A Coleção Formación en Español: Lengua Y Cultura: Um Debate Sob O Papel Do Aluno E Da Cultura

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
LINHA DE PESQUISA: ANÁLISES TEXTUAIS, DISCURSIVAS E ENUNCIATIVAS

A COLEÇÃO FORMACIÓN EN ESPAÑOL: LENGUA Y CULTURA: UM


DEBATE SOB O PAPEL DO ALUNO E DA CULTURA

MICHELE MAFESSONI DE ALMEIDA

Porto Alegre
2016
MICHELE MAFESSONI DE ALMEIDA

A COLEÇÃO FORMACIÓN EN ESPAÑOL: LENGUA Y CULTURA:


UM DEBATE SOB O PAPEL DO ALUNO E DA CULTURA

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul como
requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em
Estudos da Linguagem – Análises Textuais,
Discursivas e Enunciativas.

Orientadora: Profa. Dra. Lucia Rottava

Porto Alegre
2016
MICHELE MAFESSONI DE ALMEIDA

A COLEÇÃO FORMACIÓN EN ESPAÑOL: LENGUA Y CULTURA:


UM DEBATE SOB O PAPEL DO ALUNO E DA CULTURA

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul como
requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em
Estudos da Linguagem – Análises Textuais,
Discursivas e Enunciativas.

Aprovado em 29 de março de 2016.

BANCA EXAMINADORA:

________________________________
Lucia Rottava, Drª.
(Presidente/Orientadora)

_________________________________
Cleci Bevilacqua, Drª. (UFRGS)

_________________________________
Marilia dos Santos Lima, Drª. (UNISINOS)

_________________________________
Sara Regina Scotta Cabral, Drª. (UFSM)
AGRADECIMENTOS

Esta dissertação e sua autora não se construíram sozinhas. Os dois anos de pós-
graduação foram de intenso aprendizado profissional e pessoal. Minha vida, minha prática e
quem eu sou se modificaram, mas as pessoas que me são caras, não. A eles, em vista disso, o
agradecimento é um singelo gesto para mostrar-lhes o quanto foram (e são) fundamentais na
minha caminhada.
À minha família, agradeço por todo o apoio. Aos meus pais por me criarem para
enfrentar a vida. Eles não me educaram para ser uma princesinha, mas sim uma guerreira e,
graças a essa força que eles me ensinaram a ter, eu cheguei aqui. À minha irmã, maior amor
da minha vida, por fazer os momentos difíceis, que não foram poucos, mais doces e
suportáveis. À minha Dinda por todos os colos e por nunca me deixar fraquejar. Ao Tiago e a
Si por abrirem sempre sua casa para mim e me darem os dois maiores presentes que já
recebi, Duda e Mariana. Ao meu companheiro, dessa e de outras vidas, por ser meu porto
seguro, meu alento e por me amar incondionalmente, mesmo quando eu não merecia. Vocês
são quem eu sou e essa conquisa é de vocês.
À professora Lucia Rottava agradeço por acreditar em mim, me apoiar, me ajudar a
amadurecer no mundo acadêmico, por enxugar minhas lágrimas e sempre me fazer acreditar
que tudo daria certo. Ori, obrigada pela orientadora que a senhora é, mas, sobretudo,
obrigada por ser esse ser humano paciencioso e bondoso comigo.
Aos professores da pós-graduação em Letras, em especial, às professoras Carmen
Luci e Marília Lima e, também, ao professor Valdir Flores pelo espaço de troca de
conhecimento proporcionado nas aulas. As discussões propiciadas por vocês foram
fundamentais para o amadurecimento desta pesquisadora.
À professora Monica Nariño por ser meu norte na docência da língua espanhola, mas
também por ser sempre um ombro amigo e sempre ter uma palavra de amor para mim.
Aos meus amigos por entenderem meu tempo sempre escasso e meu estresse. Em
especial, agradeço à Marisa por ser minha companheira de vida e me conhecer mais do que
eu mesma me conheço, às Forevers por me animarem e estarem presentes no meu dia a dia,
aos “Guapos” por ouvirem as lamúrias desta mestranda, mas também por todos os
momentos de descontração e companheirismo que tivemos juntos, sobretudo nesse ano que
passou. Aos “Lucietes”, meus presentes do mestrado, por hallidiarem comigo.
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul, instituição graças à qual me formei
professora e me tornei adulta.
RESUMO

Esta dissertação teve por objetivo analisar os livros didáticos de Espanhol-LE sob o viés da
Linguística Sistêmico-Funcional. Tomou-se como objeto de investigação o Guia de livros
didáticos PNLD-Língua Estrangeira do ano de 2014 e a seção Interactuando con el texto da
coleção Formación en Español: lengua y cultura, a fim de observar as sugestões do referido
Guia a respeito do papel do aluno e da dimensão cultural da língua estrangeira (LE) bem
como o modo como se realizam essas indicações nas atividades desse material didático
destinado aos anos finais do Ensino Fundamental. Adotou-se, como marco teórico, a noção de
que a linguagem é um sistema de som/escrita/palavras e um recurso por ser um potencial de
significados. Halliday & Matthiessen (2004, p. 23), explicam essa relação entre o sistema e a
estrutura da língua, ou seja, os recursos disponíveis, dizendo que “a língua é um recurso para
marcar significado e o significado reside num sistema padrão de escolha”. Seguindo esse
caminho de entendimento, o texto é visto como um potencial de significados realizados. Esse
potencial realizado é organizado, no sistema linguístico, pelas metafunções, já que são
responsáveis por reconstruir, através do sistema léxico-gramatical, a experiência humana
instanciada nos textos. Para compreender o que propõe o texto instanciado no Guia PNLD
2014, utilizamos a metafunção ideacional, visando entender como se representam
experiencialmente os papéis de aluno e a cultura no documento. A metodologia para
compreender o Guia envolveu o uso das ferramentas do AntConc, ao gerar listas de palavras
com suas frequências percentuais na Wordlist e, identificada a palavra mais recorrente,
utilizar a Cluster/N-gramns para detectar os termos que se agrupam com a palavra em análise;
a Collocates para revelar as concordâncias e a FileView para observar como o termo é
apresentado no texto. Por sua vez, na análise do livro didático, foi identificada a constituição
da metafunção ideacional (identificação e frequência de aparecimento de processos,
participantes e circunstâncias) e da metafunção interpessoal (identificação e frequência de
aparecimento das funções constitutivas dos processos). Diante dos padrões léxico-gramaticais
encontrados, elucidam-se as orientações apresentadas e como o material didático as
materializa. Os resultados revelaram que o Guia instrui que o aluno deve usar a LE e os
elementos culturais devem estar presentes nas atividades. Nesse sentido, a coleção analisada
está em parte adequada a essa orientação, já que, nem sempre, há elementos culturais nas
tarefas.

Palavras-chave: Linguística Sistêmico-Funcional. Análise Metafuncional. Livro Didático.


Língua Espanhola. PNLD.
RESUMEN

La presente tesis de maestría ha tenido por objetivo analizar los libros didácticos de Español-
LE desde el marco de la Lingüística Sistémico-Funcional. Se ha investigado la Guia de livros
didáticos PNLD - língua extrangeira de 2014 y la sección Interactuando con el texto de la
colección Formación en español: lengua y cultura, con fines de observar las sugerencias de la
Guia respecto al papel del alumno y a la dimensión cultural de la lengua extranjera (LE) y a la
forma cómo se realizan estas indicaciones en las actividades de este material dirigido a los
años finales de la educación primaria. Para ello, se ha adoptado como concepto teórico la
noción de que el lenguaje es un sistema de sonido/escrita/palabras y un recurso por ser un
potencial de significados. Halliday; Matthiessen (2004, p. 23) explican esa relación entre el
sistema y la estructura de la lengua, o sea, los recursos disponibles, diciendo que “la lengua es
un recurso para marcar significado y el significado reside en un sistema patrón de elección”.
Siguiendo ese camino de compreensión, el texto se ve como un potencial de significados
realizados. Ese potencial realizado está organizado, en el sistema lingüístico, por las
metafunciones, puesto que son responsables por reconstruir a través del sistema
lexicogramatical la experiencia humana instanciada en los textos. Para entender lo que plantea
el texto instanciado en la Guia PNLD 2014, hemos utilizado la metafunción ideacional, con el
objetivo de comprender cómo se representan experiencialmente los papeles del alumno y de la
cultura en el documento. La metodología para interpretarla ha implicado el uso de las
herramientas del AntConc al generar listas de palabras con sus frecuencias porcentuales en la
herramienta WordList e, identificada la palabra más recurrente, utilizar la Cluster/N-gramns
para detectar los términos que se agrupan con la palabra en análisis; la Collocates para revelar
las concordancias con esa palabra y la FileView para observar el vocablo en contexto. En el
análisis del libro didáctico, se identifica la constitución de la metafunción ideacional
(identificación y frecuencia de aparición de procesos, participantes y circunstancias) y de la
metafunción interpersonal (identificación y frecuencia de aparición de las funciones
constitutivas de los procesos). Delante de los patrones lexicogramaticales encontrados, se
elucidan las orientaciones presentadas y cómo el material didáctico las materializa. Los
resultados revelan que la Guia PNLD 2014 enseña que el alumno debe usar la LE y que los
elementos culturales deben estar presentes en las actividades. En este sentido, la colección
analizada está en parte adecuada a esa orientación, ya que, no siempre, hay elementos
culturales en las tareas.

Palabras-clave: Linguística Sistémico Funcional. Análisis Metafuncional. Libro Didáctico.


Lengua Española. PNLD.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – AntConc – Tela inicial e ferramentas usadas na análise .................................. 18


Figura 2 – Trabalhando com a transitividade ..................................................................... 19
Figura 3 – As dimensões da linguagem e seus princípios de organização ......................... 29
Figura 4 – Delicadeza em um sistema simples ..................................................................... 32
Figura 5 – Condições de entrada – exemplo da polaridade ................................................ 33
Figura 6 – Linguagem como Sistema Semiótico .................................................................. 35
Figura 7 – Continuum de Instanciação ................................................................................ 38
Figura 8 – Texto em contexto ................................................................................................ 39
Figura 9 - O livro didático e a situação ................................................................................. 41
Figura 10 – Estrutura Semiótica e Componentes Funcionais ............................................ 42
Figura 11- Componentes Experienciais da Oração ............................................................. 46
Figura 12 – Tipos de processos nas orações ......................................................................... 47
Figura 13 – Estrutura da Oração Relacional ....................................................................... 52
Figura 14 – Exemplos de verbos que realizam processos em orações comportamentais. 55
Figura 15 – Relações congruentes entre estratos: funções de fala e modos da oração..... 59
Figura 16 – O sistema de realização do MODO do espanhol ............................................ 63
Figura 17 – Collocates com a palavra aluno visualizado no AntConc ................................ 67
Figura 18 – Collocates com termo cultura visualizado no AntConc ................................... 74
Figura 19 – Textos da seção Puerta de acceso ..................................................................... 80
Figura 20 – Textos da seção Puerta de acceso ..................................................................... 81
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Do ambiente ecossocial de ondas sonoras: a perspectiva dos falantes .......... 36


Quadro 2 – Metafunções: significados e componentes léxico-gramaticais........................ 44
Quadro 3 – Metafunções: análise ilustrativa ....................................................................... 44
Quadro 4 – Processos materiais ............................................................................................ 48
Quadro 5 – As subcategorias dos processos mentais. .......................................................... 50
Quadro 6 – Subdivisões dos processos relacionais .............................................................. 53
Quadro 7 – Participantes dos Processos Verbais ................................................................. 54
Quadro 8 – Tipos de Circunstâncias ..................................................................................... 57
Quadro 9 – Papéis básicos do falante e funções de fala ...................................................... 58
Quadro 10 – Análise dos componentes léxico-gramaticais da metafunção interpessoal . 62
Quadro 11 – Seções que compõem os LDs da coleção didática em análise ....................... 78
Quadro 12 – Exemplos de verbos mais produtivos em associações com o tipo material . 91
Quadro 13 – Aluno e cultura nas abordagens para o ensino de LE ................................ 100
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Partes do Guia em que aparece a palavra aluno .............................................. 66


Tabela 2 – Processos associados a aluno no Guia PNLD 2014 ........................................... 70
Tabela 3 – Estrutura experiencial das orações materiais com o vocábulo aluno ............. 71
Tabela 4 – Partes do Guia em que aparece a palavra aluno .............................................. 73
Tabela 5 – Processos associados à cultura no Guia PNLD 2014 – análise de baixo ......... 75
Tabela 6 - Papeis ideacionais do termo cultura.................................................................... 75
Tabela 7 – Tipos de campo nos textos das seções Interactuando con el texto ................... 80
Tabela 8 – Elementos integrativos e instrumentais no LD ................................................. 82
Tabela 9 – Frenquência de processos nas realizações das atividades do LD .................... 83
Tabela 10 – Destribuição dos participantes nas estruturas materiais da coleção ............ 89
Formación en español: lengua y cultura................................................................................ 89
Tabela 11 – Associação dos processos materiais a outros tipos na estrutura dos
enunciados. .............................................................................................................................. 91
Tabela 12 – Metas das atividades do LD e sua distribuição por livro da coleção. ........... 93
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

E/LE Espanhol como Língua Estrangeira


LD Livro didático
LE Língua Estrangeira
LSF Linguística Sistêmico-Funcional
MEC Ministério da Educação
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
SUMÁRIO

TEAR DA PESQUISA ........................................................................................................... 12


JUSTIFICATIVA DO ESTUDO.............................................................................................. 12
Conceitos teóricos mobilizados e objetivos da pesquisa .......................................................... 15
Metodologia de pesquisa .......................................................................................................... 17
Organização da dissertação ...................................................................................................... 20

1 DESENREDANDO A ARQUITETURA DA LINGUAGEM ......................................... 22


1.1 Tecendo o papel do aluno e dos elementos culturais nas abordagens de ensino-
aprendizagem de LE ................................................................................................................. 22
1.2 O papel do aluno e a dimensão cultural na LSF ................................................................. 25
1.3 Os sentidos globais: a teoria sistêmico-funcional e sua a relação entre língua, texto e
análise ....................................................................................................................................... 28
1.3.1 Os princípios de organização da linguagem ................................................................ 30
1.3.1.1 Sistema e estrutura ....................................................................................................... 30
1.3.1.2 Estratificação ............................................................................................................... 34
1.3.1.3 Instanciação ................................................................................................................. 36
1.3.1.4 Metafunções .................................................................................................................. 43
1.3.1.4.1 A metafunção ideacional ........................................................................................... 45
1.3.1.4.2 Metafunção interpessoal ............................................................................................ 57

2 TECENDO OS LUGARES DADOS AO ALUNO E À CULTURA NO LIVRO


DIDÁTICO: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ...................................................... 64
2.1 O papel do aluno e a dimensão cultural no Guia de Livros Didáticos PNLD 2014 ........... 64
2.2 O papel do aluno e a dimensão cultural na coleção Formación en español: lengua y
cultura....................................................................................................................................... 77

3 ENTRELAÇANDO OS FIOS DAS CONCLUSÕES ....................................................... 99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 104


12

TEAR DA PESQUISA

“Educação talvez soe menos estimulante que engenharia social, mas é um conceito
mais antigo e mais pertinente para as nossas necessidades.” A afirmação de Halliday (2013
[1978], p. 18) em A linguagem como semiótica social, expressa o quão importante, para esse
linguista, é pensar a educação. Repito-a e a reafirmo, uma vez que partilhamos dessa ideia: é
preciso refletir sobre educação e, neste caso em particular, é preciso refletir sobre o ensino de
língua estrangeira (doravante LE) nas instituições públicas, visto que desde os tempos de
aluna de escola pública, tinha certeza de minha futura profissão: professora. Já naquela época,
questionava a respeito das condições de ensino a que era exposta: falta de docentes e de
material, dentre outros problemas enfrentados nesse contexto. Apesar de não saber em qual
área da profissão seguiria, uma certeza eu tinha: não queria trabalhar nessas instituições.
Passados alguns anos e mudados alguns sonhos, minhas certezas e dúvidas foram
sendo substituídas. Leciono Espanhol como língua estrangeira (doravante E/LE) e tenho a
certeza de querer trabalhar, nessa área, no contexto de ensino público. A dúvida passou a ser
como desenvolver um trabalho com E/LE nessas instituições mesmo com as dificuldades já
constatadas.
O ingresso no mestrado permitiu-me investigar o E/LE nesse contexto. Percebi que o
caminho para entender melhor como se dá seu ensino poderia ser uma análise dos materiais
didáticos utilizados para esse fim. E, com base nessa decisão, delineamos este estudo.

JUSTIFICATIVA DO ESTUDO

Aqueles que já estudaram, lecionaram, ou mesmo passaram diante de uma escola


pública puderam, provavelmente, perceber o quanto essas instituições são defasadas de
recursos materiais e de condições de trabalho. Essa constatação, feita por muitos de nós na
prática, foi confirmada no censo escolar de 20131. De acordo com o censo, apenas 50% das
escolas públicas têm acesso à internet, enquanto que nas particulares esse número sobe para
85%; somente 46% das escolas públicas têm laboratório de informática, dentre essas, nas
escolas municipais, a porcentagem cai para 34%. Essa realidade faz com que, muitas vezes, o
livro didático (doravante LD) seja o único material a que os alunos têm acesso em sala de aula
e seja apenas a ele que o professor pode recorrer, visto que os recursos de mídia ou material
para cópia não costumam estar disponíveis.

1
Dados extraídos de: <http://www.qedu.org.br/brasil/censoescolar>. Acesso em: 16 jan. 2015.
13

O LD de LE, na escola pública, assume, à vista do exposto, um papel de destaque,


uma vez que é a principal fonte de recursos de um professor que costuma não ter um
laboratório de informática para desenvolver suas aulas, ou mesmo, um projetor2 para utilizar
vídeos ou músicas que auxiliem na aproximação de seu aluno ao universo cultural da LE, o
que é essencial no seu processo de aprendizagem. Isso faz com que esta pesquisa se mostre
fundamental para a compreensão do papel outorgado ao aluno nesses exemplares, bem como
da apresentação do elemento cultural nessas obras tão importantes na educação pública
brasileira. Contribuímos, ao entender o modo como essas duas variáveis funcionam nas
atividades do LD, para que o professor conheça de forma mais detalhada a maneira como se
constitui esse material e possa, então, adequá-lo a seus propósitos em sala de aula.
Dentre os LDs utilizados nas salas de aula de E/LE está a coleção Formación en
Español: lengua y cultura (VILLALBA3; GABARDO; MATA, 2012), fonte de dados desta
pesquisa. Esse livro faz parte de um programa do Ministério da Educação (doravante MEC)
que visa auxiliar pedagogicamente aos professores da educação básica. Tal auxílio ocorre com
a distribuição de coleções de LDs às escolas através do Programa Nacional do Livro Didático
(doravante PNLD).
O PNLD surgiu em virtude de um decreto em 1985 e, naquela época, os livros eram
selecionados e indicados para distribuição nas escolas, caso se adequassem às propostas
oficiais de ensino. O processo de avaliação pedagógica por especialistas das áreas do
conhecimento, que inclui os editais/guias para a escolha dos livros, é datado de 1996 (FNDE).
No entanto, apesar de o programa ter mais de dez anos no novo sistema, a LE foi incluída
apenas no ano de 2010.
Nesse sentido, o Plano Nacional de Língua Estrangeira Moderna (PNLEM) contempla
as línguas inglesa e espanhola e lançou, em 2013, seu segundo edital, a fim de escolher os
livros a serem adotados no ano de 2014 (esse edital possui uma periodicidade trienal). Nesse
documento, são estabelecidas as características que as obras devem apresentar para serem
avaliadas, selecionadas e, posteriormente, enviadas às escolas. Depois da escolha das obras a
serem oferecidas às escolas, com base nas disposições desse documento, elabora-se um guia
de livros didáticos. Nesse guia, cuja finalidade é orientar o professor na escolha do LD mais
adequado a sua realidade escolar, são apresentadas avaliações do LD, bem como uma série de

2
Segundo dados do censo escolar da escola básica de 2013 apenas 32% das escolas públicas possui esse recurso.
3
Esta pesquisa, sua autora e o ensino de Língua Espanhola no Brasil serão eternos devedores da professora
Terumi, referência na nossa área. Que este estudo se constitua, também, como uma homenagem póstuma a nossa
eterna guia.
14

informações relativas à indicação das coleções previamente selecionadas pelo MEC, os


critérios de avaliação/seleção – advindos do edital – e resenhas das obras.
Dentre as inúmeras possibilidades de estudo acerca da composição desse LD de E/LE,
escolhemos focar na identificação de como o aluno e o elemento cultural estão inseridos nesse
material de alcance nacional. A nosso ver, investigar o conteúdo dos livros didáticos
distribuídos pelo PNLD, faz que esse estudo tenha uma aplicabilidade maior, visto que
diferentes instituições do país em diversos estados utilizam esses materiais.
Ressaltamos que as pesquisas já realizadas sobre o LD mostram que o foco de
investigação prepondera sobre a língua portuguesa e as ciências naturais (EMMEL;
ARAÙJO, 2010; SILVA, 2013). Com referência aos estudos direcionados à LE, constatamos
que as pesquisas costumam ser sobre língua inglesa. No que se refere à investigação sobre a
relação entre o PNLD e os LDs de E/LE, as discussões centram a análise na formação do
leitor (BARROS; COSTA, 2012). Estudos direcionados a aspectos ligados à identidade
cultural foram observados no estudo de Domingo (2011), o qual sugere que as atividades dos
LDs do PNLD 2011 não contribuem para a formação da competência comunicativa
intercultural.
Embora haja um número significativo de estudos envolvendo esse tema, identificamos
a ausência de pesquisa relativa aos LDs de E/LE em que observe a relação entre o lugar do
aluno e do elemento cultural, sobretudo sob uma perspectiva da linguística sistêmico-
funcional (doravante, LSF). Todavia, o uso da LSF para análise de LD foi encontrada em
estudos exploratórios apresentados em SAL4 2014 e 2015, que avaliavam os livros de
geografia. Somam-se a estes, o estudo de Fávaro (2013), o qual descreve a representação que
os produtores e os usuários tinham sobre seus LDs de inglês.
Levando em conta a escassez de estudos sobre o LD de E/LE, este trabalho
possibilitará uma importante contribuição para as pesquisas ao observar o papel do aluno e
dos elementos culturais nessas obras didáticas e suprir essa lacuna de estudo da área. Nossa
investigação, além disso, originará uma nova aplicação da linguística sistêmico-funcional,
visto que não há pesquisas que a utilizam para analisar o LD de E/LE.

4
II Workshop Systemics Across Language. Esse evento foi realizado na UnB em outubro de 2014. Cf.
http://iiiworkshopsal.blogspot.com.br/p/apresentacao.html, acessado em 19 de julho de 2015.
15

CONCEITOS TEÓRICOS MOBILIZADOS E OBJETIVOS DA PESQUISA

Para investigar o LD de E/LE, recorremos à LSF e sua arquitetura. O desenvolvimento


da arquitetura da linguagem dessa teoria está relacionado com o seu modo de pensamento
cuja característica é ser holística, isto é, priorizar o entendimento integral do fenômeno
linguístico. Em vista disso, a arquitetura da linguagem proposta na LSF busca explicar como
se dá a relação entre significado, função expressa e estrutura, interpretando a linguagem e,
consequentemente, a relação desses três componentes em termos semiótico-sociais.
A linguagem como semiótica social é uma maneira de ler e interpretar significados
culturais que leva em conta a relação entre língua e fato social. A língua é, do ponto de vista
semiótico, um modo de representação social, ao mesmo tempo em que, do ponto de vista
social, ela é parte do processo social, pois “a construção da realidade é inseparável da
construção do processo semântico”5 (HALLIDAY, 2013 [1978], p. 9-10). Percebemos isso,
sobretudo, quando elencamos os elementos propostos por Halliday para compor uma teoria
sociosemiótica da linguagem.
Nessa concepção, texto é entendido como uma unidade semântica em cujo entorno
está a situação, a qual, por sua vez, é uma construção teórica de uma estrutura semiótica, ou
seja, uma representação social. A situação, enquanto representação social, é simbolizada por
um complexo de três dimensões: campo (tipo de situação), relações (participantes envolvidos
e sua relação) e modo (tipo de texto). Também compõem essa semiótica como representação o
registro (variedade semântica do texto) e o código (o estilo semântico da cultura).
Percebemos, com base no modo que a estrutura semiótica da língua é desenhada na teoria, que
para Halliday (2013 [1978], p. 10) a “linguagem como semiótica social significa interpretar a
linguagem dentro de um contexto sociocultural, no qual a própria cultura se interpreta em
termos semióticos, como um sistema de informação”6. Halliday (2003) ainda aponta que, ao
olharmos para esse fenômeno multifacetado que é a linguagem, devemos deter-nos no
entendimento de como a língua constrói os significados e como nós usamos a língua para
significar culturalmente.
A concepção de língua assume uma perspectiva trinocular composta por três
metafunções que nos permitem interpretar a relação do significado com o contexto
(MARTIN, 2009). Na metafunção ideacional, o significado é o conteúdo da oração. Esta

5
No original: “[...] la construcción de la realidad es inseparable de la construcción del sistema semántico”.
6
No original: “‘lenguaje como semiótica social’ significa interpretar el lenguaje dentro de un contexto
sociocultural, en que la propia cultura se interpreta en términos semióticos, como un sistema de información, si
se prefiere esa terminología”.
16

metafunção é realizada por duas funções: a experiencial e a lógica. A função experiencial


reflete/reconstrói a experiência humana através da linguagem (cf. Seção 2.2.4.1). Na
metafunção interpessoal, olhamos para o significado da participação e, por isso, estamos
atentando para a interação, ou seja, para a troca de significado entre falante e ouvinte
(HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004) (cf. Seção 2.2.4.2). Por fim, na metafunção textual,
temos o significado como textura, isto é, essa é a metafunção responsável por organizar os
significados experienciais e interpessoais de maneira coerente.
Dentre as inúmeras possibilidades de estudo acerca da composição do LD de E/ LE,
esta pesquisa tem como objetivo central analisar como o aluno é convidado a fazer parte da
nova cultura aprendida, bem como entender o modo que o referente cultural é representado na
coleção didática Formación en Español: lengua y cultura. Nosso escopo exige que
selecionemos, especificamente, duas metafunções para análise: a experiencial, por ser a
responsável linguisticamente pela representação da experiência humana e, assim, contribuir
na identificação do papel do aluno e do referente cultural no LD e a interpessoal, dado que é
responsável por observar a interação entre falante e ouvinte (no nosso caso, entre livro e
aluno). Dado o propósito central dessa pesquisa, carece que demarquemos alguns objetivos
específicos, quais sejam:
1) Analisar o Guia de livros didáticos de língua estrangeira moderna (LEM) do PNLD
20137, a fim de observar o que sugere sobre o papel do aluno e sobre a presença do aspecto
cultural da LE;
2) Identificar os campos predominantes nos textos trazidos na coleção (análise
contextual) com o intuito de verificar quais elementos culturais são trazidos nesses textos e,
consequentemente, na coleção didática.
3) Revelar os tipos predominantes de processos (metafunção experencial) e em quais
funções constitutivas (metafunção interpessoal) os mesmos se encontram, a fim de detectar
como se estabelece a relação entre LD e aprendiz e como se explora o elemento cultural na
obra.
Isso posto, pretendemos contribuir no sentido de descrever qual a relação estabelecida
com o aprendiz, identificando e caracterizando, também, como são apresentados os referentes
culturais do E/LE na coleção didática objeto de estudo.

