Sumarios Desenvolvidos Iri 2022 2023
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FACULDADE DE DIREITO
PARTE I - INTRODUÇÃO
Todavia, apesar do Estado conservar ainda hoje um papel central na vida internacional,
será ilusório reduzir esta última exclusivamente às relações interestatais, muito
particularmente numa época onde numerosos processos económicos e culturais
escapam, pelo menos em parte, ao controlo dos governos.
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Deste modo, as Relações Internacionais podem ser definidas como o conjunto das
relações e comunicações que se estabelecem entre vários grupos sociais, atravessando
as fronteiras.
O campo das Relações Internacionais foi adquirindo, no decorrer deste século, uma
importância cada vez maior na vida das sociedades, em função de um complexo
processo de transformações que se foram verificando.
Na verdade, qualquer relação internacional não tem por si própria uma dimensão
mundial, todavia o quadro actual no qual ela se inscreve adquiriu uma tal proporção.
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Esta importância sem precedentes, adquirida pelas Relações Internacionais na nossa
época, torna necessária uma reflexão sistemática sobre este complexo objecto. A falta
de uma tal reflexão far-se-á tanto mais sentir, quanto seja susceptível de esclarecer os
processos internos das nossas sociedades, em razão da influência directa que sobre estas
últimas exerce a conjuntura internacional.
Assiste-se, antes de mais, desde o período entre as duas Guerras Mundiais, a uma
multiplicação do número de trabalhos consagrados às Relações Internacionais e ao
aparecimento progressivo de uma verdadeira comunidade científica, tendo como objecto
de reflexão os fenómenos internacionais. Assim, as Relações Internacionais adquiriram
uma autonomia enquanto campo de estudo, ainda que, até lá, a sua análise não se tenha
desenvolvido mais do que como um objecto subsidiário, à margem da reflexão sobre o
Estado e a sociedade. Este processo concretizou-se pela criação, desde o final da I
Guerra Mundial, de instituições de ensino e de pesquisa, consagradas às Relações
Internacionais, bem de como numerosos periódicos especializados. Inicialmente
limitado aos EUA e à Grã-Bretanha, este fenómeno estender-se-á progressivamente, a
seguir à II Guerra Mundial, ao conjunto da Europa Ocidental mais a URSS e mesmo a
alguns países do Terceiro Mundo.
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Pouco antes do início da II Guerra Mundial, quando o fracasso da Sociedade das Nações
(SDN) se consumava, o historiador Edward H. Carr publicava um estudo intitulado The
Twenty Years Crisis, obra esta que daria uma inspiração fecunda à análise da política
internacional. Um pouco mais tarde nos EUA, Nicolas Spykman tentava estudar as
novas estruturas da política mundial a partir dos postulados da geopolítica.
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No início da sua obra, Hans Morgenthau definia, nos seguintes termos, os princípios da
sua teoria: “O realismo político acredita que a política, tal como a sociedade em geral,
é governada por leis objectivas que têm as suas raízes na natureza humana. (…) O
principal marco indicador do realismo na política internacional é o conceito de
interesse definido em termos de poder. (…) Todavia, o tipo de interesse que determina a
acção política num determinado período histórico depende do contexto político e
cultural, no seio do qual a política externa é formulada. (…) O poder inclui tudo aquilo
que estabelece e mantém o controlo do homem sobre o homem.”
Esta reacção contra a utopia Wilsoniana era pois marcada pelas circunstâncias
históricas. O “realismo” inscrevia-se, contudo, na tradição de uma corrente que
encontrava as suas origens doutrinárias no pensamento de Hobbes e de Maquiavel, ou
mesmo nas ideias de Tucídides da Antiguidade grega. Esta corrente passaria, desde
logo, a conhecer o seu prolongamento na Inglaterra, com os trabalhos de Jonh Herz,
Hedley Bull e Martin Wight.
Actualmente, este esforço de reflexão politológica aparece ainda como uma disciplina
anglo-saxónica. Deste modo, a Revue française des sciences politiques dá pouco
destaque à análise das Relações Internacionais. Todavia, os estudos neste domínio
progrediram bastante em França, especialmente com a obra de Raymond Aron, Paix et
guerre entre les nations (1962), mais as suas reflexões sobre Clausewitz, bem como
através dos trabalhos de Marcel Merle e de Christian Schmidt.
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especialmente as profundas repercussões que tiveram os dois conflitos mundiais sobre o
conjunto da sociedade internacional.
Por outro lado, ela terá sido fortemente estimulada pelo rápido desenvolvimento das
ciências sociais, cujo investimento neste campo de estudo, terá conduzido à sua
transformação.
Sob a influência combinada das ciências sociais e das profundas alterações da vida
internacional (multilateralização da diplomacia, desenvolvimento de novos sistemas de
armamentos, descolonização, universalização do modelo do Estado-Nação,
mundialização do campo diplomático-estratégico, bem como dos mercados económicos
e financeiros, reforço das interdependências, desenvolvimento dos meios de
comunicação, globalização dos problemas ecológicos e amplificação dos fluxos
migratórios), o estudo das Relações Internacionais abriu-se a novas dimensões, tais
como os fenómenos das organizações internacionais, os processos de integração
regional, a estratégia nuclear, os problemas do desenvolvimento sócio-económico (…).
Em conclusão, poder-se-á dizer que, as Relações Internacionais, como ciência
autónoma, nasceram nos EUA e na Grã-Bretanha, após a Primeira Guerra Mundial,
tendo conhecido o seu grande impulso nos países anglo-saxónicos, em função da
flexibilidade e destreza do seu sistema universitário, bem como em razão da amplitude
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das responsabilidades mundiais que passavam a assumir. Os enormes meios à
disposição dos pesquisadores, a criação de institutos especializados, a proliferação dos
ensinamentos (sobretudo após 1945) e a imensa literatura que os acompanhava
facilitaram, muito naturalmente, a sua expansão.
Como aliás foi já referido, no que respeita ao Velho Continente, os estudos no domínio
das Relações Internacionais arrancaram muito mais tarde, isto é, cerca dos anos trinta.
Daí o atraso considerável em relação à América e o estado de subdesenvolvimento que
caracterizava a disciplina.
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caracterização das grandes tendências da evolução da vida internacional, desde o final
da II Guerra Mundial até à actualidade.
A História foi durante muito tempo considerada como a via real para o estudo das
Relações Internacionais. O seu contributo permanece incontestável.
Confrontado com a análise de um qualquer fenómeno político, todos os investigadores
colocam questões que mobilizam o saber histórico, como por exemplo, saber:
qual o encadeamento dos acontecimentos, que criam esta ou aquela configuração
diplomática;
quais as origens e razões de ser das instituições, das normas e das práticas que
influenciam o comportamento dos governos;
quais as tradições políticas que marcam a política externa dos Estados;
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qual o meio sociocultural e o horizonte ideológico dos que decidem e assumem a
responsabilidade a nível do Estado.
Estas e outras questões, que estão na origem do estudo das Relações Internacionais,
dizem respeito, em primeiro lugar, à História. Pois, para se poder determinar as
sequências causais entre os factos contemporâneos e explicar a dinâmica de certos
processos políticos, é necessário reconstituir o seu fundamento histórico.
Por outro lado, poder-se-á dizer que se o futuro das sociedades humanas se situa por
definição numa trajectória histórica, o sentido desta evolução é incerto. O historiador
não é um profeta. O seu objecto de estudo é o passado. Ele experimenta, por vezes, a
tentação de esboçar uma filosofia da história, e então empenha-se em chamar a atenção
para os fenómenos recorrentes, os ciclos de evolução política, os movimentos de
civilização de grande amplitude. Os efeitos deste género historiográfico são mais ou
menos perniciosos como o testemunham as trágicas transformações da filosofia alemã
do século XIX. A uma escala mais pequena, no género do historiador inglês Arnold
Toynbee, por exemplo, encontram-se numerosos ensaios embelezados de aforismos
explicando o nascimento e a decadência dos impérios, ou seja, os movimentos
periódicos que marcam a expansão e o declínio das grandes potências. O historiador
inglês Paul Kennedy recomeçou este tipo de interpretação na sua obra intitulada
Naissance et déclin des grandes puissances (1988).
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Devemos, porém, ter em conta que as analogias retiradas da experiência histórica são
duvidosas, e as “lições da história” têm muitas vezes uma função ideológica: estão
geralmente ao serviço de projectos políticos conservadores, uma vez que fazem das
experiências passadas o horizonte incontornável do futuro.
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legitimar as suas conquistas através de um discurso revisionista da história. Por
exemplo, actualmente o conflito entre judeus e árabes na Palestina exprime-se através
de visões diferentes da História e dos direitos políticos daí decorrentes. Os sionistas
religiosos fundamentam o seu direito político nas profecias bíblicas. Os seus
arqueólogos não param de escavar em Jerusalém e na terra da Palestina, no sentido de
reencontrarem os testemunhos dessa história. Os árabes, por seu turno, fundamentam os
seus direitos políticos em mitos espirituais, históricos e políticos não menos
importantes, ao afirmarem os laços não menos reais com esse país.
A História Diplomática
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A diplomacia tem a sua linguagem, as suas convenções, os seus ritos. Ela serve-se
geralmente de ministérios formados por um pessoal que tem os seus próprios hábitos,
fundados em velhas tradições.
A Economia Política
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O Direito e as Instituições
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Em conclusão, assiste-se, hoje em dia, a um interesse renovado do papel das normas e
das instituições na evolução das Relações Internacionais.
A noção de “teoria” utilizada neste contexto pressupõe uma ambição científica: explicar
de maneira rigorosa a dinâmica das Relações Internacionais, descobrir as forças e as
estruturas que determinam as relações entre os principais actores da cena mundial e
eventualmente prever a sua evolução.
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A Teoria das Relações Internacionais, talvez devido ao facto de ter nascido no
ambiente cultural dos Estados Unidos, foi disputada pela oposição entre os adeptos das
correntes procedentes do positivismo ou do empirismo e os adeptos de uma linha
politológica clássica, marcada pela tradição da filosofia, pela hermenêutica weberiana
ou pela dialéctica marxista.
A tradição positivista
O primeiro tipo de investida teórica era muito mais ambicioso e aqueles que o
subscrevem procuram as relações de causalidade entre os factos sociais, com o
objectivo de resgatar as leis análogas àquelas que vigoram na explicação científica dos
fenómenos naturais. Eles pretendem formular as hipóteses susceptíveis de
procedimentos de verificação ou de invalidação enunciadas em termos matemáticos e
universalmente aceitáveis. Pretendem construir variáveis quantificáveis.
