A Coleção Formación en Español: Lengua Y Cultura: Um Debate Sob O Papel Do Aluno E Da Cultura
A Coleção Formación en Español: Lengua Y Cultura: Um Debate Sob O Papel Do Aluno E Da Cultura
A Coleção Formación en Español: Lengua Y Cultura: Um Debate Sob O Papel Do Aluno E Da Cultura
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
LINHA DE PESQUISA: ANÁLISES TEXTUAIS, DISCURSIVAS E ENUNCIATIVAS
Porto Alegre
2016
MICHELE MAFESSONI DE ALMEIDA
Porto Alegre
2016
MICHELE MAFESSONI DE ALMEIDA
BANCA EXAMINADORA:
________________________________
Lucia Rottava, Drª.
(Presidente/Orientadora)
_________________________________
Cleci Bevilacqua, Drª. (UFRGS)
_________________________________
Marilia dos Santos Lima, Drª. (UNISINOS)
_________________________________
Sara Regina Scotta Cabral, Drª. (UFSM)
AGRADECIMENTOS
Esta dissertação e sua autora não se construíram sozinhas. Os dois anos de pós-
graduação foram de intenso aprendizado profissional e pessoal. Minha vida, minha prática e
quem eu sou se modificaram, mas as pessoas que me são caras, não. A eles, em vista disso, o
agradecimento é um singelo gesto para mostrar-lhes o quanto foram (e são) fundamentais na
minha caminhada.
À minha família, agradeço por todo o apoio. Aos meus pais por me criarem para
enfrentar a vida. Eles não me educaram para ser uma princesinha, mas sim uma guerreira e,
graças a essa força que eles me ensinaram a ter, eu cheguei aqui. À minha irmã, maior amor
da minha vida, por fazer os momentos difíceis, que não foram poucos, mais doces e
suportáveis. À minha Dinda por todos os colos e por nunca me deixar fraquejar. Ao Tiago e a
Si por abrirem sempre sua casa para mim e me darem os dois maiores presentes que já
recebi, Duda e Mariana. Ao meu companheiro, dessa e de outras vidas, por ser meu porto
seguro, meu alento e por me amar incondionalmente, mesmo quando eu não merecia. Vocês
são quem eu sou e essa conquisa é de vocês.
À professora Lucia Rottava agradeço por acreditar em mim, me apoiar, me ajudar a
amadurecer no mundo acadêmico, por enxugar minhas lágrimas e sempre me fazer acreditar
que tudo daria certo. Ori, obrigada pela orientadora que a senhora é, mas, sobretudo,
obrigada por ser esse ser humano paciencioso e bondoso comigo.
Aos professores da pós-graduação em Letras, em especial, às professoras Carmen
Luci e Marília Lima e, também, ao professor Valdir Flores pelo espaço de troca de
conhecimento proporcionado nas aulas. As discussões propiciadas por vocês foram
fundamentais para o amadurecimento desta pesquisadora.
À professora Monica Nariño por ser meu norte na docência da língua espanhola, mas
também por ser sempre um ombro amigo e sempre ter uma palavra de amor para mim.
Aos meus amigos por entenderem meu tempo sempre escasso e meu estresse. Em
especial, agradeço à Marisa por ser minha companheira de vida e me conhecer mais do que
eu mesma me conheço, às Forevers por me animarem e estarem presentes no meu dia a dia,
aos “Guapos” por ouvirem as lamúrias desta mestranda, mas também por todos os
momentos de descontração e companheirismo que tivemos juntos, sobretudo nesse ano que
passou. Aos “Lucietes”, meus presentes do mestrado, por hallidiarem comigo.
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul, instituição graças à qual me formei
professora e me tornei adulta.
RESUMO
Esta dissertação teve por objetivo analisar os livros didáticos de Espanhol-LE sob o viés da
Linguística Sistêmico-Funcional. Tomou-se como objeto de investigação o Guia de livros
didáticos PNLD-Língua Estrangeira do ano de 2014 e a seção Interactuando con el texto da
coleção Formación en Español: lengua y cultura, a fim de observar as sugestões do referido
Guia a respeito do papel do aluno e da dimensão cultural da língua estrangeira (LE) bem
como o modo como se realizam essas indicações nas atividades desse material didático
destinado aos anos finais do Ensino Fundamental. Adotou-se, como marco teórico, a noção de
que a linguagem é um sistema de som/escrita/palavras e um recurso por ser um potencial de
significados. Halliday & Matthiessen (2004, p. 23), explicam essa relação entre o sistema e a
estrutura da língua, ou seja, os recursos disponíveis, dizendo que “a língua é um recurso para
marcar significado e o significado reside num sistema padrão de escolha”. Seguindo esse
caminho de entendimento, o texto é visto como um potencial de significados realizados. Esse
potencial realizado é organizado, no sistema linguístico, pelas metafunções, já que são
responsáveis por reconstruir, através do sistema léxico-gramatical, a experiência humana
instanciada nos textos. Para compreender o que propõe o texto instanciado no Guia PNLD
2014, utilizamos a metafunção ideacional, visando entender como se representam
experiencialmente os papéis de aluno e a cultura no documento. A metodologia para
compreender o Guia envolveu o uso das ferramentas do AntConc, ao gerar listas de palavras
com suas frequências percentuais na Wordlist e, identificada a palavra mais recorrente,
utilizar a Cluster/N-gramns para detectar os termos que se agrupam com a palavra em análise;
a Collocates para revelar as concordâncias e a FileView para observar como o termo é
apresentado no texto. Por sua vez, na análise do livro didático, foi identificada a constituição
da metafunção ideacional (identificação e frequência de aparecimento de processos,
participantes e circunstâncias) e da metafunção interpessoal (identificação e frequência de
aparecimento das funções constitutivas dos processos). Diante dos padrões léxico-gramaticais
encontrados, elucidam-se as orientações apresentadas e como o material didático as
materializa. Os resultados revelaram que o Guia instrui que o aluno deve usar a LE e os
elementos culturais devem estar presentes nas atividades. Nesse sentido, a coleção analisada
está em parte adequada a essa orientação, já que, nem sempre, há elementos culturais nas
tarefas.
La presente tesis de maestría ha tenido por objetivo analizar los libros didácticos de Español-
LE desde el marco de la Lingüística Sistémico-Funcional. Se ha investigado la Guia de livros
didáticos PNLD - língua extrangeira de 2014 y la sección Interactuando con el texto de la
colección Formación en español: lengua y cultura, con fines de observar las sugerencias de la
Guia respecto al papel del alumno y a la dimensión cultural de la lengua extranjera (LE) y a la
forma cómo se realizan estas indicaciones en las actividades de este material dirigido a los
años finales de la educación primaria. Para ello, se ha adoptado como concepto teórico la
noción de que el lenguaje es un sistema de sonido/escrita/palabras y un recurso por ser un
potencial de significados. Halliday; Matthiessen (2004, p. 23) explican esa relación entre el
sistema y la estructura de la lengua, o sea, los recursos disponibles, diciendo que “la lengua es
un recurso para marcar significado y el significado reside en un sistema patrón de elección”.
Siguiendo ese camino de compreensión, el texto se ve como un potencial de significados
realizados. Ese potencial realizado está organizado, en el sistema lingüístico, por las
metafunciones, puesto que son responsables por reconstruir a través del sistema
lexicogramatical la experiencia humana instanciada en los textos. Para entender lo que plantea
el texto instanciado en la Guia PNLD 2014, hemos utilizado la metafunción ideacional, con el
objetivo de comprender cómo se representan experiencialmente los papeles del alumno y de la
cultura en el documento. La metodología para interpretarla ha implicado el uso de las
herramientas del AntConc al generar listas de palabras con sus frecuencias porcentuales en la
herramienta WordList e, identificada la palabra más recurrente, utilizar la Cluster/N-gramns
para detectar los términos que se agrupan con la palabra en análisis; la Collocates para revelar
las concordancias con esa palabra y la FileView para observar el vocablo en contexto. En el
análisis del libro didáctico, se identifica la constitución de la metafunción ideacional
(identificación y frecuencia de aparición de procesos, participantes y circunstancias) y de la
metafunción interpersonal (identificación y frecuencia de aparición de las funciones
constitutivas de los procesos). Delante de los patrones lexicogramaticales encontrados, se
elucidan las orientaciones presentadas y cómo el material didáctico las materializa. Los
resultados revelan que la Guia PNLD 2014 enseña que el alumno debe usar la LE y que los
elementos culturales deben estar presentes en las actividades. En este sentido, la colección
analizada está en parte adecuada a esa orientación, ya que, no siempre, hay elementos
culturales en las tareas.
TEAR DA PESQUISA
“Educação talvez soe menos estimulante que engenharia social, mas é um conceito
mais antigo e mais pertinente para as nossas necessidades.” A afirmação de Halliday (2013
[1978], p. 18) em A linguagem como semiótica social, expressa o quão importante, para esse
linguista, é pensar a educação. Repito-a e a reafirmo, uma vez que partilhamos dessa ideia: é
preciso refletir sobre educação e, neste caso em particular, é preciso refletir sobre o ensino de
língua estrangeira (doravante LE) nas instituições públicas, visto que desde os tempos de
aluna de escola pública, tinha certeza de minha futura profissão: professora. Já naquela época,
questionava a respeito das condições de ensino a que era exposta: falta de docentes e de
material, dentre outros problemas enfrentados nesse contexto. Apesar de não saber em qual
área da profissão seguiria, uma certeza eu tinha: não queria trabalhar nessas instituições.
Passados alguns anos e mudados alguns sonhos, minhas certezas e dúvidas foram
sendo substituídas. Leciono Espanhol como língua estrangeira (doravante E/LE) e tenho a
certeza de querer trabalhar, nessa área, no contexto de ensino público. A dúvida passou a ser
como desenvolver um trabalho com E/LE nessas instituições mesmo com as dificuldades já
constatadas.
O ingresso no mestrado permitiu-me investigar o E/LE nesse contexto. Percebi que o
caminho para entender melhor como se dá seu ensino poderia ser uma análise dos materiais
didáticos utilizados para esse fim. E, com base nessa decisão, delineamos este estudo.
JUSTIFICATIVA DO ESTUDO
1
Dados extraídos de: <http://www.qedu.org.br/brasil/censoescolar>. Acesso em: 16 jan. 2015.
13
2
Segundo dados do censo escolar da escola básica de 2013 apenas 32% das escolas públicas possui esse recurso.
3
Esta pesquisa, sua autora e o ensino de Língua Espanhola no Brasil serão eternos devedores da professora
Terumi, referência na nossa área. Que este estudo se constitua, também, como uma homenagem póstuma a nossa
eterna guia.
14
4
II Workshop Systemics Across Language. Esse evento foi realizado na UnB em outubro de 2014. Cf.
http://iiiworkshopsal.blogspot.com.br/p/apresentacao.html, acessado em 19 de julho de 2015.
15
5
No original: “[...] la construcción de la realidad es inseparable de la construcción del sistema semántico”.
6
No original: “‘lenguaje como semiótica social’ significa interpretar el lenguaje dentro de un contexto
sociocultural, en que la propia cultura se interpreta en términos semióticos, como un sistema de información, si
se prefiere esa terminología”.
16
7
Analisaremos o Guia do ano de 2013, devido a este ter sido o último aprovado para o ensino fundamental. Seus
livros serão adotados nas escolas entre 2014 e 2016. (BRASIL, 2013).
