Artigo Psicologia
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RESUMO
O presente artigo tem como objetivo fazer um resumo das contribuições de Piaget, Vygotsky e
Kishimoto acerca do papel do brincar na educação e no desenvolvimento infantil, além de promover um
diálogo entre suas teorias, possibilitando uma visão geral acerca do tema para todos os profissionais
atuantes na educação de crianças de 0 a 5 anos que desejam refletir sobre a importância de inserir o
brincar no contexto escolar. Mediante uma pesquisa bibliográfica, levantamos diversos materiais, dentre
livros, artigos e entrevistas, os quais nos permitiram fazer considerações sobre as principais ideias
relacionadas à importância do brincar na Educação Infantil na perspectiva dos três autores escolhidos.
INTRODUÇÃO
1
Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Especialista em Educação
Infantil pela Universidade Católica Dom Bosco. E-mail: suzanasantiago07@gmail.com;
2
Professora Mestre da Universidade Católica Dom Bosco. Orientadora de Trabalho de Conclusão do Curso de
pós-graduação Lato sensu da UCDB/Portal Educação.
todos os profissionais atuantes na educação de crianças de 0 a 5 anos que desejam refletir sobre
a importância de inserir o brincar no contexto escolar.
METODOLOGIA
A metodologia escolhida para esta pesquisa foi o levantamento bibliográfico. Obras dos
três autores selecionados foram lidas, bem como artigos que traziam estudos a respeito do
trabalho desses autores, além de entrevistas com pesquisadores do tema. Após o levantamento
de informações com o recorte do brincar na educação infantil, foi feito um resumo das ideias
dos três autores, e foi feita uma comparação dos seus enfoques ao longo do trabalho.
A CRIANÇA E O BRINCAR
A criança, “como todo ser humano, é um sujeito social e histórico que faz parte de uma
organização familiar que está inserida numa sociedade, com uma determinada cultura, em um
determinado momento histórico” (RCNEI, 1998, p.21). Como “sujeito social e histórico”, a
criança participa da construção de sua identidade social. Inserida na sociedade, ela interage com
o meio – pessoas, objetos, animais, elementos do ambiente – e não só é moldada por ele, mas
também o modifica.
Segundo Gusso e Schuartz (2005) “o desenvolvimento da criança é resultado da
interação de uma aprendizagem natural, mas paralelamente estimulada, que ocorre por meio da
experiência adquirida no ambiente e com a própria capacidade inata da criança”.
Giacometti, Barcelos e Dias (2013) nos dizem que “não há como negar o benefício dos
jogos para o desenvolvimento infantil”. Nas obras da pesquisadora Tizuko Morchida
Kishimoto, essa importância é constantemente relembrada. Ela nos diz que “para a criança, o
brincar é a atividade principal do dia-a-dia” (KISHIMOTO, 2010).
É importante destacar a função social da brincadeira e o seu papel cultural. Para Silva e
Santos (2009), “estudos atuais têm se preocupado em observar a infância e suas brincadeiras
visando compreender as formas de sociabilidade da criança e seu diálogo com a cultura adulta”.
As autoras nos dizem ainda que “a brincadeira é uma das linguagens que se destacam na
infância e é através dela que a criança significa e ressignifica o mundo, constituindo suas
práticas culturais”.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil ressalta a importância do
brincar, trazendo a relação do jogo com o desenvolvimento cognitivo, motor, social e afetivo
das crianças. Consta em seu texto que um dos princípios que embasam a “qualidade das
experiências oferecidas para o exercício da cidadania” é “o direito das crianças a brincar, como
forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil”. (BRASIL, 1998)
Esse direito é constitucional e vigora como lei desde 1990, com a criação do Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Em seu Art. 16º, Inciso IV, esta lei nos diz que a
criança tem direito a “brincar, praticar esportes e divertir-se”.
Em suas obras, Piaget e Vygotsky também consideraram o brincar como um aspecto
fundamental do desenvolvimento Infantil. Rolim, Guerra & Tassigny (2008) nos dizem que
“Vygotsky, ao longo de sua obra, discute aspectos da infância, destacando-se suas contribuições
acerca do papel que o brinquedo desempenha, fazendo referência a sua capacidade de estruturar
o funcionamento psíquico da criança”. E Mattos e Faria (2011) afirmam que, para Piaget, o
jogo “é a construção do conhecimento, principalmente, nos períodos sensório motor e pré-
operatório”.
Considerando a importância do brincar para o desenvolvimento da criança, e
respaldados por pesquisas e trabalhos de importantes autores, voltaremos o nosso olhar para a
influência dos jogos e brincadeiras no desenvolvimento das crianças com idades entre 0 a 5
anos, correspondentes às idades das classes de Educação Infantil. Esta faixa etária aparece na
LDBN 9.394/96, em seu Artigo 4º, Inciso II.
