Winnicott Mae Suficientemente Boa
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mãe e sem um ambiente, por esta última criado, onde possa evoluir e desenvolver
seu potencial de crescimento e amadurecimento” (Coutinho, 1997: 98).
No estudo de bebês a palavra-chave é dependência. Os bebês só começam
a ser sob certas condições e no início, como a dependência é absoluta, eles
precisam de uma mãe que esteja tão identificada com eles, que seja capaz de
atender prontamente às suas necessidades. Os bebês vêm a ser de modos
diferentes conforme as condições sejam favoráveis ou desfavoráveis. Com o
cuidado recebido da mãe a continuidade da linha da vida do bebê se mantém e ele
experiencia uma “continuidade do ser” (Winnicott, 1960). O processo de
amamentação, os espaços de tempo entre as mamadas, o tempo entre uma forma
de segurar e outra vão “construindo um registro de continuidade de um ser que é
mantido, respeitado, não invadido. Não ser invadido significa ser compreendido a
partir do que poderíamos chamar de ‘visão de mundo do bebê’, o que é possível
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Cada bebê tem seu impulso biológico para a vida, para o crescimento e
para o desenvolvimento, tanto físico quanto emocional, que incluem os processos
de maturação. De acordo com a teoria winnicottiana, este termo refere-se à
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evolução do ego e do self e inclui a história completa do id, das pulsões e das suas
vicissitudes e a história das defesas do ego relativas às pulsões (Winnicott, 1963).
O bebê é uma “organização em marcha”, cujo ímpeto para a vida, para o
crescimento e o desenvolvimento é uma parcela do próprio bebê, algo que é inato
na criança e que é impelido para a frente (Winnicott, 1985). Mas esse
desenvolvimento depende de um ambiente de facilitação, cuja característica é a
adaptação às necessidades cambiantes que se originam dos processos de
maturação. Daí a importância dos sentimentos da mãe durante a gestação, parto e
puerpério e do desenvolvimento de um estado psicológico denominado por ele de
“preocupação materna primária” , para se avaliar a qualidade do vínculo mãe-
bebê.
A “preocupação materna primária” se caracteriza como um estado de
verdadeira fusão emocional com seu bebê, em que ela é o bebê, e o bebê é ela:
Winnicott refere-se a esse estado como se fosse uma “quase doença” da mãe
(poderia ser uma doença caso não houvesse gravidez). Esta organização poderia
ser comparada a um estado de dissociação ou mesmo a uma perturbação do tipo
esquizóide, em que um aspecto da personalidade assume o controle
temporariamente. Entretanto, o autor coloca que a mãe precisa ser saudável para
entrar nesse estado e recuperar-se dele. Este é um período normal e necessário,
que capacita a mãe a se adaptar às necessidades iniciais do bebê e se identificar
com ele. Essa identificação é crucial nesse início do estabelecimento das relações
objetais. Um bebê não poderá se desenvolver se não dispuser de alguém que seja
ele mesmo, porém um ele mesmo já desenvolvido, para poder propiciar-lhe
sustento e evolução. Quando a mãe se coloca no lugar de seu bebê ela é capaz de
transformar as necessidades do bebê em comunicação. Mas, ao mesmo tempo em
que está identificada, mantém um senso próprio de subjetividade, distinta como
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pode mais facilmente aceitar e amar uma criança doente pelo que ela é, se a
própria mulher foi capaz de criar uma criança completa na fantasia, ou seja, se seu
próprio ambiente inicial, agora internalizado, foi suficientemente bom (Davis e
Wallbridge, 1982). Ele considerava importante algumas experiências pessoais da
mãe e do pai como contribuições para o padrão e a qualidade dos cuidados com
bebês. A mãe já foi um bebê um dia e ela tem essas recordações (Winnicott
acreditava que nenhuma experiência é perdida, ainda que não seja acessível à
consciência); ela também lembra de como foi cuidada e acolhida. A qualidade
das experiências da primeira infância influenciam a qualidade da função de mãe.
Portanto, a experiência de ter nascido, de ter sido um bebê e a elaboração destas
experiências na fantasia auxiliam ou prejudicam sua própria experiência como
mãe. Se o ambiente inicial da mãe é pobre, ela tem dificuldades em produzir na
fantasia uma criança viva e completa, e isto pode dificultar sua relação com o
bebê desde o começo.
