Quem Sou Eu?

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Quem sou eu?

Maria Mendes Pereira

Nº17 12ºE

Prof. Fernando Lopes

Psicologia B

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Índice

Introdução 2

1. Relações precoces 3

1.1. Vinculação 3

1.1.1. Competências do bebé 4

1.1.2. Competências da mãe 4

1.2. Konrad Lorenz 5

1.3. John Bowlby 7

1.4. Harry Harlow 10

1.5. Mary Ainsworth 13

1.6. René Spitz 16

1.7. Emmy Werner 19

2. Identidade 21

2.1. Autoconceito, Autoimagem e Autoestima 21

2.2. Adolescência 23

Conclusão 27

Bibliografia 28

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Introdução

Quando alguém nos pergunta quem somos o mais comum é


respondermos com o nosso nome e uma ou outra característica que nos
permite ser distinguidos a nível social. Mas obviamente o nosso nome e
algumas características, quer estas sejam físicas quer sejam psicológicas,
não traduzem “quem somos”. A nossa identidade é algo que construímos ao
longo de toda a vida, sendo constituída não só por fatores físicos, mas
também psicológicos e sociais. Ao longo deste trabalho iremos compreender
melhor de que forma isso acontece, assim como a importância que a
adolescência e as primeiras relações que estabelecemos têm neste processo
de construção de identidade.
Serão também abordados vários estudos que demonstram a forma como
estas primeiras interações ocorrem e a sua influência na vida de um indivíduo.
Como já sabemos, o ser humano é um ser inacabado e muito prematuro, que
depende dos outros para sobreviver, sendo este o ponto de partida deste
trabalho.

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Relações Precoces

Vinculação

Sabemos que o ser humano é o ser que mais depende dos outros à
nascença para poder sobreviver. Somos seres inacabados, pelo que a
influência dos que nos rodeiam e as primeiras interações são fundamentais
para a nossa construção pessoal. Por nascer imaturo, existe uma grande
necessidade de cuidados por parte do bebé em ordem a sobreviver, que leva
à construção de um laço muito forte entre este e a pessoa que cuida da
criança, normalmente a mãe.
As relações que se estabelecem entre a pessoa que cuida do bebé e o
bebé, chamadas relações precoces, englobam um conjunto de
comportamentos, como sorrir, chorar, vocalizar, gatinhar, etc., que
estabelecem uma ligação afetiva recíproca entre os dois.

A vinculação, necessidade básica e inata de ligação do bebé à figura de


vinculação e desta ao bebé, leva a que este procure apoio, sustento e
proteção no cuidador, e é, assim, fortalecida com o tempo e com os
comportamentos de vinculação.
No entanto, o processo de vinculação não é instintivo nem automático,
mas sim um processo de aprendizagem. Os recém-nascidos, ao contrário do

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que se pensava, apresentam características a nível sensorial que favorecem a
sua relação com o mundo e a formação de vínculos.

Competências do Bebé

Existem várias características e comportamentos do bebé que estimulam


os que o rodeiam a satisfazer as suas necessidades. Estes comportamentos
(comportamentos de vinculação precoce) são, aparentemente, inatos e têm
como objetivo favorecer a vinculação com os cuidadores. O sorriso, o choro
e a vocalização são exemplos destes comportamentos de vinculação.
Sorrisos: logo após o nascimento são reflexivos e involuntários; entre as 6
e as 12 semanas o bebé sorri como meio de comunicação intencional; aos 6
meses sorri para quem conhece (ato social).
Choro: manifesta uma necessidade ou um mal-estar, choro de fome,
choro de raiva, choro de aborrecimento, choro de dor, etc.
Vocalizações: são uma resposta, desde cedo, às vocalizações dos
adultos; chama-se “lalação” ao tipo de vocalizações produzidas entre os 3 e
os 6 meses (ta, ta, ta, pa, pa, pa...). É uma importante interação social.

