocha também é estável e segura como a do farol, mas
pode mover-se, caminha com o povo, é itinerante: não se limita a estar
quieta para assinalar o caminho e os perigos a evitar, mas desce ao longo dos
sendeiros do homem e faz-se companheira da peregrinação das famílias na
noite do mundo. É luz amiga e companheira fiel da viagem, que não alumia
todo o caminho, mas sabe tornar firmes e seguros os primeiros passos para
que possamos preparar os passos seguintes até chegarmos à meta desejada.
Farol no porto e tocha na noite: é a imagem da Igreja solidária com a família
que o Sínodo nos exorta a construir.
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Reunião nº 1
"GRAVA-ME COMO SELO NO TEU CORAÇÃO" – O EVANGELHO DO MATRIMÓNIO E
DA FAMÍLIA
Que ele me beije com beijos da sua boca! Melhores são as tuas
carícias que o vinho.
Ao olfato são agradáveis os teus perfumes, …
Sou semelhante a ti, minha amiga.
Ah! Como és bela, minha amiga, como és bela!
Ah! Como és belo meu amado, como és gracioso!
Sim! Como és bela, minha amiga, como és bela!
Toda bela és tu, ó minha amada, e em ti defeito não há. Vem do
Líbano, esposa, vem do Líbano, aproxima-te.
Roubaste-me o coração, minha irmã e minha noiva, roubaste-me o
coração com um dos teus olhares,
Como são doces as tuas carícias, minha irmã e noiva!
Os teus lábios destilam doçura, ó minha noiva; há mel e leite sob a
tua língua.
Grava-me como selo em teu coração, como selo no teu braço;
porque forte como a morte é o amor, implacável como o abismo é a
paixão;
os seus ardores são chamas de fogo, são labaredas divinas.
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Meditemos e reflitamos em casal sobre a Palavra de Deus
II – Apresentação do capítulo
Sendo as ENS um Movimento de espiritualidade conjugal, queremos
principalmente chamar a atenção para o amor do casal que é a raiz e o
fundamento da família. O amor do casal é a “Boa Nova do Matrimónio”.
Questionemo-nos: qual é a boa nova para nós, marido e mulher cristãos
deste tempo?
A palavra evangelho significa precisamente “boa nova”. De facto, essa
palavra contém uma perspetiva de alegria que é transmitida para fora do
próprio casal e que se concretiza na sua fecundidade e na sua missão
evangelizadora. O Sínodo chama-nos ainda mais responsavelmente a esta
missão.
Por outro lado, a “boa nova” do amor de casal refere o facto de esse amor
ser um evento, qualquer coisa que nos é dada em permanência, como uma
prenda propícia. Antes de o termos escolhido, o amor conjugal foi-nos doado
por um destino misterioso e benévolo … “ela foi-te destinada desde a
eternidade” (Tb 6, 18).
A fé cristã intervém depois para nos dar a mão e para nos conduzir à
descoberta da insuspeitável profundidade desta boa nova. Ela é, de facto,
imagem e reflexo de um acontecimento muito mais importante, o verdadeiro
“evangelho” da história humana que é Jesus Cristo (ver Mc 1,1; 1 Jo 1,1). Os
dois evangelhos, o de Jesus e o do casal passam então a estar intimamente
ligados. O evangelho de Jesus – o evangelho que é Jesus – é, de facto, a fonte
do amor do casal. E, por outro lado, o amor do casal, pelo seu próprio
maravilhoso e espantoso “despertar” é um raio do amor de Jesus que nos
atinge e nos toca. É mesmo através dessas mãos que nos abraçaram, desses
beijos que nos acolheram, desse coração que nos desejou – de que nos fala o
Cântico dos Cânticos – que cada um de nós começou a experimentar, de uma
forma muito concreta, a ternura de Deus. Foi no evangelho do casal, no seu
“despertar“ surpreendente e grato que cada um de nós recebeu o primeiro e
longínquo anúncio do Evangelho de Jesus: o amor.
A dimensão conjugal é a base para a construção da família. A reflexão tem
assim o objetivo de descobrir que o fundamento de uma família sã é
determinado pelo impulso inicial do amor entre um homem e uma mulher.
Esta é a “Boa nova do Matrimónio”.
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Reconhecemos esta escolha como a expressão do amor de Deus para
continuar a Sua criação? Procuremos recuperar, nas recordações, o nosso
mundo emotivo e afetivo. O que éramos antes do nosso matrimónio? Que
emoções, sentimentos e sensações foram por nós vividos? Percorrendo a
nossa história desde o início poderemos revalorizar a nossa “Boa Nova”, que
nos ajudará a adquirir uma maior consciência do nosso matrimónio, da nossa
família e da nossa missão.
Mesmo as fadigas e as dificuldades da família do nosso tempo podem ser
enfrentadas e suportadas pela bondade do amor do casal e da família.
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Quando não me procuras, quando sinto que não faço parte das coisas mais
importantes da tua vida, então sinto-me mal. Fazem-me falta a tua atenção,
as tuas palavras, o nosso estar juntos.
Quando estou assim, tu compreendes que preciso de tempo para deixar
passar esses momentos…
Depois, quando o meu mal-estar desaparece, penso nisso e vejo o que há de
belo em ti. Dou-me conta de ser por vezes exagerada.
Peço-te desculpa pelo meu comportamento, por vezes frio e hostil nos
confrontos contigo; lamento.
Continuo sempre a amar-te.”
(Barbara e Donato, equipistas)
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IV – Reflexão
«Apenas numa intenção unitiva de projetos de vida, de
construção de um “nós”, que faça crescer e acolher a fragilidade
e a confiança, é possível sentir no encontro dos corpos o bem
que se leva para além de nós mesmos, o bem do outro que nos
chama sempre à renovação” (Casais da Bíblia e de hoje:
histórias de amor em confronto” – Grupo La Vigna – EDB)
A atração e o envolvimento dos sentidos são o primeiro choque que cada
homem e mulher sentem e recebem no início da sua história de amor. Este
“tsunami” sensorial abala a vida dos dois que despertam para a necessidade
vital de se procurarem e de se encontrarem. De facto, o amor não é um
conceito abstrato ou uma ideia filosófica, antes sim uma experiência que
encontra o seu fundamento nos dois primeiros capítulos do Génesis. Através
da narração da Criação é, de facto, apresentada a verdade sobre a relação
conjugal: o dom supremo ao homem para a sua plena realização. Depois de
ter modelado o homem “com o pó da terra” e de o ter transformado com o
seu sopro num “ser vivo”, Deus percebe que falta qualquer coisa. Adão está
sozinho no jardim maravilhoso, mas exulta quando lhe é apresentada a
mulher e reconhece a sua Eva: “O Senhor Deus disse: «Não é conveniente que
o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele.». Então, o
Senhor Deus fez cair sobre o homem um sono profundo; e, enquanto ele
dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da
costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até
ao homem. Então, o homem exclamou: «Esta é, realmente, osso dos meus
ossos e carne da minha carne».”
Torna-se então uma verdade absoluta o que Deus disse no fim da criação do
mundo: “Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa”.
O evangelho do matrimónio é, portanto, anunciado e fundado na criação. O
homem e a mulher são chamados, desde a criação, a um objetivo ambicioso
que é o do desenvolvimento e do crescimento do valor de cada um, no
exercício do acolhimento recíproco, do respeito, do altruísmo, da confiança
de nos reconhecermos numa nova realidade que é o “NÓS”.
A Palavra diz-nos ainda que Deus torna o homem e a mulher procriadores e
confia-lhes a obra das suas mãos: o “Paraíso terrestre”. “Abençoando-os,
Deus disse-lhes: «Crescei, multiplicai-vos, enchei e submetei a terra. Dominai
sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que
se movem na terra.» (Gn 1,28).
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Portanto, a família tem a sua origem remota no sonho de Deus, no amor
doado ao homem e à mulher. É por isso que quando falamos do Evangelho
do Matrimónio e da Família devemos pensar em qualquer coisa que é
radicalmente “boa”. O amor do casal, que está na origem da família, cria uma
realidade boa e bela que podemos definir como o “santuário da relação”. É
na família que se realiza a pessoa humana, resguardada pelo amor dado e
recebido. A família é o lugar onde se vivem as mais variadas formas de
cuidado e apoio, especialmente aos mais frágeis: crianças, idosos e doentes.
No nosso tempo “encontra-se em muitas partes do mundo, nos solteiros, uma
maior necessidade de cuidar da própria pessoa, de se conhecer interiormente,
de viver mais em sintonia com as próprias emoções e com os próprios
sentimentos, de procurar relacionamentos afetivos de qualidade; esta justa
aspiração pode abrir ao desejo de se comprometer na construção de
relacionamentos de doação e reciprocidade criativos, responsabilizadores e
solidários, como os familiares (Sínodo, Lineamenta, 9)”.
O Evangelho da família tem o sabor do leite quente ao pequeno almoço e
das pantufas confortáveis. Ao mesmo tempo, a família refere a vida frenética
em que por vezes tem dificuldade em seguir em frente, quase como o lugar
da incomunicabilidade, da dialética hostil entre os sexos, ou até da
agressividade e violência, da solidão, da incomunicabilidade e da
incompreensão.
A sociedade mediática em que estamos mergulhados coloca no primeiro
plano as querelas e as fragilidades do casal e da família.
“Na sociedade assistimos a uma desconsideração ou mesmo a uma recusa
com motivações diversas da dimensão institucional do matrimónio. Vivida
sempre e antes de mais como um “assunto privado”, a família aparenta ter
iniciado um processo que a leva a perder a consciência da sua própria
identidade institucional. É mesmo a própria ideia de família que é
frequentemente deformada e objeto de discussão. …No entanto, por outro
lado, é igualmente necessário ter em consideração o perigo crescente
representado por um individualismo exasperado que desnatura os vínculos
familiares e acaba por considerar cada componente da família como uma
ilha, levando a prevalecer, em certos casos, a ideia de um protagonista que se
constrói em conformidade com os seus próprios desejos, assumidos como um
absoluto. A isto acrescenta-se também a crise da fé, que atingiu numerosos
católicos e que muitas vezes está na origem das crises do matrimónio e da
família” (Synodi Lineamenta 5).
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É fácil amar quando tudo corre bem, mas inevitavelmente as dificuldades
insinuam-se nas relações conjugais. Para viver em harmonia, o amor do
homem e da mulher deve ser construído em cada dia com vontade, cuidado,
dedicação e perdão. As muitas fadigas diárias, mesmo as mais comuns, levam
os casais à crise e mesmo ao risco da separação. Mesmo nos primeiros anos
de matrimónio, o casal vive a dificuldade de criar o seu próprio equilíbrio na
procura do “NÓS”. O espanto, a beleza e a maravilha dos primeiros
momentos são postos à prova pelas dificuldades objetivas, os dois
confrontam-se com os respetivos limites, dão-se conta da incapacidade de se
aceitarem como são. O mundo do outro, aquele mundo que foi visto como
um “sonho”, revela-se difícil de explorar e compreender, torna-se hostil e cria
distância e incomunicabilidade. É este o momento da fidelidade, da confiança
renovada naquela promessa de outro tempo. “Tens constância, sofreste por
causa de mim e não perdeste a coragem. No entanto, tenho uma coisa contra
ti: abandonaste o teu primitivo amor. Lembra-te, pois, donde caíste,
arrepende-te e torna a proceder como ao princípio” (Ap 2 ,3-5).
Assim, mesmo através destas fadigas, o Evangelho do Matrimónio pode
expressar-se com maior vigor quando somos capazes de nos ultrapassar a
nós próprios para acolher o outro tal como ele é, a partir do seu limite ou
defeito, sabendo exaltar as suas qualidades, quando voltamos a ter confiança
no outro, quando temos a coragem de saber perdoar. Então, a Boa Nova não
só salva os esposos, mas torna-se testemunho para os que veem.
“Queridas famílias, como tão bem sabeis, a verdadeira alegria que se sente
na família não é uma qualquer coisa superficial, não está nas coisas, nas
circunstâncias favoráveis. A verdadeira alegria resulta de uma harmonia
profunda entre as pessoas, que todos sentem no coração e que nos faz sentir
a beleza de estarmos juntos, de nos ampararmos mutuamente na viagem da
vida” (Papa Francisco).
Antes de terminar esta reflexão, queremos propor-vos um extrato da
conferência do Padre Caffarel em Roma no dia 5 de maio de 1970.
“Penso que estarão de acordo comigo em reconhecer que este desafio
lançado aos cristãos pelo ateísmo exige uma resposta urgente, a do nosso
testemunho. Por muito pouco que se conheça e se ame a Deus, não podemos
deixar de achar intolerável que a sua verdadeira face seja assim desfigurada
e insultada. Por muito pouco que amemos os nossos irmãos, como permitir
que, pelo desconhecimento do verdadeiro Deus, fiquem mergulhados na
angústia, na inquietação, no absurdo; por muito pouco que tenhamos o
sentido da solidariedade humana, como não nos sentirmos corresponsáveis
17
da traição de Deus pelos cristãos? Compete a toda a Igreja revelar à nossa
época a verdadeira face de Deus. Mas, em certo sentido, é muito
especialmente tarefa dos casais.
Adivinho a vossa reação: “A missão é grande, demasiado grande; não temos
nem tempo nem competência”. Mas se eu vos responder: Estais
especialmente aptos a realizar esta missão precisamente porque sois casais.
Tendes um carisma próprio. De resto, para serdes essas testemunhas que o
mundo espera, não tendes necessidade de abandonar os vossos deveres
familiares e profissionais; não tendes de partir para uma cruzada distante.
Vou explicar-me: é do vosso amor conjugal, do vosso lar que o mundo ateu,
sem dar por isso, espera testemunho essencial”.
VI – Desenvolvimento da reunião
Pôr em comum – Algumas pistas
Que encontros foram para nós um testemunho da “boa nova” do
matrimónio?
Quando procurámos dar testemunho da beleza da nossa união com o
Senhor?
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Partilha – Algumas pistas
Qual foi a Palavra que nos fez compreender a “boa nova” do
matrimónio?
Que experiência espiritual nos fez crescer na fidelidade matrimonial?
Troca de impressões sobre o tema de estudo – Algumas pistas
Compreendemos a beleza e a importância da missão que Deus nos
confiou? E, na nossa vida de casal, como pensamos pô-la em prática?
Ao experimentar a ajuda de Deus, dos membros da nossa equipa ou
de outros que nos são próximos, nos momentos difíceis, como
podemos manter-nos ao lado dos que sofrem as dificuldades da
família?