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revogadas ou confirmadas, no sentido de se alargar o campo do conhecimento científico
neste domínio. Pelo contrário, uma proposição de tipo normativo e não científico parece
não ser susceptível de verificação empírica.
Os adeptos das abordagens clássicas foram acusados por este empiristas de oferecer
quadros de análise pouco rigorosos, frequentemente de natureza ideológica. Eles, por
sua vez, responderam denegrindo, desacreditando a visão limitativa e errónea das
ciências sociais proposta pelos “quantitativistas”, sobretudo sublinhando a pobreza dos
seus resultados. Estes últimos eram efectivamente insignificantes. Os adeptos desta
corrente nas Relações Internacionais serviram-se não só da formulação teórica, mas
também dos métodos da ciência. Eles acumulam factos, frequentemente sem se
preocuparem em definir os conceitos e as hipóteses que justificam a sua investigação.
Debruçam-se sobre pequenos objectos permitindo estabelecer correlações simples,
como se do resultado destas pesquisas devesse surgir a resposta a questões mais vastas.
Este tipo de procedimento manifesta geralmente erros grosseiros na conceptualização
dos problemas a resolver. Quando o politólogo americano Karl Deutsch fez a avaliação
de um processo de integração, ao quantificar, no âmbito da comunicação, todo o tipo de
mensagens que atravessavam as fronteiras de vários Estados, ele mais não fez que
demonstrar a fraqueza da sua própria reflexão conceptual e metodológica. O mesmo se
aplica aos seus quadros mensuráveis do poder de um Estado.
Muitos autores acreditaram ser possível desenvolver uma pesquisa científica alinhando
correlações arbitrárias entre os factos, para explicar os fenómenos recorrentes da
política internacional.
A procura do sentido
Os adeptos das correntes clássicas consideram que os factos sociais se ocultam, a maior
parte das vezes, nas tentativas de os circunscrever por procedimentos de pesquisa
estritamente científicos, análogos aos que vigoram para a apreensão dos fenómenos
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naturais. Eles afirmam que os esforços que visam a construção dos modelos explicativos
inspirados pelo modelo das ciências naturais, determinando as variáveis a ter em
conta, estabelecendo correlações entre estas variáveis, e utilizando a realidade social
como laboratório para testar as hipóteses, revelaram-se enganadores, ilusórios. Os
factos não existem em si, fora dos quadros conceptuais que permitem apreendê-los. Os
dados empíricos, as correlações entre estes dados, não trazem nenhuma explicação dos
fenómenos políticos e sociais.
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distância e a imparcialidade não são qualidades mais úteis à investigação que a empatia,
a compreensão no sentido weberiano do termo.
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Certos sistemas de explicação tendem à construção de factos que escapam
efectivamente à evidência do senso comum. Quando os estruturalistas se esforçam por
procurar sistemas de relações socialmente determinantes, rejeitando como anedóticos
outros factos que apareciam como mais importantes numa primeira abordagem, eles
estão a exprimir uma escolha hermenêutica, que tende a privilegiar fenómenos que não
teriam sido assinalados num outro sistema de interpretação. A teoria freudiana não
constroi os mesmos factos que a sociologia weberiana ou marxista.
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Philippe Braillard, na sua obra intitulada Teorias das Relações Internacionais, fez a
distinção entre teorias gerais das Relações Internacionais e teorias parciais. As
primeiras pretendem fornecer um quadro conceptual explicativo da dinâmica das
Relações Internacionais no seu conjunto, enquanto que as segundas pretendem explicar
um acontecimento ou um processo particular.
Os paradigmas
Com excepção dos períodos de ruptura epistemológica, pode dizer-se que existe um
acordo mais ou menos geral, no seio da comunidade dos investigadores, sobre a escolha
dos problemas mais importantes, bem como sobre a forma de se aplicar a razão à
investigação dos mesmos. Segundo Thomas Kuhn, esta convergência exprime-se na
noção de paradigma, que representa a tradição de pesquisa de uma dada comunidade
científica. No estudo das Relações Internacionais, a diferença entre paradigmas
exprime-se antes de mais através da especificidade dos conceitos enunciados, bem
como da escolha das variáveis estruturais tomadas em conta para compreender a
dinâmica das Relações Internacionais.
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Os adeptos destes diferentes quadros conceptuais não divergem sobre os principais
fenómenos das Relações Internacionais, mas sim sobre a interpretação a dar às suas
causas.
De acordo com determinados autores, uma era científica particular é caracterizada por
um paradigma dominante, ou seja, um determinado modelo dentro do qual as maiores
escolas trabalham e desenvolvem as suas teorias. Deste modo, o desenvolvimento
cronológico das Relações Internacionais, como uma disciplina académica, é
normalmente apresentado como uma série de paradigmas, desde o Idealismo e do
Realismo até ao Behaviorismo, e por aí fora, intercalados por épocas de “crises de
paradigmas”, especialmente quando uma dada abordagem dominante é desafiada por
outra. Estes períodos são normalmente representados por grandes debates na disciplina,
bem como pelos debates inter-paradigma, ocasionados pelos desafios que a teoria crítica
coloca às visões ortodoxas das Relações Internacionais.
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De acordo com Max Gounelle, na sua obra Relations Internationales, as Relações
Internacionais definem-se como as relações e os fluxos sociais de toda a natureza, que
atravessam as fronteiras, escapando deste modo ao domínio de um único poder estatal.
Segundo o autor, é um critério de localização política que permite determinar se, em
presença de uma dada relação social, ela pertence ou não ao campo das Relações
Internacionais.
Para Max Gounelle, durante muito tempo, as Relações Internacionais mais não foram
que relações de vizinhança. Nessa época, o príncipe, o soldado e o diplomata eram
figuras emblemáticas. No entanto, essas relações acabariam por se intensificar e
diversificar, passando de meras relações esporádicas a relações com carácter
permanente (podendo datar-se o aparecimento das embaixadas permanentes desde o
século XVI).
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objectivos de cooperação, e até mesmo de unificação, no seio da sociedade
internacional.
Max Gounelle considera ainda que, os fenómenos do poder são o objecto privilegiado
da ciência das Relações Internacionais, bem como da Ciência Política, esta última
limitada aos problemas nacionais. Somente o campo geográfico é que é diferente,
existindo um estreito laço entre a Ciência Política e as Relações Internacionais,
reforçado por uma interacção permanente entre os fenómenos políticos nacionais e os
fenómenos políticos internacionais.
Deste modo, será através da Ciência Política que terão de se encontrar os quadros
conceptuais e os métodos que permitam compreender as características das Relações
Internacionais e que possam fornecer os meios para uma análise sistemática dos
principais fenómenos que marcam a sua evolução.
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Neste seguimento, também Daniel Colard, na sua obra Les Relations Internationales de
1945 à nos jours, assume que o objecto das Relações Internacionais é o mesmo da
Ciência Política.
Contudo, segundo Colard, os politólogos dividem-se em duas escolas, ou seja, para uns
a politologia é a ciência do Estado, para outros ela é a ciência do Poder. Para este autor,
é necessário distinguir ciência política interna de ciência política externa. A primeira
dirá respeito ao estudo dos problemas nacionais, a segunda respeitará aos problemas
internacionais.
Também para ele, o que se altera é o campo geográfico, uma vez que, o objecto e os
métodos são idênticos, tanto mais que existe uma interacção constante entre os
fenómenos internos e os externos.
Em suma, e para simplificar, como assume Daniel Colard, dir-se-á que o estudo das
Relações Internacionais engloba as relações pacíficas ou belicosas entre os Estados, o
papel das organizações internacionais, a influência das forças transnacionais, bem
como o conjunto das trocas ou actividades que ultrapassam as fronteiras estatais.
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À imagem da Ciência Política, as Relações Internacionais são uma “ciência
encruzilhada”. Os fenómenos políticos são os mais complexos que existem, porque
tratam ao mesmo tempo da trama das sociedades e do carácter dos indivíduos. Vêem
entrechocar-se a regularidade dos fenómenos sociais e a singularidade do acaso e da
sorte pessoal. Combinam o mecanismo das forças e das paixões, mas também das
regras, dos costumes sociais e das culturas. Apelam às convicções, às crenças e às
ideologias, mas também às necessidades e ao peso das coisas.
Isto equivale a dizer que os fenómenos políticos nunca poderão ser completamente
compreendidos, por mais fina que possa ser a sua análise. Que pensar então dos
fenómenos internacionais que, por natureza, ultrapassam as fronteiras de todas as
sociedades políticas ?
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tal que criou ensinos particulares: a História das Relações Internacionais e a
Sociologia das Relações Internacionais.
Neste sentido, podemos afirmar que não pode existir teoria científica das relações
internacionais. É evidente que a análise científica da sociedade internacional realizou
progressos consideráveis com o aparecimento da Sociologia das Relações
Internacionais. Mas esta contribuição científica desaguou apenas em teorias limitadas,
que permitiram iluminar alguns domínios particulares das relações internacionais tais
como a elaboração da política externa, a dinâmica da corrida aos armamentos, o
decorrer de uma crise, a negociação.
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O fracasso dos defensores de uma Teoria Científica Geral das Relações Internacionais,
deve-se ao erro de querer organizar a teoria em torno de um conceito-chave, o poder ou
o interesse nacional. Ora, a sociedade internacional não é dominada só por um
elemento, mesmo que o interesse nacional, por exemplo, continue a ser um elemento
essencial das Relações Internacionais.
À primeira vista, ninguém pode dar com precisão a explicação definitiva de uma
situação internacional. Não podemos ter qualquer certeza científica neste domínio. Um
conflito armado, por exemplo, pode explicar-se pela teoria do imperialismo, pela
afirmação do carácter agressivo de um dado poder, pela análise das relações entre os
povos ou ainda pela afirmação do temperamento agressivo do homem de Estado, mas
também pela combinação e todos estes factores.
Dito isto, seria completamente errado pensar que as Relações Internacionais podem
passar sem uma Teoria; encontramos então o segundo sentido do conceito de Teoria.
Retomemos a análise de Maurice Duverger: “Em vez de procurar atingir uma
objectividade e uma neutralidade que são inacessíveis no estádio actual do
desenvolvimento das ciências sociais, o sociólogo deve estar consciente da
impossibilidade de passar sem ideologias, a fim de delimitar a deformação que daí
resulta. Isto implica, em primeiro lugar, que ele esteja consciente da sua própria
ideologia e que a confesse. Em seguida, implica que tenha em conta não só a sua própria
ideologia, mas outras, para poder construir as suas hipóteses e as suas teorias.”