7
Analisaremos o Guia do ano de 2013, devido a este ter sido o último aprovado para o ensino fundamental. Seus
livros serão adotados nas escolas entre 2014 e 2016. (BRASIL, 2013).
17

METODOLOGIA DE PESQUISA

No que tange à escolha do objeto e dos procedimentos que usamos para estudá-lo,
destacamos que os dados desta pesquisa se constituem do Guia de livros didáticos8 de LEM
do PNLD 2014 e dos livros didáticos selecionados naquele edital. Desse conjunto, recortamos
e constituímos os dados da coleção Formación en Español: Lengua y Cultura9, por ser a mais
adotada nas escolas, segundo dados estatísticos do portal do FNDE10 e, na coleção,
selecionamos a seção Interactuando con el texto como objeto de análise. A coleção é
composta de quatro livros, sendo um para cada ano do ensino fundamental final, incluindo do
sexto ao nono ano.
Pretendemos, neste estudo, articular os procedimentos de análise da LSF, mais
especificamente, a análise da metafunção ideacional e do modo oracional da metafunção
interpessoal para observar o que o Guia expõe como pontos relevantes e o que apresenta o
LD. Olhamos os significados realizados de nossos objetos de pesquisa, delineando como se
distribuem estruturalmente as realizações dos significados de aluno e elementos culturais no
Guia e na obra didática; examinando o valor das opções realizadas em contraponto com as
opções dadas pelo sistema e discutindo como as realizações do papel do aluno e dos
elementos culturais contribuem para o significado.
Para isso, adotamos como procedimento de análise os seguintes passos, na ordem que
estão elencados:
1) Leitura do Guia do PNLD de 2013 e análise experiencial, utilizando o AntConc11
para observar e descrever quais as orientações apresentadas, no que se refere ao papel do
aluno e à presença de elementos culturais.
Recorremos, no programa Antconc12, às ferramentas Word list, Collocates, Clusters/N-
gramns e File View, explicadas na figura 1 a seguir:

8
Sempre que necessário, recorreremos ao Guia para uma melhor compreensão da coleção didática.
9
Esta coleção possui uma edição no ano de 2012, a qual foi adequada e, por isso, selecionada no edital do PNLD
de 2013.
10
Dados extraídos de: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos>.
Acesso em: 15 out. 2014.
11
O AntConc é um programa de computador que tem por objetivo auxiliar na análise linguística de textos
escritos ou orais transcritos. Kader & Richter (2013, p. 21) explicam sua constituição e funcionamento: “[...]é
um conjunto de ferramentas que permite buscas e faz o cálculo estatístico das ocorrências das palavras em um
corpus escrito, desenvolvido por Laurence Anthony, da Faculty of Science and Engineering - Waseda
University. [...] permite a extração de palavras (WordList), listas de concordâncias (concordance) e palavras-
chave (KeyWords)”.
12
Disponível online: http://www.laurenceanthony.net/software.html.
18

Figura 1 – AntConc – Tela inicial e ferramentas usadas na análise

Fonte: elaborada pela autora (2016).

As ferramentas do programa Antconc, para a análise do Guia PNLD de LEM 2014,


foram usadas em três etapas. A primeira etapa constituiu-se na geração de uma lista de
palavras no Word List, a fim de verificar quantas aparições encontramos da palavra “aluno” e
“cultura”, respectivamente, e em que parte do material. Para isso, digitamos essas palavras na
ferramenta de busca do programa (cf. Figura 1). O resultado dessa busca foi armazenado em
um documento Word através de prints das telas geradas. Na segunda etapa, na File View,
verificou-se a distribuição dessas ocorrências ao longo do material, possibilitando a seleção
dos trechos que continham as palavras alvo de estudo, os quais foram, posteriormente,
analisados metafuncionalmente. Esses resultados foram armazenados em tabelas no Word
cujos campos eram: ocorrência, seção do Guia em que aparece, trecho que contém a palavra e
número de recorrência na seção. Por fim, na terceira etapa, recorreu-se a Collocates para
verificar a frequência de palavras associadas a esses vocábulos. Foram construídas tabelas que
organizaram de modo sistemático os resultados encontrados nessa etapa metodológica, os
quais resultaram em 22 ocorrências de “aluno” e 25 ocorrências de “cultura”, os quais foram
analisados manualmente sob uma ótica metafuncional.
19

2) Seleção manual da seção interactuando con el texto dos quatro livros da


coleção.13
3) Análise manual do contexto de situação dos textos da seção interactuando con el
texto para identificar quais os elementos culturais trazidos e como são utilizados.
4) Construção de tabelas no Word para organizar os resultados encontrados no passo
anterior.
5) Análise manual da metafunção ideacional no LD Formación en Español: Lengua
y Cultura (da seção sob análise), para identificar como os processos de construção de
conhecimento mostram a abordagem teórica adotada pelo livro e qual o papel do elemento
cultural dentro da obra. Para analisar a metafunção ideacional, usamos os procedimentos de
análise propostos por Thompson (2014):

Figura 2 – Trabalhando com a transitividade

Fonte: adaptado pela autora de Thompson (2014, p. 132, tradução nossa).

13
Nosso recorte de análise optou por investigar essa seção, devido ao fato de que no Manual do professor, onde
as seções são descritas, há a indicação de que esta é a responsável por propiciar a interação entre o aluno e o
ambiente.
20

6) Identificação manual das funções constitutivas (metafunção interpessoal) em que


constam os processos para verificar qual o é papel concedido ao aluno nas atividades/tarefas
do LD e qual o diálogo que se estabelece com os elementos culturais trazidos nos textos.
7) Construção de tabelas no Word para organizar os resultados encontrados nos
passos metodológicos cinco e seis.
Seguindo a metodologia apresentada anteriormente, buscamos padrões relativos a
processos no LD, observando quais são os tipos de processos mais recorrentes e em qual
MODO14 se encontram. Feita a identificação dos processos mais regulares e entendendo qual
sua natureza, buscamos perceber se o aluno é ou não colocado como participante, analisando
em que medida ele é inserido na cultura da língua do outro. Por fim, vimos com que
circunstâncias aparecem os processos das orações e quais informações adicionam aos
processos.

ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO

Esta pesquisa sobre o modo como o papel do aluno e os referentes culturais se


materializam no livro didático de E/LE está organizada em dois capítulos além desta
introdução e da conclusão ao final.
Para tanto, inauguramos o estudo delineando a trajetória da pesquisa e apresentando os
objetivos, conceitos teóricos articulados e procedimentos metodológicos a serem utilizados na
análise dos dados. No capítulo 1, denominado “Desenredando a arquitetura da linguagem”,
temos duas partes. Em um primeiro momento, são resumidas as abordagens de ensino de LE,
a fim de entender qual o papel outorgado ao aluno e aos elementos culturais. Posteriormente,
são apresentadas as concepções globais da LSF, bem como os princípios de organização da
linguagem de acordo com essa teoria, pormenorizando os componentes léxico-gramaticais das
duas metafunções utilizadas como instrumento de análise nesta pesquisa: metafunção
ideacional e interpessoal.
No capítulo 2, nomeado “Tecendo os lugares dados ao aluno e à cultura no Livro
Didático: análise e discussão dos dados”, analisamos os dados, a fim de discutir como os
participantes e circunstâncias mostram o modo como os elementos culturais são referenciados
na obra didática analisada e como os tipos de processos e suas funções constitutivas mostram
o papel dado ao aluno na resolução dessas atividades.

14
Conferir seção 2.2.4.2
21

Por fim, nas considerações finais, reunimos os principais resultados do estudo, as


dificuldades encontradas e os possíveis encaminhamentos futuros.
Dessa forma, buscamos desenvolver a seguinte dissertação: A coleção Formación en
Español: Lengua y Cultura: um debate sob o papel do aluno e da cultura.
22

1 DESENREDANDO A ARQUITETURA DA LINGUAGEM

Neste capítulo, organizado em duas seções, apresentamos, na primeira delas, o


conceito de “aluno” e de “cultura” nas abordagens para o ensino-aprendizagem de LE,
dando ênfase a como esses conceitos são construídos na LSF. Já a segunda seção, está divida
em dois momentos: sua primeira subseção trata sobre a relação entre língua, texto e análise e
nela explicamos o motivo de a teoria ser sistêmico e funcional, o que leva ao entendimento
dos seus sentidos globais. Na segunda subseção, trazemos os princípios de organização da
linguagem, sugeridos na teoria hallydiana, dando especial atenção aos conceitos de
participantes, processos e circunstâncias da metafunção ideacional e às funções constitutivas
da linguagem da metafunção interpessoal, respectivamente, uma vez que estas serão base para
a análise de dados.

1.1 TECENDO O PAPEL DO ALUNO E DOS ELEMENTOS CULTURAIS NAS


ABORDAGENS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LE

O LD Formación en español: lengua y cultura está circunscrito em um contexto de


cultura cujo significado sociocultural é o ensino de LE na escola regular. O contexto de
situação da coleção (representação social), por sua vez, é o ensino de E/LE em escolas
públicas (campo) a alunos de anos finais do ensino fundamental (relações) através de textos
orais, escritos e imagéticos (modo). Desse modo, o papel destinado ao aluno, assim como a
compreensão dos elementos culturais na obra estão subordinados ao contexto que a envolve.
Nesta seção, à vista disso, fazemos um breve percurso das abordagens para inferir o papel
outorgado ao aluno no processo de aprendizagem e o lugar concedido aos elementos culturais
da LE, a fim de comparar com o que é apresentado pela LSF.
O percurso das teorias para o ensino de LE teve seu início nos anos 50, com o
behaviorismo, passando pelo inatismo, interacionismo até a perspectiva sociocultural.
Surgem, nesse período, o behaviorismo e as teorias cientificamente estruturadas de ensino de
LE. Nessa fase, a pedagogia de ensino de línguas era influenciada pelo estruturalismo, cuja
teoria de aprendizagem em voga era a psicologia behaviorista. Nessa visão, “a aprendizagem
de línguas é vista como qualquer outro tipo de aprendizagem, como uma formação de
hábitos” (MITCHELL, MYLES & MARSDEN, 2013, p. 28). Os alunos repetem, por
exemplo, um padrão de diálogo. Apontadas as estruturas linguísticas dessa situação
comunicativa, o educando deve repeti-las até automatizá-las. Trabalha-se a língua
23

pressupondo que cada situação tem uma previsão de resposta, ou seja, acreditando haver um
modelo “engessado” do que devemos ou não dizer em uma interação. Desse modo, no
behaviorismo, aprender uma língua é formar hábitos e, no caso da meta de aprendizagem ser
uma LE, formar novos hábitos. O aluno, portanto, tem um papel passivo de reprodutor de
conteúdo e a interação entre educando e os elementos culturais não são colocados em relevo,
uma vez que o foco é a reprodução de estruturas e não o conhecimento cultural da LE a ser
aprendida.
No início dos anos 70, entretanto, muitos pesquisadores acreditavam que tanto o
behaviorismo quanto seus métodos15 de ensino não explicavam adequadamente o processo de
aquisição da LE (LIGHTBOWN & SPADA, 2013). Nesse sentido, Chomsky (apud
LIGHTBOWN & SPADA, 2013) foi o propulsor de uma mudança de fase nas teorias de
aprendizagem de outro idioma. Para esse linguista, a linguagem é uma faculdade inata, logo,
produzimos novas sentenças sem necessariamente repeti-las e isso se deve ao fato de que a
língua, na sua visão, é uma série de regras que já possuímos internalizadas. Em decorrência
disso, surge a abordagem inatista. Nessa abordagem, o aluno tem um papel passivo no
processo de aquisição, uma vez que sua aprendizagem depende da qualidade e da quantidade
de insumo a que é exposto e se dá pela internalização direta desse insumo. Nem a presença do
elemento cultural na aula de LE, nem a relação entre esses elementos e os alunos figura como
tema de discussão nessa abordagem, uma vez que não se explora o conteúdo ou o significado
cultural desses insumos.
O interacionismo surge, nos anos 80, para explicar as lacunas deixadas pela hipótese
inatista (LIGHTBOWN & SPADA, 2013), as quais estão, sobretudo, relacionadas ao papel
desempenhado pelo dispositivo biológico no processo de aquisição. Nesse modelo, a
interação é entendida como “uma tarefa comunicativa realizada aos pares, oportuniza que o
falante menos competente sinalize a não-compreensão do insumo16, provocando a negociação
de sentido de itens lexicais” (FONTANA, 2006, p. 107). Essa adaptação, que é feita através
da negociação, leva à aquisição17; então, podemos depreender que não há aprendizagem sem
adaptação de insumo. Essa abordagem defende que, para aprender uma L2, devemos
compreender o insumo que nos é ofertado de modo adaptado. O aluno, portanto, é um sujeito
que aprende em sala de aula, através de atividades controladas. Não há atenção para as

15
O Behaviorismo teve como métodos principais o audiolingual e a análise contrativa. Para informações sobre
esses métodos, ver Lightbown & Spada (2013) e Mitchell, Myles e Marsden (2013).
16
Conceito de insumo na abordagem inatista diz respeito à “Informação linguística fornecida sob a forma de
evidência positiva e condição suficiente à aquisição”. (SANTOS, 2008, p. 18)
17
Nesta pesquisa, os termos aquisição e aprendizagem são usados como sinônimos.
24

características individuais do aprendiz além das que influenciam no aspecto cognitivo, como
idade e/ou proficiência na LE. Isso quer dizer que não é considerada a relevância da
identidade18 do educando, uma vez que se leva em consideração apenas suas características
psicolinguísticas. O elemento cultural, desse modo, não figura como ponto de investigação no
processo de aquisição, pois o aspecto sociolinguístico ou cultural não entra em pauta nesse
processo.
Nos anos 90, outras teorias de base interacional foram desenvolvidas; no entanto,
nesse novo momento de investigação sobre a aquisição linguística, o aspecto cultural ganhou
destaque. O interesse pela relevância desse aspecto começou a se manifestar nos anos 80, mas
surgiu com força no cenário das teorias na metade dos anos 90, em particular com Lev
Vygotsky (MITCHELL, MYLES & MARSDEN, 2013). Preocupado com o desenvolvimento
infantil, Vygotsky produziu uma tese na qual defende que o desenvolvimento cognitivo, no
qual está incluída a aquisição da linguagem, é resultado das interações sociais.
A abordagem sociocultural para o ensino-aprendizagem de LE, portanto, pressupõe
que para aprender outra língua devemos nos engajar em um diálogo colaborativo com outro
falante. Isso faz com que discentes sejam sujeitos ativos no movimento de aprendizagem, pois
é durante o processo social da interação que o indivíduo reorganiza seu conhecimento e o
internaliza. O aluno é um sujeito que aprende levando em conta um contexto institucional,
através de atividades colaborativas nas quais tenha que se engajar na interação.
Nessa perspectiva, consideram-se as diferenças individuais do aprendiz, uma vez que
não há separação entre os aspectos psicológicos e o desenvolvimento social, ou seja, o
indivíduo e a linguagem constrõem a realidade social por meio da interação e são construídos
nesse processo em uma relação dialógica. O elemento cultural, por conseguinte, é parte
intrínseca do desenvolvimento cognitivo, já que o aluno deve apoderar-se de ferramentas
simbólicas da LE, dentre elas a língua, para poder interagir com o seu interlocutor.
A identificação do papel do aluno, bem como do modo como os elementos culturais
estão caracterizados na história do ensino de línguas é relevante, uma vez que buscamos
entender, sob uma perspectiva sistemicista, como esses elementos são apresentados no LD.
Agregamos, em razão disso, a seguir, uma seção que trata desses dois aspectos dentro da
teoria que serviu de base para este estudo, a LSF, fazendo um deslocamento para questões
relacionadas a uma abordagem de LE.

18
Quando falamos em identidade, neste caso na falta dela, nos referimos ao fato de que características como
idade, sexo, profissão, motivação para o estudo da LE, tempo dedicado a essa tarefa, nacionalidade, enfim, todas
as características que diferenciam os alunos culturalmente entre si não são abordadas.
25

1.2 O PAPEL DO ALUNO E A DIMENSÃO CULTURAL NA LSF

Na década de 60, M.K. Halliday inicia o desenvolvimento da sua análise sistêmico-


funcional da linguagem ao investigar as dimensões semióticas que a constituem
(MATTHIESSEN, 2005). Esses estudos, bem como as concepções teóricas de língua, de
dimensão semiótica e dos demais conceitos que compõem a teoria evoluíram, culminando no
livro Linguagem como Semiótica Social, de Halliday (2013 [1978]). Essa obra sintetiza e
organiza os conceitos basilares da LSF e apresenta seus princípios epistemológicos. Nesta
seção, em razão disso, faremos um deslocamento para compreender e discutir qual o papel do
aluno e qual o papel dos elementos culturais à luz da LSF, baseando-nos na publicação de
1978.
A LSF de Halliday investiga a linguagem e sua relação com a dimensão social,
preocupando-se em entender “[...] a relação entre a linguagem e o homem social, e, em
particular, [...] a linguagem na medida em que incide no papel do professor como criador do
processo social ou, pelo menos, como comandante desse processo” (HALLIDAY, 2013
[1978], p.19). Nesse sentido, tem um enfoque funcional sobre o desenvolvimento da
linguagem e, consequentemente, sobre o papel do aluno por observar os processos sociais que
resultam na aprendizagem (HALLIDAY, 2013 [1978]).
A língua, nessa perspectiva, encerra uma natureza funcional que promove a interação
entre os indivíduos e a capacidade de ser um meio de aprendizagem, devido ao seu potencial
de significado, cuja realização se dá nos textos produzidos pelo falante. Podemos, portanto,
ter como pressuposto que o sujeito falante/ouvinte deve ser capaz de dominar algumas
funções básicas e, com isso, construir seu potencial de significado. Deslocando esse conceito
para a aprendizagem de LE, o aluno é um sujeito que aprende por meio da interação com o
seu mundo exterior a construir sua experiência em outra língua, que não a sua materna, ou
seja, ele passa a ter contato com outro sistema e, consequentemente, com outro potencial de
significados em uma LE para poder interagir.
A construção do potencial de significado, biologicamente, é semelhante em todos os
indivíduos, o que significa que todos os alunos inicialmente têm a mesma aptidão para
construí-lo na LE. No entanto, Halliday (2013 [1978]) salienta que ecologicamente somos, em
grande parte, moldados por nossa cultura. Entender o seu conceito na LSF, em vista disso, é
fundamental, uma vez que os elementos culturais são responsáveis pelas diferenças na
construção do potencial de significado dos aprendizes.
26

O conceito de cultura da teoria tem bases antropológicas 19 firmadas em Boas, Sapir,


Whorf e, especialmente, Malinowski. Trazemos este último autor para, a partir de sua
definição, delinear o que denominamos como elementos culturais:

Um conjunto integral de instituições em parte autônomas, em parte coordenadas. Ela


[a cultura] se integra à base de uma série de princípios, tais como: a comunidade de
sangue, por meio da procriação; a contiguidade espacial, relacionada à cooperação; a
especialização de atividades; e, por fim, mas não menos importante, o uso do poder
na organização política. Cada cultura deve sua integridade e sua autossuficiência ao
fato de que satisfaz toda a gama de necessidades básicas, instrumentais e
integrativas. (MALINOWSKI, 1970, p. 46).

Na definição de cultura trazida por Malinowski (1970), o conceito de necessidade é


crucial e se divide em: básica, instrumental e integrativa. As necessidades biológicas ou
básicas são a gênese do aparato cultural, isto é, o homem busca satisfazer as suas necessidades
e, nesse processo, a cultura se delineia e se instaura. Por sua vez, as necessidades
instrumentais estão um nível acima em uma escala de complexidade e, do mesmo modo que
as básicas, essas atendem às necessidades humanas, cuja atribuição é criar instituições que
atendam aos primeiros imperativos culturais. Por fim, as integrativas são aquelas que
demarcam a separação entre a característica de pequenos grupos (entendido a partir dos
hábitos do cotidiano) e a característica que integra um grupo de pessoas (seus costumes),
tendo por função integrar os costumes culturais em uma determinada sociedade/comunidade.
Salientamos que as características integrativas do modo de vida do homem nos levam às
palavras que inauguraram a citação do antropólogo: o conjunto integral de instituições. Essa
afirmação de Malinowski manifesta a crença de que a cultura é tudo aquilo que marca o modo
de agir de um grupo de pessoas em relação ao seu meio e está organizado nas instituições, ou
seja, em unidades de organização capazes de reunir, através da confluência de modos de agir,
os homens.
As adjetivações (básica, instrumental e integrativa) atribuídas à palavra “necessidade”
caracterizam as instituições escolares, contexto de estudo dessa dissertação, como marcas
culturais do modo de organização da nossa sociedade. Se investigarmos a maneira pela qual
são transmitidos traços culturais nas tribos indígenas, por exemplo, constataremos que a
educação acontece de uma forma mais oral e menos institucionalizada, o que significa que o
ensino de LE nas escolas regulares é uma necessidade instrumental e, ao mesmo tempo,
integrativa do nosso contexto de cultura. Entendemo-la como instrumental por responder a

19
Para uma informação detalhada sobre as bases antropológicas e sobre o próprio conceito de cultura, conferir
Carmo (2012).
27

nossa necessidade de aprender uma LE, a fim de sobreviver em um mundo globalizado que
necessita comunicar-se, ainda que não tenha nascido com a mesma L1 e como integrativa por
ser um costume que nos reúne enquanto grupo. Nesse sentido, Malinowski (1970, p. 118)
afirma que “[...] até atividades altamente derivadas tais como a aprendizagem [...] são também
definitivamente relacionadas, se bem que em diferentes graus, à necessidade de sobreviver
dos seres humanos, de manter saúde e um estado normal de eficiência orgânica”. As
sociedades respondem de maneiras diferentes às necessidades básicas e, por isso, a
comunidade indígena e a nossa comunidade têm necessidades instrumentais iguais – a
aprendizagem –, mas aparatos culturais diferentes – as instituições de ensino, no nosso caso, e
o ensino pela oralidade, no caso deles. Destarte, fica realçada a estrita relação entre os modos
de vida e as características culturais de um povo. Esse é o ponto de relação entre a visão
antropológica de Malinowski e a LSF:

[...] ao percebermos cultura ligada a modos de vida capazes de caracterizar uma


coletividade, podemos entendê-la sociossemioticamente como um sistema de signos
e significados criados pelos grupos sociais, em função das necessidades
comunicativas, o que parece ser o ponto-chave de aproximação com a LSF.
(CARMO, 2012, p. 71).

A LSF vai se afastando da visão antropológica e de seu caráter mais global e


universalista e se aproxima de uma visão sociológica, que passa a levar em conta o elemento
social (encontramos esse viés social relacionado ao contexto de situação da LSF), como
observamos em Carmo (2012), que relaciona as características da coletividade com os
significados criados pelos grupos sociais. Nessa lógica, na teoria hallydiana “o significado
não preexiste, mas é construído socioculturalmente, emergindo de um contexto mais
localizado (de situação) no interior de outro mais abrangente (de cultura)” (ibid, p. 94). Os
elementos culturais, sejam eles instrumentais ou integrativos, à vista disso, são fundamentais
no processo de aprendizagem, uma vez que o significado da língua, no caso dessa pesquisa da
LE, interpreta a própria cultura, ou seja, os códigos dos quais o aluno deve apoderar-se para
poder interagir no seu meio e satisfazer suas necessidades comunicativas.
28

1.3 OS SENTIDOS GLOBAIS: A TEORIA SISTÊMICO-FUNCIONAL E SUA RELAÇÃO


ENTRE LÍNGUA, TEXTO E ANÁLISE

Destacamos, inicialmente, a relação entre língua20, texto e análise pela definição de


texto, uma vez que é por meio dos significados nele realizados que nos comunicamos. O texto
é composto pelos elementos da arquitetura linguística (campo, relações e modo – contexto de
situação –, relacionados as três metafunções e com o contexto de cultura), portanto, ele é
visto, na LSF, como artefato. Defini-lo dessa maneira significa compreendê-lo como um
objeto em si mesmo que se singulariza à medida que constrói diferentes significados.
Poderíamos da mesma forma, vê-lo como espécime se estivéssemos interessados na gramática
e em seus recursos. Na LSF, acreditamos que todos os textos utilizam os mesmos recursos
para construção de significado, mas que o modo como esses recursos são usados e,
consequentemente, os diferentes sentidos que são gerados, levam a que cada texto tenha sua
significação e isso os diferencia entre si (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Em vista
disso, analisamos o LD de E/LE, justamente para observar como os recursos léxico-
gramaticais revelam o papel do aluno nas atividades propostas e como estão sendo
construídos os significados culturais nas suas atividades.
O objetivo da descrição sistêmico-funcional é a análise e interpretação de textos.
Nesse sentido, Halliday e Matthiessen (2004) ressaltam que há um número extenso e
heterogêneo de contextos para análise do discurso e que, em todos esses possíveis contextos,
o texto pode ser analisado21 como espécime ou como artefato, uma vez que são perspectivas
complementares. O que há de comum em ambas as formas de análise é que todas devem ser
subsidiadas pelo sistema gramatical. A complexidade que explica o significado holisticamente
impõe que esse subsídio seja indispensável, como mostram Halliday e Matthiesen:

O que é comum a todas essas atividades é que elas devem ser fundamentadas em
uma descrição da gramática que é coerente, abrangente e ricamente dimensionada.
Dizer isso não é mais do que sugerir que a gramática - o modelo de gramática - deve
ser tão rico quanto a própria gramática (Halliday, 1984b; 1996). Se a conta parece
complexa, isto é porque a gramática é complexa - tem que ser para fazer todas as
coisas que faz por nós. Não faz nenhum serviço a qualquer pessoa, em longo prazo,
se nós fingimos que semiose - a realização e compreensão do significado - é uma
questão mais simples do que realmente é. 22 (HALLIDAY; MATTHIESEN, 2004, p.
05).