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Reunião nº 2
Uns oito dias depois destas palavras, levando consigo Pedro, João e
Tiago, Jesus subiu ao monte para orar. Enquanto orava, o especto
do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-se de uma
brancura fulgurante. E dois homens conversavam com Ele: Moisés e
Elias, os quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua
morte, que ia acontecer em Jerusalém. Pedro e os companheiros
estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e
os dois homens que estavam com Ele. Quando eles iam separar-se
de Jesus, Pedro disse-lhe: «Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos
três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Não
sabia o que estava a dizer. Enquanto dizia isto, surgiu uma nuvem
que os cobriu e, quando entraram na nuvem, ficaram atemorizados.
E da nuvem veio uma voz que disse: «Este é o meu Filho predileto.
Escutai-o.» Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou só. Os discípulos
guardaram silêncio e, naqueles dias, nada contaram a ninguém do
que tinham visto.
II – Apresentação do capítulo
A etimologia da palavra acompanhamento (“cum panis”) remete para a
partilha do pão e dos recursos com o outro. É isto que as mulheres e os
homens de hoje são chamados a fazer. Acompanhamento é o contrário da
solidão e do isolamento, não só físico, mas espiritual.
Mas acompanhar pressupõe toda a delicadeza e todo o respeito possíveis
para com o outro: não se trata tanto de acompanhar, no sentido de “levar” o
outro, ali onde eu considero dever levá-lo, significa fazer-me próximo dele,
escutá-lo em profundidade e estar junto dele, ajudando-o a descobrir a
verdade, para que possa seguir o seu caminho de forma única e irrepetível,
criativa e pessoal.
É preciso aprender a “descalçar sempre as sandálias diante da terra sagrada
do outro” (cf. Ex 3,5) e “dar ao nosso caminhar o ritmo salutar da
proximidade, com um olhar respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao
mesmo tempo cure, liberte e anime a amadurecer na vida cristã” (EG 169).
Isto deve estar presente tanto dentro do casal como nos confrontos com
outros casais e com a família, sobretudo quando se vivem momentos de
dificuldade, de sofrimento e de solidão. Nas situações mais delicadas “é
preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de
crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. Um pequeno
passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a
Deus do que a vida externamente correta de quem transcorre os seus dias
sem enfrentar sérias dificuldades” (EG 44). O acompanhamento tornar-se-á
então uma arte, será vivido em bicos de pés, ou melhor, “na ponta do
coração”.
O verdadeiro acompanhamento conduz à fé, à descoberta de si e da verdade,
ao amor, à liberdade. Deve purificar-se da tentação de julgar o outro, de
querer tornar o outro igual a mim, de querer impor o que é o bem e o que é
bom para mim. Pelo contrário, o verdadeiro acompanhamento sabe esperar
o outro com misericórdia e ternura, tal como Deus sabe fazer com cada um
de nós.
21
Acompanhar é abrir-se à solidariedade entre os homens e as mulheres,
é construir uma Igreja “que sai”, que sabe acolher, sustentar, praticar a
misericórdia.
Acompanhar é difundir a esperança evangélica, que não é um
otimismo vago, mas é crer que Deus não nos abandona nunca e que no
fim o bem acabará por vencer o mal.
Acompanhar é saber dar lugar ao outro, cientes de que não somos nós,
mas sim o Senhor que saberá fazer nascer os frutos na vida de cada um
e na pequena Igreja que é a família.
Acompanhar é partilhar o Evangelho, apresentá-lo, dar testemunho
dele com a vida, mesmo quando há feridas que a marcam.
Acompanhar é construir pontes, entre as pessoas, as ideias, as
opiniões e os caminhos, que são diferentes para cada um de nós.
Acompanhar é construir a confiança, lá onde rareiam a confiança e a
esperança.
22
confiança, o que revela sem quaisquer restrições toda a pequenez dos nossos
recursos. E, no entanto – como nos explica o Evangelho em muitas ocasiões –
é na fraqueza que reside a nossa verdadeira força e é apenas quando nos
sentimos aniquilados que conseguimos fazer prevalecer o espírito de Deus, tal
como é apenas quando o nosso ego está por terra que permitimos que o
amor nos abrace. Concretamente isto acontece através da pessoa de Jesus,
presente nas pessoas que nos rodeiam. Em todos vós. Felizmente incarnou
num homem! Se tivesse sido de outra forma não sei como poderíamos ter
vivido e acreditado.
…a tentação luciferiana é de nos fecharmos, de olharmos apenas para nós
mesmos e para a nossa situação, como se não fizéssemos parte de uma
imensa ação de amor que diz respeito ao mundo e a toda a humanidade.
Procuro a presença deste amor e imediatamente o encontro, concreto e
palpável, próximo de mim, na minha mulher. É, sem dúvida, o amor de Cristo
e imediatamente me sinto consolado. E depois há os amigos, todos vós que
sinto envolvidos e próximos que, juntamente com as vossas famílias, trazeis
até mim o mundo e as histórias de milhares de percursos cruzados de vida,
marcados por alegrias e dores. Rezamos por todos esses que atravessam
momentos de doença e de desconforto para que Deus os envolva no seu terno
abraço.
…nós os dois temos imensa sorte, nunca somos abandonados, nem sequer
por um instante. Jesus diz, a propósito da amizade, que não há maior amor
do que o daquele que dá a vida pelos seus amigos e estas palavras sempre
ressoaram dentro de nós. É o amor de Deus que se manifesta através desta
corrente de afetos no nosso dia a dia e que nos faz dizer sem temor que hoje
nos amamos mais do que nunca, que estamos enamorados. Não é possível
descrever o que Dora tem feito por mim: está a ensinar-me o que é a
gratuidade no matrimónio. Será necessário ficarmos doentes para viver
plenamente esta dimensão? Não, certamente que não! É, no entanto,
indiscutível que algumas situações nos tornam mais atentos e é esta a nossa
situação atual. Damos graças a Deus por nos ter feito reencontrar.
…este tempo que umas vezes parece alongar-se no futuro e outras parece
contrair-se e ser breve, é o tempo para falarmos. Um tempo em que é
possível desnudarmo-nos, deitar para fora todas as coisas escondidas,
amarfanhadas no fundo da alma. É um tempo em que é preciso procurar uma
comunicação serena, sincera e finalmente descontraída, mesmo com as
pessoas com quem tivemos mais dificuldades.
(Brunoe Dora, equipistas)
23
Para saber mais
Ícone Russo da Amizade, Museu do Louvre
Filme «Another Year», Mike Leigh, 2010
«The butterfly circus», curta metragem, 2009
André Louf Gerados pelo Espírito – Éditions Qiqajon, 1994
IV – Reflexão
Se acompanhar é uma arte, torna-se necessário desenvolver
uma “pedagogia” do acompanhamento, o que significa
encontrar a forma de fazer-se próximo do outro, seja ele
solteiro, casal ou família.
A arte do acompanhamento faz parte da própria natureza do
homem que, tendo nascido para uma vida de relações, sente, portanto, essa
necessidade. Os homens e as mulheres, no seu próprio percurso de relações,
necessitam de se apoiar mutuamente para enfrentarem o medo da solidão e
receberem ajuda para ser compreendidos.
Acompanhar é dizer ao mundo que para se caminhar é pelo menos preciso ir
em casal. Não há caminho que se possa percorrer sozinho. É preciso dar
apoio e ser apoiado. O Senhor prometeu nunca nos abandonar, mas como
podemos sentir de forma concreta a sua presença? Sentimo-lo no irmão ao
nosso lado que nos dá a mão, que partilha connosco as alegrias e as dores. É
também necessário que ele próprio aceite fazer-se acompanhar.
“É preciso olhar para o outro com os olhos de Jesus. Mas Jesus também se
deixa ver. Sobre a cruz fica nu diante dos nossos olhos. Os seus olhos
trespassam todas as nossas dissimulações, mas tem também a coragem de se
deixar olhar, mesmo morto na cruz quando já não pode olhar à sua volta.
Num casal, ou mesmo na vida religiosa, aprende-se a reciprocidade da
compaixão. Deixamo-nos tocar pelo que o outro vive. Olhamos para ele com
os olhos abertos. Mas também precisamos de ter a coragem de nos
deixarmos olhar pelo nosso esposo, pela nossa esposa; não devemos
esconder as nossas fraquezas, as nossas dúvidas, as nossas inseguranças.” (T.
Radcliffe, Brasília 2012)
Para deixarmos que nos olhem e nos acompanhem é preciso alimentar a
confiança no outro e em Deus. Pensando na solidão e no individualismo que
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frequentemente acompanham as nossas existências quotidianas, podem
iluminar-nos as palavras do Papa Francisco: “… precisamos de uma Igreja
capaz de fazer companhia, de ir para além da simples escuta; uma Igreja, que
acompanha o caminho pondo-se em viagem com as pessoas; uma Igreja
capaz de decifrar a noite contida na fuga de tantos irmãos e irmãs de
Jerusalém; uma Igreja que se dê conta de que as razões pelas quais há
pessoas que se afastam também já incluem em si mesmas as razões para um
possível retorno, mas é necessário saber ler tudo isto com coragem. Jesus deu
calor ao coração dos discípulos de Emaús… Precisamos de uma Igreja que
volte a dar calor, a inflamar o coração” (aos Bispos do Brasil, 2013).
A passagem do Bom Samaritano oferece-nos uma chave de leitura para
entendermos que acompanhar é “cuidar do outro”.
“O Samaritano viu o homem estendido na beira da estrada e encheu-se de
compaixão”. Isto quer literalmente dizer que sentiu um aperto no estômago.
A palavra compaixão significa sentir qualquer coisa com alguém. É bom sentir
qualquer coisa por alguém. Faz parte da compaixão, mas quando isolada
pode tornar-se condescendência. É também preciso sentir com o outro, dando
valor ao que o outro sente e como vê as coisas.
O amor, quando entendido no sentido mais pleno de agape, implica que nos
aproximemos de outra pessoa de uma forma mais íntima, mas também que
deixemos espaço para que o outro seja ele próprio. A forma mais profunda de
liberdade é dar a própria vida. “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou”
(Gal 5.1). É esta a liberdade do matrimónio, arriscar dar-se a outra pessoa.
Quem não tem a coragem de assumir esse risco, mas quer manter sempre o
controlo de tudo, fica prisioneiro do seu próprio medo.
Na sociedade contemporânea, é também missão da família encorajar os
outros a assumir o risco do amor. Talvez haja jovens que vivam juntos por
terem medo de se comprometer. Ou talvez as pessoas que vivem segundas e
terceiras relações tenham medo de sofrer outra vez e queiram manter o
controlo completo das suas vidas. Encorajemo-los a deixar que Deus lhes
altere os planos! (T. Radcliffe, Brasília 2012).
Acompanhar é estar à escuta do outro/dos outros, sobretudo com o coração.
Por vezes, o risco poderá ser o de ouvir com a cabeça e depois agir de acordo
com o nosso ponto de vista, com as nossas convicções, sem nos colocarmos
verdadeiramente à escuta do outro. Isto passa-se também dentro do casal,
da família, da equipa.
25
O Papa Francisco (EG 45) afirma que é inevitável que o Evangelho una as
pessoas “dentro das limitações das circunstâncias”, isto é, nas suas situações
concretas, marcadas pelos limites, pela fragilidade e frequentemente pelo
pecado. Qualquer um que pretenda tornar-se acompanhante do irmão na
estrada do Evangelho “está consciente destas limitações, fazendo-se fraco
com os fracos”. Ele “procura comunicar cada vez melhor a verdade do
Evangelho num contexto determinado, sem renunciar à verdade, ao bem e à
luz que pode dar, quando a perfeição não é possível… e assim não renuncia
ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada”.
O Padre Caffarel diz-nos que “saber escutar é uma grande arte, mesmo
quando Cristo nos adverte «vede, pois, como ouvis» (Lc 8, 18). Escutar não é
apenas um exercício da inteligência. A palavra “escutar” designa não apenas
uma atividade solitária, mas sim um encontro, uma troca, um coração a
coração: a oração é essencialmente isto” (Caderno sobre a oração, 1966).
É evidente que a arte do acompanhamento é uma coisa completamente
diferente de um saldo de indulgências ou do perdão a bons preços que, por
causa da fragilidade humana, baixaria o nível da exigência evangélica. Pelo
contrário, “embora possa parecer óbvio, o acompanhamento espiritual deve
conduzir cada vez mais para Deus… O acompanhamento seria
contraproducente, caso se tornasse uma espécie de terapia que incentivasse
esta reclusão das pessoas na sua imanência e deixasse de ser uma
peregrinação com Cristo para o Pai.” (EG 170). O verdadeiro acompanhante
“não transige com os fatalismos nem com a pusilanimidade. Convida sempre
a querer curar-se, a pegar no catre, a abraçar a cruz, a deixar tudo e partir
sem cessar” (EG 172). Os que se contentam com a mediocridade para si e
para os outros, instalando-se talvez na desculpa da fragilidade humana,
deixam de ser “peregrinos” feridos e curados a caminho de Deus, para ser
“errantes, que giram indefinidamente ao redor de si mesmos, sem chegar a
lado nenhum” (EG 170).
O acompanhamento dos irmãos ao longo dos caminhos do Evangelho requer
as qualidades humanas de atenção, inteligência e ternura que emanavam do
coração de Cristo quando Ele se aproximava dos pobres, dos pecadores, dos
desencaminhados. O Papa Francisco exorta-nos a assumir também nós estes
sentimentos do coração de Cristo. E fá-lo constatando, não sem uma certa
amargura, que, pelo contrário, a misericórdia evangélica é muitas vezes
traída pelas formas rígidas e duras que obscurecem o anúncio da Boa Nova e
que nos levam a agir “como controladores da graça e não como facilitadores.
Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna” (EG 47).
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Para saber mais
Relatio Sinody - Lineamenta
Familiaris Consortio
Lumen Gentium
Carta do Papa às famílias
VI – Desenvolvimento da reunião
Pôr em comum – Algumas pistas
“Se querem fazer com que Deus se ria, contem-lhe os vossos planos”. O amor
desmonta os projetos que estabelecemos com cuidado para a nossa vida. Se
amamos, devemos então, de alguma forma, perder o controlo das nossas
vidas, porque não podemos prever antecipadamente que coisas o amor nos
irá pedir.
Sabemos ler as mudanças sociais que atingem a família de hoje?
Quais as implicações para a nossa vida quotidiana à luz da fé?
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Deixamo-nos acompanhar, com confiança, pelo Pai “para que ele
próprio construa a história dos nossos dias” (H. Câmara).
Partilha – Algumas pistas
O caminho dentro do casal e junto com as outras famílias requer que não nos
centremos em nós mesmos para nos voltarmos verdadeiramente para os
outros; não é fácil e esta é uma força que podemos encontrar no encontro
com Jesus.
Vou na direção certa, caminho para a escolha da minha regra de
vida?
Estar à escuta não é apenas ler; como “saboreio” e “contemplo” a
Palavra e que resposta provoca em mim?
Troca de impressões sobre o tema de estudo – Algumas pistas
Cada um de nós traz no seu coração a memória de uma pessoa em
particular, de quem se sentiu próximo em qualquer momento da sua
própria história. Que influência teve sobre mim, sobre ti, sobre o
nosso casal?