Competências da Mãe

Também a mãe apresenta competências biológicas, sociais e emocionais


que fortalecem a vinculação entre mãe e filho.
A nível biológico, para além de alterações hormonais que ocorrem ainda
durante a gravidez, a amamentação satisfaz a necessidade básica da
alimentação do bebé;

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A nível social, as mães apresentam um conjunto de comportamentos
relacionados com a maternidade, resultantes de aprendizagens sociais;
A nível emocional, desenvolvem-se vários sentimentos de carinho,
ternura e afeto para com o bebé.
Entre o nascimento e os 18 meses, o bebé mantém uma relação próxima
e privilegiada com a mãe, que oscila entre a confiança e a desconfiança. Se a
mãe se mostra disponível para responder às necessidades do bebé e cuida
dele, é desenvolvida uma relação de confiança. Por outro lado, se a mãe não
conseguir dar um sentimento de segurança para a criança, desenvolve-se
uma relação de desconfiança, que terá consequências no desenvolvimento
desta.
De acordo com Erikson (psicólogo e psicanalista responsável pela Teoria
no Desenvolvimento Psicossocial) , o sentimento de confiança reflete-se ao
longo de toda a vida, manifestando-se na maior ou menos facilidade de
adaptação às pessoas e às situações em contexto social.

Konrad Lorenz

Konrad Lonrez foi um zoólogo e etólogo austríaco muito importante no


século XX, sendo considerado o pai da etologia.

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A etologia é a ciência que estuda o comportamento animal que, apesar
de ser uma ciência biológica, relaciona-se com a psicologia, pois também
estuda as bases do comportamento. O que é encontrado nos animais pode
ser comparado com os seres humanos, e vice-versa.
Um dos conceitos mais importantes desenvolvidos por Konrad Lorenz é o
“imprinting”. Este define uma espécie de marca que existe fixada em alguns
animais desde o momento do nascimento.
Ao observar gansos e patos recém-nascidos, Lorenz apercebeu-se que,
ao saírem do ovo, seguiam o primeiro objeto em movimento que viam, quer
este fosse a sua mãe, quer não. Este comportamento automático recebeu,
então, o nome de imprinting. Lonrez também se apercebeu que este
comportamento não se limitava aos primeiros momentos de vida, mas que se
mantinha ao longo do tempo.

Os estudos de Konrad Lonrez tiveram um grande impacto na psicologia,


mostrando a importância dos instintos nos animais, incluindo nos humanos, e
contrariando a ideia de que todos os comportamentos humanos são
aprendidos. Por outro lado, permitiu que se definissem novos pontos de vista
sobre o impacto que as circunstâncias têm no comportamento.
Assim, as pesquisas de Lonrez foram fundamentais para entendermos as
leis da adaptação e sobrevivência no reino animal, que podem ser
interpretadas do mesmo modo nos seres humanos.

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John Bowlby

John Bowlby foi um psiquiatra, psicólogo e psicanalista britânico do


século XX, que propôs a primeira teoria consistente acerca da vinculação
precoce, apresentando e defendendo três teses.

Tudo começou no ano de 1948, quando John Bowlby foi convidado pela
Organização Mundial de Saúde para organizar um estudo sobre crianças que
foram privadas de cuidados maternos devido à destruição de lares e à morte
ou desaparecimento dos cuidadores, consequências da Segunda Guerra
Mundial. Com o seu estudo, concluiu que estas crianças apresentavam uma
série de características comuns, como relações afetivas futuras superficiais,
dificuldade de concentração intelectual, incapacidade de se relacionar
socialmente com os outros, ausência de reações emocionais,
comportamentos desviantes e delinquência, entre outras, como
consequência da falta de cuidados maternos.
Mais tarde elaborou um outro estudo, tendo, desta vez, acompanhado
crianças com tuberculose que passaram muito tempo internadas num
hospital. Este último estudo foi particularmente importante pois mudou a
ideia que se tinha em relação ao papel da primeira relação afetiva.
Os grandes objetivos dos estudos de Bowlby eram esclarecer a

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importância das relações precoces da criança com os seus progenitores e
esclarecer a estrutura da relação precoce, para assim poder apresentar a
primeira teoria consistente à cerca da vinculação. Assim, Bowlby elaborou
três teses:
A primeira tese defende que os fundamentos da personalidade do adulto
são construídos a partir das ligações socioafetivas precoces;
A segunda tese diz que as ligações ou vínculos precoces repousam sobre
necessidades e fundamentos biológicos;
A terceira tese afirma que a tendência primária para estabelecer laços
afetivos é interdependente de outras necessidades básicas, como a
alimentação.