20
As definições de língua e linguagem são trazidas em dois momentos dessa dissertação (cf. seção conceitos
teóricos no capítulo introdutório e seção 2.2).
21
Para perspectiva trinocular de análise cf. Metodologia de Pesquisa no capítulo introdutório.
22
No original: “What is common to all these pursuits is that they should be grounded in an account of the
grammar that is coherent, comprehensive and richly dimensioned. To say this is no more than to suggest that the
grammatics — the model of grammar — should be as rich as the grammar itself (Halliday, 1984b; 1996). If the
29

A dificuldade inerente ao entendimento da semiose linguística nos leva a olhar para a


linguagem funcional e sistêmica para poder explicar a relação existente entre as funções
desempenhadas pelos falantes e as estruturas da língua23 escolhidas por eles nos textos. O
caráter funcional da LSF está em entender que a linguagem pode ser texto, sistema, som,
estrutura, recurso, mas que, independente de que ponto a estejamos observando, estaremos
tentando explicar o modo como cria e expressa significado. O caráter sistêmico está
relacionado com o modo abrangente e integral de entender a construção da significação nessa
teoria (HALLIDAY; MATTHIESEN, 2004). Tudo que se diz sobre um aspecto do sistema
linguístico, em alguma medida se relaciona ao todo, o que quer dizer que o sentido de cada
parte do sistema constitui a figura total e final de significado.
A ordem de explicação de como a arquitetura da linguagem auxilia o entendimento da
semiose linguística e essa figura de significado é trazida da figura 3, reproduzida de Halliday;
Matthiesen (2004, p. 20)24, para apresentar as dimensões de organização do sistema
linguístico.

Figura 3 – As dimensões da linguagem e seus princípios de organização

Fonte: Halliday & Matthiessen (2004, p. 20).

Na seção seguinte, desvendamos a arquitetura por meio da explicação das dimensões


da linguagem e seus princípios de organização na ordem em que foram indicados na figura 3.

account seems complex, this is because the grammar is complex — it has to be, to do all the things we make it
do for us. It does no service to anyone in the long run if we pretend that semiosis — the making and
understanding of meaning — is a simpler matter than it really is.”
23
A definição de língua foi apresentada no capítulo introdutório, na seção Conceitos Teóricos.
24
Tradução feita por Figueredo (2007).
30

1.3.1 Os princípios de organização da linguagem

Nesta seção, são elencados os princípios de organização da linguagem: sistema e


estrutura, estratificação, instanciação e metafunção. Além disso, são descritos os componentes
léxico-gramaticais que serão instrumento de análise dos dados no capítulo 3, quais sejam:
tipos de processos, participantes e circunstâncias da metafunção ideacional e funções
constitutivas da linguagem da metafunção interpessoal.

1.3.1.1 Sistema e estrutura


Para entender o modo como a linguagem compõe e organiza seu significado,
precisamos recorrer às noções de sistema e estrutura: as primeiras dimensões apresentadas na
figura 3. O sistema se relaciona ao potencial de significado da linguagem, enquanto a
estrutura está associada à realização desse potencial. As definições de estrutura e de sistema
na LSF estão ligadas, respectivamente, às de sintagma e paradigma. A relação desses quatro
conceitos é trazida de Firth:

O primeiro princípio de análise é a distinção entre estrutura e sistema. Estrutura é


composta de elementos em relação sintagmática interior e estes elementos têm seus
lugares em uma ordem de expectativa mútua. Sistemas de termos ou unidades
comutáveis são configurados para indicar o valor paradigmático dos elementos. 25
(FIRTH, 1957, apud HALLIDAY, 2004, p. xii).

A estrutura é o aspecto composicional da linguagem, ou seja, a linguagem como


constituinte, no que se refere ao som, à escrita, ao verso e à gramática. Seu princípio básico é
a exaustividade, dado que “no sistema de escrita, uma palavra é composta de um número total
de letras” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 21) e seu princípio organizador é o de
ordem cuja relação é estabelecida em “é parte de”. Sendo assim, na gramática, o morfema é
parte de uma palavra, a palavra é parte de uma frase, a frase é parte de uma oração.
Agregando um componente nessa estrutura, a oração é parte de um texto e o texto é parte de
uma estrutura semiótica maior, como uma obra literária, por exemplo. A hierarquia de
composição tem relação com a organização do sentido na gramática, pois unidades de
diferentes ordens constroem padrões de diferentes tipos e, consequentemente, significam de
maneira distinta. Tomando como exemplo a ordem hierárquica da figura 3, um conjunto de

25
No original: The first principle of analysis is to distinguish between structure and system. Structure consists of
elements in interior syntagmatic relation and these elements have their places in an order of mutual expectancy
Systems of commutable terms or units are set up to state the paradigmatic value of the elements.
31

morfemas significa uma palavra, mas não pode significar uma frase cuja composição é feita
por um conjunto de palavras. Essa relação composicional-hierárquica se estende aos demais
componentes em cadeia.
Sistema e estrutura funcionam paralelamente, dado que a “estrutura é a ordenação
sintagmática na língua: padrões e regularidades, o que vai junto com o quê. O Sistema, em
contrapartida, rege outro eixo: padrões do que poderia vir ao invés do que foi. Esta é a
ordenação paradigmática do sistema linguístico”26 (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p.
22). Quando estamos falando em eixo paradigmático e, consequentemente, em sistema,
adentramos no arcabouço das possibilidades da língua. O sistema é definido pelo conjunto de
alternativas somado a sua condição de entrada, por isso, para delineá-lo, precisamos
compreender dois conceitos que se relacionam aos padrões de entrada: polaridade e
delicadeza.
A polaridade é a condição principal de entrada no sistema. Atua no eixo
paradigmático restringindo as escolhas, uma vez que todas as orações produzidas por um
falante devem ser positivas ou negativas. O caráter positivo e negativo da oração é uma
característica da oração que se relaciona com o potencial de significado (sistema) e não
depende dos padrões de uso (estrutura); no entanto, a escolha entre uma das opções
encaminha o modo como a estrutura se realiza. O sistema, ao contrário da estrutura – que se
organiza como “é parte de” – tem como princípio organizacional “é um tipo de”
(HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), ou seja, uma oração positiva é um tipo de oração.
O próximo passo é compreender o conceito de delicadeza, a qual é entendida como
uma condição de entrada que refina outra condição de entrada, atuando no eixo sintagmático
da língua. A delicadeza funciona quando as principais distinções, como negativo e positivo, já
foram feitas e a oração necessita de outras características funcionais para singularizar-se. No
sistema, o refinamento é de tipo “uma espécie de uma espécie de...”, já na estrutura “‘é uma
parte de uma parte de...’” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Vejamos, na figura 4, a
delicadeza atuando em um sistema simples, como o pronominal:

26
No original: “Structure is the syntagmatic ordering in language: patterns, or regularities, in what goes together
with what. System, by contrast, is ordering on the other axis: patterns in what could go instead of what. This is
the paradigmatic ordering in language.”
32

Figura 4 – Delicadeza em um sistema simples

Fonte: elaborado pela autora (2016).

Percebemos que no sistema de pronome proposto para ilustrar a ação da delicadeza, na


figura 4, temos dois refinamentos: o número e o gênero. As delicadezas de número e de
gênero atuam no sistema, uma vez que são uma espécie de realização de pessoas gramaticais
mais específica que, apenas, a divisão em primeira, segunda e terceira. Desse modo, quanto
mais específico for um sistema, mais delicado ele será. Ilustrado o papel da delicadeza de
maneira simplificada, analisaremos, na figura 5, sua atuação na estrutura da polaridade:
33

Figura 5 – Condições de entrada – exemplo da polaridade

Fonte: elaborado pela autora (2016).

Este fluxograma mostra como as condições de entrada, polaridade e delicadeza atuam


na formação da oração. O sistema (eixo paradigmático) dá ao falante a opção do traço
positivo e do negativo. No exemplo presente na figura 5, a polaridade positiva realiza-se na
oração “Eles vieram”. A outra possibilidade, a polaridade negativa, sofre a ação da
delicadeza. Paradigmaticamente, já se escolheu realizar o traço negativo, então, a negação
pode ser ou especializada, como no exemplo “Até o momento, não vieram”, no qual uma
parte de uma parte (estrutura) da oração (a circunstância “Até o momento”) sofre a ação da
polaridade negativa, ou generalizada, como em “Eles não vieram”. Portanto, Halliday nos
mostra como, inclusive no eixo sintagmático, a linguagem expande seu sentido mais ou
menos indefinidamente dizendo:

[...] A rede [de sistemas de significado] está em aberto na delicadeza: não há


nenhum ponto em que podemos parar e dizer que não há outras distinções que
poderiam ser feitas. Mas, se estendemos a descrição sistêmica para algum ponto
onde ainda está bem dentro dos limites do que os falantes de uma língua podem
34

reconhecer os significados como significativamente diferentes, temos uma ideia da


escala das opções disponíveis27. (HALLIDAY, 2004, p. xii).

A linguagem, em vista disso, é um potencial de significado, pois “é o que o falante


pode fazer, ou seja, o que pode fazer como falante/ouvinte equivale ao que ‘pode significar’”
(HALLIDAY, 2013 [1978], p. 41; 2003) e seu poder vem de sua organização paradigmática
complexa. O sistema linguístico, em vista disso, é considerado um conjunto de opções
paradigmáticas disponíveis e realizadas na língua oral ou escrita através da estrutura e, por
isso, a língua é considerada um potencial de significados capaz de se expandir mais ou menos
indefinidamente. A expansão não é ilimitada, pois, como vemos explicitado na passagem e
nas figuras 4 e 5 acima, o limite é dado pelo que o falante é capaz de reconhecer como
significado, ou seja, como texto.
Nesse caminho, entende-se o texto como “[...] o produto de seleção contínua em uma
grande rede de sistemas – uma rede de sistemas.”28 (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004,
p. 23) Isso posto, a análise textual, na LSF, consiste em entender como está organizada
funcionalmente a estrutura do texto escrito ou falado, uma vez que foram feitas escolhas
dentre inúmeras possibilidades que o sistema da língua oferece. O texto é o potencial
paradigmático realizado na estrutura, logo, o conceito de realização somado ao de
estratificação, já que a língua é um sistema estratificado, são fundamentais para entender
integralmente como se dá a relação entre sistema e estrutura na produção de sentido (idem).
Isso nos leva a detalhar, na próxima subseção, o conceito de estratificação.

1.3.1.2 Estratificação
A compreensão do que é a estratificação na linguagem, terceira dimensão apresentada
na figura 3, inicia-se pelo estudo dos estratos que a compõem e nos ajuda a entender como
ocorre a produção de sentido na língua através da realização do sistema na estrutura. Todos os
sistemas semióticos29 se dividem em dois grandes estratos: o estrato do conteúdo, responsável
pelo significado, e o estrato da expressão, responsável pela exteriorização desse significado.
O que diferencia a língua dos demais sistemas semióticos é a sua separação do estrato do

27
No original: “The network is open-ended in delicacy: there is no point at which we can stop and say that no
further distinctions can be made. But if we extend the systemic description to some point where it is still well
within the limits of what speakers of a language can recognize as significantly different meanings, we have some
idea of the scale of the options available.”
28
No original: “A text is the product of ongoing selection in a very large network of systems — a system
network.”
29
A música, as artes plásticas e a dança também são sistemas semióticos, visto que, assim como a linguagem,
são construídos socialmente, biologicamente ativados e têm seus sentidos trocados através de canais psíquicos
(HALLIDAY, 2004).
35

conteúdo em léxico-gramática e semântica para permitir que o significado se expanda e que


uma mesma palavra assuma diferentes sentidos. Figueredo exemplifica o alcance dessa
divisão ao apontar a diferença entre a música e a linguagem:

O estrato léxico-gramatical permite que o conteúdo não mantenha uma


correspondência fixa com o significado que encerra, contrariamente a outros
sistemas semióticos. Nos sistemas de quarta ordem30, de um modo geral, um
conteúdo é sempre expresso da mesma forma. Por exemplo, no sistema semiótico da
música, um ‘dó’ é sempre um ‘dó’. Independentemente das circunstâncias, em
qualquer composição musical, um ‘dó’ nunca pode ser expresso, por exemplo, pelo
som de um ‘fá’, ou por uma pausa. (FIGUEREDO, 2007, p. 38).

Tomamos por exemplo a nota musical “dó”, trazida no trecho de Figueredo (2007)
apresentado acima e o deslocamos para o campo do sistema da linguagem. Se na música,
“dó”, independente da circunstância será um “dó”, na linguagem seu entendimento como nota
musical está condicionado ao contexto. Se estivermos num concerto de música e falarmos que
o cantor desafinou no “dó”, essa palavra se refere à nota musical; no entanto, se dizemos que
nosso filho perdeu seu urso de pelúcia favorito e estamos com dó, neste caso, “dó” assume o
sentido de “pena”. Isso mostra que na língua não há correspondência a priori entre forma e
conteúdo, pois o sentido estará condicionado à estratificação e ao contexto.

Figura 6 – Linguagem como Sistema Semiótico

Fonte: elaborado pela autora (2016).

30
Os sistemas de quarta ordem, descritos por Halliday (2005), são as formas de expressão de significado mais
complexas, uma vez que são físicos, biológicos, sociais e semióticos ao mesmo tempo. Para uma descrição mais
detalhada (HALLIDAY, 2004, p. 03).
36

O estrato do conteúdo assume, então, foco de análise e atenção, pois é nele que o
significado da língua se expande. Nós fazemos sentido na língua, através do processo de
estratificação:

No primeiro passo, a interface parte, experiência e relações interpessoais são


transformadas em significado; este é o estrato de semântica. No passo dois, o
significado é adicionalmente transformado em texto (wording); este é o estrato da
léxico-gramática. (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 24-25). (Grifos
nossos).

O passo um e dois estão subordinados ao contexto, como podemos ver no processo de


estratificação mostrado na figura 6. Ao organizarmos a linguagem nesses estratos, estamos
propondo um modelo de língua no qual os sentidos vão sendo integrados nas dimensões
estratais. Podemos observar de modo mais claro esse meio de organização no quadro 1 que
segue:

Quadro 1 – Do ambiente ecossocial de ondas sonoras: a perspectiva dos falantes


[a partir de ambiente para] o que Interface, via receptores Semântica
significa:
[de significado para] fraseado: Organização interna Léxico-gramática
[do fraseado para] composição: Organização interna Fonologia
[de composição para] som: Interface, via motores Fonética
Fonte: traduzido pela autora de Halliday & Matthiesen (2004, p. 26).

Observamos que a integração dos estratos se dá pela fonética que, via som motor, se
realiza na fonologia, a qual, por sua vez, compõe a léxico-gramática, que, na próxima
instância, integra a semântica e seu contexto. Esse processo composicional-hierárquico pelo
qual o sentido vai assumindo forma nos estratos é o que chamamos de realização. O conceito
de realização está estritamente ligado ao de instanciação, o qual será delineado na seção
subsequente.

1.3.1.3 Instanciação
A instanciação, quarta dimensão apresentada na figura 3, diz respeito à realização do
significado, ou seja, a transformação das possibilidades linguísticas em texto. Esse conceito
tem relação com a organização da língua em estratos, bem como com a realização das
dimensões estratais menores nas maiores31.
Quando queremos explicar como a língua funciona e como ela se relaciona com o
mundo, enfrentamos problemas, pois estamos lidando com duas perspectivas: “uma

31
Ambos os conceitos, estratificação e realização, foram tratados nas seções anteriores.
37

perspectiva é a língua como sistema; a outra é a língua como texto”32 (HALLIDAY;


MATTHIESSEN, 2004, p. 26). O conceito que nos auxilia a elucidar essa relação é o de
instanciação, já que o sistema33 linguístico é instanciado na forma de texto. A
interdependência entre sistema e texto pode ser pensada através da metáfora do clima, isto é,
através do elo existente entre clima e tempo:

O tempo é o texto: é o que se passa ao nosso redor o tempo todo, influenciando-nos


e, por vezes, perturbando, nossas vidas diárias. O clima é o sistema, o potencial que
está subjacente a estes efeitos variáveis. [...] O clima é a teoria do tempo. [...] O
mesmo ocorre com o sistema da linguagem: este é a linguagem como uma coisa
virtual; não é a soma de todos os textos possíveis, mas uma entidade teórica à qual
podemos atribuir certas propriedades e que podemos investir com poder explicativo
considerável. (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 27)34.

A correlação entre a entidade teórica e abstrata, que é o sistema, e os textos concretos


se dá através da instanciação. O sistema da língua oferece um potencial de significados
subordinados a um contexto de cultura (1)35, o qual é entendido como “todo o sistema
semântico da linguagem, configurando-se, assim, como uma ficção, algo que não podemos
descrever”36 (HALLIDAY, 2013 [1978], p. 144). Essas possibilidades de significados
oferecidas, antes de serem realizadas na forma de texto, estão intermediadas pelos registros
que temos na língua. O registro é um conceito semântico que se relaciona com a variação da
língua pautada pela variação de uma determinada situação (2), sendo entendido, portanto,
como uma configuração de significados (uso de expressões, traços fonológicos, recursos
léxico-gramaticais) que tem sua realização condicionada a um tipo de situação (HALLIDAY;
HASAN, 1985). Por exemplo, uma consulta médica tem um registro diferente de um encontro
entre amigos. Essa intermediação que o registro opera leva ao texto instanciado (3), o qual
está condicionado a um contexto de situação. Esse também é um construto teórico entendido
como “o sistema semântico particular, ou conjunto de subsistemas, que se encontra associado
a um tipo particular de situação ou contexto social; o que também é uma ficção, ainda que

32
No original: “One perspective is that of language as system; the other perspective is that of language as text.”
33
Halliday; Matthiessen (2004) fazem uma diferença entre duas acepções de sistema dentro da teoria. O sistema
como componente paradigmático, ou seja, o sistema que faz parte da gramática e o sistema que abarca todos os
estratos. Este segundo tipo de sistema é o que está relacionado com a instanciação; o outro é o eixo
paradigmático de possibilidades da língua.
34
No original: “The weather is the text: it is what goes on around us all the time, impacting on, and sometimes
disturbing, our daily lives. The climate is the system, the potential that underlies these variable effects. […] The
climate is the theory of the weather. […] Similarly with the system of language: this is language as a virtual
thing; it is not the sum of all possible texts but a theoretical entity to which we can assign certain properties and
which we can invest with considerable explanatory power”.
35
Os números (1), (2) e (3) são as etapas de instanciação mostradas na figura 7.
36
No original: “[...] es todo el sistema semántico del lenguaje; lo cual constituye una ficción, algo que no
podemos esperar describir”.
38

seja algo que se pode descrever com mais facilidade”37 (HALLIDAY, 2013 [1978], p. 144). O
processo que vai do potencial oferecido pela língua até o texto instanciado, ou realizado, se dá
ao longo do contínuo de instanciação:

Figura 7 – Continuum de Instanciação

Fonte: adaptado pela autora a partir de Halliday (2004, p. 28, tradução nossa).

A importância da noção de continuum de instanciação está em possibilitar a análise de


textos, uma vez que, quando esse conceito foi explorado na década de 90, ajudou a “fornecer
a chave teórica para estudos quantitativos de texto, empreendidos para iluminar as
características do sistema: frequências relativas observadas no polo instância do contínuo
podem ser interpretadas como probabilidades sistêmicas” (MATTHIESSEN, 2005, p.
536)38. Ao encontrarmos, então, padrões de repetição nos textos, entendemos como o
referente desse construto foi instanciado.
Além de traçar um paralelo de correspondência entre o sistema e o texto, a
instanciação e seu contínuo mostram o papel fundamental do contexto no processo de
construção do significado. Isso faz com que tenhamos que abordar em detalhes os conceitos
de contexto de cultura e contexto de situação.
O contexto, no qual o sistema linguístico está inserido, pode ser imediato, chamado de
contexto de situação, ou ser o sistema semântico da linguagem, o contexto de cultura, como
mencionamos anteriormente (cf. seção Conceitos mobilizados do capítulo introdutório).

37
No original: […] es el sistema semántico particular, o conjunto de subsistemas, que se encuentra asociado a un
tipo particular de situación o contexto social; lo que también es una ficción, aunque sea algo que puede
describirse con mayor facilidad.
38
No original: “provided the theoretical key to quantitative studies of text undertaken to illuminate features of
the system: relatives frequencies observed at instance pole of the cline can be interpreted as system
probabilities”.
39

Menéndez (2010, p. 224) destaca a relação entre o contexto de situação e o de cultura e diz
que “um contexto de situação se inscreve dentro de um contexto de cultura. O primeiro se
caracteriza a partir do registro; o segundo do gênero”39. O contexto de situação é a
instanciação de um contexto de cultura, assim como o texto é a instanciação do sistema
linguístico. Desse modo, o contexto de situação se relaciona às variedades de uso que se
adequam às circunstâncias. Por sua vez, o contexto de cultura é um conjunto de situações
sociais que são geradas pela cultura40 e originam os potenciais de significados da língua.
Desse modo, todo texto está inserido, obrigatoriamente, em um contexto de cultura, o
que quer dizer que ele possui um significado sociocultural no ambiente em que circula, assim
como cumpre um propósito comunicativo nesse ambiente. Do mesmo modo, o texto oral ou
escrito está inserido em um contexto de situação que lhe é imediato. O texto é produzido e
significa sempre em contexto, como podemos ver na figura 8:

Figura 8 – Texto em contexto

Contexto
de cultura
Contexto
de
Situação

Texto

Fonte: Fuzer & Cabral (2010, p. 26).

A maioria dos textos que produzimos na vida adulta, ainda que estejam circunscritos
no ambiente imediato de produção de sentido, podem não ter relação com o entorno físico,
visto que “[...] o texto tem o poder de criar o seu próprio ambiente” (HALLIDAY;

39
No original: “un contexto de situación se inscribe dentro de un contexto de cultura. El primero se caracteriza a
partir del registro; el segundo, del género discursivo.”
40
Para maiores informações sobre o conceito de gênero na LSF (cf. ROSE; MARTIN, 2012; MARTIN, 2009 e
MEURER; BONINI; MOTTA-ROTH, 2005).
40

MATTHIESSEN, 2004, p. 29)41. Pensando em um ambiente de aprendizagem de LE,


podemos, por exemplo, falar sobre alimentos, receitas ou formas de cozinhar sem,
necessariamente, estar cozinhando ou realizando qualquer ação diretamente relacionada a
esses temas. Essa capacidade da linguagem de criar o seu próprio ambiente e não,
imperiosamente, ter que estar ligada com o aqui/agora se deve ao fato de se constituir em um
sistema. Ressaltamos, portanto, que a linguagem é um sistema potencial de significado e não
uma soma de estruturas. Os sentidos que produzimos são passíveis de serem deslocados do
contexto imediato e real de produção, pois se relacionam com o contexto de situação. Uma
vez surgido um sentido em um contexto, o sistema, que o possibilitou dentro da nova
situação, converte-se em um potencial de significado ilimitado e permite que se crie esse
significado, como no exemplo dado sobre as receitas e o ato de cozinhar, sem que ele esteja
rigorosamente relacionado com a ação física a que se refere. A relação entre o texto e a
situação à qual alude é feita pelos traços característicos do contexto de situação, os quais
permitem interpretar o contexto social em que os significados estão sendo comutados por
meio dos textos. Esses traços são campo, relações e modo, respectivamente:

1- O campo do discurso refere-se ao que está acontecendo, à natureza da ação


social que está ocorrendo: quais participantes estão envolvidos e em que as figuras
de linguagem adicionam algum componente essencial?
2- As relações do discurso referem-se a quem participa, à natureza dos
participantes, seus status e funções: que tipos de relacionamento há entre os
participantes, incluindo os relacionamentos permanentes e temporários, de um tipo
ou de outro, ambos os tipos de papel discursivo que eles estão assumindo no diálogo
e todo o conjunto de relações socialmente significativas em que estão envolvidos.
3- O modo do discurso refere-se a que parte da linguagem está jogando, o que os
participantes esperam que a língua faça por eles nessa situação: a organização
simbólica do texto, o estado que tem, e sua função no contexto, incluindo o canal
(que é falado ou escrito ou alguma combinação dos dois) e também o modo retórico,
o que está sendo alcançado pelo texto em termos de categorias como persuasivo,
expositivo, didático, e afins. (HALLIDAY; HASAN, 1985, p. 12). (Grifos nossos).42

Para tornar concretas as noções de campo, relações e modo, pensemos no nosso objeto
de estudo: o livro didático.

41
No original: “the text has the power to create its own environment”.
42
No original: 1- the field of discourse: refers to what is happening, to the nature of the social action that is
taking place: what is it that the participants are engaged in, in which the language figures as some essential
component? 2- the tenor of discourse refers to who is taking part, to the nature of the participants, their statuses
and roles: what kinds of role relationship obtain among the participants, including permanent and temporary
relationships of one kind or another, both the types of speech role that they are taking on in the dialogue and the
whole cluster of socially significant relationship in which they are involved. 3- The mode of the discourse refers
to what part the language is playing, what it is that the participants are expecting the language to do for them in
that situation: the symbolic organization of the text, the status that is has, and its function in the context,
including the channel (it is spoken or written or some combination of the two?) and also the rhetorical mode,
what is being achieved by the text in terms of such categories as persuasive, expository, didactic, and the like.
41

Figura 9 - O livro didático e a situação

Campo (natureza social da ação) Ensino de E/LE


Relações (status dos participantes) Elaboradores-Professor e Professor- Elaboradores-
Aluno
Modo (organização simbólica do texto) Escrito e Oral. Categoria: didático
Fonte: elaborado pela autora (2016).

O livro didático se insere na atividade de ensino de LE com o objetivo de ser


instrumento de apoio para o professor e para o aluno, uma vez que é um material físico que os
dois agentes (professor e aluno) podem utilizar em suas atividades de sala de aula com a
finalidade de ensinar-aprender a LE. Atividade, objetivo e finalidade constituem o
componente campo do contexto de situação exposto na figura 8 (FUZER; CABRAL, 2010).
Os participantes na situação, por sua vez, incluem professor e aluno. No entanto, esse LD
parece assumir um papel de guia diante do participante professor (o que é perceptível pela
capa, quando se entitula “manual do professor”), uma vez que é o meio responsável por
materializar as sugestões de tarefas de seus elaboradores. Ao aluno, o papel de aprendiz lhe é
reservado quando se observa o uso recorrente de processos tais como “escucha”, “elige”,
“ahora tú”, orientando-o a desenvolver as atividades propostas. A distância social das
relações pode ser mínima, média ou máxima de acordo com a proximidade de contato
42

existente entre os participantes. No LD, é máxima, visto que os autores do livro e os


professores e alunos não costumam ter contato.
Por fim, com relação ao modo, observamos que o LD sob análise é constituído por
tipos de textos variados. Os modos utilizados são orais (o diálogo apresentado é gravado),
escrito e gráfico, uma vez que também possui figuras ilustrativas para auxiliar o processo de
aprendizagem. O componente modo é formado pelos canais linguísticos utilizados, bem como
pela categoria na qual o texto se insere. A coleção em análise faz parte da categoria didática,
como indicou a finalidade e o objetivo do seu campo. Todos esses componentes compõem a
situação, na qual o texto se inscreve para significar.
Cada um dos componentes do contexto de situação determina as opções semânticas
possíveis de serem selecionadas, dado que possuem um sistema de escolhas particular e,
consequentemente, se realizam estruturalmente de maneira diferente, conforme figura 10.