Sinto-me capaz de ser companheiro, testemunha e profeta na minha
família? Quais são hoje os obstáculos para caminhar “ao lado do
outro”?
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Reunião nº 3
"…ABENÇOANDO-OS, DISSE-LHES …" – A VOCAÇÃO PARA O MATRIMÓNIO
Génesis 2, 22-25
Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e
conduziu-a até ao homem. Então, o homem exclamou: «Esta é,
realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne.
Chamar-se-á mulher – Isshah –, visto ter sido tirada do homem –
Ish.!» Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se
unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne. Estavam ambos
nus, tanto o homem como a mulher, mas não sentiam vergonha.
II – Apresentação do capítulo
Neste terceiro capítulo continuamos a nossa reflexão para compreender o
que significa a vocação para o matrimónio.
Questionamo-nos, desde a nossa adolescência, sobre o sentido da nossa vida
e todos os dias continuamos a fazer essa pergunta. A nossa resposta como
cristãos é que a vida é a vocação para o Amor. Mas o que quer dizer sermos
chamados para o Amor?
Em sentido figurado, a palavra vocação significa ser naturalmente levado por
qualquer coisa, pelo contrário, familiarmente é-lhe atribuído o significado de
atitude, disposição, inclinação, propensão.
A Gaudium et Spes, ao proclamar a grandeza da vocação do homem que é
convidado à comunhão e ao diálogo com Deus, dá-nos um primeiro ponto de
reflexão: “Deus é amor (1 Jo 4,8) e vive em si mesmo um mistério de
comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua imagem e conservando-a
continuamente no ser, Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher
a vocação e, assim, a capacidade e a responsabilidade do amor e da
comunhão (GS 12). O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação
do ser humano”.
Na Familiaris Consortio, no Cap. 11, encontramos escrito que “A Revelação
cristã conhece dois modos específicos de realizar a vocação da pessoa
humana na sua totalidade ao amor: o Matrimónio e a Virgindade. Quer um
quer outro, na sua respetiva forma própria, são uma concretização da
verdade mais profunda do homem, do seu «ser à imagem de Deus»”.
30
O livro do Génesis afirma: Deus criou o ser humano à sua imagem … Ele os
criou homem e mulher. O ser humano que Deus tinha na sua mente era uma
pessoa, uma pessoa sexuada, uma unidade inseparável: corpo e alma.
Enquanto dotado de um corpo, a pessoa sente uma inclinação natural para o
outro sexo e o desejo de ter alguém a seu lado.
Quando adolescentes, começámos a interrogar-nos sobre o que somos e qual
a razão de ser da nossa existência, e fomos experimentando
progressivamente, juntamente com a nossa corporeidade, também a nossa
vida afetiva e a descoberta da genitalidade. Experimentámos as diferentes
fases do amor, que iam do amor por si mesmo ao amor mais maduro: o amor
oblativo (agape) onde convergem os níveis físico-biológico e o afetivo-
psicológico. Agora como casal compreendemos até ao fundo a verdade do
amor. O casal experimenta a ligação mais sólida que as pessoas humanas
podem construir. Casar pela Igreja significa, entre outras coisas, pôr à
disposição de Deus o próprio amor para que seja transformado em anúncio
do Seu Amor. O Papa Francisco recorda que é por força deste amor que, com
efeito, em virtude do Sacramento, os esposos são revestidos de uma
autêntica missão, para que possam tornar visível, a partir das realidades
simples e ordinárias, o amor com que Cristo ama a sua Igreja (Papa Francisco,
2 abril 2014).
IV – Reflexão
Como posso perceber se é o homem da minha vida?
Esta pergunta de Andreina é o resultado de um trabalho de
reflexão interior que é necessário empreender para
33
chegarmos a compreender quem somos nós mesmos. O homem desde
sempre procurou a sua identidade profunda, aquela Voz que o chama a
“ser”. Mas sozinho não pode conseguir compreender o mistério da sua
identidade. Apenas o pode fazer em relação ao outro. Desde o início o
homem não dá a vida a si mesmo, antes a recebe dos outros. É sempre assim,
no caminho da vida a identidade profunda nasce e define-se nas relações
com os outros. O homem é chamado à liberdade, a ser protagonista da sua
vida, mas sempre a partir de uma relação com alguém. Não é um self-made
man, uma pessoa autorreferenciada.
Por isso se diz que a vida do homem é “vocação”, “chamamento”. A sua
identidade profunda é despertada e revelada por outros. É tudo como se a
pessoa fosse animada interiormente por uma voz que suavemente a conduz
para o princípio e para as suas promessas. A vocação muda-nos. Com ela o
homem é como que desenraizado de si mesmo; é uma rutura com o passado
e, de um certo ponto de vista, a morte. É preciso abandonar tudo para se
tornar o que Deus quer. A vocação é um nome novo: “o que tem ouvidos,
ouça o que o Espírito diz às Igrejas. Ao que sair vencedor, dar-lhe-ei a comer
do maná escondido e dar-lhe-ei também uma pedra branca; na pedra branca
estará gravado um novo nome que ninguém conhece, a não ser o que a
recebe” (Ap 2,17). Esta voz que chama o homem à sua verdadeira identidade
vem de Deus. A vocação é chegar à união com a vontade de Deus e, apenas à
luz desta união, o homem se conhece verdadeiramente a si mesmo. A
vocação não é a expressão de qualquer coisa que já existe, mas é a
realização, dada pela graça, daquilo que o homem é chamado a ser. “Graça”
significa que me é dado aquilo para que não tenho o poder e a que não tenho
direito, mas que apenas me torna naquilo que eu quero ser. Através da
vocação o homem é chamado a si mesmo, ao seu próprio ser.
Mas, ao mesmo tempo, há qualquer coisa que protesta dentro de nós,
porque pensamos que Deus nos possa pôr diante de um programa a cumprir,
estabelecido fora de nós, sem sequer nos dar os meios seguros para o
conhecer.
O homem é constantemente surpreendido pela vida (no sentido literal de
“super+prehendere”, apanhar por cima), o que “acontece” para além de
todos ao cálculos e previsões e a que é chamado a responder em plena
liberdade. O caminho ético do homem não parte do que quereria ser, mas
está fundado no que se é para se tornar no que deve ser. É inútil e insensato
sonhar com um ponto de partida diferente. O homem é chamado a tornar-se
livremente naquilo que é, ou seja, aquilo que a vida lhe revela a cada passo
34
com as suas promessas. Dito de outra forma, poder-se-ia dizer que, ao criar-
nos à sua imagem e semelhança, Deus chama cada um de nós a dar a esta
imagem a sua semelhança particular. Esta é a expectativa e a esperança de
Deus, é a grandeza e o risco da nossa vida, esta de sermos chamados a
despertar a alegria de Deus através da qualidade e da generosidade da nossa
resposta.
Um exemplo deste caminho interior é dado na Bíblia pela história de Tobias e
Sara. Fundamentam o seu matrimónio no projeto de Deus descrito no Livro
do Génesis, reconhecem que a sua história de amor é conforme com o
projeto que Deus tem para eles; a sua vida de casal está fundada na palavra
de Deus e é à luz desta Palavra que são capazes de descobrir a própria
identidade profunda e a própria vocação. Para encontrar Sara, Tobias põe-se
a caminho, procura, aposta, para finalmente, ajudado por um anjo,
compreender que há um caminho traçado para ele que lhe incumbe
percorrer.
O encontro do homem com a mulher e da mulher com o homem é
determinante nesta visão vocacional da vida. Esta vocação não é dada a
todos, mas à maior parte dos seres humanos. É o caminho que, partindo do
primeiro encontro (o enamoramento), desemboca na escolha livre de
construir juntos uma história, um projeto, um tornarem-se cada vez mais
“uma só carne” (Gn 2,24). Já não é a pessoa sozinha, mas são duas pessoas
que se decidiram por um caminho de vida comum e do entrelaçar das suas
existências resulta a completude definitiva das respetivas identidades de
marido e de esposa (e depois de pai e de mãe ao abrirem o seu amor à
fecundidade). Este tornarem-se “uma só carne” não subsiste de per si, pelo
contrário, deve ser continuamente desejado, renovado, construído,
defendido (R. Guardini, Etica).
Por vezes, na realidade atual, o passar do tempo e a sucessão dos
acontecimentos colocam em crise a realidade vocacional e a sua escolha.
O âmago da vocação para o matrimónio – tal como em todas as vocações – é
o amor. Não é apenas emoção, sentimento, afetividade. Claro que também o
é. Mas, essencialmente, o amor conjugal é também decisão, escolha,
vontade, projeto. É a resposta a um convite bom e promissor que Deus
colocou na nossa história.
Assim, pode acontecer que, depois de um período inicial de duração variável,
o “eros” inicial se atenue, ou melhor, se modifique e transforme: é este o
momento decisivo para entender se nascerá um matrimónio real ou se a
35
promessa do encontro se extinguirá como um fogo de palha. O matrimónio é
a própria construção do ser “uma só carne” através de um estar juntos
duradouro, que desafia e vence o tempo. Não apenas no sentimento, mas,
consequentemente, no fluir dos acontecimentos, do agir, do destino. É desta
forma que cada um dos cônjuges completa a sua identidade, Não apenas sob
o signo da fantasia, do sonho, do entusiasmo, mas também na dimensão
normal da realidade. O matrimónio impregna gradualmente a realidade do
outro, as suas qualidades positivas ou negativas, a família e o lar construídos
conjuntamente.
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Serei um anjo da paz
Um pregador da verdade
No lugar que ele me assegurou
E que não confiou a nenhum outro.
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Reunião nº 4
"FAREI DE TI A MINHA ESPOSA PARA SEMPRE" – EDUCAR PARA A FIDELIDADE
Oráculo do Senhor:
“É assim que a vou seduzir:
ao deserto a conduzirei, para lhe falar ao coração.
…Aí, ela responderá como no tempo da sua juventude,
como nos dias em que subiu da terra do Egipto.
Então, te desposarei para sempre;
desposar-te-ei conforme a justiça e o direito,
com amor e misericórdia.
Desposar-te-ei com fidelidade,
e tu conhecerás o Senhor.”
1
Nota de tradução: Transliteração para caracteres latinos da palavra hebraica que em
português corresponde a IAVÉ.
39
À luz desta intuição, visto na ótica da fidelidade a Deus, a relação conjugal
assume novas matizes de amor e ternura. O amor humano, quando se torna
símbolo da aliança de Deus com o seu povo, é enobrecido e aprofundado:
torna-se a ligação indissolúvel que une duas pessoas, levando-as a comunicar
e a partilhar todos os aspetos das suas vidas.
II – Apresentação do capítulo
A natureza continua a surpreender-nos com o que a ciência vai revelando
através dos seus estudos: há animais que permanecem fiéis para sempre! O
mundo animal sugere-nos como o que nos pode vincular ou limitar se torna
salvífico e estimulante.
A fidelidade é manter um compromisso. É a partilha total dos factos da vida.
É continuar satisfeito com o que já se conhece para renovar os laços.
Surpreender-se sempre com cada novidade para reavivar a paixão. É
permanecer firme mesmo quando o equilíbrio é instável. Resumindo, a
fidelidade é um daqueles valores que tem um pouco o aroma da fotografia
antiga que olhamos quando nos queremos recordar de alguém importante.
Tem o gosto dos alimentos da tradição rural, daqueles que ainda são
cultivados com fadiga e suor. Daqueles que venceram o medo das chuvas
torrenciais depois da sementeira ou da seca que queima os rebentos. Pode
parecer que a fidelidade veste as roupas velhas da tradição. Poderá parecer
fora de moda, antiquada como um espartilho estreito e pouco transparente
numa época de decotes vertiginosos.
A fidelidade é o valor que recorda aos homens não a sua natureza, mas sim o
seu chamamento, a sua vocação. Sim, porque a natureza humana
frequentemente renega a genética da fidelidade. E não nos queremos referir
apenas ao aspeto sexual. Pelo contrário, queremos que, neste capítulo, cada
um se esforce por chegar à fidelidade sexual como uma consequência lógica
de uma fidelidade mais profunda, mais enraizada, poderíamos dizer mais
completa.
Neste percurso de virtude são tantos os obstáculos, as dificuldades; são
numerosas as formas de infidelidade, tais como a renúncia ao projeto inicial,
ao pacto de reciprocidade, ao cuidado e compreensão mútuos, à confiança e
ao respeito, ao ser-se e sentir-se únicos e unidos: o egoísmo e a prepotência
são vermes que devoram o casal, fazendo que cada um cresça como um ser
solitário e autorreferenciado; a indiferença e o desinteresse pelo outro e pelo
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destino do casal são um espelho em que apenas nos vemos a nós mesmos; a
repugnância à comunicação livre e aberta é a fortaleza dentro da qual nos
encerramos rodeados pelas nossas verdades absolutas; a colaboração
falhada e a fuga às responsabilidades comuns são a ilusão de uma liberdade
eterna e incondicional.
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Para saber mais
Pintura José a mulher de Putifar – Quadro de Battistello Caracciolo
Filme Hachiko, amigo para sempre – de Lasse Hallström, 2009
A Fidelidade – de Andrzej Zulawski
Teatro A Fidelidade – de Giorgio Gaber
IV – Reflexão
Em termos gerais, a etimologia da palavra “fidelidade” tem
origem no latim fides (fé) passando por fideles (fiel) para
chegar a fidelitas (fidelidade). Refere-se a uma atitude de
coerência e de constância na adesão a um valor ideal de
amor, de bondade, de justiça, mas pode também ser
entendida como o empenho com que uma pessoa se
vincula para que a ligação com o outro seja estável e
duradoura no tempo. É por isso que o valor da fidelidade desde sempre
encontrou a sua mais perfeita expressão humana na fidelidade entre os
cônjuges, através da exclusividade e unicidade da relação de amor
consagrada no matrimónio.
Na teologia cristã, a fidelidade de Deus Pai à promessa de salvação dos seus
filhos é a expressão máxima do Seu amor por nós. Um amor forte, sólido,
definitivo que se oferece a nós como dom e que apenas pede para ser
acolhido. Hoje em dia, pelo contrário, a ideia do dom tem dificuldade em
afirmar-se, deixando o lugar a um conceito de fidelidade onde parece que
aquele que amamos deve merecer esse amor. Por isso, quando o outro se
comporta de modo a já não o merecer, sentimo-nos autorizados a dissolver o
vínculo da fidelidade.
Educar para a fidelidade significa então começar por estimular e promover
uma relação contínua entre o homem e Deus, porque só Ele é o educador
que pode ensinar a arte da fidelidade. Para nós homens, educar para a
fidelidade significa pedir o dom da fé ainda antes do da fidelidade. Nestes
termos, o sacramento do matrimónio constitui em si mesmo uma força que
sustenta os esposos e as respetivas vontades de permanecerem juntos na
fidelidade, respeitando o amor que se prometeram mutuamente.