Bowlby, com os seus estudos, chegou às seguintes conclusões: a


vinculação é a necessidade de criar e manter relações de proximidade e
afetividade com os outros, de o bebé se apegar aos outros seres humanos
para assegurar proteção e segurança; a vinculação é uma necessidade
primária biológica, tal como a alimentação; existem esquemas
comportamentais inatos que se manifestam logo após o nascimento, que

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desencadeiam a relação de vinculação (comportamentos de relação precoce);
a tendência inata a estabelecer laços afetivos com os outros é independente
das outras necessidades básicas; a vinculação com os progenitores pretende
satisfazer duas necessidades principais do bebé, proteção e socialização; a
relação privilegiada que é estabelecida entre mãe e filho é determinante na
formação física, social e psicológica da criança; a ausência de vinculação em
crianças que foram afastadas das famílias leva a consequências negativas no
desenvolvimento, tanto físico, como psicológico destas e na forma de se
relacionarem com os outros.
No entanto, a teoria de John Bowlby não foi muito bem aceite na época,
tendo sido alvo de várias críticas, particularmente por ter dado uma maior
importância ao papel da mãe e ter subvalorizado o contributo do pai para as
relações afetivas precoces da criança. Apesar disto, é, nos dias de hoje,
considerada uma das teorias mais abrangentes e influentes sobre a
vinculação precoce, depois de ter sofrido várias alterações, nomeadamente
com contributos das experiências de Harry Harlow e de Mary Ainsworth, que
iremos ver mais à frente.
Hoje, a ideia de figura de vinculação afasta-se cada vez mais da figura de
mãe biológica. Sabe-se que qualquer pessoa (homem ou mulher) é suscetível
a ter uma relação de vinculação com o bebé, sendo, assim, abandonada a
ideia de que as mulheres seriam naturalmente mais aptas a criar os filhos e a
estabelecerem relações afetivas com estes. Esta mudança de mentalidade foi
e continua a ser de extrema importância, tanto para crianças, homens e
mulheres, quebrando barreiras impostas no passado, permitindo ultrapassar
a ideia de que a maternidade é algo associado exclusivamente ao género
feminino e permitindo também que mais mulheres se possam realizar a nível
profissional. As crianças podem vincular-se com várias figuras, homens e
mulheres, pois o seu desenvolvimento apenas depende da qualidade do
afeto, independentemente do sexo dos cuidadores.

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Esta ideia relaciona-se com o conceito de círculo maternante, que
demonstra que o pai pode ser tão importante como a mãe no
desenvolvimento do bebé. Este círculo maternante é constituído por outras
pessoas que se dedicam à criança e lhe dão afeto e conforto, para além da
figura de vinculação principal, como, por exemplo, o pai.

Harry Harlow

As experiências realizadas por Harry Harlow, psicólogo norte-americano,


foram muito importantes pois serviram de suporte à teoria de John Bowlby.
Nas décadas de 1950 e 1960, Harry Harlow e a sua equipa estudaram o
desenvolvimento social de macacos Rhesus em laboratório.

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O isolamento total ou parcial dos macacos nos primeiros momentos de
vida foi a manipulação experimental mais utilizada nas experiências. Os
macacos eram separados das mães biológicas e colocados em jaulas,
sozinhos, contendo “mães” substitutas, uma de arame e outra de madeira,
forrada a esponja e revestida a algodão. Harlow rapidamente se apercebeu
que, embora a alimentação estivesse sido associada às mães de arame, os
macacos preferiam significativamente mais as mães feitas de algodão, o que
permitiu chegar à conclusão que existe uma necessidade inata de conforto
de contacto.