Figura 10 – Estrutura Semiótica e Componentes Funcionais

Fonte: adaptado pela autora a partir de Halliday (2013 [1978], p. 187).

A relação estrutura-significado é passível de ser explicada pelas metafunções, como


destaca a figura 10, pois estas fazem parte da estrutura semiótica da situação e se relacionam à
organização funcional do sistema linguístico. Dessa maneira, na estrutura semiótica da
situação, o campo ativa a função ideacional; as relações ativam a interpessoal, e o modo, a
textual, respectivamente. A instanciação da estrutura semiótica nos leva, consequentemente,
ao estudo da última dimensão da figura 3: as metafunções43.

43
Como dissemos anteriormente, o foco de descrição serão as duas metafunções (ideacional e interpessoal)
usadas na análise dos dados.
43

1.3.1.4 Metafunções
O entendimento das metafunções da linguagem está intimamente ligado às funções
básicas por ela desempenhadas. O ponto de partida para esse entendimento diz respeito a:
“Quais são as funções básicas da linguagem, em sua relação com nosso ambiente ecológico e
social? Nós sugerimos duas: construir o significado da nossa experiência e agir nessas
interações sociais” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 29)44. O fato de a linguagem
construir a experiência humana é evidente, uma vez que ela categoriza e taxonomiza as
coisas, e essas categorias variam de acordo com a língua, pois são fatos construídos na
linguagem. Esses elementos são organizados em padrões gramaticais complexos, através dos
quais não há nenhuma faceta humana que não possa ser transformada em significado.
A relação que se estabelece entre o texto e as categorias abstratas que explicam como
a linguagem funciona para transformar experiência em significado “é extremamente complexa
e indireta”45 (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 50). Devido a isso, a definição de
alguns recursos é necessária para que se entenda essa relação, dentre eles, a de oração. A
oração é “a mola mestra da energia gramatical; é a unidade onde os significados de diferentes
tipos, ideacional, interpessoal e textual, são integrados em um único sintagma” (ibidem)46; é o
potencial de significado da linguagem realizado.
Assim, a capacidade de construir significado relaciona-se com a metafunção
ideacional (oração como representação), pois em todas as línguas alguns recursos léxico-
gramaticais são responsáveis por teorizar a experiência humana. Essa metafunção pode ser
dividida em dois componentes: experiencial e lógico. A outra função básica da linguagem,
agir nas nossas interações sociais, é o que chamamos de metafunção interpessoal,
representando a oração como troca. Nessa metafunção, a linguagem é ação, diferente da
anterior na qual a linguagem é reflexão. Por fim, temos um terceiro componente: a
metafunção textual, a qual diz respeito à construção do texto. As metafunções ideacional e
interpessoal dependem da textual por ser a responsável pela organização do fluxo textual e
sua coesão (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; HALLIDAY, 2013 [1978]). Esses três
componentes se referem a diferentes tipos de significados realizados na oração e trazem
consigo outras funções do mesmo estrato de significado, o que indica que têm seus “próprios”

44
No original: “what are the basic functions of language, in relation to our ecological and social environment?
We suggested two: making sense of our experience, and acting out our social relationships”
45
No original: “is extremely complex and indirect.”
46
No original: “The clause, as we said, is the mainspring of grammatical energy; it is the unit where meanings of
different kinds, experiential, interpersonal and textual, are integrated into a single syntagm.”
44

níveis, levando cada componente de significado a se realizar através de um tipo particular de


estrutura léxico-gramatical. O Quadro 2 sintetiza essa relação:

Quadro 2 – Metafunções: significados e componentes léxico-gramaticais


Componentes léxico-
Significado (oração) Sistemas léxico-
Metafunções gramaticais que a
como: gramaticais
realizam
(a) Processos,
Situação / participantes dos
Ideacional (dividida em: Sistema de
Representação processos e
experiencial e lógica) Transitividade
(campo) circunstância.
(b) Taxis
Modo Verbal: sujeito,
MODO Oracional
Participação finito e resíduo
Interpessoal (MOOD)
(relações) Modalidade
Polaridade
Textura
Textual Sistema Temático Tema e Rema
(modo)
Fonte: elaborado pela autora com base em Halliday & Matthiessen (2004).

Para fins ilustrativos, observemos um exemplo de análise de uma oração sob as três
perspectivas:
Quadro 3 – Metafunções: análise ilustrativa
Metafunções [ustedes] Escuchen dos veces el enunciado.47
Ideacional Participante Processo Circunstância Participante
Interpessoal Sujeito Finito e Resíduo
Predicador48
Modo oracional: Imperativo / Polaridade positiva
Textual Tema Rema
Fonte: elaborada pela autora (2016).

Diante do exposto, podemos perceber que cada metafunção explicita a realização do


significado sob uma distinta perspectiva. Uma descrição funcional do texto busca entender,
através das metafunções e de suas realizações, como se estabelece o elo de sentido entre
palavra-significado; dito de outro modo, explica a relação entre as funções desempenhadas
pelos falantes e as estruturas por eles escolhidas (THOMPSON, 2014).
Nesta dissertação, procedemos a uma análise combinada, uma vez que observamos, no
LD, quais os processos utilizados nas atividades que se dirigem ao aluno (enunciados que
guiam a realização da atividade, perguntas sobre textos que apareçam nas unidades e qualquer
trecho escrito que dialogue diretamente com o aluno) (metafunção ideacional) e suas

47
Estrato retirado de Villalba; Gabardo e Mata (2012, p. 06). Este é o primeiro enunciado da primeira atividade
do livro do 6º ano da coleção que vai até o 9º ano. Para conferir a página do livro, ver Figura 09.
48
O predicador é o grupo verbal menos o finito, nesse caso, eles aparecem fundidos. O predicador e o finito
aparecem separados em expressões como tem [finito] ocorrido [predicador]. Para maiores informações, conferir
a seção dedicada à metafunção interpessoal.
45

características interativas (metafunção interpessoal). Por essa combinação, poderemos


identificar o modo como o aluno é inserido na cultura do outro na coleção didática.
Na próxima subseção, as metafunções ideacional, interpessoal e seus componentes
léxico-gramaticais são detalhados em virtude de se constituírem como instrumentos de análise
do objeto de estudo.

1.3.1.4.1 A metafunção ideacional


Na metafunção ideacional, o significado é o conteúdo da oração. A metafunção
ideacional reflete/reconstrói a experiência humana por intermédio da linguagem e, através
dela, usamos a língua para falar sobre o mundo seja ele externo (acontecimentos, ações etc.)
ou interno (sentimentos, sensações). As palavras-chave para entender como essa metafunção
atua na construção de significado são: REPRESENTAÇÃO e RELAÇÃO entre as entidades.
Os significados ideacionais são realizados por duas funções: a experiencial e a lógica.
Os componentes léxico-gramaticais observados para entender a função experiencial são os
processos, participantes e circunstâncias constituintes do sistema de transitividade. A função
lógica, por sua vez, é responsável por interpretar a relação entre orações, através da taxis49.
Ghio e Fernández (2008) destacam que a taxis é a única perspectiva de significado olhada de
cima da oração, visto que em todas as outras opções de análise olhamos a frase 50 de baixo, ou
seja, não se analisam as relações entre orações, mas o seu modo de composição interno. O
estudo das relações lógicas em um complexo de orações se faz pelo sistema de
interdependência, hipotaxe e parataxe, e pelo sistema lógico-semântico, expansão e projeção.
Neste trabalho, deter-nos-emos no que se refere à metafunção ideacional na sua função
experiencial.
Toda oração é constituída de participantes e processos, visto serem os componentes
centrais do sistema de transitividade da metafunção ideacional. O termo transitividade é mais
conhecido na sua função de distinguir a regência dos verbos. No entanto, na LSF, o seu
conceito é mais amplo, já que descreve o conjunto da oração e não só a relação entre sujeito e
objeto. As duas visões, da gramática tradicional e da sistêmico-funcional, compartilham do
fato de o grupo verbal ser o foco, mas, na LSF, é a partir dos processos que os participantes
são rotulados (THOMPSON, 2014). As circunstâncias também fazem parte da análise

49
Entendida como a relação estrutural que se dá nas orações, podendo ser de igualdade (parataxe) ou de
desigualdade (hipotaxe) no sistema de interdependência e de expansão (o significado de uma oração é elaborado
em outras palavras ou tem uma informação agregada) ou de projeção (uma fala ou um sentido são construídos
por outra oração projetando em uma ordem maior de experiência o significado da oração a que alude) no sistema
lógico-semântico.
50
Frase e oração foram usadas como sinônimos.
46

experiencial, contudo, podem ou não aparecer na oração, por isso, na análise, possuem caráter
periférico.
Esse modelo processo/participante/circunstância é vantajoso, visto permitir, pela
análise da oração, observar os traços que marcam tanto a estrutura quanto a funcionalidade
dos elementos. As etiquetas funcionais servem para mostrar o papel desempenhado por cada
elemento da representação (THOMPSON, 2014) na estrutura e é por isso que, para entender
as diferenças de representações, figura como fundamental compreender que: “nós podemos
expressar o conteúdo da oração em termos de processos envolvendo participantes em certas
circunstâncias”. (THOMPSON, 2014, p. 92)
O processo é representado pelo grupo verbal e é responsável por simbolizar a
experiência humana. O tipo de experiência que simboliza marca as categorias de processo
existentes, sendo (a) materiais, os que refletem ações físicas (correr, pegar, sair); (b) mentais,
aqueles que mostram a experiência interna (ouvir, ver, pensar); (c) relacionais, quando
apresentam as relações entre entidades (ser, estar); (d) os comportamentais, são aqueles que
reconstroem comportamentos advindos de atividades psicológicas ou físicas (gostar, irritar-
se, ler); (e) os verbais relacionam as atividades linguísticas (dizer, responder, afirmar) e, por
fim, (f) os existenciais, são os que indicam a existência dos participantes (haver, existir). Os
participantes são representados por grupos nominais e são as entidades envolvidas nos
processos ou afetadas por eles. As circunstâncias, quando aparecem na oração, mostram as
condições de realização dos processos verbais.

Figura 11- Componentes Experienciais da Oração

Fonte: Fuzer & Cabral (2010, p. 40).


47

O processo é o coração da oração na representação, uma vez que é o responsável


direto por refletir a experiência dos participantes nas circunstâncias em que ocorreram, como
observamos nos círculos da figura 11. Existem seis tipos de processo para representar a
experiência humana. Três principais e três secundários. Os principais são os materiais,
mentais e relacionais, enquanto os secundários são os existenciais, localizados na fronteira
entre verbais e existenciais; os comportamentais, assentados entre os materiais e os mentais e
os verbais, situados entre os mentais e relacionais. Todavia, de antemão, vale ressaltar que
“como em qualquer categorização linguística, alguns casos vão ser protótipos e outros mais
marginais; isso mostra o quanto a categorização é delicada”51 (THOMPSON, 2014, p. 95). Na
figura 12, encontramos os seis tipos de processos do sistema de transitividade, visualizados
por diferentes cores:

Figura 12 – Tipos de processos nas orações

Fonte: Halliday (1994); Halliday & Matthiessen (2004).

51
No original: “As with any linguistic categories, some cases will fall more neatly into a category, whereas
others will be more marginal; and it is possible to identify more delicate sub-divisions within each category.”
48

Halliday (1985, apud FUZER; CABRAL, 2010), na introdução de sua gramática,


explica a relação entre as cores e os diferentes processos:

A gramática constrói a experiência como um mapa de cores, em que o vermelho, o


azul e o amarelo são as cores primárias, e o roxo, o verde e o laranja se formam nas
bordas, não como um espectro físico com o vermelho em um extremo e o violeta em
outro (HALLIDAY, 1985, apud FUZER; CABRAL, 2010, p. 107)

A categorização dos processos não é inquestionável, e são justamente os marginais


que trazem problemas. Quando lidamos com textos reais é, muitas vezes, difícil categorizar
processos e participantes.
No que segue, traremos a definição dos seis processos: materiais, mentais, relacionais,
existenciais, comportamentais e, por fim, verbais.
O primeiro processo é o material. Esse componente ideacional é responsável por
representar as ações físicas e/ou atividades, por isso é considerado o tipo mais abundante. Os
participantes envolvidos nesse processo se denominam: Ator e Meta. O Ator, participante
obrigatório dos processos materiais, é o responsável pela execução da ação verbal, ou seja, é
o “executor” da ação, seja ele humano ou não. A Meta é o participante afetado pela ação
verbal. O quadro mostra exemplos de análise dos processos materiais:

Quadro 4 – Processos materiais


(A) O aluno estudou52.
Ator Processo material
(B) O aluno Pegou a prova às 10 a.m.
Ator Processo material Meta Circunstância
(C) A prova foi pega pelo aluno às 10 a.m.
Meta Processo material Ator Circunstância
Fonte: elaborado pela autora com base em Thompson (2014).

Vemos retratados três tipos de composição possível dos processos materiais. O


primeiro grupo de divisão são os processos transitivos, aqueles que envolvem dois
participantes – Ator e Meta - e os intransitivos, aqueles que envolvem apenas um participante
– o executor ou Ator. Nos transitivos, podemos operar mais uma divisão: os ativos e passivos.
Nos ativos, segunda frase do quadro 4, a estrutura da frase está “Ator + Processo + Meta”; já

52
Categorizado de acordo com Thompson (2014).
49

nos passivos, como em “A prova foi pega pelo aluno”, a ordem é invertida e a frase se
inaugura com o participante afetado pela ação, e não com o executor.
Considerando os tipos de processos materiais, para identificá-los na oração, podemos
usar três perguntas53:
1) O que ele fez: essa pergunta abarca os processos materiais intransitivos e
transitivos ativos.
2) Por quem foi feito: engloba as transitivas passivas
3) O que aconteceu com ele: abrange os processos materiais de caráter involuntário,
ou seja, com o ator e a meta coincidindo na ação.
Feita a identificação das subdivisões desse processo, podemos adentrar nos seus
participantes, uma vez que há outros, além de Ator e Meta, denominados participantes
secundários. Os secundários são o Escopo, o Beneficiário e o Atributo.
O Escopo é um grupo nominal que trabalha com o grupo verbal para expressar
significado, mas, diferentemente da Meta, não é atingido pelo processo verbal, uma vez que
ocorre em processos materiais intransitivos. É dividido em Escopo-entidade e Escopo-
processo (FUZER; CABRAL, 2010). O primeiro indica sobre quem o processo verbal se
desenrola como em “Os alunos se esconderam pelo corredor”, enquanto o segundo forma
uma unidade semântica com o verbo, como em “Maria cantarolava uma linda música”.
O Beneficiário equivale, na gramática tradicional, ao “objeto indireto”; no entanto, na
LSF, olhamos para sua função dentro da oração. Temos um participante beneficiário em dois
casos: quando o partícipe receber do Ator bens materiais (destinatário) e quando receber
serviços prestados pelo Ator (Cliente). O Beneficiário destinatário costuma ser introduzido
pela preposição “a”, enquanto o Cliente é acompanhado pela preposição “para” como em
“Compramos uma viagem de férias a José” (destinatário) e “Fiz as malas da viagem para
José” (cliente). Por fim, temos o participante Atributo, o qual é entendido como uma
característica atribuída a outro participante: “Maria correu apressada para sua entrevista de
emprego”.
O segundo processo é o mental. Ele é responsável por representar o mundo interno do
falante. Alguns exemplos desse tipo de processo são verbos como pensar, ouvir, sofrer,
gostar.
No processo mental, a funcionalidade do partícipe das orações é exercida pelo
Experienciador54, entendido como o grupo nominal, necessariamente humano ou

53
Todas as perguntas identificadoras de processos apresentadas nessa seção foram adaptadas de Thompson
(2014).
50

humanizado, que está vivenciando o processo (Maria pensou55 que não deveria sair tarde). O
atingido pelo Experienciador, por sua vez, é definido pela categoria Fenômeno (expresso pela
oração projetada: que não deveria sair tarde), definida como o que é sentido, sendo, portanto,
um complemento ao sentido do processo mental e não um participante atingido por ele. A
pergunta que pode ser utilizada, de modo geral, para identificar esse tipo de processo é “qual
foi a sua reação?”.
As orações mentais podem ser subdivididas em traços mais delicados de significado
em quatro tipos: perceptivas, emotivas, cognitivas e desiderativas. O Quadro 556 abaixo
sistematiza os subtipos, seus conceitos e dá exemplos de uso.

Quadro 5 – As subcategorias dos processos mentais


Subtipo Conceito Exemplo
Perceptivo Percepções dos fenômenos do Ver, ouvir...
mundo
Ele não podia ver nada
Emotivo (ou reativo) Expressam graus de Ela odiou o pensamento que teve.
sentimento ou afeição.
Cognitivo Processos que trazem à tona o Você pode imaginar a sua reação.
que é pensado
Desiderativo Processos do querer, são Eu não quero nenhum problema.
responsáveis por exprimir Você almeja isso.
vontades do falante.
Fonte: elaborado pela autora com base em Thompson (2014).

Essas subcategorias têm diferentes nuances de representação da realidade mental. Os


perceptivos refletirão qual a percepção que o Experienciador tem de um Fenômeno. Em “Ele
não podia ver nada” notamos que o sujeito representa uma dificuldade de entendimento a que
está submetido. Os emotivos retraram o modo como o Experienciador se sente em relação ao
Fenômeno. Quando o falante diz “Ela odiou o pensamento que teve”, descreve o modo como
reagiu a um acontecimento. Os cognitivos representam processos de utilização do pensamento
do Experienciador, por isso têm como protótipo de representantes verbos como imaginar,
trazido no Quadro 5, ler, refletir, entre outros que demonstrem que o sujeito está usando sua
cognição. Os desiderativos, por fim, exprimem as vontades do falante. No exemplo “Eu não
quero nenhum problema”. Representa-se, através da linguagem, a vontade do falante em
relação ao que está acontecendo.

54
Os processos mentais não podem ser descritos como “fazedores do mundo”, assim como os materiais, estamos
impossibilitados de utilizar os componentes léxico-gramaticais ator/meta, típicos dos processos materiais, para
descrever seu funcionamento, logo, surgem novas denominações de participantes.
55
Categorizado de acordo com Halliday; Matthiessen (2014).
56
Esquematizada a partir de Thompson (2014) e Fuzer e Cabral (2010).
51

As subcategorias perceptivo, emotivo, cognitivo e desiderativo também apresentam


uma diferença no padrão de realização da estrutura. Os processos mentais emotivos têm
possibilidade de reversão, já nas outras categorias a reversibilidade é menos comum. Essa
possibilidade de inversão entre participantes é encontrada, apenas, na voz passiva, assim
como ocorre nos processos materiais (THOMPSON, 2014), como ilustram os exemplos (A) e
(B)57 abaixo.

O processo “intrigar”58 é categorizado como mental-emotivo. Na oração (A), o


Fenômeno é “esta notícia”, ao passo que na (B) o Experienciador desempenha essa função.
Isso acontece, pois nos mentais-emotivos o processo pode ser experenciado, no caso da voz
ativa (A), ou desencadeado, como na voz passiva (B). A reversibilidade “quando [aparece nas
outras categorias], em alguma medida, se está usando o processo em sentido metafórico
(usando um processo mental como se fosse um material” (THOMPSON, 2014, p. 100-1).
Para finalizar, convém elencar quais as diferenças entre processos materiais e mentais.
Vale ressaltar que, para haver um novo “tipo” de processo, é preciso especificidade,
generalidade, diferença semântica, mas também diferenças gramaticais. Halliday e
Matthiessen (2014, p. 201-8), na Seção 5.3.3, listam cinco propriedades que as distinguem59:
Primeira: em processos mentais, sempre há um participante humano ou humanizado,
o participante em cuja mente ocorre o processo. Nos processos materiais, o Ator não é
necessariamente humano, como apontam as orações a seguir: “Estamos habituados a ter um
carro que não gosta de frio (experenciador humanizado)” e “O carro quebrou (Ator
inanimado)”.
Segunda: as possibilidades de fenômeno nos processos mentais são menos restritas
que nos processos materiais. Fatos não podem ser participantes em processos mentais, pois
eles podem ser percebidos ou sentidos, mas podem ter uma ação direcionada a eles, como em:
“Ela queria um fim (abstração)” e “Eu percebi que nunca iria vê-la novamente (fato)”.
Terceira: a capacidade dos processos mentais de projetar. Isso é mostrado pelo fato
como participante, como podemos observar na oração acima. Os processos materiais não têm
a capacidade de projetar seus participantes.

57
Exemplos de reversibilidade dos processos mentais emotivos.
58
Exemplos adaptados de Thompson (2014, p. 100).
59
A esquematização e os exemplos foram adaptados de Thompson (2014).
52

Quarta: o tempo verbal. Nos processos materiais, podemos usar mais facilmente o
tempo composto. Nos processos mentais, em contrapartida, o tempo mais comum é o simples.
Caso se use o composto, é necessária uma contextualização: “Ele está consertando o cabo”
(material – tempo composto) em comparação a “Ela gosta de Salmão (mental – tempo
simples)”.
Quinta: as perguntas são diferentes para “comprovar” os processos, pois em vez de
perguntar: o que ela fez? Pergunta-se: qual foi a sua reação?
Passamos a abordar o terceiro tipo de processo: relacional. Ele tem a função de
estabelecer uma relação entre duas entidades diferentes, sendo que uma é o objeto e a outra a
qualidade desse objeto, como na frase “Maria está doente”. Nesse exemplo, ainda que
estejamos lidando com dois conceitos, “Maria” e “doente”, apenas o primeiro participante é
do mundo real. A figura 13 nos mostra a relação que há entre os participantes da oração
relacional60, a qual motiva uma mudança nas denominações dos partícipes:

Figura 13 – Estrutura da Oração Relacional

Fonte: Fuzer e Cabral (2010, p. 65).

Os participantes dos processos relacionais não executam ou são atingidos pela ação
verbal, como ocorre nos materiais, e nem vivenciam as ações, como nos mentais. Nesse tipo
de representação da realidade há uma conexão entre as entidades, a qual pode se dividir em
dois tipos diferentes: atributiva e identificativa. Cada uma dessas categorias nomeia seus
participantes de uma maneira, já que interpretam a realidade de modo particular. O quadro
expõe os componentes léxico-gramaticais desses processos relacionais:

60
O teste chave para identificar os processos relacionais que não são construídos com o verbo “ser” é a
reversibilidade. Além da capacidade de ser reversível, existem outros cinco testes para a identificação: 1-Se o
segundo participante é adjetivo, deve ser atributivo. 2- Se o segundo participante é um grupo nominal, você tem
duas opções: Atributos- tipicamente indefinido Identificativos – tipicamente definidos 3- Oração incorporada
(Valor^Token) costuma ser atributivo. 4- Na Identificativa, o verbo pode ser substituído por: representa... ou foi
representada por... (nas atributivas isto não é possível). 5- As questões que sondam os processos são diferentes:
O que é... (atributivo e identificamos o portador) Qual/Quem é... (identificativo e identificamos o identificador)
(THOMPSON, 2014).
53

Quadro 6 – Subdivisões dos processos relacionais


Tipo de processo relacional Participantes

Atributivo Portador / Atributo

O clima ficou agradável.


Identificativo Valor/Característica

Função: identificar uma entidade em termos de outra Seu objetivo imediato era a igreja.

É reversível e tem valor de igualdade entre as unidades: Se x = y,


então y = x
Fonte: adaptado pela autora a partir de Thompson (2014).

Os processos relacionais atributivos têm como função qualificar uma entidade, como
mostra o exemplo “O clima ficou agradável”. Já os identificativos, identificam um
participante em termos de outro. Atributivos e identificativos recebem etiquetas diferentes,
pois têm diferenças gramaticais, como mostram os distintos componentes léxico-gramaticais
que os representam. No entanto, não são grupos separados, pois a semântica “geral”
(relacionar unidades) do processo se conserva.
Nos processos atributivos, os componentes léxico-gramaticais que representam suas
funções são Portador e Atributo. Possuem uma relação na qual o segundo dá uma
característica para o primeiro. Já nos processos identificativos, a “identificação é uma questão
de relacionar uma realização específica e uma categoria mais generalizada” (THOMPSON,
2014, p. 102)61. Sendo assim, nesses tipos de oração, a categoria mais geral é denominada
Valor e, a mais específica, Característica. Vejamos dois exemplos62 que seguem:

(A) Marlow [característica] foi [p. relacional identificativo] o maior escritor dramático do
século 16 [valor].

(B) A forma mais forte [valor] é [p. relacional atributivo] o triângulo [característica]. 63

.
O contexto de produção da oração determinará o elemento que assume o papel geral
ou específico, logo devemos olhar para o que o verbo representa. Na voz ativa (B), um Valor
geral é representado por sua Característica específica. Na voz passiva (A), a Característica é
representada por seu Valor geral. A análise valor/característica mostra, salvo exceções como
em comunicados formais ou instruções de uso, a maneira que o escritor ou parte de uma

61
No original: “identification is a matter of relating a specific realization and a more generalizable category.”
62
Exemplos de processos relacionais identificativos e atributivos.
63
Adaptados de Thompson (2014, p. 103).
54

cultura categorizam e tratam seus valores, evidenciando, a ideologia que permeia o contexto
de cultura do texto.
O quarto processo é o verbal. Esse grupo representa uma ação física que reflete ações
mentais, por isso está localizado entre os processos mentais e relacionais na figura 12. São
denominados verbos de “dizer”. Eis alguns exemplos: perguntar, contar, caluniar, conversar,
entre outros. Os participantes envolvidos nesse processo são o Dizente, o Receptor, o Alvo e a
Verbiagem.
O Dizente está sempre presente nas orações verbais e costuma ser humano. O
Receptor, o qual também costuma ser humano, é o participante a quem a declaração verbal é
endereçada. O Alvo é o participante atingido pelo Dizente. A Verbiagem, por fim, é um
resumo da mensagem, contido em um grupo preposicional, surgindo quando a própria
mensagem é participante do processo. Vejamos alguns exemplos64:

Quadro 7 – Participantes dos Processos Verbais


(A) Ele repetiu o aviso.
Dizente Humano Processo verbal Verbiagem

(B) O relatório critica a qualidade de teste do setor.


