Universidade de São Paulo Escola de Comunicações E Artes Programa de Pós-Graduação em Meios E Processos Audiovisuais
Universidade de São Paulo Escola de Comunicações E Artes Programa de Pós-Graduação em Meios E Processos Audiovisuais
Universidade de São Paulo Escola de Comunicações E Artes Programa de Pós-Graduação em Meios E Processos Audiovisuais
São Paulo
2023
Amanda Pedrosa de Matos
Versão original
São Paulo
2023
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
Dados inseridos pelo(a) autor(a)
MATOS, A. P. de. Sons de Sobrevivência: a trajetória da gravadora Núcleo Contemporâneo.
2023. Dissertação (Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais) – Escola de Comunicações
e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2023.
Aprovado em:
Banca Examinadora
MATOS, A. P. de. Sounds of Survival: the history of the record label Núcleo
Contemporâneo. 2023. Dissertação (Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais – Escola
de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2023.
This master’s thesis aims to analyze the history of Núcleo Contemporâneo, an independent
Brazilian record label, distributor, and producer company. It was founded by Benjamim
Taubkin, Teco Cardoso, Mané Silveira and Toninho Ferragutti in 1996. The label catalog
focuses on traditional Brazilian music, Brazilian jazz, and music from several countries, but
there are also popular songs. Therefore, this research investigates how the phonographic
industry changes in the 1990s, 2000s, and 2010s affected the object of study. Moreover, the
cultural products launched by the label at different moments were also analyzed. The
qualitative methodological procedures consist of bibliographical, musical, and audiovisual
research, in addition to data collected from interviews, journalistic documents, and reports. As
a result, this work indicates the strategies used to maintain the label's survival over the last
decades, even with the difficulties faced in this time period. The inherent combination of
artistic and management elements is a main element to understand such continuity.
3 Figura 3: Taubkin atravessa a cidade para chegar ao aeroporto, espaço que simboliza a
viagem e o encontro. Fonte: DVD O piano que conversa, 2019. ........................................ 106
5 Figura 5: O aeroporto pode ser entendido como um local impessoal e universal. Entretanto,
o afeto do encontro e a representação da metáfora da viagem acrescentam características
dissonantes a este espaço homogêneo. Fonte: DVD O piano que conversa, 2019. .............. 107
6 Figura 6: Carregador transporta piano. Fonte: Fonte: DVD O piano que conversa, 2019. 108
10 Figura 10: Exemplo de plano observativo, mas que no filme adquire caráter explicativo
com a voz over de Machado. Fonte: DVD Música pelos poros, 2019. ............................... 115
11Figura 11: Machado trabalha a metalinguagem ao filmar sua equipe filmando Jovi
Joviniano e Marcos Suzano. Fonte: DVD Música pelos poros, 2019. ................................ 115
12 Figura 12: Em Música pelos poros, Machado utiliza recursos da linguagem jornalística,
como entrevistas. Este enquadramento mais “sóbrio”, alinhado à identificação da jornalista,
demonstra um documentário mais focado na objetividade do que na subjetividade. Fonte:
DVD Música pelos poros, 2019. ...................................................................................... 115
13 Figura 13: O músico do Azerbaijão Sahib Pashazade responde a pergunta que Machado fez
a todos os músicos residentes: “De onde sua música vem? E para onde ela vai?”. Fonte: DVD
Música pelos poros, 2019. ............................................................................................... 115
14 Figura 14: Núcleo Contemporâneo comemora dois anos no Sesc. Estado de São Paulo,
Caderno 2, pág. D11, 1998. Fonte: Acervo pessoal, 2022. ................................................ 119
15 Figura 15: Sonoridade Contemporânea. 1998. Fonte: Acervo pessoal, 2022.................. 120
16 Figura 16: Música instrumental com atitude. Jornal da tarde. 1997. .............................. 121
17 Figura 17: Músicos se unem para lançar selo. O Estado de S. Paulo. 1997. Fonte: Acervo
pessoal, 2022. ................................................................................................................. 122
18 Figura 18: Músicos celebram nova era instrumental. Folha de S. Paulo, 1996. Fonte:
Acervo pessoal, 2022. ..................................................................................................... 123
19 Figura 19: Música instrumental busca novos ouvidos. 2022. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/6/27/ilustrada/1.html Acesso em 28 mai 2022. .... 131
20 Figura 20: Selo de vanguarda musical festeja 18 anos. 2015. Acesso em: 28 Mai 2022. 132
21 Figura 21: Na coluna Antônio Carlos Miguel, publicada em 1/10/2013 e intitulada Ronda
dos CDS, o jornalista ressalta o diálogo entre diferentes culturas presente no álbum Al
Qantara. Fonte: http://g1.globo.com/musica/antonio-carlos-miguel/platb/tag/benjamim-
taubkin/ Acesso em 28 Mai 2022. .................................................................................... 133
22 Figura 22: Longa resenha no Jornal O globo sobre o documentário Música pelos poros e o
álbum Música na Serrinha, publicada 2017. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/cultura/musica-na-serrinha-celebra-harmonia-entre-ritmos-culturas-
diferentes-22011588 Acesso em 28 Maio 2022. ............................................................... 135
23 Figura 23: “Hay que tener mucha fe en la musica”. Fonte: Acervo pessoal, 2022. ......... 138
24 Figura 24: Taubkin divulga a programação semanal da Casa do Núcleo em 2014. Fonte:
perfil do Facebook de Benjamim Taubkin, 2022............................................................... 144
25 Figura 25: Divulgação do acervo, que tinha a intenção de funcionar como uma discoteca
gratuita (havia também a loja com os álbuns do selo para venda, mas o acervo era para uso de
todos). Fonte: página do facebook da Casa do Núcleo, 2022. ............................................ 145
26 Figura 26: Exemplo de evento que se propunha a promover debates. Fonte: página do
facebook da Casa do Núcleo, 2022................................................................................... 145
27 Figura 27: Gráfico que mostra a participação de cada segmento na receita do mercado
fonográfico, em bilhões de dólares. Fonte: Relatório International Federation of the
Phonographic Industry, 2022. .......................................................................................... 159
28 Figura 28: Postagem de Taubkin em seu perfil criticando o modus operandi das
plataformas de streaming em relação aos artistas e produtores. Fonte: Página do Facebook de
Benjamim Taubkin, 2022. ............................................................................................... 161
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 14
2 Parte I — Surgimento................................................................................................. 16
Capítulo 1. A gravadora Núcleo Contemporâneo e Indústria Fonográfica no Brasil na década
de 1990 .................................................................................................................... 16
1.1 Apresentação do objeto ............................................................................................ 16
1.2 Um empreendimento coletivo ................................................................................... 19
1.3 Contextualização: particularidades da indústria fonográfica na década de 1990 .......... 22
1.4 Aspectos administrativos .......................................................................................... 36
1.5 Estratégias de autonomização ................................................................................... 40
1.6 Um projeto cultural .................................................................................................. 43
Capítulo 2. Direcionamentos artísticos: a música instrumental, a tradicional e a World Music
44
2.1 Considerações e panorama sobre a Música Popular Instrumental Brasileira ................... 44
2.2 Outras experiências instrumentais em São Paulo: Pau Brasil, Maritaca e Som da Gente . 50
2.3 O problema da World Music ........................................................................................ 62
2.4 A música tradicional .................................................................................................... 65
Parte II — Fronteiras Imaginárias: Núcleo Contemporâneo e o diálogo entre diferentes
culturas................................................................................................................. 66
1 INTRODUÇÃO
administrativa, sem que eles parecessem explicitamente antagônicos. No que diz respeito à
música, chama atenção o interesse pelo “Outro”, onde os produtos culturais (álbuns, DVDs,
livros, apresentações) apresentam músicos e culturas de diversos países. O advento da World
Music pode ser considerado um ponto de partida para a compreensão dessa linha artística
seguida pela gravadora. No aspecto administrativo, foi percebido o caráter coletivo que o
empreendimento teve em seu princípio, bem como a intenção de atuar em diversos âmbitos
culturais, além de evocar um certo dever de “interesse público” quando conduzia debates e
discussões sobre a carreira de músico independente.
Portanto, a parte I concentrou-se em realizar uma contextualização deste objeto,
reforçando suas particularidades, quem eram seus fundadores e quais as características da
indústria fonográfica daquele período. Além disso, procurou-se introduzir algumas das
características dos aspectos administrativos e da linha artística seguida pela gravadora. No
primeiro, interessa destacar o caráter coletivo do empreendimento (conforme já mencionado)
e a intenção de buscar por autonomia, diminuindo a dependência de fatores externos para a
concretização de suas ações. Neste caso, recorreu-se à teoria da destruição criadora
contextualizada na indústria fonográfica por De Marchi (2016). No segundo, dividiu-se o
processo de criação artística entre três segmentos: a música tradicional, a World Music e a
música instrumental. Embora a canção popular esteja presente nos produtos culturais,
entende-se que esses três segmentos são majoritários. Tais tópicos articularam conceitos
formulados por Ikeda (2013), Zimbres (2017) e Cirino (2005), mas principalmente a análise
de Nicolau Netto (2013) sobre World Music e o discurso da diversidade.
A parte II, por sua vez, focou em analisar alguns dos produtos culturais lançados pela
Núcleo. Essa escolha se deu pela premissa de que era necessário compreender o que esses
materiais (CDs, álbuns, documentários, apresentações) estavam comunicando. O objetivo era
testar se a hipótese de interesse pelo “Outro” fazia sentido; como seria inviável analisar todos
os álbuns lançados, a escolha foi baseada no seguinte critério: se o material foi produzido e
distribuído pelo Núcleo (aqueles anteriores a 2017, quando essa última etapa passou a ser
terceirizada). Mesmo quando fazia esse serviço de distribuição para outros artistas da cena
independente, nem sempre os membros da gravadora tinham relação direta com o processo de
criação daquele material. Optou-se por priorizar trabalhos de caráter coletivo em que os
fundadores (e, mais tarde, sobretudo Taubkin) estivessem envolvidos. Para analisar esses
produtos, prosseguiu-se com alguns conceitos cunhados por Nicolau Netto (2013) para
explorar a World Music, como de índice de diferenciação por etnia e região e o capital de
confiança.
16
Por fim, a parte III teve como objetivo apresentar algumas ramificações da atuação
da gravadora nas décadas de 2000 e 2010. Não seria factível se ater apenas ao que diz respeito
à indústria fonográfica, pois Taubkin colaborou em outros âmbitos do setor cultural, como
curadoria, gestão de casa de espetáculos, produção de livros, palestras etc. Nesta parte,
objetivou-se fornecer um panorama da atuação da cena independente no período, indicando as
transformações que ocorreram em comparação com o período de surgimento e as possíveis
futuras perspectivas da gravadora. A intenção foi de elaborar uma espécie de “linha do
tempo”, onde o objeto de pesquisa fosse a baliza desses acontecimentos.
Espera-se que o leitor possa perceber alguns meandros da música independente no
Brasil, bem como questionar alguns de seus procedimentos. A contribuição dessa dissertação
reside tanto na preservação da memória de um pequeno “agente cultural”, com atuação na
área da música, quanto no incentivo de debates a respeito das possibilidades de carreira para
quem adentra neste segmento. Num período de tantas turbulências para a área cultural, é
pertinente deixar registrado um projeto que sobreviveu – não sem consideráveis empecilhos –
apesar do tempo, das transformações e de questões financeiras. Sob a perspectiva acadêmica,
pode-se afirmar que o objeto apresentou singularidades desde sua existência, mas nem por
isso deixa de ser um produto de seu tempo histórico. Logo, pretende-se que o leitor possa
identificar, ao longo do trabalho, os elementos internos e externos que explicam a trajetória da
gravadora Núcleo Contemporâneo.
2 Parte I — Surgimento
Capítulo 1. A gravadora Núcleo Contemporâneo e Indústria Fonográfica no Brasil na década
de 1990
Fundada em 1996 pelos músicos Benjamim Taubkin, Teco Cardoso, Mané Silveira e
Toninho Ferragutti, a gravadora, distribuidora e produtora Núcleo Contemporâneo tem em seu
catálogo cerca de 95 álbuns lançados (inclui-se trabalhos produzidos e distribuídos e aqueles
apenas distribuídos), além de projetos que se desdobraram em DVDs e livros (como o
Memória Brasileira, cuja proposta foi mapear, registrar e relançar manifestações de música
instrumental brasileira que estavam esquecidas e/ou dispersas) e os documentários O piano
que conversa e Música pelos poros. Também estão presentes trabalhos que dialogam com
17
diversas linguagens artísticas, como trilhas sonoras para dança, cinema e encontros de
improviso entre música e poesia.
A linha musical da gravadora abrange a música instrumental (o segmento mais
presente), a canção popular (gerações diversas, de Ná Ozzetti a Juliana Perdigão), a música
tradicional e folclórica (Núcleo de Música do Abaçaí e Clareira), além dos álbuns que
apresentam diálogos entre culturas tradicionais de diversos países. Observa-se que estes
diferentes direcionamentos podem estar presentes em um único produto cultural; a
predominância não impede a junção de elementos.
Assim, é possível supor que a gravadora é parte de um projeto artístico composto por
vários idealizadores – sendo ele impulsionado pelo problema da diferença entre culturas e os
possíveis diálogos que podem ser estabelecidos por elas. Esse aspecto pode ser identificado
nos seguintes exemplos: a reaproximação entre Brasil e América Latina (América
Contemporânea e Fronteiras Imaginárias); a contraposição Ocidente-Oriente, explorada em
álbuns que reúnem músicos brasileiros com sul-coreanos (Co-Bra Project), marroquinos (Al
Quantara) e indianos (Samwaad – Rua do Encontro). Os projetos têm em comum a utilização
de linguagens artísticas múltiplas, reafirmação de identidades e imersão em diferentes culturas
tradicionais.
No início, a iniciativa teve como função viabilizar os trabalhos de seus próprios
membros (como A terra e o espaço aberto, 1997, primeiro álbum solo de Taubkin; Bonsai
Machine, segundo álbum solo de Mané Silveira, também de 1997; Meu Brasil, primeiro solo
de Teco Cardoso, de 1997, além dos álbuns da Orquestra Popular de Câmara, um trabalho
conjunto de todos os fundadores da gravadora) 1. Contudo, pouco tempo depois, a Núcleo
Contemporâneo passou a distribuir álbuns de outros músicos – sem produzi-los – expandindo
seu catálogo principalmente no nicho de música instrumental (havia também alguns álbuns de
canção, mas que de certa forma não tinham um apelo comercial tão notável quanto os de
alguns nomes consagrados e lançados por majors).
A questão da distribuição na Núcleo Contemporâneo remete ao contexto da indústria
fonográfica do período. De modo geral, a disseminação de gravadoras indies nos anos 1990
não se deu de maneira descolada das majors; ela se formou com estratégias de
profissionalização, afastando-se da noção anterior de “artesanalidade” e da oposição
ideológica entre o que era “independente” e o que estava inserido na grande indústria. A
parceria entre gravadoras de diferentes portes também foi um marco deste período:
1
MENEZES, T. Selo de vanguarda musical festeja 18 anos. Folha de São Paulo, 12 de jun. 2015: C6.
18
responsáveis por diversificar o mercado (ou seja, encarregavam-se do setor de Artistas &
Repertório), as indies tinham dificuldade em distribuir e divulgar seus produtos. Por ter mais
recursos, as majors passam a distribuir – e, em alguns casos, realizar divulgações por meio da
imprensa, ou até mesmo contratações posteriores – estes produtos culturais das indies. Tal
colaboração ficou conhecida como sistema aberto de produção, e foi consolidada nos anos
1990 (VICENTE, 2012, 2014).
No caso da gravadora Núcleo Contemporâneo, chama atenção justamente a não-
associação com majors para distribuição, divulgação e contratação posterior. Embora alguns
selos2 com atuação local e de nicho 3 fossem responsáveis por todas as etapas de produção de
seus materiais, predominava a parceria ao menos na distribuição - embora essa cooperação
não tenha se dado sem tensões, conforme detalharemos mais adiante. Em relação ao objeto de
pesquisa, pensar este aspecto diferencial sobre a distribuição pode ser o ponto de partida para
compreensão de outros elementos que também compõem a identidade da gravadora 4.
A distribuição própria da gravadora (1996-2017) não se trata de uma alternativa a uma
tentativa mal sucedida de parceria com majors. Ela foi uma deliberação administrativa
pensada por todos os integrantes que, motivados primariamente por suas carreiras artísticas,
buscavam estratégias de atuação baseadas em autonomização. No período em que a cena
musical independente brasileira estava começando a se organizar, mesmo que ainda não se
constituindo enquanto um mercado estruturado (DE MARCHI, 2006), essas estratégias eram
arriscadas, se comparadas com o contexto da segunda metade da década de 2010, por
exemplo – onde já se nota uma autonomia e auto-gerenciamento mais avançados na cena
musical independente (GALLETA, 2016).
Ainda assim, é possível supor que a gravadora seguiu alguns passos consonantes com
as décadas de 2000 e 2010. A figura do empreendedor adquire maior destaque (o processo
passa a ser mais voltado para a exploração de algumas figuras individuais). Isto pode ter
influenciado no declínio dos selos enquanto representantes da música independente. No
2
Ao longo deste trabalho, os termos “selo” e “gravadora” serão utilizados como sinônimos. Não há uma
distinção clara entre eles, embora o primeiro seja mais utilizado para se referir às indies ou segmentações dentro
de grandes empresas. Já o segundo costuma se referir às majors, ou seja, gravadoras de grande porte.
3
São exemplos os selos de música instrumental (categoria na qual se encontra a Núcleo Contemporâneo se
encontra, ao lado da Pau Brasil, Maritaca e Visom, a maioria fundada na década de 1990, com exceção da
Visom), além de selos ligados à World Music, como Sonhos e Sons (MG), Azul Records (SP), Alquimusic (SP)
e MCD World Music (SP), à MPB mais sofisticada Dabliú (SP), Velas (SP), CPC-Umes (SP), Kuarup (RJ) e
Dubas Music (MG). Destacam-se também a música infantil, o rap e a música religiosa (VICENTE, 2014).
4
O aspecto da distribuição não parece ter a mesma relevância atualmente. No entanto, naquele período, essa
característica era uma marca que sinalizava a intenção de autonomização.
19
entanto, a gravadora se manteve em atividade com seu projeto coletivo – a saída de Cardoso,
Ferragutti e Silveira não retira esse caráter da gravadora, já que posteriormente Taubkin
continuou trabalhando com outras pessoas, como o produtor Gustavo Martins e Myriam
Taubkin no Projeto Memória Brasileira.
Outro aspecto a ser destacado é o crescimento da presença do Estado na música por
meio de políticas públicas, sobretudo a partir de 2003 (MACHADO, 2017). É importante
ressaltar que essa questão diz respeito à indústria musical como um todo. Embora este
trabalho focalize a fonografia, a compreensão geral do objeto a partir dessa abrangência
sinaliza que a gravadora se colocava no mercado como um projeto cultural, e não apenas
como uma empresa fonográfica. O envolvimento de Taubkin com políticas culturais e sua
posterior crítica ao modo como elas eram estabelecidas é um aspecto que influenciou
diretamente na condução do empreendimento, conforme veremos mais adiante.
Em suma, a atuação da Núcleo Contemporâneo é marcada pela junção de aspectos
estéticos e administrativos. Nesta pesquisa, interessa compreender não apenas as
características do período de surgimento, mas também as consequências de um projeto
artístico com duração de 25 anos, ainda existente, que levou a cabo essa relação (arte/gestão),
considerando que as transformações da indústria fonográfica acontecem de maneira veloz.
Embora Benjamim Taubkin seja o único sócio da gravadora atualmente, ela começou
como um projeto coletivo também composto por Teco Cardoso, Mané Silveira e Toninho
Ferragutti. Cardoso permaneceu de 1996 a 2004; Silveira de 1996 a 1998; Ferragutti, por sua
vez, ficou menos de um ano. No álbum Danças, jogos e canções, da Orquestra Popular de
Câmara (grupo em que todos os fundadores faziam parte), lançado em 2003, são creditados 7
produtores na equipe da Núcleo Contemporâneo. Embora não houvesse uma relação rígida
(no sentido trabalhista), a quantidade de indivíduos trabalhando é superior a outras gravadoras
independentes do período, que costumavam ter menos membros, conforme veremos mais
adiante. Posteriormente, de 2010 a 2020, o produtor Gustavo Martins trabalhou na Núcleo
Contemporâneo. Desde o início da pandemia da COVID-19, Taubkin tem trabalhado
completamente sozinho pela primeira vez - mas enfatiza que esta condição se deu pela
adversidade do momento 5.
5
Entrevista realizada com Benjamim Taubkin por vídeo chamada, em 9/11/2020.
20
6
Nestes projetos mais extensos, que envolvem curadoria, apresentações musicais e parceria com outras
instituições, foram utilizados patrocínios privados e públicos (como o Memória Brasileira, em parceria com o
Sesc São Paulo e o então Banespa). É necessário realizar essa diferenciação, pois uma das questões da pesquisa é
compreender por que a gravadora não utilizou patrocínios nas produções de seus álbuns (fora os que fazem parte
destes projetos) e a crítica a eles encabeçada por Taubkin. O Projeto Rumos e o Mercado Cultural da Bahia não
são contratualmente ligados à Núcleo Contemporâneo, mas a participação de Taubkin neles refletiu no
empreendimento.
7
Para Teco Cardoso, o interesse pela música do mundo (inicialmente no caso da Orquestra Popular de Câmara,
mas que se expande para outros produtos culturais) está relacionado com o contexto de expansão da globalização
na década 1990, onde vinham crescendo “possibilidades de trocas de informações nunca antes possíveis, num
processo franco de aproximação de culturas e de pessoas. É neste contexto que se estabelece um movimento que
já vinha crescendo, de se fazer uma música do mundo. Uma conversa entre povos distintos, idiomas distintos,
mas que podiam nesta linguagem babélica que é a musical, ocupar o mesmo espaço” (CARDOSO, 2020).
8
Fenômeno de origem carioca e inicialmente uma forma de tocar (relacionada a uma maneira de “frasear”,
suavizando as polcas, valsas, schottisches), o surgimento do choro se confunde com o próprio nascimento da
Música Popular Instrumental Brasileira. Historicamente, seu surgimento está relacionado com o processo de
urbanização do Rio de Janeiro no final do século XIX com o crescimento do funcionalismo público, oriundo de
uma classe média baixa. Por volta da década de 1910, o choro passa adquirir uma forma musical mais definida,
tornando-se um gênero (CAZES, 1999; CIRINO, 2005; TINHORÃO, 1991). O choro é amplamente identificado
em vários produtos culturais da gravadora Núcleo Contemporâneo, como os álbuns da Orquestra Popular de
Câmara e o grupo Moderna Tradição.
21
Esta declaração traz um dado analítico que corrobora com a hipótese de processo
criativo embasado na coletividade. Em alguns momentos, o músico se refere à Orquestra
Popular de Câmara e à Núcleo Contemporâneo como sinônimos, ou ao menos
correspondentes9; esse direcionamento sugere a existência de um entrelaçamento entre os
aspectos estéticos e administrativos, a partir da noção de coletividade e diálogo entre
diferentes culturas. Benjamim Taubkin entende essa proposição como verdadeira, embora de
maneira crítica:
Era a busca. Era o que eu gostaria [o trabalho coletivo]. Quando o Núcleo começou,
não só era um projeto coletivo em princípio, como “A Casa” [primeiro centro
cultural cuja curadoria e administração eram dos fundadores da gravadora, sobre o
qual falaremos mais adiante] era em parceria com a proprietária do imóvel, como eu
fomentei e fiz o primeiro encontro da associação independente [ABMI, Associação
Brasileira da Música Independente]. Ou seja, minha visão sempre foi coletiva.
Acontece que, em todas as experiências, isso não se tornou possível, porque eu tinha
9
“Acredito que estávamos, O Núcleo/Orquestra Popular de Câmara, antes de mais nada, inseridos num contexto
tipicamente brasileiro e sobretudo paulistano. (...) País [Brasil] continente, que pode ser varrido de cima a baixo
e também de certa forma entendido, através das culturas específicas de cada região. Algo que ficou claro nos
CDs do Projeto Memória Brasileira que foram lançados dentro do Núcleo Contemporâneo” (CARDOSO,
2020).
22
um projeto muito radical. (...) Era uma diferença de intensidade, foco, e eu respeito
(...) então, eu entendi em que áreas eu podia ser mais coletivo, porque as pessoas
estão investindo e merecem os possíveis benefícios de estar em um grupo coletivo,
com o nome de todos. (...) A minha maneira de trabalhar é ouvindo as pessoas
(TAUBKIN, 2020).
A crise da indústria fonográfica no início dos anos 1990 teve origem na instabilidade
econômica da década anterior, iniciada com o Plano Cruzado (1986) e prolongada pelo
governo Collor (1990-1992). As medidas econômicas desse período se caracterizaram por
congelamento de salários e preços, desestatização, sequestro de ativos financeiros e controle
da inflação (VICENTE, 2014; DIAS, 2008).
Ainda que o último ano da década de 1980 tenha suscitado otimismo (a produção
chegou a 76,8 milhões de unidades), isso se mostrou efêmero: no ano consecutivo, cairia para
32,1 milhões. Enquanto os investimentos em novos artistas eram incentivados em meados de
1989, com o Brasil em segundo lugar no consumo de LPs, em março de 1990 muitos
lançamentos foram adiados e deram espaço para produções já consagradas. Ou seja, as
grandes gravadoras passaram a assumir uma gestão mais conservadora, menos propensa a
riscos (DIAS, 2008; VICENTE, 2014).
Tal conjuntura acarretou redução de custos (funcionários, casting) e terceirização de
serviços. Multinacionais, como a BGM, apelaram para o catálogo internacional; já a EMI
retirou a etapa de produção. Portanto, não há transformação profunda no modelo de atuação
das grandes gravadoras, e sim uma radicalização de um modo já exercido na década anterior.
A busca por um mercado mais popular também foi uma das estratégias empreendidas pelas
grandes gravadoras, com destaque para o investimento no segmento sertanejo feito por
empresas estrangeiras (como Warner e CBS, esta última posterior Sony Music) e nacionais
(Continental, comprada pela Warner em 1993) (VICENTE, 2014).
Outro aspecto que deve ser mencionado é a mudança de formato do LP para o CD. Em
escala mundial, o CD já abrangia 24% das vendas por unidade (os outros formatos eram LP e
cassete) em 1989. Entretanto, no mesmo ano, o Brasil ainda era o segundo maior consumidor
de LPs do mundo, ficando atrás apenas da então União Soviética. De 1990 a 1992, a venda do
novo formato cresceu gradualmente no país, mas não conseguia superar os mais antigos
devido ao seu alto custo (o aparelho reprodutor custava cerca de mil dólares; o fonograma,
20% do salário mínimo, em 1992). Este fator era apontado como um dos responsáveis pelo
agravamento da crise, ao lado da crescente pirataria de cassetes que estaria associada à
transição de formatos (DIAS, 2008; VICENTE, 2014).
Em 1992, a Sony e BGM (ambas estrangeiras) inauguraram suas fábricas de CD no
Brasil. Até então, apenas a empresa Microsservice atendia esse ramo. O fim da exclusividade
indica um aumento significativo da demanda e acena para uma melhora, mas também sugere
concentração do mercado em grandes conglomerados transnacionais (VICENTE, 2014).