A experiência de Harlow permitiu desconstruir a ideia de que o bebé se


apegava à mãe porque esta o alimentava. Assim, concluíram que existe uma
necessidade básica de contacto e que esta necessidade de afeto, entre o
bebé e o cuidador, cria um vínculo mais forte do que a satisfação de
necessidades básicas de nutrição.
Ao analisarem o desenvolvimento das crias até à sua vida adulta, Harlow
e a sua equipa identificaram várias consequências socioafetivas do
isolamento social precoce.

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Harlow deu o nome de síndrome de isolamento ao conjunto de
perturbações geradas pela privação social que observou nos macacos
separados das mães e postos em isolamento. Quanto mais tempo as crias
ficaram isoladas socialmente, mais graves eram as perturbações:
Os macacos que estiveram em isolamento durante os primeiros 3 meses
de vida apresentavam reações de medo e fuga ao serem colocados com
outros macacos criados normalmente, alguns acabaram por morrer de
anorexia (no entanto a maioria conseguiu adaptar-se e sobreviver);
As crias que estiveram em isolamento por 6 meses após o nascimento,
ao serem colocados com outros macacos que não estiveram sujeitos a
privação social, isolam-se, são incapazes de interagir e manifestavam
patologias como embalar-se, abraçar-se, morder-se e incapacidade de
interagirem com os outros e, diferente dos anteriores, não se conseguiam
adaptar à nova situação. Ao chegarem à adolescência, tornam-se animais
muito violentos, inclusive com as próprias crias, chegando a agredi-las até à
morte;
Os indivíduos que estiveram em isolamento total nos primeiros 12 meses
de vida (equivalente a cerca de 5 anos de vida de uma criança humana)
apresentam uma total apatia e indiferença para com os outros indivíduos, não
tendo nenhuma reação ou interação social com estes, quer esta seja positiva,

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quer seja negativa.
Apesar das experiências de Harry Harlow terem sido realizadas em
macacos Rhesus, os resultados destas podem ser generalizados para a
espécie humana, pois as consequências do isolamento social observadas
nos macacos são também observáveis em crianças cujo desenvolvimento
careceu de cuidados maternos e afeto, nomeadamente a incapacidade de
interagir com os outros, servindo assim de apoio à teoria de John Bowlby
sobre a vinculação.

Mary Ainsworth

Os estudos Mary Ainsworth, psicóloga e professora universitária


norte-americana, foram também importante para apoiar a teoria de Bowlby.

Em 1953, Ainsworth foi para Uganda onde estudou um grupo de 28


crianças não desmamadas, com idades compreendidas entre 1 e 24 meses.
Durante nove meses, observou e registou o comportamento das crianças, os
seus processos de desenvolvimento e as suas aquisições, Estudou também
os cuidados maternos e as interações entre mãe e filho. Assim, constatou o
papel ativo do bebé na vinculação e a capacidade que estes têm para
discriminar e hierarquizar as várias figuras de vinculação. Mary Ainsworth
defende que a figura de vinculação fornece uma base de segurança à criança,

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que lhe permite a exploração do meio sem ansiedade, isto é, normalmente a
criança, quando começa a gatinhar, começa a fazer pequenas “expedições”,
usando a figura de vinculação como base para explorar o meio ambiente que
a rodeia. Caso a criança se magoe ou assuste, esta procura rapidamente
aproximar-se da figura de vinculação em busca de conforto e segurança.
Assim, os conceitos de comportamento de vinculação e comportamento
exploratório são interdependentes.
Em 1978, ao voltar aos Estados Unidos, Ainsworth retomou os seus
estudos do Uganda e desenvolveu com 26 famílias de Baltimore uma
experiência denominada “situação estranha”. Esta experiência consistia em
ativar comportamentos representativos de vinculação em crianças entre os
12 e os 18 meses, criando uma ansiedade ligeira nestas, através da partida e
regresso repetidos das respetivas figuras de vinculação.
A experiência incluía três elementos que iriam gerar ansiedade nas
crianças: o facto de se afastarem da figura de vinculação, a exploração de um
lugar estranho e a interação com uma pessoa desconhecida.