17
METODOLOGIA DE PESQUISA
No que tange à escolha do objeto e dos procedimentos que usamos para estudá-lo,
destacamos que os dados desta pesquisa se constituem do Guia de livros didáticos8 de LEM
do PNLD 2014 e dos livros didáticos selecionados naquele edital. Desse conjunto, recortamos
e constituímos os dados da coleção Formación en Español: Lengua y Cultura9, por ser a mais
adotada nas escolas, segundo dados estatísticos do portal do FNDE10 e, na coleção,
selecionamos a seção Interactuando con el texto como objeto de análise. A coleção é
composta de quatro livros, sendo um para cada ano do ensino fundamental final, incluindo do
sexto ao nono ano.
Pretendemos, neste estudo, articular os procedimentos de análise da LSF, mais
especificamente, a análise da metafunção ideacional e do modo oracional da metafunção
interpessoal para observar o que o Guia expõe como pontos relevantes e o que apresenta o
LD. Olhamos os significados realizados de nossos objetos de pesquisa, delineando como se
distribuem estruturalmente as realizações dos significados de aluno e elementos culturais no
Guia e na obra didática; examinando o valor das opções realizadas em contraponto com as
opções dadas pelo sistema e discutindo como as realizações do papel do aluno e dos
elementos culturais contribuem para o significado.
Para isso, adotamos como procedimento de análise os seguintes passos, na ordem que
estão elencados:
1) Leitura do Guia do PNLD de 2013 e análise experiencial, utilizando o AntConc11
para observar e descrever quais as orientações apresentadas, no que se refere ao papel do
aluno e à presença de elementos culturais.
Recorremos, no programa Antconc12, às ferramentas Word list, Collocates, Clusters/N-
gramns e File View, explicadas na figura 1 a seguir:
8
Sempre que necessário, recorreremos ao Guia para uma melhor compreensão da coleção didática.
9
Esta coleção possui uma edição no ano de 2012, a qual foi adequada e, por isso, selecionada no edital do PNLD
de 2013.
10
Dados extraídos de: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos>.
Acesso em: 15 out. 2014.
11
O AntConc é um programa de computador que tem por objetivo auxiliar na análise linguística de textos
escritos ou orais transcritos. Kader & Richter (2013, p. 21) explicam sua constituição e funcionamento: “[...]é
um conjunto de ferramentas que permite buscas e faz o cálculo estatístico das ocorrências das palavras em um
corpus escrito, desenvolvido por Laurence Anthony, da Faculty of Science and Engineering - Waseda
University. [...] permite a extração de palavras (WordList), listas de concordâncias (concordance) e palavras-
chave (KeyWords)”.
12
Disponível online: http://www.laurenceanthony.net/software.html.
18
13
Nosso recorte de análise optou por investigar essa seção, devido ao fato de que no Manual do professor, onde
as seções são descritas, há a indicação de que esta é a responsável por propiciar a interação entre o aluno e o
ambiente.
20
ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO
14
Conferir seção 2.2.4.2
21
pressupondo que cada situação tem uma previsão de resposta, ou seja, acreditando haver um
modelo “engessado” do que devemos ou não dizer em uma interação. Desse modo, no
behaviorismo, aprender uma língua é formar hábitos e, no caso da meta de aprendizagem ser
uma LE, formar novos hábitos. O aluno, portanto, tem um papel passivo de reprodutor de
conteúdo e a interação entre educando e os elementos culturais não são colocados em relevo,
uma vez que o foco é a reprodução de estruturas e não o conhecimento cultural da LE a ser
aprendida.
No início dos anos 70, entretanto, muitos pesquisadores acreditavam que tanto o
behaviorismo quanto seus métodos15 de ensino não explicavam adequadamente o processo de
aquisição da LE (LIGHTBOWN & SPADA, 2013). Nesse sentido, Chomsky (apud
LIGHTBOWN & SPADA, 2013) foi o propulsor de uma mudança de fase nas teorias de
aprendizagem de outro idioma. Para esse linguista, a linguagem é uma faculdade inata, logo,
produzimos novas sentenças sem necessariamente repeti-las e isso se deve ao fato de que a
língua, na sua visão, é uma série de regras que já possuímos internalizadas. Em decorrência
disso, surge a abordagem inatista. Nessa abordagem, o aluno tem um papel passivo no
processo de aquisição, uma vez que sua aprendizagem depende da qualidade e da quantidade
de insumo a que é exposto e se dá pela internalização direta desse insumo. Nem a presença do
elemento cultural na aula de LE, nem a relação entre esses elementos e os alunos figura como
tema de discussão nessa abordagem, uma vez que não se explora o conteúdo ou o significado
cultural desses insumos.
O interacionismo surge, nos anos 80, para explicar as lacunas deixadas pela hipótese
inatista (LIGHTBOWN & SPADA, 2013), as quais estão, sobretudo, relacionadas ao papel
desempenhado pelo dispositivo biológico no processo de aquisição. Nesse modelo, a
interação é entendida como “uma tarefa comunicativa realizada aos pares, oportuniza que o
falante menos competente sinalize a não-compreensão do insumo16, provocando a negociação
de sentido de itens lexicais” (FONTANA, 2006, p. 107). Essa adaptação, que é feita através
da negociação, leva à aquisição17; então, podemos depreender que não há aprendizagem sem
adaptação de insumo. Essa abordagem defende que, para aprender uma L2, devemos
compreender o insumo que nos é ofertado de modo adaptado. O aluno, portanto, é um sujeito
que aprende em sala de aula, através de atividades controladas. Não há atenção para as
15
O Behaviorismo teve como métodos principais o audiolingual e a análise contrativa. Para informações sobre
esses métodos, ver Lightbown & Spada (2013) e Mitchell, Myles e Marsden (2013).
16
Conceito de insumo na abordagem inatista diz respeito à “Informação linguística fornecida sob a forma de
evidência positiva e condição suficiente à aquisição”. (SANTOS, 2008, p. 18)
17
Nesta pesquisa, os termos aquisição e aprendizagem são usados como sinônimos.
24
características individuais do aprendiz além das que influenciam no aspecto cognitivo, como
idade e/ou proficiência na LE. Isso quer dizer que não é considerada a relevância da
identidade18 do educando, uma vez que se leva em consideração apenas suas características
psicolinguísticas. O elemento cultural, desse modo, não figura como ponto de investigação no
processo de aquisição, pois o aspecto sociolinguístico ou cultural não entra em pauta nesse
processo.
Nos anos 90, outras teorias de base interacional foram desenvolvidas; no entanto,
nesse novo momento de investigação sobre a aquisição linguística, o aspecto cultural ganhou
destaque. O interesse pela relevância desse aspecto começou a se manifestar nos anos 80, mas
surgiu com força no cenário das teorias na metade dos anos 90, em particular com Lev
Vygotsky (MITCHELL, MYLES & MARSDEN, 2013). Preocupado com o desenvolvimento
infantil, Vygotsky produziu uma tese na qual defende que o desenvolvimento cognitivo, no
qual está incluída a aquisição da linguagem, é resultado das interações sociais.
A abordagem sociocultural para o ensino-aprendizagem de LE, portanto, pressupõe
que para aprender outra língua devemos nos engajar em um diálogo colaborativo com outro
falante. Isso faz com que discentes sejam sujeitos ativos no movimento de aprendizagem, pois
é durante o processo social da interação que o indivíduo reorganiza seu conhecimento e o
internaliza. O aluno é um sujeito que aprende levando em conta um contexto institucional,
através de atividades colaborativas nas quais tenha que se engajar na interação.
Nessa perspectiva, consideram-se as diferenças individuais do aprendiz, uma vez que
não há separação entre os aspectos psicológicos e o desenvolvimento social, ou seja, o
indivíduo e a linguagem constrõem a realidade social por meio da interação e são construídos
nesse processo em uma relação dialógica. O elemento cultural, por conseguinte, é parte
intrínseca do desenvolvimento cognitivo, já que o aluno deve apoderar-se de ferramentas
simbólicas da LE, dentre elas a língua, para poder interagir com o seu interlocutor.
A identificação do papel do aluno, bem como do modo como os elementos culturais
estão caracterizados na história do ensino de línguas é relevante, uma vez que buscamos
entender, sob uma perspectiva sistemicista, como esses elementos são apresentados no LD.
Agregamos, em razão disso, a seguir, uma seção que trata desses dois aspectos dentro da
teoria que serviu de base para este estudo, a LSF, fazendo um deslocamento para questões
relacionadas a uma abordagem de LE.
18
Quando falamos em identidade, neste caso na falta dela, nos referimos ao fato de que características como
idade, sexo, profissão, motivação para o estudo da LE, tempo dedicado a essa tarefa, nacionalidade, enfim, todas
as características que diferenciam os alunos culturalmente entre si não são abordadas.
25
19
Para uma informação detalhada sobre as bases antropológicas e sobre o próprio conceito de cultura, conferir
Carmo (2012).
27
nossa necessidade de aprender uma LE, a fim de sobreviver em um mundo globalizado que
necessita comunicar-se, ainda que não tenha nascido com a mesma L1 e como integrativa por
ser um costume que nos reúne enquanto grupo. Nesse sentido, Malinowski (1970, p. 118)
afirma que “[...] até atividades altamente derivadas tais como a aprendizagem [...] são também
definitivamente relacionadas, se bem que em diferentes graus, à necessidade de sobreviver
dos seres humanos, de manter saúde e um estado normal de eficiência orgânica”. As
sociedades respondem de maneiras diferentes às necessidades básicas e, por isso, a
comunidade indígena e a nossa comunidade têm necessidades instrumentais iguais – a
aprendizagem –, mas aparatos culturais diferentes – as instituições de ensino, no nosso caso, e
o ensino pela oralidade, no caso deles. Destarte, fica realçada a estrita relação entre os modos
de vida e as características culturais de um povo. Esse é o ponto de relação entre a visão
antropológica de Malinowski e a LSF:
O que é comum a todas essas atividades é que elas devem ser fundamentadas em
uma descrição da gramática que é coerente, abrangente e ricamente dimensionada.
Dizer isso não é mais do que sugerir que a gramática - o modelo de gramática - deve
ser tão rico quanto a própria gramática (Halliday, 1984b; 1996). Se a conta parece
complexa, isto é porque a gramática é complexa - tem que ser para fazer todas as
coisas que faz por nós. Não faz nenhum serviço a qualquer pessoa, em longo prazo,
se nós fingimos que semiose - a realização e compreensão do significado - é uma
questão mais simples do que realmente é. 22 (HALLIDAY; MATTHIESEN, 2004, p.
05).
20
As definições de língua e linguagem são trazidas em dois momentos dessa dissertação (cf. seção conceitos
teóricos no capítulo introdutório e seção 2.2).
21
Para perspectiva trinocular de análise cf. Metodologia de Pesquisa no capítulo introdutório.
22
No original: “What is common to all these pursuits is that they should be grounded in an account of the
grammar that is coherent, comprehensive and richly dimensioned. To say this is no more than to suggest that the
grammatics — the model of grammar — should be as rich as the grammar itself (Halliday, 1984b; 1996). If the
29
account seems complex, this is because the grammar is complex — it has to be, to do all the things we make it
do for us. It does no service to anyone in the long run if we pretend that semiosis — the making and
understanding of meaning — is a simpler matter than it really is.”
23
A definição de língua foi apresentada no capítulo introdutório, na seção Conceitos Teóricos.
24
Tradução feita por Figueredo (2007).
30
25
No original: The first principle of analysis is to distinguish between structure and system. Structure consists of
elements in interior syntagmatic relation and these elements have their places in an order of mutual expectancy
Systems of commutable terms or units are set up to state the paradigmatic value of the elements.
