Sumarios Desenvolvidos Iri 2022 2023

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UNIVERSIDADE LUSÍADA – NORTE (PORTO)

FACULDADE DE DIREITO

Licenciatura em Relações Internacionais


Ano letivo de 2022/2023
Sumários Desenvolvidos

INTRODUÇÃO ÀS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

PARTE I - INTRODUÇÃO

As Relações Internacionais, como escreveu Philippe Braillard, são tradicionalmente


consideradas como um conjunto de ligações, de relações e de contactos que se
estabelecem entre os Estados [e outros atores], muito particularmente no âmbito da sua
política externa.
Esta concepção tem certamente em consideração as diversas formas e dimensões que
podem assumir aquelas relações (conflito e cooperação, quer seja no plano político,
económico, estratégico, cultura…).

Todavia, apesar do Estado conservar ainda hoje um papel central na vida internacional,
será ilusório reduzir esta última exclusivamente às relações interestatais, muito
particularmente numa época onde numerosos processos económicos e culturais
escapam, pelo menos em parte, ao controlo dos governos.

Consequentemente, impõe-se actualmente uma visão alargada e global das Relações


Internacionais, tendo em conta o conjunto de fenómenos internacionais como campo de
investigação, mesmo reconhecendo que é a própria existência dos Estados e, por
conseguinte, das fronteiras que conferem a sua especificidade à dimensão internacional
das relações sociais.

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Deste modo, as Relações Internacionais podem ser definidas como o conjunto das
relações e comunicações que se estabelecem entre vários grupos sociais, atravessando
as fronteiras.

O campo das Relações Internacionais foi adquirindo, no decorrer deste século, uma
importância cada vez maior na vida das sociedades, em função de um complexo
processo de transformações que se foram verificando.

Antes de mais, as trocas internacionais conheceram um crescimento e uma


diversificação sem precedente, em consequência do processo de modernização, que se
inscreve na dinâmica da revolução industrial. Este crescimento das trocas foi
particularmente estimulado pelo desenvolvimento das redes de comunicação, ligado aos
progressos tecnológicos, bem como pela divisão internacional do trabalho e pela
constituição de um mercado mundial.

Em seguida, a revolução tecnológica conduziu à criação de sistemas de armamentos de


uma natureza absolutamente nova, cujo emprego, a uma larga escala, é susceptível de
ameaçar a existência de toda a humanidade.

Em nome das suas possíveis consequências os conflitos internacionais assumiram, por


conseguinte, uma importância sem precedente.

Finalmente, através das transformações que as trocas internacionais e os meios de


destruição conheceram, operou-se um processo de globalização, de mundialização das
Relações Internacionais.

Na verdade, qualquer relação internacional não tem por si própria uma dimensão
mundial, todavia o quadro actual no qual ela se inscreve adquiriu uma tal proporção.

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Esta importância sem precedentes, adquirida pelas Relações Internacionais na nossa
época, torna necessária uma reflexão sistemática sobre este complexo objecto. A falta
de uma tal reflexão far-se-á tanto mais sentir, quanto seja susceptível de esclarecer os
processos internos das nossas sociedades, em razão da influência directa que sobre estas
últimas exerce a conjuntura internacional.

Compreende-se, portanto, que o estudo das Relações Internacionais tenha conhecido, no


decorrer das últimas décadas, um rápido desenvolvimento, marcado, por um lado, por
um aumento quase exponencial das análises e das pesquisas e, por outro lado, por
importantes transformações.

Assiste-se, antes de mais, desde o período entre as duas Guerras Mundiais, a uma
multiplicação do número de trabalhos consagrados às Relações Internacionais e ao
aparecimento progressivo de uma verdadeira comunidade científica, tendo como objecto
de reflexão os fenómenos internacionais. Assim, as Relações Internacionais adquiriram
uma autonomia enquanto campo de estudo, ainda que, até lá, a sua análise não se tenha
desenvolvido mais do que como um objecto subsidiário, à margem da reflexão sobre o
Estado e a sociedade. Este processo concretizou-se pela criação, desde o final da I
Guerra Mundial, de instituições de ensino e de pesquisa, consagradas às Relações
Internacionais, bem de como numerosos periódicos especializados. Inicialmente
limitado aos EUA e à Grã-Bretanha, este fenómeno estender-se-á progressivamente, a
seguir à II Guerra Mundial, ao conjunto da Europa Ocidental mais a URSS e mesmo a
alguns países do Terceiro Mundo.

A ciência política das Relações Internacionais, uma disciplina anglo-saxónica,


desenvolveu-se com um certo atraso. Os primeiros esboços dessa tentativa apareceram
nos anos trinta com a afirmação de um quadro conceptual politológico, manifestando a
ambição de elucidar cientificamente os fundamentos das relações inter-estatais.

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Pouco antes do início da II Guerra Mundial, quando o fracasso da Sociedade das Nações
(SDN) se consumava, o historiador Edward H. Carr publicava um estudo intitulado The
Twenty Years Crisis, obra esta que daria uma inspiração fecunda à análise da política
internacional. Um pouco mais tarde nos EUA, Nicolas Spykman tentava estudar as
novas estruturas da política mundial a partir dos postulados da geopolítica.

De facto, esta perspectiva politológica encontrava o seu verdadeiro impulso no decorrer


da Guerra Fria, com a obra de Hans Morgenthau, Politics among Nations, publicada em
1948, e várias vezes reeditada. Foi igualmente inspirada nos trabalhos do teólogo
Reinhold Niebuhr, do politólogo Arnold Wolfers e do jornalista Walter Lippmann.
Assim surgia, nos EUA, uma nova disciplina: a Teoria das Relações Internacionais. O
seu aparecimento coincidia com a ascensão dos EUA na cena mundial. As grandes
universidades norte-americanas, que dispunham então de importantes meios, sentiam-se
vocacionadas para este desafio político. Elas acolhiam numerosos intelectuais europeus
que provavam a necessidade de colocar a sua experiência e o seu saber ao serviço de
uma nova conceptualização das Relações Internacionais. Esta teoria passava a levar a
cabo uma tarefa enorme relativa à análise das Relações Internacionais, esforçando-se
por definir a especificidade do seu objecto, por formular os quadros conceptuais
apropriados ao seu domínio, bem como tentando elaborar os seus programas de
pesquisa, especificamente no que se referia à esfera particular da política.

Este trabalho pretendia distinguir-se da História Diplomática, e acima de tudo


distanciar-se das perspectivas jurídicas e institucionais, que haviam até aí marcado a
literatura consagrada às Relações Internacionais. À concepção legalista e optimista, ao
“idealismo” de inspiração Wilsoniana, que havia dominado durante os anos trinta o
estudo das Relações Internacionais, opunha-se agora uma análise política dita “realista”,
visando descobrir as leis da evolução das Relações Internacionais, cujo mentor era um
alemão, naturalizado norte-americano, chamado Hans Morgenthau e que passaria a ser
conhecido como “o pai do realismo político”.

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No início da sua obra, Hans Morgenthau definia, nos seguintes termos, os princípios da
sua teoria: “O realismo político acredita que a política, tal como a sociedade em geral,
é governada por leis objectivas que têm as suas raízes na natureza humana. (…) O
principal marco indicador do realismo na política internacional é o conceito de
interesse definido em termos de poder. (…) Todavia, o tipo de interesse que determina a
acção política num determinado período histórico depende do contexto político e
cultural, no seio do qual a política externa é formulada. (…) O poder inclui tudo aquilo
que estabelece e mantém o controlo do homem sobre o homem.”

Esta reacção contra a utopia Wilsoniana era pois marcada pelas circunstâncias
históricas. O “realismo” inscrevia-se, contudo, na tradição de uma corrente que
encontrava as suas origens doutrinárias no pensamento de Hobbes e de Maquiavel, ou
mesmo nas ideias de Tucídides da Antiguidade grega. Esta corrente passaria, desde
logo, a conhecer o seu prolongamento na Inglaterra, com os trabalhos de Jonh Herz,
Hedley Bull e Martin Wight.

Actualmente, este esforço de reflexão politológica aparece ainda como uma disciplina
anglo-saxónica. Deste modo, a Revue française des sciences politiques dá pouco
destaque à análise das Relações Internacionais. Todavia, os estudos neste domínio
progrediram bastante em França, especialmente com a obra de Raymond Aron, Paix et
guerre entre les nations (1962), mais as suas reflexões sobre Clausewitz, bem como
através dos trabalhos de Marcel Merle e de Christian Schmidt.

O desenvolvimento dos ensinamentos e das pesquisas académicas sobre este objecto


conheceram igualmente um certo impulso na Alemanha, nos países escandinavos e na
Suíça.

Este crescimento do estudo das Relações Internacionais é em parte a consequência da


importância que a política internacional passou a adquirir ao longo deste século,

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especialmente as profundas repercussões que tiveram os dois conflitos mundiais sobre o
conjunto da sociedade internacional.

Por outro lado, ela terá sido fortemente estimulada pelo rápido desenvolvimento das
ciências sociais, cujo investimento neste campo de estudo, terá conduzido à sua
transformação.

Enquanto que, tradicionalmente, o estudo das Relações Internacionais dependia da


História, da História Diplomática, da Filosofia Política e do Direito Internacional, assim
como da Economia, numerosas outras disciplinas, tais como a Sociologia, a Psicologia,
a Antropologia, a Etnologia entraram neste domínio, o que terá conduzido a uma
descentralização e a um enriquecimento daquela disciplina (Relações Internacionais),
bem como ao recurso a novos métodos e técnicas de análise, e até mesmo à elaboração
de numerosos modelos explicativos e teorias. Esta evolução conduziu os estudiosos a
reivindicar, para o estudo das Relações Internacionais, um verdadeiro estatuto
científico.

Sob a influência combinada das ciências sociais e das profundas alterações da vida
internacional (multilateralização da diplomacia, desenvolvimento de novos sistemas de
armamentos, descolonização, universalização do modelo do Estado-Nação,
mundialização do campo diplomático-estratégico, bem como dos mercados económicos
e financeiros, reforço das interdependências, desenvolvimento dos meios de
comunicação, globalização dos problemas ecológicos e amplificação dos fluxos
migratórios), o estudo das Relações Internacionais abriu-se a novas dimensões, tais
como os fenómenos das organizações internacionais, os processos de integração
regional, a estratégia nuclear, os problemas do desenvolvimento sócio-económico (…).
Em conclusão, poder-se-á dizer que, as Relações Internacionais, como ciência
autónoma, nasceram nos EUA e na Grã-Bretanha, após a Primeira Guerra Mundial,
tendo conhecido o seu grande impulso nos países anglo-saxónicos, em função da
flexibilidade e destreza do seu sistema universitário, bem como em razão da amplitude

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das responsabilidades mundiais que passavam a assumir. Os enormes meios à
disposição dos pesquisadores, a criação de institutos especializados, a proliferação dos
ensinamentos (sobretudo após 1945) e a imensa literatura que os acompanhava
facilitaram, muito naturalmente, a sua expansão.

Como aliás foi já referido, no que respeita ao Velho Continente, os estudos no domínio
das Relações Internacionais arrancaram muito mais tarde, isto é, cerca dos anos trinta.
Daí o atraso considerável em relação à América e o estado de subdesenvolvimento que
caracterizava a disciplina.

Actualmente, as Relações Internacionais constituem um campo de estudo específico e


autónomo, perfeitamente integrado nas várias universidades, em parte devido às
reformas dos estudos superiores operadas na década de 70.

A autonomia disciplinar das Relações Internacionais encontra-se profundamente ligada


à autonomia disciplinar da Ciência Política. A Ciência Política definiu-se na base de um
facto social relevante que é o poder político soberano – capacidade de obrigar, sem
paralelo, no plano interno da sociedade, não reconhecendo qualquer entidade superior
no plano externo – ao passo que as Relações Internacionais ganharam autonomia na
base do facto social consequente, isto é, que a pluralidade dos poderes políticos
soberanos implica relações de perfil específico, uma outra abordagem científica.

Assim sendo, importará analisar os fenómenos internacionais que marcam o Mundo


contemporâneo. Precisamente por isto, tentaremos, no âmbito da disciplina de
Introdução às Relações Internacionais, fazer uma primeira abordagem da evolução
histórica deste campo de estudo, bem como da problemática inerente à realidade actual
da cena internacional. Consequentemente, após apresentarmos os principais actores das
Relações Internacionais, analisaremos, de seguida, os seus factores mais importantes,
bem como as técnicas utilizadas no seu âmbito. Finalmente, faremos uma breve

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caracterização das grandes tendências da evolução da vida internacional, desde o final
da II Guerra Mundial até à actualidade.

2 – O estudo das Relações Internacionais

2.1 – As perspectivas clássicas

As Relações Internacionais constituem um objecto complexo, cuja compreensão poderá


ser esclarecida pelo recurso a diferentes disciplinas constitutivas das Ciências Sociais,
como por exemplo, a História, a Economia, a Antropologia, a Psicologia e a Sociologia
ou a Ciência Política.

Tradicionalmente, a História, a Economia e o Direito Internacional, com os seus


conceitos e métodos específicos, exerceram uma forte influência naquele âmbito. Os
primeiros programas universitários constituíram-se no período entre Guerras, pela
justaposição destas perspectivas, sem que aparecesse um quadro conceptual que as
permitisse integrar numa reflexão coerente.

A História e a sua importância

A História foi durante muito tempo considerada como a via real para o estudo das
Relações Internacionais. O seu contributo permanece incontestável.
Confrontado com a análise de um qualquer fenómeno político, todos os investigadores
colocam questões que mobilizam o saber histórico, como por exemplo, saber:
 qual o encadeamento dos acontecimentos, que criam esta ou aquela configuração
diplomática;
 quais as origens e razões de ser das instituições, das normas e das práticas que
influenciam o comportamento dos governos;
 quais as tradições políticas que marcam a política externa dos Estados;

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 qual o meio sociocultural e o horizonte ideológico dos que decidem e assumem a
responsabilidade a nível do Estado.

Estas e outras questões, que estão na origem do estudo das Relações Internacionais,
dizem respeito, em primeiro lugar, à História. Pois, para se poder determinar as
sequências causais entre os factos contemporâneos e explicar a dinâmica de certos
processos políticos, é necessário reconstituir o seu fundamento histórico.

O historiador confere sentido e coerência aos acontecimentos, dando a estes últimos a


categoria de factos históricos. Na História, como nas Ciências Sociais em geral, os
factos não existem por si só, necessitando para tal de quadros conceptuais, que lhes
confiram significado. São construídos, logo isolados da miríade de acontecimentos que
integram o tempo que passa, e situados cronologicamente. A pesquisa desta coerência
desemboca, explicitamente ou não, na actualidade da dinâmica social, permitindo
esclarecer o presente, sobretudo quando se trata da história imediata.

Por outro lado, poder-se-á dizer que se o futuro das sociedades humanas se situa por
definição numa trajectória histórica, o sentido desta evolução é incerto. O historiador
não é um profeta. O seu objecto de estudo é o passado. Ele experimenta, por vezes, a
tentação de esboçar uma filosofia da história, e então empenha-se em chamar a atenção
para os fenómenos recorrentes, os ciclos de evolução política, os movimentos de
civilização de grande amplitude. Os efeitos deste género historiográfico são mais ou
menos perniciosos como o testemunham as trágicas transformações da filosofia alemã
do século XIX. A uma escala mais pequena, no género do historiador inglês Arnold
Toynbee, por exemplo, encontram-se numerosos ensaios embelezados de aforismos
explicando o nascimento e a decadência dos impérios, ou seja, os movimentos
periódicos que marcam a expansão e o declínio das grandes potências. O historiador
inglês Paul Kennedy recomeçou este tipo de interpretação na sua obra intitulada
Naissance et déclin des grandes puissances (1988).

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Devemos, porém, ter em conta que as analogias retiradas da experiência histórica são
duvidosas, e as “lições da história” têm muitas vezes uma função ideológica: estão
geralmente ao serviço de projectos políticos conservadores, uma vez que fazem das
experiências passadas o horizonte incontornável do futuro.

Recentemente, o domínio da sociologia histórica desenvolveu-se bastante no estudo das


Relações Internacionais. Isto consistiu em reconstituir os fundamentos históricos de
configurações sociopolíticas particulares, especialmente o nascimento de estruturas
hegemónicas, dominando a dinâmica das Relações Internacionais contemporâneas.

Sob muitos aspectos, a história é constrangedora. Desenha o futuro das sociedades. As


experiências do passado, as narrações e as legendas que as traduzem, passam de geração
em geração. Nesta tradição, elas inscrevem-se nas mentalidades e formam assim as
marcas dos sistemas de identificação colectiva. Se é verdade que as comunidades
humanas são constituídas pela sua história, esta marca não emana das leis da evolução
social que seriam reveladas pelo estudo do passado, mas sim de processos de
socialização.

No passado as comunidades encontram as origens do seu presente, os factos, símbolos e


mitos estruturantes da sua identidade. As instituições políticas e sociais, os costumes, as
normas, os valores, tudo o que constitui o fundamento das sociedades políticas, tem a
sua autoridade na história, ou nas tradições espirituais e filosóficas que são inteligíveis à
luz da história.

É verdade que os movimentos de ruptura são frequentes, mas os processos


revolucionários, que pretendem denunciar a ordem estabelecida, reclamam sempre as
tradições, as alegorias, as narrativas históricas passadas, esforçando-se por fundar de
maneira indirecta a sua autoridade. A este título a história é constitutiva da ordem
social. É a razão pela qual os detentores do poder controlam a sua escrita, que é muitas
vezes fonte de polémicas e de conflitos políticos. Todos os invasores se esforçam por

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legitimar as suas conquistas através de um discurso revisionista da história. Por
exemplo, actualmente o conflito entre judeus e árabes na Palestina exprime-se através
de visões diferentes da História e dos direitos políticos daí decorrentes. Os sionistas
religiosos fundamentam o seu direito político nas profecias bíblicas. Os seus
arqueólogos não param de escavar em Jerusalém e na terra da Palestina, no sentido de
reencontrarem os testemunhos dessa história. Os árabes, por seu turno, fundamentam os
seus direitos políticos em mitos espirituais, históricos e políticos não menos
importantes, ao afirmarem os laços não menos reais com esse país.

Em suma, não se podem compreender as Relações Internacionais sem o recurso à


História, ainda que, para se estudar o presente, se tenha que ser selectivo quanto ao
conhecimento do passado.

A História Diplomática

A história das Relações Internacionais é, antes de mais, a história das relações


diplomáticas. Ela insere-se, contudo, num contexto mais alargado.

O historiador francês Pierre Renouvin encara o estudo das Relações Internacionais


através da análise das “forças profundas”, evocando as mutações económicas e sociais,
o movimento das ideias políticas, as transformações demográficas e as mentalidades
colectivas, enquanto factores influenciadores da diplomacia. No entanto, apesar deste
esforço louvável para alargar o seu objecto, a história diplomática manteve-se um
género historiográfico particular, principalmente orientada para uma análise dos
discursos e da correspondência dos Chefes-de-Estado e dos seus Ministros dos
Negócios Estrangeiros.

A política externa permanece ainda hoje um domínio reservado da actividade


governamental, escapando em parte às disputas democráticas e às escolhas dos partidos.

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A diplomacia tem a sua linguagem, as suas convenções, os seus ritos. Ela serve-se
geralmente de ministérios formados por um pessoal que tem os seus próprios hábitos,
fundados em velhas tradições.

Infelizmente, os adeptos da história diplomática na França tiveram a tendência de


estender a sua acção sobre todos os domínios das Relações Internacionais, e isso numa
perspectiva que rejeitava o contributo das ciências sociais. Este género historiográfico
produziu uma narrativa de acontecimentos, desprovida de envergadura analítica, donde
emergia, por vezes, a tentação de esclarecer a evolução do mundo contemporâneo, pelo
recurso às analogias históricas, através da evocação pouco sistemática dos factores da
política internacional. A defesa desta tradição histórica teve, várias vezes, o efeito de
limitar o estudo das Relações Internacionais nas universidades francesas.

A Economia Política

As Relações Internacionais são igualmente constituídas pelas relações económicas entre


os Estados e as sociedades, especialmente pelas trocas comerciais e financeiras. Esta
dimensão económica da política internacional não cessou de crescer no decorrer da
época contemporânea. Convirá, por isso, estudar a natureza dos regimes económicos
dominantes, das organizações que os servem e as doutrinas que os inspiram.

A teoria económica define os quadros conceptuais e os instrumentos de análise que


permitem apreender a disparidade das taxas de crescimento entre os Estados,
contabilizar e até mesmo prever os fluxos monetários e financeiros, bem como a
intensidade e direcção das transacções comerciais. Ela permite anunciar as recessões e o
seu ciclo, explicar o papel e a estratégia das empresas transnacionais e compreender as
alterações nos modos de produção e de consumo.

Em suma, os laços entre a economia e a política são objecto de um interesse crescente


no estudo das Relações Internacionais.

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O Direito e as Instituições

As relações entre os Estados tomam por vezes a forma de compromissos jurídicos. A


sua cooperação deu lugar ao nascimento das organizações intergovernamentais. A
natureza e a forma destas obrigações estão codificadas nas normas do Direito
Internacional Público, que repousa muito particularmente no princípio: “Pacta sunt
servanda” – os acordos devem ser respeitados.

Os laços contratuais entre os Estados, os deveres e os procedimentos que eles impõem,


as instituições que eles criam, constituem a base da política internacional, a qual,
logicamente, se interessa pelo funcionamento das Relações Internacionais e a evolução
do Sistema, a manutenção da paz e segurança internacionais, os jogos planetários e as
relações de poder. Os juristas, ao dominarem a linguagem, os códigos e os
procedimentos do Direito Internacional, têm por missão elaborar estes compromissos,
interpretá-los e fornecer os argumentos para justificar a sua violação. Uma vez que o
seu saber e prática profissional se inscreve no campo normativo, eles devem por
vocação resistir às questões relacionadas com os fundamentos sociológicos e políticos
do Direito e das instituições. Consequentemente, eles têm a tendência para sobrestimar a
sua influência sobre o curso das Relações Internacionais, negligenciando as forças
sociais e políticas que determinam a sua formação e evolução.

