Fisiologia Animal Comparada
Fisiologia Animal Comparada
Fisiologia Animal Comparada
Florianópolis, 2011.
Governo Federal Projeto Gráfico Material impresso e on-line
Presidente da República Dilma Vana Rousseff Coordenação Prof. Haenz Gutierrez Quintana
Ministro de Educação Fernando Haddad Equipe Henrique Eduardo Carneiro da Cunha, Juliana
Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Chuan Lu, Laís Barbosa, Ricardo Goulart Tredezini
Brasil Celso Costa Straioto
F542 Fisiologia animal comparada / Odival Cezar Gasparotto ... [et al.]. -
Florianópolis : BIOLOGIA/EAD/UFSC, 2011.
238 p. : il.
Inclui bibliografia.
Licenciatura em Ciências Biológicas na Modalidade a Distância
do Centro de Ciências Biológicos da UFSC.
ISBN: 978-85-61485-40-5
1. Fisiologia veterinária. I. Gasparotto, Odival Cezar.
CDU : 591.1
Apresentação........................................................................................ 9
1. Energia e metabolismo.................................................................13
1.1 Introdução....................................................................................................................15
1.2 Metabolismo energético..........................................................................................15
1.3 Uso e significado das vias metabólicas anaeróbicas..........................................17
1.4 Via glicolítica básica e alternativa.......................................................................... 19
1.5 Metabolismo aeróbico............................................................................................. 21
1.6 Controle do metabolismo aeróbico e depressão metabólica......................... 23
1.7 Metabolismo aeróbico em insetos........................................................................ 24
1.8 Taxa metabólica......................................................................................................... 25
1.9 Taxa metabólica e temperatura............................................................................. 27
1.10 Taxa metabólica e massa corporal...................................................................... 28
1.11 Ingestão e digestão................................................................................................. 32
1.12 Temperatura e termorregulação.......................................................................... 35
Resumo ............................................................................................................................. 41
Referências........................................................................................................................ 43
2. Ventilação e respiração.................................................................45
2.1 Introdução................................................................................................................... 47
2.2 Respiração em animais pequenos........................................................................ 48
2.3 Respiração nos demais animais............................................................................. 49
2.4 Princípios de trocas de gases.................................................................................. 50
2.4.1 Difusão.............................................................................................................50
2.4.2 Pressão parcial dos gases............................................................................50
2.4.3 Solubilidade dos gases.................................................................................51
2.5 Comparação de ambiente: água e ar.................................................................... 53
2.5.1 Ventilação.......................................................................................................55
2.5.2 Superfícies de troca gasosa........................................................................57
2.6 Respiração em diferentes grupos animais.......................................................... 60
2.6.1 Peixes............................................................................................................... 60
2.6.2 Anfíbios...........................................................................................................63
2.6.3 Répteis............................................................................................................ 64
2.6.4 Aves................................................................................................................. 66
2.6.5 Mamíferos...................................................................................................... 68
2.6.6 Insetos..............................................................................................................71
2.7 Adaptações na ventilação....................................................................................... 73
2.7.1 Controle da ventilação . ...............................................................................73
2.7.2 Pigmentos respiratórios...............................................................................74
2.7.3 Adaptação para respiração em altitudes.................................................75
2.7.4 Adaptação para o mergulho . ....................................................................76
Resumo ............................................................................................................................. 78
Referências ....................................................................................................................... 80
3. Circulação.......................................................................................83
3.1 Introdução................................................................................................................... 85
3.2 Coração........................................................................................................................ 86
3.3 Batimento cardíaco e débito cardíaco.................................................................. 87
3.4 Oxigenação do miocárdio....................................................................................... 88
3.5 Atividade eletroquímica e contração muscular................................................. 90
3.6 Regulação do coração e estímulos externos...................................................... 94
3.7 Pressão sanguínea..................................................................................................... 94
3.8 Fluxo sanguíneo........................................................................................................ 97
3.9 Circulação em aves e mamíferos........................................................................... 98
3.9.1 Vasos sanguíneos......................................................................................... 98
3.9.2 Trocas através das paredes dos capilares..............................................102
3.9.3 Circulação durante o exercício................................................................ 103
3.10 Circulação em peixes............................................................................................104
3.11 Circulação em anfíbios......................................................................................... 107
3.12 Circulação em répteis........................................................................................... 107
3.13 Invertebrados com sistema circulatório fechado........................................... 109
3.13.1 Cefalópodes............................................................................................... 109
3.13.2 Anelídeos.................................................................................................... 109
3.13.3 Equinodermos............................................................................................110
3.14 Invertebrados com sistema circulatório aberto..............................................110
3.14.1 Crustáceos................................................................................................... 111
3.14.2 Moluscos não cefalópodes......................................................................113
3.14.3 Insetos..........................................................................................................113
3.14.4 Aracnídeos..................................................................................................114
3.14 Coagulação sanguínea..........................................................................................115
Resumo ............................................................................................................................115
Referências ......................................................................................................................117
4. Excreção e osmorregulação........................................................119
4.1 Introdução................................................................................................................. 121
4.2 Fluidos corporais e osmorregulação................................................................... 122
4.2.1 A importância dos fluidos corporais nos animais................................122
4.2.2 A relação entre os fluidos corporais........................................................123
4.2.3 Osmolaridade e balanço osmótico.........................................................124
4.2.4 Osmolaridade e pressão osmótica..........................................................125
4.2.5 Osmoconformistas e osmorreguladores...............................................126
4.3 Órgãos osmorregulatórios e excretórios........................................................... 130
4.4 Evolução do rim nos vertebrados........................................................................ 133
4.5 Os animais em seus ambientes............................................................................ 134
4.5.1 Animais de água doce................................................................................134
4.5.2 Padrões excepcionais de regulação em água doce ...........................137
4.5.3 Animais marinhos.......................................................................................137
4.5.4 Animais que enfrentam mudanças de salinidade.............................. 144
4.5.5 Animais terrestres...................................................................................... 146
4.6 Exemplos excepcionais de adaptação ao ambiente....................................... 160
Resumo............................................................................................................................. 163
Bibliografia utilizada e recomendada....................................................................... 165
5. Função endócrina........................................................................167
5.1 Introdução................................................................................................................. 169
5.2 Natureza química dos hormônios....................................................................... 171
5.3 Interações hormonais com a célula alvo .......................................................... 173
5.4 Substâncias transmissoras ................................................................................... 175
5.5 Células e Glândulas Endócrinas........................................................................... 175
5.6 Controle do sistema endócrino............................................................................ 178
5.6.1 Neuro-hipófise: controle neural sobre células neuroendócrinas......179
5.6.2 Adeno-hipófise: controle neural sobre células endócrinas................181
5.7 Resposta ao estresse............................................................................................... 181
5.8 Controle endócrino do metabolismo de nutrientes nos mamíferos ......... 186
5.8.1 Insulina: regula mudanças em curto prazo na
disponibilidade de nutrientes.................................................................. 186
5.8.2 Glucagon: trabalho conjunto com a insulina para
manter estáveis os níveis de glicose no sangue................................... 188
5.9 Controle endócrino de sal e água em vertebrados e invertebrados........... 189
5.9.1 Hormônio antidiurético (ADH) conserva água.................................... 189
5.9.2 Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona
e conservação de sódio ........................................................................... 190
5.9.3 Peptídeo natriurético atrial promove
a excreção de sódio e água ......................................................................191
5.10 Metamorfose em insetos (invertebrados)....................................................... 192
Resumo ........................................................................................................................... 198
Bibliografia recomendada........................................................................................... 199
Referências...................................................................................................................... 199
6. Função nervosa............................................................................201
6.1 Introdução.................................................................................................................203
6.2 O neurônio como unidade básica do sistema nervoso..................................204
6.3 Evolução dos sistemas nervosos na escala animal..........................................205
6.4 Princípios de organização do sistema nervoso e do cérebro.......................206
6.5 As primeiras redes nervosas................................................................................. 207
6.6 Sistema nervoso de invertebrados..................................................................... 207
6.6.1 Sistema nervoso de vermes e moluscos................................................ 208
6.6.2 Sistema nervoso de artrópodes...............................................................210
6.7 O sistema nervoso dos vertebrados................................................................... 212
6.8 Estruturas comuns do sistema nervoso de vertebrados................................ 213
Resumo............................................................................................................................. 214
Referências...................................................................................................................... 215
7. Músculo e movimento.................................................................217
7.1 Introdução................................................................................................................. 219
7.2 Movimento muscular e fibras musculares......................................................... 221
7.3 Mecanismo intracelular da contração muscular..............................................223
7.4 Problemas de dimensão e deslocamento na escala animal..........................225
7.5 Custo energético do deslocamento animal...................................................... 231
7.6 Bioeletricidade.........................................................................................................233
Resumo.............................................................................................................................235
Referências......................................................................................................................236
Autores..............................................................................................237
Apresentação
Caros(as) alunos(as),
O material que vocês têm em mãos foi elaborado com o objetivo de orientá-
los na disciplina de fisiologia comparada, com a exposição de parte do con-
teúdo que consideramos fundamental para a formação de um biólogo. Esse
conteúdo será acompanhado de material inserido no ambiente virtual de
aprendizagem (AVEA), com informações teóricas complementares, links para
páginas da rede e ambientes de treinamento e interação.
1.1 Introdução
Neste capítulo, vamos estudar os processos pelos quais a energia
é obtida dos alimentos e transformada em atividade orgânica, o
A taxa metabólica pode que permite a aquisição de mais energia, assim como as funções
ser medida em diferentes
condições, o que demanda complementares que mantêm a homeostasia. Vale ressaltar que,
uma classificação segundo sem suprimento energético, nada acontece. As vias metabólicas
o estado funcional do
organismo. Quando em
são razoavelmente compreendidas, mas podem variar entre os or-
repouso, nos referimos à taxa ganismos em função da disponibilidade de alimentos. São várias
metabólica basal, que indica
as adaptações para obter e aproveitar da forma mais eficiente a
a quantidade de energia
necessária para manter o energia, seja pela mudança das vias metabólicas ativadas ou pelas
organismo saudável, sem formas de conservação da temperatura.
responder a demandas
intensas e variáveis, como
movimentação, digestão e
outros processos. Da mesma
maneira, podemos nos referir 1.2 Metabolismo energético
à taxa metabólica de exercício,
taxa metabólica média Os organismos consomem energia para manter o que chama-
diária e assim por diante.
Também é muito importante mos de vida.
considerarmos a escala no
estudo do metabolismo. Além Qual a origem dessa energia? Vamos estudá-la!
da medida de taxa metabólica
pelo consumo de O2 de um Essa energia é derivada da quebra de moléculas ou da sua que-
animal em sua totalidade bra depois de um processo de síntese, de modo a facilitar a sua
(taxa metabólica absoluta),
podemos medir o consumo
disponibilidade para o metabolismo.
de O2 por unidade de massa
(taxa metabólica relativa), o
A energia livre para os processos fisiológicos dependerá do tipo
que nos mostra dados muito de alimento e de variáveis ambientais, determinando o que chama-
importantes, como veremos mos de taxa metabólica. Alguns processos são grandes consumi-
ao longo deste capítulo.
16 Fisiologia Animal Comparada
1 100%
(abundância com fração do nível de atmosfera presente)
Células de eucariotas
Metazoários com
Era Precambriana
esqueleto rígido
10-2 1%
Cianobactéria
Período geológico
10-3 0,1%
Estromatólitos
Ordoviciano
Carbonífero
Cambriano
Devoniano
Permiano
Jurássico
Cretáceo
Siluriano
Triássico
Era Precambriana
10-4
4600 4000 3000 2000 1000 800 600 400 200 100
Data (milhões de anos atrás)
Figura 1.1 − Níveis de oxigênio na Terra ao longo de sua história e surgimento de organismos no transcorrer do período.