O amor não é apenas um sentimento, mas a adesão a uma vocação comum,
em que cada um encontra no cônjuge (junto com) quem o ajude para
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poderem levar juntos o mesmo jugo, mantendo a mesma passada, durante
toda a sua existência. Neste sentido, o amor não é a procura do prazer, sem
nunca ter de tomar uma decisão, mas sim a capacidade de se decidir por um
dom definitivo e exclusivo. Apenas quem pode prometer para sempre
demonstra ser o dono do seu próprio futuro, o tem nas suas mãos e o dá à
pessoa amada. Compreende-se assim porque é que o conteúdo da fidelidade
é a confiança: a confiança no futuro e no outro, a quem se faz o dom de si
mesmo.
Depois desta introdução ao fascinante caminho para uma educação para a
fidelidade, procuremos percorrer alguns itinerários diferentes, conscientes
de que cada um deles, entretecido com os outros, conduz a uma melhor
compreensão do verdadeiro rosto da fidelidade.
A fidelidade a si mesmo
O primeiro objetivo, o objetivo imediato que os homens se colocam desde a
idade da consciência é o de percorrer o caminho da vida na plena vontade de
se realizarem a si mesmos. Para simplificar, diríamos “querer tornar-se
alguma coisa ou alguém”. É o velho problema com que gerações inteiras se
continuam a confrontar. Educar para a fidelidade nos confrontos consigo
mesmo não tem um valor egoísta, mas um valor social, na medida em que a
pessoa, descobrindo-se a si mesma, enriquece toda a coletividade. Um
conhecido cançonetista italiano dizia “Creio nos seres humanos que têm a
coragem de ser humanos”. É uma esplêndida síntese que conta a fidelidade
ao projeto da criação de um homem que já não é autor de si mesmo, mas
que partilha o projeto de Deus.
Fidelidade ao outro
Educar para a fidelidade ao outro é uma lição de respeito. É como se
disséssemos que ser-se fiel é uma questão de exercício e que precisa de
treino para obter resultados. A fidelidade ao outro é o pleno dom de uma
existência. Incondicional. Sem juros, até mesmo com perdas. Cada um de nós
deveria educar-se para a fidelidade seguindo em três direções:
Fidelidade pela diversidade do outro. Perante a diversidade do outro,
defendemo-nos quando nos afastamos ou quando nos aproximamos
com a intenção de o tornar idêntico a nós (que relação é possível entre
duas pessoas idênticas?). Então, fidelidade ao outro é antes de mais
respeito pela sua alteridade e diferença. É fiel aquele cônjuge que
reconhece e estima os valores, os dons, as capacidades do outro e,
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vencendo qualquer forma de competição, o empurra e o ajuda a viver e
a libertar o que há de melhor em si.
Fidelidade ao devir do outro. Não se quer bem à pessoa amada pelo que
ela é agora, mas pela maravilha que pode atingir e vir a ser ao longo da
sua existência. “Fundados sobre este amor, homem e mulher podem
prometer-se amor mútuo com um gesto que compromete a vida inteira
*…+. Prometer um amor que dure para sempre é possível quando se
descobre um desígnio maior que os próprios projetos, que nos sustenta e
permite doar o futuro inteiro à pessoa amada” (Papa Francisco, Lumen
Fidei n. 52). O passado e o presente são uma parte da pessoa, tudo
somado a parte menor. A parte mais importante é o futuro. Cada pessoa
tem possibilidades inesgotáveis a descobrir e a libertar, tem um impulso
criativo. A fidelidade ao outro é fazer acender esta criatividade.
Fidelidade ao distanciamento do outro. Por mais que nos aproximemos
do outro, ele permanece sempre outro. Escreve Levinas: “Somos
chamados a amar o outro sem o compreender, antes de o compreender,
sem nenhuma necessidade de o compreender”, onde a palavra
“compreender” significa aqui prender dentro e, portanto, a atitude de
quem quer reduzir o outro à sua compreensão: pelo contrário, o outro é
incompreensível e não pode ser capturado.
O casal fiel, com a sua fidelidade dá testemunho da fidelidade do Deus Pai
que perdoa e acolhe todos os seus filhos enquanto espera que se unam a Ele.
O marido e a mulher podem viver episódios de infidelidade quotidiana, como
os citados no início. Cada um dos dois reivindica, mais ou menos
conscientemente, um espaço exclusivo, individual. São numerosas as formas
de infidelidade e de traição e não estão necessariamente ligadas à vida
sexual. O casal pode entrar em crise, renegar-se a si mesmo, decidir-se pela
separação. Nesses casos a única via para mudar de rumo é dada pela
capacidade de perdoar. O perdão é o amor que se recorda de ser mais forte
que o mal.
“Só o verdadeiro perdão, fruto de um amor puríssimo, pode fazer brotar uma
nascente de vida no coração do infiel e regenerar quem fracassou no amor
fazendo-o renascer para ele. Também para Deus, e antes de mais para Deus,
perdoar é amar. Amar a tal ponto que faça surgir na escuridão e na impureza
da alma um amor inteiramente novo que a purifica, transforma e encaminha
para uma perfeição inteiramente nova” (H. Caffarel – Nas encruzilhadas do
Amor – “O Amor mais forte que o mal”)
44
Fidelidade ao Outro
Deus criou o homem e a mulher e confiou-lhes o seu reino: toda a criação.
Desta forma o casal é depositário da fidelidade do Pai que estipula um pacto
de confiança e o liga ao processo de gerar toda a humanidade. É daí que tudo
parte. Porque esta é a fidelidade “de sempre e para sempre”. A fidelidade ao
Outro encontra a sua fonte de inspiração natural na fidelidade que, desde
sempre, o Outro nos manifesta. O homem trai esta confiança. Deus
manifesta toda a sua desilusão: uma fidelidade traída é sempre fonte de
desapontamento e de dor.
E, no entanto, o amor prevalece. É um Pai que escolhe amar, decidindo não
interromper a sua ligação com o homem.
A relação de fidelidade ao Outro começa no Éden e é para lá que nos quer
reconduzir. Não é, portanto, o homem que a gera para se juntar a Deus,
sendo antes um movimento de resposta à sua ação. “A fé não é
primariamente obra humana, mas dom gratuito de Deus, que se arraiga na
sua fidelidade, no seu «sim», que nos leva a compreender como viver a nossa
existência, amando-o a Ele e aos irmãos”. Neste caso podemos afirmar que
se trata de uma fidelidade “teocêntrica”. “Toda a história da salvação é um
revelar-se progressivo desta fidelidade de Deus, não obstante as nossas
infidelidades e as nossas negações, na certeza de que «os dons e o
chamamento de Deus são irrevogáveis», como declara o Apóstolo na Carta
aos Romanos (11, 29)”. (Bento XVI, 30 de maio de 2012). A fidelidade de
Deus reflete-se na fidelidade do casal.
Mas se a fidelidade é uma virtude essencial para qualquer relação
interpessoal, a perseverança é a virtude específica do tempo. Mas não é
tudo; os valores que todos proclamamos como sendo grandes e absolutos
existem e tomam forma apenas graças a essas virtudes: o que é a justiça sem
a fidelidade dos homens justos? O que é a liberdade sem a perseverança dos
homens livres? Não há valores nem virtudes sem perseverança e fidelidade!
De igual modo, sem fidelidade não há história comum, feita em conjunto.
Hoje, neste tempo fragmentado e sem vínculos, esta realidade configura-se
como um desafio para o homem e, em particular, para o cristão. Este, de
facto, sabe que o seu Deus é o Deus fiel que manifestou a sua fidelidade na
incarnação do seu Filho Jesus Cristo.
45
Para saber mais
Papa Bento XVI Carta Encíclica “Deus caritas est”
Papa Francisco Lumen Fidei
Enzo Bianchi Lessico della vita interiore (Léxico da vida interior)
Gabriella Gambino Lo straordinario potere della fedeltà coniugale (O extraordinário poder da
fidelidade conjugal)
Susanna Tamaro Per sempre, Ed. Giunti (Para sempre)
Jean-Christophe Rufin Le Collier rouge, Ed. Gallimard
VI – Desenvolvimento da reunião
Pôr em comum – Algumas pistas
Neste momento da nossa história de amor, em que medida somos
fiéis em relação ao nosso projeto inicial de casal?
Vivendo plenamente a fidelidade de casal, como conseguimos
“libertar plenamente” o “nós” que há em nós mesmos?
Partilha – Algumas pistas
Se olho para a minha história, posso dizer que o Senhor foi fiel para
comigo? Recordo-me de momentos em que tenha sentido com mais
força a sua fidelidade, sinais onde a tenha reconhecido? Ou, ao
contrário, momentos em que a tenha sentido longínqua?
Troca de impressões sobre o tema de estudo – Algumas pistas
Quem não é fiel nas pequenas coisas, também não é fiel nas grandes.
Quem “trata mal” as coisas do dia-a-dia, “trata mal” o amor. Quais
são as alegrias e as fadigas quotidianas que, como casal, vivemos no
dom recíproco?
46
VII – Oração final
47
Reunião nº 5
"…MAIS QUE VENCEDORES" – A FRAGILIDADE DO CASAL E DA FAMÍLIA
II – Apresentação do capítulo
Neste tempo em que vivemos, assistimos a um número crescente de
situações de fragilidade como se o homem vivesse sem quaisquer certezas. O
apelo do Papa Francisco para entrarmos na lógica da misericórdia sugere-nos
uma nova construção do homem que nos volta a dar a certeza do amor, ou
melhor ainda do “Amor” que nos fará superar todas as dificuldades.
Voltemos a nossa atenção para os desafios contemporâneos que influenciam
múltiplos aspetos da vida. O desenvolvimento de um individualismo
exasperado perverte os laços familiares e faz prevalecer a ideia de um sujeito
que apenas segue os seus próprios desejos, retirando a força a qualquer
relação.
“No mundo contemporâneo não faltam tendências culturais que parecem
impor uma afetividade ilimitada, da qual se deseja explorar todas as
vertentes, até as mais complexas. Com efeito, a questão da fragilidade
afetiva é de grande atualidade: uma afetividade narcisista, instável e mutável
nem sempre ajuda os protagonistas a alcançar uma maior maturidade. *…+.
Neste contexto, os casais sentem-se às vezes incertos, hesitantes e têm
dificuldade de encontrar modos para crescer. São muitos aqueles que tendem
a permanecer nas fases primárias da vida emocional e sexual. A crise do casal
desestabiliza a família e, através das separações e dos divórcios, pode chegar
a provocar sérias consequências sobre os adultos, os filhos e a sociedade,
debilitando o indivíduo e os vínculos sociais.” (Sínodo, Lineamenta 10).
A isto junta-se a crise da fé que tocou tantos católicos e é, muitas vezes, a
origem das dificuldades do matrimónio e da família.
O matrimónio enquanto “vocação” torna-se cada vez mais um “pacto” e um
“contrato” que é, portanto, cancelável. A escolha do matrimónio como
vocação ou já não é seguida (veja-se o número crescente de uniões de facto)
ou é adotada por hábito e por tradição, sem as devidas motivações.
49
É sobretudo neste terreno que a Igreja tem de trabalhar. O Sínodo, para além
das questões específicas e das eventuais modificações disciplinares, exorta-
nos a aprofundar a vontade de escolher o sacramento do matrimónio que
requer uma adesão plena do coração. Coração esse que saberá ajudar-nos na
reconciliação e na procura de uma vida nova depois dos erros.
Procuremos ver na nossa fragilidade pessoal, de casal e de Igreja uma ocasião
para mudar de vida (conversão) porque é sobre ela que Deus constrói a
santidade.
50
A CARIDADE é sentar-se ao lado de alguém e fazê-lo saber que “estou
aqui”
A CARIDADE é aproximar-se do outro num silêncio que acolhe e não
julga, que sabe escutar
A CARIDADE é distanciar-se dos preconceitos e abrir o coração, mesmo
que seja um coração ferido
A CARIDADE é perdoar. Perdoar antes de mais a si mesmo”
(Anna)
51
Para saber mais
Filme «A Separação» de Asghar Farhadi 2011
«À prova de fogo» de Alex Kendrick 2008
«Casomai» de Alessandro D’Alatri 2002
Livro Peccatori amati – Il cammino umano tra famiglia e valori – Anna Bissi.
IV – Reflexão
“A família, comunidade humana fundamental, na atual crise
cultural e social, sofre dolorosamente por causa da sua
debilitação e fragilidade. De igual modo, demonstra que
pode encontrar em si mesma a coragem para fazer face à
insuficiência e à carência das instituições em relação à
formação da pessoa, à qualidade do vínculo social e ao
cuidado dos indivíduos mais vulneráveis. Portanto, é particularmente
necessário apreciar de maneira adequada a força da família, para poder ir ao
encontro das suas fragilidades. Esta força reside essencialmente na sua
capacidade de amar e de ensinar a amar. Por mais ferida que uma família
possa estar, ela pode sempre crescer a partir do amor.” (Sínodo, Relatório
final, 10).
É a partir destas palavras de esperança que não devemos acreditar naquilo
que frequentemente ouvimos dizer, “antes era melhor” ou “já não há nada a
fazer”.
Há fragilidades dentro do casal e da família nas relações com as outras
famílias e com a sociedade.
No mundo atual encontramos uma enorme difusão da comercialização do
corpo, uma mentalidade antinatalista, práticas que levam a que a vida
humana e a parentalidade se tenham de facto tornado realidades que se
podem compor e decompor, submetidas sobretudo aos desejos das pessoas
e dos casais. Tudo isto tem profundas repercussões na dinâmica das relações,
na estrutura da vida social e nos ordenamentos jurídicos… Neste contexto, os
casais sentem-se por vezes incertos, hesitantes e têm dificuldade de
encontrar maneiras para crescer. (Sínodo, Relatório final, 32-33).
A fragilidade humana nas suas várias formas é normalmente sofrida com
resignação enquanto espaço em que se exprime o limite do homem; o
esforço será então apenas o de sair, superando o melhor possível as diversas
situações. Pelo contrário, o Papa Francisco com a sua chamada urgente à
52
misericórdia orienta para uma interpretação da fragilidade como lugar onde
se manifesta e age a força redentora de Deus, ou seja, como espaço de
salvação que põe a tónica na ação de Deus, que é realizada precisamente aí
onde o homem é vencido e experimenta a própria pobreza.
As nossas fragilidades são ou podem tornar-se importantes motores para o
nosso crescimento no amor, se reconhecidas e acolhidas com humildade,
partilhadas em casal e tornadas tema de oração.