O procedimento incluía sete principais momentos: a mãe (ou outra figura


de vinculação) e a criança passam algum tempo sozinhos num local estranho

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(sala de brinquedos) e a criança explora o ambiente; quando a criança está
adaptada ao local, entra um adulto amistoso (desconhecido da criança) e
junta-se à mãe e ao bebé; a mãe abandona a sala, deixando o bebé com o
desconhecido; pouco tempo depois, a mãe volta à sala e o estranho parte; a
mãe sai também da sala e a criança fica sozinha; o desconhecido volta a
entrar na sala, ficando a sós com a criança; e por fim, a mãe volta à sala e o
desconhecido deixa o espaço.
Ao longo deste procedimento a criança experiencia uma crescente
ansiedade e, progressivamente, uma maior necessidade de estar próxima da
figura de vinculação.

Dependendo da forma como as crianças lidam com essa necessidade e


do equilíbrio que existe entre o comportamento exploratório e as reações à
figura de vinculação e ao estranho, podemos distinguir entre três tipos de
vinculação: vinculação insegura/resistente, vinculação segura e vinculação
evitante.
A vinculação insegura, ou resistente, caracteriza-se por, em relação ao
comportamento exploratório, uma demonstração de ansiedade, por parte da
criança, durante toda a experiência e, em relação ao comportamento de

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vinculação, a criança fica inconsolável após a separação e mostra uma certa
oscilação entre a aproximação e a hostilidade na reunião com a figura de
vinculação.
A vinculação segura é identificada quando a criança brinca e é amistosa
com o estranho na presença da figura de vinculação (comportamento
exploratório) e protesta com a saída desta, procurando conforto ao seu
regresso (comportamento de vinculação).
Na vinculação evitante a criança não manifesta qualquer reação quer à
presença, quer à ausência da mãe, bem como à chegada do desconhecido,
demonstrando indiferença, e não tem facilidade em explorar o meio. Reprime
os sentimentos e a necessidade de vinculação.
Assim, Mary Ainsworth concluiu que a qualidade das vinculações
influencia as relações no futuro, marcando o modo como uma pessoa
constrói e dinamiza as suas relações, quer consigo mesma, quer com os
outros que a rodeiam ao longo da sua vida. A vinculação segura é a mais
adaptativa, pois a criança sente-se protegida e, assim, canaliza a sua energia
para a exploração do meio, sem se ter de preocupar muito com a sua
segurança, pois sabe que o cuidador está lá, demonstrando a importância
das primeiras vinculações e suportando a teoria de Bolwby.

René Spitz

A privação de afeto na primeira infância pode ter consequências


duradouras e destrutivas no desenvolvimento. René Spitz, psicanalista
austríaco, foi um dos primeiros a estudar o papel das relações precoces para
o desenvolvimento infantil. Motivado pelas altas taxas de mortalidade e de
morbilidade entre as crianças recolhidas em instituições, Spitz acreditava que
a falta de cuidados maternos, de afeto e de relações interpessoais estavam
na origem destes números.

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Os estudos de Spitz consistiram em observar de forma naturalista
crianças institucionalizadas, privadas da presença da mãe. Em 1946,
identificou duas enfermidades, consequências de privação afetiva precoce,
depois de se terem estabelecido vínculos: a “depressão anaclítica”,
resultante de privação afetiva apenas parcial, e a “síndrome de hospitalismo”,
resultante de privação afetiva total ou duradoura.
Em relação à primeira, refere-se a um estado depressivo que ocorre em
bebés a partir dos 6 meses de idade, que surge como consequência da
interrupção na relação com a figura de vinculação devido à separação ou
negligência. Apresenta sintomas como atonia afetiva, inércia motora, pobreza
interativa, desorganização psicossomática, falta de apetite, perda de peso,
entre outros. Até à altura, acreditava-se que os bebés eram incapazes de
ficarem deprimidos, pois não possuíam capacidade necessária para refletir.
Os estudos de Spitz vieram revolucionar este conceito.
Por outro lado, a síndrome de hospitalismo ocorre quando a rutura dos
vínculos se dá durante os primeiros 18 meses de vida da criança e
caracteriza-se por um atraso global de desenvolvimento psíquico, social,
físico e intelectual, bem como por sentimentos de abandono, desamparo e
medo e que, em casos extremos, pelo facto de o bebé não ser capaz de
estabelecer relações afetivas estáveis, o que compromete a sua saúde e o