No período entre as duas Guerras Mundiais, o estudo do Direito e das instituições


internacionais ocupou um lugar central na literatura sobre as Relações Internacionais,
sendo extremamente fortes as aspirações para a paz e a esperança na Sociedade das
Nações e no novo Tribunal Permanente de Justiça Internacional. Esta perspectiva
legalista, inspirada nos ideais do presidente norte-americano Woodrow Wilson foi posta
em causa pelo aparecimento dos fascismos, pela explosão da II Guerra Mundial e ainda
pelas desilusões suscitadas pelas Nações Unidas durante a Guerra-Fria.

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Em conclusão, assiste-se, hoje em dia, a um interesse renovado do papel das normas e
das instituições na evolução das Relações Internacionais.

O Direito rege cada vez mais a Sociedade Internacional, constituindo a relação do


Direito com o poder, mais do que nunca, uma problemática essencial do Sistema
Internacional.

2.2 – Para uma Teoria das Relações Internacionais

A noção de “teoria” utilizada neste contexto pressupõe uma ambição científica: explicar
de maneira rigorosa a dinâmica das Relações Internacionais, descobrir as forças e as
estruturas que determinam as relações entre os principais actores da cena mundial e
eventualmente prever a sua evolução.

A análise da política internacional apresenta as mesmas dificuldades que a pesquisa


sobre um qualquer objecto complexo das ciências sociais.

Tendo em vista um estatuto científico, a Teoria das Relações Internacionais procura


desenvolver os conceitos que permitam esclarecer a compreensão deste domínio
específico da política. Ela pretende organizar o conhecimento de maneira sistemática e
coerente estabelecendo hipóteses e procedimentos de pesquisa, cujos resultados possam
ser validados racionalmente, pelo controlo intersubjectivo. Nesta perspectiva, o
politólogo esforça-se por definir com o máximo de precisão possível a especificidade
das Relações Internacionais, isto é, os conceitos que permitem delimitar os fenómenos e
os processos que constituem a sua trama ou as principais estruturas que marcam a sua
evolução. Através desta construção intelectual, ele define igualmente as variáveis a ter
em conta, bem como as hierarquias a estabelecer entre essas variáveis. Empenha-se, por
isso, em construir instrumentos de medida rigorosos.

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A Teoria das Relações Internacionais, talvez devido ao facto de ter nascido no
ambiente cultural dos Estados Unidos, foi disputada pela oposição entre os adeptos das
correntes procedentes do positivismo ou do empirismo e os adeptos de uma linha
politológica clássica, marcada pela tradição da filosofia, pela hermenêutica weberiana
ou pela dialéctica marxista.

A tradição positivista

O primeiro tipo de investida teórica era muito mais ambicioso e aqueles que o
subscrevem procuram as relações de causalidade entre os factos sociais, com o
objectivo de resgatar as leis análogas àquelas que vigoram na explicação científica dos
fenómenos naturais. Eles pretendem formular as hipóteses susceptíveis de
procedimentos de verificação ou de invalidação enunciadas em termos matemáticos e
universalmente aceitáveis. Pretendem construir variáveis quantificáveis.

Sem visar este tipo de formalização, os primeiros “realistas”, Morgenthau em particular,


definiram objectivos ambiciosos, que poderiam sugerir um programa de pesquisa de
tipo empirista. O seu “realismo” pretendia dar uma explicação científica da política
internacional. Os teóricos que partilhavam desta ambição encontraram uma ampla
audiência, no decorrer dos anos sessenta, no seio de uma corrente positivista americana
dita “behaviorista”, que se prendia com o estudo dos comportamentos aparentes, sem
procurar os fundamentos.

Os “behavioristas” pretenderam ser os únicos representantes da investida científica. O


seu modelo era o mesmo das ciências exactas. A ciência devia ocupar-se da realidade,
dos factos. Devia evitar as questões ideológicas, os problemas da ética e da doutrina. O
critério da cientificidade – a influência de Karl Popper a este respeito era evidente –
situa-se nos enunciados teóricos passíveis de serem objecto de uma experimentação. As
definições deveriam ser operacionais. As hipóteses devem ser confrontadas com os
factos empíricos. Daí ser necessário reunir proposições susceptíveis de serem

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revogadas ou confirmadas, no sentido de se alargar o campo do conhecimento científico
neste domínio. Pelo contrário, uma proposição de tipo normativo e não científico parece
não ser susceptível de verificação empírica.

Os adeptos das abordagens clássicas foram acusados por este empiristas de oferecer
quadros de análise pouco rigorosos, frequentemente de natureza ideológica. Eles, por
sua vez, responderam denegrindo, desacreditando a visão limitativa e errónea das
ciências sociais proposta pelos “quantitativistas”, sobretudo sublinhando a pobreza dos
seus resultados. Estes últimos eram efectivamente insignificantes. Os adeptos desta
corrente nas Relações Internacionais serviram-se não só da formulação teórica, mas
também dos métodos da ciência. Eles acumulam factos, frequentemente sem se
preocuparem em definir os conceitos e as hipóteses que justificam a sua investigação.
Debruçam-se sobre pequenos objectos permitindo estabelecer correlações simples,
como se do resultado destas pesquisas devesse surgir a resposta a questões mais vastas.
Este tipo de procedimento manifesta geralmente erros grosseiros na conceptualização
dos problemas a resolver. Quando o politólogo americano Karl Deutsch fez a avaliação
de um processo de integração, ao quantificar, no âmbito da comunicação, todo o tipo de
mensagens que atravessavam as fronteiras de vários Estados, ele mais não fez que
demonstrar a fraqueza da sua própria reflexão conceptual e metodológica. O mesmo se
aplica aos seus quadros mensuráveis do poder de um Estado.

Muitos autores acreditaram ser possível desenvolver uma pesquisa científica alinhando
correlações arbitrárias entre os factos, para explicar os fenómenos recorrentes da
política internacional.

A procura do sentido

Os adeptos das correntes clássicas consideram que os factos sociais se ocultam, a maior
parte das vezes, nas tentativas de os circunscrever por procedimentos de pesquisa
estritamente científicos, análogos aos que vigoram para a apreensão dos fenómenos

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naturais. Eles afirmam que os esforços que visam a construção dos modelos explicativos
inspirados pelo modelo das ciências naturais, determinando as variáveis a ter em
conta, estabelecendo correlações entre estas variáveis, e utilizando a realidade social
como laboratório para testar as hipóteses, revelaram-se enganadores, ilusórios. Os
factos não existem em si, fora dos quadros conceptuais que permitem apreendê-los. Os
dados empíricos, as correlações entre estes dados, não trazem nenhuma explicação dos
fenómenos políticos e sociais.

Por conseguinte, na concepção teórica de inspiração weberiana, os factos só são


compreensíveis caso o observador venha a reconstituir a vontade dos actores. Por
exemplo, os carros de combate numa cidade podem estar em posição defensiva ou
ofensiva. Eles podem evitar uma guerra civil, fazer parte de um exército de ocupação,
fazer parte de um desfile de comemoração ou figurar num filme. O observador para
poder compreender deverá comprometer-se. Não poderá manter-se à margem do seu
objecto de estudo, especialmente porque deverá interrogar os testemunhos ou os actores
da história em questão, descodificar o seu sistema de referência sociocultural.

Este procedimento “compreensivo” coloca também o problema da objectividade. A


realidade social não existe enquanto tal; ela é apreendida através dos conceitos. O
estudioso mobiliza, deste modo, o seu intelecto e a sua emotividade. Ele irá esforçar-se
por reprimir esta última, de manter a distância em relação aos acontecimentos e
processos sociais que analisa, e avaliá-los de maneira neutra e equitativa. Todavia, o seu
estudo parte necessariamente de crenças, de normas, de opiniões, que no fundo
traduzem a sua identidade, os seus interesses.

Excluir toda a subjectividade para dar resposta à ascese de um investigador neutro e


isolado, não é necessariamente um bom procedimento de pesquisa, uma vez que se sabe
o papel que joga a sensibilidade na análise do real. Além disso, as grandes descobertas
científicas surgiram quase sempre de uma experiência mobilizando os sentimentos. A

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distância e a imparcialidade não são qualidades mais úteis à investigação que a empatia,
a compreensão no sentido weberiano do termo.

É, no entanto, necessário escapar a duas armadilhas: procurar uma objectividade,


mesmo que transcendente ou cair numa subjectividade incomunicável, logo arbitrária.
As ciências sociais, tendo por objecto descrever, compreender e interpretar a realidade
humana, devem necessariamente dar-lhes sentido e significação. O progresso do
conhecimento é marcado por estas tentativas parciais. A linguagem das ciências sociais
é frequentemente imprecisa. Alguns autores, que se colocam na linha da tradição
positivista, vêem aí uma fonte de fraqueza. Outros, pelo contrário, como Henri Atlan,
consideram esta leveza como uma riqueza. É pelo facto da linguagem se renovar, por
ser equívoca que nós passamos a compreender a complexidade do real, a alterar o
quadro de referência, a descobrir o que é inédito.

O estatuto científico da corrente é definitivamente sancionado pela comunidade de


investigadores; ele requer a capacidade de justificar racionalmente a teoria, bem como a
validação através de normas intersubjectivas reconhecidas.

A análise científica da realidade consiste frequentemente no rompimento com o senso


comum. De facto, a linguagem e o discurso das ciências sociais vulgariza-se muito
rapidamente. Consequentemente, o grande público não ignora as principais questões
destas disciplinas e integra rapidamente os seus conceitos e a sua linguagem. Daí resulta
que o senso comum não está necessariamente a anos-luz da compreensão oferecida
pelas ciências sociais. Todavia, este esforço de ruptura passa pela adopção de um
sistema de interpretação concedendo significação e coerência às práticas sociais. Pode
implicar a descoberta de estruturas condicionantes da acção individual ou colectiva,
estruturas que não se descubram à primeira vista. Visa revelar o sentido das práticas
sociais, dos símbolos e dos mitos que orientam a acção política.

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Certos sistemas de explicação tendem à construção de factos que escapam
efectivamente à evidência do senso comum. Quando os estruturalistas se esforçam por
procurar sistemas de relações socialmente determinantes, rejeitando como anedóticos
outros factos que apareciam como mais importantes numa primeira abordagem, eles
estão a exprimir uma escolha hermenêutica, que tende a privilegiar fenómenos que não
teriam sido assinalados num outro sistema de interpretação. A teoria freudiana não
constroi os mesmos factos que a sociologia weberiana ou marxista.

As divergências de interpretação não se reportam somente aos factos, mas também


sobre o reconhecimento dos dados sobre os quais devem assentar as interpretações. A
psicanálise dá uma significação aos factos que não são reconhecidos por outras
abordagens. Por exemplo, antes de Freud, ninguém havia ainda concedido um papel
estruturante, na evolução da personalidade, às relações precoces entre a criança e os
seus pais.

Em suma, pode-se definir a Teoria das Relações Internacionais como a procura de


quadros conceptuais que permitam a organização da pesquisa, orientando a
formulação de hipóteses pertinentes sobre a explicação dos fenómenos ou dos
processos estudados, enriquecendo a sua compreensão. Esta teoria, apesar das suas
pretensões iniciais, deve fixar-se actualmente em objectivos modestos: melhorar a
compreensão das Relações Internacionais, desenvolver o conhecimento do
comportamento dos Estados, bem como das outras forças políticas em cena, e explicar
com o maior rigor possível certos tipos de fenómenos ou processos. Geralmente, os
diferentes quadros de análise constituem menos um conjunto de proposições coerentes,
donde se pode deduzir as consequências susceptíveis de serem validadas através de uma
confrontação rigorosa com a realidade, do que uma série de enunciados metateóricos
que esclarecem as estruturas, que marcam a evolução da política internacional, e que
permitem interpretar o comportamento dos seus principais actores.

19
Philippe Braillard, na sua obra intitulada Teorias das Relações Internacionais, fez a
distinção entre teorias gerais das Relações Internacionais e teorias parciais. As
primeiras pretendem fornecer um quadro conceptual explicativo da dinâmica das
Relações Internacionais no seu conjunto, enquanto que as segundas pretendem explicar
um acontecimento ou um processo particular.

Os paradigmas

Com excepção dos períodos de ruptura epistemológica, pode dizer-se que existe um
acordo mais ou menos geral, no seio da comunidade dos investigadores, sobre a escolha
dos problemas mais importantes, bem como sobre a forma de se aplicar a razão à
investigação dos mesmos. Segundo Thomas Kuhn, esta convergência exprime-se na
noção de paradigma, que representa a tradição de pesquisa de uma dada comunidade
científica. No estudo das Relações Internacionais, a diferença entre paradigmas
exprime-se antes de mais através da especificidade dos conceitos enunciados, bem
como da escolha das variáveis estruturais tomadas em conta para compreender a
dinâmica das Relações Internacionais.

Existem actualmente no estudo das Relações Internacionais diversos paradigmas


concorrentes. Estas divergências exprimem-se na definição de quadros conceptuais
pertinentes e de sistemas de interpretação que lhes estão associados. Os desacordos
têm a sua origem em diferentes visões do mundo, em função de uma longa história
doutrinal, muito mais profunda que os debates contemporâneos possam sugerir. A
diferença é particularmente forte entre os “realistas” e os “marxistas”. Nos anos
setenta, certos autores americanos sugeriram igualmente a emergência de um paradigma
das “relações transnacionais”. Os primeiros concedem uma importância determinante à
política, à política dos Estados em particular. Os segundos procuram nos modos de
produção e nos conflitos de classes a causa, o sentido da dinâmica internacional. Os
adeptos do “transnacionalismo” insistem nos fenómenos da integração económica e
política em curso à escala internacional.

20
Os adeptos destes diferentes quadros conceptuais não divergem sobre os principais
fenómenos das Relações Internacionais, mas sim sobre a interpretação a dar às suas
causas.

Um paradigma é um conjunto de hipóteses, um modelo que serve como um princípio


organizador e como um guia para a pesquisa.

De acordo com determinados autores, uma era científica particular é caracterizada por
um paradigma dominante, ou seja, um determinado modelo dentro do qual as maiores
escolas trabalham e desenvolvem as suas teorias. Deste modo, o desenvolvimento
cronológico das Relações Internacionais, como uma disciplina académica, é
normalmente apresentado como uma série de paradigmas, desde o Idealismo e do
Realismo até ao Behaviorismo, e por aí fora, intercalados por épocas de “crises de
paradigmas”, especialmente quando uma dada abordagem dominante é desafiada por
outra. Estes períodos são normalmente representados por grandes debates na disciplina,
bem como pelos debates inter-paradigma, ocasionados pelos desafios que a teoria crítica
coloca às visões ortodoxas das Relações Internacionais.

Nas Relações Internacionais contemporâneas não existe um paradigma dominante. Com


o fim da Guerra-Fria (em si própria um paradigma), o campo das Relações
Internacionais passou a caracterizar-se por um conjunto de paradigmas em
competição, que se estão, cada vez mais, a tornar numa Teoria Geral das Relações
Internacionais, como por exemplo, o Neorealismo, o Neoliberalismo, a Teoria Crítica e
o Pós-Modernismo.

3 – Definição das Relações Internacionais

21
De acordo com Max Gounelle, na sua obra Relations Internationales, as Relações
Internacionais definem-se como as relações e os fluxos sociais de toda a natureza, que
atravessam as fronteiras, escapando deste modo ao domínio de um único poder estatal.
Segundo o autor, é um critério de localização política que permite determinar se, em
presença de uma dada relação social, ela pertence ou não ao campo das Relações
Internacionais.

Relativamente à questão do objecto das Relações Internacionais, o referido autor afirma


que todos os domínios da vida social são susceptíveis de depender da ciência das
Relações Internacionais.

Para Max Gounelle, durante muito tempo, as Relações Internacionais mais não foram
que relações de vizinhança. Nessa época, o príncipe, o soldado e o diplomata eram
figuras emblemáticas. No entanto, essas relações acabariam por se intensificar e
diversificar, passando de meras relações esporádicas a relações com carácter
permanente (podendo datar-se o aparecimento das embaixadas permanentes desde o
século XVI).

As Relações Internacionais levadas a cabo pelos Príncipes e pelos Estados foram,


durante muito tempo, quase exclusivamente motivadas por preocupações de segurança:
segurança das fronteiras, dos abastecimentos, dos mercados, dos sujeitos, e mais tarde
dos cidadãos, no estrangeiro.

Todavia, desde o final do século XIX as preocupações de segurança deixaram de ser as


únicas a constituir a trama das Relações Internacionais.

Na perspectiva do referido autor, a ideia de uma solidariedade da comunidade dos


homens e dos Estados acabaria por transformar as Relações Internacionais, levando à
invenção de instituições colectivas permanentes (as organizações internacionais), com

22
objectivos de cooperação, e até mesmo de unificação, no seio da sociedade
internacional.

Max Gounelle considera ainda que, os fenómenos do poder são o objecto privilegiado
da ciência das Relações Internacionais, bem como da Ciência Política, esta última
limitada aos problemas nacionais. Somente o campo geográfico é que é diferente,
existindo um estreito laço entre a Ciência Política e as Relações Internacionais,
reforçado por uma interacção permanente entre os fenómenos políticos nacionais e os
fenómenos políticos internacionais.

No que se refere a esta questão do objecto das Relações Internacionais, importará,


talvez, retirar o que de essencial nos é transmitido na obra de Pierre de Senarclens, La
Politique Internationale. A este propósito, o autor assume que a definição de um
objecto de estudo é sempre, em parte, arbitrária e consequentemente suscita
controvérsias entre os estudiosos. No entanto, admite, como outros autores, que as
Relações Internacionais designam, em primeiro lugar, a esfera das relações entre os
Estados, ou seja, as interacções das suas políticas externas.

Na acepção do referido autor, reconhece-se também que elas compreendem, numa


perspectiva mais alargada, todas as trocas entre sociedades nacionais, que tenham uma
dimensão política. De entre as numerosas relações transfronteiriças escolhem-se, por
convenção, as que são de natureza política, ou que tenham efeitos políticos. É esta a
razão, segundo Pierre de Senarclens, pela qual se pode igualmente definir o objecto das
Relações Internacionais, utilizando o conceito de política internacional.

Deste modo, será através da Ciência Política que terão de se encontrar os quadros
conceptuais e os métodos que permitam compreender as características das Relações
Internacionais e que possam fornecer os meios para uma análise sistemática dos
principais fenómenos que marcam a sua evolução.

23
Neste seguimento, também Daniel Colard, na sua obra Les Relations Internationales de
1945 à nos jours, assume que o objecto das Relações Internacionais é o mesmo da
Ciência Política.

Contudo, segundo Colard, os politólogos dividem-se em duas escolas, ou seja, para uns
a politologia é a ciência do Estado, para outros ela é a ciência do Poder. Para este autor,
é necessário distinguir ciência política interna de ciência política externa. A primeira
dirá respeito ao estudo dos problemas nacionais, a segunda respeitará aos problemas
internacionais.

Também para ele, o que se altera é o campo geográfico, uma vez que, o objecto e os
métodos são idênticos, tanto mais que existe uma interacção constante entre os
fenómenos internos e os externos.

Em suma, e para simplificar, como assume Daniel Colard, dir-se-á que o estudo das
Relações Internacionais engloba as relações pacíficas ou belicosas entre os Estados, o
papel das organizações internacionais, a influência das forças transnacionais, bem
como o conjunto das trocas ou actividades que ultrapassam as fronteiras estatais.

Na acepção do referido autor, o estudo científico das Relações Internacionais consiste


em examinar positiva e globalmente os fenómenos internacionais, em trazer à luz os
laços de causalidade e os factores determinantes da sua evolução, bem como tentar
formular uma teoria inteligível.

4 – Distinção entre História, Sociologia e Teoria das Relações Internacionais

À imagem da Ciência Política, as Relações Internacionais caracterizam-se pela


pluralidade das abordagens realizadas no estudo dos fenómenos.

24
À imagem da Ciência Política, as Relações Internacionais são uma “ciência
encruzilhada”. Os fenómenos políticos são os mais complexos que existem, porque
tratam ao mesmo tempo da trama das sociedades e do carácter dos indivíduos. Vêem
entrechocar-se a regularidade dos fenómenos sociais e a singularidade do acaso e da
sorte pessoal. Combinam o mecanismo das forças e das paixões, mas também das
regras, dos costumes sociais e das culturas. Apelam às convicções, às crenças e às
ideologias, mas também às necessidades e ao peso das coisas.

Isto equivale a dizer que os fenómenos políticos nunca poderão ser completamente
compreendidos, por mais fina que possa ser a sua análise. Que pensar então dos
fenómenos internacionais que, por natureza, ultrapassam as fronteiras de todas as
sociedades políticas ?

Vejamos o exemplo dos conflitos internacionais: o historiador terá tendência a ver a


sua especificidade, irá datá-los, estudará as suas origens particulares e irá classificá-
los como acontecimentos. O sociólogo, pelo contrário, aproximará um conflito de
outros conflitos anteriores para destacar semelhanças ou diferenças e estabelecer as
características comuns dos conflitos internacionais. Indo ainda mais longe, o sociólogo
poderá estudar o conflito segundo um modelo que terá em conta o número de actores
em presença, as pressões que se exercem, o estado do sistema internacional, dos
desafios e dos fins em vista, ou da psicologia dos actores.

Ora, todos os factos políticos internos e internacionais são simultaneamente únicos e


singulares, mas também regulares e estruturais. Isto para mostrar até que ponto a
compreensão dos acontecimentos internacionais deve combinar em cada momento a
abordagem histórica com a abordagem sociológica.

A análise histórica e a análise sociológica constituem, portanto, os dois níveis de


estudo complementares essenciais da sociedade internacional. O seu desenvolvimento é

25
tal que criou ensinos particulares: a História das Relações Internacionais e a
Sociologia das Relações Internacionais.

Todavia, existe um terceiro nível essencial à análise e compreensão em profundidade


das realidades internacionais: trata-se do nível teórico.

Apercebemo-nos de que o termo tem dois sentidos distintos. No primeiro sentido, a


teoria é para as ciências sociais o que é para as ciências exactas; falaremos então de
“teorias científicas”. A teoria é nestas condições, “um conjunto de teoremas elaborados
a partir da experimentação”, ou ainda “um conjunto de generalizações ligadas entre si
dedutivamente e demonstráveis ou verificáveis”.

Neste sentido, podemos afirmar que não pode existir teoria científica das relações
internacionais. É evidente que a análise científica da sociedade internacional realizou
progressos consideráveis com o aparecimento da Sociologia das Relações
Internacionais. Mas esta contribuição científica desaguou apenas em teorias limitadas,
que permitiram iluminar alguns domínios particulares das relações internacionais tais
como a elaboração da política externa, a dinâmica da corrida aos armamentos, o
decorrer de uma crise, a negociação.