(Adaptado de: WILLMER; STONE; JOHNSTON, 2004).
A concentração de O2 livre na atmosfera provavelmen- res, entre 1 bilhão e 800 milhões de anos atrás. Esse
te começou a aumentar por volta de 2,3 a 2 bilhões de aumento lento das concentrações de O2 foi favorável
anos atrás, quando os reservatórios oceânicos e mine- ao desenvolvimento dos seres aeróbicos a partir dos
rais foram preenchidos. Concentrações de O2 superio- anaeróbicos, visto que o O2 deveria ser extremamente
res a 1% da sua concentração atmosférica atual (20%) tóxico para aqueles organismos. Estratégias antioxi-
foram atingidas apenas depois do desenvolvimento dantes se desenvolveram de forma cada vez mais efi-
dos eucariontes e das primeiras plantas multicelula- ciente, possibilitando a vida em meio rico em O2.
Energia e metabolismo 19
Metazoário Por ter surgido muito precocemente e por ser fonte impor-
O termo metazoário é tante de ATP e de carbono para processos anabólicos, muitos de
aplicado a todas as espécies
de animais multicelulares
seus passos estão preservados entre os metazoários. Apesar dis-
que possuam sistema so, a glicólise pode ser modificada de acordo com a circunstância
digestivo e tecidos
ambiental.
característicos, por terem
constituição celular O que ocorre quando a quantidade de O2 disponível é baixa?
diferenciada.
Teremos o desencadeamento da seguinte reação:
Termo-conformista Torpor
Termo-conformista é a denominação dada aos ani- Estado de inconsciência profundo que se instala em
mais que utilizam preferencialmente ou exclusiva- alguns animais submetidos a baixas temperaturas ou
mente fontes externas de calor para a regulação de em animais aquáticos submetidos a secas prolonga-
suas temperaturas corporais, em substituição ao ter- das (em hibernação ou estivação). As alterações fisio-
mo ectotérmico. lógicas e comportamentais profundas poupam ener-
gia até que as condições ambientais possibilitem aqui-
Hibernação
sição de fontes energéticas ou de água.
Estado de sonolência e inatividade acompanhado de
diminuição da taxa metabólica, denominado de letar-
Estivação
gia, que pode ser observado em alguns animais endo- Também chamada de dormência ou quiescência, é
térmicos que habitam áreas temperadas e árticas. acompanhada de diminuição do metabolismo e le-
targia, e ocorre em endotérmicos dos desertos ou re-
giões tropicais, submetidos a condições de calor seco
em excesso.
Caracol
0 5 10 15 20 25 30 35
Temperatura ambiente (ºC)
1.0
0.5
0 5 10 15 20 25 30 35
Elefantes
4000
Taxa metabólica basal (kJh-1)
Rinocerontes
3000
Figura 1.4 − Plotagem
Cavalos em escala linear da taxa
2000 metabólica com a massa
corporal, resultando na
Vacas
demonstração da taxa
1000
metabólica absoluta
Humanos de diferentes animais.
(Adaptado de: WILLMER;
0 1000 2000 3000 4000 5000 STONE; JOHNSTON,
Massa corporal (kg) 2004. p. 129).
Elefantes
100,000 Cavalos
Pôneis
Humanos Boi de corte
aç Porcos
clin
(in Macaco Carneiro
sa Gato
as Cabra
αM
1000 Coelhos Cães
Porquinho
Gansos )
da Índia (cobaia)
0 .67
Aves domésticas
Pombos ã o=
Patos aç
clin
(in
100 Canários cial
Pardais p erfi
Ratos su
ea
α Ár
Camundongos
10
0.01 0.1 1.0 10 100 1000 5000
Massa corporal (kg)
Figura 1.5 − Plotagem logarítmica da taxa metabólica absoluta com a massa de aves e mamíferos.
(Adaptado de: WILLMER; STONE; JOHNSTON, 2004. p. 130).
Mussaranho
7
Taxa metabólica específica (LO2kg-1h-1)
3
Rato da colheita
2 Rato canguru
Camundongo Humano
1 Esquilo planador Cavalo
Carneiro
Coelho Elefante
Rato Cão Vaca
0
0.01 0.1 1 10 100 1000
Massa corporal (kg)
Massa ingerida pelo animal. A taxa de ingestão não é afetada pelo tipo de dieta, e sim pela
massa corporal (Figura 1.7) e pela taxa respiratória. Assim, os
animais com taxa metabólica específica baixa ingerem alimen-
tos mais lentamente do que aqueles com taxas metabólicas espe-
cíficas altas.
34 Fisiologia Animal Comparada
x
10.000 x
x
x
x x
1000
x
x
x
100
x
Taxa de ingestão (W)
10 x
x x
x x
x
1 x x x
x
0.1
Endotermos herbívoros
0.01
x Endotermos carnívoros
Ectotermos
0.001
Figura 1.7 − Taxa de ingestão em função da massa de vertebrados. Para os ectotermos, a curva de regressão para
a taxa de ingestão é de 0,78 Mb 0,82, enquanto que para os endotermos a taxa de ingestão é apreciavelmente
maior com a curva de regressão de 10,7 Mb 0,70. (Adaptado de: WILLMER; STONE; JOHNSTON, 2004. p. 135).
Condução e convecção
A condução e a convecção são formas importantes de transfe-
rência de calor. Na condução, essa transferência ocorre entre as
moléculas em uma massa que não se desloca macroscopicamente.
Por exemplo, ao aquecermos uma panela, o calor aplicado em seu
fundo será conduzido até o seu cabo, e caso seja de metal, poderá
queimar a mão de quem o pegar. A panela e todas as suas partes
permaneceram imóveis e, no entanto, o calor foi conduzido à dis-
tância, do fundo para o cabo.
Na convecção, ocorre o deslocamento macroscópico de mas-
sa. A matéria aquecida se desloca em relação a menos aquecida,
e o calor é transferido de um local para outro. Em um dia quente,
pode se observar ondas de convecção de ar quente se elevando so-
bre o asfalto. A convecção possibilita a transferência de calor mais
rapidamente do que a condução, para uma determinada diferença
de temperatura. A convecção ocorre na matéria fluida, como nos
líquidos e nos gases.
Energia e metabolismo 39
Vento
Radiação do arbusto
Convecção
Radiação direta
dos animais
Evaporação respiratória
Radiação do chão
Condução
Figura 1.8 − Um animal e o meio ambiente trocam calor por condução, convecção, evaporação e radiação térmica, e gera
calor interno por atividade metabólica. (Adaptado de: HILL; WYSE; ANDERSON, 2008).
Evaporação
A mudança de estado líquido para o gasoso carrega grande
quantidade de calor. A evaporação da água na faixa fisiológica de
temperatura requer de 570 a 595 calorias/grama de água. O calor
requerido para a evaporação da água depende da temperatura e é
denominado calor latente de vaporização. Por esse motivo, a eva-
poração da água ao passar pelas vias aéreas e na superfície cutânea
é importante para a homeostasia térmica, como ficará mais claro
no capítulo que aborda a respiração.
40 Fisiologia Animal Comparada
Radiação térmica
A radiação térmica, como transferência de calor por radiação
eletromagnética, é o mecanismo dominante de troca de calor em
animais terrestres, embora seja muito pouco conhecido.
Todos os objetos são fontes de radiação eletromagnética, além
de refletirem as ondas emitidas por outros corpos, como o Sol, ou
pelas lâmpadas, por exemplo. As ondas eletromagnéticas emitidas
pelos corpos possuem comprimentos de onda que não são visíveis,
pelo menos pelos humanos; são ondas de infravermelho ou ondas
de calor (Figura 1.9). Alguns coelhos do deserto e os elefantes afri-
canos possuem pavilhões auditivos grandes que servem como ra-
diadores de calor sem levar à perda de água por evaporação, como
acontece com o suor e na respiração.
Sol (- 5700C)
Espectro
eletromagnético
UV visível Infravermelho
Figura 1.9 − Espectro de radiação emitida por corpos em diferentes temperaturas. Os três corpos emitem ondas com
comprimentos maiores do que 6 µm, embora não esteja mostrado. Quanto maior a temperatura do objeto, menor o
comprimento de onda que ele emite. (Adaptado de: WILLMER; STONE; JOHNSTON, 2004. p. 211).
Resumo
O tamanho corpóreo é determinante para qualquer análise fi-
siológica, incluindo os mecanismos de obtenção de alimentos e as
trocas de energia com o meio ambiente.
Os organismos consomem energia para se manterem vivos.
Essa energia é derivada da quebra de moléculas, ou da sua quebra
depois de um processo de síntese, de modo a facilitar a sua dispo-
nibilidade para o metabolismo energético. A energia livre para os
processos fisiológicos dependerá do tipo de alimento e de variáveis
ambientais, determinando o que chamamos de taxa metabólica.
São várias as adaptações que ocorrem para obter e aproveitar da
forma mais eficiente a energia. As vias metabólicas acionadas po-
dem mudar e as formas de conservação da temperatura também.
Alguns processos são grandes consumidores de energia, en-
tre os quais temos o “turnover” de proteínas, as bombas de Na+
e K+, a atividade da miosina ATPase na contração muscular e a
gliconeogênese.
As vias metabólicas aeróbicas se desenvolveram mais recen-
temente ao longo do tempo geológico, na medida em que a PO2
atmosférica aumentou, e possibilitaram a evolução de seres di-
versos e maiores.
O “turnover” do ATP é mais elevado nas fibras musculares e va-
ria em função da massa corporal, sendo mais intenso nos animais
de porte menor, que possuem uma taxa metabólica maior.
A maior parte dos animais tem nas vias anaeróbicas um meio
de manter a sua provisão de energia. Todavia, os subprodutos des-
42 Fisiologia Animal Comparada
Referências
HILL, R.W.; WYSE, G. A.; ANDERSON, M. A. Animal
physiology. 2. ed. Sinauer Associates, 2008.
SCHMIDT-NIELSEN, K. Fisiologia animal: adaptação e meio
ambiente. 5. ed. São Paulo: Santos Ed., 2002.
WILLMER, P.; STONE, G.; JOHNSTON, I. Environmental
physiology of animals. 2. ed. Wiley-Blackwell, 2004.
c a p í t u lo 2
c a p í t u lo 2
Ventilação e respiração
Neste capítulo, nosso objetivo é analisar os mecanismos de
ventilação e as diferentes estratégias de trocas gasosas encon-
tradas nos grupos animais, que permitem a sobrevivência
nos diversos hábitats e a capacidade de executar comporta-
mentos em ambientes extremos, como o voo em grandes alti-
tudes e o mergulho em grandes profundidades.
Ventilação e respiração 47
2.1 Introdução
Ao compararmos um tubarão com um golfinho, observamos
que, apesar de pertencerem a grupos de vertebrados diferentes,
eles possuem diversas adaptações morfológicas similares, que os
permitem ter sucesso no ambiente aquático, por exemplo, o corpo
fusiforme. Entretanto, há uma grande diferença entre esses dois
animais. Enquanto o tubarão sobrevive totalmente submerso na
água, o golfinho precisa ir até a superfície para respirar.
Por que essa diferença ocorre? Por que um peixe não sobrevive
fora da água, mesmo que o ar tenha muito mais oxigênio disponí-
vel do que a água? E por que o golfinho, mesmo vivendo na água,
respira o ar e não sobreviveria se inalasse água?
Por exemplo, caso água sem oxigênio for colocada em contato com
o ar, que possui uma pressão parcial de oxigênio de 0,21 atm, a
pressão parcial do oxigênio da água entrará em equilíbrio com o ar
e passará a ser de 0,21 atm. Entretanto, apesar de a pressão parcial
de oxigênio ser a mesma na água e no ar, a concentração de oxigê-
nio na água será diferente da concentração de oxigênio no ar.