24
vendidos cerca de mil álbuns por mês10. Já o dado de participação do repertório nacional no
mercado (uma porcentagem de 66%) sugere que havia público para a produção musical, ainda
que existissem muitos nichos e eles não estivessem disputando o mercado de maneira
igualitária (o nicho de música instrumental permanecia pouco visado). Em relação à pirataria,
tal problema não influenciou a gravadora.
Também deve ser levado em consideração que a gravadora não realizou parcerias com
majors, o que de certa forma a coloca fora dos processos de desnacionalização de empresas e
terceirização. Ainda que as grandes empresas estivessem focadas em investir em produtos
“seguros” (álbuns já consagrados ou de gêneros que estavam em ascensão no momento), fica
explícito que os segmentos não explorados pelas transnacionais apresentam um potencial
público, mesmo que não alcancem números elevados como nos outros nichos.
Os últimos anos da década foram instáveis. Em 1998, o faturamento diminuiu
continuamente, até 1999, após atingir 1.1 bilhão de dólares. Já percentual de vendas por
repertório, por sua vez, estabilizou em torno de 70% para o tipo de música “doméstica” e
cerca de 20% no segmento internacional. No último ano da década, as vendas e o faturamento
da indústria fonográfica nacional caíram para 96,9 milhões em unidades (anteriormente 105,3)
e 668,4 milhares de dólares (anteriormente 1.1 milhão). A queda de 43% entre 1998 e 1999,
por sua vez, é resultante da desvalorização cambial (VICENTE, 2014).
O declínio na venda de discos na virada no milênio anunciava as mudanças que iriam
se intensificar na década seguinte, dando origem a um novo ciclo na indústria fonográfica. Os
anos 1990 possibilitaram uma reestruturação das grandes gravadoras e a otimização de lucros
a curto prazo, estabelecendo uma ordem social bem clara – o oligopólio de quatro
multinacionais e uma nacional, além do surgimento das pequenas e médias gravadoras na
esteira da racionalização e terceirização. Esse cenário não perdurou na década seguinte: ao
contrário do período anterior, a crise não se daria por um contexto de uma instabilidade
econômica no âmbito nacional, e sim por transformações específicas do mercado fonográfico,
que colocavam em xeque a legitimidade de suas principais instituições: discos físicos, lojas
revendedoras e os direitos autorais 11 (DE MARCHI, 2016). As implicações da indústria na
década de 2000 serão apresentadas posteriormente.
10
Dados fornecidos por Benjamim Taubkin, em entrevista realizada em 10/11/2020.
11
Os direitos autorais também foram um mecanismo para a consolidação do status das empresas de
comunicação e cultura no Brasil. Fortemente influenciada pelo contexto internacional, a Lei de Direitos Autorais
n. 9.610 de 1998 tinha um viés de proteção máxima aos direitos. Tal abordagem era justificada por uma suposta
valorização proporcional: quanto maior a proteção aos direitos autorais, maior seria o investimento no campo da
cultura. Esta lei também não levava em consideração as emergentes tecnologias digitais (DE MARCHI, 2016).
27
12
São consideradas indies as gravadoras de pequeno e médio porte, geralmente de atuação regional e
segmentada, que realizam todas as etapas de produção de seus fonogramas, se associando às majors no que diz
respeito à divulgação e distribuição. Já estas últimas fazem parte de grandes conglomerados transnacionais de
comunicação, que operam por meio da “integração vertical”, dominam os meios de produção, os
desenvolvimentos tecnológicos e as formas de alcance global (VICENTE, 2014).
28
13
A expressão “independente” no cenário musical está relacionada ao contexto norte-americano e à iniciativa de
empreendimentos autônomos em termos de produção, distribuição e consumo. Ligada ao desenvolvimento do
jazz, blues e rock no país, tal cena independente não estava alicerçada na oposição de “arte” e “mercado”, mas
sim entre “grandes” e “pequenas” empresas, que disputavam espaço no centro do capitalismo mundial. O
movimento punk na Inglaterra em 1970, mais radical em termos políticos, também foi um parâmetro p ara o
estabelecimento do conceito “independente”. Em ambos os casos, esse conjunto de iniciativas desenvolveu um
mercado (DE MARCHI, 2006).
30
novos artistas por meio do controle das etapas de criação artística, merchandising e
distribuição. Este novo modelo das “modernas corporações” constitui-se com base em uma
integração horizontal14. No contexto neoliberal, essa integração foi marcada pela privatização
de serviços, concentração de capital e ondas de fusões entre empresas de comunicação e
corporações de diversos setores produtivos. Tais companhias eram administradas levando-se
em conta, primordialmente, seus desempenhos lucrativos. Em vez de produtoras de bens e
serviços, passam a ser uma compilação de ativos que maximizam lucros em curto prazo (DE
MARCHI, 2016; PETERSON; BERGER, 1975; VICENTE, 2014).
No Brasil, o sistema aberto de produção é consolidado na década de 1990, conforme
foi mencionado anteriormente. Verifica-se uma transição gradual da nítida separação das
iniciativas autônomas e das grandes gravadoras para uma relação de complementaridade. Na
esteira da mundialização e do desenvolvimento de novas tecnologias, a radicalização desse
sistema coroou a terceirização como modo de trabalho (VICENTE, 2014).
Em termos de prospecção, formação e gravação de novos artistas, observa-se que as
indies se destacaram mais do que as majors. Mesmo considerando as empresas de porte médio
(como já mencionamos, ligadas a grandes centros econômicos), era o início de uma relação
pouco estável entre artistas e gravadoras e entre as próprias gravadoras. Os contratos eram
elaborados com base em projetos específicos, sem vínculos significativos; ainda que algumas
majors visassem utilizar indies como laboratório para possíveis contratações posteriores, eram
mais frequentes os acordos firmados apenas para a distribuição. Ora a divulgação também era
contemplada, ora não. Iniciava-se o pensamento de que o músico precisaria adquirir múltiplos
conhecimentos que proporcionariam a auto-administração de suas carreiras (VICENTE,
2014).
A consolidação do sistema aberto de produção na década 1990 modificou a oposição
ideológica entre arte e mercado presente nas anteriores: tanto a cena independente passou a se
adequar e integrar, quanto o mercado passou se associar com as iniciativas autônomas. Ainda
assim, essa proximidade não esteve isenta de conflitos: o produtor Pena Schmidt, por
exemplo, criticou a distribuição da Tinitus feita pela Polygram, que priorizava grandes
14
Essa passagem de integração vertical para horizontal (onde se formam os conglomerados transnacionais, em
1980) representa a inovação que dá início a mais uma etapa de destruição criadora da indústria fonográfica. Essa
teoria foi desenvolvida pelo economista austríaco Joseph Alois Schumpeter, em 1942. Dois aspectos acarretam
um processo de destruição criadora: a irrupção de um empreendedor, já presente no mercado (mas resultante de
uma distribuição imperfeita de informação entre os agentes) que passa a assumir um papel mais destacado capaz
de modificar radicalmente estruturas econômicas; para tanto, esse empreendedor se vale do segundo aspecto: a
inovação. Ela rompe com o equilíbrio da demanda e oferta, desfazendo o fluxo circular, gerando novos produtos,
etc. A nova conjuntura pode fazer antigas empresas declinarem – caso elas não consigam se adaptar – e propiciar
um terreno fértil para novos empreendimentos (DE MARCHI, 2016).
34
magazines. Isso fazia com que os artistas não tivessem discos para vender em seus shows – o
que era bastante negativo para alguns segmentos da música independente, visto que havia um
significativo público potencial nas apresentações ao vivo (DIAS, 2008; VICENTE, 2014).
Percebe-se que essa associação entre indies e majors era mais comum quando as
gravadoras pequenas ou médias tinham projeção nacional; para as “regionais”, não era
incomum a responsabilidade por todas as etapas de realização de um álbum (com exceção da
fabricação), inclusive a distribuição. Entretanto, isso não significou a ausência de
internacionalização de algumas empresas menores: o MCD (selo de New Age e World Music)
distribuía para outros selos internacionais, como Wind Records e Domo; o selo de música
instrumental Pau Brasil teve um álbum indicado ao Grammy em 1997 (Aldeia, da Banda
Mantiqueira), além de ter outro premiado na Alemanha (Sol de Oslo, gravado na Noruega
com Marlui Miranda e Gilberto Gil). Babel, álbum de música indígena do grupo Pau Brasil
(do que Stroeter faz parte), também foi gravado em Oslo com Marlui Miranda (CALADO,
1997; VICENTE, 2014).
Mesmo com as dificuldades econômicas e estruturais em se construir uma cena
independente que fizesse jus à diversidade musical do país, a década de 1990 anunciou que
existiam iniciativas cuja intenção era fomentar uma principiante autonomização. Se isso não
significou uma distribuição econômica mais igualitária (como vimos, as majors faturaram alto
e era extrema a concentração de empresas) nem uma coesão estética e administrativa que
fizesse oposição ao mercado (pelo contrário, essa oposição ideológica foi diluída), ao menos a
combinação entre um período político-econômico relativamente estável, o desenvolvimento
tecnológico/barateamento de equipamentos e a reestruturação da indústria foi capaz de gerar
uma proliferação de empreendimentos na área. No entanto, a distribuição física (marcada pela
consolidação do sistema aberto durante a década) dos produtos culturais é apenas uma das
formas de difundi-los; a disseminação também ocorria pelos meios de comunicação como
jornais, revistas, televisão e rádio, além do cinema, teatro e publicidade (DIAS, 2008).
A difusão de produtos culturais – e mais especificamente das mercadorias musicais – é
responsável por fazer a ponte entre o produtor e seu alvo final (o consumidor). Essa mediação
pode ocorrer de forma aleatória, compulsória ou potencial. A questão da difusão reitera a
noção de que o ato de consumo não é completamente autônomo, ou composto apenas pela
escolha do indivíduo. As tendências e técnicas da mundialização também estão presentes
nesse âmbito, sendo responsáveis pela constante presença da música em diversos veículos de
comunicação (DIAS, 2008).
35
15
Entrevista realizada com Carlos Calado em 1/11/2020, por e-mail.
36
No período de 1999 a 2009, De Marchi (2016) destaca a existência não apenas uma
série de selos independentes, mas também de artistas autônomos que passam elaborar,
gerenciar e distribuir suas próprias produções sem a mediação de qualquer gravadora. Estes
artistas autônomos, portanto, passam a constituir um novo foco de empreendedorismo ao
executarem novas formas de auto-promoção e distribuição (DE MARCHI, 2016).
Trazendo o termo para o contexto do objeto de pesquisa, nota-se que o grupo de
fundadores poderia ser categorizado enquanto “artistas autônomos”, já que se tratam de
músicos que já trabalhavam por conta própria mesmo antes do período destacado por De
Marchi (2016). Neste caso, a fundação da gravadora não se tratou exatamente de uma
tentativa de mediação (embora tenha distribuído álbuns de outros artistas desde seu princípio),
e se aproxima mais de uma tentativa de construir possibilidades subsistência e auto-
gerenciamento. Conforme já mencionado, a ideia da gravadora faz parte de um projeto
artístico levado a cabo por seus fundadores e, posteriormente, por Taubkin e outras pessoas
37
que passariam pela trajetória da Núcleo Contemporâneo. Nesse sentido, é possível considerar
os seguintes aspectos:
A Núcleo Contemporâneo enquanto uma proposta coletiva foi estabelecida não só pela
natureza de seu contexto (fundada por músicos independentes), mas por uma oposição ao
“personalismo” dos diretores das majors (DIAS, 2008). Portanto, essa característica não é só
propósito, mas também uma estratégia: era mais viável que os artistas de mesmo nicho se
reunissem do que tentassem levar um empreendimento sozinhos. Mesmo após a saída de
Toninho Ferragutti, Mané Silveira e Teco Cardoso, Taubkin trabalhou com outros produtores
e músicos. Embora tenha assumido a direção de projetos desde o princípio, a gravadora não
era uma realização apenas do pianista. Essa junção do coletivo enquanto estratégia e propósito
leva a uma visão da gravadora que pode ser considerada como os primórdios de um certo
cooperativismo. Além do gerenciamento em si, havia uma tentativa de diálogo com outros
agentes da cena independente para a articulação e debate sobre temas que eram caros aos
músicos. Este elemento é importante pois suaviza o caráter individualista e a competição
exacerbada que poderiam existir em se tratando de gravadoras independentes.
Entretanto, uma administração conjunta pode ocasionar tensões, mesmo quando as
posições dos integrantes são minimamente alinhadas. Taubkin tinha um viés mais radical e
muitas vezes polêmico, por não querer pleitear patrocínios públicos ou privados, por exemplo,
algo que era mais considerável para os outros integrantes. Numa conjuntura onde se buscava
horizontalidade e valorização do coletivo, o conflito de interesses poderia gerar entraves. Por
outro lado, a hipótese deste trabalho argumenta que ao trabalho coletivo pode ser atribuída
uma das razões para a continuidade do projeto: coexistem as possibilidades de divergência,
mas também o fortalecimento e execução de ideias que dificilmente poderiam ocorrer fora
desta condição.
Outro ponto a ser considerado é o diálogo com outros âmbitos de produção cultural,
além da realização de discos. Por ter começado sua carreira como produtor de shows (o
primeiro deles foi do Som Imaginário, em 1973, ao lado do saxofonista Lino Marques
38
Simão)16, e não como músico, Taubkin tinha conhecimento prévio sobre contatos,
programação, planejamento, contratos etc. Tal experiência levou o então estudante de piano a
trabalhar na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, ainda na década de 1970 (ele
voltaria a este trabalho ano de 1993). Ao decidir ser músico profissional, em 1978, Taubkin
começou a tocar em espaços conhecidos como o Piano Bar e decidiu não mais trabalhar como
produtor. Porém, concomitantemente ao andamento de sua nova carreira, ele continuava
recebendo convites para atuar como tal – dupla função que seguiria ao longo das décadas
seguintes.
As experiências em produção de concertos e de músico profissional, apesar de
transitarem na mesma área, exigem habilidades diferentes. Taubkin ressalta que, em seu caso
particular, as motivações dessas duas esferas eram interdependentes: sua intenção de ser
músico foi oriunda da experiência como produtor; a produção, por sua vez, influenciou a
trajetória musical, caminhando ao lado dela. Segundo ele, “a existência dos dois trabalhos me
permitia que eu fizesse os dois autonomamente”. Deve-se destacar as passagens pela
Secretaria, no ano 1970 e 1993, que proporcionaram uma visão mais ampla a Taubkin da
cultura em si: a ideia da importância social da arte, diversidade e ocupações do espaço público
eram alguns dos propósitos já defendidos pelo pianista 17.
A Núcleo Contemporâneo nasceria apenas quase 20 anos após essas práticas. Seu
surgimento se deu já influenciado por essas ideais, inserindo o empreendimento num projeto
artístico que transcendia a produção de discos. Por conjectura, desenhava-se uma intenção de
fazer da Núcleo Contemporâneo uma cooperativa (embora isso não tenha, a rigor, ocorrido).
Como primeira iniciativa, é possível citar o espaço destinado a apresentações, denominado A
Casa (mais tarde, em 2011, seria inaugurada a Casa do Núcleo, com uma proposta
semelhante). Já em 1997, Taubkin, Cardoso e Silveira começaram a procurar um imóvel para
criar esse espaço, que seria o escritório da gravadora e uma espécie de centro cultural. A Casa,
então, inicia suas atividades em 1997, num território residencial na zona oeste da cidade de
São Paulo. Não ocorreram ali apenas atividades musicais dos fundadores da gravadora, mas
também apresentações de teatro, dança, cinema e fotografia, além de festa tradicionais como o
16
Aos 18 anos, na década de 1970, Taubkin também produziu concertos em nome das escolas Yázigi do cantor
Gonzaguinha, do grupo de música barroca Parafernalha e de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri. O pianista
também trabalhou com José Luiz Paes Nunes, que elaborava espetáculos de dança e música em locais públicos
(como parques) da cidade de São Paulo (Entrevista realizada em 10.11.2020, com Benjamim Taubkin).
17
Essas questões serão retornadas e aprofundas mais adiante, bem como outros aspectos da trajetória de
Taubkin.
39
Havia duas possibilidades: associar-se com uma major ou com gravadoras médias.
(...) A gente estava construindo a gravadora como uma espécie de manifesto, de uma
saída pra gente. (...) Tinham distribuidores por região no Brasil; grandes
distribuidores que compravam a produção da EMI, por exemplo, e vendiam nas
lojas. Porque uma coisa é distribuir em Manaus, outra coisa é distribuir naquela
cidade que fica a 30 km de Manaus. Na época tinha loja de disco, não tinha outra
forma de chegar música. Então a música, mesmo a comercial, precisava de um braço
desse. É como funciona a Coca-cola: ela sacou que tinham distribuição em todo o
Brasil, e poderiam vender qualquer coisa, multiplicando o lucro por infinito, se ela
vendesse todo o resto. Hoje em dia, você vai ao aeroporto e vê Heiken, Água
Crystal... aquilo é tudo da Coca-cola. Então, a gente se deu conta que isso existia
também [na área de distribuição da indústria fonográfica]. Eu achei que eu [mesmo]
tinha que fazer a distribuição. Nessa época, quando a gente falava que ia fazer uma
gravadora, todo mundo dizia que era impossível, ‘porque as majors não deixam’. Eu
entendi que, se eu desse para uma major, eu seria mal distribuído. Um dono de loja
de discos uma vez me contou que os próprios representantes das majors indicavam
os discos e artistas que mais vendiam - e os que não vendiam. Então, eu pensei: ‘eu
quero entender o processo, eu vou viver disso’ (TAUBKIN, 2020).
possível inferir que acesso à música instrumental seja mais restrito do que os segmentos de
canção popular. Portanto, é viável supor que este consumidor será mais especializado.
Nas expressões “busca de um conceito próprio na arte gráfica” e “novas ideias de
distribuição” encontram-se questões-chave para a compreensão da trajetória da gravadora, que
podem ser interpretadas como partes de uma proposta que visa ampliar as esferas de
autonomização da cena independente. Para tanto, observa-se que o produto cultural (no caso,
um catálogo feito para apresentar o trabalho da gravadora para um potencial ouvinte) busca
no valor artesanal (no sentido de singular, notável) a sua essência, mesmo respaldado por
técnicas mundializadas.
As estratégias de autonomização, portanto, passam por essa contradição: são
elaboradas a partir da administração coletiva, procuram questionar a hegemonia dos
conglomerados transnacionais, mas não escapam completamente do contexto mundializado.
No entanto, isso não compromete o caráter destas estratégias, e sim indica uma coexistência e
apropriação de aspectos que podem ser favoráveis.
De crítica ao modus operandi do mercado à apropriação das técnicas mundializadas,
passando pela construção de um valor de distinção, a gravadora também pode ser
compreendida como um projeto cultural. Conforme mencionado anteriormente, essa
perspectiva oferece um entendimento mais preciso sobre a atuação da gravadora: além de
empreendimento fonográfico, ela é tanto um manifesto de seus agentes diretos quanto uma
consequência direta de um período onde diversos atores começam a se articular para debater e
promover suas subsistências.
18
Uma data marcante para os primórdios do choro foi o mês de julho de 1845, quando a polca foi apresentada
pela primeira vez no Brasil, no Teatro São Pedro. A dança, oriunda da Europa Central, representou uma
modificação nas danças de salão, que passaram a expressar um anseio pela maior liberalização de costumes e foi
muito tocada por músicos brasileiros, inseridos no contexto de uma emergente classe média. Mais tarde, no final
da década de 1910, o maxixe também começaria como uma maneira mais ousada de se dançar a polca,
adicionando linhas de baixo semelhantes ao lundu (CAZES, 1999).
46
20
“Pois é com a observação inteligente do populário e aproveitamento dele que a música artística se
desenvolverá. Mas o artista que se mete num trabalho desses carece alargar as ideias estéticas, se não a obra dele
será ineficaz ou até prejudicial” (ANDRADE, 1972, p. 22).
47
não deveria ser sinônimo de “europeu”. Ou seja, a crítica residia na relação hierárquica entre
colônia e metrópole, e não propriamente na influência estrangeira, o que também era
ressaltado por Oswald de Andrade (NAVES, 2013; ZIMBRES, 2016, 2017).
Embora a implementação de um projeto nacionalista não tenha ocorrido da maneira
que Andrade idealizou, movimentos como o Música Viva e Música Nova e até o
Tropicalismo se apropriaram da “ponta solta” do modernismo – a identidade nacional – de
uma maneira diferente, explorando contradições. A música popular instrumental brasileira
também irá se desenvolver nesse cenário, mas ainda com outro aspecto adicional: a fronteira
entre a modernidade e a pós-modernidade (ZIMBRES, 2017).
No caso da música instrumental, chama atenção as já referidas dualidades
contraditórias: popular/erudito, nacional/estrangeiro, urbano/rural e como elas se
desenvolvem à luz da pós-modernidade, cujo contexto é marcado por uma amálgama entre a
“alta” cultura e a de massa, outrora bem delimitadas. A música instrumental brasileira
problematiza a busca pela “autenticidade” nacional considerando as interações não apenas
com outras culturas, mas também subversões entre a própria tradição. Hermeto Pascoal e
Egberto Gismonti são exemplos de artistas que, nos anos 1970, trabalharam sob essa
perspectiva, cada um à sua maneira, sendo responsáveis por consolidar o que viria a ser a
MPIB. Enquanto Pascoal seguia pela linha da “carnavalização” de gêneros, trazendo
elementos inesperados de forma quase paródica21, Gismonti tinha uma abordagem mais lírica,
mas também considerando a relação inusitada entre diferentes universos – sempre levando em
conta os problemas e contradições que compunham o âmago brasileiro (ZIMBRES, 2017).
Após passar um período de internacionalização e sofisticação com os jazz trios em
meados de 1960 por conta da Bossa Nova, na segunda metade da década seguinte o segmento
se revitalizou ainda mais. Além disso, deve-se destacar que a ascensão do rock nos anos 1970
também influenciou na ascensão da música instrumental, tanto no que diz respeito à
influência sonora nos álbuns dos artistas quanto ao apelo do público, que passou a se
interessar mais pelas apresentações ao vivo. É possível inferir que também houve motivações
políticas: a retomada do choro, por exemplo, foi promovida por um grupo de intelectuais que
pretendiam contribuir com a consolidação de uma identidade nacional. O aparato estatal
também tinha interesse nessa busca pelo “âmago” brasileiro a partir de sua riqueza cultural -
21
O tom paródico em Pascoal identificado por Zimbres (2017) se refere à carreira solo dele. No entanto, a
participação do multiinstrumentista no grupo Quarteto Novo (ao lado Theo de Barros, Airto Moreira e Heraldo
do Monte, em 1966) apresenta uma proposta mais ligada à valorização do que era “regional”, sobretudo as
musicalidades nordestinas e sertanejas. Além disso, os músicos pretendiam se desvincular do jazz (ao menos
naquele trabalho), que estava em alta no período (GEROLAMO, 2020; ZIMBRES, 2017).
48
sobretudo no contexto da ditadura militar - e por isso financiou eventos de choro no período.
Além disso, esta música “sem letras” estava praticamente isenta da ação da censura.
(AUTRAN, 1979; BAHIANA, 1979; MULLER, 2005).
Outra iniciativa que fez parte da construção da MPIB foi o Movimento Armorial –
mais especificamente o Quinteto Armorial. Fundado por Ariano Suassuna, a intenção do
movimento era “criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular” (MAGOSSI,
2013, p. 61). Suassuna apresenta semelhanças com a postura de Mário de Andrade, pois
ambos tiveram influência político-social em seus respectivos estados e buscavam, através da
arte, uma identidade nacional que valorizasse aspectos regionais. O Quinteto Armorial,
enquanto escopo musical do movimento, priorizou uma formação de câmara (e não
orquestral), com instrumentos populares como a viola, pífano e rabeca. O primeiro álbum do
grupo, Do Romance ao Galope Nordestino, foi lançado em 1974 pela Discos Marcus Pereira,
gravadora da qual falaremos mais adiante. O disco teve boa repercussão na crítica
(MAGOSSI, 2013; QUEIROZ, 2014).
O interesse pela música instrumental era limitado a um nicho específico que não
despertava interesse nas majors, dada sua insuficiência em termos de vendagem. Apesar do
interesse estatal pelo choro – e pela música instrumental como um todo – ter diminuído
(MULLER, 2005), mesmo na década de 1980, destacam-se iniciativas como o Lira Paulistana
e o selo Som da Gente, além do reconhecimento internacional de alguns artistas isolados,
como os já mencionados Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal.
A década de 1990, por sua vez, representou a segmentação definitiva da música
instrumental, conforme será detalhado mais adiante. Em termos estéticos, continua a
influência do jazz, além dos ritmos brasileiros. De certa forma, a construção da identidade
nacional continua a aparecer como uma linha estética e discurso nas iniciativas da Pau Brasil
e Núcleo Contemporâneo, por exemplo, sob o signo diálogo entre diferentes culturas. Mesmo
no selo Maritaca, onde essa característica é mais discreta (em termos de discurso, mas não
musicalmente), a valorização do que é “nacional” está presente nos produtos culturais. Ou
seja, o que Zimbres (2017) argumenta sobre a trajetória de Gismonti e Pascoal parece
perdurar também neste contexto, onde há uma intensa colaboração de músicos nacionais com
estrangeiros, ao mesmo tempo em que se tenta buscar elementos formadores de um manifesto
nacional em consonância com a mundialização e globalização (ZIMBRES, 2017).
Os anos 2000 em diante são marcados por diferentes caminhos da MPIB, onde as
influências anteriores (choro, jazz e ritmos regionais brasileiros) ainda existem, mas assumem
ainda mais interferências externas. Além disso, também nota-se o aumento de iniciativas fora
49
da cidade de São Paulo (mesmo que este continue sendo o principal local para fomentar o
segmento). Em Porto Alegre, por exemplo, festivais de jazz como Jazz a Bordo, Poa Jazz
Festival Distrito Jazz e Por Entre Sons demonstram a existência de uma cena, mas marcada
pela individualidade e alta especialização – ou seja, um contexto de formação diferente de São
Paulo e Minas Gerais (NASCIMENTO, 2020).
É possível supor que houve um aumento de artistas na MPIB 22, sobretudo na década
de 2010. Algumas das razões para esse aumento seriam, além da expansão da produção e
acesso à música propiciada pela Internet, o estabelecimento de iniciativas (muitas vezes de
cunho estatal) para incentivo à educação musical, como o Projeto Guri, a Escola de Música do
Estado de São Paulo Tom Jobim, Oficina de Música de Curitiba, entre outros. No entanto,
essa é uma hipótese que demanda uma investigação aprofundada.