O biólogo suíço Jean Piaget dedicou grande parte dos seus esforços para explicar a
estrutura do conhecimento e o desenvolvimento cognitivo dos seres humanos. Em suas obras,
Piaget levou em consideração o papel da brincadeira nesses processos. Segundo Giacometti et
al. (2013), “Um dos estudos mais importantes sobre o jogo infantil está na obra de Piaget em
‘Formação do símbolo na criança’”. Nesta obra, Piaget traça relações entre o jogo e o
desenvolvimento intelectual infantil. Giacometti et al. (2013) nos dizem que Piaget estabelece
que:
1) o jogo encontra sua finalidade em si mesmo. O jogador se preocupa mais
com o resultado do que com o jogo em si mesmo. 2) é uma atividade
espontânea, aqui o jogo não tem preocupação com nenhuma regra; 3) é uma
atividade que dá prazer; 4) o jogo tem uma certa falta de organização; 5) aqui
o comportamento da criança é livre de conflito, aqui o jogo ignora os conflitos;
6) o jogo tem uma motivação mais intensa. (GIACOMETTI, BARCELOS E
DIAS 2013, p.1102)
Para compreender a visão piagetiana do brincar, em especial o brincar na faixa etária de
0 a 5 anos, é necessário levar em consideração os estágios de desenvolvimento que foram
estabelecidos por Piaget. Na concepção Piagetiana, existem 4 estágios de formação cognitiva,
sendo os dois primeiros estágios aqueles que interessam, de fato, à Educação Infantil. São eles:
o sensório-motor (do nascimento aos 2 anos) e o pré-operacional (de 2 a 7 anos).
No estágio sensório-motor, a criança não possui a capacidade simbólica, ou seja, “não
apresenta pensamento nem afetividade ligados a representações, que permitam evocar pessoas
ou objetos na ausência deles" (PIAGET E INBIEDER, 1986, p. 11 apud PALANGANA, 2015).
Em síntese, pode-se dizer que ao longo dos primeiros dois anos de vida a
criança diferencia o que é dela do que é do mundo, adquire noção de
causalidade, espaço e tempo, interage com o meio demonstrando uma
inteligência fundamentalmente prática, caracterizada por uma
intencionalidade e uma certa plasticidade. Ainda que essa conduta inteligente
seja essencialmente prática, é ela que organiza e constrói as grandes categorias
de ação que vão servir de base para todas as futuras construções cognitivas
que a criança empreenderá. (PALANGANA, 2015)
No segundo estágio, o pré-operatório, a criança já desenvolveu a capacidade simbólica,
logo é capaz de reconhecer os símbolos em suas variadas formas, adquirindo certo grau de
independência em relação aos estímulos captados pelos sentidos. Nessa fase, também, a criança
começa a distinguir o significante (símbolo, imagem, representação), do significado (o objeto
ou estrutura real).
Dentre as demais características básicas que identificam a natureza do
pensamento pré-operacional, também pode-se destacar a conduta egocêntrica
ou autocentrada. A criança vê o mundo a partir de sua própria perspectiva e
não imagina que haja outros pontos de vista possíveis. Daí que uma das
principais tarefas a serem cumpridas neste estágio é a descentração, o que
significa sair da perspectiva do "eu" como único sistema de referência.
(PALANGANA, 2015)
Segundo Mattos e Faria (2011), para Piaget, o jogo “se dá num período paralelo ao da
imitação, porém, enquanto nesta há uma predominância da acomodação, no jogo, a
característica essencial é a assimilação”. Por acomodação e assimilação temos que a
assimilação “refere-se à incorporação de novas experiências ou informações à estrutura mental
sem, contudo, alterá-la” e a acomodação “se define pelo processo de reorganização dessas
estruturas, de tal forma que elas possam incorporar os novos conhecimentos, transformando-os
para se ajustarem às novas exigências do meio”. (PALANGANA, 2015)
Mattos e Faria (2011) pautam seu artigo “Jogo e Aprendizagem” na teoria de Piaget. Os
autores dizem que, na visão piagetiana, o jogo se inicia nos comportamentos sensório-motores,
quando as reações circulares se prologam em jogos, isto é, as ações passam a ser repetidas
“unicamente pelo prazer que esta repetição lhe proporciona” (MATTOS E FARIA, 2011).
Meneses (2012) explica as reações circulares da seguinte maneira: “a criança, depois de
executar por acaso uma ação que provoca uma satisfação, passa a repetir essa mesma ação
repetidas vezes, o que é chamado de reação circular”. Inicialmente, quando do acaso da
execução prazerosa, a criança faz o processo de assimilação. Posteriormente, na repetição
característica das reações circulares, ela, então, passa para o processo de acomodação. Para
Mattos e Faria (2011) “verifica-se que os esforços adaptativos, típicos de uma nova reação
circular iniciada, são transformados em Jogo”. Nessa fase, os jogos são chamados, por Piaget
(1971), de jogos de exercício.