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torna extremamente frágil, acabam por morrer.
Os efeitos depressivos da síndrome de hospitalismo desenvolvem-se
sequencialmente em três fases: no primeiro mês após a separação a criança
chora e procura proximidade e conforto em outros seres humanos; no
segundo mês, o choro vai progressivamente dando lugar ao lamento e ao
gemido, a criança perde peso e o seu desenvolvimento psicomotor é
interrompido; no terceiro mês a criança evita o contacto com qualquer ser
humano e a atividade motora, passando muito tempo deitada (marasmo) e
sofre de insónias.
Os estudos de René Spitz foram responsáveis por várias mudanças na
administração de orfanatos e serviços de pediatria de hospitais,
principalmente nos países em desenvolvimento, pois tornou-se evidente que
os vínculos afetivos eram mais importantes do que a própria comida, roupa e
outros bens materiais, melhorando assim as condições das crianças nestes
estabelecimentos.

Podemos concluir que esta separação entre a criança e a pessoa com a


qual esta estabeleceu um vínculo tem consequências devastadoras que,
muitas das vezes, são para a vida toda. Porém, cada vez mais investigadores
refletem sobre a capacidade que as crianças têm de ultrapassar traumas
provenientes de um meio precoce adverso ao desenvolvimento da criança. É

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destacado o potencial criativo destas crianças na procura de vínculos
alternativos que lhes proporcionem acolhimento, segurança e afeto, havendo
vários exemplos de pessoas com passados traumáticos que se tornaram
adultos bem adaptados e realizados. Esta mudança de perspetiva face às
crianças que sofreram certos traumas na sua infância levou a que se
introduzisse, na psicologia, o conceito de resiliência.
Resiliência é, então, o processo ou a capacidade de se adaptar,
autorrestabelecer e resistir a doenças mentais face às dificuldades, traumas,
ameaças, tragédias ou fontes significativas de grande ansiedade.
A resiliência está associada a dois conceitos fundamentais: fatores de
risco e fatores de proteção. Nos primeiros podemos incluir os fatores
associados à criança, como patologias, e estão ligados à configuração
familiar (como a violência doméstica) e a fatores socioambientais (como a
pobreza). Os segundos englobam os recursos pessoais, familiares e
extrafamiliares que atenuam o impacto do risco e permitem que a criança
ultrapasse certos obstáculos, nomeadamente saber do problema e procurar
ajudar.
Estes fatores de proteção são fundamentais, incluindo, por vezes, a
aproximação a um tutor de resiliência, isto é, uma pessoa que passa a fazer
parte da vida da criança, oferecendo-lhe ajuda e mostrando-se disponível,
com a qual a criança estabelece um vínculo.

Emmy Werner

Emmy Werner, psicóloga e professora universitária norte-americana, foi


pioneira nos estudos sobre a resiliência e sobre o desenvolvimento de
crianças que cresceram rodeadas de adversidades.

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Werner coordenou, durante três décadas, um estudo longitudinal que
acompanhou 698 crianças da ilha Kauai, no Havai, nascidas em 1955. Das
698 crianças, cerca de 30% (210 indivíduos) nasceu e cresceu em situação
de pobreza extrema e foi criada por famílias marcadas por dissolução,
violência, alcoolismo, doenças mentais, abusos de vária ordem, entre outros
fatores. Apesar de todos os riscos a que estavam expostas, uma em cada
três crianças conseguiu superar estas adversidades, encontrar fatores de
proteção e recuperar das dificuldades e traumas que vivenciou, sendo bem
sucedidas no seu percurso escolar, estabelecendo objetivos educacionais e
profissionais, resolvendo problemas familiares e sociais, encontrando
empregos, estabelecendo relações afetivas estáveis e mantendo-se
afastados de problemas com a lei, tornando-se, assim, adultos realizados,
afetuosos e competentes.
A psicóloga concluiu ainda que os indivíduos que demonstraram
resiliência tinham todos algo em comum: o apoio absoluto de um adulto
significativo no seu desenvolvimento, quer este seja familiar ou não, ou seja,
um tutor de resiliência que proporcionou afeto, proteção, auxilio e
acompanhamento à criança.
Assim, podemos concluir que a resiliência não depende apenas da força
interior de cada indivíduo, nem apenas do meio que o envolve, mas sim da
interação resultante entre ambos.