31
morfemas significa uma palavra, mas não pode significar uma frase cuja composição é feita
por um conjunto de palavras. Essa relação composicional-hierárquica se estende aos demais
componentes em cadeia.
Sistema e estrutura funcionam paralelamente, dado que a “estrutura é a ordenação
sintagmática na língua: padrões e regularidades, o que vai junto com o quê. O Sistema, em
contrapartida, rege outro eixo: padrões do que poderia vir ao invés do que foi. Esta é a
ordenação paradigmática do sistema linguístico”26 (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p.
22). Quando estamos falando em eixo paradigmático e, consequentemente, em sistema,
adentramos no arcabouço das possibilidades da língua. O sistema é definido pelo conjunto de
alternativas somado a sua condição de entrada, por isso, para delineá-lo, precisamos
compreender dois conceitos que se relacionam aos padrões de entrada: polaridade e
delicadeza.
A polaridade é a condição principal de entrada no sistema. Atua no eixo
paradigmático restringindo as escolhas, uma vez que todas as orações produzidas por um
falante devem ser positivas ou negativas. O caráter positivo e negativo da oração é uma
característica da oração que se relaciona com o potencial de significado (sistema) e não
depende dos padrões de uso (estrutura); no entanto, a escolha entre uma das opções
encaminha o modo como a estrutura se realiza. O sistema, ao contrário da estrutura – que se
organiza como “é parte de” – tem como princípio organizacional “é um tipo de”
(HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), ou seja, uma oração positiva é um tipo de oração.
O próximo passo é compreender o conceito de delicadeza, a qual é entendida como
uma condição de entrada que refina outra condição de entrada, atuando no eixo sintagmático
da língua. A delicadeza funciona quando as principais distinções, como negativo e positivo, já
foram feitas e a oração necessita de outras características funcionais para singularizar-se. No
sistema, o refinamento é de tipo “uma espécie de uma espécie de...”, já na estrutura “‘é uma
parte de uma parte de...’” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Vejamos, na figura 4, a
delicadeza atuando em um sistema simples, como o pronominal:
26
No original: “Structure is the syntagmatic ordering in language: patterns, or regularities, in what goes together
with what. System, by contrast, is ordering on the other axis: patterns in what could go instead of what. This is
the paradigmatic ordering in language.”
32
1.3.1.2 Estratificação
A compreensão do que é a estratificação na linguagem, terceira dimensão apresentada
na figura 3, inicia-se pelo estudo dos estratos que a compõem e nos ajuda a entender como
ocorre a produção de sentido na língua através da realização do sistema na estrutura. Todos os
sistemas semióticos29 se dividem em dois grandes estratos: o estrato do conteúdo, responsável
pelo significado, e o estrato da expressão, responsável pela exteriorização desse significado.
O que diferencia a língua dos demais sistemas semióticos é a sua separação do estrato do
27
No original: “The network is open-ended in delicacy: there is no point at which we can stop and say that no
further distinctions can be made. But if we extend the systemic description to some point where it is still well
within the limits of what speakers of a language can recognize as significantly different meanings, we have some
idea of the scale of the options available.”
28
No original: “A text is the product of ongoing selection in a very large network of systems — a system
network.”
29
A música, as artes plásticas e a dança também são sistemas semióticos, visto que, assim como a linguagem,
são construídos socialmente, biologicamente ativados e têm seus sentidos trocados através de canais psíquicos
(HALLIDAY, 2004).
35
Tomamos por exemplo a nota musical “dó”, trazida no trecho de Figueredo (2007)
apresentado acima e o deslocamos para o campo do sistema da linguagem. Se na música,
“dó”, independente da circunstância será um “dó”, na linguagem seu entendimento como nota
musical está condicionado ao contexto. Se estivermos num concerto de música e falarmos que
o cantor desafinou no “dó”, essa palavra se refere à nota musical; no entanto, se dizemos que
nosso filho perdeu seu urso de pelúcia favorito e estamos com dó, neste caso, “dó” assume o
sentido de “pena”. Isso mostra que na língua não há correspondência a priori entre forma e
conteúdo, pois o sentido estará condicionado à estratificação e ao contexto.
30
Os sistemas de quarta ordem, descritos por Halliday (2005), são as formas de expressão de significado mais
complexas, uma vez que são físicos, biológicos, sociais e semióticos ao mesmo tempo. Para uma descrição mais
detalhada (HALLIDAY, 2004, p. 03).
36
O estrato do conteúdo assume, então, foco de análise e atenção, pois é nele que o
significado da língua se expande. Nós fazemos sentido na língua, através do processo de
estratificação:
Observamos que a integração dos estratos se dá pela fonética que, via som motor, se
realiza na fonologia, a qual, por sua vez, compõe a léxico-gramática, que, na próxima
instância, integra a semântica e seu contexto. Esse processo composicional-hierárquico pelo
qual o sentido vai assumindo forma nos estratos é o que chamamos de realização. O conceito
de realização está estritamente ligado ao de instanciação, o qual será delineado na seção
subsequente.
1.3.1.3 Instanciação
A instanciação, quarta dimensão apresentada na figura 3, diz respeito à realização do
significado, ou seja, a transformação das possibilidades linguísticas em texto. Esse conceito
tem relação com a organização da língua em estratos, bem como com a realização das
dimensões estratais menores nas maiores31.
Quando queremos explicar como a língua funciona e como ela se relaciona com o
mundo, enfrentamos problemas, pois estamos lidando com duas perspectivas: “uma
31
Ambos os conceitos, estratificação e realização, foram tratados nas seções anteriores.
37
32
No original: “One perspective is that of language as system; the other perspective is that of language as text.”
33
Halliday; Matthiessen (2004) fazem uma diferença entre duas acepções de sistema dentro da teoria. O sistema
como componente paradigmático, ou seja, o sistema que faz parte da gramática e o sistema que abarca todos os
estratos. Este segundo tipo de sistema é o que está relacionado com a instanciação; o outro é o eixo
paradigmático de possibilidades da língua.
34
No original: “The weather is the text: it is what goes on around us all the time, impacting on, and sometimes
disturbing, our daily lives. The climate is the system, the potential that underlies these variable effects. […] The
climate is the theory of the weather. […] Similarly with the system of language: this is language as a virtual
thing; it is not the sum of all possible texts but a theoretical entity to which we can assign certain properties and
which we can invest with considerable explanatory power”.
35
Os números (1), (2) e (3) são as etapas de instanciação mostradas na figura 7.
36
No original: “[...] es todo el sistema semántico del lenguaje; lo cual constituye una ficción, algo que no
podemos esperar describir”.
38
seja algo que se pode descrever com mais facilidade”37 (HALLIDAY, 2013 [1978], p. 144). O
processo que vai do potencial oferecido pela língua até o texto instanciado, ou realizado, se dá
ao longo do contínuo de instanciação:
Fonte: adaptado pela autora a partir de Halliday (2004, p. 28, tradução nossa).
37
No original: […] es el sistema semántico particular, o conjunto de subsistemas, que se encuentra asociado a un
tipo particular de situación o contexto social; lo que también es una ficción, aunque sea algo que puede
describirse con mayor facilidad.
38
No original: “provided the theoretical key to quantitative studies of text undertaken to illuminate features of
the system: relatives frequencies observed at instance pole of the cline can be interpreted as system
probabilities”.
39
Menéndez (2010, p. 224) destaca a relação entre o contexto de situação e o de cultura e diz
que “um contexto de situação se inscreve dentro de um contexto de cultura. O primeiro se
caracteriza a partir do registro; o segundo do gênero”39. O contexto de situação é a
instanciação de um contexto de cultura, assim como o texto é a instanciação do sistema
linguístico. Desse modo, o contexto de situação se relaciona às variedades de uso que se
adequam às circunstâncias. Por sua vez, o contexto de cultura é um conjunto de situações
sociais que são geradas pela cultura40 e originam os potenciais de significados da língua.
Desse modo, todo texto está inserido, obrigatoriamente, em um contexto de cultura, o
que quer dizer que ele possui um significado sociocultural no ambiente em que circula, assim
como cumpre um propósito comunicativo nesse ambiente. Do mesmo modo, o texto oral ou
escrito está inserido em um contexto de situação que lhe é imediato. O texto é produzido e
significa sempre em contexto, como podemos ver na figura 8:
Contexto
de cultura
Contexto
de
Situação
Texto
A maioria dos textos que produzimos na vida adulta, ainda que estejam circunscritos
no ambiente imediato de produção de sentido, podem não ter relação com o entorno físico,
visto que “[...] o texto tem o poder de criar o seu próprio ambiente” (HALLIDAY;
39
No original: “un contexto de situación se inscribe dentro de un contexto de cultura. El primero se caracteriza a
partir del registro; el segundo, del género discursivo.”
40
Para maiores informações sobre o conceito de gênero na LSF (cf. ROSE; MARTIN, 2012; MARTIN, 2009 e
MEURER; BONINI; MOTTA-ROTH, 2005).
40
Para tornar concretas as noções de campo, relações e modo, pensemos no nosso objeto
de estudo: o livro didático.
41
No original: “the text has the power to create its own environment”.
42
No original: 1- the field of discourse: refers to what is happening, to the nature of the social action that is
taking place: what is it that the participants are engaged in, in which the language figures as some essential
component? 2- the tenor of discourse refers to who is taking part, to the nature of the participants, their statuses
and roles: what kinds of role relationship obtain among the participants, including permanent and temporary
relationships of one kind or another, both the types of speech role that they are taking on in the dialogue and the
whole cluster of socially significant relationship in which they are involved. 3- The mode of the discourse refers
to what part the language is playing, what it is that the participants are expecting the language to do for them in
that situation: the symbolic organization of the text, the status that is has, and its function in the context,
including the channel (it is spoken or written or some combination of the two?) and also the rhetorical mode,
what is being achieved by the text in terms of such categories as persuasive, expository, didactic, and the like.
41
43
Como dissemos anteriormente, o foco de descrição serão as duas metafunções (ideacional e interpessoal)
usadas na análise dos dados.
43
1.3.1.4 Metafunções
O entendimento das metafunções da linguagem está intimamente ligado às funções
básicas por ela desempenhadas. O ponto de partida para esse entendimento diz respeito a:
“Quais são as funções básicas da linguagem, em sua relação com nosso ambiente ecológico e
social? Nós sugerimos duas: construir o significado da nossa experiência e agir nessas
interações sociais” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 29)44. O fato de a linguagem
construir a experiência humana é evidente, uma vez que ela categoriza e taxonomiza as
coisas, e essas categorias variam de acordo com a língua, pois são fatos construídos na
linguagem. Esses elementos são organizados em padrões gramaticais complexos, através dos
quais não há nenhuma faceta humana que não possa ser transformada em significado.
A relação que se estabelece entre o texto e as categorias abstratas que explicam como
a linguagem funciona para transformar experiência em significado “é extremamente complexa
e indireta”45 (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 50). Devido a isso, a definição de
alguns recursos é necessária para que se entenda essa relação, dentre eles, a de oração. A
oração é “a mola mestra da energia gramatical; é a unidade onde os significados de diferentes
tipos, ideacional, interpessoal e textual, são integrados em um único sintagma” (ibidem)46; é o
potencial de significado da linguagem realizado.