Entende-se que a utilização de termos como “música popular instrumental brasileira”
e “música instrumental brasileira” é imprecisa, dado o amplo debate conceitual sobre o que
poderia ser considerado estritamente “instrumental”: há trabalhos que utilizam a voz como
instrumento, ou que flertam com a canção de alguma forma; também é necessário considerar
as classificações fronteiriças entre “popular” e “erudito”, já que muitos artistas transitam entre
elas (ZIMBRES, 2017). Ainda assim, deu-se preferência para o termo MPIB, utilizado por
Cirino (2005) para explicar uma série de contradições e problemas que pairam o segmento: as
dualidades entre oral-aural, nacional-estrangeiro, urbano-rural, entre outras. Acredita-se que a
discussão realizada pelo autor, utilizando o termo “música popular instrumental brasileira”
(CIRINO, 2005), pode ser um ponto de partida para a compreensão da hipótese relativa a
questões estéticas deste trabalho – a questão do interesse pelo “Outro” -, mas essa escolha não
significa deixar de reconhecer suas limitações ou também considerar termos mais abrangentes
como “música instrumental brasileira”.
Antes de falar especificamente sobre a gravadora Núcleo Contemporâneo, é
necessário refletir sobre outras experiências de música instrumental atuantes na cidade de São
Paulo, em períodos correlatos. O objetivo da breve investigação de casos diferentes é
estabelecer comparações com o objeto principal da pesquisa, além de verificar se esse
conjunto de iniciativas se constituiu num movimento organizado, ou ao menos numa
tendência geral motivada por uma série de fatores que tornam a Núcleo Contemporâneo mais
“um produto de seu tempo” e menos “um caso isolado”.
São exemplos Hercules Gomes, Daniel Grajew, Quartabê, Quarteto Quadrante, Ludere, Grupo Mãe d’Água,
22
Maíra Freitas, Louise Woolley, Fábio Peron, Maiara Moraes, entre outros.
50
2.2 Outras experiências instrumentais em São Paulo: Pau Brasil, Maritaca e Som da
Gente
23
Ao longo do presente trabalho, os termos “selo” e “gravadora” serão utilizados como sinônimos. Não há uma
distinção rigorosa entre eles, mesmo que o primeiro seja mais utilizado para se referir a segmentações dentro de
uma empresa maior, a gravadora.
24
É possível mencionar outras experiências como o selo Carmo, fundado em 1984 por Egberto Gismonti e que
produziu 18 discos em parceria com o EMI-Odeon. Houve também a série de discos Música Popular Brasileira
Contemporânea (MPBC), produzida pela major Phonogram (posteriormente Polygram, selo Philips). Músicos
como Nelson Ayres, Djalma Correa, Túlio Mourão e Robertinho Silva lançaram álbuns autorais por essa série. A
gravadora Discos Marcus Pereira também lançou álbuns de choro e música erudita (MULLER, 2005).
51
No caso do selo Som da Gente, foi preponderante a tendência estética (MULLER, 2005). Essa
categorização também pode ser aplicada às outras experiências nacionais de música
instrumental.
Conforme mencionado no tópico anterior, a década de 1970 viveu a revitalização da
música instrumental brasileira (iniciada nos anos 1960) com resgate do choro e os festivais de
jazz. O selo Som da Gente, embora tenha sido inaugurado na década seguinte, de certa forma
reverbera esse movimento. Ainda assim, não existia um direcionamento estético unificador
(MULLER, 2005).
No que diz respeito a questões administrativas, esta pequena gravadora não realizou
parcerias com majors. Entretanto, houve algumas particularidades: foram contratados
representantes para vender o catálogo nas lojas – papel que foi exercido pelos próprios sócios
no caso dos selos Pau Brasil, Maritaca e Núcleo Contemporâneo. O capital investido no
empreendimento era oriundo do trabalho publicitário realizado por Tereza Souza e Walter
Santos no Nossoestúdio, tendo como principal cliente o banco Bamerindus (MULLER, 2005).
A relação entre os músicos que lançaram álbuns no selo Som da Gente (como
Hermeto Pascoal, Marco Pereira e Ulisses Rocha) e os sócios dele era pouco formal,
baseando-se sumariamente em valores pessoais. Com exceção do recolhimento de direitos
conexos (um assunto bastante polêmico no período), não havia contrato para oficializar a
parceria (MULLER, 2005). Nota-se que esse modus operandi é comum nas pequenas
gravadoras de música instrumental brasileiras. Um dos motivos que podem explicar esse
padrão é que a quantidade de artistas nesta área é menor em comparação aos que se dedicam à
canção popular (embora existam intersecções). Portanto, muitos desses músicos
estabeleceram relações sólidas e pessoais entre si ao longo de suas carreiras 25.
Fragilizado devido a uma série de aspectos (como desgastes entre os sócios e os
músicos que integravam o cast e a própria instabilidade econômica no país que
inevitavelmente atingiu a indústria fonográfica), o selo Som da Gente encerrou suas
25
Para se ater ao escopo deste trabalho, podem ser mencionados os seguintes exemplos: Roberto Sion e Nelson
Ayres gravaram álbuns solo no selo Som da Gente, e também fundaram o grupo Pau Brasil – o mesmo em que
Rodolfo Stroeter integra e se baseou para fundar a gravadora homônima. Teco Cardoso se juntou ao grupo Pau
Brasil em 1989 e fundou a Núcleo Contemporâneo, ao lado de Benjamim Taubkin, em 1996. O depoimento do
crítico Carlos Calado está em consonância com essa observação: “Reforçando sua hipótese, também lembrei do
caso do clarinetista Nailor Proveta. Além de ter álbuns gravados com a Banda Mantiqueira pelos selos Pau Brasil
e Maritaca, ele também gravou discos individuais ou como integrante de grupos instrumentais por esses selos,
assim como pelo Núcleo Contemporâneo. Sim, há uma rede de colaboração entre os fundadores desses selos que,
me parece, estar baseada na admiração mútua e nas afinidades musicais que existem entre esses artistas”
(CALADO, 2020).
52
atividades em 1992 (MULLER, 2005). É provável que a atuação dela tenha influenciado
experiências seguintes, sobretudo as que descreveremos a seguir.
A gravadora Pau Brasil, fundada em 1994 pelo músico Rodolfo Stroeter, pode ser
caracterizada como uma espécie de desdobramento do trabalho do grupo26 homônimo. Com
30 discos lançados e um DVD, o selo procura abarcar certa diversidade musical, incluindo
também a canção brasileira, a música indígena e a sinfônica.
Assim como nos selos Pau Brasil e Núcleo Contemporâneo, o contexto de
surgimento da Pau Brasil está relacionado com um cenário propício ao desenvolvimento da
música instrumental (ainda mais em comparação com o Som da Gente). Da mesma forma, o
grupo Pau Brasil surgiu em um contexto de efervescência musical em São Paulo, no final dos
anos 1970. Havia alguns espaços específicos de circulação da música instrumental, como o
Teatro Lira Paulistana, o Auditório do MASP, o Centro Cultural São Paulo e o Sesc Pompeia.
O público era predominantemente de universitário de classe média, sobretudo da USP e PUC
(CALADO, [2000?]).
O primeiro álbum do grupo, homônimo, foi lançado em 1983 pela Continental 27,
gravadora que estabeleceu parcerias com o selo Lira Paulistana. Os seguintes (Pindorama,
Cenas Brasileiras, Lá Vem a Tribo e Música Viva) foram lançados por diferentes selos, como
Tom Brasil, GHA Records (Bélgica), Divina Comédia (França) e Copacabana 28. Ou seja, este
caso é uma exemplificação da circunstância que a música instrumental enfrentou nas décadas
de 1970 e 1980: embora tenha existido uma crescente no gênero, o interesse das majors ainda
era tímido, sobretudo em grupos que ainda não eram consagrados. Consequentemente,
embora a cena estivesse em ascensão e existisse um público para esse nicho, as condições
para gravação ainda eram escassas (MULLER, 2005).
Segundo Stroeter, a ideia de fundar um selo teve origem em sua experiência como
músico na Europa. Após os álbuns lançados por gravadoras como o Lira Paulistana e
Copacabana, o baixista passa a intensificar a contribuição internacional ao produzir e
27
No período, esta era a única major de capital inteiramente nacional. A parceria entre o Lira Paulistana e a
Continental caracterizou-se pela horizontalidade, com certa equidade de responsabilidades e liberdade artística
aos músicos – por exemplo, os contratos eram realizados por obra. Esta união parcial foi consideravelmente
bem-sucedida, com 23 álbuns lançados em 1983 e reconhecimento pelo público e crítica. Nesse sentido, o
produtor Wilson Souto Jr cumpria um papel essencial na gravadora e, após sua saída, a iniciativa declinou
(MULLER, 2005).
28
Informações disponíveis no site do grupo: http://grupopaubrasil.com/ Acesso em: 02. Mar. 2021.
53
distribuir discos no exterior: Ihu: Todos os Sons (com Marlui Miranda, 1995, gravado no
Rainbow Studio, em Oslo), Metrópolis Tropical (com o grupo Pau Brasil, 1991, também
gravado no Rainbow Studio e lançado originalmente pelo selo francês Divina Comédia), e
Babel (com o grupo Pau Brasil e Marlui Miranda, 1995, Rainbow Studio). Com essas
produções, o grupo atingiu certa atenção internacional (com destaque na imprensa e convite
para festivais). A esses títulos somou-se o álbum Aldeia (Banda Mantiqueira, 1996, indicado
ao Grammy 1997 na categoria Jazz Latino). Embora fosse escasso em quantidade, o grau
elevado de internacionalização destes produtos culturais não eram comuns em selos
independentes do período. Ainda em 1994, Stroeter maturava a ideia do empreendimento, que
se consolidou sobretudo após as parcerias com Marlui Miranda 29.
A produção deste material foi favorecida por tal internacionalização: além dos álbuns
gravados em Oslo, posteriormente houve um contrato para licenciamento com a ACT Music
(Alemanha) e Blue Jackel (EUA). A distribuição nacional era um problema para o baixista:
Eu tinha um braço que não conseguia cobrir aqui, que era a distribuição. Isso era
uma coisa muito complicada na época. Existiam muitas lojas de discos, existia um
mercado fonográfico atuante no Brasil, que vendia muito disco, mas eu não sabia
vender. Eu não sabia como chegar numa loja de discos em Belo Horizonte, no Rio
de Janeiro, ou Curitiba. Então eu precisava de uma distribuidora. Com esses discos
[os títulos citados acima], e aí já evoluindo, (...) Tinha muita música sendo
produzida, mas gerenciar era difícil. Eu gerenciava a criação, a gravação, a
mixagem, o aspecto artístico, mas o aspecto comercial era muito difícil pra mim. (...)
Não sou um administrador. Não tenho essa qualidade. Mas a gente foi se
administrando, até que apareceu a gravadora Eldorado, que até então era dos
Mesquita, junto com o Estado de São Paulo e a Rádio Eldorado, e propôs que a
gente distribuísse com eles. Essa função foi fundamental. A gente passou a
distribuir. A gente fazia um produto de ótima qualidade e ele escoava através de uma
rede de distribuição, porque tinha uma rede de distribuição de lojas, e a gente
conseguia ganhar algum dinheiro. A distribuidora colocava os discos quase em todos
os pontos de São Paulo e muitos pontos do Brasil e havia então esse retorno. (...) Eu
fazia esse planejamento com a Eldorado, e a produção era limitada, eu tinha que
financiar através do que a Eldorado me pagava. Eu tinha que pagar os discos que eu
tinha feito e ganhar algum dinheiro pra me manter, mas eu também trabalhava na
Jazz Sinfônica como diretor artístico, além de dirigir muita coisa pro Sesc. Tudo isso
financiava os discos que a gente queria fazer (STROETER, 2020)
29
Entrevista com Rodolfo Stroeter realizada em 6/10/2020.
54
uma grande empresa de comunicação e tinha condições de realizar esta etapa. Sendo assim, os
primórdios do selo Pau Brasil são um exemplo de relação complementar entre pequenas e
médias gravadoras.
A década de 1990, portanto, proporcionou um ambiente mais propício para o
estabelecimento de selos independentes. Foram mencionadas no capítulo anterior as
circunstâncias da indústria fonográfica naquele período: crise econômica que atingiu as
majors e designou às indies o setor de Artistas & Repertório, redução de custos,
desenvolvimento tecnológico que barateou custos de gravação etc. Todo este contexto
fomentou um cenário mais calcado em auto-gerência e profissionalização.
Concomitantemente, mantinha-se a proposta artística. Stroeter comenta sua perspectiva:
(...) Essa cena independente [da música instrumental] se organizou antes da década
de 1990. Na década de 1990, ela madurou no sentido de que as coisas viraram selo.
Os músicos começaram a se organizar melhor administrativamente. Acho que essa
predisposição [de surgimento de selos] veio antes. Muito embora a década de 1990,
pelo menos pra mim, foi quando eu comecei efetivamente a trabalhar com produção
de uma maneira mais profissional e fundei a Pau Brasil. (...) Eu sentia que havia
uma lacuna no mercado nacional e internacional (onde eu atuava muito,
principalmente na Europa) que não era pertinente em relação ao que a gente
produzia aqui no Brasil (STROETER, 2020).
Eu diria que esses selos [Pau Brasil, Maritaca e Núcleo Contemporâneo], fundados
já nos anos 1990, representaram uma nova fase da música instrumental brasileira,
não só em termos da criação e produção, mas também esteticamente. De maneira
geral, a música instrumental produzida durante os anos 1970 e 1980 tinha o jazz
como referência principal – influência que perdeu força entre a geração dos
criadores dos selos Pau Brasil, Núcleo Contemporâneo e Maritaca. Esses músicos
passaram a valorizar mais a diversidade musical brasileira: do choro a manifestações
folclóricas e ritmos regionais. Até mesmo versões instrumentais de clássicos do
cancioneiro popular brasileiro passaram a fazer parte do repertório desses músicos.
Em outras palavras, essa geração da música instrumental deixou de lado o sotaque
jazzístico ou mesmo os ritmos funkeados, que marcaram grande parte da produção
instrumental nas décadas anteriores (CALADO, 2020) 32.
31
Entrevista realizada com Rodolfo Stroeter em 5/10/2020.
32
Entrevista realizada com Carlos Calado em 1/11/2020.
33
Seria incorreto classificar a música indígena como tradicional ou regional. No entanto, o que aproximava esses
segmentos era a então quase ausente visibilidade deles em produtos culturais fonográficos.
56
primeiro volume de Ihu. De acordo com Marlui Miranda, o álbum foi uma troca de
experiências: ao mesmo em que consistia num mapeamento inédito sobre o segmento, era a
primeira vez que “músicos urbanos ocidentais” executavam a música indígena respeitando
suas especificidades34.
Estes dados revelam alguns aspectos que merecem destaque. Chama atenção a
precoce internacionalização da gravadora, em um período onde a globalização não era tão
consolidada. Além disso, este tipo de característica confere distinção aos produtos culturais do
empreendimento, além de requerer certo investimento financeiro. De acordo com o
depoimento de Stroeter, essa iniciativa foi uma espécie de consequência de seu trabalho como
músico e suas experiências no exterior – que acabaram se tornando também uma estratégia
administrativa e mercadológica.
À internacionalização soma-se uma ideia de identidade nacional defendida pelo
baixista nos depoimentos e perceptível nos produtos culturais da gravadora: o Brasil como um
país único por sua diversidade cultural e pela forma como ela se expressa artisticamente,
sobretudo na música. Não são mencionadas tensões políticas ou sociais. Embora essa
perspectiva seja adequada para um produto cultural com alcance internacional, (afinal, essa
visão do país é atrativa para o exterior) neste caso, ela não parece ser simplesmente uma
ferramenta para obter legitimidade ou distinção cultural. Sabe-se que esta abstrata união
nacional por meio da cultura e da arte (considerando as diferenças existentes, mas de forma
harmoniosa) é um debate extenso na intelectualidade brasileira. Trazendo essas considerações
para este estudo de caso, nota-se uma defesa genuína – ao menos no sentido artístico – deste
tipo de abordagem.
Outro aspecto muito presente no universo da cena musical instrumental – dessa vez
relacionado à administração - são os patrocínios. A Pau Brasil não se acanhou em utilizá-los
para a realização de seus projetos (sejam públicos ou privados), sobretudo nos últimos dez
anos35: Petrobrás, Caixa Econômica e Vale foram algumas das empresas que financiaram
álbuns, DVDs e shows. Na perspectiva de Stroeter, patrocínios são essenciais para o
andamento da gravadora:
34
GIRON, L. A. Marlui Miranda desbrava sons de 11 tribos. Folha de São Paulo. 1995. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/4/19/ilustrada/1.html Acesso em 5 mar 2021.
35
Álbuns como Nonada (2005) e Nem 1 Ai (2008) foram realizados com recursos próprios, sendo esse último
em parceria com a gravadora Biscoito Fino. Após começar a trabalhar com a produtora Carolina Gouveia, em
2010, tanto o grupo quanto o selo Pau Brasil passam a se envolver mais com patrocínios.
57
36
LÉA Freire. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em:
<http:www.dicionariompb.com.br/default.asp>. Acesso em: 3 abril 2021.
37
Entrevista realizada com Léa Freire em 7/10/2020.
38
ESTADÃO CONTEÚDO. Selo Maritaca, de Lea Freire, comemora 20 anos de coragem. Estadão. 2017.
Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,selo-maritaca-de-lea-freire-comemora-20-anos-de-
coragem,70002053172 Acesso em 4 abril 2021.
58
Esteticamente, não há uma linha a ser seguida. A questão da identidade nacional não
aparece tão expressamente quando comparada ao Pau Brasil, mas está presente 39. Assim como
no caso do selo Som da Gente, há uma preocupação geral com a “qualidade”, num contexto
de “militância cultural”, onde a música instrumental predomina. Dessa forma, é possível
afirmar que a Maritaca também é composta por músicos e aficionados pelo assunto 40. Porém,
por ter sido fundada em outro contexto, mais racionalizado, o valor estético conseguiu se
equilibrar com o administrativo de maneira mais efetiva.
A mudança de tecnologia, que reduziu o orçamento para produções musicais, foi
fundamental para o surgimento de gravadoras independentes, de acordo com Freire. Na visão
da flautista, os independentes conseguiram criar uma rede de distribuição mínima que
chegava a pequenas e grandes lojas. Mesmo que fosse difícil abranger todos os segmentos
independentes, isso foi o suficiente para que alguns nichos começassem a se desenvolver. O
selo também apresenta um certo grau de internacionalização, com turnês no exterior do grupo
Vento em Madeira (do qual Teco Cardoso faz parte) e Amilton Godoy, além de gravação de
Waterbikes na Dinamarca (FREIRE, 2020).
De acordo com dados coletados nestas entrevistas, há alguns aspectos que
convergem na trajetória dos três selos. Eles também serão pontos-chave para a compreensão
da Núcleo Contemporâneo:
Instituições legitimadoras: As pequenas gravadoras brasileiras de música instrumental
não receberam apoio de grandes conglomerados transnacionais, o que, à primeira
vista, implica numa dificuldade em se estabelecer no mercado. Ainda que empecilhos
financeiros tenham existido, a posição “à margem” confere distinção aos produtos
culturais elaborados pelos empreendimentos, o que não deixa de ser um valor
mercadológico, conforme salientou Bordieu (1984).
Formas de distribuição: Embora elas não tenham sido idênticas, carregam semelhanças
entre si. O selo Som da Gente optou por não realizar parcerias com majors para
39
“O jazz já foi mainstream em todo mundo. Modas vão e vem. A qualidade na arte é para “rimar” com a
qualidade na música. A Maritaca se diz uma gravadora de música instrumental brasileira – mas tem cantores,
tem estrangeiros, tem ritmos não brasileiros. O Brasil prevalece porque moramos aqui, é nossa cultura, etc.
(FREIRE, 2020).
40
Com cerca de 34 álbuns lançados, a gravadora também lançou dois livros bilíngues com as partituras de dois
álbuns: Caderno de composição (Mozar Terra) e Quinteto (Teco Cardoso e Léa Freire). Já O selo Som da Gente
anexava a seus encartes algumas partituras das músicas executadas em determinado álbum (MULLER, 2005).
Essas iniciativas demonstram que os sócios da gravadora, além de serem eles próprios aficionados por música,
sabiam que seu público em potencial tinha a mesma característica – portanto, este tipo de produto poderia
interessá-los.
59
Um aspecto que foi levantado tanto por Stroeter quanto por Freire foi que, apesar das
gravadoras continuarem na ativa, atualmente os músicos preferem se dedicar ao ofício da
composição e estudo de seus instrumentos, trabalhando em projetos pontuais. Antes do
contexto pandêmico, ambos tinham nas apresentações musicais (nacionais e internacionais)
sua principal ocupação e, nas horas vagas, estudavam. Isso não significa que o auto-
gerenciamento de carreira tenha perdido a importância – as habilidades continuam sendo
requeridas. No entanto, esse atributo administrativo passou a ser incorporado nas carreiras
musicais independentes quase como um pré-requisito para manter um funcionamento41.
Além disso, observa-se que, enquanto nos anos 1990 e meados da década de 2000 a
independência na cena musical poderia ser medida pela criação de selos, atualmente esse
critério não se aplica, ao menos não com o mesmo peso. A ascensão da internet – sobretudo
com a banda larga, softwares de compartilhamento de informações e blogs a partir de 2000 -
contribuiu com o enfraquecimento das grandes gravadoras e, de certa forma, ajudou a
41
“Hoje os músicos são produtores na cadeia completa da produção - algo como ser mulher e ter tripla jornada.
E, nesse tempo de pandemia, estão entrando com tudo na área de vídeo também” (FREIRE, 2020).
61
fortalecer nichos independentes que funcionam por meio de seus próprios nomes artísticos,
sem a necessidade de estar atrelado a uma gravadora, mesmo que independente (GALETTA,
2016).
Ainda assim, as experiências aqui relatadas influenciaram as iniciativas mais atuais.
Conforme já mencionado, o selo Som da Gente inovou ao investir em uma área pouco visada
pelo mercado (mas com público em potencial), levando a cabo um empreendimento pautado
pela “militância cultural”. A falta de habilidades administrativas e planejamento estratégico
levaram o selo ao fim, bem como o excesso de valores cordiais. Nas iniciativas seguintes (Pau
Brasil e Maritaca), percebe-se que a militância cultural e o afeto não foram completamente
eliminados. Entretanto, nestes casos mais recentes, é possível supor que exista convívio
harmonioso entre ambas as frentes (administrativa e artística), já que as gravadoras continuam
em atividade.
Um dos exemplos que demonstra uma possível estabilidade entre aspectos estéticos e
administrativos é o fato de que as gravadoras Pau Brasil e Maritaca deram preferência a
projetos de seus próprios fundadores. Mesmo quando se tratavam de álbuns de outros artistas,
os fundadores participavam dos trabalhos de alguma forma, seja na produção ou na execução
de faixas. Portanto, a razão de ser dos selos está fundamentada em estratégias de
sobrevivência dos próprios artistas: é um projeto que complementa e viabiliza carreiras
artísticas que já estavam em andamento. No caso do selo Som da Gente, este aspecto aparece
de maneira mais tímida, já que a “militância cultural” era subsidiada por um outro trabalho – a
publicidade – esse sim principal em termos financeiros. A Pau Brasil e a Maritaca buscaram
outras formas de financiamento, como patrocínios públicos e privados, além de recursos
próprios.
O objetivo deste tópico foi demonstrar que existiu um contexto propício para o
surgimento da gravadora Núcleo Contemporâneo, objeto desta pesquisa. Portanto, não se trata
de um caso isolado, e sim de um empreendimento que fez parte de uma série de iniciativas
elaboradas por músicos independentes. Embora não seja exatamente um movimento
estruturado (não houve fundação de uma cooperativa para trabalho coletivo, por exemplo),
esse conjunto de selos reuniu um grupo de artistas que tinham afinidades estéticas e
administrativas e viram no barateamento de custos de produção uma possibilidade de
desenvolver seus produtos culturais com autonomia e qualidade técnica.
62
42
Parte deste tópico foi publicado originalmente em MATOS, A. P. de. “Abrir as janelas e deixar o Brasil
entrar”: o regional e universal nos álbuns Orquestra popular de câmara e Danças, jogos e canções. Música
Popular em Revista, Campinas, SP, v. 7, n. 1, p. 1-25, 2020. DOI: 10.20396/muspop.v7i.13776. Disponível em:
https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/muspop/article/view/13776. Acesso em: 9 mar. 2021.
63
43
Denominada “Minutes Of Meeting Between The Various 'World Music' Record Companies And Interested
Parties”, a reunião teve como participantes Amanda Jones, Chris Popham, Ben Mandelson, Roger Armstrong,
Ted Carroll, entre outros (NICOLAU NETTO, 2012).
64
a World Music se firma enquanto mercado na Europa e nos Estados Unidos, com estruturas
midiáticas significativas (revistas, sites, festivais, selos, emissoras de rádio, entre outras).
Portanto, a intencionalidade de se criar um mercado não anula o contexto de diversidade,
diferença e interesse por culturas fora do cânone europeu (aliás, esses podem ser também
valores promocionais para os envolvidos) (NICOLAU NETTO, 2012).
Outro aspecto que merece destaque é o debate entre os termos “música do mundo” e
“World Music”, presente em um texto publicado em 1993 pelo músico Gilberto Gil. Nele, o
autor chama atenção para a tentativa do Primeiro Mundo de classificar a música feita na
África, América Central e do Sul de maneira homogênea, em simples contraposição às
produções hegemônicas da Europa e América do Norte. Apesar de reconhecer a importância
da expansão tecnológica no aumento do acesso e produção de bens culturais de países
periféricos, Gil sustenta que essa rápida expansão também instrumentalizou as expressões
locais de modo que fosse conveniente para a indústria. Artistas locais do Terceiro Mundo
usavam suas obras para criticar sistemas políticos ou até mesmo a indústria da música – o que
seria prejudicial para o mercado. Visando resolver este impasse, a “invenção” da World
Music parece ser uma estratégia de tornar esses artistas mais aglutinados – e atraentes – para o
próprio mercado (GIL, 1993).
É curioso observar que enquanto Gil (1993) critica que a World Music não abarca a
diversidade existente na música dos países do Terceiro Mundo, Nicolau Netto (2012) defende
que sua principal marca é pelos índices de diferença (sobretudo local e etnia), tendo suas
forças articuladas no discurso da diversidade. Em contraponto à World Music enquanto
categoria, Gil chama atenção para a “música do mundo”44 – não como um conceito
delimitado, mas sim como um fio condutor que auxilia na compreensão da música feita nas
“localidades” não-canonizadas, considerando as particularidades de cada território. Ou seja, o
que Gil entende por “música do mundo” está abarcado na visão de World Music de Nicolau
Netto (2012).
Atualmente, o termo World Music caiu em desuso. É possível que a causas estejam
relacionadas à acelerada expansão tecnológica, o que facilitou o contato entre músicos de
diferentes territórios do mundo, fazendo com que as particularidades de certas culturas não
44
“Nós temos hoje uma verdadeira “música mundial”, resultado de intensos e amplos intercâmbios entre muitos
povos do mundo, entre seus artistas, seus movimentos populares, suas diplomacias informais, suas organizações
culturais não-governamentais, os departamentos de antropologia e sociologia de suas universidades. Este
sentimento verdadeiramente universal, esta ampla consciência da música popular industrial como parte de um
processo fora de categorias temporárias, esta compreensão de um papel histórico que vai além do utilitarismo
efêmero das partes mais atrasadas da indústria cultural, estão na raiz de todo artista do Segundo e do Terceiro
Mundo” (GIL, 1993).