Dizente Inanimado Processo verbal Alvo

(C) Um soldado chamou- lhes.


Dizente Humano Processo verbal Receptor.
(D) Eu jurei que chegaria cedo.
Dizente Humano Processo verbal projeção
Fonte: elaborado pela autora (2016).

A oração (A) é um exemplo de Verbiagem. Nesse fraseado, “o aviso” é atingido pelo


processo verbal “repetiu” e, uma vez que “aviso” representa uma entidade linguística,
constatamos que a linguagem está funcionando como participante na ação verbal. Na oração
(B) “O relatório critica a qualidade de teste do setor”, há uma particularidade em relação ao
participante Dizente. O relatório, entidade inanimada, ganha voz, já que lhe é atribuída a
crítica à qualidade. Ainda que, de um modo geral, esse partícipe seja representado por
entidades humanas, há casos, como esse, em que uma entidade inanimada é dotada da
capacidade de “dizer”. Nas orações (B) e (C) observamos o traço semântico que diferencia
Alvo e Receptor. O Alvo é atingido pelo dizer. Em (B), a qualidade do serviço estava sendo
alvo de criticas, logo, é atingida por essa ação verbal. O Receptor, em contrapartida,
exemplificado na (C), não está sendo atingido por essa ação; ele a está recebendo. Por sua

64
Exemplos adaptados de Thompson (2014, p. 107-8).
55

vez, “Eles” não foi o alvo do chamado do soldado, apenas, o receberam. O último exemplo
(D) traz um participante, até então, não citado. Por fim, a projeção ocorre quando uma oração
ou uma citação direta reproduzem uma fala. Não é entendido como um objeto ou participante
comum, porque forma uma estrutura complexa com o verbo.
O quinto processo é o comportamental. Representa processos psicológicos
tipicamente humanos e suas características não são tão prototípicas quanto aquelas dos demais
processos.
A figura 14, de Fuzer e Cabral (2010, p. 77), exemplifica as nuances de significado
dessa classe de orações em relação aos processos verbais, mentais e materiais.

Figura 14 – Exemplos de verbos que realizam processos em orações comportamentais

Fonte: Fuzer e Cabral (2010, p. 77).

Os processos comportamentais costumam ter apenas um participante, o Comportante,


entendido como o ser consciente, responsável pelo processo. Algumas orações apresentam
outro participante, o Comportamento. Este elemento tem como função adicionar
especificações à ação verbal. Observemos a análise de um exemplo desse tipo de processo.

Maria observava atentamente.


Comportante Processo comportamental Circunstância
56

O processo comportamental “observou” está próximo de um mental, uma vez que é


um processo da consciência manifestado através de um comportamento. O Comportante
“Maria” é aquele que está tendo o comportamento e figura como único participante da
oração.
Finalmente, o último processo mencionado é o existencial. Ele é responsável por
representar a existência de uma entidade do mundo e seu único participante, que cumpre essa
função, é o Existente. Quando o falante opta pelo uso dos processos existenciais, identifica a
existência de uma entidade, mas não se compromete com juízos de valor sobre ela. Essa
neutralidade do falante é o principal traço semântico que o diferencia dos processos
relacionais. O exemplo abaixo ilustra uma análise dos processos existenciais.

Há poucos alunos na turma.


Existente
Processo Existencial Circunstância

Em português e em espanhol, o processo existencial mais comum é o “haver” no


sentido de “existir”. A função do grupo existencial dentro dos processos é a de anunciar uma
entidade que será tratada mais detalhadamente em um momento posterior. A próxima
característica que será tratada, da metafunção experencial, são as circunstâncias, último
círculo da figura 11.
As circunstâncias são componentes léxico-gramaticais responsáveis por codificar o
ambiente no qual a ação verbal está ocorrendo e dividem-se, de acordo com o traço de
significado que representa, como esquematizamos no Quadro 8:
57

Quadro 8 – Tipos de Circunstâncias


Circunstância Subdivisão Exemplo Pergunta
de significado identificadora:

Lugar 1.Localização Tivemos um jantar em Paris. Onde?


2.Extensão Ele seguiu por alguns metros. Até onde?
Tempo 1.Localização Ele foi morto em 1937. Quando?
2.Extensão Às vezes, recebo sua visita. Quanto tempo? Com
que frequência?
Maneira 1.Qualidade Ela dirigiu habilmente. Como?
2.Meio Amarrou-o com um barbante. Com o que?
3.Comparação Pedro saiu como uma bala. O que...como?
4.Grau Acredita em você 100%. Quanto?
Causa 1.Razão Entrei por curiosidade. Por quê?
2.Objetivo Gostaria de vir para falarmos? Para quê?
3.Nome Te escutei em respeito a Maria. Por quem?

Contingência 1. Condição No caso de um incêndio, grite. -


2.Concessão Ainda que esteja exausto, parece animado. -
Acompanhamento - Foi ao cinema com seu irmão. Quem/com o que?
Papel 1.Aparência Perguntei-lhe o nome de seu tutor como um O que é?
2.Produto árbitro. Como?
Eles transformaram o salão em um centro
de fitness de furadeira.
Matéria - Tento não pensar sobre a briga. Sobre o quê?
Ângulo - Para a minha mãe, foi compensador. De que ponto de
vista?
Fonte: Adaptado e esquematizado pela autora a partir de Thompson (2014).

As circunstâncias mais recorrentes são as de lugar e tempo. Junto a elas e, por


extensão, estão as categorias de maneira, causa, contingência, acompanhamento, papel,
matéria e ângulo. A categoria de causa é complexa e o componente que representa na
estrutura é o Escopo. Destacamos, também no grupo das circunstâncias, o elo mais forte de
matéria e ângulo com os processos mentais e materiais.

1.3.1.4.2 Metafunção interpessoal


Na metafunção interpessoal, é considerado o significado da participação e, por isso,
estamos atentando para a interação, ou seja, o câmbio de significado entre falante e ouvinte
que se dá na oração. A interação é “a troca, na qual dar implica receber e exigir implica dar
uma resposta” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 107)65 e a oração é funcionalmente a
representação dessa interação.
Se o processo de interação pressupõe dar e consequentemente receber, depreendemos
que comunicação se dá sempre bidirecionalmente. Na troca linguística entre dois seres, o

65
No original: “it is an exchange, in which giving implies receiving and demanding implies giving in response”.
58

significado vai através do falante, participante principal, e volta após o ouvinte recebê-la e
assumir o papel nuclear.
A distinção básica da natureza das trocas é entre DAR e RECEBER; no entanto outra
distinção presente na interação entre falante e ouvinte é a entre BENS E SERVIÇOS e
INFORMAÇÃO, a qual revela aquilo que é trocado no processo interativo (HALLIDAY;
MATTHIESSEN, 2004). Nas trocas de bens e serviços, recorremos à língua para auxiliar no
processo e ela não será o fim da interação verbal. Nas trocas de informação, a linguagem é o
objetivo final da troca, ou seja, o falante recebe uma resposta verbal como mercadoria de
troca da interação. A combinação dessas duplas gera os quatro tipos de troca primordiais,
chamados de funções constitutivas: oferta, afirmação, comando e pergunta.

Quadro 9 – Papéis básicos do falante e funções de fala


Natureza da troca interacional Objeto de troca da interação
(a) Bens e Serviços (b) Informação
(i) Dando Oferta Declaração
Vou te mostrar o caminho Estamos quase lá
(ii) Exigindo Comando Pergunta
Dê-me a sua mão Este é o lugar?
Fonte: adaptado pela autora a partir de Thompson (2014, p. 47).

As funções de fala se realizam em tipos de orações específicos que estão organizados


no sistema léxico-gramatical de modo. Na função declarativa, damos informação ao
destinatário usando formas declarativas. Na função pergunta, obtemos informação do
destinatário, através de estruturas interrogativas. Na função comando, influenciamos o
comportamento do destinatário, utilizando formas imperativas. Por fim, na função oferta,
entregamos bens e serviços, por isso, a forma linguística dessa função transita entre as demais.
Essas ligações não são fixas, visto que podemos fazer uma pergunta, mas, na verdade,
estarmos dando uma ordem (Maria, podes abrir a porta?). A mobilidade na relação entre
função-forma se deve, justamente, ao fato de somarmos sentidos aos significados
fundamentais. A gramaticalização do sistema semântico, ou seja, essas funções de fala
expressas nas formas exclamativas, interrogativas ou declarativas, independentemente dá
articulação que se dê entre forma e função, é a estrutura interpessoal da oração, chamada de
MODO oracional66 (MOOD). O MODO oracional demonstra a realização do estrato
semântico-discursivo no léxico-gramatical. A figura 15 esquematiza essa relação.

66
Neste trabalho, optamos por fazer alusão às diferenças de grafia nos modos da estrutura interpessoal propostas
por Halliday. Desse modo, MODO oracional será em maiúscula por ser a tradução de MOOD e Modo verbal terá
a primeira letra em maiúscula por ser o Mood.
59

Figura 15 – Relações congruentes entre estratos: funções de fala e modos da oração

afirmações
perguntas

Oração

ordens

Fonte: Quiroz (2015, p. 270).

A estrutura de MODO foi primeiramente pensada por Halliday para a língua inglesa.
Estudos posteriores (MARTIN, 1992; TERUYA et al. 2007; CAFFAREL, 1995; 2006;
QUIROZ, 2015) chamaram a atenção para o fato de que os recursos usados na estrutura
interpessoal para dar continuidade à informação mudam de uma língua para outra. No inglês,
a estrutura interpessoal do sistema de Modo verbal está constituída por dois elementos:
Sujeito e Finito, responsáveis na oração por dar continuidade à informação, direcionando-a ao
ouvinte. O Sujeito é representado por um grupo nominal. Há, na LSF, uma reinterpretação do
seu conceito, uma vez que na gramática tradicional é visto como assunto/tema da frase. Já na
LSF, o Sujeito é apenas um dos três tipos de temacidade possíveis e é definido a partir de sua
funcionalidade na oração. Para deixar clara essa diferença de perspectiva, precisamos,
igualmente, deixar clara a diferença entre Ator e Sujeito. O primeiro é quem, de fato, pratica a
ação, enquanto o segundo é o correspondente gramatical do verbo, podendo ou não,
coincidirem. Observemos o exemplo67 abaixo.
(A) As crianças foram levadas à escola pela mãe.
Sujeito Ator
(B) A mãe levou as crianças à escola.
Sujeito/Ator

Na oração (A), não há correspondência entre Sujeito e Ator, uma vez que aquele que
pratica a ação é o que chamamos de “agente da passiva” (“pela mãe”). Na oração (B), Sujeito
e Ator coincidem de função, já que a “mãe” é o correspondente gramatical do verbo e, de fato,
levou as crianças à escola, executando, assim, a ação verbal.

67
Exemplo de Sujeito e ator na LSF.
60

O Sujeito é a entidade principal da oração inglesa, uma vez que é o responsável pelo
funcionamento da oração como evento interativo. O Finito, em contrapartida, é o responsável
por trazer a proposição para o aqui/agora através do tempo, inserindo-a no momento de fala, e
da modalidade, ao mostrar o julgamento do falante sobre a informação. O elemento Finito é
representado pela parte do grupo verbal que mostra o tempo da oração e/ou a opinião do
falante (os verbos modais são os finitos que mostram juízos de valor dos falantes), podendo
aparecer fundido ou acompanhado do Predicador na oração. Se voltarmos aos exemplos68
outrora utilizados, temos:

(A) As crianças foram levadas à escola pela mãe.


Sujeito Finito Predicador Ator

(B) A mãe levou as crianças à escola.


Sujeito/ator Finito fundido ou
Predicador

Em E/LE, nosso objeto de análise nos LDs, a estrutura interpessoal se configura de


maneira distinta da estabelecida para o inglês, a qual costuma servir de base para as análises.
Quiroz pontua que o negociador69 do espanhol é composto, sobretudo, pelo Predicador,
destacando as diferenças, que resultam em diferenças de análise, entre o inglês, o francês e o
espanhol:
Na descrição dos núcleos interpessoais do inglês, do francês e do espanhol há
diferenças claras. Os recursos que estabelecem o status de negociabilidade da oração
e que são destacados na interação são interpretados, em inglês, em relação com uma
“subjetividade” e “finitude” separadas e manifestados nos elementos Sujeito e Finito
agrupados no elemento Modal da oração (Halliday, 1994, Halliday y Matthiessen,
2013). No francês, os recursos, que dependem da negociabilidade da oração se
centram em três funções mínimas, Sujeito – Finito – Predicador, agrupadas no
negociador (Caffarel 1995, 2006). No entanto, no espanhol os contrastes e os
recursos estruturais em jogo se manifestam no domínio do grupo verbal finito. 70
(QUIROZ, 2015, p. 291).

68
Exemplo de Sujeito, Ator, Finito e predicador na LSF.
69
Quiroz (2015, p. 294) define o conceito de negociador como: “una función semántico-discursiva que señala de
manera relevante cuál es el núcleo interpersonal de la cláusula (de manera análoga al elemento Modal del
inglés)”.
70
No original: “En la descripción de los núcleos interpersonales del inglés, del francés y del español hay, por
consiguiente, diferencias claras. Los recursos que establecen el estatus de negociabilidad de la cláusula y que son
puestos de relieve en el intercambio dialógico son interpretados en inglés en relación con una “sujetividad”
(subjecthood) y “finitud” (finiteness) separadas y manifiestas en dos elementos discretos en la cláusula, Sujeto ·
Finito, agrupados en el elemento Modal (Halliday 1994, Halliday y Matthiessen 2013). En francés, los recursos
de los que depende la negociabilidad de la cláusula se centran en tres funciones mínimas, Sujeto · Finito ·
Predicador, agrupadas dentro del Negociador (Caffarel 1995, 2006). Sin embargo, en español los contrastes y
recursos estructurales en juego se manifiestan primordialmente dentro del dominio del grupo verbal finito”.
61

A estrutura oracional espanhol, como aponta a passagem de Quiroz (2015), concentra


sua negociabilidade no grupo verbal Finito. O Resíduo, outro elemento apontado como
integrante da estrutura interpessoal, é o restante da oração, ou seja, sobre o que o sujeito
enuncia, abarcando o Predicador (no espanhol o Predicador não integra o Resíduo), o
Complemento e o Adjunto. O exemplo de Sujeito, Ator e Predicador nos mostra que o
Predicador aparece quando o Finito não está fundido na oração, sendo funcionalmente “um
processo no qual o Sujeito está envolvido em alguma medida”71 (THOMPSON, 2014, p. 63).
Esse componente pode, ainda, desempenhar outras três funções:
1) Tempo secundário: quando marca presente, passado e futuro, acompanhando um
tempo primário.
2) Outros aspectos do processo: quando mostra verbalmente aspectos de realização da
ação verbal, como “Ele conseguiu chegar cedo”.
3) Voz passiva e ativa: havia sido x foi
O Complemento, também componente do Resíduo, é composto pelos elementos que
poderiam potencialmente ser Sujeito, uma vez que são sempre representados por grupos
nominais, mas não o são. Na gramática tradicional, eles são apontados como objetos, no
entanto, essa é uma distinção que não tem lugar dentro da estrutura interpessoal
(HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). O Adjunto, último elemento integrante do Resíduo, é
expresso por grupos preposicionais e adverbiais e, diferentemente do complemento, não
poderia exercer a função de Sujeito. Funcionalmente é responsável por indicar as condições
de realização da ação verbal e ter uma forte relação com significados interpessoais, dividindo-
se em três tipos: circunstanciais, conjuntivos e modais. Os circunstanciais contribuem para o
significado experiencial, pois mostram as circunstâncias. Os modais podem ser de comentário
e de modo (tem uma função interpessoal, não um significado interpessoal). Por fim, os
conjuntivos expressam sentidos textuais. Vejamos os exemplos adaptados de Thompson
(2014, p. 65-7) com uma análise completa da estrutura:

71
No original: “in which the Subject is involved in some way”.
62

Quadro 10 – Análise dos componentes léxico-gramaticais da metafunção interpessoal

Isso aconteceu para mim numa conferência.


Sujeito Finito Complemento Adjunto Circunstancial
A pontuação, em contrapartida, não é boa.
Sujeito Adjunto Finito Complemento
Conjuntivo
Infelizmente, chegaram atrasados.
Adjunto de comentário Finito Predicador

Talvez, cheguem atrasados.


Adjunto de modo Finito Predicador
Fonte: elaborado pela autora (2016).

A modalidade e a polaridade72, junto com o tempo, são os sentidos expressos pelo


Finito e, devido a isso, merecem nossa atenção. No que concerne à modalidade, é vista como
um recurso interpessoal que o Sujeito usa para assumir uma posição ou fazer um julgamento.
A polaridade, por sua vez, é a escolha entre realizar uma oração positiva ou negativa. Ambos
recursos estão estritamente relacionadas com o sentido que o falante busca expressar na
realização do seu texto.
A polaridade pode ser expressa estruturalmente pelos Finitos (levou, comprou, foi) ou
por Adjuntos modais de polaridade (não, sim, claro, nunca). A modalidade, em contrapartida,
tem mais subdivisões: modalização quando expressa probabilidade, usualidade e modulação,
ao indicar a obrigação ou inclinação do falante. A diferença entre modalização e modulação
está relacionada com os objetos de troca. A primeira se localiza dentro da troca de
informação, enquanto a segunda é responsável pela troca de bens e serviços.
Isto posto, o MODO da língua espanhola se organiza e realiza como exemplifica a
figura 16:

72
Os conceitos de modalidade e polaridade não são utilizados na análise dos dados; no entanto, são discutidos
para que tenhamos uma visão integral dos componentes que integram a metafunção interpessoal.
63

Figura 16 – O sistema de realização do MODO do espanhol

Fonte: Quiroz (2008, p. 60).

A maneira como o falante realiza o MODO oracional oculta uma motivação


semântica. A análise desses recursos permite entender como o falante age com a linguagem e
que tipo de resposta espera ou exige do seu ouvinte no ato interativo.
Apresentadas estas considerações sobre a LSF seus termos e preceitos, esta dissertação
passa ao capítulo dedicado à análise dos dados, no qual investiga o LD sob a perspectiva da
LSF.
64

2 TECENDO OS LUGARES DADOS AO ALUNO E À CULTURA NO LIVRO


DIDÁTICO: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Neste capítulo, analisamos como o papel do aluno e dos elementos culturais estão
delineados no Guia de livros didáticos do PNLD 2014: Língua Estrangeira Moderna e na
coleção Formación en español: lengua y cultura. Para tanto, o organizamos em duas seções:
na primeira, denominada “O papel do aluno e a dimensão cultural no Guia de livros didáticos
PNLD 2014”, objetivamos compreender quais indicações sobre a função do discente e dos
componentes da cultura do E/LE são dadas para a coleção didática pelo Guia PNLD 2014.
Recorreremos, para isso, ao primeiro passo metodológico, que consiste na leitura desse
documento e sua posterior análise ideacional com o uso do programa AntConc.
A segunda seção, denominada “O papel do aluno e a dimensão cultural na coleção
Formación en español: lengua y cultura (2012)”, visa estudar a obra didática, oferecendo um
panorama de sua constituição e analisando as seções “Interactuando con el texto” dos LDs.
Reforçamos que a escolha por esse recorte de análise nos LDs se deu devido à indicação, nos
manuais, de que esta é a seção responsável por estabelecer a relação entre o aluno e o
universo circundante da LE. Pretendemos, com esse estudo, verificar que papel é concedido
ao aluno e aos elementos culturais do E/LE nas atividades da coleção. Essa verificação se dá
por meio da execução dos passos dois a sete da metodologia, quais sejam, respectivamente:
seleção de todas as seções “Interactuando con el texto” dos quatro LDs que integram a
coleção didática; análise da variável campo do contexto de situação dos textos que dialogam
com essas seções, tendo por propósito o estudo do elemento cultural; construçao de tabelas no
word para organizar os resultados encontrados; análise manual das metafunções ideacional e
interpessoal dos enunciados dessas seções para compreender o lugar do aluno na obra e como
se dá a interação com a cultura e construçao de tabelas no word para organizar essas análises.
Os resultados derivados desses passos são demonstrados através de exemplos representativos
do LD. Esta escolha metodológica se dá para que possamos tecer com o leitor o modo como
se constrói a representação do aluno e da cultura em toda a coleção didática.

2.1 O PAPEL DO ALUNO E A DIMENSÃO CULTURAL NO GUIA DE LIVROS


DIDÁTICOS PNLD 2014

O Guia PNLD 2014 é um material produzido pelo MEC para amparar os professores
das escolas públicas no momento da escolha da obra a ser adotada em suas instituições. Esse
65

Guia traz fichas de avaliação73, relacionadas à abordagem pedagógica, concepções de ensino-


aprendizagem de LE, resenhas que avaliam as obras que foram aprovadas74 e um quadro
comparativo-avaliativo dessas obras. No entanto, ainda que duas coleções tenham sido
escolhidas e estejam analisadas no documento, nosso objeto de estudo será a obra didática
mais adotada em nível nacional: a coleção Formación en español: lengua y cultura.
O Guia PNLD 2014 apresenta a concepção de língua e os princípios que orientam a
aprendizagem de LE, que, por sua vez, orientaram o processo de seleção pelo qual passou a
coletânea Formación en español: lengua y cultura. Observemos a passagem abaixo:

[...] o processo [de seleção] foi orientado pelo entendimento de língua como
portadora de sentimentos, valores e saberes profundamente atrelados a processos
histórico-sociais muito diversificados. Além disso, considerou-se que aprender uma
língua estrangeira tem como princípios: proporcionar o acesso a sentidos
relacionados a outros modos de compreender e expressar-se no e sobre o mundo; e
articular ações que permitam romper estereótipos, superar preconceitos, criar
espaços de convivência com a diferença, que vão auxiliar na promoção de novos
entendimentos das nossas próprias formas de organizar, dizer e valorizar o mundo.
Esses princípios devem estar articulados ao caráter educativo da língua estrangeira,
de modo que essa possa ocupar seu espaço na escola pública e participar do esforço
conjunto de garantir uma formação cidadã. (BRASIL, 2014, p. 11-12).

A língua é entendida, no Guia, como “portadora de sentimentos, valores e saberes


profundamente atrelados a processos histórico-sociais muito diversificados”, o que sugere que
o documento assume uma definição que se aproxima à da perspectiva sociocultural (cf. seção
1.1). Essa perspectiva concebe a língua como parte da sociedade, de sua história e,
consequentemente, de sua cultura, ao mesmo tempo em que representa essa sociedade e suas
características. A concepção de ensino de LE assumida, por sua vez, é a de “proporcionar
acesso a sentidos” e “articular ações [...] que auxiliam na promoção de novos entendimentos”.
O princípio que deve orientar a aprendizagem do E/LE e, portanto, a constituição das obras
didáticas que têm essa finalidade, deve ser o de proporcionar ao aprendiz atividades
dinâmicas, que o conectem com seu entorno, visando à formação cidadã através da LE. Desse
modo, a concepção de língua e os princípios de aprendizagem estão diretamente
interrelacionados entre si, uma vez que a LE parte de uma sociedade e, representante desta,
deve ser estudada como uma oportunidade de acessar “outros modos de compreender e

73
No Guia PNLD 2014 consta uma ficha de avaliação pedagógica, que contém critérios didático-pedagógicos
para avaliar a obra, e uma ficha de avaliação técnica do DVD, a qual apresenta critérios técnicos para a avalição
dessa mídia (são observados, por exemplo, a acessibilidade, os conteúdos multimídia que integram a coleção e os
objetos educacionais multimídias presentes).
74
Nesse processo de seleção, foram inscritas 15 obras (4 de tipo 1 – livros impressos e cd`s de áudio- e 11 de
tipo 2 – livros impressos, cd`s e dvds) e aprovadas, apenas, duas de tipo 1.
66

expressar-se no e sobre o mundo” que marcam o modo de viver das comunidades falantes
desse idioma.
O Guia PNLD 2014, ao assumir concepções de língua e aprendizagem, atribui,
consequentemente, ao aluno e à cultura um papel no processo de aprender/ensinar a LE. Para
compreender o modo como os termos “aluno” e “cultura” são utilizados no Guia e, por
conseguinte, como se conformam as orientações sobre os seus papeis nesse processo,
analisamos os componentes léxico-gramaticais da metafunção ideacional do documento.
Nessa investigação, utilizamos o programa Antconc, empregando as ferramentas Word list
(para gerar listas de palavras por frequência), Collocates (para observar concordâncias),
Clusters/N-gramns (para identificar as palavras que se agrupam com aluno e cultura) e File
View (para observar a localização dos termos “aluno” e “cultura” no texto e fazer a análise
ideacional) (cf. seção 3 da introdução - Metodologia).
Com o auxílio do AntConc, analisamos o Guia PNLD 2014, utilizando as categorias
do sistema de transitividade: processo, participante e circunstâncias (cf. seção 2.2.4.1). Para
esse estudo, selecionamos dois conceitos centrais, aluno e cultura, a fim de responder a uma
de nossas perguntas norteadoras: qual o papel do aluno e dos elementos culturais sugerido à
coleção Formación en español: lengua y cultura.
As ferramentas do programa Antconc, para a análise do Guia PNLD 2014, foram
usadas em três etapas. A primeira etapa se constituiu em gerar uma lista de palavras no Word
List, a fim de verificar quantas aparições encontramos da palavra aluno e cultura,
respectivamente, e em que parte do material.
Nessa primeira etapa, o resultado observável do termo “aluno”, ao usar essa
ferramenta, foi de que a expressão (incluindo variações aluno e/ou alunos) aparece 40 vezes
ao longo do Guia. Depois de gerada a lista de palavras, recorremos, na segunda fase da
análise, ao File View para verificar a distribuição dessas ocorrências ao longo do material. O
resultado é apresentado na tabela 1:

Tabela 1 – Partes do Guia em que aparece a palavra aluno


Número de aparecimentos da palavra Aluno Parte do Guia em que se encontra
21 Ficha de avaliação
10 Resenha
7 Apresentação
2 Critérios eliminatórios
Fonte: elaborado pela autora (2016).
67

Observamos, acima, que 23 vezes aluno está associado a condições necessárias da


obra para escolha pelo MEC, visto que há 21 menções na ficha de avaliação, que contém os
critérios que determinaram a escolha da coleção, e dois registros nos critérios considerados
eliminatórios do edital, em caso de não adequação das obras didáticas. No entanto, antes de
afirmarmos que o aluno tem um papel de importância nos critérios de seleção, procedemos à
análise das 40 ocorrências do Guia (cf. tabela 1), ainda com o programa AntConC, desta vez
utilizando a ferramenta Collocates (terceira etapa), para verificar que elementos aparecem
com mais frequência associados a esse vocábulo. Nesta análise, obtivemos duas ocorrências:
livro (18) e professor e/ou professores (22) como ilustrado na figura 1775 seguinte:

Figura 17 – Collocates com a palavra aluno visualizado no AntConc

Fonte: elaborado pela autora (2016).