Assim, a capacidade de construir significado relaciona-se com a metafunção
ideacional (oração como representação), pois em todas as línguas alguns recursos léxico-
gramaticais são responsáveis por teorizar a experiência humana. Essa metafunção pode ser
dividida em dois componentes: experiencial e lógico. A outra função básica da linguagem,
agir nas nossas interações sociais, é o que chamamos de metafunção interpessoal,
representando a oração como troca. Nessa metafunção, a linguagem é ação, diferente da
anterior na qual a linguagem é reflexão. Por fim, temos um terceiro componente: a
metafunção textual, a qual diz respeito à construção do texto. As metafunções ideacional e
interpessoal dependem da textual por ser a responsável pela organização do fluxo textual e
sua coesão (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; HALLIDAY, 2013 [1978]). Esses três
componentes se referem a diferentes tipos de significados realizados na oração e trazem
consigo outras funções do mesmo estrato de significado, o que indica que têm seus “próprios”
44
No original: “what are the basic functions of language, in relation to our ecological and social environment?
We suggested two: making sense of our experience, and acting out our social relationships”
45
No original: “is extremely complex and indirect.”
46
No original: “The clause, as we said, is the mainspring of grammatical energy; it is the unit where meanings of
different kinds, experiential, interpersonal and textual, are integrated into a single syntagm.”
44
Para fins ilustrativos, observemos um exemplo de análise de uma oração sob as três
perspectivas:
Quadro 3 – Metafunções: análise ilustrativa
Metafunções [ustedes] Escuchen dos veces el enunciado.47
Ideacional Participante Processo Circunstância Participante
Interpessoal Sujeito Finito e Resíduo
Predicador48
Modo oracional: Imperativo / Polaridade positiva
Textual Tema Rema
Fonte: elaborada pela autora (2016).
47
Estrato retirado de Villalba; Gabardo e Mata (2012, p. 06). Este é o primeiro enunciado da primeira atividade
do livro do 6º ano da coleção que vai até o 9º ano. Para conferir a página do livro, ver Figura 09.
48
O predicador é o grupo verbal menos o finito, nesse caso, eles aparecem fundidos. O predicador e o finito
aparecem separados em expressões como tem [finito] ocorrido [predicador]. Para maiores informações, conferir
a seção dedicada à metafunção interpessoal.
45
49
Entendida como a relação estrutural que se dá nas orações, podendo ser de igualdade (parataxe) ou de
desigualdade (hipotaxe) no sistema de interdependência e de expansão (o significado de uma oração é elaborado
em outras palavras ou tem uma informação agregada) ou de projeção (uma fala ou um sentido são construídos
por outra oração projetando em uma ordem maior de experiência o significado da oração a que alude) no sistema
lógico-semântico.
50
Frase e oração foram usadas como sinônimos.
46
experiencial, contudo, podem ou não aparecer na oração, por isso, na análise, possuem caráter
periférico.
Esse modelo processo/participante/circunstância é vantajoso, visto permitir, pela
análise da oração, observar os traços que marcam tanto a estrutura quanto a funcionalidade
dos elementos. As etiquetas funcionais servem para mostrar o papel desempenhado por cada
elemento da representação (THOMPSON, 2014) na estrutura e é por isso que, para entender
as diferenças de representações, figura como fundamental compreender que: “nós podemos
expressar o conteúdo da oração em termos de processos envolvendo participantes em certas
circunstâncias”. (THOMPSON, 2014, p. 92)
O processo é representado pelo grupo verbal e é responsável por simbolizar a
experiência humana. O tipo de experiência que simboliza marca as categorias de processo
existentes, sendo (a) materiais, os que refletem ações físicas (correr, pegar, sair); (b) mentais,
aqueles que mostram a experiência interna (ouvir, ver, pensar); (c) relacionais, quando
apresentam as relações entre entidades (ser, estar); (d) os comportamentais, são aqueles que
reconstroem comportamentos advindos de atividades psicológicas ou físicas (gostar, irritar-
se, ler); (e) os verbais relacionam as atividades linguísticas (dizer, responder, afirmar) e, por
fim, (f) os existenciais, são os que indicam a existência dos participantes (haver, existir). Os
participantes são representados por grupos nominais e são as entidades envolvidas nos
processos ou afetadas por eles. As circunstâncias, quando aparecem na oração, mostram as
condições de realização dos processos verbais.
51
No original: “As with any linguistic categories, some cases will fall more neatly into a category, whereas
others will be more marginal; and it is possible to identify more delicate sub-divisions within each category.”
48
52
Categorizado de acordo com Thompson (2014).
49
nos passivos, como em “A prova foi pega pelo aluno”, a ordem é invertida e a frase se
inaugura com o participante afetado pela ação, e não com o executor.
Considerando os tipos de processos materiais, para identificá-los na oração, podemos
usar três perguntas53:
1) O que ele fez: essa pergunta abarca os processos materiais intransitivos e
transitivos ativos.
2) Por quem foi feito: engloba as transitivas passivas
3) O que aconteceu com ele: abrange os processos materiais de caráter involuntário,
ou seja, com o ator e a meta coincidindo na ação.
Feita a identificação das subdivisões desse processo, podemos adentrar nos seus
participantes, uma vez que há outros, além de Ator e Meta, denominados participantes
secundários. Os secundários são o Escopo, o Beneficiário e o Atributo.
O Escopo é um grupo nominal que trabalha com o grupo verbal para expressar
significado, mas, diferentemente da Meta, não é atingido pelo processo verbal, uma vez que
ocorre em processos materiais intransitivos. É dividido em Escopo-entidade e Escopo-
processo (FUZER; CABRAL, 2010). O primeiro indica sobre quem o processo verbal se
desenrola como em “Os alunos se esconderam pelo corredor”, enquanto o segundo forma
uma unidade semântica com o verbo, como em “Maria cantarolava uma linda música”.
O Beneficiário equivale, na gramática tradicional, ao “objeto indireto”; no entanto, na
LSF, olhamos para sua função dentro da oração. Temos um participante beneficiário em dois
casos: quando o partícipe receber do Ator bens materiais (destinatário) e quando receber
serviços prestados pelo Ator (Cliente). O Beneficiário destinatário costuma ser introduzido
pela preposição “a”, enquanto o Cliente é acompanhado pela preposição “para” como em
“Compramos uma viagem de férias a José” (destinatário) e “Fiz as malas da viagem para
José” (cliente). Por fim, temos o participante Atributo, o qual é entendido como uma
característica atribuída a outro participante: “Maria correu apressada para sua entrevista de
emprego”.
O segundo processo é o mental. Ele é responsável por representar o mundo interno do
falante. Alguns exemplos desse tipo de processo são verbos como pensar, ouvir, sofrer,
gostar.
No processo mental, a funcionalidade do partícipe das orações é exercida pelo
Experienciador54, entendido como o grupo nominal, necessariamente humano ou
53
Todas as perguntas identificadoras de processos apresentadas nessa seção foram adaptadas de Thompson
(2014).
50
humanizado, que está vivenciando o processo (Maria pensou55 que não deveria sair tarde). O
atingido pelo Experienciador, por sua vez, é definido pela categoria Fenômeno (expresso pela
oração projetada: que não deveria sair tarde), definida como o que é sentido, sendo, portanto,
um complemento ao sentido do processo mental e não um participante atingido por ele. A
pergunta que pode ser utilizada, de modo geral, para identificar esse tipo de processo é “qual
foi a sua reação?”.
As orações mentais podem ser subdivididas em traços mais delicados de significado
em quatro tipos: perceptivas, emotivas, cognitivas e desiderativas. O Quadro 556 abaixo
sistematiza os subtipos, seus conceitos e dá exemplos de uso.
54
Os processos mentais não podem ser descritos como “fazedores do mundo”, assim como os materiais, estamos
impossibilitados de utilizar os componentes léxico-gramaticais ator/meta, típicos dos processos materiais, para
descrever seu funcionamento, logo, surgem novas denominações de participantes.
55
Categorizado de acordo com Halliday; Matthiessen (2014).
56
Esquematizada a partir de Thompson (2014) e Fuzer e Cabral (2010).
51
57
Exemplos de reversibilidade dos processos mentais emotivos.
58
Exemplos adaptados de Thompson (2014, p. 100).
59
A esquematização e os exemplos foram adaptados de Thompson (2014).
52
Quarta: o tempo verbal. Nos processos materiais, podemos usar mais facilmente o
tempo composto. Nos processos mentais, em contrapartida, o tempo mais comum é o simples.
Caso se use o composto, é necessária uma contextualização: “Ele está consertando o cabo”
(material – tempo composto) em comparação a “Ela gosta de Salmão (mental – tempo
simples)”.
Quinta: as perguntas são diferentes para “comprovar” os processos, pois em vez de
perguntar: o que ela fez? Pergunta-se: qual foi a sua reação?
Passamos a abordar o terceiro tipo de processo: relacional. Ele tem a função de
estabelecer uma relação entre duas entidades diferentes, sendo que uma é o objeto e a outra a
qualidade desse objeto, como na frase “Maria está doente”. Nesse exemplo, ainda que
estejamos lidando com dois conceitos, “Maria” e “doente”, apenas o primeiro participante é
do mundo real. A figura 13 nos mostra a relação que há entre os participantes da oração
relacional60, a qual motiva uma mudança nas denominações dos partícipes:
Os participantes dos processos relacionais não executam ou são atingidos pela ação
verbal, como ocorre nos materiais, e nem vivenciam as ações, como nos mentais. Nesse tipo
de representação da realidade há uma conexão entre as entidades, a qual pode se dividir em
dois tipos diferentes: atributiva e identificativa. Cada uma dessas categorias nomeia seus
participantes de uma maneira, já que interpretam a realidade de modo particular. O quadro
expõe os componentes léxico-gramaticais desses processos relacionais:
60
O teste chave para identificar os processos relacionais que não são construídos com o verbo “ser” é a
reversibilidade. Além da capacidade de ser reversível, existem outros cinco testes para a identificação: 1-Se o
segundo participante é adjetivo, deve ser atributivo. 2- Se o segundo participante é um grupo nominal, você tem
duas opções: Atributos- tipicamente indefinido Identificativos – tipicamente definidos 3- Oração incorporada
(Valor^Token) costuma ser atributivo. 4- Na Identificativa, o verbo pode ser substituído por: representa... ou foi
representada por... (nas atributivas isto não é possível). 5- As questões que sondam os processos são diferentes:
O que é... (atributivo e identificamos o portador) Qual/Quem é... (identificativo e identificamos o identificador)
(THOMPSON, 2014).
53
Função: identificar uma entidade em termos de outra Seu objetivo imediato era a igreja.
Os processos relacionais atributivos têm como função qualificar uma entidade, como
mostra o exemplo “O clima ficou agradável”. Já os identificativos, identificam um
participante em termos de outro. Atributivos e identificativos recebem etiquetas diferentes,
pois têm diferenças gramaticais, como mostram os distintos componentes léxico-gramaticais
que os representam. No entanto, não são grupos separados, pois a semântica “geral”
(relacionar unidades) do processo se conserva.
Nos processos atributivos, os componentes léxico-gramaticais que representam suas
funções são Portador e Atributo. Possuem uma relação na qual o segundo dá uma
característica para o primeiro. Já nos processos identificativos, a “identificação é uma questão
de relacionar uma realização específica e uma categoria mais generalizada” (THOMPSON,
2014, p. 102)61. Sendo assim, nesses tipos de oração, a categoria mais geral é denominada
Valor e, a mais específica, Característica. Vejamos dois exemplos62 que seguem:
(A) Marlow [característica] foi [p. relacional identificativo] o maior escritor dramático do
século 16 [valor].
(B) A forma mais forte [valor] é [p. relacional atributivo] o triângulo [característica]. 63
.