Mas Winnicott não salientava somente a importância da mãe nesse estágio
inicial de vida do bebê. Para ele, para que a mãe possa exercer sua função, o pai
(e também a família) deve dar suporte e aconchego a esta, de modo que ela não
tenha qualquer preocupação e possa dedicar-se exclusivamente a seu bebê
(Winnicott, 1985). A mãe é capaz de atender às necessidades da criança se se
sente amada em sua relação com o pai da criança e com a própria família
(Winnicott, 2001).
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3.4.1. Holding
pela sua mãe e é, ao mesmo tempo, uma experiência física e uma vivência
simbólica, que significa a firmeza com que é amado e desejado como filho.
Winnicott dedicou-se mais particularmente ao holding, cujo sucesso condicionará
a seqüência. Desde o momento em que começa a linha da vida, a sustentação
confiável tem que ser uma característica do ambiente para que a linha não se
rompa. No início do desenvolvimento o cuidado com o bebê se dá em torno do
termo “segurar”. O “segurar” o bebê - pegando-o no colo com firmeza,
impedindo que caia, acalentando-o, aquecendo-o, amamentando-o, etc. – pode
resultar em circunstâncias satisfatórias e acelerar o processo de maturação. Com a
repetição desses cuidados a mãe ajuda o bebê a assentar os fundamentos de sua
capacidade de sentir-se real (Winnicott, 1999). Em termos psicológicos, a função
do “suporte” é fornecer apoio egóico, antes do estabelecimento da integração do
ego (Davis e Wallbridge, 1982). Em um artigo intitulado “Teoria do
relacionamento paterno-infantil” (1960), Winnicott (1983:48) descreve com
mais detalhes essa função da mãe:
3.4.2. Handling
(Winnicott, 1999).
preserva certa porção de ilusão, para que a criatividade do bebê possa ser vivida
integralmente. A mãe, sendo capaz de manter a ilusão, ajuda o bebê a aceitar os
momentos de desilusão gradual (principio da realidade). Nesta etapa do
desenvolvimento, a dependência absoluta está se transformando em dependência
relativa, ou seja, o bebê passa de um estado de fusão com a mãe para um estágio
de separá-la do self. A mãe já começa a diminuir o grau de sua adaptação às
necessidades do bebê. Este começa a perceber a existência de objetos e fenômenos
situados fora de seu controle onipotente. Assim, o “seio bom” já é percebido como
pertencente ao meio-ambiente, e portanto, externo ao self.
Winnicott percebeu também um padrão comum de comportamento em
bebês, que tem início por volta dos 4 meses. Ele viu que, muitas vezes, o primeiro
objeto possuído e adotado pelo bebê tem uma importância crucial e chamou a isto
de “a primeira posse não-eu”. Esse padrão vai da utilização do polegar, dedo ou
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suficientemente boa”. Mas, como ser uma “mãe suficientemente boa” para um
bebê cardiopata? O que acontece quando a mãe é privada de exercer a sua
capacidade de preocupação materna primária (no caso do diagnóstico ser precoce,
nos primeiros dias de vida do bebê, quando a mãe ainda está sob efeito dessa
“quase doença”)? Como fica a maternagem e suas funções de holding, handling e
apresentação dos objetos se, muitas vezes, a mãe tem medo de segurar o bebê
(com medo de que ele morra ou fique roxinho), está impedida de manusear seu
corpo (quando ele está internado) ou há a entrada precoce e invasiva de estranhos
(equipe médica) e aparelhos? Será que esse bebê consegue caminhar rumo à
independência? Será que a mãe recebe suporte e conforto de seu meio-ambiente
(marido, família)? Como será o desdobramento do processo de maturação desse
bebê?
Enfim, muitas perguntas aparecem neste momento e, na medida do possível
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tentarei dar conta de cada uma delas. Mas não será tarefa fácil, uma vez que estas
mães estão atravessando um momento extremamente difícil e doloroso em suas
vidas. Uma das coisas que mais me marcaram durante as leituras das obras de
Winnicott foi seu profundo respeito por cada um de seus pacientes e sua crença na
capacidade de que cada um faz o melhor que pode para sobreviver, mesmo que
pareça estranho e inadequado. E foi assim que eu fui encontrar essas mães com
seus bebês cardiopatas - consciente de que, em tais circunstâncias, “elas fazem o
melhor que podem, e não mais” (Winnicott, 1970 apud Davis e Wallbridge,
1982:117).