Falaremos, então, de “teoria parcial” ou de um “nível médio” (middle range theory).


Isto significa que dispomos de análises objectivas a partir de observações repetidas ou
ainda de explicações de natureza racional fundadas em correlações e não só e apenas de
senso comum.

Constituirão diversas teorias empíricas viradas para o estudo de fenómenos particulares


e baseadas quer no método dedutivo, quer no indutivo. Mas este desenvolvimento de
teorias parciais no quadro da Sociologia das Relações Internacionais não nos permite,
entretanto, falar de Teoria Geral aplicável às Relações Internacionais.

26
O fracasso dos defensores de uma Teoria Científica Geral das Relações Internacionais,
deve-se ao erro de querer organizar a teoria em torno de um conceito-chave, o poder ou
o interesse nacional. Ora, a sociedade internacional não é dominada só por um
elemento, mesmo que o interesse nacional, por exemplo, continue a ser um elemento
essencial das Relações Internacionais.

Efectivamente, na sociedade internacional, a organização política é informal, porque


não existe essa divisão entre os governantes e os governados que rege o conjunto dos
grupos sociais internos.

À primeira vista, ninguém pode dar com precisão a explicação definitiva de uma
situação internacional. Não podemos ter qualquer certeza científica neste domínio. Um
conflito armado, por exemplo, pode explicar-se pela teoria do imperialismo, pela
afirmação do carácter agressivo de um dado poder, pela análise das relações entre os
povos ou ainda pela afirmação do temperamento agressivo do homem de Estado, mas
também pela combinação e todos estes factores.

O conceito que melhor dá conta da realidade da sociedade internacional é exactamente o


da relatividade.

Dito isto, seria completamente errado pensar que as Relações Internacionais podem
passar sem uma Teoria; encontramos então o segundo sentido do conceito de Teoria.
Retomemos a análise de Maurice Duverger: “Em vez de procurar atingir uma
objectividade e uma neutralidade que são inacessíveis no estádio actual do
desenvolvimento das ciências sociais, o sociólogo deve estar consciente da
impossibilidade de passar sem ideologias, a fim de delimitar a deformação que daí
resulta. Isto implica, em primeiro lugar, que ele esteja consciente da sua própria
ideologia e que a confesse. Em seguida, implica que tenha em conta não só a sua própria
ideologia, mas outras, para poder construir as suas hipóteses e as suas teorias.”

27
Uma teoria política nunca pode ser verificada; só se pode rejeitar uma teoria em nome
de outra teoria. Devemos então falar de teoria “filosófica”, no sentido em que Stanley
Hoffmann faz a distinção entre “a teoria empírica, virada para o estudo de fenómenos
concretos, e a teoria filosófica, virada para a realização de um ideal ou um julgamento
da realidade em nome de certos valores, ou a descrição da realidade baseada numa
concepção a priori da natureza do homem ou a de diversas instituições.”

Convém reter esta última concepção: a teoria filosófica é uma concepção a priori da
natureza das instituições sociais que mistura reflexão, observação, convicção e intuição.
A teoria filosófica é constituída por todas as interrogações, assim como por todas as
proposições gerais que misturam a doutrina, a reflexão e a hipótese relativas à natureza
da sociedade internacional. A teoria filosófica é chamada “teoria política” no domínio
da ciência política.

A ciência política contemporânea usa hoje esta expressão, não para evocar a ideia de um
sistema de explicação científica das sociedades, mas sim para falar das doutrinas
relativas à natureza dos sistemas sociais.

A Teoria Política elabora as questões significativas que se colocam permanentemente a


propósito da realidade social: porque é que os Estados fazem a guerra? Quais são os
objectivos das potências? Existe uma comunidade universal dos indivíduos, uma
humanidade para lá das soberanias e das barreiras estatais?

A Teoria coloca estas questões, bem como muitas outras, tentando dar-lhes uma
resposta; é levada a formular conceitos e “sistemas conceptuais” (Raymond Aron).

A Teoria Política alimenta-se da acção, da reflexão, do conhecimento dos factos e da


imaginação. Ela alimenta por sua vez a ciência social que contribuiu para construir;
estimula a actividade do historiador e do sociólogo; o seu poder de explicação geral, o
“sistema de explicação” que constitui irá sugerir ou gerar hipóteses que permitirão por

28
sua vez a elaboração de leis e de teorias parciais de natureza sociológica, porque a
análise sociológica não se pode fazer sem o atalho da teoria.

O excesso de senso comum impede-nos de compreender a realidade; pelo contrário, o


excessivo a priori científico ou racional deforma demasiadamente esta realidade: a
análise da sociedade tem necessidade de “teorias instintivas”.

Em conclusão, poder-se-á dizer que as Relações Internacionais devem ser abordadas por
três prismas: a Teoria, a Sociologia e a História. Pela Teoria, a ciência das relações
internacionais interroga-se sobre a natureza e as competências fundamentais da
sociedade internacional. Pela Sociologia, interroga-se sobre as regularidades da
sociedade internacional. Pela História interroga-se sobre o desenrolar da vida
internacional e a transformação da sociedade internacional.

29
PARTE II – A GLOBALIZAÇÃO DO MUNDO POLÍTICO

1 - Introdução

Porquê falar-se em Política Mundial em vez de Política Internacional ou Relações


Internacionais? De facto, estes são os nomes tradicionais usados para descrever os tipos
de interacções e processos sobre os quais nos iremos debruçar. Todavia, a razão para a
escolha da expressão “política mundial” é a de ser mais abrangente que os outros
conceitos alternativos.

Importará referir que o nosso interesse é na política e padrões políticos do mundo, e não
só aqueles entre Estados-nações (como o termo política internacional implica).

Deste modo, estamos interessados nas relações entre organizações que podem, ou não,
ser Estados (como por exemplo, companhias multinacionais, grupos terroristas, ONG's).
Por outro lado, o termo Relações Internacionais parece demasiado exclusivo. É certo
que ele representa um vasto campo dos nossos interesses, no que se refere às relações
políticas entre Estados-nação, mas continua a restringir a nossa análise para “relações
inter-nacionais”. Neste sentido, pensamos que as relações entre, digamos, cidades e
outros governos ou organizações internacionais podem ser igualmente importantes.
Então preferimos caracterizar as relações em que estamos interessados como Relações
da Política Mundial, com a importante salvaguarda de que não queremos definir política
em sentido estrito. O nosso objectivo é então com os padrões das relações políticas,
definidos em sentido lato, que caracterizam o mundo contemporâneo.

2 - Teorias da Política Mundial

O problema básico que qualquer pessoa enfrenta ao tentar perceber a política do. mundo
contemporâneo é o facto de que existe tanto material para olhar, que se torna difícil
saber aquele que interessa ou não. Assim sendo, por onde é que se começaria se se

30
quisesse explicar os processos políticos mais importantes? Quando os indivíduos são
confrontados com este tipo de situação surge a necessidade de se recorrer a teorias,
mesmo que inconscientemente.

Uma teoria não é só um modelo formal com hipóteses e assunções, é antes de mais um
sistema que simplifica o nosso estudo e que permite decidir quais os factos que
efectivamente interessam ou não. Uma boa analogia seria a de uns óculos de sol com
lentes de várias cores. Colocas o par de óculos vermelho e o mundo parecer - te-á
vermelho, o amarelo e o mundo parecer-te-á amarelo. O mundo não é diferente, apenas
parece diferente. É o que acontece com as teorias. Neste sentido, vamos, de uma forma
sintética, enunciar os três principais pontos de vista teóricos que dominaram o mundo
político, para ficarmos com uma ideia das cores com que é pintado.

Desde sempre que teóricos e pensadores tentaram dar sentido à política do mundo, mas
mais particularmente desde que a disciplina académica Política Internacional foi criada
em 1919, quando o Departamento de Política Internacional foi formado em
Aberystwyth. É curioso referir que o homem que criou este departamento, um industrial
chamado David Davies, viu o seu objectivo no sentido de ajudar a prevenir a guerra. Ou
seja, estudando política internacional, os académicos conseguiam encontrar as causas
dos principais problemas do mundo e apontar soluções para ajudar os políticos a
resolvê-los, nos 20 anos que se lhe seguiram, a disciplina foi marcada por tal
compromisso de mudar o mundo. Isto é conhecido como sendo uma posição normativa,
onde a função do estudo académico tinha o propósito de tornar o mundo um lugar
melhor. Os seus oponentes caracterizaram-no como Idealismo, no qual se tinha o ponto
de vista do que o mundo deveria ser, tentando apoiar e fomentar eventos para que isso
acontecesse. Por seu turno, os seus oponentes preferiram uma aproximação a que
chamaram Realismo, o qual procurou ver o mundo como ele realmente era, em vez de o
ver como ele deveria ser. E, o mundo como ele é na realidade não era visto pelos
realistas como um local agradável; os seres humanos são egoístas e provavelmente pior
ainda. Noções como a perfeição nos seres humanos e a possibilidade de um

31
desenvolvimento da política mundial pareciam um pouco inatingíveis. Este debate entre
o Idealismo e o Realismo continuou até aos dias de hoje, mas será razoável dizer que o
Realismo tende a superiorizar-se. A causa principal é a de estar mais relacionado com o
senso comum do que o Idealismo, especialmente quando os meios de comunicação nos
bombardeiam diariamente com imagens de quão maus os seres humanos podem ser.

Certo é que o Realismo foi o caminho dominante para explicar a política mundial nos
últimos cem anos. O que vamos agora fazer é sumariar os principais pressupostos sobre
o Realismo e depois fazer o mesmo para os seus rivais enquanto teorias da política
mundial, isto é, o Liberalismo e a Teoria do Sistema-Mundo.

2.1 - Realismo e Política Mundial

Para os Realistas os principais actores no palco do mundo são os Estados, que são de
facto actores soberanos. Soberania significa que não existe outro actor acima do Estado
que o possa obrigar a agir de determinada forma.

Outros actores como corporações multinacionais ou OIG's, têm todos que actuar no
âmbito das relações inter-estaduais. Os Realistas vêem a natureza humana como o
factor central para a actuação dos Estados no sistema internacional. Para eles a natureza
humana é sempre a mesma e terrivelmente egoísta. Pensar de outra forma é errado, e foi
esse o erro que os Realistas acusaram os Idealistas de terem cometido. Como resultado,
a política mundial (ou mais precisamente para os Realistas, a política internacional)
representa uma luta pelo poder entre Estados, cada um tentando maximizar os seus
interesses nacionais. De tal ordem que, o que existe na política mundial é resultado da
actuação de um mecanismo conhecido por balança de poder, onde os Estados agem de
forma a prevenir o domínio de um outro Estado. Então, a política mundial está
relacionada com trocas/cedência, com alianças, com diplomacia, a chave secreta para
contrabalançar vários interesses nacionais, mas, finalmente também, com a mais
importante ferramenta disponível para implementar a política externa dos Estados, a

32
força militar.

Concluindo, uma vez que não existe uma instância soberana acima dos Estados que
regule o sistema político internacional, a política mundial é então um sistema de auto-
suficiência, no qual os Estados devem confiar nos seus próprios recursos militares para
atingir os seus fins. Frequentemente estes fins podem ser atingidos através da
cooperação, mas o potencial para o conflito está sempre presente.

2.2 - Liberalismo e Política Mundial

Os Liberais têm um ponto de vista diferente no que se refere à política mundial e, tal
como os Realistas, têm uma longa tradição. Há pouco falamos do Idealismo e esta foi
realmente uma versão extrema do Liberalismo.

Existem muitas variantes do Liberalismo (ou, como também é chamado, Pluralismo),


mas os principais temas do pensamento liberal estão relacionados com a ideia de que os
seres humanos são aperfeiçoáveis e que a democracia é necessária para esse
aperfeiçoamento se desenvolver. Por trás de tudo isto reside a crença no progresso. O
Liberalismo rejeita a noção Realista de que a guerra é a condição natural da política
mundial. Eles também questionam a ideia do Estado ser o principal actor na cena,
política mundial, apesar de não negarem a sua importância. Todavia, vêem as
corporações multinacionais, os actores transnacionais (grupos terroristas, OIG's, etc),
como actores centrais em algumas áreas temáticas da política mundial. Relativamente a
essas áreas eles tendem a pensar no Estado como não sendo unitário ou o único actor,
mas como um conjunto de burocracias, cada uma com o seu interesse. Por isso, não
pode haver interesse nacional, já que isso meramente representa o resultado de
organizações burocráticas que dominam o processo de decisão doméstico.

Nas relações entre Estados, os Liberais reforçam a possibilidade da cooperação e a

33
perspectiva fundamental é a da alteração da configuração internacional, na qual a
cooperação possa ser atingida mais facilmente. A imagem da política mundial que
resulta do ponto de vista Liberal é um sistema complexo de cooperação e partilha entre
os diferentes tipos de actores. A força militar continua a ser importante, mas a agenda
Liberal não é tão restrita como a do Realismo. Os Liberais vêem os interesses nacionais
muito mais do que em termos militares, e realçam a importância dos temas económicos,
ambientais e tecnológicos. A ordem na política mundial emerge não só por um
equilíbrio do poder, mas também como o resultado de interacções a muitos níveis de
organizações governamentais, fazendo leis, acordando normas, regimes internacionais e
regras institucionais. Os Liberais não pensam que a soberania é tão importante na
prática como os Realistas pensam que é na teoria. Os Estados podem ser soberanos, mas
na prática eles têm que negociar com todos os tipos de actores, demonstrando que a sua
liberdade para actuarem como eles desejam é seriamente retalhada. A interdependência
entre Estados é uma característica extremamente importante da política mundial.

2.3 - Teoria do Sistema-Mundo e Política Mundial

A terceira posição teórica que queremos abordar é a Teoria do Sistema-Mundo, mais


conhecida como Estruturalismo ou Neo-Marxismo, o que imediatamente nos dá as
pistas dos seus principais pressupostos. Queremos fazer notar que a Teoria do Sistema
Mundo tem sido historicamente a menos influente das três teorias que estamos a.
discutir, daí que tenha menos em comum tanto com o Realismo, como com o
Liberalismo, do que cada uma destas entre si.

Para a Teoria do Sistema-Mundo a característica mais importante da política mundial é


que ela tem lugar num mundo de economia capitalista. Nesta economia mundial os
actores mais importante não são os Estados, mas as classes, e o comportamento de
todos os outros actores é, em último lugar, explicado por forças de classes. Então os
Estados, as corporações multinacionais e até as OIG's representam o interesse da classe
dominante no sistema económico mundial. Os teóricos do SistemaMundo diferem no

34
que se refere à liberdade que os actores como os Estados têm, mas todos concordam que
a economia mundial afecta a liberdade de manobra destes actores.

Mais do que uma área de conflitos entre interesses nacionais ou uma área com
numerosos e diferentes tipos de interesses, os teóricos do Sistema-Mundo concebem a
política mundial como uma área onde o que está em jogo é o conflito entre classes. Do
mesmo modo, no que se refere à ordem da política mundial, os teóricos do Sistema-
Mundo pensam prioritariamente mais em termos económicos do que militares.

A característica chave da economia internacional é a divisão do mundo, em centro,


semi-periferia e áreas periféricas. Em tudo isto, o que interessa é a dominância do
poder, não dos Estados mas do capitalismo internacional, e são estas as forças que, em
última instância, determinam os principais padrões políticos na política mundial. A
soberania não é tão importante para estes teóricos como é para os Realistas, desde que
se refira a assuntos políticos e legais, onde a mais importante característica da política
mundial é o nível de autonomia económica, e aqui os teóricos do Sistema-Mundo vêem
todos os Estados como tendo de jogar pelas regras da economia capitalista
internacional.

3 - As Três Teorias e a Globalização

Estas três perspectivas teóricas foram as principais teorias usadas para a compreensão e
explicação da política mundial. À primeira vista cada uma delas parece fornecer uma
boa explicação de alguns aspectos da política mundial. Isto porque as três teorias, mais
do que diferentes visões do mesmo mundo, são três visões de mundos diferentes. Cada
uma delas centra-se em diferentes aspectos da política mundial: o Realismo nas relações
de poder entre os Estados; o Liberalismo num conjunto mais alargado de interacções
entre actores estatais e não-estatais; a Teoria do Sistema-Mundo nas questões da
economia mundial. Assim sendo, cada uma destas teorias vê a Globalização de modo

35
diferente.

Para os Realistas, a Globalização não alterou significativamente o quadro da política


mundial, nomeadamente a divisão territorial do mundo em Estados-nação. Enquanto
que, ao nível económico, a crescente interconexão entre economias e sociedades os
tornou mais dependentes uns dos outros, ao nível do sistema estatal isso já não
aconteceu. Aqui, os Estados retêm a soberania, pelo que a Globalização não tornou
obsoleta a luta pelo poder político entre os Estados, nem o uso da força e muito menos a
importância da balança de poder. A Globalização pode afectar a nossa vida social,
económica e cultural, mas não transcende o sistema político internacional de Estados.

Para os Liberais, o quadro já é diferente. Eles tendem a ver a Globalização como o


produto de uma longa transformação da política mundial. Para eles a Globalização
mostra que o Estado já não é o actor central, como era encarado pelos Realistas. Agora
existem vários e diferentes actores, com diferente importância de acordo com área em
causa. Os Liberais estão particularmente interessados na revolução da tecnologia e das
comunicações representada pela Globalização.

Esta interdependência entre as sociedades resulta num quadro de política mundial


diferente, onde o mundo é visto muito mais como uma teia de relações, do que segundo
o modelo do Estado dos Realistas ou o modelo das classes do Sistema-Mundo.

Para os Teóricos do Sistema-Mundo, a Globalização não é nada de novo, ou seja, é na


realidade a última fase no desenvolvimento do capitalismo internacional, que em vez de
tornar o mundo mais simétrico, perpetua a divisão entre centro, semi-periferia e
periferia.

4 - A Globalização e os seus percursores

Poder-se-á dizer que a globalização não é um fenómeno inteiramente novo na história

36
do mundo. De facto, muitos autores argumentam que é meramente um novo nome para
uma questão já antiga. Assim, ao julgarmos a globalização como uma nova fase na
história do mundo ou meramente como a continuação de processos que têm existência
há já algum tempo, importará notar que tem havido vários percursores da globalização.
Noutras palavras, a globalização tem características semelhantes no minímo com nove
factores do mundo político, discutidos por determinados autores antes do período
contemporâneo.

Primeiro, globalização tem muitas características em comum com a teoria da


modernização (Modelski 1972 e Morse 1976). Segundo estes autores, a industrialização
fez emergir todo um novo conjunto de contactos entre as sociedades e alterou o
processo político, económico e social que caracterizava o mundo pré-moderno.

Crucialmente, a industrialização alterou a natureza do Estado, alargando as suas


responsabilidades e debilitando o seu controlo sobre os resultados. O resultado é que o
velho modelo da política do poder das Relações Internacionais se tornou obsoleto. A
força tornou-se menos utilizável, os Estados têm de negociar com outros actores para
atingir os seus fins e a identidade do Estado enquanto actor é posta em questão. De certa
forma, parece que a modernização faz parte do processo de globalização.

Segundo, existem claras semelhanças com os argumentos de autores influentes como


Walt Rostow (1960), que argumentava que o crescimento económico seguia um padrão
em todas as economias, à medida que se íam industrializando. As suas economias
desenvolviam-se à sombra de outras economias mais desenvolvidas, até atingirem uma
fase onde já seriam capazes de um crescimento económico autosustentado. O que isto
tem em comum com a globalização é o facto de Rostow ter visto um claro
modelo/padrão para o desenvolvimento económico, marcado por fases, pelas quais
todas as economias passavam até que adoptassem políticas capitalistas. Era quase que
uma visão automática da história, na qual a globalização tendia também em confiar.

37
Terceiro, há a importante literatura que emerge do paradigma liberal discutido
anteriormente. Especificamente, existiam muitos trabalhos influentes sobre a natureza
da interdependência económica (Cooper, 1968), o papel dos actores transnacionais
(Keohane e Nye 1971) e o resultante modelo da “teia-de-aranha” do mundo político
(Mansbach, Ferguson e Lampert 1976). Muita desta literatura antecipou os principais
temas teóricos da globalização, embora, uma vez mais, isto tenda a ser aplicado muito
mais ao mundo desenvolvido do que no caso da globalização.

Quarto, há notáveis semelhanças entre a figura da globalização e a imagem da aldeia


global retratada no trabalho influente de Marshall McLuhan de 1964. Para McLuhan, os
avanços nas comunicações electrónicas resultaram num mundo onde podemos assistir
em tempo real a acontecimentos que estão a ocorrer em partes distantes do globo. Para
McLuhan, os principais efeitos deste desenvolvimento foram a diluição do tempo e do
espaço, de tal forma que as coisas perderam a sua identidade tradicional.

Quinto, existem significativas sobreposições entre alguns dos principais temas da


globalizacão e o trabalho de escritores como Jonh Burton (1972), que falou da
emergência de uma sociedade mundial. Segundo Burton, o velho sistema de Estados
estava a ficar cada vez mais ultrapassado à medida que significantes interacções
tomavam lugar entre actores não-estatais.

Sexto, nos anos 60, 70, e 80, surgiu o trabalho visionário daqueles associados ao
Projecto dos Modelos da Ordem Mundial, uma organização criada em 1968 para
promover o desenvolvimento de alternativas ao sistema inter-estatal, que resultaria na
eliminação da guerra. O ênfase era colocado na questão do governo global, que é hoje
uma questão central em muitos dos trabalhos sobre a globalização.

Sétimo, existem importantes semelhanças entre algumas das ideias da globalização e os


pensamentos daqueles que defendem a existência de uma sociedade internacional. É o
caso de Hedley Bull (1977), que chamou a atenção para o desenvolvimento ao longo

38
dos séculos de um conjunto de normas e entendimentos comuns entre chefes de Estado,
que o leva a afirmar que eles efectivamente formam uma sociedade e não meramente
um sistema internacional.