2.5.1 Ventilação
Respiração externa é o processo pelo qual o O2 é transportado
do meio externo até a membrana de troca gasosa e o CO2 é trans-
portado para fora da membrana, em direção ao ambiente externo.
A respiração externa pode ocorrer por difusão ou através de
correntes de convecção. Ventilação é o processo biológico que
Convecção é o processo
gera a convecção durante a respiração.
físico de transporte de um
fluido, no caso um gás, A ventilação de pulmões, brânquias e outras estruturas de tro-
por grandes distâncias, se
comparado a distâncias cas gasosas pode ser ativa ou passiva. Na ventilação passiva, cor-
percorridas pela difusão. rentes do próprio meio induzem um fluxo na membrana de troca
de gás. A ventilação é ativa quando o animal gera a corrente de ar
ou água que flui pela estrutura respiratória, com o uso de energia
metabólica. Esse processo, em geral, ocorre através da contração
muscular, como na sucção ou pressão positiva.
A ventilação ativa pode ser unidirecional, bidirecional ou não
direcional. Na ventilação unidirecional, o meio entra em contato
com a membrana de troca gasosa apenas em uma direção, esse
tipo de ventilação ocorre na respiração de peixes. Na ventilação
bidirecional, o meio flui para a membrana e da membrana de tro-
ca através da mesma passagem, caracterizando duas direções de
movimento. Esse tipo de ventilação ocorre nos pulmões de mamí-
feros. A ventilação é não direcional se o meio flui pela membrana
de troca sem uma direção definida; esse tipo de ventilação ocorre
em animais com brânquias externas, como os girinos, que movi-
mentam as brânquias na água para ventilar esse órgão.
O oxigênio sempre atravessa a membrana de troca gasosa por
difusão. Para que isso ocorra, é necessário que a pressão parcial de
56 Fisiologia Animal Comparada
Albacora
10000
Área (cm²)
Pássaros Mamíferos
1000
Anfíbios
500 Truta arco-íris
Arraia
Cação
10
Espessura ( µm )
Arco branquial
Fluxo de água
Lamela secundária
Sangue Sangue
pobre em oxigênio rico em oxigênio
Arco
branquial
Veia
Fluxo de água
Artéria
Figura 2.8 − Sistema ventilatório em peixes. A água flui da boca para o opérculo, atra-
vessando as brânquias. O fluxo de água é oposto ao fluxo de sangue nas brânquias,
caracterizando uma troca gasosa do tipo contracorrente. Fonte: <http://borglumbio.com>.
2.6.2 Anfíbios
Quando removidas do meio aquático que as sustenta, as lamelas
secundárias das brânquias colapsam, secam e os filamentos bran-
quiais aderem uns aos outros, por isso, as brânquias não são apro-
priadas para a vida ao ar livre. Um peixe fora da água, geralmente, se
asfixia rapidamente apesar da abundância de oxigênio ao seu redor.
Assim, todos os vertebrados que respiram ar possuem pulmões.
De todos os grupos vertebrados, os anfíbios são os que melhor
misturam a respiração no ar e na água. O próprio termo anfíbio
(amphi = “ambos”; bio = “vida”) se refere ao fato de eles terem duas
formas de vida, uma adaptada à água e outra à terra. Muitos anfí-
bios se deslocam do ambiente aquático para o terrestre ao longo
de seu desenvolvimento e alguns são respiradores tanto de água
quanto de ar quando adultos.
As brânquias das larvas aquáticas de anfíbios são ventiladas atra-
vés de sua movimentação para frente e para trás na água, como ocor-
re em salamandras que possuem brânquias externas, ou a ventilação
é acompanhada de bombeamento bucal, o que ocorre em brânquias
que estão em cavidades operculares, como nos sapos e nas rãs.
Após a metamorfose, surge um par de pulmões nos anfíbios
adultos. Esses pulmões são um simples saco bem vascularizado.
As paredes internas dos pulmões de rãs e sapos são comumen-
te mais desenvolvidas, ocorrendo padrões elaborados de dobras e
septos, dando aos pulmões uma aparência de colmeia. Entretanto,
eles ainda retêm a sua estrutura básica em forma de saco.
Anfíbios pulmonados enchem seus pulmões através de pressão
bucofaringeal (Figura 2.9). Neste processo, o chão da cavidade bu-
cal é abaixado, o que diminui a pressão da cavidade bucal, fazendo
com que o ar entre nessa cavidade através das narinas ou da boca
(1). Então, quando o chão da cavidade é levantado, com a boca fe-
chada e as narinas parcialmente fechadas por válvulas, o aumento
64 Fisiologia Animal Comparada
3
Os órgãos respiratórios nos anfíbios
Brânquias, pulmões e pele são usados como órgãos de troca gasosa em anfí-
bios. Em geral, eles trabalham em conjunto na troca gasosa, mas a importân-
cia desses órgãos na ventilação dos anfíbios muda com a ontogenia e a espé-
cie do animal. Os sapos, por exemplo, começam suas vidas sem pulmões e,
nesse período, a pele e as brânquias são igualmente responsáveis pelas trocas 4
de O2 e CO2. Após a metamorfose, o pulmão passa a ser funcional e assume a
maior parte da captura de O2. Entretanto, o pulmão do sapo não elimina CO2.
Como as brânquias são perdidas na metamorfose, a pele aumenta seu papel
na eliminação de CO2. Dessa forma, em um sapo adulto, nos meses quentes,
o pulmão é responsável pela captura da maior parte de O2, e a pele é a maior
responsável pela eliminação de CO2; nos meses mais frios, a pele apresenta
maior captação de O2. 5
Rã
Salamandra
Lagarto
Parabrônquios
Brônquio
Saco Alvéolos
aéreo
Ave Mamífero
Figura 2.10 − Pulmões de anfíbios (salamandra e rã), répteis (lagarto), aves e mamíferos.
(Adaptado de: HICKMAN JR.; ROBERTS; LARSON, 2004. 846 p).
2.6.4 Aves
Mamíferos e aves possuem os pulmões mais complexos de todos
os animais. Seus pulmões evoluíram independentemente e funcio-
nam através de princípios diferentes. O sistema respiratório das
aves é único entre os vertebrados atuais. As aves apresentam um
pulmão rígido que possui um fluxo contínuo de ar. A manutenção
desse fluxo de ar ocorre devido ao auxílio de estruturas respirató-
Ventilação e respiração 67
Saco cervical
Pulmão
Saco interclavicular
Saco toracocranial
Saco toracocaudal
Saco abdominal
Figura 2.11 − Sacos aéreos que compõem o sistema respiratório das aves. (Adaptado de:
SCHMIDT-NIELSEN, 2002).
Figura 2.12 − Esquema de ventilação das aves. O esquema (A) mostra o enchimento dos
sacos aéreos durante a inspiração, e o esquema (B) demonstra o esvaziamento dos sacos
aéreos durante a expiração. O fluxo de ar nos pulmões permanece durante a inspiração
e a expiração. (Adaptado de: < http://upload.wikimedia.org>).
2.6.5 Mamíferos
Traqueia
Brônquio
Pulmões
Bronquíolos
Alvéolo
Diafragma
B - Mecanismo ventilatório
A caixa torácica e o pulmão formam um sistema elástico em
mamíferos. Quando não há nenhuma força sobre esse sistema, ele
possui um volume de relaxamento. Os pulmões e o tórax estão
em seu estado relaxado após a exalação em repouso. Para sair do
volume de relaxamento, é necessário que se faça força muscular.
Em humanos, o volume de relaxamento dos pulmões, medido
como o volume de gás no pulmão durante o relaxamento, é cerca
de 2.400 mL.
Diferentemente dos outros vertebrados pulmonados, os mamí-
feros possuem um diafragma verdadeiro: uma camada de tecido
muscular e tecidos conectivos que separa completamente as cavi-
dades torácicas e abdominais. A ação do diafragma é a principal
força para a inalação nos mamíferos. A contração do diafragma
tende a achatá-lo, fazendo com que ele se direcione do tórax para o
abdome. Esse movimento aumenta o volume da cavidade torácica,
resultando na expansão dos pulmões e no influxo de ar por sucção.
Ventilação e respiração 71
Inalação Exalação
Músculos Músculos
intercostais intercostais
Costelas Pulmões
Diafragma
Contração do
diafragma Relaxamento
do diafragma
2.6.6 Insetos
No ambiente terrestre, onde a água é, em geral, um fator limi-
tante para os organismos, conciliar ventilação e equilíbrio hídrico
pode ser um grande desafio, já que as condições que favorecem a
72 Fisiologia Animal Comparada
Resumo
A ventilação é o processo de trocas gasosas que acontece nos
seres vivos, em que ocorre a absorção de oxigênio e a liberação de
dióxido de carbono. A captura e a perda de gás pelos animais ocor-
rem por difusão, e a maioria dos animais de grande porte e massa
corpórea possui órgãos especializados na troca gasosa. Esses ór-
gãos são caracterizados por apresentarem um tecido fino e pos-
suir extensivos padrões de invaginações (pulmões) ou evaginações
(brânquias), que aumentam imensamente a área de superfície para
as trocas gasosas. A área e a espessura do epitélio de troca gasosa
desempenham uma grande influência na velocidade de aquisição
de O2. A relação entre área, espessura e difusão de um determi-
nando gás é estabelecida pela Lei de Fick. De acordo com essa lei,
a velocidade do coeficiente de difusão de um gás aumenta com a
área (A) e com uma maior diferença de concentração do gás (Δc)
entre as duas membranas, e o coeficiente de difusão do gás dimi-
nui com a espessura (d).
O termo pressão parcial de gás é utilizado no estudo de gases e se
refere à fração do gás que está realmente disponível para a difusão.
No ambiente aquático, a concentração de um gás também depende
de sua solubilidade. A ventilação é o processo biológico de desloca-
mento do meio (aéreo ou aquático) até a membrana de troca. Esse
processo está relacionado com a eficiência de troca gasosa.
Os peixes adultos de maior massa corpórea ventilam através de
suas brânquias com uma ventilação unidirecional contracorrente.
A maioria utiliza a bomba de pressão bucal e a bomba de sucção
opercular para movimentar a água da boca para o opérculo, pas-
sando através das brânquias.
Ventilação e respiração 79
Referências
ALTSHULER, D. L.; DUDLEY, R. The physiology and
biomechanics of avian flight at high altitude. Integrative and
Comparative Biology, 2006.
HICKMAN JR., C. P.; ROBERTS, L. S.; LARSON, A. Princípios
integrados de zoologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2004. 846 p.
HILL, R. W.; WYSE, G. A.; ANDERSON, M. A. Animal
physiology. 2. ed. Sinauer Associates, 2008.
POUGH, F. H.; HEISER, J. B.; JANIS, C. A vida dos vertebrados.
3. ed. São Paulo: Atheneu, 2003.
SCHMIDT-NIELSEN, K. Fisiologia animal: adaptação e meio
ambiente. 5. ed. São Paulo: Santos Ed., 2002.
WILLMER, P.; STONE, G.; JOHNSTON, I. Environmental
physiology of animals. 2. ed. Wiley-Blackwell, 2004.
c a p í t u lo 3
c a p í t u lo 3
Circulação
O objetivo do capítulo é abordar os sistemas de distribui-
ção de nutrientes nos organismos macroscópicos pela circu-
lação nos vertebrados e invertebrados em seus componentes
e suas características (coração, vasos, pressão arterial), com-
parando-os nos diferentes taxa.