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Identidade

Autoconceito, Autoimagem e Autoestima

Já vimos que a qualidade da primeira infância e a relação que a criança


estabelece com os seus cuidadores, são determinantes no seu
desenvolvimento. Do mesmo modo, são fundamentais na construção da
identidade do indivíduo.
Podemos considerar três tipos de identidade: a identidade pessoal, a
identidade social e a identidade cultural.
A identidade pessoal é o conjunto das perceções, sentimentos e
representações que o indivíduo tem de si próprio e que lhe permitem
reconhecer e ser reconhecido socialmente. A identidade é contínua no tempo,
o que é possível observar pelo facto de, apesar de todas as transformações
físicas ou psicológicas que sofremos, continuamos a ser a mesma pessoa
que éramos há algum tempo atrás, isto é, mesmo com o passar do tempo
ainda é possível reconhecemo-nos.

A identidade social resulta das constantes interações que estabelecemos

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com o meio social em que estamos inseridos e ajuda a definir a nossa
consciência social, isto é, a capacidade de nos apercebermos do meio social
ao nosso redor.
A identidade cultural relaciona-se com a capacidade do sujeito se
identificar e se reconhecer através dos valores de uma determinada cultura.
Existe uma certa dificuldade em responder à pergunta “quem sou eu?”.
A resposta a esta pergunta é a visão que cada um tem de si mesmo, isto é,
corresponde ao nosso autoconceito, que inclui o conjunto de características,
pensamentos, sentimentos e noções que temos de nós mesmos.
A forma como nos descrevemos corresponde à nossa autoimagem, ou
seja, a forma como nos vemos face aos nossos papeis sociais, traços de
personalidade, imagem corporal, capacidades e habilidades.

Por outro lado, a forma como avaliamos a nossa autoimagem, positiva ou


negativamente, corresponde à nossa autoestima. Esta pode ser entendida
como a avaliação da autoimagem do indivíduo, através de juízos sociais que
interiorizou a seu respeito. É esta avaliação que nos permite estabelecer um
equilíbrio e bem estar psicológico, que leva a que o indivíduo se aceite a si
mesmo.
A construção da identidade é um processo que ocorre por fases,
iniciando-se com as relações precoces que são estabelecidas com os
cuidadores e posteriormente com a adolescência, a fase mais importante.

22
Adolescência

A adolescência é o período da vida de transição entre a infância e a vida


adulta. Modificações corporais, mudanças de humor, distanciamento dos
pais, defesa de causas e egocentrismo intelectual são algumas das
características do adolescente. É também importante salientar que o grupo
de pares assume um papel fundamental no desenvolvimento do adolescente
e na construção da sua identidade.

Na fase da adolescência existe um grande desenvolvimento a nível físico,


psicológico, social e cognitivo, o que pode levar a crises de identidade.
As crises de identidade ocorrem ao longo de toda a vida, sendo a que
acontece durante a adolescência particularmente importante, pois é neste
período que se constrói uma forma pessoal de estar no mundo. Isto acontece

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através da busca do papel sexual, da profissão, da separação dos pais, de
realizações pessoais, da procura pela autonomia, entre outros fatores.
Ao abordarmos a adolescência devemos considerar quatro principais
tipos de fatores: intelectuais, emocionais, fisiológicos e morais.
A nível intelectual, a adolescência é marcada pela construção de uma
nova forma de pensamento, pelo período das operações formais,
pensamento abstrato, combinatório, hipotético-dedutivo e proposicional.