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Uma teoria política nunca pode ser verificada; só se pode rejeitar uma teoria em nome
de outra teoria. Devemos então falar de teoria “filosófica”, no sentido em que Stanley
Hoffmann faz a distinção entre “a teoria empírica, virada para o estudo de fenómenos
concretos, e a teoria filosófica, virada para a realização de um ideal ou um julgamento
da realidade em nome de certos valores, ou a descrição da realidade baseada numa
concepção a priori da natureza do homem ou a de diversas instituições.”
Convém reter esta última concepção: a teoria filosófica é uma concepção a priori da
natureza das instituições sociais que mistura reflexão, observação, convicção e intuição.
A teoria filosófica é constituída por todas as interrogações, assim como por todas as
proposições gerais que misturam a doutrina, a reflexão e a hipótese relativas à natureza
da sociedade internacional. A teoria filosófica é chamada “teoria política” no domínio
da ciência política.
A ciência política contemporânea usa hoje esta expressão, não para evocar a ideia de um
sistema de explicação científica das sociedades, mas sim para falar das doutrinas
relativas à natureza dos sistemas sociais.
A Teoria coloca estas questões, bem como muitas outras, tentando dar-lhes uma
resposta; é levada a formular conceitos e “sistemas conceptuais” (Raymond Aron).
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sua vez a elaboração de leis e de teorias parciais de natureza sociológica, porque a
análise sociológica não se pode fazer sem o atalho da teoria.
Em conclusão, poder-se-á dizer que as Relações Internacionais devem ser abordadas por
três prismas: a Teoria, a Sociologia e a História. Pela Teoria, a ciência das relações
internacionais interroga-se sobre a natureza e as competências fundamentais da
sociedade internacional. Pela Sociologia, interroga-se sobre as regularidades da
sociedade internacional. Pela História interroga-se sobre o desenrolar da vida
internacional e a transformação da sociedade internacional.
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PARTE II – A GLOBALIZAÇÃO DO MUNDO POLÍTICO
1 - Introdução
Importará referir que o nosso interesse é na política e padrões políticos do mundo, e não
só aqueles entre Estados-nações (como o termo política internacional implica).
Deste modo, estamos interessados nas relações entre organizações que podem, ou não,
ser Estados (como por exemplo, companhias multinacionais, grupos terroristas, ONG's).
Por outro lado, o termo Relações Internacionais parece demasiado exclusivo. É certo
que ele representa um vasto campo dos nossos interesses, no que se refere às relações
políticas entre Estados-nação, mas continua a restringir a nossa análise para “relações
inter-nacionais”. Neste sentido, pensamos que as relações entre, digamos, cidades e
outros governos ou organizações internacionais podem ser igualmente importantes.
Então preferimos caracterizar as relações em que estamos interessados como Relações
da Política Mundial, com a importante salvaguarda de que não queremos definir política
em sentido estrito. O nosso objectivo é então com os padrões das relações políticas,
definidos em sentido lato, que caracterizam o mundo contemporâneo.
O problema básico que qualquer pessoa enfrenta ao tentar perceber a política do. mundo
contemporâneo é o facto de que existe tanto material para olhar, que se torna difícil
saber aquele que interessa ou não. Assim sendo, por onde é que se começaria se se
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quisesse explicar os processos políticos mais importantes? Quando os indivíduos são
confrontados com este tipo de situação surge a necessidade de se recorrer a teorias,
mesmo que inconscientemente.
Uma teoria não é só um modelo formal com hipóteses e assunções, é antes de mais um
sistema que simplifica o nosso estudo e que permite decidir quais os factos que
efectivamente interessam ou não. Uma boa analogia seria a de uns óculos de sol com
lentes de várias cores. Colocas o par de óculos vermelho e o mundo parecer - te-á
vermelho, o amarelo e o mundo parecer-te-á amarelo. O mundo não é diferente, apenas
parece diferente. É o que acontece com as teorias. Neste sentido, vamos, de uma forma
sintética, enunciar os três principais pontos de vista teóricos que dominaram o mundo
político, para ficarmos com uma ideia das cores com que é pintado.
Desde sempre que teóricos e pensadores tentaram dar sentido à política do mundo, mas
mais particularmente desde que a disciplina académica Política Internacional foi criada
em 1919, quando o Departamento de Política Internacional foi formado em
Aberystwyth. É curioso referir que o homem que criou este departamento, um industrial
chamado David Davies, viu o seu objectivo no sentido de ajudar a prevenir a guerra. Ou
seja, estudando política internacional, os académicos conseguiam encontrar as causas
dos principais problemas do mundo e apontar soluções para ajudar os políticos a
resolvê-los, nos 20 anos que se lhe seguiram, a disciplina foi marcada por tal
compromisso de mudar o mundo. Isto é conhecido como sendo uma posição normativa,
onde a função do estudo académico tinha o propósito de tornar o mundo um lugar
melhor. Os seus oponentes caracterizaram-no como Idealismo, no qual se tinha o ponto
de vista do que o mundo deveria ser, tentando apoiar e fomentar eventos para que isso
acontecesse. Por seu turno, os seus oponentes preferiram uma aproximação a que
chamaram Realismo, o qual procurou ver o mundo como ele realmente era, em vez de o
ver como ele deveria ser. E, o mundo como ele é na realidade não era visto pelos
realistas como um local agradável; os seres humanos são egoístas e provavelmente pior
ainda. Noções como a perfeição nos seres humanos e a possibilidade de um
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desenvolvimento da política mundial pareciam um pouco inatingíveis. Este debate entre
o Idealismo e o Realismo continuou até aos dias de hoje, mas será razoável dizer que o
Realismo tende a superiorizar-se. A causa principal é a de estar mais relacionado com o
senso comum do que o Idealismo, especialmente quando os meios de comunicação nos
bombardeiam diariamente com imagens de quão maus os seres humanos podem ser.
Certo é que o Realismo foi o caminho dominante para explicar a política mundial nos
últimos cem anos. O que vamos agora fazer é sumariar os principais pressupostos sobre
o Realismo e depois fazer o mesmo para os seus rivais enquanto teorias da política
mundial, isto é, o Liberalismo e a Teoria do Sistema-Mundo.
Para os Realistas os principais actores no palco do mundo são os Estados, que são de
facto actores soberanos. Soberania significa que não existe outro actor acima do Estado
que o possa obrigar a agir de determinada forma.
Outros actores como corporações multinacionais ou OIG's, têm todos que actuar no
âmbito das relações inter-estaduais. Os Realistas vêem a natureza humana como o
factor central para a actuação dos Estados no sistema internacional. Para eles a natureza
humana é sempre a mesma e terrivelmente egoísta. Pensar de outra forma é errado, e foi
esse o erro que os Realistas acusaram os Idealistas de terem cometido. Como resultado,
a política mundial (ou mais precisamente para os Realistas, a política internacional)
representa uma luta pelo poder entre Estados, cada um tentando maximizar os seus
interesses nacionais. De tal ordem que, o que existe na política mundial é resultado da
actuação de um mecanismo conhecido por balança de poder, onde os Estados agem de
forma a prevenir o domínio de um outro Estado. Então, a política mundial está
relacionada com trocas/cedência, com alianças, com diplomacia, a chave secreta para
contrabalançar vários interesses nacionais, mas, finalmente também, com a mais
importante ferramenta disponível para implementar a política externa dos Estados, a
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força militar.
Concluindo, uma vez que não existe uma instância soberana acima dos Estados que
regule o sistema político internacional, a política mundial é então um sistema de auto-
suficiência, no qual os Estados devem confiar nos seus próprios recursos militares para
atingir os seus fins. Frequentemente estes fins podem ser atingidos através da
cooperação, mas o potencial para o conflito está sempre presente.
Os Liberais têm um ponto de vista diferente no que se refere à política mundial e, tal
como os Realistas, têm uma longa tradição. Há pouco falamos do Idealismo e esta foi
realmente uma versão extrema do Liberalismo.
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perspectiva fundamental é a da alteração da configuração internacional, na qual a
cooperação possa ser atingida mais facilmente. A imagem da política mundial que
resulta do ponto de vista Liberal é um sistema complexo de cooperação e partilha entre
os diferentes tipos de actores. A força militar continua a ser importante, mas a agenda
Liberal não é tão restrita como a do Realismo. Os Liberais vêem os interesses nacionais
muito mais do que em termos militares, e realçam a importância dos temas económicos,
ambientais e tecnológicos. A ordem na política mundial emerge não só por um
equilíbrio do poder, mas também como o resultado de interacções a muitos níveis de
organizações governamentais, fazendo leis, acordando normas, regimes internacionais e
regras institucionais. Os Liberais não pensam que a soberania é tão importante na
prática como os Realistas pensam que é na teoria. Os Estados podem ser soberanos, mas
na prática eles têm que negociar com todos os tipos de actores, demonstrando que a sua
liberdade para actuarem como eles desejam é seriamente retalhada. A interdependência
entre Estados é uma característica extremamente importante da política mundial.
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que se refere à liberdade que os actores como os Estados têm, mas todos concordam que
a economia mundial afecta a liberdade de manobra destes actores.
Mais do que uma área de conflitos entre interesses nacionais ou uma área com
numerosos e diferentes tipos de interesses, os teóricos do Sistema-Mundo concebem a
política mundial como uma área onde o que está em jogo é o conflito entre classes. Do
mesmo modo, no que se refere à ordem da política mundial, os teóricos do Sistema-
Mundo pensam prioritariamente mais em termos económicos do que militares.
Estas três perspectivas teóricas foram as principais teorias usadas para a compreensão e
explicação da política mundial. À primeira vista cada uma delas parece fornecer uma
boa explicação de alguns aspectos da política mundial. Isto porque as três teorias, mais
do que diferentes visões do mesmo mundo, são três visões de mundos diferentes. Cada
uma delas centra-se em diferentes aspectos da política mundial: o Realismo nas relações
de poder entre os Estados; o Liberalismo num conjunto mais alargado de interacções
entre actores estatais e não-estatais; a Teoria do Sistema-Mundo nas questões da
economia mundial. Assim sendo, cada uma destas teorias vê a Globalização de modo
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diferente.
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do mundo. De facto, muitos autores argumentam que é meramente um novo nome para
uma questão já antiga. Assim, ao julgarmos a globalização como uma nova fase na
história do mundo ou meramente como a continuação de processos que têm existência
há já algum tempo, importará notar que tem havido vários percursores da globalização.
Noutras palavras, a globalização tem características semelhantes no minímo com nove
factores do mundo político, discutidos por determinados autores antes do período
contemporâneo.