65
sejam mais um nicho “exótico” a ser explorado pelo mercado. Ainda assim, a World Music é
um ponto de partida para se pensar a essência deste objeto de pesquisa: ao assumir o “local”
como índice de diferenciação de seus interesses musicais, Taubkin e seus parceiros foram
atravessados por esse fenômeno na década de 1990; era uma maneira de categorizar a linha
artística que se desejava seguir, uma forma de dar “nome” à uma música oriunda de
inquietações
45
Álbuns como Toadas-de-bumba-meu-boi, Cantos do nosso chão 1 e 2 têm forte presença da música tradicional
brasileira e serão analisados mais adiante.
66
estrangeiros, mas também no próprio país: o que será que acontece nos rincões do Brasil, e
por que não se conhece tanto dessa música quanto deveria? 2) resgate e “dever” público: a
partir do diagnóstico de que tal segmento têm um espaço escasso mesmo na cena
independente (de acordo com os fundadores da gravadora), essas manifestações precisam ser
resgatadas e registradas para que o público conheça essa arte.
No entanto, ao contrário de iniciativas anteriores (como o trabalho de Mário de
Andrade com a música tradicional brasileira), a Núcleo não tinha a intenção de apenas fazer
registros dessas manifestações; os membros da gravadora trabalhavam as composições
(algumas de domínio público) com arranjos criados por eles, ou mesmo já emendando um
fonograma com outro (aspectos comuns na Orquestra popular de câmara, por exemplo).
Posteriormente, pessoas inseridas historicamente no contexto da música tradicional
participam ativamente dos trabalhos da gravadora (são exemplos o Núcleo de Música do
Abaçaí, Sapobemba e o Grupo Cupuaçu). Isso mostra um equilíbrio entre preservação cultural
e criação: há a preocupação de materializar a manifestação em forma de álbum,
salvaguardando-a; no entanto, ela ainda pode ser o ponto de partida para uma nova
composição, ou combinação com outro tema preexistente. Aliás, essa é uma questão cara para
compreender o desenvolvimento do catálogo. No capítulo seguinte, será aprofundado como os
membros da Núcleo trabalharam diversos segmentos musicais em seus produtos culturais.
Uma das hipóteses deste trabalho é que, diferente de outros selos de música
instrumental, o Núcleo Contemporâneo parece assumir uma direcionamento artístico na
maioria de seus produtos culturais. Não se trata de um rótulo ou de uma razão imutável, mas
sim de um problema que orbita os projetos de diferentes maneiras: a música como diálogo
entre diferentes culturas, sobretudo aquelas que são desconhecidas por motivos sociais,
políticos ou étnicos.
com diferentes culturas, o que de certa forma remete à World Music. Ou seja, a influência
estrangeira não foi só admitida, como desejada. Conforme mencionado anteriormente, não se
trata de uma dominação cultural, e sim de um diálogo entre grupos não legitimados.
Por exemplo, embora a canção popular brasileira tenha certo reconhecimento
internacional, a música tradicional em si não atinge esse mesmo alcance. Da mesma forma,
enquanto o jazz é reconhecido mundialmente, nada se sabe sobre a música Turcomenistão.
Assim, este interesse pelo “Outro” passa pela intenção de abranger o regional e o universal.
Essa hipótese foi elaborada com base nos dados qualitativos coletados em entrevistas
com Benjamim Taubkin e Teco Cardoso, bem como em críticas jornalísticas sobre os
produtos da gravadora. Também foi considerado os conceitos de “canonização” e
“esquecimento” na música popular brasileira que, segundo Vilela (2016), nos ajuda a
compreender como algumas manifestações musicais nacionais foram inquestionavelmente
tidas como as mais “sofisticadas” enquanto outras foram preteridas. Um exemplo de como se
deu essa construção classificatória velada é analisar o papel da crítica jornalística nas
canonizações. Acostumada a compreender os movimentos da música popular por meio de
sínteses (considerando o fenômeno anterior e como ele supostamente se transforma na
atualidade), a crítica falha quando se depara com o inesperado – ou, ao menos, o que não está
tão facilmente perceptível (VILELA, 2016).
O diálogo entre diferentes culturas é uma forma de trazer o inesperado à tona. No caso
da gravadora Núcleo Contemporâneo, observa-se que essa diferença não apresenta tensões:
procura manter as diferenças no tom conciliatório, sem explorar problemas políticos ou
sociais. As implicações dessa escolha podem ser questionáveis, por acarretarem um certo grau
de idealização 46. Ainda assim, é possível identificar a possibilidade de aprofundamento em
outras instâncias, mesmo que elas sejam puramente estéticas, já partindo do pressuposto que
há um privilégio da cultura em detrimento da política.
Contudo, mesmo o universal hegemônico não é completamente descartado, mas
aparece de uma maneira diferente, à serviço do regional. Em Danças, jogos e canções
(Orquestra Popular de Câmara), por exemplo, há a presença de Beatles e Fellini, mas com
interpretações que mantém a unidade estética do álbum. Esse aspecto será mais explorado
mais adiante. Além disso, em outros projetos nota-se a influência do jazz.
68
47
Entrevista realizada com Benjamim Taubkin em 20/11/2020. Dados coletados também em: EDITOR DO
GAFIEIRAS. Benjamim Taubkin [2007]: Apertamos o REC para captar o raciocínio de um dos artistas mai
ativos e engajados do mercado. 2007. Disponível em: https://medium.com/gafieiras/benjamim-taubkin-
ffebf284fa2f Acesso em 5 abril 2021.
69
como para o início de uma cena entre músicos que “acompanhavam” cantores da música
popular.
É possível identificar na história da Taubkin algumas semelhanças com
instrumentistas da MPIB (a origem na classe média paulistana, a convivência artística muito
presente, uma certa “consciência” cultural), como também algumas particularidades (a
ausência de formação universitária – e formal, de maneira geral – e a experiência prévia em
produção e administração, que pode ser considerada incomum para o período). Embora não
tenha frequentado a universidade como a maioria de seus colegas, Taubkin estava inserido
num contexto de efervescência cultural do qual a universidade fazia parte. A questão da
duplicidade entre as tarefas de ser músico e produtor, somada à valorização de experiências
coletivas, parecem ter sido definidoras para os direcionamentos que a Núcleo Contemporâneo
seguiria posteriormente.
Em depoimentos de Taubkin, tanto em entrevistas para a imprensa quanto para esta
pesquisa, é recorrente o debate entre música, administração, produção e gestão cultural. Ainda
que o pianista tenha “decidido” aos 19 anos ser apenas músico e “abandonar” a profissão de
produtor, essa dualidade o acompanhou ao longo da carreira. Embora tenham existido
momentos em que um polo se sobressaiu em relação ao outro (de 1976 a 1984 Taubkin
apenas trabalhou como músico profissional, sem realizar produções), de modo geral, eles
conviveram entre si48. Pode-se supor que existia uma demanda elevada deste tipo de
habilidade na segunda metade dos anos 1980, já que ainda não era comum a “auto-gestão” de
carreira musical, como posteriormente se tornou. Embora a coexistência desses núcleos seja
uma das hipóteses que explique a continuidade do empreendimento ao longo das décadas, ela
não se deu sem tensões.
Após suas experiências na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, e também
como produtor e músico independente, o pianista começa a elaborar a ideia de um selo
dedicado sobretudo à música instrumental (mas que abrangeria a canção popular, a música
tradicional e a World Music), ao lado de Teco Cardoso, Mané Silveira e Toninho Ferragutti,
aproveitando o ensejo da Orquestra Popular de Câmara, trabalho conjunto dos músicos. Ainda
que Silveira e Ferragutti tenham ficado por pouco tempo (respectivamente, 1 ano e 6 meses),
o empreendimento se caracterizou por ser cooperativo, mesmo após a saída de Cardoso em
2004, já que outras pessoas passaram a trabalhar com ele desde então.
48
A inquietação de Taubkin sobre o assunto deu origem ao livro Viver de Música (BEI, 2011), onde o pianista
entrevista 18 profissionais de diferentes gerações e os questiona sobre caminhos de carreira musical no Brasil.
Esta também é uma indicação do interesse multidisciplinar de Taubkin em assuntos que atravessam arte e
cultura.
70
Outro aspecto da trajetória de Taubkin que merece destaque é sua eloquente crítica a
patrocínios públicos e privados (embora os tenha utilizado em pouquíssimos projetos,
geralmente quando divide igualmente a criação e gestão com outra pessoa, como o Projeto
Memória Brasileira). A partir disso, o pianista também chama atenção para a falta de
mobilização da classe musical diante das adversidades encontradas ao longo das décadas:
O Projeto Rumos, criado pelo Itaú Cultural em 1997, tinha como objetivo de viabilizar
projetos artísticos brasileiros. Geralmente realizado em biênios, contava com diferentes
curadores/coordenadores para elaborar propostas culturais. Desde seu surgimento, mais de 6
49
Outros exemplos que podem ser mencionados: Consultor latino-americano do Womex (um festival
internacional dedicado à World Music), criação da ABMI (Associação Brasileira de Músicos Independentes) e
criação da Casa do Núcleo.
50
MERCADO Cultural em Salvador Bahía. Hipermedula. 2012. Disponível em:
http://hipermedula.org/2012/12/mercado-cultural-em-salvador-bahia/ Acesso em 6 abril 2021.
72
milhões de pessoas foram beneficiadas51. Benjamim Taubkin foi coordenador geral da edição
2000-2001.
Em 1999, o pianista estava num intenso ritmo de trabalho com a gravadora e com uma
tentativa de espaço próprio (A Casa, conforme relatado no capítulo anterior), além de
problemas financeiros. O convite para coordenação do setor musical do Rumos surge neste
contexto, o que o levou a se afastar das outras atividades. Logo no início, ficou acordado entre
as partes que haveria autonomia no processo, o que de fato ocorreu, segundo Taubkin52.
No período, o Rumos era dividido em áreas: Artes Visuais, Arte e Tecnologia, Cinema
e Vídeo, Dança, Educação, Jornalismo Cultural, Literatura, Música e Teatro. Ainda antes da
gestão do pianista, o setor musical do projeto estava se desenhando. Havia a proposta de
realizar um grande festival, tendo como referências os Festivais da Record dos anos 1960.
Também já estavam disponíveis recursos para a realização do projeto e, logo quando Taubkin
passou a integrar o Rumos, chegou a participar de algumas reuniões com os responsáveis
(entre eles, Solano Ribeiro, diretor dos antigos festivais).
Entretanto, o pianista não estava satisfeito com a proposta corrente, e sugeriu outra: o
país seria dividido em 10 regiões. Cada uma seria representada por 3 profissionais (um
curador e dois assistentes), sendo pelo menos um deles músico, e teria uma instituição cultural
parceira. Os profissionais seriam responsáveis por mobilizar os artistas locais (não havia
distinções entre gêneros musicais) e por avaliar os trabalhos recebidos. Cada região
selecionaria 30 e, ao final, seriam escolhidos 50 (o número final acabou sendo 78) de 300.
Com apoio do Itaú, os artistas lançariam seus trabalhos em suas regiões.
Assim ocorreu o Projeto Rumos no biênio 2000-2001. O programa foi lançado
nacionalmente e suscitou uma série de debates e seminários pelo país, criando um
mapeamento cultural do país - uma ideia que envolvia escolas e casas de música, emissoras de
rádio e jornalistas de todo o país. A equipe do Rumos contatava casas de show em uma
determinada região para saber sobre formas de pagamento de artistas, jornalistas que
escreviam sobre música independente etc53. O resultado final foi, além de um compêndio
musical do país (mais diverso em termos regionais), um direcionamento para futuras
51
CONHEÇA o Rumos. Itaú Cultural. Disponível em: https://www.itaucultural.org.br/conheca-o-rumos Acesso
em 7 abril 2021.
52
Entrevista realizada com Benjamim Taubkin em 11/11/2020.
53
Entrevista realizada com Benjamim Taubkin em 11/11/2020.
73
54
SANTOS, V. Rumos Musicais divulga 78 selecionados. Folha de São Paulo. 2000. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1511200015.htm. Acesso em 6 abril 2021.
74
55
Apesar de ter sido optado pela análise específica de alguns materiais da imprensa no tópico “Recepções da
crítica”; outras reportagens aparecerão nos tópicos de análise dos produtos culturais, tanto para a obtenção de
dados pontuais quanto para a construção do argumento deste trabalho.
56
São exemplos: Canción Necesaria (Mário Sève e Cecília Stanzione, 2012), Motivo (Rafael Martini, 2012),
Álbum Desconhecido (Juliana Perdigão, 2012), Novos Rumos (Ricardo Herz e Samuca do Acordeon, 2016),
Tocante (Lulinha Alencar e Mestrinho, 2016), entre outros. Esses álbuns majoritariamente se dedicam à música
instrumental, mas há alguns de canção popular. Além disso, eles têm em comum o fato de terem sido produzidos
pelos próprios artistas, sem participação de Taubkin.
57
Este tópico e o seguinte foram originalmente publicados em MATOS, A. P. de. “Abrir as janelas e deixar o
Brasil entrar”: o regional e universal nos álbuns Orquestra popular de câmara e Danças, jogos e canções. Música
Popular em Revista, Campinas, SP, v. 7, n. 1, p. 1-25, 2020. DOI: 10.20396/muspop.v7i.13776. Disponível em:
https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/muspop/article/view/13776. Acesso em: 9 mar. 2021.
75
Taubkin (piano), Silvinho Mazzuca Jr (baixo), Caito Marcondes (percussão), Zezinho Pitoco
(percussão), Guello (percussão) e Naná Vasconcelos (participação especial na percussão). A
produção foi de Cardoso, Taubkin e Silveira (MATOS, 2020).
Conforme já mencionado, o fato da gravadora ter sido fundada inicialmente apenas
por músicos que faziam parte da orquestra é um dado que leva a uma hipótese de tentativa de
autonomia artística e ênfase no trabalho coletivo. No texto do encarte, Roberto Freire assinala:
“Esse grupo especial de músicos produz seu trabalho de modo eclético, em composições de
vários estilos e de diversas origens, dando oportunidade a que cada um de seus componentes
possa exprimir as características individuais de seu virtuosismo” (FREIRE, 1998). É curioso
observar a menção à virtuose enquanto característica individual, considerando a ênfase dada
ao trabalho coletivo por Teco Cardoso e Benjamim Taubkin58, e a intenção prioritária de criar
deslocamentos e riscos a partir de linguagens e elementos musicais brasileiros, “mas (...)
também relê-los e realocá-los em um outro contexto bem diverso dos contextos originais”
(CIRINO, 2005, p. 66).
Uma possível leitura deste caráter de recriação – subordinado à ação da personalidade
do músico – está presente na música popular instrumental brasileira, de modo geral. O cerne
dessa reinvenção constante pode ser identificado em duas frentes: as múltiplas influências que
a música instrumental capta, desde tradições regionais brasileiras, sobretudo rítmicas (xote,
baião, congado), passando pelo restante da América do Sul (danzón, tango) e do Norte (o fox-
trote e, posteriormente, o jazz); e o cunho de mediação social da música popular instrumental
brasileira, que expressa relações contrastantes de identidade nacional (aspectos intrínsecos à
música popular industrializada, de modo geral) – como fricções dualistas entre
modernidade/tradição, popular/erudito, oral/escrito, entre outras (CIRINO, 2005; PIEDADE,
2003).
No caso do álbum Orquestra Popular de Câmara, este valor de recriação está
alicerçado nos elementos universais e regionais que compõem um mosaico cujo resultado
final indica uma proposição de identidade nacional marcada pela diferença, pela soma de
regionalidades – incluindo as de outros países, ainda que de forma preliminar. O texto
58
Em entrevista realizada por e-mail em 18/06/2020, Cardoso afirma: “Um conjunto [Orquestra Popular de
Câmara], para dizer o mínimo, improvável achava ali um equilíbrio e uma história que era de cada um e ao
mesmo tempo de todos, uma grande lição, creio”. Taubkin também segue uma linha de raciocínio parecida, em
entrevista igualmente realizada por e-mail em 15/06/2020: “Acho que a sonoridade vem do encontro usual dos
instrumentos e das personalidades dos músicos que tocavam estes instrumentos. Procurou-se um equilíbrio entre
o que tocar e quem estava tocando (...) Eu compunha para cada instrumento...ao lado de quem iria tocar aquela
parte. Então eu acho que são muitas vozes - e ao mesmo tempo me parece tudo uma canção...muitas melodias”.
76
presente no encarte, relativo à música Suíte pra pular da cama (e ver o Brasil) (composta por
Taubkin especialmente para a orquestra), traz algumas pistas dessas inferências:
Somos ainda estrangeiros em nosso próprio país. A ideia é a de ampliar nosso quarto, abrir
as janelas e deixar o Brasil entrar. Com sua beleza própria. Aqui cada músico da orquestra
traz um pouco de seu universo. A melodia e contemplação de Lui Coimbra, o Urucuia de
Paulo Freire, o nordeste de Toninho Ferragutti (que tem outras regiões em si também), o
bambu indígena de Teco Cardoso, a incrível zabumba de Zezinho Pitoco (ma rapaz!), o
centro (Ademir da Guia talvez?) de Silvinho Mazzuca Jr. e a magia de Naná
Vasconcelos (Encarte do disco Orquestra Popular de Câmara, 1998).
A frase “Somos ainda estrangeiros em nosso próprio país” sugere uma diversidade
cultural nacional tão ampla quanto difícil de ser abarcada, e que aqui terá algum espaço
(CIRINO, 2005). Nota-se a intenção de abarcar e aproximar diversos valores (muitos deles
desconhecidos por razões sociais e políticas) que comporiam uma construção simbólica
conciliatória de identidade nacional, uma ideia de um Brasil em determinado momento
(apesar de alguns momentos instáveis social e economicamente, o período dava margem para
uma proposta mais esperançosa), sedimentada através da produção cultural. Tal aspecto
remonta à nossa hipótese de interesse pelo “Outro” (as regionalidades brasileiras enquanto
desconhecidas e infra-nacionais).
Entretanto, este “Outro” também começa a habitar o regional de outros países, com a
presença de Bayaty no repertório. Composta por Eldar Mansurov (Azerbaijão), foi gravada
pelo grupo Akhbad (Turcomenistão) no selo Real World, de Peter Gabriel. Nessa escolha,
observa-se uma inclinação ao discurso de diversidade adotado pela World Music: a
articulação entre o valor de diferenciação (cujo índice é local) e o capital de confiança
(NICOLAU NETTO, 2012). Tanto o Azerbaijão quanto o Turcomenistão são aqui
referendados como locais. Nem todo país – ou território em geral – pode ser caracterizado
como tal, nessa perspectiva; é preciso compreender as forças que levam a essa atribuição.
Estar fora do eixo canônico norte-americano/europeu é uma delas.
Já o “capital de confiança” se refere justamente à dependência estrutural e operacional
de países “locais” em relação aos mais ricos (não-locais), que promovem gravações, festivais,
sites, revistas, programas de rádio. Ou seja, este jogo envolve a condição econômica de alguns
e o convencimento de outros (NICOLAU NETTO, 2012). Gravar em um selo pertencente a
Peter Gabriel é a chancela desse “Outro”. A associação de artistas ocidentais “consagrados”
com outros do “terceiro mundo” torna-se uma troca de mercadorias que esconde a hegemonia
de uma determinada identidade (no caso, a ocidental), já que o dominante se naturaliza como
tal ao se vincular a uma variedade minorias (ERLMANN, 1996).
77
59
Questionei Taubkin a respeito da referência ao Saci: “O Saci foi uma figura importante na Orquestra -
especialmente no seu início. Foi trazido pelo Paulo Freire - que além de grande violeiro é um contador de
causos...e o Saci estava presente. Fazíamos parte da Associação de Criadores de Saci...E pra quem vive um
pouco este universo - vai reconhecer no Naná um tanto dele - um parentesco com o Saci. E no som que ele faz da
cuíca com a voz. E Monteiro Lobato escreveu muito sobre este mundo... Saci é o personagem título de um de
seus livros” (TAUBKIN, 2020, em entrevista por e-mail).
78
Com o tempo fui escrevendo não para cello, mas para o Dimus, e já pensando na percussão
como um organismo vivo de às vezes até 4 elementos e que de certo chegaria a resultados
bem mais interessantes do que as minhas melhores expectativas, caso mais do que escrever,
indicasse um caminho que gostaria de cursar e deixasse pra eles criarem esse caminho. (...)
Ali experimentamos coisas, eu pessoalmente aprimorei as possibilidades de amalgamar o
meu som de forma a que um cello e uma flauta em sol dobrada com uma voz feminina
deixasse de ser 3 coisas diferentes e se transformasse numa original quarta coisa. Ali
exercita-se os espaços, o ouvir o outro, o responder, o corresponder, o propor, o seguir e o
sugerir caminhos (CARDOSO, 2020).
Enquanto Cardoso assinala a questão dos elementos diferentes que juntos viravam
algo novo, Taubkin recorre à sobreposição ao analisar ritmos: “Neste disco trabalhamos muito
com polirritmia... ritmos que se sobrepunham...3 no 2...7, 5... a ideia de convivência sem
perder identidade...estes valores estavam muito presentes” (TAUBKIN, 2020). Embora o
termo “sobreposição” não remeta à mistura, não se trata de justaposição: convivência sem
perda de identidade indica diálogo com afeto mútuo, que não esvazia, mas adiciona.
Parte da crítica internacional60 chamou atenção para o fato de que esses elementos
regionais não são explorados de maneira exaustiva, soando como uma excursão em diversas
fontes da música brasileira que acenam para o universal, mas retornam ao “local”
(SHOEMAKER, [2000?]). Houve também interpretações que identificaram um caráter
“autêntico”61 e “orgânico” tanto na combinação de instrumentos quanto na de timbres
(KELMAN, 2004). Ambas ressaltam que a comunicação entre ambos é a responsável por essa
impressão.
Em termos musicológicos, esse diálogo mediado por uma extrema organização de
elementos se deve à tradição escrita: seus valores de linearidade e sequencialidade resultam
numa linguagem complexa (no sentido de desenvolvida racionalmente). Entretanto, nas
entrevistas realizadas, Taubkin caracterizou seus arranjos como “orgânicos” e relatou não
escrevê-los. Cardoso, por sua vez, também destaca a importância do trabalho coletivo dos
arranjos, enfatizando que a construção deles iniciava a partir dos ensaios – muitas vezes, sem
60
Foram localizadas duas críticas internacionais em sites especializados, como jazzreview.com (atualmente
indisponível) e allaboutjazz.com (ainda em funcionamento). Para além da predominância norte-americana, sabe-
se que também há a europeia (por ora, esse material não está disponível e não pôde ser consultado; pretende-se
retomar tais objetos futuramente).
61
É interessante observar como a menção feita pela crítica internacional especializada à “autenticidade”
contrasta com o depoimento de Teco Cardoso, em que o músico demonstra a consciência de que essa busca por
culturas poucos ouvidas é, sobretudo, uma releitura que aproveitava “os temperos locais e individuais para se
criar algo que já não era mais a tradição pura, mas o fruto da mistura destas tradições num contexto
contemporâneo de mundo globalizado” (CARDOSO, 2020). A expressão cultural do terceiro mundo como
“autêntica” pode ser considerada, portanto, uma invenção do Ocidente (ERLMANN, 1996).
79
62
Em relação à construção da sonoridade dos álbuns e dos arranjos, Taubkin afirma: “No meu caso, foi sempre
muito orgânico...os meus arranjos não eram escritos (escrevo mal, até hoje.) Eu compunha para cada
instrumento...ao lado de quem iria tocar aquela parte” (TAUBKIN, 2020). Cardoso, por sua vez, relata: “O
repertório mesclava temas originais dos componentes com clássico da cultura brasileira assim como também de
outras culturas como do Azerbaijão, tudo cabia, pois seria invariavelmente digerido pela orquestra e sua maneira
coletiva de fazer música. De arranjos absolutamente coletivos, donde partíamos de um mínimo de informação,
muitas vezes sem ao menos uma partitura de base, como no Bayaty a arranjos mais pré estruturados e escritos,
mas com espaços abertos para a criação coletiva, como o Jabaculê no Jabour, a Orquestra Popular de Câmara foi
achando um caminho” (CARDOSO, 2020)
80
63
Para Nestrovski (2002), “O Circo Invisível de Fellini” é o segundo exemplo de “profusão” do repertório da
Orquestra (“Blackbird” é o primeiro): “O Circo Invisível de Fellini", do flautista/saxofonista Mané Silveira, com
sua cena falada de caos (aludindo ao "Ensaio de Orquestra"?), depois os ritmos caribenhos de bar de hotel à la
"Oito e Meio", depois seresta e baião, até chegar em "Amarcord", com direito até ao vento (cortesia do flautista
Teco Cardoso)” (NESTROVSKI, 2002).
81
A dança – universal – é entendida aqui como uma das expressões da cultura árabe, a
partir de uma multicultural e local Budapeste. Tal “imagem” se fixou em Taubkin a partir de
uma viagem, que Nicolau Netto (2012) reconhece como uma forma de ultrapassar e recriar
fronteiras, onde a origem e o destino se aproximam e se diferenciam simbolicamente a partir
do viajante. Os atores da World Music são privilegiadamente viajantes: donos de gravadoras,
artistas e consumidores (NICOLAU NETTO, 2012). Nesse sentido, Taubkin atravessa as três
categorias: inspirou-se em um acontecimento que só o deslocamento poderia proporcionar
para compor e, posteriormente, lançou a criação em sua própria gravadora. Além disso, a
presença da música do recôncavo baiano - citada ao final e em diálogo com a árabe - não é
por acaso:
O mundo árabe invade em “Eles ainda dançam”...E acho que é de certa forma a
origem da música do Nordeste...há muito de árabe e mouro nela...o que defendia
Ariano Suassuna...e eu percebo isto na música...não estudando a história...embora aí
você também vai encontrar justificativas e comprovações (TAUBKIN, 2020).
64
“Blackbird” como congado também chamou a atenção da crítica. Nestrovski (2002) assinala: “Outros dois
exemplos, escolhidos de uma profusão. 1) "Blackbird" (Lennon/McCartney), transformado em congado, na
inspiração insólita do percussionista Ari Colares. Mas não fica esquisito, com a letra em inglês? Mônica não
canta a letra, só a melodia. Virou ela mesma o grande e lindo pássaro da música” (NESTROVSKI, 2002).
82
tradição escrita) quanto nos textos presentes nos encartes, nas entrevistas realizadas e no
trabalho da própria crítica.
O Projeto Memória Brasileira foi idealizado em 1987 por Myriam Taubkin, irmã de
Benjamim Taubkin. Portanto, trata-se de um feito anterior à Núcleo Contemporâneo em si,
mas que posteriormente foi incorporado ao selo – além de apresentar convergências com os
ideais estéticos da gravadora. O projeto consistiu num amplo mapeamento sobre música
brasileira, que geralmente utilizava um instrumento como critério para segmentação: fazem
parte O Brasil da Sanfona, Violões do Brasil, Um Sopro de Brasil, Violeiros do Brasil,
Arranjadores, Memórias do Piano Brasileiro, Percussões do Brasil e Viva Garoto.