Diante das fragilidades dentro do casal, somos favoritos na medida em que
aderimos a um método que nos ajuda a ultrapassá-las e a santificarmo-nos
através delas. Esse método consiste apenas em viver do mesmo amor de
Cristo. É certo que nem tudo será fácil, levará muito tempo, mas a alegria
está no caminhar juntos, ainda que arduamente. O reconhecermo-nos frágeis
é o primeiro passo para poder pedir e aceitar a ajuda do outro; muda a
perspetiva com que também nós olhamos para o outro e reconhecemos que
sozinhos não chegamos lá e que precisamos sobretudo do amor de Deus.
“O Padre Caffarel parece por vezes estar a um nível de ideal, mas não
esquece a fragilidade humana. Ao encontrar-se com casais feridos por
diversas falhas, afirma que a esperança pode ser o fruto da reconciliação
quando a comunidade conjugal se torna penitente dentro da grande
comunidade penitente que é a Igreja, implorando a fidelidade do Senhor para
com a sua criatura, a fidelidade do Senhor que ama e salva. O perdão de Deus
encoraja ao perdão e à reconciliação dos esposos, para uma renovação do
seu amor a caminho de uma comunidade mais perfeita” (Msr. Fleischmann –
Sassone, 8.11.2004).
Na experiência moderna, o carácter individual dos sentimentos e a
inquestionável privacidade da sua interpretação, tal como a conceção do
matrimónio como um mero contrato, estão na origem da fragilidade dos
casais. Quando falha uma cláusula do contrato, deixa de fazer sentido
estarem juntos, as relações tornam-se conflituosas, cada um procura fazer
valer as suas próprias razões e até os filhos se podem tornar motivo da
discussão.
Pelo contrário, é a prática do perdão que nos mantém sempre atentos e
disponíveis para as razões do outro. Torna-nos capazes de acolher o outro e
de olhar para a pessoa e não para o vulto.
A instância fundamental da família cristã é o testemunho que coloca a vida
em família como um desafio atual, atraente, capaz de dar sentido a uma vida
humana. O matrimónio é o lugar onde a humanidade se abre a uma vida rica
53
de sentido, experiência de vida que põe em movimento a afetividade, a
responsabilidade, a consciência.
É então necessário recordar que a experiência da fragilidade se torna um
desafio para a comunidade cristã na sua capacidade de acolher e de dar
suporte. Perante as numerosas situações de separações e de divórcios temos
de nos aproximar das pessoas sem as julgar mas com amor, porque é na
proximidade que se sofre com os que sofrem e se rejubila com os que estão
alegres.
“… É muito interessante o slogan que usais: «Não um movimento de ação,
mas um movimento de pessoas ativas». É necessário definir bem o que
significa «ativos»; quer dizer que as pessoas que cultivam uma espiritualidade
e que dela dão testemunho são capazes de antecipar as situações difíceis ou
de cuidar delas.
A Igreja tem hoje, em relação ao casal, ao matrimónio e à família, a enorme
tarefa de intervir para curar, como um médico, onde não foi possível prevenir
o mal. Todavia não estamos ainda bem equipados para essa tarefa e, de
facto, o nosso esforço é o de prevenir (cursos pré-matrimoniais nas paróquias,
grupos familiares, etc.); mas quando acontece o pior ficamos bloqueados.
Neste sentido, creio que a definição de «movimento de pessoas ativas» deve
ser aprofundada, embora não saiba dizer como. Se me permitem, volto à
minha primeira inquietação: como ajudar os casais em dificuldade, em vias
de entrar ou que já entraram em crise? Penso que a função de médico vos
compete de forma particular, na medida em que tendes o dom de uma
experiência de santidade nas relações de casal e podeis, portanto, intervir de
tantas formas para cuidar de relações doentes. Não pretendo com isto pré-
definir o vosso tipo de ações; convido-vos sobretudo a que se questionem
sobre o modo como a vossa identidade é chamada a reagir em relação à crise
maciça do mundo contemporâneo. Creio que será necessário que sejam
inovadores e criativos para poder dar à Igreja, sem perder a vossa identidade,
uma linguagem capaz de enfrentar a crise, com a benevolência atenta do
médico e da misericórdia de Deus” (Card. Carlo Maria Martini – Discurso às
Equipas de Nossa Senhora, 1998).
«Em segundo lugar convido os casais, fortalecidos pelo encontro em equipa,
ao compromisso missionário. *…+ Sem dúvida, já sois missionários mediante a
irradiação da vossa vida de família em relação aos vossos âmbitos de
amizade e de relações, e também além. Com efeito, uma família feliz,
equilibrada, habitada pela presença de Deus fala por si mesma do amor de
Deus por todos os homens. Mas convido-vos também a comprometer-vos, se
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for possível, de modo cada vez mais concreto e com criatividade sempre
renovada, nas atividades que podem ser organizadas para acolher, formar e
acompanhar na fé particularmente os jovens casais, antes e depois do
matrimónio.
Exorto-vos também a continuar a estar próximos das famílias feridas, que
hoje são tão numerosas, devido à falta de trabalho, à pobreza, a um
problema de saúde, a um luto, à preocupação causada por uma criança, ao
desequilíbrio provocado por uma distância ou uma ausência, a um clima de
violência. Devemos ter a coragem de entrar em contacto com estas famílias,
de modo discreto mas generoso, material, humana ou espiritualmente, nas
circunstâncias em que são vulneráveis.
Por fim, não posso deixar de encorajar os casais das Equipes de Nossa
Senhora a serem instrumentos da misericórdia de Cristo e da Igreja para com
as pessoas cujo matrimónio fracassou. Nunca esqueçais que a vossa
fidelidade conjugal é um dom de Deus, e que todos nós recebemos
misericórdia. Um casal unido e feliz pode compreender melhor do que
qualquer outro, a partir de dentro, a ferida e o sofrimento que causam um
abandono, uma traição, uma falência do amor. Por conseguinte, é necessário
que possais contribuir com o vosso testemunho e a vossa experiência para
ajudar as comunidades cristãs a discernir as situações concretas destas
pessoas, a acolhê-las com as suas feridas e a ajudá-las a caminhar na fé e na
verdade, sob o olhar de Cristo Bom Pastor, para participar de maneira
apropriada na vida da Igreja.” (Discurso do Papa Francisco aos Responsáveis
Regionais das Equipas de Nossa Senhora de todo o mundo – 10 de setembro
de 2015).
Isto deveria servir de incitamento a procurar as formas de ir ao encontro dos
muitos casais/famílias que vivem juntos ou apenas unidos civilmente para
lhes poder levar também a Boa Nova do Matrimónio. Procurando colher o
bem que certamente também está presente nessas relações e para lhes dizer
com a nossa vida que há um bem maior que nos/os espera.
Vêm por vezes ao nosso conhecimento as situações difíceis de casais porque,
cada vez mais frequentemente, afetam as nossas famílias e também
equipistas. É necessário que tenhamos a coragem de procurar as
modalidades de intervenção adequadas, que deveriam ser ligeiras como o
sopro do Espírito, profundas na caridade e atentas à pessoa.
VI – Desenvolvimento da reunião
Pôr em comum – Algumas pistas
Que experiências já vivemos de amigos divorciados, separados?
Que atitude tomamos diante dos filhos que começam uma vida em
comum ou se unem apenas civilmente?
Partilha – Algumas pistas
Qual a Palavra que trouxe alívio e misericórdia ao nosso coração?
Que experiências espirituais empreendemos para acolher e para nos
aproximar das fragilidades do nosso cônjuge, dos membros da nossa
equipa ou dos outros?
Troca de impressões sobre o tema de estudo – Algumas pistas
Já compreendemos a beleza e a necessidade da missão que Deus nos
confiou? E como pensamos pô-la em prática na nossa vida de casal?
Ao experimentar a ajuda de Deus, dos membros da nossa equipa ou
de outros que nos são próximos nos momentos difíceis, como
podemos também nós ficar ao lado dos que sofrem as dificuldades
da família?
56
VII – Oração final
57
Reunião nº 6
58
Meditemos e reflitamos em casal sobre a Palavra de Deus
II – Apresentação do capítulo
Educar para a fé é uma afirmação complexa. De facto, a etimologia das
palavras que a compõem (educar e fé) apontam para duas situações
contrastantes como sejam o movimento e a estabilidade.
Educar (movimento) vem do verbo latino e-ducere, literalmente “levar para
fora”, ou seja, libertar, fazer aparecer qualquer coisa que está escondida. A
família cristã toma a iniciativa de acolher a ideia e o compromisso não apenas
de ser a “promotora” que faz sair para fora o que há de melhor nos filhos,
mas também tem o cuidado de aconselhar, contar, transmitir o que
considera importante para o seu crescimento. É importante que se tornem
protagonistas da própria educação, compreendida de forma autónoma e
adulta, como se deixássemos o que temos para procurarmos o que somos.
Nas escrituras a fé (estabilidade) é uma atitude, uma experiência, uma
relação. A sua “solidez humana e vital” faz com que, no Antigo Testamento, a
língua hebraica, para o definir, tenha de recorrer a numerosas palavras. Em
hebraico começa por ser o verbo batach, que evoca um sentimento de
segurança, uma fundação sobre a qual se pode apoiar o pé, um sentido de
tranquilidade. Vem depois o verbo amàn, que deriva do termo utilizado para
referir a faixa utilizada pela mãe para segurar a criança junto a si. O verbo
amàn indica, portanto, adesão.
Na frase “educar para a fé” as duas situações de movimento e de
estabilidade perseguem-se entre si. Pensamos que, para unir de forma ideal a
educação e a fé, se torna necessário fazer pesquisa.
“O verdadeiro caminho da fé começa quando se descobre que nenhuma
coisa, nenhuma pessoa, nenhuma situação responde de forma definitiva à
profunda tensão que trazemos no coração” (C. Molari).
Antes de ser o lugar para a educação para a fé cristã, a família é o ambiente
natural onde se faz a primeira experiência de confiança: cada criança recém-
nascida abandona-se instintivamente à sua mãe. Pode dizer-se que acredita
na mãe e que tem mesmo necessidade de o fazer para sobreviver. Também a
mulher, no seu sentimento maternal, pelo facto de se sentir mãe, desenvolve
uma relação de confiança com o filho. E até mesmo o homem crê na mulher
que fez dele pai e crê no seu filho.
59
A família, enquanto igreja doméstica, torna real a fé no seu quotidiano
porque é composta por pessoas que creem umas nas outras.
Esta confiança fundamental, que se vive nas relações familiares, torna-se o
“húmus” da educação para a fé cristã. A intervenção educativa já não é
referenciável à ação de uma única pessoa, mas sim à interação de pessoas
que trabalham em rede segundo uma lógica de verdadeira colaboração (pai,
mãe, pároco, professores). A educação para a fé passa, portanto, através de
numerosas estruturas relacionais, na medida em que é sempre relacional e
se realiza nas relações interpessoais.
…Em minha casa a religião não tinha nenhum carácter solene: limitávamo-
nos a recitar todos os dias a oração da noite todos juntos. Há, porém, um
aspeto particular que recordo bem e do qual me lembrarei sempre enquanto
viver: as orações eram entoadas pela minha irmã e porque, para nós crianças,
eram muito longas, acontecia muitas vezes que a nossa “diaconisa”
acelerasse o ritmo e se enganasse saltando as palavras, até que o meu pai
interviesse intimando-a a recomeçar desde o princípio.
60
Aprendi então que com Deus é preciso falar devagar, com seriedade e com
delicadeza. Permanece também vivamente gravada na minha memória a
posição do meu pai nesses momentos de oração. Voltava cansado do
trabalho no campo e depois do jantar ajoelhava-se no chão, apoiava os
cotovelos numa cadeira e a cabeça sobre as mãos, sem olhar para nós, sem
fazer um movimento, nem dar o mínimo sinal de impaciência.
Pensava então: o meu pai, que é tão forte, que governa a casa, que conduz os
bois, que não se verga diante do prefeito, diante dos ricos e dos homens
maus… diante de Deus torna-se como uma criança. Como ele muda quando
começa a falar com Ele! Deus deve ser muito grande se o meu pai se põe de
joelhos diante dele! Mas deve ser também muito bom se podemos falar com
ele sem ter de mudar de roupa. Pelo contrário, nunca via a minha mãe
ajoelhada. Estava demasiado cansada à noite para o fazer. Sentava-se no
meio de nós, tendo nos braços o mais pequeno… Também recitava as orações
do princípio até ao fim e não parava um instante de olhar par nós, um depois
do outro, fixando um olhar mais longo sobre os mais pequenos. Não
pronunciava uma palavra nem quando os mais pequenos a importunavam,
mesmo quando a trovoada se enfurecia por cima da nossa casa ou o gato
provocava quaisquer infortúnios. E eu pensava: Deus deve ser muito simples,
se podemos falar com ele com uma criança nos braços e com o avental
vestido. Deve ser também uma pessoa muito importante se a minha mãe
quando fala com ele não presta atenção nem ao gato nem à trovoada! As
mãos do meu pai e os lábios da minha mãe ensinaram-me coisas importantes
sobre Deus!
(P. Duval – texto citado em “Ao Serviço da Palavra”, outubro-novembro 1998)
IV – Reflexão
Em relação à educação dos filhos, o Papa Francisco
exprime-se assim:
61
…uma característica essencial da família, ou seja, a sua vocação natural é a
de educar os filhos a fim de que cresçam na responsabilidade por si mesmos e
pelo próximo. O que ouvimos do apóstolo Paulo, no início, é muito bonito:
«Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, porque isto agrada ao Senhor.
Pais, não irriteis os vossos filhos, para que eles não desanimem» (Cl 3, 20-21).
…Por isso, a relação entre pais e filhos deve ser sábia, profundamente
equilibrada. …Para os pais que só se encontram com os filhos à noite, quando
voltam para casa do trabalho cansados e com pouca paciência é difícil
educar. É ainda mais difícil quando os pais estão separados e os filhos são
tomados como reféns das feridas dos outros: é difícil mas não é impossível.
Por amor é possível. Porque, se é verdade que não há pais perfeitos, há
“erros” que apenas aos pais é permitido cometer porque os podem
compensar de formas impossíveis a quaisquer outros. Muitos pais ficam
incomodados com as novas exigências dos filhos e ficam como que
paralisados perante este receio de se enganarem, inventam imensas
palavras, diálogos atrás de diálogos: porém o problema não é apenas falar,
mas sim o fazê-lo de uma forma muito superficial que não conduz a um
verdadeiro encontro da mente e do coração. Questionamo-nos sobretudo em
que ponto dos seus caminhos se encontram os nossos filhos? Sabemos
verdadeiramente onde se encontram as suas almas? Queremos sabê-lo?