O contexto de produção da oração determinará o elemento que assume o papel geral
ou específico, logo devemos olhar para o que o verbo representa. Na voz ativa (B), um Valor
geral é representado por sua Característica específica. Na voz passiva (A), a Característica é
representada por seu Valor geral. A análise valor/característica mostra, salvo exceções como
em comunicados formais ou instruções de uso, a maneira que o escritor ou parte de uma
61
No original: “identification is a matter of relating a specific realization and a more generalizable category.”
62
Exemplos de processos relacionais identificativos e atributivos.
63
Adaptados de Thompson (2014, p. 103).
54
cultura categorizam e tratam seus valores, evidenciando, a ideologia que permeia o contexto
de cultura do texto.
O quarto processo é o verbal. Esse grupo representa uma ação física que reflete ações
mentais, por isso está localizado entre os processos mentais e relacionais na figura 12. São
denominados verbos de “dizer”. Eis alguns exemplos: perguntar, contar, caluniar, conversar,
entre outros. Os participantes envolvidos nesse processo são o Dizente, o Receptor, o Alvo e a
Verbiagem.
O Dizente está sempre presente nas orações verbais e costuma ser humano. O
Receptor, o qual também costuma ser humano, é o participante a quem a declaração verbal é
endereçada. O Alvo é o participante atingido pelo Dizente. A Verbiagem, por fim, é um
resumo da mensagem, contido em um grupo preposicional, surgindo quando a própria
mensagem é participante do processo. Vejamos alguns exemplos64:
64
Exemplos adaptados de Thompson (2014, p. 107-8).
55
vez, “Eles” não foi o alvo do chamado do soldado, apenas, o receberam. O último exemplo
(D) traz um participante, até então, não citado. Por fim, a projeção ocorre quando uma oração
ou uma citação direta reproduzem uma fala. Não é entendido como um objeto ou participante
comum, porque forma uma estrutura complexa com o verbo.
O quinto processo é o comportamental. Representa processos psicológicos
tipicamente humanos e suas características não são tão prototípicas quanto aquelas dos demais
processos.
A figura 14, de Fuzer e Cabral (2010, p. 77), exemplifica as nuances de significado
dessa classe de orações em relação aos processos verbais, mentais e materiais.
65
No original: “it is an exchange, in which giving implies receiving and demanding implies giving in response”.
58
significado vai através do falante, participante principal, e volta após o ouvinte recebê-la e
assumir o papel nuclear.
A distinção básica da natureza das trocas é entre DAR e RECEBER; no entanto outra
distinção presente na interação entre falante e ouvinte é a entre BENS E SERVIÇOS e
INFORMAÇÃO, a qual revela aquilo que é trocado no processo interativo (HALLIDAY;
MATTHIESSEN, 2004). Nas trocas de bens e serviços, recorremos à língua para auxiliar no
processo e ela não será o fim da interação verbal. Nas trocas de informação, a linguagem é o
objetivo final da troca, ou seja, o falante recebe uma resposta verbal como mercadoria de
troca da interação. A combinação dessas duplas gera os quatro tipos de troca primordiais,
chamados de funções constitutivas: oferta, afirmação, comando e pergunta.
66
Neste trabalho, optamos por fazer alusão às diferenças de grafia nos modos da estrutura interpessoal propostas
por Halliday. Desse modo, MODO oracional será em maiúscula por ser a tradução de MOOD e Modo verbal terá
a primeira letra em maiúscula por ser o Mood.
59
afirmações
perguntas
Oração
ordens
A estrutura de MODO foi primeiramente pensada por Halliday para a língua inglesa.
Estudos posteriores (MARTIN, 1992; TERUYA et al. 2007; CAFFAREL, 1995; 2006;
QUIROZ, 2015) chamaram a atenção para o fato de que os recursos usados na estrutura
interpessoal para dar continuidade à informação mudam de uma língua para outra. No inglês,
a estrutura interpessoal do sistema de Modo verbal está constituída por dois elementos:
Sujeito e Finito, responsáveis na oração por dar continuidade à informação, direcionando-a ao
ouvinte. O Sujeito é representado por um grupo nominal. Há, na LSF, uma reinterpretação do
seu conceito, uma vez que na gramática tradicional é visto como assunto/tema da frase. Já na
LSF, o Sujeito é apenas um dos três tipos de temacidade possíveis e é definido a partir de sua
funcionalidade na oração. Para deixar clara essa diferença de perspectiva, precisamos,
igualmente, deixar clara a diferença entre Ator e Sujeito. O primeiro é quem, de fato, pratica a
ação, enquanto o segundo é o correspondente gramatical do verbo, podendo ou não,
coincidirem. Observemos o exemplo67 abaixo.
(A) As crianças foram levadas à escola pela mãe.
Sujeito Ator
(B) A mãe levou as crianças à escola.
Sujeito/Ator
Na oração (A), não há correspondência entre Sujeito e Ator, uma vez que aquele que
pratica a ação é o que chamamos de “agente da passiva” (“pela mãe”). Na oração (B), Sujeito
e Ator coincidem de função, já que a “mãe” é o correspondente gramatical do verbo e, de fato,
levou as crianças à escola, executando, assim, a ação verbal.
67
Exemplo de Sujeito e ator na LSF.
60
O Sujeito é a entidade principal da oração inglesa, uma vez que é o responsável pelo
funcionamento da oração como evento interativo. O Finito, em contrapartida, é o responsável
por trazer a proposição para o aqui/agora através do tempo, inserindo-a no momento de fala, e
da modalidade, ao mostrar o julgamento do falante sobre a informação. O elemento Finito é
representado pela parte do grupo verbal que mostra o tempo da oração e/ou a opinião do
falante (os verbos modais são os finitos que mostram juízos de valor dos falantes), podendo
aparecer fundido ou acompanhado do Predicador na oração. Se voltarmos aos exemplos68
outrora utilizados, temos:
68
Exemplo de Sujeito, Ator, Finito e predicador na LSF.
69
Quiroz (2015, p. 294) define o conceito de negociador como: “una función semántico-discursiva que señala de
manera relevante cuál es el núcleo interpersonal de la cláusula (de manera análoga al elemento Modal del
inglés)”.
70
No original: “En la descripción de los núcleos interpersonales del inglés, del francés y del español hay, por
consiguiente, diferencias claras. Los recursos que establecen el estatus de negociabilidad de la cláusula y que son
puestos de relieve en el intercambio dialógico son interpretados en inglés en relación con una “sujetividad”
(subjecthood) y “finitud” (finiteness) separadas y manifiestas en dos elementos discretos en la cláusula, Sujeto ·
Finito, agrupados en el elemento Modal (Halliday 1994, Halliday y Matthiessen 2013). En francés, los recursos
de los que depende la negociabilidad de la cláusula se centran en tres funciones mínimas, Sujeto · Finito ·
Predicador, agrupadas dentro del Negociador (Caffarel 1995, 2006). Sin embargo, en español los contrastes y
recursos estructurales en juego se manifiestan primordialmente dentro del dominio del grupo verbal finito”.
61
71
No original: “in which the Subject is involved in some way”.
62
72
Os conceitos de modalidade e polaridade não são utilizados na análise dos dados; no entanto, são discutidos
para que tenhamos uma visão integral dos componentes que integram a metafunção interpessoal.
63
Neste capítulo, analisamos como o papel do aluno e dos elementos culturais estão
delineados no Guia de livros didáticos do PNLD 2014: Língua Estrangeira Moderna e na
coleção Formación en español: lengua y cultura. Para tanto, o organizamos em duas seções:
na primeira, denominada “O papel do aluno e a dimensão cultural no Guia de livros didáticos
PNLD 2014”, objetivamos compreender quais indicações sobre a função do discente e dos
componentes da cultura do E/LE são dadas para a coleção didática pelo Guia PNLD 2014.
Recorreremos, para isso, ao primeiro passo metodológico, que consiste na leitura desse
documento e sua posterior análise ideacional com o uso do programa AntConc.
A segunda seção, denominada “O papel do aluno e a dimensão cultural na coleção
Formación en español: lengua y cultura (2012)”, visa estudar a obra didática, oferecendo um
panorama de sua constituição e analisando as seções “Interactuando con el texto” dos LDs.
Reforçamos que a escolha por esse recorte de análise nos LDs se deu devido à indicação, nos
manuais, de que esta é a seção responsável por estabelecer a relação entre o aluno e o
universo circundante da LE. Pretendemos, com esse estudo, verificar que papel é concedido
ao aluno e aos elementos culturais do E/LE nas atividades da coleção. Essa verificação se dá
por meio da execução dos passos dois a sete da metodologia, quais sejam, respectivamente:
seleção de todas as seções “Interactuando con el texto” dos quatro LDs que integram a
coleção didática; análise da variável campo do contexto de situação dos textos que dialogam
com essas seções, tendo por propósito o estudo do elemento cultural; construçao de tabelas no
word para organizar os resultados encontrados; análise manual das metafunções ideacional e
interpessoal dos enunciados dessas seções para compreender o lugar do aluno na obra e como
se dá a interação com a cultura e construçao de tabelas no word para organizar essas análises.
Os resultados derivados desses passos são demonstrados através de exemplos representativos
do LD. Esta escolha metodológica se dá para que possamos tecer com o leitor o modo como
se constrói a representação do aluno e da cultura em toda a coleção didática.
O Guia PNLD 2014 é um material produzido pelo MEC para amparar os professores
das escolas públicas no momento da escolha da obra a ser adotada em suas instituições. Esse
65
[...] o processo [de seleção] foi orientado pelo entendimento de língua como
portadora de sentimentos, valores e saberes profundamente atrelados a processos
histórico-sociais muito diversificados. Além disso, considerou-se que aprender uma
língua estrangeira tem como princípios: proporcionar o acesso a sentidos
relacionados a outros modos de compreender e expressar-se no e sobre o mundo; e
articular ações que permitam romper estereótipos, superar preconceitos, criar
espaços de convivência com a diferença, que vão auxiliar na promoção de novos
entendimentos das nossas próprias formas de organizar, dizer e valorizar o mundo.
Esses princípios devem estar articulados ao caráter educativo da língua estrangeira,
de modo que essa possa ocupar seu espaço na escola pública e participar do esforço
conjunto de garantir uma formação cidadã. (BRASIL, 2014, p. 11-12).
73
No Guia PNLD 2014 consta uma ficha de avaliação pedagógica, que contém critérios didático-pedagógicos
para avaliar a obra, e uma ficha de avaliação técnica do DVD, a qual apresenta critérios técnicos para a avalição
dessa mídia (são observados, por exemplo, a acessibilidade, os conteúdos multimídia que integram a coleção e os
objetos educacionais multimídias presentes).
74
Nesse processo de seleção, foram inscritas 15 obras (4 de tipo 1 – livros impressos e cd`s de áudio- e 11 de
tipo 2 – livros impressos, cd`s e dvds) e aprovadas, apenas, duas de tipo 1.
66
expressar-se no e sobre o mundo” que marcam o modo de viver das comunidades falantes
desse idioma.
O Guia PNLD 2014, ao assumir concepções de língua e aprendizagem, atribui,
consequentemente, ao aluno e à cultura um papel no processo de aprender/ensinar a LE. Para
compreender o modo como os termos “aluno” e “cultura” são utilizados no Guia e, por
conseguinte, como se conformam as orientações sobre os seus papeis nesse processo,
analisamos os componentes léxico-gramaticais da metafunção ideacional do documento.