Tal projeto teve início com a série de concertos Memória do Piano Brasileiro, gravada
no Museu da Imagem e Som (São Paulo). Participaram os pianistas Luiz Eça, Carolina
Cardoso de Menezes, Dick Farney, Maestro Gaó (Odmar Amaral Gurgel). O repertório foi
composto por Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Aloysio de Oliveira, Luiz Eça, Sinhô,
Theo de Barros etc 65. Dos concertos, originou-se o álbum Memória do piano brasileiro – vol.
1 (1997), produzido por Benjamim Taubkin.
Em suma, é possível afirmar que duas frentes compunham o Projeto Memória
Braisleira: pesquisa e registro. Em entrevista ao jornal mineiro O Tempo, Myriam Taubkin
afirma ressalta que seu contexto familiar foi um fator que impulsionou seu interesse pela
música:
Ela ressalta que começou a trabalhar com pesquisa musical porque nasceu e foi
criada em uma família que, segundo diz, sempre respirou música. “Minha mãe
cantava, meus irmãos são músicos, então sempre tive uma convivência muito forte
com esse universo. Quando tinha vinte e poucos anos, eu cantava profissionalmente.
Também trabalhei, depois, como responsável por setores de música em São Paulo,
na Secretaria de Estado da Cultura e no MIS, onde comecei a atuar como
produtora”, detalha, destacando seu pendor para a pesquisa. “É por esse caminho
que venho trilhando que acho que posso fazer um trabalho diferenciado. Não
represento artista, não sou empresária, não é esse o meu barato. Eu crio projetos e
convido os artistas para participarem. Minha relação com música é, sobretudo, de
identificação”, diz. Ela aponta que, para estar mais próxima e mais íntima dos
universos musicais que investiga, normalmente abre mão de grandes estruturas.
“Nas viagens para fazer ‘Violeiros do Brasil’ éramos apenas quatro, eu, o diretor
65
As informações foram coletadas em releases do Projeto Memória Brasileira e no site “Discos do Brasil”.
84
Embora não se trate de um projeto familiar, via de regra, observa-se que as relações
pessoais impactaram na produção desses materiais artísticos; assim como o irmão pianista,
Myriam Taubkin também teve pessoal pelo setor de produção cultural. Também é curioso
notar que a produtora rejeita o rótulo de empresária ou “representante de artistas”, um âmbito
em que Benjamim Taubkin atua de forma explícita. No entanto, assim como o pianista, ela
equilibra o dualismo entre criação artística/administração (mesmo que não seja uma
compositora ou intérprete, seu trabalho de pesquisa e curadoria também pode ser considerado
criador).
Uma das características peculiares deste projeto foi sua repercussão na mídia
especializada, ainda em seu início 66. A imprensa aparece, aqui, como uma instituição
legitimadora desses produtos culturais, que tinham nas apresentações musicais sua força – as
gravações fonográficas vieram depois. Na pesquisa realizada no acervo pessoal de Taubkin,
foram encontrados 57 materiais jornalísticos (entre reportagens mais extensas e notas
informativas) sobre o projeto (apresentações musicais e álbuns) anteriores a 1996 (ano de
fundação da gravadora). Nesse sentido, é possível destacar que, mesmo numa era pré-internet
e ainda antes da existência da gravadora, os produtos culturais do projeto tinham alcançado
certo prestígio perante ao mercado de música independente, inclusive com patrocínio do
extinto Banespa. Alguns materiais jornalísticos merecem destaque:
66
Parte deste trabalho será dedicada exclusivamente à análise do material jornalístico que faz referência aos
produtos culturais da gravadora; porém, como foi possível recuperar antigas reportagens sobre o projeto
publicadas antes da existência da gravadora, optou-se por exibir alguns desses materiais neste tópico; portanto, o
que estará presente em “Recepções da crítica” são textos publicados de 1996 em diante.
85
1 Figura 1: Trecho da reportagem “Violões” termina, com Turíbio e Bellinatti, publicada em 05.07.1989 no
Jornal da Tarde, um dos patrocinadores do Projeto Memória Brasileira. Fonte: acervo do autor, 2022
.
86
2 Figura 2: Reportagem Violão retorna às paradas de sucesso, publicada pela Gazeta de Pinheiros, em 1989.
Fonte: acervo do autor, 2022.
ganhando espaço no mercado musical ao longo dos anos. Violões começou com registros
doados ao Museu de Imagem e Som em São Paulo, além do patrocínio do Banespa e do Jornal
da Tarde; Um sopro de Brasil, por sua vez, já contou com apoio do SESC-SP e da Petrobras,
gerando produtos culturais mais robusto.
O papel de Benjamim Taubkin no Projeto Memória Brasileira preconiza o que viria a
ser aprimorado nos anos seguintes: suas funções são calcadas numa dualidade formada por
gestão e criação, e em determinadas situações, um polo vai se sobressair em relação ao outro.
É preciso lembrar que o pianista começou sua carreira como produtor; o interesse e estudo
pelo instrumento vieram depois. Neste projeto, ele atua como articulador: na figura 1, nota-se
que Taubkin menciona a importância de iniciativas voltadas à música instrumental,
destacando que há possibilidade de viabilizar projetos para este segmento e captar público. O
músico defendeu essa perspectiva nos anos seguintes ao prosseguir e aprofundar seus
objetivos no mercado. A seguir, serão analisados alguns produtos culturais lançados
posteriormente, já com o selo Núcleo Contemporâneo em vigência.
entre os que aqui estavam, e os que chegaram depois de 1500. Mas todas elas imaginárias.
A celebrar o dia em que deixarão de existir” (TAUBKIN, 2015).
Já foi argumentado que os produtos culturais da gravadora promovem o diálogo
entre diferentes culturas sem recorrer às tensões, mesmo que demonstrem ter consciência
delas. No texto, é dito que as fronteiras entre pobres e ricos são muitas, mas essa temática
não é desenvolvida ou discutida na obra – tampouco problemas entre países. Fronteiras,
limites, diferenças são motes utilizados para celebrar composições e reuniões entre
músicos. Há, sim, uma curiosidade em relação ao Outro, ao que é supostamente relegado e
desconhecido; no entanto, as implicações políticas deste tema não aparecem no produto
cultural. Depois de citar um aspecto histórico – a chegada dos portugueses ao Brasil –
recorre-se ao argumento de que as fronteiras são “imaginárias”. É possível que tais
barreiras estejam aqui sendo interpretadas como construções sociais, por isso a intenção de
que elas sejam dissipadas.
Em suma, esses discos podem ser considerados parte do “interesse” pelo Outro.
Aqui, os demais países da América Latina são vistos como locais que têm muitas
semelhanças históricas, artísticas e sociais com o Brasil, mas que acabaram se afastando
devido a interesses de outros (e até incorporando esse afastamento em suas identidades).
Nesse sentido, além da questão identitária partindo do local, há também a intenção de
aglutinar uma comunidade de músicos independentes, para que o segmento que fortaleça
Em termos de comparação metafórica, a tentativa é de resgatar um velho amigo distante –
e aqui a palavra “amigo” é proposital, pois remete ao afeto e aos valores pessoais – algo
que está significativamente presente em depoimentos de Taubkin e também é apontado
como uma característica comum em outras gravadoras de música instrumental, conforme
argumenta Muller (2005) em relação ao selo Som da Gente67.
Portanto, conforme argumentado em outros momentos deste trabalho, entende-se
que esses produtos culturais têm a intencionalidade de usar a diversidade cultural como
valor de distinção. Pode-se discutir se esse recurso é utilizado de maneira efetiva, já que os
álbuns em si não trabalham com os eixos políticos que seriam comuns a esta temática. De
todo modo, o discurso de Taubkin presente nos encartes – discurso este reiterado em
entrevistas e sempre destacado pela crítica especializada – apresenta uma essência
conciliadora e que, ao mesmo tempo, valoriza a diferença. Nesse sentido, Nicolau Netto
(2013) afirma:
67
Este assunto foi discutido mais detalhadamente no tópico Indústria fonográfica e música instrumental em São
Paulo: Som da Gente, Pau Brasil e Maritaca.
90
Em 2009, fui convidado por Brahim El Mazned para uma apresentação no Festival
Timitar, por ele dirigido, em Agadir, no sul do Marrocos. Fascinado desde sempre
pela música daquela região, propus um concerto que reunisse músicos brasileiros e
marroquinos. Brahim não só aceitou, como indicou alguns dos melhores
instrumentistas do país. O encontro trouxe tudo aquilo que se pode desejar em
vivências dessa natureza. Conversas e risadas à beira da mesa. Caminhadas pela
praia. E, principalmente, muita música. Ritmos, fraseados daqui e de lá, que vão
sendo elaborados, conhecidos e reconhecidos. Pudemos perceber a matriz de
diferentes músicas do Brasil a partir das culturas que lá se encontram – Gnawa,
Berber e Árabe. Espero que este disco consiga transmitir toda a atmosfera gerada
nestes dias tão bonitos – no Marrocos e no ano seguinte, no Brasil, quando
registramos em estúdio, o disco. Agradeço, de coração, a todos os envolvidos –
músicos e produtores. E à vida, por proporcionar tais encontros (TAUBKIN, 2014).
No Festival Visa for Music, o Africa Middle East Music Meeting, que aconteceu há
poucos dias em Rabat, reuniu a música de grupos e solistas do Oriente e do Sul, mas
também do Ocidente, da América Latina negra, do Caribe. Porque os rastros do
tambor podem ser claramente traçados na Colômbia, no Brasil e em grande parte da
92
Brasil. Nós gravamos um disco, a ser lançado em breve. E agora estamos na Coréia
para dar sequência a esta colaboração. (TAUBKIN, 2016).
Nesse trecho, alguns aspectos merecem destaque. Ao relacionar Co-Bra Project com
outros projetos – os já citados Al Qantara e América Contemporânea, além de Milágrimas e
Samwad68, que reúnem artistas da África do Sul e Índia, respectivamente – Taubkin mostra
uma linha de continuidade de proposição temática. Conforme já argumentado, a presença de
músicos e repertórios de outras culturas não é uma questão pontual de cada álbum, mas sim
faz parte de uma linha que a gravadora pretende seguir. Para o pianista, estes trabalhos
dialogam entre si de alguma forma e fazem parte de um “problema” a ser explorado: não há
uma resposta única, e sim múltiplos caminhos para a construção de uma “ponte entre povos”
através da música. Além disso, chama atenção a maneira como o grupo sul-coreano foi
descoberto: Taubkin já declarara algumas vezes sua afeição pelo cinema documentário, e por
meio dessa linguagem descobriu o Jeong Ga Ak Hoe. O filme, ainda, foi dirigido por uma
cineasta australiana. Esse encontro de múltiplas perspectivas e nacionalidades foi o suficiente
para levar o pianista ao país asiático, o que mais tarde resultou no álbum em si. É interessante
notar que a linguagem documentária foi o ponto de partida e de concretização para a relação
de Taubkin com o grupo: seus encontros com os membros do Jeong Ga Ak Hoe e a vinda dos
músicos ao Brasil foram registrados no longa O piano que conversa, o qual será analisado
mais adiante. Com base nesses aspectos do projeto Co-Bra, é possível pautar duas principais
questões: 1) O enfraquecimento de fronteiras facilitou o interesse pelo “Outro”: não fosse o
documentário assistido por Taubkin, o conhecimento sobre o grupo seria, no mínimo, adiado.
Percebe-se que a diferença de culturas compôs a perspectiva que o pianista teve sobre o
grupo: um músico brasileiro assistiu artistas sul-coreano sob a perspectiva de uma australiana;
o primeiro contato não foi por meio de auto-representação. Isso demonstra as potencialidades
da diferença cultural. 2) o documentário não foi apenas uma “ponte” para unir o pianista aos
músicos sul-coreanos, mas uma linguagem especial ao projeto continuou após da gravação do
álbum e as apresentações. Tal aspecto remonta a uma das principais características da
gravadora Núcleo Contemporâneo: o uso de múltiplas linguagens artísticas. Ou seja, não se
trata apenas de gravar um álbum com um grupo asiático, mas de mostrar para o grupo como
68
Optou-se por não analisar esses trabalhos individualmente neste capítulo, pois tratam-se de projetos que foram
lançados pelo Selo Sesc – a pesquisa procurou priorizar o que foi lançado pela gravadora. Ainda assim, pode-se
afirmar que ambos seguem a mesma linha propositiva dos produtos culturais da Núcleo Contemporâneo:
procuram trazer a união entre músicos brasileiros e de diferentes países. A multiplicidade de linguagens artísticas
também está presente: além do álbum musical, Milágrimas é um espetáculo de dança dirigido pelo coreógrafo
Ivaldo Bertazzo.
94
Com arranjos e harmonias assinados pelo pianista, o trabalho está sendo lançado
também na Europa, pelo selo belga Connecting Cultures. Recentemente, estiveram
em turnê pela Espanha para divulgar o disco. (...) Entre as canções do disco, é
possível encontrar uma cantiga de folia de reis recolhida em Vitória da Conquista
("Ô de Casa, ô de Fora), temas de Moçambique escutados pelo grupo na capital
mineira ("O-lêlê" e "Olé-lê de lê-lê-ô"), uma suíte com três cirandas pernambucanas
("Minha Ciranda", "Morena vem Ver" e a tradicionalíssima "Quem me Deu foi
Lia"), além de dois temas das Caixeiras do Divino de Maranhão ("No Bater" e
"Alvoradinha"). (...) "Acho importante poder pensar música brasileira que não seja
só samba e baião. Gosto de imaginar outras possibilidades de pontos de vista para
quem toca piano e vive na cidade grande, como eu", explica o músico paulista. (...)
Através dos arranjos permeados pela incrível criatividade de Taubkin, o disco
dialoga com o mapeamento musical feito por Marcus Pereira, nos anos 70, o
mangue beat de Chico Science, a inventividade de Hermeto Paschoal, e as fusões
multinacionais de Paul Winter. "Pra mim, uma coisa muito forte é a sabedoria do
povo. E nesses tempos de crise que temos vivido, procuro não perder de vista a
riqueza cultural e humana do país. Acredito que esse é um trabalho muito
encantado", resume. (GUIMARÃES, 2007).
A matéria jornalística acima citada reforça alguns pontos que este trabalho tem
destacado. Primeiro, a menção à internacionalização, com lançamento por um selo belga
curiosamente denominado “Connecting Cultures”. Nicolau Netto (2013), ao analisar o
fenômeno da World Music, chamou atenção para a importância das parcerias entre
pequenos selos europeus e norte-americanos com os de países latino-americanos e
africanos (NICOLAU NETTO, 2013). Além disso, a menção à turnê da Espanha sinaliza
mais um aspecto da internacionalização: conforme discutido em outras partes desse
trabalho, ter relações com estes outros países mostra a intenção de estabelecer diálogos
artísticos e criar uma rede de contatos que enfraqueça fronteiras; adicionalmente, o selo
procura espaços de “legitimação” de seu trabalho: um grupo independente que obtém
alcance na Europa prova sua relevância artística e capacidade de expandir-se
comercialmente – ainda que dentro de seu segmento.
A matéria também apresenta um Taubkin consciente de sua posição como artista
“urbano”, mas interessado em possibilidades pouco exploradas na música brasileira:
embora o samba e o baião estejam presentes em outros produtos culturais da gravadora, há
a preocupação de trazer outros ritmos. Além disso, chama atenção a menção ao trabalho de
Marcus Pereira, publicitário que nos anos 1970 foi responsável por coordenar o
mapeamento e gravação de músicas tradicionais brasileiras, pelo selo que levou seu nome.
Por isso a comparação: cada um, à sua época, foi responsável por ser uma espécie de
“ponte” entre a música tradicional e canção popular, apresentando ao público
manifestações de um Brasil profundo.
Onze anos depois, em 2017, Cantos do nosso chão 2 é lançado, com autoria do
grupo Clareira; a formação guarda semelhanças com a primeira: Taubkin (piano), Ari
96
Coltrane69. Essa junção de elementos aparentemente distantes é algo recorrente não só nas
entrevistas de Taubkin, mas também nos produtos culturais em si: a Orquestra Popular de
Câmara juntou Beatles, Chiquinha Gonzaga e a congada mineira; o grupo Co-bra, por sua
vez, uniu a música tradicional sul-coreana com a brasileira, entre outros exemplos
analisados neste capítulo. Tais “colagens multiculturais” podem ter origem no repertório
dos músicos que compõem o grupo – sobretudo Taubkin – mas também demonstram,
possivelmente, o ímpeto de conhecer o “Outro”, um aspecto positivo da globalização.
Além disso, é possível lembrar do argumento de Nicolau Netto (2013) sobre a importância
dos índices de diferenciação na World Music: sendo o local o mais importante deles e
admitindo que o local define o universal (NICOLAU NETTO, 2013), o diálogo entre esses
dois elementos não parece tão distante. À primeira vista, a pesquisa e destaque à música
tradicional brasileira carrega certo teor nacionalista; neste segmento, não é comum pensar
imediatamente em relações com o jazz americano. No entanto, para Taubkin, esses
diálogos não só são coerentes, mas essenciais para a construção destes produtos culturais.
Por fim, ainda neste contexto de música tradicional, é possível mencionar o álbum
Toadas de Bumba-meu-boi (1999, relançado em 2013), do Grupo Cupuaçu. O Cupuaçu é
liderado por Tião Carvalho, maranhanse com significativa atuação na cultura popular,
sobretudo no Morro do Querosene (localizado no Butantã, zona oeste da cidade de São
Paulo). É relevante frisar que o grupo não é composto apenas por músicos, mas por artistas
de diversas frentes que se interessam pelo segmento. Nesse sentido, vale fazer uma
pequena digressão e trazer um excerto do Projeto de lei nº 1038, de 2019, de autoria da
deputada Leci Brandão, que recebeu parecer favorável das Comissões de Constituição,
Justiça e Redação e também Educação e Cultura:
O Grupo Cupuaçu surgiu do encontro e interesse de pessoas de diversas formações:
atores, arquitetos, artistas plásticos, capoeiristas, dançarinos, educadores, estudantes,
músicos e profissionais liberais que, inicialmente, se interessavam e/ou pesquisavam
danças populares brasileiras e se reuniam para dançar na Academia de Capoeira
“Fonte de Gravatá” do Mestre Kenura, e depois se aglutinaram aos alunos das aulas
de danças brasileiras, ministradas pelo, dançarino, músico, cantor, capoeirista e
educador maranhense Tião Carvalho no Curso de Formação de atores do Teatro
VENTOFORTE. A partir desta união, o interesse de pesquisa comum em pesquisar
as danças populares desses indivíduos que identificam-se com os saberes que Tião
Carvalho traz em suas origens e que estão atrelados a da grande variedade de danças
e brincadeiras populares, pois são alimentadas por um universo mítico e imagético
único de extrema riqueza, conhecimentos ancestrais, transmitidos na covivência
social, na forma de educar e lidar com o mundo e com as pessoas e que ainda hoje
69
Não se pretende afirmar que há relações estéticas entre as Caixeiras do Divino e John Coltrane. Não é o
objetivo deste trabalho confirmar referências por meio de análises de notação musical. O argumento se sustenta
em identificar o interesse pelo “Outro” – a centralidade da hipótese de pesquisa – através da forma como os
produtos culturais se colocam. Ainda que exista a possibilidade desse teor multicultural ter implicações estéticas,
não é possível fazer essa afirmação categoricamente.
98
Assim como a justificativa do projeto de lei é uma forma de respaldo para os membros
do Cupuaçu, a menção ao álbum é uma legitimação dupla: ter um disco lançado, em si, é uma
forma de validação, pois indica um processo de profissionalização - mesmo na era digital,
onde a produção e distribuição são facilitadas, esse aspecto é valorizado em editais e projetos
que envolvem o Estado ou interesse público. Observando por outra perspectiva, Taubkin
reafirma a própria proposta do selo ao associar-se ao Cupuaçu e Tião Carvalho: não se trata
apenas de uma identificação musical, mas que também é política e cultural. Pelo nome do
selo, registrou-se parte do repertório da Festa do Boi, agora patrimônio imaterial do estado de
São Paulo. A presença da gravadora em frentes que vão além da indústria fonográfica
propriamente dita sugere a preocupação em desenvolver um projeto cultural – algo que
transcende a produção e venda de álbuns em si.
Em relação ao álbum Toadas-de-bumba-meu-boi, estão presentes as faixas Turma do
Morro (Tião Carvalho), Levantando Poeira (Graça Reis), Cantarei de Novo (Chico
99
Maranhão), Dona tá Reclamando (Cacau), Senhora Dona da Casa (Tião Carvalho e Naná de
Nazaré), Boi da Madeira Bordada (Augusto Quitandeiro), Reúne teu Batalhão (Tião Carvalho,
Naná de Nazaré e Cacau), O Meu Maracá (Graça Reis), Meu Vaqueiro (Graça Reis), Até a
Lua (Ana Maria Cravalho) e Barra de Lame (Cacau). Ou seja, trata-se de um repertório sem
composições de domínio público, mas que têm na música tradicional e nas festas populares
suas principais inspirações. Também é válido frisar que Taubkin pouco aparece em Toadas-
de-bumba-meu-boi. Embora participe do piano em Dona tá reclamando e da produção do
disco em si, o destaque é para o grupo de Tião Carvalho. Isso remonta a uma característica já
mencionada nesta pesquisa: a gravadora não é destinada ao trabalho solo de Taubkin, que
sabe recuar em prol da coletividade. No entanto, este recuo não significa ausência: o pianista
segue como articulador entre diversos atores sociais que, com frequência, transcendem o
campo da música.
Existe um ponto de convergência entre os álbuns mencionados nesse tópico: a
valorização da cultura tradicional brasileira. Nesse sentido, vale lembrar o argumento de
Ikeda (2013), que viu no contexto social e político dos anos 1990 (com a proliferação de
ONGs e Conferências sobre Meio Ambiente) um ambiente propício para o resgate e
valorização de “culturas locais, étnicas e populares tradicionais”. Também chama atenção o
maior destaque ao termo patrimônio imaterial (como visto acima, a institucionalização da
Festa do Boi no Morro do Querosene, comandada por Tião Carvalho e o Grupo Cupuaçu,
ocorreu por meio desta categoria). De modo geral, cultura tradicional e patrimônio imaterial
são termos que se entrelaçam (IKEDA, 2013, p. 173). Portanto, Cantos do nosso chão 1 e 2 e
Toadas-de-bumba-meu-boi podem estar inseridos nessa conjuntura que também atingiu a
indústria fonográfica: além do interesse individual de Taubkin nas culturas tradicionais
brasileiras (e de outros locais do mundo), a busca pelo “Outro” levada a cabo pela Núcleo
Contemporâneo faz parte de um momento histórico.
O álbum Sons de Sobrevivência, que dá título a esta pesquisa, foi lançado em 2014.
A formação consiste em Benjamim Taubkin (piano), Simone Sou (percussão) e Guilherme
Kastrup (percussão). Os dois últimos músicos já tinham um duo (Soukast), e aqui se unem ao
100
pianista para gravar um álbum de caráter experimental, com momentos de improviso 70. O
texto do encarte explica o disco da seguinte forma:
A parceria entre o Soukast (duo de percussão formado por Simone Sou e Guilherme
Kastrup) e o pianista Benjamim Taubkin, surgiu a partir de um convite feito ao
pianista para participar de um concerto especial do duo. O resultado musical e a
interação no palco surpreendeu a ambos e deu início a uma colaboração mais
constante que resultou em diversas apresentações e na gravação do disco “Sons de
Sobrevivência”, lançado no Brasil e nos EUA. O Soukast utiliza os mais diversos
objetos e instrumentos – baterias, tambores, vidros, panelas, tampas – para construir
composições com elementos da música tradicional brasileira, como jongos,
congadas, cantos de Orixás. Do outro lado, o pianista, compositor e arranjador
Benjamim Taubkin encontra ou cria harmonias, contracantos e improvisos no piano
em um fluido diálogo com a percussão e os ritmos que Simone e Guilherme
apresentam. Desde 2010, os três realizaram diversos concertos, inclusive em um
projeto especial na série de 2011 ao lado da Orquestra Jazz Sinfônica e em 2013
com a Tunkustler Orchestra na Áustria (KASTRUP, 2014).
As composições do álbum são todas de Simone Sou e/ou Guilherme Kastrup, com
exceção de “O tocador”, parceria de Simone Sou com Oleg Fateev. É interessante notar como
o local é um índice de diferenciação71 para os produtos culturais da gravadora Núcleo
Contemporâneo: para caracterizar o som, o texto remete à música tradicional brasileira e suas
heranças africanas (a menção aos Orixás é um exemplo). O local de onde vem esta música
importa, bem como para onde ela vai: lançado nos Estados Unidos em 2015 como Sounds of
life, o repertório também foi tocado ao lado de uma orquestra austríaca. Portanto, a forma
como o produto cultural se coloca é baseada na coexistência e diálogo entre dois universos
aparentemente distintos: a música tradicional e a erudição europeia.
A sobrevivência desses sons pode carregar múltiplos sentidos: é a música tradicional
brasileira que se faz presente no exterior; é o caráter de improviso e experimentação, que
atesta o alto grau de presença desta música; é a própria validação da possibilidade de se fazer
música independente no Brasil, pois se trata de um álbum com características singulares que
conseguiu transcender fronteiras e ser “legitimado”. Sons de sobrevivência pode ser
considerado uma síntese do que a Núcleo Contemporâneo procura construir em seus produtos
culturais. Nesse sentido, vale destacar uma fala de Simone Sou, quando questionada sobre a
recepção da percussão brasileira no exterior:
70
Os álbuns O pequeno milagre de cada dia (2017) e Sobrevoo (2020) também apresentam essas características:
improviso, composições autorais,
71
Termo cunhado por Nicolau Netto (2013) para explicar como se dava o fenômeno da World Music: local e
etnia são elementos que iriam decidir se determinado álbum, artista ou grupo poderia ser encaixado naquele
universo. Ambos se articulam na chave da diversidade – portanto, nem todo país, cidade ou território têm a
capacidade de ser considerado índice de diferenciação (assim como as mais diversas etnias) (NICOLAU
NETTO, 2013).
101
Venho trabalhando nessa área dando aulas e workshops, até trabalhei com um
baterista bem conhecido na Holanda, de World Music. Éramos em sete pessoas, sete
percussionistas, um de cada país, e realmente a percussão brasileira tem um destaque
grande, porque existem muitos grupos de percussão pela Europa, como se fossem
grupos de batucada. (...) há uma abertura muito grande para a música brasileira. Para
mim, está sendo muito curioso estar em um país [Holanda] com uma cultura
percussiva completamente diferente da brasileira, e trazer aqui uma variedade de
ritmos. (...) As pessoas de fato não conhecem – conhecem o samba, mas em relação
à música tradicional, de norte a sul do país, eles não têm ideia do que acontece
(SOU, Simone. 2017).
Para analisar o documentário O piano que conversa, optou-se pela análise fílmica e
sonora de alguns planos, além de considerar a questão sonora e o significado dela em junção
com o aspecto visual. As características estéticas do filme têm relação com a proposição da
gravadora Núcleo Contemporâneo – a hipótese defendida neste trabalho é que Taubkin e os
demais “agentes” que participam de cada projeto tem como objetivo explorar a questão do
interesse pelo “Outro” por meio de diferentes linguagens artísticas, sendo que a música ocupa
um lugar de destaque nesta “perseguição” ao desconhecido. Ou seja, será visto como o
documentário usa os recursos fílmicos para abordar este problema. Porém, antes de adentrar
no objeto em si, é necessário fazer algumas considerações sobre o que a literatura aponta em
relação aos documentários musicais brasileiros.