Circulação 85
3.1 Introdução
A circulação pode ser definida, de uma forma geral, como o
fluxo ou a convecção de um fluido corporal (sangue) através de
um sistema de vasos tubulares ou outras passagens que levam este
fluido a todas as partes do corpo. Do ponto de vista funcional, a
circulação é o fluxo do fluido impelido por pressão, que rapida-
mente transporta O2, CO2, nutrientes, resíduos orgânicos, hormô-
nios, agentes do sistema imune, calor e outros elementos.
O principal benefício da circulação é proporcionar o transporte
rápido de grande volume de massa líquida, processo que denomi-
namos de transporte por fluxo de massa. A difusão em soluções
aquosas é relativamente lenta para transportar elementos a distân-
cias maiores que 1 mm. Portanto, apenas animais muito peque-
nos, como os 80% da fauna marinha, podem depender da difusão
como seu único meio de transporte interno. O transporte convec-
Pelo deslocamento
macroscópico de matéria. tivo é muito mais rápido do que a difusão e, por isso, animais com
dimensões superiores a 1 mm geralmente dependem da circulação
do sangue para que os elementos necessários ao metabolismo che-
guem de um lugar ao outro do corpo a tempo de desempenhar sua
função adequadamente.
O sistema circulatório também é importante na termorregula-
ção, na locomoção e em comportamentos relacionados à agressão,
à dominância e ao acasalamento. A pressão sanguínea pode ter
uma função hidráulica (como esqueleto hidrostático) e participa
na formação da urina e no enrijecimento de tecidos eréteis (duran-
te o ato sexual, por exemplo).
86 Fisiologia Animal Comparada
3.2 Coração
Alguns animais possuem um coração bastante simples, com ape-
nas uma câmara, praticamente um tubo ou saco muscular; outros
possuem um coração mais desenvolvido, com quatro câmaras (os
mamíferos, por exemplo). Há animais que não possuem coração,
como os anelídeos, nos quais a circulação é baseada em contrações
peristálticas dos vasos sanguíneos; e animais que possuem cora-
ções auxiliares, para ajudar o coração principal no bombeamento
de sangue, como ocorre na base das antenas e asas dos insetos. O
tecido muscular do coração é chamado miocárdio.
O coração humano, similar ao de outros mamíferos e aves, é
bastante desenvolvido e um bom exemplo para estudo. Ele é cons-
tituído de dois átrios e dois ventrículos (átrio e ventrículo direito e
átrio e ventrículo esquerdo). O sangue é bombeado do ventrículo
esquerdo para a aorta, que se divide formando artérias responsá-
veis pelo transporte de sangue oxigenado para todo o corpo, exceto
Circulação 87
Qc = fc x Vc
Gorila
1000
Homem
Orangotango
100
Babuíno
Massa cardíaca (g)
Bugio Chimpanzé
Macaco-rhesus
10
Esquilo
Macaco
Lêmure
1
Musaranho
0,1
0,01 0,1 1 10 100 1000
Artéria Veia
coronária coronária
Miocárdio
Lúmen ventricular
Nódulo SA Nódulo AV
Legendas
Desporalizado
Não despolarizado
soma à pressão cardíaca; por isso, quando uma pessoa está em pé,
a pressão nas artérias das pernas é mais alta do que na aorta. Em
pontos acima do coração, a pressão arterial diminui à medida que
a altura aumenta (pois a coluna vertical de sangue sobre ela dimi-
nui); assim, nas artérias do pescoço e da cabeça a pressão diminui
aproximadamente 10 mmHg para cada 13 cm percorridos acima
do coração. Nas girafas, a pressão sanguínea medida na cabeça
é de aproximadamente 100 mmHg (Figura 3.4). Como a cabeça
se encontra a aproximadamente dois metros acima do coração, a
pressão hidrostática gerada pela coluna de sangue na artéria ca-
rótida é de 155 mmHg. Nesse caso, a pressão sistólica deve ser de
aproximadamente 255 mmHg. Sugere-se, porém, que o fluxo de
sangue para a cabeça seja facilitado por um sistema de sifões. Já
para as serpentes, a situação é inversa: como possuem a cabeça
no mesmo nível do coração, não é necessário que haja alta pres-
são sanguínea para que o sangue chegue à cabeça, o que, associa-
do à baixa taxa metabólica específica dos répteis, explica o fato
de grande parte das serpentes possuírem pressão sanguínea mais
baixa do que mamíferos.
100 mm Hg
255 mm Hg
50 mm Hg
120 mm Hg
Figura 3.4 − A cabeça das girafas fica a aproximadamente 2 metros acima do nível do
coração de forma que para o sangue chegar à cabeça é necessário uma alta pressão
sanguínea. Se uma pessoa fosse submetida a tamanha pressão, isso poderia ser fatal.
(Adaptado de: SCHMIDT-NIELSEN, 2002).
Circulação 97
Taxa de fluxo
Os fatores que determinam a taxa ou “velocidade” do fluido
(mL/minuto), de um extremo a outro de um tubo, são: a pressão
na entrada do tubo (Pi), a pressão na saída do tubo (Pf ), o raio do
lúmen do tubo (r), o comprimento do tubo (l) e a viscosidade do
líquido (η). A fórmula que relaciona esses fatores é chamada de
Equação de Poiseuille:
Peixe
A)
Aorta dorsal
Pele Circulação
porta renal
Pulmão Corpo
Intestino Rim
posterior
Cabeça
Coração Fígado Circulação
porta hepática
Corpo
Pulmão Intestino Rim
posterior
Circulação
Cabeça Coração porta renal
Fígado
Circulação
porta hepática
Pulmão Corpo
Intestino Rim
posterior
Cabeça Coração
Fígado Circulação
porta hepática
Figura 3.5 − Circulação em vertebrados. (Adaptado de: WILLMER; STONE; JOHNSTON, 2004).
100 Fisiologia Animal Comparada
Perda de sais
por difusão Endotélio Arteríola Capilar Vênula Veia
Figura 3.6 − Seção transversal dos vasos sanguíneos de vertebrados. Artéria (musculatura lisa + elastina + colágeno) / endotélio;
arteríola; capilar; vênula; veia. (Adaptado de: WILLMER; STONE; JOHNSTON, 2004).
Figura 3.8 − Fluxo sanguíneo no coração de crocodilianos. Durante a respiração “normal”, o sangue flui para os
pulmões e a pressão no ventrículo direito fica muito baixa para abrir a válvula que vai para as aortas. Quando
submerso, a resistência ao fluxo na artéria pulmonar aumenta o reflexo de mergulho. O sangue não consegue sair
do ventrículo direito com tanta facilidade, e a pressão no ventrículo direito também aumenta, fazendo com que a
válvula que faz a separação do ventrículo esquerdo se abra; dessa forma, o fluxo no pulmão diminui, facilitando a
administração do déficit de O2 no sistema. (Adaptado de: HILL; WYSE; ANDERSON, 2008).
Circulação 109
3.13.1 Cefalópodes
As lulas e os polvos possuem um coração principal chamado co-
ração sistêmico e dois corações ampulares acessórios mais fracos
chamados de corações branquiais. O sangue vem das brânquias,
entra no coração sistêmico e é bombeado em grandes artérias que
fazem o transporte pela circulação sistêmica. Quando volta para
a área próxima ao coração principal, o sangue é dividido em duas
partes iguais e segue para as brânquias. Na base de cada brânquia
fica um coração braquial, que bombeia sangue para os vasos bran-
quiais, passando pelos capilares e depois para o coração sistêmico.
Esse plano circulatório se assemelha ao de mamíferos, aves e al-
guns peixes que possuem os órgãos respiratórios e os tecidos sis-
têmicos em série. Além disso, as relações de pressão sanguínea e
débito cardíaco, o rápido fluxo sanguíneo e a alta resistência do
sistema também se assemelham mais às aves e aos mamíferos do
que aos outros moluscos, se adaptando à alta atividade e à taxa
metabólica específica deste grupo de moluscos, constituindo uma
exceção à grande maioria dos moluscos (e invertebrados em ge-
ral), que possuem um sistema circulatório aberto.
3.13.2 Anelídeos
Nos anelídeos, o pigmento respiratório está dissolvido no plas-
ma. A hemoglobina é o pigmento mais comum, mas alguns ani-
mais apresentam clorocruorina ou hemeritrina.
O sistema circulatório tem dois vasos longitudinais: um dorsal
(onde o sangue corre em direção anterior) e um ventral (onde o
110 Fisiologia Animal Comparada
3.13.3 Equinodermos
Os equinodermos possuem três sistemas preenchidos por flui-
do: o sistema celômico, importante no transporte de nutrientes
entre o trato digestivo e outras partes do corpo, o sangue ou siste-
ma hemal e o sistema vascular aquífero (pés ambulacrários), res-
ponsável pela locomoção, trocas de gases e quimiorrecepção. O
sistema hemal de alguns pepinos-do-mar apresenta hemoglobina,
característica importante na otimização da respiração, pois esses
animais vivem em ambientes lamacentos e deficientes em oxigê-
nio. O papel do sistema hemal, porém, ainda não é bem entendido,
pois a sua função de troca gasosa é pouco expressiva.
3.14.1 Crustáceos
Alguns crustáceos muito pequenos (o que representa a maioria
da diversidade específica desse grupo de invertebrados) e sésseis
não possuem coração e vasos sanguíneos. A circulação é feita ex-
clusivamente por seios e lacunas, e a força propulsora é produzi-
da por movimentos do corpo. Em outros crustáceos, o coração
está presente, mas bombeia sangue para espaços vazios ao invés de
artérias. Em outros existem artérias, mas elas terminam abrupta-
mente após uma pequena distância a partir do coração.
Em crustáceos adultos, o coração possui uma única câmara e
bate de forma neurogênica. Todos os vasos conectados ao coração
são artérias, o que é típico dos crustáceos. O sangue entra no cora-
ção através de fendas chamadas óstios. Quando o coração contrai,
os óstios estão fechados por tensão muscular, por ação das válvulas
ou ambos. O coração fica suspenso por ligamentos suspensórios
elásticos, e durante a contração esses ligamentos se esticam. Na
diástole, a força ocasionada pela deformação elástica dos ligamen-
tos expande o coração para o volume pré-sistólico. Essa é a força
primária para o enchimento, pois como o coração estava esticado,
a pressão do seio pericardial (cavidade onde está localizado o co-
ração) é reduzida, e o sangue é sugado através dos óstios.
Em um crustáceo, o sangue sai das artérias e cai nas redes lacu-
nares banhando as células dos tecidos. Por fim, o sangue é drenado
em seios localizados ventralmente e ao longo do animal (Figura
3.9). O sangue segue para as brânquias e ao sair delas é conduzi-
do diretamente para o seio pericardial. Assim, as brânquias estão
localizadas em série em relação ao resto da circulação, e o cora-
ção dos crustáceos é suprido diretamente com sangue oxigenado,
112 Fisiologia Animal Comparada
Glândulas antenais/verdes
Artéria ventral torácica
Artéria
segmentar
Artéria abdominal
ventral
Coração
Artérias Artérias
Seios infrabranquiais
Figura 3.9 − Circulação na lagosta: (A) o coração e as principais artérias; (B) plano circulatório com
o coração, artérias, tecidos sistêmicos, seios infrabranquiais, brânquias, seio pericardial, veias
branquiopericardiais e canais branquiais aferentes. (Adaptado de: HILL; WYSE; ANDERSON, 2008).