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Terceiro, há a importante literatura que emerge do paradigma liberal discutido
anteriormente. Especificamente, existiam muitos trabalhos influentes sobre a natureza
da interdependência económica (Cooper, 1968), o papel dos actores transnacionais
(Keohane e Nye 1971) e o resultante modelo da “teia-de-aranha” do mundo político
(Mansbach, Ferguson e Lampert 1976). Muita desta literatura antecipou os principais
temas teóricos da globalização, embora, uma vez mais, isto tenda a ser aplicado muito
mais ao mundo desenvolvido do que no caso da globalização.
Sexto, nos anos 60, 70, e 80, surgiu o trabalho visionário daqueles associados ao
Projecto dos Modelos da Ordem Mundial, uma organização criada em 1968 para
promover o desenvolvimento de alternativas ao sistema inter-estatal, que resultaria na
eliminação da guerra. O ênfase era colocado na questão do governo global, que é hoje
uma questão central em muitos dos trabalhos sobre a globalização.
38
dos séculos de um conjunto de normas e entendimentos comuns entre chefes de Estado,
que o leva a afirmar que eles efectivamente formam uma sociedade e não meramente
um sistema internacional.
5 - Definição de Globalização
39
humana se realiza num mundo visto cada vez mais como um só lugar. As relações
sociais são cada vez mais conduzi das e organizadas na base de uma unidade planetária.
As localizações dos países e as fronteiras entre Estados territoriais estão a tomar-se cada
vez menos importantes para a nossa vida, apesar de continuarem significativas.
“Globalização pode ser definida como a intensificação das relações sociais mundiais
que ligam localidades distantes de uma tal forma que acontecimentos locais são
formados por acontecimentos que ocorrem a milhares de kms de distância”
(Anthony Giddens, 1990)
40
“As características da Globalização incluem a internacionalização da produção, novos
movimentos migratórios do sul para o norte, um novo ambiente competitivo que acelera
estes processos e a internacionalização do Estado, tomando os Estados em agências do
mundo globalizado.”
(Robert Cox, 1994)
“O mundo está a transformar-se num centro comercial global, onde as ideias e os
produtos estão disponíveis em todo o lado ao mesmo tempo.”
(Rosabeth Moss Kanter, 1995)
A nossa tarefa final neste texto é oferecer-lhes um resumo dos principais argumentos a
favor e contra a Globalização.
41
local podem ser imediatamente observados do outro lado do mundo. As comunicações
electrónicas alteram as nossas noções dos grupos sociais onde trabalhamos e vivemos.
3 - Há, agora, mais do que nunca, uma cultura global, no sentido de que muitas áreas
urbanas se parecem umas com as outras. O mundo partilha uma cultura comum, muito
da qual proveniente de Hollywood.
8 - Uma cultura de risco está a emergir com pessoas realizando-se mutuamente, onde
os principais riscos que enfrentam são globais (poluição e SIDA) e onde os Estados são
incapazes de lidar com os problemas.
Contudo, tal como há fortes razões para ver a globalização como uma nova fase na
política mundial, muitas vezes aliada à visão de que a globalização é progressiva, isto é,
que melhora a vida das pessoas, há também argumentos que sugerem o oposto. Alguns
dos principais argumentos contra são os seguintes:
42
1 - Uma óbvia objecção à tese da globalização é a de que é um mero termo para denotar
a última fase do capitalismo. Numa poderosa crítica da teoria da globalização, alguns
autores argumentam que um efeito da tese da globalização é que faz parecer que os
governos nacionais são impotentes no quadro das tendências globais. Isto acabou por
paralisar as tentativas governamentais para sujeitar as forças económicas globais a um
controlo e regulamentação. Eles concluíram que a versão extrema da globalização é um
“mito” e suportam esta reivindicação com cinco principais conclusões, a propósito dos
seus estudos da economia mundial contemporânea:
Finalmente, eles argumentam que este grupo de três blocos podia, caso coordenassem
políticas, regular as forças e os mercados económicos globais.
2 - Outra objecção óbvia é que a globalização é muito desigual nos seus efeitos. Parece
43
ser uma teoria ocidental aplicável só numa pequena parte da humanidade. Noutras
palavras, a globalização só apela para o mundo desenvolvido. No resto do mundo, não
há globalização. Estamos em perigo de exagerar a extensão e a profundidade da
globalização.
3 - Outra objecção é a de que a globalização pode simplesmente ser a fase mais tardia
do imperialismo ocidental. É a velha teoria de modernização. As forças que estão a ser
globalizadas são aquelas que são encontradas no mundo ocidental. E sobre os valores
não - ocidentais? Onde é que eles encaixam neste mundo global emergente? O problema
é que não encaixam de todo, e o que está a ser celebrado na globalização é o triunfo da
visão ocidental do mundo, em detrimento de outras visões mundiais de outras culturas.
5 - Precisamos também fazer notar que nem todas as forças globalizadas são
necessariamente boas forças. A globalização facilita a actuação dos cartéis de droga e
dos terroristas, e a anarquia da internet levanta questões cruciais de censura e prevenção
do acesso a certos tipos de material.
44
apresentado algumas das taxas de crescimento mais elevadas na economia internacional,
mas subscrevem muito diferentes valores “Asiáticos”. Estas nações enfaticamente
rejeitam os valores Ocidentais, e, no entanto, tiveram um enorme sucesso económico. O
paradoxo é saber se estes países podem continuar a modernizar-se sem adoptar os
valores Ocidentais. Se isto for verdade, como é que fica o principal argumento da
globalização, que afirma a expansão de determinados valores através do globo? Se estes
países continuarem a seguir as suas próprias vias para a modernização económica e
social, então devemos antecipar disputas futuras entre os valores “Ocidentais” e os
“Asiáticos”, sobre questões como os direitos humanos, religião (...).
Seja como for a Globalização constitui uma nova fase do mundo político, e quer a
pensemos como um positivo ou negativo estádio de desenvolvimento, ela está presente,
45
competindo-nos a nós reflectir e decidir sobre a mesma.
46
7. - O terrorismo
1. Introdução
De uma certa forma, pode-se sempre vir a ser um terrorista para alguém. Com efeito,
em certas configurações políticas ou militares, um actor poderá ser um terrorista para
uns e um herói ou resistente para outros. Sendo esta qualificação um meio de
desqualificação, ela torna-se uma dupla e poderosa arma política: o adversário chamado
de “terrorista” não tem o direito a ser levado em consideração e é relegado para um
nível infra-político, de onde se excluem todas as regras do jogo político.
47
definição, excluído. Como o actor qualificado de terrorista não existe politicamente,
torna-se legítimo tudo tentar para impedir o seu aparecimento e acção.
Nesta lógica, não se discute com um terrorista, combatemo-lo. Este método de acção
permite condenar moralmente aquele contra o qual se combate. Em certos casos, isto
corresponde à realidade, quando, por exemplo, o combate é travado contra homens
prontos a tudo em nome de sistemas ideológicos totalmente sectários, mas, noutras
situações, o terrorista pode ser, para os seus, um verdadeiro combatente, um resistente
que se bate por uma causa absolutamente legítima, mas que o adversário entende
desconsiderar.
Este método releva, assim, de uma amálgama tanto mais fácil de elaborar quanto a
fronteira entre estas diferentes hipóteses é extremamente fluída, tendo até existido, em
certas épocas, algumas cumplicidades entre organizações isoladas e movimentos muito
mais enraizados, por exemplo, nos anos sessenta, entre certos grupos europeus e os
palestinianos.
O termo terror é muito mais antigo e designa um medo extremo que perturba, paralisa
ou enlouquece. Expressões como “gelado de terror” ou “morto de terror” mostram bem
o que tal implica no plano psicológico.
2. O que é o Terrorismo ?
48
O Terrorismo é “o uso da violência com o propósito de exercer uma extorsão, coacção e
publicidade para uma causa política.” Esta definição sugere que o Terrorismo resulta, no
mínimo, da combinação de três a quatro elementos, a saber:
Inclui a ameaça ou o uso real da violência não convencional desenvolvida tanto
para atacar, como para obter publicidade ou causar o terror;
Caracteriza-se por uma violência motivada politicamente;
A natureza quase incidental dos objectivos contra os quais se orienta e executa a
violência; as vítimas, sejam as pessoas, sejam os bens, têm uma relação indirecta
com os grandes objectivos que orientam tal violência;
A tendência de quem exerce o terrorismo ser um actor não estatal, isto é,
“grupos marginais”, a quem se nega um estatuto legítimo e que buscam afectar
ou subverter uma certa forma de ordem estabelecida.
Os países ocidentais, Médio Oriente e América Latina são os principais focos dos
ataques terroristas e os bens e cidadãos dos EUA continuam a ser objectivos
49
primordiais. Os actos terroristas resultam, geralmente, em poucas baixas humanas,
apesar da terrível natureza do fenómeno.
Se bem que os terroristas em geral consigam alcançar alguns êxitos nas suas metas
imediatas, as suas grandes aspirações raramente são plenamente obtidas. Estas podem ir
desde a criação de um país próprio, até à transformação da ordem política e económica
mundial.
50
Outro campo de cooperação multilateral tem a ver com o facto de se compartilhar os
recursos policiais e as tecnologias de vigilância. Existe um amplo e difundido interesse
entre os governos em limitar o potencial dos ataques terroristas do tipo nuclear e de
outros conducentes a destruições maciças.
3 – A definição de Terrorismo
Para Raymond Aron, uma acção violenta é denominada de terrorismo quando os seus
efeitos psicológicos ultrapassam em muito os seus resultados puramente físicos.
Esta definição não se pode, contudo, separar das circunstâncias históricas, às quais o
autor de refere (a II Guerra Mundial e a guerra da Argélia), acrescentando que, neste
sentido, os atentados ditos indiscriminados dos revolucionários são terroristas, como o
foram alguns bombardeamentos anglo-americanos de determinadas zonas.
Para ele, o essencial está nesta dimensão psicológica: o acto cometido impressiona e
afecta fortemente os espíritos em condições que variam de acordo com os contextos.
Na medida em que as vítimas do terrorismo não tenham nada a ver com o conflito que
está na origem desses actos, a fórmula parece pertinente; mas tal abordagem torna-se
frágil quando as próprias operações de guerra também provocam a morte de civis
inocentes.
51
Por outro lado, importa sobretudo sublinhar a subjectividade do autor que não aceitaria
certamente, por exemplo, que o bombardeamento da cidade libanesa de Canaa pela
aviação israelita, que fez uma centena de vítimas inocentes em Abril de 1996, fosse
considerado como uma acção terrorista.