Parte significativa dos documentários musicais brasileiros recaiu sob a exploração do
carisma de seus personagens, relegando aspectos estéticos e inovações em termos de
linguagem (MATTOS, 2018). Um dos conceitos utilizados para compreender este tipo de
produção é o de “asserção”. Podemos entendê-lo como “uma afirmação decorrente do
processo de argumentação de um filme, que se sobrepõe a uma sinopse genérica da obra,
marcada pela intencionalidade de declaração sobre algum aspecto específico” (SCHNEIDER,
2015, p. 11). Além disso, também é possível estabelecer três categorias analíticas para
classificar esses documentários: Storytelling (com as facetas ideologia reativa, memória de
vida e obra e revelação), Expressão Fotográfica e Matriz Prosaica, sendo a primeira categoria
a predominante entre os longas (SCHNEIDER, 2015).
O documentário O piano que conversa (2017), no entanto, apresenta uma abordagem
diferente do que pode ser considerado como corrente no segmento. Considerando as
ponderações dos autores acima, a distinção do filme ocorre por dois principais motivos: a
ausência de personalismo (não há um músico virtuose ou carismático que seja o centro da
narrativa) que dá espaço a um protagonismo abstrato e a predominância da categoria analítica
de Expressão Fotográfica, pouco presente nos longas analisados por Schneider (2015).
Em suma, o filme dirigido por Marcelo Machado72 se trata de um compilado de
gravações de encontros do músico Benjamim Taubkin – fundador da gravadora Núcleo
72
Machado tem experiência com documentários musicais, tendo dirigido Tropicália (2012), Música na Praça
(1981), Com a palavra, Arnaldo Antunes (2018) e Música pelos poros (2016), esta última também uma produção
103
de parceria com o Núcleo Contemporâneo e Taubkin. O piano que conversa, por sua vez, foi o vencedor do
Prêmio Petrobrás (Festival In- Edit Brasil) de melhor longa nacional na categoria Júri Popular, no mesmo ano de
seu lançamento.
104
Tomando como ponto de partida a asserção sugerida (a música como ponte de diálogo entre
diferentes culturas), percebe-se que o deslocamento de territórios é uma temática
constantemente expressa pelas imagens.
As contradições urbano/rural e público/doméstico, expressas nos sons, também estão
presentes nas imagens. No entanto, como o deslocamento está mais evidenciado, observa-se
uma multiplicidade de espaços que vai além de dualidades. Os atores sociais não apenas
transitam entre diferentes territórios, mas se reconhecem em suas identidades quando estão
neste movimento. Apesar das tensões e desigualdades entre as diferentes culturas (que não
estão explícitas no longa, mas sim conciliadas), é a partir do deslocamento que os atores
constroem diálogos multiculturais.
A presença do músico israelense Itamar Doari, logo no começo do longa, é um
exemplo deste aspecto. O deslocamento começa pelo próprio Taubkin, que para receber Doari
se retira do espaço doméstico (em um plano repleto de silêncio e introspecção) e se lança aos
ruídos da cidade. Neste momento, predominam planos-detalhe construídos de maneira
fragmentária: a câmera “acompanha” os movimentos do pianista, mas não o focaliza.
3 Figura 3: Taubkin atravessa a cidade para chegar ao aeroporto, espaço que simboliza a viagem e o encontro.
Fonte: DVD O piano que conversa, 2019.
O aeroporto pode ser considerado um espaço impessoal, que pouco ou nada diz sobre
a cultura de um determinado local (ORTIZ, 2001). Apesar disso, esse espaço aqui vai carregar
algum afeto e começar a explorar a metáfora da viagem: uma viagem que não pode ser
realizada por completo se fordedicada apenas aos espaços globalizados. O afeto entre Taubkin
e o músico israelense, ao lado de João Taubkin, é um fio condutor dos encontros seguintes: a
próxima cena mostra um ensaio de uma composição do Benjamim chamada África, com a
Lena Bahule (cantora moçambicana) e a Agnes Teodorowska (violoncelista polonesa).
É possível utilizar estes planos iniciais para analisar um aspecto trabalhado no filme: a
dualidade. Conforme mencionado anteriormente, considera-se que: 1) a categoria analítica do
107
4 Figura 4: vê-se o espaço doméstico: a casa, a cozinha, um espaço privado e introspectivo. Fonte: DVD O piano
que conversa, 2019.
5 Figura 5: O aeroporto pode ser entendido como um local impessoal e universal. Entretanto, o afeto do encontro
e a representação da metáfora da viagem acrescentam características dissonantes a este espaço homogêneo.
Fonte: DVD O piano que conversa, 2019.
Outro aspecto que merece destaque é como as imagens constroem não só uma visão da
música afetuosa – conforme mencionado nos parágrafos acima – mas também calcada no
ofício, e não na virtuose. É importante frisar esta característica já que, conforme já
mencionada, as avaliações de Mattos (2018) e Schneider (2015), o documentário musical
brasileiro carecia de abordagens não-personalistas e excessivamente biográficas. O
mecanismo visual usado para esta reflexão são as imagens de trabalhadores carregando,
consertando e realizando a manutenção geral de pianos. Os planos têm como foco as mãos, as
ferramentas de trabalho (ou seja, planos detalhe) e, em ocasiões, planos médios que mostram
o instrumento de uma perspectiva diferente – não mais em um ambiente artístico ou
recreativo, mas em uma oficina de manutenção (é possível notar que há a intenção de criar
movimento nestas sequências). Tais planos são intercalados com outros em que há
108
6 Figura 6: Carregador transporta piano. Fonte: Fonte: DVD O piano que conversa, 2019.
.
109
7 Figuras 7: Os planos atestam o modo observativo, mas também demonstram a importância que o cineasta dá à
perspectiva da música como trabalho – não há interferência direta, mas uma visão de música colocada em
debate. Fonte: DVD O piano que conversa, 2019.
também do deslocamento: retira-se o instrumento do espaço urbano para que ele conviva no
rural. Antes que a música comece, predominam os sons da natureza: o cotidiano enquanto
contemplação. Destaque também para o som da mão de Mazé Cintra (uma das cantoras do
grupo) deslizando sobre o teatro rural.
A seguir, há um retorno à cidade. Aqui, ouve-se os ruídos urbanos do Sumaré (SP),
bairro paulistano de classe média que abriga muitos estúdios. Um deles é a Toca do Tatu,
espaço onde ocorre esse trecho. A oposição sonora em relação à sequência anterior se
apresenta não apenas pela diferença entre os lugares (rural/urbano), mas também pelos ruídos
dos instrumentos: enquanto no teatro rural predominam sons acústicos, na Toca são os
elétricos. Aqui, as guitarras são associadas à modernidade, à cidade; curiosamente, a música
executada é “Pifaiada”, composição de Guilherme Kastrup e Simone Sou que faz referência
ao pífano, instrumento originário da Europa medieval e popularizado no Brasil pela cultura
popular nordestina. Ou seja, a contradição dos ruídos antecipa a contradição musical: a
execução de uma composição contemporânea, num espaço urbano, mas de inspiração rural.
No intervalo entre as mudanças de sequências, o silêncio aparece não apenas como
um elemento de transição: ele carrega diversos sentidos. Considerando que a asserção
sugerida se baseia na música enquanto ponte de diálogo entre diferentes culturas, o silêncio é
um aspecto musicológico e antropológico: para que o “Outro” possa ser reconhecido, uma das
partes precisa estar disposta a ouvi-lo. Assim, destacam-se as sequências de Taubkin na
Bolívia e na Coreia do Sul: nesses territórios onde a diferença cultural é marcante, o silêncio é
a ferramenta inicial para a compreensão do desconhecido. As contradições do diálogo podem
se firmar nos ruídos e na música, mas elas começam pelo silêncio.
Portanto, é possível considerar que a tríade silêncio/ruído/música é o que sustenta o
aspecto sonoro do filme e, consequentemente, sua asserção. Os dois primeiros aparecem como
âncoras do modo observativo de se fazer cinema documentário: conferem um certo
“realismo” ao filme, como se estivessem retratando o que de fato ali aconteceu; no entanto,
conforme já mencionado, eles são mecanismos que fortalecem a construção da asserção do
longa – a perspectiva da música como ponte entre povos e criadora de diálogos. Sendo assim,
também são representações. A música, que num contexto personalista e virtuosístico seria
colocada em primeiro plano, aqui aparece como dependente do silêncio e dos ruídos: sem a
introspecção e a auto-reflexão, bem demonstradas nos planos onde Taubkin está em sua
residência, e sem os ruídos causados pelo trabalho – o transporte e manutenção de pianos –
não seria possível existir música.
113
O longa Música pelos poros (2017) guarda semelhanças e diferenças com O piano
que conversa. Em relação às convergências, é possível mencionar que ambos foram
dirigidos por Marcelo Machado e são considerados documentários musicais – relacionados
fortemente com o trabalho desenvolvido pela gravadora Núcleo Contemporâneo: o diálogo
entre diferentes culturas, a importância da coletividade para a criação musical e o interesse
pelo “Outro”. Em termos de reconhecimento, Música pelos poros também ganhou
prêmios: venceu na categoria de melhor filme no 12º Festival latino-americano de São
Paulo, em 2017 (votação do público). No entanto, embora os documentários tenham uma
114
73
O Festival Arte Serrinha foi criado em 2002 por Fabio Delduque, Marcelo Delduque e Carlão (Carlos) de
Oliveira. O evento ocorre anualmente na Fazenda Serrinha e no Parque Natural Serrinha, na cidade de Bragança
Paulista (SP). Em suma, trata-se de uma residência com oficinas e apresentações das mais diversas frentes
artísticas: música, artes plásticas, cinema, teatro etc. Meio ambiente e gastronomia também são segmentos
recorrentes, e a ideia é que esses campos de atuação sejam interseccionados. Presença constante no festival,
Taubkin participou da edição de 2022.
74
Nesta mesma edição o próprio Machado exibiu um de seus documentários musicais mais relevantes –
Tropicália.
115
10 Figura 10: Exemplo de plano observativo, mas que no filme adquire caráter explicativo com a voz over de
Machado. Fonte: DVD Música pelos poros, 2019.
11Figura 11: Machado trabalha a metalinguagem ao filmar sua equipe filmando Jovi Joviniano e Marcos
Suzano. Fonte: DVD Música pelos poros, 2019.
12 Figura 12: Em Música pelos poros, Machado utiliza recursos da linguagem jornalística, como entrevistas.
Este enquadramento mais “sóbrio”, alinhado à identificação da jornalista, demonstra um documentário mais
focado na objetividade do que na subjetividade. Fonte: DVD Música pelos poros, 2019.
13 Figura 13: O músico do Azerbaijão Sahib Pashazade responde a pergunta que Machado fez a todos os
músicos residentes: “De onde sua música vem? E para onde ela vai?”. Fonte: DVD Música pelos poros, 2019.
116
todos eles estão achando de estar sendo feito um documentário da experiência musical de
vocês. Vocês estão ansiosos pelo resultado?”. Nesse momento, a câmera faz um corte rápido e
muda para outro plano. Este trecho demonstra que há a intenção de debater a própria prática
do documentário em si; o “acesso descomplicado ao mundo” do realismo é questionado ao
permitir que os próprios atores sociais – no caso, a plateia – questionem os músicos sobre
suas representações.
Por fim, é possível citar também o modo participativo, o qual parece ser o
predominante em Música pelos poros. Este modo se firmou nos anos 1960, graças à evolução
tecnológica que permitiu a gravação de som direto fora dos estúdios. Sua característica mais
marcante é o envolvimento do cineasta com os personagens, marcado por um engajamento
que costuma levar a reflexões ou até mesmo conflitos. Nesse contexto, o espectador também
acaba se tornando um participante (NICHOLS, 2017, p.188). No filme, Machado explicita sua
presença e informa ao público, em voz over, que está fazendo duas perguntas aos músicos
participantes do festival: “De onde vem sua música? E para onde ela vai?”. Na figura 13,
vemos o músico do Azerbaijão Sahib Prazade responder o questionamento de Machado ao
discorrer sobre o Tar, instrumento incomum no Brasil.
Ao contrário de O piano que conversa, não se observa o uso do recurso de escuta
reduzida, cunhado por Chion (2011). Em Música pelos poros, a linguagem verbal é de suma
importância – portanto, o som e a imagem precisam estar sincronizados de maneira mais
“conservadora”, abrindo pouco espaço para experimentações (característica recorrente no
modo participativo). A reflexão é construída de outra forma: a mescla entre entrevistas,
debates e apresentações musicais vai defender o argumento de que a música é,
necessariamente, uma construção coletiva.
Em relação ao que Schneider (2015) define como categoria analítica, é possível
classificar o documentário em Storytelling, na faceta revelação. Como o próprio nome sugere,
aqui há a intenção de se contar uma história (pode ser de um determinado músico, grupo,
movimento, apresentação etc). Especialmente na faceta de revelação, o cineasta procura
fornecer ao público aspectos até então desconhecidos. A história que se quer contar pode ser
algum aspecto pessoal ou de bastidores (como frequentemente ocorre em diversos
documentários brasileiros) (SCHNEIDER, 2015). Porém, em Música pelos poros, o objetivo
não é apenas registrar os bastidores do festival, nem fazer a divulgação dele; o evento aparece
como pano de fundo para fortalecer a asserção defendida pelo filme: o processo musical é
necessariamente coletivo. Todo o documentário se desenvolve com base nesse argumento
(lembremos do início do filme, com a voz over de Machado introduzindo a ideia). Por
118
exemplo, na figura 12, a jornalista Patricia Palumbo se dirige a Taubkin: “Benjamim, fale um
pouco sobre tudo isso que a gente está vivendo aqui. Justamente isso, esse encontro entre
energias tão diferentes. E referências tão diferentes, de países tão distantes”. O pianista, então,
responde: “Eu acho que esses encontros sempre vão funcionar bem quando você tem as
pessoas inteiras. Quando você vai subir uma montanha, precisa trabalhar junto. Porque se um
sobe sozinho e deixa os outros para trás, ele vai se dar mal e os outros também. Todo mundo
ali depende de todo mundo.”
Música pelos poros é mais um dos produtos culturais da gravadora que orbita ao redor
do interesse pelo Outro: a presença de músicos de diversas nacionalidades, a valorização do
encontro, diálogos e trabalho coletivo. A multiplicidade artística também é um aspecto
relevante: o selo se preocupa em desenvolver seu “problema” atuando em outras frentes além
dos álbuns. E, mesmo dentro da produção audiovisual, nota-se a habilidade de utilizar
linguagens diferentes: em O piano que conversa, predomina a subjetividade, a observação e o
trabalho com o som; em Música pelos poros, a reflexão, a metalinguagem e o aspecto verbal.
Em suma, pode-se afirmar que os documentários dão continuidade à linha artística proposta
pela gravadora.
75
Foram feitas duas pesquisas que resultaram na análise desses materiais jornalísticos: a primeira é oriunda de
uma visita pessoal ao acervo de Taubkin, onde foi possível coletar reportagens, resenhas e entrevistas da década
de 1990 e 2000 que não estão digitalizadas ou disponíveis na internet. A segunda, por sua vez, foi feita em
websites dos veículos de imprensa ou no Google, caso o buscador dos jornais não retornassem resultados
significativos.
76
As questões alegadas por Taubkin passam sobretudo pelo tratamento que a imprensa teve ao cobrir o
impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, ocorrido em 2016.
119
14 Figura 14: Núcleo Contemporâneo comemora dois anos no Sesc. Estado de São Paulo, Caderno 2, pág. D11,
1998. Fonte: Acervo pessoal, 2022.
120
17 Figura 17: Músicos se unem para lançar selo. O Estado de S. Paulo. 1997. Fonte: Acervo pessoal, 2022.
123
18 Figura 18: Músicos celebram nova era instrumental. Folha de S. Paulo, 1996. Fonte: Acervo pessoal, 2022.
Este excerto demonstra que tanto a matéria jornalística enfatiza uma fala de Taubkin
que coloca seu próprio trabalho fora do âmbito comercial, estabelecendo um valor distinto a
suas obras. Porém, em outro momento da reportagem (anterior a este), lê-se:
Nos projetos do selo, cada solista assina a produção de seu trabalho. “Desde que
começamos queríamos que os músicos assumissem a produção de seus discos”,
conta Benjamim Taubkin. “Isso é importante porque o músico passa a ter mais
controle sobre o passos da feitura do disco”, considera. Ele começou a produzir em
1987 para o projeto Memória Brasileira – um registro de obras de músicos
brasileiros em áudio e vídeo (ROCHA, 1998).
volta-se à premissa inicial: parte do processo de estabelecer estes novos parâmetros passa pela
legitimação dos produtos culturais através da distinção – e aqui reside o papel da imprensa.
Na figura 15, observa-se outra matéria jornalística, Sonoridade contemporânea. Na
esteira da anterior, Maria Claudia Miguel oferece uma perspectiva geral sobre a gravadora,
com informações pontuais que geralmente se encontram em releases – nome dos fundadores,
instrumentos tocados por eles, endereço/horário da apresentação musical mais próxima (no
caso, tratou-se do Festival Núcleo Contemporâneo, em que alguns artistas já lançados pelo
selo e os próprios Cardoso, Taubkin e Silveira iriam participar). Após essa introdução de
caráter informativo, lê-se:
Os americanos têm a Verve, os alemães têm a EMC e o Brasil ganha agora um novo
selo com proposta semelhante, o Núcleo Contemporâneo. Formado por quatro
conceituados instrumentistas – o pianista Benjamim Taubkin, o acordeonista
Toninho Ferragutti e os saxofonistas Teco Cardoso e Mané Silveira – o Núcleo
Contemporâneo quer ser para o Brasil o que os selos criados pelo americano
Norman Gratz (Verve) e o alemão Manfred Eicher (ECM) representam para a
música instrumental e vocal em todo o mundo. [...] “As grandes companhias
multinacionais que absorvem as independentes não conseguem resultados que
127
Neste excerto, nota-se a até então inédita presença do elemento estrangeiro como
forma de chancela. Ele aparece ainda no subtítulo, indicando que irá se tratar de um
mecanismo recorrente. Para além do aspecto de legitimação, as comparações com a Verve77 e
a ECM são sintomáticas: tentam construir uma imagem da gravadora que passa pela
sofisticação estética e técnica, feita sob medida para nichos.
Outro aspecto que chama atenção é a fala de Taubkin a respeito do sistema aberto de
produção. Conforme mencionado na parte I deste trabalho, este modelo econômico ganhou
força na indústria fonográfica brasileira na década de 1990, e consistiu na parceria entre
majors e indies na produção, distribuição e divulgação de álbuns. Este modo de trabalho era
comum no período: diversos artistas independentes lançaram seus materiais desta forma. A
gravadora, porém, optou por não seguir este caminho. A citação de tal forma de evidencia que
Taubkin tinha consciência das mudanças e particularidades que vinham ocorrendo e refletia
sobre ela – e até mesmo criticava-as. A reflexão da própria prática artística também como
ofício é uma das características não apenas dos fundadores da Núcleo, mas sim da cena
independente consolidada no período; vale lembrar que nos anos 1990 os músicos puderam
profissionalizar-se com mais afinco (haja vista as declarações de Rodolfo Stroeter, fundador
77
Atualmente, a Verve pertence ao grupo Universal Music. Fundada em 1956, a gravadora já lançou álbuns de
artistas como Ella Fitzgerald, Nina Simone e Billie Holiday (ou seja, tinha foco em artistas de jazz). Já a EMC
lançou discos de Pat Metheny e dos brasileiros Naná Vasconcellos (no grupo Codona) e Egberto Gismonti. Estes
poucos artistas já oferecem uma breve perspectiva de qual tipo de catálogo a reportagem intenciona comparar
com a Núcleo Contemporâneo.
128
do selo Pau Brasil e de Léa Freire, do Maritaca, que foram expostas neste trabalho).
Prossegue a auto-reflexão: assim como a matéria jornalística anterior (que menciona a
intenção de não “crescer descontroladamente”), o pianista menciona a importância das
tiragens limitadas para os independentes; já Cardoso, em uma fala de certo modo
antecipatória, ressalta como a internet seria um fator positivo para a divulgação destes artistas.
Novamente, chama atenção o paradoxo do artesanal/profissional. A comparação de
Taubkin coloca em pauta tal dualidade: as multinacionais representam o supermercado, com
produções rápidas, em massa, mais baratas, acessíveis e “palatáveis”; as independentes, por
sua vez, são as delicatessen – lojas focadas em alimentos raros e/ou de difícil preparação. Ou
seja, apesar da profissionalização e dos novos meios de tecnologia e comunicação, persiste a
singularidade do produto cultural. Vê-se também uma crítica às leis de incentivo fiscal,
assunto que será retomado mais adiante.
O recurso de chancela pelo estrangeiro é retomado. O “renascimento bossa-novista”,
aqui, pode ter alguma relação com o fenômeno da World Music – no período, as músicas do
“Terceiro Mundo” estavam em evidência por meio de gravadoras e festivais da Europa e
América do Norte (NICOLAU NETTO, 2013). Uma das hipóteses deste trabalho é que os
produtos culturais da gravadora apresentam este interesse pelo “Outro” e exploram o diálogo
entre diferentes culturas, inserindo-se, portanto, no contexto da World Music. As menções à
Cassandra Wilson, Mike Marshall e Michael Jackson também podem ser compreendidas
como mecanismos chanceladores (que passam pelo jazz, com os dois primeiros, e pelo pop,
com o último).
Por fim, a análise deste material jornalístico foi um pouco mais extensa pois o texto
pode ser compreendido como um compilado de temáticas que são caras ao fundadores da
gravadora - tópicos como funcionamento da indústria fonográfica, leis de incentivo fiscal, o
papel das independentes num contexto onde majors ainda dominavam e a relação com
músicos estrangeiros irão aparecer em outras entrevistas e materiais de arquivo.
Segue-se a análise agora com a reportagem Músicos celebram nova era instrumental
(Folha de S. Paulo, 1996). O texto foi escolhido por dar ênfase ao papel aglutinador que os
fundadores da gravadora pretendiam exercer (até mesmo por ter sido escrito no primeiro ano
de funcionamento dela); ou seja, não se tratava apenas de um projeto para lançar os trabalhos
de determinados músicos, mas de uma tentativa de cooperativa que queria reunir forças entre
a cena independente como um todo. Apesar de terem mais experiência e desejarem passar
seus conhecimentos para músicos das novas gerações, a ideia era criar um espaço coletivo
onde existisse um diálogo equilibrado:
129
“Os músicos brasileiros ficam escondidos por falta de espaço ou iniciativa para
iniciar um projeto como esse. Como nós quatro já temos experiência, resolvemos
dividir essa responsabilidade”, disse Benjamim Taubkin, 40. Os workshops,
voltados para o público que gosta de música instrumental e para outros músicos,
também serão realizados no Supremo Musical, e acontecerão hoje e sábado, às 14h,
e domingo, às 17h. O preço é R$ 10. “A ideia é abrir caminho para os músicos
iniciantes que têm curiosidade de conhecer nosso trabalho”, afirmou Taubkin, que
define a música popular contemporânea como a música instrumental brasileira de
hoje. “É a música que mistura tudo, que têm influências que vão do maracatu ao hip
hop”, afirma. Segundo o saxofonista Mané Silveira, 39, com os workshops eles
pretendem desmistificar o ofício do músico instrumental. “No começo de nossas
carreiras, assistíamos aos músicos e tínhamos curiosidade de saber mais sobre eles,
perguntar que palheta usavam. Agora, queremos dar oportunidade para dialogar com
a molecada que estuda música”. Segundo ele, neste momento a musica instrumental
brasileira navega por um leque de estilos. “Gosto de jazz, choro, world music,
música erudita. O músico de hoje acaba tendo uma mescla de influências”, diz
Silveira (ROCHA, 1998).
A presença aqui de informações objetivas (como local do evento, data e preço) tem a
intenção de demonstrar que Cardoso, Taubkin, Silveira e Ferragutti queriam popularizar esses
encontros; o Supremo Musical, fundado em 1985, era um bar localizado na Rua Oscar Freire
(São Paulo) frequentado por artistas e escritores envolvidos no contexto cultural da cidade.
Portanto, o espaço era não apenas dedicado a apresentações musicais, mas também à própria
reflexão da música – ou da arte – como ofício. Ademais, observa-se que Silveira, de maneira
velada, lamenta não ter tido essa possibilidade de “formação” mais reflexiva com os
instrumentistas de gerações anteriores a dele: a preocupação era direcionada mais ao “tipo de
palheta” (ou seja, com a criação artística em si) do que ao ofício como um todo. No entanto,
em sua atual condição, ele demonstra ter a intenção de construir outros tipos de diálogo com
os mais jovens. Além disso, vê-se a disposição do referido flautista de reconhecer o “novo”: o
músico cita o maracatu e o hip hop, sem deixar de lado o jazz e a música erudita. Igualmente
foi incluída a World Music, segmento emblemático para a Núcleo Contemporâneo. A
consciência da influência de segmentos que, naquele período, ainda não pertenciam ao cânone
da música popular brasileira é uma característica marcante entre os membros da gravadora. É
possível supor que esta capacidade de abertura tenha esboçado uma das hipóteses deste
trabalho – o interesse pelo “Outro”, mais tarde transformado na linha condutora da gravadora,
cuja essência era conceber o diálogo entre diferentes culturas.
Encerram-se agora as análises dos materiais jornalísticos datados do final dos anos
1990 e provenientes do acervo pessoal de Taubkin. O que pôde ser observado com essas
reportagens, além dos aspectos já mencionados (chancela cultural, reflexões sobre a música
como ofício etc.), é um alinhamento com a fala do pianista, que alegou ter notado um
interesse genuíno da imprensa nos produtos culturais de sua empresa, bem como nas
discussões sobre o ofício do músico que ele se empenhava em pautar. Nota-se também uma
130
certa empolgação inicial com o projeto, como se a gravadora e seus feitos estivessem
representando o que havia de mais moderno e inovador naquele segmento. De fato, a Núcleo
foi pioneira em alguns aspectos; sua intenção de expandir a atuação para outros fins, de modo
a ser compreendida como projeto cultural – a formação de artistas e a inauguração da Casa
(posteriormente Casa do Núcleo) – são tópicos que merecem destaque. Porém, com o passar
dos anos – mais precisamente na década de 2010 – a gravadora passa a ser representada como
um polo de “resistência”, cuja duração de longo período é considerada fora do comum.