Estamos convencidos de que eles na realidade não esperam outra coisa? Na
base de tudo está o amor, a caridade que Deus nos concede, a qual “não é
arrogante, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda
rancor... Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Cor 13, 5-6)
(Adaptado de “Audiência Geral em 20 de maio de 2015”)
As palavras do Papa provocam uma grande esperança no homem que
procura. É o convite a abrirem-se também ao desafio mais entusiasmante:
educar os próprios filhos para a vida da fé. Porque isso implica aceitar a
oportunidade de se pôr à procura do amor infinito, abrindo-se a todas as
ajudas possíveis ao longo do caminho do encontro cada vez mais profundo
com Deus.
Devemos aprender como Jesus educava para a fé, como ele conduzia à fé os
homens e as mulheres que encontrava nas estradas da Palestina, para nos
tornarmos nós próprios mais confiáveis no educar para a fé.
Jesus sabia não ter preconceitos, sabia criar um espaço de confiança e de
liberdade onde o outro pudesse entrar sem ter medo e sem se sentir julgado.
Nas estradas, ao longo das praias, nas casas, nas sinagogas, Jesus criava um
espaço de acolhimento entre si próprio e o outro que se aproximava dele ou
62
que o procurava; colocava-se sobretudo à escuta do outro, procurando
perceber o que lhe ia no coração, qual era a sua necessidade. Quando Jesus
encontrava o outro, encontrava-o como homem, não como pecador, ou
doente, ou pobre. Jesus cuidava do homem como um todo e procurava a fé
presente no outro porque sabia que a fé é um ato pessoal a que cada um
deve aderir em liberdade: ninguém pode acreditar em vez do outro. Através
da sua presença de homem confiável e acolhedor Jesus tornava possível a fé,
fazendo-a emergir simplesmente pelo facto de estar ali para o outro” (E.
Bianchi – La pedagogia di Gesù nell’educare alla fede).
A confiança como ato pessoal é, portanto, a chave para aceder à procura de
Deus. Acreditamos no homem que caminha na fé e é capaz de dela dar
testemunho. Não nos questionamos de onde partiu, se a sua família o apoiou
ou o obrigou, se os seus encontros foram banais ou importantes, se as suas
relações foram sólidas ou precisam de ser reforçadas. É provável que num
dado momento tenha sido Deus que o procurou.
Procurava Deus nos livros // no milagre de falar pouco de mim mesmo…// no
jardim onde se passeava um melro // nos campos onde em julho o trigo
amadurece e fica doirado // na igreja quando não havia ninguém // e de
repente chegou sem ser esperado // com o coração nas mãos // e disse //
porque me procuras // às vezes é preciso saber esperar por mim (J.
Twardowski – do livro “Affrettiamoci ad amare”, poesia, Cercavo).
O homem fica feliz pelo simples facto de ter descoberto Deus. Fê-lo feliz pela
sua proximidade e encheu-o de alegria. Tornou-o capaz de amar e, portanto,
de dar testemunho do encontro.
Educar para a fé é uma transmissão de amor. A adolescência dos filhos, o
momento dos “não”, da irritação, as situações mais absurdas parecem
interromper esta transmissão. E também nesses momentos é preciso
continuar a esperar e a amar.
“Há as noites da fé, em que parece que a semente morreu debaixo da terra
gelada do inverno. E, no entanto, Deus não dorme, não é vencido pela noite,
não é parado pelo gelo, em seu tempo acordará a semente boa. Nos
momentos em que parece que os nossos filhos se transformaram em
“extraterrestres”, é preciso estar ao lado deles não apenas com toda a
inteligência educativa, mas sobretudo com uma alma recolhida em oração e
elevada na esperança certa de que Deus ama estes “extraterrestres” muito
mais do que nós mesmos.
63
…Parar em frente ao Tabernáculo e deixar que o coração se transforme para
ver e ouvir o que Deus vê e ouve. Educar significa ter os mesmos sentimentos
que o Senhor.
E, ainda, ajudar a amar os sacramentos desde a infância, esse tesouro de
graça objetiva que nos leva à liberdade apesar de nós mesmos. Portanto,
como pais, é-nos pedido que não esqueçamos como éramos adolescentes,
com as nossas dúvidas e as nossas mentiras. Esta memória ajuda-nos a ter
um olhar de esperança sobre os jovens: tal como nós fomos retirados por
Deus para fora do vespeiro da adolescência, feridos e cheios de ligaduras mas
dali para fora, assim será para eles” (Irmã Roberta Vinerba, para a rubrica
mensal intitulada “O que os vossos filhos não dizem” do suplemento “Os
nossos pais e filhos”).
A família que acompanha os seus próprios filhos, que os escuta e não os
critica, que os educa na procura da esperança, da caridade e, depois, da fé, é
uma família que já acolhe no seu interior a atenção e a abertura para o
mundo.
“Na vida social, na política, na crise económica, há sempre um trabalho a
realizar para melhorar a situação. Gosto de ver o homem de fé como um
trabalhador inabalável. A raiz do seu empenho é o Evangelho que nele suscita
o despertar” (M. Bellett).
“Mais do que uma comunidade, a vida cristã é uma comunhão. Com a fé –
uma fé viva, entenda-se – os cristãos entram em comunhão com o
pensamento divino… com a caridade amam a Deus com o próprio coração de
Deus… A sua fé é uma paixão de conhecer – de conhecer Deus e os seus
pensamentos. Esforçam-se por manter esta fé viva e em expansão com a
meditação da Palavra divina e atentos ao que Deus lhes quer dizer nos
acontecimentos quotidianos” (H. Caffarel – Anneau d’Or, n° 56 – abril 1954).
64
V – Pistas para o Dever de se Sentar
Na nossa história de amor começámos por nos enamorar,
quer dizer, por ser pessoas que dão e recebem a fé; depois,
selámos o romance com um anel a que chamamos aliança. Ao longo de toda
a vida precisamos de ter fé, de confiar, de acreditar em alguém. E tu, em que
medida acreditas em mim?
VI – Desenvolvimento da reunião
Pôr em comum – Algumas pistas
Depois dos pais, é possível crescer sem ter confiança em alguém?
É possível começar uma história de amor, de amizade, sem ter fé no
outro?
Partilha – Algumas pistas
Partilhemos como é que estes pontos concretos de esforço entraram
na nossa vida durante este mês: “entre cristãos que se abrem uns
aos outros, a comunhão dos Santos já não é apenas um dogma no
qual se crê, mas uma experiência que se vive”.
Troca de impressões sobre o tema de estudo – Algumas pistas
É possível educar ou ser educado para a fé se a fé é um dom?
Se é possível, sobre que fundamento podemos afirmá-lo à luz do
projeto divino revelado na história?
65
Tentam mover um dedo, ainda que não seja exatamente
como o mundo gostaria.
Emoção interior, chapada de vento em cheio na cara,
amálgama de pó e de lágrimas, recordação de mar.
Quem navega não precisa de âncora, leme ou remos, nem
tampouco do medo de naufragar.
Só têm pés, mãos e olhos. Pés como asas de migrantes,
passos de povo em marcha, mãos corajosas mesmo em
sonhos, casa do pão para todos. E olhos errantes, o ouro dos
olhares como única riqueza.
Amo-te tal como és, continua a guardar os teus sonhos
loucos, a tua febre profética, a tua liberdade mantida sobre
as dunas queimadas. O vento desenraíza-te e leva-te, abre o
teu coração e dispersa as sementes, os rebentos.
Dizem-te que as raízes ainda são fracas, que há pouca
sombra; não acredites neles, os rebentos já refrescam o ar e
nas suas folhas ouves o vento do outono. Tem confiança, há
muitos anos que o inverno se transforma em primavera.
Que um suspiro profundo proteja o teu sonho, guarde a
primavera na tua alma, como uma chama que envolve uma
outra. Faz falar a cavidade mais profunda do teu coração, o
hálito dos sentimentos, de modo a que amor e alegria te
conduzam ao tesouro.
Que o Espírito desça e continue a amedrontar o coração dos
que não têm um modo de ser, mas que apenas existem.
Faz durar mais tempo o azeite na nossa candeia.
Don L. Verdi
66
Reunião nº 7
Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de
salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser
pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder
uma cidade situada sobre um monte; nem se acende a candeia para
a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e
assim alumia a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz
diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras,
glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.
II – Apresentação do capítulo
“O matrimónio não é, portanto, fruto do acaso, ou produto de forças naturais
inconscientes: é uma instituição sapiente do Criador, para realizar na
humanidade o seu desígnio de amor” (HV 8). Perante a pluralidade de
tipologias de “família” que hoje encontramos, queremos evidenciar neste
capítulo as razões que colocam o casal/esposos e a família (identificável pela
existência de uma relação pais-filhos) como a base para a construção da
sociedade.
Face ao anonimato e ao individualismo de numerosas sociedades
contemporâneas que reduzem a família a um assunto privado, queremos
reiterar que os esposos/a família são o recurso mais importante. A sociedade
globalizada encontrará um futuro sólido de civilização se, e na medida, em
que for capaz de promover uma nova cultura da família, porque é aí que,
graças ao seu carisma específico, se inicia a construção, a defesa e a
promoção do “nós” da humanidade. A dimensão “familiar” poderá ser assim
alargada à família dos povos.
A fecundidade dos esposos é explicada em três modalidades. Para começar,
há a fecundidade conjugal que se realiza na construção do próprio casal para
termos depois a fecundidade que é reconhecida desde sempre, a biológica e
parental, que se baseia na transmissão da vida e na educação dos filhos. Em
terceiro lugar, temos a fecundidade social em que somos chamados como
esposos/família a dar testemunho dos valores específicos da relação conjugal
e familiar como “o lugar nativo e o instrumento mais eficaz de humanização e
de personalização da sociedade” (FC 43).
68
a sua rebeldia: “O que vamos fazer num sítio onde não há nada, onde não
conhecemos ninguém? Vocês os dois são sempre assim: não vos basta
estarem rodeados de pessoas em vossa casa…?!” É como o sal sobre a ferida
o não aceitarmos o nosso estilo de vida… Olhámos um para o outro, Enza e
eu, duvidando se deveríamos responder, esclarecer, apresentando depois as
nossas motivações e convicções. No silêncio revimos as imagens e as emoções
ocorridas em mais de vinte anos de vida em comum. Desde o nosso noivado
sempre estivemos de acordo em reconhecer o nosso casal e depois a nossa
família como um dom recebido que devia e deve ser restituído. Demos
expressão a isto abrindo aos outros a nossa casa, o nosso tempo, a nossa
vida. Estamos conscientes de não possuir muito, mas queremos partilhar tudo
com os outros.
Para nós a Albânia foi a vizinha da casa ao lado e o início… depois foi Tiziana,
que se tornou filha de acolhimento, Khadim e os seus vistos de estadia cada
vez mais complicados, Miriam, companheira da nossa filha na procura de
uma casa com a família, Tat e o seu mundo oriental tão diferente do nosso,
os nossos pais que atingem a idade de ser outra vez filhos e filhas,… e de novo
duas semanas na terra das águias.
De regresso da Albânia, Eleonora convoca toda a família para a cozinha,
enquanto Sofia vê algumas fotos de grupos e Carla cantarola o Pai-Nosso
numa língua incompreensível, mas que nos recorda os amigos que acabámos
de deixar. “Queria pedir uma coisa – começa Eleonora, corando de forma
bem evidente e cruzando os dedos dando nós improváveis – diverti-me
imenso!!! Podemos voltar lá no próximo ano?”
(Enza e Michele, equipistas)
Conhecemos Sara, mãe solteira e sem trabalho; mora naqueles bairros dos
serviços sociais perto da nossa casa: como conseguirá ter condições para
suprir as necessidades da pequena Cristina? Mohamed e Fatima são também
nossos vizinhos: acaba de nascer mais uma criança, Karim, mas o pai perdeu
o emprego e dentro em pouco arrisca-se a perder a casa porque não paga a
renda há vários meses. A crise económica, que atinge de forma concreta a
vida de tantas pessoas e famílias, não discrimina conforme a nacionalidade.
E, infelizmente, há também Luca, um dos nossos amigos das atividades da
paróquia que perdeu o emprego, enquanto Lucia, a sua mulher, deixou o call
center durante a gravidez e agora não sabe se voltará a trabalhar porque
tem de se dedicar ao pequeno Giorgio.
Para estes nossos amigos o nascimento dos filhos é uma alegria que se
69
transformou em fonte de inquietação ou mesmo de medo quanto ao futuro.
Uma bênção? Temos-lhes dito que sim, porque a vida, quaisquer que sejam
as condições em que é acolhida, é uma bênção. Temo-lo dito juntos. Juntos, é
este o segredo: a partilha do que temos recebido. Contar e partilhar as nossas
experiências de jovens pais que nos mantém unidos e que, apesar das
dificuldades, nos fazem felizes. E enfrentamos juntos as adversidades…
Ajudamo-nos mutuamente porque vivemos a mesma condição, temos as
mesmas necessidades relativas ao cuidar dos filhos, mas sobretudo a
necessidade de relações e de fraternidades. A legislação aplicável permite
criar creches parentais? Pois bem, pusemos a nossa casa à disposição e
pedimos a Sara, a mãe solteira, e a Lucia, que tem um diploma de educadora,
para tomarem conta, para além dos seus próprios filhos, também do nosso
Marco, de Karim e de filhos dos nossos amigos. E na creche Fatima conheceu
Paola, que se tornou uma “mãe-amiga” que a apoia e a acompanha,
ajudando-a a orientar-se num mundo que ainda é estranho para ela.
Não guardámos para nós o dom de ser família, antes o partilhámos, nós e
outros, gerando assim solidariedade, amizade, fraternidade.
(Família, energia para a vida - Ação Católica de Ambroise)
IV – Reflexão
Os sociólogos sublinham que a família é a primeira célula da
socialização, isto é, o local onde se aprendem os valores, os
hábitos e os costumes da sociedade onde se vive.
Por outro lado, é sempre mais evidente um processo de
“individualização” que leva o eu a prevalecer sobre o nós e o
indivíduo sobre a sociedade com a consequente desintegração desses laços,
ainda que estáveis e duradouros.
Acreditamos que, em sociedades como as nossas, temos uma necessidade
espasmódica da família. De facto, não há um “equivalente funcional” da
família para reproduzir recursos como a reciprocidade, a confiança, o sentido
da ligação com os outros e, portanto, o sentido do bem comum. A família
pode contribuir para criar e difundir a “cultura do encontro” que o Papa
70
Francisco propõe como um “bálsamo” para curar as feridas da humanidade
contemporânea, para tornar o mundo na verdadeira casa de todos: “Se a
família está vibrante de vida, também a sociedade estará cheia de vida. E se a
família é forte, também toda a sociedade será forte” (Arcebispo V. Paglia,
Encontro Mundial das Famílias, Filadélfia, 2015).
A pessoa humana não pode ser entendida como um indivíduo isolado mas
sim como um “ser em relação”. A família é única na sua capacidade de gerar
relações. Como disse o Papa Francisco, na Assembleia do Pontifício Conselho
da Família (2013), “A família é o lugar onde se aprende a amar, o centro
natural da vida humana. É feita de rostos, de pessoas que amam, dialogam,
se sacrificam pelos outros e defendem a vida, sobretudo a mais frágil e débil.