Oitavo, a teoria da globalização tem diversos pontos em comum com o argumento de


Francis Fukuyama (1992) sobre o fim da história. Para Fukuyama o poder da economia
de mercado está a resultar numa democracia liberal, substituindo todos os outros tipos
de governo. Apesar de reconhecer que existem outros tipos de regimes políticos capazes
de desafiar a democracia liberal, ele não acredita que nenhuma das alternativas como o
comunismo, fascismo ou islamismo sejam capazes de promover o bem estar económico
da forma que a democracia liberal o faz. Neste sentido, existe uma direcção para a
história e essa direcção é a da expansão da economia de mercado pelo mundo.

Finalmente, há muitas semelhanças entre alguns dos aspectos políticos da globalização


e as ideias do progresso liberal. Isto foi recentemente expresso na teoria da paz liberal
de escritores como Bruce Russett (1993) e Michael Doyle (1983), apesar de remontarem
a escritores como Immanuel Kant. A ideia principal é a de que as democracias liberais
não lutam umas contra as outras, e embora possam haver disputas como é normal na
democracia liberal, o facto é que para os defensores desta ideia não existem casos onde
duas democracias tenham ido para a guerra. A razão que eles reclamam é a de que a
responsabilidade pública é tão central nos sistemas democráticos que a opinião pública
não iria facilmente permitir que os seus líderes travassem guerras com outras nações
democráticas. Uma vez mais, a principal ligação com a globalização, é a suposição de
que há progresso para a história, e que este é o facto das guerras estarem cada vez mais
distantes.

5 - Definição de Globalização

A Globalização refere-se ao processo pelo qual as relações sociais adquirem as


qualidades relativas da ausência de distância e de fronteiras, no sentido de que a vida

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humana se realiza num mundo visto cada vez mais como um só lugar. As relações
sociais são cada vez mais conduzi das e organizadas na base de uma unidade planetária.

As localizações dos países e as fronteiras entre Estados territoriais estão a tomar-se cada
vez menos importantes para a nossa vida, apesar de continuarem significativas.

Importa distinguir Globalização de Internacionalização. Tal como o termo indica,


Internacionalização refere-se à intensificação das conexões entre domínios nacionais.

Como resultado da internacionalização os países passam a ter maiores e crescentes


efeitos uns nos outros, mas permanecem como lugares separados e distintos. Nas
Relações Internacionais os países estão divididos uns dos outros através de fronteiras
bem definidas. A Globalização, por seu turno, é supraterritorial, pois é um fenómeno
que atravessa as fronteiras e se estende através do mundo.

Enquanto que, as questões da interdependência internacional são fortemente


influenciadas pelas divisões dos Estados-nacionais, as linhas das interconexões globais
pouco têm a ver com as fronteiras territoriais. Relações Internacionais e Globais podem
coexistir, pois o mundo actual é simultaneamente internacionalizado e globalizado.

5.1- Várias definições de Globalização

“Globalização refere-se a todos os processos pelos quais as pessoas do mundo são


incorporadas numa só sociedade mundial, sociedade global”
(Martin Albrow, 1990)

“Globalização pode ser definida como a intensificação das relações sociais mundiais
que ligam localidades distantes de uma tal forma que acontecimentos locais são
formados por acontecimentos que ocorrem a milhares de kms de distância”
(Anthony Giddens, 1990)

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“As características da Globalização incluem a internacionalização da produção, novos
movimentos migratórios do sul para o norte, um novo ambiente competitivo que acelera
estes processos e a internacionalização do Estado, tomando os Estados em agências do
mundo globalizado.”
(Robert Cox, 1994)
“O mundo está a transformar-se num centro comercial global, onde as ideias e os
produtos estão disponíveis em todo o lado ao mesmo tempo.”
(Rosabeth Moss Kanter, 1995)

“Globalização é o que nós no Terceiro Mundo, durante séculos, chamamos de


colonização.”

(Martin Khor, 1995)

6 - Globalização: Mito ou Realidade?

A nossa tarefa final neste texto é oferecer-lhes um resumo dos principais argumentos a
favor e contra a Globalização.

Os principais argumentos a favor da globalização, compreendendo uma nova era da


política mundial, são:

1 - A marcha da transformação económica é tão grande que criou um novo mundo


político. Os Estados já não são unidades fechadas e não podem controlar as suas
economias. A economia mundial é mais interdependente que nunca, com o comércio e
as finanças em expansão.

2 - As comunicações têm fundamentalmente revolucionado a forma como nós lidamos


com o resto do mundo. Agora vivemos num mundo onde os acontecimentos num dado

41
local podem ser imediatamente observados do outro lado do mundo. As comunicações
electrónicas alteram as nossas noções dos grupos sociais onde trabalhamos e vivemos.

3 - Há, agora, mais do que nunca, uma cultura global, no sentido de que muitas áreas
urbanas se parecem umas com as outras. O mundo partilha uma cultura comum, muito
da qual proveniente de Hollywood.

4 - O mundo está a tornar-se mais homogéneo. As diferenças entre pessoas estão a


diminuir.

5 - Tempo e espaço parecem estar a desmoronar-se. As nossas velhas ideias de


espaço geográfico e de tempo cronológico estão a destruir-se pela velocidade das
comunicações modernas e dos media.

6 - Está a emergir uma política global, com movimentos transnacionais sociais e


políticos, bem como com uma transferência de lealdade do Estado para corpos sub-
estatais, transnacionais e internacionais.

7 - Uma cultura cosmopolita está a desenvolver-se. As pessoas estão a começar a


“pensar globalmente e a agir localmente”.

8 - Uma cultura de risco está a emergir com pessoas realizando-se mutuamente, onde
os principais riscos que enfrentam são globais (poluição e SIDA) e onde os Estados são
incapazes de lidar com os problemas.

Contudo, tal como há fortes razões para ver a globalização como uma nova fase na
política mundial, muitas vezes aliada à visão de que a globalização é progressiva, isto é,
que melhora a vida das pessoas, há também argumentos que sugerem o oposto. Alguns
dos principais argumentos contra são os seguintes:

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1 - Uma óbvia objecção à tese da globalização é a de que é um mero termo para denotar
a última fase do capitalismo. Numa poderosa crítica da teoria da globalização, alguns
autores argumentam que um efeito da tese da globalização é que faz parecer que os
governos nacionais são impotentes no quadro das tendências globais. Isto acabou por
paralisar as tentativas governamentais para sujeitar as forças económicas globais a um
controlo e regulamentação. Eles concluíram que a versão extrema da globalização é um
“mito” e suportam esta reivindicação com cinco principais conclusões, a propósito dos
seus estudos da economia mundial contemporânea:

 Primeiro, a presente economia internacionalizada não é única na história.


Nalguns pontos dizem até que é menos aberta do que a economia internacional o
era entre 1870 e 1914.

 Segundo, chegaram à conclusão que as companhias transnacionais genuínas são


relativamente raras, e que muitas são companhias nacionais comercializando
internacionalmente. Não há tendências para o desenvolvimento de companhias
internacionais.

 Terceiro, não há deslocações de finanças e capital do mundo desenvolvido para


os mundos subdesenvolvidos. O investimento directo está altamente concentrado
nos países do mundo desenvolvido.

 Quarto, a economia mundial não é global, uma vez que o comércio, o


investimento e .os fluxos financeiros estão concentrados em e entre três blocos -
Europa, América do Norte e Japão.

Finalmente, eles argumentam que este grupo de três blocos podia, caso coordenassem
políticas, regular as forças e os mercados económicos globais.

2 - Outra objecção óbvia é que a globalização é muito desigual nos seus efeitos. Parece

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ser uma teoria ocidental aplicável só numa pequena parte da humanidade. Noutras
palavras, a globalização só apela para o mundo desenvolvido. No resto do mundo, não
há globalização. Estamos em perigo de exagerar a extensão e a profundidade da
globalização.

3 - Outra objecção é a de que a globalização pode simplesmente ser a fase mais tardia
do imperialismo ocidental. É a velha teoria de modernização. As forças que estão a ser
globalizadas são aquelas que são encontradas no mundo ocidental. E sobre os valores
não - ocidentais? Onde é que eles encaixam neste mundo global emergente? O problema
é que não encaixam de todo, e o que está a ser celebrado na globalização é o triunfo da
visão ocidental do mundo, em detrimento de outras visões mundiais de outras culturas.

4 - Os críticos têm igualmente notado que continuam a existir consideráveis perdas ao


mesmo tempo que o mundo se torna mais globalizado. Isto porque representa o sucesso
do capitalismo liberal num mundo dividido economicamente. A globalização permitiu a
mais eficiente exploração de nações menos prósperas, e tudo em nome da abertura. As
tecnologias que acompanham a globalização são tecnologias que automaticamente
favorecem as economias ricas no mundo. Então, a globalização não é só imperialista,
como é também exploradora.

5 - Precisamos também fazer notar que nem todas as forças globalizadas são
necessariamente boas forças. A globalização facilita a actuação dos cartéis de droga e
dos terroristas, e a anarquia da internet levanta questões cruciais de censura e prevenção
do acesso a certos tipos de material.

6 - Finalmente, parece-nos haver um paradoxo no coração da tese da globalização. Por


'um lado, é geralmente retractado como o triunfo do Ocidente, dos valores do mercado,
mas depois, como é que nós explicamos o extraordinário sucesso de algumas economias
nacionais num mundo globalizado? Como por exemplo, os chamados “Tigres
Asiáticos”, países como Singapura, Taiwan, Malásia, e Coreia, os quais têm

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apresentado algumas das taxas de crescimento mais elevadas na economia internacional,
mas subscrevem muito diferentes valores “Asiáticos”. Estas nações enfaticamente
rejeitam os valores Ocidentais, e, no entanto, tiveram um enorme sucesso económico. O
paradoxo é saber se estes países podem continuar a modernizar-se sem adoptar os
valores Ocidentais. Se isto for verdade, como é que fica o principal argumento da
globalização, que afirma a expansão de determinados valores através do globo? Se estes
países continuarem a seguir as suas próprias vias para a modernização económica e
social, então devemos antecipar disputas futuras entre os valores “Ocidentais” e os
“Asiáticos”, sobre questões como os direitos humanos, religião (...).

Estes argumentos pró e contra a globalização obrigam-nos a reflectir profundamente


sobre a utilidade do conceito de globalização na explicação contemporânea do mundo
político. E a levantar algumas questões que nos ajudam a pensar quanto à problemática
da globalização:
 É a globalização um novo fenómeno na política mundial?

 Qual a teoria que melhor explica a globalização?

 É a globalização um desenvolvimento positivo ou negativo?

 É a globalização meramente a última fase do desenvolvimento do capitalismo?


A globalização toma o Estado obsoleto?

 A globalização faz o mundo mais ou menos democrático? É a globalização


meramente um imperialismo Ocidental?

 A globalização toma a guerra menos provável?

Seja como for a Globalização constitui uma nova fase do mundo político, e quer a
pensemos como um positivo ou negativo estádio de desenvolvimento, ela está presente,

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competindo-nos a nós reflectir e decidir sobre a mesma.

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7. - O terrorismo

1. Introdução

A primeira dificuldade de abordagem da questão do Terrorismo tem a ver com a sua


definição. Sendo um termo que se localiza no interface das ciências sociais e da política,
é praticamente impossível chegar a uma definição pertinente e operacional, que não
esteja automaticamente ligada a conotações negativas e que os actores políticos utilizam
para desqualificar outros actores.

De uma certa forma, pode-se sempre vir a ser um terrorista para alguém. Com efeito,
em certas configurações políticas ou militares, um actor poderá ser um terrorista para
uns e um herói ou resistente para outros. Sendo esta qualificação um meio de
desqualificação, ela torna-se uma dupla e poderosa arma política: o adversário chamado
de “terrorista” não tem o direito a ser levado em consideração e é relegado para um
nível infra-político, de onde se excluem todas as regras do jogo político.

Os responsáveis da OLP são considerados pelos israelitas como “assassinos terroristas”,


esquecendo que líderes israelitas – Menahem Begin, Shamir, etc. – também foram
considerados terroristas ao lutarem contra os ingleses e árabes na década de 40,
chefiando movimentos secretos pró-independência de Israel. Esta lógica, em última
instância, justifica qualquer acto de violência legitimado, desde que se invente uma
justificação; todos os actos de violência seriam igualmente aceitáveis ou condenáveis;
ora, a verdade é que, tais actos, quando bárbaros e insensíveis aos princípios universais
de gente civilizada, podem ser classificados de “Terroristas”.

Com um terrorista não existe possibilidade de discussão, de negociação ou de


compromisso, pois tal significaria um reconhecimento de natureza política que está, por

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definição, excluído. Como o actor qualificado de terrorista não existe politicamente,
torna-se legítimo tudo tentar para impedir o seu aparecimento e acção.

Nesta lógica, não se discute com um terrorista, combatemo-lo. Este método de acção
permite condenar moralmente aquele contra o qual se combate. Em certos casos, isto
corresponde à realidade, quando, por exemplo, o combate é travado contra homens
prontos a tudo em nome de sistemas ideológicos totalmente sectários, mas, noutras
situações, o terrorista pode ser, para os seus, um verdadeiro combatente, um resistente
que se bate por uma causa absolutamente legítima, mas que o adversário entende
desconsiderar.

Este método releva, assim, de uma amálgama tanto mais fácil de elaborar quanto a
fronteira entre estas diferentes hipóteses é extremamente fluída, tendo até existido, em
certas épocas, algumas cumplicidades entre organizações isoladas e movimentos muito
mais enraizados, por exemplo, nos anos sessenta, entre certos grupos europeus e os
palestinianos.

Como apareceu o termo “Terrorista”?

Na França, a sua etimologia remonta à época da Revolução onde, após a queda de


Robespierre, ele foi empregue para designar os que haviam apoiado ou aplicado a
política de terror dos anos 1793-1794.

O termo terror é muito mais antigo e designa um medo extremo que perturba, paralisa
ou enlouquece. Expressões como “gelado de terror” ou “morto de terror” mostram bem
o que tal implica no plano psicológico.

2. O que é o Terrorismo ?

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O Terrorismo é “o uso da violência com o propósito de exercer uma extorsão, coacção e
publicidade para uma causa política.” Esta definição sugere que o Terrorismo resulta, no
mínimo, da combinação de três a quatro elementos, a saber:
 Inclui a ameaça ou o uso real da violência não convencional desenvolvida tanto
para atacar, como para obter publicidade ou causar o terror;
 Caracteriza-se por uma violência motivada politicamente;
 A natureza quase incidental dos objectivos contra os quais se orienta e executa a
violência; as vítimas, sejam as pessoas, sejam os bens, têm uma relação indirecta
com os grandes objectivos que orientam tal violência;
 A tendência de quem exerce o terrorismo ser um actor não estatal, isto é,
“grupos marginais”, a quem se nega um estatuto legítimo e que buscam afectar
ou subverter uma certa forma de ordem estabelecida.

Alguns governos participam, pelo menos indirectamente, em actividades terroristas,


quer através de agências clandestinas, quer mediante o envio de armas e outras formas
de apoio a grupos terroristas.

As práticas anti-terroristas adoptadas pelos governos também podem chegar a assimilar-


se com os métodos terroristas que se propõem reprimir e podem colocar problemas de
carácter moral quanto a adiantarem ou não negociações com os terroristas a respeito dos
direitos dos cidadãos.

Apesar de o terrorismo não ser um fenómeno novo, veio a constituir-se, na era


contemporânea, numa preocupação séria, devido à crescente vulnerabilidade da
sociedade, em que as comunicações, a tecnologia e os transportes permitem aos
terroristas operar à escala mundial, estendendo as suas redes muito para além do país de
origem.

Os países ocidentais, Médio Oriente e América Latina são os principais focos dos
ataques terroristas e os bens e cidadãos dos EUA continuam a ser objectivos

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primordiais. Os actos terroristas resultam, geralmente, em poucas baixas humanas,
apesar da terrível natureza do fenómeno.

A selecção dos objectivos e métodos varia de um grupo terrorista para outro, e os


padrões de comportamento são afectados por factores como a ideologia do grupo,
dimensão, idade e localização.

Se bem que os terroristas em geral consigam alcançar alguns êxitos nas suas metas
imediatas, as suas grandes aspirações raramente são plenamente obtidas. Estas podem ir
desde a criação de um país próprio, até à transformação da ordem política e económica
mundial.

Actualmente, aos problemas do terrorismo podem agregar-se as revoltas de carácter


político e sócio-económico em várias partes do mundo.

Os esforços para combater o terrorismo complicam-se pelo facto de os governos, com


frequência, terem pontos de vista conflituosos sobre tal matéria. Alguns deles,
particularmente no que se relaciona com as actividades terroristas que têm lugar no
mundo em desenvolvimento, argumentam que o terrorismo é uma arma legítima dos
oprimidos. Contudo, a pouco e pouco vai ganhando aceitação o conceito de uma
responsabilidade mundial para combater o terrorismo. Hoje em dia, existem numerosos
tratados relacionados com os sequestros aéreos e outros aspectos próprios do terrorismo:
 A Convenção de Tóquio de 1968;
 A Convenção de Haia de 1970: obrigando a que os Estados extraditem ou
julguem os sequestradores;
 A Convenção de Montreal de 1971: incluindo não só os sequestradores aéreos,
mas também toda a pessoa que cometa actos de sabotagem contra aeroportos ou
aviões em terra; acordos adicionais de carácter multilateral proíbem o sequestro
de navios, roubo de material nuclear, uso do correio para envio de explosivos e
outras substâncias perigosas, etc.

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Outro campo de cooperação multilateral tem a ver com o facto de se compartilhar os
recursos policiais e as tecnologias de vigilância. Existe um amplo e difundido interesse
entre os governos em limitar o potencial dos ataques terroristas do tipo nuclear e de
outros conducentes a destruições maciças.

3 – A definição de Terrorismo

Para Raymond Aron, uma acção violenta é denominada de terrorismo quando os seus
efeitos psicológicos ultrapassam em muito os seus resultados puramente físicos.

Esta definição não se pode, contudo, separar das circunstâncias históricas, às quais o
autor de refere (a II Guerra Mundial e a guerra da Argélia), acrescentando que, neste
sentido, os atentados ditos indiscriminados dos revolucionários são terroristas, como o
foram alguns bombardeamentos anglo-americanos de determinadas zonas.

Para ele, o essencial está nesta dimensão psicológica: o acto cometido impressiona e
afecta fortemente os espíritos em condições que variam de acordo com os contextos.

Num contexto completamente diferente, Benjamin Netanyahu defende que o terrorismo


é a morte sistemática e deliberada de inocentes para inspirar o medo com fins políticos.
Ele visa aqui os atentados contra inocentes (que implicitamente são os civis israelitas ou
os cidadãos judeus em qualquer parte do Mundo), insistindo no facto de que, em tal
caso, a distinção entre combatentes e não combatentes é completamente inexistente.

Na medida em que as vítimas do terrorismo não tenham nada a ver com o conflito que
está na origem desses actos, a fórmula parece pertinente; mas tal abordagem torna-se
frágil quando as próprias operações de guerra também provocam a morte de civis
inocentes.

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Por outro lado, importa sobretudo sublinhar a subjectividade do autor que não aceitaria
certamente, por exemplo, que o bombardeamento da cidade libanesa de Canaa pela
aviação israelita, que fez uma centena de vítimas inocentes em Abril de 1996, fosse
considerado como uma acção terrorista.

Vejamos outras definições básicas de Terrorismo:

Prática de terror como instrumento de acção política, procurando alcançar, pelo uso
da violência, objectivos que poderiam ou deveriam cometer-se ao exercício legal da
vontade política. O Terrorismo caracteriza-se, antes de mais, pela indiscriminação das
vítimas a atingir, pela generalização da violência, visando, em última análise, a
liquidação, desactivação ou retracção da vontade de combater do inimigo
predeterminado, ao mesmo tempo que procura paralisar também a disponibilidade de
reacção da população. (“Terrorismo”, in Polis – Enciclopédia Verbo do Direito e do
Estado, V volume, col. 1196)

O Terrorismo pode ser definido como uma intimidação coerciva ou como o uso
sistemático do assassínio, violência, destruição ou medo, para criar um clima de terror,
no sentido de chamar a atenção para uma causa ou coagir um alvo inimigo.
(“Terrorism”, in Vernon Bogdanor (ed.), The Balckwell Encyclopedia of Political
Institutions, Oxford, 1987, p. 608)

Terrorismo é o uso da violência politicamente, como meio de pressioner um governo


e/ou uma sociedade a aceitar uma mudança política ou social radical. (“Terrorism”, in
David Robertson, A Dictionary of Modern Politics, 2ª ed., Oxford, 1993, p. 458)

Prática política de recorrer sistematicamente à violência contra pessoas ou coisas,


provocando terror. (“Terrorismo Politico”, in Norberto Bobbio, Nicola Matteucii,
Gianfrnco Pasquino (dirs.), Dizionario di Politica, 2ª ed., p. 1186)

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A definição de Paul Wilkinson é mais precisa, uma vez que, para ele, o terrorismo é o
uso sistemático de uma violência política por pequenos grupos conspiradores, cujo
objectivo é influenciar as posições políticas muito mais do que destruir materialmente o
inimigo. A intenção da violência terrorista é psicológica e simbólica. Aqui encontramos
elementos importantes, já mencionados, como a dimensão psicológica do acto.
Todavia, a sua análise dos actores parece-nos redutora, uma vez que só se refere a
“pequenos grupos conspiradores”, deixando de fora, por exemplo, os movimentos de
libertação, que também recorrem a acções deste tipo e até os Estados que possam agir
desta maneira.

Em conclusão, podemos afirmar que o Terrorismo assenta no recurso sistemático à


violência como forma de intimidação da comunidade no seu todo. No entanto, a prática
do terror pode visar finalidades políticas muito distintas:
 a subversão do sistema político (como sucedeu com as Brigadas Vermelhas em
Itália ou com o Baader Meinhof na Alemanha);
 a destruição de movimentos cívicos ou democráticos (como sucedeu com a
Aliança Anticomunista da Argentina e, em certa medida, com os Esquadrões da
Morte brasileiros);
 o separatismo (como sucede com a ETA);
 a afirmação de convicções religiosas (como sucede com alguns movimentos
fundamentalistas).

4 - Os Actores

A diversidade de actores susceptíveis de recorrer a actos terroristas é enorme: desde um


pequeno grupo de indivíduos ou mesmo um indivíduo isolado, até aos poderosos
serviços especiais de um Estado.

No entanto, podemos distinguir, pelo menos, três principais tipos de actores: os


movimentos de libertação; os Estados e as seitas políticas.