Nessa investigação, utilizamos o programa Antconc, empregando as ferramentas Word list
(para gerar listas de palavras por frequência), Collocates (para observar concordâncias),
Clusters/N-gramns (para identificar as palavras que se agrupam com aluno e cultura) e File
View (para observar a localização dos termos “aluno” e “cultura” no texto e fazer a análise
ideacional) (cf. seção 3 da introdução - Metodologia).
Com o auxílio do AntConc, analisamos o Guia PNLD 2014, utilizando as categorias
do sistema de transitividade: processo, participante e circunstâncias (cf. seção 2.2.4.1). Para
esse estudo, selecionamos dois conceitos centrais, aluno e cultura, a fim de responder a uma
de nossas perguntas norteadoras: qual o papel do aluno e dos elementos culturais sugerido à
coleção Formación en español: lengua y cultura.
As ferramentas do programa Antconc, para a análise do Guia PNLD 2014, foram
usadas em três etapas. A primeira etapa se constituiu em gerar uma lista de palavras no Word
List, a fim de verificar quantas aparições encontramos da palavra aluno e cultura,
respectivamente, e em que parte do material.
Nessa primeira etapa, o resultado observável do termo “aluno”, ao usar essa
ferramenta, foi de que a expressão (incluindo variações aluno e/ou alunos) aparece 40 vezes
ao longo do Guia. Depois de gerada a lista de palavras, recorremos, na segunda fase da
análise, ao File View para verificar a distribuição dessas ocorrências ao longo do material. O
resultado é apresentado na tabela 1:
75
A figura 17 mostra uma das formas – professores. As demais, para completar as 20 ocorrências, são as plurais.
76
Não há uma figura representativa do FileView, pois ele dá uma visão geral da obra, tendo, portanto, um
tamanho incompatível para reprodução nesta dissertação.
68
Nas outras 13 menções, sete à direita e quatro à esquerda, o Guia se refere ao professor como
um participante humano. Vejamos o exemplo 01(A e B) ilustrado:
01(A) Professor à direita: “Por esse motivo, o livro didático deve ser entendido (processo
principal) como uma produção que está vinculada a valores,
posições ideológicas, visões de língua, de ensino de língua, de
aluno, de professor, e de papel das línguas estrangeiras na
escola”.
01(B) Professor à esquerda “Cabe, portanto, ao professor oferecer (processo principal)
como ativo de um outros materiais ao aluno, assim como ampliar a exposição a
processo que o aluno é diferentes pronúncias e prosódias da língua espanhola”.
passivo:
(02) [Manual Sugere respostas no Livro do sem que tenham caráter exclusivo
do às Aluno, no CD ou restritivo em especial quando se
professor] atividades em áudio e no referem a questões relacionadas à
propostas DVD diversidade linguística e cultural
expressa na língua estrangeira?
77
O nosso foco de análise não são os grupos ou orações complexas e, portanto, sempre que um grupo complexo,
sobretudo, for analisado e responder às perguntas identificadoras das circunstâncias, o classificamos no tipo que
lhe corresponda sem detalhar o fato de funcionar como um grupo complexo.
70
78
Para maior detalhamento, ver Thompson (2014, seção 2.2, p. 25).
71
O processo propiciar (ação física figurada) sugere que o LD ofereça atividades que se
relacionem com a realidade do educando, tendo como beneficiado o próprio estudante. A
recorrência desse tipo de estrutura pode estar relacionada ao contexto de situação do Guia
PNLD 2014, cuja finalidade é indicar diretrizes para o ensino de LE, o que implica
considerar, diretamente, o aluno. Desse modo, percebemos que no documento, o aluno está
apassivado, visto que, na maioria das vezes, é o beneficiário do processo e não o executor da
ação (Ator). Apesar da estrutura predomintante da obra delinear o aluno como beneficiado do
processo material, como sugeriu o sistema de papeis ideacionais realizados nessas estruturas,
constatamos que haveria possibilidades de esse participante ser representado de maneira mais
atuante no Guia. O exemplo 04 retrata essa possibilidade.
79
Nesta única aparição ativada, o “aluno” aparece como Ator junto com o professor do processo encontrar,
referindo-se a situações de sala de aula.
72
80
(04) Uma dramatização a ser efetivada pelos alunos
80
Em grupos verbais complexos, o segundo verbo é o que expressa o processo, enquanto o primeiro costuma ter
relação com a modalidade (metafunção interpessoal). (HALLYDAY; MATHIESSEN, 2014).
73
oração verbal (estudante como participante Receptor), quanto na material (estudante como
participante Alvo) o estudante é o direcionamento da ação verbal e não o seu executor.
O segundo momento de análise dos dados constitui-se do estudo relacionado à
metafunção ideacional do termo “cultura”. Constatamos a presença de 23 menções ao termo
(cultura e/ou culturais, intercultural e sociocultural81).
Da mesma forma como procedemos à análise do termo “aluno”, recorremos ao
programa AntConc para compreender os usos da palavra “cultura”, tomando como
ferramenta Word List que nos mostrou que cultura é a trigésima oitava palavra mais
recorrente, e File View que permitiu que verificássemos a seguinte distribuição do radical –
cultur - ao longo do material:
10 Resenha
9 Ficha de avaliação
2 Apresentação
1 Critérios eliminatórios
Fonte: elaborada pela autora (2016).
Constatamos que, diferente do que ocorreu com o termo aluno, não houve associações
vocabulares incongruentes com seu conceito, portanto, nenhuma ocorrência do termo foi
excluída da análise. A figura 18 mostra uma lista de frequência por associação:
81
Todas essas formas são consideradas, por nós, como dado indistintamente, pois fazem alusão a aspectos
culturais, ainda que possuam prefixos diferentes da palavra originária.
74
82
O termo social não foi considerado na análise, pois aparece no Guia PNLD 2014 referindo-se à diversidade.
75
Ator 0
Qualificador da Meta 12
Escopo Entidade 0
Escopo Processo 0
Beneficiário Destinatário 0
Qualificador do Beneficiário Cliente 2
Atributo 0
Circunstâncias que aparecem Número de ocorrências
Qualificador da circunstância de ângulo 1
Qualificador da circunstância de modo 1
Qualificador da circunstância de meio 1
Fonte: elaborada pela autora (2016).
Podemos afirmar que, na maioria dos casos, cultura qualifica a entidade afetada pela
ação verbal (Meta), como podemos observar na análise da oração abaixo:
76
83
Na LSF, narrativo e descritivo são modalidades retóricas. Nós os estamos classificando como gêneros para
respeitar o modo como foram apresentados no LD.
78
Tabela 7 – Tipos de campo nos textos das seções Interactuando con el texto
Número de seções Número de textos que Tipo de elemento cultural que evocam
Interactuando con el dialogam com as seções
texto Interactuando con el texto
50 73 Campo integrativo 37
Campo 36
instrumental
Fonte: elaborada pela autora (2016).
O campo do texto “Mujer americana: ‘Palabra descalza’” (cf. figura 19) se insere na
atividade poema em que o escritor versa sobre a mulher latinoamericana com a finalidade de
descrever metaforicamente as características dessa personagem, relacionando-a a locais e à
81
O campo do texto “Desahógate” (cf. figura 20) se insere na atividade seção de troca
de mensagens sobre saúde mental de uma revista com a finalidade de responder a dúvidas
sobre esse tema e colocar em discussão mais um aspecto da saúde. Atividade e Finalidade
82
podem ser observadas nas ocorrências léxicas “Puedes enviar todas tus cartas a BRAVO”
(exemplo que mostra a atividade troca de mensagens) e “Es posible que padezcas um
Transtorno Afectivo Estacional” (exemplo que confirma a finalidade de responder a dúvidas).
Por sua vez, o objetivo do texto, na unidade que tem como temática norteadora questões de
saúde, é discutir com os alunos mais um tipo de cuidado, ao debater a influência dos
problemas emocionais nas nossas vidas. Essa realização do campo traz elementos culturais
instrumentais, visto que atende a necessidade básica humana de comunicação através do
elemento cultural instrumental de língua espanhola85, mas não mostra ao aluno costumes ou
características que marquem o modo de agir de uma parte da sociedade (o que caracterizaria
um elemento integrativo) como no texto da figura 19 antes analisado.
A divisão entre campos que evocam elementos culturais integrativos e que
apresentam elementos instrumentais (cf. seção 1.3 da parte teórica) não se dá de maneira
uniforme entre os LDs da coleção, como observamos na tabela 8:
85
Sempre que aparecer por extenso estará se referindo à língua espanhola como língua materna.
83
deparasse com uma característica de outro povo, refletisse sobre ela e, nesse processo,
aumentasse o seu potencial de significados culturais na LE ao reconhecer o modo de
funcionar de uma comunidade diferente da sua.
Os livros do sexto e do nono ano, diferente dos do sétimo e oitavo, fazem esse
trabalho mais complexo de construção do potencial de significado do aluno. Essa
complexificação se dá ao associar, nas tarefas, o trabalho com o E/LE e com costumes
característicos dos seus falantes. Exemplificamos tal característica com o texto “Mujer
americana: ‘Palabra descalza’” (cf. figura 19) que apresenta elementos culturais integrativos –
as características da mulher latina, ao mesmo tempo em que utiliza o instrumento língua nessa
apresentação. Alia na sua composição, portanto, o uso da língua e as características de uma
comunidade falante dessa língua.
Executamos, depois da identificação do tipo de elemento cultural evocado pelos
campos dos livros, os passos quatro a sete da metodologia. Realizamos, portanto, a seguir,
uma análise ideacional das seções “Interactuando con el texto”, a fim de verificar o modo
como o papel do aluno e dos elementos culturais trazidos são representados pelos processos,
seus participantes e suas circunstâncias, seguindo os passos do trabalho analítico com a
transitividade, apresentados na Figura 02 (seção Metodologia de Pesquisa do capítulo
introdutório).
No primeiro movimento de investigação, identificamos manualmente os tipos de
processos dominantes no LD. Nesse sentido, a tabela 9 esquematiza o que encontramos nesse
aspecto, bem como o número de vezes em que apareceram:
86
Usaremos a nomenclatura texto-base para os textos que estiverem dialogando com a seção “Interactuando con
el texto”.
87
Exemplos retirados do Livro 8 (VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012, p. 85).
85
88
O passo cinco da metodologia previa observar como os tipos de processos se combinam com as funções
constitutivas para compreender os significados realizados nos textos. Analisamos essas combinações para
identificar qual a diferença de representação entre os dois processos do exemplo 07, visto que, do ponto de vista
da metafunção ideacional, representam as entidades do mundo da mesma maneira.
86
89
Exemplo retirado do Livro 6 (VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012, p. 65).
90
Idem, p. 45.
87
91
Exemplo retirado do Livro 8 (VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012, p. 19).
88
Ator 142
Meta 127
Escopo Entidade 0
Escopo Processo 0
Beneficiário Destinatário 0
Beneficiário Cliente 0
Atributo 0
Circunstâncias que aparecem Número de ocorrências
Circunstância de lugar 38
Circunstância de maneira 16
Circunstância de contingência 7
Circunstância de causa 5
Circunstância de acompanhamento 2
Circunstância de papel 2
Circunstância de ângulo 2
Circunstância de matéria 3
Fonte: elaborado pela autora (2016).