Diante dos resultados inicialmente sistematizados no File View76, verificamos que o


vocábulo professor aparece nove vezes associado à palavra manual. Nessa combinação, o
termo remete, no estrato do conteúdo semântico, ao material do professor e não ao docente
como um participante humano. Essas ocorrências, em vista disso, foram descartadas por nós.

75
A figura 17 mostra uma das formas – professores. As demais, para completar as 20 ocorrências, são as plurais.
76
Não há uma figura representativa do FileView, pois ele dá uma visão geral da obra, tendo, portanto, um
tamanho incompatível para reprodução nesta dissertação.
68

Nas outras 13 menções, sete à direita e quatro à esquerda, o Guia se refere ao professor como
um participante humano. Vejamos o exemplo 01(A e B) ilustrado:

01(A) Professor à direita: “Por esse motivo, o livro didático deve ser entendido (processo
principal) como uma produção que está vinculada a valores,
posições ideológicas, visões de língua, de ensino de língua, de
aluno, de professor, e de papel das línguas estrangeiras na
escola”.
01(B) Professor à esquerda “Cabe, portanto, ao professor oferecer (processo principal)
como ativo de um outros materiais ao aluno, assim como ampliar a exposição a
processo que o aluno é diferentes pronúncias e prosódias da língua espanhola”.
passivo:

O posicionamento do participante à direita do processo sugere, no sistema de


transitividade, passividade diante da ação verbal. Já a realização à esquerda indica execução
dessa ação verbal. Nas quatro ocorrências do participante professor à direita, representam-no
como características que a obra didática deve apresentar. No exemplo 01(A), o Ator
“produção” deve realizar a ação material de veicular-se a uma série de Metas, dentre eles, “a
visão de aluno” e a “visão de professor”. Nesse fraseado, o participante “visão de professor” é
uma qualidade que o LD deve ter em sua constituição, ou seja, suas atividades, seus textos,
sua forma de apresentar o E/LE devem ligar-se a uma crença sobre o papel do docente. Nessas
menções, portanto, esse participante não caracteriza o participante aluno, mas sim sofre a
ação do processo junto a ele como sugere seu posicionamento na oração.
A observação das ocorrências à esquerda do FileView revelou, em três delas, um
comportamento diferente das realizações à direita. O termo “professor”, nesses casos, é
executor dos processos, como a localização sintática prevê; no entanto, para além do fato de
ser o realizador da ação verbal, é importante destacar que sua ação atinge o aluno. O exemplo
01(B) representa essa configuração estrutural: o Ator “professor” deve realizar a ação material
de oferecer “outros materiais” (Meta) ao seu aluno, que tem o papel ideacional de
Beneficiário destinatário, ao ser direção da ação verbal. Tal ocorrência nos permite levantar a
hipótese de que o professor assume um papel ativo, enquanto o aluno assume um papel
passivo nas indicações do documento. O contexto de situação de um Guia de livro didático
tem como participantes o MEC - materialização dos analistas das obras e dos docentes; logo,
esse material é destinado aos professores, o que os leva a ter um caráter atuante distinto ao
dos alunos. Podemos, em vista disso, entender que a recorrente associação entre professor e
aluno se deve ao fato de que o LD se destina, em última instância, a esses dois participantes,
não delimitando, portanto, uma caracterização do papel desse em relação àquele.
69

O segundo termo, recorrentemente associado a aluno, foi a palavra livro. Das 40


ocorrências (cf. Tabela 1), verificamos, no FileView, que 18 estão na expressão livro do aluno
e, dentre estas, temos uma subdivisão: livro do aluno como material e livro do aluno como
uma entidade que faz alusão ao sujeito educando. Em 17 das 18 ocorrências, “livro do aluno”
é um participante que remete ao campo semântico de material no estrato do conteúdo, sendo,
por isso, descartadas de nossa análise; contudo, em uma das aparições, a expressão nominal
faz alusão à participação do educando, conforme Quadro 9:

Quadro 9 – A associação livro-aluno no Guia do LD de LE.


Livro do aluno – Critério 46. Sugere respostas às atividades propostas no Livro do Aluno, no CD
considerando o em áudio e no DVD, sem que tenham caráter exclusivo nem restritivo, em
sujeito especial quando se referem a questões relacionadas à diversidade linguística e
educando cultural expressa na língua estrangeira?
Fonte: elaborado pela autora (2016).

A expressão livro do aluno é usada como circunstância de localização à esquerda do


processo verbal “sugere” no critério 46 (cf. Quadro 9). Refere-se, portanto, ao aprendiz como
um participante humano e não ao material livro do aluno. Uma análise do ponto de vista da
metafunção ideacional ilustra mais claramente como se constrói esse significado:

(02) [Manual Sugere respostas no Livro do sem que tenham caráter exclusivo
do às Aluno, no CD ou restritivo em especial quando se
professor] atividades em áudio e no referem a questões relacionadas à
propostas DVD diversidade linguística e cultural
expressa na língua estrangeira?

Dizente Processo Verbiagem Circunstância Circunstância de modo


Verbal de lugar

O Dizente, neste caso, inanimado e subentendido, é o manual do professor e o outro


participante é uma Verbiagem, já que resposta é a própria linguagem funcionando como
feedback do processo verbal, como observamos no exemplo 02. Com relação às
circunstâncias, temos duas importantes associadas a essa oração: a de lugar “no livro”, que
indica o lugar onde a Verbiagem foi proposta e a de modo “sem que tenham caráter exclusivo
ou restritivo77”. É importante frisar que esta circunstância não é um grupo preposicional,
categoria gramatical típica de representação, mas uma oração finita na posição de pós-

77
O nosso foco de análise não são os grupos ou orações complexas e, portanto, sempre que um grupo complexo,
sobretudo, for analisado e responder às perguntas identificadoras das circunstâncias, o classificamos no tipo que
lhe corresponda sem detalhar o fato de funcionar como um grupo complexo.
70

modificador78, responsável por indicar qualidade da ação e responder a pergunta “como? ”.


Essa configuração entre o processo verbal, a verbiagem e às circunstâncias, sobretudo a de
modo, mostra-nos que o LD, neste caso, concebe o aluno como sujeito ativo no processo de
aprendizagem, uma vez que parece sugerir liberdade para responder às atividades propostas
nas unidades do livro.
Nossa análise do Guia PNLD 2014, para definir o papel atribuído ao “aluno”, recorreu
às 23 ocorrências do termo, incluindo a ilustrada no exemplo 02. Essas ocorrências restantes
foram analisadas utilizando a ferramenta File View, através da qual observamos os processos
relacionados a esse componente. O resultado é transcrito na tabela 2:

Tabela 2 – Processos associados a aluno no Guia PNLD 2014


Tipos de processo que Número de Exemplos
aparecem ocorrências
Material 16 Vincular, dar (2), caracterizar, promover,
efetivar, oferecer (4), relacionar, propiciar(2),
facilitar, encontrar, considerar.
Mental 2 Significar, sensibilizar
Relacional 2 Ter, ser
Verbal 1 Dialogar
Comportamental 1 Observar
Fonte: elaborado pela autora (2016).

Verificamos que o tipo de processo mais vezes associado ao vocábulo aluno é o


material, totalizando 15 ocorrências (cf. Tabela 2). Nesses casos, uma análise da relação desse
termo com os demais nas orações das quais faziam parte demonstrou que as orações materiais
constroem um significado figurativo, uma vez que a ação não é de fato física (como o valor
ideacional desses processos indica), mas assume um valor simuladamente físico por expor os
procedimentos recomendados para o ensino de LE. Para tanto, investigamos como os papéis
ideacionais constroem esse sentido figurativamente material no fraseado.
Na constituição léxico-gramatical dos processos materiais, temos cinco possibilidades
de participação do aluno na ação: ele pode ser o executor da ação (Ator), atingido pela ação
(Meta), integrante do sentido do verbo (Escopo), receptor da ação (Beneficiário) e
característica concedida ao participante (Atributo). Vejamos, na tabela 3, como estão
distribuídos os papéis ideacionais do educando no Guia PNLD 2014:

78
Para maior detalhamento, ver Thompson (2014, seção 2.2, p. 25).
71

Tabela 3 – Estrutura experiencial das orações materiais com o vocábulo aluno

Tipo de Participante Número de ocorrências


Ator 1 – passivo 1- ativo79
Meta 0
Escopo Entidade 0
Escopo Processo 1
Beneficiário Destinatário 9
Beneficiário Cliente 1
Atributo 0
Circunstâncias que aparecem Número de ocorrências
Circunstância de ângulo 1
Circunstância de modo 2
Fonte: elaborada pela autora (2016).

Os resultados permitiram inferir que o papel atribuído ao aluno na estrutura


experiencial das orações materiais é o de Beneficiário destinatário, ou seja, na maior parte das
vezes, o aluno é beneficiado pelas práticas de ensino de LE sugeridas no Guia PNLD 2014. O
exemplo 03 ilustra esse tipo mais recorrente de estrutura material à luz de uma análise do
sistema de transitividade.

(03) A coleção propicia ainda ao aluno Atividades que relacionam os


textos a sua realidade.
Ator Processo Circunstância Beneficiário Escopo processo
material de tempo destinatário

O processo propiciar (ação física figurada) sugere que o LD ofereça atividades que se
relacionem com a realidade do educando, tendo como beneficiado o próprio estudante. A
recorrência desse tipo de estrutura pode estar relacionada ao contexto de situação do Guia
PNLD 2014, cuja finalidade é indicar diretrizes para o ensino de LE, o que implica
considerar, diretamente, o aluno. Desse modo, percebemos que no documento, o aluno está
apassivado, visto que, na maioria das vezes, é o beneficiário do processo e não o executor da
ação (Ator). Apesar da estrutura predomintante da obra delinear o aluno como beneficiado do
processo material, como sugeriu o sistema de papeis ideacionais realizados nessas estruturas,
constatamos que haveria possibilidades de esse participante ser representado de maneira mais
atuante no Guia. O exemplo 04 retrata essa possibilidade.

79
Nesta única aparição ativada, o “aluno” aparece como Ator junto com o professor do processo encontrar,
referindo-se a situações de sala de aula.
72

80
(04) Uma dramatização a ser efetivada pelos alunos

Meta processo material Ator

Observamos que há um fraseado no qual o aluno é executor no exemplo 04, ou seja,


tem um papel ativo no processo de aprendizagem da LE, em contraposição com o que
predomina no documento oficial. Isso demonstra que o sistema da língua dá como opções
uma série de papeis mais atuantes, como o de Ator. Além das possibilidades de se realizar
como Ator, as indicações sobre as atividades às quais o educando deve estar exposto poderiam
estar associadas a processos que envolvam mais reflexão por parte dos alunos, como em
processos mentais. As opções observadas no polo instância (cf. Figura 07) do Guia PNLD
2014 (Beneficiário destinatário de processos materiais figurados), todavia, colocam o
educando em uma posição receptora e pouco reflexiva nas indicações desse documento.
A última instância de análise investiga o vocábulo “aluno” e sua relação com as duas
ocorrências de “estudante”, a fim de precisar, por fim, o papel outorgado ao aprendiz no Guia
PNLD 2014. Nessas duas menções, o termo está associado a um processo verbal e a um
processo material para salientar a necessidade de oportunizar contextos de interação com a
LE, como podemos observar nos exemplos 05 (A e B) abaixo:

05(A) [A coleção] Propõe práticas que aos estudantes interagir significativamente na


possibilitam língua estrangeira.

Dizente Processo Verbal Alvo Receptor Oração Finita

05(B) O conjunto de Cria Inter-relações com o entorno estimuland a participação social


atividades da escola o dos estudantes em
sua comunidade
como agentes de
transformações.
Ator Processo Meta Processo Meta
material material

Haja vista a confluência entre os termos “estudante” e “aluno”, percebemos, no Guia


PNLD 2014, um movimento inicial que indica como as obras devem tratar os alunos. Ainda
assim, o papel apassivado preponderante sugere que o Guia PNLD 2014 define o modo como
as atividades e a organização da coleção devem estar constituídas para o aprendiz e pretere a
delimitação do papel do aluno nessas atividades. Isso pode ser confirmado, pois, tanto na

80
Em grupos verbais complexos, o segundo verbo é o que expressa o processo, enquanto o primeiro costuma ter
relação com a modalidade (metafunção interpessoal). (HALLYDAY; MATHIESSEN, 2014).
73

oração verbal (estudante como participante Receptor), quanto na material (estudante como
participante Alvo) o estudante é o direcionamento da ação verbal e não o seu executor.
O segundo momento de análise dos dados constitui-se do estudo relacionado à
metafunção ideacional do termo “cultura”. Constatamos a presença de 23 menções ao termo
(cultura e/ou culturais, intercultural e sociocultural81).
Da mesma forma como procedemos à análise do termo “aluno”, recorremos ao
programa AntConc para compreender os usos da palavra “cultura”, tomando como
ferramenta Word List que nos mostrou que cultura é a trigésima oitava palavra mais
recorrente, e File View que permitiu que verificássemos a seguinte distribuição do radical –
cultur - ao longo do material:

Tabela 4 – Partes do Guia em que aparece a palavra aluno


Número de ocorrências da palavra Aluno Parte do Guia em que se encontra

10 Resenha
9 Ficha de avaliação
2 Apresentação
1 Critérios eliminatórios
Fonte: elaborada pela autora (2016).

Constatamos que, diferente do que ocorreu com o termo aluno, não houve associações
vocabulares incongruentes com seu conceito, portanto, nenhuma ocorrência do termo foi
excluída da análise. A figura 18 mostra uma lista de frequência por associação:

81
Todas essas formas são consideradas, por nós, como dado indistintamente, pois fazem alusão a aspectos
culturais, ainda que possuam prefixos diferentes da palavra originária.
74

Figura 18 – Collocates com termo cultura visualizado no AntConc

Fonte: elaborada pela autora (2016).

Os resultados mostrados evidenciaram que a palavra diversidade82 aparece oito vezes


associada ao termo “cultura” (cf. figura 18), o que sugere uma preocupação por parte do Guia
PNLD 2014 de tratar a cultura nas obras de forma diversificada. Por sua vez, os resultados
inferidos a partir da ferramenta File View nos revelaram que essa associação acontece nos
critérios eliminatórios e na ficha pedagógica. Tais ocorrências evidenciaram o modo como o
edital fora produzido visando contemplar a cultura na sua multiplicidade e trazendo essa
característica como fundamental para a aprovação das obras didáticas.
Do mesmo modo que observamos na análise do termo aluno, buscamos identificar,
utilizando o File View, quais os processos que se ligam com a palavra cultura, explorando a
realização léxico-gramatical dessa ocorrência. Os resultados de nossa análise manual da
estrutura ideacional podem ser vistos organizados na tabela 5:

82
O termo social não foi considerado na análise, pois aparece no Guia PNLD 2014 referindo-se à diversidade.
75

Tabela 5 – Processos associados à cultura no Guia PNLD 2014 – análise de baixo


Tipos de processo que Número de Exemplos
aparecem ocorrências

Material 17 Ressaltar (2), garantir, incentivar, incluir,


caracterizar-se (2), promover (2), concretizar (2),
favorecer, apresentar(2), contribuir(2), harmonizar.
Mental 1 Identificar-se
Relacional 1 Ter
Existencial 4 Haver, ser (3)
Fonte: elaborada pela autora (2016).

Verificamos, observando os dados da análise experiencial exposta acima, que o tipo de


processo mais vezes associado ao vocábulo cultura, assim como ocorreu com aluno, é o
material, totalizando 17 das 23 ocorrências. Como mencionamos, o significado das orações
materiais assume no Guia, um viés simbólico, visto representar de maneira metafórica suas 17
ações (GOUVEIA, 2009). Assim, ao investigar as possibilidades de participação nessas
orações, verificamos uma distinção na posição do termo em relação com o que foi
identificado do aluno, dado que em todas as manifestações, a cultura atua como um
qualificador de um participante do processo. Vejamos, na tabela 6, como estão distribuídos
os papeis ideacionais do termo cultura no Guia PNLD 2014:

Tabela 6 - Papeis ideacionais do termo cultura


Tipo de Participante Número de ocorrências

Ator 0
Qualificador da Meta 12
Escopo Entidade 0
Escopo Processo 0
Beneficiário Destinatário 0
Qualificador do Beneficiário Cliente 2
Atributo 0
Circunstâncias que aparecem Número de ocorrências
Qualificador da circunstância de ângulo 1
Qualificador da circunstância de modo 1
Qualificador da circunstância de meio 1
Fonte: elaborada pela autora (2016).

Podemos afirmar que, na maioria dos casos, cultura qualifica a entidade afetada pela
ação verbal (Meta), como podemos observar na análise da oração abaixo:
76

(06) A incentiva o e a valorização da tanto da população


coleção respeito diversidade étnica, brasileira quanto das
cultural e social comunidades que se
expressam em língua
espanhola.
Ator Processo Meta
material

Exemplo de cultura como qualificador da Meta.

O exemplo demonstra que cultura está modificando a Meta “valorização”, a fim de


especificar que tipo de valorização a coleção deve incentivar. Outro ponto interessante de
observarmos é a associação à palavra “diversidade”, demostrada nesse exemplo e recorrente
ao longo do Guia, a qual evidencia uma preocupação com a ação de incentivar a valorização
de uma cultura diversa e múltipla em oposição a uma estereotipada e excludente.
A análise dos termos aluno e cultura permitiu que inferíssemos alguns resultados:
1) Os vocábulos “professor” e “aluno” se associam no Guia PNLD 2014 devido ao
contexto de situação das obras, logo, essa realização parece não contribuir de
modo efetivo para caracterizar o educando em relação ao docente.
2) As palavras “livro” e “aluno” são, em sua maioria, relacionadas para aludir ao
material didático, não configurando, portanto, como relevante para determinar o
papel dado ao educando no documento.
3) O aluno instancia-se como Beneficiário destinatário na estrutura experiencial, o
que indica um movimento do Guia PNLD 2014 de sugerir que este educando deve
ser favorecido pelas atividades do LD; no entanto, isso também demonstra que o
documento parece ter dificuldade em apresentar sugestões em que o aluno seja
executor/Ator das ações sugeridas.
4) A cultura é colocada no documento em um papel de importância e, segundo o Guia
PNLD 2014, deve ser apresentada ao aluno em sua diversidade.
A análise experiencial demonstrou, haja vista os resultados encontrados, que o Guia
PNLD 2014 sugere que o aluno deve ser favorecido pelas atividades, de preferência
integrativas, do LD, mas não indica se ele deve agir de modo reflexivo nessas tarefas. O lugar
da cultura, em contrapartida, é evidente, uma vez que o documento salienta a importância de
sua presença e do trabalho com suas diversas formas de manifestação. Passamos, na próxima
seção, à análise do LD, a fim de verificar como essas indicações se materializam nas
atividades didáticas.
77

2.2 O PAPEL DO ALUNO E A DIMENSÃO CULTURAL NA COLEÇÃO FORMACIÓN


EN ESPAÑOL: LENGUA Y CULTURA

A coleção Formación en español: lengua y cultura (2012), objeto de análise nesta


pesquisa, é destinada aos anos finais do ensino fundamental (do sexto ao nono ano). Em cada
um dos quatro livros que a compõem, prepondera um gênero textual: (i) no do sexto ano, o
gênero descritivo é o foco; (ii) no do sétimo, o narrativo é o alvo de estudo; (iii) no oitavo
ano, o argumentativo é o gênero orientador; e (iv) no nono ano, trabalha-se uma
dramatização83 como culminância do que foi, até então, tratado nas obras. Portanto, os LDs,
organizados desse modo, indicam que os autores os consideram como um conjunto de tarefas,
no qual o texto é o objeto de trabalho por excelência e a finalidade é a interação verbal
(VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012).
Cada LD da coleção é organizado em quatro unidades temáticas inspiradas na noção
de sequência didática de Schneuwly e Dolz (2007), como destacam Villalba, Gabardo e Mata
(2002, p. 18), quando afirmam que: “Por trás do desenho de um livro didático dividido em
quatro grandes unidades, sendo cada unidade correspondente a um bimestre, existe o nosso
ideal de formar quatro miniprojetos que desembocam no projeto maior a ser apresentado na
conclusão do período letivo”. Essa ideia de sequência de atividades que visam formar um
projeto mais amplo permite que as unidades dos livros estejam organizadas por nove seções
sem uma sequência pré-estabelecida, ou seja, de acordo com as necessidades de cada tarefa
essas seções são dispostas para o aluno. O Quadro 11 retrata essas nove subdivisões que
compõem os LDs, bem como seus objetivos.

83
Na LSF, narrativo e descritivo são modalidades retóricas. Nós os estamos classificando como gêneros para
respeitar o modo como foram apresentados no LD.
78

Quadro 11 – Seções que compõem os LDs da coleção didática em análise


Seções Objetivos
Calentando el motor Ativar o conhecimento prévio do aluno.
Puertas de acceso Entrar efetivamente no âmbito temático selecionado, permitindo uma
primeira abordagem em termos de compreensão leitora.
Explorando el texto Trabalhar a habilidade de lidar com diferentes tipos de texto, relacionando
as pistas extraverbais às verbais.
Interactuando con el Desenvolver atividades orientadas pelo tema da unidade que permitam
texto estabelecer uma ponte entre os novos conhecimentos e a realidade
circundante, muitas vezes, por meio de tarefa extraclasse.
Practicando la lengua Realizar tarefas que ajudam a compreender de forma prática a relação
entre a gramática espanhola e o seu significado no texto.
Punto de apoyo Esclarecer e sistematizar os tópicos gramaticais relacionados aos textos
trabalhados em cada unidade.
Produciendo un texto Praticar a produção de textos escritos em espanhol, considerando o gênero
propio textual abordado na unidade.
Puerta de salida Encerrar a unidade com uma atividade lúdica.
Escuchando Exercitar a compreensão auditiva por meio de diversos tipos de texto.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Villalba; Gabardo; Mata (2002, p. 13-14).

As atividades de cada unidade iniciam com uma tarefa de aproximação ao tema


tratado, proposta na seção “calentando el motor” cujo propósito é ativar o conhecimento
prévio do estudante. Essas atividades possuem um objetivo que envolve um gênero de texto e
um tópico temático, desenvolvidos nas seções “puertas de acceso” (contêm textos, em sua
maioria autênticos, sobre a temática trabalhada na unidade), “explorando el texto” (apresenta
perguntas de interpretação sobre os textos trazidos nas seção que a antecederam) e
“produciendo un texto próprio” (encerra a unidade com a sugestão de uma tarefa de produção
escrita84 que englobe os conhecimentos linguísticos e os temas abordados nas unidades).
Além dessas seções, os exercícios apresentam um suporte linguístico necessário para a sua
realização, trazido nas seções “practicando la lengua” e “punto de apoyo” e um
encerramento dado pela seção “puerta de salida” (cf. Quadro 11).
Dentre as seções que compõe as unidades dos LDs da coleção Formación en español:
lengua y cultura, esta pesquisa recorta como objeto de análise a “Interactuando con el texto”,
visto que, como observamos no Quadro 11, a sua finalidade é estabelecer um espaço de
interação entre o conhecimento abordado nos textos e tarefas e a realidade circundante ao
aluno.
Nosso olhar volta-se para as atividades propostas na seção, bem como para os textos
com os quais dialoga. Essa visão analítica busca não só compreender o papel dado ao aluno
nessa interação com a realidade circundante e depreender quais elementos culturais estão
evidenciados nesse processo, como também inferir o modo que essas duas variáveis se
relacionam ao longo da coleção.
84
Denominadas miniprojetos pelas autoras do livro.
79

Começaremos nossa análise observando como os elementos culturais são trazidos no


contexto de situação dos textos que dialogam com a seção Interactuando con el texto.
Posteriormente identificamos como a variável cultura é tratada na obra. Por fim, avaliamos
quais papéis o aluno desempenha na interação com os elementos trazidos pelos textos e como
aluno e elementos culturais são postos em relação.
Foram selecionadas para análise todas as seções Interactuando con el texto e os textos
com as quais dialogam, totalizando 50, nos quatro livros, conforme previa a segunda etapa
metodológica. Ao identificar quais textos eram base para as atividades da seção, observamos
um primeiro padrão de funcionamento: em 31 das ocorrências, era estabelecida uma relação
com textos trazidos na seção Puerta de Acceso. Se somarmos esse dado ao fato de que cada
unidade do livro possui, em média, três seções Interactuando con el texto, podemos afirmar
que há uma preocupação em, cada vez que a seção Puerta de acceso traz um tema para estudo
(cf Quadro 11), fazer com que o aluno dialogue com essa temática nova através das tarefas de
interação da seção em análise. Esse fato reafirma a ideia de que, ao identificar os campos e,
consequentemente, os elementos culturais representados nesses textos, poderemos, em uma
análise posterior, observar o modo como o livro, como um todo, institui o papel do aluno em
relação com tais elementos.
O contexto de situação representa as circunstâncias de uso que delinearam os
significados realizados nos textos. Em nossa análise, é preciso diferenciar dois contextos de
situação concomitantes: o contexto no sentido amplo que tem por natureza social o ensino de
E/LE e o no sentido restrito, apresentado nos textos que compõe o LD e evocam suas próprias
naturezas sociais subordinadas à situação da qual fazem parte. Essa variável, seja ampla ou
restrita, é composta pelo campo - a natureza social da ação, pelas relações - os participantes
envolvidos e pelo modo - o canal utilizado pelo texto (cf. seção 1.3.1.3). A busca pelos
elementos culturais trazidos pelo LD será feita através da análise do campo (atividade,
finalidade, objetivo) dos textos que dialogam com a seção selecionada para investigação na
coleção, conforme terceiro passo metodológico.
Selecionamos, então, 73 textos, para analisar o campo a que remetem. O número de
textos é incongruente com o número de seções analisadas, em razão de uma seção, muitas
vezes, dialogar com mais de um texto, em razão disso, foram adicionados 23 textos aos 50
inialmente mapeados em nossa análise manual. Ao verificarmos os campos dos 73 textos,
chegamos ao segundo padrão, desta vez, relacionado aos elementos culturais. O LD apresenta
duas grandes subdivisões: 37 textos evocam campos com elementos culturais integrativos,
80

que aludem a costumes de uma comunidade, e 36 convocam elementos culturais


instrumentais, que respondem às necessidades básicas (cf. seção 1.2).