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4.1 - Os Movimentos de Libertação

Os movimentos de libertação estiveram no coração dos combates pela autodeterminação


durante toda a era da descolonização, que está actualmente praticamente terminada.

Com algumas diferenças de acordo com as situações, estes movimentos eram, na maior
parte dos casos, organizações populares mais ou menos bem implantadas no seio da
população, em nome da qual pegavam em armas, como, por exemplo, nos seguintes
casos:
 FLN na Argélia;
 OLP na Palestina;
 FNL no Vietnam Sul;
 PAIGC na Guiné-Bissau;
 FPLE na Eritreia; etc.

Alguns integravam numerosos combatentes, outros nem por isso. Todavia, o essencial
não era o número – mesmo constituindo um factor de importância – mas uma certa
representatividade ou, como defendem certos autores, uma certa “densidade social”,
uma vez que, mesmo pouco numerosos, eles estão enraizados no seu povo, que os
reconhece como estando fundamentalmente do seu lado, pelo menos até à
independência.

Por outro lado, logo que estes movimentos se transformam em partido único ou
dominante, são frequentes os casos de rupturas profundas entre estes novos poderes e a
maioria da população. Estes movimentos recorrem sobretudo à guerrilha sob todas as
suas formas, isto é, acções de exaustão/esgotamento contra objectivos militares e
económicos do inimigo, evitando operações frontais, nas quais não teriam qualquer
hipótese. Mesmo sendo estas acções quase sempre qualificadas de “terroristas” pelo

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adversário, elas têm a ver com uma vontade global de combater uma ocupação ou uma
repressão sentida por toda a população ou, em todo o caso, por uma grande maioria
desta população.

Mas, ao mesmo tempo, é claro que em certos momentos deste combate, estes
movimentos possam recorrer a acções de tipo terrorista, nomeadamente quando visam
pessoas inocentes que não estão directamente implicadas no conflito.

O terrorismo substitui, muitas das vezes, a guerrilha, quando esta se torna impraticável
nos casos em que o desequilíbrio das forças é enorme (como, por exemplo, para os
Palestinianos no fim dos anos sessenta).

4.2 - Os Estados Terroristas

A noção de Estado terrorista foi muitas vezes utilizada para designar muitos países do
Médio Oriente, que se supunha estarem por trás de muitos dos atentados contra bens e
pessoas no Ocidente: foram os casos da Síria, do Irão, da Líbia e do Iraque.

Se, por um lado, não existem dúvidas que estes Estados, em algum momento, já
recorreram a este tipo de práticas, por outro, a decisão de os designar como Estados
terroristas tem na base múltiplas motivações que, no essencial, têm a ver com os
interesses dos Estados que assim os designam.

Esta designação implica, como vimos, uma condenação que não é de ordem ética –
mesmo que se tente que esta prevaleça –, mas sim política, no sentido maquiavélico do
termo.

A atitude em relação à Síria é um exemplo desta visão: durante anos colocada na lista
dos Estados terroristas, ela foi objecto de sanções internacionais, mas desde que
escolheu o “lado certo” na Guerra do Golfo (e presentemente, no que diz respeito à

55
intervenção americana no Afeganistão), passou a ser vista de outra forma e já se admite
a importância do seu papel no Próximo Oriente.

A noção de Estado terrorista é vaga, tanto mais que o próprio termo “terrorista” nos
coloca perante variadas formas de recurso à violência, no campo específico das
Relações Internacionais, que se caracteriza pela anarquia.

Alguns autores defendem, de uma forma mais global, que um Estado terrorista não é
somente aquele que comanda as acções de terrorismo internacional, mas sobretudo
aquele que utiliza maciçamente a violência no interior do seu próprio território.

Esta utilização sistemática da violência tem como objectivo fazer reinar o terror, não só
no seio de todos os seus opositores (inimigo objectivo), mas também em todos aqueles
que o regime em causa considere como perigosos (suspeito).

Esta forma de terror toma um sentido bem diferente: não diz respeito somente a alguns
indivíduos, mas a categorias inteiras da população; não é uma mera ameaça, mas um
processo organizado, cujo objectivo é esmagar fisicamente toda a oposição que se
afirme ou que seja considerada como tal. Não se trata unicamente de impressionar, mas
de destruir.

4.3 - As Seitas Políticas

As seitas políticas são organizações completamente obcecadas por uma retórica


dogmática, cujo conteúdo ideológico, impregnado de referências revolucionárias
confusas, encontra o seu prolongamento numa acção violenta levada a cabo com toda a
determinação de que o fanatismo é capaz.

Mesmo que possam seduzir alguns fragmentos desamparados da sociedade onde se


encontram, elas não conseguem ter uma grande representação. Foram os casos de

56
grupos como a Fracção Armada Vermelha (na RFA), as Brigadas Vermelhas (na Itália)
ou a Acção Directa (em França).

Este tipo de seitas, prisioneiras da sua visão deformada do mundo, já não existem, mas
outros grupos surgiram de uma forma brutal, para fomentar atentados mortíferos um
pouco por todo o mundo: como os GIA (Grupos Islâmicos Armados), que aterrorizam a
população argelina e organizam atentados na França ou como, por exemplo, a Al-Qaeda
com os atentados recentes, de 11 de Setembro de 2001, nos EUA.

Estes grupos, com características diferentes, têm em comum o fanatismo e o ódio que os
conduz ao assassinato indiscriminado. São particularmente perigosos, uma vez que são
capazes de congregar um grande número de militantes prontos a tudo, mesmo a morrer,
bem como são totalmente independentes de qualquer estrutura estatal, mesmo que
possam estar infiltrados ou a ser manipulados por outros actores políticos.

Se as guerrilhas clássicas quase desapareceram e se o terrorismo de Estado não tem


mais a mesma importância, estas seitas, pelo contrário, têm proliferado ao ponto de
aparecerem actualmente como uma ameaça extremamente preocupante, porventura, a
ameaça mais terrível do século XXI.

Muitos autores e especialistas na luta anti-terrorista defendiam que, privadas do seu


tradicional apoio com a queda da URSS, as organizações terroristas mais radicais já não
estariam em condições de actuar. Foi, de facto, o que se passou com algumas, mas
outras tomaram os seus lugares e num contexto político muito mais indefinido, o que
põe por terra a ideia de que o terrorismo não iria subsistir após o fim da Guerra Fria, a
não ser sob uma forma meramente marginal.

Actualmente, a ameaça terrorista é planetária... Ela diversificou-se quanto à sua


origem e modos de expressão (Jean-Luis Bruguière, 1996).

57
5 - Lógicas de Actuação

Esta estratégia indirecta que está na base das lógicas de actuação, nas acções terroristas,
repousa sobre alguns princípios simples.

Desde logo, o da concentração no tempo: uma acção terrorista surge bruscamente num
dado momento e é repercutida nos média e desmesuradamente amplificada.

A concentração no tempo pode resultar não só de uma acção, mas de várias, repartidas
sobre um curto período, cuja duração ninguém conhece. Isto leva-nos ao segundo
princípio: a maximização do incerto.

O acto terrorista é errático (não é fixo, nem regular), aleatório (pode surgir não se sabe
onde nem quando) e insólito (é contrário à ordem e produz uma ruptura na ordem
estabelecida). Provoca inquietude, suscita o medo e alimenta o rumor. A simples
ameaça pode substituir-se à acção propriamente dita e conduzir a fenómenos de psicose
colectiva que os terroristas procurarão explorar da melhor forma.

A partir destes elementos, o acto terrorista inscreve-se actualmente numa lógica


particular que já não é mais irracional, mesmo que pareça como tal. O acto terrorista
instrumentaliza as vítimas, a maior parte das vezes inocentes, para pressionar um
adversário (que é o verdadeiro alvo) numa situação conflitual. Tudo se passa como se a
relação a dois (terrorista e vítima) se transformasse num “triângulo terrorista-vítima-
alvo”.

Como escrevem alguns autores, a vítima, que está geralmente, mas não
necessariamente associada ao alvo, serve de instrumento para transmitir uma
mensagem a este último, para o traumatizar, desmoralizar ou influenciar de uma
maneira ou de outra (Alex Schmid e Janny de Graaf, 1988).

58
A operação terrorista insere-se num processo ligado a uma estratégia mais ou menos
elaborada, dentro de uma certa configuração política sempre marcada por uma relação
de forças extremamente desfavorável.

Em suma, quem leva a cabo este tipo de meios visa um ou mais objectivos: afirmar-se,
destabilizar um regime político ou um processo, pressionar para ganhar vantagem numa
negociação ou vingar-se de qualquer coisa ou de alguém.

59
PARTE III – OS ACTORES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Para os adeptos da escola clássica, que se impôs na Europa desde Hobbes até Raymond
Aron, o facto mais importante foi o da divisão do espaço em colectividades
independentes e soberanas, habilitadas em caso de necessidade a fazerem justiça pelas
próprias mãos. Esta visão conduziu a reservar ao Estado o papel de actor essencial e a
considerar como secundárias as manifestações da actividade internacional que não são
directamente controladas pelos governos. É uma perspectiva que coloca a ênfase na
persistência das relações de força e na questão da ameaça, permanente, que constitui o
recurso à guerra.

O realismo, que preside a esta leitura dos fenómenos internacionais, pode sem dúvida
encontrar muitos argumentos na prática contemporânea. Ele conduz, no entanto, a
negligenciar o papel cada vez mais importante dos actores não-estatais na cena
internacional, como as firmas multinacionais, as organizações internacionais, etc. Esta
corrente tem em conta, de uma maneira satisfatória, os fenómenos de tensão e os
acessos de violência que caracterizam o curso das Relações Internacionais, mas
subestima o interesse dos fenómenos de solidariedade, bem como a erupção das paixões
colectivas, que introduzem nas relações elementos que escapam a toda e qualquer
racionalidade.

Enfim, poder-se-á questionar se a tese da especificidade radical das Relações


Internacionais reflecte bem a complexidade dos fenómenos internacionais
contemporâneos e se apreende os ensinamentos necessários dos progressos atingidos
pelas ciências sociais, no conhecimento das estruturas e dos modos de funcionamento
de todas as organizações complexas.

É precisamente contra a especificidade atribuída às Relações Internacionais que se


edificou nos EUA, nos anos cinquenta, uma escola de pensamento que tem a sua

60
inspiração na teoria organicista. Longe de tomar o Estado como alvo principal da sua
investigação, esta escola dedicou-se a sublinhar a diversidade dos actores, estatais, mas
também infra e supra-estatais, que intervêm a um título ou outro no jogo das Relações
Internacionais. Mais do que as combinações diplomáticas e militares, estes autores
esforçam-se por analisar o conjunto das interacções entre a pluralidade dos diferentes
actores que eles identificaram. Para tal, alguns recorrem de preferência à análise
quantitativa dos comportamentos e tratam assim os inúmeros dados que lhes são
fornecidos pela observação estatística: a realidade internacional é deste modo
decomposta em inúmeros segmentos a partir dos quais se esforçam para elaborar ou
aperfeiçoar os modelos explicativos ou previsionais.

Foi sobretudo no estudo do mecanismo decisional que a combinação do processo


indutivo e da quantificação demonstrou o seu interesse.

Outros autores mostram-se mais reticentes a respeito deste método, uma vez que
contestam, não sem alguma razão, a validade de um tratamento quantitativo que se
apoia numa base estatística normalmente com um carácter frágil: os dados são
geralmente fornecidos pelos Estados, que podem muito bem ignorar ou até ter interesse
em camuflar a realidade. Por outro lado, afirmam que o processo indutivo conduz a
multiplicar, numa grande desordem, as observações de um interesse muito desigual, a
partir das quais as realidades elementares se encontram fragmentadas e desfiguradas. É
por isto que eles recorreram à análise sistémica que se propõe a discernir o
funcionamento dos conjuntos e a estudar a sua vida e desenvolvimento nas suas relações
com o ambiente. Esta abordagem, inspirada pelos ensinamentos da biologia e da
fisiologia, não está somente reservada ao estudo das Relações Internacionais, mas
mostra-se particularmente fecunda nesse âmbito (por exemplo, o estudo de um
“sistema” - um Estado ou uma organização- na sua relação com o ambiente).

1.1 – Os actores principais - os Estados

61
1.1.1- Definição de Estado

O Estado define-se pela reunião de três critérios: um território, uma população (um
povo) e um governo (poder político soberano). Juridicamente, a unidade estatal
distingue-se das outras colectividades territoriais pelo critério da soberania.

Os Estados diferem uns dos outros em razão do seu tamanho, da sua potência, da sua
força militar e da forma do seu governo (regime político).

Um território

Não pode existir Estado sem um território próprio e efectivamente ocupado. A extensão
do território não pode ser um obstáculo à constituição de um Estado e a sua
contiguidade não é essencial. Existem os chamados micro-Estados, cujo tamanho é
reduzido (por exemplo, Antígua com 446 km quadrados e Singapura com 620, situando-
se até entre os 50 mais ricos do Mundo) e os Estados arquipelágicos que podem até ser
extremamente descontínuos (como é o caso da República de Kiribati com uma
superfície de apenas 849 km quadrados, repartidos por cerca de 5000 km do Oceano
Pacífico), mas que nem por isso deixam de ser Estados.

Todavia, sobre um território não pode existir mais que um Estado.

O território de um Estado é delimitado pelas suas fronteiras. Daí a importância das


fronteiras reconhecidas e admitidas pelos seus vizinhos. Neste sentido, se compreendem
os esforços de fazer triunfar o princípio da inviolabilidade das fronteiras, uma vez que a
história das relações internacionais demonstra que os conflitos tiveram, na maioria dos
casos, origem nas contestações fronteiriças.

62
O Estado exerce a sua soberania sobre o conjunto do território delimitado pelas suas
fronteiras, ou seja, o espaço terrestre (engloba as propriedades privadas, bem como as
dependências do domínio público, os rios, os lagos, os mares interiores e os canais), o
espaço marítimo (zona adjacente às costas, que se estende às águas interiores, tais como
portos, enseadas e baías, bem como ao mar territorial, situado entre estes últimos e o
alto mar, compreendendo 12 milhas a partir da costa) e o espaço aéreo (o território aéreo
é composto pelo espaço aéreo sobrejacente ao espaço terrestre e ao marítimo, enquanto
que o espaço extra-atmosférico é livre).

Uma população

A população de um Estado é formada pelo conjunto dos indivíduos, nacionais ou


estrangeiros, que vivem sobre o seu território.

O laço jurídico que liga um indivíduo a um Estado é o da nacionalidade, relativamente


ao qual cada Estado determina as condições da sua atribuição. É a nacionalidade, laço
exclusivo entre o Estado e os seus cidadãos, que distingue os nacionais dos estrangeiros.
Estes podem até ser mais numerosos que os primeiros, como o caso dos Palestinianos
no Koweit antes da guerra. Por outro lado, os nacionais podem residir sobre o território
ou no estrangeiro, todavia nem a ausência, nem o exílio podem romper
automaticamente este laço tão importante. Os estrangeiros residentes no território têm
menos direitos no plano político e muitas vezes sobre o plano económico também.

A identidade jurídica pode ser contestada e por vezes rivalizada por uma identidade
ideológica, como é o caso dos chamados “cidadãos do Mundo”, que recusam a ligação a
uma pátria, ou ainda o caso de certos ideólogos árabes, que desenvolveram a ideia de
uma “nacionalidade árabe”, superior à nacionalidade conferida por cada um dos países
árabes. No entanto, o problema complica-se quando se aborda a questão chinesa, isto é,
Taiwan e a China continental reivindicam uma só nacionalidade para duas entidades
estatais.

63
Cada Estado fixa livremente as regras de aquisição da sua nacionalidade. Porém, três
princípios dominam o conjunto das legislações sobre a questão: nacionalidade por
ascendência ou filiação (jus sanguinis); nacionalidade determinada pelo lugar de
nascimento ou residência (jus soli) ou a combinação das duas.

Um governo

O fenómeno estatal é um fenómeno político-administrativo. O governo deverá ser


entendido em sentido lato, englobando o poder político e o aparelho administrativo. Isto
pressupõe a presença de uma organização capaz de assumir as principais funções
estatais, ou seja: legislação, administração, jurisdição; defesa da integridade do
território, protecção da população; funcionamento dos serviços públicos.

Qualquer Estado é livre de escolher e estabelecer o seu sistema político, como entender.
A única condição que o Direito Internacional impõe ao poder estatal é a da sua
efectividade. O mesmo será dizer que um governo é susceptível de representar
validamente o Estado na condição de que realmente governe. Deste modo, uma
colectividade humana perde o carácter estatal quando desaparece a efectividade do
poder político que a regule (ex: a ex-RDA em 1989).

Todavia, o Estado não se define somente pelos elementos sociológicos constitutivos.


Ele possui, além disso, um atributo jurídico único: a soberania. Assim, enquanto
elemento da Sociedade Internacional, o Estado é um actor que possui personalidade
jurídica. Enquanto sujeito de Direito, é uma personalidade jurídica soberana que exerce
competências (direitos e deveres) conformes ao Direito Internacional.

No plano interno, dizer que o Estado é soberano significa simplesmente que ele tem o
poder de comandar e de decidir em última instância.

64
No plano internacional, a soberania não quer dizer que o Estado não tenha que se
submeter a regras obrigatórias que lhe são superiores. Significa, em vez disso, que o
Estado não é submetido, sem o seu consentimento, a qualquer autoridade ou organismo
que lhe imponha um constrangimento.

O conceito de “independência”, que mais não é do que a tradução política de soberania,


reflecte bem esta situação original. Todos os Estados são juridicamente iguais e
soberanos, todos têm os mesmos direitos e os mesmos deveres fundamentais. Com
efeito, a simples coexistência de várias entidades estatais sobre o globo impõe-lhes
regras minuciosas de repartição de competências. Se nenhum Estado está subordinado a
outro, mas somente ao Direito, é porque o Direito é a condição de existência da
Sociedade Internacional.

1.1.2- Os princípios político-jurídicos das relações entre os Estados

O princípio da igualdade soberana dos Estados (art.2º, nº1 da Carta da ONU)

Manifesta-se, por exemplo, sobre o plano diplomático e sobre o plano económico.


Diplomaticamente, a regra fundamental que governa a participação dos Estados nas
conferências internacionais é a da igualdade. Ela traduz-se pela fórmula: um Estado,
uma voz. Normalmente, as decisões serão tomadas por unanimidade ou por consenso. O
princípio aplica-se também por ocasião dos compromissos subscritos por tratados
(procedimento de elaboração e execução, escolha da língua, assinatura por ordem
alfabética, etc.) ou a propósito das relações diplomáticas e dos privilégios dos quais
beneficiam os representantes dos Estados. Económicamente, o princípio concretiza-se
pela igualdade de tratamento no domínio marítimo, fluvial, comercial.

Todavia, também é verdade que a desigualdade de desenvolvimento dos Estados coloca


parcialmente em causa o princípio da igualdade económica.

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O princípio da não-intervenção (art.2º, nº7 da Carta da ONU)

Se o princípio da igualdade é uma consequência da soberania, o princípio da não


intervenção (ou da não-ingerência) aparece, ele próprio, como um corolário do princípio
da soberania. Ele exprime a obrigação para um Estado de se abster de se imiscuir nas
questões interiores ou exteriores de outro Estado. A consequência directa deste
princípio é que são ilícitas, não só as coacções militares, mas todas as pressões
económicas, diplomáticas, ou quaisquer outras que um Estado mais forte possa exercer
sobre um Estado mais fraco.

O princípio da independência política e do não-recurso à força (art.2º, nº4 da


Carta da ONU)

O princípio da independência política interdita a subordinação de uma entidade estatal a


outra. É um princípio protector, que tem por objecto garantir uma certa segurança nas
relações internacionais. Este princípio figura na Carta da ONU, no art.2º, nº4: “Os
membros da Organização deverão abster-se, nas suas relações internacionais, de
recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a
independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível
com os objectivos das Nações Unidas.”

Por outro lado, a competência da guerra foi abolida, salvo em caso de legítima defesa
(art.51º).

O corolário do não-recurso à força é naturalmente o princípio do regulamento pacífico


dos conflitos (art.2º, nº3) ou dos diferendos internacionais (capítulo VI da Carta da
ONU).

O princípio da coexistência pacífica entre Estados com regimes sócio - políticos opostos

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Conceito de origem marxista e mais exactamente leninista, o princípio da coexistência
pacífica foi incorporado pela primeira vez num tratado em 1954 (tratado entre a Índia e
a China, sobre o Tibete). Mais tarde foi retomado pelos Estados socialistas e
apresentado aos Estados capitalistas por Krouchtchev em 1956 (XX Congresso do
PCUS).

Tal como foi mencionada pelo tratado sino-indiano, a coexistência pacífica


compreendia quatro princípios, além do princípio em si mesmo, a saber:
 Respeito mútuo da integridade territorial e da soberania;
 Não-agressão mútua;
 Não-ingerência mútua nas questões internas;
 Igualdade e vantagens mútuas
 Coexistência pacífica.

Após um longo trabalho de codificação, a 24 de Outubro de 1970, a Assembleia Geral


das Nações Unidas adoptou, por ocasião do seu 25º aniversário, uma Declaração
relativa aos princípios do direito internacional respeitantes às relações amigáveis e à
cooperação entre os Estados, conformes à Carta, que desenvolveu sob uma nova
denominação o conteúdo da política da coexistência pacífica entre Estados com regimes
políticos e sociais opostos.

A Resolução-declaratória 2625 (XXV) proclamava solenemente que aquela política


repousaria sobre os sete princípios fundamentais seguintes:
 Não-recurso à força;
 Regulamento pacífico dos diferendos internacionais;
 Não-ingerência nos negócios internos de um Estado;
 Dever dos Estados cooperarem uns com os outros;
 Igualdade dos direitos dos povos e direito à auto-determinação;
 Igualdade soberana dos Estados;

67
 Princípio do cumprimento de boa-fé das obrigações assumidas em função da
Carta.

A Acta final de Helsínquia, assinada pelos 35 Estados membros da CSCE (Conferência


de Segurança e Cooperação na Europa), acrescentou-lhes mais três:
 Inviolabilidade das fronteiras;
 Integridade territorial;
 Respeito pelos direitos do homem.

1.1.3- Os diferentes “clubes de Estados”

A sociedade internacional é uma sociedade interestatal, uma sociedade de justaposição


de Estados soberanos e iguais. Todavia, os actores estatais estão repartidos num certo
número de “clubes”, os quais devem ser tidos em conta, para que se possa compreender
o jogo internacional. Assim, podem-se distinguir sete principais “clubes” de Estados.