Sem exagerar, poder-se-ia dizer que a família é o motor do mundo e da
história”. A família é pois a primeira sociedade natural, origem e fonte de
qualquer outro agregado social, tal como é desejo de Deus desde o começo
do mundo. De facto, na narração do Génesis (1, 27-28), Deus confia a Criação
ao casal.
O valor social do matrimónio e dos esposos resulta do carisma de comunhão
e de dom da vida que lhes é específico. “Da profundidade do compromisso
assumido pelos esposos que aceitam entrar numa união de vida total” (EG
66) nasce um “sujeito plural” que transcende a individualidade para criar um
“nós” que enfrenta a construção de um futuro comum. “A promoção de uma
autêntica e madura comunhão de pessoas na família torna-se a primeira e
insubstituível escola de sociabilidade, exemplo e estímulo para as mais
amplas relações comunitárias na mira do respeito, da justiça, do diálogo, do
amor” (FC 43). Assim, “a família cristã é chamada a tomar parte viva e
responsável… colocando-se ao serviço da Igreja e da sociedade no seu ser e
agir, enquanto comunidade íntima de vida e de amor” (FC 50).
Mons. Renzo Bonetti destaca quatro características para distinguir de uma
forma original a relação comunhão/amor conjugal: complementaridade,
partilha, corresponsabilidade e coexistência.
Os esposos vivem a complementaridade porque se apoiam reciprocamente
na plenitude, acolhendo as diferenças e amalgamando-as na unidade. A
complementaridade não desvaloriza a realização da própria pessoa, antes lhe
dá a solidez da reciprocidade e da relação. Esta capacidade, quando
exteriorizada, torna-se recurso para a construção de uma sociedade unida
onde cada membro se realiza nas relações com o resto da comunidade e
como antídoto ao isolamento que se vai difundindo como hábito de vida. A
71
arte de fazer comunidade permite construir uma vida social à medida do
homem onde cada pessoa é valorizada porque aceite na sua diversidade.
A partilha é verdadeiramente um estilo de vida que os esposos põem em
prática ao partilhar totalmente as suas vidas e as suas pessoas. Pode tornar-
se um estilo que se constrói ao redor da família, na Igreja e na sociedade.
Acolhendo-se recíproca e intimamente, os esposos poderão partilhar alegrias
e dores, fadigas e satisfações com os que encontram na sua vida.
A vida das famílias tem necessidade da corresponsabilidade dos esposos na
organização do quotidiano, na gestão dos filhos e dos recursos económicos.
Conscientes de que ambos cooperam para o bem do casal e da família, o
empenho no bem-estar do outro é bom para todos. Por outro lado, ao
aprender a ser corresponsáveis em casal, estão a aprender a olhar para o
bem comum da humanidade, ou seja, a habituar-se a levar os pesos uns dos
outros, a assumir uma maior responsabilidade eclesial e civil.
Por fim a última dimensão, a que talvez se destaque mais porque sintetiza
todas as outras, é a coexistência, os esponsais da alma. Realiza-se quando
interiormente se está presente um para o outro, quando se acolhe o amado
dentro de si ao ponto de, mesmo sem a sua presença física, o outro estar lá e
sentir-se a sua presença. O amor é tão forte que tu habitas em mim, arranjo
espaço para ti dentro de mim, sou um só contigo. A coexistência é também
vivida com os filhos, embora de uma maneira diferente. As nossas
comunidades civis são, infelizmente, caracterizadas por um ténue sentimento
de pertença, tal como a vida social se limita a procurar equilíbrios e
compromissos entre tantos individualismos. Testemunhar a coexistência a
quem na sociedade já não sabe o que é proximidade, estar perto, significa
aumentar a coesão das nossas sociedades.
O valor social da família exprime-se essencialmente no facto de a família ser
o santuário da vida, o local onde por excelência a existência dos seres
humanos se desenvolve, é sustentada e protegida em todas as fases da sua
história, desde a origem no ventre materno ao crescimento, ao declínio na
doença e na morte. A família é depois escola de socialização. Em família
cresce-se na responsabilidade e na liberdade, premissas indispensáveis para
se assumir qualquer compromisso na sociedade, assim como se é
testemunha do respeito e do acolhimento, do perdão e da reconciliação, da
gratuidade e da justiça, atitudes que podem humanizar as nossas sociedades.
Ser educado nestes valores e educar para os mesmos significa dar resposta às
problemáticas mais atuais da nossa sociedade, como sejam o interesse pelo
bem comum, a confiança no outro e a relação com as outras culturas.
72
Tal como sugerido pelo Papa Francisco, há três palavras que podem
contribuir para nos educar nesse sentido.
Com licença! Esta expressão ilustra uma atitude de respeito com todos os
seus ingredientes: a delicadeza, a discrição, a paciência, o acolhimento, que
expressam a capacidade de reconhecer o outro como uma realidade
preciosa. A família é o local ideal para treinarmos a nossa disponibilidade
para o respeito, sobretudo para com o mais vulneráveis (crianças, idosos,
doentes). Como diz o Papa Francisco: “O laço de fraternidade que se forma
em família, entre os filhos, quando se verifica num clima de educação para a
abertura ao próximo, é uma grande escola de liberdade e paz. Em família,
entre irmãos, aprendemos a convivência humana, como devemos conviver na
sociedade. Talvez nem sempre estejamos conscientes disto, mas é
precisamente a família que introduz a fraternidade no mundo! A partir desta
primeira experiência de fraternidade, alimentada pelos afetos e pela
educação familiar, o estilo da fraternidade irradia-se como uma promessa
sobre a sociedade inteira e sobre as relações entre os povos” (Audiência Geral
de 18 de fevereiro de 2015).
Desculpa! Exprime um pedido de perdão: quer dizer, tomar consciência de
ter enganado, ofendido, traído a confiança do outro, de ter esquecido a suas
necessidades. É este o fundamento para viver com misericórdia e
compreensão até mesmo nas relações sociais. Mas em família tem de se ir
para além do perdão porque o clima de amor requer e sustenta de facto a
reconciliação profunda que renova as relações, tornando-se fonte de uma
vida nova.
Obrigado! Requer a consciência de não se ser o centro do mundo, de deixar
espaço para o outro, de reconhecer o que fizeram outros, que talvez tenham
vivido antes de nós. A propósito, o Papa Francisco diz: “Devemos tornar-nos
intransigentes sobre a educação para a gratidão e o reconhecimento: a
dignidade da pessoa e a justiça social passam ambas por aqui. Se a vida
familiar ignorar este estilo, também a vida social o perderá. Além disso, para
o crente a gratidão encontra-se no próprio cerne da fé: o cristão que não sabe
agradecer é alguém que se esqueceu da língua de Deus” (Audiência Geral de
13 de maio de 2015). Por outro lado, “as relações entre os membros da
comunidade familiar são inspiradas e guiadas pela lei da «gratuidade» que,
respeitando e favorecendo em todos e em cada um a dignidade pessoal como
único título de valor, se torna acolhimento cordial, encontro e diálogo,
disponibilidade desinteressada, serviço generoso, solidariedade profunda” (FC
43).
73
O povo de Deus tem necessidade de, no seu dia-a-dia, caminhar na fé, no
amor e na esperança dos esposos e das famílias com todas as alegrias e as
fadigas que este percurso comporta. “Para responder plenamente à vocação
dos esposos, para orientar a fecundidade é indispensável crescer na
consciência de que cada casal faz parte de uma história humana muito maior:
a história que diz respeito a todos os homens de todas as regiões da terra,
tanto a sua história passada como a presente e a futura. Com o seu estilo
evangélico os esposos cristãos constroem a história e a sua história com a
humanidade” (Equipas de Nossa Senhora, Amor e Matrimónio, 1997). Para
realizar esta missão social é preciso ir ao encontro do mundo e “viver
simplesmente, amar-se simplesmente, mas com uma força e uma
transparência tais que o ambiente à nossa volta seja inconscientemente
atingido e haja quem diga «olha!» num mundo onde, mesmo entre os jovens,
se perde a confiança no amor, este testemunho de amor conjugal prestado
pelos casais cristãos é de altíssimo valor” (H. Caffarel).
VI – Desenvolvimento da reunião
Pôr em comum – Algumas pistas
Em que contexto social nos empenhamos, como esposos/família
cristã, com o nosso “viver simplesmente, amar-se simplesmente…”?
(mais do que com o fazer…)
74
Partilha – Algumas pistas
Confiamos a Deus a nossa dificuldade em sair da ilha feliz que é a
nossa família?
Troca de impressões sobre o tema de estudo – Algumas pistas
Estamos conscientes de que a nossa fecundidade de casal é a fonte
da fecundidade parental e social?
75
Reunião nº 8
II – Apresentação do capítulo
Este capítulo pede-nos que tenhamos em consideração algumas mudanças
na maneira de estar e de viver as relações em casal e em família.
76
Nesta reflexão, somos ajudados pelas palavras pronunciadas pelo Papa
Francisco na homília em Santa Marta no dia 23 de outubro de 2015: “Os
tempos seguem o seu curso: mudam. Os cristãos devem fazer o que Cristo
quer: avaliar os tempos e mudar com eles, mantendo-se firmes na verdade do
Evangelho. O que não é admissível é o tranquilo conformismo que, de facto,
nos faz permanecer imóveis. Deus criou-nos livres e para ter essa liberdade
devemos abrir-nos à força do Espírito e compreender bem o que se passa
dentro e fora de nós, usando o discernimento. Sentimo-nos livres para julgar
o que se passa fora de nós. Mas para julgar temos de conhecer bem o que
sucede fora de nós. Como se pode fazer isto a que a Igreja chama ‘conhecer
os sinais dos tempos’?
Este é um trabalho que normalmente não fazemos: conformamo-nos,
tranquilizamo-nos com ‘disseram-me, ouvi dizer, as pessoas dizem, eu li…’.
Assim ficamos tranquilos. Mas qual é a verdade? Qual é a mensagem que o
Senhor nos quer dar com os sinais dos tempos? Para compreender os sinais
dos tempos é necessário começar por fazer silêncio: fazer silêncio e observar.
E depois refletir dentro de nós. E rezar. Silêncio, reflexão e oração. Apenas
assim poderemos compreender os sinais dos tempos, o que Jesus nos quer
dizer.
E compreender os sinais dos tempos não é um trabalho exclusivo de uma elite
cultural. Jesus não diz “vede como fazem os universitários, vede como fazem
os doutores, vede como fazem os intelectuais…”. Jesus fala aos camponeses
que, na sua simplicidade, sabem distinguir o trigo do joio.
Os tempos mudam e nós cristãos devemos mudar continuamente. Devemos
mudar, firmes na fé em Jesus Cristo, firmes na verdade do Evangelho, mas a
nossa atitude deve mover-se continuamente de acordo com os sinais dos
tempos. Sejamos livres para o dom da liberdade que nos foi dado por Jesus
Cristo”.
Propomos-vos, com estas premissas, que reflitam e partilhem os nossos
pensamentos com alguns desafios culturais que dizem respeito à família. Em
particular, os que estão ligados às diferentes formas de compreender a
família e à sua própria evolução. Tal como pede o Papa Francisco, podemos
refletir em conjunto com uma atitude de humildade e atentos à verdade de
que o outro pode ser o portador.
Nunca, nem de longe, passou pela minha cabeça abortar porque, para mim,
T. era e é o fruto do Amor. A nossa família é agora constituída por mim e por
ela, que já tem 16 anos. Sim, a minha história dolorosa e ao mesmo tempo
maravilhosa teve início no fim dos anos noventa quando me apaixonei pela
pessoa errada… Essa relação levou, ao fim de mais ou menos um ano, a uma
gravidez que me fez feliz, mesmo quando ele me disse que devia abortar.
Como se não bastasse, tentou inclusivamente provocar um aborto com uma
relação sexual violenta.
Com o apoio psicológico da minha irmã e dos meus pais levei a gravidez a
termo. Fui acolhida na casa deles durante seis anos; depois decidi ir viver
sozinha com ela, até porque nós as duas é que éramos a verdadeira família.
Tive de enfrentar numerosos problemas económicos e de organização.
Mesmo os amigos da paróquia, superado o primeiro momento de
curiosidade, desapareceram definitivamente da minha vista. Passámos
momento duros, ela em particular quando se sentiu rejeitada pelo pai que
nunca a quis encontrar... e eu, consequentemente, a vê-la sofrer. Como se
todos estes problemas não fossem suficientes, há dez anos foi-me
diagnosticado um tumor. Quem sou eu depois deste percurso de obstáculos
cada vez mais difíceis? Sou uma mulher que teve de gerir sozinha as suas
78
escolhas mais importantes e as que são impostas pela vida. É esta a minha
vida e mesmo que alguém tenha dificuldade em acreditar nela, pelas pessoas
que tive a oportunidade de encontrar e pela minha filha maravilhosa, nunca
quereria ter vivido uma outra vida.
Embora sendo profundamente crente, devo dizer com pesar que só comecei a
viver bem e a aceitar esta situação a partir do momento em que consegui
superar o pesado sentimento de culpa que me tinha sido transmitido pela
educação religiosa; de facto, os amigos que me acolheram e aceitaram,
demonstrando misericórdia e amizade, foram apenas os que conheci no
trabalho e, portanto, fora do ambiente da paróquia onde cresci até esse
momento em que engravidei.
(Virginia)
IV – Reflexão
“A família atravessa uma crise cultural profunda, como
todas as comunidades e vínculos sociais. …O matrimónio
tende a ser visto como mera forma de gratificação
afetiva, que se pode constituir de qualquer maneira e
modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um.
Mas a contribuição indispensável do matrimónio à
sociedade supera o nível da afetividade e o das
necessidades ocasionais do casal. Como ensinam os Bispos franceses, não
provém «do sentimento amoroso, efémero por definição, mas da
profundidade do compromisso assumido pelos esposos que aceitam entrar
numa união de vida total” (EG 66).
A fragilidade das ligações é testemunhada pelo número crescente de
separações e de divórcio. Em muitos casos prefere-se evitar as ligações
matrimoniais e, de qualquer maneira, o casamento civil é em maior número
do que o religioso quando se faz a escolha. Há cada vez mais casais que
quando se vão casar já vivem maritalmente, alguns mesmo com filhos; as
separações e os divórcios, pelo menos no mundo ocidental, ultrapassam
79
mesmo os casamentos; a crise dos casais não tem idade (são muitos os casais
com muitos anos de matrimónio que decidem separar-se); a dificuldade em
ter filhos é também crescente, tendo em linha de conta que se desejam os
filhos em idades mais que avançadas.