3.14.3 Insetos
Em geral, os insetos possuem um vaso sanguíneo pulsátil prin-
cipal ou coração tubular, localizado dorsalmente. A parte posterior
desse vaso possui aberturas para entrada de sangue (por sucção)
e funciona como um coração. A parte anterior do vaso é contrátil
e bombeia o sangue na direção anterior. O vaso sanguíneo dorsal
ramifica-se e termina na cabeça, onde o sangue se espalha para
os tecidos (Figura 3.10). À semelhança dos crustáceos decápodes,
esse coração tubular também está associado a ligamentos junto
114 Fisiologia Animal Comparada
3.14.4 Aracnídeos
O sistema circulatório dos aracnídeos é semelhante ao dos inse-
tos, mas tem uma participação maior na respiração, com órgãos res-
piratórios perfundidos por sangue, que pode conter hemocianina.
Apesar de apresentarem um vaso principal (coração) dorsal, as
aranhas possuem artérias que levam sangue às pernas, fazendo o
sangue funcionar como fluido hidrostático, uma vez que não há
músculos extensores nos membros. Nas aranhas saltadoras, a pres-
são pode chegar a 400 mmHg.
Cavidade
Asa Ampola dorsal pericárdica
Aorta Coração
Antena Ósteo
Diafragma dorsal
Pata
Diafragma ventral Espaço perineural
Cavidade perivisceral
Resumo
A circulação é o fluxo de sangue (cuja viscosidade é variada)
através de um sistema de vasos por uma bomba propulsora. Os
vasos possuem válvulas para impedir o refluxo, quase sempre con-
tendo pigmentos que auxiliam no transporte dos gases, e em um
sistema regulador de seu próprio funcionamento e da hemostasia
(coagulação). O débito cardíaco depende da frequência cardíaca e
do volume de sangue bombeado. Em alguns organismos, o mio-
cárdio é esponjoso e o sangue flui através dos espaços esponjo-
sos, suprindo o coração de O2. Em outros organismos (mamíferos,
por exemplo), o miocárdio é compacto e recebe O2 através dos
vasos coronários. Um coração é miogênico se o impulso cardíaco
116 Fisiologia Animal Comparada
Referências
HILL, R. W.; WYSE, G. A.; ANDERSON, M. A. Animal
physiology. 2. ed. Sinauer Associates, 2008.
SCHMIDT-NIELSEN, K. Fisiologia animal: adaptação e meio
ambiente. 5. ed. São Paulo: Santos Ed., 2002.
WILLMER, P.; STONE, G.; JOHNSTON, I. Environmental
physiology of animals. 2. ed. Wiley-Blackwell, 2004.
c a p í t u lo 4
c a p í t u lo 4
Excreção e osmorregulação
O objetivo deste Capítulo é mostrar a importância da ade-
quação dos mecanismos excretores, osmorreguladores e de
preservação hídrica para a manutenção dos fluidos corpo-
rais, assim como as estruturas e os mecanismos fisiológicos
envolvidos nos processos de adaptação aos ambientes terres-
tres e aquáticos salinos e dulcícolas.
Excreção e osmorregulação 121
4.1 Introdução
Parece não haver dúvidas de que as primeiras formas de vida
sugiram em ambiente marinho, a partir de registros fósseis dos
estromatólitos, concreções fossilizadas de produtos de excreção de
algas cianofíceas, com cerca de 3,8 bilhões de anos, junto ao con-
tinente australiano.
Manter um balanço de água e solutos, ou seja, equilíbrio hídrico
e ionorregulatório (ver item 4.2.2) razoavelmente constante é um
desafio homeostático para a maioria dos animais. Tanto em água
doce quanto na água do mar, e nos variados ambientes terrestres,
diferentes desafios são impostos, e os animais evoluíram diferentes
estratégias para lidar com problemas de perda ou ganho de água e
Além dos íons cloreto e sódio, solutos com o ambiente. Na água encontramos diversas substân-
as águas marinhas contêm cias dissolvidas, de sais e gases a compostos orgânicos e, cada vez
enxofre, cálcio e magnésio em
quantidades apreciáveis. mais na atualidade, os contaminantes. A água marinha contém
3,5% de sal, com pouca variação da salinidade entre as diferentes
regiões do planeta. A água doce, por outro lado, além de possuir
uma concentração muito pequena de sal, apresenta uma variabili-
dade muito grande de solutos nos diferentes habitats. A incorpo-
ração de grandes quantidades de sais de cálcio à água a torna dura,
em oposição à água denominada mole, por possuir pouco material
calcáreo incorporado. Quando a água incorpora dióxido de carbo-
no atmosférico, ou dióxido de enxofre ou óxidos nitrosos resultan-
tes da combustão de combustíveis fósseis, a consequência pode ser
a elevação da acidez (e redução do pH), fato observado nas chuvas
ácidas. Essa redução impacta de forma expressiva a vida no pla-
122 Fisiologia Animal Comparada
Aquático Terrestre
Perdas Ganhos Perdas Ganhos
Alimento
e água Água e
Glândulas Excreções alimento
de sal variadas
(ofensivas/
defensivas)
Brânquias: Transpiração
absorção integumento
Brânquias: Metabolismo
difusão ou oxidativo
secreção
Ganhos
através do
integumento Transpiração
Perdas Absorção
respiratória
através do de água
integumento líquida
Metabolismo
oxidativo Produção
de ovos ou
Absorção
gametas
de vapor
Produção Sítios de d’água
de ovos ou absorção de
gametas íons adicionais Excreção/
defecação
Rotas sujeitas a
Excreção/
controles fisológicos
defecação
Excreção e osmorregulação 125
Regulador perfeito
Água Equilíbrio osmótico
do mar interno externo
500 Hiper-/Hipo-
osmorregulador
estrito
Hiper-/Hipo-
osmorregulador
limitado
0
Osmolaridade do ambiente
Invertbrados marinhos
e elasmobrânquios
Água
do mar
Caranguejo
Osmolaridade dos fluidos coroporais (mOsm)
1000
esturiano
Figura 4.3 − Categorias gerais de respostas dos fluidos corporais de animais frente a
variações nas concentrações externas (A) e exemplos (B). (Adaptado de: Willmer; Stone;
Johnston, 2004).
128 Fisiologia Animal Comparada
Intestino
Túbulo de Malpighi
Solutos, água,
excretas
Int
est
ino
mé
dio
Solutos, Re Água,
água, to solutos
Figura 4.6 − Desenho esquemático do túbulo de Malpighi dos insetos e excretas
mecanismo de funcionamento. Os túbulos de Malpighi localizam-se na junção Ex
cre
do intestino médio e do posterior (reto). Os solutos presentes na hemolinfa tas
circundante do artrópode, principalmente o potássio, são secretados Glândula
retal
ativamente para o interior dos túbulos, seguidos pela água e pelas excretas.
Os fluidos são drenados para o reto, onde a água e os solutos são reabsorvidos
ativamente, deixando as excretas para serem eliminadas praticamente sem
perda de água (cristais de urato ou em forma de uma massa pastosa branca.
(Adaptado de: <http://ava.ead.ftc.br>. Acesso em: 10/01/2011).
Excreção e osmorregulação 133
Glomérulo
Reabsorção para o sangue
Filtração
Secreção do sangue
Túbulo Excreção
renal
Cápsula de Bowman
Figura 4.7 − Quatro funções do rim. As moléculas entram na urina primária por filtração,
para fora do glomérulo, e por secreção nos túbulos renais, a partir dos capilares
peritubulares no entorno. As moléculas que entram no filtrado podem retornar ao
sangue por reabsorção dos túbulos renais, para os capilares peritubulares (vasa recta),
ou podem ser eliminadas do corpo por excreção através do túbulo renal até o ureter
e a bexiga.
Absorção ativa
+ –
Sais e água de Na e Cl
nas fezes
Figura 4.8 − Resumo das principais vias de perda e ganho de água e sais em um animal de água
doce. (Adaptado de: HILL; WYSE; ANDERSON, 2008).
Água salgada
Alimento Alimento
Íons Água
Figura 4.9 − Teleósteos (peixes ósseos) de água doce e salgada enfrentam diferentes problemas osmóticos. Enquanto um
teleósteo de água doce é hipertônico em relação ao seu ambiente, o teleósteo marinho é hipotônico em relação à água do
mar. Para compensar a tendência de absorver água e perder íons, peixes de água doce excretam uma urina diluída, evitam
ingerir água e reabsorvem íons através dos néfrons. Para compensar a perda osmótica de água os teleósteos marinhos bebem
água salgada e eliminam por transporte ativo os íons cloreto em excesso, primeiramente através do epitélio das brânquias e,
secundariamente, pelos rins.
tro do trato. Nas porções finais do intestino, íons Na+ e Cl− são
transportados ativamente para o plasma sanguíneo, criando,
também para o plasma, condições osmóticas favoráveis à ab-
sorção de água do intestino. O problema da excreção dos íons
Na+ e Cl−, absorvidos em excesso para permitir a absorção de
água, será discutido mais adiante.
•• Urina: a urina produzida pelos teleósteos marinhos é isotônica
em relação aos fluidos corporais. Isso significa que a elimina-
ção de íons pela urina não é muito eficaz. De fato, basicamente
os íons bivalentes (Mg2+, Ca2+, ) em excesso no plasma san-
guíneo são excretados através da urina.
•• Brânquias: as brânquias são as responsáveis pela secreção
(com gasto de energia) dos principais íons, o Na+ e o Cl−, assim
como outros íons monovalentes. O Cl− é eliminado ativamente
(com gasto de energia) pelas células do epitélio branquial. O
Na+ pode ser excretado ativamente em algumas espécies, mas
também passivamente por outras, através do gradiente elétri-
140 Fisiologia Animal Comparada
Osmose através
das brânquias
Alimento
Água Salgada
Difusão através
das brânquias Glândulas retais, fezes
e urina levemente
hiposmótica
Água Íons
Figura 4.11 − Principais vias de perda e ganho de água e sais em tubarões marinhos. A
síntese adequada de uréia nesses animais exige uma dieta rica em proteínas.
Excreção e osmorregulação 143
A B
Figura 4.12 − O celacanto do gênero Latimeria (foto esquerda) e a quimera do gênero
Hydrolagus (foto direita) são considerados fósseis vivos.
40
Beija-flor
30
Na+
Cl−
H2O
Ducto
coletor
Córtex
H2O
Aminoácidos Na+ H2O
Glicose Cl−
Íons divalentes
Medula externa
H2O
Ureia
H2O
Alça de
Medula interna Henle
Figura 4.15 − Reabsorção de sais e água em rim de mamífero O transporte ativo de Na+ para fora do
túbulo proximal é seguido pela movimentação passiva de Cl− e água. A extrusão ativa de NaCl da
porção ascendente da alça de Henle cria um gradiente osmótico que permite a reabsorção de água
no ducto coletor.
154 Fisiologia Animal Comparada
Tabela 4.3 − Principais excretas nitrogenadas em vários grupos de animais − o ambiente aquático ou
terrestre é o determinante principal do tipo de produto de excreção nitrogenada
Ambiente
Animal Principal produto nitrogenado final Hábitat
embrionário
Invertebrados aquáticos Amônia Aquático Aquático
Peixes teleósteos Amônia, um pouco de ureia Aquático Aquático
Elasmobrânquios Ureia Aquático Aquático
Crocodilos Amônia, um pouco de ácido úrico Semiaquático Ovo cleidoico*
Anfíbios (larvas) Amônia Aquático Aquático
Anfíbios (adultos) Ureia Semiaquático Aquático
Mamíferos Ureia Terrestre Aquático
Tartarugas Ureia e ácido úrico Terrestre Ovo cleidoico
Insetos Ácido úrico Terrestre Ovo cleidoico
Gastrópodes terrestres Ácido úrico Terrestre Ovo cleidoico
Lagartos Ácido úrico Terrestre Ovo cleidoico
Serpentes Ácido úrico Terrestre Ovo cleidoico
Aves Ácido úrico Terrestre Ovo cleidoico
A superfície reluzente de primatas. Em insetos de água doce esses compostos podem tornar-
escamas de peixes teleósteos,
a parte interna da concha se a principal excreta, tendo maior solubilidade do que o ácido
de moluscos bivalves e a úrico. Outro produto excretório importante é a guanina responsá-
coloração iridescente das asas
de lepidópteros (borboletas
vel pela excreção de 90% do nitrogênio em aranhas; alguns peixes
e mariposas) e certos e lesmas também excretam um pouco de guanina. A trimetilase
coleópteros (besouros), assim pode ser produzida em pequena quantidade por alguns animais,
como a superfície refletora
(tapetum lucidum) existente entre eles os elasmobrânquios, para regulação osmótica do sangue.
atrás da retina de mamíferos
de hábito noturno (felinos e D) Regulação nervosa e hormonal
canídeos), são depósitos de
cristais de guanina. O processo Muitos epitélios envolvidos nos processos de osmorregulação
envolvendo esses depósitos
lembra aquele de deposição
determinam a permeabilidade a um certo íon ou água por ação
de urato na membrana hormonal, controlando a taxa de transporte de um ou mais íons ou
corio-alantoidiana, processo
modificando a direção do transporte.
chamado por alguns de “rins
por acumulação”. As mudanças de permeabilidade são mais conhecidas nos rins
dos vertebrados, onde a aldosterona aumenta a absorção de sódio
no túbulo contornado distal, enquanto o ADH, ou vasopressina,
aumenta a permeabilidade à água no ducto coletor. Mecanismos
similares operam em invertebrados; nas células dos túbulos de
Malpighi, hormônios peptídicos podem elevar a permeabilidade
a cloretos ou alterar as mudanças na absorção de água nos túbulos
menores. O controle das taxas de secreção de íons geralmente en-
volve a ativação de tecidos secretórios, principalmente através de
suas bombas iônicas ATPásicas.
A mudança na direção do transporte de íons é bem conhecida
para a absorção/secreção de NaCl no intestino de mamíferos, nas
brânquias de peixes teleósteos e no intestino de larvas de insetos.
Esses sistemas de controle individual estão quase sempre integra-
dos na forma de feedbacks múltiplos, especialmente em insetos e
mamíferos. Diversos hormônios intera-
gem para controlar a permeabilidade da
Ganho de água pele, brânquias e epitélios renais, e outro
As duas fontes de ganho de água para os animais são: conjunto de hormônios age para modu-
(1) água metabólica, do processo de respiração mito-
lar as taxas de absorção e perda de sais e a
condrial, com degradação de carboidratos, lipídios ou
proteínas, resultando em produção de dióxido de car- direção de movimento dos íons.
bono e água; e (2) ingestão de alimentos e da própria
água natural, sendo essa a principal forma de obten-
ção de água para a maioria dos animais.
160 Fisiologia Animal Comparada
A) Camelos e dromedários
Por muito tempo acreditou-se que as corcovas dos camelos e
dromedários (ver Figura 4.16 a seguir) eram locais de armaze-
namento de água. Mas, há muito se sabe que elas são na verdade
preenchidas por gordura. A gordura libera grandes quantidades
de água quando é oxidada (mais do que seu próprio peso), sendo
uma alternativa mais leve do que a água para armazenamento e
transporte por longas distâncias. Mas, a gordura na corcova não
é o principal motivo pelo qual os camelos e dromedários conse-
guem percorrer os desertos por quilômetros e semanas sem beber
água nenhuma, pois a própria respiração para obtenção de O2 para
oxidação da gordura é um processo que gasta água.
Os camelos adotam duas estratégias principais para sobrevive-
rem nos desertos por longos períodos. A primeira delas é que esses
animais possuem uma capacidade impressionante de conservar a
água em seus corpos. Uma das maneiras pelas quais fazem isso é
elevando a temperatura de seus corpos em até 6°C durante o dia
(mantendo o cérebro sempre mais frio), e reduzindo a temperatura
na mesma proporção durante a noite. Isso faz com que a diferença
de temperatura entre o corpo do animal e o ambiente seja menor,
Figura 4.16 − O camelo bactriano ou asiático (A), nativo da Ásia central, apresenta duas corcovas ou bossas (Camelus bactrianus),
e o dromedário ou camelo árabe (B) possui apenas uma corcova ou bossa (Camelus dromedarius), sendo nativo da região
nordeste da África e da porção oeste da Ásia.
Excreção e osmorregulação 161
B) Ratos-cangurus
Os ratos-cangurus (Dipodomys spp - Figura 4.17 a seguir) e al-
guns outros pequenos roedores de regiões desérticas da América
do Norte possuem a notável capacidade de viver indefinidamente
à base de alimentos secos, apesar de nunca beberem água (exce-
to as fêmeas em período reprodutivo, que necessitam ingerir água
para a produção de leite)!
Assim como os camelos, esses animais apresentam um conteú-
Figura 4.17 − Rato-canguru,
gênero Dipodomys, é um do de água semelhante aos demais mamíferos (em torno de 66%),
pequeno roedor nativo e conseguem mantê-lo apesar do ambiente e da dieta baseada em
da América do Norte com
adaptações excepcionais a grãos. Os ratos-cangurus, assim como os demais organismos, con-
ambientes xéricos. seguem manter o peso e o equilíbrio hídrico fazendo com que a
162 Fisiologia Animal Comparada
perda de água não exceda o ganho. Ou seja, a água obtida do pró- Durante pouco mais de
prio alimento e da oxidação do mesmo (água metabólica), não uma hora, quando expostos
ultrapassa a quantidade de água perdida através das fezes, urina e ao calor do deserto. Com
uma massa corpórea de
evaporação transpiratória. As fezes são excretadas muito secas e o cerca de 30 g e que perde
principal produto de excreção é a ureia. A urina é extremamente aproximadamente 13% de
sua massa em água (cerca
concentrada (cerca de 25 vezes, comparativamente ao plasma), pois de 4 ml/h), a partir de uma
esses animais apresentam uma capacidade notável de concentração hora e meia perderiam 20%
(6 ml), aproximando-se de
renal devido à extensão das alças de Henle, potencializando o me- seu limite máximo (25%).
canismo contracorrente concentrador de urina. A via mais impor- Por isso, eles têm o hábito
crepuscular, saindo de suas
tante de perda de água é a evaporação, principalmente através do tocas preferencialmente nas
trato respiratório, dependendo, portanto, da umidade relativa do ar primeiras horas do amanhecer
para a manutenção do balanço hídrico. Quando a umidade relativa e anoitecer, quando o
gradiente de temperatura é
do ar se torna inferior a 20%, o rato-canguru perde muita água por mais ameno.
evaporação, e não consegue manter o balanço hídrico. Dessa for-
ma, esses animais passam a maior parte do dia e de suas vidas em
torpor. Durante o torpor os ratos-cangurus permanecem em posi-
ção fetal, com as narinas junto aos pêlos abdominais para melhor Torpor se caracteriza como
por depressão metabólica
aproveitar a umidade do ar exalado durante a expiração, em tocas profunda, com economia de
subterrâneas, onde a umidade do ar é mais elevada do que o ar seco energia, alimento e água.
do deserto e o equilíbrio hídrico pode ser mantido.
O tamanho corpóreo, a exemplo do que já foi salientado ante-
riormente, é determinante na análise do balanço hídrico e capaci-
dade osmorregulatória.
As primeiras formas de vida surgiram no ambiente marinho.
Ao longo dos processos filogenéticos, os animais (e outras formas)
ocuparam igualmente o ambiente dulcícola e terrestre, o que acar-
retou novos desafios em termos de equilíbrio hídrico, conteúdo de
sais e formas de excreção.
Excreção e osmorregulação 163
Resumo
A vida na Terra evoluiu em estreita relação com as propriedades
e peculiaridades da água, e todas as formas de vida continuam de-
pendentes dela em diferentes níveis. Em ecossistemas aquáticos e
na maioria dos ambientes terrestres temperados e tropicais, a água
é abundante e a sua conservação dentro do corpo dos animais não
é difícil. Por outro lado, para animais osmorreguladores, manter um
equilíbrio osmótico preciso é uma tarefa constante, que pode exigir
uma significativa proporção dos esforços metabólicos de todas ou
de algumas células especializadas do corpo de um animal. A maioria
dos animais invertebrados marinhos, entretanto, é osmoconformista.
Em habitats hiposmóticos, a absorção de água em excesso deve
ser evitada, e a proporção de esforço metabólico para impedir essa
entrada de água precisa ser elevada. Em muitos habitats terrestres, o
perigo de dessecação é permanente, de forma que adaptações fisio-
lógicas, estruturais e comportamentais sofisticadas são necessárias
para prevenir perdas fatais de água corporal. Controlar o balanço de
água e íons é ainda mais essencial do que o controle da temperatura
corpórea de um animal e, juntamente com a obtenção de alimento,
é o fator mais importante para a sobrevivência de muitos animais.
As principais características de excreção e osmorregulação nos
diversos grupos animais estudados ao longo deste Capítulo podem
ser visualizadas no Quadro 4.2 a seguir.
164
Quadro 4.2 − Quadro-resumo das principais características dos grupos animais estudados quanto à excreção e osmorregulação
Concentração Concentração
Produto de
Animal Hábitat sanguínea em das excreções em Órgãos excretores Osmorregulação
excreção
relação ao meio relação ao sangue
Protonefrídios com
Platelmintos Água doce Amônia - Hipotônica Não bebem água.
células flama
Água doce ou
Anelídeos Amônia Hipertônica Hipotônica Metanefrídios Não bebem água.
terrestre
Fisiologia Animal Comparada
Túbulos de
Insetos Terrestre Ácido úrico - Hipertônica Bebem água.
Malpighi
Websites
http://ava.ead.ftc.br/conteudo/circuito1/biologia/periodo5/01-
fisiologia_animal_e_comparada/bloco1/tema2/pagina07.html
http://www.scribd.com/doc/3213579/
Licenciatura-em-Biologia-Fisiologia-Animal-Comparada
c a p í t u lo 5
c a p í t u lo 5
Função endócrina
Este capítulo tem por objetivo abordar o sistema endócrino
em suas ações de controle sobre tecidos alvos e sistemas. As
suas ações na manutenção da homeostasia passam pelo con-
trole sobre o metabolismo e equilíbrio hídrico e salino, que se-
rão vistos juntamente com as funções adaptativas ao estresse
e no processo de transformação que ocorre na metamorfose.
Função endócrina 169
5.1 Introdução
Uma grande variedade de funções fisiológicas está sob o contro-
le endócrino ou é influenciada por hormônios. Estes são substân-
cias que são secretadas pelo organismo e promovem efeito inter-
namente, no mesmo indivíduo, diferindo dos feromônios, que são
substâncias secretadas no meio ambiente e têm efeito sobre uma
população de determinada espécie.
Peptídeo C
1
2 s
3 s COOH
6
Figura 5.2 − Estrutura da pró- NH2 s 21
insulina humana, com uma 11
cadeira A em verde e uma B s 30
1 s
em amarelo, ligadas entre si 2 s
pelo peptídeo C em vermelho
e pontes dissulfeto em cinza.
(Adaptado de: <http://www.
10 20
scielo.br/>).
Molécula-sinal
hidrofílica
Célula-alvo Proteína receptora Núcleo
intracelular
Figura 5.3 − Os receptores para as ações hormonais podem ser encontrados na superfície
celular (A) ou no interior da célula. (Adaptado de: ALBERTS, 2010. p. 881).