Do ponto de vista militar

Aqui encontramos o chamado “clube nuclear”. A distinção entre Estados dotados da


arma atómica e os que não a possuem traduz uma desigualdade de poder.
Actualmente, fazem parte do clube nuclear os cinco Estados membros permanentes do
Conselho de Segurança da ONU, a saber: os dois grandes (Rússia e EUA), a França, a
Grã-Bretanha e a República Popular da China.
Todavia, outros Estados possuem potencial e arma nuclear, como por exemplo, Índia,
Israel, Áustria, Suíça, Canadá, Egipto, Irão, Paquistão, Bielorússia, Kasaquistão e
Ucrânia.

68
Do ponto de vista espacial

Os Estados capazes de colocar em órbita um satélite artificial são pouco numerosos.


Neste clube incluem-se, actualmente, os EUA, a Rússia, a China, a Índia, o Japão, a
Grã-Bretanha, a França, a Agência Espacial Europeia (ASE) e Israel.

Do ponto de vista dos regimes sócio - económicos

O modo de produção opõe o “clube dos Estados capitalistas” ao “clube dos Estados
socialistas”.

Um Estado capitalista reconhece-se pelos seguintes traços: propriedade privada dos


meios de produção; economia de mercado; democracia política liberal.

Um Estado socialista apresenta características diametralmente opostas: apropriação


colectiva dos meios de produção; economia planificada; regime político totalitário
(partido único, ditadura do proletariado).

O antagonismo entre os dois clubes gerou a Guerra-Fria e a política dos blocos, ou seja,
a bipolarização das Relações Internacionais, em torno da ex-URSS e dos EUA. Era o
chamado conflito Leste/Oeste.

Do ponto de vista do nível de desenvolvimento

A desigualdade entre os Estados conduz a distinguir o “clube dos Estados


desenvolvidos” do “clube dos Estados sub-desenvolvidos ou em-vias-de-
desenvolvimento”. O primeiro agrupa os países ricos, industrializados,
tecnologicamente avançados. O segundo engloba os países pobres, não-industrializados,
tecnologicamente atrasados. Daí a chamada clivagem económica Norte/Sul.

69
Do ponto de vista geo-político e geo-económico

Por iniciativa de V. Giscard d’Estaing, em 1975, foi fundado o clube dos Sete Países
mais industrializados, a saber: o Canadá e os EUA, pela América do Norte; a França, a
Itália, a Grã-Bretanha e a RFA, pela Europa ocidental; o Japão, pela Ásia. Depois de
mais de vinte anos os Chefes de Estado ou de Governo (no quadro deste trilateralismo
político-económico) reúnem-se todos os anos em cimeiras, no sentido de concertar
posições sobre as grandes questões económicas e financeiras que se lhes colocam.

Por seu turno, os chamados Estados do “Terceiro Mundo” estão agrupados por
afinidades. O grupo dito dos “77” (actualmente 125) engloba todos os países em vias de
desenvolvimento, mas no seu interior distinguem-se sub-grupos: os NPI ou NIC (Novos
Países Industrializados); os PMA (Países Menos Avançados), etc.

Do ponto de vista tecnológico e científico

Também neste domínio é possível operar uma tipologia que distingue o clube das
superpotências tecnológicas (ex-URSS, EUA, Japão), o clube dos Estados Europeus
membros do projecto EUREKA, o clube dos Sete da Agência Espacial Europeia (ASE),
etc.

Do ponto de vista político

Até à desintegração do Império Soviético, a Sociedade Internacional dos anos 1950-


1990 compreendia três clubes: o dos supergrandes; o dos países alinhados e o dos países
não-alinhados. Ou, se preferirmos: o campo ocidental; o campo socialista e o campo do
Terceiro Mundo (África, Ásia e América latina).

70
Após 1945, na esteira dos acordos de Yalta e Potsdam, a URSS e os EUA criaram
respectivamente as suas próprias esferas de influência. De seguida, após terem
concluído com os seus aliados os tratados de assistência e de defesa, cada superpotência
“tomou as rédeas” da direcção da sua zona, que se transformou em bloco político-
militar e político-económico. Daí resultou um alinhamento dos países protegidos ao país
protector. Como reacção, certos Estados que recusavam a política dos blocos optaram
deliberadamente pelo não-alinhamento, com o objectivo de preservarem a sua
independência. A maior parte desses países não-alinhados pertenciam ao Terceiro
Mundo, haviam acedido à soberania internacional nos anos 50 e 60 e passaram a estar
em maioria na ONU.

1.2 - Os actores derivados - as Organizações Internacionais

Depois do século XIX, os Estados deixaram de ter o monopólio das Relações


Internacionais. Passaram a ter a concorrência do desenvolvimento das Organizações
Internacionais. É verdade que o Estado permanecia como o actor privilegiado da cena
internacional, mas já não era o único. Daí que, paralelamente aos actores principais, seja
necessário colocar os chamados actores derivados e secundários. Relativamente aos
actores derivados, isto é, as Organizações Internacionais Intergovernamentais (OIG),
importará precisar a sua definição, estudar as suas formas, bem como o papel que
assumem na sociedade internacional.

1.2.1 – A noção de OIG e a origem do fenómeno

Uma Organização Internacional é uma estrutura de cooperação interestatal, uma


associação de Estados soberanos perseguindo objectivos de interesse comum, através de
órgãos autónomos. Todavia, ao lado das Organizações Intergovernamentais, existem as
Organizações ditas não-governamentais (ONG), que agrupam indivíduos ou associações
com carácter privado, das quais falaremos mais adiante.

71
Pode-se dizer que, a Organização Internacional se distingue da Conferência Diplomática
pelo seu carácter permanente, bem como pela existência de órgãos próprios, dotados de
poderes próprios. O número e a estrutura destes órgãos varia consoante a importância da
Organização, o seu objectivo, bem como a complexidade das suas tarefas.

Apesar de composta pelos Estados, a Organização tem uma existência independente


daqueles, uma vez que possui uma personalidade jurídica que lhe confere uma
existência objectiva e uma vontade autónoma em relação aos seus membros.

Podem-se distinguir quatro grandes vagas de criação de OIG.

As primeiras Organizações Internacionais criadas no início do séc. XIX, no domínio


puramente técnico das comunicações

Tratava-se das “Comissões Fluviais Internacionais”. Foram criadas para regular os


problemas postos pela utilização dos rios internacionais, uma vez que cada Estado se
considerava proprietário exclusivo da parte do rio que passava no seu território, o que
constituía um entrave às trocas e ao comércio entre as nações.

A Acta final do Congresso de Viena de 1815 assentou o princípio da gestão comum


destes rios pelos Estados ribeirinhos e decidiu colocar em funcionamento uma
“Comissão Central para a navegação do Reno”. Em 1856, o Congresso de Paris instituía
um sistema análogo para o Danúbio. Estes são os primeiros exemplos de cooperação
internacional.

Um pouco mais tarde, assiste-se ao nascimento de “Uniões Administrativas”, cujo


objecto era ainda estreitamente especializado: criação da União telegráfica (1865), da
União postal universal (1874), da União dos caminhos de ferro (1890), às quais falta
juntar a União para a protecção internacional da propriedade industrial (1883).

72
Em 1903, uma vintena de Estados reunidos em Paris adoptaram um Código sanitário
internacional e fundaram o Serviço internacional de higiene pública.

No fundo, foram as necessidades práticas da vida internacional que conduziram os


Estados a concertar posições e a colocar em comum os respectivos meios nacionais, no
sentido de criar estruturas permanentes de cooperação.

O choque da I Guerra Mundial, combinado com a revolução científica e técnica do séc.


XX, irá acelerar o desenvolvimento de um processo de solidariedade entre 1919 e 1939

À necessidade de cooperação técnica juntava-se a vontade política de organizar a


sociedade internacional no seu todo.

O nascimento da Sociedade das Nações, cujo estatuto estava incorporado no Tratado de


Versalhes de 1919, marcou, relativamente à questão em causa, uma data importante no
âmbito das Relações Internacionais. Primeira organização universal de carácter político,
a Sociedade das Nações encarnou entre 1919 e 1939 o ideal da paz pelo direito e pela
segurança colectiva. Todavia, o universalismo não foi prosseguido (ausência dos EUA,
entrada tardia da URSS, retirada de numerosos Estados nos anos 30) e o espírito
subjacente à criação da SDN entrava em declínio com a crise económica mundial de
1929. Por outro lado, a SDN mostrava-se incapaz de impedir as guerras de agressão na
Ásia (questão do Mandchoukouo), em África (questão da Etiópia) e sobretudo na
Europa, o que conduzirá inevitavelmente ao conflito generalizado de 1939. A
experiência saldava-se por um fracasso e uma grande decepção na opinião pública
internacional.

O art.14º do Pacto havia previsto, ao lado dos órgãos políticos (Assembleia, Conselho e
Secretariado), a presença de um órgão jurisdicional, no sentido de regular os litígios
entre os Estados membros: o Tribunal Permanente de Justiça Internacional (TPJI).

73
Paralelamente à SDN e colocada sob a sua égide, a parte XIII do Tratado de Versalhes
instutuía a primeira Organização com vocação verdadeiramente social: a Organização
Internacional do Trabalho (OIT). Esta organização apresentava uma grande
originalidade quanto a sua composição, uma vez que os órgãos principais assentavam
sobre o princípio de uma representação tripartida: delegados governamentais,
representantes dos patrões e representantes dos trabalhadores.

O preâmbulo da OIT estabelecia uma ligação directa entre a salvaguarda da paz mundial
e a manutenção da paz social.

Duas outras iniciativas foram levadas a cabo na mesma época: por um lado, a criação de
uma Comissão Internacional de Navegação Aérea em 1919; por outro lado, a criação de
um Instituto Internacional de Cooperação Intelectual em 1924.

Após 1945, o movimento amplifica-se e assiste-se a uma proliferação extraordinária das


Organizações Internacionais, quer ao nível mundial, quer regional

A Organização das Nações Unidas (ONU) e o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ)


tomaram, respectivamente o lugar da SDN e do TPJI.

Na órbita da Organização-mãe gravitam várias instituições ditas “especializadas”, que


no fundo assumem o papel de ministérios. Estas filiais da ONU exercem uma missão de
serviço público internacional, formando o que é conhecido por “sistema das Nações
Unidas”, como por exemplo:
 OIT- Organização Internacional do Trabalho;
 AIEA- Agência Internacional de Energia Atómica;
 FAO- Organização para a Alimentação e Agricultura;
 OMS- Organização Mundial de Saúde;
 OACI- Organização da Aviação Civil Internacional;
 OMM- Organização Meteorológica Mundial;

74
 UNESCO- Organização para a Educação, Ciência e Cultura;
 UPU- União Postal Universal;
 UIT ou UTI- União Internacional das Telecomunicações;
 BIRD- Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento;
 IDA ou AID- Ajuda Internacional ao Desenvolvimento;
 SFI- Sociedade Financeira Internacional;
 FMI- Fundo Monetário Internacional;
 OMC- Organização Mundial do Comércio.

A partir de 1960, com a descolonização, os Estados do Terceiro Mundo vão criar as


suas próprias OIG

Este fenómeno tem, portanto, uma dimensão mundial e regional, afectando a América
latina, a Ásia, a África e o Médio-Oriente.

Os autores interrogavam-se sobre o seu significado profundo, questionando se o


fenómeno das organizações internacionais traduzia, de facto, uma crescente
solidariedade entre os actores, ou se, pelo contrário, era sinal de uma fragmentação cada
vez maior da Sociedade Internacional contemporânea. As respostas variavam, mas é
provável que ambas tivessem uma parte de verdade. Com efeito, existem forças
centrífugas e forças centríptas, sem que se possa prever, com certeza, quais são as que
acabarão por triunfar, num mundo em mutação acelerada.

As OIG do Terceiro Mundo nasceram num contexto histórico particular. Os novos


Estados, cerca de uma centena após 1945, procuraram em primeiro lugar, no quadro das
Organizações regionais, fazer legitimar a sua independência nacional e a sua política
externa (como por exemplo: Liga Árabe; Movimento dos Não-Alinhados; Organização
da Unidade Africana), bem como, em seguida, consolidar a sua segurança externa e
interna (exemplo: ASEAN em 1967; CCG em 1981).

75
Os Estados africanos e latino-americanos aspiravam ainda ao sonho da unidade política,
e até mesmo da comunidade cultural (OEA; OUA).

Poder-se-á então dizer que os factores políticos tinham primazia sobre os factores
económicos e técnicos (por exemplo, a OPEP fundada em 1960 só será activada em
1970-73).

Todavia, importa sublinhar que o desenvolvimento das solidariedades e da cooperação


Sul/Sul se deparou com numerosos obstáculos, como por exemplo:
 os conflitos ideológicos;
 as rivalidades regionais;
 a diversidade dos regimes políticos e económicos;
 a instabilidade dos governos;
 os golpes de Estado frequentes.

Além de tudo isto, as economias dos países do Terceiro Mundo eram frequentemente
muito mais concorrentes do que complementares.

Finalmente, a perpetuação das relações de dependência ou de subordinação para com as


antigas metrópoles acabava por complicar os problemas de integração económica
regional, quer em África, quer na Ásia, quer ainda na América latina.

Em 1989, duas novas Organizações Intergovernamentais viram a luz do dia, por razões
simultaneamente políticas e económicas. Para equilibrar o peso do Conselho de
Cooperação do Golfo, criado em 1981, foi criado o Conselho de Cooperação Árabe
(CCA), agrupando o Egipto, o Iraque, a Jordânia e o Iémen. Por outro lado, em
Marraqueche, era fundada a 17 de Fevereiro a União do Grande Magrebe Árabe
(UMA), com a Mauritânia, o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia.

76
Em 1991 assinalava-se o nascimento do MERCOSUL, Mercado Comum agrupando o
Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.

1.2.2 – A tipologia das Organizações Intergovernamentais

A classificação a partir da composição

Esta classificação conduz à distinção de dois tipos de Organizações: as de vocação


universal e as de vocação regional ou interregional.

Como o nome indica, as primeiras podem englobar teoricamente todos os Estados, sem
excepção (grandes ou pequenos), na condição que correspondam à definição jurídica de
Estado dada anteriormente. Todavia, isto não implica que toda a entidade estatal tenha o
direito, automaticamente, de entrar numa Organização Internacional. Normalmente, só
se poderá vir a tornar membro desde que se submeta ao procedimento de admissão
previsto pela Carta constitutiva ou participando directamente na fundação da
Organização.

A ONU e as “Instituições Especializadas” que lhe estão ligadas constituem o modelo


das Organizações universais. Actualmente o ideal de universalidade posto pela Carta de
São Francisco, de 26 de Junho de 1945, está praticamente realizado: 51 Estados
fundadores, actualmente 190. Faltam: a Suíça, alguns micro-Estados, e alguns territórios
ainda dependentes.

Contudo, universalismo não é obrigatoriamente sinónimo de eficácia, e a experiência


onusiana comprova-o. A burocracia, a complexidade dos seus mecanismos, a lentidão
dos seus processos, as divisões políticas entre os seus membros paralisam muitas vezes
a acção da Organização de Nova Iorque. Importa ainda referir que os Estados
socialistas, por razões diversas, recusaram sistematicamente participar em certas
instituições financeiras: especialmente no BIRD e no FMI.

77
Por outro lado, existem Organizações intergovernamentais com uma vocação mais
restrita, ou seja, regional, sendo cada vez mais numerosas. Aqui os Estados agrupam-se
de acordo com afinidades geográficas, económicas, políticas, militares e até mesmo
étnicas. Exemplos:
 OUA- Organização da Unidade Africana;
 OEA- Organização dos Estados Americanos;
 SELA- Sistema Económico Latino-Americano;
 CEE/EURATOM/CECA- As Comunidades Europeias;
 Conselho da Europa;
 UEO- União da Europa Ocidental;
 Liga dos Estados Árabes; (…).

Por vezes, uma Organização reagrupa um número limitado de Estados pertencendo a


várias zonas geográficas diferentes, como é o caso da NATO/OTAN, da OCDE, da
ASEAN (…) – tratam-se de Organizações Interregionais.

A classificação a partir das funções

Certas Organizações Internacionais têm uma vocação ou uma competência geral, o que
lhes permite ocuparem-se de todas as questões, enquanto que outras têm uma
competência especializada. Daí a oposição entre as Organizações políticas e as
Organizações técnicas. Deste modo, o domínio de acção da ONU é ilimitado: paz,
segurança internacional, descolonização, desarmamento, questões económicas,
cooperação, Direitos do Homem (…), enquanto que a acção, por exemplo, da UNESCO
é limitada à educação, à ciência e à cultura.

Por outro lado, há que distinguir a natureza das funções: de um lado, temos as chamadas
“Organizações de cooperação”, no outro, as ditas “Organizações de gestão”. As
primeiras, a maioria, procuram coordenar a actividade política ou jurídica dos Estados

78
membros (ONU, OUA), enquanto que as segundas estão, pelo contrário, destinadas a
desempenhar uma tarefa específica ou a fornecer certos serviços materiais (Comissões
fluviais, FAO, Agência Espacial Europeia,…). Muitas vezes, as Organizações exercem
simultaneamente funções jurídicas e materiais.

c) A classificação a partir dos poderes

Podemos distinguir as Organizações Intergovernamentais de Cooperação e as


Organizações Supranacionais (ou de integração).

As Organizações Internacionais de Cooperação pertencem ao tipo clássico de


Organização Internacional. Não possuindo poder de decisão sobre os Estados Membros
(excepto no plano interno da Organização, em questões administrativas e financeiras),
apenas possuem poder de recomendação (Conselho da Europa, OCDE, etc.).

Pelo contrário, as Organizações Internacionais Supranacionais (cujo melhor exemplo é


o da União Europeia) dispõem de um poder de decisão que se sobrepõe ao dos Estados
Membros (e mesmo dos indivíduos). Existe, ainda, uma transferência de competências
de nível nacional (até aí dos órgãos políticos dos Estados) para os órgãos da
Organização Internacional, ao que corresponde uma erosão da soberania dos Estados
Membros.

A integração é precisamente o processo, segundo o qual, se delega progressivamente


poderes numa Organização Internacional até se chegar à fase da fusão das políticas
nacionais numa política comum (por exemplo, a Política Agrícola Comum - PAC,
Política Externa de segurança Comum - PESC, etc.).

1.2.3 - O lugar e o papel das Organizações Internacionais na cena internacional

79
A proliferação das Organizações internacionais após a Segunda Guerra Mundial
constituiu um dos marcos mais significativos deste período e ilustra o patente processo
de internacionalização e interdependência do Sistema Mundial.

Outra característica tem sido o seu rápido crescimento e universalização. Contudo, a par
deste fenómeno de multiplicação, tem-se assistido a fenómenos de sobreposição, fusão e
dissolução.

Ao ser um tipo de actor de Relações Internacionais integrado por outros actores - os


Estados - as Organizações Internacionais cumprem uma dupla função comunicativa. Em
primeiro lugar, como fórum de diálogo para os seus membros que encontram, assim, um
"espaço comunicativo para as suas informações" (Pedro Bartolozzi) e, em segundo
lugar, ao operar nas Relações Internacionais como sujeito emissor próprio, como actor
autónomo.

Podemos considerar duas explicações para este fenómeno de proliferação das


Organizações Internacionais.

Por um lado, como a resposta encontrada para a insuficiência dos Estados, ou de outras
formas de comunidade política que o precederam no tempo, para suprir as suas
necessidades, o que determinou a necessidade de colaboração com outros actores do
Sistema.

Por outro lado, com fruto da evolução da Diplomacia, que tem vindo a privilegiar o
tratamento multilateral dos problemas, resultado da tomada de consciência dos limites
das acções bilaterais.

Ambas as explicações têm um ponto em comum - a impotência do actor individual num


Sistema Internacional que tende a alargar, intensificar e integrar os seus processos de
interacção.

80
Assim, uma série de necessidades concretas geradas pela problemática internacional e
pelo progresso científico e tecnológico, contribuíram para estimular a cooperação entre
os Estados, quer no plano da paz, que no plano da cooperação material e técnica.

O aparecimento das Organizações Internacionais marcou, incontestavelmente, a


estrutura das Relações Internacionais. O Estado perdeu o seu monopólio absoluto,
deixando de ser o actor exclusivo. Já não é mais o "estado de natureza", ou de
"anarquia", mas sim de início de uma sociedade internacional organizada, ordenada.

Juridicamente, as Organizações Internacionais, tal como os Estados, são sujeitos de


Direito Internacional, ou seja, possuem personalidade jurídica internacional.

Contudo, ao contrário dos Estados, não possuem território, necessitando de realizar um


acordo (accord de siège) com o Estado anfitrião de forma a definir as condições,
imunidades e privilégios inerentes à parcela do território onde será instalada a sede da
Organização Internacional.

Além destas Organizações Intergovernamentais, entre as quais se destacam as


pertencentes ao sistema onusiano, deve-se mencionar, ainda, a importância das
Organizações Não Governamentais (ONG).

Trata-se de actores em sectores muito especializados, que estão construindo diariamente


um novo tecido social internacional mais cooperativo e eficaz, em grande parte
espontâneo, solidário, de diversas finalidade e dimensão.

1.3 – Os actores secundários

81
Se as Relações Internacionais são, na sua essência um Sistema Comunicativo, podemos
classificar e diferenciar os seus elementos mais pela sua actividade informativa do que
pela sua personalidade jurídica ou pela sua dimensão territorial.

Assim, têm vindo a ganhar importância os chamados actores secundários (também


designados por actores sui generis ou forças transnacionais) como a Opinião Pública,
as Firmas Multinacionais, a Santa Sé, as Organizações Não Governamentais, as
Minorias, os Movimentos de Libertação Nacional, os Indivíduos.

Entendemos por forças transnacionais (Marcel Merle) todos os movimentos e correntes


de solidariedade de origem privada que se estabelecem através das fronteiras e que
tendem a impor os seus pontos de vista e objectivos no sistema internacional.

Não se trata, por isso, de simples fluxos ou transacções comerciais, mas sim de forças
que, ao pretenderem alcançar determinados objectivos, afectam a vida internacional

Este fenómeno não resulta apenas do debilitamento do papel dos actores estatais mas
também do crescimento e intensificação do Sistema Comunicativo Internacional que
incentiva o desenvolvimento das relações internacionais de pessoas, entidades,
associações e agrupamentos com interesses afins ou complementares.