Uma análise das opções de realização dadas pelo sistema mostra que dentre as
possibilidades de papeis passivos como o de Meta (participante ideacional responsável por
representar a entidade atingida pela ação material), o de Beneficiário (participante que é
beneficiado pela ação do ator), o de Escopo (participante de verbos intransitivos que integram
o seu sentido) ou o de Atributo (entidade responsável por caracterizar um participante), as
atividades do LD escolhem realizar o aluno no contínuo de instanciação como o executor das
ações pedidas nos enunciados (cf. Tabela 11). Podemos observar esta realização padrão do
aluno como participante Ator no exemplo 1192:
O trecho representativo mostra o aluno como ator de “anotar”, dito de outro modo, o
aluno é quem deve realizar a ação proposta pela atividade. Esse exemplo, além de ilustrar o
papel desempenhado pelo aluno na estrutura ideacional da coleção, aponta para outro padrão:
92
Exemplo retirado do Livro 8 (VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012, p. 32).
90
As orações materiais na função pergunta, no LD, são usadas para fazer que o aluno
reflita sobre o campo do texto-base. Essa função se realiza quando o escritor exige
informações do leitor (cf. Quadro 9). O LD (escritor), por sua vez, parece solicitar que o aluno
(leitor) apresente uma resposta sobre a localização da região citada no texto (cf. exemplo 12);
tal indagação sugere um movimento de reflexão sobre o campo do texto-base – o Dom
Quixote – e uma atitude responsiva e, por conseguinte, ativa na resolução da atividade por
parte do aluno.
A predominância da função comando sobre a função pergunta, ambas explicadas nos
exemplos 11 e 12, respectivamente, não significa que o aluno tenha um papel meramente
mecânico e pouco reflexivo. Embora haja a predominância de processos materiais na função
93
A atividade tive como texto-base um comentário, veiculado em jornal, sobre o filme chileno Machuca (a
temática deste filme é a ditadura chilena).
94
Exemplo retirado do Livro 7(VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012, p. 123).
91
comando nos enunciados das atividades do LD, esses processos estão, na maioria das vezes,
relacionados a outros tipos de representações como desvelou nossa análise experiencial dessas
orações. Verifiquemos a relação encontrada entre orações materiais e outros tipos de
processos:
Tabela 11 – Associação dos processos materiais a outros tipos na estrutura dos enunciados.
Processos materiais Processos com os quais se Número de Verbos mais
relacionam ocorrências produtivos
85 Comportamentais 34 Buscar
Verbais 21 Discutir/Justificar
Mentais 15 Leer
Relacionais 15 Ser
57 Aparecem sozinhos nas atividades
Total de ocorrências: 142
Fonte: elaborada pela autora (2016).
Uma análise das realizações experienciais mostra que, no exemplo (A) (cf. Quadro
12), o processo material “anotar” que poderia pedir ao aluno uma ação meramente mecânica
de retirar informação do texto, como em “Copie os países que aparecem no texto” ou “Copie
o trecho que define o cono sul”, tem sua significação enriquecida pelo processo
comportamental “buscar”. No momento em que a atividade sugere que o aluno busque
92
informações sobre o campo trabalhado no texto e, apenas após essa pesquisa, copie as
informações por ele mesmo encontradas, esse educando assume um papel ativo de
aprendiz/pesquisador, em vez de um papel passivo e mecânico de copista.
O exemplo (B) (cf. Quadro 12) mostra a segunda união mais realizada no polo
instância das atividades do LD: a entre processos verbais e materiais. A associação de um
processo verbal, sobretudo os verbos “discutir” e “justificar” (cf. exemplo 10), a um processo
material cuja significação costuma estar mais associada a ações do que a reflexões, faz que o
sentido da instrução dada na atividade se modifique. No exemplo (B), observamos que, ao
invés de o aluno, apenas anotar informações sobre poluição sonora, ele é levado a discutir,
tendo em conta o que foi observado em uma tabela do LD, como orienta a circunstância de
contingência95 e a, depois da discussão, executar a ação material de anotar as informações
dela derivadas. Essa confluência entre discutir-anotar faz que a instrução da atividade e,
consequentemente, a ação que ela gera no aluno seja reflexiva, uma vez que este estudante
interage com os demais aprendizes sobre o campo do texto-base e, depois, responde à questão,
desempenhando, portanto, o papel de aprendiz/reflexivo e ativo na resolução da tarefa.
A associação entre processos mentais e materiais constitui a terceira mais recorrente
(cf. Tabela 11). No exemplo (C) (cf. Quadro 12), observamos que o LD, em vez de dar um
quadro pronto com as diferentes formas de nomear as histórias em quadrinhos nos países
falantes de língua espanhola, propõe ao aluno duas ações para a realização da tarefa proposta.
Em um primeiro momento, indica a leitura do texto, operando um processo mental cognitivo
cuja característica é a de ser capaz de representar o conteúdo lido “Lea el texto”; em seguida,
o estudante deve organizar uma tabela, como encaminha a circunstância de maneira “en un
cuadro”, com as diferentes nomenclaturas de charge em língua espanhola (meta do processo
material “las diversas denominaciones de historietas”). Essa configuração faz com que o
aluno execute uma ação ou atividade, desempenhando o papel de Ator e, concomitantemente,
construa, do ponto de vista cognitivo, as informações ao ser Experienciador do processo
mental cognitivo. Desse modo, o educando, através da associaçao entre significados materiais
e mentais, torna-se um sujeito ativo na construção desse conhecimento em E/LE.
Os processos relacionais são o segundo tipo mais recorrente na coleção; contudo, ao
observar a associação com os materiais, a categoria aparece na última posição. A presença de
processos relacionais significa que o LD possui atividades de identificação e caracterizaçâo
de entidades (cf. exemplos 07 e 08), o que sugere uma interação entre aluno e texto-base; no
95
As circunstâncias de contingência mostram sob que ponto de vista ocorre a ação verbal (cf. Quadro 13).
93
entanto, a sua escassa realização em conjunto com ações materiais indica que os educandos
não são levados a produzir a partir da identificação dos componentes desse texto. O exemplo
(D) (cf. Quadro 12) mostra como a relação entre uma ação relacional e uma material pode ser
produtiva. Nesse fraseado, os alunos devem organizar o que encontraram (Meta “datos”),
esquematizando no quadro (como orientam as duas circunstâncias agregadas aos verbos “en el
pizarrón [circustância de lugar]” e “en forma de esquema [circunstância de maneira]96”) os
principais problemas dos imigrantes, em vez de apenas encontrá-los como indicaria o
processo relacional na função pergunta, caso aparecesse isolado. Uma atividade que requer
informações do texto e depois leva o aluno a executar a organização de tais informações é
mais rica e construtiva, uma vez que esse educando reflete para agir e não, simplesmente,
copia/identifica dados.
Constatamos, com base na análise ideacional empreendida, que os alunos
majoritariamente desempenham nas atividades um papel ativo e são levados a refletir sobre os
textos-base. Embora já tenhamos observado como o elemento cultural aparece na coleção
Formación en español: lengua y cultura e qual o papel do aluno nas atividades dessa obra,
falta-nos entender como se dá a relação entre o aluno e os elementos culturais dos textos. Para
isso, analisaremos como as Metas, responsáveis por direcionar sobre qual informação do texto
o aluno deve refletir, orientam esse estudante em relação aos campos.
A análise experiencial das Metas das atividades do LD mostrou haver sete tipos, os
quais esquematizamos na tabela 12 abaixo:
Tabela 12 – Metas das atividades do LD e sua distribuição por livro da coleção.
Tipos de metas 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano
1 Metas que se relacionam com a pesquisa do campo do texto- 23 8 12 11
base.
Campo integrativo e meta integrativa.
2 Metas que se relacionam com a pesquisa do campo do texto- 1 7 2 0
base.
Campo instrumental e meta integrativa.
3 Metas que trabalham o campo do texto-base de maneira 4 21 12 0
instrumental.
Campo instrumental e meta instrumental.
4 Metas trabalham informações do texto-base de maneira 3 2 1 3
instrumental.
Campo integrativo. Meta instrumental.
5 Metas que pedem produções após reflexões. 8 4 2 3
Campo integrativo. Meta integrativa.
6 Metas que pedem produções após reflexões. 0 0 2 0
Campo instrumental. Meta instrumental.
Fonte: elaborada pela autora (2016).
96
A circunstância de lugar responde a pergunta “onde” e no estrato do conteúdo agrega ao processo o local de
sua execução. A de modo, por sua vez, responde a pergunta “como” e acrescenta à ação sua maneira de
realização (cf. Quadro 13).
94
97
Os exemplos das metas foram retirados das atividades da seção Interactuando con el texto da coleção
Formación en español: lengua y cultura.
95
que o aluno interaja de maneira integrativa usando o E/LE. Os textos-base do enunciado que
analisaremos são dois: um deles é o conto da Chapeuzinho Vermelho, o outro, é, também um
conto, mas sobre a moral dessa história. Ambos os textos-base usam a língua espanhola para
trabalhar um tema, mas não apresentam modos de ser da comunidade falante de E/LE, ou
seja, não trazem elementos integrativos da cultura hispânica ou latinoamericana. A seção
“Interactuando con el texto”, em análise, tem predomínio de processos relacionais, portanto,
preponderantemente, os alunos devem identificar informações desse texto. Os processos
materiais que aparecem não levam a discussão para o âmbito de alguma ocorrência cultural.
O enunciado “¿Cómo podría defenderse la Caperucita Roja moderna de los ‘lobos malos’?”
leva o aluno a uma reflexão, sem instigá-lo a relacionar o campo da história com o de
possíveis riscos de violência, ou mesmo, casos de violência em algum país. Desse modo, o
campo instrumental não se expande e o aluno é impelido a dialogar com o texto, sem
necessariamente levar em conta os possíveis traços culturais advindos do tema proposto.
Trabalho este que necessitaria de complementação por parte do professor.
A Meta quatro aparece em atividades que interagem com as informações do texto sem
instigar à pesquisa ou à reflexão sobre o campo trabalhado. No livro do sexto ano cujo tema
norteador é a relação entre o mundo e o aluno, há uma seção que tem como texto-base um
poema sobre o estatuto do homem. Esse poema foi traduzido para o espanhol pelo Mario
Benedetti e sua finalidade é discutir os direitos e os deveres dos cidadãos. Seu campo
apresenta-se como integrativo, à medida que traz um autor da literatura hispânica, ainda que
não seja através de um poema de sua autoria. No entanto, as atividades da seção que propõem
a interação entre o texto e o aluno são, em sua maioria, de identificação de trechos do texto,
caracterizando-se como instrumentais. Confirmamos esse tipo de funcionamento no
enunciado “Anoten [p.material] qué derechos destaca Thiago de Mello [meta] en su poema
[circunstância de lugar]”. Haja vista a forma como se configura esse fraseado, o aluno é
levado a trabalhar com as informações do texto e ter a ação material de anotá-las, mas não há
menção a qualquer discussão que amplifique o campo. Essa Meta poderia tornar-se integrativa
se relacionada a um processo comportamental, como buscar, que conduzisse o educando a
conhecer o modo que os direitos e deveres estão sendo (ou não) respeitados nos países e quais
campanhas ou medidas já existem. Desse modo, apesar de o texto-base apresentar traços
integrativos, a seção e seus enunciados o trabalham de maneira instrumental.
As Metas cinco e seis estão nas atividades de produção de murais, cartazes, tabelas e
textos sobre os campos dos texto-base. A diferença entre os dois tipos de Metas veiculados
96
nas tarefas é que a quinta mantém o caráter integrativo do texto-base, enquanto a sexta
mantém o caráter instrumental de trabalho com E/LE.