174 Fisiologia Animal Comparada
Mamíferos Anfíbios
Enguia
do Congo
Pelicano
Figura 5.4 − Tipos de glândula segundo o tipo de distribuição das células neuroendó-
crinas e epiteliais. Em mamíferos (A), a adrenal é uma glândula discreta com a medula,
secretora de catecolaminas, separada do córtex. Nas aves (B), as células secretoras de ca-
tecolaminas estão dispostas entre células não secretoras de catecolaminas. Nos anfíbios
(C), as células adrenais formam caminhos com células secretoras de esteroides (manchas
escuras) e catecolaminas nos rins. (Adaptado de: HILL; WYSE; ANDERSON, 2008. p. 400).
Função endócrina 177
Haste
Parte tuberal Infundibular
Parte nervosa
( lobo posterior )
Efluxo venoso
Células neurosecretoras
Neurônios hipotalâmicas secretam
neurosecretores neuro-hormônios nos
capilares da eminência média.
Influxo
arterial
Pituitária
posterior
Capilares da
eminência média
Vasos porta
hipotálamo-hipofisário
Amígdala e hipocampo:
para memória de
desafios emocionais
Ativação simpática
Segundos Segundos
(noradrenalina e Estresse
adrenalina)
CRH
(Hipotálamo)
ACTH
(Pituitária anterior)
Taxa cardíaca
Inibe TSH,
Digestão Efeitos opositores gonadotropinas
da insulina Catabolismo de
}
proteínas dos e GH
Pâncreas Glicose
Glucagon mantida músculos e ossos
Insulina no sangue
Gliconeogênese Aminoácidos Catabolismo de
Glicose liberada do músculo gorduras
do fígado
e fígado.
Ninfa (estágio 2)
No último estágio
a ninfa sofre uma Na pupa, a maior parte dos
metamorfose para tecidos da larva é destruído e
a forma adulta. substituído pelos tecidos da
forma adulta.
Adulto Adulto
Figura 5.8 − Dois tipos principais de metamorfose. A maioria dos insetos passa por metamorfose completa (holometábolos) e
uma menor diversidade desse grupo passa por uma metamorfose gradual (hemimetábolos): (A) desenvolvimento de uma barata
como exemplo de inseto hemimetábolo; (B) desenvolvimento de uma borboleta como exemplo de um inseto holometábolo.
cérebro
Células secretoras
de PTTH têm seus
corpos celulares no
cérebro ...
corpo
... e terminais axônicos cardíaco
no corpo alado
corpo
O corpo alado também alado
contém células
não-neurais endócrinas
secretoras de JH PTTH
glândula
protoráxica
hormônio
juvenil
ecdisona
As células glandulares
protoráxicas não-neurais
secretam ecdisona.
traqueia
célula Inka
espíraculo
Larvas se
ovo alimentam nas
folhas de
eclosão amoreira.
egg
2° fase larval
Adultos são larva
especialistas
em reprodução. ~16 dias
Figura 5.10 − Ciclo de desenvolvimento de um inseto holometábolo. (Adaptado de: HILL; WYSE; ANDERSON, 2008. p. 421).
Função endócrina 197
Resumo
Uma grande variedade de funções fisiológicas está sob o con-
trole endócrino ou é influenciada por hormônios. A latência das
respostas desencadeadas pelos hormônios são maiores do que as
respostas induzidas pelo sistema nervoso.
Os hormônios são secretados diretamente na corrente sanguí-
nea por células endócrinas ou neuroendócrinas que percorrem
distâncias variáveis, até encontrarem as células alvo em que exer-
cerão seus efeitos. A interação entre o hormônio e a célula alvo
ocorre através de receptores específicos presentes na membrana
celular (receptores de membrana) ou no interior da célula alvo (re-
ceptores intracelulares).
Entre as funções fisiológicas reguladas por hormônios, algumas
estão relacionadas a funções metabólicas e à manutenção da ho-
meostase e as outras relacionadas ao crescimento, ao desenvolvi-
mento, à reprodução e ao comportamento.
Para que os hormônios atuem como reguladores de processos
fisiológicos, é necessário que sua síntese e secreção sejam contro-
ladas. A maioria das células endócrinas sintetiza e libera alguns
hormônios constantemente, mas a taxa de liberação é variável de-
pendendo do sistema de controle. O controle e a integração do
sistema endócrino estão intimamente ligados ao funcionamento
do sistema nervoso. Para isso, é necessário que células nervosas
modificadas sejam capazes responder a comandos nervosos libe-
rando substâncias transmissoras (por exemplo, neuro-hormônios)
em suas terminações, circulando na rede vascular e alterando a
atividade das células alvo.
Assim como outros processos fisiológicos, os processos modula-
dos por hormônios também resultam em uma cascata de ativação
ou efeito cascata, em que a secreção de uma molécula ativa outra, le-
vando a uma amplificação do sinal a cada etapa, tornando possível o
controle do processo final com quantidades reduzidas do hormônio.
A resposta ao estresse, caracterizada por mudanças fisiológicas
envolvidas principalmente na sobrevivência de organismos diante
de uma situação de grande demanda, é desencadeada por uma sé-
Função endócrina 199
Bibliografia recomendada
SCHMIDT-NIELSEN, K. Fisiologia animal: adaptação e meio
ambiente. 5. ed. São Paulo: Santos Ed., 2002.
Referências
ALBERTS, B. Biologia molecular da célula. 5 ed. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
HILL, R. W.; WYSE, G. A.; ANDERSON, M. Animal physiology.
2. ed. Sinauer Associates, 2008.
SCHMIDT-NIELSEN, K. Fisiologia animal: adaptação e meio
ambiente. 5. ed. São Paulo: Santos Ed., 2002.
WILLMER, P.; STONE, G.; JOHNSTON, I. Environmental
physiology of animals. 2. ed. Blackwell Publishing, 2004.
c a p í t u lo 6
c a p í t u lo 6
Função nervosa
Caro aluno, considerando a complexidade do sistema ner-
voso e a enorme quantidade de informações existentes, e que
os aspectos morfológicos (anatômicos e histológicos) já foram
suficientemente tratados nas disciplinas de Anatomia, Histo-
logia e Fisiologia Humana, o objetivo deste capítulo é abor-
dar alguns aspectos básicos da evolução do sistema nervoso
comparando os sistemas menos complexos, existentes nos
invertebrados, e reservando o conteúdo referente à compara-
ção dos sistemas dos vertebrados para o AVEA.
Função nervosa 203
6.1 Introdução
Ao longo dos processos filogenéticos ocorreu um aumento gra-
dual do que chamamos de cefalização (ou encefalização), mesmo
em invertebrados (exceções constituem a rede nervosa de Cnidária,
onde não existem sinapses, e o sistema nervoso radial dos equino-
dermos). Essa cefalização consiste em centralização e integração
do controle nervoso que, nos seres menos complexos, recebeu as
mais variadas denominações, como gânglios cerebroides, protocé-
rebros, entre outros, e que geralmente permitiu reunir diferentes
informações sensoriais junto à parte mais anterior do animal.
É interessante a constatação de que o potencial de ação neuro-
nal gera uma diferença de potencial (DDP) em torno de -80 mV,
sendo muito semelhante em toda a diversidade animal. Aspectos
determinantes que acompanham aumentos de complexidade na
organização biológica não surgiram de “neurônios melhores”, mas
como veremos adiante, por aumento na velocidade de condução
neuronal e agregação de massa neuronal nos cérebros e, como nos
capítulos anteriores, veremos que o tamanho corpóreo também é
importante na análise do sistema nervoso.
O sistema nervoso é responsável pelas interações das diversas
partes do organismo entre si e com seu ambiente. Na maior parte
dos casos, ele consiste em um grupo de células nervosas (neurô-
nios) e células da glia, que se conectam entre si, as quais têm a
função intermediadora entre a recepção da informação e o sistema
de resposta motora. Essas respostas são geradas por impulsos ner-
vosos oriundos da variação de carga eletroquímica na membrana
204 Fisiologia Animal Comparada
Corpo celular
Terminações do axônio
Figura 6.1 − Um neurônio pode ser dividido em três componentes principais: corpo
celular, dendritos e axônios.
Função nervosa 205
Glânglios cerebroides
Cordão nervoso
gânglio subfaringeano
cordão nervoso gânglios
Axônio
gigante
Cérebro Pré-sináptico Nervo
Neurônio de (segunda ordem) estrelado Axônios
primeira ordem menores
Neurônio de Gânglio
segunda ordem estrelado
Neurônio de
terceira ordem Pós-sináptico Secção
Nervo (terceira ordem) transversal
estrelado com
axônio gigante
1 mm 1 mm
A B C
Axônio gigante de lula = 800 micrômetros de diâmetro
Axônio de mamífero 2 micrômetros de diâmetro
Essa característica dos neurônios da lula permite que a condução do potencial ocorra em alta velocidade, possibilitando
imprimir rapidez nas suas estratégias de fuga e ataque.
Nervo Colar
óptico esofágico
Robalo Rã Cobra de
Listrado Leopardo Gramado Pombo Gambá Gato
Cérebro
Cérebro Cérebro Cérebro
Cérebro Cérebro
Resumo
O sistema nervoso, junto com o sistema endócrino, é responsá-
vel por controlar e integrar as reações orgânicas frente aos estímu-
los externos ou gerados no próprio corpo. Essas respostas coorde-
nadas são muito importantes para que o corpo se mantenha em
homeostase – que é a propriedade do organismo em manter uma
condição estável (“steady-state” ou equilíbrio relativo).
A unidade fundamental do sistema nervoso é o neurônio, que
é composto de corpo celular, dendritos e axônios. Além disso, os
neurônios de vertebrados são envoltos pela bainha de mielina, que
possui interrupções, os Nodos de Ranvier. As células nervosas po-
dem assumir várias formas e, conforme sua posição no organismo,
podem ser classificadas em neurônio aferente (sensitivo), eferente
(motor esquelético ou visceral) ou associativo (interneurônio).
Os impulsos nervosos são transmitidos célula a célula através da
sinapse, que pode ser elétrica ou química. As sinapses elétricas são
Função nervosa 215
Referências
DALGALARRONDO, P. Evolução do cérebro: sistema nervoso,
psicologia e psicopatologia sob a perspectiva evolucionista. São
Paulo: Artmed, 2011. p. 17-129.
PROSSER, C. L. Comparative animal physiology. 3. ed.
Philadelphia: W. B. Saunders Company, 1973. p. 489 e 644.
SCHMIDEK, W. R.; CANTOS, G. A. Evolução do sistema
nervoso: especialização hemisférica e plasticidade cerebral:
um caminho ainda a ser percorrido. Revista pensamento
Biocêntrico, n. 10, p. 181-204, 2008.
SCHMIDT-NIELSEN, K. Fisiologia animal: adaptação e meio
ambiente. 5. ed. São Paulo: Santos Ed., 2002. p. 465-486.
WITHERS, P. C. Comparative animal physiology. Philadelphia:
Saunders College Publishing, 1992. p. 330-393.
WOOD, D. W. Princípios de fisiologia animal. São Paulo:
Polígono, 1973. p. 145-240.
c a p í t u lo 7
c a p í t u lo 7
Músculo e movimento
A movimentação e o deslocamento entre os animais são
realizados à custa de ativação de músculos para a realização
de trabalho mecânico. Todavia, essas atividades podem estar
relacionadas com o funcionamento de estruturas que confe-
rem flutuabilidade ou envolver estruturas celulares, como os
flagelos e centríolos. O objetivo deste último capítulo é abor-
dar essas diferentes estratégias e a forma pela qual elas são
utilizadas nos ambientes aéreo, aquático e terrestre. A con-
tração muscular será brevemente abordada, visto que já foi
devidamente discutida na disciplina de Fisiologia Humana.
Como a contração muscular é o mecanismo envolvido na gê-
nese de bioeletricidade, esse assunto também será abordado
no final do capítulo.
Músculo e movimento 219
7.1 Introdução
Quando se fala em movimento, em geral vem à mente aspec-
tos relacionados à locomoção. No entanto, há diversos tipos de
movimento em cada espécie animal, inclusive nas espécies sésseis,
como as anêmonas, que precisam realizar movimentos para se ali-
mentar e excretar resíduos. Mesmo quando um animal não está
se locomovendo precisa de diversos movimentos para respirar,
bombear o sangue para todo o corpo, digerir alimentos, etc. Ve-
remos três mecanismos envolvidos na produção de movimento: o
ameboide, o ciliar e o muscular. Cada um tem sua importância em
aspectos específicos da fisiologia, com um poder de mobilização e
deslocamento. Assim, como sempre, é importante considerarmos
a massa envolvida no processo de movimentação.
A) Movimento ameboide
Presente nas amebas, nos fungos e nos glóbulos brancos de ver-
tebrados, o movimento ameboide envolve correntes citoplasmá-
ticas, mudanças na forma da célula e projeção de pseudópodes.
No citoplasma, a região próxima à superfície dos pseudópodes é
chamada de ectoplasma, com a consistência viscosa ou “gel”, en-
Figura 7.1 − Projeção de quanto a região mais interna, o endoplasma, tem uma consistência
pseudópodes numa ameba, mais fluida ou “sol” (Figura 7.1). À medida que os prolongamentos
conversão gel-sol: o ectoplasma
representado pela cor mais avançam, ocorre a conversão de gel em sol e vice-versa.
escura tem consistência mais
firme; o endoplasma, de cor Possivelmente a diferença de pressão no fluido citoplasmático
clara, é mais líquido. tem um papel importante na força motriz desse tipo de movimen-
220 Fisiologia Animal Comparada
A) Músculo esquelético
O músculo esquelético é formado por diversos feixes de fibras
multinucleadas paralelas, envolvidos por tecido conjuntivo. Cada
fibra é envolta pelo sarcolema, a membrana plasmática da célula
muscular, e pode ter vários centímetros de comprimento e diâ-
metro, que varia de 0,01 a 0,1 mm. A denominação musculatura
esquelética é decorrente do fato de geralmente as fibras se inseri-
rem nos ossos. Todavia, no interior das fibras musculares, os fila-
mentos contráteis se dispõem com uma organização tal que resul-
ta em bandas mais claras alternadas com outras mais escuras. Por
essa aparência, a musculatura esquelética também é denominada
de estriada. A musculatura esquelética é passível de ser acionada
intencionalmente, pelo que também é chamada de musculatura
voluntária. As estruturas básicas do músculo estriado estão ilus-
tradas na Figura 7.4.
B) Músculo cardíaco
As fibras do músculo cardíaco possuem proteínas contráteis
com organização básica semelhante àquela encontrada no múscu-
lo esquelético; contudo, a forma da célula é ramificada e, em geral,
222 Fisiologia Animal Comparada
Músculo
Fibras
Tendão
Fibrilas Sarcômero
Banda z
Banda z
Figura 7.4 − Cada músculo é um feixe de fibras alinhadas, constituído de miofibrilas. Os filamentos de actina e
miosina formam os sarcômeros, e sua disposição repetida é responsável pela aparência estriada do músculo.
(Adaptado de: SCHMIDT-NIELSEN, 2002. p. 403).
C) Músculo liso
As fibras do músculo liso têm a forma fusiforme, são muito me-
nores do que as fibras da musculatura esquelética e são uninucle-
adas (Figura 7.5). A proteína contrátil não está organizada em sar-
Músculo e movimento 223
A) Deslocamento terrestre
Para uma pessoa que se desloca em uma marcha lenta, a resistên-
cia do ar é desprezível. Todavia, a resistência do ar aumenta com o
quadrado da velocidade atingida, o que pode significar muito para
humanos atletas, para animais que correm em altas velocidades e
também para animais muito pequenos. O trabalho realizado junto
a um substrato sólido geralmente é insignificante, pois há pouca
deformação do solo e pouco calor é produzido pelo atrito; dessa
forma, a maior parte da energia usada na corrida é dissipada inter-
namente como calor.
O custo do deslocamento vertical por unidade de peso é seme-
lhante para animais grandes e pequenos, mas como um camun-
dongo, por exemplo, tem uma taxa metabólica alta em compara-
ção com um cavalo, o aumento no consumo de oxigênio é baixo
para o camundongo e alto para o cavalo.
•• Saltos
Animais de tamanhos bem diferentes, com uma constituição
isométrica, saltarão a mesma altura, pois a força muscular é pro-
porcional à área de secção transversal do músculo. Isso se deve ao
226 Fisiologia Animal Comparada
B) Deslocamento aéreo
Em aves, o trabalho realizado junto ao ambiente corresponde a
25% do total. Isso ocorre porque o ar é fluido e facilmente defor-
mável. Assim, o ar que é propulsionado para baixo e para trás não
permite retorno de energia à ave, mas ainda restam 75% de traba-
lho realizado junto ao corpo, que pode ser em parte armazenado
como energia elástica.
A manutenção do voo é obtida pelo soerguimento e pelo im- Soerguimento
pulso. Para um voo ser estável, o soerguimento deve equivaler ao Ato ou efeito de levantar.
peso do animal e o impulso deve ser equivalente ao arrasto aero- Arrasto aerodinâmico
dinâmico sobre o corpo durante o movimento. Essas forças são Resistência ao deslocamento
conseguidas a partir do batimento das asas na contração dos mús- no ar.
C) Deslocamento aquático
No ambiente aquático, muitos mecanismos hidrodinâmicos são
semelhantes àqueles aerodinâmicos necessários ao voo; no en-
tanto, a maior densidade da água diminui a exigência de potên-
cia para a sustentação do corpo. Tanto que, em animais que têm
a mesma densidade da água, nenhuma potência é necessária para
essa função. Nesses casos, 100% da potência é direcionada para
impulsionar o corpo.
Nos peixes, o deslocamento é obtido à custa da oscilação da cau-
da, o que é fruto da ação de um complexo conjunto de músculos.
A musculatura empurra a coluna para mover a cauda da esquerda
para a direita aplicando uma tração efetiva sobre a pele reforçada
com colágeno. Possivelmente há grande contribuição de energia
elástica na locomoção de peixes.
A locomoção de organismos mais simples na água já foi bas-
tante estudada. No caso das medusas, a campânula se contrai pela
ação de músculos em direções circunferenciais, expulsando a água
do lúmen em um jato que empurra o animal para frente. A energia
elástica de deformação armazenada na campânula permite que o
lúmen se encha de água novamente com uma nova extensão dos
músculos. Nas lulas, o mecanismo é semelhante, mas com uma
propulsão mais rápida.
228 Fisiologia Animal Comparada
7.6 Bioeletricidade
O uso de descargas elétricas por animais pode ter três funções
principais: orientação e localização de inimigos ou presas; comu-
nicação intraespecífica; defesa e confundir/matar a presa.
A eletrorrecepção não demanda a existência de órgãos gerado-
res de eletricidade, e sim a presença de células que despolarizam
na presença de flutuações de campos elétricos ao redor do animal.
Esse processo é denominado eletrorrecepção passiva e está presen-
te no ornitorrinco, um monotremado, em alguns anfíbios e mais
comumente, nos peixes. Os eletrorreceptores podem ser encon-
trados espalhados pela superfície do animal ou concentrados em
áreas específicas. Podem ainda ser classificados como tuberosos
(encontrados apenas em peixes elétricos) e ampulares (encontra-
dos em peixes elétricos e não elétricos). Os receptores ampulares
se concentram em estruturas na forma de ampolas internas que se
comunicam com o meio externo por canais preenchidos por um
gel, os quais terminam em poros na pele. Nas arraias marinhas e
nos tubarões existem as Ampolas de Lorenzini, bem desenvolvi-
das, enquanto nos peixes eletrossensíveis dulcícolas os órgãos são
menos desenvolvidos e são denominados microampolas. A ele-
trorrecepção é vantajosa em águas onde a visibilidade é precária
ou em animais com hábitos noturnos. A vantagem que a eletrorre-
234 Fisiologia Animal Comparada
Órgão de Hunter
Músculos para
natação
Medula
espinhal
Órgão
principal
Órgão
de Hunter
100 µm
1.5 mm
Eletrólitos
Tecido
4 cm isolante
Figura 7.8 − Órgãos elétricos do poraquê, localizados em duas grandes massas nas
laterais da cavidade abdominal. (Adaptado de: HILL; WYSE; ANDERSON, 2008. p. 502).
Resumo
Todas as funções de um ser vivo dependem de movimentação,
desde as funções realizadas por uma célula até os complexos me-
canismos de locomoção de um vertebrado. Os tipos de movimen-
to principais são o ameboide, por cílios e flagelos e por músculos.
O movimento ameboide é usado na locomoção de protozoários e
fagocitose (também em algumas células animais). Cílios e flagelos
são estruturas responsáveis pela locomoção de seres unicelulares,
como o protozoário, além de outras funções, como transporte de
substâncias em órgãos. Os músculos são as principais estruturas
envolvidas no movimento dos animais, sendo divididas em três
236 Fisiologia Animal Comparada
Referências
CARLSON, B. A. Electric signaling behavior and the mechanisms
of electric organ discharge production in mormyrid fish. Journal
of Physiology-Paris, v. 96, n. 5-6, p. 405-441, set./dez. 2002.
HILL, R. W.; WYSE, G. A.; ANDERSON, M. A. Animal
physiology. 2. ed. Sinauer Associates, 2008.
SCHMIDT-NIELSEN, K. Fisiologia animal: adaptação e meio
ambiente. 5. ed. São Paulo: Santos Ed., 2002.
SNYDER, G. K.; CARELLO, C. A. Body mass and the energy
efficiency of locomotion: lessons from incline running. Comp
Biochem Physiol A Mol Integr Physiol, v. 150, n. 2, p. 144-150,
jun. 2008.
ZAKON, H. H.; SMITH, G. T. Weakly electric fish: behavior,
neurobiology, and neuroendocrinology. Hormones, Brain and
Behavior, p. 349-374, 2002.
237
Autores
Odival Cezar Gasparotto
Bacharel em Ciências Biológicas na modalidade Médica pelo
Centro Universitário Herminio Ometto de Araras (1980), mestra-
do (1986) e doutorado (1993) em Ciências (Fisiologia Humana)
pela Universidade de São Paulo (USP - São Paulo), e Pós-Douto-
rado pela Universidade de Gröningen na Holanda (1997), na área
de Fisiologia do Comportamento. Como professor da Universida-
de Federal de Santa Catarina tem atuado no ensino de graduação
presencial e a distância, ministrando disciplinas de fisiologia, prá-
tica pedagógica e informática para diversos cursos. Na Pós-Gra-
duação ministra curso e orienta projetos na área da Neurobiologia
do Estresse e suas conseqüências fisiológicas e comportamentais.
Atua principalmente nos seguintes temas: estresse psicossocial,
ansiedade, depressão e neuroimunologia. O investimento mais
recente tem sido na análise de padrões eletrofisiológicos da ativi-
dade cerebral e suas correlações com os comportamentos e perfis
psicológicos.
Marília N. Siebert
Graduada em Ciências Biológicas pela UFSC nas modalidades
Licenciatura e Bacharelado, e mestre em Bioquímica, pelo Progra-
ma de Pós-Graduação em Bioquímica da UFSC.
Ninna Granucci
Graduada em Ciências Biológicas pela UFSC na modalida-
de Bacharelado e mestranda pelo Programa de Pós-Graduação
em Biotecnologia e Biociências da UFSC.