Docência: Uma Construção Ético-Profissional: Resenha
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Docência: Uma Construção Ético-Profissional: Resenha
R E S E N H A
Comumente se louva uma obra pela sua qualidade de “fechar questão”, de tornar-se
uma referência definitiva e incontornável sobre um determinado tema. E isso se dá
mesmo sabendo-se que esse estatuto “definitivo” não tem com freqüência senão um valor
transitório, que se impõe muitas vezes de modo infundado e, ao final, em geral, por não
mais do que um período de tempo bastante fugaz.
Por outro lado, mas até por essa razão mesmo, ou seja, dada essa virtual impossibili-
dade em apresentar de forma terminante um problema, talvez fosse interessante con-
siderar, de forma inversa, que as maiores obras não são na verdade aquelas que nos
fecham, mas antes as que nos abrem questões consistentes, que inauguram para nós
determinadas séries ou redes de questões, ou, em especial, que encontram os meios
para mantê-las abertas. E que, portanto, mantêm-nos, prudente, mas também inconfor-
madamente, em estado de pesquisa.
Os trabalhos dos professores Ilma Passos Alencastro Veiga e José Carlos Souza
Araújo parecem incluir-se nesse segundo conjunto. Que interesse maior eles revelam?
O de manter aberta, dentro do campo dos estudos em educação, uma pesquisa
continuada que se volte para a relevância dos temas ligados à ética e para as formas e
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condições de sua ligação com o campo educacional. Em seu caso, isso vale tanto para os
desdobramentos mais teóricos da questão ética para a pedagogia, como ainda na situação
de sua possível “aplicação”, que é o caso, em especial, dos esforços que ambos vêm
realizando no sentido da elaboração de um código de conduta ético-profissional para a
profissão docente.
Aliás, se cabe um parêntesis em nossa apresentação, é curiosa, de todo modo, essa
insistência e, sobretudo, a necessidade dessa insistência. Não deveria a ética ser um elemento
mais habitual nas pesquisas em educação e num ambiente em que está envolvida nada
menos que a formação da pessoa?
Com efeito, isso nos leva a pensar no modo como tem se organizado o campo
da educação nesses últimos tempos. Aparentemente, ele foi objeto nas quatro últimas
décadas de uma grande partição, no que diz respeito a suas linhas-mestras de orientação,
e que pareceu impor-lhe uma grande divisão binária. Temos, por um lado, aqueles que
insistem numa ideologização do processo de ensino, visto antes como uma experiência
de libertação, de cunho marcadamente social, econômico e político. Por outro, sem que
isso implique necessariamente uma compreensão puramente técnica do fenômeno
educacional, intensificaram-se as preocupações com o modo mesmo de funcionamento
da educação: com o ensinar e o aprender, mas também com o ensinar a ensinar, e mesmo
com o aprender a aprender. Ou seja, com os chamados processos de ensino-aprendizagem,
em suas diversas vertentes (desde as didáticas até o estudo dos currículos e programas).
E, se nas décadas de 60 e 70, a primeira tendência pareceu impor-se, nos últimos anos,
vê-se, ao contrário, um maior crescimento das temáticas pertencentes ao segundo desses
dois campos. A questão, que não opõe, simplesmente, uma questão de forma a outra de
conteúdos, é na verdade a de uma escolha: revolução ou transmissão? (Mas seriam essas
duas tendências de fato incompatíveis? Ou mesmo questões que poderiam realmente
vir desligadas uma da outra? Talvez a ética, mais uma vez, pudesse exercer aí um papel
fundamental).
Contudo, um grande vazio se anuncia também por detrás dessa pequena divisão. Se
temos limitações grandes demais já na opção forçada por somente uma delas, maiores
ainda são as limitações ao sermos obrigados a optar necessariamente por uma ou outra
posição... O campo pedagógico teria assim se empobrecido a ponto de não poder ofere-
cer senão essas duas possibilidades? Áreas vastas e absolutamente fundamentais do campo
pedagógico se empobrecem com a concentração dos debates formativos e fundantes
do processo educacional em uma simples oposição entre dois grandes pólos, e inúmeros
problemas absolutamente cruciais, a partir disso, parecem permanecer confinados numa
posição de certa inconsistência, ou num estado de equilíbrio meta-instável, de dever se
equilibrar desequilibrando-se, sem poder encontrar ou medir seu verdadeiro alcance
ou mesmo sem saber exatamente que posição ocupar dentro do campo dos estudos em
educação ou mesmo da práxis pedagógica. A relação ética-educação, nesse caso, a nosso
ver, não seria uma exceção. Ao contrário, ela aparece como um dos temas fundamentais
do fazer educacional que vem sendo consideravelmente negligenciado.
Como dissemos, então, consideradas essas circunstâncias, não é dos menores méritos
do trabalho dos professores Ilma Veiga e José Carlos Araújo o de fixar-se e insistir em
temas concernentes à ética docente, à compreensão ético-profissional do magistério.
por entidades profissionais docentes e por várias das principais associações nacionais
ligadas ao campo da educação.
Cumpre apontar, enfim, a qualidade e amplitude da bibliografia apresentada, que
demonstra patentemente o grau de conhecimento e a profunda inserção dos autores
nessa área de estudos.
O livro dos professores José Carlos Araújo, Ilma Passos Veiga e Célia Kapuziniak,
ainda que tenha outras tantas qualidades, tem, então, esta em especial, a de possibilitar
e consolidar a abertura de uma questão, em toda sua extensão, de forma clara e ao
mesmo tempo aprofundada: quais os contornos ético-profissionais da profissão de professor?
Como valorizar eticamente a carreira do magistério?
É certamente uma pena que essa seja hoje uma questão quase perdida, uma temática
muitas vezes ausente. O silêncio em torno a ela está possivelmente na raiz do declínio
da profissão de professor, bem como na má qualidade da formação de nossos alunos,
situações amplamente constatadas por todos os que militam no exercício da docência em
nosso país.