A Meta cinco pode ser exemplificada por uma seção “Interactuando con el texto” que
compõe a unidade três do livro seis. Essa unidade tem como temática as formas de viver. Os
textos-base, da seção que analisamos, trazem uma série de casas como a Casa pueblo do
Uruguay e o Palácio do Planalto do Brasil, a fim de discutir as formas de construir e viver
nesses locais, sendo, portanto, textos-base de campo integrativo. Os enunciados dessa tarefa
são: “1) Dibuja [p.material] o pega [p.material] uma foto de la casa de tus sueños [Meta], e 2)
Escribe [p.material] por qué te gusta esa casa [Meta], siguiendo las sugerencias [circunstância
de maneira].” Observamos, nos exemplos, que são solicitadas as ações de desenhar (dibuja),
colar (pegar) e escrever (escribe) ao aluno, ou seja, ele deve produzir a sua casa dos sonhos e,
consequentemente, a sua forma de viver, a partir do que foi discutido sobre as formas de viver
nos locais falantes de língua espanhola e no seu local de residência. Desse modo, o educando
reflete sobre o elemento cultural integrativo modos de viver dos falantes de espanhol para, em
seguida, produzir um elemento cultural que o represente.
A Meta seis pode ser ilustrada por uma seção “Interactuando con el texto” que
compõe a unidade dois do livro oito. Essa unidade tem como tema norteador as formas de
persuasão e como objetivo a produção de um texto publicitário. Podemos notar, já de
antemão, que o tema da unidade tem, como um todo, um caráter mais instrumental: o de usar
o E/LE para persuadir o seu interlocutor. Analisamos a seção que tem por texto-base um
banner (atividade) cuja finalidade é sensibilizar o interlocutor para o fato de que, de acordo
com a ideia passada pelo texto do LD, todos podemos ser solidários. Observamos, assim
sendo, que o campo é instrumental, à medida que usa o E/LE para falar de solidariedade, mas
não apresenta elementos culturais integradores ou ações concretas sobre o tema na sociedade.
A tarefa que traz a Meta de produção orienta: “Elaboren [p.material] una alternativa de texto
[Meta] para la campaña de solidariedad anterior [circuntância de causa-razão]”. Analisando o
enunciado, vemos que o aluno deve executar a ação material de elaborar um texto (como
orienta a Meta) que tenha como finalidade o campo trabalhado no texto-base: solidariedade
(de acordo com o que indica a circunstância de causa-razão98). Desse modo, o texto-base e a
atividade proposta usam a língua para interagir, sendo instrumentais, uma vez que não
trabalham, por exemplo, campanhas de solidariedade de países hispano-falantes ou instigam
98
A circunstância de causa-razão demostra os motivos de realização do processo e responde à pergunta “por
que” (cf. Quadro 13).
97
os alunos a buscar mais informações sobre essas campanhas. A tarefa, em razão disso,
classifica-se como instrumental de acordo com o campo ao qual se refere.
A análise do papel do aluno e dos elementos culturais permitiu que inferíssemos
alguns resultados:
1) Há dois tipos de elementos culturais trazidos nas atividades do LD: os integrativos,
que trabalham os costumes que caracterizam uma comunidade, e os instrumentais,
que atendem as necessidades básicas (como a comunicação);
2) O tipo predominante de processo nos enunciados é o material na função comando;
no entanto, ainda assim, o aluno tem um papel reflexivo e ativo nas atividades do
LD devido à associação dessa categoria com os demais processos do sistema de
transitivade no polo instância;
3) O participante Meta é dividido em seis categorias semânticas e determina como se
dá relação entre o aluno e os elementos culturais, trazidos nos textos-base.
A análise manual que buscou as frequências relativas no contínuo de instanciação dos
componentes ideacionais (processos, participantes e metas) e dos interpessoais (funções
constitutivas), bem como a que contrapôs as opções dadas pelo sistema, possibilitou-nos
verificar que o aluno tem, preponderantemente na obra, um papel ativo, à medida que deve
refletir sobre os temas trabalhados nos textos-base, bem como produzir na LE com base
nesses temas. No que se refere aos elementos culturais, percebemos que os livros seis e nove
possuem mais temas integrativos em contraposição aos temas mais instrumentais
apresentados nos campos dos livros sete e oito, sendo, portanto, divido por livro o modo como
a presença desse elemento ocorre.
O diálogo entre os elementos culturais e o aluno, que já sabemos ter papel ativo nas
resoluções das atividades, realiza-se por meio das Metas. Os LDs do sexto e nono ano, que na
sua constituição já apresentavam mais textos-base com campos integrativos, mantiveram esse
padrão nas suas atividades (o LD seis tem 32 atividades integrativas e sete instrumentais. Já o
LD nove, tem 14 integrativas e tres instrumentais). O LD do sétimo ano, nos textos-base,
apresentou mais campos instrumentais (um total de 30 dos 42 que compõem as tarefas do
livro); no entanto, seu caráter instrumental foi amenizado pelas atividades com Metas
integrativas. Devido a essas atividades, apenas 23 dos 42 enunciados mantiverem um trabalho
com o E/LE sem discutir os modos de ser dos seus falantes. O LD do oitavo ano, por fim, dos
quatro livros, é o que possui uma divisão mais equilibrada entre atividades apenas com o uso
da LE e atividades com a sua cultura. Esse equílibrio foi mantido, uma vez que possui 16
tarefas integrativas e 15 instrumentais (cf. Tabela 12). Constatamos, em vista disso, que os
98
LDs do sexto e nono ano possibilitam um maior acesso dos alunos aos modos de ser e pensar
dos países falantes de língua espanhola que os sétimo e oitavo.
99
Esta dissertação buscou entender como o E/LE constroi significados na sala de aula e
como esses sentidos estão sendo utilizados para significar culturalmente. Adotamos, para isso,
uma visão sistêmico-funcional, uma vez que nos permite entender o fenômeno linguístico na
sua integralidade por interpretar a linguagem em relação ao seu lugar no processo social.
A motivação para a pesquisa apresentada foi, primeiramente, de cunho pessoal. No
ano de 2014, junto a minha entrada na pós-graduação, comecei a carreira no magistério
público. Eu, aluna de escola pública, bolsista do PIBID, e, pela primeira vez, professora do
ensino público, me via diante de poucos recursos, mas muita vontade de dar o melhor aos
meus alunos. Busquei trabalhos que pudessem me ajudar a entender um dos únicos materiais
que tinha em minhas mãos, o LD, e encontrei poucos que o estudassem com foco no E/LE.
Desse modo, minha motivação foi complementada por um incentivo teórico: a escassez de
trabalhos que se debruçam sobre os LDs de E/LE para entender como esses funcionam.
Caminhei, então, para a análise de LDs, mais precisamente, para o estudo do papel que o
aluno possui nas tarefas dessas obras didáticas, a análise do modo como o elemento cultural é
representado e, por fim, a compreensão da maneira com que se estabelece a relação entre o
educando e a cultura do E/LE. Organizamos, em vista disso, nossa trajetória de entendimento
da seguinte forma.
Nas duas primeiras seções do capítulo um, foram apresentadas brevemente como as
abordagens de ensino de LE e a LSF definiram o papel que o aluno e os elementos culturais
deveriam ter no processo de aprendizagem de uma LE. Essa exposição foi necessária, uma
vez que nosso objeto de análise, o LD, está circunscrito em um contexto de situação
subordinado a um contexto de cultura constituído por essas concepções. Constatamos,
verificando o que determinam as abordagens, a seguinte distribuição do papel do aluno e dos
elementos culturais:
100
A relação entre aluno e cultura se dá através das Metas dos enunciados. Observamos
que os livros do sexto e do nono ano trazem o trabalho com a cultura da LE de maneira mais
marcada, enquanto os livros do sétimo e do oitavo ano enfocam no trabalho de temas gerais,
através do uso da língua espanhola. Halliday ([2013] 1978, p. 32), ao apontar que “com o
objetivo de que a língua seja um meio de aprendizagem, é fundamental que a criança possa
codificar com a linguagem, mediante palavras e estruturas, sua experiência nos processos do
mundo exterior e nas pessoas e coisas que participam nele”, demonstra que o trabalho
desenvolvido pelos livros sete e oito é relevante, uma vez que o aluno está codificando a
linguagem; no entanto, o modo como estão constituídos os livros seis e nove é mais
adequado, pois o aluno é levado a entender o modo como os falantes de língua espanhola
constroem sua experiência e, portanto, como o E/LE é usado para significar no mundo.
Retomando os objetivos que foram propostos para esta dissertação, é possível afirmar
que esta dissertação encerra-se cumprindo seu objetivo geral e seus objetivos específicos. A
análise do Guia PNLD 2014, primeiro de nossos fins específicos na pesquisa, constatou que
há sugestões para que o aluno interaja com a LE, mas não há indicação de qual o seu papel
nessa interação. Já o elemento cultural é colocado como fundamental nas obras didáticas e
deve ser apresentado na sua diversidade. Esse resultado fez com que déssemos o primeiro
passo para entender a relação entre as atividades do LD e o papel dado ao aluno e à cultura
neste.
Seguimos a investigação com a busca pelos campos predominantes nas atividades da
coleção Formación en Español: lengua y cultura. Essa análise revelou que, de acordo com o
LD, há um campo dominante. Nas obras do sexto e do nono ano, predomina a cultura na sua
manifestação integrativa e nas do sétimo e oitavo na sua manifestação instrumental. Pudemos,
assim, observar como são trazidos os elementos culturais nessas obras didáticas.
A pesquisa em busca do tipo de processo predominante revelou que, nas atividades do
LD, há o domínio do tipo material na função comando que, associado à realização no
fraseado com outros tipos de processo, faz com que o aluno e o LD dialoguem nesses
exercícios. O elemento cultural, por sua vez, como observamos, é trabalhado através das
metas dos enunciados. Esse estudo do Guia PNLD 2014 e da coleção didática, sob o viés
sistêmico-funcional, contribui ao trazer uma aplicação da teoria, até então, pouco explorada.
Compreendemos, isso posto, que o objetivo geral a que esta dissertação se propôs foi
atingido, uma vez que analisamos o modo como o aluno dialogou com a cultura –
instrumental ou integrativa – apresentada no LD. Da mesma forma, identificamos a maneira
com que os referentes culturais são apresentados ao aprendiz. Cabe destacar que ainda são
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necessários mais trabalhos que investiguem os LDs de E/LE distribuídos pelo MEC. Como
sugestão para pesquisas futuras, apontamos a descrição de outros aspectos das obras didáticas
das coleções que não foram analisadas nesta pesquisa.
A investigação desses pontos, não discutidos neste estudo, auxiliaria no
aperfeiçoamento do LD de E/LE distribuído pelo MEC. Reconhecemos as dificuldades de se
produzir uma coleção didática para ser usada em todo o Brasil. Admitimos que esses LDs, em
vista disso, nunca serão completamente adequados a todos os contextos de ensino de E/LE em
um país tão diverso quanto o nosso; no entanto, esse instrumento pedagógico tem a tarefa de
ser melhorado, uma vez que, como já dissemos, costuma ser, muitas vezes, o único material
de LE a que o aluno tem acesso.
Esta dissertação, em sua essência, foi uma tentativa de assistir outros professores de
E/LE a entender a constituição do LD. Esperamos ter contribuído para que os docentes
dominem o modo como a coleção didática organiza suas atividades e, com esse domínio,
convertam-na em um material útil e transformador no ensino de E/LE nos seus contextos de
atuação. Esses educadores serão, nessa perspectiva, agentes ativos no aprimoramento do LD e
no progresso da atual da situação do ensino de LE no contexto de escola pública.
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