Tabela 7 – Tipos de campo nos textos das seções Interactuando con el texto
Número de seções Número de textos que Tipo de elemento cultural que evocam
Interactuando con el dialogam com as seções
texto Interactuando con el texto
50 73 Campo integrativo 37
Campo 36
instrumental
Fonte: elaborada pela autora (2016).

Feito esse levantamento e revelados alguns padrões de funcionamento do LD,


passamos à análise dessa variável. Observemos a figura 19 para entender como se realizam os
elementos culturais integrativos na coleção didática:

Figura 19 – Textos da seção Puerta de acceso

Fonte: Villalba; Gabardo e Mata (2012, p. 48 - Livro 6).

O campo do texto “Mujer americana: ‘Palabra descalza’” (cf. figura 19) se insere na
atividade poema em que o escritor versa sobre a mulher latinoamericana com a finalidade de
descrever metaforicamente as características dessa personagem, relacionando-a a locais e à
81

natureza latinoamericanos. Constatamos tal configuração de campo nas estruturas léxico-


gramaticais “Soy una, y son todas las mujeres de mi América sufrida” e “Mi sangre son los
ríos que bajan torrentosos desde el cobre y la nieve de la cordillera”. Esses trechos mostram o
léxico associado, no estrato semântico do conteúdo, à “mulher americana e suas
características”. O objetivo desse texto e dos demais que serão analisados, está relacionado ao
contexto de situação restrito, uma vez que é criada uma situação comunicativa, na qual os
participantes envolvidos (LD, professor e aluno) são diferentes dos originais (poeta e leitor).
Desse modo, o poema da figura 19, no LD, visa trazer ao conhecimento do aluno um texto
que fala sobre a mulher latinoamericana e, junto a isso, abordar características naturais desse
espaço geográfico. Essa configuração de campo, por conseguinte, evoca elementos culturais
integrativos, uma vez que o poema discute características e lugares que representam um grupo
de pessoas de cultura hispânica – a mulher da América Latina.
Na figura 20, veremos o modo como os elementos culturais instrumentais se realizam
nos textos do LD.

Figura 20 – Textos da seção Puerta de acceso

Fonte: Villalba; Gabardo e Mata (2012, p. 115 - Livro 7).

O campo do texto “Desahógate” (cf. figura 20) se insere na atividade seção de troca
de mensagens sobre saúde mental de uma revista com a finalidade de responder a dúvidas
sobre esse tema e colocar em discussão mais um aspecto da saúde. Atividade e Finalidade
82

podem ser observadas nas ocorrências léxicas “Puedes enviar todas tus cartas a BRAVO”
(exemplo que mostra a atividade troca de mensagens) e “Es posible que padezcas um
Transtorno Afectivo Estacional” (exemplo que confirma a finalidade de responder a dúvidas).
Por sua vez, o objetivo do texto, na unidade que tem como temática norteadora questões de
saúde, é discutir com os alunos mais um tipo de cuidado, ao debater a influência dos
problemas emocionais nas nossas vidas. Essa realização do campo traz elementos culturais
instrumentais, visto que atende a necessidade básica humana de comunicação através do
elemento cultural instrumental de língua espanhola85, mas não mostra ao aluno costumes ou
características que marquem o modo de agir de uma parte da sociedade (o que caracterizaria
um elemento integrativo) como no texto da figura 19 antes analisado.
A divisão entre campos que evocam elementos culturais integrativos e que
apresentam elementos instrumentais (cf. seção 1.3 da parte teórica) não se dá de maneira
uniforme entre os LDs da coleção, como observamos na tabela 8:

Tabela 8 – Elementos integrativos e instrumentais no LD


LD 6 ano 7 ano 8 ano 9 ano
Campos com elementos culturais integrativos 12 6 7 12
Campos com elementos culturais instrumentais 5 13 14 4
Fonte: elaborada pela autora (2016).

Nos LDs do sétimo e oitavo ano, os elementos culturais instrumentais preponderam


sobre os integrativos. A preminência desse tipo de elemento no campo ocorre, porque as
unidades se constituem de atividades que utilizam a língua espanhola (elemento instrumental),
sem expandir o debate para hábitos e costumes das comunidades hispanas. Apesar de o
trabalho com a dimensão léxico-gramatical ser parte crucial do desenvolvimento do potencial
de significado do aluno, a presença de elementos integrativos, isto é, de costumes,
enriqueceria o trabalho com os significados e auxiliaria o aluno a não só construir um
potencial de significados linguísticos, como também um potencial de sentidos sociais.
O tema trazido no texto “Desahógate” (cf. figura 20), anteriormente analisado, é um
exemplo de tarefa que apresenta apenas elementos culturais instrumentais, mas que poderia
trazer traços integrativos. Essa complementação ocorreria se, em vez de apenas apresentar
perguntas e respostas sobre a saúde mental, o texto discutisse características desse cuidado
(ou da falta dele) nas comunidades de fala hispânica. Esse movimento faria que o aluno se

85
Sempre que aparecer por extenso estará se referindo à língua espanhola como língua materna.
83

deparasse com uma característica de outro povo, refletisse sobre ela e, nesse processo,
aumentasse o seu potencial de significados culturais na LE ao reconhecer o modo de
funcionar de uma comunidade diferente da sua.
Os livros do sexto e do nono ano, diferente dos do sétimo e oitavo, fazem esse
trabalho mais complexo de construção do potencial de significado do aluno. Essa
complexificação se dá ao associar, nas tarefas, o trabalho com o E/LE e com costumes
característicos dos seus falantes. Exemplificamos tal característica com o texto “Mujer
americana: ‘Palabra descalza’” (cf. figura 19) que apresenta elementos culturais integrativos –
as características da mulher latina, ao mesmo tempo em que utiliza o instrumento língua nessa
apresentação. Alia na sua composição, portanto, o uso da língua e as características de uma
comunidade falante dessa língua.
Executamos, depois da identificação do tipo de elemento cultural evocado pelos
campos dos livros, os passos quatro a sete da metodologia. Realizamos, portanto, a seguir,
uma análise ideacional das seções “Interactuando con el texto”, a fim de verificar o modo
como o papel do aluno e dos elementos culturais trazidos são representados pelos processos,
seus participantes e suas circunstâncias, seguindo os passos do trabalho analítico com a
transitividade, apresentados na Figura 02 (seção Metodologia de Pesquisa do capítulo
introdutório).
No primeiro movimento de investigação, identificamos manualmente os tipos de
processos dominantes no LD. Nesse sentido, a tabela 9 esquematiza o que encontramos nesse
aspecto, bem como o número de vezes em que apareceram:

Tabela 9 – Frenquência de processos nas realizações das atividades do LD


Tipo de processo Total de Processos e número de incidência
ocorrências
na coleção
Materiais 142 Anotar (42), Añadir, Averiguar (9), Celebrar(2), Colgar (2),
Comercializar, Comparar (4) ,Compartir, Completar, Conocer
(3), Consumir, Copiar, Dañar, Dar, Defender, Descubrir,
Destacar, Dibujar, Diferir, Distinguir, Elaborar, Elegir,
Encontrar, Entrevistar, Escoger, Escribir, Examinar , Exponer
(6), Gobernar, Hacer (3), Ilustrar, Incluir, Indicar (2), Investigar
(3), Jugar, Llenar, Marcar, Organizar (16), Pegar (3), Poner (3),
Practicar, Respetar, Reunir, Seguir, Seleccionar (9), Señalar,
Soler, , Tomar, Transcribir (2), Ubicar
Relacionais 60 Constituir, Estar (4), Hacerse, Llamarse (3), Ser (42), Significar
(3), Simbolizar, Tratarse, Ubicar, Relacionar, Tener, Parecer
(cont.)
84

Verbais 45 Afirmar, Comentar, Contestar (4), Declarar, Discutir (12),


Explicar (5) , Intercambiar , Justificar (8), Mencionar (4),
Preguntar, Presentar, Proponer (2), Referir, Referirse,
Relatar, Responder
Mentais 42 Averiguar, Basarse (3), Comparar, Conocer (3), Considerar,
Convencer, Creer, Descubrir, Elaborar, Elegir, Escoger,
Examinar, Leer (19), Proponer, Reflexionar ,Resolver (2), Saber
Comportamentais 30 Buscar (21), Consultar (4),Mirar, Observar (3), Ver
Existenciais 4 Haber
Fonte: elaborada pela autora (2016).

A análise da frenquência dos processos que se realizam no polo da instância (cf.


tabela 9) evidencia que o tipo mais recorrente é o material, seguido pelo relacional, verbal,
mental, comportamental e, por fim, pelo existencial. Essa frequência relativa de representação
ideacional nos permite inferir algumas características desse material didático.
A categoria de processo menos utilizada é a existencial. Sua baixa frequência de
realização no contínuo de instanciação denota que os enunciados dos exercícios não
introduzem informações novas, ou seja, as informações ali presentes já foram apresentadas
anteriormente. Essa constatação nos leva a observar o segundo tipo de processo mais
recorrente: o relacional. O fato de as atividades apresentarem mais processos relacionais que
existenciais nos sugere haver uma busca por despertar nos alunos a capacidade de relacionar
entidades, identificando-as ou reconhecendo-as a partir da sua realização no texto-base86, ao
invés de apresentar-lhe, nas tarefas, informações novas a serem discutidas a partir desses
textos.
Os processos relacionais, responsáveis por representar a relação entre entidades,
dividem-se em atributivos e identificativos. Esses têm a função experiencial de atribuir
característica a uma entidade e aqueles tem a de identificar os participantes em relação. A
análise experencial, trazida no exemplo 0787 (A e B), mostra um exemplo do funcionamento
dos processos relacionais atributivos na coleção didática.

07 (A) En Paraná es típico “tomar durante las fiestas juninas.


quentão”

Análise Circunstância Relacional Atributo Portador Circunstância de lugar


de lugar atributivo
experencial

86
Usaremos a nomenclatura texto-base para os textos que estiverem dialogando com a seção “Interactuando con
el texto”.
87
Exemplos retirados do Livro 8 (VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012, p. 85).
85

Análise Resíduo Função Resíduo Sujeito Resíduo


interpessoal afirmação:
+N: finito
Tom
decrescente
07(B) ¿Qué bebida es tradicional en su estado o durante la celebración de
ciudad algún evento folclórico?
Análise Portador Relacional Atributo Circunstância Circunstância de lugar
atributivo de lugar
experencial
Análise Sujeito Função Resíduo
interpessoal pergunta (não
polar):
+N: finito
#^Qu-int

O enunciado transcrito e analisado no exemplo 07 é composto por duas orações


relacionais atributivas, estando a primeira na função oferta (07 (A)) e a segunda na função
pergunta88 (07 (B)). Em 07(A), caracteriza-se o Portador (“tomar quentão”) por meio de um
Atributo (“típico”) devido ao processo relacional atributivo na função oferta que os relaciona.
A análise interpessoal demonstra que essa função de fala se caracteriza pela presença do
elemento Finito em um tom decrescente (sem a presença dos signos de exclamação e
interrogação típicos do espanhol ou dos acentos diferenciais que marcam essas estruturas) e
pela ausência do pronome “que” no início da frase (cf. figura 16). Na interação, a oferta é
responsável por representar um movimento no qual o locutor dá uma informação ao
interlocutor. No caso do nosso exemplo, o LD (locutor) dá ao aluno (interlocutor) uma
característica do estado Paraná durante as festas juninas (informação).
Na segunda oração (07 (B)) “¿Qué bebida es tradicional en su estado o ciudad
durante la celebración de algún evento folclórico?”, a mudança de função de fala e de
participantes acarreta uma modificação de viés no exercício. O processo está na função
pergunta, caracterizada estruturalmente por uma oração interrogativa iniciada pelo –qu +
Finito (cf. Figura 16). Somada a esta mudança interpessoal, observamos que o Portador da
segunda oração, “bebida”, é menos específico que o da primeira, “tomar chimarrão”, o que
sugere que o aluno deva encontrar, na sua cidade, como orienta a circunstância de lugar, uma
relação de caracterização entre a bebida e o tradicional. Isso posto, observamos que ambos os
processos atribuem características a entidades; contudo, na função pergunta, é exigido do
aluno o Atributo e na função comando lhe é dado o Atributo.

88
O passo cinco da metodologia previa observar como os tipos de processos se combinam com as funções
constitutivas para compreender os significados realizados nos textos. Analisamos essas combinações para
identificar qual a diferença de representação entre os dois processos do exemplo 07, visto que, do ponto de vista
da metafunção ideacional, representam as entidades do mundo da mesma maneira.
86

O segundo tipo de processo relacional denominado identificativo também aparece nas


atividades do LD, ainda que com menor frequência que o anterior, como exemplifica o
exemplo 0889 abaixo:

(08) ¿ Cuál era la capital de en esa época?


Brasil
Análise Identificado Relacional Identificador Circunstância de
experencial identificativo tempo
Análise Função pergunta Resíduo
Interpessoal (não polar):
+N: finito
#^Qu-int

Os processos relacionais identificativos, quando aparecem nas atividades da coleção,


estão na função pergunta (cf. exemplo 08). Nesse fraseado, representa um questionamento ao
aluno sobre informações que não constavam no texto-base, ou seja, que demandam pesquisa
extra. O enunciado “¿Cuál era la capital de Brasil en esa época?” dialoga com um texto que
apresenta informações sobre a cidade de Asunção no Paraguai e traz informações sobre a
Tríplice Aliança. Essa atividade, ao indagar sobre o Identificador (“cuál”), objetiva que o
aluno, em investigação extratextual, descubra qual era a capital do seu país naquele momento
histórico. Desse modo, o que, de fato, marca uma diferença de funcionamento em relação ao
aluno nesse tipo de processo é a função, na qual se encontra; no LD, os processos relacionais
em função oferta dão informações ou características de entidades do texto ou do seu campo ao
aluno. Já os que estão na função pergunta, solicitam que o educando busque, em outras fontes
(que complementem o que foi apresentado), essas informações ou características.
Os processos comportamentais e mentais, quinto e quarto tipo de processo mais
usado, respectivamente, serão analisados conjuntamente. Isso se deve ao fato de os
comportamentais serem definidos como “processos de comportamento fisiológico e
psicológico (tipicamente humano)” (HALLIDAY; MATTHISSEN, 2014, p. 301),
constituindo-se, portanto, como um tipo derivado dos mentais que representam os fenômenos
da consciência humana. Observemos o exemplo 0990:

89
Exemplo retirado do Livro 6 (VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012, p. 65).
90
Idem, p. 45.
87

(09) Lean la y busquen en <www.suapesquisa. su en


“marchita” com/carnaval/marchinh versión portugués
Abre las as_carnaval.htm> original

Análise Mental fenômeno Comporta Circunstância de lugar Escopo Circunstânc


experencial cognitivo mental ia de
maneira
Análise Função Resíduo Função resíduo
interpessoal comando comando
+N: +N:
3p/PRS/S 3p/PRS/S
UB UB

Há dois tipos de construção mais comuns, na coleção, associados aos processos


mentais e comportamentais (cf. exemplo 09). Os processos mentais realizam-se, nos
enunciados das atividades, predominantemente, no tipo cognitivos, com hegemonia do leer.
Ademais, costumam estar relacionados à ideia de pensar/processar informações de um
fenômeno, como evidencia o participante uma marchinha (fenômeno do processo mental)
envolvido na ação vernal de ler. Nas orações mentais do LD, portanto, prevalecem os
processos cognitivos direcionados a reflexão sobre um texto ou uma instrução de trabalho
(Fenômeno) que se relaciona ao campo do(s) texto-base.
Dentre os processos comportamentais, o mais recorrente é o processo buscar; sua
utilização na coleção está associada a um comando, como fora ilustrado no exemplo 09. Tal
uso, denota que são exigidas informações ao aluno (pedidas no Escopo), relacionadas ao
campo dos texto-base que não lhe foram apresentadas, instigando, assim, a pesquisa de novos
elementos relacionados à temática trabalhada.
Os processos verbais são responsáveis por representar as ações verbais. Esse tipo de
processo é o terceiro que mais aparece. Estão relacionados, na coleção, às ações orais que
devem ser realizadas pelos alunos. Observemos o padrão de funcionamento ilustrado no
exemplo 1091:

(10) Discutan si es aceptable anotando las Justifiquen sus


hacer copias de razones respuestas
discos contrarias y/o
compactos(CDs) favorables.
en casa
Análise Verbal Oração projetada Circunstância verbal verbiagem
Experencial de maneira
Análise Função Resíduo Função Resíduo
Interpessoal comando: comando:
+N: +N:
3p/PRS/SUB 3p/PRS/SUB

91
Exemplo retirado do Livro 8 (VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012, p. 19).
88

Os dois processos verbais mais recorrentes no LD são discutir e justificar. Discutir


costuma vir associado a Alvos que se relacionam com o campo do texto-alvo, solicitando que
os alunos debatam aspectos desse campo. Verificamos esse padrão na estrutura ideacional
exemplificada (cf. exemplo 10), uma vez que demonstra, através da oração projetada com
função de Alvo (“si es aceptable hacer copias de discos compactos (CDs) en casa”), que o que
deve ser debatido entre os alunos é a aceitabilidade das cópias piratas de CDs (o texto-base
veícula informações sobre pirataria). O padrão na estrutura ideacional do processo justificar,
por sua vez, é a sua realização com Verbiagens (geralmente respostas). Nesses fraseados, é
solicitado aos alunos que demonstrem a razão de suas conclusões sobre o tema, como revela a
relação entre o processo justificar e a Verbiagem “sus respuestas” que incita o educando a
explicar os resultados da discussão sobre pirataria (cf. exemplo 10). Desse modo, percebemos
que o livro sugere atividades orais, que tenham relação com os campos trabalhados ao longo
das obras, suscitando, através desses significados ideacionais, um espaço de reflexão e de
tomada de consciência do aluno nas atividades.
Por fim, analisamos os processos materiais. Esse tipo de processo tem um domínio
de sentido amplo, o qual inclui ações, como estamos acostumados a representá-los, mas
também atividades e eventos que demandam energia de um Ator animado ou inanimado
(HALLIDAY E MATTHIESSEN, 2014). Concluir, através da análise da metafunção
ideacional, que esse tipo de representação predomina sobre as demais no contínuo de
instanciação da obra, suscitou-nos um questionamento: estarão as atividades do LD
solicitando ao aluno mais ações mecânicas, como anotar e organizar, que reflexões sobre a
E/LE e seu universo cultural? Para averiguar essa suposição e não afirmar precipitadamente
que é dado ao aluno um papel pouco reflexivo, devido a baixa frequência de processos
mentais, analisamos quais os papeis ideacionais estão envolvidos nas estruturas materiais.
A análise manual da realização ideacional das estruturas materiais possibilitou que
identificássemos que a distribuição de papéis se dá como esquematizado na Tabela 10:
89

Tabela 10 – Destribuição dos participantes nas estruturas materiais da coleção


Formación en español: lengua y cultura
Tipo de Participante Número de ocorrências

Ator 142
Meta 127
Escopo Entidade 0
Escopo Processo 0
Beneficiário Destinatário 0
Beneficiário Cliente 0
Atributo 0
Circunstâncias que aparecem Número de ocorrências
Circunstância de lugar 38
Circunstância de maneira 16
Circunstância de contingência 7
Circunstância de causa 5
Circunstância de acompanhamento 2
Circunstância de papel 2
Circunstância de ângulo 2
Circunstância de matéria 3
Fonte: elaborado pela autora (2016).

Uma análise das opções de realização dadas pelo sistema mostra que dentre as
possibilidades de papeis passivos como o de Meta (participante ideacional responsável por
representar a entidade atingida pela ação material), o de Beneficiário (participante que é
beneficiado pela ação do ator), o de Escopo (participante de verbos intransitivos que integram
o seu sentido) ou o de Atributo (entidade responsável por caracterizar um participante), as
atividades do LD escolhem realizar o aluno no contínuo de instanciação como o executor das
ações pedidas nos enunciados (cf. Tabela 11). Podemos observar esta realização padrão do
aluno como participante Ator no exemplo 1192:

(11) Busquen datos sobre la y anóten los a seguir


dictadura
chilena
Análise Comporta- escopo Circunstância Material Alvo Circunstância
Experencial mental de matéria de lugar
Análise Função Resíduo Função Resíduo
Interpessoal comando: comando:
+N: +N:
3p/PRS/SUB 3p/PRS/SU
B

O trecho representativo mostra o aluno como ator de “anotar”, dito de outro modo, o
aluno é quem deve realizar a ação proposta pela atividade. Esse exemplo, além de ilustrar o
papel desempenhado pelo aluno na estrutura ideacional da coleção, aponta para outro padrão:

92
Exemplo retirado do Livro 8 (VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012, p. 32).
90

os processos estão, predominantemente, na função comando, apesar de haver ocorrência na


função pergunta.
A função comando se realiza na interação, quando o locutor exige bens e serviços, ou
seja, atividades do interlocutor (cf. Quadro 9). Podemos observar que os dois processos que
aparecem no exemplo 11 se instanciam na terceira pessoa do plural do presente do subjuntivo
(busquen e anoten), o que é a marca formal da função comando em língua espanhola. Tal
resultado permite afirmar que o LD solicita ao aluno o comportamento de buscar mais
informações sobre o campo93 do texto-base e que, depois da pesquisa, atue anotando os dados
encontrados. Ainda nessa tarefa, no enunciado dois, demanda-se que os alunos busquem e
anotem informações sobre a ditadutra militar brasileira. Confirmamos, com base na relação
que se estabelece entre texto-base, processo material e Meta que o que é trocado na função
comando das atividades são bens e serviços. Nesse fraseado, exige-se uma ação do aluno, a
fim de trabalhar o campo do texto-base.
A função pergunta, outra que aparece nas orações materiais do LD, realiza-se em 15
das 142 ocorrências materiais. Observemos um exemplo94 desse tipo de ocorrência:

(12) ¿ En que parte de España se ubica La


Mancha?
Análise Circunstância de Material Meta
experencial lugar
Análise Resíduo Função pergunta (não polar): Resíduo
Interpessoal +N: finito
#^Qu-int

As orações materiais na função pergunta, no LD, são usadas para fazer que o aluno
reflita sobre o campo do texto-base. Essa função se realiza quando o escritor exige
informações do leitor (cf. Quadro 9). O LD (escritor), por sua vez, parece solicitar que o aluno
(leitor) apresente uma resposta sobre a localização da região citada no texto (cf. exemplo 12);
tal indagação sugere um movimento de reflexão sobre o campo do texto-base – o Dom
Quixote – e uma atitude responsiva e, por conseguinte, ativa na resolução da atividade por
parte do aluno.
A predominância da função comando sobre a função pergunta, ambas explicadas nos
exemplos 11 e 12, respectivamente, não significa que o aluno tenha um papel meramente
mecânico e pouco reflexivo. Embora haja a predominância de processos materiais na função

93
A atividade tive como texto-base um comentário, veiculado em jornal, sobre o filme chileno Machuca (a
temática deste filme é a ditadura chilena).
94
Exemplo retirado do Livro 7(VILLALBA; GABARDO; MATA, 2012, p. 123).
91

comando nos enunciados das atividades do LD, esses processos estão, na maioria das vezes,
relacionados a outros tipos de representações como desvelou nossa análise experiencial dessas
orações. Verifiquemos a relação encontrada entre orações materiais e outros tipos de
processos:

Tabela 11 – Associação dos processos materiais a outros tipos na estrutura dos enunciados.
Processos materiais Processos com os quais se Número de Verbos mais
relacionam ocorrências produtivos
85 Comportamentais 34 Buscar
Verbais 21 Discutir/Justificar
Mentais 15 Leer
Relacionais 15 Ser
57 Aparecem sozinhos nas atividades
Total de ocorrências: 142
Fonte: elaborada pela autora (2016).

A Tabela 11, que esquematiza os tipos de processos com os quais o material se


associa, bem como o número de vezes dessa associação em ordem decrescente, evidencia que,
na maioria das vezes (59,86%), o LD pede ações aos alunos, mas também reflexões. Veremos,
na Quadro 12, um exemplo de realização de cada processo mais produtivo nessas associações.

Quadro 12 – Exemplos de verbos mais produtivos em associações com o tipo material


(A) Comportamental Busquen [p.comportamental] ayuda de su profesor de história
[escopo] y anoten [p.material] a seguir [circ. localização] cuáles
países componen el cono sur americano [Meta].
(B) Verbal Teniendo en cuenta los datos de la tabla [circunstância de
contingência], discutan [p.verbal] y anoten [p.material] a qué
presión auditiva están expuestos a diario [Meta].
(C) Mental Lean [p.mental] el texto a continuación [fenómeno] y organizen
[p.material] en un cuadro [circ. de maneira] las diversas
denominaciones de historietas [Meta].
(D) Relacional ¿Cuáles son [p.relacional] los principales problemas de los
inmigrantes [identificador]? Organizen [p.material] datos [meta]
en el pizarrón [circ. de lugar] en forma de esquema [circ. de
maneira].
Fonte: elaborado pela autora (2016).