Sem entrar em argumentações moralistas, como Igreja deste tempo “nela
devemos permanecer” e aí viver o presente e acolher esta complexidade. É
necessário viver o hoje sem lamentações nem leituras nostálgicas, derrotistas
ou, pior, diabolizantes.
A este propósito, o Santo Papa João XXIII, no discurso de abertura do Concílio
Vaticano II em 11 de outubro de 1962, utiliza palavras fortes ao confrontar
esses cristãos que apelida de “profetas da desgraça”: “No exercício
quotidiano do nosso ministério pastoral ferem nossos ouvidos sugestões de
almas, ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentido de
discrição e moderação. Nos tempos atuais, elas não veem senão
prevaricações e ruínas; vão repetindo que a nossa época, em comparação
com as passadas, foi piorando; e portam-se como quem nada aprendeu da
história, que é também mestra da vida, e como se no tempo dos Concílios
Ecuménicos precedentes tudo fosse triunfo completo da ideia e da vida cristã,
e da justa liberdade religiosa. Mas parece-nos que devemos discordar desses
profetas da desventura, que anunciam acontecimentos sempre infaustos,
como se estivesse iminente o fim do mundo. No presente momento histórico,
a Providência leva-nos para uma nova ordem de relações humanas, que, por
obra dos homens e o mais das vezes para além do que eles esperam, se
dirigem para o cumprimento de desígnios superiores e inesperados; e tudo,
mesmo as adversidades humanas, dispõe para o bem maior da Igreja”.
80
Para nós cristãos não está em discussão a validade do matrimónio, mesmo
do ponto de vista social. Quais são então as causas que impedem duas
pessoas que se amam de dar esse passo, embora considerem que a escolha
que fizeram é definitiva e entre eles não haja falta de respeito mútuo,
empenho em viver juntos, abertura à vida? Talvez um casamento anterior
falhado, talvez o receio de não terem recursos suficientes nem para suportar
as despesas da cerimónia ou a precariedade do trabalho, talvez o medo de
não serem bem-sucedidos. Poderá haver tantos motivos. Frequentemente
vemos os casais que vivem juntos entrar num processo com etapas, em que
apenas optam pelo casamento (religioso ou civil) quando, entretanto, se
consolidaram algumas condições (normalmente a chegada de um filho).
Raramente os que decidem coabitar iniciam essa relação sem antes ter
havido algum tipo de compromisso mútuo: a imagem do amor totalmente
livre, sem qualquer tipo de vínculo e apenas disponível para tirar proveito do
instante que passa é, em boa medida, um estereótipo e uma “lenda urbana”
(ainda que as relações de coabitação exprimam, a seu modo, uma tendência
para ser estáveis e duradouras), se bem que a reconstrução da ligação entre
amor e vínculo, entre emoção e compromisso, surja como uma das
necessidades mais imperiosas do nosso tempo. A geração “líquida” dos
“sapatos sem atacadores” – isto é, disposta a iniciar relações sem
compromissos – tem de reaprender a linguagem do amor que é compromisso
e não apenas emoção.
A escolha do matrimónio permite aos cônjuges beneficiar da graça recebida
com o sacramento. Isto dá-nos uma força especial para enfrentar juntos o
caminho da vida. Por que será então que tantos casais, mesmo os que se
declaram cristãos, recusam um tão grande dom? Uma primeira resposta
poderá ser a fragilidade em questões relativas à fé. É justo colocar esta
questão perante um fenómeno com esta amplitude. É importante que nos
questionemos se a graça, dom gratuito de Deus não condicionado pela
vontade do homem, não poderá de alguma forma, apenas conhecida por
Deus, chegar a cada casal que se ama, se respeita, se entreajuda, se abre à
vida.
81
situações de violência. Estas famílias vivem uma condição difícil porque
resultam de traumatismos que trazem consigo o sofrimento.
No Movimento há pessoas sozinhas que vivem a experiência da solidão.
Refiram-se em particular as viúvas. A equipa cuida delas e dá-lhes atenção
para as aliviar da dor e das feridas da separação. Em relação às outras
situações que afligem a família e que nos são “confiadas” (Papa Francisco –
discurso aos Responsáveis Regionais do Mundo em 10/09/2015), como sejam
os que vivem juntos ou os casais que resultam de novas relações, devemos
rezar para sermos capazes de discernir “os sinais dos tempos”. Mesmo em
relação a estes casos, no nosso Movimento há espaços abertos em que se
procuram formas de ajuda e de proximidade.
Vivo ou conheço situações deste tipo entre os meus parentes e entre os
meus amigos?
“Qualquer que seja a causa, quem mora com o próprio filho deve encontrar
apoio e consolação junto das outras famílias que formam a comunidade
cristã, assim como junto dos organismos pastorais paroquiais” (Relatório final
do Sínodo, 80). Como casal e como equipa, o que fazemos para apoiar o
sustento, inclusivamente o económico, destas realidades familiares?
82
Acreditamos que será possível estarmos de acordo com as afirmações que se
seguem e que podem constituir a base para uma serena troca de impressões
sobre as pessoas que têm uma orientação sexual diferente.
O Homem, o homem inteiro e todos os homens sem adjetivo, é a
expressão máxima da criatividade e do amor de Deus, é imagem de
Deus, irmão de nosso Senhor Jesus Cristo.
É difícil afirmar com certeza se a tendência homossexual é um
destino ou uma escolha. Em qualquer caso, é certo que não se trata
de uma doença.
Uma relação sexual é satisfatória na medida em que há liberdade,
respeito, o dom recíproco do corpo, completando uma união total e
exclusiva dos dois que esteja aberta à fecundidade.
Estas considerações podem ajudar-nos a afastar da nossa mente o eterno
pavor do que é diferente, que incessantemente infligiu tanto sofrimento em
todos os lugares e em todas as culturas. Até mesmo a tristeza dos
casamentos que poderíamos definir como sendo de “fachada”.
A progressiva alteração do papel da mulher na sociedade é vivida de formas
originais nas diferentes regiões do mundo. Aos participantes na reunião
plenária do Pontifício Conselho da Cultura, o Papa Francisco disse: “Há muito
tempo que foi abandonado, pelo menos nas sociedades ocidentais, o modelo
da subordinação social da mulher ao homem, um modelo secular do qual,
contudo, ainda não desapareceram completamente os efeitos negativos.
Superámos também um segundo modelo, da pura e simples igualdade,
aplicada mecanicamente, e da igualdade absoluta. Configurou-se assim um
novo paradigma, da reciprocidade na equivalência e na diferença. Por
conseguinte, a relação homem-mulher deveria reconhecer que ambos são
necessários porque possuem uma natureza idêntica, mas com modalidades
próprias. Uma é necessária à outra, e vice-versa, para que se cumpra deveras
a plenitude da pessoa”.
Entre os argumentos apresentados pelo Papa Francisco, aparece também o
tema do corpo da mulher: “O corpo feminino entre cultura e biologia,
recorda-nos a beleza e a harmonia do corpo que Deus deu à mulher, mas
também as dolorosas feridas a elas infligidas, por vezes com violência atroz,
por serem mulheres. Símbolo de vida, o corpo feminino é, infelizmente com
frequência, agredido e deturpado também por aqueles que deveriam ser os
seus guardas e companheiros de vida. Portanto, as muitas formas de
escravidão, de comercialização, de mutilação do corpo das mulheres,
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chamam-nos a trabalhar para eliminar esta forma de degradação que o
reduz a mero objeto para desbaratar nos vários mercados”.
VI – Desenvolvimento da reunião
Pôr em comum – Algumas pistas
À luz da reflexão que foi desenvolvida neste capítulo, que
experiências já vivemos de amigos que coabitam, de famílias
monoparentais, de pessoas homossexuais?
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Partilha – Algumas pistas
A palavra de Deus que nos convida a questionar os sinais dos tempos
responsabiliza-nos ou, pelo contrário, enche-nos de medo?
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Reunião de Balanço
MUROS NÃO, PONTES SIM
OS DESAFIOS PASTORAIS DA FAMÍLIA NA NOVA EVANGELIZAÇÃO
Jesus fez o dom do Evangelho para que o mundo fosse evangelizado, mas é
preciso estarmos sempre atentos aos riscos de modernizar o Evangelho! Não
nos devemos conformar à mentalidade, aos lugares comuns, aos padrões
deste mundo: isto não faz de nós juízes implacáveis porque sabemos bem
que a fragilidade do mundo começa em nós e passa por nós. Pelo contrário,
somos chamados a fazer resplandecer a alegria e a beleza da vida cristã, de
tal modo que os erros e as imperfeições do mundo se destaquem como que
em contraluz. Ao proceder assim, não queremos levantar muros, mas sim
construir praças e pontes.
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Reflexão
Para preparar a reunião de balanço podemos recuar ao longo
do caminho percorrido este ano.
Nos primeiros dois capítulos a atenção parou no “centro”: para
começar, o evangelho do matrimónio e da família, luz divina
que ilumina a experiência profundamente humana do amor entre o homem e
a mulher; seguiu-se a arte do acompanhamento, que concilia dentro de si
verdade e misericórdia. Procurámos colocarmo-nos, mais uma vez, diante da
maravilha do projeto de Deus para o amor humano para o comparar com a
visão simplesmente humana da relação entre o homem e a mulher. Ao
mesmo tempo, procurámos encontrar a presença do Senhor, mesmo nessas
experiências humanas ainda a caminho e imperfeitas, muitas vezes longe da
plenitude e, no entanto, em marcha e sustentadas pelo Espírito daquele
modo que só Deus conhece.
Podemos questionarmo-nos se o nosso pensamento, a nossa oração foram
capazes de, no desenrolar progressivo das nossas reuniões de equipa ao
longo deste ano, ler com verdade a realidade, interpretá-la com os olhos de
Deus e traduzi-la em caminhos praticáveis. Antes de mais, procurámos fazê-
lo em função da relação entre homem e mulher, da grande vocação para o
amor (Cap. 3) que é capaz de se construir, no tempo e através do tempo, no
entrelaçado de uma fidelidade sempre renovada (Cap. 4). Fidelidade que é
muitas vezes minada no nosso tempo, sobretudo nos lugares onde a
sociedade do consumo e do bem-estar também reduzem as relações mais
pessoais aos ditames do ter ou do possuir. Medimos então a amplitude do
desafio cristão e, ao mesmo tempo, o impacto negativo de uma visão secular
e pagã do casamento.
Fomos confrontados com o mistério, por vezes lancinante, da fragilidade do
casal e da família (Cap. 5). Uma fragilidade que é visível não só nas divisões e
nas falhas conjugais, mas também na fadiga e na incomunicabilidade que se
podem encontrar nos casais que ainda “resistem”. Nesse capítulo, fomos
sobretudo chamados a fazer uma leitura sábia da realidade familiar para
colher o que há de positivo depois do desaparecimento de tantas certezas e
para começar caminhos de crescimento e de consolidação em direção à
plenitude do amor cristão.
A leitura da realidade, tendo como referência principal o Evangelho e numa
perspetiva de crescimento gradual e progressivo, caracterizou também o ter
em perspetiva as duas competências “clássicas” da família: a educação para a
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fé (Cap. 6) e a educação para a sociedade (Cap. 7). Considerámos ainda
algumas dinâmicas culturais muito ativas no nosso tempo (Cap. 8). Também
aqui procurámos ler os sinais dos tempos, tendo a Palavra de Deus como
farol de luz capaz de iluminar a grandeza e a vastidão da vocação cristã, mas
ao mesmo tempo como uma pequena tocha capaz de guiar para a pequena
passagem que é concretamente possível no estreito e muitas vezes escuro
sendeiro da vida.
A beleza da vida cristã, que começa pelo casal e pela família, deve
resplandecer em todo o seu fascínio e em toda a sua capacidade de atração,
bem para lá daqueles limites e daquelas distorções que, no entanto, é
necessário denunciar. A alegria dos tempos messiânicos, o “vinho novo” do
reino que Cristo veio inaugurar, representam a plenitude da humanidade que
resume dentro de si tudo o que há de melhor na história humana, que a
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liberta das incrustações da fragilidade e do pecado e a eleva à medida última
e perfeita de Deus (este é o momento inclusivo).
Questionemo-nos:
Nas nossas reuniões de equipa deixámo-nos guiar por
este método verdade-beleza-misericórdia? Nos nossos
encontros fomos capazes de valorizar sempre o lado
positivo, de julgar sem condenar, de descobrir percursos
possíveis de humanização e de crescimento para nós,
para tantas situações de fragilidade, para toda a Igreja?
O Papa Francisco exorta-nos a ser uma Igreja mais maternal:
certamente professora de uma verdade que não lhe pertence e que
recebeu como graça, mas também capaz de ser mãe que acolhe, que
acaricia, que vai à procura dos seus filhos. Temos sido capazes de nos
envolver nesta compreensão maternal do mistério da Igreja?
Não se trata apenas de mudar a forma de olhar para os problemas ou
de ler a realidade mas, muito mais, trata-se de mudar os nossos estilos
de vida, os comportamentos, as ações para que se tornem
transparentes numa Igreja que caminha lado a lado com o homem,
que procura com ele as melhores soluções e que o acompanha nas
etapas de crescimento. Neste sentido, podemos dizer que alguma
coisa mudou no casal e na equipa? Tornámo-nos um pouco mais
capazes de ser não só farol da verdade que ilumina a rota navegável,
mas também tocha que indica o sendeiro, a pequena passagem
concretamente possível? Sabemos mostrar um rosto maternal diante
de tantas situações de fragilidade, de divisão, de afastamento que
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vamos encontrando? Tornámo-nos capazes, como diz o Papa
Francisco, de fazer chegar a todos um estímulo, um incentivo, um
impulso de crescimento?
E não só para os outros, mas antes de mais para nós próprios e para a
equipa: soubemos colher e aplicar a nós mesmos a arte da itinerância,
do caminho, do crescimento gradual e progressivo, mesmo a partir das
nossas fadigas e fragilidade?
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Anexos
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INVOCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO
Que este momento sirva para ajuda e crescimento de todos. Por isso, ensinai-
nos a falar com humildade das nossas fraquezas e falhas, pedindo perdão a
todos; ajudai-nos a contar os sucessos e alegrias sem vaidade, para estímulo
e ajuda uns dos outros, dando graças a Deus.
Neste momento também queremos lembrar e pedir pelos casais que sofrem e
passam dificuldades, em especial os da nossa equipa, e que isso faça crescer a
nossa responsabilidade. Ámen.
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MÍSTICA DA PARTILHA E DOS PONTOS CONCRETOS
DE ESFORÇO
Oração Pessoal
Palavra de Deus
Oração Conjugal/Familiar
Regra de Vida
Dever de se Sentar
Retiro
As Três Atitudes
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ORAÇÃO PELA BEATIFICAÇÃO DO SERVO DE DEUS HENRI CAFFAREL
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MAGNIFICAT
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FICHA TÉCNICA
Impressão:
Propriedade e Administração:
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