1.3.1 – A Opinião Pública

Vulgarmente utilizada, a noção de “opinião pública”, nacional ou internacional, é


ambígua, porque é mais frequentemente uma reconstrução intelectual, na qual os media
desempenham um papel decisivo, do que uma realidade incontestável.

82
No entanto, esta ideia de opinião pública pode ter efeitos na determinação da política
internacional. A opinião pública nacional pode pesar sobre o governo de um país
democrático, dado ser muitas vezes considerada como a prefiguração das orientações do
voto.

Uma mobilização da opinião pública ao nível internacional pode também ter influência
sobre os outros países, se ela ameaçar os seus interesses económicos ou estratégicos.
Podemos, contudo, definir opinião pública num país como a opinião expressa
publicamente (pela imprensa, sondagens, etc.) por um número importante de pessoas (e
não apenas uma opinião individual), sobre uma questão de interesse geral (que diz
respeito a uma opção política, económica, social, etc.).

A opinião pública é assim, quanto à composição, compósita, na medida em que


constitui uma aglomeração de opiniões individuais mais ou menos convergentes.
É, geralmente, efémera porque se constitui em torno de assuntos de preocupação
imediata.

Nos países democráticos, a evolução da opinião pública é observada pelos agentes


políticos (daí a importância das sondagens), procurando tirar partido de um certo apoio
popular e dele retirar, assim, uma legitimidade maior.

A análise do papel da opinião pública não tem, efectivamente, sentido real, senão num
regime democrático, em que a legitimidade das decisões políticas provém da vontade
popular expressa nas urnas. É por isso que os valores defendidos, quando se fala de uma
mobilização da opinião pública, são os dos direitos do homem, etc.

Neste sentido, podemos considerar a opinião pública internacional como uma vasta
convergência de opiniões públicas nacionais dominantes, da qual se pode extrair uma
linha de conduta a seguir ou um objectivo a atingir: a promoção do desarmamento
mundial, a autodeterminação do povo timorense, etc.

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Podemos distinguir três traduções possíveis da opinião internacional: a opinião dos
Estados (opinião pública oficial), a opinião dos povos (a opinião pública espontânea) e
a opinião pública militante.

Relativamente à primeira (opinião pública oficial) é composta pelo conjunto de


declarações e tomadas de posição dos representantes habilitados dos Estados,
presumidamente mandatados pelos seus povos, reunidos no quadro das instituições
internacionais (União Europeia, G7, Assembleia Geral das Nações Unidas, etc.) onde se
determinam certas prioridades políticas como, por exemplo, a luta contra a droga,
branqueamento de dinheiro proveniente do comércio da droga, etc. Ao fazê-lo
desempenham, também, o papel de líderes de opinião mobilizando a opinião pública
internacional para uma determinada questão.

É importante, ainda, analisarmos o papel da opinião pública, no seio de cada Estado


(opinião pública espontânea). A sua importância acresce quando se verifica a
concordância espontânea entre várias opiniões públicas nacionais (um bom instrumento
de medida deste tipo de opinião publica tem sido as eleições para o Parlamento
Europeu).

Constitui-se por simples aglomeração, pela mera constatação de uma convergência das
aspirações de vários povos, ou pela analogia das reacções perante um dado facto: a
emoção generalizada face ao espectáculo da fome na Etiópia, etc. A Assembleia Geral
da ONU sobre o desarmamento evocou mesmo, no seu documento final de 1 de Julho
de 1978, a emergência de uma consciência universal afirmando que existia uma
sensibilidade e uma vigilância da opinião pública, que fazem com que nenhum Estado
se possa subtrair inteiramente a esta pressão internacional.

84
Contudo este tipo de opinião pública, espontâneo e não organizado, que resulta do
comportamento das massas é menos coerente e estável que a opinião pública oficial,
podendo a sua importância ser criticada na medida em que:
 a natureza do regime político (liberal, totalitário, etc.) condiciona e influencia a
opinião pública;
 a influência nas decisões dos governantes é relativa.

A análise tradicional das Relações Internacionais (realista) considera que a influência


da opinião pública nas Relações Internacionais é uma influência marginal, mesmo
nociva e perversa. Esta perspectiva é explicada pela incompetência da opinião pública
nacional sobre questões internacionais (porque insuficientemente preparada e
informada) bem como pela sua natural apetência por soluções fáceis e de curto prazo.
Esta análise realista procura justificar o monopólio das decisões sobre questões
internacionais dos governantes e das diplomacias profissionais.

Apesar de tudo este tipo de opinião pública (apesar de condicionada por factores
externos como os media, a persuasão dos governantes e dos líderes de opinião pública)
tem vindo a ganhar alguma importância nas questões ligadas à defesa dos Direitos do
Homem, a nível internacional; na opção entre a guerra e a paz, etc.

Finalmente, podemos associar opinião pública às correntes de opinião pública,


veiculadas por movimentos políticos e ideológicos que se verificam, resultado da acção
metódica e organizada de grupos como os Partidos Políticos, os Sindicatos, Grupos de
Pressão, etc. (opinião pública militante).

A capacidade técnica e financeira, de algumas organizações, de montar campanhas


nacionais e internacionais de denúncia e de oposição às políticas conduzidas pelos
dirigentes políticos, dá corpo à ideia de que existe uma opinião pública internacional.

85
A Amnistia Internacional, por exemplo, sabe como fazer pressão sobre os governos para
obter a melhoria das condições de vida em certos países, difundindo informações tidas
por secretas a fim fazendo pressão sobre os países visados (apelo ao boicote económico
internacional, isolamento diplomático, etc.).

Se um grupo de pressão encontra eco e apoio na população, isto é, junto dos eleitores,
os governantes sentem-se na obrigação de o ter em conta e de inflectir, no discurso ou
nos actos públicos, as suas orientações políticas.

1.3.2 – As Firmas Multinacionais

Existe uma grande ambiguidade quer quanto à definição, quer quanto à importância das
Firmas Multinacionais enquanto actores secundários das Relações Internacionais,

Assim escolhemos a definição que nos é dada por Max Gounelle:


“...empresas cuja sede social se encontra num determinado país e que exerce as
suas actividades num outro país por intermédio de sucursais ou filiais e em que a
estratégia e a gestão são concebidas ao nível de um centro de decisão único que
coordena e dirige o conjunto com vista a maximizar o lucro do Grupo. Assegurando as
funções de produção em mais do que um Estado, elas são o vector principal dos
investimentos internacionais, transformando-se, assim, num dos principais agentes das
relações económicas internacionais, sendo, por vezes, potências económicas e
financeiras superiores aos Estados onde localizam os seus investimentos e actividades,
permitindo-lhes uma situação de quase monopólio ou mesmo monopólio de um certo
sector económico mundial.Este processo de concentração económico, põe em risco a
livre concorrência bem como as bases do sistema económico neoliberal criado em
1945.”

Das várias definições de Firma Multinacional encontramos alguns elementos comuns:

86
 firmas privadas, privadas, estatais ou de participação estatal;
 fim lucrativo;
 centro de decisão único;
 internacionalização das suas actividades (não é, contudo, uma empresa cujo
capital está repartido internacionalmente – a questão do capital é secundária);
 áreas privilegiadas: actividades extractivas, indústria de transformação,
automóvel, electrónica, química, serviços (seguros, banca, turismo).

A primeira geração de multinacionais é proveniente da Europa destacando-se a Nestlé


(Suíça), Philips e Unilever (Holanda).

A partir da Segunda Guerra Mundial este fenómeno universaliza-se passando a existir


uma segunda geração de multinacionais, agora norte-americanas e japonesas (General
Motors, Ford, Exxon, General Electric, Mobil, etc.).

Finalmente assistimos ao aparecimento de uma terceira geração de multinacionais nos


Países em Desenvolvimento (América Latina, Europa de Leste, Sudeste Asiático).

A implantação das Multinacionais em vários países tem por objectivos:


 diminuição dos custos de produção, beneficiando de condições favoráveis, a
nível fiscal, geográfico (proximidade dos mercados e, ou, das matérias –
primas), social (mão–de-obra barata e semi-especializada)
 diversificar as actividades, maximizando os lucros e repartido os riscos.

Esta implantação, nos vários países de acolhimento da multinacional, pode ser feita
através de:
 sucursais, sem autonomia face à sede, prestam uma série de serviços (por
exemplo, a distribuição do bem produzido);
 filiais, dotadas de alguma autonomia face à sede, na medida em que se
inscrevem como uma empresa nacional do Estado de acolhimento;

87
 joint ventures, sendo a prática mais eficaz na medida em que se verifica uma
divisão dos riscos e dos benefícios dos investimentos;
 franchising, pela cedência do monopólio da produção e, ou, comercialização de
um produto;
 investimentos externos, pela participação majoritária no capital social de uma
empresa já existente.

Apesar da falta de consenso, por parte da generalidade dos analistas de Relações


Internacionais, quanto ao impacto das empresas multinacionais nos países de
acolhimento, podemos destacar o seu papel a nível:
 económico, pelo desenvolvimento económico da área de implantação da
multinacional, bem como de uma série de empresas nacionais que lhe garantem
vários serviços(distribuição, apoio logístico, etc.);
 social, pela promoção da formação profissional, bem como pelo aumento do
nível de vida dos seus funcionários;
 político, quer pela corrupção dos dirigentes políticos dos países de acolhimento,
quer pela pressão (possível graças ao seu peso na economia nacional) junto das
autoridades no sentido de serem tomadas medidas administrativas favoráveis à
empresa.

Este impacto a nível político está condicionado quer pelo grau de


cumplicidade/hostilidade que existe entre a multinacional e o governo do país onde está
instalada a sociedade - mãe, quer pelo grau de dependência (absoluta ou relativa) entre a
multinacional e o território de acolhimento.

1.3.3. – A Santa Sé

A Santa Sé (personificação internacional da Igreja Católica) pode ser considerada como


actor secundário pela sua influência na evolução das Relações Internacionais.

88
Pelas suas características tem sido confundida quer com um Estado (Vaticano), quer
com uma ONG (carácter internacional, permanência, etc.).

Apesar de não ser um Estado detém algumas características semelhantes:

 território (Cidade do Vaticano), porém não goza das características de um


território de um Estado, sendo apenas um espaço concedido para “fins especiais”
da Igreja (sede da Santa Sé);

 população, contudo sem vínculo de nacionalidade, sendo apenas cidadãos


ligados a uma função (Cardeal ou guarda suíço);

 poder público (Cúria Romana) mas que é constituído, simultaneamente, pelos


órgãos mais importantes da Igreja Católica.

Não sendo um Estado (podendo, apenas, ser considerado o Estado da Cidade do


Vaticano como um quase-Estado ou Estado funcional ou ainda como um Estado-meio
ao serviço de uma causa espiritual), a sua origem é estatal – Estados Pontifícios que
perduraram desde o século IX até ao século XIX (1870 – unificação italiana),
permitindo ao Papa um papel de um autêntico soberano).

Com a unificação italiana e a perda dos Estados Pontifícios colocou-se o problema da


definição do estatuto internacional da Santa Sé.

Com o intuito de o resolver surge em 1871 a Lei das Garantias que atribuía ao Papa as
prerrogativas de um soberano.

Esta Lei das Garantias não foi aceite pela Santa Sé.

89
O estatuto da Santa Sé só seria definitivamente estabelecido em 1929, pelos Acordos de
Latrão, concluídos pelo Papa Pio XI e Benito Mussolini, onde a Itália se definia o
estatuto da Santa Sé, ligado à sua missão e necessidades (“a Itália reconhece a
soberania da Santa Sé no domínio internacional como um atributo inerente à sua
natureza, em conformidade com a sua tradição e exigências da sua missão no Mundo”.
Os Acordos de Latrão viriam a confirmar o que já fora determinado pela Lei das
Garantias, ou seja a Santa Sé tem personalidade jurídica internacional limitada,
nomeadamente, detém o poder de legação activa (Núncios) e passiva, celebração de
tratados (Concordatas) e participação nas Organizações Internacionais (geralmente
como observador).

1.3.4. – As Organizações Não Governamentais

Podemos definir Organização Não Governamental (ONG) como “todo o agrupamento,


associação, ou movimento constituído com carácter durável, por particulares de
diferentes países, com vista à prossecução de objectivos não lucrativos” (Marcel
Merle).

Esta definição salienta as várias características de uma ONG:

 caracter internacional, quer da composição (membros de vários Estados) quer da


sua actividade (não se restringindo apenas ao território de um Estado);

 carácter privado, sendo constituída por indivíduos ou associações e não por


Estados, não tendo, por isso, no acto da sua constituição um tratado
intergovernamental;

 carácter desinteressado das suas actividades, ou seja não pode ter fins lucrativos
( o que a distingue, por exemplo, das Empresas Multinacionais);

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 juridicamente, está vinculada ao Estado onde foi instalada a sede, obrigando a
um bom relacionamento com o Estado anfitrião dado que não beneficiam, ainda,
de personalidade jurídica internacional: quaisquer que sejam a sua importância
política ou o seu orçamento, exercem as suas actividades segundo as regras
nacionais do Estado no qual está fixada a sua sede. A sua acção desenvolve-se
inicialmente no quadro dos Estados, mas adquire cada vez mais uma dimensão
transnacional.

A sua génese (finais do século XIX e século XX) só poderia estar ligada ao Mundo
Ocidental (Europa e Estados Unidos da América), democrático, pluralista, que permite
um papel internacional à iniciativa privada.

São, ainda, caracterizadas pela diversidade quanto à sua dimensão, implantação,


estrutura e objectivos.

Temos as ONG “corporativas”, de menor impacto internacional, cuja finalidade se


restringe à defesa dos interesses dos seus membros (Conselho Internacional dos
Arquivos, etc.).

Podemos encontrar, ainda, as ONG de carácter confessional (Conselho Ecuménico das


Igrejas), de carácter desportivo (Comité Internacional Olímpico), de carácter
humanitário (Comité Internacional da Cruz Vermelha), de carácter político (as
Internacionais), carácter sindical (Federação Sindical Mundial, Confederação
Internacional dos Sindicatos Livres, Confederação Mundial de Trabalho) e as de
carácter militante (Greenpeace, Amnistia Internacional).

No século XIX, os partidos políticos tinham-se organizado a nível nacional. Sob o


impulso de Karl Marx e do seu Manifesto do Partido Comunista (1948), segundo o qual

91
os trabalhadores não têm pátria, nasceu a ideia de federar os movimentos que se
reclamam do socialismo nos diferentes países europeus.

Assim, foi criada, em 1864 a Associação Internacional dos Trabalhadores, (dissolvida


em 1876).

A Segunda Internacional foi criada em 1899 e desapareceu durante a Primeira Guerra


Mundial.

Lenine criou a Terceira Internacional em 1919, tendo por objectivo a exportação da


Revolução Bolchevique para o resto do Mundo.

Actualmente as Internacionais políticas têm objectivos muito mais pacíficos. A


Internacional Socialista, constituída em 1952, reuniu as forças sociais – democratas. Em
1965, nasceu a União Mundial Democrata – Cristã. Como forças de consulta entre as
diversas reclamando-se da mesma filosofia política, estas duas internacionais
desempenharam um papel muito importante na formação de partidos nos países que
alcançaram a democracia, como na América Latina nos anos 80 ou na Europa de Leste
no início da década de 90.

Mais recentemente, apareceram ONG divulgando oficialmente a sua vontade de


pressionar os Estados, intervindo no domínio ecológico (Greenpeace), dos Direitos do
Homem (Amnistia Internacional) ou humanitários (Médicos sem Fronteiras).

Estas ONG reivindicam a possibilidade de ingerência nos assuntos internos dos Estados,
por vezes, contra a sua vontade, com o propósito de executar a sua missão.

Assim estas ONG, procuram influenciar o comportamento dos Estados tirando partido
do peso da opinião pública, estando o seu desenvolvimento ligado à emergência de uma

92
opinião pública internacional e à maior tomada de consciência, relativamente à sua
importância, pelos governos.

O aumento do número de ONG (existem, hoje, mais de 25 mil) resulta de vários


fenómenos: a mundialização, a afirmação do papel dos indivíduos nas Relações
Internacionais e a importância crescente dos media na vida internacional.

1.3.5. – As Minorias

Tem sido difícil uma definição consensual de minoria.

Apesar da sua importância como actor das Relações Internacionais ser discutível, as
minorias têm vindo a constituir-se como um elemento de erosão dos Estados.

Por outro lado, tem-se assistido (sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial) a um
esforço por parte da Comunidade Internacional na defesa dos direitos das minorias.

Após o fracasso do sistema de protecção das minorias, posto em prática pela SDN,
levou a que se relançasse a questão no pós - Guerra.

Inicialmente a questão da defesa das minorias foi englobada na defesa dos direitos
individuais do Homem.

Em 1946 foi criada pela ONU uma Comissão para a luta contra medidas
discriminatórias e protecção das minorias.

Actualmente a defesa dos direitos das minorias tem sido feita no seio das Organizações
Internacionais (Questão Curda, etc.), nomeadamente na ONU.

93
Reivindica-se o direito das minorias conservarem as suas características próprias:
utilização e ensino dos dialectos, liberdade de prática religiosa, etc.

Ao mesmo tempo, defende-se a não discriminação relativamente à maioria.

A exigência de uma maior autonomia por parte de algumas minorias tem dado lugar ao
desenvolvimento de movimentos separatistas e à destabilização de numerosos Estados.

A par dos mecanismos internacionais de protecção, o federalismo aparece como uma


das soluções para o problema das minorias.

De acordo com Max Gounelle, entendemos minoria “como um grupo social


incorporado num Estado onde a população é de raça, língua ou de religião diferente”.

Desta definição depreendemos alguns elementos comuns:

 elemento comunitário – os membros do grupo têm características comuns e


próprias (étnicas, linguísticas, religiosas) que os une e os distingue do conjunto
da comunidade internacional;

 elemento quantitativo – a dimensão do grupo deve ser significativa


relativamente ao resto da população nacional. A sua dimensão deve ser avaliada
tendo em consideração outras variáveis como a sua repartição no território, etc.;

 elemento psicológico – a consciência comum de pertença a uma minoria é


essencial (será reforçada se for partilhada pela maioria);

 existência de uma opressão (discriminação / segregação), sem a qual a minoria é


apenas um grupo autónomo no seio do Estado.

94
1.3.6. Movimentos de libertação Nacional

Segundo Pascal Boniface, são organizações políticas que lutam em nome da sua
população, para a libertar de uma tutela ou de uma ocupação ilegítima. Este conflito
com o poder central inscreve-se, a maior parte das vezes, no jogo de potências
exteriores.

Para Max Gounelle, a II Guerra Mundial favoreceu a criação de movimentos de


resistência contra o ocupante. Outros movimentos nasceram nos territórios coloniais dos
Estados europeus, com o objectivo de aceder à independência. Daí que existam vários
tipos de Movimentos de Libertação Nacional, que podem ser integrados em dois
grandes grupos: Movimentos de Libertação Nacional representantes de povos sob
dominação colonial, estrangeira ou racial; Movimentos de Libertação Nacional
representantes de outros povos.

No que respeita ao primeiro grupo, poder-se-á dizer que o princípio do direito à auto-
determinação dos povos é o fundamento para a legitimação internacional dos
Movimentos de Libertação Nacional, na lógica de que os povos oprimidos têm direito à
sua auto-determinação política. Neste caso, o Movimento de Libertação Nacional tem
uma função de unificação nacional e contribui para fazer emergir uma consciência
nacional contra o Estado opressor.

Relativamente ao segundo grupo, encontramos os seguintes casos: um povo oprimido


no seio de um Estado soberano por um Governo tiránico; um povo exprimindo a sua
recusa de viver na qualidade de minoria no mesmo conjunto estatal que um outro povo;
um povo oprimido no seio de um Estado soberano por uma elite despótica com o apoio
económico, diplomático e militar de um outro Estado; movimentos separatistas
europeus (…).

95
Como vimos, os Movimentos de Libertação Nacional são entidades que não exercem
autoridade legal sobre um território específico. O seu objectivo é precisamente a
aquisição de um território e a consequente formação de um Estado.

1.3.7. Os Indivíduos

Tanto Jean-Pierre Ferrier, como Pascal Boniface assumem que os indivíduos não podem
ser considerados como actores das Relações Internacionais.

Enquanto que, na acepção de Jean-Pierre Ferrier, os indivíduos poderão eventualmente


ser actores das Relações Internacionais como representantes de outros actores (Estados,
OIG, ONG) ou enquanto membros das minorias. Pascal Boniface defende que aqueles
poderão ter algum papel no âmbito internacional, seja individualmente (Chefe de
Estado, líder de opinião), seja colectivamente (movimento de populações, fluxo
migratório).

96
PARTE IV - OS FACTORES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1 – O factor geográfico

O factor geográfico constitui um factor das Relações Internacionais devido à sua


importância para os Estados.

Os Estados dividem, entre si a maior parte do espaço terrestre. Assim, a ocupação do


solo foi sempre a ambição dos governantes, a causa da maior partes dos conflitos, sendo
a sua conquista a consagração da vitória.

Estados, governantes e povos têm um sentimento de propriedade sobre o espaço, o que


o torna uma condicionante das Relações Internacionais.

Em raros casos, o espaço não é apropriado, nem afectado: alto mar, fundos marinhos,
Antárctida, territórios sob estatuto internacional.
Apesar do clima, relevo, qualidades do solo, clima não serem determinantes na
definição da política externa dos Estados, mas apenas condicionantes; a posição de um
Estado no Globo (acesso ao mar, posição insular, controlo das vias de comunicação)
permite aumentar ou diminuir as opções da política externa dos Estados, cabendo aos
governantes e aos povos determinar a(s) opções que marcarão o destino do Estado.

As tecnologias militares ou audiovisuais fazem com que o território dos Estados deixem
de ser santuários. Os submarinos nucleares, as rampas de lançamento de mísseis, os
satélites de observação e de comunicação feriram de permeabilidade e vulnerabilidade
as fronteiras dos espaços sobre os quais os governantes podiam agir de uma forma
independente.

97
O espaço que serve de base a um Estado contribui para o aparecimento de sentimentos e
percepções colectivas entre aqueles que o ocupam: sentimento de apropriação, de
segurança e insegurança, de vulnerabilidade e invulnerabilidade, de cerco, de
isolamento, de comunidade, etc. Todas estas percepções exercem, cada uma, uma
influência imensurável nas opções de política externa.

Pelas suas características, este factor é igualmente um dos factores condicionantes do


poder de um estado, sendo o mais estável. Os Estados são naturalmente condicionados
pela geografia dos seus territórios, desempenhando, também, um papel importante na
evolução da sociedade.
Apesar desta influência do meio físico sobre o poder do Estado, o Homem, desde
sempre, tentou adaptar-se ao meio físico adaptando-o às suas necessidades com o
objectivo de usufruir o maior número de dividendos.

1.1 – Elementos do factor geográfico (condicionantes do poder do Estado)

1.1.1 – Clima

O clima vai exercer uma influência determinante quer no temperamento quer nos modos
de vida dos homens.

Os lugares de clima demasiadamente frio, logo hostis à sedentarização, constituem um


obstáculo ao povoamento e desenvolvimento.

Os lugares de clima quente e húmido, por sua vez, constituem, igualmente, um


obstáculo ao povoamento e desenvolvimento de uma região, quer pelo excesso de
vegetação (floresta tropical), quer pelas doenças associadas a este tipo de clima
(malária, doença do sono, etc.).

98
Assim, os países de clima temperado gozam de condições climatéricas favoráveis à
fixação da população (povoamento) bem como ao seu desenvolvimento, devido à maior
acessibilidade, aos produtos alimentares, suprindo as suas necessidades das importações
do exterior, diminuindo assim a sua dependência relativamente aos outros Estados.

1.1.1.2 – Relevo

Esta característica condiciona quer o povoamento, quer o grau de comércio e


comunicação com o exterior.
Assim, os Estados com um relevo mais pronunciado têm, regra geral, mais
problemas com o povoamento, concentrando-se as populações nos vales e no litoral
(geralmente menos montanhoso).
O relevo pode, assim, afectar negativamente o contacto entre os povos, quer de
carácter cultural, quer de carácter comercial.
No entanto, tradicionalmente o relevo tem sido usado como um factor de
preservação da integridade (independência) do território, garante da segurança de um
Estado.

1.1.1.3 – Hidrografia

Esta característica do território tem sido muito importante no poder do Estado na


medida em que sendo um meio privilegiado de comunicação é, também, um factor de
promoção do comércio.
Assim, os rios cumprem um duplo papel:
a) independência económica do estado (prosperidade agrícola – irrigação;
produção de energia – barragens);
b) segurança, constituindo, por um lado, uma barreira a transpor pelas tropas
inimigas, e, por outro lado, facilitam o transporte das forças militares do
Estado par o interior.

99
1.1.1.4 – Qualidade do solo e subsolo

A qualidade do solo e do subsolo garante ao Estado uma maior auto-suficiência


em termos económicos (em géneros alimentícios, energia e matérias-primas),
possibilitando um maior desenvolvimento agrícola e industrial.
Os recursos naturais constituem, igualmente, um factor de poder e de riqueza.
Mas a sua repartição no Mundo é desigual. Certos continentes e certos Estados são mais
favorecidos que outros. Tem sido, desta forma, um factor catalisador de conflitos entre
os Estados (pela posse das riquezas naturais). Esta desigualdade implica que as
possibilidades de desenvolvimento estão longe de ser semelhantes entre as diferentes
unidades políticas que compõem a Sociedade Internacional.
As condições e os critérios da riqueza natural são variáveis no tempo e no
espaço.
A hierarquia de importância das matérias – primas e dos produtos de base não é
estável, estando dependente do avanço da ciência e da oscilação do mercado (se o
carvão teve muita importância no passado, hoje essa importância é atribuída ao petróleo
e no futuro poderá ser do urânio).
Por último, não é suficiente a existência, em abundância, de riquezas naturais
para que o Estado seja poderoso em termos económicos. É necessário que seja capaz de
os explorar, transformando-os em recursos reais, o que pressupõe, também, uma grande
capacidade financeira e tecnológica.
O determinismo geográfico é, por isso, relativo, devendo ser conjugado com os
outros factores.

1.1.1.5 – Posição

100
A posição de um Estado é um dos elementos mais importantes do factor
geográfico na medida em que tem repercussões a vários níveis.
Um bom exemplo da importância da posição de um Estado é a possibilidade de
acesso ao mar.
A nível da segurança é, simultaneamente, um elemento dissuasor de uma
invasão pelo obstáculo que pode constituir (escarpas), bem como pode ser um elemento
de fraqueza, constituindo uma via de penetração.
A nível económico, gera lucros (pelo controlo das vias de passagem das rotas
comerciais), permitindo cobrar taxas.
A nível de segurança constitui pontos estratégicos importantes (abastecimento,
etc.).
A posição insular de um Estado permite, ainda uma política externa
isolacionista.

1.1.1.6 – Dimensão

A dimensão do território tem, sobretudo, repercussões a nível da segurança,


aumentando o santuário.
Contudo, implica a necessidade de maiores recursos financeiros para a defesa
das fronteiras.
Pode, ainda, ser um obstáculo à coesão nacional (maior distância).

1.2 – O factor demográfico

Tal como o factor geográfico, o factor demográfico, pode influenciar as


Relações Internacionais. Tem repercussões quer a nível das políticas nacionais quer na
política mundial: militarmente, economicamente, ecologicamente, socialmente,
cientificamente.
Essas repercussões são a nível quantitativo e qualitativo.

101
A nível quantitativo, as relações internacionais, neste século, foram marcadas
pela rapidez do crescimento da população mundial (queda da taxa de mortalidade,
consequência da difusão de hábitos de higiene e de avanços na medicina) e pelo
aumento das migrações internacionais, o que implica:
a) o hemisfério norte industrializado, caracterizado por uma baixa de
fecundidade e um fraco crescimento demográfico;
b) o hemisfério sul subdesenvolvido, caracterizado por um forte crescimento
demográfico, resultado de um forte crescimento demográfico;
c) o fenómeno da urbanização passa a ser universal, pela concentração das
populações nas cidades.
A nível qualitativo, a estrutura da população de um país ou de um grupo de
países é importante: a pirâmide da população pode determinar a predominância de
jovens ou de idosos, de homens ou de mulheres, etc.
Por outro lado, o grau de homogeneidade da população de um Estado, do ponto
de vista étnico, religioso, social ou político é um factor não negligenciável para a
governabilidade e estabilidade de um Estado, podendo ter repercussões a nível
internacional.

1.3 – O factor económico

É incontestável que o factor económico tem um papel determinante na vida


internacional.
A história fornece numerosos exemplos de conflitos motivados por rivalidades
económicas: luta pelo controlo de matérias – primas, luta por mercados, etc.
A arma alimentar e a arma monetária fazem parte da guerra económica (tal
como as armas petrolífera, tecnológica, científica), sem esquecer o embargo.
A acção da OPEP, a existência da ASEAN, o papel do GATT, entretanto
substituído pela OMC), a criação do Mercado Comum/UE, o crescente poder das
empresas multinacionais ou, ainda, as reivindicações dos países em desenvolvimento no

102
sentido da instauração de uma Nova Ordem Internacional (NOEI), etc., demonstram a
importância das trocas comerciais Internacionais para os Estados.
A interdependência entre os Estados é económica antes de ser política.
Assim, o poder de um Estado depende, sobretudo, dos factores geográfico,
demográfico e económico.

1.4 – O factor militar

1.4.1 – A panóplia
Diversificação das armas

a) As armas clássicas são fundamentalmente as mesmas (armas convencionais) desde


a Segunda Guerra Mundial, apenas mais aperfeiçoadas em termos de precisão e
eficácia.

b) As armas de destruição maciça detêm capacidades letais consideráveis sendo


difícil a discriminação, no seus alvos, entre populações civis e combatentes.

1) As armas nucleares conheceram desde 1945 um grande desenvolvimento,


consequência da descoberta do termonuclear que resulta da técnica da fusão
nuclear. O Tratado de Não Proliferação ratificado por mais de 140 Estados evitou a
disseminação selvagem deste tipo de armamento.

2) As armas químicas foram utilizadas já na I Guerra Mundial e foram


desenvolvidas com a descoberta dos neuro – tóxicos. Alguns deles são incolores e
inodoros, logo dificilmente detectáveis (gás sarin). A Declaração de Paris de 11
Janeiro de 1989 condena a utilização deste tipo de arma.

103
3) As armas biológicas, são constituídas por germes seleccionados (vírus, bactérias,
etc). O seu fabrico e armazenamento é proibido pelo Tratado de 10 Abril de 1972.

4) As armas de neutrões destroiem os seres vivos mas não os edifícios e infra-


estruturas. Nunca foram utilizadas em situações reais de combate.

1.4.2 – Arsenais e poder militar dos Estados

a) O armamentos estão repartidos de uma forma desigual pelos Estados, apenas os


Estados desenvolvidos e ricos podem de dotar de armas sofisticadas, podendo,
mesmo, as conceber, produzir e vender.

b) O armamento do Terceiro Mundo é um fenómeno novo nas Relações Internacionais


desde a década de 80 dado que numerosos países em desenvolvimento procederam a
um desenvolvimento dos seus arsenais de armas convencionais.

c) O complexo militar – industrial, constituído por uma conjugação de pessoal militar e


de uma indústria poderosa apoiada em instituições de pesquisa científica, detém,
cada vez mais, uma influência nas decisões dos governos.

1.4.3 – Influência nas Relações Internacionais

a) Os meios militares de um Estado são utilizados para garantir a sua defesa. Contudo,
as políticas de força, os actos de agressão, a intenção de anexação fazem do factor
militar um instrumento de destabilização das Relações Internacionais.

b) Existe uma tomada de consciência internacional do excesso de armamentos, quer


pela opinião pública, quer, mesmo, pelos governantes, levando a um esforço
colectivo no sentido da limitação dos armamentos ( arms control ) ou mesmo do
desarmamento:

104
- acção da Sociedade das Nações
- acção da Organização das Nações Unidas
- Tratado sobre a desmilitarização do Antártico de 1959
- Tratado de Moscovo de 1963
- Tratado de Tlateloco de 1967
- Tratado de Não Proliferação das Nucleares (TNP) de 1968
- Tratado de Rarotonga de 1985
- Tratados SALT I ( de 1972) e SALT II ( de 1979)
- Tratado sobre Forças Intermédias de 1987
- Tratdo sobre Forças Convencionais na Europa (CFE) de 1990
- Tratado START I (de 1991) e START II de 1992
- etc.

1.5 – O factor científico e tecnológico

a) A ciência pura e aplicada teve um maior progresso nas últimas cinco décadas do que
no último milénio. Uma revolução deste tipo terá consequências globais sobre todas
as sociedades, logo sobre as Relações Internacionais, quer agravando a desigualdade
entre os Estados Desenvolvidos e os Estados Em Desenvolvimento, quer produzindo
um maior desgaste dos recursos naturais, criando ameaças globais (ameaça
ambiental).

b) O progresso técnico acelerou as comunicações em todos os domínios, criando uma


rede mundial de comunicação e informação que vieram perturbar o equilíbrio
mundial, bem como a soberania dos Estados.
c) O factor científico e tecnológico está interligado com o factor militar, permitindo
aos Estados o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos seus arsenais de armamentos
bem como das estratégias e tácticas militares.

105
1.6 – O factor governamental

Este factor pode estar associado, ou não, ao factor liderança e diz respeito à
influência dos governos, quer no desenvolvimento dos seus Estados, quer nas Relações
Internacionais, pela definição das directrizes da política externa dos seus Estados.
Uma boa capacidade governativa traduz-se na capacidade dos governos em
transformar as capacidades do País em capacidades reais, bem como, pelas suas
iniciativas internacionais, reforçar a cooperação internacional.
Temos, assim, uma classificação em bons e maus governos; governos
democráticos e governos autoritários.

1.7 – O factor ideológico, cultural e espiritual

A cultura pode ser definida como o conjunto coerente e coordenado de sistemas


de valores, de representações e de crenças, de regras de conduta, de técnicas materiais e
intelectuais características de uma sociedade ou de um grupo social, permitindo a
afirmação da sua identidade.
Existem culturas nacionais, subculturas ou mesmo fenómenos de contra –
cultura.
A sua influência manifesta-se:
a) na fragilização dos Estados pluriculturais: as minorias culturais exigem o
reconhecimento da sua especificidade através de uma maior autonomia;
b) no debate sobre a preferência a dar à modernidade ou aos valores
tradicionais;
c) quando utilizado pelos governantes para justificar políticas expansionistas e
de conquista.

106
A ideologia constitui um sistema global de explicação da evolução do mundo e
das sociedades mundiais, produzido e difundido por um grupo restrito.
A função principal das ideologias é de legitimar uma dada sociedade ou a crítica
da mesma com base num sistema de valores de referência considerado universal.
Regra geral, contém um discurso de ocultação de certos factos históricos de
acordo com o interesse do grupo defensor da ideologia.

1.8 – O factor mediático

O peso e o papel dos media na sociedade mundial da segunda metade do século


XX não é mensurável e é resultado da revolução técnica e política das últimas cinco
décadas.
Contudo, todos os especialistas concordam em reconhecer que a sua influência
na opinião pública nacional e internacional é considerável.
O aumento da sua influência é, simultaneamente, causa e efeito da erosão da
soberania dos Estados.
A mediatização dada a um facto pode determinar, simultaneamente, o impacto e
a importância desse facto para a opinião pública internacional.
Na análise do factor mediático devemos, também, ter em atenção os fenómenos
de :
- subinformação ( países em desenvolvimento)
- sobreinformação (países desenvolvidos)
- desinformação ( manipulação da informação para fins políticos, ideológicos
ou económicos), etc.
Em suma, o factor mediático pode ter o poder de:
- acelerar um processo de destabilização interna de um país
- reforçar o poder de um governante ou de grupo social ( lobbie)
- permeabilizar fronteiras
- internacionar um conflito ou um facto de carácter nacional

107
- reforçar a solidariedade internacional
- isolar um regime político ( África do Sul)
- pressionar a democratização / respeito pelos Direitos do Homem
- etc.

1.9 – O factor liderança

O carácter e a personalidade dos governantes podem ser consideradas como um


dos factores das Relações Internacionais, na medida em que aos governantes cabe,
sobretudo, a iniciativa de decisão, apesar de ser em nome do Estado.
Procura-se, assim, uma inter-relação entre o carácter e a personalidade do
governante, e a qualidade de estadista.
Será que existe uma relação de causa / efeito ?
Qual a influência da personalidade do governante na tomada de decisões ?
Podemos separar o ser pensante do ser biológico ?
Quanto a estas questões, destaca-se o trabalho de Lasswell (politólogo) que
referencia, na sua obra, uma tipologia de políticos, baseada nos caracteres da sua
Personalidade (agitadores, administradores e teóricos).

108
PARTE V - AS TÉCNICAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Se aludimos a instrumentos e técnicas de Relações Internacionais é porque ambas as


noções se acham intimamente ligadas, como órgão e função, por exemplo.

Instrumento significa correntemente o objecto que serve para efectuar uma


determinada operação; e técnica ou método o processo ou conjunto de processos
utilizados por uma ciência ou arte, ou seja, por uma certa actividade humana.

O instrumento é, pois, o objecto utilizado para se praticar uma determinada operação e


a técnica o processo utilizado para a efectivação dessa mesma operação.

Instrumento e técnica acham-se, pois, intimamente ligados, como aspectos estático e


dinâmico da mesma realidade, de forma que podemos sistematizar determinados
campos de actuação humana com base nas diversas técnicas ou nos diversos
instrumentos utilizados. Como cada uma dessas técnicas se acha ligada a um
determinado instrumento, a sistematização pode ser feita indiferentemente com
referência aos instrumentos ou às técnicas utilizadas. No presente estudo não
procuramos dissociar instrumento e técnica, mas procederemos à nossa análise como se
instrumento e técnica, objecto e processo, formassem um todo.

Na implementação de uma dada política externa deparamos logo de início com uma
distinção fundamental entre os tipos de instrumentos e técnicas susceptíveis de serem
utilizados: de um lado, os instrumentos e técnicas de carácter pacífico; do outro, os
instrumentos e técnicas de tipo violento. No primeiro caso, o Estado que procura
executar uma determinada política externa pretende convencer o Estado em relação ao
qual pretende executar a tal política; no segundo caso, o Estado executor dessa política
externa pretende constranger o Estado a que essa política se dirige.

109
Enquanto o instrumento pacífico mais típico da política externa é a diplomacia, o seu
instrumento violento mais típico é a guerra.

1.1 – A Diplomacia

As Relações Internacionais são uma ciência muito recente, o que consequentemente


resulta no facto de, na linguagem corrente e até nas obras dos especialistas de assuntos
internacionais, persistir uma certa confusão de conceitos, pelo que se torna difícil
abordar com clareza qualquer matéria teórica relativa a esta disciplina.

No que se refere, em particular, ao conceito de diplomacia, é frequente vê-lo confundido


com o conceito de política externa, bem como com o de negociação, para designar o
instrumento pacífico e genérico da política externa, isto é, qualquer forma de
negociação em oposição aos instrumentos violentos e em particular à guerra.

Todavia, no conceito de negociação, que é muitas vezes identificado com o de


diplomacia, há que distinguir vários tipos:

 negociação directa: negociação levada a cabo directamente pelos detentores


do poder político dos Estados;
 diplomacia: negociação levada a cabo por representantes do Estado,
especialmente designados pelos seus órgãos de soberania, mas eles próprios
destituídos de poder político, e que são rigorosamente os agentes
diplomáticos;
 mediação: negociação levada a cabo pelos representantes ou pelos detentores
do poder político de um terceiro Estado que serve de intermediário entre dois
outros Estados.

1.2 – As Alianças

110
Do ponto de vista formal, as alianças são tratados entre dois ou mais Estados, cujo
objecto é fazer face a um perigo, a uma ameaça, a um objectivo, a uma preocupação, ou
a um interesse que diga respeito a um ou a todos os signatários.

1.3 – A Guerra

A guerra, ou seja, o instrumento violento por excelência, é o ataque das forças militares
de um Estado contra o território, instalações militares ou populações de outro Estado.

1.4 – A Arma Económica

A arma ou guerra económica é o emprego de sanções de carácter económico por parte


de um Estado contra outro Estado, sanções que poderão exigir a utilização de meios
militares, como no caso do bloqueio.

1.5 – As Estratégias Indirectas

1.5.1 – A Espionagem

A espionagem, que os anglo-saxões chamam pudicamente intelligence, é exercida por


meio de agentes secretos de um Estado junto de outro, para a obtenção, por meios não
legítimos ou ocultos, de informações úteis à sua política.

Segundo o professor Calvet de Magalhães, um dos elementos constitutivos da


actividade diplomática é a informação, entendendo-se esta informação como aquela
obtida por meios legítimos. Quando essa informação é obtida por meios ilegítimos,
estamos na presença de espionagem, o que não constitui uma actividade normal da
diplomacia.

111
Certos diplomatas profissionais exercem funções de espionagem nos países em que
estão acreditados, o que constitui um desvio grave das suas funções.

Mais frequentemente, passaram a existir nas missões diplomáticas agentes


especializados de espionagem e contra-espionagem a coberto de um estatuto
diplomático.

1.5.2 – A Propaganda

A propaganda, a que alguns autores preferem chamar informação, é a infiltração das


ideias favoráveis à política externa de um país junto da população/opinião pública de
outro país.

1.5.3 – A Acção Psicológica

A acção psicológica tornou-se um importante meio de luta, mas secundário em relação


às acções militares. As técnicas da chamada “propaganda negra” foram desenvolvidas
já durante a II Guerra Mundial, por exemplo por Goebbels para a Alemanha e por
Sefton Delmer para os Aliados.

1.5.4 – A Desinformação

A desinformação tem como origem os serviços de informação de um Estado e como


destinatário os serviços de informação de outro Estado. Significa, simplesmente, uma
intoxicação dos serviços correspondentes do adversário. O nome desta técnica, adaptada
do russo dezinformatsia, define-a muito bem: ela consiste em fornecer informações
falsas, mas credíveis. É menos indirecta que a propaganda, podendo mesmo completá-la
e recorrer até aos meios da espionagem.

112
1.5.5 – A Subversão

A subversão é constituída por um conjunto de práticas que aliam o psicológico, os


movimentos de multidões e a revolução, bem como outras técnicas indirectas.

O objecto da subversão é a desagregação do tecido social e político. Contrariamente à


propaganda ou à desinformação, a subversão não procura uma alteração do
comportamento do poder, mas uma alteração do próprio poder.

113
Bibliografia geral

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BAYLIS, John; SMITH, Steve – The Globalization of World Politics. An Introduction
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_______________ (direcção de) - Dictionaire des Relations Internationales. Paris:
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CHAGNOLLAUD, Jean-Paul – Relations Internationales Contemporaines. Un Monde
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COLARD, Daniel - Les Relations Internationales Depuis 1945. Sextième edition, Paris:
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DEUTSH, Karl, W. - The Analysis of International Relations. Third edition. New
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DUROSELLE, J.B.; RENOUVIN, P. - Introduction à L´Histoire des Relations
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FERRIER, Jean-Pierre - Les Relations Internationales. Paris: Gualino, 1996.
GOUNELLE, Max - Relations Internationales. Paris: Dalloz, 1996.
HOSTI, K. J. - International Politics: A Framework for Analysis. Seventh edition. New
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HUNTZINGER, Jaques - Introdução às Relações Internacionais. PE edições, 1991.
LEVEBRE, Maxime - Le Jeau du Droit et de la Puissance. Précis de Relations
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MOREIRA, Adriano – Teoria das Relações Internacionais. Coimbra: Almedina,
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QUELLEC, Jean - Relations Internationales, Naissance du Troisième
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REYNOLDS, P. A. - Introduction to International Relations. Third edition. London:

114
Longman, 1994.
SAR, Serge - Relations Internationales. Paris: Montchrestien, 1995.
SCARTEZZINI, Ricardo; ROSA, Paolo - Le Relazioni Internazionali. Roma: NIS,
1994.
SOUSA, Fernando de; MENDES, Pedro (coords.) – Dicionário de Relações
Internacionais. Porto: CEPESE/Afrontamento, 2014.
VAISSE, Maurice - As Relações Internacionais desde 1945. Lisboa: Ed. 70, 1996.
WOLFE, H. James; COULOUMBIS, A. Theodore - Introduction to International
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115

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