Uma análise das realizações experienciais mostra que, no exemplo (A) (cf. Quadro
12), o processo material “anotar” que poderia pedir ao aluno uma ação meramente mecânica
de retirar informação do texto, como em “Copie os países que aparecem no texto” ou “Copie
o trecho que define o cono sul”, tem sua significação enriquecida pelo processo
comportamental “buscar”. No momento em que a atividade sugere que o aluno busque
92

informações sobre o campo trabalhado no texto e, apenas após essa pesquisa, copie as
informações por ele mesmo encontradas, esse educando assume um papel ativo de
aprendiz/pesquisador, em vez de um papel passivo e mecânico de copista.
O exemplo (B) (cf. Quadro 12) mostra a segunda união mais realizada no polo
instância das atividades do LD: a entre processos verbais e materiais. A associação de um
processo verbal, sobretudo os verbos “discutir” e “justificar” (cf. exemplo 10), a um processo
material cuja significação costuma estar mais associada a ações do que a reflexões, faz que o
sentido da instrução dada na atividade se modifique. No exemplo (B), observamos que, ao
invés de o aluno, apenas anotar informações sobre poluição sonora, ele é levado a discutir,
tendo em conta o que foi observado em uma tabela do LD, como orienta a circunstância de
contingência95 e a, depois da discussão, executar a ação material de anotar as informações
dela derivadas. Essa confluência entre discutir-anotar faz que a instrução da atividade e,
consequentemente, a ação que ela gera no aluno seja reflexiva, uma vez que este estudante
interage com os demais aprendizes sobre o campo do texto-base e, depois, responde à questão,
desempenhando, portanto, o papel de aprendiz/reflexivo e ativo na resolução da tarefa.
A associação entre processos mentais e materiais constitui a terceira mais recorrente
(cf. Tabela 11). No exemplo (C) (cf. Quadro 12), observamos que o LD, em vez de dar um
quadro pronto com as diferentes formas de nomear as histórias em quadrinhos nos países
falantes de língua espanhola, propõe ao aluno duas ações para a realização da tarefa proposta.
Em um primeiro momento, indica a leitura do texto, operando um processo mental cognitivo
cuja característica é a de ser capaz de representar o conteúdo lido “Lea el texto”; em seguida,
o estudante deve organizar uma tabela, como encaminha a circunstância de maneira “en un
cuadro”, com as diferentes nomenclaturas de charge em língua espanhola (meta do processo
material “las diversas denominaciones de historietas”). Essa configuração faz com que o
aluno execute uma ação ou atividade, desempenhando o papel de Ator e, concomitantemente,
construa, do ponto de vista cognitivo, as informações ao ser Experienciador do processo
mental cognitivo. Desse modo, o educando, através da associaçao entre significados materiais
e mentais, torna-se um sujeito ativo na construção desse conhecimento em E/LE.
Os processos relacionais são o segundo tipo mais recorrente na coleção; contudo, ao
observar a associação com os materiais, a categoria aparece na última posição. A presença de
processos relacionais significa que o LD possui atividades de identificação e caracterizaçâo
de entidades (cf. exemplos 07 e 08), o que sugere uma interação entre aluno e texto-base; no

95
As circunstâncias de contingência mostram sob que ponto de vista ocorre a ação verbal (cf. Quadro 13).
93

entanto, a sua escassa realização em conjunto com ações materiais indica que os educandos
não são levados a produzir a partir da identificação dos componentes desse texto. O exemplo
(D) (cf. Quadro 12) mostra como a relação entre uma ação relacional e uma material pode ser
produtiva. Nesse fraseado, os alunos devem organizar o que encontraram (Meta “datos”),
esquematizando no quadro (como orientam as duas circunstâncias agregadas aos verbos “en el
pizarrón [circustância de lugar]” e “en forma de esquema [circunstância de maneira]96”) os
principais problemas dos imigrantes, em vez de apenas encontrá-los como indicaria o
processo relacional na função pergunta, caso aparecesse isolado. Uma atividade que requer
informações do texto e depois leva o aluno a executar a organização de tais informações é
mais rica e construtiva, uma vez que esse educando reflete para agir e não, simplesmente,
copia/identifica dados.
Constatamos, com base na análise ideacional empreendida, que os alunos
majoritariamente desempenham nas atividades um papel ativo e são levados a refletir sobre os
textos-base. Embora já tenhamos observado como o elemento cultural aparece na coleção
Formación en español: lengua y cultura e qual o papel do aluno nas atividades dessa obra,
falta-nos entender como se dá a relação entre o aluno e os elementos culturais dos textos. Para
isso, analisaremos como as Metas, responsáveis por direcionar sobre qual informação do texto
o aluno deve refletir, orientam esse estudante em relação aos campos.
A análise experiencial das Metas das atividades do LD mostrou haver sete tipos, os
quais esquematizamos na tabela 12 abaixo:
Tabela 12 – Metas das atividades do LD e sua distribuição por livro da coleção.
Tipos de metas 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano
1 Metas que se relacionam com a pesquisa do campo do texto- 23 8 12 11
base.
Campo integrativo e meta integrativa.
2 Metas que se relacionam com a pesquisa do campo do texto- 1 7 2 0
base.
Campo instrumental e meta integrativa.
3 Metas que trabalham o campo do texto-base de maneira 4 21 12 0
instrumental.
Campo instrumental e meta instrumental.
4 Metas trabalham informações do texto-base de maneira 3 2 1 3
instrumental.
Campo integrativo. Meta instrumental.
5 Metas que pedem produções após reflexões. 8 4 2 3
Campo integrativo. Meta integrativa.
6 Metas que pedem produções após reflexões. 0 0 2 0
Campo instrumental. Meta instrumental.
Fonte: elaborada pela autora (2016).

96
A circunstância de lugar responde a pergunta “onde” e no estrato do conteúdo agrega ao processo o local de
sua execução. A de modo, por sua vez, responde a pergunta “como” e acrescenta à ação sua maneira de
realização (cf. Quadro 13).
94

As Metas foram divididas em seis categorias, segundo o tipo de informação que


veiculam ao aluno e como se relacionam com as temáticas do texto-base. A meta um é
integrativa, assim como o campo do seu texto-base. Instrui-se, nos enunciados das tarefas, o
aluno a refletir sobre características e modos de ser trabalhados nos textos. Podemos observar
esse movimento no enunciado “Anoten [p. material] los nombres de algunos intérpretes
famosos de tango [Meta]”97 cujo objetivo é fazer que os educandos pesquisem cantores de
tango, um ritmo musical característico da cultura hispânica. Diante disso, classificamos essa
Meta como integrativa, visto ser qualificada pelo “algunos intérpretes famosos de tango”,
fazendo alusão a um elemento cultural característico do modo de viver de uma comunidade. O
texto com o qual o enunciado dialoga traz uma entrevista de um cantor de tango (atividade)
para que os leitores conheçam sua relação com esse ritmo (finalidade) e pretende introduzir os
alunos no conhecimento desse ritmo. Desse modo, campo e Meta são integrativos e o aluno,
sujeito ativo no uso do E/LE, dialoga com a cultura do idioma que está aprendendo.
A Meta dois tem carácter integrativo, apesar do campo do texto-base ser instrumental.
Difere-se da Meta um, justamente, por fazer um movimento de complexificação da construção
do potencial de significados culturais do aluno que não foi trazido no texto, mas foi
acrescentado através das atividades. O LD sete apresenta uma tarefa que tem por texto-base
uma matéria de revista sobre alimentação saudável (atividade). A finalidade desse texto é
mostrar às pessoas quais alimentos constituem uma boa alimentação, tendo por objetivo, no
LD, a discussão de como o tipo de alimento consumido influencia na saúde. Essa atividade
tem um campo instrumental, uma vez que utiliza a língua espanhola para trabalhar essas
questões, mas não as integra com características do modo de alimentar-se, por exemplo, de
uma determinada população. O caráter integrativo é dado pelo enunciado “¿Qué tipos de
aceite [Meta] se consumen [p.material] en su región [circunstância de lugar]?”, no qual
observamos uma instrução para que o aluno pesquise o tipo de alimentação, como orienta a
Meta, mais comum em uma região, ou seja, característico e, portanto, um elemento cultural
integrativo. Nesse movimento de pesquisa, o aluno expande as informações textuais e observa
como o tema trabalhado existe no dia a dia de uma comunidade.
A Meta três é realizada em atividades que trabalham o campo instrumental do texto-
base de maneira, também, instrumental. No livro sete, ainda na unidade que tem como tema
norteador as questões de saúde, temos um exemplo no qual o enunciado parece não propiciar

97
Os exemplos das metas foram retirados das atividades da seção Interactuando con el texto da coleção
Formación en español: lengua y cultura.
95

que o aluno interaja de maneira integrativa usando o E/LE. Os textos-base do enunciado que
analisaremos são dois: um deles é o conto da Chapeuzinho Vermelho, o outro, é, também um
conto, mas sobre a moral dessa história. Ambos os textos-base usam a língua espanhola para
trabalhar um tema, mas não apresentam modos de ser da comunidade falante de E/LE, ou
seja, não trazem elementos integrativos da cultura hispânica ou latinoamericana. A seção
“Interactuando con el texto”, em análise, tem predomínio de processos relacionais, portanto,
preponderantemente, os alunos devem identificar informações desse texto. Os processos
materiais que aparecem não levam a discussão para o âmbito de alguma ocorrência cultural.
O enunciado “¿Cómo podría defenderse la Caperucita Roja moderna de los ‘lobos malos’?”
leva o aluno a uma reflexão, sem instigá-lo a relacionar o campo da história com o de
possíveis riscos de violência, ou mesmo, casos de violência em algum país. Desse modo, o
campo instrumental não se expande e o aluno é impelido a dialogar com o texto, sem
necessariamente levar em conta os possíveis traços culturais advindos do tema proposto.
Trabalho este que necessitaria de complementação por parte do professor.
A Meta quatro aparece em atividades que interagem com as informações do texto sem
instigar à pesquisa ou à reflexão sobre o campo trabalhado. No livro do sexto ano cujo tema
norteador é a relação entre o mundo e o aluno, há uma seção que tem como texto-base um
poema sobre o estatuto do homem. Esse poema foi traduzido para o espanhol pelo Mario
Benedetti e sua finalidade é discutir os direitos e os deveres dos cidadãos. Seu campo
apresenta-se como integrativo, à medida que traz um autor da literatura hispânica, ainda que
não seja através de um poema de sua autoria. No entanto, as atividades da seção que propõem
a interação entre o texto e o aluno são, em sua maioria, de identificação de trechos do texto,
caracterizando-se como instrumentais. Confirmamos esse tipo de funcionamento no
enunciado “Anoten [p.material] qué derechos destaca Thiago de Mello [meta] en su poema
[circunstância de lugar]”. Haja vista a forma como se configura esse fraseado, o aluno é
levado a trabalhar com as informações do texto e ter a ação material de anotá-las, mas não há
menção a qualquer discussão que amplifique o campo. Essa Meta poderia tornar-se integrativa
se relacionada a um processo comportamental, como buscar, que conduzisse o educando a
conhecer o modo que os direitos e deveres estão sendo (ou não) respeitados nos países e quais
campanhas ou medidas já existem. Desse modo, apesar de o texto-base apresentar traços
integrativos, a seção e seus enunciados o trabalham de maneira instrumental.
As Metas cinco e seis estão nas atividades de produção de murais, cartazes, tabelas e
textos sobre os campos dos texto-base. A diferença entre os dois tipos de Metas veiculados
96

nas tarefas é que a quinta mantém o caráter integrativo do texto-base, enquanto a sexta
mantém o caráter instrumental de trabalho com E/LE.
A Meta cinco pode ser exemplificada por uma seção “Interactuando con el texto” que
compõe a unidade três do livro seis. Essa unidade tem como temática as formas de viver. Os
textos-base, da seção que analisamos, trazem uma série de casas como a Casa pueblo do
Uruguay e o Palácio do Planalto do Brasil, a fim de discutir as formas de construir e viver
nesses locais, sendo, portanto, textos-base de campo integrativo. Os enunciados dessa tarefa
são: “1) Dibuja [p.material] o pega [p.material] uma foto de la casa de tus sueños [Meta], e 2)
Escribe [p.material] por qué te gusta esa casa [Meta], siguiendo las sugerencias [circunstância
de maneira].” Observamos, nos exemplos, que são solicitadas as ações de desenhar (dibuja),
colar (pegar) e escrever (escribe) ao aluno, ou seja, ele deve produzir a sua casa dos sonhos e,
consequentemente, a sua forma de viver, a partir do que foi discutido sobre as formas de viver
nos locais falantes de língua espanhola e no seu local de residência. Desse modo, o educando
reflete sobre o elemento cultural integrativo modos de viver dos falantes de espanhol para, em
seguida, produzir um elemento cultural que o represente.
A Meta seis pode ser ilustrada por uma seção “Interactuando con el texto” que
compõe a unidade dois do livro oito. Essa unidade tem como tema norteador as formas de
persuasão e como objetivo a produção de um texto publicitário. Podemos notar, já de
antemão, que o tema da unidade tem, como um todo, um caráter mais instrumental: o de usar
o E/LE para persuadir o seu interlocutor. Analisamos a seção que tem por texto-base um
banner (atividade) cuja finalidade é sensibilizar o interlocutor para o fato de que, de acordo
com a ideia passada pelo texto do LD, todos podemos ser solidários. Observamos, assim
sendo, que o campo é instrumental, à medida que usa o E/LE para falar de solidariedade, mas
não apresenta elementos culturais integradores ou ações concretas sobre o tema na sociedade.
A tarefa que traz a Meta de produção orienta: “Elaboren [p.material] una alternativa de texto
[Meta] para la campaña de solidariedad anterior [circuntância de causa-razão]”. Analisando o
enunciado, vemos que o aluno deve executar a ação material de elaborar um texto (como
orienta a Meta) que tenha como finalidade o campo trabalhado no texto-base: solidariedade
(de acordo com o que indica a circunstância de causa-razão98). Desse modo, o texto-base e a
atividade proposta usam a língua para interagir, sendo instrumentais, uma vez que não
trabalham, por exemplo, campanhas de solidariedade de países hispano-falantes ou instigam

98
A circunstância de causa-razão demostra os motivos de realização do processo e responde à pergunta “por
que” (cf. Quadro 13).
97

os alunos a buscar mais informações sobre essas campanhas. A tarefa, em razão disso,
classifica-se como instrumental de acordo com o campo ao qual se refere.
A análise do papel do aluno e dos elementos culturais permitiu que inferíssemos
alguns resultados:
1) Há dois tipos de elementos culturais trazidos nas atividades do LD: os integrativos,
que trabalham os costumes que caracterizam uma comunidade, e os instrumentais,
que atendem as necessidades básicas (como a comunicação);
2) O tipo predominante de processo nos enunciados é o material na função comando;
no entanto, ainda assim, o aluno tem um papel reflexivo e ativo nas atividades do
LD devido à associação dessa categoria com os demais processos do sistema de
transitivade no polo instância;
3) O participante Meta é dividido em seis categorias semânticas e determina como se
dá relação entre o aluno e os elementos culturais, trazidos nos textos-base.
A análise manual que buscou as frequências relativas no contínuo de instanciação dos
componentes ideacionais (processos, participantes e metas) e dos interpessoais (funções
constitutivas), bem como a que contrapôs as opções dadas pelo sistema, possibilitou-nos
verificar que o aluno tem, preponderantemente na obra, um papel ativo, à medida que deve
refletir sobre os temas trabalhados nos textos-base, bem como produzir na LE com base
nesses temas. No que se refere aos elementos culturais, percebemos que os livros seis e nove
possuem mais temas integrativos em contraposição aos temas mais instrumentais
apresentados nos campos dos livros sete e oito, sendo, portanto, divido por livro o modo como
a presença desse elemento ocorre.
O diálogo entre os elementos culturais e o aluno, que já sabemos ter papel ativo nas
resoluções das atividades, realiza-se por meio das Metas. Os LDs do sexto e nono ano, que na
sua constituição já apresentavam mais textos-base com campos integrativos, mantiveram esse
padrão nas suas atividades (o LD seis tem 32 atividades integrativas e sete instrumentais. Já o
LD nove, tem 14 integrativas e tres instrumentais). O LD do sétimo ano, nos textos-base,
apresentou mais campos instrumentais (um total de 30 dos 42 que compõem as tarefas do
livro); no entanto, seu caráter instrumental foi amenizado pelas atividades com Metas
integrativas. Devido a essas atividades, apenas 23 dos 42 enunciados mantiverem um trabalho
com o E/LE sem discutir os modos de ser dos seus falantes. O LD do oitavo ano, por fim, dos
quatro livros, é o que possui uma divisão mais equilibrada entre atividades apenas com o uso
da LE e atividades com a sua cultura. Esse equílibrio foi mantido, uma vez que possui 16
tarefas integrativas e 15 instrumentais (cf. Tabela 12). Constatamos, em vista disso, que os
98

LDs do sexto e nono ano possibilitam um maior acesso dos alunos aos modos de ser e pensar
dos países falantes de língua espanhola que os sétimo e oitavo.
99

3 ENTRELAÇANDO OS FIOS DAS CONCLUSÕES

“Meu interesse pelas questões linguísticas é, em última instância, um interesse


‘aplicado’. [...] Se alguns dos argumentos parecem distantes dos problemas
cotidianos da vida e da aprendizagem, é porque esses problemas não são simples e
porque nenhuma explicação simples do que ocorre na superfície das coisas tem
possibilidade de contribuir para resolvê-las” (HALLIDAY, 2013 [1978], p. 14).

Esta dissertação buscou entender como o E/LE constroi significados na sala de aula e
como esses sentidos estão sendo utilizados para significar culturalmente. Adotamos, para isso,
uma visão sistêmico-funcional, uma vez que nos permite entender o fenômeno linguístico na
sua integralidade por interpretar a linguagem em relação ao seu lugar no processo social.
A motivação para a pesquisa apresentada foi, primeiramente, de cunho pessoal. No
ano de 2014, junto a minha entrada na pós-graduação, comecei a carreira no magistério
público. Eu, aluna de escola pública, bolsista do PIBID, e, pela primeira vez, professora do
ensino público, me via diante de poucos recursos, mas muita vontade de dar o melhor aos
meus alunos. Busquei trabalhos que pudessem me ajudar a entender um dos únicos materiais
que tinha em minhas mãos, o LD, e encontrei poucos que o estudassem com foco no E/LE.
Desse modo, minha motivação foi complementada por um incentivo teórico: a escassez de
trabalhos que se debruçam sobre os LDs de E/LE para entender como esses funcionam.
Caminhei, então, para a análise de LDs, mais precisamente, para o estudo do papel que o
aluno possui nas tarefas dessas obras didáticas, a análise do modo como o elemento cultural é
representado e, por fim, a compreensão da maneira com que se estabelece a relação entre o
educando e a cultura do E/LE. Organizamos, em vista disso, nossa trajetória de entendimento
da seguinte forma.
Nas duas primeiras seções do capítulo um, foram apresentadas brevemente como as
abordagens de ensino de LE e a LSF definiram o papel que o aluno e os elementos culturais
deveriam ter no processo de aprendizagem de uma LE. Essa exposição foi necessária, uma
vez que nosso objeto de análise, o LD, está circunscrito em um contexto de situação
subordinado a um contexto de cultura constituído por essas concepções. Constatamos,
verificando o que determinam as abordagens, a seguinte distribuição do papel do aluno e dos
elementos culturais:
100

Quadro 13 – Aluno e cultura nas abordagens para o ensino de LE


Teoria de aprendizagem Papel do aluno Papel dos elementos culturais
de LE
Behaviorismo Reproduz. Não são discutidos.
Inatismo Reproduz. Não são discutidos.
Interacionismo Aprende através de Não são discutidos.
atividades controladas.
Sociocultural Ativo. Parte intrínseca do processo de
aprendizagem.
LSF Aprende por meio da Parte intrínseca do processo de
interação. aprendizagem para que o aluno construa
o seu potencial de significado.
Fonte: elaborado pela autora (2016).

De acordo com a LSF, a língua interpreta a cultura em termos semióticos. A teoria de


aprendizagem de LE, sob esse enfoque, busca compreender como os processos sociais
culminam nessa aprendizagem e entende que “[...] aprender a falar se interpreta como o
domínio de um potencial de comportamento por parte do indivíduo” (HALLIDAY, 2013
[1978], p. 29). O aluno, portanto, deve construir um potencial de significados que abarque os
componentes léxico-gramaticais da LE, mas, sobretudo, deve construir um potencial de
significados sociais para que possa se expressar ativamente e não passivamente usando a LE.
Na terceira seção desse capítulo teórico, buscamos desenredar os fios que compõem a
teoria que subsidia nosso estudo: a LSF. Tratamos dos seus sentidos globais, que marcam o
modo de entender a linguagem em funcionamento e dos seus princípios de organização. Nessa
descrição, cabe destacar alguns pontos, conforme faremos a seguir.
O primeiro ponto diz respeito aos sentidos globais da teoria que envolvem as
concepções de língua, texto e análise. A língua é vista como uma forma de interação entre os
indivíduos; o texto, por sua vez, constroi significados sociais através da maneira como realiza
os recursos linguísticos. Já a análise metafuncional permite que nos debrucemos sobre a
materialidade textual para entender como as realizações do sistema linguístico representam a
construção de sentido entre aluno e LD. Começamos, a partir disso, a entender a relação entre
linguagem e estrutura social e como os princípios de organização da língua auxiliam na
interpretação dos textos.
O segundo ponto se refere aos princípios de organização da linguagem, compostos
por: sistema e estrutura, estratificação, instanciação e metafunções. O sistema é o potencial
de significado da língua, enquanto a estrutura é a realização desse potencial. No processo de
101

ensino e aprendizagem de uma LE, o aluno desenvolve seu potencial de significados


linguísticos e culturais. A realização desse potencial de significado da LE ocorre através da
estratificação linguística. O aprendiz deve dominar o estrato da expressão (fonética e
fonologia), mas, sobretudo, ser capaz de realizar os sentidos no estrato do conteúdo (léxico-
gramática e semântica). Uma correta estratificação na LE permite que o aprendiz identifique e
realize os diferentes conteúdos semânticos de um mesmo item lexical, de acordo com o
contexto de interação em que deseje se comunicar. A instanciação, por sua vez, relaciona a
língua como sistema e a língua como texto. O polo instância do contínuo de instanciação é o
texto realizado, portanto, em nossa análise, a identificação dos padrões de realização neste
polo permitiu que interpretássemos o modo como o papel do aluno e dos elementos culturais
se realizou, bem como a maneira que foi instaciada a relação entre essas duas variáveis no
LD. Essa análise foi subsidiada pelas metafunções, responsáveis por relacionar o contexto de
situação com os elementos léxico-gramaticais capazes de realizá-los.
Os dois pontos apresentados anteriormente nos levam ao capítulo dois. Neste
momento da pesquisa, utilizamos as ferramentas da LSF para atingir nosso objetivo geral:
analisar como o aluno é convidado a fazer parte da nova cultura aprendida, bem como o modo
como o referente cultural é representado.
O aluno tem um papel ativo e reflexivo na obra, complementando o que foi sugerido
pelo Guia PNLD 2014, uma vez que não foi indicado no documento o papel que o aluno
deveria ter nas atividades. Essa atribuição ao educando pode ser verificada, pois os
enunciados das atividades se instanciam com processos materiais na função comando
associados a outros processos, como os comportamentais e mentais. Isso demonstra que o LD
espera que o aluno aja com o E/LE, mas, sobretudo, que signifique através da LE. Nesse
processo, ele constroi o seu potencial de significado do estrato do conteúdo léxico-gramatical.
Os elementos culturais estão presentes nas atividades de duas maneiras: trabalhando o
E/LE (elementos instrumentais) e trabalhando os modos de ser e viver de comunidades
falantes do E/LE (elementos integrativos), indo ao encontro do que foi sugerido pelo Guia
PNLD 2014. Os textos com campos de caráter instrumental auxiliam na construção do estrato
léxico-gramatical do aluno, enquanto os textos com campos integrativos contribuem para a
construção de um potencial de significados gramatical e cultural. Nas tarefas com campo
instrumental, seria ideal que o LD buscasse outras maneiras de o aluno pensar a cultura do
idioma que está aprendendo para que fosse enriquecido o trabalho com a LE nesses
momentos.
102

A relação entre aluno e cultura se dá através das Metas dos enunciados. Observamos
que os livros do sexto e do nono ano trazem o trabalho com a cultura da LE de maneira mais
marcada, enquanto os livros do sétimo e do oitavo ano enfocam no trabalho de temas gerais,
através do uso da língua espanhola. Halliday ([2013] 1978, p. 32), ao apontar que “com o
objetivo de que a língua seja um meio de aprendizagem, é fundamental que a criança possa
codificar com a linguagem, mediante palavras e estruturas, sua experiência nos processos do
mundo exterior e nas pessoas e coisas que participam nele”, demonstra que o trabalho
desenvolvido pelos livros sete e oito é relevante, uma vez que o aluno está codificando a
linguagem; no entanto, o modo como estão constituídos os livros seis e nove é mais
adequado, pois o aluno é levado a entender o modo como os falantes de língua espanhola
constroem sua experiência e, portanto, como o E/LE é usado para significar no mundo.
Retomando os objetivos que foram propostos para esta dissertação, é possível afirmar
que esta dissertação encerra-se cumprindo seu objetivo geral e seus objetivos específicos. A
análise do Guia PNLD 2014, primeiro de nossos fins específicos na pesquisa, constatou que
há sugestões para que o aluno interaja com a LE, mas não há indicação de qual o seu papel
nessa interação. Já o elemento cultural é colocado como fundamental nas obras didáticas e
deve ser apresentado na sua diversidade. Esse resultado fez com que déssemos o primeiro
passo para entender a relação entre as atividades do LD e o papel dado ao aluno e à cultura
neste.
Seguimos a investigação com a busca pelos campos predominantes nas atividades da
coleção Formación en Español: lengua y cultura. Essa análise revelou que, de acordo com o
LD, há um campo dominante. Nas obras do sexto e do nono ano, predomina a cultura na sua
manifestação integrativa e nas do sétimo e oitavo na sua manifestação instrumental. Pudemos,
assim, observar como são trazidos os elementos culturais nessas obras didáticas.
A pesquisa em busca do tipo de processo predominante revelou que, nas atividades do
LD, há o domínio do tipo material na função comando que, associado à realização no
fraseado com outros tipos de processo, faz com que o aluno e o LD dialoguem nesses
exercícios. O elemento cultural, por sua vez, como observamos, é trabalhado através das
metas dos enunciados. Esse estudo do Guia PNLD 2014 e da coleção didática, sob o viés
sistêmico-funcional, contribui ao trazer uma aplicação da teoria, até então, pouco explorada.
Compreendemos, isso posto, que o objetivo geral a que esta dissertação se propôs foi
atingido, uma vez que analisamos o modo como o aluno dialogou com a cultura –
instrumental ou integrativa – apresentada no LD. Da mesma forma, identificamos a maneira
com que os referentes culturais são apresentados ao aprendiz. Cabe destacar que ainda são
103

necessários mais trabalhos que investiguem os LDs de E/LE distribuídos pelo MEC. Como
sugestão para pesquisas futuras, apontamos a descrição de outros aspectos das obras didáticas
das coleções que não foram analisadas nesta pesquisa.
A investigação desses pontos, não discutidos neste estudo, auxiliaria no
aperfeiçoamento do LD de E/LE distribuído pelo MEC. Reconhecemos as dificuldades de se
produzir uma coleção didática para ser usada em todo o Brasil. Admitimos que esses LDs, em
vista disso, nunca serão completamente adequados a todos os contextos de ensino de E/LE em
um país tão diverso quanto o nosso; no entanto, esse instrumento pedagógico tem a tarefa de
ser melhorado, uma vez que, como já dissemos, costuma ser, muitas vezes, o único material
de LE a que o aluno tem acesso.
Esta dissertação, em sua essência, foi uma tentativa de assistir outros professores de
E/LE a entender a constituição do LD. Esperamos ter contribuído para que os docentes
dominem o modo como a coleção didática organiza suas atividades e, com esse domínio,
convertam-na em um material útil e transformador no ensino de E/LE nos seus contextos de
atuação. Esses educadores serão, nessa perspectiva, agentes ativos no aprimoramento do LD e
no progresso da atual da situação do ensino de LE no contexto de escola pública.
104

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