Prática de terror como instrumento de acção política, procurando alcançar, pelo uso
da violência, objectivos que poderiam ou deveriam cometer-se ao exercício legal da
vontade política. O Terrorismo caracteriza-se, antes de mais, pela indiscriminação das
vítimas a atingir, pela generalização da violência, visando, em última análise, a
liquidação, desactivação ou retracção da vontade de combater do inimigo
predeterminado, ao mesmo tempo que procura paralisar também a disponibilidade de
reacção da população. (“Terrorismo”, in Polis – Enciclopédia Verbo do Direito e do
Estado, V volume, col. 1196)
O Terrorismo pode ser definido como uma intimidação coerciva ou como o uso
sistemático do assassínio, violência, destruição ou medo, para criar um clima de terror,
no sentido de chamar a atenção para uma causa ou coagir um alvo inimigo.
(“Terrorism”, in Vernon Bogdanor (ed.), The Balckwell Encyclopedia of Political
Institutions, Oxford, 1987, p. 608)
52
A definição de Paul Wilkinson é mais precisa, uma vez que, para ele, o terrorismo é o
uso sistemático de uma violência política por pequenos grupos conspiradores, cujo
objectivo é influenciar as posições políticas muito mais do que destruir materialmente o
inimigo. A intenção da violência terrorista é psicológica e simbólica. Aqui encontramos
elementos importantes, já mencionados, como a dimensão psicológica do acto.
Todavia, a sua análise dos actores parece-nos redutora, uma vez que só se refere a
“pequenos grupos conspiradores”, deixando de fora, por exemplo, os movimentos de
libertação, que também recorrem a acções deste tipo e até os Estados que possam agir
desta maneira.
4 - Os Actores
53
4.1 - Os Movimentos de Libertação
Com algumas diferenças de acordo com as situações, estes movimentos eram, na maior
parte dos casos, organizações populares mais ou menos bem implantadas no seio da
população, em nome da qual pegavam em armas, como, por exemplo, nos seguintes
casos:
FLN na Argélia;
OLP na Palestina;
FNL no Vietnam Sul;
PAIGC na Guiné-Bissau;
FPLE na Eritreia; etc.
Alguns integravam numerosos combatentes, outros nem por isso. Todavia, o essencial
não era o número – mesmo constituindo um factor de importância – mas uma certa
representatividade ou, como defendem certos autores, uma certa “densidade social”,
uma vez que, mesmo pouco numerosos, eles estão enraizados no seu povo, que os
reconhece como estando fundamentalmente do seu lado, pelo menos até à
independência.
Por outro lado, logo que estes movimentos se transformam em partido único ou
dominante, são frequentes os casos de rupturas profundas entre estes novos poderes e a
maioria da população. Estes movimentos recorrem sobretudo à guerrilha sob todas as
suas formas, isto é, acções de exaustão/esgotamento contra objectivos militares e
económicos do inimigo, evitando operações frontais, nas quais não teriam qualquer
hipótese. Mesmo sendo estas acções quase sempre qualificadas de “terroristas” pelo
54
adversário, elas têm a ver com uma vontade global de combater uma ocupação ou uma
repressão sentida por toda a população ou, em todo o caso, por uma grande maioria
desta população.
Mas, ao mesmo tempo, é claro que em certos momentos deste combate, estes
movimentos possam recorrer a acções de tipo terrorista, nomeadamente quando visam
pessoas inocentes que não estão directamente implicadas no conflito.
O terrorismo substitui, muitas das vezes, a guerrilha, quando esta se torna impraticável
nos casos em que o desequilíbrio das forças é enorme (como, por exemplo, para os
Palestinianos no fim dos anos sessenta).
A noção de Estado terrorista foi muitas vezes utilizada para designar muitos países do
Médio Oriente, que se supunha estarem por trás de muitos dos atentados contra bens e
pessoas no Ocidente: foram os casos da Síria, do Irão, da Líbia e do Iraque.
Se, por um lado, não existem dúvidas que estes Estados, em algum momento, já
recorreram a este tipo de práticas, por outro, a decisão de os designar como Estados
terroristas tem na base múltiplas motivações que, no essencial, têm a ver com os
interesses dos Estados que assim os designam.
Esta designação implica, como vimos, uma condenação que não é de ordem ética –
mesmo que se tente que esta prevaleça –, mas sim política, no sentido maquiavélico do
termo.
A atitude em relação à Síria é um exemplo desta visão: durante anos colocada na lista
dos Estados terroristas, ela foi objecto de sanções internacionais, mas desde que
escolheu o “lado certo” na Guerra do Golfo (e presentemente, no que diz respeito à
55
intervenção americana no Afeganistão), passou a ser vista de outra forma e já se admite
a importância do seu papel no Próximo Oriente.
A noção de Estado terrorista é vaga, tanto mais que o próprio termo “terrorista” nos
coloca perante variadas formas de recurso à violência, no campo específico das
Relações Internacionais, que se caracteriza pela anarquia.
Alguns autores defendem, de uma forma mais global, que um Estado terrorista não é
somente aquele que comanda as acções de terrorismo internacional, mas sobretudo
aquele que utiliza maciçamente a violência no interior do seu próprio território.
Esta utilização sistemática da violência tem como objectivo fazer reinar o terror, não só
no seio de todos os seus opositores (inimigo objectivo), mas também em todos aqueles
que o regime em causa considere como perigosos (suspeito).
Esta forma de terror toma um sentido bem diferente: não diz respeito somente a alguns
indivíduos, mas a categorias inteiras da população; não é uma mera ameaça, mas um
processo organizado, cujo objectivo é esmagar fisicamente toda a oposição que se
afirme ou que seja considerada como tal. Não se trata unicamente de impressionar, mas
de destruir.
56
grupos como a Fracção Armada Vermelha (na RFA), as Brigadas Vermelhas (na Itália)
ou a Acção Directa (em França).
Este tipo de seitas, prisioneiras da sua visão deformada do mundo, já não existem, mas
outros grupos surgiram de uma forma brutal, para fomentar atentados mortíferos um
pouco por todo o mundo: como os GIA (Grupos Islâmicos Armados), que aterrorizam a
população argelina e organizam atentados na França ou como, por exemplo, a Al-Qaeda
com os atentados recentes, de 11 de Setembro de 2001, nos EUA.
Estes grupos, com características diferentes, têm em comum o fanatismo e o ódio que os
conduz ao assassinato indiscriminado. São particularmente perigosos, uma vez que são
capazes de congregar um grande número de militantes prontos a tudo, mesmo a morrer,
bem como são totalmente independentes de qualquer estrutura estatal, mesmo que
possam estar infiltrados ou a ser manipulados por outros actores políticos.
57
5 - Lógicas de Actuação
Esta estratégia indirecta que está na base das lógicas de actuação, nas acções terroristas,
repousa sobre alguns princípios simples.
Desde logo, o da concentração no tempo: uma acção terrorista surge bruscamente num
dado momento e é repercutida nos média e desmesuradamente amplificada.
A concentração no tempo pode resultar não só de uma acção, mas de várias, repartidas
sobre um curto período, cuja duração ninguém conhece. Isto leva-nos ao segundo
princípio: a maximização do incerto.
O acto terrorista é errático (não é fixo, nem regular), aleatório (pode surgir não se sabe
onde nem quando) e insólito (é contrário à ordem e produz uma ruptura na ordem
estabelecida). Provoca inquietude, suscita o medo e alimenta o rumor. A simples
ameaça pode substituir-se à acção propriamente dita e conduzir a fenómenos de psicose
colectiva que os terroristas procurarão explorar da melhor forma.
Como escrevem alguns autores, a vítima, que está geralmente, mas não
necessariamente associada ao alvo, serve de instrumento para transmitir uma
mensagem a este último, para o traumatizar, desmoralizar ou influenciar de uma
maneira ou de outra (Alex Schmid e Janny de Graaf, 1988).
58
A operação terrorista insere-se num processo ligado a uma estratégia mais ou menos
elaborada, dentro de uma certa configuração política sempre marcada por uma relação
de forças extremamente desfavorável.
Em suma, quem leva a cabo este tipo de meios visa um ou mais objectivos: afirmar-se,
destabilizar um regime político ou um processo, pressionar para ganhar vantagem numa
negociação ou vingar-se de qualquer coisa ou de alguém.
59
PARTE III – OS ACTORES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Para os adeptos da escola clássica, que se impôs na Europa desde Hobbes até Raymond
Aron, o facto mais importante foi o da divisão do espaço em colectividades
independentes e soberanas, habilitadas em caso de necessidade a fazerem justiça pelas
próprias mãos. Esta visão conduziu a reservar ao Estado o papel de actor essencial e a
considerar como secundárias as manifestações da actividade internacional que não são
directamente controladas pelos governos. É uma perspectiva que coloca a ênfase na
persistência das relações de força e na questão da ameaça, permanente, que constitui o
recurso à guerra.
O realismo, que preside a esta leitura dos fenómenos internacionais, pode sem dúvida
encontrar muitos argumentos na prática contemporânea. Ele conduz, no entanto, a
negligenciar o papel cada vez mais importante dos actores não-estatais na cena
internacional, como as firmas multinacionais, as organizações internacionais, etc. Esta
corrente tem em conta, de uma maneira satisfatória, os fenómenos de tensão e os
acessos de violência que caracterizam o curso das Relações Internacionais, mas
subestima o interesse dos fenómenos de solidariedade, bem como a erupção das paixões
colectivas, que introduzem nas relações elementos que escapam a toda e qualquer
racionalidade.
60
inspiração na teoria organicista. Longe de tomar o Estado como alvo principal da sua
investigação, esta escola dedicou-se a sublinhar a diversidade dos actores, estatais, mas
também infra e supra-estatais, que intervêm a um título ou outro no jogo das Relações
Internacionais. Mais do que as combinações diplomáticas e militares, estes autores
esforçam-se por analisar o conjunto das interacções entre a pluralidade dos diferentes
actores que eles identificaram. Para tal, alguns recorrem de preferência à análise
quantitativa dos comportamentos e tratam assim os inúmeros dados que lhes são
fornecidos pela observação estatística: a realidade internacional é deste modo
decomposta em inúmeros segmentos a partir dos quais se esforçam para elaborar ou
aperfeiçoar os modelos explicativos ou previsionais.
Outros autores mostram-se mais reticentes a respeito deste método, uma vez que
contestam, não sem alguma razão, a validade de um tratamento quantitativo que se
apoia numa base estatística normalmente com um carácter frágil: os dados são
geralmente fornecidos pelos Estados, que podem muito bem ignorar ou até ter interesse
em camuflar a realidade. Por outro lado, afirmam que o processo indutivo conduz a
multiplicar, numa grande desordem, as observações de um interesse muito desigual, a
partir das quais as realidades elementares se encontram fragmentadas e desfiguradas. É
por isto que eles recorreram à análise sistémica que se propõe a discernir o
funcionamento dos conjuntos e a estudar a sua vida e desenvolvimento nas suas relações
com o ambiente. Esta abordagem, inspirada pelos ensinamentos da biologia e da
fisiologia, não está somente reservada ao estudo das Relações Internacionais, mas
mostra-se particularmente fecunda nesse âmbito (por exemplo, o estudo de um
“sistema” - um Estado ou uma organização- na sua relação com o ambiente).
61
1.1.1- Definição de Estado
O Estado define-se pela reunião de três critérios: um território, uma população (um
povo) e um governo (poder político soberano). Juridicamente, a unidade estatal
distingue-se das outras colectividades territoriais pelo critério da soberania.
Os Estados diferem uns dos outros em razão do seu tamanho, da sua potência, da sua
força militar e da forma do seu governo (regime político).
Um território
Não pode existir Estado sem um território próprio e efectivamente ocupado. A extensão
do território não pode ser um obstáculo à constituição de um Estado e a sua
contiguidade não é essencial. Existem os chamados micro-Estados, cujo tamanho é
reduzido (por exemplo, Antígua com 446 km quadrados e Singapura com 620, situando-
se até entre os 50 mais ricos do Mundo) e os Estados arquipelágicos que podem até ser
extremamente descontínuos (como é o caso da República de Kiribati com uma
superfície de apenas 849 km quadrados, repartidos por cerca de 5000 km do Oceano
Pacífico), mas que nem por isso deixam de ser Estados.
62
O Estado exerce a sua soberania sobre o conjunto do território delimitado pelas suas
fronteiras, ou seja, o espaço terrestre (engloba as propriedades privadas, bem como as
dependências do domínio público, os rios, os lagos, os mares interiores e os canais), o
espaço marítimo (zona adjacente às costas, que se estende às águas interiores, tais como
portos, enseadas e baías, bem como ao mar territorial, situado entre estes últimos e o
alto mar, compreendendo 12 milhas a partir da costa) e o espaço aéreo (o território aéreo
é composto pelo espaço aéreo sobrejacente ao espaço terrestre e ao marítimo, enquanto
que o espaço extra-atmosférico é livre).
Uma população
A identidade jurídica pode ser contestada e por vezes rivalizada por uma identidade
ideológica, como é o caso dos chamados “cidadãos do Mundo”, que recusam a ligação a
uma pátria, ou ainda o caso de certos ideólogos árabes, que desenvolveram a ideia de
uma “nacionalidade árabe”, superior à nacionalidade conferida por cada um dos países
árabes. No entanto, o problema complica-se quando se aborda a questão chinesa, isto é,
Taiwan e a China continental reivindicam uma só nacionalidade para duas entidades
estatais.
63
Cada Estado fixa livremente as regras de aquisição da sua nacionalidade. Porém, três
princípios dominam o conjunto das legislações sobre a questão: nacionalidade por
ascendência ou filiação (jus sanguinis); nacionalidade determinada pelo lugar de
nascimento ou residência (jus soli) ou a combinação das duas.
Um governo
Qualquer Estado é livre de escolher e estabelecer o seu sistema político, como entender.
A única condição que o Direito Internacional impõe ao poder estatal é a da sua
efectividade. O mesmo será dizer que um governo é susceptível de representar
validamente o Estado na condição de que realmente governe. Deste modo, uma
colectividade humana perde o carácter estatal quando desaparece a efectividade do
poder político que a regule (ex: a ex-RDA em 1989).
No plano interno, dizer que o Estado é soberano significa simplesmente que ele tem o
poder de comandar e de decidir em última instância.
64
No plano internacional, a soberania não quer dizer que o Estado não tenha que se
submeter a regras obrigatórias que lhe são superiores. Significa, em vez disso, que o
Estado não é submetido, sem o seu consentimento, a qualquer autoridade ou organismo
que lhe imponha um constrangimento.
65
O princípio da não-intervenção (art.2º, nº7 da Carta da ONU)
Por outro lado, a competência da guerra foi abolida, salvo em caso de legítima defesa
(art.51º).
O princípio da coexistência pacífica entre Estados com regimes sócio - políticos opostos
66
Conceito de origem marxista e mais exactamente leninista, o princípio da coexistência
pacífica foi incorporado pela primeira vez num tratado em 1954 (tratado entre a Índia e
a China, sobre o Tibete). Mais tarde foi retomado pelos Estados socialistas e
apresentado aos Estados capitalistas por Krouchtchev em 1956 (XX Congresso do
PCUS).
67
Princípio do cumprimento de boa-fé das obrigações assumidas em função da
Carta.
68
Do ponto de vista espacial
O modo de produção opõe o “clube dos Estados capitalistas” ao “clube dos Estados
socialistas”.
O antagonismo entre os dois clubes gerou a Guerra-Fria e a política dos blocos, ou seja,
a bipolarização das Relações Internacionais, em torno da ex-URSS e dos EUA. Era o
chamado conflito Leste/Oeste.
69
Do ponto de vista geo-político e geo-económico
Por iniciativa de V. Giscard d’Estaing, em 1975, foi fundado o clube dos Sete Países
mais industrializados, a saber: o Canadá e os EUA, pela América do Norte; a França, a
Itália, a Grã-Bretanha e a RFA, pela Europa ocidental; o Japão, pela Ásia. Depois de
mais de vinte anos os Chefes de Estado ou de Governo (no quadro deste trilateralismo
político-económico) reúnem-se todos os anos em cimeiras, no sentido de concertar
posições sobre as grandes questões económicas e financeiras que se lhes colocam.
Por seu turno, os chamados Estados do “Terceiro Mundo” estão agrupados por
afinidades. O grupo dito dos “77” (actualmente 125) engloba todos os países em vias de
desenvolvimento, mas no seu interior distinguem-se sub-grupos: os NPI ou NIC (Novos
Países Industrializados); os PMA (Países Menos Avançados), etc.
Também neste domínio é possível operar uma tipologia que distingue o clube das
superpotências tecnológicas (ex-URSS, EUA, Japão), o clube dos Estados Europeus
membros do projecto EUREKA, o clube dos Sete da Agência Espacial Europeia (ASE),
etc.
70
Após 1945, na esteira dos acordos de Yalta e Potsdam, a URSS e os EUA criaram
respectivamente as suas próprias esferas de influência. De seguida, após terem
concluído com os seus aliados os tratados de assistência e de defesa, cada superpotência
“tomou as rédeas” da direcção da sua zona, que se transformou em bloco político-
militar e político-económico. Daí resultou um alinhamento dos países protegidos ao país
protector. Como reacção, certos Estados que recusavam a política dos blocos optaram
deliberadamente pelo não-alinhamento, com o objectivo de preservarem a sua
independência. A maior parte desses países não-alinhados pertenciam ao Terceiro
Mundo, haviam acedido à soberania internacional nos anos 50 e 60 e passaram a estar
em maioria na ONU.
71
Pode-se dizer que, a Organização Internacional se distingue da Conferência Diplomática
pelo seu carácter permanente, bem como pela existência de órgãos próprios, dotados de
poderes próprios. O número e a estrutura destes órgãos varia consoante a importância da
Organização, o seu objectivo, bem como a complexidade das suas tarefas.
72
Em 1903, uma vintena de Estados reunidos em Paris adoptaram um Código sanitário
internacional e fundaram o Serviço internacional de higiene pública.
O art.14º do Pacto havia previsto, ao lado dos órgãos políticos (Assembleia, Conselho e
Secretariado), a presença de um órgão jurisdicional, no sentido de regular os litígios
entre os Estados membros: o Tribunal Permanente de Justiça Internacional (TPJI).
73
Paralelamente à SDN e colocada sob a sua égide, a parte XIII do Tratado de Versalhes
instutuía a primeira Organização com vocação verdadeiramente social: a Organização
Internacional do Trabalho (OIT). Esta organização apresentava uma grande
originalidade quanto a sua composição, uma vez que os órgãos principais assentavam
sobre o princípio de uma representação tripartida: delegados governamentais,
representantes dos patrões e representantes dos trabalhadores.
O preâmbulo da OIT estabelecia uma ligação directa entre a salvaguarda da paz mundial
e a manutenção da paz social.
Duas outras iniciativas foram levadas a cabo na mesma época: por um lado, a criação de
uma Comissão Internacional de Navegação Aérea em 1919; por outro lado, a criação de
um Instituto Internacional de Cooperação Intelectual em 1924.
74
UNESCO- Organização para a Educação, Ciência e Cultura;
UPU- União Postal Universal;
UIT ou UTI- União Internacional das Telecomunicações;
BIRD- Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento;
IDA ou AID- Ajuda Internacional ao Desenvolvimento;
SFI- Sociedade Financeira Internacional;
FMI- Fundo Monetário Internacional;
OMC- Organização Mundial do Comércio.
Este fenómeno tem, portanto, uma dimensão mundial e regional, afectando a América
latina, a Ásia, a África e o Médio-Oriente.
75
Os Estados africanos e latino-americanos aspiravam ainda ao sonho da unidade política,
e até mesmo da comunidade cultural (OEA; OUA).
Poder-se-á então dizer que os factores políticos tinham primazia sobre os factores
económicos e técnicos (por exemplo, a OPEP fundada em 1960 só será activada em
1970-73).
Além de tudo isto, as economias dos países do Terceiro Mundo eram frequentemente
muito mais concorrentes do que complementares.
Em 1989, duas novas Organizações Intergovernamentais viram a luz do dia, por razões
simultaneamente políticas e económicas. Para equilibrar o peso do Conselho de
Cooperação do Golfo, criado em 1981, foi criado o Conselho de Cooperação Árabe
(CCA), agrupando o Egipto, o Iraque, a Jordânia e o Iémen. Por outro lado, em
Marraqueche, era fundada a 17 de Fevereiro a União do Grande Magrebe Árabe
(UMA), com a Mauritânia, o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia.
76
Em 1991 assinalava-se o nascimento do MERCOSUL, Mercado Comum agrupando o
Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.
Como o nome indica, as primeiras podem englobar teoricamente todos os Estados, sem
excepção (grandes ou pequenos), na condição que correspondam à definição jurídica de
Estado dada anteriormente. Todavia, isto não implica que toda a entidade estatal tenha o
direito, automaticamente, de entrar numa Organização Internacional. Normalmente, só
se poderá vir a tornar membro desde que se submeta ao procedimento de admissão
previsto pela Carta constitutiva ou participando directamente na fundação da
Organização.
77
Por outro lado, existem Organizações intergovernamentais com uma vocação mais
restrita, ou seja, regional, sendo cada vez mais numerosas. Aqui os Estados agrupam-se
de acordo com afinidades geográficas, económicas, políticas, militares e até mesmo
étnicas. Exemplos:
OUA- Organização da Unidade Africana;
OEA- Organização dos Estados Americanos;
SELA- Sistema Económico Latino-Americano;
CEE/EURATOM/CECA- As Comunidades Europeias;
Conselho da Europa;
UEO- União da Europa Ocidental;
Liga dos Estados Árabes; (…).
Certas Organizações Internacionais têm uma vocação ou uma competência geral, o que
lhes permite ocuparem-se de todas as questões, enquanto que outras têm uma
competência especializada. Daí a oposição entre as Organizações políticas e as
Organizações técnicas. Deste modo, o domínio de acção da ONU é ilimitado: paz,
segurança internacional, descolonização, desarmamento, questões económicas,
cooperação, Direitos do Homem (…), enquanto que a acção, por exemplo, da UNESCO
é limitada à educação, à ciência e à cultura.
Por outro lado, há que distinguir a natureza das funções: de um lado, temos as chamadas
“Organizações de cooperação”, no outro, as ditas “Organizações de gestão”. As
primeiras, a maioria, procuram coordenar a actividade política ou jurídica dos Estados
78
membros (ONU, OUA), enquanto que as segundas estão, pelo contrário, destinadas a
desempenhar uma tarefa específica ou a fornecer certos serviços materiais (Comissões
fluviais, FAO, Agência Espacial Europeia,…). Muitas vezes, as Organizações exercem
simultaneamente funções jurídicas e materiais.
79
A proliferação das Organizações internacionais após a Segunda Guerra Mundial
constituiu um dos marcos mais significativos deste período e ilustra o patente processo
de internacionalização e interdependência do Sistema Mundial.
Outra característica tem sido o seu rápido crescimento e universalização. Contudo, a par
deste fenómeno de multiplicação, tem-se assistido a fenómenos de sobreposição, fusão e
dissolução.
Por um lado, como a resposta encontrada para a insuficiência dos Estados, ou de outras
formas de comunidade política que o precederam no tempo, para suprir as suas
necessidades, o que determinou a necessidade de colaboração com outros actores do
Sistema.
Por outro lado, com fruto da evolução da Diplomacia, que tem vindo a privilegiar o
tratamento multilateral dos problemas, resultado da tomada de consciência dos limites
das acções bilaterais.
80
Assim, uma série de necessidades concretas geradas pela problemática internacional e
pelo progresso científico e tecnológico, contribuíram para estimular a cooperação entre
os Estados, quer no plano da paz, que no plano da cooperação material e técnica.
81
Se as Relações Internacionais são, na sua essência um Sistema Comunicativo, podemos
classificar e diferenciar os seus elementos mais pela sua actividade informativa do que
pela sua personalidade jurídica ou pela sua dimensão territorial.
Não se trata, por isso, de simples fluxos ou transacções comerciais, mas sim de forças
que, ao pretenderem alcançar determinados objectivos, afectam a vida internacional
Este fenómeno não resulta apenas do debilitamento do papel dos actores estatais mas
também do crescimento e intensificação do Sistema Comunicativo Internacional que
incentiva o desenvolvimento das relações internacionais de pessoas, entidades,
associações e agrupamentos com interesses afins ou complementares.
82
No entanto, esta ideia de opinião pública pode ter efeitos na determinação da política
internacional. A opinião pública nacional pode pesar sobre o governo de um país
democrático, dado ser muitas vezes considerada como a prefiguração das orientações do
voto.
Uma mobilização da opinião pública ao nível internacional pode também ter influência
sobre os outros países, se ela ameaçar os seus interesses económicos ou estratégicos.
Podemos, contudo, definir opinião pública num país como a opinião expressa
publicamente (pela imprensa, sondagens, etc.) por um número importante de pessoas (e
não apenas uma opinião individual), sobre uma questão de interesse geral (que diz
respeito a uma opção política, económica, social, etc.).
A análise do papel da opinião pública não tem, efectivamente, sentido real, senão num
regime democrático, em que a legitimidade das decisões políticas provém da vontade
popular expressa nas urnas. É por isso que os valores defendidos, quando se fala de uma
mobilização da opinião pública, são os dos direitos do homem, etc.
Neste sentido, podemos considerar a opinião pública internacional como uma vasta
convergência de opiniões públicas nacionais dominantes, da qual se pode extrair uma
linha de conduta a seguir ou um objectivo a atingir: a promoção do desarmamento
mundial, a autodeterminação do povo timorense, etc.
83
Podemos distinguir três traduções possíveis da opinião internacional: a opinião dos
Estados (opinião pública oficial), a opinião dos povos (a opinião pública espontânea) e
a opinião pública militante.
Constitui-se por simples aglomeração, pela mera constatação de uma convergência das
aspirações de vários povos, ou pela analogia das reacções perante um dado facto: a
emoção generalizada face ao espectáculo da fome na Etiópia, etc. A Assembleia Geral
da ONU sobre o desarmamento evocou mesmo, no seu documento final de 1 de Julho
de 1978, a emergência de uma consciência universal afirmando que existia uma
sensibilidade e uma vigilância da opinião pública, que fazem com que nenhum Estado
se possa subtrair inteiramente a esta pressão internacional.
84
Contudo este tipo de opinião pública, espontâneo e não organizado, que resulta do
comportamento das massas é menos coerente e estável que a opinião pública oficial,
podendo a sua importância ser criticada na medida em que:
a natureza do regime político (liberal, totalitário, etc.) condiciona e influencia a
opinião pública;
a influência nas decisões dos governantes é relativa.
Apesar de tudo este tipo de opinião pública (apesar de condicionada por factores
externos como os media, a persuasão dos governantes e dos líderes de opinião pública)
tem vindo a ganhar alguma importância nas questões ligadas à defesa dos Direitos do
Homem, a nível internacional; na opção entre a guerra e a paz, etc.
85
A Amnistia Internacional, por exemplo, sabe como fazer pressão sobre os governos para
obter a melhoria das condições de vida em certos países, difundindo informações tidas
por secretas a fim fazendo pressão sobre os países visados (apelo ao boicote económico
internacional, isolamento diplomático, etc.).
Se um grupo de pressão encontra eco e apoio na população, isto é, junto dos eleitores,
os governantes sentem-se na obrigação de o ter em conta e de inflectir, no discurso ou
nos actos públicos, as suas orientações políticas.
Existe uma grande ambiguidade quer quanto à definição, quer quanto à importância das
Firmas Multinacionais enquanto actores secundários das Relações Internacionais,
86
firmas privadas, privadas, estatais ou de participação estatal;
fim lucrativo;
centro de decisão único;
internacionalização das suas actividades (não é, contudo, uma empresa cujo
capital está repartido internacionalmente – a questão do capital é secundária);
áreas privilegiadas: actividades extractivas, indústria de transformação,
automóvel, electrónica, química, serviços (seguros, banca, turismo).
Esta implantação, nos vários países de acolhimento da multinacional, pode ser feita
através de:
sucursais, sem autonomia face à sede, prestam uma série de serviços (por
exemplo, a distribuição do bem produzido);
filiais, dotadas de alguma autonomia face à sede, na medida em que se
inscrevem como uma empresa nacional do Estado de acolhimento;
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joint ventures, sendo a prática mais eficaz na medida em que se verifica uma
divisão dos riscos e dos benefícios dos investimentos;
franchising, pela cedência do monopólio da produção e, ou, comercialização de
um produto;
investimentos externos, pela participação majoritária no capital social de uma
empresa já existente.
1.3.3. – A Santa Sé
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Pelas suas características tem sido confundida quer com um Estado (Vaticano), quer
com uma ONG (carácter internacional, permanência, etc.).
Com o intuito de o resolver surge em 1871 a Lei das Garantias que atribuía ao Papa as
prerrogativas de um soberano.
Esta Lei das Garantias não foi aceite pela Santa Sé.
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O estatuto da Santa Sé só seria definitivamente estabelecido em 1929, pelos Acordos de
Latrão, concluídos pelo Papa Pio XI e Benito Mussolini, onde a Itália se definia o
estatuto da Santa Sé, ligado à sua missão e necessidades (“a Itália reconhece a
soberania da Santa Sé no domínio internacional como um atributo inerente à sua
natureza, em conformidade com a sua tradição e exigências da sua missão no Mundo”.
Os Acordos de Latrão viriam a confirmar o que já fora determinado pela Lei das
Garantias, ou seja a Santa Sé tem personalidade jurídica internacional limitada,
nomeadamente, detém o poder de legação activa (Núncios) e passiva, celebração de
tratados (Concordatas) e participação nas Organizações Internacionais (geralmente
como observador).
carácter desinteressado das suas actividades, ou seja não pode ter fins lucrativos
( o que a distingue, por exemplo, das Empresas Multinacionais);
90
juridicamente, está vinculada ao Estado onde foi instalada a sede, obrigando a
um bom relacionamento com o Estado anfitrião dado que não beneficiam, ainda,
de personalidade jurídica internacional: quaisquer que sejam a sua importância
política ou o seu orçamento, exercem as suas actividades segundo as regras
nacionais do Estado no qual está fixada a sua sede. A sua acção desenvolve-se
inicialmente no quadro dos Estados, mas adquire cada vez mais uma dimensão
transnacional.
A sua génese (finais do século XIX e século XX) só poderia estar ligada ao Mundo
Ocidental (Europa e Estados Unidos da América), democrático, pluralista, que permite
um papel internacional à iniciativa privada.
91
os trabalhadores não têm pátria, nasceu a ideia de federar os movimentos que se
reclamam do socialismo nos diferentes países europeus.
Estas ONG reivindicam a possibilidade de ingerência nos assuntos internos dos Estados,
por vezes, contra a sua vontade, com o propósito de executar a sua missão.
Assim estas ONG, procuram influenciar o comportamento dos Estados tirando partido
do peso da opinião pública, estando o seu desenvolvimento ligado à emergência de uma
92
opinião pública internacional e à maior tomada de consciência, relativamente à sua
importância, pelos governos.
1.3.5. – As Minorias
Apesar da sua importância como actor das Relações Internacionais ser discutível, as
minorias têm vindo a constituir-se como um elemento de erosão dos Estados.
Por outro lado, tem-se assistido (sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial) a um
esforço por parte da Comunidade Internacional na defesa dos direitos das minorias.
Após o fracasso do sistema de protecção das minorias, posto em prática pela SDN,
levou a que se relançasse a questão no pós - Guerra.
Inicialmente a questão da defesa das minorias foi englobada na defesa dos direitos
individuais do Homem.
Em 1946 foi criada pela ONU uma Comissão para a luta contra medidas
discriminatórias e protecção das minorias.
Actualmente a defesa dos direitos das minorias tem sido feita no seio das Organizações
Internacionais (Questão Curda, etc.), nomeadamente na ONU.
93
Reivindica-se o direito das minorias conservarem as suas características próprias:
utilização e ensino dos dialectos, liberdade de prática religiosa, etc.
A exigência de uma maior autonomia por parte de algumas minorias tem dado lugar ao
desenvolvimento de movimentos separatistas e à destabilização de numerosos Estados.
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1.3.6. Movimentos de libertação Nacional
Segundo Pascal Boniface, são organizações políticas que lutam em nome da sua
população, para a libertar de uma tutela ou de uma ocupação ilegítima. Este conflito
com o poder central inscreve-se, a maior parte das vezes, no jogo de potências
exteriores.
No que respeita ao primeiro grupo, poder-se-á dizer que o princípio do direito à auto-
determinação dos povos é o fundamento para a legitimação internacional dos
Movimentos de Libertação Nacional, na lógica de que os povos oprimidos têm direito à
sua auto-determinação política. Neste caso, o Movimento de Libertação Nacional tem
uma função de unificação nacional e contribui para fazer emergir uma consciência
nacional contra o Estado opressor.
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Como vimos, os Movimentos de Libertação Nacional são entidades que não exercem
autoridade legal sobre um território específico. O seu objectivo é precisamente a
aquisição de um território e a consequente formação de um Estado.
1.3.7. Os Indivíduos
Tanto Jean-Pierre Ferrier, como Pascal Boniface assumem que os indivíduos não podem
ser considerados como actores das Relações Internacionais.
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PARTE IV - OS FACTORES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
1 – O factor geográfico
Em raros casos, o espaço não é apropriado, nem afectado: alto mar, fundos marinhos,
Antárctida, territórios sob estatuto internacional.
Apesar do clima, relevo, qualidades do solo, clima não serem determinantes na
definição da política externa dos Estados, mas apenas condicionantes; a posição de um
Estado no Globo (acesso ao mar, posição insular, controlo das vias de comunicação)
permite aumentar ou diminuir as opções da política externa dos Estados, cabendo aos
governantes e aos povos determinar a(s) opções que marcarão o destino do Estado.
As tecnologias militares ou audiovisuais fazem com que o território dos Estados deixem
de ser santuários. Os submarinos nucleares, as rampas de lançamento de mísseis, os
satélites de observação e de comunicação feriram de permeabilidade e vulnerabilidade
as fronteiras dos espaços sobre os quais os governantes podiam agir de uma forma
independente.
97
O espaço que serve de base a um Estado contribui para o aparecimento de sentimentos e
percepções colectivas entre aqueles que o ocupam: sentimento de apropriação, de
segurança e insegurança, de vulnerabilidade e invulnerabilidade, de cerco, de
isolamento, de comunidade, etc. Todas estas percepções exercem, cada uma, uma
influência imensurável nas opções de política externa.
1.1.1 – Clima
O clima vai exercer uma influência determinante quer no temperamento quer nos modos
de vida dos homens.
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Assim, os países de clima temperado gozam de condições climatéricas favoráveis à
fixação da população (povoamento) bem como ao seu desenvolvimento, devido à maior
acessibilidade, aos produtos alimentares, suprindo as suas necessidades das importações
do exterior, diminuindo assim a sua dependência relativamente aos outros Estados.
1.1.1.2 – Relevo
1.1.1.3 – Hidrografia
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1.1.1.4 – Qualidade do solo e subsolo
1.1.1.5 – Posição
100
A posição de um Estado é um dos elementos mais importantes do factor
geográfico na medida em que tem repercussões a vários níveis.
Um bom exemplo da importância da posição de um Estado é a possibilidade de
acesso ao mar.
A nível da segurança é, simultaneamente, um elemento dissuasor de uma
invasão pelo obstáculo que pode constituir (escarpas), bem como pode ser um elemento
de fraqueza, constituindo uma via de penetração.
A nível económico, gera lucros (pelo controlo das vias de passagem das rotas
comerciais), permitindo cobrar taxas.
A nível de segurança constitui pontos estratégicos importantes (abastecimento,
etc.).
A posição insular de um Estado permite, ainda uma política externa
isolacionista.
1.1.1.6 – Dimensão
101
A nível quantitativo, as relações internacionais, neste século, foram marcadas
pela rapidez do crescimento da população mundial (queda da taxa de mortalidade,
consequência da difusão de hábitos de higiene e de avanços na medicina) e pelo
aumento das migrações internacionais, o que implica:
a) o hemisfério norte industrializado, caracterizado por uma baixa de
fecundidade e um fraco crescimento demográfico;
b) o hemisfério sul subdesenvolvido, caracterizado por um forte crescimento
demográfico, resultado de um forte crescimento demográfico;
c) o fenómeno da urbanização passa a ser universal, pela concentração das
populações nas cidades.
A nível qualitativo, a estrutura da população de um país ou de um grupo de
países é importante: a pirâmide da população pode determinar a predominância de
jovens ou de idosos, de homens ou de mulheres, etc.
Por outro lado, o grau de homogeneidade da população de um Estado, do ponto
de vista étnico, religioso, social ou político é um factor não negligenciável para a
governabilidade e estabilidade de um Estado, podendo ter repercussões a nível
internacional.
102
sentido da instauração de uma Nova Ordem Internacional (NOEI), etc., demonstram a
importância das trocas comerciais Internacionais para os Estados.
A interdependência entre os Estados é económica antes de ser política.
Assim, o poder de um Estado depende, sobretudo, dos factores geográfico,
demográfico e económico.
1.4.1 – A panóplia
Diversificação das armas
103
3) As armas biológicas, são constituídas por germes seleccionados (vírus, bactérias,
etc). O seu fabrico e armazenamento é proibido pelo Tratado de 10 Abril de 1972.
a) Os meios militares de um Estado são utilizados para garantir a sua defesa. Contudo,
as políticas de força, os actos de agressão, a intenção de anexação fazem do factor
militar um instrumento de destabilização das Relações Internacionais.
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- acção da Sociedade das Nações
- acção da Organização das Nações Unidas
- Tratado sobre a desmilitarização do Antártico de 1959
- Tratado de Moscovo de 1963
- Tratado de Tlateloco de 1967
- Tratado de Não Proliferação das Nucleares (TNP) de 1968
- Tratado de Rarotonga de 1985
- Tratados SALT I ( de 1972) e SALT II ( de 1979)
- Tratado sobre Forças Intermédias de 1987
- Tratdo sobre Forças Convencionais na Europa (CFE) de 1990
- Tratado START I (de 1991) e START II de 1992
- etc.
a) A ciência pura e aplicada teve um maior progresso nas últimas cinco décadas do que
no último milénio. Uma revolução deste tipo terá consequências globais sobre todas
as sociedades, logo sobre as Relações Internacionais, quer agravando a desigualdade
entre os Estados Desenvolvidos e os Estados Em Desenvolvimento, quer produzindo
um maior desgaste dos recursos naturais, criando ameaças globais (ameaça
ambiental).
105
1.6 – O factor governamental
Este factor pode estar associado, ou não, ao factor liderança e diz respeito à
influência dos governos, quer no desenvolvimento dos seus Estados, quer nas Relações
Internacionais, pela definição das directrizes da política externa dos seus Estados.
Uma boa capacidade governativa traduz-se na capacidade dos governos em
transformar as capacidades do País em capacidades reais, bem como, pelas suas
iniciativas internacionais, reforçar a cooperação internacional.
Temos, assim, uma classificação em bons e maus governos; governos
democráticos e governos autoritários.
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A ideologia constitui um sistema global de explicação da evolução do mundo e
das sociedades mundiais, produzido e difundido por um grupo restrito.
A função principal das ideologias é de legitimar uma dada sociedade ou a crítica
da mesma com base num sistema de valores de referência considerado universal.
Regra geral, contém um discurso de ocultação de certos factos históricos de
acordo com o interesse do grupo defensor da ideologia.
107
- reforçar a solidariedade internacional
- isolar um regime político ( África do Sul)
- pressionar a democratização / respeito pelos Direitos do Homem
- etc.
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PARTE V - AS TÉCNICAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Na implementação de uma dada política externa deparamos logo de início com uma
distinção fundamental entre os tipos de instrumentos e técnicas susceptíveis de serem
utilizados: de um lado, os instrumentos e técnicas de carácter pacífico; do outro, os
instrumentos e técnicas de tipo violento. No primeiro caso, o Estado que procura
executar uma determinada política externa pretende convencer o Estado em relação ao
qual pretende executar a tal política; no segundo caso, o Estado executor dessa política
externa pretende constranger o Estado a que essa política se dirige.
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Enquanto o instrumento pacífico mais típico da política externa é a diplomacia, o seu
instrumento violento mais típico é a guerra.
1.1 – A Diplomacia
1.2 – As Alianças
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Do ponto de vista formal, as alianças são tratados entre dois ou mais Estados, cujo
objecto é fazer face a um perigo, a uma ameaça, a um objectivo, a uma preocupação, ou
a um interesse que diga respeito a um ou a todos os signatários.
1.3 – A Guerra
A guerra, ou seja, o instrumento violento por excelência, é o ataque das forças militares
de um Estado contra o território, instalações militares ou populações de outro Estado.
1.5.1 – A Espionagem
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Certos diplomatas profissionais exercem funções de espionagem nos países em que
estão acreditados, o que constitui um desvio grave das suas funções.
1.5.2 – A Propaganda
1.5.4 – A Desinformação
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1.5.5 – A Subversão
113
Bibliografia geral
114
Longman, 1994.
SAR, Serge - Relations Internationales. Paris: Montchrestien, 1995.
SCARTEZZINI, Ricardo; ROSA, Paolo - Le Relazioni Internazionali. Roma: NIS,
1994.
SOUSA, Fernando de; MENDES, Pedro (coords.) – Dicionário de Relações
Internacionais. Porto: CEPESE/Afrontamento, 2014.
VAISSE, Maurice - As Relações Internacionais desde 1945. Lisboa: Ed. 70, 1996.
WOLFE, H. James; COULOUMBIS, A. Theodore - Introduction to International
Relations. Fourth edition. New Jersey: 1990.
115