Além disso, o cenário de caráter “orgânico”, onde a imprensa de fato se interessava
em pautar as ações da gravadora, modificou-se ao longo dos anos – foi possível notar uma
diminuição de reportagens e críticas a partir de 2013 e uma queda ainda mais significativa a
partir de 2015, segundo Taubkin. No entanto, não é possível afirmar com certeza que houve
essa diminuição, pois foi realizada uma pesquisa nos principais veículos de imprensa do
estado de São Paulo (Folha de S. Paulo, Estadão e O Globo) com palavras-chave e os
resultados foram um tanto dispersos. Na Folha, foi utilizada as palavras “Núcleo
Contemporâneo” (entre aspas), já que o site do veículo permite a busca avançada. Foram
encontrados 120 resultados, que datam de 1996 a 2017. Já “Benjamim Taubkin” retornou 155
resultados entre 1994 e 2021. Aqui, percebe-se a diminuição a partir de 2013; no entanto, de
1996 a 2002, foram 83 reportagens com as palavras “núcleo contemporâneo” e apenas 37 de
2002 a 2017. Ou seja, a queda começa antes. É interessante observar que, embora a frequência
dos materiais jornalísticos tenha se modificado significativamente, o significado atribuído à
gravadora não se transforma: a ideia do pequeno-empresário-artista realizando o que é
improvável – ou seja, nadando contra a corrente – persiste. Abaixo, podemos observar duas
reportagens da Folha de S. Paulo de 1997 e 2015, respectivamente.
131
19 Figura 19: Música instrumental busca novos ouvidos. 2022. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/6/27/ilustrada/1.html Acesso em 28 mai 2022.
132
20 Figura 20: Selo de vanguarda musical festeja 18 anos. 2015. Acesso em: 28 Mai 2022.
21 Figura 21: Na coluna Antônio Carlos Miguel, publicada em 1/10/2013 e intitulada Ronda dos CDS, o
jornalista ressalta o diálogo entre diferentes culturas presente no álbum Al Qantara. Fonte:
http://g1.globo.com/musica/antonio-carlos-miguel/platb/tag/benjamim-taubkin/ Acesso em 28 Mai 2022.
134
135
22 Figura 22: Longa resenha no Jornal O globo sobre o documentário Música pelos poros e o álbum Música na
Serrinha, publicada 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/musica-na-serrinha-celebra-
harmonia-entre-ritmos-culturas-diferentes-22011588 Acesso em 28 Maio 2022.
Em Joanópolis, interior de São Paulo, não é difícil encontrar quem jure de pés juntos
que já viu o lobisomem passar. O município, próximo a Bragança Paulista, é
conhecido como “a cidade do lobisomem” e a cultura local gira há muitos anos em
torno da lenda folclórica. Em julho de 2015, na mesma região, a cerca de 40 km de
distância dali, um pequeno grupo de músicos de diferentes cantos do mundo
celebrava o mito ao compor, no improviso e em meios a uivos, uma canção em
136
Observa-se, mais uma vez, que o texto deu ênfase aos processos de criação dos
músicos, amiúde calcados na improvisação. O diálogo entre diferentes culturas também
parece ter sido aqui investigado com mais minúcia: após mencionar a dedicatória de Taubkin
à Prazede, há espaço até para a emoção dos espectadores, mas logo a música é descrita com
base no diálogo entre diferentes referências e culturas, de forma específica (“ritmos
brasileiros” e “toque oriental”; “música árabe” e “percussão funkeada”). Em consonância com
essa linha de pensamento, a matéria se encerra com uma fala de Taubkin que relaciona música
e história – relação esta, que mais uma vez, é empregada como mecanismo de justificativa:
precisamos do Outro para ampliar nossa visão de mundo e, ao mesmo tempo, conhecer mais
de nós mesmos.
137
78
Esta reportagem faz parte do acervo pessoal de Taubkin. Optou-se por incluí-la neste ciclo de análises – e não
no anterior – pois ela data da década de 2010, ou seja, tem mais proximidade temporal com estas matérias do que
com as anteriores.
138
23 Figura 23: “Hay que tener mucha fe en la musica”. Fonte: Acervo pessoal, 2022.
Neste trecho, observa-se dois pontos que são imprescindíveis neste trabalho: o
interesse pelo Outro e a valorização do trabalho coletivo. Viu-se anteriormente que, ao
constatar o desconhecimento do Brasil de outras culturas (mesmo tendo proximidade
geográfica e simbólica com algumas delas), os fundadores da gravadora passaram a colocar
essa busca em pauta – que se deu tanto no sentido literal, com viagens e turnês internacionais,
quanto no campo artístico. Na fala do pianista, nota-se que há a preocupação de entender
quem é este Outro em detalhes, mesmo sem estar sob a égide da chancela hegemônica; tal
pensamento remete ao argumento de Nicolau Netto (2013), que define o fenômeno da World
Music como uma valorização da diferença por meio de índices (neste caso, o aspecto
geográfico prevalece) (NICOLAU NETTO, 2013). É natural que este tópico tenha ainda mais
evidência na imprensa estrangeira, pois trata-se de um músico de outro país que tem como
objetivo não só aprofundar-se nas criações artísticas daquela nação, mas também se
estabelecer pontes e diálogos com os artistas locais (é digno de nota que Taubkin estava
visitando a cidade com o objetivo de ministrar um workshop sobre gestão cultural e uma aula
de piano na sede do Instituto Cultural Brasil Venezuela, além de um recital na Corporação
Andina de Fomento e sessão de improvisação no Transnocho Lounge com membros da
Movida Acústica Urbana; os nomes dos locais e grupos também não são coincidência).
O outro ponto que merece ser frisado (e inevitavelmente se relaciona com o anterior)
é a valorização do trabalho coletivo. Viu-se que o pianista critica o mercado, de forma geral,
embora faça parte dele; a intenção de discutir o ofício com músicos independentes de outros
países reforça seu caráter aglutinador. Embora não tenha feito da gravadora uma cooperativa
propriamente dita, a união do discurso de Taubkin com suas práticas faz com que haja um
entendimento do ofício musical e sua comunidade: a ida à Caracas não teve a finalidade
apenas de mostrar um trabalho autoral, mas também de conhecer os artistas e a cultura locais,
além de dividir experiências com novas gerações no intuito de construir espaços para a
formação de músicos independentes.
140
5.1 Surgimento
Voltei a me concentrar na minha vida de música e passei a procurar uma casa nova,
tendo sempre a intenção de fazer um pequeno centro cultural e não só uma casa de
show. (...) A casa passou por diferentes fases, no começo fazíamos uma
programação extensa, chegava a ter vinte concertos por mês, e esse movimento
funcionava nas duas mãos, nós procurávamos os músicos e os músicos também nos
procuravam. Com o passar dos anos, passamos a criar novos projetos, sempre com
essa reflexão sobre a vocação da casa. Hoje em dia, diminuímos o número de
eventos e temos uma média de dez ou doze por mês. O foco são projetos que fazem
mais sentido com nossa proposta (TAUBKIN, 2015).
ambos. A importância dessa iniciativa também reside na ultrapassagem dos shows em relação
aos álbuns na receita do músico independente: com a popularização da banda larga no Brasil e
o advento das plataformas de streaming, tanto os CDs quanto álbuns digitais passam a ser
menos comprados, enquanto o público de apresentações da cena independente aumenta
(GALLETA, 2016)79. Vale ainda destacar que essa também era uma estratégia de
autonomização – o pianista passava a não depender exclusivamente das numerosas casas de
apresentação em São Paulo (ou de instituições como o Sesc) para levar ao público os
trabalhos lançados pelo selo.
O bairro de Pinheiros, onde ficava a Casa do Núcleo, é uma região estratégica para a
cena musical independente. Cirino (2005) observou que os espaços onde ocorriam
apresentações dos artistas relacionados à Música Popular Brasileira Instrumental (MPBI)
eram fortemente concentradas na região Oeste da cidade de São Paulo (49%) e no Centro
(26%) (CIRINO, 2005). Essa concentração persistiu nos anos seguintes: Galetta (2016)
pontua que a cena musical paulistana independente realiza suas apresentações musicais na
cidade em casas cuja localização abrange um raio de 4 km, contemplando bairros como Lapa,
Pompeia, Sumaré, Vila Madalena, Pinheiros, Perdizes e Baixo Augusta 80. Este aspecto
geográfico se deve a vários fatores, como a presença de universitários e produtores culturais
na região. Além disso, tratam-se de locais com poder aquisitivo mais elevado, comparado aos
mais distantes do centro (GALETTA, 2016).
Portanto, o espaço idealizado por Taubkin tinha um sentido individual – ele pertencia
a um projeto que começou com o selo e foi se expandido para outras áreas -, mas também
fazia parte de um contexto de efervescência que ajudou a pavimentar um nicho, um público
interessado em fazer parte da cena independente. Outra declaração de Taubkin reforça a
relevância da presença dos frequentadores:
A ideia é ter concertos à noite, oficinas durante o dia, fazer seminários, encontros.
Também há uma pequena loja de livros e discos e um acervo aberto para consulta.
79
Embora Galetta (2016) reitere que é difícil mensurar com precisão a participação do “mercado independente”
na produção fonográfica brasileira devido a sua informalidade e elevada quantidade de lançamentos, ao
entrevistar músicos da cena independente paulista, o autor recolhe dados qualitativos unânimes: O CD, quando
lançado fisicamente, acaba sendo uma forma de divulgar os trabalhos e dialogar com o público. É necessário que
os artistas-empreendedores sejam atuantes no circuito de shows, estabelecendo parcerias no “mundo off-line”;
assim, a gama de renda desses músicos pode ser ampliada (GALETTA, 2016). Outro dado que pode amparar
este argumento é uma pesquisa realizada pela União Brasileira de Compositores (UBC), cujo relatório foi
publicado em dezembro de 2021. Nela, 54% dos entrevistados responderam que a participação das apresentações
ao vivo em suas rendas era de 50% ou mais antes da pandemia (UBC, 2021).
80
Entre os exemplos de locais que operavam de maneira semelhante à Casa do Núcleo, é possível citar a Casa do
Mancha, Ò do Borogodó, Puxadinho, Studio SP, Casa da Banda, Serralheira, Jazz B etc. Espaços como o Cine
Joia e a Casa de Francisca também atuam no mesmo segmento, mas são empreendimentos que se expandiram
em relação aos primeiros.
143
“A gente quer que as pessoas venham. E a médio prazo que elas venham aqui
durante o dia, tomem um café, se encontrem. Temos muita conversa e discussão
sobre viabilidade, sustentabilidade. A casa ainda não se paga totalmente, é uma
busca pra gente, como fazer isso. Temos várias ideias e caminhos.” A programação
reúne músicos que procuram o espaço e conhecidos de Taubkin. E a média de
público tem sido crescente. “O que era um público há um ano hoje já é fraco. Mas a
gente é muito específico, porque não é balada e não é bar. As pessoas não vêm por
vir, elas vêm em função de quem vai tocar. Isso é um desafio. Você tem que estar
muito ligado na programação que se faz.” (TAUBKIN, 2011).
Os valores de legitimação dos produtos culturais da gravadora – nos quais podem ser
incluídas apresentações da casa – são construídos pela especificidade do público (que não é o
de massa, mas também não é apenas de produtores) e pela crítica especializada (sobretudo a
imprensa, aqui atuando como instituição legitimadora). Não é a quantidade de frequentadores
ou sua improvável expansão desenfreada que determinaria se o projeto era bem-sucedido ou
não.
Ainda refletindo sobre a questão dos nichos de mercado, também é possível evocar a
Teoria da Cauda Longa, cunhada por Anderson (2006). Segundo ele, a cultura de massa não é
mais a única possibilidade para o mercado, que com a popularização da internet se
fragmentou em inúmeros nichos, aumentando a abundância de opções para os consumidores
(ANDERSON, 2006). Portanto, é plausível pensar que esta lógica de segmentação que se
iniciou com o trabalho fonográfico se estende ao que foi realizado pela Casa.
144
24 Figura 24: Taubkin divulga a programação semanal da Casa do Núcleo em 2014. Fonte: perfil do Facebook
de Benjamim Taubkin, 2022.
145
25 Figura 25: Divulgação do acervo, que tinha a intenção de funcionar como uma discoteca gratuita (havia
também a loja com os álbuns do selo para venda, mas o acervo era para uso de todos). Fonte: página do facebook
da Casa do Núcleo, 2022.
26 Figura 26: Exemplo de evento que se propunha a promover debates. Fonte: página do facebook da Casa do
Núcleo, 2022.
146
Na figura 24, observa-se um post escrito por Taubkin com alguns flyers de divulgação
da programação semanal do local. É curioso notar que o pianista menciona sua participação
em outro local – a Casa de Francisca – cujo público-alvo é semelhante ao de seu espaço. Isso
demonstra que a concorrência entre os equipamentos culturais, nesse segmento, admite
cooperação. Um dos fatores que ajudam a explicar essa característica é a ligação estreita entre
músicos atuantes na cena independente da cidade de São Paulo – portanto, uma afinidade que
se inicia no âmbito pessoal e/ou artístico naturalmente fluiria para as apresentações ao vivo.
Outro aspecto que chama atenção é a forma como essa postagem procura não apenas divulgar
os eventos, mas também se comunicar com o público – além da página da Casa no Facebook,
Taubkin também fazia postagens em seu perfil pessoal. Esse diálogo direto com os
espectadores é algo recorrente na cena independente e reforça o caráter de segmentação que
foi se intensificando ao longo dos anos: ao contrário do músico mainstream, ídolo
inalcançável e distante, o músico independente conversa e discute sua própria carreira com
quem ouve a música dele.
Ainda nesse âmbito da relação com o público, chama atenção o recurso então
disponível na Casa e divulgado na figura 25. No espaço, o acervo era composto por CDs
físicos da coleção pessoal de Taubkin e ficavam disponíveis para consulta e escuta no local.
Os álbuns lançados pelo selo também faziam parte desse acervo, mas podiam ser comprados
na loja da Casa. A proposta do acervo não envolvia venda de materiais – nesse sentido, ela se
assemelha a uma discoteca. Isso reforça o caráter de projeto cultural que a gravadora adquiriu:
a intenção de formar um público participante passa pela estratégia de apresentar a música de
outros artistas (mesmo que eles não fizessem parte do selo), contribuindo com a formação de
repertório deste público.
A reflexão sobre carreira persiste e pode ser percebida no evento da figura 26. No
caso, jornalistas musicais radialistas foram convidadas para discutir o assunto; ou seja, a
presença de profissionais não-músicos em eventos da Casa mostra o trânsito entre Taubkin e
os demais atuantes na cena independente. Uma das participantes, Patricia Palumbo, também
está presente no documentário Música pelos poros. Ou seja, fomentar discussões desse teor é
uma das características da gravadora em si, já que Taubkin tinha a intenção de colocar em
pauta sua própria condição como músico independente. Por consequência, a casa reflete esse
anseio – o espectador participava ativamente de sua construção.
Caros
Estamos parando, desta vez por um tempo maior, com o projeto da Casa do Núcleo.
Foi uma experiência linda. Mas que de certa forma acabou absorvendo uma parte
substancial da nossa energia. Como instrumentista, comecei a sentir a falta do tempo
necessário para o contato mais constante com o piano e como compositor- do tempo
e do silêncio que são necessários - para dar espaço às novas idéias (e liberar as
antigas) .
Por outro lado, a equipe passou a pedir novos desafios e horizontes.
Foi em todo este tempo um projeto do coração. A cada noite se formava uma turma ,
que de alguma forma se conectava. Músicos e público, sempre ficaram um bom
tempo após cada apresentação proseando..
Realizamos nestes 5 anos em torno de 1000 apresentações, oficinas , festas ,
seminários , audições , projetos especiais, encontros. Coisas lindas ali nasceram e
aconteceram.
Creio (de verdade) que tecnicamente o projeto se mostrou viável. Trabalhamos sem
patrocínio. Pequenos. E a Casa se manteve. É um desafio gigante . Mas não vivemos
tempos fáceis.
Qualquer bom desafio neste momento é grande.
Em todos estes anos nenhum conflito - apenas boas ( ótimas ) vibrações . A cultura é
uma mãe generosa, se a tratamos como tal .
Agradeço imensamente a todos os parceiros, amigos , artistas - sempre cúmplices ,
profissionais das várias áreas , as equipes do Núcleo de todas as fases e épocas , ao
publico - uma tribo de afeto que se formou e que também gerou os Amigos da Casa
E especialmente ao Gustavo Martins- que foi o grande parceiro desta jornada.
Sigo fazendo música e pensando infinitos projetos. A cabeça não para..
Tenho com intensidade, o coração agradecido por esta experiência
Em breve deveremos voltar- em outro desenho, outra configuração , mas com o
mesmo espírito
Obrigado a todos!!
Até já (TAUBKIN, 2016).
Apesar de mencionar que a Casa apenas suspenderia suas atividades e poderia voltar
a funcionar no futuro, o retorno não aconteceu e é pouco provável que ocorra. É necessário
chamar atenção para a explicação de Taubkin: segundo ele, o trabalho com a administração do
espaço tinha demandas incompatíveis com as necessidades de um pianista. Durante esta
dissertação, foi argumentado que uma das características dos fundadores da gravadora Núcleo
Contemporâneo era a conciliação entre administração e criação artística. Embora este seja um
aspecto do contexto histórico (na segunda metade dos anos 1990, a cena independente
musical brasileira começa a se responsabilizar pela gestão de sua própria carreira), muitos
selos fundados no período não prosseguiram com suas atividades nos anos seguintes. Esta
atribuição de auto-gestor continuou nas décadas de 2000 e 2010, mas relacionada aos artistas
independentes que não estavam necessariamente ligados a nenhuma gravadora (seja major ou
indie).
148
O fim da Casa do Núcleo aponta para um dilema que ainda ronda o projeto do
Núcleo Contemporâneo: sua ambição de atuação em diversos setores esbarra em limitações de
caráter micro e macro, embora não tenha inviabilizado completamente o projeto. Por
exemplo, mesmo que a coletividade tenha sido uma marca da gravadora, alguns de seus
participantes foram deixando o projeto: Teco Cardoso, Mané Silveira, Toninho Ferragutti
(músicos presentes no início da Núcleo) e Gustavo Martins (produtor que trabalhou com
Taubkin de 2010 a 2020). A tendência, no decorrer dos anos, foi da concentração do negócio
nas mãos do pianista, embora a colaboração artística não tenha sido deixada de lado. Além
disso, a crise econômica e política atravessada pelo país em 2016 pode ter influenciado as
decisões de Taubkin e dos demais envolvidos a encerrar as atividades, já que o local
possivelmente demandaria um alto custo para sua manutenção (aluguel, água, luz, pagamento
de cachês etc)81.
A escolha por não trabalhar com patrocínios também é algo digno de nota (esse
assunto será retomado já no próximo capítulo); é possível supor que os custos para lançar
produtos fonográficos sejam mais manejáveis do que os gastos com uma casa de
apresentações (já que a gravadora continuou e o espaço, não). Nesse sentido, mais uma vez
chama atenção o diálogo direto com o público: a postagem em si já tem esse teor; a reiteração
da participação dos frequentadores da casa e a própria reflexão sobre a experiência da casa
também podem ser entendidos dessa maneira. Ao enfatizar que o projeto “se mostrou
tecnicamente viável”, Taubkin demonstra sua intenção de não só criar e repensar estratégias
para a carreira na música independente, mas também de dividi-la e debatê com seus pares – as
redes sociais são uma ferramenta significativa para isso. Outro ponto que merece ser frisado é
a menção aos fenômenos extra-musicais: ao denominar o então período como “tempos
difíceis”, o pianista sugere que a crise econômica-social do país influenciou em sua decisão. É
curioso notar que, em seus debates sobre carreira na música independente, Taubkin sempre
levanta temas relacionados a questões sociais, economia e política. Tais temáticas não são
discutidas no sentido de militância ou engajamento; a presença delas nos debates mostra que,
na opinião do pianista, o músico independente dificilmente terá dimensão de seu lugar no
mercado se focar apenas na criação artística em si. Nesse âmbito, um tópico sensível nas
discussões promovidas por Taubkin é a utilização de patrocínios públicos e privados na
81
Esta dissertação não obteve dados quantitativos que digam respeito ao lucro gerado pela gravadora ou pela
casa. Embora essa ausência gere limitações na pesquisa – não é possível afirmar categoricamente que um mês foi
mais lucrativo do que o outro, ou que um segmento tenha se destacado em determinado período – entende-se que
não seja viável expor dados financeiros de pessoas físicas ou jurídicas, dado o nível de confidencialidade deles.
As hipóteses e conclusões da pesquisa os aspectos administrativos (seja do selo ou da casa) se baseiam em dados
públicos disponíveis na internet (sites, entrevistas, fichas técnicas) e dados coletados por meio de entrevistas.
149
música independente brasileira. O capítulo a seguir é dedicado a este tema e acredita-se que a
posição da gravadora sobre ele pode ser peça-chave na compreensão da essencial
administrativa adotada por Taubkin.
82
Deve-se lembrar que o Projeto Memória Brasileira e os filmes O piano que conversa e Música pelos poros
receberam patrocínio. O primeiro, do extinto Banespa, Petrobras e SESC; o segundo, do Canal Curta, DOT,
Imput, A Loja de Pianos e Busca Vida; o terceiro, por Canal Curta! e Zuim Podcast. Embora tenham o selo do
Núcleo e sigam a mesma linha artística do outros produtos culturais, de fato são casos excepcionais. O Projeto
Memória Brasileira começou antes da fundação da gravadora em si, e desde esse começo estava operando com
apoio. Os filmes foram co-produzidos pelo Núcleo, mas a empresa principal era a produtora do diretor Marcelo
Machado. Portanto, em termos administrativos, esses exemplos são diferentes das produções fonográficas.
150
Eu acho que o patrocínio foi saudado como uma solução, como uma maravilha,
quando eu não acho que ele é. Entendeu? Então, quando você recebe uma... Eu acho
que é quase um Titanic desses, entendeu? Sem pensar nas consequências, eu acho
que muita coisa é construída, mas muita coisa é destruída. (...) antes do patrocínio,
os preços do mercado cultural eram baseados no próprio mercado da cultura. Com o
patrocínio, todos esses valores passaram a mirar o patrocinador. Então, hoje em dia,
para você alugar um som, (...) para você ocupar um teatro, para você anunciar todos
esses parceiros dessa cadeia, colocam o preço imaginando num projeto patrocinado.
Ou seja, a cultura não está conseguindo viver da própria cultura. Eu acho isso um
grande perigo, porque você fica refém. Então, essa eu acho uma primeira grande
questão. A segunda é que eu acho que você tem que ter uma política cultural
embutida. Então, hoje em dia, se patrocina um disco, se patrocina um show. Eu acho
que o patrocínio deveria passar por um processo de benefício para todos, e não por
um projeto específico. (...) hoje em dia você grava um disco, o disco é patrocinado,
você paga os músicos, paga o estúdio, se paga, paga a fabricação e sai o disco. Para
onde vai esse disco? Muitas vezes ele fica parado te olhando. Eu acho que deveria se
buscar, na verdade, o patrocínio deveria ser, na verdade, para as redes e distribuição.
151
Eu acho que deveria haver financiamento à cultura, com juros baixos. Eu acho que
você tem que estimular autonomia e não dependência. O problema de patrocínio é
que ele acaba gerando dependência. Depois, assim, você não tem, digamos, uma
música experimental, ou uma arte experimental com patrocínio, se diz que investe
sim em cultura, mas o patrocinador tem as suas escolhas. Efemérides, 100 anos de
Ary Barroso... Todo mundo vai fazer um Ary Barroso, sabe? Isso também é uma
distorção. Isso também é uma distorção. Tipo, esses projetos muito experimentais
dificilmente conseguem patrocínio. Então, às vezes, eu acho que o patrocínio é um
cala boca, entendeu? Tipo, aí, toma aí, vai viver sua vidinha e não vamos discutir
cultura realmente, seriamente. Então, eu acho que assim, tem várias questões, várias
questões. Eu acho que se você for olhar sério e pensar e se preocupar sério com a
cultura do país e da população, tinha que ser... Muita coisa tinha que ser discutida.
Agora, eu acho que a coisa, pra mim, fundamental é que qualquer área da sociedade
busca e acho que é legítima autonomia. Entendeu? Quer dizer, se o cara que tem a
padaria aqui na frente não conseguir mais viver da venda do pão dele, precisar do
patrocínio de cerveja, de leite, da empresa, acho que ele está vivendo uma situação
difícil. Eu não acho que essa é uma situação boa pra arte. Acho que a arte deveria
viver, sim, do ingresso direto do contato com a população e artes mais difíceis,
muito experimentais, aí sim você vai pensar, mas você colocar toda a arte do país
hoje, como necessitando de recursos de patrocínio ou de editais, ou seja, o que for,
eu acho uma situação complicada. Que eu acho que poderia ter outros caminhos,
sim, como financiamento a custo baixo, a difusão aberta, quer dizer, não ter jabá,
acesso à população, acho que políticas de construção de espaços, então assim, você
pode gerar muito mais, eu acho. Eu não acho promissor eu ficar pensando se eu vou
mandar meu projeto pra empresa X ou Y, pra ver se eu tenho chance de fazer
alguma coisa na minha vida. E eu acho que a cultura deveria, ela tem que ser
independente. A cultura tem que ser crítica, não obrigatoriamente, mas tem que
poder ser crítica. Ela em geral, ela é a reflexão da sociedade, ela aponta o futuro,
agradável ou desagradável, dependendo do comportamento dessa sociedade, ela tem
que poder ser a voz crítica. Se ela o tempo todo tá precisando do recurso, dos
grandes agentes que constroem essa sociedade, bem ou mal, ela fica mais dócil. E as
discussões também ficam mais dóceis (TAUBKIN, 2012).
limitação de recursos (basta lembrar que a própria Casa teve pouco tempo de funcionamento,
por exemplo, e houve períodos de dívidas), mas também fomentou algumas possibilidades de
se fazer música independente no país de forma mais autônoma. A participação estatal,
conforme mencionamos acima, não é completamente negada nesta perspectiva; para o
pianista, ela deveria aparecer de outra maneira. Em entrevista concedida a esta pesquisa,
Taubkin retoma o assunto. Mencionei alguns tópicos levantados no vídeo Patrocínio não é a
solução para obter mais informações sobre o que o músico compreende como alternativa à lei
de incentivo fiscal. Há, então, uma analogia inusitada com plantação de tomates:
Eu desenvolvi uma imagem pra isso: a questão da plantação de tomate. Eu tenho
uma chácara, planto tomate, e você tem a sua. Pequenas plantações, como
agricultura familiar. Qual é o papel do governo? Em geral, para as duas agriculturas,
mas mais para a familiar? Apoiar essa plantação com crédito para todos. Isso
significa que eu vou ter um financiamento com juro baixo, ou sem juros. Eu vou ter
que devolver o dinheiro, mas de um jeito razoável, humano. Insumos, coisas que eu
precise para a plantação, espero comprar com algum benefício, algum tipo de
estímulo. Depois, cabe ao governo fazer as estradas para escoar essa produção, para
que essa produção chegue até a cidade, onde seja necessário. Ou seja, ele atua para o
benefício geral. Se acontece um desastre natural (seca, chuva de granizo), o governo
olha para as necessidades de cada lugar e vê um jeito de apoiar, seja adiando
pagamentos ou dando recursos. Na cultura, o que seria esse apoio? Aquisição de
instrumentos, equipamento para estúdios, uma lei estratégica que vai beneficiar a
todos por igual, e cada compra aquilo que quer. O que é a estrada na música? São os
meios de comunicação, rádios, TVs. Caberia ao governo zelar pela diversidade na
execução pública. Ou seja, a proibição ao jabá. (...) O público não vai ter acesso à
essa programação se não toca na TV, na rádio... no caso do tomate, o produtor vai
ter que jogar a produção fora, porque não vai chegar. O que é apoio das leis? O
governo abre um edital pra ver quem tem os melhores tomares, compra a produção,
e o restante joga fora. Não cumpre a função de alimentar, nem de indústria. Mas tem
a estrada: hoje, você vai em qualquer supermercado em São Paulo mercado e
encontra o setor orgânico. É um pouco do que é nossa música (TAUBKIN, 2020).