No domínio emocional, surgem várias modificações sócio-afetivas,


principalmente no que toca à procura da autonomia. Esta procura é muitas
vezes feita através do desafio à autoridade parental, da desobediência aos
pais, sendo estes conflitos importantes para mudanças nas instâncias
psicológicas e ideais. Enquanto que na infância os pais são os grandes
modelos de identificação, na adolescência os pares da mesma idade ocupam
este papel. Assim, as amizades são também muito importantes no domínio
emocional.

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Alterações fisiológicas são também características desta etapa da vida. O
organismo é submetido a impulsos sexuais e sofre transformações biológicas,
como o funcionamento dos órgãos sexuais e o aparecimento de acne. No
sexo feminino estas alterações são marcados pelo desenvolvimento das
mamas, crescimento de pelos púbicos e rápido crescimento em estatura. No
sexo masculino as transformações observam-se através do desenvolvimento
testicular, crescimento repentino em altura e crescimento de pelos púbicos.

Na adolescência existe também um grande desenvolvimento moral, pois


é um período de construção de valores sociais e de interesse por problemas
éticos e ideológicos. O facto de o adolescente possuir capacidades
cognitivas de reflexão e abstração permite-lhe idealizar hipóteses mentais,
debater ideias e confrontar opiniões, construindo uma teoria própria e única
sobre a realidade. Para alcançar a autonomia, o adolescente confronta os
seus próprios valores, bem como os da sociedade onde está inserido.

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Erikson, psicólogo e psicanalista responsável pela Teoria no
Desenvolvimento Psicossocial referido anteriormente, defende que o
desenvolvimento e a construção da identidade ocorre em 8 estádios
psicossociais, sendo que os 4 primeiros ocorrem ainda durante a infância e
os restantes 4 na adolescência e vida adulta. Erikson deu especial atenção ao
período da adolescência, apresentando características que o adolescente
deve possuir para ser bem sucedido na tarefa de construir uma identidade
pessoal e um papel social, abandonando a infância e entrando no universo da
vida adulta: adquirir confiança, adquirir autonomia, ter iniciativa e mostrar
diligência.

Um aspeto interessante da teoria de Erikson é o facto de este encarar a


adolescência como moratória psicossocial, isto é, um período intermediário
admitido socialmente, durante o qual o adolescente procura uma posição na
sociedade por meio de livre experimentação de funções. Durante esta fase, o
individuo experimenta várias alternativas e possibilidades e, apesar de ainda
não ter desenvolvido uma identidade própria, procura-a. O adolescente pode
parecer perdido e à deriva mas, no fundo, está à procura de quem é e de
quem se irá tornar.

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Conclusão

Tanto a adolescência como a infância são determinantes no nosso


desenvolvimento e no processo de criação da nossa identidade. Ao longo
dos anos a ideia que se tem/tinha sobre a relação que é estabelecida entre
mãe e filho tem vindo a sofrer várias transformações, tendo os estudos de
Konrad Lorenz, John Bowlby, Harry Harlow, Mary Ainsworth, René Spitz e
Emmy Werner contribuído para que tal acontecesse.
Podemos concluir que a qualidade da relação que se estabelece entre o
bebé e o seu cuidador é de extrema importância para o seu desenvolvimento
físico, psicológico e social, e que necessita de estar assente em fatores como
afeto, proteção e confiança.
Também a adolescência é fundamental para a construção do “eu”, pois
constitui um período da vida de grande desenvolvimento e alterações a nível
bio-fisiológico, intelectual, afetivo e moral. O adolescente sofre mudanças em
todas estas áreas, afirmando-se socialmente como indivíduo. Durante este
processo de mudanças, procura adquirir autonomia e confiança,
nomeadamente através do desafio à autoridade parental.
Erikson aborda a adolescência como moratória psicossocial, ou seja, é
um período em que o adolescente procura quem deseja ser, antes de entrar
na vida adulta.
Todos estes fatores contribuem para a construção da nossa identidade
pessoal.

27
Bibliografia

Links sites:
https://www.oficinadepsicologia.com/a-vinculacao-da-sua-infancia/
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