O jogo vai se desenvolvendo à medida em que ocorre o desenvolvimento cognitivo da
criança e, por volta dos 18 aos 24 meses, a criança “já penetrou no processo de representação
mental devido ao surgimento do símbolo lúdico que se transformou em esquema simbólico,
caracterizando assim o início do ‘faz-de-conta’” (MATTOS E FARIA, 2011). A fase pré-
operatória é, então, marcada pelo jogo simbólico.
Para Piaget (1971) o jogo simbólico também contém características do jogo de
exercício, mas recebe essa denominação “na medida em que ao simbolismo se integram os
demais elementos” e também “as suas funções afastam-se cada vez mais do simples exercício”.
Piaget cita, ainda, o “jogo simbólico solitário” e o “simbolismo a dois ou a muitos”, porém não
os distingue como categorias.
É construindo representações que a criança registra, pensa, lê o mundo através
do jogo simbólico, do faz-de-conta, a criança assimila a realidade externa
adulta à sua realidade interna. A hora do jogo é um momento carregado de
significações. A criança tem necessidade de vivenciar o jogo simbólico:
quando a criança brinca, joga ou desenha, está desenvolvendo a capacidade
de representar, de simbolizar. Está interagindo com o mundo. Está recebendo,
internalizando idéias e sentimentos. E está dando sua resposta criativa.
(MATTOS E FARIA, 2011)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mediante os resumos feitos, é possível perceber que cada autor tem sua própria
abordagem sobre a contribuição do brincar para o desenvolvimento e a aprendizagem de
crianças.
Piaget, com seu enfoque no desenvolvimento da estrutura cognitiva, coloca a
brincadeira em segundo plano em seus estudos, porém considera que ela é uma parte importante
do processo de desenvolvimento infantil e que se origina nos primórdios do desenvolvimento
da criança, já nos primeiros meses de vida.
Vygotsky, com seu enfoque sócio-cultural, traz o surgimento da brincadeira na faixa
dos três anos de idade, a partir da consolidação da capacidade simbólica da criança,
considerando como brincadeira as situações imaginárias que uma criança vivencia.
Kishimoto se preocupa em esclarecer detalhes do significado de termos como jogo,
brinquedo e brincadeira e contribui de maneira brilhante para a elucidação de questões que
envolvem a utilização do brincar na educação de crianças de 0 a 5 anos. Traz ainda uma parte
prática, sugerindo brincadeiras e materiais que podem ser usados, prática esta não encontrada
nos trabalhos de Piaget ou de Vygotsky, salvo exemplos dados pelos autores para ilustrar suas
teorias.
Gostaríamos de trazer, também, o interessante olhar de Kishimoto sobre a perspectiva
de Piaget e Vygotsky acerca da brincadeira, feito por ela em sua obra “O jogo e a educação
infantil”. Para ela, na teoria piagetiana, a brincadeira “serve para revelar mecanismos cognitivos
da criança”, e Piaget “ ao colocar a brincadeira dentro do conteúdo da inteligência e não da
estrutura cognitiva [...] mostra o pouco valor que lhe atribui” na medida em que “o conteúdo da
inteligência não tem a relevância da estrutura mental, o centro de seu estudo psicológico [...]
Para o autor, ao manifestar a cultura lúdica, a criança apenas demonstra o nível de seus estágios
cognitivos” (KISHIMOTO, 1994).
E sobre os estudos de Vygotsky ela nos diz que
Seus paradigmas para explicar o jogo infantil localizam-se na filosofia
marxista-leninista, que concebe o mundo como resultado de processos
histórico-sociais que alteram não só o modo de vida da sociedade mas
inclusive as formas de pensamento do ser humano. São os sistemas
produtivos, geradores de novos modos de vida, fatores que modificam o modo
de pensar do homem. Desta forma, toda conduta do ser humano, incluindo
suas brincadeiras, são construídas como resultado de processos sociais.
(KISHIMOTO, 1994)
Embora Kishimoto e Vygotsky possuam uma visão mais aproximada da relação sócio-
cultural que envolve o processo do brincar, e possa nos pareça que ela se distancia de Piaget,
podemos afirmar que Kishimoto também conversa com a teoria piagetiana na medida em que:
fala da repetição de ações prazerosas na brincadeira (o que nos remete às reações circulares de
Piaget); fala que bebês de aproximadamente seis meses “pensam com as mãos” e usam o corpo
como instrumento; e fala da importância de explorar o uso de materiais com diferentes texturas,
cores e sons, nos remetendo ao desenvolvimento sensorial abordado por Piaget. (KISHIMOTO,
2010).
Concluímos que as convergências e divergências dos três autores estudados servem para
enriquecer nosso olhar a respeito da temática do brincar na educação infantil. O tema é muito
vasto e é imprescindível que todos aqueles interessados nele façam pesquisas mais
aprofundadas, principalmente se a intenção é sair da teoria e partir para a prática no âmbito
escolar.
REFERÊNCIAS