Entretanto, apesar destes esses três eixos terem norteado as ações da Núcleo
Contemporâneo, criando um cenário alternativo às leis de incentivo, é viável afirmar que as
estratégias de atuação foram se modificando ao longo dos anos. A popularização da Internet
de banda larga e o aumento do uso de mídias sociais impactaram o funcionamento da cena
independente como um todo; diante das rápidas modificações, como a gravadora lidou com a
nova conjuntura? Esses eixos foram mantidos ou sofreram alterações? Essas perguntas
tentarão ser respondidas na parte III, a última deste trabalho. Será feito um balanço da atuação
da gravadora, algumas análises comparativas com seus anos iniciais e, por fim, considerações
sobre seu futuro.
independente não têm as mesmas condições para financiar um álbum e divulgá-lo de forma
massiva na internet, como fazem aqueles contratados pelas majors e referendados pelo
mainstream. Porém, é possível que os músicos de “nicho” tenham maior possibilidade de se
comunicar com o público de maneira mais próxima (GALLETTA, 2016). Este assunto será
retomado mais adiante.
No Brasil, as mudanças na configuração da indústria musical – que começa a se
descolar um pouco mais da fonográfica em si – estão relacionadas com a progressão da
velocidade e acesso à internet no país. Considerando esse ponto de partida, é possível dividir a
trajetória da cena musical independente brasileira em quatro fases: 1ª fase (1995-1998), 2ª
fase (1998-2006), 3ª fase (2005-2009) e 4ª fase (2009-2015) (GALLETTA, 2016). Em cada
um desses períodos há particularidades que merecem destaque, pois refletem as rápidas
mudanças que a indústria musical sofreu nos últimos anos. Será analisado como o objeto de
pesquisa se inseriu neste contexto.
A internet chega ao Brasil em 1995, e os primeiros softwares gratuitos de e-mail
passam a existir a partir de 1998. O termo weblog surge um ano antes e, a partir de 1999, o
“blog” se populariza. Ainda que de forma rudimentar nesta primeira fase, é possível verificar
que essas plataformas facilitaram a comunicação entre músicos, assessores e produtores. As
apresentações musicais começam a ser negociadas com mais facilidade, assim como os
músicos passam a se comunicar mais frequentemente entre eles (GALLETTA, 2016). No
entanto, conforme mencionado na parte anterior deste trabalho, no Brasil ainda predominava a
venda de CDs físicos, mas esse cenário começa a ser revertido posteriormente.
A chegada dos softwares peer-to-peer83 (em 1998 na América do Norte e Europa e
nos primeiros anos da década de 2000 no Brasil) é um marco para a indústria musical, pois
passa a fornecer uma nova maneira de compartilhamento aos usuários: os indivíduos passam a
dividir arquivos que não estão necessariamente vinculados a um álbum inteiro – algo que
também se diferencia do formato do CD em si. De início, a indústria fonográfica elaborou um
movimento contrário, que visava barrar e penalizar os criadores e usuários destas plataformas.
(GALLETTA, 2016)
No entanto, para a cena independente brasileira, esses mecanismos não tiveram um
impacto tão imediato – no princípio, não era tão simples encontrar músicas da cena
independente brasileira nos softwares peer-to-peer. Em vez disso, é possível afirmar que este
83
O formato peer-to-peer (par-a-par, em inglês) permite que os usuários troquem arquivos graças a uma rede
descentralizada – qualquer indivíduo pode ser cliente e servidor ao mesmo tempo. Os principais softwares – que
inclusive se destacam no compartilhamento de arquivos musicais – são SoulSeek, Emule, LimeWire, Napster
etc. (TECMUNDO, 2008).
156
novo recurso foi responsável pelo fomento de um “novo momento da música brasileira” em
que tanto o público quanto os agentes dessa cena têm mais acesso aos conteúdos musicais do
que as gerações passadas – inclusive álbuns lançados em períodos bem anteriores. E não se
trata apenas do acesso, mas também de uma apropriação significativa – começam a surgir
blogs, fóruns e sites na internet para debater sobre música (na década seguinte, esse espaço
seria majoritariamente ocupado pelas redes sociais). Começam a ser gestadas comunidades
musicais com auxílio da internet (GALLETTA, 2016).
Nesta segunda fase (1998-2006), é importante destacar que o número de pessoas com
acesso à internet no Brasil ainda era limitado, bem como a velocidade de conexão e a
capacidade de processamento dos computadores. Então, a movimentação on-line ainda estava
em seu início – mesmo que parte do público interessado 84 participante das novas comunidades
musicais já tivesse acesso à internet. Além disso, deve-se lembrar que a internet atuava como
um mecanismo facilitador de comunicação entre estes agentes – e também de divulgação para
o público – mas o trabalho offline era igualmente relevante (e mesmo nos períodos posteriores
continuou sendo), já que ele dizia respeito a construção de público por meio de apresentações
musicais e eventos, um importante meio de geração de renda para músicos quando a venda
dos formatos físicos começa a declinar (GALLETTA, 2016).
Nos primeiros anos da década de 2000, a Núcleo Contemporâneo viveu um período
de inflexão (na esteira da influência do projeto Rumos, conforme relatado anteriormente)
onde muitos projetos foram lançados: Moderna Tradição (2004), Cantos do Nosso Chão
(2006), Danças, Jogos e Canções (2002), Um Outro Centro (2006), além de álbuns de outros
artistas como Sabopemba (Agô: Cantos Sagrados do Brasil e Cuba, 2003), Mário Sève e
David Ganc (Pixinguinha + Benedito, 2005 e Casa de Todo Mundo, 2006), Trio Bonsai
(Desdobraduras, 2001), Naná Vasconcelos (Fragmentos, 2001), Mozart Terra (Cadernos de
Composição, 2002), Teco Cardoso e Ulisses Rocha (Caminhos Cruzados, 2001, sendo este
um relançamento da gravadora Velas) e Um Sopro de Brasil (2005, sendo este um
desdobramento do Projeto Memória Brasileira). Além disso, cabe ressaltar que Taubkin
realizou muitas apresentações musicais no período – no Brasil e no exterior.
Apesar do início da crise nas vendas de CDs e de ter notado que as lojas
especializadas estavam diminuindo, Taubkin prosseguiu com a venda dos materiais físicos. A
84
Galetta (2016) estabelece duas categorias para explicar o público de música brasileira: o “interessado” e o
“passivo”. O primeiro seria engajado na cena independente, faria pesquisas discográficas e atuaria em prol do
segmento tanto na Internet quanto nos circuitos presenciais. Já o segundo seria mais dependente dos circuitos de
difusão mainstrean, como TV e rádio. Mesmo que também possam participar na Internet, não se trata do mesmo
nível de expressividade. (GALLETA, 2016)
157
combinação entre shows e a venda de álbuns físicos garantia renda ao pianista e à assistente
Márcia, que com ele trabalhava no período. Embora o pianista reconheça a mudança de
formatos, para ele, não é possível afirmar categoricamente que o disco “acabou”:
Eu sou a favor de todas, mas acho que as outras coisas devem ser mantidas. Nunca
acreditei no discurso de que irá substituir. Essa conversa já rolou várias vezes, e
acho que ela é ingênua. A imprensa há anos diz que o disco morreu, mas isso é uma
perversidade, porque não morreu, mas você estimula a pessoa a não comprar. Agora
a imprensa não fala que o jornal morreu. (...) Pra que você vai comprar um jornal, se
pode ter acesso na internet a 100? Por que você vai comprar um jornal que a notícia
é de ontem, se você abre a internet e vê a notícia de agora? De infinitas fontes, com
imagem… Tem que pensar no DJ, no rapper… CD vende menos, mas vende. E se
você não tivesse toda essa campanha contra, estaria vendendo mais (TAUBKIN,
2012)85.
É viável supor que o músico não tivesse esta visão fatalista sobre a venda de discos
físicos porque o público (possivelmente mais velho comparado com outros nichos) 86 da
gravadora ainda não estava habituado com estas novas tecnologias – a menos no que diz
respeito ao consumo de música, já que as plataformas peer-to-peer chegaram posteriormente
ao Brasil, além de não terem sido o principal mecanismo para localizar músicas da “cena
independente” (ao menos não em princípio). Ainda assim, deve-se relativizar a afirmação de
havia uma “campanha contra” a venda de CDs; a imprensa tradicional costuma a cobrir essa
temática de uma maneira mais abrangente e, de fato, não há como negar o declínio da
demanda por esses produtos após o pico de vendas no ano 2000. Nesse período, a queda é
causada mais pela pirataria do que pelo advento de novas tecnologias. Argumentou-se na
parte I deste trabalho que a diminuição começa ainda no final da década de 1990; uma
recuperação é ensaiada na virada do milênio, mas não se sustenta: no primeiro ano do século,
as vendas totais somaram R$891 milhões (entre CDs, DVDs e VHS); em 2006, eram 454.2
milhões (ABPD, 2006).
Além disso, a fala de Taubkin remete à combinação entre ações on-line e offline que
Galletta (2016) chama atenção como sendo o cerne do modus operandi dos músicos
independentes brasileiros: a articulação dos agentes da música independente se deu
considerando estes dois universos. Portanto, não se trata de contrapor um campo de atuação a
85
Entrevista de Benjamim Taubkin para o site Cultura e Mercado (2012). Disponível em:
https://culturaemercado.com.br/no-nucleo-da-questao-cultural-com-benjamim-taubkin/amp/ Acesso em 13 out.
2021.
86
Há outros exemplos: O Selo Sesc não deixa de produzir seus lançamentos em CD, mesmo que com tiragem
reduzida.
158
27 Figura 27: Gráfico que mostra a participação de cada segmento na receita do mercado fonográfico, em
bilhões de dólares. Fonte: Relatório International Federation of the Phonographic Industry, 2022.
Taubkin é um dos músicos que endossa essa crítica - a questionável remuneração aos
artistas de menor alcance por parte destas empresas. Em mais um momento de diálogo com o
público por meio das redes sociais, este assunto emerge devido à “retrospectiva 2021” do
Spotify:
28 Figura 28: Postagem de Taubkin em seu perfil criticando o modus operandi das plataformas de streaming em
relação aos artistas e produtores. Fonte: Página do Facebook de Benjamim Taubkin, 2022.
própria classe artística, utilizando o termo “uberização 87” para se referir a este novo modelo
de trabalho. Nesse sentido, a autonomização do artista independente é posta em xeque:
mesmo com a infinidade de músicas disponíveis e a predisposição dos usuários para se
conectar aquele catálogo, os artistas “trabalham para as plataformas”, e não propriamente para
seus ouvintes.
A nova configuração da indústria fez com que a Núcleo Contemporâneo não distribuísse
mais seus álbuns por conta própria. Ocorrida em 2017, essa mudança tem um sentido
simbólico significativo, já que esta era uma das marcas da gravadora. Quando questionado
sobre o assunto, Taubkin relata que este método fazia sentido no período de surgimento da
gravadora, pois as vendas físicas ainda davam retorno financeiro e as distribuidoras de
majors, segundo ele, não eram capazes de cumprir essa etapa com destreza. Ele argumenta
que empresas de grande porte destinavam esses materiais a lojas de conveniência e
supermercados em capitais e metrópoles; não haveria a possibilidade dos álbuns chegarem a
cidades do interior. Além disso, os próprios artistas teriam pouco acesso aos CDs, o que
limitaria as vendas em shows88. Portanto, além de um conflito de interesses, essa modalidade
de distribuição tiraria o controle da pequena gravadora.
Outro tópico da década relativo à gravadora foi lançamento do livro Viver de música:
diálogos com artistas brasileiros, lançado em 2011 (logo, antes da explosão do streaming no
Brasil). A obra reúne entrevistas com 18 músicos independentes atuantes no país: Braz da
Viola, Beto Villares, Guitinho, Jamil Maluf, Artur Andrés, Paulo Freire, Vitor Ramil, Dimos
Goudaroulis, Ná Ozzetti, Marcos Suzano, Siba, Mauro Rodrigues, Adriana Holtz, Ari
Colares, Guilherme Ribeiro, Simone Sou, Fábio Torres e Egberto Gismonti. Tais entrevistas
se debruçam sobre a vida familiar desses artistas e os caminhos que os levaram até a
profissão; como foi a reação do círculo social dessas pessoas diante da escolha, se elas
chegaram a frequentar a universidade (para estudar música ou não), como é a rotina de cada
um, como eles administram suas rendas etc. Trata-se de uma obra que sintetiza todas as
87
O termo “uberização” faz referência ao aplicativo de corridas Uber. Ele designa um novo modelo de trabalho,
onde o acesso vale mais do que o acúmulo: “Assim, é possível ter uma multidão de trabalhadores informais
gerenciados e controlados por alguns meios técnicos. O gerenciamento algorítmico, próprio dos apps que a gente
conhece e usa diariamente, consegue processar uma enormidade de variáveis e controlar a forma como o
trabalho é distribuído e precificado. Nessa dinâmica, se consolida a figura do trabalhador sob demanda, sem
vínculos empregatícios” (DIAS, 2020).
88
Dias (2008) reitera essa percepção da distribuição de majors. À autora, o compositor Mário Manga, do grupo
Premeditando o Breque, relata uma situação muito semelhante ao que Taubkin aponta: “Foi uma experiência
muito boa e gostamos muito de trabalhar com o Pena [Schmidt, produtor que fundou o selo Tinitus em parceria
com a PolyGram]. O problema apareceu depois, na hora de vender o CD. No show de lançamento, não tínhamos
o CD para vender. O contrato com a PolyGram é uma faca de dois gumes, porque eles prensam e distribuem, só
que na hora que eles querem e quanto eles querem” (MANGA, apud DIAS, 2008, p. 151).
163
questões caras ao Núcleo – deve-se lembrar que o pianista não procurava discutir apenas
aspectos estritamente artísticos, mas também conduzia debates sobre os mecanismos do ofício
de músico independente. Na introdução, ele deixa explícita sua intenção de se comunicar com
o público, desta vez usando outros mecanismos:
A publicação deste livro indica duas características que fazem parte da referida década:
o aprofundamento da discussão sobre viabilização de carreira, que além de estar presente em
mídias sociais, palestras, workshops e eventos afins, agora se faz em registro físico; a
multiplicidade de linguagens: deve-se lembrar que o pianista já fez participações em trilhas
sonoras de filmes, espetáculos de dança, poesia etc. A literatura de não-ficção, sobretudo com
um conteúdo próprio da área, também é um segmento a ser explorado pela gravadora. Não se
trata de um trabalho estritamente jornalístico, pois não há dados externos, reflexões teóricas
ou checagem rigorosa; o livro se caracteriza por seu caráter informal, como uma espécie de
documento cujo assunto é o diálogo entre artistas sobre suas carreiras. Além disso, destaca-se
a ausência de análises estéticas sobre as obras dos entrevistados; o foco das perguntas está em
saber não só como essas obras foram executadas, mas como se deu a trajetória de cada um.
Por fim, esta é uma forma de se comunicar com as gerações mais novas e dizer: existe a
possibilidade de seguir a carreira com que você deseja, e iremos te apresentar alguns
caminhos para isso.
Portanto, o aspecto “multitarefa” que Taubkin e a Núcleo Contemporâneo carregam –
deve-se lembrar que o pianista começou a carreira dele como produtor, passando a estudar
música profissionalmente apenas aos 18 anos – era, inicialmente, uma vantagem que concedia
mais autonomia ao projeto: nos anos 1990, os artistas independentes ainda estavam no
princípio dessa característica “aglutinadora” de funções; não se sabia exatamente como
conduzir esses processos administrativos (criar um gravadora, produzir e distribuir os
produtos, cuidar da contabilidade etc.) e, ao mesmo tempo, ser responsável pela parte
artística. Como a dualidade gestão/criação foi impactada ao longo dos últimos 10 anos, onde
164
89
São exemplos os álbuns Alfabeto (Benjamim Taubkin e Adriano Adewale, 2020), Encontro (Benjamim
Taubkin e Ivan Vilela, 2019), O pequeno milagre de cada dia (Benjamim Taubkin, João Taubkin, Itamar Doari,
2017) e Sobrevoo (Benjamim Taubkin e Rodrigo Bragança, 2020).
165
muitos: não só aos artistas em si, mas também aos que trabalhavam na parte técnica, como
som, iluminação, produção, montagem etc. Pensando nesta situação, Taubkin faz uma
postagem no Facebook que rapidamente viraliza em sua rede de contatos e é criado o fundo.
Para receber o auxílio, era necessário ser maior de 18 anos, residir no estado de São Paulo e
atuar profissionalmente no setor musical independente. As inscrições eram realizadas pelo
próprio site. Em junho de 2020, foram 82 aprovados, que receberam R$ 450 em três parcelas
de R$ 150. O fundo tinha um site oficial (atualmente, fora do ar) e perfis no Twitter e
Instagram (sem atualização desde junho de 2020). Tudo indica que a ação teve um caráter
emergencial, foi concebida com tempo estipulado de duração e não está mais em
funcionamento.
Essas iniciativas sugerem que a atuação da Núcleo transcende o campo fonográfico,
aproximando-se de um caráter de projeto cultural que leva um conta o interesse público. As
entrevistas com os músicos latino-americanos carregam um aspecto já mencionado: o
interesse pelo “Outro” persiste mesmo com a impossibilidade de viagem; a discussão sobre
carreira, num momento atribulado para quem trabalhava com cultura, parece ser ainda mais
necessária do que outrora.
A avaliação dessa década passa pela compreensão de como a cena independente foi
se moldando. As rápidas mudanças tecnológicas consolidaram os serviços de streaming e
intensificaram a presença das mídias sociais na comunicação entre artistas e com o público
em si (GALLETTA, 2016). Ainda que tenha críticas não apenas à forma como essas
plataformas remuneram artistas, mas também à essência do serviço como um todo, os
produtos da gravadora não estão fora delas: a posição questionadora mostra que estar presente
no streaming é necessário, mas não suficiente. Manter o projeto demandou a diminuição de
estrutura (o escritório na Vila Madalena foi fechado pouco depois do advento da pandemia),
manutenção do princípio (persistir com o interesse pelo “Outro”, fomentando discussões
sobre carreira e buscando autonomização) e incentivo à formação de um público com
participação ativa e engajada. Diante deste cenário, cabe questionar quais são os próximos
planos da gravadora e como ela se encaixaria em possíveis novos contextos e demandas.
outros artistas nos produtos culturais, ou mesmo nas iniciativas multifacetadas, como a
criação do fundo emergencial. O que se notou no decorrer de década foi a necessidade de
reduzir custos com estrutura – o fechamento da Casa do Núcleo e a terceirização da
distribuição são exemplos desse aspecto.
Em entrevistas feitas para essa pesquisa, Taubkin relatou a intenção de criar, em
parceria com outros músicos da América Latina, uma plataforma destinada apenas à cena
independente da região, com remuneração mais transparente – algo semelhante ao que o
MUBI90 é para o cinema. O projeto ainda está em desenvolvimento e não foi executado, mas
seu planejamento demonstra a tentativa de articulação de uma cena cuja presença digital é
perceptível, mas que procura se desvincular da dependência de grandes empresas –
fortalecendo, assim, sua autonomia.
Considerando a tendência das últimas décadas e o teor das últimas reportagens sobre o
Núcleo, é viável supor que a figura de Taubkin pode se sobressair em relação à gravadora. Se
antes (em meados dos anos 1990) as reportagens focavam em explorar o novo
empreendimento de artistas da música instrumental, hoje o âmago está na essência da
personalidade do pianista, com destaque para o diálogo entre diferentes culturas e a condução
de debates sobre carreira na cena independente.
Entretanto, a transferência de destaque da gravadora para Taubkin não significa,
necessariamente, uma abordagem individualista. Deve-se lembrar a diminuição de estrutura
tem motivações socioeconômicas, mas a essência do trabalho coletivo permanece – tanto na
concepção artística (os filmes O piano que conversa e Música pelos poros são um exemplo
disso) quanto nas ações de incentivo à carreira (como a criação do fundo emergencial e as
palestras sobre trajetória profissional na área).
Há uma constatação digna de nota de Galletta (2016) sobre pequenos selos: os artistas
que ele define como pertencentes à “cena musical paulistana independente” da década de
2010 estão cada vez menos associados a uma gravadora, seja ela indie ou major
(GALLETTA, 2016). Mesmo quando lançam algum produto – seja álbum, single ou edições
em vinil – por esses selos, não costuma haver um vínculo significativo o suficiente para um
trabalho de continuidade. O músico, portanto, pode produzir seu material dependendo apenas
de um aluguel de estúdio, distribuidora especializada com atuação nas plataformas de
streaming e prensagem (se houver a intenção de fabricar em formato físico).
90
O MUBI é uma plataforma de streaming destinado a filmes sem grande apelo comercial, podendo abarcar
obras tanto de cineastas consagrados quanto emergentes. Para ter acesso ao conteúdo, é necessário ter uma
assinatura.
168
O questionamento diante desse cenário pode ser sintetizado da seguinte forma: qual
(ainda) é a função de um selo? No caso do Núcleo, é possível pensar em possíveis respostas
quando retoma-se ao posicionamento crítico do pianista em relação às leis de incentivo:
segundo ele, ela falha porque premia alguns em detrimento de outros, sem que haja uma
transparência sobre esses critérios. Portanto, para se sustentar, a cena independente deveria
assumir a força da coletividade, e não privilegiar a competição individual. A forma como o
pianista encontrou de manter este exercício de união foi através do selo – no Núcleo, os
artistas poderiam mais do que distribuir e/ou divulgar seus álbuns, mas sim trocar
experiências e fazer parte de uma espécie de “rede de apoio”91.
Isso não significa eximir a presença do contraditório. Conforme relatamos
anteriormente, Taubkin menciona como uma das razões para a desativação da Casa do Núcleo
a dificuldade de conciliar tarefas administrativas com seu ofício de músico. A previsão para as
próximas décadas é que esses dois polos estejam cada vez mais intrinsecamente unidos: a
categoria artista-empreendedor e auto-gestor dificilmente sairá de cena para quem busca
espaço na cena independente. Para a gravadora, é provável que o direcionamento futuro oscile
de foco (como um movimento pendular ditado pelo contexto e pelos interesses pessoais de
seus agentes), mas ainda tentando equilibrar os dois aspectos.
Em tempo, é possível supor que, neste momento, fincar um espaço na indústria
fonográfica não seja o principal objetivo da gravadora (mesmo que no segmento
independente). A cena musical como um todo desperta interesse e, em maior escala, a
compreensão de quais são as condições dos trabalhadores de cultura no país. Presume-se que
a Núcleo continuará presente nas discussões sobre carreira, ofício, criação, gestão na cena
musical independente, mesmo que lance álbuns físicos ocasionalmente.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
que despertou interesse, pôde mostrar um pouco de sua cultura através da música; Taubkin,
engajado no fomento à discussão sobre a cena independente e carreira, impactou
contemporâneos e gerações mais novas com suas propostas para a música a para a cultura
brasileiras.
No entanto, alguns empecilhos na trajetória do empreendimento dissolveram algumas
de suas características: as saídas de Silveira e Cardoso, ainda no começo dos anos 2000, fez
com que o caráter coletivo da gravadora perdesse força; no entanto, ele não foi
completamente extinto, pois o pianista continuou trabalhando com outras pessoas tanto no
âmbito administrativo (deles, o que se destaca é Gustavo Martins, produtor que permaneceu
no projeto por dez anos) quanto no artístico (os diversos produtos culturais mencionados
nesse trabalho têm a presença de músicos de todo o mundo).
Trata-se de um caminho tortuoso e irregular, mas não improvável ou arbitrário. As
dificuldades financeiras e de ordem estrutural foram responsáveis por algumas mudanças
estratégicas, mas não houve uma completa desistência ou uma transformação muito radical de
posicionamento. Esse é o cerne dessa pesquisa: procurou-se demonstrar as razões que levaram
a permanência do projeto com a manutenção de suas ideias. Deve-se frisar que esse trabalho
não pretende ser um “manual” de como atuar cena independente musical; nem mesmo o
Núcleo procurou sê-lo. O que se tentou explanar, a partir de uma experiência específica, são
as possibilidades para músicos autônomos no país e como elas foram se modificando ao longo
das últimas décadas.
Ainda assim, essa dissertação não se restringe a aspectos administrativos. Ora, a própria
gênese da gravadora está na junção entre criação e gestão: a razão principal de tudo é a
intenção de fazer música, de sobreviver dela. No princípio, fazia sentido focar na estruturação
da indústria fonográfica nos anos 1990, pois não havia uma cena independente articulada e
concretizada como há hoje. Então, as preocupações do período eram ainda mais direcionadas
a efetivação do produto cultural em si, em viabilizar sua materialidade no CD. A década de
2010 minou essa essência, transferindo a atuação para uma intensa presença nas redes digitais
e na rede de contatos do segmento.
Embora a internet facilite a comunicação entre os artistas com o público, além de
possibilitar o acesso à música com a consolidação dos serviços de streaming. No entanto,
Taubkin não vê essa transformação de forma unilateral, e aponta para suas problemáticas, que
podem esmagar tanto a visibilidade dos artistas independentes nessas plataformas quanto
diminuir uma potencial renda para os artistas.
170
É esperado que essa dissertação tenha contribuído para o debate cena independente
musical brasileira – tanto nos aspectos artísticos (entender as manifestações que atraem esses
grupos, como se dá o processo criativo deles) quanto administrativos (compreender como esse
gerenciamento de carreira acontece e quais foram as principais transformações ao longo das
décadas. A academia aponta para um entrelaçamento cada vez mais intrínseco entre gestão e
criação, mas quais poderiam ter as consequências dessa condição para o artista independente?
Mais autonomia ou dependência de empresas de tecnologia ligadas ao streaming? A
gravadora se coloca nessa discussão, procurando convidar seus semelhantes a fazer o mesmo.
Naturalmente, esse processo envolveu contradições. O caráter tortuoso dessa carreira
pode ser considerado uma das origens dessa característica, mas além dele existem a junção de
personalidades distintas cooperando e conduzindo um empreendimento em comum;
adicionalmente, esses indivíduos também dividem suas criações artísticas, o que torna a
relação ainda mais intrínseca. A tendência de individualização da gestão para Taubkin parece
vir daí, mas não há perda da coletividade no aspecto musical.
Por fim, procurou-se demonstrar que os “sons de sobrevivência” têm elementos laborais
e subjetivos e, por mais contra intuitivo que isso possa parecer, não há um distanciamento
dogmático entre esses dois polos. Os produtos culturais – sejam CDs, longas-metragens,
livros e entrevistas continuaram a perseguir a linha artística pretendida desde o início. Em
suma, é possível entender a gravadora como um questionamento ao discurso de
impossibilidade e existência e permanência: isso existe e é possível, com algumas condições e
limitações podem ser debatidas, sem fatalismo.
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Filmes: